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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO EM DIREITO A TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA E EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL por JOSÉ ANTONIO OCAMPO BERNÁRDEZ RIO DE JANEIRO 2006

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ VICE-REITORIA DE ... - estacio… · doutrina no processo, o juiz não fica restrito a observar que cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

MESTRADO EM DIREITO

A TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA

E EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL

por

JOSÉ ANTONIO OCAMPO BERNÁRDEZ

RIO DE JANEIRO 2006

2

JOSÉ ANTONIO OCAMPO BERNÁRDEZ

A TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA

E EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL

Dissertação apresentada em MESTRADO, sendo

o texto a dissertação final, com o objetivo de

obtenção do título de Mestre em Direito pela

Universidade Estácio de Sá.

Orientador: Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho

Rio de Janeiro 2006

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JOSÉ ANTONIO OCAMPO BERNÁRDEZ

A TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA

E EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL

elaborada por José Antonio Ocampo Bernárdez e aprovada por todos os membros da Banca

Examinadora foi aceita pelo Curso de Mestrado em Direito como requisito parcial para a

obtenção do grau de Mestre em Direito.

Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2006.

BANCA EXAMINADORA

------------------------------------------------------------- Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho

Universidade Estácio de Sá

--------------------------------------------------------------

Prof. Dr. Leandro Ribeiro Universidade Estácio de Sá

-------------------------------------------------------------- Prof. Dr. José Ribas Vieira Universidade Gama Filho

4

À minha esposa, amiga e fiel companheira de todas as horas, Fátima, com admiração, respeito e amor.

5

AGRADECIMENTOS

Especial agradecimento ao Prof. Humberto Dalla por toda a dedicação dispensada, bem como pela sua forma de ser, que só nos faz querer ser igual.

Minha gratidão também a todos os Professores e Funcionários do Mestrado da

Universidade Estácio de Sá; aos colegas de classe e especialmente ao Ministério Público, minha Instituição, pelo apoio institucional concedido para viabilizar a dissertação.

Minha gratidão ao Professor Glioche, como modelo de vida e pessoa. Agradeço aos meus pais, que me fizeram um homem com dignidade. Agradeço aos meus sogros, pelo acolhimento em suas vidas. Agradeço aos meus irmãos, pelos belos momentos juntos, que o tempo e a

distância não afastam. E, por fim, mas sempre, para meu amor Fátima, e principalmente a Deus, que

permitiu que ela fizesse parte de minha vida!

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“Contudo, o homem é o único

ser vivo a poder “virar a ampulheta”, só ele está em posição de se subtrair ao fluir irreversível do tempo físico ligando aquilo que, a cada instante, ameaça desligar-se.”( François Ost)

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RESUMO

O direito à prova está inserido no contexto do direito constitucional à efetividade da tutela

jurisdicional e que sua distribuição deve ser dinâmica.

A presente obra tem por objetivo a demonstração da distribuição dinâmica dos ônus

probatórios no sistema processual (Teoria da Carga Dinâmica da Prova). Aplicando-se esta

doutrina no processo, o juiz não fica restrito a observar que cabe ao autor provar o fato

constitutivo do direito alegado e que cabe ao réu provar o fato modificativo, extintivo ou

impeditivo, na forma do artigo 333 do CPC. O juiz, simplesmente, deve determinar que a

prova seja produzida pela parte que melhores condições tem para fazê-la. A principal fonte

de pesquisa é a jurisprudência, que já vem admitindo sua aplicação como forma de efetividade

da prestação jurisdicional, assim como doutrinadores da Argentina, onde a teoria é

amplamente aplicada. Chama-se de “dinâmica” tendo em vista que se contrapõe à noção

estática de prova até então conhecida. Agora, com base nesta nova teoria, sugere-se um

dinamismo (mobilidade) para que o sistema se adapte ao caso concreto, atendendo as

circunstâncias especiais. Buscou-se no texto fazer um paralelo da evolução do tempo e de

sociedade para demonstrar a necessidade da mudança legislativa proposta.

Palavras-chave: Direito à prova. Ônus da prova. Princípio da Carga Dinâmica

da Prova. Efetividade da tutela jurisdicional.

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RESUMEN

La actual ejecución tiene por objetivo la demonstración de la distribuición

dinámica de las cargas probatorias en el sistema procesal (Teoría de la Carga Dinámica de la

Prueba). Al aplicarse esta doctrina al proceso, el juez no se restringe a observar que le toca al

autor probar el hecho constitutivo del derecho alegado y que le toca al demandado probar el

hecho de modificación, extintivo o impeditivo, en la forma del artículo 333 del CPC. El juez,

simplemente, debe determinarse que la prueba sea producida por la parte que tiene mejores

condiciones de hacerlo. La fuente principal de la investigación es la jurisprudencia, que viene

ya admitiendo su uso como forma de efectividad de la prestación jurisdiccional, así como los

doutrinadores de Argentina, donde la teoría se aplica extensamente. Se lhama “dinámica” a

ésa noción por contraponerse a la noción estática de la prueba hasta entonces conocida.

Ahora, en base de esta nueva teoría, existe un dinamismo (movilidad) para el sistema si el

adapte ao concreto del caso, tomando el cuidado de las circunstancias especiales. Se ha

buscado en el texto hacer un paralelo de la evolución del tiempo e de la sociedad para

demonstrar la necesidad del cambio legislativo propuesto. De esa manera, se concluye que el

derecho a la prueba está insertado en el contexto del derecho constitucional a la efectividad de

la tutela jurisdicional y que su distribución debe ser dinámica.

Palabras clave: Derecho a la prueba. Carga de la prueba. Principio de la

Carga Dinámica de la Prueba. Efectividad de la tutela jurisdiccional.

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LISTA DE SIGLAS

CC/1916 – Código Civil antigo – ano 1916.

NCC/2002- Novo Código Civil – ano 2002.

CDC – Código de Defesa do Consumidor.

CODECON – Código de Defesa do Consumidor.

CRFB/88 – Constituição da República de 1988.

CPC – Código de Processo Civil.

CPP – Código de Processo Penal.

DES – Desembargador.

RI/STJ – Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

RE – Recurso Extraordinário.

RESP – Recurso Especial.

RT – Revista dos Tribunais.

STF – Supremo Tribunal Federal.

STJ – Superior Tribunal de Justiça.

TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO Página

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

1.1 Considerações Iniciais........................................................................................................11

1.2 A influência do Tempo.......................................................................................................19

1.3 A Prova e a Constituição....................................................................................................26

1.4 A “Baixa Constitucionalidade”...........................................................................................28

1.5 O Estado e a Sociedade.......................................................................................................30

1.6 O início do Poder Regulamentador ....................................................................................32

1.7 Situação Constituinte..........................................................................................................38

1.8 O Sistema Autopoiético do Direito.....................................................................................39

CAPÍTULO 2 – A PROVA

2.1 Conceitos fundamentais......................................................................................................43

2.2 Finalidade e Função da Prova.............................................................................................46

2.3 Do Sistema atual de Provas e Provas Típicas.....................................................................51

CAPÍTULO 3 – A CARGA DINÂMICA DA PROVA

3.1 A distribuição dinâmica dos ônus probatórios....................................................................68

3.2 Aplicação da Teoria ...........................................................................................................73

3.3 A Carga dinâmica da prova e sua aplicação específica na Argentina, à luz de seus

doutrinadores............................................................................................................................88

3.4 A Teoria da Carga Dinâmica das Provas na Proposta do Anteprojeto de Código Brasileiro

de Processos Coletivos.............................................................................................................95

3.5 A Carga Dinâmica da Prova e o Ministério Público........................................................117

CAPÍTULO 4 – CONCLUSÃO..........................................................................................110

ANEXOS................................................................................................................................114

REFERÊNCIAS BLIOGRÁFICAS.......................................................................................146

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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

1.1 – Considerações Iniciais

O estudo das provas, sob o ponto de vista de quem deve produzi-las, necessita

de uma visão mais moderna e atual do que outrora experimentamos. Passa a ser, portanto, um

instituto moderno e dos mais instigantes no processo civil. O devido processo legal, como

mandamento constitucional, impõe ao julgador que a decisão seja pautada após o fiel exame

da causa, instrumentalizada em um processo em que se proporcionou oportunidade para que

as partes se pronunciassem nos autos, na forma de uma bilateralidade de audiência e sempre

colaborando com o juízo, na prestação jurisdicional.

A partir do exame dessa singela consideração, percebe-se a importância da

prova para a decisão do juiz, eis que, sem provas, não há direito efetivado. Até mesmo do

ponto de vista do senso comum, somente tem razão aquele que consegue provar o que diz.

Não há como pesquisar o estudo da produção das provas em um passado muito

remoto, tendo em vista que, no direito romano anterior ao período formulário, não havia que

se falar em provas para o sucesso da causa, tendo em vista que o julgador estava adstrito

apenas à própria consciência; quer dizer, julgava por consciência própria, independentemente

do que as partes conseguissem provar.

No Direito romano, surgiram os primeiros brocardos, utilizados até hoje; eles

revelam a importância da prova para o processo, como os “actore non probante, reus

absolvitur”,”probatio incubit qui dicet, non qui negat (se o autor não fizer prova, absolve-se

o réu e a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega).

Na Idade Média e nas próprias Ordenações Filipinas foram aplicadas as idéias

do direito romano, sendo que já surgia o dever para o julgador de decidir segundo o alegado e

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provado pelas partes (“iudex debet iudicare secundum allegata et probata partium”).

Todavia, àquela época, vigorava o sistema da prova legal.

Segundo esse sistema, cada prova teria um valor inalterável e constante,

previamente determinado na lei, não sendo lícito ao julgador valorar a prova conforme seu

entendimento, mas sim aplicando, quase que matematicamente, um resultado mais objetivo do

que subjetivo. Foram comuns as expressões como “a prova testemunhal é a prostituta das

provas” (valia menos que qualquer outra) e que “a confissão do réu é a rainha das provas” (era

a que mais valia para o resultado da causa).

No Brasil, o Regulamento 737 foi omisso. Os primeiros Códigos de Processo

Civil, tanto os estaduais como o CPC de 1939, já afirmavam que competia a cada uma das

partes fornecer os elementos de prova de suas alegações. O atual CPC (o de 1973, com suas

modificações posteriores) prevê o tema expressamente em seu artigo 333, verbis:

O ônus da prova incumbe: I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II- ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Além disso, não se olvide que o Código de Defesa do Consumidor inovou, ao

trazer a inversão do ônus da prova (artigo 6º CDC), verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Diante de tais conceitos, percebe-se, claramente, que a sociedade evoluiu da

mesma forma que os sistemas de avaliação da prova em relação ao processo. Do sistema da

prova legal acima descrito e do sistema do livre convencimento, transferiu-se para o julgador

o dever de fornecer os elementos de sua convicção. Surge o sistema do livre convencimento

motivado (da persuasão racional do juiz). Neste sistema, o julgamento da causa é fulcrado

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pelas provas produzidas, devendo o juiz valorar a prova conforme sua convicção, não há

prova mais importante que outra, há prova suficiente para permitir que o julgador decida.

O que deve sempre haver é a fundamentação da decisão pelo julgador, não

podendo mais ocorrer o julgamento pela íntima convicção. Assim ocorre porque a sociedade

evoluiu e não é mais crível que se aceite uma decisão emanada pelo Poder do Estado sem

motivação. Exige-se, para a democracia, que as decisões judiciais sejam coerentes e corretas,

bem como se permita que a questão seja julgada novamente por força de recurso voluntário

das partes.

Para que isso ocorra, é necessário que se saibam os motivos que levaram o

julgador a decidir da forma que decidiu; quer dizer: examinar sua convicção. Exige-se até

que se faça um relatório do processo, para garantir que está se julgando exatamente o que está

sendo levado ao conhecimento do Poder Judiciário.

Desta forma, vê-se que é muito mais provável que uma decisão seja justa se

aplicado este sistema da prova do que os outros outrora existentes e acima arrolados.

Julgando-se pela íntima convicção, pode-se ter um julgamento até mais justo (em hipótese)

do que pelo sistema da persuasão racional; todavia, corre-se muito mais perigo de se ter

também uma decisão arbitrária, ao passo que os seres humanos têm experiências próprias, que

faz com que um texto, uma expressão facial, um gesto até, sejam interpretados de forma

totalmente diferente por pessoas aparentemente semelhantes. Logo, não trouxe e nem traria a

segurança jurídica exigida à época em que vivemos.

Porém, percebe-se também, que não é simplesmente o sistema adotado de

avaliação de prova que fará com que se resolva um problema histórico e que ainda se revela

hoje com o Poder Judiciário, que é a descredibilidade perante uma parte da sociedade.

Sabe-se que, quando vivíamos em um Estado Liberal, esperava-se que o Poder

Legislativo fizesse as leis necessárias que seriam aplicadas pelo Poder Judiciário, e aquele

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perdeu a oportunidade de demonstrar sua força, ao passo que deixou de elaborar mais leis

eficazes do que efetivamente as fez. No Estado Social, passou-se para o Poder Executivo a

esperança de que se fizesse um Estado voltado para o aspecto social. Melhor sorte não nos

restou a esperar que governos após governos passassem, sem aplicar um mínimo de política

social desejável neste País. Resta-nos, hoje, (e sempre) a busca de efetividade de nossas

garantias constitucionais pelo Poder Judiciário, fazendo com que leis sociais e princípios

constitucionais sejam aplicados imediatamente, sem se olvidar que o Poder Judiciário é Poder

do Estado.

Assim agindo, além de cumprir com seu mister também trará ao Judiciário o

devido respeito à sua imagem, que é a mesma da democracia. Não se olvide que o processo é

meio de pacificação social acima de qualquer conceito jurídico que se possa empregar a esta

expressão.

Ao passo que temos então pela frente uma nova função jurisdicional, no

sentido de que cabe aos juízes de todo o País aplicar seu poder de julgar, cria-se uma

indagação: como julgar corretamente (leia-se: “da forma mais justa possível”) diante de um

conceito de produção de prova tão arcaico e fechado em nosso seio jurídico? Romper

obstáculos que historicamente eternizam cânones indiscutíveis constitui missão mais árdua do

que confortar o perdedor de uma causa, convencendo-o de que foi feita a justiça, mesmo que

esta repousasse do lado oposto.

É lógico que, desde os ensinamentos de Carnellutti1, que afirmava que a

jurisdição é a função do Estado de obter a justa composição da lide, já se discutia sobre justiça

em decisões judiciais, a ponto de se afirmar que mais vale uma decisão injusta do que uma

ausência de decisão.

1 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 13ª Ed., Ed. Malheiros,1997, p. 131.

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Porém, sem fugir da proposta aqui pleiteada, não se pode aplicar justiça

simplesmente pelo que as partes produziram, sem retóricas feitas ou sem preconceitos, mas

afirmando claramente que a igualdade das partes em um processo nem sempre se coloca de

forma simples.

Neste caminho, nossa sociedade evoluiu quando editou o Código de Defesa do

Consumidor. Não obstante essa relevância, após 13 anos, esse diploma legal ainda é

desconhecido de grande parte da população. Ainda hoje é bastante comum a afirmação de que

não vale a pena propor determinada ação porque não se teria como provar o fato, o direito,

enfim, provar a verdade! E quando informado de que, nessas hipóteses, há inversão do ônus

da prova, pouco parece esclarecer. Mesmo porque o estudo do que seja ônus, faculdade,

dever, obrigação; enfim, qualquer termo jurídico, é totalmente ignorado pela população. E,

diga-se, deveriam saber! Até porque é possível que o cidadão comum vá a Juízo (Juizado

Especial Estadual) sem a devida capacidade postulatória de um advogado, nas causas até 20

salários mínimos, na forma do exposto na Lei 9099/95.

Todavia, cabe ao tempo, talvez, a resposta a todos os problemas que um dia

pareceram insolúveis. Espera-se que este tempo chegue ao mesmo passo que uma sociedade

mais justa, harmoniosa e respeitosa cresça entre nós, porque sociedade democrática e direitos,

desde os mais remotos tempos, sempre caminharam de mãos dadas.

No caso, este tempo avançou com a proposta de um Anteprojeto de Código

Brasileiro de Processos Coletivos, que sensível aos dias atuais, percebeu não só a necessidade

de uma nova regulamentação coletiva do sistema, mas também pretende resolver o problema

da verdadeira isonomia material.

Historicamente os Códigos de Processo Civil são feitos à luz do sistema

individual. Toda a base doutrinária do Processo Civil quanto à sua interpretação compilada é

feita com institutos e regras individuais. Hoje, este enfoque não é mais curial, ao passo que

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são centenas de milhares de ações individuais que se repetem a cada dia forense. Não se nega

a benesse de tal sistema, porque individualiza cada situação colocada ao julgador (ou pelo

menos deveria!) para que este diante do caso concreto afirme sua síntese pela qual foi

investido.

Ocorre que na relação “custo x benefício” a primeira vem superando a

segunda, o que já demonstra a necessidade de revisão do sistema.

A primeira proposta a se fazer é retirar do sistema individual as demandas

coletivas, que emperram o sistema individual e fazem com que o custo à sociedade e à

efetividade da jurisdição ponha todo o sistema em crise.

Por outro lado, passa-se a regular no Processo Individual (o atual) as demandas

necessariamente individuais, com seus sistemas conhecidos e já incorporados aos aplicadores

do Direito.

Cita-se, por exemplo, a lição de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, em

“Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional”, verbis: 2

As ações coletivas como medida de economia judicial e processual. O Direito Processual é um direito eminentemente instrumental e, como tal, serve para a realização do direito material. Conseqüentemente, o processo, como um todo, bem como os respectivos atos e procedimentos devem estar inspirados na economia processual. Esse princípio, por sua vez, precisa ser entendido de modo mais amplo, sob o ponto de vista subjetivo, com orientação geral para o legislador e para o aplicador do Direito Processual, e, objetivamente, como sede para a escolha das opções mais céleres e menos dispendiosas para a solução das lides.

... A questão não deixa de ser, também, lógica, pois, a priori, os conflitos

eminentementes singulares devem ser resolvidos individualmente, enquanto os litígios de natureza essencial ou acidentalmente coletiva precisam contar com a possibilidade de solução metaindividual. A inexistência ou o funcionamento deficiente do processo coletivo dentro do ordenamento jurídico, nos dias de hoje, dá causa à multiplicação desnecessária de número de ações distribuídas, agravando ainda mais a sobrecarga do Poder Judiciário. Na verdade, são lides que guardam enorme semelhança, pois decorrem de questão comum de fato ou de direito, passando a ser decididas de modo mecânico pelos juízes, através do que se convencionou chamar de sentenças-padrão ou repetitivas, vulgarizando-se a nobre função de

2 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no direito comparado e nacional. Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil, vol 4, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p.33.

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julgar. É o que vem ocorrendo, verbi gratia, na Justiça Federal brasileira. Nas circunscrições do Rio de Janeiro e de Niterói, por exemplo, as sentenças-padrão representaram, no cômputo do total de sentenças cíveis de mérito, dos últimos quatro anos e sete meses, respectivamente, 62,5% e 73%. A atividade judicial descaracteriza-se, com essa prática, por completo, passando a ser exercida e vista como mera repetição burocrática, desprovida de significado e importância.

Após, com a criação de um novo modelo para as demandas coletivas, o

legislador não pode perder (mais uma vez!) a oportunidade de inovar no sistema, trazendo o

benefício em primeiro lugar.

Não se pode mais banalizar a atividade judicial com demandas inúteis ou

desnecessárias. Inúteis quando o próprio julgador reconhece por sentença terminativa a total

impropriedade da via eleita ou da impossibilidade jurídica da demanda. Desnecessárias

quando se joga a população aos corredores do fórum (muitos nem sabem que lá estão!) porque

ouviram nos meios de comunicação que tem direito a algo, porém somente por via judicial

lhes serão assegurados. Caso recente da revisão do cálculo da aposentadoria ilustra o tema,

quando anunciaram pela televisão que prescreveria a possibilidade de ajuizamento de ação

previdenciária em determinado dia, fazendo com que muitos (muitos!!) idosos dormissem na

fila do fórum para postular seus direitos (muitos achavam que estavam na fila da Previdência!

Sequer tinham a noção de onde estavam!).

Nesse sentido, há um novo texto, com vantagens não somente para o sistema,

mas sim para o Direito. Não é mais atual discutir sistemas, mas sim criá-los, inovar. É isto

que se espera de uma reforma. Não apenas a reforma do Judiciário como alguns esperam. A

reforma tem que ser mais ampla, passando pelos doutrinadores, que estão fazendo sua parte,

passando pelo Legislativo, que se espera faça a sua, para somente depois chegar ao Judiciário,

que deverá aplicá-la, fugindo de preconceitos e sistemas antigos. Porque nada mais frustrante

para o criador do que perceber sua obra acabada e pronta e sofrer a resistência daqueles que

não vivenciam as mesmas angústias.

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Diante destas mazelas processuais, vai se desenvolvendo um novo sistema, a

fim de se permitir um processo justo, eficaz, e que responda às partes e à sociedade o que se

espera do Poder Judiciário, que é a efetiva prestação jurisdicional.

A idéia de uma nova ordem processual já vem sendo anotada pela doutrina

pátria, pelo que assim se manifesta Humberto Dalla Bernardina de Pinho, verbis:3

Ainda assim, contudo, restará ao jurista brasileiro a incômoda questão da violação do princípio da isonomia das partes no processo, vez que apenas o autor não coletivo arcará com os efeitos da coisa julgada que lhe for desfavorável. Este aparente desequilíbrio processual, contudo, talvez se justifique pelas modernas teorias sociais do direito, que inspiram muitos dos diplomas legais produzidos nessa década, em especial a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), em que se tem cada vez mais objetivado estabelecer uma igualdade real entre as partes, e não apenas formal, quando se constata a hipossuficiência de um dos litigantes em relação ao outro. Desse modo, vemos a inversão do ônus da prova a favor do consumidor nos litígios vazados sob a guarida do CDC. Do mesmo modo, então, poderíamos enxergar a questão da res judicata secundum eventum litis e in utilibus nas ações coletivas brasileiras. O direito processual moderno, portanto, face a seu escopo político-social, vem, cada vez mais, pautando sua atuação em uma releitura dos conceitos fundamentais do direito tradicional, centrado no indivíduo e nas lides exclusivamente privadas. A concepção do devido processo legal, do contraditório, da formação da coisa julgada exclusivamente inter partes deve sofrer mitigações a partir de novas exigências geradas pela mutação do direito material, e pelos novos e dinâmicos anseios sociais.” (grifos nossos).

Diante desta premissa inicial, pretende-se trazer no presente trabalho,

inovações processuais no campo da produção de provas, para permitir que esta evolução

venha ao passo de trazer o verdadeiro acesso à justiça e sua aplicação no seio processual.

Pretende-se esclarecer que o sistema atual de provas merece revisão, e, principalmente,

conceder, diante de casos concretos, um poder maior ao juiz, para que este possa garantir que

as partes estejam sempre em condições de igualdade e que estas podem ser submetidas ao

poder Estatal, inclusive no seio da determinação da produção probatória.

Pretende-se fazer um paralelo da evolução do tempo e de sociedade com o

Direito, para demonstrar que ao passo que se evoluiu dos sistemas medievais para o atual,

deve-se, hoje, portanto, inovar na legislação processual, para garantir, enfim, o que se revela 3 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A natureza jurídica do Direito Individual Homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à Justiça., Ed. Forense, 2002, p. 157/158.

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na Constituição. Nesse mister, a proposta é trazer um sistema de produção dinâmica de

provas, fazendo com que o juiz decida que a parte que melhor condição tiver para produzir

determinada prova que o faça.

1.2- A INFLUÊNCIA DO TEMPO.

Nada é mais influenciado pelo tempo do que o Direito. Se o Direito regula a

vida em sociedade, deve espelhar, portanto, a realidade de um tempo. Esta máxima sempre

foi afirmada e ensinada aos estudantes de qualquer ensino de Direito. Ocorre que algumas

leis ainda continuam em vigor quando criadas em outro momento social (outro tempo!). E, ao

intérprete, só resta utilizar a interpretação (lógico!) e o próprio sistema para adequar a

hipótese concreta ao comando legal.

Ocorre que, enquanto o Direito Material regula os direitos do cidadão, o

Direito Processual ensina a forma pela qual este Direito pode ser exercido. É como se

estivéssemos diante da criação de um jogo, estipulando suas regras (direito material), para

depois jogar (direito processual). Acontece que determinadas situações só nos são

apresentadas ao se jogar. Logo, se o próprio Direito objetivo demanda atualização, o que

falar do Direito Processual!

Com base nesta premissa, o procedimento necessariamente evolui, se

aperfeiçoa, se auto-reproduz com base nas experiências anteriores e visões do que pode advir.

Este é o tempo que não pára!

Na própria lição de François Ost, este assim afirma a importância do tempo na

introdução de seu livro “O tempo do Direito”, verbis:4

4 OST, François. O Tempo do Direito, Instituto Piaget.

20

A questão do tempo não pára de se colocar ao direito e à sociedade, entre amnistia e imprescritibilidade, medidas de urgência e desenvolvimento durável, direitos adquiridos e leis retroactivas, respeito pelo precedente e alterações da jurisprudência. Então como equilibrar estabilidade e mudança? Como fundar a memória colectiva libertando-se ao mesmo tempo de um passado traumático ou obsoleto? Como garantir o futuro por meios de regras, revendo-as ao mesmo tempo sempre que necessário? Tempo é dinheiro, diz o adágio popular. Partindo pelo contrário, da idéia de que o tempo é sentido de que se institui mais do que se ganha, este livro estabelece as condições de um tempo público, verdadeira aposta de democracia.”

Não é crível que ao estudarmos qualquer das ciências humanas não nos

deparemos com conceitos diversos sobre o mesmo tema. A diferença reside que o tempo a

transformou, mudou seu conceito. O próprio estudo do paradigma, que envolve um conjunto

de crenças que se impõe em um determinado tempo na história é revelador, ao analisarmos o

que o tempo nos apresenta.

Algumas expressões, tais como: o que é o Direito? Devem ser respondidas à

luz de determinada fase da história. Encontramos no próprio direito objetivo, especialmente

no Código Penal, conceitos jurídicos indeterminados que somente encontram respaldo com o

conceito atual (o tempo de hoje).

Não há resposta final quando se aborda sobre o tempo. O que hoje se escreve

em uma máquina computadorizada, já o foi um dia à mão, à pena e até em pedra. O que ainda

não se sabe é aonde vamos escrever no futuro? Só o tempo dirá; todavia, sabe-se que a

locomotiva do tempo eletrônico avança a mil quilômetros por hora. O que nos alenta, na

própria lição de François Ost, em sua obra “O TEMPO DO DIREITO”, é que realmente o

homem é o único ser vivo capaz de trabalhar com o tempo, verbis:5

Contudo, o homem é o único ser vivo a poder “virar a ampulheta”, só ele está em posição de se subtrair ao fluir irreversível do tempo físico ligando aquilo que, a cada instante, ameaça desligar-se.

Sabemos até que a Semiótica (estudo dos Signos da Comunicação) é universal.

Também não se olvida que a globalização vem fazendo com que o tempo aparente ser cada

5 OST, François. Op.cit. p. 30.

21

vez mais “curto”. Talvez, a maior invenção da tecnologia (em questão do tempo) seja a

Internet. Este meio de comunicação é capaz de transmitir mensagens, fotos, contratos; enfim,

qualquer sinal, imediatamente, não importa em que parte do mundo se esteja. Só por isso já

estamos conseguindo vencer o tempo, apesar de nunca conseguirmos pará-lo.

Percebe-se que a jurisprudência é a prova maior que o tempo muda às pessoas,

os pensamentos. E é exatamente isso que nos transforma em homens. Essa é a maior

grandeza do homem, ser capaz de se modificar, de se auto-reproduzir, de pensar exatamente

diferente daquilo que fizera outrora e parecia inquestionável.

Impressionante como as decisões judiciais são volúveis. Talvez não seja

problema de personalidade de seus julgadores, mas sim das experiências que cada um viveu.

Quer dizer, cada ser vivo tem um tempo próprio, são experiências que nos revelam acertos e

erros. São estas vivências que nos permitem mudar nossos comportamentos. E a resposta

mais viva disso tudo se revela quando aparece nos jornais que com a nova composição de

Ministros no Supremo Tribunal Federal poderemos ter mudanças na jurisprudência. Isto

porque estes podem ter conceitos diversos sobre temas já discutidos e examinados pelo

outros. Mas sabemos que não é apenas por isso que as coisas mudam, senão negaríamos a

condição de mutabilidade de um ser vivo. É até mais fácil que se mude diante de novas

realidades com pessoas diferentes, mas não podemos negar a condição do homem de se

modificar.

Portanto, se o tempo é fator modificativo de toda uma sociedade, não seria

diferente no aspecto das decisões judiciais.

Questão também interessante é o estudo do tempo, de uma maneira menos

matemática e sim mais poética. Porque encontramos pessoas, vivemos em sociedade, estamos

em conjunto a maior parte de nossos tempos, e sempre vamos encontrar pessoas ligadas umas

às outras de formas diferentes. E o tempo sempre presente entre elas. Algumas dizem para

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seus pares que se encontraram em tempo errado (apesar de serem pessoas certas!). Outras

afirmam que o tempo foi cruel e não tiveram tempo de fazer o que queriam. Por vezes,

encontramos pessoas que conseguem parar o tempo (da forma poética) ao se apaixonar, ao

ouvir uma bela música, ou até porque já morreram vivos e só esperam o tempo passar, para,

quem sabe, um dia viver uma vida eterna!

Nesse ponto, até a Igreja oferece alento ao afirmar que a morte não passa de

uma passagem. Quer dizer, estamos de passagem nesta vida, onde a cada dia o tempo nos tira

um dia para no final computarmos todos os dias do mundo como o presente da vida. Não

seria melhor viver com a crença de que a cada dia ganhamos um dia para que um dia

possamos dizer que valeu a pena viver! E se vamos ganhar ou não uma vida eterna também

não podemos por ora saber, da mesma forma que não podemos afirmar quando tudo começou

e quando tudo vai parar. Só podemos afirmar que não fomos os primeiros e nem seremos os

últimos a compartilhar emoções, experiências e, principalmente, indagações sobre o por quê

disso tudo?

Mais interessante ainda é o conceito de tempo, para fins jurídicos. Sabe-se que

o próprio conceito de processo, que deriva da expressão latina “pro cedere” (ir adiante) é uma

forma de romper com o tempo. De todas as mazelas do Poder Judiciário, mais do que suposta

prática de desvio de conduta tantas vezes articulada na imprensa, é a morosidade do trâmite

processual. Morosidade esta que sempre foi abraçada à luz de conceitos que expressam que

somente se faz justiça se a parte tiver tempo para se defender. Ora, e quantas vezes o objetivo

percebido em algumas ações não é exatamente procrastinar o feito, quer dizer, fazer com que

o tempo passe sem a resposta jurisdicional. Isto acontece porque para alguns é mais

interessante “ganhar tempo” do que a demanda.

Mais fácil é a compreensão do sistema norte-americano, onde a Constituição

americana está lá escrita desde os primórdios daquela civilização. Porém, o estudo dos casos

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é visto de acordo com o tempo atual. Aqui no Brasil, não é diferente quando estudamos a

jurisprudência de nossos Tribunais. E até mesmo, na mesma atualidade, em Estados diversos.

As decisões há cem anos são hoje totalmente desprovidas de razoabilidade. A

propósito veja-se a questão do adultério. Mas em relação ao próprio adultério, como seria

enfrentada esta questão em uma cidade pequena do interior de Alagoas e aqui no Rio de

Janeiro? Sem falar em países cuja religião (ela outra vez) impõe comportamentos muito mais

gravosos nesses casos. Todavia, a despeito de qualquer consideração, o adultério já deixou de

ser crime!

A própria prescrição nos mostra que o Direito não socorre a quem dorme. Não

é possível que se deixe uma espada de Dâmocles na cabeça de uma pessoa, à espera do tempo.

O tempo é infiel para quem dele abuse.

A expressão “tempus regict actum”, revela que o tempo é o senhor da razão,

mesmo que venha tarde, ele veio e, a partir do momento de sua chegada, ele passa a valer.

Não é à toa que encontramos em todas as regras processuais do mundo, prazos

peremptórios, fatais, que se a parte os perder simplesmente perdeu e não voltará mais a

conseguí-lo.

Daí vem a nostalgia, a melancolia, e passamos novamente para o campo da

filosofia. O que é o tempo? Por quê nunca conseguimos nos conformar com este? Por quê

este é tido como cruel? Será que o espaço e o tempo caminham sempre juntos quanto ao

modo de surpreender os mestres?

Nunca saberemos a resposta (ou saberemos?). Já vivenciamos em filmes de

cinemas experiências interessantes em que homens conseguem fabricar a máquina do tempo.

Algo que parece (hoje) inimaginável, a não ser pela mente de quem sonha. Nas máquinas do

tempo, o homem escolhe se quer ir para o futuro ou voltar para o passado. No próprio filme

do cinema a questão sobre o tempo é de difícil compreensão, porque voltar ao passado e

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modificá-lo, como ficaria o futuro se modificarmos o que está lá atrás? Mas para o futuro

tudo é possível, porque não sabemos como será. Só nos resta viver o presente, como um belo

presente que nos é dado todos os dias.

Por fim, para ilustrar o tema, reproduz-se os dizeres sobre o tempo na obra

“Teoria Geral do Direito Civil” do Professor José Maria Leoni Lopes de Oliveira, eminente

civilista, quando do estudo da prescrição, verbis:6

“ O tempo é inexorável. Corre sem parar, influenciando a vida do homem dia-a-dia. Há um texto, cuja autoria desconheço, que nos faz pensar no tempo e sua influência: imagine que você tenha uma conta corrente e a cada manhã acorde com um saldo de oitenta e seis mil e quatrocentos reais. Só que não é permitido transferir o saldo do dia para o dia seguinte. Todas as noites, o seu saldo é zerado, mesmo que você não tenha conseguido gastá-lo durante o dia. O que você faz? Ira gastar cada centavo, é claro! Todos nós somos clientes deste banco de que estamos falando. Chama-se tempo. Toda manhã, são creditados a cada um oitenta e seis mil e quatrocentos segundos. Toda noite o saldo é debitado como perda. Não é permitido acumular o saldo para o dia seguinte. Todas as manhãs, a sua conta é reiniciada e todas as noites as sobras do dia se evaporam. Não há volta, você precisa gastar vivendo no presente o seu depósito diário. Invista, então, no que for melhor: saúde, felicidade e sucesso! O relógio do tempo está correndo. Faça o melhor para o seu dia-a-dia. Para você perceber o valor de um ano, pergunte a um estudante que repetiu o ano. Para perceber o valor de um mês, pergunte a uma mãe que teve o seu bebê prematuramente. Para perceber o valor de uma hora, pergunte aos amantes que estão esperando para se encontrar. Para perceber o valor de um minuto, pergunte a uma pessoa que perdeu o trem. Para perceber o valor de um segundo, pergunte a uma pessoa que conseguiu evitar um acidente. Para perceber o valor de um milésimo de segundo, pergunte a alguém que ganhou uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos. Lembre-se, o tempo não espera por ninguém. O ontem é história. O amanhã é um mistério. O hoje é uma dádiva. Por isso é chamado de presente.”

Não há como se esgotar, “em um curto espaço de tempo”, qualquer resposta

sobre o tempo. A proposta deste tema é apenas uma reflexão quanto ao tema que nos revela

instigador e acima de tudo fascinante. Se lembrarmos do passado, podemos verificar como as

coisas mudaram, como os homens mudaram. Se pensarmos que tudo isso foi conseqüência

dos próprios homens, chegamos à conclusão de que nunca seremos competentes o suficiente

para parar o tempo. E está aí a grande dádiva de Deus! O tempo não é para ser parado e sim

6 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil, 2º vol, 1999. Ed. Lumen Juris. p.1013 et seq.

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para correr e levar nesta corrida todas as realidades, sonhos, pensamentos, enfim, tudo que é

vivo, porque a maior prova de vida é que o tempo passa e o prazer de viver o tempo continua

presente, como um presente divino. Presente nos seus dois sentidos mais reais, o de brinde e o

de hoje.

Nessa idéia, percebe-se a imperiosa necessidade de adequação do sistema à

atualidade. As leis se aperfeiçoam no sentido de que passam a regular as situações presentes e

não mais o descompasso entre norma e situação distantes no tempo. Logo, se os

mandamentos constitucionais passam a preservar um valor maior ao Direito, é de se pensar

que o faça também no curso do processo.

1.3. A PROVA E A CONSTITUIÇÃO

Após a introdução no sistema social às novas temáticas da Filosofia e

Sociologia do Direito contemporâneo, principalmente a partir do enfoque da Teoria dos

Sistemas Sociais, pôde-se compreender e aprofundar algumas regras, tais como o conceito de

Sistema, de complexidade, do tempo, do paradoxo, do risco, da globalização e da autopoiesis.

Nesse contexto, fazia-se necessária a normatização desse sistema, que se forma pela

Constituição, que deve ser, portanto, no caso, uma Constituição social, dirigente e

compromissária.

Nessa linha de raciocínio, pesquisa-se se esta Constituição conseguirá obter um

mínimo de efetividade a que se pretende. Sabe-se que a jurisdição constitucional ainda não

atingiu o ideal do que dela se espera. O que devemos examinar é o porquê desta limitação

material. Será pela cultura jurídica brasileira ou por que há dificuldade de aplicação do

próprio sistema?

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No caso, passa-se a analisar a produção das provas no Direito Processual na

esteira do mandamento constitucional (do acesso à justiça), que ainda não atingiu o ideal

esperado, seja pela inércia dos agentes responsáveis pelas funções legislativas e executivas,

ou pelo fato das leis não acompanharem a evolução social. Historicamente sabe-se que

quando quem detém parcela de um poder não o exerce, automaticamente o transfere a outro.

Nesse sentido, a lição de Lenio Luiz Streck, em Jurisdição Constitucional e

Hermenêutica, verbis:7

Por isso, é possível sustentar que, no Estado Democrático de Direito, em face do caráter compromissário dos textos constitucionais e da noção de força normativa da Constituição, ocorre, por vezes, um sensível deslocamento do centro de decisões do Legislativo e do Executivo para o plano da jurisdição constitucional. Isto porque, se com o advento do Estado Social e o papel fortemente intervencionista do Estado o foco de poder/tensão passou para o Poder Executivo, no Estado Democrático de Direito há (ou deveria haver) uma modificação desse perfil. Inércias do Poder Executivo e falta de atuação do Poder Legislativo podem ser supridas pela atuação do Poder Judiciário, justamente mediante a utilização dos mecanismos jurídicos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito.

Portanto, o que se pretende tem por fim abordar a questão sobre a necessária

evolução do sistema probatório diante desta realidade, ora paradoxal ora incongruente. Desta

forma, há uma interação com o tempo. O que outrora se espelhava simplesmente em uma

teoria normativa, hoje demanda uma maior intervenção, a fim de lhe dar seu objetivo e

finalidade. A própria Constituição da República estabelece que são admitidas no processo

todas as provas desde que não sejam ilícitas. Todavia, não faz menção ao que seja prova

ilícita, ilegítima ou sequer pondera interesses contrapostos. A uma leitura simples, parece ser

ilícita toda prova que não se conforma com o ordenamento jurídico. Não se nega tal

qualidade, ocorre que situações processuais devem ser analisadas de forma diferente,

tratando-se de buscar a verdade real e não tratando o processo como um simples instrumento

frio e necessário ao fim proposto.

7 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Ed. Forense, 2ª edição, 2004, p.19.

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Do que foi exposto, já se percebe a necessidade da criação de normas de

conduta, não só para evitar o sistema injusto da época medieval, mas também para garantir

uma forma de harmonizar a vida em coletivo, e para isso, somente com um sistema normativo

se ensejaria à desejada democracia.

1.4 – A “BAIXA CONSTITUCIONALIDADE”

Vê-se que o sistema constitucional não pode ser examinado fora do paradigma

fenomenológico-hermenêutico. As regras emanadas pela Constituição devem servir aos

anseios da sociedade e, principalmente, aos fins propostos. Não se pode partir da premissa

equivocada de que a decisão vem primeiro que a fundamentação, v.g.. Além disso, se

determinada regra não for efetivada, passa-se a ser inefetiva e, pior, atrasa o sistema

constitucional ao status de norma maior.

No sentido da baixa constitucionalidade e o sintoma na inefetividade da

Constituição, por LENIO LUIZ STRECK, verbis:8

É preciso ter claro, desde logo, que diferentemente de outras disciplinas (ou ciências), o Direito possui uma especificidade, que reside na relevante circunstância de que a interpretação de um texto normativo – que sempre ex-surgirá como norma – depende de sua conformidade com um texto de validade superior. Trata-se da Constituição, que, mais do que um texto que é condição de possibilidade hermenêutica de outro texto, é um fenômeno construído historicamente como produto de um pacto constituinte, enquanto explicitação do contrato social. A tradição nos lega vários sentidos de Constituição. Contemporaneamente, a evolução histórica do constitucionalismo no mundo (mormente no continente europeu) coloca-nos à disposição a noção de Constituição enquanto detentora de uma força normativa, dirigente, programática e compromissária, pois é exatamente a partir da compreensão desse fenômeno que poderemos dar sentido à relação Constituição-Estado-Sociedade no Brasil, por exemplo. Mais do que isso, é do sentido que temos de Constituição que dependerá o processo de interpretação dos textos normativos do sistema.

Desse modo, sendo um texto jurídico (cujo sentido, repita-se, estará sempre contido em uma norma que é produto de uma atribuição de sentido) válido tão-somente se estiver em conformidade com a Constituição, a aferição dessa conformidade exige uma pré-compreensão (Vorverständnis) acerca do sentido de (e da) Constituição, que já se encontra, em face do processo de antecipação de sentido,

8 STRECK, Lenio Luiz. op. cit., p. 208.

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numa co-pertença entre “faticidade-historicidade do intérprete e Constituição-texto infraconstitucional”. Não se interpreta, sob hipótese alguma, um texto jurídico (um dispositivo, uma lei, etc) desvinculado da antecipação de sentido representado pelo sentido que o intérprete tem da Constituição. Ou seja, o intérprete não interpreta por partes, como que a repetir as fases da hermenêutica clássica: primeiro compreende, depois interpreta, para finalmente, aplicar.

... Nesse contexto, é possível (e necessário) desmi(s)tificar a tese

corrente no senso comum teórico dos juristas (habitus), de que o juiz primeiro decide e depois justifica/fundamenta sua decisão. Hermeneuticamente, é razoável afirmar, a partir da Nova Crítica do Direito cujas raízes são aqui fincadas, que o julgador não decide para depois buscar a fundamentação; ao contrário, ele só decide porque já encontrou o fundamento. O fundamento, no caso, é condição de possibilidade para a decisão tomada.

... A partir disso, é possível afirmar que, no campo jurídico brasileiro,

esses pré-juízos, calcados em uma história que tem relegado o direito constitucional a um plano secundário, constituindo-se em algo que se pode denominar de “baixa constitucionalidade”, que, hermeneuticamente, estabelece o limite do sentido e o sentido do limite de o jurista dizer o Direito, impedindo, conseqüentemente, a manifestação do ser (do Direito). Um dos fatores que colabo(ra)ram para a pouca importância que se dá à Constituição deve-se ao fato de que as Constituições brasileiras, até o advento da atual, sempre haviam deixado ao legislador a tarefa de fazer efetivos os valores, direitos ou objetivos materiais contidos no texto constitucional, que, com isso, se transformava, porque assim era entendida, em mero programa, uma mera lista de propósitos.”

Da idéia do texto já se retira a importância da (in)efetividade das normas

constitucionais. De que vale uma norma estruturante calcada em dissonância com o que

pensa o intérprete. Há uma evidente crise entre realidade social e texto constitucional. Na

ausência de coerência legislativa passa ao Judiciário o munus da pacificação real. Nesse

sentido, a Constituição passa a ser uma diretriz, com diversas ressalvas jurisprudenciais, com

fundamento na proporcionalidade, razoabilidade e efetividade. E a jurisprudência retorna ao

sistema como forma de regra, apoiada mais nas decisões judiciais do que na Constituição.

Nesse sentido, não adianta uma norma constitucional definir o princípio da

inafastabilidade do acesso à justiça, princípio do controle judicial, se aliado ao devido

processo legal não for possível trazer a efetividade deste processo porque o sistema probatório

legal não permite o referido acesso.

Deve se buscar o máximo alcance constitucional desta regra de conduta, sob

pena de inaplicabilidade da referida norma legal.

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A Constituição traz diversos princípios processuais (constitucionais, portanto)

que devem ser analisados sob um enfoque mais real. Ao se garantir o princípio da isonomia

processual, deve ser analisada não apenas a parte formal mas sim material, verdadeira matriz

do significado do princípio. De nada adianta ao julgador manter a desigualdade inicial sob a

pecha da alegada isonomia. A isonomia deve vir no iter processual, pois esta deve ser

oferecida a quem está diante do julgador.

O novo princípio da tempestividade da tutela jurisdicional, introduzido ao

artigo 5º, LXXVIII, da CR, revela o anseio da sociedade por um sistema processual distinto,

que alie tempo razoável de duração de um processo e meios para tanto.

Todos esses ditames constitucionais devem ser analisados sob o enfoque da

efetividade, senão seriam apenas diretrizes inócuas ou utópicas, assim como tantas outras que

existem. Desta forma o direito à prova está inserido no contexto do direito constitucional à

efetividade da tutela jurisdicional.

1.5 – O ESTADO E A SOCIEDADE

Nessa linha de pesquisa, é curial a noção prévia de Estado e de sociedade. Se

se pretende modificar o sistema legislativo, adequando a realidade ao seu tempo, dispondo

sobre o que a sociedade anseia da justiça, de sua efetividade, é premissa básica o conceito do

que seja o Estado e a sociedade.

Sobre o tema, assim se pronunciou Darcy Azambuja, verbis:9

No mundo moderno, o homem, desde que nasce e durante toda a existência, faz parte, simultânea ou sucessivamente, de diversas instituições ou sociedades, formadas por indivíduos ligados pelo parentesco, por interesses materiais ou por objetivos espirituais. Elas têm por fim assegurar ao homem o desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e intelectuais, e para isso lhe impõem certas normas, sancionadas pelo costume, a moral ou a lei.

9 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado, 30ª ed., Ed. Globo,1993, p.2.

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A primeira em importância, a sociedade natural por excelência, é a família, que o alimenta, protege e educa. As sociedades de natureza religiosa, ou Igrejas, a escola, a Universidade, são outras tantas instituições em que ele ingressa; depois de adulto, passa ainda a fazer parte de outras organizações, algumas criadas por ele mesmo, com fins econômicos, profissionais, ou simplesmente morais: empresas comerciais, institutos científicos, sindicatos, clubes, etc. O conjunto desses grupos sociais forma a Sociedade propriamente dita. Mas, ainda tomado neste sentido geral, a extensão e a compreensão do termo sociedade variam, podendo abranger os grupos sociais de uma cidade, de um país ou de todos os países, e, neste caso, é a sociedade humana, a humanidade. Além destas, há uma sociedade, mais vasta do que a família, menos extensa do que as diversas Igrejas e a humanidade, mas tendo sobre as outras, uma proeminência que decorre da obrigatoriedade dos laços com que envolve o indivíduo; é a sociedade política, o Estado. Os grupos humanos, a que aludimos, são sociedades, porém nem todos os grupos humanos formam uma sociedade. Na acepção científica do termo, sociedade é ‘ uma coletividade de indivíduos reunidos e organizados para alcançar uma finalidade comum’ (Giddings – Príncipes de Sociolige, págs. 1 e 3). Supõe organização permanente e objetivo comum. Por isso, uma multidão, a platéia de um teatro, etc. não são sociedades; pois ainda que se lhes reconheça um efêmero objetivo comum, não têm no entanto organização, nem são permanentes. ... O Estado, portanto, é uma sociedade, pois se constitui essencialmente de um grupo de indivíduos unidos e organizados permanentemente para realizar um objetivo comum. E se denomina sociedade política, porque, tendo sua organização determinada por normas de Direito positivo, é hierarquizada na forma de governantes e governados e tem uma finalidade própria, o bem público.

Do que se extrai do texto, o atual Estado brasileiro, assim como sua sociedade,

espera pela efetividade das normas constitucionais e infraconstitucionais. Espera-se à

aplicação do Direito aos casos concretos decidindo a controvérsia de forma justa, eficaz e

atual. Anos se passaram e os grandes “barões” do Império à elite da República conseguiram

monopolizar a construção das leis e do imaginário coletivo quanto à idéia de justiça deste

País.

Anos se passaram e as Cortes de Justiça não conseguiram se distanciar daquele

modelo pré-concebido. Acontece que o “tempo” avançou, da mesma forma que aquele

modelo perde seu parâmetro para que outro seja construído. E assim foi feito. A Constituição

de 1988, apesar de distante da plena efetividade pretendida, caminhou para isso. Deu um

grande passo na história. Novos mandamentos constitucionais foram inseridos, novas Cortes

de Justiça foram criadas e novos parâmetros adotados. Hoje, nossa sociedade é bem mais

ávida por justiça (feita pelo Judiciário) do que outrora. Hodiernamente pode-se imaginar

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qualquer pessoa buscando seus Direitos e os conhecendo em diversos programas de televisão,

rádio e até por experiências vividas.

Um grande passo para esta mudança foi a criação dos Juizados Especiais, que

visavam a uma diminuição de processos em Varas Cíveis comuns e, apesar de infrutífera esta

tentativa, conseguiram atingir outra meta muito maior, que foi a aproximação entre Justiça e

população.

A importância deste primeiro passo foi “convidar” à população a esta nova

experiência de sociedade e após a aceitação desta, deve-se buscar agora respeitá-la, dando-lhe

efetividade e não ilusões.

Desta idéia, o processo como meio de pacificação social, também deve

acompanhar o anseio desta nova sociedade.

Logo, uma nova Constituição, por um modelo de constituinte originária, já

demonstra o perfil constitucional de uma nação.

1.6 O INÍCIO DO PODER REGULAMENTADOR

Na lição de Alexandre de Moraes, “O Poder Constituinte é a manifestação

soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado”10.

A idéia da existência de um poder com força de gerar a Constituição e, de

quebra, os Poderes gerados ou criados pela Constituição, ainda que só haja se valorizado a

partir do século XVIII, os Gregos, ainda nos momentos mais recuados da história, já tinham

pensado nisso, através de Aristóteles na sua obra “A Política”. Os gregos, naquele tempo,

faziam distinção entre o que se entendia por norma estruturadora do Estado, em oposição às

outras normas.

10 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 5ª edição, Ed. Atlas, 1999, p. 51.

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Essas normas estruturadoras do Estado eram exatamente aquelas que traduziam

a base da orientação jurídica ao Estado Grego. E eram compostas da vocação democrática e

libertária dos gregos naquele tempo, e eram pregadas em praça pública, nas ágoras. Nas suas

assembléias gerais eles levantavam a mão compondo uma manifestação soberana, de um

poder emanado sobre o povo, de algo constituído, exatamente as suas normas estruturadoras,

traduzindo a existência de um Estado Grego.

Em oposição àquelas normas que Aristóteles alinhou, existiam outras normas,

que não as estruturadoras. Essas outras normas não eram estruturantes da organização

política, eram apenas normas que presidiam os relacionamentos entre gregos, ou entre as

pessoas nacionais, diante da pronta orientação política do Estado. Essas não eram compostas

pela vocação soberana do povo, expressadas nas praças públicas, mas eram editadas e

promulgadas pela manifestação dos Poderes gerados pela orientação do próprio Estado.

Portanto, há uma edificação muito clara entre normatização estruturante da

ordem jurídica do Estado e aquelas normas que vão compor, preencher, exatamente aquele

vazio que há no seio interno, no meio dessas normas estruturantes do Estado, que são as

normas ordinárias. As primeiras são as normas de ordem pública, constitucionais,

estruturantes da organização política do Estado, porque o que a Constituição faz é estruturar

fundamentalmente o Estado, estabelecendo uma ordem jurídica fundamental, em oposição às

normas que são inferiores às estruturais, chamadas de normas ordinárias de direito civil,

penal, administrativo, etc.

Os romanos que dividiram com os gregos o destino da Antigüidade, também

estabeleciam a diferença entre essas normas estruturantes e normas não estruturantes. Eles

tinham um conjunto de normas estruturantes do Estado que só podiam ser alteradas através da

obra de magistrados extraordinários. As Constituições tinham uma característica própria e

esse conjunto de normas estruturantes da ordem jurídica das cívitas romanas (as pólis gregas e

33

as cívitas romanas) e geraram o aparecimento da expressão que hoje denominamos

Constituição.

Quem primeiro idealizou acerca do poder constituinte foi o padre francês

Emanuel Sieyès que, no momento que antecedeu a deflagração da Revolução Francesa, em

fevereiro de 1789, publicou um panfleto revolucionário intitulado “O Terceiro Estado”.

A França feudal (pré-revolucionária) estava dividida em três grupamentos

sociais: o clero, a monarquia e a burguesia (do povo). Na primeira parte de “O Terceiro

Estado”, Sieyès faz uma diagnose sóciopolítica e econômica da França daquela época, e chega

à conclusão que os dois estamentos, o clero e a realeza, viviam de braços cruzados e

ostentavam todos os privilégios da França pré-revolucionária (feudal). Ele chega a dizer que a

burguesia se encarregava de todos os trabalhos primários: agricultura, comércio, indústria,

atividades científicas, corporações, etc., e ostentavam quase todas as funções públicas, exceto

aquelas de maior rentabilidade e de maior significado social, porque estas eram exercitadas,

exatamente, pelos representantes dos outros dois estamentos privilegiados. Ele exalta a

burguesia, mesmo sendo padre, pertencendo ao estamento clerical.

Na segunda parte do panfleto, ele estabelece uma distinção entre aquilo que

denominou de o Poder Constituinte, fazendo oposição ao que chamou de O Poder

Constituído. À primeira vista é possível estabelecer uma distinção, ao menos de natureza

temporal, entre aquilo que cria e gera, que é o poder constituinte e aquilo que é gerado, que é

o poder constituído.

O nosso direito, para teorizar acerca do poder constituinte, partiu da idéia de

Nação. A Nação é um complexo social destituído de organização política porque o dia em que

a Nação for sagrada uma organização política, ela deixa de ser Nação e passa a ser Estado. A

doutrina diz, inclusive, que o Estado é a Nação juridicamente organizada. Essa Nação é um

complexo social inteirado por laços evidentemente subjetivos: interesses permanentes de

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religião, de língua; enfim, de natureza subjetiva, que são capazes de unir as pessoas. No

momento em que a Nação for sagrada como organização política, que indica a Constituição,

vai, como se num passe de mágica, a Nação se transformar em Estado.

Se na Constituição brotaram os Poderes constituídos ou instituídos que são

todos os Poderes infraconstitucionais, porque estão no seu interior, é rigorosamente lógico

que a Constituição não possa ser produto de nenhum desses Poderes. Então a Constituição só

pode ser produto de um Poder que a antecede e esse Poder é o Poder Constituinte.

Nesse sentido, deve a Constituição, como espelho desse Poder Constituinte,

revelar os anseios do Estado. Ao se introduzir na Constituição de 1998 o direito ao devido

processo legal, proibidas as provas obtidas por meio ilícito ou ilegítimo quer demonstrar o

grau de maturidade e responsabilidade exigido para a edição de leis posteriores. Todavia,

nada impede que estas busquem a verdadeira efetividade daquela pretensão mandamental.

Logo, necessita-se previamente expor, de forma sucinta e breve, uma visão da

influência do Poder Constituinte nas relações entre o Estado e os seus cidadãos, bem como

analisar o que seja este Poder Constituinte, sua origem e forma.

Desta forma, não há dúvida alguma em afirmar o que é Estado e quais são seus

objetivos. Difícil será o estudo interno da soberania deste Estado diante de uma nova

realidade globalizada, onde teremos organismos supranacionais, entidades que englobam

diversos Estados individualmente considerados e precisam respeitar leis supranacionais.

Todavia, não fugimos dos outros elementos essenciais do Estado, como o povo e a nação. Até

porque para esses é que são dirigidas as regras de conduta, na essência.

Outra visão necessária (e também prévia) é distinguir a noção de Estado

Democrático, v.g., com o conceito de Estado Constitucional, uma vez que apesar de fulcrados

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nos mesmos princípios, sua destinação é diferente. Nesse sentido, ilustro com as palavras de

Dalmo de Abreu Dallari, verbis:11

O Estado Constitucional, no sentido de Estado enquadrado num sistema normativo fundamental, é uma criação moderna, tendo surgido paralelamente ao Estado Democrático e, em parte, sob a influência dos mesmos princípios. Os constitucionalistas, que estudam em profundidade o problema da origem das constituições, apontam manifestações esparsas, semelhantes, sob certos aspectos, às que se verificam no Estado Constitucional moderno, em alguns povos da Antigüidade. Assim é que LOEWENSTEIN sustenta que os hebreus foram os primeiros a praticar o constitucionalismo, enquanto que ANDRÉ HAURIOU é absolutamente categórico ao afirmar que ‘ o berço do Direito Constitucional se encontra no Mediterrâneo oriental e, mais precisamente na Grécia’, havendo ainda quem dê primazia ao Egito. Entretanto, o próprio HAURIOU fala no ‘caráter ocidental do Direito Constitucional’, explicando como todos os que admitem o constitucionalismo na Antiguidade, que, com a queda de Roma, houve um hiato constitucional, que só iria terminar com o Estado moderno. Em conclusão, pois, o constitucionalismo, assim como a moderna democracia, tem suas raízes no desmoronamento do sistema medieval, passando por uma fase de evolução que iria culminar no século XVIII, quando surgem os documentos legislativos a que se deu o nome de Constituição.

Do que foi exposto acima, já se percebe a necessidade da criação de normas de

conduta, não só para evitar o sistema injusto da época medieval, mas também para garantir

uma forma de harmonizar a vida em comum, e para isso, somente com um sistema normativo

fechado se ensejaria a desejada democracia. Nesse sentido, afirma o mestre Jorge Miranda,

citado por Alexandre de Moraes, verbis:12

Jorge Miranda define o Direito Constitucional como ‘ a parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado, enquanto comunidade e enquanto poder. É o conjunto de normas (disposições e princípios) que recordam o contexto jurídico correspondente à comunidade política como um todo e aí situam os indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder e que, ao mesmo tempo, definem a titularidade do poder, os modos de formação e manifestação da vontade política, os órgãos de que esta carece e os actos em que se contrectiza’.

Continua Alexandre de Moraes afirmando o conceito de Constituição, verbis:13

Constituição, lato sensu, é o ato de constituir, de estabelecer, de firmar; ou, ainda, o modo pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de pessoas; organização, formação. Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à

11 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, p.168. 12 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 5ª edição, Ed. Atlas, 1999, p. 34 et seq. 13 MORAES, Alexandre de, op. cit. p. 34.

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estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas.

Portanto, após prefacial análise do Constitucionalismo, que demonstra a

necessidade de uma Constituição para um povo, é preciso estabelecer de que forma cria-se (ou

modifica-se) uma nova realidade jurídica fundamental de um Estado.

O Estado se auto-instituiu através de Constituições próprias. É através do

poder constituinte derivado decorrente institucionalizador que se vai institucionalizar o

Estado, estabelecendo a estrutura da Constituição Estadual, da mesma forma que o poder

constituinte originário vai estabelecer a estrutura da Constituição da República.

Tanto a alteração da Constituição, quanto a organização do Estado, estão

contidas na Constituição. O poder constituinte originário está fora do Estado, em uma situação

pré-constitucional (ele não reside ao tempo do Estado, mas ao tempo da Nação) e o poder

constituinte derivado ele é infraconstitucional.

1-7- SITUAÇÃO CONSTITUINTE.

Na lição do professor José Afonso da Silva, em sua obra “Poder Constituinte e

Poder Popular”, este já afirmava em 1984, verbis:14

situação constituinte, situação que se caracteriza pela necessidade de criação de normas fundamentais, consagradoras de nova idéia de direito, informada pelo princípio da justiça social, em substituição ao sistema autoritário que nos vem regendo há vinte anos. Aquele espírito do povo, que transmuda em vontade social, que dá integração à comunidade política, já se despertara irremissivelmente, como sempre acontece nos momentos históricos de transição, em que o povo reivindica e retoma o seu direito fundamental primeiro, qual seja, o de manifestar-se sobre a existência política da Nação e sobre o modo desta existência, pelo exercício do poder constituinte originário, mediante uma Assembléia Nacional Constituinte. E se esta é que cabe decidir da forma e conteúdo de uma nova Constituição democrática, cumpre que se estabeleça, desde logo, um amplo debate sobre essa temática, a fim de que os

14 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular, 1ª edição, 2ª tiragem, Malheiros Ed., 2002, p.19.

37

eleitores se conscientizem para a escolha de constituintes que se comprometam com as suas aspirações mais sentidas.

Seguindo esta linha de raciocínio, e tendo uma visão histórica, devemos nos

perguntar se a atual conjuntura constitucional se reflete em um novo período de “situação

constituinte” ou estamos exatamente no sentido contrário (e em direção à democracia). Para

os pessimistas, tudo pode parecer, à primeira vista, uma situação constituinte. Até porque não

faltam exemplos diários. Todavia, exemplos estes que só chegam aos nossos conhecimentos

por força da democracia implantada no País, isto ninguém pode negar. A questão sempre será

a ponderação entre os interesses de determinados grupos, que, invariavelmente, estarão

defendendo interesses contrapostos. Porém, a situação hoje é bem distinta daquela de 1984

em que deveria haver um rompimento do sistema para implantação de outro. Hoje, não! O

sistema é esse e deve continuar (se aperfeiçoando cada vez mais). Logo, devemos aprender a

utilizar o poder constituinte derivado, ao passo de que o poder constituinte originário deveria

ser estudo histórico ou utilizado apenas para mudanças que fortalecessem cada vez mais a

democracia. Que assim seja!

1.8 - O SISTEMA AUTOPOIÉTICO DO DIREITO

38

Quanto ao presente tema, é brilhante o exposto no trabalho do professor Leonel

Severo Rocha, na primeira parte da obra “Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do

Direito”15, que expõe sobre a autopoiese como uma nova matriz teórica.

Enquanto na matriz normativa, que ainda contém uma grande parte de adeptos,

tem-se um sistema restrito, na matriz social e política, há uma maior interpretação dos

Operadores do Direito.

Na visão da matriz autopoiética a sociedade é autopoiese! As questões sobre o

que é sociedade? Em que sociedade estou? São temas que sempre permitiram uma gama

enorme de teorias. O importante, porém, é levar sempre a noção da história e saber que o

ensino do direito, v.g., tem que ser interdisciplinar.

A expressão autopoiese vem da biologia, no sentido de autoprodução,

autogeração. (poiesis=produção / auto=própria). Que dizer, ele mesmo se gera. Aí está a

grande diferença do sistema proposto para os demais.

O professor (na verdade técnico de biologia) MATURANA16, trouxe grande

experiência para o tema, na oportunidade que trabalha com a questão da observação. Na

verdade, toda observação é subjetiva. Os sistemas hodiernos são muito sofisticados. O

médico VON FORSTER17, por exemplo, traz a questão do ponto cego dentro do globo ocular.

Surge o paradoxo como centro da atenção. Neste caso, somente por causa do ponto cego que

temos é que nos é possível a visão. Sendo que nós mesmos não conseguimos ver este ponto

cego, por isto o nome; porém, ele é que permite que possamos ver e, também, só pode ser

visto pelos outros.

O conceito de que somos máquinas que estamos nos desgastando a cada dia

traz também uma necessária constatação de que é necessário ao ser humano a experiência de

um ambiente. Veja que todo ser humano tem autonomia, porém precisa de um ambiente para 15 ROCHA, Leonel Severo. Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito. 1ª ed. , 2004. 16 ROCHA, Leonel Severo. Sociologia Jurídica. 2004. Notas de aula 17 ROCHA, Leonel Severo. Sociologia Jurídica. 2004. Notas de aula

39

se desenvolver. Nesse sentido, a visão de autopoiesis é exatamente esta sintonia necessária,

esta relação necessária ao sistema. Ao mesmo tempo não se foge do paradoxo da idéia de

complexidade.

O jurista e sociólogo NIKLAS LUHMANN18, já afirmava que pensar

sociedade é buscar obter outros setores de conhecimento. Há três grandes sistemas. O

biológico, o da consciência e o social. O primeiro refere-se à vida. O segundo ao pensamento

do homem e o terceiro à comunicação. Nesse passo, SOCIEDADE É COMUNICAÇÃO. É

este terceiro sistema que nos interessa. Este é o tema da sociologia.

O homem está fora do sistema social, porque cada um desses sistemas tem seu

ambiente. Só que o homem é ambiente dos três sistemas. O homem é o único que pode

reunir os três elementos em si.

O Direito se preocupa com sua auto-descrição (escritura), o que se observa é a

sentença (e não a pessoa do juiz). Nesse caso o Direito é forma de comunicação. É o que se

chama de Direito “simbolicamente generalizado”. O Direito pretende comunicar-se com toda

a população.

A idéia de que o Direito tem uma FORMA e UNIDADE é crucial para o

estudo do tema. A forma vem da matemática, que foi a ciência que conseguiu trazer o

conceito de unidade e separar, individualizando, cada item com sua escritura. Sabemos contar

e escrever as unidades, separando-as das demais. Podemos afirmar, por exemplo, que só

existe o “5”, porque está em um contexto onde existe o “4” e o “6” e os demais signos.

Podemos afirmar que só existe o gordo porque temos o magro (ou os não gordos).

Podemos, então, afirmar que o Direito é a unidade da diferença entre o Direito

e o Não Direito. É um paradoxo. É uma questão de decidir.

18 ROCHA, Leonel Severo. Sociologia Jurídica. 2004. Notas de aula

40

Toda decisão de um caso difícil é enfrentar um paradoxo. O Direito jurisdiciza

o problema. O que antes era um problema individual passa a ser um problema do Direito.

A autopoiesis é um Direito que tem dois lados, sendo um contrário ao outro

(que é a forma). Nesse sentido temos o exemplo do caso da interrupção da gravidez de feto

anencefálico que já foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal. É o exemplo das duas

possíveis decisões aplicáveis ao caso (ou se admite ou não!). O que é o Direito? O que é o

não Direito? Qual a decisão que vai ser (ou será) proferida e passará a ser parte do próprio

sistema? Esta é a autopoiesis!

O Código do Direito no sistema normativo é fechado. É um sistema que se

apóia na hierarquia e na validade das normas. Já nos sistemas sociais e políticos é um sistema

aberto. Na autopoiesis todo sistema é fechado e aberto ao mesmo tempo. Além disso, o

Direito tem uma programação condicional. Só é Direito aquilo que está previsto no Direito

(princípio da legalidade). E, simultaneamente, existe um fechamento operacional. Qualquer

decisão judicial proferida passa a ser integrante deste sistema. O tema retorna para a

programação condicional.

Espera-se que com esta evolução social natural, possamos entender melhor e

aplicar melhor às decisões judiciais a necessária complexidade do tema, entendendo que o

paradoxo é integrante do sistema autopoiético.

CAPÍTULO 2 – A PROVA

41

2.1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS

É de fácil compreensão, e até por várias vezes repetidas nas obras literárias de

Direito Processual sobre processo, que:

enquanto o processo de execução é voltado para a satisfação do direito do credor e atua sobre bens, o processo de conhecimento tem como objeto as provas dos fatos alegados pelos litigantes, de cuja apreciação o juiz deverá definir a solução jurídica para o litígio estabelecido entre as partes.19

O professor Vicente Greco Filho, assim conceitua a prova, verbis:

A prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém. No processo, a prova é todo meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação de fato. A palavra “prova” é originária do latim probatio, que por sua vez emana do verbo probare, com o significado de examinar, persuadir, demonstrar. 20

O ilustre processualista, citando Liebman, continua o texto afirmando sobre a

finalidade da prova, verbis:

a finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico; sua finalidade é prática, qual seja, convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado.21

A questão ainda é estudada de forma tradicional e sempre vinculando o juiz a

um mero expectador dos fatos. Fatos estes que sabemos são o objeto da prova. Todavia, se o

julgador é o sujeito principal do processo, se o julgador é quem vai impor a decisão às partes,

se é o julgador quem impõe a vontade do Estado às partes, este não pode ser somente um

expectador nesta cena jurídica.

Não se está aqui a negar o princípio do dispositivo, da imparcialidade, até

porque todos são corolários lógicos do princípio do devido processo legal, que é mandamento

19 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, 39ª edição, vol. 1, p.375. 20 FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro, 2º vol. Ed. Saraiva, p.181/182. 21 FILHO, Vicente Greco. Op. cit..p. 182.

42

constitucional, e, já por isso, não poderiam ser abolidos. O que se pretende não é afastar o

dispositivo, a inércia da jurisdição, mas sim trazer à jurisdição poderes de decidir mais

efetivos.

O poder de julgar impõe o poder de pesquisar, e, por que não o de buscar a

verdade? E se esta verdade só virá com as provas, como não buscá-las? Fazer com que o

julgador seja passivo, não é fazer com que a parte seja obrigada a provar, até porque o juiz

deve sopesar as possibilidades de cada qual perante a viabilidade da produção de provas.

É exatamente este o ponto central do tema aqui proposto, qual seja, trazer o

juiz para o pólo central da relação jurídica processual, de verdade. Fazer com que as partes

saibam que quem pretender uma resposta estatal a terá, da forma que o julgador entender

melhor e para isso este irá buscar provas, além das que as partes possam produzir por si sós,

senão não estaríamos fazendo justiça, mas sim burocratizando a justiça.

É impensável que se estude a prova, sem o correto conceito de ônus da prova.

E nessa seara, brilhante é a explanação de Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, Desembargador

do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e que assim escreveu em obra publicada na

Revista dos Tribunais sob o título Distribuição Dinâmina dos Ônus Probatórios, verbis:22

Noção de ônus – Não se ressente nossa Língua de vocábulo expressivo do que seja oneroso, contrariamente ao ocorre com as línguas francesa e espanhola, deficiência bem registrada por SANTIAGO SENTÍS MELENDO na apresentação que faz ao Tratado das Provas Judiciais, de BENTHAM, na tradução, para o espanhol, de Manuel Ossorio Florit.23 Pelo contrário, o termo ônus (do latim ônus) é de uso corrente – e não só na linguagem do jurista -, a significar, em caráter principal, carga, peso.24 Embora na linguagem comum possa, por vezes, confundir-se com o expressado pelo termo obrigação, na técnica-jurídica serve esse (o vocábulo obrigação) justamente de contraponto ao conceito de ônus. Quem fala em obrigação supõe poder de outrem, a que o obrigado deve sujeitar-se. Já quem se utiliza do termo ônus está a pretender significação algo diversa: de sujeição, eventualmente, mas agora de interesse do próprio indivíduo a outro de que também seja titular.25

22 Dall’Agonl Junior, Janyr. Distribuição Dinâmica dos Ônus Probatórios, Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 788, p. 92-107 junho, 2001. 23 BENTHAM, JEREMÍAS. Tratado de lãs Pruebas Judiciales. Buenos Aires: E.J.E.A., 1959. 24 Cf. Diccionario Aurélio Eletrônico, verbete ônus. 25 PONTES DE MIRANDA prefere guardar o termo sujeição para a hipótese de dever: “ Não há sujeição do onerado; ele escolhe entre satisfazer, ou não ter a tutela do próprio interesse” (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 3ª ed., 1996, tomo IV, p.253). obs.: as presentes notas de rodapé foram retiradas do original do autor.

43

Tem dever, assim, no processo, a parte de comportar-se com lealdade (artigo 14, II, do CPC); não na tem, porém, de responder (= contestar, excepcionar, reconvir), senão que simples ônus.

Conclui-se, portanto, que as partes não têm o dever de provar, mas sim o ônus

de fazê-lo. Isto porque se não o fizerem, assumirão estas este comportamento, porque

provavelmente não terão bom êxito em suas pretensões e defesas. Esta sempre foi a tônica

dos discursos em matéria probatória.

Dessa premissa o ônus difere do dever. Não há dever de provar! Provar não é

um dever jurídico. No caso do dever e da obrigação não há uma sujeição jurídica, e sim uma

ordem, que descumprida importará em sanções. O ônus, por outro lado, traz apenas a

indicação de uma liberdade de atuação, que não é uma simples faculdade, uma vez que pode

trazer prejuízos a quem tem o ônus e não o faz.

Apenas prejuízos processuais e não insucesso na lide, até porque o juiz pode

julgar favorável a pretensão em prol daquele que descumpriu o ônus da prova, pelo princípio

da persuasão racional. Além do que as provas são produzidas para o processo (princípio da

comunhão das provas). Pode ser que por outra prova, até produzida pela outra parte, o

descumpridor do ônus venha a ser o “vencedor” da causa.

Nessa esteira de pensamento, Eduardo Cambi se pronuncia: 26

A noção de ônus integra a teoria geral do direito, porém a sua principal aplicação se dá no campo processual. Essa situação jurídica está no mesmo grupo dos poderes e das faculdades, porque o sujeito tem liberdade para a realização do ato, que reverte em seu próprio benefício e cuja não realização pode acarretar-lhe, apenas, conseqüências desfavoráveis. Nem o juiz nem a parte contrária ou qualquer outro sujeito processual podem exigir o seu cumprimento, já que a sua inobservância é perfeitamente lícita.O mesmo não ocorre com as obrigações e com os deveres, porque, nesses casos, o sujeito passivo se encontra submetido a uma sujeição jurídica ou a um vínculo, uma vez que não tem liberdade de conduta, a qual pode ser coercitivamente exigida pelo outro sujeito, cujo não-cumprimento implica a violação da lei (ilicitude).”

26 CAMBI, Eduardo. A Prova Civil, Admissibilidade e relevância, Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p.315.

44

2.2. FINALIDADE E FUNÇÃO DA PROVA

Mais importante do que examinar o aspecto de que a prova não é dever da

parte, é saber que o Estado é que tem o dever de prestar a jurisdição. E sendo um “poder” do

Estado, não é mais do que verdadeira a expressão de que a jurisdição é um “dever-poder” do

Estado.

Dever este que é a essência da democracia. Quando passamos da justiça

privada para a justiça pública, coube ao Estado dizer, e só ele dizer, o Direito. Então, se

obrigou a fazê-lo, e não pode agora se furtar a este munus. E, para assim agir, deve ter todos

os poderes para tanto. Não é à toa que está insculpido no artigo 130 do CPC a seguinte regra:

“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à

instrução do processo (...).”

O próprio legislador, não obstante afirmar a regra geral do artigo 333 do CPC,

não se furtou aos poderes do juiz, até porque quem quer dizer o direito o quer fazer com

justiça.

Não é mais crível que se possa julgar para um lado ou para outro mesmo

sabendo que não se está fazendo justiça, mas sim porque é a única solução para o caso

concreto. Quantas e quantas vezes não foi fácil confortar uma parte que teve seu pedido

julgado improcedente enquanto seu par (ou vários) conseguiu a mesma coisa. Para o leigo já é

difícil compreender os motivos do convencimento do juiz, quanto mais de se conformar que

não teve sucesso porque a prova vital não foi produzida (e não foi porque não era possível a

ele produzir!).

O Código de Defesa do Consumidor trouxe um grande avanço nesta área, bem

como um grande alento à sociedade. No texto expresso da lei (artigo 6º, VIII), assim define:

45

São direitos básicos do consumidor: VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímel a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Talvez, o coração deste artigo, seja o de fazer com que o juiz avalie a

possibilidade de alterar a produção da prova. Quer dizer, tira o juiz daquele conceito estático

do artigo 333 do CPC e o traz para os casos concretos. Agora sim, estamos diante da

verdadeira essência do julgamento, qual seja, o caso concreto.

Até se sabe que esta inovação foi para beneficiar o consumidor, que

historicamente é a parte mais fraca na relação jurídica processual, que tudo isto foi em prol do

princípio da igualdade material e não simplesmente formalista do processo. Mas, na verdade,

trouxe muito mais do que uma simples inversão do ônus da prova, trouxe a possibilidade do

julgador determinar a exibição de uma prova documental, verbi gratia, que estaria de posse

do demandado em favor do demandante, sem romper com isso sua imparcialidade, até porque

o magistrado não deu início à demanda, mas uma vez iniciada, cabe a ele o impulso oficial.

Trouxe o julgador para o caso concreto. Esta é a principal atividade do juiz,

julgar casos concretos. Sabe-se que o legislador ao afirmar as regras positivas está atento às

experiências comuns e também tenta evitar que decisões sejam diferentes em casos

semelhantes. Para isso, tenta não levar ao juiz um aspecto muito livre e discricionário em sua

atividade, mas pelo contrário, tenta, pela lei, cercá-lo de todas as formas possíveis, até para

evitar abusos ou desvios de conduta. Ocorre que vivemos em um mundo dinâmico e não

estático. Logo, entre a possibilidade de decisões desconformes e cerceamento de raciocínio, é

preferível aquele a este. Portanto, é chegada a hora de libertar-se daqueles conceitos estáticos

de outrora e ter coragem para delegar aos juízes o poder de dizer o direito, indo estes na busca

da verdade.

A prova, portanto, tem um fim especial que é trazer a lume a verdade material.

Resolver a questão material colocada em juízo. Afirmar quem é o verdadeiro titular do direito

46

alegado. Porém, no aspecto processual, a prova é que trará o processo justo. Nesse sentido,

o princípio maior é o da comunhão da prova. A partir do momento que a prova é produzida

ela se desprende de quem a produziu e passa a ser do processo. Também conhecida como

princípio da aquisição processual. Logo, a prova é do processo e não das partes. Esta idéia é

crucial ao se examinar quem deve produzi-las!

O juiz ao julgar a causa examinará as provas constantes nos autos,

independente de quem a produziu. Se, porventura, um autor afirmar que é credor do devedor,

e acostar, por engano, aos autos a prova de que já houve o pagamento, deverá o juiz julgar

improcedente o pedido, mesmo que o devedor não tenha trazido aos autos a prova de que

houve o pagamento.

Reproduzo a lição de Eduardo Cambi, verbis: 27

As provas, depois de ingressarem ou serem produzidas no processo, tornam-se públicas e passam a integrar um único conjunto, em que o resultado das atividades processuais são comuns a ambas as partes, não se levando em consideração o litigante que trouxe ou produziu o meio da prova. Assim, as provas, ao ingressarem no processo, são subtraídas da disposição das partes, que as introduziram ou produziram-na, servindo aos litisconsortes, independentemente de qual seja a sua natureza (unitário ou simples / necessário ou facultativo), mas também à parte contrária.

De conseqüência, a eficácia da prova de desvincula de quem a produziu, podendo o juiz se valer dela, independentemente da sua procedência. Isso se explica porque não importa saber quem produziu a prova, mas se os fatos que integram o thema probandi foram demonstrados, porque o processo almeja dirimir os conflitos de interesses, pela aplicação do direito nos casos concretos, servindo as provas para reconstruir os fatos relevantes para o julgamento da causa. Logo, se o julgador tem elementos suficientes para poder formar a sua convicção, pouco importa saber a procedência da prova, o que permite concluir que os meios probatórios trazidos ou produzidos por uma das partes podem, afinal, vir a beneficiar a outra.

Percebe-se, pois, que a prova não aumenta nem diminui de valor caso tenha sido trazida por quem se incumbia do ônus probatório ou pelo seu adversário; depois de colhida, a prova é comum, não pertencendo mais a quem a trouxe, mas ao processo; esse raciocínio também se aplica ao juiz, não tendo maior relevância o fato de a prova ter sido realizada a partir da sua iniciativa probatória.

Por outro lado, o princípio da aquisição processual ou da comunhão das provas, não implica a supressão da idéia de ônus da prova, porque essa noção é subsidiária, uma vez que não corresponde ao poder monopolístico de prova da parte onerada, servindo como regra de julgamento somente se as provas, que deveriam ser produzidas, não foram realizadas ou, se produzidas, são insuficientes para a formação do convencimento do juiz.

Em suma, o ônus da prova não determina quem deve produzir a prova, mas quem assume o risco pela sua não-produção.

27 CAMBI, Eduardo. A Prova Civil- Admissibilidade e relevância. Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p..319.

47

O princípio da demanda (da ação) que expõe que nenhum juiz prestará a tutela

jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer (artigo 2º CPC) sempre foi e

será resguardado. A idéia de que cabe à parte propor a demanda respeita perfeitamente o

princípio constitucional da isonomia. Até porque dificilmente o julgador estaria isento se

fosse dele a iniciativa desta, não obstante algumas exceções legais, como a prevista no artigo

989 do CPC (inventário) e em alguns casos de jurisdição voluntária, por exemplo. Porém, são

exceções que apenas confirmam a regra.

Outrossim, ainda deve persistir a regra de que cabe ao autor trazer com a

petição inicial os documentos necessários para embasar sua pretensão, bem como cabe ao

demandado (na resposta) trazer aos autos os documentos necessários para sua defesa.

O que se pretende é romper com a visão estática desta idéia. O julgador

enquanto na fase postulatória apenas aguarda as razões das partes para permitir ou não o

processo (ir adiante!), na fase instrutória é ele quem assume o papel principal no feito. Quer

dizer, enquanto o autor afirma ser titular de um direito lesado, por exemplo, o juiz precisa

mandar citar a outra parte para que esta responda, se quiser, a pretensão do autor. Após a fase

postulatória, cabe ao julgador sanear o feito, determinando as provas que serão necessárias

para a causa. E somente estas provas serão produzidas. Nesse caminho, qualquer prova que

seja desnecessária, ilícita ou imprópria ao processo será indeferida pelo juiz. Se a matéria for

unicamente de Direito, se os fatos já foram provados ou não havendo controvérsia quanto ao

fato, a questão passa ao julgador para que decida. Por isso a afirmação de julgamento

antecipado da lide. Antecipa-se a fase decisória; quer dizer: evita-se a fase postulatória.

Todavia, outras situações ocorrem em que o próprio julgador se encontra diante

de duas teses diametralmente opostas e ainda não está apto ao julgamento, o que fará com que

seja a causa necessariamente instruída para que o julgador decida. Nesse sentido, é que

deverá o julgador ter uma maior liberdade de atuação probatória. Não se foge a técnica de

48

que o autor tem que provar seu direito, porém, seu direito pode ser mais facilmente provado

pela outra parte do que pelo autor. Pelo sistema estático atual, o autor pode até ter o Direito

(mas não conseguirá prová-lo). Afirmar simplesmente que ninguém pode produzir prova

contra si mesmo é fugir ao problema. Não estamos na seara penal, em que o direito tutelado é

a liberdade do réu.

O que se pretende é trazer o juiz como verdadeiro presidente do feito. Se as

partes se submeteram ao juiz (Estado), se na fase postulatória afirmaram suas alegações e o

processo continua, é porque terão que respeitar os comandos judiciais. Nessa linha, não

apenas respeitar a decisão judicial, mas a produção das provas necessárias para este fim. As

partes devem saber que suas pretensões devem realmente existir e que podem ser reveladas no

processo. É o princípio da comunhão das provas. As partes são colaboradores da prestação

jurisdicional. Elas apenas trazem ao processo elementos que serão úteis ao julgamento da

causa.

Não está se exigindo de alguém, previamente, que faça a produção da prova.

Mas apenas que saiba que durante a fase instrutória o Estado pode determinar que este

produza, trazendo a manifestação da outra parte para garantir o contraditório. E, diante da sua

produção ou não, o julgador continua atrelado aos mesmos princípios de valoração de prova

hoje existentes. Apenas com o poder de presumir contra a parte que não produziu a prova que

podia produzir.

2.3 - DO ATUAL SISTEMA DE PROVAS E PROVAS TÍPICAS

Na fase instrutória, o primeiro artigo a trabalhar com o sistema de provas é o

artigo 130 do CPC. O artigo 130 nos informa:

Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

49

É o princípio misto ou princípio da colaboração. Na verdade esse princípio

determina que as partes e o juiz devem buscar as provas. O juiz, como sujeito imparcial, não

vai buscar as provas que cabem as partes produzir, mas ele vai buscar as provas que cabe a ele

decidir, porque o juiz tem que julgar com a certeza no conhecimento dele, de qual das partes

tem razão. Se para isso ele precisar buscar provas, ele vai buscar. Ele não vai buscar aquelas

que são específicas da parte. Nessa linha de idéia está o artigo 333 do CPC, que afirma:

O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Então, esse sistema de provas é fechado, pois diz quem tem que provar, e que o

juiz pode, inclusive, determiná-la de ofício. Ora, se é uma ação de usucapião e a parte não

junta a planta do imóvel na inicial, não é o juiz que vai mandar buscar a prova, ele vai mandar

que o autor produza a prova. Se ele não produzir o prejuízo é dele. Se se trata de uma ação de

divórcio e o autor não apresenta a certidão de casamento, não é o juiz que vai correr atrás

dela, ele não vai dar nem prosseguimento a aquela ação, mas ele pode muito bem buscar

provas para se convencer de quem tem ou não razão. Então, esse é o princípio misto ou da

colaboração.

O artigo 131 do CPC diz que:

O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

Esse artigo 131 do CPC revela o princípio do livre convencimento ou chamado

mais corretamente de princípio do livre convencimento motivado ou princípio da persuasão

racional. Significa que o juiz está livre no exame das provas que foram produzidas. O juiz,

diante das provas produzidas, vai olhar qual delas lhe convence mais, a julgar da forma em

50

que ele está julgando. Então, ele vê uma prova testemunhal, a confissão do réu, a exibição de

documentos, depoimento pessoal, prova pericial, e ele diz “de todas essas provas a que me

convenceu a julgar da forma em que estou julgando é essa”. Não existe uma valoração prévia

da prova, é o juiz que irá avaliar qual das provas ele acha melhor. Esse é o princípio do livre

convencimento motivado. Existem ainda outros dois sistemas: a) sistema do passado que é o

chamado sistema da prova legal ou sistema da prova tarifada. Esse sistema era de uma época

em que não se dava muito crédito aos magistrados, tinha-se receio do que o juiz poderia

julgar, então restringiam o poder do juiz e faziam uma valoração prévia das provas.

Ainda existe resquício no nosso código processual daquela época da prova

tarifada. O artigo 401 do CPC, que fala da prova testemunhal, assim dispõe:

A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.

Antes de qualquer observação desse artigo 401 do CPC, há uma alteração

prevista no artigo 227 do CC/02, que só se admite a prova exclusivamente testemunhal nos

negócios jurídicos, que não excedam o décuplo do maior salário mínimo. Diz o artigo:

Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.

Então, hoje, pode-se afirmar que segundo o CC/02, não apenas nos contratos se

admite a referida prova, mas sim nos negócios jurídicos.

Outrossim diz o artigo 402 do CPC:

Qualquer que seja o valor do contrato, é admissível a prova testemunhal, quando:

I - houver começo de prova por escrito, reputando-se tal o documento emanado da parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova;

51

O recibo é um exemplo, ou uma documentação. Nessa situação é admissível a

prova testemunhal, mas a prova exclusivamente testemunhal não pode ser admitida no

processo civil quando só ela existir diante dos negócios jurídicos acima do valor legal.

Por outro lado, mesmo que as provas tenham um determinado valor livre à

apreciação do juiz, a prova pericial (prova técnica) acaba sendo mais forte que todas as outras.

Em uma ação de investigação de paternidade em que é feita uma prova pericial (exame de

DNA), é muito difícil o juiz superar este exame de DNA para se pautar na prova testemunhal,

que diz o contrário. Porém, ao mesmo tempo podem ocorrer exames de DNA falsos e o juiz

não tem a confiabilidade naquele exame, ele pode se pautar em uma outra prova que não

aquela, mas isso é muito difícil. Imagine um Promotor de Justiça ao fazer um parecer em uma

ação que envolva acidente do trabalho. Nessas ações sempre existe perícia médica para apurar

se ele realmente tem tal incapacidade com o acidente que ele teve. Se o perito afirmar que não

tem problema algum, é difícil este se pautar numa prova testemunhal, ou confissão, afirmando

que ele sofreu uma incapacidade quando a prova técnica diz que ele não sofreu. Então, é

muito difícil nessas hipóteses o juiz não se pautar na prova pericial. Isso é a liberdade da

prova, essa é a idéia do princípio do livre convencimento motivado, que hoje não tem mais a

amarra que tinha o sistema da prova legal.

Além disso, há outro sistema que é: b) o sistema da íntima convicção. O que

seria esse sistema? É o sistema em que o julgador não precisa fundamentar a sua decisão, e

ele vai julgar de acordo com que ele acha internamente, mesmo que seja diferente do que

consta nos autos. É possível que ele faça isso? Sim, é o sistema da íntima convicção. No

nosso sistema brasileiro só existe um único órgão julgador assim, que é o tribunal do júri. No

tribunal do júri os jurados vão responder aos quesitos formulados pelo juiz togado quanto aos

fatos. Então, diante dos fatos quem vai decidir sobre os quesitos são os jurados, que não

fundamentam a decisão.

52

Por quê o princípio do livre convencimento deve ser motivado? Porque o

artigo 93, IX, da CRFB diz que todas as decisões judiciais devem ser motivadas.

O livre convencimento é uma regra geral, que tem uma exceção no tribunal do

júri, que utiliza o sistema da íntima convicção. É interessante porque o sistema do tribunal do

júri é exatamente para essa íntima convicção, que seriam aqueles crimes que a lei determina

que seus pares devam examinar, porque eles vão examinar à luz da sua própria realidade.

O artigo 332 do CPC que começa a trabalhar com o sistema de provas, diz que:

Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Por esse artigo teremos provas típicas e provas atípicas. As típicas são as que

estão elencadas no código, mas podem existir outros meios de provas que não estão elencadas

no código, que são as chamadas provas atípicas. Então, dentro dessa idéia, as partes tem a

possibilidade de produzir provas típicas ou atípicas.

No artigo seguinte tem-se o ônus da prova que determina uma regra geral de

que cabe ao autor provar o seu fato e que cabe ao réu provar o fato desconstitutivo do direito

do autor.

Nós temos alguns sistemas especiais em relação a esse sistema de prova. O

Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º já mencionado, traz a inversão

do ônus da prova. O que seria essa inversão do ônus da prova na defesa do consumidor? Com

a regra de que o autor tem que provar o fato constitutivo do seu direito, na hipótese de relação

de consumo, parte-se da premissa que o consumidor é hipossuficiente em relação ao

fornecedor. Quantos inquéritos existem hoje, como por exemplo o caso de uma pessoa que vai

ao supermercado comprar frango congelado em promoção, leva para casa e quando lá chega

verifica que está tudo estragado. A pessoa volta ao supermercado, apresenta a nota fiscal e o

53

supermercado não reconhece o fato. Existe a seguinte realidade: a pessoa comprou e é lógico

que ela fica indignada quando uma situação dessa acontece e o supermercado não troca a sua

mercadoria. Para o consumidor não ficar prejudicado, a lei parte da premissa que quem deve

provar que o fato não existiu é o fornecedor. O consumidor não tem que provar que o fato

existiu. Logo, se uma pessoa compra uma televisão e ela explode ao ligar, não é o consumidor

que tem que provar que ligou corretamente e a televisão explodiu, mas quem vai ter que

provar que quem não fez a ligação correta é o empresário. Então, é muito mais fácil se ajuizar

uma ação assim, em que não se precisa provar o fato danoso. Esse sistema da inversão do

ônus da prova incrementa inclusive a relação de consumo.

É possível que uma cláusula contratual civil possa dispor de forma diferente

quanto a essa produção probatória? Assim dispõe o artigo 333, parágrafo único, do CPC que

diz:

É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Logo, não se pode afirmar, de plano, que uma cláusula dispondo de forma

diferente seria nula. Podem ser cláusulas válidas, desde que benéficas ao consumidor.

Exemplo: como uma forma de captação de clientela, a empresa pode estipular no contrato que

o consumidor não tem que provar nada e que em qualquer problema cabe a empresa provar

tudo, ou que eles vão indenizar o cliente qualquer que seja o motivo. Ora, eles estão

assumindo o compromisso de que são obrigados a fazer, estão dispondo de forma diferente,

pois só é válido se benéfico ao consumidor, jamais se prejudicial. Qual a idéia dessa inversão

do ônus da prova? Essa inversão do ônus da prova não vem apenas pelo fato de estar na lei. O

que importa é qual o momento processual adequado em que vai haver essa inversão do ônus

da prova. Ao se ajuizar uma ação dessas e o juiz entende que é relação de consumo, haverá

54

inversão do ônus da prova, porque há uma hipossuficiência do consumidor e este está em

desvantagem em relação ao fornecedor.

Então, nessas situações, quando que o juiz deve determinar a aplicação da

inversão do ônus da prova? Ao receber a inicial? Com a reposta do réu? No saneamento? Na

sentença? São duas grandes vertentes. A 1ª posição sustenta que o correto seria que o juiz

aplicasse na própria sentença. É uma posição minoritária, mas existe, porque quem é adepto

dessa posição afirma que é uma regra de juízo, essa regra de juízo – inversão do ônus da

prova- é dirigida ao juiz. O juiz diante da decisão final que é a sentença, nesse momento em

que ele vai julgar, ele diria: “tendo-se em vista que há a inversão do ônus da prova e o réu não

desconstituiu o direito do autor, não provou que o fato não existiu, presume-se que o fato

existiu”. O juiz julga procedente o pedido. O juiz irá fundamentar a sentença com a

informação de que está fazendo a inversão do ônus da prova para julgar, mas na verdade já

era de conhecimento de todos, por isso que a regra é de juízo, ela é para o juiz e não para as

partes.

Essa teoria é até aceitável quando a pessoa sabe o que está na lei. Logo, quem

litiga numa ação como essa tem que saber de antemão de quem é o ônus da prova . Mas ela

sofreu uma grande resistência, pois há quem entenda que essa regra da inversão do ônus da

prova não é uma regra de juízo, mas sim uma regra para o procedimento.

Por outro lado, portanto, há quem entenda que é uma regra de procedimento,

devendo o juiz alertar a parte desta ocorrência, para que ela, pelo princípio do contraditório e

da ampla defesa, pudesse ter tempo suficiente para produzir a prova, que talvez ela não

soubesse que tinha que produzir. Nessa lógica, a inversão seria determinada na fase de

saneamento do processo, que é o momento de fixação dos pontos controvertidos. O juiz irá

determinar quais as provas que as partes irão produzir caso queiram, especificando as partes

quais provas elas pretendem produzir. O juiz deverá, nesse momento processual, afirmar que

55

está invertendo o ônus da prova. Logo, o autor não vai ter que provar, mas sim o réu vai ter

que provar que o fato não existiu, pois esse ônus cabe o réu, devendo este buscar as provas.

Com isso traria uma segurança maior no saneamento que não haveria no início, pois pode

haver um reconhecimento prévio do pedido, ou talvez a questão não seja controversa.

Mesmo neste sistema atual pode-se e deve-se aplicar a teoria da carga

dinâmica da prova. Pela teoria o juiz vai determinar que a parte que melhor condição tiver

para produzir aquela prova que a produza. Então, se o juiz verifica que aquela prova é

importante para o julgamento, e quem tem melhores condições de produzi-las é o réu,

determinará que o réu produza. Se é o autor, determinará que o autor a produza. Isso vai

sofrer um choque, um confronto, com aquela idéia estática de que ninguém pode produzir

prova contra si mesmo, que é a idéia por excelência do CPP, é a idéia do direito penal. Por

quê? Porque no direito civil a parte não pode mentir, no processo civil a parte defende teses.

Há tese do autor e há antítese do réu. Logo, em tese, tudo com base em tese,

ambos devem buscar a verdade. Não só a verdade formal, que é a verdade dos autos, mas

também a verdade real. A verdade sobre qual é o fundamento. E encontra-se o exemplo no

erro médico, onde a teoria é aplicada por excelência, porque quando isto ocorre como é que o

paciente vai provar que houve um erro médico, se o prontuário fica dentro do hospital, fica

com o médico, e a pessoa não entende o que foi prescrito.

O erro médico não é simplesmente vislumbrar que o paciente fez uma

operação e saiu com seqüelas, porque isso pode ser conseqüência de uma fatalidade. O

médico pode ser o melhor médico, mas há circunstâncias indesejáveis que algumas cirurgias

podem trazer. Porém, o erro médico vai além da fatalidade. O erro médico pode ser pela

escolha da via inadequada, porque para fazer determinada operação são várias técnicas

possíveis, e qual seria a adequada para o caso? São todas essas circunstâncias, que se o

médico aplicou uma técnica perigosa (incorreta), ele é culpado, mesmo que ele não tenha

56

cometido negligência alguma na operação em si, mesmo que tenha sido uma fatalidade, pois

ele aumentou o risco do seu paciente utilizando uma técnica errada. Ou então ele foi imperito,

esqueceu um produto cirúrgico dentro do paciente. Mas como é que se produz essa prova?

Por isso é que poderia o juiz determinar que o réu ou o hospital produzisse a referida prova.

Estaria se produzindo a prova para a verdade, partindo da premissa que não há verdadeiro ou

mentiroso atuando no processo; há teses jurídicas e o juiz deve informar qual das teses deve

prevalecer.

Essa teoria tem uma grande vantagem de determinar ao juiz que ele conduza, e

quem for litigar no futuro sabendo disso, não vai litigar com a idéia de que “eu vou porque eu

duvido que o autor ou réu prove”, ele acredita que o outro não vai conseguir provar, enquanto,

pode-se inverter a ele a produção de determinada prova e o juiz pode determinar que ele

produza, sob pena de prejuízo.

O que não se tem de provar é que o consta no artigo 334 do CPC:

Não dependem de prova os fatos: I - notórios;, II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III - admitidos, no processo, como incontroversos, IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Exemplo de fato notório: dia 24 de dezembro é véspera de natal. Existem

certos fatos que são notórios, e se uma pessoa sustenta uma defesa querendo que se prove que

dia 24 de dezembro é véspera de natal, é caso até de tutela antecipada, pois está se abusando

do direito de defesa (artigo 273, II do CPC). Deve o juiz conceder a tutela antecipada como

penalidade, pois o sujeito do processo está abusando de um direito de defesa, uma vez que

não há como se defender de um fato notório. A questão é que o que pode ser notório para um

talvez possa não ser notório para outro. Isso é importante para que se perceba que o juiz tem

57

uma experiência de vida, que a lei permite que ele aplique essa regra de experiência. Artigo

335 do CPC :

Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

O juiz sabe que em um domingo de sol a praia está cheia, ele não precisa ir até

lá para verificar o fato, bem como que o autor tomou uma cotovelada no metrô às 18:00h, e a

empresa responsável diz que isso é impossível pois todo mundo viaja sentado no vagão. O

juiz não precisa ir até lá para saber que esse horário o metrô fica cheio e que uma pessoa ficou

10 minutos na fila de um banco, mesmo o banco dizendo que não tem fila na sua agência que

dure 10 minutos. Essas regras de experiência não se precisam provar. Cita-se como exemplo

uma pessoa que comprou um rádio de pilha e vai a loja trocar o rádio porque este não está

funcionando. Será que quem vai para o Judiciário a fim de que se troque um rádio de pilha

não deve ter razão quanto à inutilidade do rádio? A pessoa não está querendo dinheiro, está

querendo a troca do rádio. Então, é obvio que o rádio tem defeito (porque se for inobservância

quanto à forma de se utilizar o rádio corretamente a empresa ensinará o funcionamento). São

regras de experiência!

O juiz de ofício vai aplicar essas regras de experiência. Não é trazer ao juiz

uma liberdade qualquer, mas sim regras de experiências, uma vez que ele é um ser humano

igual aos outros.

Não se precisa provar também quando a outra parte confessa o fato. Se há uma

ação, afirmando que Fulano bateu no carro de Sicrano e causou um prejuízo de R$ 10.000,00

e Fulano diz: “bati no seu carro mas o prejuízo não foi de R$ 10.000,00 e sim de R$

1.000,00.” Fulano já está confessando o fato, não sendo necessário produzir nenhuma prova

58

quanto ao evento danoso. A prova que deverá ser produzida é em relação ao valor do dano, se

realmente foi de R$ 10.000,00 ou de R$ 1.000,00. Logo, caso se peça a produção de prova

testemunhal, para provar que Fulano avançou o sinal, esta deve ser indeferida! Para que isso?

O réu não está negando que ele causou acidente, só vai ter sentido a produção de uma prova

pericial para avaliar a extensão do dano. Indiretamente, o que acaba sendo confessado acaba

sendo incontroverso.

Quanto às provas típicas, aquelas que são previstas pela lei, algumas merecem

uma atenção especial.

a) Depoimento Pessoal

É a primeira prova típica do artigo 342 do CPC, que informa:

O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.

O que seria o depoimento pessoal? O depoimento pessoal seria o juiz ouvir o

autor ou réu. Qual é a utilidade de ouvir as partes? Primeiro, parte é parte, é parcial, então de

alguma forma ela não vai falar nada que seja contra ela, em tese, porque às vezes tem certos

depoimentos pessoais prestados que a parte quanto mais fala mais se “afunda” sem saber que

está se afundando. É importante o depoimento pessoal porque o juiz pode pedir para buscar a

verdade dos fatos, ou mais importante, a outra parte é que esta pedindo. Normalmente, é a

outra parte quem vai pedir, afirmando: “protesto pelo depoimento pessoal da outra parte.”

Qual é a intenção de pedir o depoimento pessoal da outra parte? Tentar obter a confissão. O

que acontece caso o juiz determine o depoimento pessoal da parte, marque o dia e nesse dia a

parte não comparece? O que vai acontecer se a parte não comparecer a essa determinação que

o juiz está fazendo? Seria uma confissão? Não acontece a confissão. Só aconteceria isso

quando a outra parte pedisse o depoimento. Somente se for a outra parte pedindo é que se terá

uma confissão ficta, por isso é que a parte pede, mas se o depoimento foi determinado de

59

ofício pelo juiz, este não pode prejudicar a outra parte. Nesse caso, o juiz determina a

condução coercitiva desta parte, manda o oficial de justiça cumprir e o traz à força. O juiz faz

prevalecer o seu poder, porém não se presumem os fatos como verdadeiros.

b) Confissão

É a segunda modalidade de prova típica elencada no CPC. Qual é a diferença

entre a confissão e o reconhecimento do pedido? Só o réu pode fazer o reconhecimento do

pedido, porque o pedido é do autor. E o que vai acontecer quando há o reconhecimento do

pedido? Ocorre a extinção do processo com resolução do mérito. A confissão está no artigo

348 do CPC:

Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.

Percebe-se que o artigo não menciona “réu”, e sim “parte”. Logo pode ser

tanto o réu como o autor. A confissão não significa a improcedência do pedido daquele autor

que confessou. A parte que confessa que celebrou o contrato ou que bateu no carro do outro

ou que avançou o sinal ou que estava bêbado, somente está confessando fatos. A parte

confessa isso tudo, mas por outro lado, afirma que não causou prejuízo no carro do outro, por

exemplo, pois o pára-choque do carro dele ficou inteiro, não teve nada, prejuízo algum. Então,

se ele está pedindo indenização por dano material, isso ele diz que não causou. Se não provar

o dano, não vai ter prova alguma contra o que ele está confessando. Será necessária uma

prova pericial para saber se teve o tal prejuízo alegado pelo autor ou não.

O artigo 350 do CPC:

A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes.

60

Não se pode trazer prejuízo aos litisconsortes. Uma questão que é interessante

é a da solidariedade, como na hipótese em que se empresta dinheiro para dois devedores que

são solidários, um pode confessar dizendo que deve sim, que eles devem R$ 100.000,00 e se o

outro vem e diz que não deve nada para o autor, uma vez que já pagou, a confissão do

primeiro não vale de nada, porque o litisconsórcio é unitário e a decisão tem que ser a mesma.

Quando o litisconsórcio é unitário, aí mesmo é que não vale nada!

A confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A judicial, o próprio nome já

diz, ocorre dentro do processo. A extrajudicial, por seu turno, é aquela ocorrida fora do

processo, e depois se acosta ao processo o acordado. A judicial pode ser real ou ficta. E essa

confissão judicial real ainda pode ser: espontânea ou provocada. A espontânea, é a que se

consegue dentro do próprio processo, já que ela é judicial, a parte vem e confessa sem

problema nenhum. A provocada é a confissão buscada no interrogatório. A ficta é aquela

presunção legal mencionada na ausência da parte para depor.

c) Da Exibição de Documento ou Coisa

A exibição de documentos ou coisas é a prova determinada para juntada no

processo de elementos necessários ao julgamento da causa. Depende muito com quem está a

coisa, pois se a coisa está com a parte e a parte não a entrega, aí sim se presume a veracidade

daquilo que ela deveria entregar contra ela. Se for contra um terceiro, não se pode presumir,

prejudicar a parte, porque um terceiro não entregou a coisa. Ele pode responder por um crime

de desobediência. Tem conseqüências para ele. A matéria vem prevista nos artigos 355 até

363 do CPC, que são as regras da exibição de documento ou coisa.

61

d) Prova documental

Encontra-se a partir do artigo 364 do CPC. É a prova que se tem por

excelência. É a mais utilizada. O que é um documento? Uma fita de vídeo pode ser um

documento? Uma estátua pode ser um documento? Uma fita cassete pode ser um documento?

Uma folha de papel pode ser um documento? Tudo que for um registro de um fato, não

importando a sua forma, será um documento, sendo admitido como prova documental. A

prova, às vezes, tem que vir nos autos desde a petição inicial, como no mandado de

segurança, pois não há dilação probatória naquela via. Se não for produzida a prova do direito

líquido e certo com a inicial, não se tem o direito líquido e certo. Mas, no procedimento

ordinário comum é possível que se juntem documentos no curso da relação processual (não

são aqueles documentos indispensáveis previstos nos artigos 282 e 283 do CPC, pois sem

aqueles não há nem como prosseguir a ação). Todos os documentos que vão dar condições

para que o juiz julgue a causa podem ser juntados até numa fase recursal. O que tem que se

observar é a regra prevista no artigo 398 do CPC, que diz:

Sempre que uma das partes requerer a juntada de documentos aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.

Nesses casos, terá que se ouvir a outra parte para garantir o contraditório.

Todavia, o autor ou réu podem juntar acórdãos do STF, STJ, de qualquer Tribunal, um

parecer ou até um livro de algum doutrinador, que isto não configura documento. Isso serve

apenas para ajudar na persuasão racional do magistrado. Isso não é um documento. A outra

parte não tem que falar quanto àquilo que foi acostado. A parte teria que ser intimada se a

outra juntasse a prova do pagamento ou se juntasse um recibo de quitação, por exemplo.

Nos artigos 396 e 397 do CPC está prevista a produção da prova documental.

Assim prevê o artigo 396:

Compete à parte instruir a petição inicial (Art. 283), ou a resposta (Art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.

62

E o artigo 397 informa:

É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

e) Prova testemunhal

A prova testemunhal era considerada no passado a pior prova nos autos, por

isso era chamada a “prostituta das provas”. No sistema de provas tarifadas era a que valia

menos. Jamais se poderia substituir o valor de uma prova testemunhal pela confissão do réu,

que era a “rainha das provas”. A confissão sempre valeu mais. Em tese, a prova documental é

muito importante para o juiz avaliar os fatos. Mas, no depoimento das testemunhas o juiz se

convence e começa a identificar quem tem ou não razão. Em relação à prova testemunhal

colhida na audiência de instrução e julgamento, se a pessoa estiver falando uma inverdade ela

comete crime de falso testemunho. É a última prova a se colher nos autos, por isso que se

fala em audiência de instrução e julgamento.

Nesse momento está se saindo da fase instrutória e dando início à fase

decisória. Essa audiência é de instrução porque se colhe a prova oral que é a prova

testemunhal e o depoimento pessoal da parte. Nessa hora do depoimento pessoal só se visa à

confissão. Mas a prova testemunhal vem na própria audiência. Pode ser que na mesma

audiência o juiz profira a sentença. No depoimento pessoal de uma parte o advogado da outra

parte não faz perguntas a ela. Mas na prova testemunhal sim, porque a prova testemunhal é

das partes.

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f) Prova pericial

O art. 420 do CPC informa que esta prova consiste em exame, vistoria ou

avaliação. A prova pericial é muito forte, principalmente nas hipóteses de ações como

investigação de paternidade, ações de acidentes de trabalho, ações bancárias etc. É necessário

ter um perito para esclarecer, pois há um valor arbitrado por uma parte e outro arbitrado pela

parte adversa totalmente distinto. Busca-se uma prova pericial que pode ser um exame,

vistoria. Pode ser até mesmo realizada pelo próprio juízo, mas nada impede que as partes

produzam. A prova pericial é feita por um perito.

O assistente técnico é assistente do autor ou do réu. Ele apresenta o laudo dele,

apresenta uma prova que seja pericial, mas o valor dessa prova é o juiz é quem vai dar. A

prova que se reputa infalível é aquela produzida pelo perito do juiz, ou seja, de sua confiança.

De qualquer forma não é resquício de prova tarifada porque o juiz pode ir

contra a prova pericial. Hoje se discute muito dentro de prova pericial o exame de DNA, que

pode vir atrelado a diversas questões. Antes dessa possibilidade de exame julgava-se através

da prova documental e testemunhal. Outrossim, hoje é o exame de DNA a prova pericial mais

certa numa questão dessa.

Pode o juiz obrigar a parte a realizar o exame de DNA, uma vez que depende

dele comparecer ao laboratório para fazer o exame? Não. O que pode acarretar? Pela leitura

dos artigos 231 e 232 do NCC a ausência presume-se como se tivesse feito o exame e desse

positivo. Tal presunção é relativa. A prova é para as partes. Recusando pode ser que pareça

para o juiz que ele é o pai. E diante de outras provas acostadas como documental,

testemunhal, julgar procedente o pedido. Ele assume a conseqüência da presunção.

Ex.: João há vinte anos foi declarado pai de Joãozinho por ação judicial.

Depois desse período, Joãozinho, hoje com 20 anos de idade, faz o exame de DNA e

descobre que João não é o seu pai. Poderia ele com base nessa prova pericial instaurar um

64

novo processo para desconstituir a decisão de 20 anos atrás? Seria a relativização da coisa

julgada. Será que um jogo de futebol apitado de forma irregular em 1970 pode ser anulado

hoje? Determinadas situações podem ser mais cruéis com essa segurança do que a justiça.

Diante disso o STJ vem admitindo a relativização apenas nas hipóteses de investigação de

paternidade com base no exame de DNA. São as exceções que vão sendo produzidas.

E em relação a este sistema de provas observe que o ônus da prova é diferente do

dever da prova. Quando se descumpre um dever tem-se uma sanção e se não provar um fato não

se terá sanção, terá um prejuízo e esse prejuízo é um ônus, então, a parte tem o ônus de provar.

Não se tem a faculdade de provar. A diferença em relação à faculdade é que esta não traz

prejuízo, ou seja, tem-se a faculdade de apresentar a procuração com a propositura da ação ou até

em 15 dias. Oferecida a inicial e juntada a procuração no ato ou 5 dias após, não há problema.

Não tem prejuízo algum, já o ônus tem o prejuízo pela sua não realização, enquanto o dever tem

a sanção. E se não se prova tem um prejuízo e qual será o prejuízo? A improcedência do pedido

se não provar o que foi alegado.

65

CAPÍTULO 3. A CARGA DINÂMICA DA PROVA

3.1 – A DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DOS ÔNUS PROBATÓRIOS

A Distribuição dinâmica dos ônus probatórios (princípio da carga processual

dinâmica da prova) foi desenvolvida por JORGE W. PEYRANO28, ilustre jurista argentino,

que afirma, de forma corajosa e inovadora, que a carga probatória, dependendo das

circunstâncias do caso e sem se preocupar se é o autor ou o réu, cabe a quem tem melhores

condições de produzi-la, e não simplesmente a regra tradicional capitulada no artigo 333 em

nosso Código de Processo Civil.

A referida doutrina, ao passo que muitos tentam restringi-la, ganhou força em

diversos campos na Argentina, precipuamente na responsabilidade civil do médico,

facilitando o acesso à justiça por parte de quem sofreu um dano em face de erro médico.

Aplicando-se esta doutrina no processo, o juiz não fica preso a observar que cabe ao autor

provar o fato constitutivo do direito alegado e que ao réu caberia provar o fato modificativo,

extintivo ou impeditivo do direito que o autor alega ter. O juiz, simplesmente, deve

determinar que a prova seja produzida pela parte que melhores condições a tem para trazê-la

ao processo. Até porque na dialética processual, o autor apresenta a tese, que é rebatida pela

antítese do réu e o julgador expõe a síntese do caso. Ora, a tese nada mais é do que a

pretensão e a causa petendi, sendo que a antítese é a defesa do réu. Porém, as provas para

demonstrar a quem cabe o reconhecimento do direito alegado deve vir aos autos por qualquer

parte que seja. As partes, assim como o juiz, são os principais sujeitos do processo, o que faz

com que os primeiros sejam colaboradores deste para o deslinde da causa. Logo, o encargo

de provar (a natureza do fato a provar) imputa-se a quem se encontra em melhor condição de 28 JORGE W. PEYRANO e JULIO º CHIAPPINI, Lineamentos de las cargas probatórias dinámicas, em Enciclopédia Del Derecho, t. 107, p. 1.005; JORGE W. PEYRANO, Doctrina de las cargas probatórias dinámicas, em Procedimiento Civil e Comercial. Rosário: Júris, 1991, t. I, pp. 77 e segs.

66

fazê-lo, independentemente de sua posição no pólo da relação processual. Esta é a idéia que

embasa o princípio da aquisição da prova, que determina que após sua produção, esta

pertence ao processo.

Chama-se de “dinâmica”, tendo em vista que se contrapõe a noção estática de

prova até então conhecida. Agora, com base nesta nova teoria, há um dinamismo

(mobilidade) para que o sistema se adapte ao caso concreto, atendendo as circunstâncias

especiais.

Na verdade, tem-se uma nova visão da doutrina tradicional à luz da efetividade

do processo, garantindo que a parte que se submeta ao juízo não estará sozinha neste

caminho; poderá ter seu direito garantido, até com provas produzidas pela outra parte, porque,

na verdade, todas são provas de fatos que interessam para a verdade; e deve o Judiciário

também se preocupar com a verdade, até porque é esta a resposta desejada acima de qualquer

coisa.

Alexandre de Freitas Câmara, em artigo publicado na Revista Dialética de

Direito Processual, nº 31, em outubro de 2005, também revela sua simpatia pela aplicação

deste novo sistema e revela a necessidade desta modificação para um processo justo, verbis:

Como se sabe, o processo tem caráter dinâmico. Todos os fenômenos processuais devem ser examinados de um ponto de vista dinâmico, e não do ponto de vista estático, tradicional. As posições processuais (poderes, deveres, faculdades, ônus e sujeições) movimentam o processo. Aliás, o processo é movimento.

Ocorre que a respeito do ônus da prova sempre prevaleceu uma visão estática. É o que se pode ver pela leitura do artigo 333 do CPC. A distribuição do ônus da prova se dá levando-se em conta a posição ocupada pela parte e a natureza do fato alegado (se constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo do direito). Ora, isto é, a rigor, um contra-senso. Se o processo é dinâmico, e se todas as posições processuais devem ser consideradas sob um ponto de vista dinâmico, não faz qualquer sentido que o ônus da prova seja fixado de forma estática, com base na simplista afirmação de que “o ônus da prova incumbe a quem alega”, ou qualquer outra assertiva semelhante.

Surge daí, então, a necessidade de rever esse conceito, sustentando-se uma teoria dinâmica do ônus da prova. Essa teoria, a rigor, já existe, e o que se faz aqui é verificar como a mesma pode ser aplicada ao caso em exame.29

29 Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), nº 31, outubro – 2005.

67

Percebe-se, portanto, que não é nova a questão. Há muito se clama por esta

nova forma de produção de prova. Nesse sentido, traz uma coerência com o próprio Estado.

Sabendo-se que é o juiz o sujeito principal do processo (representando o Estado), cabe a este a

condução do procedimento. E como procedimento é elemento do processo, que associado à

relação jurídica processual, forma seu conceito (o processo é o procedimento realizado em

contraditório animado pela relação jurídica processual), deve ser, portanto, dirigido pelo juiz.

As provas servem para convencer o juiz, acima de qualquer outra coisa. Logo, se a relação

jurídica processual difere da relação jurídica material exatamente por que esta é estática

enquanto aquela é dinâmica, não haveria sentido outra forma de se avaliar a prova senão pela

sua visão dinâmica. Diz-se que na relação jurídica material, o credor é credor até que o

devedor satisfaça a obrigação. Já na relação jurídica processual isto não ocorre, pelo

contrário. Ao se propor uma ação o autor está numa posição jurídica de vantagem, que pelo

contraditório, com a vinda da resposta do réu, esta pode se modificar frontalmente. Logo,

durante o processo, as posições jurídicas vão se alternando, ora com direitos e deveres da

partes, sujeições, ônus e demais faculdades processuais. Com isto, parece bastante claro o

sistema dinâmico do processo, a ensejar, por isso, também a produção dinâmica das provas.

Quanto ao conceito da teoria proposta, não obstante ser conhecida pela “Teoria

da Carga Dinâmica”, esta poderia ter sido importada com o seu correto significado. Mas

como sói ocorre no Direito Comparado, nem sempre a tradução condiz com o fenômeno.

Porém, passa a ser conhecida desta forma, que se torna vinculada ao próprio conceito. Na

verdade a tradução de “carga” significa na língua espanhola o nosso conceito de “ônus”.

Logo, deveria ser portanto conhecida pela forma de “Teoria Dinâmica do Ônus da Prova”.

Da mesma forma, ocorre com as “condições da ação”, que na verdade são

condições não para a existência da ação, mas sim para o seu legítimo exercício. Só que após

ser sistematizada como condições da ação, não se altera a denominação, mas apenas seu

68

alcance doutrinário. É bastante ilustrativo o exemplo até para justificar o tema aqui proposto.

Quando Liebman30 idealizou as referidas condições (Teoria Eclética) acreditava realmente ser

condições para a existência da ação. Só que com a evolução do Direito e da Sociedade,

passou-se a uma nova teoria (Teoria Reelaborada do Direito de Ação), que as vê como

condições para o legítimo exercício. Ilustro apenas que o que hoje parece inquestionável,

amanhã talvez não o seja!! Mas não podemos nos furtar a vivê-la!

A presente teoria não se confunde com a inversão do ônus da prova. A

aplicação da inversão do ônus da prova prevê antecipadamente que nas relações de consumo,

v.g., o autor, caso seja consumidor, está dispensado da produção da prova do direito que alega

ter. Caberá ao réu (fornecedor) provar que o fato não existiu. Na teoria da carga dinâmica da

prova independe de qualquer relação de consumo. E, principalmente, não há previamente

comando legal para se determinar que haverá a inversão, até porque inversão presume-se que

alguém tinha o dever de provar e foi dispensado disso, invertendo-se a ordem legal. Aqui não

há inversão, simplesmente porque o juiz não vai determinar uma “troca” de ônus, mas

simplesmente vai determinar quem deve produzir determinada prova. Nunca houve inversão,

o juiz, desde o início (na audiência preliminar ou fase de saneamento) vai determinar quem

deve produzir a referida prova para o processo. E será aquela parte que melhores condições

oferece para tanto.

Reproduzo a lição de Eduardo Cambi, verbis:31

A moderna teoria da carga dinâmica da prova. A moderna teoria da carga dinâmica da prova – incorporada, em 2004, ao Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América – sugere a distribuição do ônus da prova não com base na regra tradicional do artigo 333 do CPC (fatos constitutivos, para o demandante; demais fatos, para o demandado) nem com base na técnica adotada no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, pelo qual cabe ao juiz, após

30 FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. Questões Importantes de Processo Civil. Ed. Roma Victor, 3ª Ed. 2004, p. 147. 31 CAMBI, Eduardo. Op. cit., p. 340 et seq.

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verificar a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor, inverter o ônus da prova.

Parte da premissa de que ambos os sistemas de distribuição do onus probandi não tutelam adequadamente o bem jurídico coletivo. A distribuição do ônus da prova conforme a posição da parte em juízo e quanto à espécie do fato do artigo 333 do CPC está muito mais preocupada com a decisão judicial – aliás, com qualquer decisão (já que se veda o non liquet; artigo 126 do CPC) – do que com a tutela do direito lesado ou ameaçado de lesão. Assim, se o demandante não demonstrou o fato constitutivo, julga-se improcedente o pedido e, ao contrário, se o demandado não conseguiu provar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos, julga-se integralmente procedente o pedido, sem qualquer consideração com a dificuldade ou a impossibilidade de a parte ou de o fato serem demonstrados em juízo. Esta distribuição diabólica do ônus da prova, por si só, poderia inviabilizar a tutela dos direitos lesados ou ameaçados.

Para romper com esta lógica perversa, o Código de Defesa do Consumidor conferiu poderes ao juiz para, ao considerar o caso concreto, que pudesse, dentro dos critérios legais (da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor), inverter o ônus da prova.

Com escopo de buscar a mais efetiva tutela jurisdicional do direito lesado ou ameaçado de lesão, no Código Modelo o ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade na sua demonstração, não requerendo qualquer decisão judicial de inversão do ônus da prova.

Assim, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico coletivo se dá por força de lei (ope legis), não exigindo a prévia apreciação do magistrado (ope iudicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probondi, como se dá no artigo 6º, incisoVIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor), bem como não restringe está técnica processual às relações de consumo.

Com efeito, não há na distribuição dinâmica do ônus da prova uma inversão, nos moldes previstos no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica, quando o magistrado, avaliando as peculiaridades do caso concreto, com base em máximas de experiência (artigo 335 do CPC), irá determinar quais fatos devem ser provados pelo demandante e pelo demandado.

O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora, contudo, com poderes ainda maiores, porquanto, em vez de partir do modelo clássico (artigo 333 do CPC) para inverter o onus probandi (artigo 6º, inciso VIII, CDC), tão-somente nas relações de consumo, cabe verificar, no caso concreto, sem estar atrelado aos critérios da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes.

Desta forma, a teoria da distribuição dinâmica da prova – já contemplada expressamente no Código Modelo – revoluciona o tratamento da prova, uma vez que rompe com a prévia e abstrata distribuição do ônus da prova, possibilitando que, com os critérios abertos contidos no artigo 335 do CPC, seja tutelado adequadamente os direitos materiais.

Assim, a referida teoria reforça o senso comum e as máximas da experiência ao reconhecer que quem deve provar é quem está em melhores condições de demonstrar o fato controvertido, evitando que uma das partes se mantenha inerte na relação processual porque a dificuldade da prova a beneficia.

Portanto, a distribuição do ônus (ou da carga) da prova se dá de forma dinâmica, posto que não está atrelada a pressupostos prévios e abstratos, desprezando regras estáticas, para considerar a dinâmica – fática, axiológica e normativa – presente no caso concreto, a ser explorada pelos operadores jurídicos (intérpretes).

70

3.2. APLICAÇÃO DA TEORIA

A denominada teoria da carga dinâmica da prova consiste basicamente em

romper com a visão clássica e tradicional do ponto de vista estático sobre a produção da

prova. Por esta teoria deve demonstrar o fato aquele sujeito processual (parte) que se

encontra em melhores condições de fazê-lo, conforme já exaustivamente abordado.

Na verdade, esta teoria traz uma nova concepção da doutrina tradicional,

estudada agora à luz do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, garantindo o direito a

quem realmente o possua.

Não obstante o fácil entendimento da proposta do tema, árduo será o caminho

no campo de sua aplicação. Como fazer com que estas regras teóricas sejam aplicadas sem

traumas aos casos concretos?

O tema já foi previamente estudado, pelo que se reproduz a conclusão de

Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, em artigo já mencionado neste trabalho, verbis:32

Visão solidarista do encargo de prova. Precedentes doutrinários – A questão que se impõe, sobretudo ao operador do direito, é a possibilidade de utilização de uma tal teoria na prática brasileira. Convém, antes, assentar alguns elementos históricos de importância. A tese do abrandamento da visão estática da distribuição do ônus da prova, em realidade, não é nova. Dela cogitou BENTHAM em seu celebérrimo “Tratado das Provas Judiciais”, no capítulo a que denominou “Ônus da prova. Sobre quem Deve Recair?” (“Entre as duas partes contrárias, a qual se deve impor a obrigação de produzir a prova? Esta questão apresenta infinitas dificuldades no sistema processual técnico. Em um regime de justiça franca e simples, em um procedimento natural, é muito fácil responder. A carga da prova deve ser imposta, em cada caso concreto, àquela das partes que a possa produzir com menos inconvenientes, isto é, com menos delongas, vexames e despesas).33

O tema já vem sendo explorado por alguns tribunais do País, ao molde do que

encontramos na Argentina, que talvez seja o campo mais fértil sobre o tema. E, assim ocorre, 32 JUNIOR, Antonio Janyr Dall’Agnol,Op. Cit. 33 Tratado de lãs Pruebas Judiciales. Buenos Aires: EJEA, 1959. Tomo II, p. 150.

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porque os magistrados em sua árdua missão de julgar, perceberam que nem sempre podem se

pautar por regras estáticas, fixas, quando o próprio direito é dinâmico, e as provas também

precisam ser assim reconhecidas. Para ilustrar o tema reproduz-se jurisprudência citada por

Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, em trabalho já mencionado no curso deste texto, verbis:34

É, sem dúvida, tal e qual ocorre na Argentina, no campo da responsabilidade civil profissional, particularmente na médica, que se vê a inserção da teoria, como é o exemplo conspícuo o julgamento levando (sic) a efeito pelo Superior Tribunal de Justiça, através da talentosa pena do Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR. Ali,, o juiz e o jurista, braços dados, depois de rebater argüição de prestação jurisdicional inadequada, por defeito de julgamento, observa: “(...) o v. acórdão apontou para a falta de provas dos réus, quanto à regularidade dos procedimentos adotados, pois dispunham dos meios para elucidar as circunstâncias do fato. Constou do acórdão, por transcrição: ‘ A prova da regularidade do comportamento está em mãos do hospital, que deve sempre cuidar de ser preciso nos relatórios, fichas de observação, controle, tratamento, remédios ministrados e tudo o mais que possa ilustrar cada caso’. Assim ponderando, sem deixar de fundamentar sua conclusão na prova existente nos autos sobre os requisitos da responsabilidade civil, que analisou, o v. acórdão apenas se colocou ao lado da orientação que hoje predomina na matéria sobre culpa médica, que é a da teoria dinâmica da (carga da) prova, segundo a qual cabe ao profissional esclarecer o juízo sobre os fatos da causa, pois nenhum outro tem como ele os meios para comprovar o que aconteceu na privacidade da sala cirúrgica.” No ponto que releva, ficou assim ementado o v. acórdão: “ Responsabilidade Civil. Médico.Clínica. Culpa. Prova. 1. Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus” ( Resp nº 69.309, 4ª Turma, 18.6.96).35 Não obstante afastando, no caso, a ocorrência de erro médico, nessa mesma linha de entendimento se pronunciou, na 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Desembargador ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, conforme de vê deste excerto do voto: “Não se ignora a dificuldade de obtenção de prova, sempre que a ação se funda em erro médico. Um arraigado, e equivocado, conceito de ética médica serve a obstaculizar a elucidação dos fatos, levando, no mais das vezes, à improcedência das demandas que visem à responsabilização de profissionais dessa área. Não por outra razão, em doutrina, com alguns reflexos jurisprudenciais, tem-se trazido a esta seara a denominada ‘Teoria da Carga Dinâmica da Prova’, que outra coisa não consiste senão em nítida aplicação do princípio da boa-fé no campo probatório. Ou seja, deve provar quem tem melhores condições para tal. É logicamente insustentável, que aquele dotado de melhores condições de demonstrar os fatos, deixe de fazê-lo, agarrando-se em formais distribuições dos ônus de demonstração. O processo moderno não mais compactua com táticas ou espertezas procedimentais e busca, cada vez mais, a verdade. Pois é na área da responsabilidade médica, em que o profissional da medicina tem, evidentemente, maiores (senão a única) possibilidades de demonstração dos fatos, que a referida concepção probatória encontra campo largo à sua incidência.

34 JUNIOR, Antonio Janyr Dall’Agnol, Op. Cit. 35 Aplicou a teoria, com explícita invocação do acórdão relatado pelo Min. RUY ROSADO e sustentação doutrinária, a 9ª Câmara Cível do TJRS, na AC n. 598450401, de 12.5.99, relatora a ilustre Dês. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS.

72

Como conseqüência prática, inverte-se o ônus probatório. O médico é quem deve demonstrar a regularidade da sua atuação.”36

Percebe-se que todos os arestos acima mencionados se pautaram no campo da

incidência do erro médico, onde a doutrina da carga dinâmica da prova já tem sido largamente

utilizada, mas não é apenas nesta seara que aplicamos a referida teoria. Nesta mesma linha de

apresentação, reproduz-se parte dos dizeres de Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, em artigo já

mencionado vastamente neste trabalho, verbis:37

Nesta mesma linha, decisão proferida no AI n. 196254932, de 03.04.97, pela 6ª Câmara Civil daquele Tribunal, relator o então Juiz JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS: “ É razoável, em sede da teoria da carga dinâmica da prova, decisão que determine à entidade bancária, juntada de demonstrativos correspondentes ao prazo de vigência do contrato de abertura de crédito em conta, pois os anteriores negócios já se acham cobertos pelo pagamento, transação ou novação. (...) “ No Tribunal de Justiça, com inexcedível clareza, tem aplicado a doutrina o Desembargador JORGE LUIS DALL’AGONL, conforme se observa, verbi gratia, da seguinte ementa: Negócio jurídico bancário. Ação revisional de contrato. Inicial desacompanhada dos contratos. Ônus da prova. Distribuição dinâmica da carga probatória. Deixando o autor de trazer aos autos os contratos objetos da ação revisional, pode, o juiz, determinar que a instituição financeira os forneça, invertendo-se o ônus da prova ,sem que tenha de extinguir o feito por ausência de pressuposto de constituição. Aplicabilidade, in casu, da teoria da carga probatória dinâmica, segundo a qual há de se atribuir o ônus de provar àquele que se encontre no controle dos meios de prova e, por isso mesmo, se encontra em melhores condições de alcançá-la ao destinatário da prova” ( AI n. 70000004028, 2ª Câmara Cível de Férias, 13.10.99).

Percebe-se, facilmente, que a aplicação da teoria da carga dinâmica da prova

vem sendo reiteradamente utilizada em nossos tribunais. Ocorre que ainda utilizada de forma

rarefeita, talvez por timidez dos magistrados ou ainda presos, arraigados a uma técnica

formalista que amarra o juiz ao invés deste libertar-se e assumir seu papel de garantidor da

democracia e das leis do País.

E para isso o magistrado tem as regras do CPC ao seu favor, que são redigidas

diretamente para os magistrados. Portanto, ao se afirmar que as partes têm o dever de

36 AC n. 597083534, 1ª Câmara Cível, TJRS, de 3.12.97. 37 JUNIOR, Antonio Janyr Dall’Agnol,Op. Cit.

73

lealdade e que cabe ao juiz garantir o tratamento isonômico destas mesmas partes, prevenir ou

reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; e, principalmente, porque a ninguém é

permitido se eximir de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade,

está dizendo, em outras palavras, que deve o juiz aplicar a teoria ora comentada.

A jurisprudência já vem acolhendo a referida tese em determinados casos,

como o do erro médico e situações de contratos bancários, como já citados, bem como

situações que envolvem a Fazenda Pública. O que deve ser examinado é o momento

processual em que esta deve ocorrer. Para garantir o contraditório e a ampla defesa deve ser

sempre na fase anterior a instrutória, para que se permita à parte o direito de manifestação. O

juiz ao perceber que determinada parte tem melhores condições de produzir determinada

prova determinará que aquela parte tem o ônus de produzi-la, porque detém melhores

condições para tanto. Assim fazendo, não se afronta o princípio constitucional da ampla

defesa e se garante o princípio da isonomia no real aspecto de sua intenção.

Para ilustrar o tema, reproduz-se os dizeres de Eduardo Cambi que

revela o célebre caso julgado pelo Ministro Rui Rosado que é citado em obras sobre o

tema, verbis: 38

Com efeito, a distribuição dinâmica da carga probatória não deve ser arbitrária nem servir para prejulgar a causa, repassando a dificuldade do demandante para o demandado, quando este não está em melhores condições de provar. A liberdade do magistrado deve ser atrelada sempre à responsabilidade. Logo, a decisão, que distribui a carga da prova, deve ser motivada, levando em consideração fatores culturais, sociais e econômicos, bem como princípios e valores contemporâneos. Percebe-se, pois, que a distribuição dinâmica do onus probandi amplia os poderes do juiz, tornando-o um intérprete ativo e criativo, um problem sover e policy-maker, além de assumir, freqüentemente, o papel de um law-maker.

Deste modo, a carga (ou ônus) da prova, assim distribuída, por consolidar uma visão amplamente solidarista do onus probandi, supera a visão individualista (e patrimonialista) do processo civil clássico e, destarte, permite facilitar a tutela judicial dos bens coletivos.

Conseqüentemente, evita-se que, por ser muito difícil para o demandante demonstrar a licitude ou a não-lesividade do comportamento do demandado (maior dificuldade na produção da prova), se mantenha a situação como está (status quo), em prejuízo da proteção dos direitos difusos, coletivos ou

38 CAMBI, Eduardo, op. cit. p.343 et seq.

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individuais homogêneos, sem retirar do suposto causador da ilicitude ou dos danos as amplas oportunidades de provar o contrário.

No entanto, a teoria da carga dinâmica da prova não chega a ser uma novidade no direito brasileiro, nem uma exclusividade da tutela dos bens jurídicos coletivos. A distribuição dinâmica do ônus da prova, no direito brasileiro, tem sido acolhida pela jurisprudência e pela doutrina, por exemplo, em matéria de responsabilidade civil do médico e com relação aos contratos bancários, apesar da inexistência de regra expressa.

Outro exemplo de aplicação da teoria do ônus da prova em sentido dinâmico se dá nos casos de responsabilidade civil quando é mais fácil para o demandado provar o fato constitutivo do direito do autor e não se trata de relação de consumo, como se deu no seguinte caso concreto.39Em novembro de 1994, durante a realização do segundo Telebingo promovido pelo Clube Atlético Paranaense faltou energia elétrica, o que acarretou a perda do arquivo das cartelas e da ordem em que os números foram sorteados. Ana Maria Spina afirmou ter comprado uma cartela do bingo e ter ganho o 1º prêmio, um Fiat Prêmio CSL – 0 Km, uma TV e um videocassete. O clube, no entanto, sustentou que, após a perícia, constatou que Spina não fazia parte do grupo de ganhadores. Ana Maria entrou na Justiça contra o clube pretendendo receber o primeiro prêmio ou seu equivalente em dinheiro. Spina sustentou que, mesmo tendo preenchido os 25 números exigidos para a aquisição dos prêmios, os organizadores do evento continuaram a “cantar” outros números, aparecendo novos ganhadores. Por fim, a compradora da cartela acusou o clube de ter agido com “evidente má-fé” e “desrespeito aos participantes”. O clube afirmou que “jamais procurou escapar às suas obrigações contratuais para com aqueles que prestigiaram o seu segundo Telebingo”. Pelo contrário até estabeleceu um prêmio “extra” para “todos os possuidores de cartelas que pudessem ter sido contempladas em virtude da falha no sistema eletrônico”. Para finalizar, o clube deu a opção para todos aqueles que se julgassem prováveis ganhadores de comparecerem à 4ª Vara Cível, de Curitiba, onde estava depositada a quantia do equivalente ao primeiro prêmio, e Spina não compareceu. Em primeira instância, a compradora do bingo teve seu pedido julgado improcedente. Tanto ela quanto o clube recorreram, mas somente o apelo do Atlético Paranaense para elevar os honorários advocatícios obteve êxito. Ana Maria recorreu ao Superior Tribunal de Justiça alegando ofensa ao Código de Defesa do Consumidor, ao Código Civil e à Constituição Federal. Spina argumentou que não teve chance de provar ser ganhadora do bingo e pediu a “inversão do ônus da prova”, ou seja,que o Clube Atlético Paranaense fosse obrigado a provar que ela não era a ganhadora. O Min. Ruy Rosado, relator do processo, julgou procedente o pedido de Ana Maria para anular o processo, a partir da sentença de primeiro grau, e possibilitar ao Cluber Atlético Paranaense juntar cópia do videotape que disse ter utilizado para confirmar que Ana Maria não estava entre as pessoas sorteadas. Ruy Rosado esclareceu que “a teoria da carga dinâmica da prova transfere o ônus para a parte que melhores condições tenha de demonstrar os fatos e esclarecer o juízo sobre as circunstâncias da causa”. Por isso, “cabe ao organizador do sorteio provar que a cartela apresentada pela adquirente não foi sorteada no programa televisionado”, finalizou o ministro.

Percebe-se, nesta situação concreta, que, por não existir relação de consumo (já que o Clube Atlético Paranaense não é fornecedor, nos termos do artigo 3º do CDC, uma vez que não exerce atividade de exploração de bingos), seria aplicável não o artigo 6º, inc. VIII, Lei 8078/1990, mas o Código Civil. Conseqüentemente, seria aplicado o art. 333 do CPC, o que tornaria excessivamente difícil para a pessoa que se diz sorteada provar que seus números foram sorteados. Para tutelar adequadamente os direitos materiais, em casos como este, em que é mais fácil para o demandado provar o fato constitutivo do direito, aplica-se a teoria da carga dinâmica da prova.(grifos nossos).

39 Cfr. 4ªT.,.REsp.316.316-PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.18.09.2001, DJU 12.11.2001, p. 156.

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A reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também já vem

acolhendo a referida tese, pelo que se reproduz alguns julgados:

Responsabilidade Civil. Médico. Clínica. Culpa. Prova. Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. Legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo paciente. Juntada de textos científicos determinada de ofício pelo juiz. Regularidade. Responsabilização da clínica e do médico que atendeu o paciente submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula. Inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada. Recurso especial não conhecido.40.

No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, há varias decisões judiciais

adotando a referida tese, pelo que algumas são ora acostadas:

Agravo de Instrumento. Alienação Fiduciária. Revisão Contratual. Decisão Monocrática. Proibição de Inscrição do Nome do Devedor em Órgãos de Restrição ao Crédito. Cabimento. Pretendendo o devedor discutir o montante do débito por intermédio de ação de revisão de contrato já proposta, é cabível a proibição de inscrição do seu nome em cadastros de inadimplentes. Manutenção na Posse do Bem. A manutenção na posse do bem se justifica em virtude de estar sendo discutida a cobrança abusiva de encargos contratuais, mediante plausível argumentação. No entanto, o autor deverá firmar compromisso como depositário judicial e, segundo recente entendimento deste órgão fracionário, a manutenção na posse do bem ficará condicionada ao depósito das parcelas, pelos valores que entende devidos, em respeito ao princípio da boa-fé contratual. Depósito das Parcelas. Conquanto sem efeito liberatório, próprio da ação de consignação em pagamento, é de ser admitido o depósito das parcelas referentes ao contrato sub iudice, de acordo com o cálculo apresentado pelo devedor. Exibição de Documentos Comum às Partes. A instituição financeira está obrigada à exibição do contrato celebrado entre as partes, bem como dos extratos relativos à relação contratual sub iudice, ante o princípio da carga dinâmica da prova. Exegese dos artigos 6º, VIII, do CDC, 355 e 381 do CPC. Astreinte. Cabível a estipulação de multa diária, em caso de descumprimento de decisão judicial, que nada mais é do que garantia do cumprimento da obrigação imposta. Agravo Provido. Tutela deferida.” 41 “Negócio Jurídico Bancário. Ação de Revisão Contratual. Juntada dos Contratos Celebrados entre as Partes. Ônus da Prova. Distribuição Dinâmica da Carga Probatória. Deixando o autor, de trazer aos autos o contrato objeto da ação revisional, e postulando seja determinado à instituição financeira que o forneça, pode, o decisor, assim ordenar, distribuindo o ônus da prova de modo a viabilizar o exame do pedido. Aplicabilidade, in casu, da teoria da carga probatória dinâmica, segundo a qual há de se atribuir o ônus de provar àquele que se encontre no controle dos meios de prova e, por isso mesmo, em melhores condições de alcançá-la ao destinatário da prova. Fixação de Multa Diária. Descabimento. Aplicação do artigo 359 do CPC. Prevendo, o artigo 359 do CPC, que a não exibição de documento pelo

40 Resp 69.309/SC, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 18/06/1996, DJ 26/08/1996, p.29.688. 41 Agravo de Instrumento nº 70012343216, Rela. Isabel de Borba Lucas, Décima Quarta Câmara Cível, TJRS, julgado em 15/07/2005.

76

réu, no prazo legal, implica admitir com verdadeiros os fatos que, por meio do documento, a parte autora pretendia provar, mostra-se descabida a imposição de multa diária para o caso de descumprimento do provimento judicial que determinou tal exibição, sob pena de cominação de duas penalidades. Agravo de instrumento parcialmente provido, de plano.”42

É comum determinadas decisões judiciais, visando à justiça de suas decisões,

invocar a inversão do ônus da prova com base no Código de Defesa do Consumidor. Sabe-se

que a grande inovação legislativa deste diploma legal foi a inversão do ônus da prova quando

houver relação de consumo, como sói deve ser, uma vez que o Código regula estas relações.

Ocorre que para tanto, além de se tratar de relação de consumo, é necessário que o autor seja

hipossuficiente economicamente (pode ser inferioridade técnica) bem como pode haver a

inversão caso haja verossimilhança nas alegações do consumidor. Ocorre que a defesa

tentará, portanto, primeiro, descaracterizar a relação como uma relação de consumo.

Segundo, tentará desqualificar a hiposuficiência do consumidor. Nessa linha de raciocínio,

são emblemáticas as decisões que fundamentam a inversão com base nessa linha de atuação e

até se inspiram em diversos princípios para sustentar, v.g., a aplicação da inversão do ônus da

prova.

Talvez, nada fosse necessário, caso se aplicasse a teoria da inversão dinâmica

do ônus da prova. Até porque esta dispensa a natureza consumerista. Por outro lado, não

necessita que haja uma inferioridade técnica ou econômica para a inversão. Para aplicação da

teoria dinâmica, basta que o julgador entenda que para o caso concreto, é o réu quem tem

melhores condições para realizar a prova que trará a verdade da relação jurídica afirmada nos

autos. Na inversão, o julgador precisa explicar fundamentadamente o porquê da inversão, o

que faz o processo sofrer uma nova etapa, uma vez que haverá recurso de agravo e

enfrentamento pelo Tribunal das questões levantadas pelo juízo para a inversão. Não quer

dizer que não haveria o recurso de agravo da decisão que imponha uma parte a produção de 42 Agravo de Instrumento nº 70011691219, Rel. Jorge Luís Dall’Agnol, Décima Sétima Câmara Cível, TJRS, julgado em 20/05/2005.

77

determinada prova; porém, a natureza do debate judicial na Corte de Justiça não seria pela

relação de consumo ou questões de hipossuficiência.

Para ilustrar o tema, acosta-se aos autos decisão do STJ, que para aplicar a

inversão do ônus da prova, sustenta que o comprador de um automóvel teria uma

inferioridade técnica em relação ao empresário (empresa) para sustentar a inversão deferida.

E perceba que a matéria foi ventilada em recurso de agravo, verbis:43

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MONTADORA DE VEÍCULOS. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR. VULNERABILIDADE TÉCNICA E FÁTICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VIII, elenca como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive, com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente. A hipossuficiência decorre da vulnerabilidade do consumidor, impedindo-o de desincumbir-se de seu encargo probatório. São, principalmente, três os fatores que tornam o consumidor vulnerável e dificultam-lhe de sobremaneira provar os fatos constitutivos de seu direito, quais sejam a ausência de informações técnicas, a falta de conhecimentos jurídicos e certas circunstâncias fáticas decorrentes das características de mercado. Assim, visando equilibrar uma relação que já nasceu desigual é que o Código de Defesa do Consumidor impõe a inversão do ônus da prova. AGRAVO IMPROVIDO44.

Há decisões judiciais, por outro lado, que invocam tanto a teoria da carga

dinâmica do ônus da prova como a inversão do ônus da prova. Questão interessante foi

abordada no Rio Grande do Sul quanto à questão da responsabilidade civil de um hospital em

que houve uma lesão na paciente que se internara para realizar uma cesariana. O juízo a quo

condenou o hospital. Todavia, no Tribunal, a condenação foi majorada para separar o dano

moral do estético bem como há menção expressa da aplicação da teoria da carga dinâmica

bem como da inversão do ônus da prova. Significa que não obstante tratar-se de

responsabilidade objetiva e ser uma relação de consumo, há uma melhor facilidade de

43 Porto Alegre, 20 de julho de 2005,Rel.Des. Odone Sanguiné.

44 veja o voto na íntegra no ANEXO A.

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produção de prova por parte do hospital. E, mesmo que bastasse a inversão pela relação de

consumo, esta é corroborada pela teoria dinâmica. É um primeiro passo para sedimentá-la no

seio jurídico. Para ilustrar o tema, reproduz-se, na íntegra o acórdão e voto proferido no caso,

verbis:45

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CESARIANA. INFECÇÃO PUERPERAL. RESTOS DE PLACENTA NO INTERIOR DO ÚTERO. APLICAÇÃO DO CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OMISSÃO DE CUIDADOS PELO HOSPITAL. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO. DANOS MORAL E ESTÉTICO. VERBAS AUTÔNOMAS. DOBRA DA INDENIZAÇÃO. INVIABILIDADE. Aplicável, in casu, o princípio da carga dinâmica da prova, além de possível, também, a inversão do ônus da prova, cujas hipóteses não se resumem à questão da hipossuficiência econômica, podendo ser deferida a inversão, também, com fundamento na inferioridade técnica ou na verossimilhança das alegações do consumidor, ex vi do art. 6º, VIII, do CDC, situações essas, todas, presentes no caso em comento, possibilitando a aplicação da regra, inclusive, ex officio. Precedentes do STJ. Não havendo demonstração pelo nosocômio acerca das excludentes de culpabilidade, atinentes à inexistência do defeito ou à culpa exclusiva da paciente (art. 14, § 3º, do CDC), patente sua responsabilidade, que no caso é objetiva. As reparações por danos estético e moral, mesmo entendido aquele como corolário deste, podem ser cumuladas, ainda quando derivados de um mesmo fato, se inconfundíveis suas causas e passíveis de apuração em separado. Arbitramento de verba autônoma para o dano estético comprovado, levando em consideração tanto o caráter compensatório como o caráter inibitório-punitivo da indenização. A regra contida no art. 1.538, § 1º, do CCB/1916 não abrange todas as parcelas previstas no caput, mas apenas a multa criminal, acaso devida, o que não é a hipótese vertente. Danos moral e estético fixados em 100 e 80 salários mínimos nacionais, respectivamente, atendendo às circunstâncias concretas da causa e a critérios de razoabilidade. APELO DO RÉU DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA PROVIDO EM PARTE.

Na mesma linha de pensamento do voto retro mencionado, há outro quanto à

irregularidade no medidor da energia elétrica consumida. Também não se nega a qualidade

de consumidor ao proprietário do imóvel em relação à empresa de energia. Ocorre que a

prova do consumo da energia se torna difícil para o consumidor quando esta se afasta da

habitualidade. No caso concreto havia um aumento muito superior na conta reclamada em

relação aos meses anteriores. O juízo determinou a inversão do ônus da prova. Mesmo se

tratando de Direito Público, aplica-se ao caso as regras da relação de consumo. Outrossim, o 45. veja o voto na íntegra no ANEXO B.

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eminente Desembargador ao proferir seu voto (segue na íntegra) demonstra que mesmo

havendo laudo pericial concluindo que não há violação do medidor, a prova de que haveria o

consumo deveria ter sido produzida pela empresa, uma vez que esta tem melhores condições

para tanto. Além de que a experiência comum revela que havia uma probabilidade de que não

houve o consumo. Segue o voto, verbis:46

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO VISANDO A DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IRREGULARIDADE NO MEDIDOR. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. CDC. APLICAÇÃO. CORTE DE LUZ. IMPOSSIBILIDADE. FATURA EM VALORES DE TRÊS A DEZESSEIS VEZES O USUAL. AUSÊNCIA DE PROVA. DESCONSTITUIÇÃO DA DÍVIDA. Aplicável, in casu, o princípio da carga dinâmica da prova, além de possível, também, a inversão do ônus da prova, cujas hipóteses não se resumem à questão da hipossuficiência econômica, podendo ser deferida a inversão, também, com fundamento na inferioridade técnica ou na verossimilhança das alegações do consumidor, ex vi do art. 6º, VIII, do CDC, situações essas, todas, presentes no caso em comento, possibilitando a aplicação da regra, inclusive, ex officio. O inadimplemento não autoriza o corte no fornecimento, pois tal representa exercício arbitrário das próprias razões, vedada a justiça privada pelo sistema jurídico pátrio, não podendo a credora utilizar-se da suspensão do fornecimento como meio coercitivo para o pagamento de débitos. Precedentes da Câmara. Ademais, estando baseada em simples resolução, resta caracterizada a ilegalidade e a inconstitucionalidade, pois, no Estado Democrático de Direito, que adota o Regime Republicano (CF/88, art. 1º) e o princípio da tripartição dos Poderes (CF/88, art. 2º), somente a lei, em seu sentido formal e material – com exceção da medida provisória, nos casos em que é constitucionalmente admitida – é que pode inovar a ordem jurídica, isto é, criar, modificar ou extinguir direitos. Ainda que o laudo do INMETRO seja pela regularidade do medidor, não há prova de que a diferença exorbitante na fatura da autora se deu por consumo efetivo, com o que devem os débitos ser anulados. APELO DESPROVIDO.

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro encontramos a aplicação da referida

teoria na revisão de contrato de mútuo hipotecário:

Mútuo Hipotecário. Honorários de Perito. Provimento Parcial. Processual Civil. Agravo de Instrumento. Revisão de contrato de mútuo hipotecário. Decisão que determinou o depósito judicial dos honorários periciais, pena de extinção do processo. Tem a parte o direito de se pronunciar sobre a verba honorária pretendida pelo dr. Perito, de modo que impossível impor o depósito sob pena de extinção do feito sem obediência ao contraditório. A ausência do depósito dos honorários não causaria a extinção do feito, mas a perda da prova. Pedido de revisão dos honorários. O valor dos honorários do dr. Perito deve guardar relação com o trabalho a ser desenvolvido. No caso, a prova pericial não ser revela complexa.

46 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Rel. Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 05 de abril de 2006. Veja o voto na íntegra no ANEXO C.

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Recurso provido em parte, para reduzir a verba honorária para dez salários mínimos, carreando o respectivo pagamento ao réu, com base no Codecon e na extensão do princípio das cargas probatórias dinâmicas, especialmente pelas circunstâncias excepcionais reveladas no recurso e em se tratando de contrato celebrado com instituição financeira em cujo poder se encontra a documentação que servirá de base para a perícia. Provimento parcial do agravo.”47

Outra não é a lição que vem ganhando espaço no Direito Internacional. A

própria China vem, por seus doutrinadores, avaliando a necessidade de uma nova técnica

processual para a aplicação da responsabilidade médica em face da dificuldade do paciente de

provar fatos que lhe seriam exigidos. Nessa linha, passam a crer que é necessária uma nova

interpretação à luz de que os fatos falam por si só e que a experiência de outros países deve

ser acolhida para ministrar fonte para o direito chinês. Nesse sentido, reproduz-se parte do

texto de LL.M Candidate, McGill Faculty of Law, que compara o sistema chinês com o

sistema do Canadá.

48Abstract: In 2002, Chinese Supreme Court applied a judicial interpretation on evidential issues in civil procedures, including the proof of negligence in medical disputes. It provided that medical institution should bear the burden of proof of “fault” and “causation” to avoid medical liability. Compared with former laws, this provision was deemed as a breakthrough for protection of patients’ right by relieving them part of the burden of proof in asserting their claims. However, due to the influence of theoretical dichotomy of “unlawfulness” and “fault” to establish a medical tort, and the failure to reconcile the conflicting laws, this judicial interpretation does not actually facilitate the medical disputes litigation. In this article, the author, by examining the experience of common law Canada, suggests that China should enrich its standard of medical care first, either by statutes and judicial practice, at the same time taking into consideration whether the complete reversal of burden of proof on medical institution under any circumstance is legally rational. I. Introduction In medical negligence cases, the most controversial and problematic issue is the burden of proof imposed on both parties, especially for the patient who have no special knowledge of medicine concerning his/her disease, nor in an advantageous position to understand the factual chain of the treatment and the possibility of damage. Though the basic evidential principle usually recognize that it should be the person who raise the claims to prove the fact, there also exists some flexible measures as exception to this principle such as the reversal of burden of proof from the claimant to the defendant, under the circumstance of which the law aims to rebalance the obligations of each party in accordance with the principle of fairness. In the medical law field, the question is more obvious because of two reasons: first, the uncertainty

47 Agravo de Instrumento nº 2000.002.14935, Rel. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, julgado em 09/10/2001. 48 LL.M. Candidate, McGill Faculty of Law; LL.M., LL.B., School of Law, Shandong University.Interpreting he Burden of Proof in Medical Negligence in China: Questions and Solutions Zhendong Sun.

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and complexity of medical science always created cases where the evidences of fault or causation are ambiguous or impossible to obtain to support the claim; second, due to the first reason, to what extent should the law rebalances the burden of proof and makes a new allocation of this burden to physicians but assure at the same time the medical profession should not be overwhelmed. Canada and China offer different approaches in answering these questions. Such differences do not merely come from the distinction between common law and civil law, but from the maturity of development of tort law theory and the habit of thoughts to address practical legal issues. Article 64 (1) of the PRC Civil Procedure Law provides: “A party shall have the responsibility to provide evidence in support of its own propositions.” According to the supporters, the reversal of burden of proof will protect patients’ rights better for the following reasons: First, the medical service is highly professional and technical, the patients usually have no relevant knowledge about medical science, or understanding of the regulations and rules in hospitals, nor the normal procedure of treatment, so it is difficult for patients to prove the negligence committed by physicians and nurses; Second, though there are medical records of diagnosis and treatment of each case, however, such records are usually kept or retained by physicians or hospitals, it is not easy for patients to access or obtain these documents to support their claims, particularly concerning the situation that some medical institutions may alter, forge, destroy or conceal the medical records; Third, under the circumstances where patients are unconscious or deceased, it is impossible for patients and their family members to cognize or perceive whether the medical negligence existed during the process of diagnosis and treatment; Fourth, the reversal of burden of proof will lower the judicial cost and enhance the efficiency. Before the Provisions is issued, when dealing with medical uncertainty matters, if both parties cannot present evidence to support their claims because of such “objective reasons”, it is the court who shall collect such evidence in order to render a decision. Apparently, it will delay the trial of the case and the compensation for patients as well. In short, the reversal of burden of proof to the medical profession will address these problems by rebalancing the ability of each party to produce evidence. It will not only reallocate the asymmetrical information between patients and physicians, but also comply with the legal principle of fairness. ... However, the opponents believe the new development in medical law will awfully overburden the medical profession who will be extremely cautious since then during the treatment on patients to avoid potential lawsuits, the excessive cautiousness includes using more conservative therapy to ensure a predictable result, frequently referring a patient to other colleagues when a physician has only a slight feeling of incapability, etc. During the course of which the best chance of treatment on patients might be delayed or lost. The reversal of burden of proof seemingly purports to protect patients’ rights, but in turn it will materially harm their interests from a long run. More importantly, the burden of proof article in Provisions misinterpreted the relationship between physicians and patients, which should be cooperative rather than antagonistic. One function of tort law is to compensate the loss through the award of damages to victims for the wrong that has been done, nevertheless, if the law favors patients too much by imposing heavy burden of proof upon physicians, it may expediate the process of litigation but at the same time, it may also result in the abuse of process because it is physicians and hospitals’ obligation to prove their innocence in a medical negligence dispute. Both these supporters and opponents raised persuasive arguments on the burden of proof issue. Nevertheless, they only focused on the reversal of burden of proof itself rather than making a close study on other legal issues beneath the Provisions.First, the general principle of burden of proof that “a party shall have the responsibility to provide evidence in support of its own propositions” should be emphasized, the burden of proof reversed on medical institution only relates to “the causation between the medical conduct and the consequences of damage” and “medical fault”, such reversal does not necessarily mean that physicians and hospitals will inevitably lose their case. Instead, if they can raise sufficient See Liqiang Deng, “On Burden of Proof in Medical Tort”, The Law

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Library (12 September, 2003), online: The Law Library <http://www.law-lib.com/lw/lw_view.asp?no=2047>, [translated by author]. ... Similarly, patients still have the obligation to prove the existence of the unlawfulness of medical conduct and the fact of damages, etc, which used to be the valid cause of action, their failure to do so will make their claim dismissed. Both parties can adduce evidence challenging the credibility of other’s evidence to rebut their claim, the only difference now is that physicians and hospitals has been put into the first position to address the fault and causation problems. Second, the establishment of a medical tort in China usually should satisfy four legal requirements, i.e., the unlawfulness of an act, the actual damage, causation and fault. Compared with the Canadian law which only takes the last three requirements, China followed the model in German law that the “unlawfulness of the act” should be considered when judging whether a medical tort is established or not. The meaning of “unlawfulness” includes two categories: In a broader sense, it means the act infringes upon the interests protected by law; In a narrow sense, it refers to the act that violates the compulsory or forbidden norms of law. Therefore, to prove the act is unlawful, the relevant laws or legal principles should be examined. According to the Provisions, the onus of proof of the “unlawful act” remains on shoulders of patients and that of “fault” is on physicians and hospitals. As for the relationship between the “unlawful act” and “fault”, I will discuss in the later context. Third, following the second point, the Provisions merely concerns with procedural issue, the establishment of a medical tort, i.e., the satisfaction of the four legal requirements as mentioned above, especially the “unlawfulness of act”, should be identified through examining the substantive law. To name a few, the General Principles of Civil Law (hereinafter referred to 6 See Xinbao Zhang, Chinese Tort Law, 2nd Ed. (Beijing: Chinese Social Science Publishing House, 1998), chapter 3, online: Chinese Civil Law Classroom <http://www.civillaw.com.cn/weizhang/default.asp?id=12563>. ... IV. Proof of Medical Fault in Common Law Canada The common law Canada has developed some practical standards and theories to judge physician’s duty of care and to prove medical negligence. Unlike the unlawfulness requirement to establish a medical tort in China, in common law Canada patients can bring a negligence action against physicians and hospitals if they can prove that: 1) There is a duty of care, which arises out of the doctor-patient relationship; 2) There is a medical negligence, i.e., a failure to keep the standard of care required and to act properly under the circumstances; 3) There is actual damage, i.e., patients must have suffered from such medical negligence; and 4) There is causation, i.e., the damage is the result of doctor’s carelessness. Though Canadian common law does not reverse the burden of proof of medical negligence or causation on shoulders of hospitals or physicians like what has been done in China, except in situations of medical uncertainty where the res ipsa loquitur will apply, I still prefer the Canadian approach in terms of the initial step to raise a lawsuit against physicians and hospitals because Canada does not separate the “unlawfulness” of the medical conduct from the medical “fault”, rather, it treats these two elements as an integrity of the “medical negligence”. .... B. Proving Medical Negligence Compared with the radical change of burden of proof in medical dispute litigation in China, Canada follows the traditional approach, i.e., the party alleging the claim should prove the existence of the fact upon which his claim is based by presenting cogent and sufficient evidence in court. Only under special circumstance, the indirect evidence or the principle of res ipsa loquitur will apply whereby the burden of proof will be shifted to the shoulders of physicians and hospitals. 1. General Principle In Canada the patients asserting a right shall prove the facts on which his claim is based. This means that patients must convince the judge, on balance of probabilities, that these facts have demonstrated the doctor-patient relationship where the duty of care arises, the breach of this duty of care, and proximate damage as a result of this breach. However, due to the complexity of medicine science, to present such direct

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evidence by themselves and lawyers is unrealistic and unpersuasive. Usually, patients and their lawyers will try to find some expert witnesses to adduce evidence since the qualifications and background of these expert witnesses will enable them to speak authoritatively about the technical and scientific issue in the dispute, such as whether the defendant physician has acted in accordance with the generally approved practice in current medical profession, whether the testimony by defendant’s medial expert is credible or not through the debate in cross-examination, thus the conclusion that whether the defendant has breached the standard of “a reasonable and prudent fellow practitioner” will be drawn. For defendant physicians or hospitals, it is the same that they should call some colleagues to be expert witnesses to testify the issue in question. During the medical dispute litigation, any party who, with the help of their expert testimony, fails to establish or raise the fair inference of medical negligence will lead to the adverse outcome that his action will be dismissed. Unlike the appointment of Medical Association for corroboration purpose where patients have few choices about selecting the corroboration organization or agency, the freedom of Canadian patients in choosing expert witnesses is not limited, their only concern is the difficulty that doctors usually are reluctant to testify in court because of their abhorrence of courtroom and “conspiracy of silence” or “comradeship of colleagues”. If patients by any means cannot find their expert witness, courts might summon an impartial expert and provide both sides with an opportunity to cross-examine this appointed witness. ... 2. Res Ipsa Loquitur The Latin maxim res ipsa loquitur means the “things speaks for itself”, indicating that on certain occasions the mere occurrence of an event tells its story and raises an inference of negligence against the defendant. In medical law field, this concept is applied when the direct evidence is not available to find a reasonable explanation of the precise cause of the accident, and then the burden of proof is shifted from the plaintiff patients to the defendant physicians. Ordinarily, the application of res ipsa loquitur must meet the following requirements: First, the defendant has exclusive control over the instrumentality which caused the accident; Second, the accident does not ordinarily occur in the absence of defendant’s negligent behavior; Third, the occurrence of the accident remains uncertain or unknown. ... V. Conclusion The Provisions of Chinese Supreme People’s Court seemingly relieves the patients of some burden of proof in the medical dispute litigation by reversing the onus of proof of “fault” and “causation” on shoulders of physicians and hospitals. However, the academic dichotomy of “unlawfulness” and “fault” as two requirements to establish a medical tort actually has undue impact on the practice, resulting in the confusion of “unlawfulness” and “fault”. Considering these problems, what seems urgent in China is not how exactly the burden of proof is reallocated. Rather, the prerequisite that should be addressed is that how the law regarding medical negligence should be improved in both definition and interpretation. The Canadian experience offers abundant theories and principles for such improvement, which will be helpful for the Chinese patients to establish the “unlawfulness” of a medical conduct, for physicians and hospitals to defense their liability, and for Medical Association and judicial doctor and other expert witnesses to offer a more cogent explanation of “a reasonable and prudent fellow practitioner” with the consideration of physicians qualifications, medical risks and locality etc. Also, the doctrine of res ipsa loquitur may enable China to rethink whether the absolute reversal of burden of proof on physicians and hospitals under any circumstance is legally proper.

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3.3 A CARGA DINÂMICA DA PROVA E SUA APLICAÇÃO

ESPECÍFICA NA ARGENTINA, À LUZ DE SEUS DOUTRINADORES

No presente momento transcrevem-se as lições sobre a referida teoria, à luz da

experiência vivida na Argentina, de onde surgiu e onde os Tribunais, hoje, a aplicam

diariamente.

Um dos campos mais férteis para a aplicação da teoria da carga dinâmica da

prova vem da Argentina, que é considerada o berço da doutrina. Da mesma forma que

encontramos no Brasil, o sistema jurídico processual argentino dispõe que o autor deve

produzir a prova de seu direito, mas também se aplica o princípio da colaboração. Veja a

doutrina de Augusto M. Morello, verbis:49

Un compendiado repaso en torno de la visión actual. La Idea –fecunda- de la cooperación (abarcativa de la solidariedad en la comunidad [en el município], en la región, en la integración y en la globalidad) nos viene de lejos y anida en el concepto de la amistad; atributo de ella y gesto activo de los lazos que la misma suscita es el puente de colaboración, de empresa compartida para diagramar e impulsar emprendimentos útiles al colectivo, al conjunto; dentro del proceso, seguramente lo tocante a la prueba, en su gestión y en el esfuerzo de colectarla para el mejor desempeño de la jurisdicción, es sin lugar a dudas la parcela más indicada, resultado valioso del juez en la sentencia.

No pocas veces cuesta encontrar apoyo en razones serias, fundamentos directa y objetivamente demonstrativos del sentido cabal de lo que se halla en discusión, o no existen en el proceso elementos probatórios de mayor eficácia para acreditar como han ocurrido los hechos, ni evidencias suficientes para provocar la convicción acerca de la verdad de los que han sido controvertidos.

Sabemos ya: 1)Que no podrá el juez auxiliarse siempre con la enseñanza recibida ala luz de la norma del artículo 377, CPN: al actor corresponderá acreditar los hechos controvertidos de su pretensión, en tanto que la contraria deberá cargar con la justificación de los hechos extintivos, impeditivos o modificatorios por ella alegados. A veces no es así y un conjetural, más sutil y afinado desplaziamento hará que esa carga se desplace hacia el otro postulante en razón de encontrarse en mejores condiciones de lograrla o gestionarla. Su cooperación no podrá eludirse si tal parte es la que se encuentra en una más idónea disposición, sea de conocimiento, profesionalidad, habitualidad o técnica a la hora, lugar y condiciones de proponerla y practicarla (aportarla). De acuerdo con las ideas ahora prevalecientes, la visión solidarista de cooperación hacia la jurisdicción y sus resultados –haber conciencia de que es un trabajo en

49 Morello, Augusto M., Dificultades de la Prueba em Procesos Complejos, Ed. Rubinzal – Culzoni,Buenos Aires, p. 49/50.

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común- impone, desde la perspectiva de la carga de la prueba, que no se legitime a ninguno de ellos a refugiarse en el solo interes de esa parte, y 2)al apreciar la prueba los jueces deben evitar evaluar cada prueba en solitário, independientemente del conjunto, porque su convicción racionalmente fundada (sostenida en criteriosa motivación) debe derivarse de la demostración, y ello lleva la analítica y trabajada captación del conjunto (en sumatoria o a través de una lectura que no silencie ni prescinda del valor que en particular portan y que han de computarse para establecer conclusiones, en verdad fundadas) de los elementos colectivos en el proceso. Y ello nos conduce, forzosamente, a adecuar y uniformar los institutos de los que se vale el Derecho Procesal para hermanar, armonizar, integrar y aprehender coherente y sistematicamente sus técnicas en correspondência con las exigências de la realidad.”

Outra não é a lição de Augusto M. Morello quando aborda em sua citada obra

sobre a atualidade do tema quanto ao estudo da prova no Direito Processual. Afirma este que

na atualidade deve se pensar na busca da prova pela cooperação das partes e não mais na

visão antiga de que o peso da prova “cairia sobre os ombros” do autor. Não é mais possível a

um processo justo que se fuja da cooperação. Nesse sentido, reproduzo a parte de sua obra

que assim afirma: verbis:50

Desde que Marcel Storme efectuara una lúcida crítica a la concepción del Derecho Procesal –triunfante a lo largo de los años de la centúria anterior- que ponía sobre los hombros del actor el peso de la iniciativa, impulso y, fundamentalmente, la gestión probatória, replegando al demandado a un acompañamiento casi pasivo y “em expectativa”, las mudanzas en esa lectura parcial y errônea han sido copernicanas. El jurista belga, profesor de la Universidad de Gante y actual Presidente de la Asociación Internacional de Derecho Procesal, desnudó una realidad distinta en la que la cooperación se distribuía en ambas partes y la obra de estructurar y definir el litígio era común y dependia de la activa participación de ambos. Que los fines públicos de la jurisdicción han de abastecer la concurrente y sincronizada tarea de las partes involucradas en la paz social y los resultados justos que depara una sentencia en el mérito. Desemboque de un proceso justo y del esfuerzo compartido de acceder a la verdad jurídica objetiva respentando los hechos relevantes y las circunstancias acreditadas en la causa. Así se puso fin a la cómoda e insolidaria postura –hondamente arraigada en los operadores jurídicos y en la experiencia concreta de la litigación- según la cual bastaba como regla la negativa de las afirmaciones de la demanda y que “el otro” probara lo que alegaba en el objeto y fundamento nuclear de su pretensión.

De forma importante coadyuvó a ese sustancial replanteo, y a su metodologia y derivaciones, la reconsideración del papel del juez, director activo, atento y preocupado por la valiosa (justa) terminación de la controvérsia. Igualmente, por el registro superior que han ganado los critérios de la interpretación dinámica, no paralizante, para nada dogmáticos ni ritualistas, ávidos porque las consecuencias que se siguen de la fundamental tarea hermenéutica sean positivas,

50 Morello, Augusto M., op. cit.

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útiles y de resultados efectivos (TARUFFO)51. Enfoque que movió la totalidad de las piezas del tablero del proceso judicial. Los convocados al debate –todos- deben cooperar. Ninguno ajeno y distante –mira indiferente- a lo que otros hacen o deben hacer.

Assim se manifestou Luis Eduardo Sprovieiri, verbis:52

I – Carga de la prueba. Com la finalidad de evitar el estado de perplejidad del juez, se ha procurado la determinación de una regla uniforme que lo ayude a hablar estableciendo como debe distribuirse en el proceso el esfuerzo probatorio. O mejor, cuál habrá de ser el contenido de la decisión judicial en los casos de ausencia o “ déficit” probatorio. Asi nació lo que conocemos como “ carga de la prueba”, espécie dentro del género de las cargas procesales, concepto acuñado por JAMES GOLDSMICHT como “ imperativo del próprio interes”. La carga procesal a que hacemos referencia há sido entendida por los autores ya sea como imposión de una suerte de “ regla de atribuición”, según la cual cada una de las partes conoce de antemano cuál de ellas habrá de dedicarse a probar un hecho determinado, o como “ regla de juicio”, en virtud de la cual el juez al momento de hablar há de inclinarse en contra de la postura de quien debía probar y no lo hizo. En realidad las reglas atienentes a la carga de la prueba encuentran su razón de ser cuando al momento de dictar la sentencia definitiva el proceso exhibe falta de la prueba necesaria para formar la convicción del juez, momento en el que el magistrado, que no puede dejar de emitir su pronunciamento (art. 15 del Cód. Civil), debe decidir “castigando” a aquella parte sobre que pesaba la carga. El onus probandi no parece tener otra significación que la de señalar la falta de prueba y las consecuencias perjudiciales que tal falta entraña para la parte que correspondía probar. No se distribuye el “poder de probar” sino el “riesgo de la falta de prueba”. Si el juez encuentra elementos para convencerse de la existencia de un hecho controvertido, su convicción se forma sin influencia alguna de las reglas sobre carga de la prueba, “ el juez acude solo a estos principios cuando la instrucción no le ofrezca elementos de convicción”, “ resuelve la Duda a costa de la parte a la que incumbe la carga”. No obstante, no descartamos de plano la existencia de la “ regla de atribuición”. No cabe Duda de que las reglas sobre carga probatoria actúan principalmente como “ regla de juicio”, pero también lo hacen como “ regla de atribuición o reparto” o “ regla de conducta” para que los contendientes puedan prevenirse de esse juzgamiento desfavorable. En otros términos, que las partes puedan saber al iniciarse el proceso cuál de ellas habrá de verse afectada por la ausencia de prueba sobre un hecho determinado. En palabras de DÉVIS ECHANDÍA, “ carga de la prueba es uma noción procesal que contiene la regla de juicio, por médio de la cual se le indica al juez como debe hablar cuando no encuentre en el proceso pruebas que le den certeza sobre los hechos que deben fundamentar su decisión, e indirectamente establece a cuál de las partes interes ala prueba de tales hechos, para evitarse las consecuencias desfavorables”. Por esse camino entonces, la doctrina impulso a los legisladores a elaborar critérios estrictos, “estáticos”, que habrían de servir como “metro patrón”; una ley omnicomprensiva aplicable a todos los casos, casi como en las ciências exactas.

51 Remitimos a los temas modernos de la prueba em Avances procesales, Rubinzal-Culzoni, Santa Fé, 2003, p. 419-477. La inquietud viene de lejos, ver Los poderes del juez en ordem a la prueba en la reforma procesal, em J.A. 1972-73, Doctrina. 52 Audiência preliminar y cargas probatorias dinâmicas, por Luis Eduardo Sprovieri. E.D. ( El Derecho), Tomo 179, pag. 1013/1020, Buenos Aires, 1998.

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Así asistimos al apogeo y ocaso de diversas reglas que fueron siendo superadas o complementadas por otras más detalladas que definían la cuestión tratando de incluir todos los supuestos apriorísticamente imaginables. Esa evolución incesante tiene sin Duda mucho de lo que FENOCHIETTO há llamado la búsqueda de la “regla áurea”. Las primeras de tales reglas, representadas por aforismos, predicaban que la carga incumbe al actor respecto de sus afirmaciones (ônus probandi incumbit qui agit), pero tambíen al demandado cuando se excepiciona (réus in excipiendi fit actor). Tambíen, que “ quien afirma prueba”, brocardo sin Duda muy conocido, y regla que tuvo su consagración legislativa en los iberoamericanos de fines y principios de siglo. Tales reglas, entendidas como insuficientes y ambíguas, dejaron paso a outra, elaborada sobre la base del derecho de las obligaciones, que distinguia de acuerdo a la naturaleza de los hechos alegados, según que éstos fueran constitutivos, modificativos, extintivos o impeditivos. Em virtud de ésta, quien pretende algo debe probar los hechos constitutivos de su pretensión y quien lo contradice los hechos modificativos, extintivos o impeditivos. Este critério dejó paso a su vez a otro, llamado “normativo”, debido a LEO ROSEMBERG y que encontramos consagrado en el art. 377 segundo párrafo de nuestro vigente Código Procesal Civil y Comercial de la Nación. No atiende a la posición de cada parte en el proceso, ni a la naturaleza de los hechos afirmados, sino que establece que cada parte debe dedicarse a probar la ocurrencia del hecho tenido como supuesto fáctico de aplicación de la norma jurídica que le resulta favorable, invocada como fundamento de su pretensión, defensa o excepción. Com esto quedó superada aunque más bien complementada, la regla anterior, criticada por no comprender los casos en que invocaban hechos a la vez constitutivos e impeditivos. II- Cargas probatórias dinámicas El mismo CHIOVENDA resaltaba la importancia del estúdio de la instituición de la carga probatoria al advertir que se trata de una cuestión que “ presta poco a una regulamentación legislativa general y terminante”, ya que “a menudo se siente en cada caso concreto la oportunidad de atribuir la carga de la prueba a una de las partes, y, en cambio, sería difícil formular una razón general para hacerlo”. Según el maestro, “no puede decirse a priori que el reparto de la prueba sea rigorosamente lógico y justo”. Critério este singular al que expresara LASCANO en oportunidad de presentar su proyecto, por entender tal tarea insusceptible de concreción general y prática. Con esa preocupación, en estos últimos tiempos ha ganado terreno y goza de acecptación en nuetro médio la teoria de las “cargas probatorias dinámicas”. Fue precisamente a partir de la formulación que hiciera JORGE W. PEYRANO que los tribunales primero y la doctrina después comprendieron la necesidad de morigerar en algunos casos especiales las duras, y a veces injustas, consecuencias que derivan de la distribuición de la carga probatoria, cuando la misma aparece como demasiado estática o rígida. Se advirió la existencia de “situaciones y circunstancias singulares que no se avenian a ser enmarcadas en los moldes clásicos concocidos. No podia ya contentarse el derecho procesal con elaborar reglas “estáticas” cuando la realidad resaltaba la necesidad de ocuparse de conceptualizar nuevas cargas probatórias suficientemente “dinámicas” como para desplazarse hacia una u otra de las partes, en el afán de servir méjor a la justicia del caso. Es que en determinados casos sometidos a decisión jurisdiccional se advertia que una de las partes, favorecida por aquellas normas de reparto de la carga probatoria, se refugiava en una simple negativa y se abstenía de producir toda prueba, a pesar de encontrarse en mejores condiciones para ello ya sea por sus conocimientos técnicos, profesionales o la misma fuerza de los hechos. Al decir de PEYRANO, esta moderna doctrina “nació como un paliativo para aligerar la ímproba tarea de producir “pruebas diabólicas” que, en ciertos supuestos, se hacía recaer, sin miramientos, sobre las espaldas de alguna de las partes (actor o demandado) por mal entender las tradicionales y sacrosantas reglas “apriorísticas” de distribuición de la carga de la prueba”.

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Ya no se atiende tan solo al emplaziamento como actor o demandado, o la naturaleza constitutiva, modificativa, extintiva o impeditiva de los hechos articulados, o la “invocación” de una norma y su presupuesto de hecho. Ahora, quien se encuentra en mejores condiciones de probar ya sea por el concocimiento de los hechos o la mayor facilidad de acceso a la prueba, debe harcelo. Debe comportarse en el proceso solidariamente, o soportar las consecuencias que se derivarán de su condueta reticente. O, como también se há dicho, debe sufrir las consecuencias de la presunción en su contra que deriva de su condueta, ya que es dable suponer que quien teniendo una prueba a su alcance no la produce o acompaña actúa así porque la misma no lo favorece. Se trata lo que CARNELUTTI expresaba hace ya muchos años, en el sentido de que la distribuición del ônus probandi debe antender a la télesis del proceso. En efecto, decía el maestro italiano que “ teniendo en cuenta la finalidad del proceso, es evidente que el critério ha de escorgerse, no ya con referencia a su idoneidad para distinguir las partes respecto del hecho, sino también con referencia a la conveniencia de estimular a la prueba a aquella de ellas que más probablemente esté en condiciones de aportarla, y, por tanto, a base de una regla de experiência que establezca cuál de las partes este en mejores condiciones a esse efecto. Solo así la carga de la prueba constituye un instrumento para alcanzar la finalidad del proceso, que no es la simple composición, sino la composición justa del litígio”. Interesante manifestación sin Duda de la equidad al juzgar, entendida como aplicación del derecho natural al caso concreto; derecho natural que, por otra parte, no admite verse subordinado a una norma positiva como es la atribuición de la carga probatoria que hacen algunos ordenamientos. Recordemos en este punto a ARISTÓTELES que explicaba el concepto de equidad diciendo que su finalidad es corregir la falta del legislador al hablar en absoluto. Se trata de una forna peculiar de concreción de la justicia, que se actualiza en la circunstancia concreta”. No se trata tampoco de pensar que la ley es injusta, sino que la aplicación de esa norma jurídica de caráter general al caso particular puede llegar a redundar en una iniquidad no querida por el legislador, ni por el ordenamiento jurídico, uno de cuyos fines primordiales es precisamente la consecución de la justicia. Así, la equidad, al apartarse de las palabras de la ley, no abandona lo justo absoluto, sino lo justo ha sido determinado por la ley, no con desprecio de la misma, sino teniendo en cuenta que seguir estrictamente a aquellas palabras en los casos en que no es conveniente, es cosa viciosa.

Outra não é a lição do professor Marcelo J. López Mesa, verbis: 53

Algunos autores, a manera de teorías superadoras de los principios tradicionales, comenzaron a exponer doctrinas como las del activismo de los jueces o de los deberes de colaboración de las partes con el órgano jurisdiccional, que en lo esencial significaban anteponer la búsqueda de la verdad real a la vigencia absoluta e incondicionada del principio dispositivo. En esse marco progresista surge la elaboración doctrinal de las cargas probatorias dinámicas, que si bien no constituye un aporte completamente original, ha significado una aplicación concreta de idéas que hasta allí no habían gozado de mayor difusión, significando un mérito indudable de los Profs. Peyrano y Chiappini la divulgación de la Idea y su recepción por parte de la jurisprudência. ... 4) Observaciones. La doctrina de las cargas probatorias dinámicas viene siendo aplicada entre nosotros, de más en más, desde hace vários años; consiste, llanamente explicada, en imponer el peso de la prueba en cabeza de aquella parte que por su situación se halla en mejores condiciones de acercar prueba a la causa, sin importar si es actor o

53 La doctrina de las cargas probatorias dinâmicas (su actualidad en la jurisprudência argentia y española,, Zeus, Colección Jurisprudencial, Tomo 76, pág. 1/6, 1998.

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demandada. La superioridad técnica, la situación de prevalência o la mejor aptitud probatoria de una de las partes o la índole o complejidad del hecho a acreditar en la litis, generan el traslado de la carga probatoria hacia quien se halla en mejores condiciones de probar”.

O mestre Jorge W. Peyrano, o primeiro a trazer doutrinariamente a matéria a

lume, continua defendendo a aplicabilidade da teoria, pelo que se reproduz parte de seus

dizeres, quando abordou o tema sob o fundamento “dos novos lineamentos da carga dinâmica

da prova”, verbis:54

Primera Conclusión: “La temática del desplazamiento de la carga da prueba reconoce hoy como capítulo más actual y susceptible de consecuencias prácticas a la denominada doctrina de las cargas probatorias dinámicas, también conocida como principio de solidariedad o de efectiva colaboración de las partes con el órgano jurisdicional en ela copio del material de convicción”. Esta primeira conclusión reconoce que en materia de desplazamiento de la carga de la prueba, las “cargas probatorias dinámicas” constituyen solo un capítulo, aunque se destaca que es el más importante. Así mismo, puntualiza que no es el único nomen júris propuesto para designar el fenômeno que nos ocupa. Em tal sentido, pontualiza el principio de necesaria solidariedad y de responsabilidad compartida a la hora de la producción de la prueba; principio que coincide, en lo sustancial,con el espíritu de la doctrina sobre la que venimos informando. A todo ello, se deberá agregar la denominada teoria de las “cargas probatorias compartidas” – tantas veces citada en el seno del juicio de simulación – cuyo ideário se encuentra muy próximo a la doctrina que venimos recordando. Segunda Conclusión: “ Constituye doctrina ya recebida la de las cargas probatorias dinámicas. La misma importa un apartamiento excepcional de las normas legales sobre la distribuición de la carga de la prueba, a la que resulta procedente recurrir sólo cuando la aplicación de aquéllas arroja como consecuencias manifiestamente disvaliosas. Dicho apartamiento se traduce en nuevas reglas de reparto de la imposición probatoria ceñidas a las circunstancias del caso y renuentes a enfoques apriorísticos (tipo de hecho a probar, rol de actor o demandado, etcétera). Entre las referidas nuevas reglas se destaca aquélla consistente en hacer recaer el onus probandi sobre la parte que está en mejores condiciones professionales, técnicas o fácticas para producir la prueba respectiva. Se deve ser especialmente cuidadoso y estricto a la hora de valorar la prueba allegada por la parte que se encontre en mejor situación para producirla porque, normalmente, la misma también está em condiciones de desvirtuarla o desnaturalizarla en su próprio beneficio. El primer tramo de esta segunda conclusión enfatiza – contemplando, seguramente, la pluralidad de decisiones judiciales que expressa o implicitamente se han fundado en sus previsiones- en que debe calificarse como “doctrina ya recebida” a la que venimos actualizando. A renglón seguido, se há buscado destacar que su aplicación es procedente sólo in extremis; vale decir cuando la utilización del reparto legalmente previsto del onus probandi genera consecuencias claramente inconvenientes e inicuas. Em la parte final, la conclusión sub examine encierra una novedad absoluta. Em efecto: se recomienda que la valoración probatoria sea estricta al ponderar el material allegado por la parte que está en “mejores condiciones” de producir, v.gr., la prueba de descargo. Piénsese, v.gr., en el ejemplo del médico demandado por

54 Peyrano, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatorias dinámicas, E.D., tomo 153, 1993, Buenos Aires, Universitas, paginas 968/971.

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mala práxis al que se le requiere que proporcione al juicio la histórica clínica respectiva; elemento de juicio que, claro está, puede ser en algunos casos objeto de manipulaciones tendientes a favorecer la situación procesal de la parte que aproxima la prueba em cuestión. Tercera Conclusión: “ Se recomienda la regulación legal del ideário ínsito en la doctrina de las cargas probatorias dinámicas. Resultaria, en cambio, inconveniente su incorporación legislativa a través de disposiciones taxativas, demasiado casuísticas y que puedan interpretarse de manera inflexible, dificultándo-se así el necesario ajuste de la decisión respectiva a las circunstancias del caso”. Em este acápite, se decidió recomendar la inclusión en los textos legales de la doctrina en estúdio. Desde el punto de vista personal, y luego de algunas vacilaciones, nos hemos persuadido de las bondades de dicha recomendación. Es que, guste o no, lo cierto es que el aval legislativo expreso de una instituición, es importante y crucial a la hora de decidir los jueces respecto de la posibilidad de aplicar tal o cual figura “novedosa”. En la especie, se ha tenido el tino de declarar, asimismo,la inconveniencia de componer fórmulas legales demasiado rígidas y casuísticas, por ir ello a contrapelo de la connatural adaptabilidad a las circunstancias del caso propia de la doctrina de las cargas probatorias dinámicas. Bastaria, entonces, con alguna alusión del legislador apta para dar pie para que los estrados judiciales pudieran dar debido y circunstancias cauce a la doctrina em comentário. Cuarta Conclusión: “ Se estima que la invocación judicial oficiosa al momento de sentenciar de la doctrina de las cargas probatorias dinámicas o de concepciones afines, puede prima facie entrañar algún riesgo para la garantia de la defensa en juicio. Empero, tal aplicación quedaria cohonestada por constituir aquélla un corolário de las reglas de la sana crítica en mateira de valoración de la prueba; preceptos que pueden y deben meritar los tribunales. Además, contribye en el mismo sentido la normativa legal que consagra la posibilidad de apreciar la conducta procesal de las partes. Igualmente, la adopción en el futuro de la audiencia preliminar (oportunidad en que se advertirá a ambas partes sobre los especiales esfuerzos probatórios que deberán encarar), eliminaria el riesgo indicado. De todos os modos, se insiste en la necesidad de formalizar, en cualquier supuesto, una prudente y meditada utilización de la susodicha doctrina”.

3.4- A TEORIA DA CARGA DINÂMICA DAS PROVAS NA PROPOSTA DO

ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS

Outra grande tendência processual moderna é o uso das ações coletivas. Estas

têm o grande benefício de reduzir uma quantidade enorme de ações do tipo “padrão”.

Pesquisas revelam que quase 70% das demandas do Judiciário podem ser repetidas; quer

dizer, poderiam ser substituídas por apenas uma demanda, que seria coletiva. As vantagens

são enormes para este tipo de demanda. Primeiro porque traz uma segurança maior para os

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litigantes, que sabem que não estão sozinhos na questão judicial. E, outra, porque questões

que não seriam demandadas por ninguém, face ao pedido, podem ser demandadas pela

coletividade. É o exemplo de um valor ilegal de R$ 1,00 na conta de todos os consumidores

de energia elétrica. Nenhum consumidor, sozinho, ajuizaria uma demanda tão pequena e nem

a causa seria tão preocupante para o réu. Mas 1 milhão de consumidores, pleiteando via uma

ação coletiva, já passa a ter um significado bem maior.

Não se olvide também que com a demanda coletiva bastaria um órgão

legitimado com independência e autonomia (Ministério Público) para que este ajuizasse a

ação cujo interesse pertencesse a toda coletividade. Exemplo maior seria a ação coletiva em

prol dos aposentados que recentemente foram obrigados a ficar horas em uma fila para poder

ajuizar ações de revisão da aposentadoria, porque se ultimava o prazo prescricional. Nesse

caso, bastaria uma ação coletiva para que todos tivessem o acesso à justiça. E quando se fala

em acesso se fala da porta de entrada da justiça. Porém, o objetivo do processo é a porta de

saída, a coisa julgada. A segurança jurídica sempre valeu mais do que a verdade até. Mais

vale uma decisão definitiva e injusta, do que a insegurança da falta de decisão. Nesse sentido,

sempre foi cânone indiscutível que decisão judicial não se discute e sim se cumpre. Neste

prisma, há uma nova tendência processual, que seria a relativização da coisa julgada, para

permitir o acesso à verdadeira justiça. Seriam questões de Estado (principalmente as de

família) que permitiriam, com novas provas, a rediscussão da matéria.

De todas as tendências processuais quanto ao acesso à justiça, a que mais

se discutirá e que poderá ser alterada no futuro, será o instituto da coisa julgada. Porque não

seria possível fechar a porta do judiciário para aquele que comprovasse seu direito, mesmo

que um dia não tenha conseguido. Porém, será preciso ponderar entre segurança e justiça, o

que faz com este trabalho termine da mesma forma como iniciamos: a questão entre

segurança jurídica e efetividade da prestação jurisdicional.

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De início, a presente proposta (um novo Código Processual Coletivo) tem por

finalidade compilar em um Código próprio as ações coletivas em geral. Nesse sentido, o

referido Código prevê para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos todas as espécies de ações e provimentos capazes de propiciar sua adequada e

efetiva tutela, vindo a revogar, por exemplo, na íntegra, a Lei de Ação Civil Pública, bem

como várias regras processuais de outros Códigos, entre outros o Código de Defesa do

Consumidor.

De forma simples e efetiva o Código proposto disciplina os pressupostos

processuais e das condições da ação coletiva, bem como sua adequada representatividade e da

criação de órgãos judiciários especializados próprios para julgamento, além de resolver a

polêmica quanto à conexão, continência, litispendência e sistema integrado entre ação coletiva

e ação individual.

Quanto à prova, tema que nos interessa no presente trabalho, assim vem a

matéria prevista no referido Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos:

ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS PARTE I – DAS AÇÕES COLETIVAS EM GERAL

Capítulo I – Da tutela coletiva Art. 1o. Da tutela jurisdicional coletiva Para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos são admissíveis, além das previstas neste Código, todas as espécies de ações e provimentos capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. ... Capítulo V – Da prova Art. 19 Provas. São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem. § 1o. O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração, cabendo ao juiz deliberar sobre a distribuição do ônus da prova por ocasião da decisão saneadora. § 2o. Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o julgamento da causa, o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova, concedendo à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para a produção da prova, observado o contraditório em relação à parte contrária. § 3o. O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório.

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PARTE V – DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 55 Princípios de interpretação Este código será interpretado de forma aberta e flexível, compatível com a tutela coletiva dos interesses e direitos de que trata. Art. 56 Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil Aplicam-se subsidiariamente às ações coletivas, no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de Processo Civil. (grifos nossos)

A mesma regra vem tratada no Projeto de Código Modelo de Processo

Coletivo do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, da seguinte forma:

Provas. São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem. Parágrafo 1º. O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração. Não obstante ,se por razões de ordem econômica ou técnica, o ônus da prova não puder ser cumprido, o juiz determinará o que for necessário para suprir à deficiência e obter elementos probatórios indispensáveis para a sentença de mérito, podendo requisitar perícias à entidade pública cujo objeto estiver ligado à matéria em debate, condenando-se o demandado sucumbente ao reembolso. Se assim mesmo a prova não puder ser obtida, o juiz poderá ordenar sua realização, a cargo ao Fundo de Direitos Difusos e Individuais Homogêneos (grifos nossos).. Parágrafo 2º. Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o julgamento da causa, o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova, concedido à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para a produção da prova, observado o contraditório em relação à parte contrária. Parágrafo 3º. O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório. (grifos nossos)

O modelo brasileiro proposto não é diferente da essência do modelo ibero-

americano. Até porque as raízes deste repousam em texto originalmente proposto por Ada

Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabi e Antonio Gidi.55

O mais importante é que nos dois textos há a consagração da Teoria da Carga

Dinâmica das Provas. Ao afirmar que cabe ao juiz deliberar sobre a distribuição do ônus da

prova por ocasião da decisão saneadora, o texto brasileiro rompe com o tradicionalismo da

distribuição do ônus da prova, que amarra o julgador ao que a parte produziu porque lhe cabia

produzir.

55 R. SJRJ, Rio de Janeiro, nº 12, p. 19-126, 2004.

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Todavia, pela natureza pública das ações coletivas, o sistema privado não mais

satisfaz o Direito. A partir do momento que se permite um legitimado propor uma ação

coletiva em benefício de toda a coletividade, não pode o juiz julgar improcedente o pedido

apenas porque a parte não produziu as provas necessárias, até porque talvez não as tenha

condições para tanto. Não se trata, como pode aparentar, uma simples inversão do ônus da

prova, já prevista na Defesa dos Consumidores.

Em relação aos consumidores, presume-se a hipossuficiência deste em relação

aos fornecedores. Porém, não é a hipótese de uma ação coletiva, em regra. Até pode haver

uma ação coletiva em que haverá a desproporcionalidade de forças, mas o que interessa é

trazer ao juiz, que detém este poder de julgar, o controle sobre o campo probatório. Ao

perceber que uma prova seria mais fácil de ser produzida pela outra parte, deverá o juiz

determinar que esta parte produza a referida prova.

Não se discute que vozes irão ser levantadas quanto ao direito de não se

produzir prova contra si mesmo, de que o direito processual busca a verdade material e que a

imparcialidade do juiz não lhe permitiria buscar esta prova. Acontece que partindo desta

premissa seria melhor não se elaborar um código novo, porque o velho ainda estaria

petrificado em nossas almas ao ponto de não se permitir evoluir.

O Direito é mutante, as pessoas são mutantes, a vida em sociedade demanda

adaptação; portanto, passa-se a enfrentar a necessidade de um julgamento justo. Da mesma

forma que não se afirma que quando há sentença extintiva sem julgamento do mérito, e o

Tribunal, por força da regra do artigo 515, § 3º do CPC individual, julga improcedente o

pedido do autor (desde que a questão seja exclusivamente de direito e esteja em condições de

imediato julgamento) há reformatio in peius, não se pode dizer que o juiz quando determinar

que a parte produza uma prova que lhe venha ser desfavorável estaria cometendo error in

procedendo.

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Naquela hipótese de causa madura não traz prejuízo processual à parte

simplesmente porque esta parte sabe que isto pode ocorrer. Na verdade, o legislador trouxe,

nestas hipóteses, uma competência originária ao Tribunal. Apesar de ser cristalino que há

prejuízo material, porque uma sentença definitiva de mérito é muito pior do a sentença

terminativa que o motivou recorrer (partindo da premissa que somente este recorreu!), não há

que se falar em violação processual, porque este sabia que isto poderia ocorrer (está na lei!).

Logo, o sistema pode permitir o prejuízo, desde que seja previamente alertado

à parte. No caso proposto, quando não houver possibilidade de composição e as partes

preferirem demandar, saberão de antemão que estarão sujeitas a tal regra. A jurisprudência

nos mostrará que diminuirão em muito as demandas cuja parte vai a juízo apenas acreditando

que a outra não conseguirá provar (blefe processual!!).

O legislador atento todavia ao contraditório, até porque é mandamento

constitucional, determinará que esta produção seja realizada na decisão saneadora. Põe fim

também a polêmica do momento adequado para este mister. Na decisão saneadora é quando

serão fixados os pontos controvertidos e que serão determinadas às partes a produção das

provas necessárias. Logo, o julgador atendo ao interesse público das ações coletivas, porque

trarão resultado para uma grande quantidade de indivíduos, deverá buscá-las.

O texto brasileiro por ser mais conciso é de melhor aplicação que o do modelo-

tipo ibero-americano, porque não menciona os motivos que podem gerar a incapacidade

probatória. Neste modelo afirma a carga dinâmica das provas por insuficiência de condições

econômicas ou técnicas. Afirma também que o juiz poderá determinar perícias à entidade

pública cujo objeto estiver ligado à matéria em debate. Não é desejável amarrar o legislador

com hipóteses concretas, até porque não se sabe quem teria melhores condições de realizar tal

perícia. Portanto, o texto brasileiro, apresenta de forma simples, a teoria da carga dinâmica

das provas.

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Outro aspecto interessante da proposta é que não se prende na idéia de

processo, como pro cedere (ir adiante) simplesmente. A idéia de preclusão deve se submeter

ao interesse público. Logo, havendo no curso da instrução uma modificação de fato ou de

direito relevante para o julgamento da causa, poderá o juiz rever a distribuição do ônus da

prova, desde que observado o contraditório, como sói deve ser logicamente.

Porém, não se poderá partir da premissa individual de que há preclusão para

determinada prova, ou então que deverá ser extinto o processo sem julgamento do mérito, por

falta de prova. O Direito em tela é muito superior à instrumentalidade das formas. No caso, a

proposta de procedimento adotada é por força do devido processo legal imposto pela

Constituição. E nesta linha de raciocínio, este procedimento especial de processo coletivo

pode haver o retorno à produção probatória.

Quanto à possibilidade do juiz determinar de ofício a produção de provas, não

rompe com a imparcialidade processual porque não determina que o juiz busque as provas

fora do processo. Apenas determina que no impulso oficial que lhe é pertinente deve este

buscar a prova em sua persuasão racional que entender necessária, determinando, repita-se,

quem deva produzi-la, porque tem melhores condições de fazê-la.

Conforme salientado anteriormente, a jurisprudência Argentina é bastante rica

quanto ao caso. Lembre-se do caso do prontuário médico que está em poder do réu em uma

ação de indenização e somente com este poderia se avaliar se houve ou não erro médico.

Deverá o juiz determinar que o réu traga ao processo determinada prova. Imagine agora no

âmbito coletivo, quando uma empresa derrame uma grande quantidade de óleo no rio que

banha uma Cidade, contaminando todo o meio ambiente local. Um cidadão (porque no

Código de Processo Civil Coletivo este passa a ser legitimado) ajuíza a ação coletiva e o juiz

entenda que a prova técnica quanto ao vazamento é crucial, deverá determinar que a empresa

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produza a prova, mesmo que com esta venha a prova da procedência do pedido. O tempo,

portanto, sempre foi o fator de modificação social.

Assim foi com a regulamentação das ações coletivas, pelo que se reproduz

passagem na obra de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, verbis:56

O desenvolvimento da defesa judicial dos interesses coletivos, no Brasil, passa, numa primeira etapa, pelo surgimento de leis extravagantes e dispersas, que previam a possibilidade de certas entidades e organizações ajuizarem, em nome próprio, ações para a defesa de direitos coletivos ou individuais alheios. Nesse sentido, como lembra Pedro da Silva Dinamarco, foi editada, em 1950, a Lei 1.134, estatuindo que “as associações de classe existentes na data da publicação desta lei, sem nenhum caráter político, fundada nos termos do Código Civil e enquadradas nos dispositivos constitucionais, que congreguem funcionários ou empregados de empresas industriais da União, administradas ou não por elas, dos Estados, dos Municípios e das entidades autárquicas, de modo geral, é facultada a representação coletiva ou individual de seus associados, perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária.

...Por outro lado, a Constituição da República de 1934 dispôs, no artigo 113, que “ qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios”. Era a chamada “ação popular”, que, em seguida, seria suprimida pela Carta de 1937, mas reintroduzida em 1946, para se manter, a partir de então, em todas as Constituições, até os dias de hoje. Todavia, a ação popular ganhou amplitude significativamente maior apenas com a sua regulamentação, que veio a ocorrer em 1965, com a edição da Lei 4.717, de 29 de junho.

...Os novos tempos de redemocratização no Brasil animavam as propostas de participação popular, de preocupação com o meio ambiente e de fortalecimento e surgimento de novos direitos. O Ministério Público, capitaneado especialmente pelo grupo paulista, começa a assumir nova postura diante da sociedade,chamando para si outras responsabilidades, para além da tradicional persecução penal e proteção de incapazes. São aprovadas, 1, 1981, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei Orgânica do Ministério Público, prevendo a legitimidade do Parquet, respectivamente, para a propositura de ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e para promover a ação civil pública, nos termos da lei.

... A nova lei (Lei 7347, de 24 de julho de 1985) disciplinava, assim, a

ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

... Três anos depois, ocorre o coroamento da redemocratização no

Brasil, com a promulgação da Constituição da República, em 1988. A nova Carta Magna, traduzindo os valores sociais, ínsitos no documento, dedicou nítida relevância para a proteção jurisdicional dos interesses coletivos, manifesta em diversos dispositivos normativos.

... O Código de Defesa do Consumidor passou a representar o modelo

estrutural para as ações coletivas no Brasil, na medida em que encontra aplicabilidade não apenas para os processos relacionados com a proteção do consumidor em juízo, mas também, em geral, para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, por determinação expressa do artigo 21,

56 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no direito comparado e nacional. Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil, vol 4, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 191 et seq.

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da Lei 7347/85, acrescentado em razão do artigo 117, da Lei 8078/90. Regulou, assim, o Código do Consumidor, os aspectos mais importantes da tutela jurisdicional coletiva, desde a problemática da competência e da legitimação até a execução, passando pela coisa julgada e os seus efeitos, além da questão da litispendência e das, não menos importantes, definições conceituais pertinentes aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Por conseguinte, os estudos e proposições.

... Por fim, há que se constatar que as ações coletivas continuam

sendo tratadas apenas por leis extravagantes, enquanto o Código de Processo Civil praticamente nada regula sobre o assunto, salvo a previsão genérica de legitimação, contida no artigo 6º. O direito processual civil precisa, assim, incorporar ao seu principal texto legislativo as conquistas já realizadas, consignando, seja de modo concentrado em livro ou título a ser acrescentado, seja inserindo nos respectivos livros, principalmente nos de conhecimento e execução, as normas pertinentes ao processo coletivo. Seria, dessa forma, oportunidade para que se avançasse na sistematização das regras voltadas para as ações coletivas, almejando que os instrumentos hoje existentes sejam aperfeiçoados, obtendo-se resultados mormente mais positivos para o acesso à Justiça, para a economia judiciária e melhoria da prestação jurisdicional.”.(grifos nossos)

O texto acima narrado reflete exatamente o que deve ser feito. Uma nova

normatização. Assim como o tempo avançou, a legislação o acompanhou. Agora, resta mais

um passo na história do acesso à Justiça. A imperiosa necessidade de reformulação demanda

mudança. Esta mudança deve partir não só do sistema normativo próprio com o Novo Código

Coletivo de Processo Civil, mas também as regras devem ser pautadas pela efetividade da

jurisdição, a começar pela aplicação in totum do sistema da carga dinâmica das provas.

3.5 – A CARGA DINÂMICA DA PROVA E O MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição da República assim define o Ministério Público em seu artigo

127: “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis”.

Foi, sem sombra de dúvida, a atual Constituição da República que trouxe o

Ministério Público ao patamar que hoje se encontra. O Ministério Público é Poder do Estado,

da mesma forma que temos o Poder Judiciário, Legislativo e Executivo. Não há que

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desmentir Monstequieu, que na sua visão tripártide de funções, não elencou expressamente o

Ministério Público. Durante muitos anos o próprio Ministério Público vagou pelas

Constituições ora atrelado ao Poder Executivo outras no Poder Judiciário. O certo é que hoje,

o Ministério Público é autônomo, figura na Constituição da República como função essencial

à Justiça e para isso temos um conceito que disse mais do que queria, mas também falou

menos do que devia.

Ora, se o Ministério Público é uma instituição permanente, sabemos que este

está imune às circunstâncias políticas do País, até mesmo porque é o Ministério Público que

tem o dever maior de garantir as políticas deste País, não só em seu aspecto democrático mas

também social, determinando as realizações de políticas públicas necessárias.

Quando se afirma que o Ministério Público é essencial à função jurisdicional,

se entende, logicamente, nos casos em que o Ministério Público deva intervir. Se o Ministério

Público sequer intervém em uma ação, porque não há interesse que o faça intervir, o

Ministério Público não será essencial à função jurisdicional. Todavia, naquelas hipóteses que

sua atuação é essencial, qualquer decisão judicial sem manifestação ministerial é inócua e

eivada de vício que a macula de forma absoluta.

Porém, esqueceu-se o constituinte de elencar no conceito do Ministério Público

a grande diversidade de atuação extrajudicial. E é nessa seara que o Ministério Público vem

atingindo suas maiores conquistas, eis que através de compromissos de ajustamento de

conduta, ou até mesmo em inquéritos civis que não venham a culminar com ações judiciais,

está sendo a sociedade representada pelo Ministério Público com toda a força e respeito que

esta merece.

Por fim, ao conceituar o Ministério Público como garantidor do regime

democrático, da ordem jurídica e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, trouxe a

Constituição da República diversas formas de atuação para o Parquet.

100

Garantir a ordem jurídica é algo muito superior do que garantir a norma

jurídica. O Ministério Público não é apenas guardião das leis, mas sim de toda uma ordem

que paira inclusive sobre as leis. Certos princípios que sequer estão elencados em leis devem

ser protegidos pela atuação do Ministério Público. Entre eles, a garantia da efetividade do

processo, do regime republicano, da democracia; enfim, todas as garantias constitucionais

expressas ou implícitas. Outrossim, é a garantia do regime democrático a mais interessante

dentre todas as atribuições do Ministério Público. Não é apenas garantir a participação da

oposição no pleito eleitoral, mas também garantir que o processo seja o do devido processo

legal. Não se olvide que o processo é meio de garantir a pacificação social. É por intermédio

do processo, das regras processuais e, principalmente, pela harmonia entre os Poderes do

Estado, que podemos dizer se há ou não democracia em um País.

Demonstrada amiúde a face do Ministério Público como forma de Poder do

Estado, e defensor da sociedade, é que traz a importância da aplicação da teoria da carga

dinâmica da prova nos processos em que o Ministério Público for parte.

Já sabemos que o Código de Defesa do Consumidor trouxe inovações nesta

seara. Todavia, o fez para garantir uma isonomia substancial em prol de uma garantia

simplesmente formal que haveria entre as partes. É lógico, que o princípio da isonomia

significa, como esposado por Nelson Nery Júnior, “tratar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”57. Portanto, a pretensão

do legislador foi trazer ao hipossuficiente garantia de que este teria meios de “discutir” com

empresas, fabricantes, fornecedores, em condições iguais. Para isso inverteu-se o ônus da

prova.

Se o Ministério Público é defensor da sociedade, e quando o Ministério Público

está em juízo o faz, na grande maioria das vezes, em nome desta sociedade, também deve ser

57JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal,4ª ed. ed. Revista dos Tribunais, p.40.

101

aplicado, nos processos em que o Ministério Público atua, a teoria da carga dinâmica da

prova.

Não estamos aqui pretendendo modificar a atuação do Ministério Público em

matéria penal, até porque o Ministério Público já é livre para se convencer ou não da

culpabilidade de um réu. A proposta repousa apenas no campo cível, onde o Ministério

Público atua principalmente nos interesses sociais, ou atua pela qualidade desfavorecida de

uma parte.

Diversos questionamentos surgirão no campo jurídico, que certamente passarão

pelas ações civis públicas, pelas ações ordinárias e até mesmo quando o Ministério Público

atua em defesa dos desfavorecidos, das minorias, que não teriam como se defender sozinhas.

Nas ações civis públicas, o Ministério Público tem um precioso expediente

prévio que é o Inquérito Civil. Exatamente o lastro probatório que se utiliza o Ministério

Público para viabilizar uma correta demanda, que esteja bem pautada e não seja considerada

inepta. Acontece que nem sempre é possível, mediante o inquérito civil, alcançar as provas

pretendidas, até porque quem as tem, se repousa em expedientes burocráticos para não

fornecê-las. Sabe-se que o Ministério Público tem poderes de requisição, de instrução.

Porém, questiona-se sempre, principalmente no Supremo Tribunal Federal, o alcance destes

poderes. Ora, se o Ministério Público atua em defesa da sociedade, já deveria estar

expressamente escrito em lei que o Ministério Público não necessitaria provar sempre o fato

constitutivo do seu direito, até porque o direito é da sociedade. Mas, aplicando a teoria da

carga dinâmica das provas no processo, já atingiríamos o Ministério Público quando este

estivesse em juízo.

Talvez ainda seja embrionária a proposta ora apresentada, mas é chegada a

hora. Não é mais crível que se vá a juízo em nome de uma sociedade, ou porque não há vagas

em escola, hospitais, creches, ou porque estão destruindo o meio ambiente e se diga,

102

simplesmente, que o Ministério Público não provou o fato, se o magistrado poderia ter

determinado à parte adversa que assim o fizesse, seja ela o próprio Estado, autarquia ou

qualquer ente particular.

Assim agindo, talvez, não teria o Ministério Público que se preocupar tanto

com a instrução de um Inquérito Civil, com requerimentos ao juízo para que determine

medidas que serão no futuro a prova do direito que o Ministério Público alega ter (em nome

da sociedade). Mas sim, com a aplicação da teoria da carga dinâmica da prova, teríamos a

revolução do Poder Judiciário tão almejada pela própria sociedade. As ações coletivas, que já

trouxeram um grande alívio para as pretensões individuais teriam um respaldo ainda maior em

juízo, porque caberia ao magistrado mandar buscar a prova. Veja, que em momento algum

quer se fazer com que o magistrado perca sua imparcialidade, o fazendo participar do

processo como se parte fosse. O magistrado não é parte, mas é sujeito do processo, e, diga-se,

sujeito principal do processo, porque suas ordens e decisões devem ser cumpridas pelos

outros sujeitos do processo, na lição do princípio da inevitabilidade da jurisdição.

O que se pretende é fazer com que o magistrado assuma seu papel de

presidente da instrução, fazendo com que busque a verdade, as provas desta verdade,

determinando o ônus da prova às partes que têm melhores condições de fazê-la. Se couber,

por exemplo, ao Ministério Público, porque a ele é mais fácil de produzir, que se determine ao

Ministério Público que a faça.

Não se busca uma via de mão única. O que se pretende é que o magistrado

assuma a função que o próprio Código de Processo Civil determina, a função de dizer o

direito. E deve dizer buscando as provas, estejam elas onde estiverem.

O tema não é fácil, e muito menos simples. Até porque todas as mudanças na

vida são para uns traumáticas, para outros emblemáticas, mas são mudanças, e, só por isso, já

103

merecem uma certa resistência por aqueles que se acomodaram em uma práxis simplista e

acomodada.

Não se está pretendendo acabar com a regra insculpida no artigo 333 do CPC,

mas sim aplicá-la à luz de todo um ordenamento, sistêmico, que, repita-se, não é estático, e

sim dinâmico.

Para ilustrar o tema, reproduz-se alguns julgados que aplicam a inversão do

ônus da prova quando o Ministério Público atua em juízo.

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. PRODUTO CONTAMINADO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA AFIRMADA, PROTEÇÃO DE DIREITO DIFUSO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (ART. 6°, III). HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DOS CONSUMIDORES. SUPERIORIDADE DA EMPRESA FORNECEDORA, DISPONIBILIDADE DE MEIOS PARA A COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DO PRODUTO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.58

Outra questão ilustra o tema. No presente caso temos a determinação da

aplicação da teoria da carga dinâmica da prova em relação à taxa de limpeza pública. Questão

de Fazenda Pública. Significa afirmar que em todas as ações que o Ministério Público for

parte, até para defender um interesse coletivo, ou então quando atuar como fiscal da lei, nas

ações fazendárias, pode este requerer produção de prova, ou então, opinar em suas

manifestações pela aplicação da teoria da carga dinâmica da prova e afirmar que esta deve ser

produzida pela parte que melhores condições tiver para tanto. No caso a seguir acostado

revela-se a necessidade da Fazenda trazer aos autos a comprovação do pagamento dos

referidos tributos, uma vez que esta tem o dever de velar pelas contas públicas, reconhecendo

os créditos e débitos em sua conta.

Logo, caso o contribuinte não consiga a prova de que houve o pagamento, seria

por demais oneroso a este imputar-lhe a obrigação de novo pagamento quando a 58 veja a íntegra do voto no ANEXO D.

104

Administração teria em seus cadastros a prova deste. Deve, portanto, a Administração

comprovar em seus cadastros que não houve o pagamento. Não está se exigindo uma

inversão do ônus da prova como regra geral. Até porque já demonstramos que a inversão do

ônus da prova não se confunde com a teoria da carga dinâmica da prova. O que se deseja é

que diante do caso concreto, possa o julgador decidir pela determinação desta produção de

prova pela Fazenda, sem sofrer restrições quanto a sua atuação, fazendo crer que estaria

aplicando a teoria da carga dinâmica da prova e que não há vício processual nesse agir.

Para ilustrar o tema, segue abaixo a ementa do acórdão e , no final do trabalho,

a íntegra da referida decisão, verbis:. 59

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA. SERVIÇO DE LIMPEZA DE LOGRADOUROS PÚBLICOS, DE COLETA DOMICILIAR DE LIXO E COMBATE A INCÊNDIO. UNIVERSALIDADE. COBRANÇA POR MEIO DE TAXA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA DA PROVA. ART. 333 DO CPC. ÔNUS DA PROVA. RELATIVIZAÇÃO. TAXA SELIC. CONSTITUCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA. APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO 4º, DO ART. 20, DO CPC. EQUIDADE QUE TEM COMO LIMITE O VALOR DA CAUSA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Apelação Cível nº 0307095-3, Curitiba, julgado em 13 de dezembro de 2005.)

59 veja a íntegra do voto no ANEXO E.

105

CAPÍTULO 4. CONCLUSÃO

Quando se busca a correta prestação da justiça, visando a efetividade da

prestação jurisdicional, a prova se torna uma questão central. Nesse sentido, após examinar o

que já tivemos e o que se propõe a existir, vê-se que o processo caminha realmente para

frente. Não se olvide que o processo revela uma gravidade especial de um fato que está sendo

submetido à justiça, e, só por isso, já deveria ser verdadeiramente respeitado. Uma Corte de

Justiça não pode ignorar a gravidade especial do fato de se atribuir a alguém uma inocência

ou não culpa, apenas por formalidades processuais. Isso obriga a Corte a aplicar uma

valoração da prova que leve em conta esse extremo e que, sem prejuízo do já dito, seja capaz

de criar a convicção da verdade dos fatos alegados. Como vemos, a gravidade intrínseca de

toda violação de direitos é levada em conta como variável determinante do regime probatório.

Logo, com o fim de obter o maior número possível de provas, a Corte deve ser

flexível na admissão e na valoração das mesmas, de acordo com as regras da lógica e com

base na experiência.

Mesmo sem afastar que um dos princípios da atividade probatória seja o do

contraditório, a proposta apresentada não a contamina, muito pelo contrário, até porque o

processo envolve partes e a prova valorada em cada caso concreto é incorporada de um modo

muito específico. O conjunto de elementos de convicção a ser incorporado a um caso concreto

se integra com a prova oferecida pelo demandante e pelo demandado. Assim, as partes

oferecem sua prova respeitando o contraditório.

Percebe-se que o processo de valoração da prova é o método pelo qual são

avaliados os diversos elementos de convicção validamente incorporados ao processo para

tomar uma decisão sobre os fatos. É uma análise racional dos elementos de convicção, sujeita

106

a certas regras que a organizam. Nesse caminho existem três sistemas tradicionais de

valoração da prova:

• Íntima convicção: esse sistema se baseia na inexistência de regras estabelecidas a priori que

atribuam valor probatório aos elementos de prova, e também na inexistência do dever de

fundamentar os motivos da decisão e do processo de valoração. Só se requer que o julgador

informe sobre a conclusão fática a que chegou, sem explicar como o fez. É o clássico sistema

do tribunal do júri.

• Prova legal: A lei regula minuciosamente as condições, positivas ou negativas, que devem

ser reunidas para alcançar a convicção do julgador; com isso fica definida a decisão sobre a

reconstrução do fato, transformada assim numa operação jurídica.

• Persuasão racional: esse sistema se caracteriza pela ausência de regras abstratas de

valoração probatória. Exige a fundamentação da decisão, com a explicitação dos motivos que

a fundamentam, a menção aos elementos de convicção levados em conta e à maneira de

avaliá-los. A fundamentação da valoração deve ser racional, respeitar as regras da lógica, da

psicologia, da experiência e do correto entendimento humano. Esse método deixa o julgador

em liberdade para admitir toda prova que considere útil ao esclarecimento da verdade, e para

apreciá-la conforme as regras da lógica, da psicologia e da experiência comum. Este sistema

é, sem dúvida, o melhor dos três, nos casos de decisões de tribunais integrados por juristas. É

o método mais idôneo para desenvolver a atividade probatória e avaliar o valor de convicção

dos resultados dessa atividade utilizando mecanismos racionais e as capacidades analíticas do

julgador. Além disso, o sistema permite o controle dos recursos. Não se trata, como ocorre no

sistema de prova legal ou prova tarifada – próprio do sistema inquisitivo – de um método

rígido, utilizado para atribuir um valor legalmente determinado a cada tipo de meio

probatório. Trata-se, ao contrário, de um método que não predetermina o valor de

107

convencimento das diversas peças probatórias, mas define linhas gerais, próprias do correto

raciocínio humano, aplicáveis a todo elemento probatório.

Quanto às formalidades requeridas em relação ao oferecimento de prova, sabe-

se que o sistema processual é um meio para realizar a justiça e esta não pode ser sacrificada

por conta de meras formalidades. Dentro de certos limites de temporalidade e razoabilidade,

certas omissões ou atrasos na observância dos procedimentos podem ser desconsiderados se

se conserva um adequado equilíbrio entre a justiça e a segurança jurídica.

Esse procedimento de proteção aos direitos deve ser regulado de maneira a

permitir o ingresso da maior quantidade possível de elementos de prova com o objetivo de

determinar a verdade dos fatos.

Logo, é necessária a conjugação deste sistema de avaliação de prova à Teoria

da Carga (ônus) Dinâmica da Prova. A liberdade da apreciação deve vir com a liberdade da

produção e por ser o juiz o presidente do processo, aquela personagem principal da relação

jurídica processual, deve se dar a ele a liberdade de comandar as partes.

Estas, por sua vez, saberão exatamente que terão os princípios constitucionais

processuais garantidos, principalmente o contraditório e a ampla defesa; porém, saberão

também que o processo é do Estado, comandado pelo Estado, e o Estado fará com que a

verdade saia do mundo jurídico para o mundo real, mesmo que para isso, alguém tenha que

trazer ao processo a prova que a princípio não faria.

O mais importante é que se estabeleça a premissa de que a regra estática de que

cabe ao autor produzir a prova de seu direito e ao réu a prova desconstitutiva do direito do

autor não é absoluta, de forma a inviabilizar a própria justiça. Se o processo é dinâmico, a

produção de provas também o deve ser. Se as partes não se sujeitam a compor seus supostos

direitos extrajudicialmente, ao buscarem a via judicial, devem saber que poderá ser imputada

a estas o ônus de provar fatos, independente da posição jurídica que ocupem na relação

108

processual. É fácil de compreender esta dinâmica quando se sabe que a res in iudicium

deducta será decidida pelo juiz independente de quem a tenha oferecido em juízo. A mesma

causa pode ser ajuizada pelo autor que busca a sentença de procedência de seu pedido como

pelo réu, que pode demandar visando uma sentença declaratória de improcedência do pedido

do autor. Em ambos os casos se fará coisa julgada em relação à matéria discutida nos autos.

Não é por menos que a teoria que prevalece em relação à coisa julgada é a da identidade da

relação jurídica e não da tríplice identidade encontrada na litispendência. Isso ocorre porque

se podem variar ações, mas a matéria discutida em juízo será a mesma. Logo, se independe a

posição jurídica ocupada na relação processual para nascimento da coisa julgada, deve se

permitir ao juiz que determine qual parte, portanto, produzirá a prova que este entender

pertinente ao caso. Não é uma simples inversão do ônus da prova, porque não haveria

inversão, já que inversão pressupõe um privilégio processual. Aqui é regra de produção

original de prova, sem condicionamento prévio de quem deve produzi-las, mas sim de que

estas serão produzidas, por quem tiver melhores condições para isto.

109

ANEXOS

ANEXO A - VOTO NA ÍNTEGRA

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70012366506 9ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL ORIGEM : COMARCA DE RIO GRANDE AGRAVANTE : GENERAL MOTORS DO BRASIL AGRAVADO : JOÃO MORENO POMAR INTERESSADO : GUANABARA VEÍCULOS LTDA RELATOR : DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO JULGADO EM : 22/03/2006

R E L A T Ó R I O

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA, nos autos de ação ordinária de indenização por danos materiais e morais, ajuizada por JOÃO MORENO POMAR., em face de decisão fl. 23, que deferiu a inversão do ônus da prova.

2. Sobreveio o recurso. Em suas razões recursais (fl. 02/07), a agravante relata que o agravado adquiriu, por meio de uma de suas concessionárias, um automóvel fabricado pela General Motors. Afirma que, embora o automóvel estivesse de acordo com os padrões veiculados em informe publicitário, o agravado propôs ação de indenização por danos materiais e morais, alegando suposta incompatibilidade entre o que havia sido anunciado e o produto efetivamente vendido. Ressalta que não estão presentes os requisitos autorizadores da inversão do ônus da prova, pois o consumidor não é hipossuficiente. Sustenta que a hipossuficiência caracteriza-se apenas quando o consumidor não tem condições de produzir a prova sobre os fatos em que se funda sua pretensão. Assevera que, no caso dos autos, não é preciso possuir conhecimento científico sobre engenharia mecânica ou eletrônica para fazer prova de que o veículo adquirido é incompatível com os parâmetros anunciados, pois tal função deverá ser incumbida a um perito nomeado pelo magistrado. Afirma que a hipossuficiência não se confunde com insuficiência de recursos para atender às despesas da prova pericial. Alega que nem mesmo a verossimilhança das alegações estão presentes, pois não foi acostado aos autos qualquer documentação que dê sustentação ao pedido formulado. Por fim, postula o recebimento do presente recurso, em seu efeito suspensivo, e, no mérito, o seu provimento para seja reformada a decisão agravada que determinou a inversão do ônus da prova.

3. Regularmente instruído o agravo, com preparo, vieram os autos conclusos. É o relatório. Decido. 4. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VIII, elenca como

direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive, com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for

110

verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente. A hipossuficiência decorre de uma série de circunstâncias que colocam o consumidor em uma posição vulnerável e impedem-no de desincumbir-se de seu encargo probatório. Assim, assiste razão o agravante quando afirma que a hipossuficiência não é definição meramente econômica, não se confundindo com a escassez de recursos financeiros.

5. Segundo a doutrina são, principalmente, três os fatores que tornam o consumidor vulnerável e dificultam-lhe de sobremaneira provar os fatos constitutivos de seu direito, quais sejam a ausência de informações técnicas, a falta de conhecimentos jurídicos e certas circunstâncias fáticas decorrentes das características de mercado. A vulnerabilidade técnica, segundo denominação utilizada por Cláudia Lima Marques, consiste na ausência de conhecimentos específicos sobre o bem objeto da relação de consumo, que dificulta a correta avaliação das qualidades e características do produto adquirido.

6. A vulnerabilidade jurídica consiste na falta de conhecimentos jurídicos que levam o consumidor a assinar um contrato sem compreender o exato alcance das cláusulas ali inseridas, restando nebuloso o conteúdo de seus direitos e obrigações. No que concerne à vulnerabilidade fática, sua caracterização depende da posição de mercado ocupada pelo fornecedor. Quando este último possui um grande poder econômico em razão da concentração de grande parcela do mercado ou da essencialidade do serviço, o consumidor que com ele contrata fica sujeito à imposição de cláusulas contratuais que, se não aceitas, implica, em alguns casos, abdicar do consumo de determinado bem.

7. Em razão da vulnerabilidade, passível de manifestação nas três formas acima expostas, o consumidor tem dificuldades em fazer prova de seu direito. Assim, visando equilibrar uma relação que já nasceu desigual é que o Código de Defesa do Consumidor impõe a inversão do ônus da prova. Nesse sentido, preleciona Cláudia Lima Marques: “Sua situação [do consumidor] é estruturalmente e faticamente diferente da do profissional que oferece o contrato. Este desequilíbrio de forças entre os contratantes é a justificação para um tratamento desequilibrado e desigual dos contratantes, protegendo o direito àquele na posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual fática e juridicamente. Aqui os dois grandes princípios da Justiça moderna (liberdade e igualdade) combinam-se, para permitir o limite à liberdade de um, o tratamento desigual a favor de outro (favor debilis), compensando a fragilidade/fraqueza de um com normas protetivas, controladoras da atividade do outro resultando no reequilíbrio da situação fática e jurídica”.

Nestes lindes também tem se manifestado o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Prova. Inversão do ônus da prova. Perícia. Honorários. Construção civil. SFH. O CDC assegura ao consumidor hipossuficiente o direito de exercer sua defesa em juízo. As regras legais que procuram efetivar esse princípio não criam privilégio a seu favor, apenas procuram estabelecer alguma igualdade entre as partes.”

8. No caso dos autos, vislumbra-se uma vulnerabilidade técnica e fática, que podem dificultar a prova do direito do agravado. Não é lógico supor que este último, no momento em que adquiriu o veículo, tivesse conhecimento suficiente para avaliar que os componentes do automóvel tivessem as características necessárias para que a economia de combustível ocorresse nos níveis anunciados em informes publicitários. Assim como todo o leigo, o agravado, por ausência de conhecimentos técnicos, confiou no anúncio do fornecedor, ora agravante, que garantia a aquisição de um automóvel que consumisse baixos níveis de combustível.

111

9. Em que pese a alegação do agravante de que basta a realização de perícia técnica para apurar se o veículo vendido está de acordo com os padrões veiculados em propagandas, esta pode não ser a única constatação necessária para provar o direito alegado pelo agravado. Ressalte-se que, neste caso, a prova pericial pode não ser a única da qual se necessitará. Se o ônus da prova não for invertido, mesmo que a perícia constate uma incompatibilidade entre os padrões do veículo adquirido e àqueles prometidos pelo agravante, o agravado poderá ter dificuldades em provar a suposta existência de um vício em seu automóvel ou a suposta existência de uma propaganda enganosa, baseado na afirmação de que nenhum veículo produzido pela agravante consume os baixos níveis de combustível prometidos. Dispondo a agravante de informações acerca de seu processo produtivo e das características de seus produtos, a ela cabe a prova de que o veículo vendido está de acordo com os padrões anunciados.

10. Ademais, é evidente a existência de uma vulnerabilidade fática. A agravante é empresa pertencente ao grupo de uma das maiores montadoras de automóveis do mundo e, junto com outras poucas, detém o controle do mercado. Assim sendo, o poder de negociação dos consumidores é muito reduzido. Se não aceitar as cláusulas contratuais impostas, deve-se dirigir a outro fornecedor, que, possivelmente, não vai lhe apresentar condições muito diversas e mais favoráveis, frente à alta concentração existente no mercado de automóveis. Mesmo com a evidente hipossuficiência do consumidor é prudente mencionar o Recurso Especial, nº 575469, em que o STJ reconheceu a vulnerabilidade do consumidor frente a uma outra montadora de automóveis do mesmo porte que a empresa ora agravante, in verbis:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. VEÍCULO COM DEFEITO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DESTA CORTE. 1. Aplicável à hipótese a legislação consumerista. O fato de o recorrido adquirir o veículo para uso comercial - taxi - não afasta a sua condição de hipossuficiente na relação com a empresa-recorrente, ensejando a aplicação das normas protetivas do CDC.”

11. Pelo exposto, em decisão monocrática, com fulcro no art. 557, caput, do CPC nego provimento ao agravo.

112

ANEXO B – VOTO NA ÍNTEGRA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 70007619281 9ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL ORIGEM : COMARCA DE PORTO ALEGRE APELANTE : GECI MARIA DE SOUZA PUMES APELANTE : HOSPITAL FEMINA S/A APELADOS : OS MESMOS RELATOR : DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO JULGADO EM : 05/04/2006

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Geci Maria de Souza Marques e Hospital Fêmina S.A. em face da sentença de fls. 230/232, que entendeu caracterizada a responsabilidade do hospital no quadro de infecção puerperal apresentado pela autora, gerando a cirurgia de histerectomia subseqüente, condenando-o ao pagamento de uma indenização equivalente a 50 salários mínimos vigentes à época do efetivo pagamento a título de danos moral e estético, modo englobado, acrescidos de juros de mora a contar da data do fato, além do pagamento das custas processuais e honorários fixados em 20% sobre o valor da condenação.

A autora-apelante pretende a majoração da indenização fixada, deferindo-se, além disso, verbas separadas a título de danos moral e estético, bem como a aplicação da norma do art. 1.538, § 1º, do CCB/1916. Colaciona jurisprudência (fls. 236/245).

O réu alega em seu apelo que a sentença avaliou mal o conjunto fático-probatório, em contrariedade às conclusões do laudo pericial. Aduz que, tendo a autora ingressado no hospital com a necessidade de passar por cesariana, pois estava com a bolsa rota, o que ocorreu depois foram intercorrências normais, decorrentes de germes próprios da paciente e de acretização da placenta, tendo a instituição agido de forma correta, pois na segunda internação a histerectomia se fez necessária para salvar a vida da paciente. Requer o provimento do recurso (fls. 246/253).

Apresentadas contra-razões (fls. 256/262 e 263/265), subiram os autos a este E. Tribunal de Justiça, vindo conclusos para julgamento.

É o relatório.

V O T O S DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO (RELATOR) -

Eminentes Colegas. Por questão de lógica jurídica, principio pela análise do apelo do réu,

uma vez que, se provido, prejudicado restará o recurso da parte autora. 1. Apelo do Hospital Fêmina S.A.

113

Não merece provimento o recurso. Registre-se, de início, que, diante das dificuldades probatórias

evidentes nos casos de erro e responsabilidade médica, deve o julgador socorrer-se de todos os meios probatórios válidos a fim de que a justiça possa ser feita. Sobre essa dificuldade, também doutrina o eminente Min. RUY ROSADO DE AGUIAR JR. (Responsabilidade Civil do Médico, in RT 718/33-53, agosto/95):

“São consideráveis as dificuldades para a produção da

prova da culpa. Em primeiro lugar, porque os fatos se desenrolam normalmente em ambientes reservados, seja no consultório ou na sala cirúrgica; o paciente, além das dificuldades em que está pelas condições próprias da doença, é um leigo que pouco ou nada entende dos procedimentos a que é submetido, sem conhecimentos para avaliar causa e efeito, sequer compreendendo o significado dos termos técnicos; a perícia é imprescindível, na maioria das vezes, e sempre efetuada por quem é colega do imputado causador do dano, o que dificulta e na maioria das vezes impede a isenção e a imparcialidade. É preciso superá-las, porém, com determinação, especialmente quando atuar o corporativismo.” (g.n.).

Como lembra o professor da Universidade Nacional de Rosário,

Argentina, LUIS O. ANDORNO (La Responsabilidad Civil Médica, in Revista da Ajuris, Vol. 59, p. 233), nesse tema “... se apela a la teoría de las denominadas cargas probatorias dinámicas, conforme la cual, en determinadas circunstancias se produce una transferencia de la carga probatoria hacia el profesional en razón de encontrarse en mejores condiciones de cumplir tal cometido."

Portanto, além das questões anteriormente referidas, a análise do conjunto probatório deve levar em conta o princípio da carga dinâmica das provas. Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência do C. STJ, conforme se vê pela decisão seguinte: “RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CLÍNICA. CULPA. PROVA. 1. Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. 2. Legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo paciente. 3. Juntada de textos científicos determinada de ofício pelo juiz. Regularidade. 4. Responsabilização da clínica e do médico que atendeu o paciente submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula. 5. Inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada. Recurso especial não conhecido.” (Recurso Especial nº 95333414 - SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, STJ, j. 18.06.96, un., DJU 26.08.96, p. 29.688).

Deve-se partir da premissa, também, de que se está tratando, no presente caso, de pedido de indenização por danos extrapatrimoniais decorrentes de defeito na prestação de serviço em relação de consumo, devendo-se considerar, também, que a instituição fornecedora dos serviços responde pelo seu defeito, independentemente da existência de culpa (art. 14, caput, do CDC). Ou seja, basta, em princípio, a prova, pela autora, do dano e do nexo de causalidade, cabendo ao

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fornecedor demonstrar a existência de uma excludente de culpabilidade (art. 14, § 3º, do mesmo Codex), porquanto só assim não responderá pelo dano daí advindo.

Também não se pode esquecer, por outro lado, que dentre os direitos básicos do consumidor, está a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º, inciso VI, do CDC).

Saliente-se, nesse passo, que também se mostra aplicável o art. 6º, VIII, do CDC, que não limita a faculdade atribuída ao juízo, no sentido de inversão do ônus da prova, à hipossuficiência econômica do consumidor – que no caso, inclusive, está presente. Esta é apenas uma das hipóteses previstas no dispositivo citado, que contempla, também, a possibilidade de inversão do onus probandi com base na hipossuficiência técnica e na verossimilhança das alegações do consumidor, in verbis:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;” (g.n.)

O espírito da Lei é, justamente, facilitar a defesa do consumidor em

juízo. Além da hipótese da hipossuficiência, econômica ou técnica, há a questão da verossimilhança, cujo objetivo é exatamente o de evitar que o consumidor, sofrendo o descumprimento contratual frente ao fornecedor, via de regra mais forte e organizado econômica e tecnicamente, tenha ainda que se ver igualado processualmente, tendo dificultado o seu caminho na resolução do problema que não pôde resolver extrajudicialmente, forçando-se a utilização da via judicial.

Por isso que a verossimilhança das alegações também se constitui em motivo suficiente para a alteração do ônus da prova, nos termos da norma supracitada, evitando, assim, que ainda seja o consumidor onerado com o processo judicial para ver resolvida a controvérsia de responsabilidade do próprio fornecedor, ainda que não seja, o consumidor, hipossuficiente.

Assim, sendo verossímeis as alegações da autora, e, ademais, caracterizada, inequivocamente, a hipossuficiência econômica e técnica da autora, no caso concreto, porquanto muito maiores condições teria o hospital de comprovar a ausência de defeito na prestação do serviço do que a autora de comprovar sua existência, caracterizando-se, segundo as regras da experiência, a posição de inferioridade da autora em relação ao profissional para discutir a qualidade e adequação dos serviços médicos prestados, não resta dúvida de que deve-se inverter o ônus da prova para o presente caso.

Não basta se assegurarem direitos, sem a indispensável facilitação da defesa do jurisdicionado, especialmente em um país como o Brasil, onde a grande massa dos litígios depende de uma solução judicial. A idéia geral que anima o CDC indica essa preocupação e aponta para um processo judicial em que o consumidor tenha condições efetivas de defesa do seu direito.

Ademais, a inversão do ônus da prova é questão que pode e deve ser levantada pelo Magistrado, de ofício, em 1ª ou 2ª Instância.

Nesse sentido a jurisprudência do C. STJ:

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“DIREITOS DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. VEÍCULO COM DEFEITO DE FABRICAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE. INDENIZAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REEXAME DE PROVAS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ARTS. 21, CPC E 23, LEI N. 8.906/94. PRECEDENTES. CÓPIAS DE DOCUMENTOS NÃO AUTENTICADAS. ART. 385, CPC. INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA DA FALSIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. I - Tendo o Tribunal de segundo grau extraído das provas dos autos a culpa do fabricante pelos danos causados ao veículo adquirido pelo autor, resta inviável o reexame do tema na instância especial, a teor do verbete sumular n. 7/STJ. II - A só falta de autenticação das cópias das notas fiscais juntadas aos autos, sem a conjugação de outros elementos que indiquem vícios nos documentos, não implicam sua falsidade. III - Na linha da jurisprudência desta Corte, a compensação de honorários prevista no art. 21, CPC, não é incompatível com o art. 23 do Estatuto da Advocacia. IV - Não há vício em acolher-se a inversão do ônus da prova por ocasião da decisão, quando já produzida a prova.” (RESP 203225/MG; STJ, 4ª Turma, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. 02/04/2002, DJ DATA:05/08/2002 PG:00344, RSTJ VOL.:00161 PG:00360). (g.n.)

Todavia, mesmo diante de tal contexto, a responsabilidade do hospital,

in casu, exsurge forte, clara e inafastável do conjunto probatório formado por situações, elementos e circunstâncias que podem ser buscados no contexto da prova documental, pericial e testemunhal, como adiante se demonstrará.

Com efeito, não obstante as alegações do nosocômio no sentido de que teria havido ‘acretização da placenta’ (retenção da placenta além do normal, por absorção nas paredes do útero), o laudo pericial é categórico ao afirmar, em resposta aos quesitos 3 e 4 do réu (fl. 179), que não houve tal diagnóstico, não sendo essa a causa da submissão da paciente à histerectomia (castração), como se vê de fl. 190.

Ademais, consoante documentos de fls. 18, 65/69 e 91, a histerectomia foi realizada em razão de retenção de restos placentários no interior do útero, e não, portanto, em função de placenta ‘acreta’.

Outrossim, como informado pelo expert, a acretização produz sangramento vaginal, em maior ou menor extensão, o que não foi registrado pelo hospital (resposta aos quesitos 2 e 4 da autora, fl. 191), também por aí indicando que não se tratava mesmo de acretização de placenta, mas de restos placentários deixados no interior do útero, gerando a infecção posterior – até porque a dificuldade gerada pela bexiga cheia da paciente na hora do parto influenciava na dequitação (descolamento da placenta), conforme o perito (fl. 191, resposta ao quesito 5).

A paciente, de outra banda, não tinha qualquer tipo de infecção pré-existente (resposta ao quesito 7 da autora), sendo certo que adquiriu a infecção pela bactéria staphylococcus aureus no hospital (resposta ao quesito 11), infecção esta que levou ao quadro apresentado pela paciente e às conseqüências decorrentes (resposta ao quesito 13).

Outrossim, nas suas conclusões o perito asseverou que há nexo de causalidade entre a infecção puerperal e a histerectomia, e que tal infecção se constitui em risco natural quando a cesariana decorre de rotura prematura das membranas, como no caso dos autos, sendo mais comuns ainda quando há negligência, imprudência ou

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imperícia por parte da equipe obstétrica, apenas não podendo afirmar tenha sido este o caso dos autos (fl. 192).

O depoimento do médico que efetuou a cirurgia também não deixa dúvidas de que não houve a alegada placenta acreta, já que não houve sangramento posterior, e também de que se sabia da possibilidade de contaminação, especialmente em função de que a paciente chegara para a cesariana com bolsa já rompida e perda de líquido (fls. 233/235), e mesmo assim se vê que ela foi dada em condições de receber alta já no próprio dia 31/12/1991 (fl. 54, in fine), vindo a sair do hospital no dia 02/01/1992 (fl. 56).

No caso presente, o conjunto probatório revela, pois, de modo induvidoso, que, tendo a autora comprovado o fato constitutivo de seu direito, qual seja, a ocorrência da infecção e as repercussões em sua saúde, não realizou o hospital a prova que se lhe impunha, não trazendo elementos de convicção que afastassem o nexo causal entre a contaminação pelos restos de placenta deixados na cavidade uterina da paciente e a posterior histerectomia a que foi obrigada a se submeter, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC. Assim, se alguma dúvida persistiu, quanto à existência de culpa – e parece que tudo indica que de fato houve imperícia ou negligência na hipótese, já que não se verificou que restaram restos de placenta após a cirurgia e nem sequer se diagnosticou a agora alegada placenta acreta, liberando-se a paciente, ademais, mesmo sabendo-se que no caso a infecção era possível –, tal só pode ser interpretado em favor da demandante, uma vez que aqui que se está diante da responsabilidade objetiva, como inicialmente referido.

Nesse sentido, em hipóteses semelhantes, já se manifestou a jurisprudência, não só deste E. Tribunal de Justiça, como também no TJRJ, como bem destacado na inicial:

“Responsabilidade presumida do hospital. Plano de saúde. Parto cesariana. Restos de placenta e fio cirúrgico. Perda do aparelho reprodutor. Culpa da médica credenciada. I- O hospital, pertencente à empresa de seguro-saúde, responde pelos atos de seus médicos credenciados, cuja culpa fica evidenciada pela conduta imperita deixando restos de placenta e de fio cirúrgico no corpo da paciente. II- O laudo do perito oficial, marcado pelo corporativismo e pelo cacanje, contudo não pode negar as constatações do exame clínico-patológico dos resíduos encontrados no corpo da autora. Evidente a conduta culposa da médica-obstetra. III- A hipótese não é de responsabilidade objetiva, que dispensa a existência de culpa, mas de responsabilidade presumida pelo ato ilegal do preposto. Aplicação das normas dos arts. 1521,inc. III, do Código Civil e 14, par. 4. do CDC. IV- Apelação do réu não provida.” (1999.001.02423 - APELAÇÃO CÍVEL, TJRJ, DES. BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO, Julgamento: 17/03/1999, DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL).

“Civil. Responsabilidade Civil. Má assistência médica prestada por hospital municipal. Morte de parturiente por infecção puerperal. Nexo causal existente. Condenação da administração municipal. Sentença mantida. Quando fica comprovado que a vítima deu à luz a Autora em estabelecimento hospitalar da administração municipal, e que, após o parto, retornou ao hospital algumas vezes, apresentando estado febril, dores e mamas endurecidas, por fim vindo a falecer doze dias depois do parto, sendo apontada como causa da morte, no auto de exame cadavérico, infecção puerperal, decorrente de restos de placenta em

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decomposição, então encontrados que teriam sido responsáveis pela infecção generalizada, e deixando o médico que a atendeu de investigar a razão da febre, nem mesmo fazendo exame ginecológico, responde o Município pela reparação dos danos moral e material ocasionados, em virtude da sua responsabilidade configurada pelo mau serviço médico prestado por seu funcionário.” (1999.001.07538 - APELAÇÃO CÍVEL, TJRJ, DES. JOSE AFFONSO RONDEAU, Julgamento: 10/08/1999, QUINTA CÂMARA CÍVEL).

“APELAÇÃO CIVEL. RESPONSABILIDADE MÉDICO. OBSTETRA. OPERAÇÃO CESARIANA. ACOMPANHAMENTO PÓS-PARTO. PATOLOGIA INFECCIOSA DO PUERPÉRIO. E DA LIÇÃO DOS ESPECIALISTAS QUE HETEROGÊNEA A PATOGENIA DA INFECÇÃO PUERPERAL, MOTIVO PELO QUAL FUNDAMENTAL O OPORTUNO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO. EVIDENCIA NEGLIGÊNCIA OU IMPERÍCIA - DE QUALQUER MODO, CULPA - MÉDICO QUE, EMBORA ACOMPANHANDO A PACIENTE, E POR ISSO CIENTE DE "DISCRETA SUPURAÇÃO" QUE APRESENTAVA, NÃO O FAZ ADEQUADAMENTE, INFRINGINDO DEVER DE "CONTROLE E REAVALIAÇÃO", CONFORME TERMOS DO PERITO-MEDICO. CUIDANDO-SE DE DEVER JURÍDICO, E NÃO MERAMENTE MORAL, NASCE A PRETENSÂO À REPARAÇÃO. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. VOTO VENCIDO.” (Apelação Cível Nº 597185610, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Janyr Dall'Agnol Júnior, Julgado em 01/04/1998). “1. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICO. COMPRESSA CIRÚRGICA DEIXADA NO INTERIOR DO ABDOMEN DE PACIENTE, APÓS CESARIANA. EVIDENCIA DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO QUE ATENDIA A AUTORA. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 2. INDENIZAÇÃO. VALOR DO RESSARCIMENTO (80 SM) QUE ATENDEU ÀS CIRCUNSTÂNCIAS OBJETIVAS E SUBJETIVAS DO CASO, EM ESPECIAL TENDO EM VISTA A INOCORRÊNCIA DE SEQÜELAS FÍSICAS QUE IMPORTASSEM EM COMPROMETIMENTO DA SAÚDE DA AUTORA. 3 HONORÁRIOS. HIPÓTESE DE FIXAÇÃO EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 20, PAR-3, DO CPC. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO DA AUTORA, NESTE ASPECTO. IMPROVIMENTO DO APELO DO REQUERIDO.” (Apelação Cível Nº 598261659, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Lúcio Merg, Julgado em 26/11/1998). “RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PARTO POR CESARIANA. PERMANÊNCIA DE RESTOS NA CAVIDADE UTERINA. PROCESSO INFLAMATÓRIO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. Incorre em negligência médico obstetra que deixa de efetuar os corretos procedimentos ao parto por cesariana, restando no interior da cavidade uterina da paciente restos placentários a determinar processo infeccioso severo. Nova baixa em nosocômio por conta da infecção, estendendo-se a internação por quase trinta dias. DANOS MATERIAIS. Direito de ver indenizado pelos gastos havidos por conta da segunda internação. Despesas comprovadas por recibos. Ausência de impugnação ao pedido. DANO MORAL. MONTANTE INDENIZATÓRIO. Lesada a pessoa em sua integridade

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física ou psíquica, presente o dano moral. Quantum indenizatório fixado por arbitramento pelo julgador, no cotejo da intensidade da ofensa, necessária compensação à vítima e reprimenda ao ofensor. A gravidade da culpa, no confronto com o dano e com as circunstâncias de fato, são elementos a incidir na fixação do montante da indenização. Apelo provido em parte. Ação julgada parcialmente procedente. Unânime.” (Apelação Cível Nº 70003826062, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 02/10/2003).

Portanto, penso que não há dúvida quanto à responsabilidade do

nosocômio. 2. Apelo de Geci Maria de Souza Pumes

A d. sentença fixou a indenização em 50 salários mínimos, tendo

subsumido o dano estético no dano moral, por entender que este é mais amplo. Na verdade, contudo, tanto a doutrina como a jurisprudência têm

entendido que o dano estético não se subsume ao dano moral, sendo possível o estabelecimento de indenização cumulativa, ainda que decorrentes ambos os danos do mesmo fato, desde que inconfundíveis as suas causas e presente a possibilidade de apuração em separado, embora se possa até fixar uma só verba indenizatória, mas compreensiva de ambos os danos. Nesta última circunstância, o que importa é que ambos os danos tenham sido objeto de consideração separada e que a verba fixada contemple a indenização de ambos.

No sentido do que se argumenta, podem ser citados os seguintes precedentes do C. STJ e desta E. 9ª Câmara Cível:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE RODOVIÁRIO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. SÚM. 43/STJ. RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO TRANSITADA EM JULGADO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 07/STJ. DISSÍDIO. ART. 255, § 2º, DO RI/STJ. I – As reparações por danos estético e moral mesmo entendido aquele como corolário deste, podem ser cumuladas, ainda quando derivados de um mesmo fato, se inconfundíveis suas causas e passíveis de apuração em separado. II – Consoante o verbete nº 43 da Súmula deste Tribunal, a correção monetária incide a partir do evento danoso. III – Inviável o conhecimento do especial quanto a questão que, à mingua de impugnação nas razões de apelação, transitou em julgado. IV – Quanto à possibilidade de a pensão ser incluída em folha de pagamento da empresa recorrente, tendo afirmado o acórdão recorrido inexistirem nos autos elementos precisos quanto à saúde econômica e financeira da ré, alterar tal premissa demandaria reexame dos fatos da causa, o que é incomportável na via eleita (Súmula 07/STJ). V - Tendo em vista a angustura dos limites impostos ao julgador, em sede de recurso especial, só se admite a alteração dos valores fixados pelo tribunal de origem quando visivelmente exorbitantes ou claramente aviltantes. Recurso não conhecido, com ressalvas do relator quanto à terminologia.” (RESP 434903/RJ, STJ, Rel. Min. Castro Filho, j. em 24/09/2002, unânime, DJU de 10/03/2003, p. 193).

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“RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico. Cirurgia estética. Lipoaspiração. Dano extrapatrimonial. Dano moral. Dano estético. Dote. - Para a indenização do dano extrapatrimonial que resulta do insucesso de lipoaspiração, é possível cumular as parcelas indenizatórias correspondentes ao dano moral em sentido estrito e ao dano estético. - Exclusão do dote (art. 1538, § 2º do CCivil) e da multa (art. 538 do CPC). Recurso conhecido em parte e provido.” (RESP 457312/SP, STJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. em 19/11/2002, unânime, DJU de 16/12/2002, p. 347). (g.n.) “EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO MORAL CUMULADA COM DANO ESTÉTICO. “FURACÃO NEGRO DAKRON”. PRODUTO COLOCADO NO MERCADO NA FINALIDADE DO DESENTUPIMENTO DE PIAS E RALOS DOMÉSTICOS. CONSUMIDORA QUE, NAO OBSTANTE A ADOÇÃO DAS PRECAUÇÕES REGULARES, VEM A SOFRER INTENSA QUEIMADURA QUÍMICA, COM A CONSEQUÊNCIA DE LESOES QUE JUSTIFICAM CIRURGIA ESTÉTICO-REPARADORA. PRODUTO PERIGOSO. PRODUTOS E SERVICOS QUE APRESENTEM PERICULOSIDADE EXAGERADA, DE MODO A NÃO ADVERTIREM SUFICIENTEMENTE O CONSUMIDOR (UNREASONABLY DANGEROUS) NAO DEVEM SER COLOCADOS NO MERCADO DE CONSUMO. INTELIGÊNCIA DO ART. 10 DO CDC. DANO MORAL. DANO ESTÉTICO. SAO CUMULÁVEIS AS FIGURAS DO DANO MORAL E ESTÉTICO, JÁ QUE O ÚLTIMO NÃO CUIDA DE MODALIDADE DO PRIMEIRO, TAMPOUCO E POR AQUELE ENGLOBADO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. EXEGESE DOS ARTIGOS 602 E 20, § 5º DO CPC. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICO-REPARADORA. DIREITO A AMPLA REPARAÇÃO, NA EXEGESE DOS ARTS. 1.538 E 1.539 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. DANO MORAL QUANTIFICAÇÃO. AVALIADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO, MOSTRA-SE RAZOÁVEL INDENIZAÇÃO NO VALOR EQUIVALENTE A 100 SALÁRIOS MÍNIMOS, O QUE ENCONTRA RESSONANCIA EM ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINÁRIOS PARA CASOS ANÁLOGOS. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003095759, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA, JULGADO EM 27/11/02). (g.n.) “EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO DE DIREITO COMUM. EXPLOSÃO PROVOCADA POR PRODUTO QUÍMICO. POLITRAUMATISMO. INÉPCIA DA INICIAL. DESCRIÇÃO FÁTICA MÍNIMA SUFICIENTE A AFASTAR INÉPCIA DA INICIAL COM BASE NO ART. 295, § ÚNICO, INC. II DO CPC. REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DE DIREITO COMUM. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR EXIGE A PROVA ACERCA DA CONDUTA CULPAVEL, DO DANO E DO NEXO CAUSAL ENTRE AMBOS. A AFERIÇÃO DA CONDUTA UTILIZA UM PADRAO MÉDIO, OBJETIVO, DO BONUS PATER FAMILIAE, MAS NÃO PODE SE AFASTAR, TAMPOUCO, DE CRITÉRIOS SUBJETIVOS INCIDENTES. E MAIOR A COBRANÇA DE CONDUTAS ELEVADAS DAQUELES QUE DETEM CONDIÇÕES PARA TANTO, PELO CONHECIMENTO DOS DADOS IMPLICADOS, ESPECIALMENTE NO CASO DE EMPRESAS, QUANTO AOS

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SEUS SERVICOS ESSENCIAIS OU COMPLEMENTARES. COMPENSAÇÃO COM VERBAS PREVIDENCIÁRIAS. O ART. 1.537, INC. II DO CC NAO AUTORIZA SE DEDUZA DA INDENIZAÇÃO DEVIDA A PREVIDENCIÁRIA OU SECURITÁRIA. DANO MORAL E ESTÉTICO. DANO IN RE IPSA, QUANDO SE TRATA DE PERDA DE CAPACIDADE FUNCIONAL E DE CICATRIZ QUE CAUSA REPULSA. TRATA-SE DE FIGURAS DISTINTAS, QUE PODEM SER INDENIZADAS COMPREENSIVAMENTE. QUANTIFICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. ARBITRAMENTO PELO MAGISTRADO, COM BASE NO ART. 1553 DO CC, LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO TANTO O CARÁTER COMPENSATÓRIO COMO O CARATER INIBITÓRIO-PUNITIVO DA INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO DESTA A PARTIR DO INTERESSE-TIPO FERIDO E DA PRODUÇÃO DOUTRINARIA E JURISPRUDENCIAL, MEDIANTE CRITÉRIOS AI ESTABELECIDOS, TANTO RELATIVOS AS PARTES E CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO, COMO TENDO POR PARÂMETROS CONDENAÇÕES EM CASOS ASSEMELHADOS, DENTRO DO BOM SENSO E DA RAZOABILIDADE. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL IMPOSITIVA, NA FORMA DO ARTIGO 602 DO CPC. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70004983367, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, JULGADO EM 20/11/02). (g.n.)

No caso dos autos, como já referido, a douta sentença de primeiro

grau subsumiu o dano estético no dano moral, não o considerando separadamente. Daí que merece provimento o recurso da autora, no ponto, pois,

além do prejuízo psicológico gerado com a perda do útero e a impossibilidade prematura de a autora, enquanto mulher, gerar novos filhos, restou demonstrado também o dano estético, tanto pelas fotos apresentadas (fls. 22/26) quanto pelos depoimentos das testemunhas arroladas, que atestaram o fato de que a autora não mais freqüenta praia, por não se sentir mais à vontade para usar roupa de banho, tendo inclusive sido perguntada por mais de uma vez se estava grávida novamente (fls. 219/222), em função do inchaço gerado na região abdominal em função da cirurgia de histerectomia que se fez necessária, o que demonstra o prejuízo estético causado.

Assim, além da majoração do dano estritamente moral, pela dor inerente à mulher, ao perder a faculdade reprodutiva que lhe é própria – o chamado ‘dom da maternidade’ –, nunca mais podendo voltar a gerar filhos seus e aumentar sua família, assim querendo, para o que entendo deva ser fixada a indenização em 100 salários mínimos, há que se considerar que, tratando-se de mulher, é normal que tenha na barriga um dos pontos de beleza, inclusive para o uso de biquínis e roupas mais justas ao corpo, restando evidente a sensação íntima de enfeamento e de menoscabo, além de um natural sentimento de repulsa. Em tais circunstâncias deve o réu também indenizar o dano estético, para o que penso que deve ser fixado o valor de 80 salários mínimos.

Não há falar, porém, em incidência da dobra prevista no art. 1.538, § 1º, do CCB/1916, porquanto não se trata de ilícito criminal, mas sim civil, não havendo, pois, incidência da multa penal a que alude o dispositivo.

Assim a jurisprudência, do que são exemplos os seguintes julgados:

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“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE VEÍCULOS. PERDA DE BRAÇO. DANO ESTÉTICO E MORAL. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. LUCROS CESSANTES. DOBRA. DECISÃO EXTRA PETITA NÃO CONFIGURADA. INCABIMENTO QUANDO JÁ DEFERIDO O DANO ESTÉTICO. BIS IN IDEM. CC, ART. 1.538, § 1º. APLICAÇÃO ANALÓGICA INVIÁVEL EM RELAÇÃO AO DANO MORAL. I. Possível a cumulação dos danos estético e moral, ainda que decorrentes de um mesmo sinistro, se identificáveis as condições justificadoras de cada espécie. II. Compreende-se subsumido no pedido de lucros cessantes a dobra prevista no art. 1.538, parágrafo primeiro, do Código Civil, sendo dispensável a menção expressa à duplicação, inerente à postulação e ao caso concreto descrito na exordial. III. Improcedentes, todavia, tanto a dobra quando também já deferido o ressarcimento pelo dano estético, sob pena de configuração de bis in idem, como a extensão, por analogia, do acima citado dispositivo legal ao dano moral, eis que são taxativas as hipóteses de incidência da dobra. IV. Recursos especiais conhecidos e parcialmente providos.” (RESP 248869/PR; STJ, 4ª Turma, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, j. 14/11/2000, DJ 12/02/2001 PG:00122, RSTJ VOL.:00148 PG:00435). (g.n.) “INDENIZAÇÃO - ILICITO DE QUE RESULTE ALEIJÃO OU DEFORMIDADE. A REGRA CONTIDA NO PAR-1. DO ARTIGO 1538 DO CODIGO CIVIL NÃO ABRANGE TODAS AS PARCELAS PREVISTAS NO CAPUT MAS APENAS A MULTA CRIMINAL ACASO DEVIDA. DESPESAS DE TRATAMENTO. NÃO SENDO POSSÍVEL DETERMINAR A EXTENSÃO DAS CONSEQÜÊNCIAS DO ILÍCITO, O PEDIDO DE CONDENAÇÃO SERÁ GENÉRICO, COMPREENDIDO DESPESAS QUE POSSAM SE APRESENTAR COMO NECESSÁRIAS. RECURSO ESPECIAL - MATÉRIA DE FATO INVIABILIDADE.” (RESP 47472/SP; STJ, 3ª Turma, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, j. 10/05/1994, DJ 13/06/1994 PG:15109, RSTJ VOL.:00102 PG:00214). (g.n.) “AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. EXPLOSÃO DE TANQUE DE COMBUSTÍVEL. QUEIMADURAS DE 1º GRAU. CULPA DA EMPREGADORA. AUSÊNCIA DA TOMADA DE CAUTELAS NECESSÁRIAS E FACTÍVEIS À PREVENÇÃO DO INFORTÚNIO. CONDIÇÕES INSEGURAS DE LABOR. DANOS MATERIAIS. ART. 1.538, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. DESCABIMENTO DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO EM DOBRO. INTERPRETAÇÃO DA MENS LEGIS. A DOBRA PREVISTA NO § 1º DO ART. 1.538, EM VERDADE, REFLETE INTENÇÃO DE RECOMPOSIÇÃO MORAL ÀQUELE QUE TEVE COMO SEQÜELAS DE ACIDENTE ALEIJÃO OU DEFORMIDADE, CONFIGURANDO-SE O BIS IN IDEM DIANTE DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LUCROS CESSANTES. CONDENAÇÃO POR LUCROS CESSANTES INCIDENTE SOBRE A DIFERENÇA ENTRE OS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DA VÍTIMA E O BENEFÍCIO PAGO PELO INSS NO PERÍODO DE AFASTAMENTO. DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM O DANO ESTÉTICO. SÃO CUMULÁVEIS OS DANOS MORAL E ESTÉTICO, JÁ QUE REVELAM AFLIÇÕES DIVERSAS. O DANO MORAL É A DOR PSÍQUICA, FABRICADA NO ÍNTIMO DO INDIVÍDUO, MUITAS VEZES ACOMPANHADO DO TRAUMA DA DOR FÍSICA. O DANO

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ESTÉTICO É O PRÓPRIO ALEIJUME NÃO CONTROVERTIDO. QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL. MONTANTE INDENIZATÓRIO QUE ATENDE AOS OBJETIVOS PUNITIVO/PEDAGÓGICO/REPARADOR DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. DESPROVIMENTO DO APELO DO AUTOR E PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DA RÉ.” (Apelação Cível Nº 70006703128, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em 04/12/2003). (g.n.)

Portanto, não logra guarida o recurso da autora, no particular.

3. Dispositivo O voto, pois, vai no sentido de negar provimento ao apelo do réu e dar

parcial provimento ao recurso da autora, a fim de estabelecer indenizações separadas a título de danos moral e estético, fixando o valor de 100 salários mínimos para o dano moral e 80 para o estético, a serem convertidos em reais na data do trânsito em julgado desta decisão e, desde então, corrigidas pelo IGP-M até a data do efetivo pagamento, acrescidas de juros de mora de 6% ao ano desde a data da citação, por se tratar de responsabilidade contratual, até a data da entrada em vigor do CCB/2002, em 11/01/2003, quando passam a ser de 12% ao ano.

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ANEXO C – VOTO NA ÍNTEGRA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 70013366158 2ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL ORIGEM : COMARCA DE ESPUMOSO APELANTE : RIO GRANDE ENERGIA S/A - RGE APELADO : MARIA AUGUSTA FERREIRA RELATOR : DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO JULGADO EM : 05/04/2006

R E L A T Ó R I O

DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO (RELATOR)- Trata-se de recurso de apelação cível interposto por RIO GRANDE ENERGIA

S.A - RGE em face da sentença de fls. 87/94 que julgou procedente a ação anulatória de débitos ajuizada por MARIA AUGUSTA FERREIRA, entendendo que as faturas de energia elétrica dos meses de outubro e novembro de 2003 não condizem com o consumo médio, declarando nulo o débito em relação a tais faturas e condenando a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da causa.

A apelante aduz que a sua atitude encontra-se acobertada pela Resolução nº 456/2000 da ANEEL e que restou comprovado o efetivo consumo de energia elétrica. Sustenta que o medidor foi periciado pelo INMETRO, que concluiu pela regularidade do aparelho. Refere que inúmeras causas levam ao aumento do consumo e que problemas nas instalações internas podem ter colaborado com o evento. Sugere a possibilidade de uma ligação clandestina sem o conhecimento da cliente. Assevera que a suspensão do fornecimento de energia em face da inadimplência tem respaldo legal. Colaciona jurisprudência e requer o provimento do recurso (fls. 97/107).

Apresentadas as contra-razões (fls. 112/116), subiram os autos a este E. Tribunal de Justiça, manifestando-se o Ministério Público pelo desprovimento do apelo (fls. 119/125).

Após, vieram conclusos para julgamento. É o relatório.

V O T O S DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO (RELATOR)-

Eminentes Colegas. Não merece provimento o recurso. Discute-se nos autos a correção ou não da medição apontada nos meses de

outubro e novembro de 2003, em que a fatura da autora apresentou valores de três a dezesseis vezes maiores do que o consumo normal, tanto antes quando depois do evento (fls. 11/16).

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Examinando os autos, verifica-se que o consumo da demandante, exceto no período aludido, raramente ultrapassou os 100KWh/mês e que a medição apresentada nos meses de outubro e novembro de 2003 de, respectivamente, 1676 KWh e 390KWh, destoa das demais.

É verdade que o aparelho medidor foi avaliado pelo INMETRO, em 15/03/2004 (fl. 36), e não restou comprovada qualquer alteração suficiente para gerar essa diferença, mas a questão é que não há laudo judicial que confirme essa conclusão, e a apelante não trouxe qualquer razão plausível para tal diferença.

Assim, descabe o corte porque não demonstrou a ré a legitimidade do débito em discussão.

Na verdade, se o motivo fosse a eventual fraude, a interrupção no fornecimento de energia estaria plenamente justificada. Todavia, sendo o corte apenas em função de débito calculado pela ré e cuja legitimidade ora se discute, o corte no fornecimento não pode ser admitido, pois está sendo feito como meio coercitivo para o pagamento do débito, ainda mais quando tal débito foi apurado unilateralmente pela fornecedora, sem qualquer atenção e observância ao contraditório e à ampla defesa constitucionalmente assegurados, inclusive na esfera administrativa (art. 5º, LV).

A Constituição Federal ao estabelecer que compete à determinada esfera de governo prestar determinado serviço público não está somente atribuindo competência, mas sim está, antes de tudo, impondo o dever da pessoa jurídica de direito público interno de prestar aquele serviço.

Assim, em tema de serviço público, quando a Constituição atribui competência está, na verdade, tornando o poder público devedor do serviço aos cidadãos, os quais, por sua vez, dada a natural e própria bipolaridade do direito, passam a ser credores do poder público por aquele determinado serviço, cuja competência foi atribuída à pessoa de direito público interno e de existência necessária, no dizer do saudoso administrativista Rui Cirne Lima.

Logo, a atribuição de competência constitucional em matéria de serviço público equivale a dever e obrigação de prestação do serviço, tendo como credores e beneficiários os cidadãos.

A distinção que deve ser feita é entre aquele que não paga porque não quer – o ‘caloteiro’ – e continua a usufruir do serviço, e aquele que não paga porque é pobre sem as mínimas condições econômicas ou porque está desempregado, ou então que não paga porque está discutindo uma conta unilateral e onerosa que lhe foi apresentada, sendo esta última a hipótese dos autos.

A Lei nº 8.987/95, em seu art. 6º, § 3º, inciso II, estabelece que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. Portanto, o corte somente se justifica se esse for o interesse da coletividade, pois, caso contrário vige sempre a continuidade.

É por tudo isso, especialmente para conferir eficácia à Constituição Federal, que o CDC, em seu art. 22, estabelece que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Desimporta se o serviço é remunerado por taxa ou preço público. O que importa é que o serviço de fornecimento de energia elétrica é essencial à vida e à saúde das

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pessoas, por isso que o poder público é responsável pela sua prestação que tem caráter constitucional obrigatório. O fato de vir a delegar tal prestação não retira seu caráter de essencialidade e de obrigatoriedade.

Ademais, o corte no fornecimento do serviço, além de contrariar as normas e princípios referidos, não passa de autotutela ou exercício arbitrário das próprias razões, pois se trata de o próprio credor se arvorar em juiz de seus próprios atos e direitos.

Convém ressaltar que as relações jurídicas havidas entre a concessionária do serviço público e os usuários sujeitam-se, sim, às normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre elas, considerada a hipossuficiência da consumidora-apelada, a inversão do ônus da prova.

Com efeito, considerada a função social do contrato, traduzida hodiernamente pela teoria contratual, em face da evolução do pensamento jurídico, na tentativa de erradicação de eventual desequilíbrio nas relações negociais, e tendo em vista que a relação que se estabeleceu entre as partes é típica de consumo, posto que a apelada é a destinatária fática final do produto, exposta à prática comercial abusiva, caracteriza-se a recorrida como consumidora, por força do disposto no precitado art. 2º daquele Diploma Legal, demonstrada sua vulnerabilidade técnica, em razão da ausência de conhecimentos específicos sobre o bem ou serviço.

No sentido da aplicação do Código de Defesa do Consumidor em se tratando de serviços públicos prestados por empresas privadas, veja-se, ainda, o precedente do C. STJ a seguir transcrito:

“ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL - PAGAMENTO DE SERVIÇO PÚBLICO (ENERGIA ELÉTRICA), PRESTADO POR CONCESSIONÁRIA. 1. Os serviços públicos prestados pelo próprio Estado e remunerados por taxa devem ser regidos pelo CTN, sendo nítido o caráter tributário da taxa. 2. Diferentemente, os serviços públicos prestados por empresas privadas e remuneradas por tarifas ou preço público regem-se pelas normas de Direito Privado e pelo CDC. 3. Repetição de indébito de tarifas de energia elétrica pagas "a maior", cujo prazo prescricional segue o Código Civil (art. 177 do antigo diploma). 4. Recurso especial provido.” (RESP 463331/RO, STJ, 2ª T., Relator Ministra ELIANA CALMON, j. em 06/05/2004, DJU de 23.08.2004, p. 178).

Não se vê na legislação que rege a matéria (Lei nº 8.987/95), e nem poderia

assim dispor a norma infraconstitucional, qualquer delegação à concessionária do serviço público dos poderes inerentes ao Poder Concedente, entre eles o poder de polícia, que é indelegável, não podendo, pois, a apelada se arvorar em autêntica autoridade administrativa dotada das prerrogativas que a Constituição Federal outorga somente aos entes públicos da administração direta. Muito menos pode ela arvorar-se em juíza de seus próprios e alegados direitos.

Assim, não pode a demandada simplesmente imputar a responsabilidade à autora pela alteração no medidor de energia elétrica ou por qualquer outro fato sem comprovar que o aumento de consumo se deu com base em utilização efetiva do serviço, já que a demandante alega que no imóvel há apenas uma geladeira, um chuveiro, uma máquina de lavar e três lâmpadas (fl. 03), fato este não contestado pelo apelante.

A cobrança deve ser feita como o fazem todos os credores comuns dos mortais: mediante o devido processo legal com as garantias do contraditório e da ampla

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defesa. Não há que se conceder privilégios, especialmente em tema de serviço público essencial onde o princípio é o da continuidade e jamais da sua interrupção.

A jurisprudência desta E. 2ª Câmara segue neste sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. ALTERAÇÃO DO APARELHO MEDIDOR. ALEGAÇÃO DE FRAUDE. INEXISTÊNCIA DE PROVA A EVIDENCIAR A AUTORIA. ÔNUS DA PROVA DA CONCESSIONÁRIA. EXISTÊNCIA DO DÉBITO NÃO COMPROVADA. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. Incumbe à fornecedora a prova do consumo real de energia, bem como, antecedentemente, da autoria da adulteração no aparelho medidor. REVELIA. DADOS CONSTANTES DOS AUTOS. A revelia decorre de constatação objetiva que se deve realizar com base nos termos e certidões constantes dos autos - , qual seja, a ausência de oferecimento tempestivo de resposta. O circunstancial dissenso de registro em sistema informativo como os que dos autos consta resolve-se com a prevalência deste, sob pena de afetação de segurança. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70008914236, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ANTÔNIO JANYR DALL'AGNOL JÚNIOR, JULGADO EM 25/08/2004).

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO ORDINÁRIA. ALTERAÇÃO DO APARELHO MEDIDOR. ALEGAÇÃO DE FRAUDE. INEXISTÊNCIA DE PROVA A EVIDENCIAR A AUTORIA. ÔNUS DA PROVA DA CONCESSIONÁRIA. EXISTÊNCIA DO DÉBITO NÃO COMPROVADA. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INCUMBE À FORNECEDORA A PROVA DO CONSUMO REAL DE ENERGIA, BEM COMO, ANTECEDENTEMENTE, DA AUTORIA DA ADULTERAÇÃO NO APARELHO MEDIDOR. APELAÇÃO PROVIDA.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70008982670, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ANTÔNIO JANYR DALL'AGNOL JÚNIOR, JULGADO EM 11/08/2004).

“AGRAVO INTERNO. ENERGIA ELÉTRICA. DEFEITO NO MEDIDOR. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA. SERVIÇO ESSENCIAL. CORTE NO FORNECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.” (AGRAVO Nº 70008974537, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ARNO WERLANG, JULGADO EM 30/06/2004). “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO CAUTELAR E ORDINÁRIA. ALTERAÇÃO DO APARELHO MEDIDOR. ALEGAÇÃO DE FRAUDE. INEXISTÊNCIA DE PROVAS A EVIDENCIAR A AUTORIA. ÔNUS DA PROVA DA CONCESSIONÁRIA. EXISTÊNCIA DO DÉBITO NÃO COMPROVADA. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. APELAÇÃO IMPROVIDA.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70007835010, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ARNO WERLANG, JULGADO EM 09/06/2004).

Convém lembrar também que a Resolução nº 456/2000 da ANEEL é norma de

hierarquia inferior à lei proveniente do Poder Congressual e, portanto, não pode dispor de forma a burlar a legislação que regulamenta, devendo ater-se às linhas gerais delimitadas pelo

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legislador que tem legitimidade, conferida pelo povo, para regular as relações decorrentes dos serviços públicos delegados.

Nesse ponto, frisa-se que em nenhum momento a legislação pátria outorgou à concessionária o direito de cobrar seus pretensos débitos com base em critérios abusivos e mediante coação através do corte no fornecimento de energia elétrica.

Aliás, sequer a legislação ordinária poderia assim dispor, em afronta aos mandamentos da Carta da República.

Ademais, é ônus da apelante a prova de que consumo tão exorbitante dos padrões normais se deu pelo uso efetivo do serviço, e não por circunstâncias alheias à usuária, como, por exemplo, uma ligação clandestina.

Registre-se que, diante das dificuldades probatórias evidentes na comprovação do que causou tal aumento no consumo da apelada nos meses referidos, deve o julgador socorrer-se de todos os meios probatórios válidos a fim de que a justiça possa ser feita.

Como lembra o professor da Universidade Nacional de Rosário, Argentina, LUIS O. ANDORNO (La Responsabilidad Civil Médica, in Revista da Ajuris, Vol. 59, p. 233), nesse tema “... se apela a la teoria de las denominadas cargas probatorias dinámicas, conforme la cual, en determinadas circunstancias se produce una transferencia de la carga probatoria hacia el profesional en razón de encontrarse en mejores condiciones de cumprir tal cometido."

Portanto, além da questão anteriormente referida, a análise do conjunto probatório deve levar em conta o princípio da carga dinâmica das provas. Nesse sentido, embora tratando de tema atinente à responsabilidade civil, tem se manifestado a jurisprudência do C. STJ, conforme se vê pela decisão seguinte: “RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CLÍNICA. CULPA. PROVA. 1. Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. 2. Legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo paciente. 3. Juntada de textos científicos determinada de ofício pelo juiz. Regularidade. 4. Responsabilização da clínica e do médico que atendeu o paciente submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula. 5. Inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada. Recurso especial não conhecido.” (Recurso Especial nº 95333414 - SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, STJ, j. 18.06.96, un., DJU 26.08.96, p. 29.688, grifei).

Saliente-se, nesse passo, que também se mostra aplicável o art. 6º, VIII, do CDC, que não limita a faculdade atribuída ao juízo, no sentido de inversão do ônus da prova, à hipossuficiência econômica do consumidor – que no caso, inclusive, está presente. Esta é apenas uma das hipóteses previstas no dispositivo citado, que contempla, também, a possibilidade de inversão do onus probandi com base na hipossuficiência técnica e na verossimilhança das alegações do consumidor, in verbis: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;” (g.n.)

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O espírito da Lei é, justamente, facilitar a defesa do consumidor em juízo. Além da hipótese da hipossuficiência, econômica ou técnica, há a questão da verossimilhança, cujo objetivo é exatamente o de evitar que o consumidor, sofrendo o descumprimento contratual frente ao fornecedor, via de regra mais forte e organizado econômica e tecnicamente, tenha ainda que se ver igualado processualmente, tendo dificultado o seu caminho na resolução do problema que não pôde resolver extrajudicialmente, forçando-se a utilização da via judicial.

Por isso que a verossimilhança das alegações também se constitui em motivo suficiente para a alteração do ônus da prova, nos termos da norma supracitada, evitando, assim, que ainda seja o consumidor onerado com o processo judicial para ver resolvida a controvérsia de responsabilidade do próprio fornecedor, ainda que não seja, o consumidor, hipossuficiente.

Assim, sendo verossímeis as alegações da autora, e, ademais, caracterizada, inequivocamente, a hipossuficiência econômica e técnica da autora, no caso concreto, porquanto muito maiores condições teria a concessionária de provar qual causa deu ensejo a consumo tão exorbitante em dois meses, retomando após o consumo usual sem qualquer explicação, caracterizando-se, segundo as regras da experiência, a posição de inferioridade da autora em relação ao fornecedor para discutir a qualidade e adequação dos serviços prestados, não resta dúvida de que deve-se inverter o ônus da prova para o presente caso.

Não basta se assegurarem direitos, sem a indispensável facilitação da defesa do jurisdicionado, especialmente em um país como o Brasil, onde a grande massa dos litígios depende de uma solução judicial. A idéia geral que anima o CDC indica essa preocupação e aponta para um processo judicial em que o consumidor tenha condições efetivas de defesa do seu direito.

Nesse sentido a jurisprudência do C. STJ:

“DIREITOS DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. VEÍCULO COM DEFEITO DE FABRICAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE. INDENIZAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REEXAME DE PROVAS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ARTS. 21, CPC E 23, LEI N. 8.906/94. PRECEDENTES. CÓPIAS DE DOCUMENTOS NÃO AUTENTICADAS. ART. 385, CPC. INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA DA FALSIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. I - Tendo o Tribunal de segundo grau extraído das provas dos autos a culpa do fabricante pelos danos causados ao veículo adquirido pelo autor, resta inviável o reexame do tema na instância especial, a teor do verbete sumular n. 7/STJ. II - A só falta de autenticação das cópias das notas fiscais juntadas aos autos, sem a conjugação de outros elementos que indiquem vícios nos documentos, não implicam sua falsidade. III - Na linha da jurisprudência desta Corte, a compensação de honorários prevista no art. 21, CPC, não é incompatível com o art. 23 do Estatuto da Advocacia. IV - Não há vício em acolher-se a inversão do ônus da prova por ocasião da decisão, quando já produzida a prova.” (RESP 203225/MG; STJ, 4ª Turma, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. 02/04/2002, DJ DATA:05/08/2002 PG:00344, RSTJ VOL.:00161 PG:00360). (g.n.)

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Desse modo, ainda que o laudo emitido pelo INMETRO indique a regularidade do medidor, não trouxe a apelante justificativa para que fossem apresentados valores tão destoantes para um consumidor de pequeno porte, bem como não comprovou o consumo efetivo da energia pela usuária.

Ademais, a RGE, como uma empresa diligente e com maiores recursos técnicos de solucionar a questão, tem o dever inerente à relação contratual de fiscalizar qual a razão de um consumo tão anormal em dois meses consecutivos, considerando-se o pequeno consumo reiterado da autora, tanto antes quanto após o incidente.

Por fim, destaque-se que a experiência comum (art. 335 do CPC) indica que, salvo necessidades ou situações excepcionais, o consumo de energia elétrica mantém-se linear, sem alterações de três a dezesseis vezes o valor usual da conta, como ocorreu no caso dos autos. Assim, ocorrendo tamanha distorção sem a devida explicação por parte da concessionária, tenho que devem ser anuladas as faturas atinentes aos meses de outubro e novembro de 2003.

Assim, impunha-se mesmo o impedimento do corte no fornecimento e a anulação do débito.

O voto, pois, vai no sentido de desprover o apelo. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo. DES. JOÃO ARMANDO BEZERRA CAMPOS - De acordo. DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS - Presidente - Apelação Cível nº 70013366158, Comarca de Espumoso: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME." Julgador(a) de 1º Grau: JOSE FRANCISCO DIAS DA COSTA LYRA

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ANEXO D – VOTO NA ÍNTEGRA

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70009516006 3ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL ORIGEM : COMARCA DE ALVORADA AGRAVANTE : VOMPAR REFRESCOS S/A AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR : DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS JULGADO EM : 21/10/2004

R E L A T Ó R I O

DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto por VOMPAR REFRESCOS

S/A, de decisão proferida nos autos de ação civil pública que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, que afastou a alegação de ilegitimidade ativa e inverteu o ônus da prova a requerimento da parte autora.

Em suas razões recursais, a empresa sustenta, em suma, que fora apontada como responsável pela colocação no mercado de produto (refrigerante), que estaria contaminado por micélios de fungo, tornando-o impróprio ao consumo. Afirma que não há nos autos interesse público a justificar a intervenção do órgão ministerial, razão porque deve ser acatada a alegação de ilegitimidade ativa. Acrescenta a impossibilidade de produzir prova negativa, uma vez que a prova somente poderá ser invertida quando o fornecedor possuir o monopólio das condições materiais de comprovação, alegando que, in casu, ocorre exatamente o contrário, porquanto somente a parte lesada possui condições de comprovar devidamente os fatos. Pugna pela concessão do efeito suspensivo e, ao final, pelo provimento do recurso.

Indeferido o efeito suspensivo, dispensadas as informações. Apresentadas as contra-razões, lança parecer o Dr. Procurador de Justiça

opinando pelo desprovimento do recurso. É o relatório.

V O T O DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS (RELATOR)

Eminentes colegas. As teses desenvolvidas pela douta procuradora da agravante, com grande desenvoltura, inegavelmente impressionam, mas sua inconformidade não merece acolhida.

Inicialmente, não calha a alegada ilegitimidade ativa do Ministério Público, haja vista que a controvérsia encerra uma relação de consumo, de modo que não apenas o interesse individual de um consumidor, aquele que adquiriu o produto danificado e ensejou a reclamação, está sendo protegido, mas todos os consumidores sujeitos a um dano potencial

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(coca-cola com um “corpo estranho e sujeidades contidas no produto tratavam-se de micélios de fungos filamentosos – bolores”).

Na verdade, o raciocínio da agravante não encontra guarida no texto da vigente Constituição Federal que, destacando as funções institucionais do Ministério Público (art. 129), expressamente nelas incluiu cumprir-lhe:

“III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

O comando em questão não demanda o emprego de métodos complexos de interpretação, sendo que mera leitura, ante sua extrema clareza, conduz ao entendimento de que a ação civil pública é destinada à proteção do “meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos “cuja tutela de sua integridade possui grande relevância. Interpretação oposta à atuação ministerial, presente a relação de consumo, revela-se contrária ao interesse público, pois implica em tolher a defesa dos interesses difusos, como instituição que possui todos os aparatos voltados ao implemento de objetivos constitucionalmente firmados, dentre os quais está, sobretudo, a proteção da coletividade.

Cabe lembrar, ainda, as inovações trazidas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em harmonia com o art. 1º da Lei nº 7.347/85, incluindo na ação civil pública as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao consumidor e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Com isso, tornou-se cediço o entendimento de que o Ministério Público pode desta via processual valer-se quando fundada em lesão à relação de consumo, que inegavelmente encontra enquadramento na seara de direito público difuso.

Nesta linha, destaca-se lição de HUGO NIGRO MAZZILLI : “...era acanhada a abrangência original da Lei n. 7.347/85, no que diz

respeito às ações que poderiam ser propostas. “... “A própria Constituição já tinha criado uma norma de extensão ou

residual, a permitir a propositura de quaisquer ações civis públicas pelo Ministério Público, em defesa de outros interesses coletivos e difusos, desde que em conformidade com sua destinação institucional...

“O Código do Consumidor acabou por corrigir todas essas falhas, dispondo: ‘para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela’ - e esse princípio é aplicável não só à defesa do consumidor, individual ou coletivamente considerado (como poderia parecer à primeira vista), mas sim à defesa de qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, relacionado ao consumidor ou não (como o meio ambiente e o patrimônio cultural, p. ex.). Como já temos insistido, a razão consiste em que o art. 117 do Código do Consumidor acrescentou o art. 21 à Lei 7.347/85, segundo o qual passaram a aplicar-se à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais (homogêneos) os dispositivos processuais do próprio Código do Consumidor.

“Ao referir-se à possibilidade de todas as espécies de ação, temos entendido que o art. 83 do Código do Consumidor quer alcançar ações de qualquer objeto (pedido) ou de qualquer rito (procedimento).

“Combinados os arts. 83 e 110 do Código do Consumidor com o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, permite-se agora a defesa de qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo por meio da ação civil pública ou da ação coletiva, com qualquer rito, objeto ou pedido, por parte dos legitimados ativos do art. 5º da Lei nº 7.347/85 ou do art. 82 da Lei nº 8078/90” (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 7ª edição, Editora Saraiva: São Paulo, 1995. págs. 198/199)

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Não discrepa dessa lição RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, em sua obra “Ação Civil Pública”, ao dissertar:

“...o que hoje se pode dizer sobre o objeto da ação civil pública é que ele é o mais amplo possível, graças à (re)inserção da cláusula ‘qualquer outro interesse difuso ou coletivo’ (inc. IV do art. 1º da Lei nº 7.347/85, acrescentado pelo art. 110 do CDC). ... Como afirma Hugo Nigro Mazzilli, atualmente ‘inexiste, portanto, sistema de taxatividade para a defesa de interesses difusos e coletivos.’ ...De outro lado, mercê de um engenhoso sistema de complementaridade entre a parte processual do CDC e o processo da lei da ação civil pública (CDC, arts. 83, 90, 110; Lei 7.347/85, art. 21, acrescentado pelo art. 117 do CDC), pode-se afirmar, com Nelson Nery Júnior que ‘não há mais limitação ao tipo de ação, para que as entidades numeradas na LACP, art. 5º e CDC, art. 82, estejam legitimadas à propositura da ACP para a defesa, em juízo, dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos’...” (4ª edição, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 1996, pág. 35).

Segue-se a questão da inversão do ônus da prova (CDC, art. 6°, VIII). Melhor sorte não assiste à agravante. Aliás, tendo-se em mente inclusive que a

prova essencial (prova técnica) em parte já foi apurada. O permissivo invocado efetivamente não representa regra cogente, mas pode o

juiz, justificadamente, impor ao fornecedor de produtos e serviços o ônus da prova, sempre que, presente a verossimilhança, a prova dos fatos se encontre à sua disposição e dela não possa dispor o consumidor. É o caso dos autos, considerado, como visto, o interesse difuso dos consumidores, verificando-se a hipossuficiência técnica decorrente das relações de abrangência massiva. Contrastando, nessa ótica, com a superioridade da empresa fornecedora, que dispõe de elementos com maior facilidade de comprovação quanto à qualidade do produto liberado para consumo.Nesse sentido, bem viu a hipótese o Dr. Procurador de Justiça, de cujo parecer destaco : “Nessa senda, entendida correta a decisão de retirada do produto do mercado, inegável que a conseqüência natural de tal medida, é a inversão do ônus da prova, porquanto o produto (refrigerantes do lote n° 31333P031102) restará armazenado sob a responsabilidade da empresa Vonpar. Assim sendo, por certo que a prova a esta exigida não se caracterizará como sendo uma prova negativa, de impossível realização. Ninguém mais adequado do que a própria Vonpar para, por intermédio de amostras dos refrigerantes do mencionado lote (que estarão em seu poder) demonstrar a ausência de contaminações nas demais garrafas de coca-cola, a fim de permitir conclusão no sentido de tratar-se de caso isolado.”Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO - De acordo. DESA. MATILDE CHABAR MAIA - De acordo.

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ANEXO E – VOTO NA ÍNTEGRA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0307095-3 ORIGEM: 10ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ APELANTE : MUNICÍPIO DE LONDRINA APELADO : JOÃO GOMESW VARGIÃO RELATOR : JUIZ SUBSTITUTO EM 2º GRAU FERNANDO CÉSAR ZENI JULGADO EM : 13/12/2005 CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA. SERVIÇO DE LIMPEZA DE LOGRADOUROS PÚBLICOS, DE COLETA DOMICILIAR DE LIXO E COMBATE A INCÊNDIO. UNIVERSALIDADE. COBRANÇA POR MEIO DE TAXA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA DA PROVA. ART. 333 DO CPC. ÔNUS DA PROVA. RELATIVIZAÇÃO. TAXA SELIC. CONSTITUCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA. APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO 4º, DO ART. 20, DO CPC. EQUIDADE QUE TEM COMO LIMITE O VALOR DA CAUSA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Cível nº 0307095-3, da 10ª Vara Cível da Comarca de Londrina, em que é Apelante o Município de Londrina e Apelado João Gomes Vargiao.

R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou parcialmente

procedente ação declaratória, para declarar a inexigibilidade na cobrança das taxas de iluminação pública, de combate a incêndio e de conservação de vias e logradouros públicos, bem como para condenar a repetição de indébito, devidamente corrigidos pela taxa selic. Em seu recurso, alega o Município que ausência de comprovação de pagamento das taxas e pede a aplicação do art. 333 do CPC. Sustenta a constitucionalidade das taxas e inaplicabilidade da taxa selic. Por fim, requerem a reapreciação dos honorários advocatícios.

Contra-razões às f. 164/173. Parecer ministerial pelo provimento parcial do recurso, para redução dos honorários

advocatícios.

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É o relatório. Conforme restou consignado na sentença, os serviços de combate a incêndio, de

conservação de vias e logradouros públicos e iluminação pública, não tem caráter de divisibilidade e especificidade, ou seja, é serviço "uti universi" e não "uti singuli". Por este motivo, o STF já declarou a inconstitucionalidade desta taxa, consoante se infere dos julgados mencionados na decisão impugnada (RE 293536/SE, Rel. Min. Néri da Silveira).

Com relação à taxa de iluminação pública, a matéria já está sumulada (Súmula 670

do STF). Por outro lado, a base de cálculo da taxa de coleta de lixo não pode ser equivalente a

base de cálculo do IPTU. Esta matéria, de igual forma, também já foi decidida pelo STF. Confira-se: "CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. C.F., art. 145, II. CTN, art. 79, II e III. I. - As taxas de serviço devem ter, como fato gerador, serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Serviços específicos são aqueles que podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas; e divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos usuários. CTN, art. 79, II e III. II. - Taxa de Limpeza Pública: Município de Belo Horizonte: o seu fato gerador apresenta conteúdo inespecífico e indivisível. III. - Agravo não provido. (RE 337349, Rel. Min. Carlos Velloso)." "SERVIÇO DE LIMPEZA DE LOGRADOUROS PÚBLICOS E DE COLETA DOMICILIAR DE LIXO. UNIVERSALIDADE. COBRANÇA DE TAXA. IMPOSSIBILIDADE. Tratando-se de taxa vinculada não somente à coleta domiciliar de lixo, mas, também, à limpeza de logradouros públicos, serviço de caráter universal e indivisível, é de se reconhecer a inviabilidade de sua cobrança. Precedentes: RREE 245.539 e 206.777. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE361437, Rel. Min. Ellen Gracie)." "ACÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO FISCAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TAXA DE CONSERVACÃO DE LOGRADOUROS, DE COMBATE A INCÊNDIO E LIMPEZA PUBLICA. NAO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE INDIVIDUALIZAÇÃO E ESPECIFICIDADE. ILEGALIDADE DE SUA EXIGÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. ADMISSIBILIDADE. 1. A taxa tem como fato gerador o exercício do poder de policia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço publico divisível e específico. Se os serviços são uti universi, isto é, prestados indistintamente a todos os cidadãos, vedado o seu custeio mediante taxa, já que ausente o caráter específico e divisível exigido pela legislação. 2. Os serviços de limpeza pública, de conservação de logradouros e de combate a incêndio não podem ser remunerados mediante taxa, uma vez que não configuram serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição. Precedentes. (...) (TJPR - Acórdão nº 1494, Rel. Des. Jucimar Novochadlo, j. em 17 de agosto de 2005)."

A questão referente à não comprovação do pagamento do IPTU e das taxas agregadas também não ostenta provimento.

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Ao remeter os autos para liquidação de sentença, para apuração do quantum debeatur duas hipóteses vertem: a primeira, no sentido de que caberá ao autor a prova de que efetivamente pagou a taxa de IPTU e as taxas agregadas; a segunda, no sentido de que, desde que impossibilitado de comprovar o pagamento, caberá ao Município a prova de que realmente recebeu a taxa, em razão da aplicação do princípio da carga dinâmica das provas.

Este Tribunal, por mais de uma vez, já decidiu, inclusive no que pertine a

relativização do art. 333 do CPC: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACÃO DE REPETICÃO DE INDÉBITO. TAXA DE ILUMINACÃO PÚBLICA. OFÍCIO COPEL. PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA DA PROVA. RECURSO PROVIDO. Ante o princípio da carga dinâmica da prova, que transfere o dever de informar o juízo, para aquele que tem melhores condições, e muitas vezes a única possibilidade de fornecer os elementos esclarecedores do fato, deve a copel, prestadora do serviço, informar o que realmente recebeu a titulo de taxa de iluminação pública. (TJPR - Acórdão nº 1638, Rel. Des. Helio Henrique Lopes Fernandes de Lima, j. em 28 de setembro de 2005)." PROVA. ARTIGO 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CÍVIL. ÔNUS. PRINCÍPIO SUJEITO A EXCECOES. VIABILIDADE DE SUA INVERSAO. DECISAO FUNDAMENTADA. PREVALENCIA DO RACIOCINIO FUNDADO NA CARGA DINÂMICA DAS PROVAS. AGRAVO DESPROVIDO. Pode o juiz da causa decidir pela inversão do ônus da prova, diante da parte que detém o controle dos elementos para a pesquisa da verdade. (TJPR - Acórdão nº 25138, Rel. Des. Troiano Netto, julgado em 15 de fevereiro de 2005)."

Por fim, a aplicação da taxa selic é constitucional. Acompanhando a evolução de entendimento desta Corte e dos Tribunais

Superiores no que se refere à incidência da Taxa SELIC, tenho que é plenamente legal a sua aplicação a título de juros moratórios e correção monetária.

O Código Tributário Nacional, em seu art. 1611, autoriza a lei a dispor sobre a

forma de cálculo dos juros de mora. Assim, com fundamento no permissivo legal, a União editou a Lei Federal nº

9.250/95, que em seu artigo 39, §4º2, prevê a incidência da Taxa SELIC para o cômputo dos juros moratórios

O Estado do Paraná, no uso de sua competência concorrente para legislar sobre

direito tributário (art. 24, inc. I, da Constituição Federal), editou a Lei nº 11.580/96, que em seu artigo 383, a exemplo da legislação federal, também estabelece a Taxa SELIC como índice a ser aplicado a título de juros moratórios.

Deste modo, a Taxa Referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia

(SELIC) é o índice legalmente previsto para calcular os juros de mora dos débitos tributários não adimplidos no prazo legal, conforme disposto no art. 38, da Lei Estadual nº 11.580/96 e na Lei Federal nº 9.250/95.

Referida taxa é apurada mensalmente pelo Banco Central a partir da média dos

financiamentos diários referentes a títulos públicos federais, refletindo uma perspectiva de inflação mais juros relativos à dívida pública interna.

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Desta maneira, verifica-se que a SELIC é uma taxa mista, porquanto engloba

correção monetária e juros. A previsão legal específica afasta a aplicação da norma geral do Código

Tributário Nacional, legitimando a adoção da SELIC. No entanto, a sua utilização na cobrança de tributos deve ser feita sem a

concomitância com outro índice de correção monetária ou de juros, sob pena de promover a dupla incidência desses fatores.

Neste ponto, trago à colação recentes decisões deste Egrégio Tribunal:

"A utilização da taxa Selic apresenta amparo na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional, na Lei Federal nº 9250/95, e Lei Estadual nº 11580/96, sendo legítima sua incidência na cobrança de dívida fiscal do ICMS. A Selic, por se decompor em taxa de juros reais e taxa de inflação do período considerado, não pode ser aplicada cumulativamente com outro índice de correção monetária. A execução contra a massa falida não pode incluir a multa fiscal. (TJPR - 1ª Câmara Cível - Acórdão n.º 23.782 - Rel. Des. Sérgio Rodrigues)." "TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. A denominada Taxa SELIC afasta a cumulação de qualquer outro índice de correção monetária dado que representa ela taxa de juros reais e taxa de inflação no período considerada. (TJPR - 1ª Câmara Cível - Acórdão n.º 23.170 - Rel. Des. Ulysses Lopes)."

Ademais, o STF, no julgamento da ADIn 2217, de Mato Grosso do Sul, ao analisar medida cautelar, asseverou que "A isonomia é resguardada, visto que a Lei Estadual prevê a aplicação da Taxa Selic, que traduz rigorosa igualdade de tratamento entre o contribuinte e o fisco."

Deste modo e adotando corrente em que nitidamente se observa uma forte

tendência para sua aplicação, mantenho a Taxa SELIC como índice legal para a atualização do débito tributário, anotando somente que é inviável a cobrança cumulativa de correção monetária, juros moratórios com a taxa SELIC nos créditos tributário, por ser incompatível com a Lei Estadual nº 8.933/89, uma vez que esta já remunera o Fisco pelo atraso no pagamento, não sendo cabível a sua cumulação com outros encargos.

Por fim, o apelo também se insurge quanto à fixação dos honorários

advocatícios, fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Porém, a aplicação do princípio da eqüidade quando tem incidência o parágrafo 4º, do art. 20, do CPC, tem como limite o valor da causa, ou seja, não é conveniente fixar os honorários em valor igual ou superior ao valor atribuído à causa, que no caso foi de R$ 2.000,00, sobretudo em causas que não demandam complexidade em razão de estar a matéria pacificada nos Tribunais.

"A fixação dos honorários advocatícios na forma do art. 20, § 4º, do CPC,

quando vencida a Fazenda Pública, assegura a apreciação eqüitativa do Juiz quanto à utilização, como base de cálculo, do valor da causa ou da condenação. Voto pelo improvimento do recurso. (STJ - AgRg no Ag 528804 / PR, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 14.03.2005 p. 201)."

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Como no caso em exame não se sabe o valor exato da condenação, conveniente se utilizar o valor da causa como parâmetro, sobretudo em razão da natureza hegemônica da ação declaratória da sentença.

Voto pelo provimento parcial do recurso, para fixar a condenação em

honorários advocatícios em R$ 400,00 (quatrocentos reais), que corresponde a 20% sobre o valor da causa.

Acordam os membros integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso.

138

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