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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ JUDITH DOS SANTOS PEREZ REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SABERES DA EXPERIÊNCIA POR PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDA- MENTAL DE UMA ESCOLA PÚBLICA Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

JUDITH DOS SANTOS PEREZ

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SABERES DA EXPERIÊNCIA

POR PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDA-

MENTAL DE UMA ESCOLA PÚBLICA

Rio de Janeiro

2011

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JUDITH DOS SANTOS PEREZ

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SABERES DA EXPERIÊNCIA

POR PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDA-

MENTAL DE UMA ESCOLA PÚBLICA

Dissertação apresentada à Uni-

versidade Estácio de Sá como re-

quisito parcial para obtenção do

título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Helenice Maia

Rio de Janeiro

Abril 2011

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P438 Perez, Judith dos Santos Representações sociais de saberes da experiência por profes-

sores dos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola pú-blica / Judith dos Santos Perez. – Rio de Janeiro, 2011.

111 f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação)– Universidade Estácio de Sá, 2011.

1. Professores, formação. 2. Representação social. 3. Experi-

ência profissional. 4. Ensino fundamental. I. Título

CDD 370.71

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À Professora, amiga e eterna incentivadora Conceição Perkles

(em memória)

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AGRADECIMENTOS

A todos os que de certa forma contribuíram para a realização deste trabalho, em

especial aos meus pais e a minha madrinha Sônia, pela paciência e compreensão nos

momentos ausentes.

Ao meu marido Claudio, por ter entendido que essa conquista também é sua.

À minha orientadora, Helenice Maia, pelo carinho, confiança e por sempre ter

acreditado em meu potencial.

À Sonia Regina Mendes e Monica Rabello de Castro por aceitarem participar da

Banca Examinadora.

Aos demais professores da Universidade Estácio de Sá: Alda Judith Alves

Mazzotti, Tarso Bonilha Mazzotti, Rita Lima, Lucia Regina Vilarinho, Pedro Humberto

de Campos e Laélia Moreira, pelo apoio em todos os momentos, inclusive nos de dúvida

e desânimo.

Aos colegas de turma, pelas amizades conquistadas: José Carlos, Rutemara, Ro-

berta Juliana, Fernanda, Juliana, Terezinha, Camila, Edith, Andrea, Ana Magdala e Eri-

ca.

Às colegas Marcela e Eva pela imensa ajuda na realização das análises e das

transcrições das entrevistas, respectivamente.

À Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias, em especial à Profa.

Dra. Mariangela Monteiro e à Profa. Myriam Medeiros, por terem autorizado a realiza-

ção da pesquisa.

À Equipe Diretiva da Escola Municipal pesquisada, em especial aos professores

que concederam as entrevistas e à professora voluntária, que consentiu que suas aulas

fossem filmadas, além de ter participado das sessões de autoconfrontação, junto a sua

colega de ofício, para quem também vai o nosso agradecimento.

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Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no

trabalho, na ação-reflexão.

(FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 78)

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RESUMO

O presente estudo constitui-se em uma pesquisa qualitativa que tem como objetivo co-

nhecer os indícios das representações sociais de saberes da experiência por professores

dos anos iniciais do ensino fundamental, atuantes em uma escola vinculada à rede mu-

nicipal de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Por entendermos que os valores dos profes-

sores, seu modo de vida e experiências pessoais interferem em sua atividade profissio-

nal, procuramos perceber que saberes da experiência são mobilizados por eles e como

são mobilizados em função das situações de trabalho e das interações estabelecidas com

outros agentes no processo ensino-aprendizagem, privilegiando as dimensões da ativi-

dade e da experiência. Por considerarmos os sujeitos como atores sociais ativos que,

afetados por diferentes aspectos da vida cotidiana, podem possuir percepções diferenci-

adas de um objeto em relação a outros indivíduos do seu grupo, interferindo assim, na

construção de sua representação social, dirigimos também o olhar para um único sujeito

– uma professora voluntária – para verificar processos de ressignificação individual do

conhecimento relativo aos saberes da experiência compartilhado por seu grupo de per-

tença. O estudo foi norteado pela abordagem processual desenvolvida por Serge Mos-

covici, que identifica os processos formadores das representações sociais, a objetivação

e ancoragem. A categoria saberes da experiência foi focalizada à luz dos estudos de

Jacques Therrien, que dá ênfase aos saberes da experiência produzidos em situações

reais de trabalho, utilizando princípios da ergonomia da atividade. Para a coleta de in-

formações, foram realizadas observação, análise documental e entrevistas semi-diretivas

com 24 professores. A pesquisa utilizou ainda como técnica de coleta a Clínica da Ati-

vidade, proposta por Yves Clot, em que situamos a análise entre a tarefa prescrita e a

atividade real, ou seja, como estas se realizam no processo concreto do trabalho. Para

isso, foram gravados em vídeo oito dias de aula da professora voluntária e, em áudio, a

narrativa de sua história de vida. Foram também efetuadas sessões de autoconfrontação

simples e cruzada entre ela, outra professora convidada e a pesquisadora. A análise dos

dados coletados foi realizada segundo o Modelo da Estratégia Argumentativa (MEA),

conforme proposto por Monica Castro e Janet Bolite-Frant. As teses encontradas com-

põem o esquema figurativo da representação social de saberes da experiência. A tese

central que condensa esse esquema é “a experiência profissional orienta a prática cotidi-

ana docente”, de onde os professores buscam certezas que orientam suas práticas e não

em sua formação ou nas ideologias pedagógicas subjacentes aos currículos pedagógicos,

reforçando a ideia de que basta ter experiência para se desenvolver um bom trabalho.

Não podemos afirmar se houve ressignificação individual das representações sociais de

saberes da experiência, uma vez que as teses defendidas pela professora voluntária estão

imbricadas à tese central, permitindo sua adaptabilidade ao grupo.

Palavras-chave: representações sociais – saberes da experiência – clínica da atividade

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ABSTRACT

The present study constitutes a qualitative research that aims to understand the evidence

of social representations of experience knowledge by teachers from early years of ele-

mentary school, engaged in a school linked to the municipal network of Duque de Caxi-

as, Rio de Janeiro. Because we believe that the values of the teachers, their way of life

and personal experiences interfere with their professional activity, we realize what kind

of experience knowledge is mobilized by them and how it is deployed on the basis of

work situations and interactions with other agents in the teaching-learning process, fa-

vouring the dimensions of activity and experience. By considering the subject as social

actors that assets, affected by different aspects of everyday life, may have different per-

ceptions of an object relative to other individuals in their group, interfering so in build-

ing their social representation, we also look for a single subject – a voluntary teacher –

to check individual “ressignificação” processes of knowledge concerning the experience

knowledge shared by her group of belonging. The study was guided by the procedural

approach developed by Serge Moscovici, who identifies the processes trainers of social

representations, objectification and anchoring. The experience knowledge category was

focused in the studies of Jacques Therrien, who gives emphasis to experience

knowledge produced in real situations, using ergonomic activity principles. For collect-

ing information, documentary analysis and semi-directive interviews with 24 teachers

were held note. The activity clinic was also used as a technique of collecting, proposed

by Yves Clot, where we situate the analysis between the prescribed task and the real

activity, i.e., as these are taking place in the concrete process of work. For this, were

recorded on video eight days of voluntary teacher's classroom, and in audio, the narra-

tive of her story of life. They also made simple and crusade autoconfrontation sessions

between the voluntary teacher, an invited colleague and the researcher. The analysis of

the data collected was performed on the Argument Strategy Model (MEA), as proposed

by Monica Castro and Janet Bolite-Frant. The found theses have composed the figura-

tive scheme of social representation of the experience knowledge. The central thesis that

condenses this schema is "professional experience drives the everyday teaching prac-

tice", where the teachers are seeking certainties that guide their practices and not in their

formation or in the underlying pedagogical ideologies to educational curricula, reinforc-

ing the idea that it is just taking experience to develop a good job. We cannot say if

there was individual “ressignificação” of the social representations of experience

knowledge, since the thesis defended by the voluntary teacher are intertwined with the

central thesis, allowing her adaptability to the group.

Keywords: social representations - experience knowledge – activity clinic

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S U M Á R I O

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 9

CAPÍTULO 1 – A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS -----------------18

CAPÍTULO 2 – OS SABERES DA EXPERIÊNCIA ------------------------------------25

2.1 - Saber docente --------------------------------------------------------------27

2.2 – Racionalidade docente: o sujeito reflexivo --------------------------- 28

2.3 – Trabalho docente: mediação e transformação dos saberes ----------30

2.4 – Concepção de Professor --------------------------------------------------32

2.5 – Ação/cognição situada e Ergonomia da Atividade -------------------33

2.6 – Ergonomia e Clínica da Atividade ------------------------------------ 36

CAPÍTULO 3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS --------------------------38

3.1 - A clínica da atividade -----------------------------------------------------42

3.2 - O modelo da estratégia argumentativa (MEA) ------------------------47

CAPÍTULO 4 – EM BUSCA DOS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AOS SABE-

RES DA EXPERIÊNCIA ---------------------------------------------------------------------51

4.1 – Caracterização da escola -----------------------------------------------52

4.2 - Perfil dos professores ----------------------------------------------------57

4.3 – Entrevistas -------------------------------------------------------------- 58

4.4 - Narrativa de história de vida -------------------------------------------70

4.5 - Autoconfrontação --------------------------------------------------------79

4.5.1 – Autoconfrontação simples ----------------------------------- 80

4.5.2 - Autoconfrontação cruzada -------------------------------------85

4.6 – Representações sociais de saberes da experiência ------------------88

CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------------------- 91

REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------ 95

APÊNDICES -----------------------------------------------------------------------------------104

ANEXOS --------------------------------------------------------------------------------------- 105

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INTRODUÇÃO

A profissão docente, a partir da ótica da formação e do trabalho realizado, tem

sido alvo de muitos estudos em diferentes países (APPLE, 1995; CARROLO, 1997;

ESTEVE, 1995; IMBERNÓN, 2005; NÓVOA, 1999; TARDIF, 2000, 2001; TARDIF,

LESSARD, 2005; THERRIEN,1997; 2001; 2009), inclusive no Brasil (CARLOTTO,

2003; GERALDI, 2003; HAGEMEYER, 2004; HYPOLITO, VIEIRA, PIZZI, 2009;

MARIN, SAMPAIO, 2004; OLIVEIRA, 2008).

As rápidas mudanças observadas no cenário mundial nas últimas décadas do

século XX apontam para novas formas de organização da produção, do trabalho, da vida

econômica e, consequentemente, da educação escolar. A reestruturação produtiva traz

outro modelo de acumulação, denominado flexível, e enseja diferentes formas de

organização do trabalho, inclusive da escola (CORIAT, 1994).

Segundo Tardif e Lessard (2008), o trabalho docente hoje representa uma

atividade profissional que exige conhecimentos e competências em vários campos:

cultura geral e conhecimentos disciplinares; psicopedagogia e didática; conhecimento

dos alunos, de seu ambiente familiar e sociocultural; conhecimento das dificuldades de

aprendizagem, do sistema escolar e de suas finalidades; conhecimento das diversas

matérias do programa, das novas tecnologias da comunicação e da informação etc. Em

resumo, o ensino se transformou em uma atividade complexa e rigorosa.

Noções de coletividade, autonomia e participação são fortemente evocadas nos

documentos das reformas educativas atuais (UNESCO/CEPAL, 2005), porém

compreendidas numa abordagem que privilegia a flexibilidade. É possível observar que

maior flexibilidade na gestão, nas estruturas curriculares e nos processos de avaliação,

corrobora a ideia de que há novos padrões de organização, também do trabalho escolar,

o que acaba por delinear um novo perfil de trabalhador docente, que se encontra diante

da necessidade de se adaptar às novas exigências.

No contexto brasileiro, as reformas educacionais, contempladas, sobretudo na

legislação educacional em vigor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(BRASIL, 1996), apresentam um reforço ao trabalho coletivo e a necessidade de

participação e envolvimento da comunidade na gestão da escola. A referida legislação

incumbe os estabelecimentos de ensino a elaborarem e executarem sua proposta

pedagógica e ainda se articularem com as famílias e a comunidade. Para isso, o docente

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deve, além de cumprir suas atividades em sala de aula, participar ativamente da

construção do projeto político-pedagógico da(s) unidade(s) escolar(es) em que atua1.

Oliveira (2008) considera que o caráter flexível privilegiado nas reformas

educacionais pode trazer, por um lado, ganhos de autonomia, mas por outro, exige mais

tempo de trabalho do professor, tempo que, se não aumenta sua jornada objetivamente,

acaba se traduzindo numa intensificação de seu trabalho, que o obriga a responder a um

número maior de exigências. A autora afirma, ainda, que essas reformas trouxeram

novas exigências profissionais para o professor, atuando fortemente sobre a organização

escolar, trazendo outras formas de ensinar e de avaliar, muitas vezes sem a necessária

adequação das condições de seu trabalho. Segundo ela, isto resulta também em maior

responsabilização sobre a formação do professor, obrigando-o a buscar constantemente,

por sua própria conta, formas de requalificação. A este novo profissional resta, pois, um

desafio: desenvolver habilidades pessoais para que seja capaz de acompanhar as

tendências e os novos processos educacionais, além de impregnar indivíduos com o

sinal da construção de novos saberes, de indicar caminhos e de ajudar a construir uma

sociedade nova.

Além disso, o professor é considerado pela sociedade contemporânea não

apenas um agente central de mudanças, mas também o principal responsável pelo

desempenho dos alunos, da escola e do próprio sistema educacional. Os resultados da

pesquisa encomendada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (INEP), em parceria com o Ministério de Educação (MEC), realizada

pela Fundação CESGRANRIO e publicada em 2006, evidenciam a veracidade dessa

afirmação, pois mostram que a maioria dos pais entrevistados atribui ao professor a

responsabilidade direta pela qualidade do ensino, pela disciplina na sala de aula, pela

motivação dos alunos e, sobretudo, pelo sucesso ou fracasso escolar (PINTO; GARCIA;

LETICHEVSKY, 2006).

Em se tratando de escola pública, diante das variadas funções que assume, o

professor ainda responde a exigências que estão além de sua formação. Muitas vezes

este profissional é obrigado a desempenhar funções de agente público, assistente social,

1 Conforme Art. 13 do Título IV - Da Organização da Educação Nacional: Os docentes incumbir-se-ão de: I – parti-

cipar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir plano de trabalho,

segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; IV – estabe-

lecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas–aula esta-

belecidos além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimen-

to profissional; VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. (Disponí-

vel em www.planalto.gov.br/.../L9394.htm. Acesso em 01/06/2010).

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enfermeiro, psicólogo, entre outras, o que contribui para um sentimento de perda de

identidade, da constatação de que ensinar, às vezes, não é o mais importante

(NORONHA, 2001).

O papel do professor frente às novas demandas sociais e educacionais é,

portanto, foco de preocupações e teorizações. Na literatura pedagógica há produção

intensa de material que aborda sugestões de estratégias metodológicas, de como avaliar,

planejar de modo prescritivo (GANDIN, 1994a, 1994b; HOFFMANN, 1991, 1998,

2001, 2005; LUCKESI, 1995; PADILHA, 2001; PERRENOUD, 1999, 2000;

VASCONCELOS 1995; VEIGA, 2001). Também são encontradas publicações cujo

conteúdo discute os sentidos atribuídos à docência nos dias atuais (ALVES-

MAZZOTTI, 2008; NÓVOA, 1999; PIMENTA, 2002; OLIVEIRA, 2008).

A nosso ver, também devem ser discutidas questões dirigidas ao trabalho

docente situado em contextos reais de sala de aula e que adotem abordagens teórico-

metodológicas que permitam identificar e compreender as especificidades dos sujeitos

dessa prática, bem como a produção de saberes (conhecimentos, hábitos, competências)

na formação de uma nova prática docente.

Conforme explica Maia (2009), o trabalho docente cotidiano é um ato que

engloba não apenas a prática pedagógica, mas também a estrutura organizacional,

pressupostos, valores, condições de trabalho, opções didáticas, métodos, organização e

âmbito das atividades, organização do tempo e do espaço, não sendo nem simples nem

previsível, mas complexo e enormemente influenciado pelas próprias decisões e ações

desse atores. De acordo com a autora, dadas as efetivas condições para o

desenvolvimento do trabalho pedagógico e tendo a responsabilidade como fator

preponderante para a formação dos alunos, os professores contribuem com seus saberes,

seus valores, suas competências para essa tarefa.

Assim, os saberes docentes têm sido mais recentemente objeto de estudo por

representarem a possibilidade de compreender os elementos que estruturam o trabalho

docente, visto que este “requer do professor um fazer que atenda a diversidade de

situações que ocorrem no cotidiano escolar articulada e simultaneamente” (MAIA;

MAGALHÃES, 2008, p. 1).

A ênfase dada ao tema proporcionou discussões sobre sua relação com a

identidade profissional docente e muitas pesquisas sobre esta temática foram marcadas

por enfoques que valorizam os saberes da experiência, apresentando como novo

paradigma formativo, a perspectiva reflexiva (GAUTHIER, 1998; NÓVOA, 1995;

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PIMENTA, 1999; TARDIF, 2000; THERRIEN, 2000, entre outros).

O professor em sua atividade pedagógica visa à concretização de objetivos

diferentes que integram, para sua efetiva realização, conhecimentos variados. Os

saberes produzidos na experiência e por ela validados são provenientes da

reorganização dos demais saberes. Tais saberes não são “para” a prática e sim “da”

prática e são produzidos também nas atividades cotidianas ao se confrontarem com as

condições de atuação do professor.

Esses saberes, que são produzidos e apropriados ao longo de sua história de vida,

em sua prática pedagógica diária, na organização escolar, nas relações com os pares,

com os alunos e comunidade escolar, fornecem aos professores, segundo Tardif (2002,

p. 50) “certezas relativas a seu contexto de trabalho na escola de modo a facilitar sua

integração.”

Sendo assim, nesta pesquisa, serão enfocados os saberes da experiência à luz dos

estudos de Jacques Therrien que trata a profissionalização docente em sua

especificidade e constituição com base nos processos de socialização e a partir da

categoria “saber docente”, além de analisar a complexidade dos saberes constituídos na

e para a docência. Seus estudos apontam a necessidade de aprofundar a natureza, a

proveniência e os processos de construção e legitimação do saber da experiência, suas

fontes e seus modos de integração aos demais saberes e à prática cotidiana.

Therrien (2000, p. 82) define cultura docente como “a pluralidade de saberes

ou o repertório de conhecimentos constantemente disponível e mobilizado pelo docente

para conduzir sua ação pedagógica no contexto da sala de aula” e destaca a articulação

dos saberes docentes diante da complexidade das situações de trabalho, enfrentadas pelo

professor (THERRIEN, 2002). De acordo com ele, a reflexão possibilita ao professor a

compreensão e análise racional de sua ação docente na perspectiva de melhor

sistematizá-la e operacionalizá-la. Permite ainda, que o docente desenvolva, a partir de

uma postura crítica e da percepção da natureza da ação pedagógica, saberes relativos ao

seu ofício, considerando que sua prática, por seu caráter situado, histórico e social,

extrapola a mera aplicação de técnicas e de transmissão de conteúdos.

Quanto aos saberes da experiência, Therrien (1997) afirma que, ao articular

diferentes saberes intervindo no contexto social que é a sala de aula, o docente não se

limita a transmiti-los, mas a situação de interação com os alunos inerente a este

ambiente o obriga a adequá-los. Isto significa que suas ações são fruto de julgamentos e

decisões que dão sentido às suas intervenções. Esse conjunto de saberes produzidos na

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práxis docente, permitindo-lhe compreender e orientar sua profissão no cotidiano da

escola pode ser abordado como saber da experiência e observado sob o prisma do saber

da prática.

Therrien e Loiola (2003) consideram que os professores não rejeitam

totalmente os outros saberes; eles os incorporam à sua prática, retraduzindo-os em

categorias através de seus próprios discursos. Nesse sentido, a prática pode ser vista

como um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua

formação e a adaptam à profissão. Assim, a experiência provoca um efeito de retomada

crítica dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional.

Therrien (2000) entende a docência assim como Habermas (1997), como uma

profissão situada e relacionada ao mundo vivido e, de acordo com Dubet (1994 apud

TARDIF, 1999), caracterizada como trabalho de humano com o humano e para o

humano. A docência é, portanto, entendida como um trabalho refletido, interativo, em

que há a relação entre o trabalhador e seu objeto de trabalho. Por essa razão, o autor dá

ênfase aos saberes de experiência produzidos em situações reais de trabalho e utiliza

como suporte metodológico em algumas de suas pesquisas princípios da ergonomia da

atividade (THERRIEN, 2001), o que nos parece ser apropriado para nortear a

investigação sobre os saberes da experiência no lócus de atuação do professor.

A noção de ergonomia refere à análise do trabalho objetivando descrever e

explicar a atividade humana em contexto concreto de ação, ou seja, situada no próprio

terreno. Vista em relação ao trabalho docente, Therrien e Loiola (2001, p. 154) afirmam

que

a ergonomia, aplicada aos estudos no campo da educação, interessa-se

pela investigação da dinâmica que considera o sujeito, a atividade e o

contexto como um todo. De modo mais específico, trata-se de um

ponto de vista centrado no desenvolvimento dos conhecimentos em

contexto.

O trabalho docente, segundo Therrien e Loiola (2001), pois, é concebido como

prática situada, contextualizada e é fruto da multiciplidade de saberes oriundos da

formação, das disciplinas, do currículo, da experiência, da prática social. Therrien

(2000; 2001) afirma que o saber docente é um saber sempre ligado a uma situação de

trabalho com os outros (alunos, colegas, pais), um saber ancorado numa tarefa

complexa (ensinar), situado num espaço de trabalho (a sala de aula), enraizado numa

instituição e numa sociedade. O saber do professor se estabelece então na dinâmica

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entre o que ele é, sua personalidade e experiência e o que ele faz, considerando as

condições concretas em que realiza seu trabalho.

Por ser o trabalho docente marcado pela estrutura organizacional escolar, em que

se incluem não apenas as tarefas concretas a serem realizadas pelos professores, mas

também as exigências reais do trabalho cotidiano, a fim de entender a prática docente

em contextos reais de sala de aula, utilizamos a metodologia desenvolvida por Clot

(2006) e situamos a análise entre a tarefa prescrita e a atividade real, ou seja,

pretendemos verificar como estas se realizam no processo concreto do trabalho. O

interesse despertado pelo foco da atividade está na possibilidade de se fazer conhecer o

ponto de vista de quem trabalha para, assim, integrar-se às experiências destes no

processo de produção de conhecimento e articular os conceitos em diálogo crítico com

os saberes de experiência.

Por entendermos que os valores dos professores, seu modo de vida e

experiências pessoais interferem em sua atividade profissional, nesse estudo

intencionamos perceber que saberes da experiência são mobilizados por eles e como

estes são mobilizados em função das situações de trabalho e das interações estabelecidas

com outros agentes no processo ensino-aprendizagem, privilegiando as dimensões da

atividade e da experiência. Assim, adotamos o referencial teórico-metodológico da

Teoria das Representações Sociais.

A representação social é uma forma de conhecimento socialmente elaborado e

compartilhado que ajuda o sujeito a apreender os acontecimentos da vida cotidiana, a

dominar o ambiente, a facilitar a comunicação de fatos e idéias e a se situar frente a

pessoas e grupos, orientando e justificando seu comportamento frente aos objetos

representados e contribuindo para o fortalecimento da identidade grupal (ALVES-

MAZZOTTI, 2000).

Segundo Jodelet (1990), esse conhecimento é socialmente elaborado porque,

embora se constitua a partir da experiência pessoal do sujeito, ele se serve de

informações, crenças, significados e modelos de pensamento negociados através da

tradição, da educação e da comunicação social.

Para esta autora, a articulação entre experiência vivida e representações sociais

é não só possível, mas profundamente enriquecedora para ambas as partes, uma vez que

remetem a uma modalidade de consciência como totalidade que inclui, ao lado dos

aspectos do conhecimento, dimensões emocionais e de linguagem; exige a consideração

das práticas e das ações, assim como dos contextos; e permite observar a emergência da

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subjetividade na negociação de sua necessária inscrição social. Ela considera que a

noção de experiência vivida remete a um estado em que o sujeito é tomado pela

emoção. Este estado pode ser privado, mas também pode corresponder a uma fusão da

consciência individual na experiência coletiva podendo assim, ser compartilhado (idem,

2005).

Além do plano emocional e identitário, a experiência comporta uma dimensão

cognitiva, na medida em que implica uma experimentação do mundo e contribui para a

construção da realidade. Os termos em que vai ser formulada essa experiência e sua

correspondência com a situação em que ela emerge vão ser tomados do repertório de

saberes e significados culturais que darão forma e conteúdo a essa experiência; ela

própria constitutiva dos sentidos que o sujeito dá às situações, objetos e pessoas que

povoam seu mundo vivido. De fato, as experiências subjetivas só podem ser conhecidas

a partir dos discursos dos sujeitos, mesmo aqueles interiorizados. E esses discursos são

estruturados a partir de códigos sociais que designam saberes, objetos e sentimentos.

Segundo Aguiar, Davis e Alves-Mazzotti (2010, p. 11), a Análise Ergonômica

do Trabalho (AET) e a Teoria das Representações Sociais (TRS) perseguem fins

distintos. Enquanto na AET a meta é entender o sujeito em sua atividade, a TRS

pretende apreender, via grupos, aquilo que é comum e partilhado em termos de valores,

crenças e conhecimentos. Nesse sentido, a TRS pode contribuir para compreender o

sujeito “ao explicitar o sistema de representações partilhadas por seu grupo de pertença

e pela cultura mais ampla, fornecendo instrumentos para interpretar aquilo que é

experimentado por ele na negociação de sua inserção social”. Portanto, para a TRS a

análise da atividade do sujeito faz-se importante na medida em que traz a

ressignificação2 que este faz de um conhecimento compartilhado. Ressaltamos, que as

representações sociais têm

origem nas condições sócio-estruturais e sócio-dinâmicas de um

grupo. Porém, isso não impede que os indivíduos dêem a essas

representações um toque singular, uma vez que cada um está sujeito as

experiências particulares, embora façam parte de um mesmo grupo

social, o que, por sua vez, possibilita percepções e apreensões

diferenciadas de um objeto, em relação a outros indivíduos de seu

grupo (LEAL, 2008, p. 20).

Cada indivíduo, portanto, pode ter um sistema de pensamento diferenciado e, ao

2Utilizaremos a definição de ressignificação individual conforme Leal (2008, p. 10): “o termo ressignificação se

refere à reconstrução de sentidos a partir de um processo de partilha e negociação de significados”.

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mesmo tempo, coerente com o sistema de pensamento do grupo ao qual pertence. Esse

sistema de pensamento é utilizado tanto pelo indivíduo como pelo grupo, como

referência à interação positiva ou negativa de um novo objeto. Jodelet (2001) ressalta

que a representação social não se inscreve numa tábula rasa, ou seja, há sempre um

sistema de representação antigo, algo já pensado, latente ou manifesto, que em contato

com outros sistemas de pensamento sofre seus efeitos mudando seu conteúdo e suas

percepções.

Assim, conhecer as representações sociais de saberes da experiência partilhadas

por professores dos anos iniciais do ensino fundamental significa ter acesso a dados que

podem ajudar a compreender os significados atribuídos pelos sujeitos à sua própria

atividade. Para acessá-las, foram elaboradas as seguintes questões de estudo:

1. Como se configuram saberes da experiência para os professores?

2. Que relações os professores estabelecem entre o que aprenderam durante

a formação e o que utilizam em sua prática pedagógica?

3. Que saberes da experiência são mobilizados por esses professores em sua

prática pedagógica?

4. Que sentidos, valores e crenças os professores associam a saberes da

experiência?

5. Como a professora voluntária ressignifica o conhecimento relativo aos

saberes da experiência compartilhado pelo grupo?

Para responder essas questões foram elaborados quatro capítulos. No capítulo 1,

intitulado A teoria das representações sociais, apresentamos o referencial teórico-

metodológico adotado na pesquisa, onde são destacados seus postulados,

contextualizada sua historicidade, conceitos básicos a partir dos estudos seminais de

Serge Moscovici e de seus seguidores, bem como a aplicação e o subsídio dessa teoria

no âmbito educacional.

No segundo capítulo, Os saberes de experiência, discutimos o tema saberes de

experiência à luz dos estudos de Jacques Therrien, por meio de seis seções: Saber

docente; Racionalidade docente: o sujeito reflexivo; Trabalho docente: mediação e

transformação dos saberes; Concepção de Professor; Ação/cognição situada e

Ergonomia da Atividade; e Ergonomia e Clínica da Atividade.

No terceiro capítulo, Procedimentos metodológicos, destacamos, na coleta de

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dados, a Clínica da Atividade desenvolvida por Yves Clot, e na análise, o Modelo de

Estratégia Argumentativa (MEA), proposto por Monica Rabello de Castro e Janet

Bolite-Frant.

No quarto capítulo, Em busca dos significados atribuídos aos saberes da

experiência, apresentamos por meio de seis seções, a caracterização da escola, os

sujeitos participantes da pesquisa, as técnicas e os instrumentos utilizados, as análises

realizadas e os resultados encontrados.

Na Conclusão, expomos nossas considerações acerca da pesquisa empreendida,

sua implicação na Educação, na vida dos sujeitos e da sociedade, além de sugestões para

futuros estudos relacionados ao tema.

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CAPÍTULO 1

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A noção de representação social refere-se à forma como conhecimentos são

constituídos a partir de nossas experiências pessoais, mas também a informações,

saberes, modelos de pensamento que elaboramos e compartilhamos socialmente. Trata-

se, pois, de uma psicossociologia do conhecimento, uma produção mental social, como

o mito, a ciência, a ideologia, distinguindo-se, porém destes por seus modos de

elaboração e funcionamento, distinguindo-se também de opiniões, atitudes, estereótipos

e imagens, por terem estes sido reduzidos pelo modelo behaviorista a disposições de

resposta.

Por meio de sua obra inaugural “A Psicanálise, sua imagem e seu público”,

publicada na França em 1961, Serge Moscovici lança a pedra fundamental de difusão da

Teoria das Representações Sociais (TRS). A teoria surgiu em substituição à Teoria das

Representações Coletivas de Émile Durkheim, a partir da inquietação de que nem a

Sociologia nem a Psicologia eram capazes de explicar os fenômenos coletivos humanos.

Seu objetivo era fazer com que a Ciência Social se tornasse mais adequada ao mundo

moderno, possuidor de uma pluralidade de construções e reconstruções de significados.

Somente por volta de 1970 a teoria encontra seu lugar e começa a ser empregada em

pesquisas, utilizando tanto os métodos experimentais quanto os não experimentais.

A Teoria das Representações Sociais, na linha da Psicologia Social, concebe o

sujeito possuindo um eu, isto é, uma subjetividade, aliada a uma historicidade, que seria

o somatório de todas as experiências vividas por esse sujeito, por isso denominada

teoria do senso comum.

Segundo Moscovici (1978, p. 51), as representações sociais constituem-se para

o homem moderno em uma das vias de apreensão do mundo concreto, elas “determinam

o campo de comunicações possíveis, dos valores ou das idéias presentes nas visões

compartilhadas pelos grupos e regem, subsequentemente, as condutas desejáveis ou

admitidas”. Anos mais tarde, o autor definiria as representações sociais como um

conjunto de conceitos, enunciados e explicações originados na vida cotidiana, a versão

contemporânea do senso comum (idem, 2001).

Desde a formulação inicial nos anos sessenta, o conceito de representação

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social vem sofrendo inúmeras análises, críticas, leituras e reformulações. Cabe ressaltar

que o próprio Moscovici (2001, p. 207) aceita esses questionamentos e considera que

o conceito de representações sociais não está perfeitamente claro.

Padece de um conteúdo demasiado amplo e mal definido. Não é

facilmente apreendido intuitivamente e só ganha sentido graças ao uso

concreto. [...] Elas circulam, entrecruzam-se e cristalizam-se sem

cessar por meio de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso

universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, dos

objetos consumidos ou produzidos, das comunicações roçadas estão

impregnadas delas. Como sabemos, elas correspondem, por um lado, à

substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática

que produz a dita substância, assim como a ciência e os mitos

correspondem a uma prática científica e mítica.

O aspecto simbólico das representações sociais é detalhado por Doise (2001, p.

193) que explica serem elas organizadas de maneiras diferentes, “dependentes do

conjunto de relações sociais, princípios ou esquemas que organizam as tomadas de

posição simbólicas ligadas a inserções específicas nessas relações”.

Segundo Spink (1995, p. 90), as representações sociais podem ser enfocadas

como produto e como processo de uma elaboração psicológica do real. Esses dois

enfoques determinam o método e o modo de compreensão de determinado fenômeno.

Enquanto produto, as RS “emergem como pensamento constituído ou campo

estruturado. Nessa perspectiva as pesquisas visam depreender os elementos

constitutivos das representações”. Mas as representações sempre devem ser analisadas

de acordo com as condições em que foram produzidas.

As pesquisas que seguem o enfoque das representações sociais compreendidas

como processo tendem a examinar os processos de objetivação e ancoragem na

elaboração cognitiva – a abordagem processual, proposta por Moscovici.

Denise Jodelet, principal colaboradora de Moscovici, assume a tarefa de

sistematizar o campo e contribui para o aprofundamento teórico, procurando melhor

esclarecer o conceito de representações sociais e a elaborar seus processos formadores.

Para ela, a representação social designa um modo de pensamento social que

compreende uma gama enorme de significados e nomeia cinco características

fundamentais de uma representação: (1) sempre é uma representação de um objeto; (2)

possui uma característica de imagem e uma prioridade de poder que podem interferir na

percepção e no conceito em questão; (3) remete a um significante; (4) possui a

capacidade de construção; (5) é autônoma e criativa (JODELET, 2001).

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As representações sociais são produzidas por meio do mundo simbólico,

especificamente através da palavra comunicada. Estão estruturadas em três níveis: (1)

cognitivo (refere-se ao acesso desigual das informações, interesses ou implicações dos

sujeitos, necessidade de agir em relação aos outros); (2) formação da representação

social (objetivação – a propriedade de tornar concreto o abstrato – e ancoragem – a

criação de uma “rede de significações” em torno do objeto representado); e (3)

edificação das condutas (opiniões, atitudes, estereótipos).

Jodelet (1990) define a objetivação como uma operação imaginante e

estruturante que dá corpo aos esquemas conceituais, reabsorvendo o excesso de

significações, procedimento necessário ao fluxo das comunicações. Distingue três fases

nesse processo: a construção seletiva, a esquematização estruturante e a naturalização.

A construção seletiva corresponde ao processo pelo qual o sujeito se apropria

das informações e saberes sobre um dado objeto. Nesta apropriação, alguns elementos

são retidos, enquanto outros são ignorados ou rapidamente esquecidos. As informações

que circulam sobre o objeto vão sofrer uma triagem em função de condicionantes

culturais (acesso diferenciado às informações em decorrência da inserção grupal do

sujeito) e, sobretudo, de critérios normativos (só se retém o que está de acordo com o

sistema de valores circundante).

Na esquematização, uma estrutura imaginante reproduz, de forma visível, a

estrutura conceitual, de modo a proporcionar uma imagem coerente e facilmente

exprimível dos elementos que constituem o objeto da representação, permitindo ao

sujeito apreendê-los individualmente e em suas relações. O resultado dessa organização

é chamado de núcleo ou esquema figurativo.

A naturalização consiste no reflexo do abstrato no real, materializando-se e

determinando o espaço das concepções. Os elementos que foram construídos

socialmente passam a ser identificados como elementos da realidade do objeto.

Para Jodelet (2001, p. 36), o fato de que a representação é uma reconstrução do

objeto, expressiva do sujeito e a serviço de suas necessidades e interesses, conduz a um

jogo de mascaramento ou de acentuação de determinados elementos, provocando “uma

defasagem em relação a seu referente”. A autora aponta três tipos de efeito desse

processo nos conteúdos representados: as distorções, as suplementações e as subtrações.

Na distorção, embora todos os atributos do objeto estejam presentes, alguns se

encontram especialmente acentuados ou minimizados; na suplementação, são atribuídas

ao objeto características e conotações que ele não possui; e na subtração, atributos

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pertencentes ao objeto são suprimidos.

O outro processo formador das representações sociais, a ancoragem, diz

respeito ao enraizamento social da representação à integração cognitiva do objeto

representado no sistema de pensamento preexistente e às transformações que, em

conseqüência, ocorrem num e noutro. Não se trata, como na objetivação, da construção

formal de um conhecimento, mas de sua inserção orgânica em um pensamento

constituído.

Segundo Jodelet (1990), a ancoragem, relacionada dialeticamente à

objetivação, articula as três funções básicas da representação: (1) a função cognitiva de

integração da novidade; (2) a função de interpretação da realidade; e (3) a função de

orientação das condutas e das relações sociais. Assim, esse processo permite

compreender como a significação é conferida ao objeto apresentado; como a

representação é utilizada como sistema de interpretação do mundo social e

instrumentaliza a conduta; e como se dá sua integração em um sistema de recepção e

como influenciam e são influenciados pelos elementos que aí se encontram.

São aspectos estruturantes da ancoragem:

A atribuição de sentido – a hierarquia de valores prevalente na sociedade e em

seus diferentes grupos contribui para criar em torno do objeto uma rede de

significações na qual ele é inserido e avaliado como fato social, ou seja, um

grupo pode expressar sua identidade pelos sentidos que imprime a suas

representações;

A instrumentalização do saber – os elementos da representação contribuem para

exprimir e constituir as relações sociais. A estrutura imaginante torna-se, por

“generalização funcional”, referência para a compreensão da realidade. O

sistema de interpretação tem uma função de mediação entre o indivíduo e seu

meio e entre os membros de um mesmo grupo, exercendo poder de influência

entre os indivíduos;

O enraizamento no sistema de pensamento – as novas representações se

inscrevem num sistema de representações preexistentes. Desta forma, o novo

torna-se familiar, ao mesmo tempo em que transforma o conhecimento anterior;

o sistema de pensamento preexistente ainda predomina e serve como referência

para os mecanismos de classificação, comparação e de categorização do novo

objeto.

Segundo Moscovici (2003, p. 66) “ao nomear algo, nós o libertamos de um

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anonimato perturbador, para dotá-lo de uma genealogia e para incluí-lo em um

complexo de palavras específicas, para localizá-lo, de fato, na matriz de identidade de

nossa cultura.”

Para Jodelet (1990, p. 378), o estudo das representações sociais, ao identificar

os mecanismos sócio-cognitivos que operam no pensamento social, oferece uma

poderosa alternativa aos modelos de cognição social. Ela afirma que

seu alcance na Psicologia Social não para aí. Pelos laços que as unem

à linguagem, ao universo do ideológico, do simbólico e do imaginário

social, por seu papel na orientação de condutas e das práticas sociais,

as RS são objetos cujo estudo restitui à disciplina suas dimensões

histórica, social e cultural.

As representações sociais possuem duas funções principais: uma delas é a de

manter uma ordem que permite aos sujeitos se orientarem e dominarem o meio

ambiente social e material no qual estão inseridos. A outra função é de comunicação

entre os membros de um grupo, comunicação esta que estabelece códigos com o

objetivo de nominar e classificar de uma maneira singular partes do mundo desse grupo,

bem como acontecimentos da vida individual e coletiva dessa comunidade.

O estudo das representações sociais de objetos relevantes para o campo da

Educação oferece um rico instrumental para a compreensão das complexas redes de

significados presentes nos processos educacionais. Este instrumental teórico-

metodológico tem se mostrado um caminho promissor na análise das relações entre as

representações e práticas escolares e suas repercussões nos processos de construção da

identidade social.

Segundo Alves-Mazzotti (2005, p. 142), no que se refere à produção brasileira,

um número crescente de pesquisas no campo da educação vem adotando o referencial

teórico das representações sociais, uma vez que

estas nos ajudam a compreender e tentar modificar as práticas

docentes que resultam em desigualdades de oportunidades

educacionais, pelas possibilidades que oferecem de antecipar

hipóteses sobre comportamentos e trajetórias, bem como de identificar

conflitos entre os sentidos atribuídos ao mesmo objeto pelos diferentes

atores envolvidos nas relações pedagógicas.

A Teoria das Representações Sociais pode promover reflexões acerca dos

saberes docentes e, especificamente, dos saberes da experiência, foco da pesquisa em

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tela. Therrien (1993 apud TARDIF, 1991, p. 65) considera que importa estudar a

proveniência e os processos de apropriação na prática pedagógica dos docentes, do

saber socialmente construído na sua práxis cotidiana – o saber da experiência - definido

como “o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no quadro da prática

docente” e social, distinguindo-se dos saberes provenientes das instituições de formação

e dos currículos. O autor ressalta que a prática pedagógica é produtora de saberes e que

é por meio dela que os professores aprendem, retraduzindo o que aprenderam durante

sua formação. A experiência é, portanto, uma das dimensões dos saberes que constituem

a prática docente e os saberes da experiência “formam um conjunto de representações a

partir das quais os docentes interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua

prática cotidiana em todas as suas dimensões” (op. cit).

Jodelet (2005) registra que, ao relacionarmos representações sociais e

experiência, devem ser observados os elementos das representações compartilhadas por

um grupo, que estão mobilizados para construir o sentido da experiência vivida.

Segundo ela,

construída no seio de situações concretas com as quais o sujeito se

depara, a noção de experiência constitui um enriquecimento ou um

alargamento da relação com o mundo. Podemos perceber, em geral,

duas dimensões: uma de conhecimento e uma dimensão que é da

ordem do experimentado, da implicação psicológica do sujeito

(JODELET, 2005, p. 26).

A experiência, portanto, está diretamente associada à dimensão do vivido e

Jodelet (op. cit, p. 29) define experiência vivida como “o modo através do qual as

pessoas sentem uma situação, em seu foro íntimo, e o modo como elas elaboram,

através de um trabalho psíquico e cognitivo, as ressonâncias positivas ou negativas

dessa situação e as relações e ações que elas desenvolveram naquela situação”. A autora

complementa que conforme a experiência é formulada e corresponde à situação em que

emerge, existem pré-construções culturais e um estoque comum de saberes que darão

forma e conteúdo a essa experiência, que é constitutiva de sentidos que o sujeito dá aos

acontecimentos, situações, objetos e pessoas de seu meio. Assim, a experiência é

socialmente construída e compartilhada.

Jodelet (2005) lembra que Moscovici (1978), já em seu estudo pioneiro,

mostrou como as categorias da Psicanálise forneceram uma gramática para o sujeito

interpretar sua própria experiência e a dos outros. A autora acrescenta que, em seu

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movimento dialético, as relações entre experiência vivida e representações sociais põem

em jogo diferentes instâncias de cada uma. De um lado, no plano cognitivo, o sistema

de representações de uma dada cultura fornece os instrumentos para interpretar aquilo

que é experimentado pelo sujeito. De outro, a experiência vivida pelo sujeito pode fazer

emergir novos sentidos e significados, o que ajuda a compreender suplementações no

processo de objetivação.

Assim, a articulação entre as noções de experiência vivida e representações

sociais oferecem um terreno fértil a ser explorado, já que remetem a uma modalidade de

consciência como totalidade que inclui, ao lado dos aspectos do conhecimento,

dimensões emocionais e de linguagem, exigindo a consideração das práticas e das

ações, bem como dos contextos, além de permitir a observação da emergência da

subjetividade na negociação de sua necessária inscrição social (JODELET, 2005).

Embora a questão do sujeito não seja, até o presente, objeto de uma reflexão

sistemática na abordagem teórica das representações sociais, Jodelet (2009, p. 683)

aponta que autores como Dosse, Kaës e Zavalloni dedicaram seus estudos às relações

entre representações sociais e subjetividade, por considerarem o sujeito como um

indivíduo não isolado no seu modo de vida, mas autenticamente social, “que interioriza

e se apropria das representações ao mesmo tempo em que intervém na sua construção”.

Como afirma Jodelet (2009, p. 705):

Falar de sujeito, no campo de estudo das representações sociais, é

falar de pensamento, ou seja, referir-se a processos que implicam

dimensões físicas e cognitivas, a reflexividade por questionamento e

posicionamento diante da experiência, dos conhecimentos e do saber,

a abertura para o mundo e os outros. Processos que tomam uma forma

concreta em conteúdos representacionais expressos nos atos e nas

palavras, nas formas de viver, nos discursos, nas trocas dialógicas, nas

afiliações e nos conflitos.

Com relação à gênese e às funções das representações sociais produzidas por

indivíduos e grupos localizados em espaços concretos da vida, a autora propõe três

esferas ou universos de pertença: (1) a da subjetividade – que corresponde aos processos

pelos quais o sujeito se apropria e constroi suas representações. Esses processos podem

ser de natureza cognitiva, emocional e dependentes de uma experiência de vida. Eles

remetem igualmente aos estados de sujeição (assujeitamento do indivíduo a regras e

objetivações) ou de resistência; (2) a da intersubjetividade - que remete às situações que,

em um dado contexto, contribuem para estabelecer representações elaboradas na

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interação entre os sujeitos, negociadas e estabelecidas em comum pela comunicação

verbal direta, apontando a possibilidade de criação de significações ou de

ressignificações consensuais; (3) a da transubjetividade – composta por elementos

subjetivos e intersubjetivos, dominando tanto os indivíduos e os grupos, quanto os

contextos de interação, as produções discursivas e as trocas verbais (JODELET, 2006).

Segundo Jodelet (idem, p. 20)

na formação das representações sociais, a esfera da transubjetividade

se situa diante da intersubjetividade e remete a tudo que é comum aos

membros de um mesmo coletivo, que pode ter várias origens: a

difusão pelos meios de comunicação de massa, os sistemas de normas

e valores, as hegemonias ideológicas etc. pela sua circulação, as

representações assim geradas ultrapassam o quadro das interações e

são endossadas, sob a forma de adesão ou de submissão pelos sujeitos.

Um mesmo acontecimento pode mobilizar representações transubjetivas

diferentes, que decorrem das diferentes interpretações dos sujeitos, podendo levar a

situações de consenso ou de dissenso. Em outras palavras, “um mesmo objeto ou

acontecimento visto por horizontes diferentes dá lugar a negociações de interpretação,

confrontos de posição pelos quais os indivíduos exprimem uma identidade e uma

pertença” (ibidem, p. 24).

Cada um desses horizontes põe em evidência uma significação central do

objeto em função de sistemas de representações transubjetivas específicos dos espaços

sociais ou públicos nos quais evoluem os sujeitos, que se apropriam dessas

representações em função de sua adesão.

Em se tratando de ressignificação e de transformação das representações

sociais, Leal (2008 apud COSTA, 2006) aponta que a relação entre sistema central e

sistema periférico (ABRIC, 1994) aparece como fundamental, já que estas, por serem

produto de uma história coletiva, só se modificam ou se transformam por meio de

mudanças drásticas que ataquem o núcleo central, uma vez que este elemento garante a

estabilidade das representações sociais construídas por um determinado grupo.

Já os elementos periféricos atuam como sistemas que permitem flexibilidade às

mesmas, que diante de elementos novos, são acionados para realizar as devidas

“adaptações”, permitindo uma modulação personalizada das representações sociais e

das condutas. Segundo Abric (2001, p. 26),

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este sistema periférico permite uma adaptação, uma diferenciação em

função do vivido, uma integração das experiências cotidianas. Eles

permitem modulações pessoais em referência ao núcleo central,

gerando representações sociais individualizadas.

Por meio do sistema periférico, os sujeitos acrescentam suas experiências

individuais, modulando novos “modos individuais” de significar os elementos de uma

representação social. Além disso, diferentes formas de “raciocinar” também podem

produzir novas práticas que tendem a se estabilizar.

Ao discorrer sobre o processo de transformação das representações sociais,

autores como Guimelli (2003) apontam que, por tratar-se de um processo dinâmico, as

representações sociais podem ser modificadas e transformadas. Contudo, este processo

de transformação adquire formas diferentes de acordo com o fato de novas práticas

estarem em contradição com representações antigas. Quando o grupo considera a

situação relevante para modificar suas práticas e são igualmente consideradas

irreversíveis, estas são transformadas. Caso contrário, as representações são modificadas

superficialmente.

Cabe trazer à cena, algumas considerações sobre a Teoria do Núcleo Central

(TNC) desenvolvida por Jean Claude Abric, nos anos setenta.

Abric (1994) contribuiu para o desdobramento da teoria ao propor a abordagem

estrutural das representações, elaborando a teoria do núcleo central e retomando o

modelo figurativo de Moscovici: a estrutura da representação social tem dupla natureza:

a figurativa e a simbólica. Segundo Moscovici (1978), modelo figurativo é uma

reconstituição que torna compreensíveis as formas abstratas. Não é somente um modo

de ordenar as informações, mas resultado de uma coordenação que concretiza cada um

dos termos da representação. O núcleo central não se limita ao papel genético e não

exige aspectos figurativos, esquematização, estruturação. A ênfase está nos aspectos

valorativos e cognitivos, em detrimento de dupla natureza (figurativa e simbólica).

A hipótese do núcleo central é de que toda representação se organiza em torno

de um núcleo, constituído de elementos que dão significado à representação. As

representações sociais têm dois componentes que se complementam: sistema central

(núcleo central) e sistema periférico (elementos periféricos). Só identificar conteúdo não

é suficiente, sendo necessário observar como o conteúdo se organiza. Duas

representações sociais definidas por um mesmo conteúdo podem ser radicalmente

diferentes se a organização desses elementos é diferente.

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O núcleo central (NC) é determinado por: (1) natureza do objeto representado;

(2) tipo de relações que o grupo mantém com esse objeto e (3) sistema de valores e

normas sociais que constituem o contexto ideológico do grupo. Possui três funções: (1)

geradora – ele é o elemento pelo qual se cria uma representação; (2) organizadora – é

ele que determina a natureza das ligações entre os elementos de uma representação; (3)

estabilizadora – seus elementos são os que mais resistem à mudança.

O NC é determinado por elementos essencialmente sociais: condições históricas,

sociológicas e ideológicas, associadas a valores e normas de indivíduos e grupos. É

duradouro: tem base comum, social e coletiva, que define a homogeneidade de um

grupo. Mantém estabilidade e coerência das representações.

Os elementos periféricos estão organizados em torno do NC. São componentes

mais acessíveis, mais vivos e mais concretos. Possuem cinco funções: (1) concretização

do NC; (2) regulação; (3) prescrição de comportamentos; (4) proteção do NC e (5)

modulações individualizadas. São associados a características individuais e ao contexto

imediato em que os indivíduos estão inseridos. Permitem adaptação, diferenciação em

função do vivido, integração das experiências cotidianas. Protegem o núcleo central,

permitem integração de informações e de práticas diferenciadas.

Abric (1994) elaborou mais duas funções às representações sociais: a

identitária, que assegura a especificidade e imagem positiva do grupo; e a justificadora,

que proporciona aos atores sociais reforçarem ou manterem comportamentos de

diferenciação social ao se relacionarem em grupos. Para Abric (1996, p. 11), a

representação social é “um conjunto organizado e hierarquizado de julgamentos,

atitudes e informações que um dado grupo social elabora sobre um objeto, como

resultado de um processo de apropriação e reconstrução da realidade em um sistema

simbólico”.

Neste estudo, pretende-se conhecer que significados são atribuídos aos saberes

da experiência por professores dos anos iniciais do ensino fundamental de uma

instituição pública, uma vez que ao exercer uma atividade de educação qualquer, os

professores atribuem “a estas atividades, sentidos particulares, que configuram suas

trajetórias de vida e de sua história profissional, criando assim, estratégias variadas para

dar novos significados aos desafios da prática acadêmica” (CAMPOS, 2002, p. 16).

Além disso, por considerarmos os sujeitos como atores sociais ativos que

afetados por diferentes aspectos da vida cotidiana, podem possuir percepções

diferenciadas de um objeto em relação a outros indivíduos do seu grupo, interferindo

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assim na construção de sua representação social, dirigimos também nosso olhar para um

único sujeito integrante de um grupo (uma professora voluntária) para verificar se/como

ele ressignifica o conhecimento relativo aos saberes da experiência compartilhado por

seu grupo de pertença (os professores da unidade escolar).

Entendemos que a escola é o espaço propício para o estudo da influência das

representações sociais sobre a prática pedagógica que se efetiva em seu interior e dessas

sobre aquelas. Além disso, consideramos que analisar o processo educativo numa

perspectiva que relaciona o trabalho docente a uma prática profissional fundamentada

numa pluralidade de saberes cultural, social e historicamente construídos - os saberes da

experiência - promove importantes indagações sobre a profissão docente.

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CAPÍTULO 2

OS SABERES DA EXPERIÊNCIA

O tema saberes da experiência será aqui discutido à luz dos estudos

desenvolvidos por Jacques Therrien3, professor que tem se destacado pelas pesquisas e

estudos publicados acerca dos saberes docentes, em que prioriza a investigação da

atividade docente em situações reais de trabalho. De acordo com Therrien e Loiola

(2001, p. 149),

mais recentemente, o trabalho docente passa a ser abordado do ponto

de vista da ergonomia. Ele é visto como uma atividade ligada à

concepção e que solicita essencialmente (mas não exclusivamente) a

execução de tarefas de natureza cognitiva e simbólica. Se a interação

professor/aluno é de natureza epistemológica e didática, com efeito ela

é também fundamentalmente uma relação de natureza psicossocial. A

atividade dos professores é profundamente marcada por exigências

próprias e resultantes da interação social, da vida em grupo (Monteil,

1990) e do trabalho coletivo (Leplat, 1994).

Em sua trajetória de formador de formadores, Therrien dedicou-se ao campo da

Pedagogia, tendo como eixo central de investigação os saberes docentes4,

particularmente em torno da categoria fundante dos saberes da experiência, o que

segundo o autor, tem permitido aprofundar o conhecimento sobre a natureza desse saber

e sua função na ação docente. Este enfoque o conduziu ao aprofundamento da relação

dialética teoria-prática sob o prisma da epistemologia da prática e da hermenêutica,

quando procurou compreender a racionalidade que permeia a atividade docente em

situação de intersubjetividade mediada pela dialogicidade.

Em linhas gerais, os saberes da experiência têm sido abordados teoricamente

3 Professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará e coordenador do Grupo de Pesquisa

Saber e Prática Social do Educador. 4 Pesquisas que contaram com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq): Docência universitária e formação para o trabalho pedagógico: a gestão dos saberes na docência (2007 ao

presente); Pedagogia por competência e epistemologia da prática: implicações para a teoria e a práxis nas instituições

formadoras de professores para a educação básica (2003 a 2007); Experiência e competência no ensino: estudo da

ação pedagógica na perspectiva da ergonomia do trabalho docente (2000 a 2003); O impacto das transformações do

saber nas sociedades contemporâneas sobre a formação de professores (1998 a 2000); Escola e Cultura - produção

cultural, resistência e identidade (1996 a 1998); Saber social e prática docente (1994 a 1996); Avaliação da Educação

Básica no Nordeste Brasileiro. Segmento do Programa EDURURAL/NE. Convênio UFC/MEC/BID (1986 a 1991).

Disponível em www.jacquestherrien.com.br. Acesso em 14/05/10.

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por Jacques Therrien à luz da práxis (GRAMSCI, 1978; VASQUEZ, 1977); segundo a

ótica sócio-epistemológica (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991); na perspectiva da

ação comunicativa (HABERMAS, 1997); como experiência social (DUBET, 1994);

enquanto ação reflexiva (SCHÖN, 1987; 1994); confrontando com os pressupostos da

noção de competência no campo do ensino (PERRENOUD, 1995; 1997; 2000); e da

cognição situada (GERVAIS; LOIOLA, 2000). As abordagens teórico-metodológicas

privilegiadas em seus estudos foram a etnometodologia e a ergonomia da atividade

docente, que permitem compreensões multiculturais, interdisciplinares e até

multirreferenciais.

Foram identificadas em seus estudos dimensões da complexidade da prática

docente e dos saberes que a fundamentam (THERRIEN; DAMASCENO, 2000;

THERRIEN; LOIOLA, 2001, por exemplo). À luz de abordagens que definem o

trabalho docente como prática situada, contextualizada, este se revela fruto de um

processo que envolve múltiplos saberes oriundos da formação, da área disciplinar, do

currículo, da experiência, da prática social integrados a uma cultura pessoal.

Segundo Therrien (s/d, p. 3)

o trabalho docente é a práxis de um sujeito transformador (professor)

em interação situada com outro sujeito (aluno), onde a produção de

saberes e significados caracteriza e direciona o processo de

comunicação/entendimento entre ambos na direção de uma

emancipação fundada no ser social. Em outros termos, o Trabalho

Docente constitui um processo educativo de instrução e formação

humana, através da mediação e da interação entre professor e alunos, a

partir do conteúdo de ensino em direção à construção de uma

sociabilidade verdadeiramente humana (grifos do autor)

O trabalho docente é uma atividade regida por uma racionalidade prática que se

apóia em valores, teorias, experiências e em elementos contextuais para justificar as

tomadas de decisão na gestão da sala de aula. Portanto,

o ensino é uma “situação situada”, ou seja, uma atividade complexa

cujo objetivo é a adaptação a uma situação. Consequentemente, não se

pode descrever, analisar, compreender esta atividade sem descrever,

analisar e compreender a situação. Portanto, é conveniente considerar

simultaneamente os limites da situação de ensino e as características

dessa atividade profissional, tendo em vista a análise do saber-ensinar

(THERRIEN; LOIOLA, 2001, p. 150).

Além disso, como ato pedagógico, o trabalho docente incorpora igualmente

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conhecimentos desenvolvidos por diferentes áreas como a Psicologia, a Sociologia, a

Filosofia, a Antropologia e a História, dentre outras (THERRIEN; DAMASCENO,

2000).

2.1 - O saber docente

A observação da prática docente e dos saberes que lhe dão sustentação foi

permeada, em todos os estudos realizados pelo autor, por três dimensões

epistemológicas:

(1) a prática produtiva, expressa como produção material ou ainda como produção do

humano com o humano, que aborda o trabalho como princípio educativo, ou seja, na sua

referência inicial com a produção do saber;

(2) a prática política, que situa a educação no seio da comunidade ou no eixo da

formação para a cidadania, numa concepção da educação como ato político;

(3) as práticas pedagógicas, vistas na sua diversidade de formas e através da

multiciplidade de saberes que as permeiam, o que leva a considerar seus autores como

autênticos profissionais de educação, produtores de saber com identidade própria

(THERRIEN, 1993; THERRIEN; DAMASCENO, 2000).

Ao se observar a prática pedagógica dos docentes, é possível distinguir

múltiplos saberes e, nesse sentido, o autor se apoia em Tardif e Lessard (2005) ao

identificar três grandes campos de origem do saber docente: (1) Saberes de formação

profissional, provenientes das instituições de formação; (2) Saberes curriculares,

próprios à escola onde são transmitidos, associados à cultura escolar (mundo sistêmico);

(3) Saberes da experiência, adquiridos na prática docente e social, relacionados à cultura

da experiência vivida (mundo vivido).

Therrien (1993) ao focalizar a heterogeneidade dos saberes docentes, propôs três

dimensões para analisá-los. A primeira é denominada saber ensinado, onde se

destacam os saberes curriculares específicos dos programas de ensino definidos pela

instituição escolar cuja origem principal procede do saber científico; a segunda, saber

ensinar, que se refere ao saber da formação profissional e pedagógica, com seus

aspectos ideológicos e teóricos, que inclui igualmente os saberes disciplinares definidos

pela instituição universitária e que correspondem aos diversos campos do

conhecimento. Para Therrien (s/d) os professores não dominam os processos e

condições da transformação pedagógica da matéria a ensinar e não são preparados para

a docência. Considera ainda que alguns pressupostos fundantes do saber e do processo

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pedagógico estão ausentes da práxis dos formadores de formadores.

A terceira dimensão, saber da experiência, é definida como o saber próprio da

identidade do docente e construído no interstício de sua práxis cotidiana como ator

social, educador e docente em interação com outros sujeitos e em relação com a

pluralidade dos demais saberes docentes disponíveis. Nesta ótica, o saber da experiência

ultrapassa o limite dos conhecimentos adquiridos pelos professores na prática de sua

profissão e se identifica com o saber social próprio resultante de sua práxis social

cotidiana.

Therrien e Loiola (2001) aprofundaram seus estudos em torno da dimensão da

experiência no trabalho docente e consideram que esta dimensão do saber se apóia na

hipótese de que o saber da experiência, como elemento de prática docente, é a expressão

de um saber social próprio produzido numa práxis cotidiana e pode ser identificado

como representações de prática pedagógica do docente.

De acordo com a perspectiva de Vasquez (1977), o saber social é resultante de

uma “práxis social” que pode ser observada nas suas dimensões produtiva, política e

educativa. Esta abordagem corrobora a concepção gramsciana (GRAMSCI, 1978) do

homem como sujeito de relações consigo mesmo (individualidade), com os outros seres

humanos (sociabilidade) e com a natureza, num processo de interação criativa e

construtiva (do real) de onde emerge uma consciência individual e social, crítica e

transformadora de si e do meio, o que significa em última análise, um processo de

gestação e de geração de um saber fundamental e social no seio da realidade.

2.2 – Racionalidade docente: o sujeito reflexivo

A abordagem do trabalho docente proposta por Therrien (1993) privilegia a

ação como vetor sociológico de análise do fazer cotidiano do professor sujeito de práxis,

onde se destaca sua relação com o “saber-situado” em contexto pedagógico-didático.

Além disso, conceber o trabalho docente como atividade eminentemente

reflexiva (SCHÖN, 1987, 1994; NÓVOA, 1992) situada em contexto de gestão

pedagógica da sala de aula, segundo o autor, abre caminho para identificar e caracterizar

a racionalidade de um processo que se manifesta no fazer de um sujeito social cuja ação

é orientada por objetivos, ao mesmo tempo específicos de determinado tempo, espaço,

grupo e sujeitos, e também gerais em relação ao processo educacional como um todo.

Therrien e Loiola (2001) identificam uma tríplice dimensão na relação ao saber

da ação reflexiva do professor: (1) disciplinar – múltipla e heterogênea; (2) pedagógica

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– transformativa; e (3) ética – intersubjetiva. Disso pode-se deduzir que o estudo da

ação docente enquanto prática reflexiva encerra a necessidade de escuta e de esforço

cognitivo. Deduz-se também que a epistemologia que lhe é peculiar requer a percepção

da vivência e dos propósitos deliberativos que a movam, ou seja, necessita adentrar na

postura reflexiva do sujeito em ação.

A análise do trabalho docente em contexto de ação encontra na abordagem

ergonômica contribuições para a complexidade do referido fenômeno (DURAND;

SAURY; VEYRUMES 2005). É um referencial teórico-metodológico de investigação

cujo objeto é a formação e o trabalho, tendo em vista produzir conhecimentos e

subsídios para os processos de formação, neste caso, a práxis docente vista sob o ângulo

da ação/cognição situada.

Therrien e Carvalho (2009, p. 138) definem saberes docentes ou saberes da

ação docente como

saberes provenientes da ação situada e reflexiva da profissão docente,

os quais o professor manipula para enfrentar as situações advindas do

seu cotidiano. São saberes que contêm em si os conhecimentos

proporcionados à educação pelas ciências humanas, os saberes

pedagógicos da interação com os alunos, da elaboração e

experimentação de hipóteses de trabalho, até a reinvenção de técnicas,

procedimentos e recursos do seu cotidiano pedagógico.

Os autores se apóiam em Sacristán (1999, p. 50) quando afirmam que o saber é

fundamentado na racionalidade e na reflexibilidade “estabelecidas a partir das

representações mentais dos sujeitos, de acordo com suas condições de clareza, de

precisão e de veracidade.” Ao falarmos, por exemplo, sobre o porquê de nossas ações,

estamos construindo uma representação mental e, ao mesmo tempo, exprimindo um

saber específico que nos levou a agir daquela forma. Estamos apresentando um modelo

epistemológico da prática. Da mesma forma, quando procuramos as razões de uma

ação, também estamos expressando uma racionalidade, que pode ser contestada a partir

de outro saber ou de outra racionalidade.

Assim, para os autores, o saber implica racionalidade, o que evidencia a

possibilidade de estudar o saber a partir da fala dos sujeitos, colocando os saberes

profissionais como objeto epistêmico. Portanto, o saber docente também pode ser

definido como a inteligibilidade do professor mediante os fenômenos, uma vez que a

definição de saber dada pelos autores é relativa à razão, aos discursos, aos argumentos,

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aos juízos, às ideias que seguem a uma exigência da racionalidade, entendida como uma

forma intencional de conceber o sujeito. Segundo os autores, esta racionalidade pode ser

definida como pedagógica e pode ser estudada pelas vias da etnometodologia e da

ergonomia do trabalho docente, por tratar-se da racionalidade do curso da ação.

2.3 – Trabalho docente: mediação e transformação dos saberes

Segundo Therrien (2006), saberes múltiplos e heterogêneos circulam na

complexidade da ecologia da classe e dos ambientes educacionais de aprendizagem que

são oriundos das experiências e vivências de trajetória de vida cultural, social, familiar,

escolar e profissional do educador, até seu modo próprio de compreensão de vida do

mundo e no mundo, entre outras, sem detrimento dos elementos curriculares,

disciplinares e pedagógicos de sua formação, que igualmente marcam sua identidade

profissional. Assim, a ação docente é regulada tanto por fatores externos como por

fatores internos ao sujeito pedagógico. Os motivos de sua escolha de determinada

intervenção educacional incluem elementos pessoais, institucionais, políticos e sociais

além de conhecimentos e saberes.

Segundo o autor, a reflexidade necessária à busca de sentidos e significados

nas práticas educativas integram uma gama de fatores, que incluem desde hábitos e

elementos afetivos até elementos da razão instrumental/normativa e da razão

comunicativa/interativa, caracterizada como uma racionalidade pedagógica, que cabe

ao educador desenvolver na prática do seu cotidiano profissional (idem).

Na racionalidade que dá suporte ao trabalho docente, na dimensão do campo

pedagógico, os processos de aprendizagem são imbuídos de interações intersubjetivas

em contexto de cognição situada, de modo que a mediação docente se manifesta na

dialogicidade democrática em situação de práticas formadoras de cidadania.

Neste contexto, o professor é visto como um profissional do saber: domina

determinados saberes que, em situação de ensino, os transforma, dando-lhes novas

configurações e, ao mesmo tempo, assegura a dimensão ética de sua práxis cotidiana. É

também mediador de saberes no triângulo interativo da aprendizagem: o docente, os

conteúdos (saberes) e o aluno.

Como reconhecem Tardif (2000) e Sacristán (1999), o docente não somente

domina saberes e conhecimentos como transforma e produz saberes na sua práxis

cotidiana. Para Therrien (2005, 2006), a práxis docente como interação com os alunos

ocasiona a “transformação pedagógica da matéria”. É um saber situado elaborado pela

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racionalidade pedagógica na busca de entendimento subjetivo.

Neste sentido, Therrien tece uma crítica acerca da concepção de conhecimento

pedagógico da matéria elaborado por Schulman (1987). Segundo ele, apesar de conferir

um caráter mais dinâmico ao conhecimento e de sustentar a idéia de que o professor

produz saberes no decorrer de sua prática profissional, o modelo apresentado por

Shulman acentua o planejamento da fase pré-ativa e não dá conta suficientemente das

próprias interações ocorridas no chão da sala de aula, além de implicações normativas

que podem advir de sua tentativa de definição de uma tipologia básica dos saberes

docentes. Therrien, Loiola e Mamede (2004) ressaltam que Shulman enfatiza

excessivamente os aspectos formativos da educação e sua preocupação é muito mais

didática do que propriamente pedagógica.

Conforme explica Therrien (2007), o desafio da gestão pedagógica e da

transformação pedagógica da matéria em situações reais de prática e de tomada de

decisão na sala de aula, obriga o professor a produzir saberes. Efetivamente, cabe a ele

articular adequada e criativamente seu reservatório de saberes num determinado

contexto de interação com outros sujeitos. Por isso, a práxis pedagógica faz do educador

um sujeito hermenêutico porque vivencia o desafio de produzir sentidos. A

transformação pedagógica da matéria na práxis da sala de aula o qualifica como sujeito

epistemológico.

Já a formação do sujeito pedagógico, o educador, passa pelos princípios do

conhecimento/compreensão do seu universo social; do domínio de saberes múltiplos e

heterogêneos; da dialética teoria/prática; do disciplinamento para a reflexão e a

transformação como professor-pesquisador; da intersubjetividade, do trabalho

cooperativo e colaborativo; da competência regulada pela autonomia profissional; da

ética de uma profissão que tem sua identidade fundada em saberes próprios, entre

outros.

Therrien apóia-se em Habermas (1997) ao dizer que a reflexidade necessária ao

professor à busca de sentidos e de significados nas práticas educativas integra uma

gama de fatores que incluem desde elementos afetivos até elementos da razão

instrumental/normativa e da razão comunicativa/interativa. A integração desses fatores

passa pela linguagem, ou seja, pela dialogicidade intersubjetiva do entendimento que

caracteriza a racionalidade pedagógica, que é o suporte de uma práxis educativa

enquanto processo de reflexão sistemática sobre a ação por parte de sujeitos social e

coletivamente voltados para a construção de saberes.

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A docência como “gestão e transformação pedagógica da matéria” procede,

portanto, de uma racionalidade complexa e dialógica, que não exclui a racionalidade

normativa, instrumental de determinados campos da ciência, mas que a integra num

processo voltado para a emancipação humana e profissional dos sujeitos.

2.4 - A concepção de professor

Diante dos desafios sociais da contemporaneidade, a concepção de professor

pesquisador, reflexivo, crítico e transformador ganha uma certa urgência como proposta

de formação. Num contexto de mudanças na sociedade, o professor exerce um papel

fundamental para a construção e socialização dos saberes docentes que são intrínsecos à

construção do conhecimento. A Ergonomia tem sido convocada por Therrien (2001;

2009) em seus estudos, na tentativa de compreender como esse profissional desenvolve

suas atividades frente a esses desafios e de oferecer subsídios que gerem transformações

positivas ao exercício da docência. A profissão docente vai sendo construída conforme a

articulação que o professor faz entre conhecimento teórico-acadêmico, cultura escolar e

reflexão sobre sua prática.

Para Therrien (2001), o docente é um profissional do saber que domina saberes

múltiplos e heterogêneos, transforma-os e assegura a dimensão ética dos saberes. O

saber-ensinar, ou a competência docente, é intimamente vinculado à experiência oriunda

da prática em contexto situado de interação humana. O desafio da gestão pedagógica e

da transformação pedagógica da matéria consiste em produzir saberes articulando

adequada a criativamente seu reservatório de saberes num determinado contexto de

interação; ser sujeito hermenêutico vivenciando o desafio de produzir sentidos e por

último, ser mediador de saberes numa prática reflexiva e transformadora.

Therrien (2002) entende a educação como uma ação social entre os planos de

ação de dois ou mais sujeitos. A racionalidade da gestão pedagógica passa pela

dialogicidade do entendimento na esfera da emancipação humana. A autonomia docente

na gestão pedagógica em situações de práxis é regulada pela postura ética/moral.

Segundo o autor, a ação docente por ser situada e dialógica resultante do “entendimento

intersubjetivo” tem uma dimensão moral/ética extremamente forte que compõe o âmago

de uma ação educativa plena. Fundamentada nos conhecimentos acumulados,

transformados e construídos pelo docente ao longo de sua vida pessoal e profissional, a

competência do professor encontra sua plenitude a partir do momento em que seu

desenvolvimento está intimamente relacionado à construção de uma autonomia para a

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ação atenta, refletida, crítica e ética.

A docência como “gestão pedagógica/ética da matéria” procede de uma

racionalidade interativa, dialógica, do entendimento, que não exclui a racionalidade

normativa, instrumental de determinados campos da ciência e da tecnologia, mas que a

integra num processo voltado à emancipação humana e profissional dos sujeitos em

formação.

A formação do sujeito pedagógico, o docente, passa pelos princípios: do

conhecimento/compreensão do seu universo social, da interação teoria/prática, do

disciplinamento para a reflexão e a transformação como professor-pesquisador, do

trabalho cooperativo e colaborativo, da racionalidade dialógica do entendimento, da

competência regulada pela autonomia profissional, da ética de uma profissão que tem

sua identidade fundada em saberes próprios, entre outros. A formação do profissional de

docência se situa além da formação do profissional dos campos específicos do saber

científico e tecnológico, sem se sobrepor a estes.

Para Therrien (2007), o ponto nodal de deslanche do processo de formação

docente no Brasil reside na formação de formadores, ou seja, na formação para a

docência dos atuais e futuros professores dos cursos de Licenciatura. Para ele, há vários

impasses que precisam ser discutidos, tais como o projeto pedagógico dos cursos, a

epistemologia da prática, a pedagogia por competência, a falta de formação pedagógica

para a docência e a falta de domínio do saber ensinar, enquanto formação pedagógica

profissional. De acordo com o autor, resta avançar mais no que concerne à política de

formação de professores para entender com maior clareza o que é Pedagogia e como

inteirar essa dimensão nas políticas de formação docente.

2.5 – Ação/cognição situada e ergonomia da atividade

Partindo das considerações de Tardif (2000) sobre os saberes docentes,

especialmente no que se refere à competência profissional do professor, ou seja, a

natureza do “saber-ensinar”, Therrien; Loiola (2001) e Therrien; Carvalho (2009) se

debruçam sobre essa questão, apoiando-se nos pressupostos teórico-metodológicos da

ergonomia do trabalho docente e da ação/cognição situada.

Para Therrien e Carvalho (2009), a noção de ação/cognição situada nos

referenciais da Antropologia cognitiva, Sociologia cognitiva e da Psicologia cognitiva

pode proporcionar um suporte privilegiado para a análise e compreensão do curso da

ação focalizada pelas lentes da ergonomia do trabalho. Os autores retiram dos estudos

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de Suchman (1987 apud THEUREAU, 1992, p. 113) a noção de “ação situada”: “nós,

seres humanos, temos a propriedade particular de, não somente agir, mas também de

comentar-justificar, racionalizar – nossas ações”.

O caráter “situado” da cognição refere-se à ligação indissociável entre o produto

de uma atividade, a cultura e o contexto no interior da qual ela se exerce. Desse ponto

de vista, a aquisição dos saberes não pode ser considerada exclusivamente como um

fenômeno mental e individual, mas como um fenômeno constituído de relações no

interior de contextos precisos.

Therrien e Loiola (2001) citam Lave e Chaklin (1993) ao afirmarem que a

aquisição de saberes, o pensamento e o conhecimento são relações entre as pessoas

engajadas em uma atividade no e com um mundo social e culturalmente estruturado, o

que Theureau (1992) define como “ação (cognição) situada”. Para Therrien (2002), o

contexto não deve ser visto como um recipiente vazio dentro do qual se inseriria o agir

humano, mas como um conteúdo a partir do qual o agir humano tomaria forma. Trata-se

de abordar a cultura e o contexto como conteúdos do agir humano e não como

continentes desse.

Sintetizando o debate em torno dos estudos sobre o curso da ação por meio da

abordagem da ergonomia do trabalho, Therrien e Loiola (2001, p. 158) destacam que

o saber-fazer contextualizado se elabora a partir das características do

contexto no interior do qual o professor ou a professora evolui (...)

Assim, a ação situada transforma-se em cognição situada quando ela

se propõe a tornar explícito os suportes informacionais que sustentam

a ação no seu ambiente imediato. A cognição é considerada como

serviço da ação.

Sob esta ótica, a epistemologia da prática objetiva evidenciar tanto os saberes

que estão sendo produzidos na práxis docente, assim como o tipo de racionalidade

utilizada, considerando o paradigma que os fundamenta. Da mesma forma, permite

identificar as intencionalidades que permeiam a prática docente.

De acordo como Therrien e Carvalho (2009), a epistemologia da prática

enquanto campo sistemático de estudo desvela a relação que o professor estabelece com

o objeto de aprendizagem – neste caso, os saberes da formação para o trabalho docente.

Assim, sob o olhar da epistemologia da prática são os saberes docentes, incidentes de

certa racionalidade, que originam um processo educativo.

Therrien e Loiola (2001) consideram que o estudo da epistemologia da prática

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docente a partir da racionalidade pedagógica requer a escolha de uma abordagem

qualitativa para compreender o significado do curso da ação, ou seja, “o professor no

trabalho” requer uma postura que compreenda esta prática como um fenômeno em

movimento. Por esta razão, a ergonomia do trabalho docente se apresenta como uma

perspectiva metodológica de pesquisa qualitativa oportuna ao estudo da epistemologia

da prática. Para os autores, a noção de ação/cognição situada serve de elo para o

encontro de enfoques disciplinares distintos, uma vez que se mostram incompreensíveis

fora de um contexto e que, portanto, devem ser estudadas in situ e teorizadas em relação

à situação.

Do ponto de vista da Ergonomia, o trabalho docente é visto como uma

atividade que solicita essencialmente, mas não exclusivamente, a execução de tarefas de

natureza cognitiva e simbólica. Se a interação professor/aluno é de natureza

epistemológica e didática, com efeito, ela é também fundamentalmente uma relação de

natureza psicossocial. A atividade do professor é profundamente marcada por

exigências próprias e resultantes da interação social, da vida em grupo (MONTEIL,

1990) e do trabalho coletivo (LEPLAT, 1994).

A Ergonomia, aplicada aos estudos no campo da Educação, considera o sujeito,

a atividade e o contexto como um todo. Nessa perspectiva, segundo Therrien e Loiola

(2001), o ensino é uma “situação situada”, ou seja, uma atividade complexa, cujo

objetivo é a adaptação a uma situação. Portanto, devem-se considerar simultaneamente

os limites da situação de ensino e as características dessa atividade profissional, tendo

em vista a análise do saber-ensinar.

A ergonomia situada ou da atividade, de origem francesa, tem como objetivo

de estudo a atividade, o trabalho propriamente dito. Ela articula os conceitos de trabalho

prescrito (o que deve ser feito) e trabalho real (o que realmente o trabalhador faz) e

é centrada no entendimento das condutas das pessoas em situação real

de trabalho, voltada para o âmbito das variabilidades devido às

limitações da prescrição. Busca compreender o modo pelo qual o

trabalhador é mobilizado para dar conta das imprevisibilidades, marca

inerente de todo trabalho (MONTMOLLIN, 1998, p.)

Sendo assim, a ergonomia da atividade nos oferece subsídios para o

conhecimento sobre a maneira como os trabalhadores vivem as imprevisibilidades do

meio, como se comportam diante do hiato entre o prescrito e o real, como se colocam,

regulam suas ações no cotidiano de seu trabalho e como são “convocados”, por inteiro,

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a dar conta da distância existente entre o prescrito e a atividade real, com suas diversas

possibilidades de realização.

O trabalho docente por ser realizado por meio de interações entre pessoas, já

apresenta uma diversidade de imprevisíveis com os quais o trabalhador se depara ao

longo do exercício de seu ofício e que não são antecipáveis nas prescrições.

A Ergonomia utiliza como método de pesquisa a Análise Ergonômica do

Trabalho (AET), a fim de compreender como este é efetivamente realizado e seus

determinantes. Como instrumento, intenciona conhecer o comportamento humano

durante a realização da atividade e, como método de ação, pretende apresentar sugestões

para a modificação e transformação das situações de trabalho.

2.6- Ergonomia e Clínica da Atividade

Clot (2006) explica que o que a Clínica da Atividade tem em comum com a

Ergonomia é exatamente a observação da atividade de trabalho e a intenção de

transformá-la, adaptando o trabalho ao homem e não o homem ao trabalho. Ambas,

Ergonomia e Clínica da Atividade visam à análise da disfunção da situação, da

organização do trabalho tendo como objetivo “compreender para transformar”. Nas

palavras de Clot (op. cit., p. 3):

É verdade, eu decidi manter a idéia de “clínica” ao lado, colada,

digamos assim, à de “atividade”, “clínica da atividade” porque eu

insisto no fato de que não podemos tratar da atividade sem tratar da

subjetividade. De certa forma, a diferença entre a ergonomia e a

“clínica da atividade” reside no fato de que atividade e subjetividade

são inseparáveis e é essa dupla que me interessou na situação de

trabalho. Por isso eu uso o termo “clínico”: clínico do ponto de vista

de meu engajamento, do lado da experiência vivida, do sentido do

trabalho e do não sentido do trabalho; (...)

Segundo Borges (2004, p. 43), a Clínica da Atividade dá um passo adiante dos

ergonomistas da análise da atividade de trabalho, uma vez que a Ergonomia, ao se

aproximar da atividade de trabalho em situações reais, desvelou que a atividade

realizada jamais corresponde à atividade de trabalho esperada, fixada por regras,

orientada por objetivos determinados (ao prescrito), pois, ao realizar a tarefa, o

trabalhador “se encontra diante de várias fontes de variabilidades: panes, fadiga,

experiência”. Clot (2006, p. 64-66) acrescenta a esta idéia o conceito de real da

atividade, que se refere à atividade do sujeito sobre si mesmo. Ele afirma que a

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atividade realizada não engloba somente o que foi efetivamente realizado, mas também

as possibilidades não realizadas ou impedidas de serem realizadas.

A atividade realizada, segundo Clot (2006), é o resultado do conflito entre as

várias ações possíveis dentre as quais o sujeito escolheu. Para ele é exatamente este

conflito que possibilita o desenvolvimento e a transformação da atividade de trabalho.

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CAPÍTULO 3

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo está vinculado ao Programa Nacional de Cooperação

Acadêmica - PROCAD, Edital n. 01/2007, que envolve pesquisadores integrantes de

três instituições: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade Estácio

de Sá e Universidade Federal de Alagoas, cujo objetivo é desenvolver atividades de

pesquisa orientadas por um único eixo temático: o trabalho docente. As equipes

envolvidas procuram articular a abordagem das representações sociais e abordagem

sócio-histórica, tomando como ponto de partida a relação entre os sentidos elaborados

pelo sujeito em função de sua história e de suas experiências únicas e as representações

partilhadas por um dado grupo. Tomam as reflexões de Jodelet (2005) acerca da

experiência vivida para justificar que a “articulação entre experiência vivida e RS é, não

só possível, mas profundamente enriquecedora para ambas as partes” (AGUIAR;

DAVIS; ALVES-MAZZOTTI, 2010, p. 9).

Como metodologia, as pesquisas decorrentes do PROCAD têm adotado a

proposta der Yves Clot, uma das vertentes atuais da ergonomia francesa, que considera

que o sujeito, além de ser observado pelo pesquisador e por um colega de profissão,

possa se tornar, ele mesmo, observador de seu próprio trabalho, colocando-o em posição

de transformá-lo. Fica claro, portanto, que a pretensão, ao se utilizar uma ou várias

observações de atividades profissionais, é a de desnaturalizar os pontos de vista a partir

dos quais elas são olhadas e avaliadas, transformando, consequentemente, a atividade do

outro em recurso para a atividade de cada um. A meta, portanto, não é só alcançar uma

interpretação da situação observada, mas, sobretudo, desenvolver a interpretação dessa

mesma situação por aqueles que a exercem.

As categorias da ergonomia francesa atual compartilham os pressupostos

teóricos e metodológicos da psicologia sócio-histórica, mas na tentativa de conhecer o

processo de constituição do sujeito na atividade e para além da aparência, agrega-lhe

outras categorias: “real da atividade” e “atividade real”. A atividade, na visão discutida,

não se constitui apenas do que é realizado, mas também daquilo que não foi possível

realizar. As contribuições de Clot (2006) ajudam a operacionalizar uma maneira de

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proceder que leva os sujeitos a produzir informações usualmente pouco exploradas e

que, não obstante, parecem ser nodais para uma análise mais profunda dos significados

que a atividade tem para aquele que a executa.

No que se refere às representações sociais, tal metodologia possibilita olhar um

único sujeito (uma professora) integrante de um grupo (professores da escola) e

verificar se e como ele ressignifica o conhecimento relativo aos saberes da experiência

compartilhado pelo grupo, isto é, as representações sociais de saberes da experiência

produzidas por professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

Devido à complexidade envolvida no estudo das representações sociais5, a

abordagem adotada na pesquisa ora apresentada foi multi-metodológica e envolveu uma

sequência de etapas, cada uma envolvendo procedimentos de coleta de dados distintos,

conforme apresentado a seguir:

(1) Seleção do campo de pesquisa, com o objetivo de compreender o espaço e dinâmica

de funcionamento. A escola selecionada localiza-se no município de Duque de Caxias,

Rio de Janeiro e foi escolhida por atender aos critérios de seleção: pertencer à rede

pública de ensino; estar localizada em área carente; conter professores atuantes dos anos

iniciais do ensino fundamental; e possuir poucos recursos para atualização profissional;

(2) Estabelecimento de contato com a escola e com os professores, uma vez que o

método prevê a filmagem das práticas pedagógicas diárias de um (a) professor(a), foi

necessário contornar a resistência para aceitar participar da pesquisa, tanto por parte da

escola, quanto por parte dos professores. Promovemos um espaço de aproximação e

realizamos um trabalho de conscientização a respeito dos benefícios que a pesquisa

traria para a instituição e para o trabalho docente;

(3) Seleção dos sujeitos: 24 professores que compõem o corpo docente e que se

mostraram dispostos a colaborar. Dentre eles, uma professora se apresentou como

voluntária para a realização das filmagens e de autoconfrontações e para refletir a

respeito de sua atuação no cotidiano escolar;

5 Moscovici e seus diversos colaboradores utilizam métodos quantitativos e qualitativos na investigação

das representações sociais. Os estudos estruturais de Abric (1994) valem-se de técnicas quantitativas e no

Brasil, pesquisadores como Sá (1996), Campos (2003) e Oliveira (1996) também as utilizam. Já a

metodologia qualitativa e suas técnicas são particularmente exploradas nos estudos orientados pela

abordagem processual das representações, sendo usadas por Jodelet (2003), Bawer (2002) e

pesquisadores brasileiros, como Camargo (2005), Arruda (1998), Prado (2005) dentre outros.

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(4) Observação da escola: foi produzido um diário reflexivo onde foram registrados o

funcionamento da escola e as relações interpessoais que ali se estabelecem;

(5) Análise de projeto político pedagógico, programas de ensino e planejamento de

aulas para compreender as ações norteadoras do trabalho pedagógico desenvolvido na

unidade escolar;

(6) Realização de entrevistas semi diretivas com os 24 professores da escola

selecionada, cujo roteiro foi adaptado daquele elaborado por Alves-Mazzotti (2010)

para aplicação no PROCAD (Apêndice 1). Vale lembrar que, na entrevista semi

diretiva, as perguntas são apresentadas ao entrevistado de modo que ele se sinta

confortável para se expressar naturalmente e o roteiro, que é um guia pelo qual o

entrevistador se rege ao longo do processo. Neste, além das perguntas relacionadas à

caracterização dos respondentes, há 11 questões relativas à formação, trabalho e

atividade docente;

(7) Levantamento da história de vida da professora voluntária cuja atividade diária foi

filmada, de modo a entender a dinâmica de sua construção enquanto docente. Conforme

explica Paulilo (1999, p. 1), por meio da

história de vida pode-se captar o que acontece na intersecção do

individual com o social, [sendo] considerada instrumento privilegiado

para análise e interpretação, na medida em que incorpora experiências

subjetivas mescladas a contextos sociais. Ela fornece, portanto, base

consistente para o entendimento do componente histórico dos

fenômenos individuais, assim como para a compreensão do

componente individual dos fenômenos históricos;

(8) Observação das aulas da professora voluntária para familiarizar-se com a situação de

sala de aula. Foi produzido um diário reflexivo onde foram registrados rotina, rituais,

interação professor-aluno/aluno-aluno, dificuldades pedagógicas encontradas no

cotidiano escolar;

(9) Filmagens de oito dias de aula;

(10) Seleção e edição de cenas tidas como relevantes para responder às questões da

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pesquisa e que são denominadas episódios. O pressuposto básico é, segundo Clot

(2001), que a imagem constitui o principal apoio para as observações, ao criar um

cenário que permite o desenvolvimento da atividade profissional do coletivo, a partir de

sua participação na análise das atividades individuais;

(11) Realização de autoconfrontação simples, momento nos quais a docente cuja

atividade foi filmada observa sua própria atuação em sala de aula e a analisa em

conjunto com a pesquisadora. A autoconfrontação simples refere-se à interação entre

sujeito, imagem e investigador. Aqui, a discussão fica centrada na observação de dois

agentes: o professor que ao se ver na tela, fala sobre o que fez e o que poderia (ou não)

ter feito; e o pesquisador que querendo se assegurar de ter compreendido bem os

comentários do docente, tece conjecturas sobre eles. Na filmagem, deve-se enquadrar

tanto um quanto o outro. Em seguida, a pesquisadora fica fora da tela e o foco recai

sobre o professor, tomado de frente. O papel da pesquisadora é, agora, o de comandar o

aparecimento das imagens, o ir para a frente e o voltar atrás. Pretende-se, com isso,

pontuar o discurso que o sujeito dirige à pesquisadora, mostrando como alcançar, por

meio de detalhes da observação da atividade realizada, a atividade real. De fato, só se

chega lá porque a pesquisadora faz com que a atenção não seja voltada apenas para o

objeto (a situação visível), mas também para a atividade investigativa que ambos estão

realizando juntos. Daí a importância da linguagem, que deve apenas servir de

instrumento para o sujeito comunicar aquilo que faz ou que vê: ela é, principalmente,

entendida como um meio de levar o outro a pensar, a sentir e a agir segundo a

perspectiva adotada;

(12) Realização de autoconfrontação cruzada. Nesse momento, dois professores –

aquele cuja atividade de trabalho foi filmada e o outro, um docente convidado, mais

experiente – reúnem-se para analisar as cenas selecionadas, com a presença da

pesquisadora. A relação estabelecida entre sujeito, imagens do colega trabalhando e

investigador chama-se autoconfrontação cruzada. O encontro também é filmado, com os

professores de frente. A pesquisadora apresenta, então, o registro da atividade do

professor, solicitando que o professor visitante o comente. O docente cuja atividade está

sendo analisada confronta-se, assim, com as observações do colega. Podem ocorrer,

nesse momento, controvérsias profissionais entre os dois, incidindo sobre o estilo de

ação adotado por um e por outro. As intervenções da pesquisadora, com o auxílio do

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comando de tela, possibilitam passar de diálogos (durante os quais os profissionais

falam dos estilos de suas ações a partir de gêneros) a pausas (quando a atenção recai

sobre as atividades filmadas, possibilitando que os sujeitos observem os gêneros a partir

dos estilos de suas ações) e vice-versa. Cabe ressaltar que, atentos aos preceitos éticos e

legais, todos os procedimentos, tais como entrevistas, gravações em áudio e em vídeo

foram feitos mediante prévia autorização de todos os envolvidos;

(13) Análise dos dados coletados. Os dados coletados serão analisados segundo o

Modelo de Estratégia Argumentativa (MEA) e confrontados para que se possam

compreender os significados compartilhados sobre os saberes da experiência por meio

da produção discursiva dos sujeitos.

Da sequência apresentada, duas técnicas serão destacadas nas próximas seções: a

clínica da atividade, desenvolvida por Yves Clot e utilizada na coleta de dados no

campo, e o método da estratégia argumentativa, proposta por Monica Rabello de Castro

e Janet Bolite-Frant e usada na análise dos dados.

3.1 - A clínica da atividade

Uma das técnicas de coleta de dados utilizadas neste estudo é a Clínica da

Atividade, denominação adotada por Yves Clot para o método desenvolvido por ele

para a análise e compreensão do trabalho realizado, complementada pela tradição

ergonômica francesa (CLOT, 1999).

Yves Clot é responsável pela Clínica da Atividade no Laboratório de Psicologia

do Trabalho do Conservatoire National dês Arts Métiers (CNAM) situado em Paris,

França. Tem apoiado suas reflexões na Psicologia Sócio-Histórica de Vygotski,

Leontiev e Luria; nos estudos de lingüística de Bakhtin em torno da análise do discurso;

e no trabalho desenvolvido por seus antecessores Wallon, Meyerson e Guillant. Na

abordagem que faz da atividade de trabalho, a subjetividade dos trabalhadores ocupa

lugar central (LIMA, 2007).

Para a análise da atividade que propõe em sua Clínica da Atividade, utiliza como

recurso metodológico a autoconfrontação simples e a autoconfrontação cruzada, onde a

colaboração dos trabalhadores é fundamental, já que participam daquilo que denominou

como co-análise de trabalho. Clot propõe alguns conceitos, a saber: real da atividade,

atividade real, gênero de atividade, estilo da ação e catacreses, que fizeram sua análise

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avançar além da realizada na perspectiva da Análise Ergonômica do Trabalho.

Uma das contribuições da ergonomia francesa para o estudo da atividade

consiste na diferenciação entre trabalho prescrito (que é denominado de tarefa) e

trabalho real (que é o efetivamente realizado daquilo que é prescrito).

Guérin (1997) mostra que trabalhadores, quando questionados sobre seu

trabalho, tendem a apontar os resultados a serem alcançados, ou seja, tendem a falar da

tarefa a ser cumprida e não do trabalho. Nesse sentido, pode-se dizer que a tarefa é o

prescrito, o imposto. Murta (2008, p. 51) afirma que a tarefa “determina e constrange a

atividade, mas ao determinar a atividade do trabalhador, ela a autoriza”. Ela acrescenta

ainda que “a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real é a manifestação

concreta da contradição sempre presente no ato do trabalho”. Entende-se por tarefa tudo

que se inscreve na ordem do que deve ser realizado. Considera-se, por outro lado, que

atividade é tão somente aquilo que foi efetivamente cumprido, a atualização de uma das

várias atividades passíveis de serem realizadas na situação em que ocorre.

Apoiando-se em Vygotski, Clot (1999) afirma também que, nessa situação, o

desenvolvimento da atividade que prevaleceu sobre as demais é governado pelos

conflitos que se estabelecem entre ela e suas concorrentes, ou seja, outras formas de

realizar a tarefa que, podendo ter sido empregadas, não o foram. Assim, Clot (2006, p.

16) ressalta a importância de se estar atento não só às ações realizadas e observadas,

mas àquelas que foram pensadas, mas não realizadas pelo sujeito, tendo em vista que

o real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que não se

pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir – os fracassos –

aquilo que se teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensa ou

que se sonha poder fazer alhures. É preciso acrescentar a isso – o que

é um paradoxo freqüente – aquilo que se faz para não fazer aquilo que

se tem a fazer ou ainda aquilo que se faz sem querer fazer.

Segundo o autor, ações envolvem pensamentos e reações e, em se pretendendo

apreender o “real da atividade”, é preciso mobilizar o sujeito para que ele revele o que

pretendeu fazer e não foi feito, permanecendo, portanto, de alguma forma, reprimido.

De acordo com Clot (2006, p. 115-116) “as reações que não venceram – e que foram ora

mais ora menos reprimidas – formam resíduos incontroláveis, cuja força é suficiente

para exercer uma influência na atividade do sujeito, mas contra as quais ele pode ficar

sem defesa”.

As contribuições de Clot (2006, p. 133) podem ajudar a operacionalizar uma

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maneira de proceder que leva os sujeitos da pesquisa a produzir informações que

usualmente não são exploradas e que, não obstante, parecem ser nodais para uma

análise mais profunda dos sentidos que a atividade tem para aqueles que a exercem,

uma vez que

o real da atividade ultrapassa não somente a tarefa prescrita, mas

também a própria atividade realizada. Ora, esse real da atividade, ou

seja, aquilo que se revela possível, impossível ou inesperado no

contato com as realidades, não faz parte das coisas que podemos

observar diretamente.

Fazer ou realizar é, portanto, fazer e refazer. Nesse caso, Clot (2001) considera

que a atividade pode ser entendida como uma difícil escolha subjetiva, na medida em

que cada pessoa avalia a si mesma e aos outros ao avaliar o real, buscando uma

oportunidade de fazer o que deve ser feito. Considerando que as atividades não

realizadas – que não foram ou não puderam ser concretizadas – têm, inegavelmente, um

impacto na atividade realizada, o autor propõe que elas sejam também incluídas na

análise da atividade.

Em suma, se a atividade realizada é apenas uma parte muito pequena do real da

atividade, parece ser fecunda a distinção entre prescrito e realizado. Clot (2001) ressalta,

no entanto, que não se trata de buscar um hiato entre a prescrição social e a atividade

real. Ao contrário, aponta que há, entre elas, simultaneamente, uma reorganização da

tarefa por parte dos coletivos profissionais e uma recriação da organização do trabalho,

pelo trabalho de organização do coletivo.

Esse duplo movimento é chamado de “gênero social do ofício” ou “gênero

profissional”. O gênero refere-se às obrigações que se impõem sem serem buscadas,

mas também sem poderem ser evitadas – àqueles que tentam realizar seu trabalho a

despeito de como ele é prescrito pela organização do trabalho.

O gênero, idéia reelaborada a partir da noção de gênero do discurso de Bakthin

(2003), seria a história da atividade compartilhada por determinado grupo de

trabalhadores. Nessa história, incluem-se regras implícitas, modos de dizer, de fazer,

anseios, expectativas. Através do gênero, cada sujeito pode predizer e antecipar –

parcialmente, ao menos – os resultados de sua ação. Segundo Clot (2006, p. 50),

entende-se por gênero

o sistema aberto de regras impessoais não escritas que definem, num

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meio dado, o uso dos objetos e o intercâmbio entre as pessoas: uma

forma de rascunho social que esboça as relações dos homens entre si

para agir sobre o mundo. Pode-se defini-lo como um sistema flexível

de variantes normativas e de descrições que comportam vários

cenários e um jogo de indeterminação que nos diz de que modo agem

aqueles com quem trabalhamos, como agir ou deixar em situações

precisas; como bem realizar as transações entre colegas de trabalho

requeridas pela vida em comum organizada em torno de objetivos de

ação.

O gênero profissional é, enfim, um corpo de avaliações partilhadas que regula,

de maneira tácita, a atividade pessoal. Segundo Clot (2001), as regras do trabalho, em

sendo restritivas, são também fontes de recursos para a vida profissional. Assim, o

gênero é um meio de saber se organizar em determinadas situações, evitando, tanto

quanto possível, o erro em face ao previsto.

A adoção do gênero demonstra o pertencimento a certo grupo e ainda uma

orientação para a ação. O gênero organiza as atribuições e as obrigações ao definir as

atividades a serem realizadas independentemente das qualidades subjetivas dos

indivíduos que as executam em um determinado tempo e lugar. Além disso, também

impõe e regulamenta as relações intersubjetivas e interprofissionais. A consistência e

perenidade do gênero decorrem, justamente, de seu caráter normativo, ou seja, de atuar

como norte para a atividade de qualquer pessoa.

Para constituir um instrumento da ação, o gênero passa por um processo de

ajustes, denominado estilo. Tais ajustes buscam libertar o sujeito dos constrangimentos

que decorrem tanto da memória impessoal como de sua própria memória. De fato, ao

retocar uma regra, um gesto ou uma palavra do gênero, o sujeito cria uma variante (o

estilo) que será avaliada e, eventualmente, validada pelo coletivo, assegurando a vida e

o desenvolvimento do próprio gênero. Por outro lado, o sujeito só pode se liberar de

suas determinações, tomando distância de si mesmo, algo que é alcançado apenas por

meio do desenvolvimento da própria experiência com o gênero. O estilo pode, portanto,

ser definido como algo híbrido, que descreve os esforços empreendidos pelo sujeito

para se emancipar tanto da memória impessoal como da pessoal, na tentativa de

alcançar uma maior eficácia em seu trabalho.

Vinculado ao estilo está a noção de catacrese, que trata da atribuição de novas

funções aos instrumentos de trabalho, que passam a serem empregados de maneiras

novas e criativas. Essa alteração de uso é, segundo Clot (2001, p. 40), uma característica

própria do desenvolvimento psicológico real que “é alcançado não pela internalização

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do modo de funcionamento exterior ou das significações já existentes e, sim, por sua

recriação, com vistas a lhes dar uma segunda vida, a serviço da atividade atual do

sujeito”.

Segundo Clot (1999), a análise do trabalho que se quer empreender é aquela que

visa a enriquecer não só o coletivo como também o próprio sujeito. Para tanto, deve

permitir que o sujeito desenvolva seu poder pessoal de agir, de modo a enfrentar melhor

sua situação de trabalho e o coletivo expanda seu campo de ação, por meio das ações

inovadoras do sujeito. Desse modo, a análise considera que há uma função psicológica

dos gêneros sociais, bem como uma função social dos estilos pessoais. Logo, a análise

não pode ser reduzida às ações observadas. Importa, de fato, apreender o real da

atividade, tanto o que o sujeito faz como o que deixa de fazer, o que se encontra

impedido de fazer e o que desejaria fazer, “expondo-o às discordâncias da atividade dos

outros, às suas próprias e aos objetos do mundo” (CLOT, 1999).

Para Clot (idem), a atividade é o meio pelo qual o sujeito se constitui, uma vez

que ele só se mostra aos outros por meio da atividade e estes só se mostram ao sujeito

via atividade. Esta, por sua vez, é sempre social, ainda que realizada individualmente, é

sempre permeada pela cultura e, portanto, pelo social.

Um dos principais recursos do método desenvolvido por Yves Clot e empregado

neste estudo está na imagem como suporte da observação. Todas as situações de

desempenho profissional foram gravadas em vídeo e posteriormente analisadas e

discutidas conjuntamente pelo sujeito (professora voluntária), pela pesquisadora e por

uma professora parceira do sujeito (convidada), alcançando, assim, o “real da atividade”

(CLOT, 2006). Atividade que, ao ser discutida, não se constitui apenas do que é

realizado, mas também daquilo que não foi possível realizar. Daí a importância de se

estar atento não só às ações realizadas e observadas, mas àquelas que foram pensadas,

mas não realizadas pelo sujeito, uma vez que o real da atividade envolve tanto o que foi

realmente feito como tudo aquilo que poderia ter sido feito, o que se procurou fazer sem

o conseguir, o que se queria ter podido fazer e o que ainda se pretende fazer em outra

ocasião. Envolve ainda, e especialmente, tudo o que se faz para não se fazer o que deve

ser feito.

3.2 - O modelo da estratégia argumentativa (MEA)

Os dados coletados (entrevistas, narrativa de história de vida e

autoconfrontações) foram analisados segundo o Modelo da Estratégia Argumentativa

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(MEA), proposto por Castro e Bolite-Frant em 1995 e fundamentado na teoria da

argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958]1996), nos conceitos de

implícitos de Oswald Ducrot e de metáfora, desenvolvido por George Lakoff e Mark

Johnson (2002), tomando-se a linguagem como aspecto central do arcabouço teórico,

objetivando-se analisar a relação que ela mantém com o trabalho docente e com o

pensamento.

Neste estudo, buscou-se organizar um espaço de interlocução entre os atores,

destinado a produzir e a mobilizar recursos dialógicos em torno de uma atividade de

trabalho. Castro (1997) afirma que a principal ferramenta de trabalho do educador é a

sua fala, que pode ser entendida como ação pedagógica. Esta, por sua vez, tem por

objetivo provocar mudanças no sujeito, o que supõe a intenção de persuadir, de

convencer o outro. Pode-se dizer, então, que a fala dos professores são práticas sociais

que implicam processos argumentativos. Por seu caráter persuasivo, os processos

argumentativos são capazes de apreender os significados que os sujeitos atribuem aos

objetos sociais, nesse caso, as representações sociais sobre os saberes da experiência, o

que justifica o uso do MEA (CASTRO, 2004) como metodologia de análise dos dados

obtidos por meio dos discursos produzidos pelos sujeitos da pesquisa.

A análise baseada na Nova Retórica6 centra-se na busca das estratégias utilizadas

para convencer o outro através de argumentos. Essa ferramenta pode ser utilizada para

encontrar as relações entre os argumentos e os “efeitos” do discurso, ou seja, a adesão

do outro ou uma ação decorrente da adesão.

É no discurso que as representações se formam, se modificam e se revelam e é a

relação retórica que integra os três elementos centrais do discurso (orador, discurso e

auditório), permitindo a comunicação (MEYER, 2002 apud DUARTE; MAZZOTTI,

2004). O orador, com o objetivo de persuadir e ser aceito, constrói um esquema

argumentativo, o discurso, baseado nos seus valores e nos valores do grupo a que se

destina, o auditório. Este último não recebe passivamente a mensagem, mas a

“reconstrói a partir de seus próprios esquemas conceituais, como apresentado pela teoria

das representações sociais, tornando-se co-autor da mensagem” (op. cit, p. 86)

A análise argumentativa não tem a intenção de estabelecer verdades, ou de dizer

que este discurso tem razão ou não, pois a retórica, assim como as representações

6 Em 1958, no mesmo ano em que Toulmin publicava o seu The Uses of Argument, no continente e re-

clamando-se de uma outra tradição filosófica, Perelman, Professor na Universidade Livre de Bruxelas,

publica um livro que terá pelo menos o mesmo relevo no renascimento contemporâneo da retórica: Traité

de l’Argumentation. La Nouvelle Rhétorique (CARDOSO E CUNHA, s/d).

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sociais, operam com juízos de valor, com o que é verossímil e as análises desses

argumentos buscam identificar “as verdades” para um grupo estudado (CASTRO;

BOLITE-FRANT, no prelo).

Da mesma maneira, as representações sociais, por serem uma construção de

grupo, também assumem múltiplas facetas, pois é a partir de suas vivências e

experiências que os conceitos e informações recebidas são organizadas e hierarquizadas

de acordo com o preferível para cada grupo. São os preferíveis, os interesses do grupo

que o fazem aceitar ou rejeitar determinado discurso, por isso a identificação dos

argumentos contra ou a favor permite revelar indícios dos valores compartilhados pelo

grupo, podendo assim identificar suas representações sobre determinado objeto. As

representações que são compartilhadas pelos grupos permitem que o objeto seja alvo de

discussões. Assim, a análise argumentativa é uma forte ferramenta para as

representações sociais, uma vez que ao se construir representações de algo, torna-se

necessário negociar significados, ou seja, argumentar.

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CAPÍTULO 4

EM BUSCA DOS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AOS SABERES

DA EXPERIÊNCIA

O primeiro contato com a Escola Municipal ocorreu em dezembro de 2009,

quando conversamos com a dirigente de turno sobre o desejo de realizar a pesquisa de

campo naquela unidade escolar. Na ocasião, ela solicitou que nos dirigíssemos à

Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias (SME) para obter a devida

autorização. A Coordenadora de Ensino da SME concedeu parecer positivo, exigindo,

para fins legais, uma declaração da Universidade, contendo informações sobre o

Mestrado, a Linha de Pesquisa, além da apresentação do projeto de pesquisa.

Como em janeiro a escola entraria em recesso, retornamos em fevereiro de 2010,

quando fomos apresentadas à Diretora, que nos deu boas vindas e convidou para

participar da primeira reunião geral com os professores. Nesse encontro, tivemos a

oportunidade de explicar a razão de nossa presença na escola por um determinado

período, bem como os objetivos do trabalho a ser ali desenvolvido. Explicamos que

realizaríamos entrevistas com todos os 24 professores atuantes, caso concordassem, e

que precisaríamos do consentimento de um dos professores para a videogravação de

algumas de suas aulas. Todos foram receptivos naquele momento e não percebemos

resistência à proposta.

A partir dali, teve início a observação da escola: sua estrutura física, seu

funcionamento e as relações cotidianas entre professores, alunos e funcionários. Todas

as impressões, diálogos e o que julgasse ser relevante para a pesquisa foram registrados

em um diário de campo.

Nesta fase, foi possível realizar entrevistas livres com a secretária da escola,

quando tivemos liberdade para fazer perguntas e obter informações de maneira livre e

espontânea sobre horário de funcionamento, grade de horário e normas administrativas.

Também foram analisados documentos fornecidos pela orientadora pedagógica,

a saber: Projeto Político Pedagógico (PPP), planejamentos de curso, diários de classe e

posteriormente, o caderno de plano de aula da professora voluntária. Ao fazer a leitura

deste material, foram destacados os seguintes aspectos: eixo norteador do PPP, forma do

processo avaliativo, metodologia de ensino adotada, projetos temáticos realizados, além

dos conteúdos e habilidades previstos para serem consolidados pelos alunos.

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Concomitantemente ao processo de análise documental, eram travadas conversas

informais com os professores durante os intervalos das aulas. Os assuntos eram variados

e sempre que havia oportunidade, procurávamos envolvê-los com a pesquisa. Aos

poucos fomos conquistando a confiança de todos e nossa presença já não causava mais

tanta estranheza na escola.

4.1 - Caracterização da escola

Para conhecer a atividade do professor, é relevante conhecer a instituição onde

ele trabalha, o projeto político-pedagógico da escola, bem como as relações que nela se

estabelecem.

A Escola Municipal selecionada está situada no 1º Distrito do município de

Duque de Caxias, Rio de Janeiro, numa comunidade urbana. O bairro onde a escola se

localiza fica próximo do centro do município. No mesmo bairro se encontra a Faculdade

de Educação da Baixada Fluminense/UERJ que, sempre que solicitada, cede sua quadra

esportiva para eventos promovidos pela escola.

As ruas do bairro são asfaltadas, o comércio é farto e a comunidade é servida por

várias linhas de ônibus, o que facilita o acesso de seus moradores. A energia elétrica é

fornecida pela LIGHT e o abastecimento de água, pela CEDAE, que é feito de forma

irregular.

A renda das famílias é média baixa e os responsáveis trabalham geralmente em

profissões simples e até em subprofissões, os chamados “bicos”. As opções de lazer

promovidas pela escola ─ oficinas, festas, bingos, passeios ─ são geralmente bem

aceitas pela comunidade escolar, porém, segundo relato dos professores, não há uma

participação efetiva da comunidade local.

Atualmente a escola oferece atendimento a 671 alunos distribuídos em 24

turmas, em quatro turnos de aulas, como mostram as Tabelas 1 e 2 a seguir:

Tabela 1 – Quadro de horário de funcionamento da escola selecionada.

MODALIDADE TURNOS HORÁRIO DE

FUNCIONAMENTO

1º, 2º e 3º ano de escolaridade 1º e 2º 7h às 11h

11h às 15h

4º e 5º ano de escolaridade 3º 15h às 19h

Classe de Alfabetização

Ciclos I e II (EJA presencial)

18h às 22h Fonte: Projeto Político Pedagógico (2009, p. 11)

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Tabela 2 – Quadro de composição de turmas por ano de escolaridade na escola

selecionada.

MODALIDADE NÚMERO DE TURMAS NÚMERO DE ALUNOS

1º ano de escolaridade 3 72

2º ano de escolaridade 4 98

3º ano de escolaridade 5 136

4º ano de escolaridade 4 125

5º ano de escolaridade 2 72

Classe de Alfabetização 2 44

Ciclo I 2 48

Ciclo II 2 72

Total 24 671 Fonte: Livro de Matrículas da Escola Municipal selecionada (2010)

O quadro funcional é formado por 61 funcionários, sendo uma diretora; uma

vice-diretora; duas orientadoras pedagógicas; duas orientadoras educacionais; quatro

dirigentes de turno; quatro assistentes de secretaria; 24 professores regentes; duas

professoras de sala de leitura; três professoras de projeto; uma professora de Ensino

Religioso; três inspetores de disciplina; um supervisor educacional; um supervisor

administrativo; um supervisor de merenda; dois auxiliares administrativos; dois

atendentes; três merendeiras; dois serventes; e dois porteiros.

Atualmente a escola possui uma área externa murada com um pátio coberto onde

são realizadas as atividades recreativas. Há seis salas de aula; sala da diretora;

secretaria; sala de professores; uma sala adaptada para Orientação Pedagógica (OP) e

Orientação Educacional (OE); um banheiro de professores; três banheiros para alunos;

uma sala de leitura adaptada; uma cozinha; uma despensa; e um refeitório adaptado.

A escola se encontrava em obras para ampliação de seu espaço físico no período

de realização da coleta de dados. Com a reforma pretende-se a construção de uma nova

cozinha; um refeitório; secretaria; sala da direção; sala de dirigente de turno; uma sala

para OP e OE; uma sala de leitura e biblioteca (unificadas); nova sala de professores;

uma sala de informática; uma sala de Educação Especial; quadra de esportes; mais dois

banheiros para alunos com adaptação para deficientes físicos e mais seis salas de aula.

Por ser uma reforma de grande porte, a obra não pôde ser concluída durante o recesso

escolar, portanto, tem se estendido ao longo do ano letivo e algumas turmas

necessitaram ser realocadas em uma escola municipal próxima por alguns meses.

As seis salas de aula são de tamanho regular, com capacidade para comportar

aproximadamente quarenta carteiras escolares. Todas possuem armários, onde os

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professores guardam materiais diversos. As paredes possuem murais, onde são afixados

trabalhos realizados pelos alunos e cartazes confeccionados pelos professores. Há

quadros de giz, que já estão sendo substituídos por quadros brancos.

Como recursos tecnológicos há televisão, rádio e um aparelho de DVD. Não há

computadores, data show ou retroprojetores. O computador existente na escola é

utilizado somente para os serviços de secretaria.

O relacionamento interpessoal (professores, funcionários administrativos, equipe

diretiva, alunos) é amistoso, o que promove um ambiente acolhedor e de convivência

agradável. Fomos bem recebidas pela equipe diretiva, pelos professores e demais

funcionários e não tivemos problemas para acessar e manipular documentos ou circular

pelas dependências da escola.

A escola é regimentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.

9394/96, pelo Regimento Escolar do Município de Duque de Caxias, pelo Estatuto do

Funcionalismo Público e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8069/90.

Mantida com recursos públicos da Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, recebe

verba anualmente do Fundo Nacional de Desenvolvimento em Educação (FNDE).

Do PPP foi possível extrair a maior parte das informações. Tivemos a

oportunidade de participar, durante o início do ano letivo de 2010, de uma reunião com

todo o corpo de funcionários, com o objetivo de reavaliar o PPP. O grupo pretendia,

com isso, garantir que este não seria um simples “pedaço de papel” a ser arquivado ou

que se consolidasse como apenas um documento normativo ou como um conjunto de

planos e propostas distanciado das práticas correntes. Todos consideravam que o PPP

deveria ser exequível, legítimo, dinâmico, construído e vivenciado por todos os

envolvidos no processo educacional, fruto de uma ação articulada entre os atores

escolares, por eles validada e legitimada. No entanto, não houve a presença de

representantes de pais e de alunos.

Outro ponto observado está relacionado à formação crítica e autônoma que a

escola pretende garantir ao aluno. Esta preocupação aparece diversas vezes registrada

no PPP, seja no seu Marco Doutrinal, no Marco Operativo ou na Dimensão Pedagógica.

Segundo o projeto, a escola tem como principal objetivo, “construir uma sociedade

crítica, igualitária e justa, onde o sujeito que dela participa assuma uma postura crítica,

consciente, humana e politizada.” (PPP, 2009, p. 4). Entretanto, a unidade escolar não

possui grêmio estudantil nem realiza eleições para a escolha de alunos representantes de

turma. Não há momentos destinados em reuniões para que alunos se posicionem perante

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os assuntos da escola, o que contradiz o PPP (2009, p. 4):

O aluno – sujeito da sua aprendizagem, participante ativo nas decisões

que dizem respeito ao projeto da escola e não apenas cliente dela. A

escola – instituição integrada com a comunidade, que valoriza as

linguagens, os conhecimentos formais, os valores e manifestações

culturais, sempre aberta à participação consciente, crítica e ativa de

crianças, jovens e adultos, garantindo-lhes a posse de sua cidadania na

gerência e usufruto dos benefícios da sociedade. A escola tem como

marco operativo o desafio de concretizar uma educação voltada para a

transformação da realidade, que leve em conta seus sujeitos,

promovendo um trabalho pedagógico crítico, dinâmico e aberto a

projetos.

Na sequência da análise desse documento, observou-se que, apesar da escola

possuir um Conselho Escolar, este se reúne, basicamente, para discutir sobre o destino

das verbas da escola. Os pais e/ou a comunidade não têm participação efetiva na

elaboração de projetos, eventos e/ou momentos coletivos. Esta se restringe,

praticamente, a reuniões para entrega de notas, o que contradiz o que está no PPP (2009,

p. 6):

A direção deve promover ações que elevem a auto estima de toda

comunidade escolar. Atuando como um elo entre a comunidade, a

escola e os funcionários, discutindo juntos, os problemas em busca de

soluções, reconhecendo que a gestão democrática faz parte da própria

natureza do Ato Pedagógico e fundamenta a concepção democrática

da educação.

A participação da comunidade é restrita a ocasiões especiais e não contribui para

a construção de uma identidade escolar democrática, uma vez que aquela está alijada de

decisões significativas tais como análise da problemática pedagógica ou da organização

escolar. É importante ressaltar que essa circunstância descaracteriza a participação

como um processo dinâmico e coletivo, benéfica para a superação de dificuldades e que

pode apontar melhorias para o processo educativo.

Segundo o documento, os docentes norteiam sua ação pedagógica de acordo

com a linha sociointeracionista. Mas não há justificativas ou considerações quanto à

escolha da filosofia escolhida.

Quanto aos projetos coletivos a serem realizados pela escola durante o ano

letivo, não há registro no PPP.

No que se refere à gestão, a escola se organiza a partir de uma equipe diretiva,

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formada pela diretora, vice-diretora (cargos comissionados indicados pela Secretaria de

Educação), dirigentes de turno (função assumida por um professor indicado ou

escolhido pelo diretor), orientadoras pedagógicas e orientadoras educacionais

(admitidas por concurso público).

A escola possui pouca autonomia, estando subordinada à Secretaria Municipal

de Educação no que diz respeito ao calendário escolar, ao planejamento de ensino, à

escolha da merenda, às datas e temas das reuniões pedagógicas, à execução de projetos

pedagógicos por ela promovidos.

Quanto à avaliação, desde o ano letivo de 2005 todas as escolas municipais de

Duque de Caxias passaram a ter novas orientações. Os alunos do 4º ao 9º ano de

escolaridade e Ciclos I, II, III e IV são aprovados mediante a média anual igual a seis. O

aluno que obtiver nota inferior a seis, terá direito a uma nova avaliação final, onde

deverá alcançar no somatório da média anual com o resultado da recuperação final,

dividido por dois, média final igual ou maior que cinco e freqüência igual ou superior a

75% durante o ano letivo.

Considerando a filosofia da Unidade Escolar, a Escola Municipal selecionada

estabeleceu os seguintes critérios de avaliação para o ensino fundamental:

(a) Os alunos que atingirem 50% dos objetivos terão média igual a seis;

(b) Considerando a construção dos conhecimentos, o aluno deverá: ler e escrever

na base alfabética (1º, 2º e 3º AE) e ortográfica. Os demais anos de

escolaridade: produzir e interpretar diferentes gêneros textuais, resolver

situações-problemas utilizando as quatro operações, criticar, argumentar,

pesquisar com autonomia e disciplina, desenvolver atitudes de convivência

em grupo. Estes critérios serão aplicados em todas as áreas de conhecimento,

de acordo com a sua especificidade;

(c) Quanto aos instrumentos de avaliação: trabalhos (grupo/individual),

participação/expressão oral e escrita;

(d) A avaliação das turmas de alfabetização será feita através dos registros

descritivos bimestrais.

Além da recuperação final prevista no calendário oficial da SME, a escola

oportunizará, ao longo do período letivo, atividades de recuperação paralela, utilizando-

se, por decisão dos docentes, técnicas de trabalho diversificado, classe de apoio e

módulos de ensino.

Os professores se reúnem para troca de experiências e aperfeiçoamento dos

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trabalhos realizados por meio de reuniões de planejamento de atividades (semanais) e

pelos grupos de estudos (quinzenais), que são garantidos pela SME no calendário

escolar.

Ao analisar o Planejamento de Curso do 1º Ano de Escolaridade, foi observado

que o mesmo está em conformidade com o PPP no que diz respeito à promoção de

autonomia e criticidade, aproveitando o repertório cultural do aluno, ao registrar que:

A escola tem como marco referencial reestruturar o mundo e resgatar

o ser humano, aproveitando o máximo os seus talentos e habilidades

de pensar, analisar e refletir com arte e cidadania, levando os homens

a compartilhar e autonomizar a busca dos conhecimentos e tendo

domínio dos meios de captar e armazenar informações.

Considerando a construção dos conhecimentos, no que se refere aos objetivos

propostos para serem alcançados no referido ano de escolaridade, também estes estão de

acordo com o que está estabelecido no PPP em relação aos critérios de avaliação:

“Produzir e interpretar variados gêneros textuais; interpretar e resolver situações-

problema envolvendo as operações de adição e subtração; desenvolver atitudes de

convivência em grupo.”

Quanto ao plano de aula, foi analisado aquele elaborado pela professora que se

apresentou como voluntária e que teve suas aulas observadas e filmadas durante uma

semana. Ela possui um plano de aula diário, onde são registradas todas as suas

atividades, que também estão em conformidade com o Planejamento de Curso e com o

PPP.

4.2 - Perfil dos professores

O sexo predominante no grupo de professores que atua na escola é feminino.

Dos 24 professores participantes, apenas um é do sexo masculino.

A faixa salarial varia de R$1.500,00 a R$5.000,00. Os professores da Rede

Municipal de Duque de Caxias possuem Plano de Carreira e mudam de faixa salarial a

cada cinco anos (por tempo de serviço) e/ou a cada dois anos (por formação).

Quanto à formação, cinco professores possuem somente o curso Normal Médio,

19 têm Curso Superior e 13 fizeram Curso de Especialização.

A carga horária semanal se concentra em duas faixas: 20h e 40h, o que

corresponde à jornada de trabalho requerida de professores que têm uma e duas

matrículas na rede pública, ou ainda, que trabalham em dois períodos, ou seja, exercem

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dupla regência.

A média de idade é compreendida entre 20 e 63 anos, sendo que dois professores

se encontram na faixa etária de 20 a 25 anos; três de 26 a 30 anos; dois de 31 a 35 anos;

quatro entre 36 e 40 anos; sete de 41 a 45 anos; dois de 46 a 50 anos; um de 51 a 55

anos; dois de 56 a 60 anos; e um de 63 anos de idade.

O tempo de magistério também é variado: de 5 a 40 anos, sendo que quatro

professores possuem de 5 a 10 anos; quatro de 11 a 15 anos; cinco entre 15 e 20 anos;

dois de 21 a 25 anos; e nove professores possuindo mais de 25 anos de magistério

exercidos efetivamente em sala de aula.

Ao conversar com o grupo que possui mais de 25 anos de magistério e

questionar o motivo de ainda continuarem em pleno exercício da profissão, fomos

informadas que de acordo com as novas regras da Previdência (art. 40, inciso 5º da

Constituição Federal), o professor da rede pública só estará em condições de se

aposentar voluntariamente ao completar 30 anos de contribuição (homem) e 25 anos

(mulher) e 55 anos de idade (homem) e 50 anos (mulher). Assim, a maioria só está

aguardando completar 50 anos de idade para se aposentar. Quanto àqueles que já

apresentam idade e tempo de serviço, afirmaram que permanecem no exercício porque

não conseguem se imaginar longe da profissão.

4.3 - Entrevistas

As entrevistas individuais foram realizadas no início do ano letivo. Embora se

mostrassem disponíveis, de imediato, alguns professores mostraram certa inibição para

falar, uma vez que suas falas eram gravadas em áudio, mas não se furtaram a responder

as perguntas propostas. As entrevistas tiveram uma duração média de 20 minutos cada

uma e foram posteriormente transcritas literalmente, registrando-se a entonação de voz,

os silêncios, os risos, os suspiros e outras manifestações relevantes (BOURDIEU,

1999). Na reprodução das falas, os participantes estão identificados pela letra (P)

seguidos pelo número de ordem do protocolo de entrevista.

Para analisar as respostas dos professores, foi utilizado o MEA, a partir do qual

encontramos a seguinte tese central:

A experiência profissional orienta a prática cotidiana.

Essa tese é sustentada por meio do seguinte argumento: devido à precariedade

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dos cursos de formação de professores que, segundo eles, não propiciam base adequada

para a atuação profissional não os preparando para lidar com o aluno real, esses

docentes revelaram que é na experiência profissional cotidiana que constroem os

saberes necessários para desenvolver seu trabalho. Defendida pelos professores em seus

discursos, afirmam que são as certezas de sua experiência profissional que orientam sua

prática cotidiana e não sua formação ou ideologias pedagógicas subjacentes aos

currículos pedagógicos, o que é evidenciado em algumas falas, como as dessas

professoras:

A minha formação foi muito assim, uma coisa muito impessoal, uma

coisa que não tem nada a ver com a prática. Na prática, quando você

de fato se entrega e se doa, tudo fica contaminado por características

da nossa personalidade, na personalidade do professor, na

personalidade do aluno, por aspectos de afetividade, isso tudo muda

toda a história daquela coisa formatada que a gente aprende na época

da formação de professor. É, então eu acho que é isso, a gente

constroi, a gente aprende mesmo no dia-a-dia, nos vínculos. (...)

Infelizmente a formação brasileira a nível de magistério de segundo

grau passa muito pouco, sabe, eu não sei hoje, hoje eu não posso falar,

mas eu não vejo muita coisa assim, eu aprendi mesmo na minha

prática, né, com experiências mesmo, contato com aluno, contato com

os pais (...) (P-21)

Então fica tudo muito na teoria, tudo o que a gente aprende, quando

chega em sala de aula você entra em choque, você vê que é muito

diferente, tudo fica muito na teoria, a prática é muito diferente. Aí a

gente acaba é aprendendo no dia-a-dia mesmo (...) (P-1)

Quando você estuda, você faz uma formação, você tem muita, muita

teoria bonita, mas que a realidade do seu aluno é muito diferente

daquilo que está nos livros, de repente o cara não teve uma

alimentação boa, o cara não tem uma estrutura familiar, então através

da minha prática, eu vou adaptar aquela atividade, ou material, seja lá

o que for, então eu, a atividade que eu quero realizar, eu tiro uma idéia

e tento adaptar pro meu aluno com o que eu tenho e com o que eu

posso. (...) (P-7)

Falta trabalhar com a realidade da sala de aula das escolas. Eu recebi

muita teoria, mas não procurava ver alguns conflitos que acontece na

escola que você só vai ter que resolver quando estiver em sala de aula

quando adquire experiência e no curso não te preparam pra isso. (p-9)

Eu acho que as disciplinas ensinadas na formação ajudaram no início,

mas a prática com o decorrer do tempo é que vai nos aperfeiçoando,

né? Porque só a Didática em si foi muito pouca coisa. (P-13)

A teoria te prega uma Educação que não existe, te prepara pra um

aluno que não existe. (...) Quando você chega na Educação com uma

formação só teórica acaba ficando frustrado, você se frustra no sentido

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de que o aluno com que você foi preparado pra trabalhar, que é um

aluno fictício, não tem. (...)Você aprende mesmo é na sala de aula.Por

isso eu acho que a formação de professores tem que trabalhar mais

voltada pra realidade da educação, pro aluno que a gente tem hoje, da

nossa clientela de verdade. (P-19)

Eu acho que quanto mais você trabalha você vai aprendendo, você vai

sabendo entender melhor o seu aluno, você vai criando nas

experiências dentro daquilo que você tá fazendo, então, eu acho que é

a experiência mesmo (...) (P-23)

Para esses professores é a experiência profissional que norteia a prática cotidiana

e não aquilo que aprenderam em sua formação acadêmica. Por isso no discurso dos

professores a tese central é defendida por meio de argumentos que indicam que a

aprendizagem docente é um processo contínuo e que ocorre ao longo da trajetória

profissional; que não se limita aos espaços formais e tradicionais de formação.

A experiência propiciada pelos estágios no seu curso de formação, apesar de ser

reconhecida como necessária para o ingresso na carreira profissional, não trouxe a esses

professores contribuições significativas quanto à percepção da realidade educacional,

uma vez que eram distanciados da prática, como observado nas seguintes declarações:

Lá nos estágios no curso de formação todo esse conhecimento vem

cercado de uma teoria. Quando a gente chega aqui fazendo essa

exposição didática é um grande lance. Como eu pego tudo isso que eu

aprendi, (...) a gente tem um grupo de crianças e tem que pegar essa

gama de conhecimento e transformar em conteúdo pra que sirva a essa

criança (...) agora nós precisamos de mais tempo pra entender essa

prática, essa teoria (...) pra estudar a relação dessa teoria com essa

prática, [...] (P-12)

Eu acho que quando a gente tá no estágio, quando a gente tá

estudando, a gente tá tendo assim, um recorte do que é a sala de aula,

aquilo ali é muito pouco, é muito limitado, então eu acho que a gente

já chega no estágio muito bem preparada, a turma já é tipo ensaiada

né, então eu acho que falta isso, realidade mesmo, nua e crua. (P-17)

Eu acho que a vivência na sala de aula, porque pelo menos, quando eu

fiz , foram só três anos, no Normal, e no estágio foi muito pouco

tempo, então eu sinto falta da vivência em sala de aula, de atuar

mesmo, não só de ficar observando. Eu ficava muito tempo só

observando o professor dar aula, mas eu não atuava, eu não tinha

contato com os alunos. (...) eu acho que faz falta é essa vivência

mesmo, de estar mais com o aluno. (P-1)

No estágio a aula sempre corre bem sem ter nenhum imprevisto e é

uma aula maravilhosa, que é uma coisa diferente pra eles (alunos),

eles acham tudo um máximo! (P-3)

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As didáticas e os estágios de modo geral eu achei assim muito

desvinculado da realidade, quando você tá dentro de sala de aula, você

não se sente de nenhuma forma preparada pra aquilo que você vai

enfrentar, das dificuldades, dos desafios, da realidade da sala de aula

mesmo. (P-15)

Percebemos que, para esses professores, o estágio é significativo e relevante

quando envolve uma proposta de formação baseada na aproximação da realidade

escolar, estreitada pela relação teoria e prática como possibilidade de transformação.

Pimenta (2002) considera que o estágio tem a intenção de propiciar ao aluno

uma aproximação à realidade na qual irá atuar, ressaltando que não se deve colocá-lo

como “pólo prático” do curso, mas como uma mera aproximação à prática, que será

concludente à teoria estudada no curso de formação.

De acordo com Cunha (2003), o estágio supervisionado é o eixo articulador no

curso de formação de professores, podendo ser considerado, metodologicamente, um

processo de investigação-ação por meio, por exemplo, de projetos didáticos de ação,

realizados com os professores das escolas. Procura-se assim, evidenciar a relação entre

teoria e prática, o que poderia desenvolver uma visão crítica nos alunos sobre a

educação.

Um fenômeno recorrente identificado nas falas da maioria dos professores

entrevistados e que sustentam uma segunda tese, diz respeito às reflexões acerca das

concepções construtivistas no processo pedagógico:

O método tradicional traz segurança.

Embora a maioria reconheça e seja favorável às contribuições do construtivismo

para a educação, em quase todas as falas há referências à necessidade de não se perder

de vista o referencial tradicional como orientador de suas práticas. Os discursos dos

professores perpassam intenções e experiências explícitas de junção das duas

abordagens (tradicional e construtivista) como forma de obter sucesso no campo

educacional. Para eles, foi a experiência do trabalho profissional que lhes proporcionou

a prova da eficiência deste saber-fazer, representado pela seguinte fala:

Se você me perguntar qual é o método que você usa para as turmas do

ciclo, são vários, eu misturo. E daí eu tento ver qual é o resultado que

eu vou obter com aquela criança. (P-14)

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Alguns afirmam “mesclar” tudo e parecem não dominar a proposta pedagógica

da rede, como relata a professora:

Eu sinto que eu ainda não consegui entender o método que a rede

trabalha, então, eu acabo assim, mesclando, um pouco de tudo, até por

eu, de repente, ter falta de uma formação que trabalhe, é, esse método,

eu sinto uma dificuldade que não chega a comprometer o meu

trabalho, que eu vou atrás de outros caminhos, (...) mas até hoje eu

não sei como é que funciona na prática. (P-3)

“Misturar, mesclar tudo” se opõe a algum método, notadamente aos métodos

tradicionais, entendidos como o antigo, aquele que é responsável pelo fracasso dos

alunos7. Entretanto, embora a maioria dos professores reconheça e seja favorável às

contribuições do construtivismo para a educação, se verificou em suas falas, referências

explícitas à necessidade de não se perder de vista o referencial tradicional como

orientador de suas práticas, pois ele lhes traz segurança para atuar.

Assim, a tese O método tradicional traz segurança, defendida pelos

professores, evidencia intenções e experiências de junção de duas abordagens

(tradicional e construtivista) como forma de obter sucesso no campo educacional. Além

disso, uma vez que o Construtivismo não foi incorporado aos pensamentos e práticas de

alguns professores, justifica-se a persistência da permanência do tradicional na prática

pedagógica. As falas das professoras exemplificam essa questão, que ainda transferem

para o aluno o despreparo para aprender o método:

Então, eu fico com essa dificuldade de entender isso, porque eu não

acho que os alunos, que a clientela da rede esteja preparada pra esse

método. Não que eu seja contra o construtivismo, mas eu acho isso

multicultural também, que o nosso país não é, então, eu acho que no

meu entender, ainda sou pelo tradicional. (P-7)

7 Mortatti (2006, p. 4) explica que a história do ensino da leitura e escrita na fase inicial de escolarização de crianças,

tem sua face mais visível na história dos métodos de alfabetização. Para mostrar a oposição tradicional (antigo) x

moderno (novo) com relação a esses métodos, a autora divide o período que vai desde as décadas finais do século

XIX até a atualidade em quatro momentos,”cada um deles caracterizado pela disputa em torno de certas tematizações,

normatizações e concretizações relacionadas com o ensino da leitura e escrita e consideradas novas e melhores, em

relação ao que, em cada momento, era considerado antigo e tradicional nesse ensino”. Assim, no primeiro período se

opõem os métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e de silabação) e o “método João de Deus" (iniciar o

ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras); no segundo, os métodos

de marcha sintética versus o método de marcha analítica (processos da palavração e sentenciação); no terceiro, méto-

dos de marcha sintética versus métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa) e também método global

(de contos); no último, métodos tradicionais (sobretudo o misto ou eclético) versus construtivismo, “se apresenta, não

como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-

se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das

cartilhas” (op. cit. p. 10).

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Olha, essas mudanças são grandes, né? Porque hoje não é mais o

tradicional, nós estamos no Construtivismo e isso vai dificultando não

só a criança e até o nosso trabalho enquanto alfabetizadoras. (P-4)

Esses discursos entendidos a partir da Teoria das Representações Sociais

expressam indícios de ancoragem. Segundo Moscovici (1978), isto significa que os

professores estão incorporando algo desconhecido (o construtivismo) à malha de

categorias ou saberes que já possuíam acerca do fazer docente (o tradicional). Para o

autor, esse processo de incorporação do objeto novo sugere confrontos, conflitos e

comparações com o já estabelecido, arraigado.

Conforme apresentado anteriormente, para Jodelet (2001), o processo de

ancoragem se estrutura a partir de três condições: a atribuição de sentido (incorporação

do novo ao já conhecido, nesse caso, incorporar o construtivismo ao método tradicional

de ensino); instrumentalização do saber (transformação do novo em algo útil, nesse

caso, o construtivismo permite compreender as diferenças e desenvolver um trabalho

pedagógico mais eficaz) e enraizamento no sistema de pensamento (amenização da

oposição, nesse caso, é possível “misturar” construtivismo com método tradicional,

porque este traz mais segurança ao fazer). Assim, o novo ou estranho é familiarizado.

Na perspectiva dos saberes docentes, a mistura do novo e do tradicional presente

nas práticas docentes envolve conflitos de saberes, de racionalidades ou de lógicas, que

podem também ser interpretadas como falta de domínio teórico das propostas

pedagógicas. Contudo, podem também refletir a dimensão dinâmica, crítica e dialética

de uma prática educacional situada de atores que de algum modo sabem justificar suas

decisões na ação fundadas em saberes da experiência (THERRIEN, 1997).

A característica do professor como profissional reflexivo também se manifesta

em algumas falas destes atores. O relato de uma das professoras aponta não somente

uma prática interativa e sua racionalidade própria, bem como uma reflexão acerca de

sua formação e de sua experiência profissional. Elabora teorias próprias, expressando as

razões de seus procedimentos:

Olha, o que me dá segurança é o feedback do aluno. Eu posso estar

cheia das teorias, mas o feedback do aluno é que vai me dar segurança.

Eu posso ir contra muita coisa que falaram, mas se aquilo tá dando

certo com o aluno, ele, ele, me mostrou pelo olhar, pela satisfação,

pela realização, pelo esforço dele, pela motivação que ele me

demonstra, a partir do desempenho dele, aquilo me dá segurança, é

meu aluno que me dá segurança e me estimula a continuar. Se não

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fosse a sala de aula, olho no olho do aluno, eu não estaria numa

escola. (P-15)

Therrien (2007) descreve o trabalho docente como a práxis de um sujeito

transformador (professor) em interação situada com outro sujeito (aluno), onde a

produção de saberes e a mediação de significados caracterizam e direcionam o processo

de comunicação e entendimento entre ambos. Em outros termos, o trabalho docente é

um processo educativo de instrução e formação humana, através da mediação e da

interação entre professor e aluno a partir do conteúdo de ensino. A fala da professora é

ilustrativa:

É preciso querer ajudar pra acreditar neles (alunos). Eu aprendi muito,

eu aprendi e acho que isso não se aprende em nenhuma disciplina,

você pode ler todas as teorias do mundo, mas a estabilidade, você

pode pegar e você sabe até repetir palavra por palavra do que você lê,

mas adquirir estabilidade você não vai se você não sabe, não for, se

você não tiver percepção, se você não acolher, se você não tiver

sensibilidade, você não fará muito. Se você for uma pessoa dura, se

você sempre enxerga o outro como um estorvo, sempre como uma

dificuldade, se você estiver vindo pra cá pra receber seu salário, como

já foi dito aqui dentro, tá (...) isso aí é uma prática que você precisa

construir ao longo da sua profissão. (P-11)

Para Therrien (op. cit), a relação que o professor estabelece com seus alunos está

profundamente condicionada pela maneira com que ele lida com os conteúdos. A fala a

seguir corrobora essa afirmação:

Então, quer dizer, eles estão fazendo pontes e isso é legal, não sei se é

certo ou errado, mas eu tô ajudando a eles a fazerem as pontes que

eles têm que fazer, de um conteúdo com o outro, de História,

Geografia e Matemática, eu não entendo porque se a gente fala que é,

que o conteúdo é integrado, a gente fala tanto por matérias, por áreas,

eu acho que isso continua dificultando alguma coisa. Lógico que eu

também não sei trabalhar com tudo, eu tô aprendendo, mas acho que

seria interessante a gente lá nas séries iniciaizinhas mesmo, aos

poucos ir separando né, seja Matemática, Ciências... (P-2)

A decisão da professora pode ser questionável, entretanto, mostra que a tomada

de decisão sobre o andamento de sua atividade é realizada a partir de elementos que ela

julga pertinentes e reunida ao longo de sua experiência profissional. Ela considera que

sua função dentro de sala de aula é ajudar aos alunos na apreensão dos conteúdos

curriculares, adequando-os conforme as características da sua turma.

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O docente é, portanto, responsável pela transformação das orientações

curriculares (o prescrito) em ações efetivas. As tarefas prescritas podem assumir as mais

diversas configurações quando transformadas em atividades efetivas em contexto, o que

é denominado por Clot (2006) de “real da atividade” e o que Therrien (2005; 2006)

denomina de “transformação pedagógica da matéria”.

As definições curriculares servem ao docente como um referencial de base para

orientar sua atuação pedagógica junto aos alunos. Entretanto, é a partir das necessidades

concretas desses alunos que o professor decide quais conteúdos irá priorizar ou

descartar e de que forma irá fazê-lo. Ele imprime o que Clot (2006) chama de “estilo”

pessoal em sua atividade e é esta impressão que garantirá aos alunos uma aprendizagem

efetiva, pois a adaptação do prescrito para ele é fundamental.

Essa modificação que ocorre dentro da própria sala de aula, de responsabilidade

exclusiva do professor, de um conteúdo a ensinar em um conteúdo efetivamente

ensinado é denominado por Clot (2006) de real da atividade.

Cunha (2007) aponta que entre o trabalho prescrito a ser feito e o trabalho real

finalmente realizado o produtor resolve problemas que aparecem no processo de

produção. Trabalhar é resolver questões que se interpõem na realização das tarefas

determinadas por outrem ou por si mesmo. Segundo Osório e Maia (2004), entre a

prescrição ou a norma e o que é efetivamente realizado, há sempre um deslocamento,

uma recriação, e é isso que faz com que cada tarefa possa ser realizada.

As falas dos professores também apontam a dimensão interativa da apreensão

dos saberes da experiência, revelando assim, uma nova tese:

Aprende-se a ser bom professor na vivência com os alunos

Aprender a ser professor não só na ação, na prática profissional, mas também na

interação com os alunos, é compartilhado por esse grupo de professores. Os docentes

afirmam que a interação com os alunos constitui a base da condução do seu processo

pedagógico, conforme expresso nas falas a seguir:

Eu me sinto segura na qualidade da relação que eu estabeleço com

meu aluno, com a minha turma, é isso que me dá tranqüilidade pra

chegar todo dia e me encontrar com essa turma e ficar construindo,

trabalhando. A partir do momento em que a gente constrói um vínculo

ou que estabelece uma aliança de trabalho, eu me sinto bem pra

construir, pra apresentar as minhas propostas, então eu jogo pesado e

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aposto no estabelecimento de vínculo na relação. (P-21)

Essa vivência (aluno) me constrói também enquanto pessoa, essa

vivência me modifica, me melhora, me lapida, me refina... (P-11)

Eu acho assim, o professor, pra poder desenvolver um trabalho bom

necessita, é, desenvolver junto com os alunos uma parceria, uma

amizade, assim à base do afeto mesmo, pra que as crianças se

acheguem a ele e ele consiga alcançar o que é necessário. (P-8)

Vale destacar que a importância em interagir com os pares só foi mencionada

por um dos professores, como expressado abaixo:

O que te deixa mais segura em sua prática em sala de aula?

(Pesquisadora)

Olha, o que me deixa mais segura é justamente o intercâmbio entre os

professores, sabe, um passa pro outro e a gente vai se sentindo mais

segura, porque o que geralmente uma tem, passa pra outra, né, aquilo

que a gente tem falta a gente recorre, tá sempre tendo o intercâmbio

aqui, graças a Deus. O grupo é muito bom. (P-13)

Em conversa informal com uma das orientadoras pedagógicas da unidade

escolar, ela afirmou que apesar de recém chegada ao grupo, já havia observado a

individualidade no que se refere ao trabalho dos professores. Ela percebeu haver

dificuldade em compartilhar experiências e até mesmo material pedagógico por grande

parte dos professores, apesar de serem oportunizados momentos de planejamento

coletivo. Acrescentou, ainda, que a equipe de orientação estava iniciando um trabalho

de sensibilização com o grupo na tentativa de conscientizá-lo acerca da importância da

interação entre os pares para o processo ensino-aprendizagem.

Os professores parecem buscar nas situações de interação com os alunos

elementos para uma reflexão coletiva voltada à aprendizagem. É o caso de diversificar

as atividades para prender a atenção dos alunos, por exemplo. A fala da professora

ilustra essa situação:

Eu trouxe um texto doido, às vezes eu crio, então são coisas pra eles

despertarem, (...) então eu gosto dessas coisas de descobrir e construir

com eles, então isso é gostoso, você construir os conceitos através do

que ele tá vivenciando... (P-2).

Segundo Therrien (2007 apud TOCHON, 1992), na medida em que o professor

adquire experiência, torna-se capaz de sintetizar estrategicamente o didático (a realidade

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explícita e generalizável do saber) e o pedagógico (a relação sócio-afetiva, singular e

implícita, de uma situação específica, como forma de transmissão do saber). Para o

autor esta fusão ocorre no momento da prática profissional.

Ao serem inquiridos sobre o que seria trabalho docente, a dicotomia

novo/tradicional permanece no discurso dos professores. Alguns utilizam metáforas

para descrevê-lo, pautadas numa visão tradicional do conhecimento:

O professor tem que ser um criador de pontes pro aluno atravessar.

(P-21)

Ele é o mediador, é como se ele fosse a ponte entre o aluno e o

conhecimento. (P-19)

A metáfora da ponte, neste caso, remete a uma determinada situação do humano:

estar alienado. Lembremos de Platão e do “mito da caverna”. Nela, os homens estão

presos em seu no interior e ali vêem apenas sombras do mundo real. É possível sair de

uma caverna pelas mãos do filósofo, que os leva de um lugar a outro.

Tal como o filósofo, o professor representa o guia para aqueles que estão com os

olhos vendados (os alunos, aqueles que não têm luz) ou com a visão condicionada

apenas pela visão das sombras que se projetam na parede de uma caverna (a falta de

conhecimento) e que os conduz (a ponte, isto é, ele mesmo) para o lado onde há luz (o

conhecimento) (MAIA, 2007). A metáfora da ponte, portanto, está relacionada à visão

tradicional do conhecimento, em que o aluno é visto como uma “tábula rasa” e o

professor é que irá conduzi-lo ao saber, salvando-os da ignorância.

Almeida (2005) explica que as metáforas, fazendo parte da linguagem cotidiana,

exercem um papel muito importante em nosso sistema conceitual, colaborando para a

estruturação do conhecimento e da experiência, pois muito mais que refletir, elas

ajudam a construir nossa realidade social, iluminando certos aspectos dos fenômenos a

que se referem, enquanto obscurecem outros.

Mazzotti e Oliveira (2000, p. 52) entendem metáfora como uma “analogia entre

os elementos que parecem comuns aos objetos (o conhecido e o ainda não conhecido)”.

Desse modo, ressaltam a importância de seu papel em processos que envolvem objetos

desconhecidos. Nesse sentido, a metáfora denuncia sentidos evocando imagens,

acarretando um duplo papel, o de instrumento que as pessoas utilizam para serem

entendidas ou para dar força a sua argumentação. A metáfora evoca imagens do que

queremos que se torne conhecido para tornar compreensível dado objeto ou fenômeno.

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De acordo com Almeida (2005), se é certo que as metáforas que usamos

constroem em parte nossa realidade, também o é que transformações sociais ao longo da

história podem fazer cair em desuso determinadas metáforas e dar origem a outras, mais

adequadas aos novos tempos (as metáforas novas).

Assim, o uso da linguagem metafórica afeta e é afetado pelo contexto social em

que se desenvolve. Entretanto, mesmo quando bem aceita nos círculos a que se destina,

uma metáfora nova tem que disputar espaço com as metáforas tradicionais. E quanto

mais enraizadas estas últimas estiverem em nossa linguagem e em nosso cotidiano, mais

efeitos sobre nossas ações ela terá.

A Educação neste início de século parece ser um bom exemplo desse quadro:

diversas metáforas sobre a natureza do conhecimento parecem disputar espaço e

interagir na consciência, discurso e prática dos educadores. Almeida (op.cit) se refere a

três metáforas para o conhecimento que parecem servir de base para o pensamento e a

ação de professores em diversos níveis de ensino:

1- a metáfora da transmissão, mais tradicional, onde “o conhecimento é uma

substância que se adquire e se transmite”;

2- a metáfora da construção, onde “o conhecimento é uma construção”. Tal

formulação traz algumas implicações tanto para o papel do aluno quanto para o do

professor. Aquele deixa de ser um receptor passivo e passa a ativo, construtor de seu

próprio conhecimento e este deixa de ser o detentor e transmissor do saber passando a

ser facilitador do processo de aprendizagem, aquele que ajuda a construção;

3- a metáfora da rede, onde “o conhecimento é uma rede de significações”, como

forma de representação mais acurada da complexidade de relações que se estabelecem

no processo social da cognição.

Vale lembrar que o construtivismo, corrente originária dos escritos de Piaget,

Ferreiro e de cognitivistas mais sociais como Vygotsky e Luria, foi adotado como linha

teórico-metodológica em muitas redes oficiais de ensino no Brasil na década de 19908.

Tal fato gerou o uso do jargão e das imagens construtivistas no discurso de professores,

instituindo-se uma metáfora nova ligada ao conhecimento: a metáfora da construção.

Esse fenômeno parece estar presente no discurso de grande parte dos professores

entrevistados, ao descreverem as atividades docentes, apresentando indícios de se apoiar

8 Maia (2005) ao analisar o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental

publicado em 1995 mostra que ao longo de todo o texto, a perspectiva construtivista e o referencial psicopedagógico

defendidos pelos autores do documento são nitidamente percebidos.

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na metáfora da construção:

Olha eu acho que a principal atividade do professor é levar o aluno a

construir seus conhecimentos (...) (P-8).

Eu acho que o professor tem que se colocar como um facilitador né,

do processo do conhecimento do aluno, isso aí, ele é o mediador, é

como se ele fosse a ponte entre o aluno e o conhecimento (P-19).

Ajudar as pessoas a construir um conhecimento. (P-9)

Eu preciso ter um meio de ser um facilitador e não um complicador.

(P-10)

Uma professora chega a “misturar” a metáfora da construção e a da transmissão

para se referir ao trabalho do professor em sala de aula:

O professor, ele seria o que, o mediador né, aquela pessoa que vai te

transmitir conhecimento (...) (P-3)

Nas falas de uma das professoras em momentos diferentes da entrevista,

observa-se a afirmação sobre o desconhecimento da teoria construtivista9 e em seguida,

a utilização de da metáfora da construção, implícita àquela teoria:

Eu acho que faz falta não só a gente conhecer os teóricos, mas

conhecer algumas coisas novas que estão acontecendo, eu nunca ouvi

falar sobre construtivismo na minha época, eu nunca ouvi falar, nem

sei o nome dele, Vy... (P-2)

Eu trouxe um texto doido, às vezes eu crio, então são coisas pra eles

despertarem (...) então eu gosto dessas coisas de descobrir e construir

com eles, então isso é gostoso, você construir os conceitos através do

que ele tá vivenciando (...) (P-2)

A professora utiliza o discurso moderno, recorrendo a metáfora da construção

para descrever sua prática pedagógica, embora em momento anterior da entrevista

afirmou desconhecer a teoria construtivista. Utiliza ainda a metáfora “professor doido”

que, implicitamente, se refere ao “professor moderno”. Para ela, ser “doido” significa

ser diferente, destacar-se do comum. Por desconhecer a teoria construtivista, a

9 “Construtivismo é uma teoria, um modo de ser do conhecimento ou um movimento do pensamento que emerge do

avanço das ciências e da Filosofia dos últimos séculos [...] Construtivismo não é uma prática ou um método; não é

uma técnica de ensino nem uma forma de aprendizagem; não é um projeto escolar; é, sim, uma teoria que permite

(re)interpretar todas essas coisas, jogando-nos para dentro do movimento da História - da Humanidade e do Univer-

so” (BECKER, 1992, p. 3).

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professora elabora suas próprias teorias baseadas em processos de ensaio e erro,

levando-a a pensar que assim está afastando-se do convencional (tradicional).

Embora os professores mencionem diversas expressões e jargões educacionais

(SCHEFFLER, 1974) relacionados às concepções construtivistas, afirmam ter

dificuldades quanto à compreensão e à aplicação do construtivismo em suas práticas

pedagógicas, o que os leva a utilizar o método tradicional como orientador, revelando

que a metáfora da transmissão ainda está presente e é forte nesse grupo. Podemos

perceber que os professores reproduzem jargões educacionais construtivistas descolados

da teoria e que a metáfora da construção disputa espaço com a da transmissão.

O contraste entre o discurso dos professores e sua prática parece corroborar o

pensamento de Lakoff e Johnson (2002, p. 242), quando afirmam que “uma coisa é estar

consciente das possibilidades inerentes a uma metáfora nova; outra, muito mais difícil, é

passar a viver em função dela com base em uma decisão consciente”. Ou seja, a

assunção consciente de uma metáfora nova não implica necessariamente na sua entrada

em nossos sistemas conceituais, gerando por vezes contradições no discurso e na prática

do sujeito. Nesse grupo de professores, as propostas teóricas de transformação das

metáforas conceituais ligadas ao conhecimento ─ neste caso, ligadas às concepções

construtivistas ─ não foram por si só capazes de gerar transformações no discurso e,

consequentemente nas práticas pedagógicas desses professores.

Uma nova tese é defendida pelo grupo de professores entrevistados ao

discutirem sobre as atribuições que lhes são imputadas para além de ensinar:

O professor possui inúmeras funções.

Os professores se assumem como substitutos do pai e/ou da mãe. Consideram

que são psicólogos, médicos, assistentes sociais, amigos, entre outras. Estudos como o

de Alves-Mazzotti (2008) mostraram que a omissão da família no apoio e

acompanhamento ao aluno é uma das fontes de desajustamento face ao que era exigido

ao docente no passado e as expectativas do presente. Todo tipo de carência afetiva de

que o aluno é eventualmente portador faz aumentar significativamente as

responsabilidades do professor, em áreas anteriormente voltadas à esfera íntima da

família.

Também lhes recaem nos ombros as funções que deveriam ser da escola, do

sistema educacional. Para Esteves (1999) há uma confusão geral relativa à complexa e

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extensa função do professor. As responsabilidades e exigências que se projetam sobre

esses profissionais têm aumentado, coincidindo com o processo histórico de uma rápida

transformação da sociedade. Esta confusão geral tem sido traduzida em uma fonte de

incessante mal-estar para muitos docentes. Entretanto, alguns dos professores

entrevistados parecem aceitar tais atribuições de forma resignada e as assumindo

realmente como suas. Os trechos abaixo exemplificam tal afirmativa:

Olha, antigamente eu achava que era só ensinar e passar conteúdo,

mas hoje é tudo né, é mãe, é pai, é tia, é psicóloga, é tudo, que a gente

faz tudo, precisa educar, precisa ensinar tudo, ensinar boas maneiras,

higiene, além de passar todo o conteúdo, aquela grade toda ... (P-1)

O professor faz quase que parte da família, tem que olhar, se tá com

dor, se não tá, tem que observar tudo, é o aluno que tem problema, é a

gente que tem que correr atrás, é a gente que tem que ver tudo. (P-15)

Eu acho que a tarefa do professor é ensinar, é ele que tem que se dar

conta de a ele foi dado uma turma, conteúdo cheio de dever, esse

conteúdo passa pela contextualização, de que não é um conteúdo

isolado do mundo, isso tudo ele tem que fazer e bem feito. Mas sabe

que, além disso, hoje tem “n” coisas, dar conta de “n” projetos

externos que vêm pra escola, a gente tem que dar conta, e que dificulta

um pouco o nosso trabalho mesmo de estar ensinando. (P-12)

Ao afirmarem assumir a função de pai e/ou mãe do aluno, há no discurso desses

professores um aspecto recorrente: a ausência da parceria família-escola, vista pela

maioria dos entrevistados como um dos impedimentos que constrangem a atividade

docente, como mostrado a seguir:

É necessário que a família trabalhe junto com o professor. Quando

existe essa parceria, existe essa comunhão, professor e família, o

trabalho se desenvolve de uma forma que você vê o desenvolvimento

da criança. (P-5)

Porque a maioria das crianças hoje elas não têm a presença da família,

igual se tinha antigamente, né, e elas trazem pra escola todos os seus

problemas. Então tudo isso vem pra sala de aula e aí aonde vem

prejudicando o aprendizado. (P-4)

Quando isso acontece, de me afetar como pessoa, geralmente está

relacionada à desestrutura familiar. A forma como a criança é tratada,

os problemas que ela vivencia diariamente dentro de casa, quando traz

isso pra escola, isso me desestrutura. (P-15)

Às vezes essas dificuldades que você encontra principalmente na

relação com os pais daquele aluno que estão pouco presentes e quando

estão presentes é geralmente pra causar conflito, desestabilizar o

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ambiente emocional da escola, você leva isso pra sua casa junto

(...)isso prejudica o seu lado pessoal, porque às vezes o profissional

interfere no seu pessoal também (...) (P-19)

Segundo Clot (2006 p. 16), esses impedimentos também fazem parte do real da

atividade, uma vez que “o real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que

não se pode fazer, aquilo que se busca sem conseguir – os fracassos.”

Como expõe Paiva (2008, p. 85), a família é considerada ausente e

desestruturada por não se encaixar nos moldes tradicionais da família nuclear, a que se

fazia presente em outros tempos, atualizada com imagem, referência e, portanto, como

para a vida. Essa situação de “desencaixe” e não (re)conhecimento da família de hoje,

idealizada e desejada, remete a saudosismos e sentimentos de culpa por parte do

professor.

A ausência das famílias está associada ao fato de os professores não

reconhecerem as atitudes das famílias atuais de acordo com o que desejam e julgam

certo (preferível), utilizando como referência a famílias de “ontem”. Atitudes que

consideram também favorecer suas práticas em sala de aula, à medida que se fazem

condições para que ocorra aprendizagem.

Inquiridos então, sobre o que fazem para que a família participe da vida escolar

dos filhos, alguns professores mencionam que chamam os pais para conversar, expõem

suas propostas pedagógicas e que a escola promove encontros, porém não têm sido bem

sucedidos em suas tentativas. No entanto, a participação da comunidade não ocorre na

organização escolar, restringindo-se a reuniões para entregas de notas e festas temáticas,

ou seja, não são oportunizados momentos de discussão coletiva (pais e professores) na

busca de soluções para a superação de dificuldades que impedem o desenvolvimento do

processo ensino-aprendizagem.

As teses identificadas até o momento permitem afirmar que os saberes da

experiência construídos ao longo da trajetória profissional orientam a prática

pedagógica desses docentes. Esses saberes se encontram apoiados na pedagogia

tradicional que é aquela que lhes traz segurança e os tornam bons professores. É por

meio dela, também, que vivenciam inúmeras interações com seus alunos e assumem

funções que não lhes cabem, mas que aceitam com prazer.

4.4 - Narrativa de história de vida

Segundo Rizzini et al (1999, p. 69), “a entrevista de narrativa de história de vida

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é uma técnica muito útil para se obter visões de mundo, expectativas de vida, sonhos,

formas de perceber as relações entre diferentes situações”.

O sujeito ao narrar sua história de vida, considera que desvela memórias,

formula idéias baseadas em valores e necessidades constituídas socialmente e, num

movimento dialético, enquanto fala de suas experiências vai ao mesmo tempo

“transformando suas idéias, atribuindo novos sentidos a elas” (MINAYO, 2000, p. 58-

59). A narrativa possibilita também que o sujeito discorra sobre vários temas, mesmo

que aparentemente não estejam ligados ao tema estudado no momento. Tais fatos

auxiliam na compreensão e/ou na possibilidade de levantar hipóteses sobre os motivos

afetivo-volitivos que impulsionaram o sujeito a pensar, sentir e agir de uma maneira e

não de outra.

Nunes (2002, p. 211) acrescenta que esse tipo de estratégia metodológica quando

aplicada à educação pode ajudar a “compreender melhor as práticas pedagógicas, as

representações de professores sobre seu próprio trabalho e sobre a instituição na qual ela

o desenvolve.”

Nessa etapa da pesquisa, foram realizadas entrevistas de narrativa de história de

vida com a professora voluntária em dois momentos: o primeiro teve como foco sua

trajetória profissional e o segundo, o trabalho efetuado por ela em sala de aula, quando

procurávamos obter informações que pudessem revelar os sentidos que a professora lhe

atribui. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas para posterior análise.

A professora voluntária tem 43 anos, é casada e tem dois filhos adolescentes:

uma moça de 15 anos e um rapaz de 17 anos. Ambos cursam o Ensino Médio. É natural

de Duque de Caxias onde também reside e trabalha. Tem 25 anos de experiência no

magistério, tendo sempre atuado nas séries iniciais. Atualmente trabalha com uma turma

de alfabetização.

Possui apenas uma matrícula na rede municipal de Duque de Caxias, mas

também trabalha em regime de dupla regência no cargo de dirigente de turno. Está na

mesma escola desde que começou a atuar no magistério, por isso possui vínculo afetivo

muito grande com a instituição e com as pessoas que ali trabalham.

Tornou-se professora por imposição da mãe, pois a profissão escolhida por ela

(enfermeira) “não era vista com bons olhos” naquela época. O contato com os alunos e a

ajuda de sua primeira diretora foram decisivos para que passasse a gostar de ser

professora. Ela relata:

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Eu nem queria ser professora, eu queria ser enfermeira, mas aí a

minha mãe achava que essa era uma profissão que não era olhada com

bons olhos sabe, que as meninas que se formavam em enfermeiras

eram muito vulgares e ela não deixou eu fazer enfermagem e eu não

pude optar.

Existem diversos fatores que são determinantes na escolha profissional, como os

familiares e culturais. Skinner (1977), Pires e Araújo (1976), entre outros, defendem que

as escolhas não são dadas como opção, pois são dependentes de alguns eventos diversos

que exercem influência sobre o comportamento e suas ações. Bohoslavsky (1980)

afirma em especial que as escolhas profissionais são multi e sobredeterminadas pela

família. Silva (1996) acrescenta que a escolha profissional do jovem pode ser reativa às

escolhas dos pais, acarretando antigos conflitos que muitas vezes não foram superados.

Esse momento também pode ser encarado pelos pais como uma possibilidade de

reparação das próprias escolhas. Isso sugere que o jovem seja o depositário de fantasias

inconscientes da família (neste caso, da mãe dessa professora), cabe-lhe realizar aquilo

que a família não realizou.

Segundo Soares (2002), a busca de realização das expectativas familiares em

detrimento dos interesses pessoais exerce grande influência na decisão e na fabricação

dos diferentes papéis profissionais, bem como dos modelos que apresenta. Como a

família é a célula que faz intermediação entre o social e o indivíduo e também é

responsável pelos valores morais e pela cultura, o sistema de valores sócio-cultural

acaba ditando regras quanto a profissões consideradas fontes de status social (nesse

caso, o magistério na época da escolha profissional da professora) e aquelas vistas com

preconceito, relacionadas a crenças instituídas acerca da realidade sócio-profissional

(“as enfermeiras são vulgares”, como disse sua mãe) ou relacionadas ao gênero (a

profissão não é adequada às mulheres). Trata-se, portanto, de estereótipos sobre

atividades profissionais.

As expectativas, os valores e os projetos familiares, por mais bem intencionados

que sejam, são como “marcas de um desejo do outro”. Mas, o que podemos inferir, é

que a professora, implicitamente, identificou-se com os desejos do outro (sua mãe), que

acabaram se misturando aos dela.

Sentimentos ligados à maternidade, ao cuidar e ao proteger estão presentes nas

falas da professora. Por um lado, isto pode estar associado ao fato de que ao se trabalhar

com crianças, se estabelece um vínculo afetivo mais forte com elas. Por outro lado,

também pode estar associado à sua verdadeira escolha profissional, a enfermagem, que

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também remete aos mesmos sentimentos: o de cuidar, amparar e proteger.

Inconscientemente a professora buscou razões para encontrar na profissão docente

aquilo que deseja fazer na enfermagem: cuidar do outro. Tanto a enfermeira quanto a

professora são mulheres, cuidadoras, portanto, dão amor, carinho e atenção. Vale

lembrar que o grande problema e que tem sido alvo de discussão na área da Educação é

o processo de desprofissionalização que essa substituição inconsciente do pai/mãe acaba

gerando ao professor.

Assim, a relação que a professora voluntária estabelece com os alunos parece ser

decisiva para que ela goste e permaneça na profissão:

Mas o que especificamente fez você olhar com outros olhos o

magistério? (Pesquisadora)

Foram as crianças mesmo, assim, foi trabalhar com aquelas crianças

que você vê que elas precisavam é, estar recebendo é, não era só

conhecimento, era carinho, atenção sabe, aí você acaba criando um

vínculo de pai, aí eu fui começando a gostar, gostar de ensinar e gostar

de fazer diferença na vida de alguém. (Professora)

Reconhece várias barreiras e dificuldades acerca do trabalho docente,

enumerando algumas, como falta de parceria família-escola, desinteresse do aluno em

aprender, contudo, não mostra desânimo ou frustração por não conseguir romper tais

barreiras e sim tranqüilidade e força para continuar atuando em sala de aula.

Diz que só se aposentaria porque abriu uma pizzaria e precisa de maior tempo

para administrá-la. Acrescenta que gostaria de ser lembrada como a professora que fez

diferença na Educação.

No segundo encontro, a professora falou de sua trajetória profissional,

relacionada a uma aprendizagem vicariante, ou seja, aquela adquirida por meio das

experiências dos outros:

Aí o primeiro ano que eu peguei na prefeitura, eu trabalhei com

Ensino Religioso, aí sim eu comecei a olhar com outros olhos sabe, aí

eu comecei a gostar do que eu fazia, aí eu tive uma diretora na época,

a Eunice, que era muito boa, ela me ajudou muito (...) eu fui

caminhando e hoje gosto muito disso (...) e aí ela era coordenadora do

Colégio das Irmãs, então a Eunice me fazia fazer caligrafia, montava o

planejamento comigo, a elaborar as avaliações, (...) eu cresci muito

com ela, que já tinha experiência de muitos anos (...)

Neste tipo de aprendizagem, o comportamento é aprendido ou mantido através

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da observação do comportamento dos outros e/ou das consequências desse

comportamento. Eunice (a primeira diretora da professora) constituiu sua primeira

referência profissional, o modelo idealizado de professor. Possuía prestígio (“era

coordenadora do Colégio das Irmãs”) e competência (“já tinha experiência de muitos

anos”) que a professora julgava como apropriadas para a carreira profissional.e que lhe

trariam resultados gratificantes.

A partir dos argumentos da professora foi possível identificar a seguinte tese:

O professor experiente é bom profissional

porque aprendeu através da experiência profissional.

Na Teoria da Argumentação proposta por Perelman (1993) e Perelman e

Olbrechts-Tyteca (1992), os argumentos se caracterizam por procedimentos de ligação

entre ideias e de dissociação de ideias. Os de ligação são esquemas que aproximam

elementos distintos e permitem estabelecer entre eles uma solidariedade. Os de

dissociação são técnicas de ruptura que têm por objetivo separar elementos

considerados como um todo ou, ao menos, como um conjunto solidário no seio de um

mesmo sistema de pensamento. Quando uma tese está associada a algo que nos parece

ruim, tentamos dissociá-la desse algo para que possamos fazer nosso interlocutor aceitá-

la mais adiante.

Ao falar sobre sua trajetória profissional, a professora separa o “todo”

(professor) em dois elementos: o professor iniciante e o professor experiente, instituindo

uma hierarquização entre eles. Ao dissociar a noção (PERELMAN; OLBRECHTS-

TYTECA, 1996) “professor” em dois termos (I e II), o segundo termo apresenta todas

as boas qualidades que se diz faltar ao primeiro. As inferências sustentadas pela

professora estabelecem o real (fatos, verdades) a partir do que ela julga ser melhor ou

preferível (valores), conforme exposto no quadro a seguir.

Quadro 1 – Dissociação de noções: professor iniciante e professor experiente.

PROFESSOR

INICIANTE (termo I) EXPERIENTE (termo II)

Imaturo Maduro

Impaciente Paciente

Ausente Presente (amigo)

Não ouve o aluno Ouve o aluno

Não sabe conduzir Sabe conduzir

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Para ela, o professor iniciante possui características negativas e, na medida em

que ele adquire experiência profissional, estas vão se transformando em qualidades, ou

seja, conforme o professor vai adquirindo experiência, ele se aprimora, faz ajustes em

sua prática, tornando-se um profissional melhor, superior. Em outras palavras, mais

experiência, melhores práticas. Tal aspecto ela reconhece nela mesma e expressa isso ao

lembrar a fase inicial de sua carreira:

Eu gritava igual a uma maluca, eu pegava o aluno pelo braço e

sacudia, mandava calar a boca, (...) era assim uma imaturidade de

comportamento (...) hoje eu sou muito mais paciente, muito mais

presente, muito mais amiga dos meus alunos.

Ah, eu acho que não é bom no iniciante é a inexperiência mesmo

porque conforme ela vai construindo o dia-a-dia aí tudo vai ficando

diferente, mas quando ela entra, aquela inexperiência, isso prejudica

de certa forma porque realmente ela não sabe conduzir

Ele [o professor experiente] sabe peneirar, peneira com maturidade!

Ele sabe o que realmente vai ser melhor e o que não vai, ele peneira

com razão e quando a gente tá começando às vezes a gente extrapola,

né?

Com relação à carreira docente, a literatura da área de formação vem destacando

que professores iniciantes e aqueles mais experientes apresentam competências

profissionais distintas e demandas formativas específicas. Entretanto, as escolas exigem

dos professores iniciantes desempenhos semelhantes aos experientes e os programas de

formação continuada não têm dado ênfase às especificidades de diferentes fases da

carreira, desenvolvendo propostas generalizantes, mesmo quando centradas na escola.

A literatura aponta que a formação inicial costuma ser um antídoto fraco para

desmanchar/apagar as teorias pessoais que norteiam as práticas pedagógicas dos

professores e que têm como base suas experiências passadas, especialmente como

alunos (BALL; COHEN, 1999). Essas teorias funcionam como filtros para novas

aprendizagens de modo que crenças culturalmente sustentadas dificilmente são

confrontadas sendo, ao contrário, reforçadas.

Os primeiros anos da docência compõem uma fase em que o professor

aparentemente sofre um tipo de “miopia” (GROSSMAN; THOMPSON, 2001), pois

focaliza suas ações em competências mais voltadas para a sua socialização na

instituição escolar onde está trabalhando e no gerenciamento das demandas mais

imediatas da sala de aula, como o controle da disciplina dos alunos, do que

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propriamente o processo de ensino-aprendizagem. Foi o que aconteceu com a

professora, preocupada com o controle disciplinar de sua turma:

Eu gritava igual a uma maluca, eu pegava o aluno pelo braço e

sacudia, mandava calar a boca (....)

O inicio da profissão costuma ser um período caracterizado pela incerteza,

insegurança e tensão, além de, simultaneamente, configurar como um período de

aprendizagens intensas em contextos pouco conhecidos e cujas tarefas principais são a

construção de conhecimentos profissionais e a manutenção de equilíbrio emocional.

Muitas vezes, essa é uma fase marcadamente solitária, em que a imitação de outros

professores prepondera e a transferência dos conhecimentos teóricos adquiridos

anteriormente para a prática é difícil.

Segundo Guarnieri (2005), como mecanismo de sobrevivência, muitos

professores iniciantes podem desenvolver as seguintes posturas: priorizarem as relações

interpessoais em detrimento das aprendizagens dos conteúdos específicos; darem ênfase

às questões práticas da sala de aula e a processos de aprendizagem baseados no ensaio e

erro; rejeitarem ou ainda abandonarem os conhecimentos acadêmicos; realizarem a

transposição de uma concepção teórica sem uma análise mais aprofundada dos

problemas enfrentados.

Esses fatores podem gerar representações negativas em relação à fase inicial da

carreira docente, levando a considerar que a competência profissional para a docência se

dá apenas ao longo da trajetória profissional, ou seja, para muitos docentes somente ao

longo da carreira - e não também - é que irão aprender a serem professores, aprender a

ensinar, desconsiderando outras experiências adquiridas anteriormente.

A atual turma da professora é composta por 26 alunos e de acordo com ela todos

são participativos, “bonzinhos”, colaborativos entre eles e com ela e “obedientes”.

Classifica a turma como bastante heterogênea no que se refere ao aprendizado:

Existe uma mistura dentro da sala, tem alguns que já se encontram

alfabéticos, existem aqueles que ainda não estão na fase da leitura e da

escrita, existem aqueles que ainda estão na fase silábica, que às vezes

escrevem a palavra usando apenas as vogais, outros que apenas usam

as consoantes e aqueles que estão na fase pré-silábica, que ainda nem

conhecem as vogais nem as consoantes.

Na fala destacada, a professora se refere à concepção construtivista da

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alfabetização elaborada por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985) a partir da teoria

construtivista desenvolvida por Jean Piaget. Para as autoras, cada criança aprende a ler e

a escrever, construindo seu conhecimento por meio da elaboração de hipóteses e do

produto de um conflito cognitivo que lhe permite avanços no sistema de escrita. Em

seus estudos sobre a psicogênese da língua escrita, destacam níveis estruturais da

linguagem escrita.

Apesar identificar os níveis de alfabetização em que se encontram os alunos,

quando perguntado à professora acerca do método que utiliza para orientar suas ações

pedagógicas, ela não aponta um método específico. Mas lembra que participou de um

curso de formação continuada em que foi apresentado algum tipo de proposta de

alfabetização, como pode ser observado no diálogo reproduzido a seguir:

Eu fiz um curso com uma proposta de alfabetização diferente, que foi

o PROFA. (Professora)

O que significa PROFA? (Pesquisadora)

A sigla eu não sei não. Mas é um programa que a rede investiu muito

dentro da área de Educação em alfabetização (...) muito bom, que era

uma maneira diferente de olhar o aprender da criança10

. (Professora)

E ele é baseado em alguma teoria? (Pesquisadora)

É uma proposta numa que eles citam vários pensadores, mas não é

uma teoria não, mas eu não tenho certeza não, mas eu acho que não é

não. (Professora)

Construtivista? (Pesquisadora)

Acho que sim... não tenho certeza, só sei que esse professor tinha que

ter vontade de mudar... (Professora)

É possível inferir que as concepções construtivistas não foram incorporadas pela

professora e não domina efetivamente o método adotado na rede. Como seus colegas da

mesma escola, ela “mistura” o novo e o tradicional, pois é o que lhe traz segurança em

sua prática pedagógica, conforme ela mesma afirma:

O que era antes era aquela coisa tradicional, muito cuspe e giz,

entendeu, o PROFA fez a gente repensar em como a gente aplicava

10

O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores é um curso de aprofundamento, desenvolvido pelo MEC

em 2001, destinado a professores e formadores que se orienta pelo objetivo de desenvolver as competências profissi-

onais necessárias a todo professor que ensina a ler e escrever.

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essas atividades, não é que a gente não use as atividades antigas, só

que a gente usa de forma diferente, agora a gente faz o aluno pensar, a

gente já não dá mais pronto pra ele, a gente faz com que ele construa.

Cabe ressaltar que o domínio de teorias pelos professores é fundamental para o

andamento do processo de ensino aprendizagem, mas a professora, embora não muito

segura acerca do domínio das teorias pedagógicas, propõe atividades interessantes e

diversificadas para a turma, conforme pudemos constatar durante a observação realizada

em sua sala de aula.

A professora pondera que “fazer com que cada aluno construa conhecimento”

não é tão simples:

O que dificulta em trabalhar individualmente é em controlar os outros

que terminam as atividades rápido né, pra atender aqueles que

necessitam da minha interferência (...) às vezes eu não trago exercícios

diferentes para aqueles que estão alfabetizados e que terminam muito

rápido, aí eles se acham no direito de ficar perturbando, passeando

pela sala, brincando, gritando, aí atrapalha.

O fato de os alunos levantarem, andarem e conversarem ao terminarem as

atividades antes a incomoda muito e gera transtornos à tarefa por ela proposta. O

“brincar”, “passear pela sala” são identificados pela professora como “bagunça” e não

como forma de interação. Tampouco é percebido como oportunidade pedagógica onde

estes alunos estariam aprendendo a serem colaborativos e solidários uns com os outros.

Este momento não é visto pela professora como forma de construção do conhecimento.

De acordo com a teoria construtivista, “o conhecimento se constitui pela

interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o

mundo das relações sociais e se constitui por força de sua ação” (BECKER, 1992, p.

88). Deste ponto de vista, o conhecimento não é dado nem nos objetos (empirismo) nem

na bagagem hereditária (apriorismo). O conhecimento é uma construção. O sujeito age

espontaneamente, isto é, independentemente do ensino, mas não independentemente dos

estímulos sociais, com os esquemas ou estruturas que já tem, sobre o meio físico ou

social. Becker (op. cit) afirma que uma simples mudança de concepção epistemológica

não garante, necessariamente, uma mudança de concepção pedagógica ou de prática

escolar. Para ele o docente precisa refletir, primeiramente, sobre a prática pedagógica da

qual é sujeito. Somente então poderá se apropriar de teoria capaz de desmontar a prática

conservadora e apontar para as construções futuras.

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Da tese defendida pela professora, é possível verificar a importância que dá à

experiência vivida ao longo de sua trajetória profissional, em detrimento da formação.

Ela compartilha com seu grupo que a experiência profissional norteia as práticas

cotidianas docentes e que só se aprende a ser um bom profissional quando se adquire

experiência. Embora procure manter em seu discurso o rompimento com os métodos

tradicionais de ensino e afirmar fazer uso de técnicas modernas, o que norteia sua ação

está impregnado de elementos pautados na pedagogia tradicional.

4.5 - Auto-autoconfrontação

Após explicar detalhadamente a metodologia a ser utilizada, a professora, uma

das três responsáveis por Classe de Alfabetização, mostrou-se interessada em participar

como voluntária, autorizando a observação e a gravação em vídeo de suas aulas por uma

semana para posterior discussão. Foi solicitado a ela e aos responsáveis pelas crianças

que assinassem um termo de autorização de uso de imagem (ANEXO I e II).

Duas semanas antes da realização das videogravações, ficávamos na sala de aula

sem a câmera para que os alunos se acostumassem com nossa presença. Além disso,

antes de começar a gravar oficialmente, deixávamos que os alunos manuseassem a

câmera com nossa supervisão.

Durante o período que permanecemos em sua sala, registramos que há uma

rotina bem marcada. A professora começa a aula com uma oração, logo após faz uma

leitura compartilhada e só depois, inicia o tema da aula.

As carteiras são dispostas sempre da mesma maneira: três colunas, de duas a

duas. A maioria das tarefas é feita individualmente, às vezes em duplas, nunca em

grupos. A professora oferece atividades prontas em folhas xerocopiadas e os alunos

raramente as constroem. Além disso, não foram realizadas atividades recreativas

extraclasse, apesar de registradas no Plano de Curso e no plano de aula da professora.

Foram combinados com a professora os dias em que seriam feitas as gravações:

dias em que ela permanecia em sala de aula por maior período de tempo, uma vez que

os alunos também tinham atividades com outros professores.

As videogravações das aulas aconteceram nos meses de maio e junho de 2010,

totalizando oito dias intercalados, com a duração de quatro horas cada dia. Foram

realizadas com câmera fixa e o principal foco foi a interação professor/aluno durante as

atividades pedagógicas.

Gravadas em vídeo 32h de aulas, foram selecionadas para a montagem dos

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episódios, cenas julgadas relevantes e com maior potencial para provocar discussões

acerca do trabalho realizado pela professora em sala As cenas foram editadas e

compiladas em um DVD para posterior autoconfrontação e análise.

Foram montados seis episódios, assim denominados:

1- Rotina e leitura compartilhada

2- Leitura de ajuste

3- Compromisso da família

4- Formando palavras

5- Formando palavras e classificando

6- Adição e subtração

Desses, apenas o episódio 5 foi utilizado para as sessões de autoconfrontação

simples e cruzada, uma vez que o identificamos como exemplar para discutir sobre a

metodologia empregada pela professora numa classe de alfabetização. O episódio 5, que

tem a duração de 1min e 5 seg, é descrito a seguir.

A professora inicia a atividade afixando um cartaz no quadro, com o título

Palavras com G. Abaixo, há três categorias: objetos, animais e nomes próprios. Ela

pede aos alunos que falem, primeiramente, nomes de objetos escritos com a letra G para

que ela possa registrá-los no cartaz. Alerta que a atividade será realizada “sem

bagunça”.

Um aluno confunde “J” e “G” (jaca); outro troca o “G” por “CH” (jinelo);

alguns mencionam nomes de frutas, ao invés de objetos. A professora explica as

diferenças no quadro, mas as apaga em seguida, rapidamente.

Diante da dificuldade apresentada pelos alunos em identificar objetos, passa para

as outras categorias, dizendo que a palavra não precisa mais ser iniciada por “G”, a letra

pode estar no meio da palavra.

Na categoria “nomes próprios” há maior identificação com os alunos, uma vez

que há nomes iniciados por “G” na sala (Guilherme, Gustavo, Gabriel). Apesar disso,

não houve participação de todos os alunos nessa atividade.

4.5.1 - Auto-autoconfrontação simples

Para a autoconfrontação simples foi elaborado um roteiro contendo as seguintes

questões:

1- Qual o objetivo da atividade proposta?

2- O objetivo proposto para a atividade foi alcançado?

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3- O que foi efetivamente realizado?

4- O que a impediu de realizar o que foi proposto?

5- O que ela faria de diferente?

6- Compare o sentimento no momento em que a atividade foi realizada e no

momento em que a assistiu.

Ressaltamos que o objetivo da autoconfrontação simples é possibilitar a

redescrição do vivido pela professora e não somente a descrição da atividade realizada.

As análises foram realizadas a partir das transcrições das discussões produzidas tanto na

sessão de autoconfrontação simples, quanto na sessão de autoconfrontação cruzada.

Foi realizado um encontro onde a professora assistiu ao episódio. Ao final da

exibição, foi solicitado que a professora comentasse espontaneamente sobre as cenas

apresentadas. Em seguida eram feitas as perguntas do roteiro. A professora assistia

novamente às cenas, só que desta vez a pesquisadora fazia pausas em momentos

específicos das cenas e fazia perguntas diretamente relacionadas ao episódio.

Nesse momento, a professora é colocada para ser a observadora da própria

atividade docente. A função da pesquisadora é a de provocar a reflexão para além da

atividade prescrita e realizada. A intenção é que, a partir da autoconfrontação, a

professora acesse o real de sua atividade trazendo para a cena as suas inúmeras

possibilidades, uma vez que Clot (2006) afirma que o trabalhador, ao tomar ciência de

suas possibilidades, é capaz de readquirir seu poder de agir.

Ao ser questionada sobre qual seriam os objetivos da atividade proposta, a

professora relata que era trabalhar a letra G, para os alunos começarem a dominar as

sílabas, ler e escrever as palavras com G. Quando perguntada se tinha conseguido

atingir o objetivo proposto, ela respondeu afirmativamente, uma vez que os alunos

conseguiram aprender, como expresso na fala registrada a seguir:

Você conseguiu atingir seu objetivo? (Pesquisadora)

Acho que sim, porque eles conseguiram aprender, né, porque

identificaram algumas palavras já conhecidas deles porque tem acesso

na sala à chamadinha, então todas as vezes que eles liam lá eles

lembravam da atividade que a gente tinha feito e a letra G, né, então...

acho que sim. (Professora)

Percebemos um contraste entre o objetivo proposto na atividade e o argumento

da professora. Inicialmente ela afirmou que o objetivo era o domínio das sílabas, leitura

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e escrita de palavras com G e em seguida que o objetivo foi atingido porque ao se

depararem com uma lista de palavras afixadas na parede, os alunos reconheciam

algumas palavras que tinham visto na atividade anterior. Isso não significa que houve

aprendizagem, uma vez que eles poderiam ter memorizado apenas aquelas palavras, o

que não garante que tenham aprendido a ler e a escrever outras palavras com G.

Quanto aos impedimentos que dificultaram a realização da atividade, relatou que

“sempre tem alguma coisa que atrapalha um pouquinho como fatores externos”. Embora

naquela época, a escola estivesse passando por reformas, haver muito barulho e a

presença da pesquisadora contribuir para dispersão e agitação dos alunos, a professora

retira o foco da atividade que estava sendo realizada, defendendo a tese:

Fatores externos prejudicam a aprendizagem.

Ela argumenta que apenas esses fatores constituíram obstáculos para que a

atividade proposta não se desenvolvesse de maneira mais produtiva.

Embora a professora já considere que a atividade precisa ser alterada, ao

perguntar se faria algo diferente se fizesse de novo essa atividade, disse que a tornaria

mais curta, porque “tudo que é muito comprido pra eles, fica difícil pra eles reterem

atenção por muito tempo. Não faria uma atividade diferente, faria com que ela ficasse

mais curta”.

Nesse momento, a professora parece ter sido capaz de voltar o foco para a

atividade, provocando o encontro com o gênero da atividade docente, capaz de dar-lhe

recurso para “enfrentar o real e elementos que podem ser combinados de várias outras

formas na resolução dos impasses surgidos” (CLOT, 2006, p. 50). Mesmo assim,

mediante a possibilidade de promover articulações entre o encontro entre a atividade

proposta e a atividade real, a professora não consegue recriar e revitalizar a própria

atividade.

Para ela, o que a incomoda é a agitação dos alunos, a indisciplina, portanto, com

uma atividade menor prende-se a atenção e eles ficam “quietos”. Destacamos então,

nova tese defendida pela professora:

A aprendizagem só é efetiva, se os alunos forem disciplinados.

A “bagunça”, tópico discutido durante a narrativa de história de vida, impede a

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aprendizagem. Para aprender o aluno tem que estar sentado, em ordem:

Você precisa que eles fiquem atentos, em silêncio... (Pesquisadora)

Não necessariamente em silêncio, mas estarem prestando atenção.

(Professora)

Para aprender eles têm que estar sentados, numa ordem.

(Pesquisadora)

É. (Professora)

As ações da professora em sala de aula são voltadas para o controle da disciplina

dos alunos, sendo deixada em segundo plano a aprendizagem dos conteúdos. Ela

considera que a indisciplina é geradora de transtornos e atrapalha o desenvolvimento

das atividades propostas.

Perguntada por que dividiu em três categorias (nomes próprios, objetos e

animais), afirmou que poderia ter sido qualquer outra categoria, mas que as escolheu

pelos seguintes motivos:

Nomes próprios porque era a forma de trabalhar o nome deles, objeto

porque eles têm mania de falar qualquer palavra que pra eles é objeto,

quando a gente fala em objeto ainda não é bem claro pra eles o que é

objeto, então a gente tava trabalhando ali que de certa forma a gente tá

trabalhando o conceito do que era aquilo. E animais porque pra eles é

familiar.

Diante da dificuldade apresentada pelos alunos em identificar objetos,

perguntamos:

Justamente falando em objeto, você já tinha conversado com eles

sobre o que era objeto? Porque parece que eles tiveram maior

dificuldade, né, em identificar o que era objeto... (Pesquisadora)

Na minha turma eu não trabalho assim especificamente, hoje a gente

vai falar sobre o que é objeto, eu falo assim: vai pegar aquele objeto,

isso aqui é um objeto, pra que ele possa criar na cabecinha dele a

noção do que é objeto. (Professora)

A partir da cena observada, a professora vê a pouca participação da turma na

atividade proposta. Novamente ela comenta que a atividade deveria ser mais curta, o

que garantiria maior participação.

Observamos também que ao pronunciar as palavras para os alunos, a professora

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não o faz naturalmente, carregando fortemente em alguns fonemas, como nas palavras

garfo, Guilherme e caixa. Perguntamos por que fez isso, a professora defendeu uma

nova tese:

Escrever como se fala é escrever errado.

E ela explica que “ao falarmos “CAXA” e não “CAIXA”, o fazemos por vício,

mania de falar errado”, acrescentando que não se lembra de alguma vez ter falado com

os alunos sobre a diferença entre fala e escrita. Esse conteúdo está expresso em seu

planejamento de curso, como objetivo da área de linguagem ─ Compreender a escrita

como um sistema de representação da fala. Ao considerar erro e não variante

linguística11

o fato de falarmos de um jeito e escrevermos de outro, a professora além de

desconsiderar o planejamento, distancia-se das possibilidades de refletir sobre as

diferenças entre língua falada e escrita com seus alunos.

Quando comentamos com ela sobre alunos que apresentam distúrbios na fala,

diz que entende o que eles dizem e explica:

Esse dia-a-dia com eles a gente acaba entendendo o que eles querem

falar e a gente trabalha da forma com que a gente sabe, do jeito que a

gente acha que pode estar contribuindo de alguma forma pra eles. O

que que acontece: quando a Andressa fala, por essa convivência

diária, a gente já entende o que ela quer falar, embora o som seja

completamente diferente. Com o Raí é a mesma coisa (...) Esses

alunos já foram encaminhados pro serviço de orientação educacional,

que já conversou com a família e até agora nada (...)

A fala da professora remete a tese defendida pelos professores da escola: O

professor possui inúmeras funções, pois ela enfatiza a omissão da família (“já

conversou com a família e até agora nada”) e do sistema educacional. As tentativas mal

sucedidas de encaminhamento ao serviço de fonoaudiologia, por intermédio da

11 De acordo com Soares (1991), são modalidades da língua caracterizadas por peculiaridades fonológicas, sintáticas

e semânticas, determinadas, geralmente por três fatores: (1) geográfico, responsável pela variedade linguística entre

comunidades fisicamente distantes, resultando nos dialetos ou nos falares regionais; (2) sócio-cultural, responsável

pela divergência linguística entre diferentes subgrupos de uma comunidade local, estando entre os aspectos

distintivos: idade, sexo, classe social, profissão e grau de escolaridade e (3) nível da fala, que se refere ao nível de

formalidade da situação em que ocorre a comunicação. Nessa rede de diversidades lingüísticas, uma delas é eleita ao

status de língua padrão (norma culta), por fatores de prestígio social e convenção, que é geralmente ensinada nas

escolas e a falantes não-nativos. Por possuir uma gramática e um vocabulário amplamente aceitos e codificados, a

variedade padrão é geralmente considerada como correta, superior e as outras variedades (não-padrão) são

frequentemente tidas como erradas, inferiores e associadas à indolência, ignorância ou à falta de inteligência.

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orientação educacional, acabaram gerando a descrença nas possibilidades relativas à

alfabetização desses alunos. A falta de apoio propicia que ela justifique o não

aproveitamento da atividade proposta para trabalhar essa dificuldade afirmando que “faz

do jeito que sabe, do jeito que a gente acha que pode estar contribuindo...”. A professora

acredita que assim procedendo, está “solucionando” o problema de seus alunos e que

seus muitos anos de experiência profissional superam a falta de competência para lidar

pedagogicamente com esses alunos. Pautada nos saberes da experiência, entende que

está fazendo sua parte. Essa mesma experiência nos leva a crer que para determinadas

ações do professor, basta ter instinto, dom natural, uma vez que a professora não soube

justificar algumas delas (foram por hábito, automáticas, escolhas aleatórias).

Finalizando a sessão, perguntamos novamente o que ela faria diferente. A

professora responde que “agora eu poderia ter feito melhor”, parecendo refletir sobre a

atividade e explica:

Eu tenho 26 anos de sala de aula, mas é muito interessante eu poder

observar algumas coisas que acontecem que é automático e a gente

não percebe, mas assim, eu poderia ter deixado as dificuldades que

eles apresentaram, eu poderia ter deixado pra servir de pesquisa pra

eles, mas não sei e foi automático, eu fui apagando e eu também

percebi que embora a gente não tinha escrito muitas palavras ali eles

estavam com pouco vocabulário, então ficou uma aula muito

comprida, poderia ter reduzido pra ficar menos cansativo, porque tudo

que é muito longo faz com que eles percam a atenção, então, de

repente, eu poderia ter trabalhado de uma outra forma usando a

mesma atividade, mas em tempo reduzido.

Verificamos que após a realização da autoconfrontação simples, a professora

mostrou certa insegurança quanto às certezas que tinha antes acerca da atividade

realizada, já que propõe mudanças. No entanto, insiste que a única coisa que faria seria

diminuir o tempo da mesma porque ficou cansativa e os alunos perdem a atenção.

4.5.2 - Auto-confrontação cruzada

Tanto a autoconfrontação simples e quanto a cruzada ocorreram em dezembro.

Por ser um mês exaustivo para o professor (formatura, conselhos finais, encerramento

do ano letivo), foi difícil encontrar um professor que se dispusesse a participar da

autoconfrontação cruzada. Após várias tentativas, uma professora da mesma escola se

ofereceu para colaborar. As professoras trabalham em turnos diferentes, com turmas de

alfabetização e lecionam há mais de 20 anos.

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Segundo Clot (2006) quando se pratica a autoconfrontação cruzada, há mudança

de destinatário da análise – o colega de ofício – esta modifica a própria análise, assim

como também o próprio processo de produção das falas é, portanto, sua natureza e

qualidade. A variação das verbalizações, conforme é dirigida a um ou a outro, dá um

acesso diferente ao real da atividade do sujeito.

Para a realização da autoconfrontação cruzada, as professoras assistiram ao

mesmo episódio utilizado na autoconfrontação simples. Foi explicado à professora

convidada que ela poderia fazer observações e comentários sobre a atividade da colega.

A professora voluntária também poderia falar sobre os comentários da primeira.

Propusemo-nos a analisar o objetivo da atividade proposta pela professora, bem

como o que ela disse ter feito efetivamente, o que ela disse ter deixado de fazer, o que

ela disse que gostaria de ter feito diferente e o que disse pretender fazer. Assim, nos

aproximamos do real da atividade. O objetivo, neste momento, é como e se a

autoconfrontação cruzada gera novos significados à atividade docente da professora

voluntária, a partir do olhar da professora convidada.

A professora voluntária, ao assistir novamente ao episódio e antes de iniciar o

diálogo com a professora convidada, antecipa uma observação acerca da atividade

desenvolvida diferente daquela que havia feito na sessão de autoconfrontação simples.

Ela diz que a atividade poderia ter sido diferente, não o tempo que poderia ter sido

reduzido:

Ali eu podia ter feito diferente com a Larissa, quando eu perguntei

“garfo”, fiz o som do R e ela falou /RO/, eu deveria ter escrito no

quadro pra ela refletir o porquê que ela tava falando que o /GA/ tem o

/O/.

A professora convidada comenta como ela mesma desenvolveria a atividade:

Você perde muito tempo, talvez eu não faria assim, é a questão de

você separar o objeto, nome e animais, né, eu acho que isso aí deveria

ficar como exercício, depois até mesmo a questão das listas e tudo

mais... Isso aí pra mim funcionaria como exercício. Como é que eu

quando apresento uma letra , quando eu estou alfabetizando, apesar

que eu aprendi assim, não foi nem no FAPE, funcionou muito bem,

inclusive com adultos, é a questão de não apresentar a letra puramente,

é apresentar aquilo que ela fez lá no começo, o /G/ com o /A/, fazer o

som e pedir pros alunos falarem palavras que conheçam com /GA/,

com /GE/, com /GI/ e ainda tem aquela coisa de você separar a

dificuldade do /CE/ e do /GE/, tem essa quebra da família. Aí você

escolhe, se você vai trabalhar o /GA/, /GO/, /GU/ e o /GÃO/. (...) Eu

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gosto de separar, acho que confunde menos a cabeça do aluno. Se

você dá só a letra, o aluno faz aquela confusão (...)

A professora voluntária percebe que a atividade poderia ter sido organizada de

forma diferente e comenta:

A partir do que você falou, seria legal se eu tivesse partido da lista pra

depois separar ali e pedido pra eles separarem da lista o que era nome

próprio, o que era animal, o que era objeto, seria mais fácil pra eles.

Nesse momento percebe-se o encontro com o gênero profissional, o gênero da

atividade docente, em que diante de novas possibilidades de recriação da atividade, a

professora convidada imprime seu estilo ao apresentar à professora voluntária uma nova

estratégia pedagógica acerca da atividade realizada. Em sua fala, a professora convidada

vai apresentando novas sugestões:

Eu misturo tudo. Me dá palavras com /GA/ (...) Aí depois que a gente

criou palavras com /GA/, /GO, /GU/ e /GÃO/, aí eu faço um

paradigma: vamos circular aqui as sílabas iguais. Depois pra fixar

essas palavras, a gente monta um texto com essas palavras (...)

A professora voluntária pergunta:

Aí você então faz uma produção de texto utilizando todas as palavras

que eles falaram?

A professora convidada explica:

Não todas, mas a grande maioria. O barato é você montar uma estória

inserindo o máximo daquelas palavras (...) fica um texto muitas vezes

ingênuo (...) mas você trabalha com o repertório do aluno (...) É um

texto genuíno, (...) você trabalha com a autonomia deles (...)

Para a professora voluntária, as decisões que toma durante o andamento a

atividade são em função do que ela julga pertinentes às necessidades de seus alunos e

reunida ao longo de sua experiência profissional. Ela entende que adequa os conteúdos

conforme as características da turma, mas não improvisa, não utiliza desvios criativos

que tornem a realização da tarefa prescrita mais significativa.

Vale salientar que embora as atividades sugeridas pela professora convidada

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pareçam fundamentadas em alguma teoria, possivelmente o construtivismo, ela não diz

recorrer a ela e, consequentemente, à metodologia que lhe é subjacente. Para ela, a

experiência profissional também parece ser a protagonista deste episódio. Aqui, os

argumentos das duas professoras defendem a tese central: a experiência profissional é a

orientadora da prática profissional.

Na autoconfrontação cruzada, retornar à observação da cena com um terceiro

elemento pode modificar a análise realizada na autoconfrontação simples. A professora

convidada, mesmo fazendo parte do mesmo gênero da atividade e da linguagem do

ofício do outro, pode não possuir as mesmas opiniões e posições acerca do observado e

esta dissonância possibilita maior reflexão sobre a atividade da professora voluntária.

Entretanto, embora a professora convidada tenha sugerido novas formas de metodologia

na realização de uma mesma atividade, suas percepções acerca dos saberes da

experiência parecem ser as mesmas que as da professora voluntária e as do grupo: a

prática adquirida no cotidiano se sobrepõe ao saber teórico advindo dos cursos de

formação.

A professora voluntária ouve a colega e parece aberta a novas possibilidades,

que podem lhe permitir refletir sobre a atividade realizada, sobre novas formas de

realização, porém mudar sua prática pedagógica ainda não nos pareceu viável, uma vez

que não transformou para si novas práticas que determinem suas ações e seu modo de

pensar.

4.6 - Representações sociais de saberes da experiência

As teses encontradas nas entrevistas, narrativa de história de vida e sessões de

autoconfrontação, a partir da análise realizada segundo o MEA, permitiram desenhar o

seguinte esquema figurativo:

TESE PRINCIPAL

A experiência profissional orienta a

prática cotidiana

O método tradicional traz segurança.

A aprendizagem só é efetiva se os alunos forem disciplinados.

Escrever como se fala é escrever errado.

O professor possui inúmeras funções.

Fatores externos prejudicam a aprendizagem.

Aprende-se a ser bom professor na

vivência com os alunos.

Professor experiente é bom profis-

sional porque aprendeu através da

experiência profissional.

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As teses foram agrupadas da seguinte forma: no centro encontra-se a tese

principal defendida pelo grupo que representa o núcleo figurativo da representação

social de saberes da experiência, face à grande influência que exerce no e pelo grupo.

Dela, decorrem todas as demais.

Acima, foram reunidas as teses que remetem aos saberes pautados no método

tradicional e que trazem segurança ao grupo para exercer seu trabalho. É o método que

está arraigado às suas práticas pedagógicas. Abaixo e à esquerda, foram agrupadas as

teses que correspondem à distorção da função docente, levando à culpabilização do

outro: as várias funções que o professor assume (por omissão da família e do sistema

educacional) e os fatores externos (que atrapalham a aprendizagem). À direita estão as

teses que se referem à competência do professor: a vivência das interações (com os

alunos), a prática cotidiana e a experiência adquirida nos anos de profissão.

A partir desse esquema, é possível identificar a gênese da representação social

de saberes da experiência, por meio de seus processos formadores: a objetivação e a

ancoragem. Ambos permitem conhecer como as representações sociais são construídas

por sujeitos e grupos, na tentativa de compreender o que faz as pessoas pensarem de

uma maneira e não de outra, principalmente em função de seu contexto sócio-cultural.

O processo de objetivação transforma elementos conceituais em figuras ou

imagens (MOSCOVICI, 1978), ou seja, visa a “transformar algo abstrato em algo quase

concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico”

(MOSCOVICI, 2003, p. 61). A ancoragem, articulada à objetivação, diz respeito à

inserção do objeto representado no universo simbólico e significante das pessoas.

Aproxima o estranho ao já conhecido. É um processo que leva considera o movimento

de familiarização do não-familiar e o de des-familiarização do familiar (ARRUDA,

2000).

Com relação à objetivação, os professores sobrepõem a prática adquirida no

cotidiano de sua atividade como docente ao saber teórico, construído ao longo dos anos

de estudo. Os saberes adquiridos e empregados na prática cotidiana docente dão

significado às situações de trabalho que lhes são inerentes.

Segundo os professores, o abismo entre o que aprenderam na formação (não

foram preparados para lidar com o aluno real) e a gravidade dos problemas que

encontram hoje nas escolas (ausência da família, por exemplo) é tão grande que a

aplicação daqueles saberes à sua prática pedagógica se torna inviável. Por isso, norteiam

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sua prática cotidiana a partir da experiência profissional, vivenciada nas interações com

os alunos, o que para o grupo constitui a base para uma aprendizagem efetiva. Essa

interação faz com que muitos professores distorçam a idéia do que seja o trabalho

docente, suplementando-a ao assumirem o papel de pai/mãe, embora alguns se

descrevam como agentes favorecedores da construção do conhecimento e façam

referências a sua função de ensinar.

Os significados da experiência profissional parecem estar ancorados nas

trajetórias profissionais desses professores. Um aspecto evidenciador desse fenômeno

está presente nos argumentos dos professores ao imputar à pedagogia tradicional a única

possibilidade de desenvolver suas práticas pedagógicas com segurança.

Quando se descrevem como agentes favorecedores do conhecimento, voltados

para uma concepção construtivista, reproduzem slogans educacionais, pensamentos

prontos, que na verdade não foram incorporados à sua prática, uma vez que seus

argumentos são permeados por referências à pedagogia tradicional.

Buscamos analisar também os processos de ressignificação do sujeito (a

professora voluntária), ou seja, observar se havia mudança nas modulações

individualizadas que o sujeito opera em elementos já existentes na representação social

construída pelo grupo e que se refere à reconstrução de significados a partir de um

processo de partilha de experiências e negociação de significados. Entendemos que não

podemos afirmar se houve ressignificação individual das representações de saberes da

experiência, uma vez que a professora voluntária, por meio de seus argumentos,

reafirmou a tese central defendida pelo grupo. Embora ela tenha elaborado novas teses,

todas estão imbricadas à tese central defendida pelo grupo. A integração das

experiências da professora e de sua história individual permite sua adaptabilidade ao

grupo, garantindo um caráter de estabilidade ao núcleo, por ser a base do pensamento

comum desse grupo.

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CONCLUSÃO

Com base na análise das entrevistas, narrativa de história de vida e sessões de

autoconfrontação, alicerçada aos referenciais teórico-metodológicos desta pesquisa,

apreendemos indícios das representações sociais de saberes da experiência por

professores dos anos iniciais de uma escola pública, que configuram grupos sociais que

apresentam suas posições no âmbito escolar de acordo com suas pertenças e referência e

dos significados, valores e crenças por eles compartilhados. Esses indícios nos ajudaram

a pensar o trabalho docente como um trabalho interativo, em que a investigação da

atividade em situações cotidianas foi essencial para o reconhecimento das

representações sociais de saberes da experiência por aquele grupo.

A atividade docente, o ato de ensinar, é construído cotidianamente a partir de

situações complexas e singulares, onde se faz presente a dinamicidade de ações, por

conta das imprevisibilidades existentes entre a tarefa prescrita e a real, com as quais o

profissional, durante o exercício de seu ofício, precisa se confrontar.

Apresentava-se, pois, como necessário conhecer que saberes da experiência são

mobilizados por aquele grupo, uma vez que os saberes da experiência servem de base

para o exercício da docência, fornecendo ao professor certezas relativas a seu contexto

de trabalho, já que não é mais possível pensar no saber disciplinar como suficiente para

o ensino nesse novo contexto, diante do enfrentamento do complexo cenário em que o

ofício de mestre se encontra na atualidade.

A representação social de saberes da experiência daquele grupo se condensa na

tese central “a experiência profissional orienta a prática cotidiana”, de onde os

professores buscam suas certezas que orientam sua prática cotidiana e não em sua

formação ou nas ideologias pedagógicas subjacentes aos currículos pedagógicos. O

grupo se apóia num saber da experiência construído na vivência das interações com os

alunos, constituindo para os professores a base para a realização daquilo que

consideram um bom trabalho.

A prática cotidiana sobrepõe-se ao saber teórico, que é negligenciado por esses

professores. Os significados atribuídos a essa experiência parecem estar ancorados nas

trajetórias profissionais do grupo, na qual o método tradicional é que traz segurança à

sua prática pedagógica. O discurso dos professores traz pensamentos pautados no

tradicionalismo e por isso, afirmam ter grande dificuldade para aplicar o que chamam de

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“método construtivista”.

Embora utilizem o discurso moderno, muitas vezes utilizando a metáfora da

construção, os professores não abandonaram o saber pautado em práticas tradicionais,

que lhes dá segurança. Observa-se, pois, que um novo paradigma científico não foi

incorporado a outros quadros de referência desses sujeitos. Neste sentido, uma

representação social só se transforma sob condições muito bem definidas.

Sendo as representações sociais além de um conjunto de opiniões, informações e

crenças associadas a um objeto dado e que em uma população homogênea, neste caso, o

grupo de professores participantes da pesquisa, conjunto relativamente estável, evoluem

muito vagarosamente, percebemos evidências de mudanças. Uma delas é a mesclagem

das metáforas do conhecimento presente na fala dos professores. Entretanto,

entendemos que a transformação de uma RS somente ocorre quando os indivíduos

estiverem realmente envolvidos com práticas que diferem de seus saberes A dinâmica

representacional é originada de um processo de racionalização (individual e/ou social)

suscitada pela realização de um ato ou adoção de uma prática diferente de crenças e

saberes anteriores. Assim, para mudança de paradigmas é necessário mudança de

mentalidades.

O profissional docente é dotado de uma pluralidade de saberes que são

mobilizados por ele para conduzir sua ação pedagógica no contexto da sala de aula. Os

professores não rejeitam totalmente outros saberes, incorporando-os e retraduzindo-os

em categorias através dos seus próprios discursos. Nesse sentido, a prática pode ser

vista como um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua

formação e a adaptam à profissão. A experiência provocaria, assim, um efeito de

retomada crítica dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional.

Isto, porém, não é o que parece ocorrer com os professores participantes dessa

pesquisa. Segundo seus discursos, o abismo entre o que aprenderam na formação e os

problemas que encontram hoje nas escolas é tão grande que a aplicação daqueles

saberes à sua prática se torna inviável. Conforme suas falas, a formação de professores,

bem como os estágios supervisionados, pouco levam em conta as práticas, o trabalho

real dos professores do dia-a-dia, em sua diversidade e ambiente atuais. Em vista disso,

os profissionais, quando se deparam com realidades específicas não se sentem

preparados para enfrentá-las, pois não conseguem estabelecer relação entre os saberes

adquiridos na formação e os saberes necessários à resolução de problemas advindos das

situações cotidianas de trabalho. Muitos, então, acabam desqualificando a formação

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recebida e recusam a necessidade do saber teórico no fazer pedagógico, ou seja, a

experiência profissional é necessária e suficiente para esses professores.

Assim, as falas dos professores investigados indicam que o significado atribuído

aos saberes da experiência se apóia na prática cotidiana, o que configuraria nas palavras

de Gauthier et al (1998) como um ofício sem saberes. Consideramos a experiência

essencial ao exercício da atividade docente, mas tomá-la como exclusiva é contribuir

para perpetuar o erro de “manter o ensino numa cegueira conceitual” (ALVES-

MAZZOTTI, 2008), reforçando a ideia de que na docência basta adquirir experiência

para se desenvolver um “bom” trabalho.

A busca por um ofício com saberes diversos, pois, pressupõe um olhar para o

ambiente cotidiano da escola e da sala de aula, distante, entretanto, dos modelos de

racionalidade técnica que procuraram organizar um código de saberes

descontextualizados da atividade docente, desconsiderando as singularidades,

instabilidades e incertezas inerentes ao ato pedagógico.

O número de professores investigados nesta pesquisa pode não ser considerado

representativo, uma vez que não foram ouvidos os professores de toda a rede municipal

de ensino, apenas os docentes atuantes de uma única unidade escolar. Aí, os 24

professores constituem o universo de docentes atuantes nas séries iniciais do Ensino

Fundamental. Por isso acreditamos na necessidade de considerar suas representações

sociais de saberes da experiência. Sugerimos que elas sejam tomadas como ponto de

partida para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o trabalho docente. Apreender

o que esses profissionais pensam e sabem, analisar suas reflexões sobre suas práticas,

podem se configurar como possibilidades para se obter avanços significativos no

processo de formação docente.

Assim, entendemos que a formação inicial e continuada de professores deveria

ser, no mínimo, repensada, para que fosse desenvolvida uma abordagem mediada pelo

exercício da reflexão crítica, na qual o trabalho docente tem como base uma prática em

saberes, ampliando-se o espaço para as informações e conhecimentos daqueles que

vivem o trabalho, na tentativa de amenizar a distância sentida e sofrida pelos

profissionais de ensino entre a formação acadêmica e a prática desenvolvida em sala de

aula.

Nossa pesquisa pode ajudar a (re) pensar a formação do profissional de ensino,

frente aos desafios impostos a ele pelas mudanças que vêm ocorrendo na

contemporaneidade e incidem diretamente sobre o espaço de atuação docente e seu

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objeto de trabalho: o aluno.

Quanto às sessões de autoconfrontação simples e cruzada, metodologia

recentemente utilizada na área da Educação, podem ampliar a possibilidade do

desvelamento dos vários impedimentos que a atividade sofre no seu decurso a partir da

possibilidade que o docente tem de ver e refletir sobre a própria atividade a partir do

olhar do outro e de ter acesso ao “real da atividade”. Esta reflexão pode ajudá-lo a

manter as estratégias de ação de sucesso e abandonar ou transformar aquelas que não

promoveram o efeito desejado, como parece ter acontecido com a professora voluntária

participante de nossa pesquisa.

A atividade docente, como qualquer outra, exige resolver problemas e quando há

necessidade de fazer adaptações ao prescrito, o professor entra em ação recorrendo ao

gênero do ofício, recriando-o, imprimindo seu estilo e foi isso que tivemos a

oportunidade de observar nas videogravações.

O material coletado nesta pesquisa (gravado em vídeo), com os devidos

cuidados éticos, pode ser utilizado em cursos de formação inicial ou continuada,

permitindo aos professores aprenderem assistindo a atividades reais, desempenhadas por

um professor real, em uma sala de aula real. Poderão, ainda, tirar proveito das

discussões entre as professoras colaboradoras e a pesquisadora, entrando em contato

com diferentes olhares que podem auxiliar a análise de suas próprias atividades

docentes.

Por fim, parece-nos ainda muito importante que se valorize toda e qualquer

mudança de atitude do professor no sentido de melhorar suas práticas pedagógicas.

Estas não ocorrerão do dia para a noite, nem poderão ser impostas por teóricos,

pesquisadores ou formuladores de políticas educacionais, ainda que estes tenham um

papel importante no processo. Este processo, contudo, é, principalmente, de

esclarecimento, de convencimento e de luta cotidiana, mas também como insumo para

uma reflexão mais comprometida com a práxis.

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APÊNDICE I

Roteiro para entrevista semi diretiva com professores

1- Dentre as disciplinas que você aprendeu durante sua formação para ser professor(a),

quais as que você considera que têm sido mais úteis para orientar o trabalho que você

realiza como professor(a)?

2- O que você acha que mais faz falta na formação para ser professor?

3- O que você aprendeu no seu curso de formação de professores e achava que poderia

usar, mas não usa na sua prática?

4- Por quê?

5- O que precisou e ainda precisa para desempenhar o trabalho que você realiza como

professor(a)?

6- O que você faz para que isso aconteça?

7- Em que você se sente mais seguro(a) ao desempenhar seu trabalho em sala de aula?

8- Em que você se sente menos seguro(a)?

9- Como as dificuldades relacionadas ao trabalho que você realiza enquanto professor(a)

afetam você como pessoa?

10- O que seria, no seu entender, o trabalho docente?

11- No que o trabalho que você desempenha como professor(a) é diferente daqueles

conhecimentos que você adquiriu (nos estágios, nas disciplinas etc.) em sua formação

para ser professor(a)?

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ANEXO I

AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E SOM DE VOZ

Nos termos do Art. 5º, LXXVIII, letra “a”, da Constituição Federal de 1988, eu,

abaixo assinado e identificado, autorizo o uso de minha imagem e som de minha voz

durante as minhas atividades em sala de aula e em depoimentos concedidos e, além de

todo e qualquer material entre documentos por mim apresentados para compor a pesqui-

sa “Representações Sociais de Saberes da Experiência por Professores dos Anos Ini-

ciais de uma Escola Pública” a ser realizada na E. M. _________, no período de maio

a setembro de 2010, sem nenhum ônus econômico ou contrapartida de qualquer espécie,

sejam essas destinadas à divulgação apenas para os integrantes da pesquisa.

Por ser esta a expressão da minha vontade, declaro que autorizo o uso acima

descrito sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos a minha ima-

gem, ou a qualquer outro, e assino a presente autorização em 02 (duas) vias de igual teor

e forma.

Duque de Caxias,____de maio de 2010.

Assinatura:__________________________________________

CPF:_________________________

RG:__________________________

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ANEXO II

AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGEM DE MENOR

Nos termos do Art. 5º, LXXVIII, letra “a”, da Constituição federal de 1988, eu,

abaixo assinado e identificado, autorizo o uso da imagem do me-

nor_________________________________________________________________

durante suas atividades em sala de aula para compor a pesquisa “Representações Soci-

ais de Saberes da Experiência por Professores dos Anos Iniciais de uma Escola Pú-

blica” a ser realizada na E. M. ______________, no período de maio a julho de 2010,

sem nenhum ônus econômico ou contrapartida de qualquer espécie, sejam essas desti-

nadas à divulgação apenas para os integrantes da pesquisa.

Por ser esta a expressão da minha vontade declaro que autorizo o uso acima des-

crito sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos à imagem, ou a

qualquer outro, e assino a presente autorização em 02 vias de igual teor e forma.

Duque de Caxias,____de Maio de 2010.

Assinatura_______________________________________(Pai, mãe ou responsável

legal)

CPF___________________

RG____________________