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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL A DESERTIFICAÇÃO EM SÃO JOÃO DO CARIRI (PB): uma análise das vulnerabilidades VÁLTER CARDOSO TAVARES CAMPINA GRANDE 2014

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA PRÓ-REITORIA DE …pos-graduacao.uepb.edu.br/ppgdr/download/dissertacoes/dissertacoes... · 1 Trecho da oração “Cântico do irmão Sol”, também

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARABA

PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

A DESERTIFICAO EM SO JOO DO CARIRI (PB): uma anlise das

vulnerabilidades

VLTER CARDOSO TAVARES

CAMPINA GRANDE

2014

VLTER CARDOSO TAVARES

A DESERTIFICAO EM SO JOO DO CARIRI (PB): uma anlise das

vulnerabilidades

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

graduao em Desenvolvimento Regional da

Universidade Estadual da Paraba, como requisito

para obteno de ttulo de Mestre em

Desenvolvimento Regional.

rea de Concentrao: Desenvolvimento

Regional.

Subrea: Estado, Polticas Pblicas e Movimentos

Sociais.

Orientadora: Profa Dr

a Nerize Laurentino Ramos

CAMPINA GRANDE

2014

VLTER CARDOSO TAVARES

A DESERTIFICAO EM SO JOO DO CARIRI (PB): uma anlise das

vulnerabilidades

Dissertao apresentada em 31 de Maro de 2014

CAMPINA GRANDE

2014

DEDICATRIA

Aos meus pais: Joo Tavares Sobrinho (in

memorian) e Margarida Cardoso Tavares;

aos meus irmos, sobrinhos, tios, primos e

amigos.

AGRADECIMENTOS

A Deus, fonte de inspirao e fortalecimento, por sua presena constante na minha

vida. Agradecer a toda minha famlia que sempre acreditou em mim e me ajudou nos

momentos mais difceis de minha vida. Ao Vigrio Geral da diocese de Campina Grande e ao

Padre da Parquia de So Joo do Cariri pelo apoio e acolhimento quando da visita de campo.

A Universidade Estadual da Paraba por meio do Programa de Ps-graduao em

Desenvolvimento Regional/PPGDR. Agradecer a todos os professores que fazem parte deste

programa e, em especial, a minha orientadora. A todos os colegas e amigos da turma 2012.1.

Agradecer aos professores que compe a banca. A CAPES (Coordenao de Aperfeioamento

de Pessoal de Nvel Superior) pelo apoio financeiro e, por ltimo, agradecer coordenao e

secretaria do PPGDR.

Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,

especialmente o senhor irmo Sol, que clareia o dia e que, com

sua luz nos ilumina. Ele belo e radiante, com grande

esplendor: De Ti, Altssimo, a imagem.

Louvado sejas, meu Senhor, pela a irm Lua e pelas Estrelas,

que no cu formaste, claras, preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmo vento, pelo ar e pelas

nuvens, pelo sereno e por todo tempo pelo qual ds sustento s

Tuas criaturas.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irm gua, til e humilde,

preciosa e casta.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo o irmo Fogo, pelo qual

iluminas a noite. Ele belo e alegre, vigoroso e forte.

Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irm, a me Terra, que

nos sustenta e governa, produz frutos diversos, flores e ervas.

SO FRANCISCO DE ASSIS1

1 Trecho da orao Cntico do irmo Sol, tambm conhecido como Cntico das Criaturas, que foi retirado

do livro So Francisco de Assis: escritos e bibliografias de So Francisco de Assis: Crnicas e outros

testemunhos do primeiro sculo franciscano, publicado pela editora Vozes Petrpolis em 1997.

TAVARES, Vlter Cardoso. A DESERTIFICAO EM SO JOO DO CARIRI: uma

anlise das vulnerabilidades. 109 f. Dissertao Universidade Estadual da Paraba, Campina

Grande, 2014.

RESUMO

Este trabalho aborda a desertificao do municpio de So Joo do Cariri/PB e faz uma anlise

das vulnerabilidades socioeconmicas e ambientais, revelando a inter-relao entre a

vulnerabilidade das famlias rurais pesquisadas com o fenmeno da desertificao. A

desertificao constitui um dos principais problemas da atualidade e causa efeitos deletrios

s populaes. O Semirido Brasileiro a regio mais afetada e geoecologicamente pr-

disposta a esse fenmeno. O Cariri Oriental e, especificamente, o municpio em estudo est

dentro do contexto da desertificao. Este municpio apresenta srios sinais de degradao,

como os ncleos de desertificao. O desmatamento e as prticas agrcolas inadequadas

contribuem sobremaneira para o agravamento do fenmeno. O presente trabalho tem como

objetivo principal gerar o ndice de vulnerabilidade desertificao no municpio de So Joo

do cariri e, concomitantemente fazer uma anlise do mesmo. Para a realizao do trabalho

foram utilizados questionrios de avaliao das condies socioeconmicas e ambientais dos

agricultores do municpio de So Joo do Cariri no que tange a mensurao das

vulnerabilidades. Ademais, foram feitas pesquisas bibliogrficas na internet, artigos,

publicaes em peridicos, dissertaes, teses e livros a respeito do tema em pauta. A

metodologia utilizada no diagnstico da vulnerabilidade socioeconmica e ambiental

adaptada por Rocha (1997), para o Rio Grande do Sul e por Arajo (2002), Moraes Neto

(2003), Alencar (2004), Duarte (2008) e Silva et al. (2002) para o Semirido Paraibano. O

estudo das vulnerabilidades lanou mo de um levantamento das famlias rurais do municpio

de So Joo do Cariri. O questionrio foi aplicado a 10% das famlias rurais do municpio em

estudo. Para a realizao do diagnstico socioeconmico e ambiental foram utilizados quatro

fatores relacionados s vulnerabilidades e suas respectivas variveis, quais sejam Fator

Vulnerabilidade Social: demografia, habitao, consumo de alimentos, participao em

organizaes e salubridade rural; Fator Vulnerabilidade Econmica: produo agropecuria,

animais de trabalho, rendimento, entre outros; Vulnerabilidade Tecnolgica: uso de

tecnologias, propriedade das mquinas, assistncia tcnica e equipamentos; Vulnerabilidade

s Secas: recursos hdricos, manejo da caatinga, explorao de espcies nativas,

armazenamento de gua, reduo do rebanho, ocupao nas estiagens, migrao, entre outros.

Palavras-chave: Desertificao. Vulnerabilidades. Cariri Oriental. Semirido.

TAVARES, Vlter Cardoso. THE DESERTIFICATION IN SO JOO DO CARIRI: an

analysis of vulnerabilities. 109 S. Dissertation State University of Paraba, Campina Grande,

2014.

ABSTRACT

This paper addresses the desertification of the municipality of the So Joo do Cariri/ PB and

analyzes the socioeconomic and environmental vulnerabilities, revealing the interplay

between the vulnerability of rural households surveyed with the phenomenon of

desertification. Desertification is a major problem today and cause deleterious effects to

populations. The Brazilian semiarid region is the most affected and geoecologically pre -

disposed to this phenomenon region. The East Cariri and specifically the city under study is

within the context of desertification. This municipality shows serious signs of degradation,

such as desertification nucleus. Deforestation therefore, and inappropriate agricultural

practices contribute greatly to the aggravation of the phenomenon. The present work aims to

generate the index of vulnerability to desertification in So Joo do Cariri and simultaneously

do an analysis of it. To perform the job evaluation questionnaires of socioeconomic and

environmental conditions of farmers in the municipality of the ray tracing with respect to

measurement of the vulnerabilities were used. In addition, literature searches were made on

the Internet, articles, publications in journals, dissertations, theses and books on the subject at

hand. The methodology used in the diagnosis of socioeconomic and environmental

vulnerability is adapted by Rocha (1997 ), to Rio Grande do Sul, and Arajo (2002 ), Moraes

Neto (2003 ), Alencar (2004 ), Duarte (2008 ) and Silva et al. (2002) for the Semi-Arid

Paraiba. The study of vulnerabilities drew on a survey of rural households in the municipality

of the ray tracing. The questionnaire was applied to 10 % of rural households in the city under

study. For the realization of socio-economic and environmental analysis four factors related to

the vulnerabilities and their respective variables were used, namely Factor Social

Vulnerability: demographics, housing, food consumption, participation in organizations, and

rural health; Economic Vulnerability Factor: agricultural production, animal work, income,

etc.; Technological Vulnerability: use of technologies, ownership of machinery, equipment

and technical assistance; Vulnerability to Drought: water resources, management of savanna,

exploitation of native species, water storage, herd reduction, the occupation droughts,

migration, among others.

Keywords : Desertification. Vulnerabilities. East Cariri. Semiarid.

LISTAS DE FIGURAS

Figura 1 - Estados Atingidos pela Tempestade Dust Bowl ...................................................... 21

Figura 2 - O Potencial Destruidor do Dust Bowl ..................................................................... 21

Figura 3 - O Estado de um Lugar Depois da Tormenta............................................................ 22

Figura 4 - Regio do Sahel na frica ....................................................................................... 24

Figura 5 - A Desertificao no Sahel Senegal ....................................................................... 25

Figura 6 - Distribuio das Terras Secas do Planeta de Acordo com as Zonas de Aridez ....... 26

Figura 7 - Retroalimentao Negativa do Ecossistema ............................................................ 35

Figura 8 - Nveis de Degradao das Terras em So Joo do Cariri/ PB ................................. 38

Figura 9 - ndice de Degradao das Terras no Mundo ........................................................... 43

Figura 10 - Desertificao, Mudanas Climticas e Perda da Biodiversidade ......................... 47

Figura 11 - Localizao Geogrfica do Municpio de So Joo do Cariri - PB ....................... 51

Figura 12 - Mapa Geolgico de So Joo do Cariri ................................................................. 53

QUADROS

Quadro 1 - Principais Acontecimentos Internacionais e Nacionais de Combate

Desertificao ........................................................................................................................... 27

Quadro 2 - As Seis reas Piloto Estudadas por Vasconcelos Sobrinho .................................. 36

Quadro 3 - Os Ncleos de Desertificao reconhecidos pelo MMA ....................................... 37

Quadro 4 - Ocorrncia de secas no Nordeste do Brasil ............................................................ 40

Quadro 5 Solos do Cariri Oriental Paraibano ........................................................................ 52

Quadro 6 - Espcies Florsticas do Municpio de So Joo do Cariri ...................................... 55

Quadro 7 - Classes das Vulnerabilidades Proposta por Barbosa .............................................. 66

Quadro 8 - Tipologia da Participao de Pretty........................................................................75

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 - A Evoluo da Populao Urbana e Rural de So Joo do Cariri ......................... 56

Grfico 2 - ndice Populacional de Envelhecimento ................................................................ 56

Grfico 3 - IDH - Municipal ..................................................................................................... 57

Grfico 4 - Linha da Pobreza e Indigncia ............................................................................... 58

Grfico 5 - Posse de Maquinrio na Agricultura ...................................................................... 59

Grfico 6 - Processamento de Matria-prima ........................................................................... 60

Grfico 7 - Produto Interno Bruto (PIB) .................................................................................. 60

Grfico 8 - Principal Composio da Pecuria em So Joo do Cariri .................................... 61

Grfico 9 - Vulnerabilidade Social ........................................................................................... 70

Grfico 10 - Escolaridade na Zona Rural de So Joo do Cariri .............................................. 71

Grfico 11 - Escolaridade dos Proprietrios Rurais de So Joo do Cariri .............................. 71

Grfico 12 - Participao dos Moradores Rurais em Organizaes ......................................... 74

Grfico 13 - Tipo de Fogo Usado pelos Moradores Rurais .................................................... 75

Grfico 14 - rea de Florestamento ......................................................................................... 76

Grfico 15 - Vulnerabilidade Econmica ................................................................................. 77

Grfico 16 Aposentados Rurais ............................................................................................. 77

Grfico 17 - Famlias Contempladas com o Bolsa Famlia ...................................................... 78

Grfico 18 - Dependncia da Renda da Terra .......................................................................... 79

Grfico 19 - Vulnerabilidade Tecnolgica ............................................................................... 80

Grfico 20 - Assistncia Tcnica aos Proprietrios Rurais ...................................................... 80

Grfico 21 - Uso de Prticas de Conservao do Solo ............................................................. 81

Grfico 22 - Tipo de Posse da Terra ......................................................................................... 83

Grfico 23 - Vulnerabilidade s Secas ..................................................................................... 84

Grfico 24 - Orientao Tcnica nas Secas .............................................................................. 84

Grfico 25 - Estoque de Alimento ............................................................................................ 85

Grfico 26 - Estoque de Alimento Animal ............................................................................... 85

Grfico 27 - Reduo do Rebanho nas Estiagens ..................................................................... 86

Grfico 28 - Ocupao dos Produtores nos perodos de Seca .................................................. 86

Grfico 29 - Deslocamento Migratrio em So Joo do Cariri ................................................ 87

Grfico 30 - Migrao de Retorno em So Joo do Cariri ....................................................... 88

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

COP Conference of Parties

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

FAO Food And Agriculture Organization

FJP Fundao Joo Pinheiro

GTZ Deutsche Gesellschaft fr Technische Zusammenarbeit

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IO International Organization

IOM International Organization for Migration

IMD International Mountain Day

IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

IDH- M ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao

MA Millennium Ecosystem Assessment

PAN-BRASIL Programa de Ao Nacional de Combate Desertificao e Mitigao

dos Efeitos da Seca

PAE-PARABA Programa de Ao Estadual de Combate Desertificao e Mitigao

dos Efeitos da Seca

PBF Programa Bolsa Famlia

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

PIB Produto Interno Bruto

PTDRS Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentvel

UNCOD United Nations Conference on Desertification

UNEP United Nations Environment Programme

UNCCD United Nations Conference to Combat Desertification

UNCED United Nations Conference on Environment and Development

UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development

UNDP United Nations Development Programme

WCED World Commission on Environment and Development

SUMRIO

1 INTRODUO ............................................................................................................. 15

2 CAPTULO I - DESERTIFICAO: uma discusso relevante .............................. 20

2.1 Apresentao ................................................................................................................... 20

2.2 Desertificao: precedentes, conceitos e discusses ....................................................... 20

2.3 Causas e consequncias da desertificao....................................................................... 30

2.4 Os ncleos de desertificao e as secas no semirido brasileiro ..................................... 36

2.5 Desertificao, degradao das terras, pobreza e migrao ............................................ 43

2.6 Desertificao, mudanas climticas e biodiversidade ................................................... 47

3 CAPTULO II - CARACTERIZAO DO MUNICPIO, ASPECTOS

SOCIOECONMICOS E AMBIENTAIS E A METODOLOGIA DA PESQUISA ....... 50

3.1 Apresentao ................................................................................................................... 51

3.2 Aspectos fsicos da rea de estudo .................................................................................. 51

3.3 Aspectos socioeconmicos.............................................................................................. 56

3.4 Vulnerabilidade no contexto da desertificao ............................................................... 63

3.5 Aspectos metodolgicos da investigao ........................................................................ 66

4 CAPTULO III - ANLISE DOS RESULTADOS ................................................... 70

4.1 Apresentao ................................................................................................................... 70

4.2 Vulnerabilidade social ..................................................................................................... 70

4.3 Vulnerabilidade econmica ............................................................................................. 77

4.4 Vulnerabilidade tecnolgica ........................................................................................... 80

4.5 Vulnerabilidade s secas ................................................................................................. 84

5 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 92

REFERNCIAS .................................................................................................................... 96

ANEXOS ............................................................................................................................... 103

15

INTRODUO

16

1 INTRODUO

Na atualidade, os dados conhecidos acerca da desertificao mostram a gravidade do

problema, uma vez que, entre outras caractersticas, afeta mais de 1 bilho de pessoas no

mundo; mais de 250 milhes de pessoas esto direta ou indiretamente afetadas pela

desertificao; as Naes Unidas estimam que a desertificao custa 42 bilhes de dlares por

ano, enquanto que a preveno custa apenas US$ 10-20 bilhes por ano; entre cinco e seis

milhes de hectares de terra arvel e produtiva perde-se todos os anos em decorrncia da

desertificao e declnio da produtividade (ROXO, 2006). As causas da desertificao no

mundo incluem o sobrepastoreio, o desmatamento, a gesto inadequada da agricultura, o

consumo de lenha como combustvel, a indstria e urbanizao (MILLENNIUM

ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005).

Os primeiros registros sobre a desertificao, em escala global, tiveram incio nos anos

de 1930, quando de uma tempestade de poeira denominada Dust Bowl que ocorreu no

Oeste dos Estados Unidos. Portanto, h registros que remonta a desertificao ao ano 2000

a.C, na Mesopotmia. O termo desertificao foi utilizado pela primeira vez em 1949, pelo

pesquisador francs Andr Aubreville em seu livro intitulado Climats, Forsts et

Desertification de lAfrique Tropicale. No entanto, as discusses sobre a desertificao s

ganharam notoriedade aps uma grande seca durante os anos de 1968 a 1973 que assolou a

regio do Sahel Africano, ceifando centenas de milhares de vidas humanas.

Este acontecimento ocorrido na frica suscitou nas Naes Unidas o interesse de

realizar algumas conferncias e assembleias nos anos de 1972 e 1974, com o objetivo de

discutir os problemas de mbito ecolgicossocial, bem como de preparar documentos e

relatrios de efeitos prticos a serem analisados e votados na 1 Conferncia das Naes

Unidas de Combate Desertificao que ocorreu em Nairbi Qunia, na frica, em 1977.

Foi no Brasil que se realizou o maior encontro das Naes Unidas sobre Meio

Ambiente, promovido pela UNCED, a ECO-92. Este Encontro precede os demais e foi

realizado na cidade do Rio de Janeiro em 1992. O mesmo contou com mais de cem chefes de

Estado. Um dos documentos fruto desse evento conhecido como a Agenda 21, a qual dedica

o captulo 12 de forma exclusiva ao combate desertificao. Por ltimo, interessa salientar

que em 2004 o pas elaborou o Programa de Ao Nacional de Combate Desertificao e

17

Mitigao dos Efeitos da Seca, denominado de PAN-BRASIL.

A Paraba o Estado brasileiro que tem a maior porcentagem de reas com nvel de

degradao das terras, no que concerne a categoria Muito Grave, afetando uma grande parte

da populao. O Cariri Oriental Paraibano se encontra inserido no Semirido Brasileiro. A

regio semirida do Brasil tem uma extenso de 969.589 Km2

e abrange 70% do territrio do

Nordeste e 63% de sua populao. Segundo Duque (2006), a desertificao j uma realidade

em grande parte do Semirido, com 180.000 Km2 desertificados e 650.000 Km

2 ameaados.

Portanto, no municpio de So Joo do Cariri, que faz parte do Cariri Oriental e do Semirido

Brasileiro, o desmatamento remonta ao perodo colonial do Brasil. Ademais o consumo de

lenha como matriz energtica e o sobrepastereio so predominantes na zona rural do

municpio em estudo. Todos estes fatores esto intrinsecamente relacionados

vulnerabilidade socioeconmica e ambiental da populao. A vulnerabilidade est relacionada

s populaes e regies que tm maiores dificuldades de amortecer algum tipo de impacto.

Para Blaikie (1996) a vulnerabilidade pode ser definida como as caractersticas de uma pessoa

ou grupo de pessoas em antecipar, sobreviver e recuperar-se de um impacto em razo de

desastres naturais ou tecnolgicos.

Segundo Confalonieri (2001) vulnerabilidade a exposio de indivduos ou grupos

ao estresse, ou seja, mudanas inesperadas e rupturas nos sistemas de vida, as quais resultam

de mudanas socioambientais. A vulnerabilidade intrnseca a uma determinada populao e

varia de acordo com suas possibilidades de instruo, aspectos sociais e econmicos. Dessa

forma, ainda segundo o autor, aqueles que possuem menos recursos sero os que se adaptaro

com maior dificuldade e so tambm os mais vulnerveis, uma vez que a capacidade de

adaptao estabelecida pelo padro financeiro, tecnolgico, educacional, informacional, de

habilidades, de infraestrutura, acesso a recursos e capacidade de gesto.

Para a realizao do trabalho foram utilizados questionrios de avaliao das

condies socioeconmicas e ambientais dos agricultores do municpio de So Joo do Cariri

no que tange a mensurao das vulnerabilidades. Ademais, foram feitas pesquisas

bibliogrficas na internet, artigos, publicaes em peridicos, dissertaes, teses e livros a

respeito do tema em pauta.

A metodologia utilizada no diagnstico das vulnerabilidades socioeconmicas e

ambientais adaptada por Rocha (1997), para o Rio Grande do Sul e por Arajo (2002),

Moraes Neto (2003), Alencar (2004), Duarte (2008) e Silva et al. (2002) para o Semirido

Paraibano. O estudo das vulnerabilidades lanou mo de um levantamento das famlias rurais

18

do municpio de So Joo do Cariri. O questionrio foi aplicado a 40 famlias rurais do

municpio em estudo, o que corresponde a 10% da populao rural de So Joo do Cariri,

levando-se em conta cinco pessoas por famlia. Para a realizao do diagnstico

socioeconmico e ambiental foram utilizados quatro fatores relacionados s vulnerabilidades

(social, econmico, tecnolgico e ambiental) e suas respectivas variveis. A pesquisa

realizada de carter quantitativa.

O presente trabalho tem como objeto de estudo a anlise das vulnerabilidades

socioeconmicas e ambientais do municpio de So Joo do Cariri e o fenmeno da

desertificao. O trabalho tem como objetivo geral: analisar o nvel de vulnerabilidade

socioeconmico e ambiental do municpio de So Joo do Cariri/PB. Os objetivos especficos,

por sua vez, consistem em:

Caracterizar a regio de So Joo do Cariri quanto aos aspectos socioeconmicos e

ambientais;

Traar o perfil das comunidades;

Verificar o ndice de vulnerabilidade socioeconmica e ambiental das famlias

pesquisadas.

O trabalho est estruturado em: introduo, dois captulos tericos, um captulo

emprico e as consideraes finais. No primeiro captulo foi feita toda uma discusso em torno

do fenmeno da desertificao, como conceitos, a inter-relao da mesma com as secas, a

degradao das terras, as mudanas climticas, entre outros. No segundo captulo foi feita a

caracterizao do municpio de So Joo do Cariri, tendo em vista os aspectos

socioeconmicos e ambientais. Ademais, foi descrito os aspectos metodolgicos de

investigao da pesquisa. No captulo terceiro, por sua vez, se chegou aos resultados do

trabalho concernentes aos ndices de vulnerabilidades (socioeconmico e ambiental) do

municpio pesquisado.

A desertificao um dos principais problemas ambientais no mundo e causa

consequncias socioambientais alarmantes, tais como a perda da fertilidade do solo, processos

erosivos, migrao, entre outras. A mesma tem como causa a antropizao e os efeitos

climticos.

19

CAPTULO I

DESERTIFICAO: uma discusso relevante

20

2 CAPTULO I - DESERTIFICAO: uma discusso relevante

2.1 Apresentao

No presente captulo foi discutido o fenmeno da desertificao enquanto um

problema de dimenso planetria. A partir da dcada de 1970 e mais especificamente em

1977, quando da 1a Conferncia das Naes Unidas sobre Desertificao, a qual ocorreu em

Nairbi, Qunia, essa problemtica passou a ser considerada um dos problemas ambientais

mais relevantes da humanidade.

Foi proposto tambm, neste captulo, analisar os precedentes, os conceitos, causas e

consequncias do fenmeno em questo; desvencilhar desertificao de desertizao; a inter-

relao entre desertificao, mudanas climticas e biodiversidade; a desertificao e as secas

no Semirido Brasileiro; os ncleos de desertificao; a inter-relao entre desertificao,

degradao das terras e migrao.

Todos estes aspectos correlacionados desertificao so de sobremaneira

importncia para uma maior compreenso e entendimento deste fenmeno que se manifesta

quer seja por causas naturais, quer seja por causas antrpicas e/ ou ambas. A desertificao

em conformidade com a Conveno das Naes Unidas de Combate Desertificao atinge

as terras ridas, semiridas e submidas secas do mundo, onde o Nordeste Semirido

Brasileiro encontra-se inserido.

2.2 Desertificao: precedentes, conceitos e discusses

Os primeiros registros sobre a desertificao, em escala global, tiveram incio nos anos

de 1930, quando de uma tempestade de poeira denominada Dust Bowl que ocorreu no

Oeste dos Estados Unidos. O evento atingiu os Estados de Oklahoma, Kansas, Novo Mxico

e Colorado, correspondendo a uma rea de aproximadamente 180.000 Km2 (MACEDO,

2007).

Ainda segundo a mesma autora, no perodo entre 1931 e 1934, o Dust Bowl provocou

mais de 200 tempestades de poeira, com ventos de at 193 Km/ h, criando redemoinhos de

mais de seis metros de altura. Todavia, foram atribudas, a priori, como causas principais do

fenmeno o vento e a seca. Mas, sabe-se que, na realidade, o motivo principal foi longos

sculos de prticas agrcolas incorretas, que deixaram os solos desnudos e expostos.

21

H registros que remonta a desertificao ao ano 2000 a.C, na Mesopotmia. Nessa

poca j havia desmatamento para construo de cidades, projetos de irrigao, degradao do

solo, entre outros, que so apontados como responsveis pelo fenmeno da desertificao

(MARACAJ, 2007).

Figura 1 - Estados Atingidos pela Tempestade Dust Bowl

Fonte: PBS (Public Broadcasting Service (2013).

Na figura 1, registros fotogrficos do fenmeno Dust Bowl, que ocorreu no Oeste

dos Estados Unidos. Na mesma figura ainda se pode observar os Estados atingidos pela

tempestade (em marrom), as reas onde a tempestade causou maiores estragos (em vermelho)

e outras reas atingidas pela tormenta (em amarelo).

Figura 2 - O Potencial Destruidor do Dust Bowl

Fonte: PBS (Public Broadcasting Service (2013).

http://www.google.com.br/url?sa=i&source=images&cd=&cad=rja&docid=jJlRp1lBEuWXmM&tbnid=Kyornjkti6yzNM:&ved=0CAgQjRwwAA&url=http://www.weru.ksu.edu/new_weru/multimedia/dustbowl/dustbowlpics.html&ei=WbCLUZJxib7wBJzdgPAM&psig=AFQjCNEjpYdORrrnjNrvyvCKHJeNLDsIiw&ust=1368195545074579http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=dust+bowl&source=images&cd=&cad=rja&docid=jtDuOfh1qnAz7M&tbnid=F9PpzHeA9Hx84M:&ved=0CAUQjRw&url=http://capita.wustl.edu/namaerosol/Dust Bowl map.htm&ei=qLKLUdzMBIms9AT68ICACg&bvm=bv.46226182,d.eWU&psig=AFQjCNFfMb49wYaBF_27oY7XC57K6kguKQ&ust=1368195388118439

22

Na figura 2 visualiza-se o potencial destruidor do fenmeno, onde se observa uma

grande quantidade de poeira (dust) invadindo um povoado no Estado de Oklaroma.

importante mencionar, na mesma figura, a altura da tempestade de poeira que chega a seis

metros.

Figura 3- O Estado de um Lugar Depois da Tormenta

Fonte: PBS (Public Broadcasting Service (2013).

J na figura 3 pode-se observar como ficou o estado de um lugar depois do Dust Bowl.

No fundo da imagem uma casa quase totalmente submersa pela poeira acumulada do

fenmeno em questo. Nesse sentido, John Steinbeck em seu livro intitulado The Grapes of

Wrath, retrata o Dust Bowl da seguinte forma:

Nas estradas, onde o gado transitava e onde as rodas dos carros moam o

cho e as patas dos cavalos calcavam a terra, rompiam-se a crosta de lama e

formavam-se a poeira. Tudo o que se movia lanava poeira no ar; um

viajante levantava uma camada de poeira que lhe chegava at a cintura; uma

carroa a fazia subir at aos taipais e um automvel deixava uma nuvem de

poeira atrs de si. Portanto, s muito tempo depois a poeira se assentava

(STEINBECK, 1939, p. 3).

Os efeitos dessa tormenta foram assustadores e deixaram os moradores com poucas

perspectivas diante de toda a devastao que provocou, sobretudo, a regio de Oklaroma.

Portanto, um dos aspectos que mais chama a ateno no livro de Steinbeck a persistncia

dos agricultores em permanecer na regio e tentar retomar suas vidas.

Foi o pesquisador francs Andr Aubreville que utilizou, pela primeira vez, o termo

desertificao em 1949, em seu livro intitulado Climats, Forsts et Desertification de

lAfrique Tropicale. Este caracteriza as reas em vias de degradao na frica Tropical em

http://www.google.com.br/url?sa=i&source=images&cd=&cad=rja&docid=D9XcNBUYWuydFM&tbnid=LnjbkRGgTNSpnM:&ved=0CAgQjRwwADgQ&url=http://argenteditions.com/dust-bowl-farm-p-36.html&ei=kbCLUbu_MIrq8gTfpIHQAg&psig=AFQjCNHJMQ0TnfVBVsANhjfJROWgYuMPnQ&ust=1368195601837288

23

razo do mau uso dos recursos naturais disponveis, tais como o corte indiscriminado de

rvores e a prtica das queimadas. A antropizao exorbitante estava tornando as reas

relativamente semelhantes a desertos. Em sua obra o autor supracitado sinalizou dois efeitos

que caracterizam o fenmeno da desertificao, quais sejam a eroso dos solos devido ao

processo laminar2 e/ ou pelo ravinamento

3 relacionados ao desmatamento e o agravamento do

dficit hdrico dos solos, concomitantemente, oriundos de uma maior exposio destes a

radiao solar e a ao dos ventos secos (AUBREVILLE, 1949).

A preocupao de Aubreville em relao problemtica da expanso dos desertos,

sobretudo nas bordas dos grandes desertos do mundo, como o Sahel nas bordas do Saara

(frica) e nas regies de climas semirido e submido, ganhou novos signatrios ao longo de

toda segunda metade do sculo XX. Estes estudiosos buscaram desenvolver alternativas no

sentido de combater os efeitos do processo de expanso dos desertos nas regies estudadas.

Nessa direo, havia toda uma preocupao em desvencilhar desertificao de deserto e

estabelecer um conceito especfico para o mesmo. Nesse sentido, um fator determinante para

o estabelecimento do conceito de desertificao reside no fato de que este fenmeno

dinmico e est associado a perodos de longas estiagens, na ordem de dcadas (CONTI,

1995).

A princpio, os estudos de Aubreville no foram levados em considerao, haja vista

que o mundo estava saindo da Segunda Guerra Mundial e as preocupaes estavam voltadas

para a reconstruo dos pases. Os problemas ambientais ficaram em segundo plano

(SZILAGYI, 2004). Porm, as discusses sobre os problemas de carter ambiental e,

especificamente, a desertificao, s voltaram baila novamente aps uma grande seca

durante os anos de 1968 a 1973 que assolou a regio do Sahel Africano, ceifando centenas de

milhares de seres humanos. Nesse sentido,

Durante aqueles anos marcados pela seca, muitos seres humanos,

principalmente crianas, perderam suas vidas nas mais miserveis condies

de higiene e alimentao, enquanto se assistia ao desenvolvimento das

sociedades de consumo americana e europeia, baseada na propriedade e no

bem-estar individual em detrimento de condies de vida socialmente

igualitrias (MENDONA, 2004, p. 43).

2 a remoo de uma fina camada de solo, relativamente homognea, pela chuva. GUERRA, Antnio Teixeira,

Novo Dicionrio Geolgico-Geomorfolgico. 6a Ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2008.

3 Pequenas incises feitas na superfcie do solo, quando a gua de escoamento superficial passa a se concentrar e

a fazer pequenos regos ou fendas no solo (Idem, 2008).

24

De acordo com o Relatrio Millennium Ecosystem Assessment - MA (2005) as secas

no Sahel reduziu a produtividade, deixando rala a cobertura vegetal e aumentando o albedo,

reduzindo assim a ciclagem hdrica e a circulao da mono, e desta forma implicando no

decrscimo da precipitao.

Ainda de acordo com o MA, a reduo da cobertura vegetal pode tambm ser atribuda

s atividades humanas, como por exemplo, as prticas insustentveis do uso das terras

(sobrepastoreio, aragem intensa, monocultura, entre outras). Essas prticas, particularmente

em relao s secas ou aumento da densidade populacional na regio do Sahel, contribuiu

para a degradao do solo, o aumento da eroso hdrica e os elevados nveis de poeira

suspensas no ar. Isso leva a acreditar que a combinao de fatores humanos e naturais leve a

perdas severas de produtividade e, consequentemente, a fomes para grandes contingentes

populacionais.

Figura 4 - Regio do Sahel na frica

Fonte: Millennium Ecosystem Assessment (2005).

A figura 4 ilustra a regio do Sahel, na frica, que est destacada na figura por meio

de hachuras (em cinza). A colorao abaixo da cor amarela representa as reas submidas

secas abaixo da regio em questo, onde se destacam os seguintes pases: Guin Bissau,

Benin, Nigria, Camares e a Repblica Central da frica. J a cor amarela corresponde s

reas semiridas, havendo uma grande predominncia na regio. Nesta rea se destacam dois

pases, quais sejam Senegal e Mali, os quais foram assolados pela seca dos anos de 1960 e

1970. Cabe ainda ressaltar que os dois pases encontram-se nas quatro modalidades de climas

(hiperrido, rido, semirido e submido seco).

25

As cores creme e cinza-claro representam, respectivamente, as reas ridas e

hiperridas, onde se destacam os seguintes pases: Mauritnia, Mali, Nger, Chade e Sudo.

Importa salientar que esses pases so os que apresentam clima mais rido da regio do Sahel.

Figura 5 - A Desertificao no Sahel Senegal

Fonte: UNESCO (United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization, 2004).

Na figura 5 se pode observar a situao de um rio no Senegal aps a seca dos anos de

1960 e 1970, completamente seco. Todavia, este acontecimento ocorrido na frica suscitou

nas Naes Unidas o interesse de realizar algumas conferncias e assembleias nos anos de

1972 e 1974, com o objetivo de discutir os problemas de mbito ecolgicossocial, bem como

de preparar documentos e relatrios de efeitos prticos a serem analisados e votados na 1

Conferncia das Naes Unidas de Combate Desertificao UNCOD (UNITED

NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION), que ocorreu em Nairbi Qunia, na

frica, em 1977. Portanto, nas discusses de Nairbi, a UNCOD classificou a desertificao

como sendo:

[...] a diminuio ou a destruio do potencial biolgico das terras, podendo

conduzir definitivamente para condies desrticas. A degradao, em

grande extenso, do ecossistema pode implicar a reduo e a destruio do

potencial biolgico, o que trar prejuzos para a produo de plantas e de

animais para diversos fins, quando a produtividade necessria para

fornecer suporte ao crescimento das populaes (UNEP, 1978, p.79).

De acordo com as definies oficiais da Conferncia de Nairbi, a desertificao a

degradao das terras em reas ridas, semiridas e submidas secas resultante de vrios

fatores, incluindo variaes climticas e atividades humanas (UNCCD, 2006, p. 209).

Portanto, as terras secas (incluindo as trs categorias supramencionadas) de acordo com o MA

26

(2005) compreende uma rea de 41,3% da superfcie terrestre do planeta, onde vive 34,7% da

populao mundial referente aos dados do ano de 2000.

Figura 6 - Distribuio das Terras Secas do Planeta de Acordo com as Zonas de Aridez

Fonte: Millennium Ecosystem Assessment (2005)

Como se pode ver na figura 6, h uma grande predominncia de terras semiridas

(cor amarela), ridas (cor creme) e submidas secas (cor verde) no orbe terrestre. No que

tange as terras hiperridas (cor cinza) h uma menor preponderncia em relao s demais.

Portanto, As terras secas, de uma forma geral, cobrem aproximadamente 41% da superfcie e

compreendem 44% das terras cultivveis do mundo, onde vive uma populao de 2 bilhes de

pessoas (MA, 2005, p. 31; JOHNSON et al., 2006, p. 1). Geograficamente, as terras secas do

planeta so encontradas em quatro reas, quais sejam:

1) sob o cinturo das zonas atmosfricas de alta presso subtropical,

marcadas pelos Trpicos de Cncer e Capricrnio (desertos com movimento

de ventos); 2) no interior das bacias de drenagens das mdias latitudes

(desertos continentais); 3) nas superfcies a sotavento das cadeias

montanhosas (desertos com presena de chuvas) e 4) s margens dos

continentes ocidentais, afetados pelas correntes ocenicas frias: desertos

costeiros (HERRMANN; HUTCHINSON, 2006, p. 12).

Foi a partir da 1 Conferncia das Naes Unidas de Combate Desertificao que o

termo desertificao passou a ser usado oficialmente no mundo inteiro de forma muito

recorrente, tanto nos meios acadmicos, quanto em outras instncias. Portanto, alguns

encontros e conferncias ocorreram aps esta Conferncia, no sentido de consolidar a

nomenclatura em questo. Na tabela abaixo os eventos e as datas (internacionais e nacionais)

que sucederam a UNCCD.

27

Quadro 1 - Principais Acontecimentos Internacionais e Nacionais de Combate Desertificao

Perodo Evento Informao

Agosto/ setembro de 1977 Conferncia das Naes Unidas

sobre desertificao UNCOD em

Nairbi/ Qunia.

A desertificao foi

considerada pela primeira

vez um problema de carter

mundial.Concomitantemente,

foi criado o Plano de Ao

de Combate Desertificao

PACD.

Fevereiro de 1992 Conferncia Internacional sobre o

Impacto das Variaes Climticas e

Desenvolvimento Sustentvel em

Regies Semiridas (ICID),

realizada em Fortaleza Brasil.

Consolidao das bases

tcnicas e polticas para

reivindicar a realizao de

uma conveno especfica

para as reas afetadas pela

desertificao; elaborao de

novas estratgias para a

regio Nordeste do Brasil.

Junho de 1992

Conferncia das Naes Unidas

sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento UNCED,

realizada no Rio de Janeiro e

conhecida como ECO-92.

Estabelece a necessidade de

criao de um Comit

Internacional para preparar

um mecanismo vinculante

para o problema da

desertificao.

Marco de 1994 Conferncia Nacional e Seminrio

Latinoamericano da desertificao

(CONSLAD), realizado em

Fortaleza Brasil.

Insero do bloco da

Amrica Latina na

Conveno das Naes

Unidas de Combate

Desertificao (UNCCD);

elaborao do documento

Subsdios para a elaborao

de um Plano Nacional de

Combate Desertificao e

Mitigao dos Efeitos da

Seca, que foi um marco

inicial para a formulao de

uma poltica brasileira de

combate desertificao.

17 de junho de 1994 Conveno das Naes Unidas de

Combate Desertificao

(UNCCD), realizada em Paris -

Frana.

Abertura mundial das

assinaturas dos pases que se

comprometeram em aderir ao

programa; a data foi

escolhida como o Dia

Mundial de Luta Contra

Desertificao.

15 de outubro de 1994 Conveno das Naes Unidas de

Combate Desertificao

(UNCCD), realizada em Paris

Frana.

Incio do perodo de

assinaturas da Conveno.

17 de outubro de 1994 Conveno das Naes Unidas de

Combate Desertificao

(UNCCD), realizada em Paris

Frana.

Assinatura da Conveno

pelo Brasil.

28

Janeiro de 1996 1 Conferncia da Amrica Latina e

Caribe sobre a UNCCD em Buenos

Aires Argentina.

Assinatura da Conveno

pelo Brasil.

Dezembro de 1996 1 Conferncia da Amrica Latina e

Caribe sobre a UNCCD em Buenos

Aires Argentina.

A conveno entra em vigor.

12 de junho de 1997 1 Conferncia da Amrica Latina e

Caribe sobre a UNCCD em Buenos

Aires Argentina.

Ratificao da Conveno

pelo Congresso Nacional

Brasileiro.

Outubro de 1997 1 Conferncia das Partes para a

Conveno de Combate

Desertificao (COP 1 -

Conference of Parties) realizada em

Roma Itlia

Estabelece as normas da

COP, os rgos subsidirios

e designa-se ao secretariado.

Dezembro de 1997 1 Conferncia das Partes para a

Conveno de Combate

Desertificao (COP 1 -

Conference of Parties) realizada em

Roma Itlia

As diretrizes para a Poltica

Nacional de Controle da

Desertificao so

publicadas no Dirio Oficial

do Brasil, marcando a

oficializao dessa poltica

pelo Conselho Nacional do

Meio Ambiente

(CONAMA).

Dezembro de 1998 COP 2, realizada em Dakar

Senegal

Consultas sobre a estratgia a

mdio prazo do secretariado.

Novembro de 1999 COP 3, realizada em Recife

Brasil

Primeira reviso dos

mecanismos de estratgias e

atividades (documento

iniciativa do Recife) para

reforar as obrigaes da

COP.

Dezembro de 2000 COP 4, realizada em Bonn

Alemanha

O Anexo de Aplicao para

a Europa Central e Oriental

(Anexo V) e a Iniciativa do

Recife so adotadas; um

grupo de trabalho ad hoc

comea a avaliar a aplicao

da Conveno.

Outubro de 2001 COP 5, realizada em Genebra

Sua

criado o Comit de

Avaliao da aplicao da

Conveno.

Agosto/setembro de 2002 Conferncia de Johanesburgo

frica do Sul, conhecida como Rio

+10.

Apelo ao Fundo para o Meio

Ambiente Mundial (FMAM)

para que sirva de mecanismo

financeiro da Conveno.

Agosto/setembro de 2003 COP 6, realizada em Havana

Cuba.

O FMAM designado como

mecanismo financeiro da

Conveno.

Setembro de 2004 Braslia Brasil Criado o Progrma de Ao

Nacional de combate

Desertificao e Mitigao

dos efeitos da seca (PAN-

BRASIL).

29

2006 Ano Internacional dos Desertos e

da Desertificao

Iniciativa da Conveno de

Combate desertificao

(UNCCD). Fonte: Souza (2008).

Como se pode perceber, aps a Primeira Conferncia das Naes Unidas sobre

Desertificao, se passou pouco mais de trs dcadas para que a Conveno das Naes

Unidas pudesse ter um reconhecimento mais notrio. Importa mencionar tambm que o

Brasil, nesse contexto, realizou a assinatura da Conveno em 1996. Cabe ainda destacar que

em 1999 o pas realizou a terceira Conferncia das Partes das Naes Unidas (COP 3 -

Conference of Parties) em Recife.

Foi no Brasil que se realizou o maior encontro das Naes Unidas sobre Meio

Ambiente, promovido pela UNCED (United Nations Conference on Environment and

Development), a Rio-92 ou ECO-92 como chamada. Este Encontro precede os demais e foi

realizado na cidade do Rio de Janeiro em 1992. O mesmo contou com mais de cem chefes de

Estado. Um dos documentos fruto desse evento conhecido como a Agenda 21, a qual dedica

o captulo 12 de forma exclusiva ao combate desertificao. Por ltimo, interessa salientar

que em 2004 o pas elaborou o Programa de Ao Nacional de Combate Desertificao e

Mitigao dos Efeitos da Seca, denominado de PAN-BRASIL.

2.3 Causas e consequncias da desertificao

As causas e consequncias da desertificao esto intrinsecamente inter-relacionadas

por mecanismos de retroalimentao (SAMPAIO et al., 2003), sendo vrios e complexos os

fatores que determinam as causas da mesma. Esses fatores podem ser de ordem social,

econmica, cultural e poltica.

De acordo com o MA (2005) 10 a 20% das terras secas do mundo (rida, semirida,

submida, hiperrida) ou 10 a 20 milhes de Km2 encontram-se degradadas. Estima-se que

entre 5 a 6 milhes de hectares perdem-se por ano devido agricultura, por meio da

degradao induzida pelo ser humano (GTZ, 2005, apud MILLENNIUM ECOSYSTEM

ASSESSMENT, 2005).

As causas da desertificao no mundo incluem o sobrepastoreio (680 milhes de

hectares), o desmatamento (580 milhes de hectares), a gesto inadequada da agricultura (550

milhes de hectares), o consumo de lenha como combustvel (137 milhes de hectares) e a

30

indstria e urbanizao (19.5 milho de hectares) (UNEP, 2003, apud MILLENNIUM

ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005). Portanto, Calcula-se que os custos econmicos

mundiais anuais com a desertificao excedam os 42 bilhes de dlares, ao passo que para se

combater a mesma gastam-se apenas uma mdia de US$ 10 a 20 bilhes por ano

(MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005).

Para Mrega (2003) as causas da desertificao no podem ser consideradas de forma

isoladas, mas devem ser entendidas levando-se em considerao trs fatores: socioeconmico

(que envolve todos os aspectos antrpicos), biolgico (flora e fauna) e fsico (clima e solo).

Ainda de acordo com o autor supracitado, como causas naturais destacam-se:

Caractersticas gerais dos climas ridos, semiridos e subsumidos secos;

Efeitos da radiao solar, como o aumento da refletncia da superfcie do solo

(Albedo);

Caractersticas no regime de chuvas, tais como precipitao escassa, ocorrncia de

perodos secos e chuvas torrenciais;

Aspectos geomorfolgicos, como a influncia do relevo e a superfcie dos solos

influenciadas pela ao do processo erosivo;

Caractersticas do solo processo de formao do solo, formao de matria orgnica,

elevao da salinidade, vulnerabilidade a eroso hdrica e elica;

Caractersticas fitogeogrficas baixa densidade da cobertura vegetal, produo

escassa de biomassa e a predominncia de espcies xerfilas;

Caractersticas hidrolgicas;

Influncia dos processos naturais de eroso hdrica e elica;

Com relao aos fatores antrpicos, o autor destaca:

O uso de sistemas produtivos inadequados;

A superexplorao dos recursos naturais;

Os incndios florestais;

O uso excessivo e indevido de pesticidas e fertilizantes inorgnicos, causadores do

empobrecimento biolgico e dos solos;

Excessiva carga animal quando o nmero de animais excede a capacidade de suporte

das terras;

Desenvolvimento de sistemas e mtodos de irrigao inadequados, originando

processos de salinizao do solo;

31

Condicionantes de carter poltico ausncia de polticas de regulamentao para a

proteo do solo e dos recursos naturais, entre outros.

De acordo com Silva (1993) as principais causas que desencadeiam o fenmeno da

desertificao consistem, fundamentalmente, em: a) pr-disposio geoecolgica que est

relacionada com a interao entre clima e solo e b) a ao antrpica, por meio de formas

diversas de atividades humanas sobre o meio ambiente, tornando-o geoecologicamente frgil.

Nesse sentido, o autor destaca os seguintes fatores climticos como causas naturais:

Baixo ndice pluviomtrico;

Distribuio assimtrica das chuvas no tempo e no espao;

Temperatura do solo e do ar relativamente alta;

Baixa umidade relativa do ar;

Intensa luminosidade e fotoperiodismo;

Velocidade e temperatura dos ventos;

Balano hdrico deficitrio;

Variaes climticas globais;

Evapotranspirao.

A respeito do solo, importante levar em considerao os aspectos fsicos, qumicos e

biolgicos. Com relao aos aspectos fsicos, devem ser observadas as seguintes

caractersticas: profundidade, permeabilidade, composio e espessura dos horizontes. Com

relao aos aspectos qumicos, devem ser levados em considerao os minerais assimilveis e

suas propriedades qumicas. J com relao aos aspectos biolgicos, deve-se observar a

eventual incorporao de matria orgnica, que est intrinsecamente relacionada com a

decomposio e, por conseguinte, com a sua transformao em hmus.

Todos esses fatores concatenados podem levar a acelerao do fenmeno da

desertificao em diversas regies do planeta. Ademais, os outros fatores supracitados, como

evapotranspirao, baixo ndice pluviomtrico, entre outros, tambm podem contribuir para o

fenmeno da desertificao nas reas ridas, semiridas e submidas secas do orbe terrestre.

Melo (2000) destaca uma gama de fatores antrpicos que promovem o fenmeno da

desertificao, quais sejam:

a) O cultivo de lavouras advindas dos grandes projetos de irrigao ou das culturas de

32

autoconsumo sobre ecossistemas frgeis ou pr-dispostos ao fenmeno da

desertificao, sobrepastoreio e compactao do solo;

b) Desmatamento e queimadas como prticas agrcolas em razo do crescente aumento

da populao em determinadas reas;

c) A explorao florestal como fonte de madeiras para olarias, indstrias e panificadoras

locais, alm do fornecimento de lenha para confeco de cercas;

d) Sobrepastoreio o qual compacta o solo, tornando-o mais exposto a agentes erosivos

que podem desencadear a eroso hdrica, voorocas, ravinamentos, entre outros;

e) Explorao madeireira a qual muito utilizada nas regies semiridas do Nordeste

do Brasil e em grande parte do mundo. Em se tratando da regio Nordeste, a caatinga

utilizada para produo de carvo nas olarias, nas padarias, consumo domstico e

cercas. Essa prtica pode causar mudanas bruscas na fisiologia e fisionomia da

paisagem, alterando toda a estrutura fsica da mesma e acelerando cada vez mais o

surgimento dos chamados Ncleos de desertificao.

f) O consumo do espao pela agricultura as prticas agrcolas extensivas aliadas

baixa produtividade do solo provocam a eroso do solo, fazendo com que a

recuperao ou a reconstituio da vegetao seja lenta ou mesmo impossvel.

Para Vasconcelos Sobrinho (1976) em estudo realizado no Nordeste do Brasil, as

causas da desertificao esto sempre relacionadas a duas categorias, quais sejam as naturais e

aquelas induzidas pelo ser humano. Com relao aos fatores naturais o autor destaca:

As estiagens que determinam a vocao pr-desrtica ou no de reas suscetveis ao

fenmeno da desertificao. Cabe desvencilhar estiagens de secas, dizendo que a

ltima um fenmeno espordico, enquanto que a primeira ocorre com maior

regularidade.

A seca esse fenmeno espordico acentua mais ainda as limitaes ecolgicas

suscitadas pelas estiagens, uma vez que os ecossistemas expostos s intempries

tornam-se cada vez mais vulnerveis devido ao forte rigor climtico.

O solo que sobremaneira responsvel pelo armazenamento das guas que escoam

pela superfcie, sendo de fundamental importncia para o desenvolvimento dos

vegetais.

Os ventos a interao dos mesmos associados aos solos desnudos provoca a eroso

elica que, por sua vez, contribui para a retirada dos nutrientes da camada laminar do

solo pelos ventos, tornando-o suscetvel desertificao.

33

A evapotranspirao nas regies ridas e semiridas essa a principal causa da

perda de gua para a atmosfera por meio das plantas, do solo, dos reservatrios dos

animais e seres humanos.

Com relao aos fatores antrpicos, Vasconcelos Sobrinho (1976) destaca:

Desmatamento a cobertura vegetal responsvel diretamente pela absoro de gua

por meio dos lenis freticos. Ademais, protege os solos das gotas de chuvas (eroso

hdrica) que o degrada. A cobertura vegetal tambm regula a umidade, temperatura e

precipitaes de diversas reas do planeta. Portanto, o desmatamento impede o

desempenho de todas as funes mencionadas e contribui, decisivamente, com o

fenmeno da desertificao.

Queimadas mencionada pelos pesquisadores como uma das principais causas da

desertificao. Ela deixa os solos cada vez mais expostos as aes externas, alm de

provocar a perda de nutrientes do solo.

Eroso est diretamente relacionada com o desmatamento e a prtica das queimadas,

sendo responsvel pela perda de grandes extenses de solos cultivveis. A mesma

desencadeia a acelerao do fenmeno da desertificao.

Manejo do solo o uso incorreto de tcnicas e tecnologias de ponta empregada de

forma irracional no solo, principalmente nas regies ridas e semirias, com

ecossistemas fragilizados pelos condicionantes naturais, contribuem para esterilizao

e improdutividade dos solos.

De todos os fatores mencionados acima pelos autores supracitados, importa destacar

que o fator decisivo, apesar de tudo, de todas essas inclemncias, ainda o homem

(SOBRINHO, 1976, p. 16).

Como foi mostrado acima, as causas da desertificao so muito amplas, estando

ligadas, respectivamente, aos fatores naturais e antrpicos. H uma unanimidade entre os

autores em afirmar que os fatores em questo contribuem para o fenmeno da desertificao

em diversas partes do planeta. Portanto, o fenmeno em pauta resultado de uma srie de

fatores combinados, j mencionado, e que podem levar algumas reas a assemelhar-se a

regies desrticas.

Na atualidade, os dados conhecidos acerca das consequncias da desertificao

revelam a gravidade do problema. estimado que a desertificao afeta um quarto da

superfcie terrestre, onde vive um quinto da populao mundial (DDORICO et al., 2013).

34

Importa esclarecer e, concomitantemente, desvencilhar nesse contexto dois fenmenos

distintos, quais sejam desertificao e desertizao. Do ponto de vista semntico, pode parecer

que so dois processos ambivalentes, porm h diferenciao entre ambos. O segundo

(desertizao) um processo natural que consiste na formao de desertos, onde so

preponderantes os fatores climticos e naturais e ausncia de fatores antrpicos. J a

desertificao, por sua vez, est intrinsecamente relacionada a fatores de mbito antrpico e

climtico. Nesse sentido,

Deserto e desertificao, embora tenham a mesma etimologia e, de certa

forma, fundamentos semelhantes, designam coisas distintas. Deserto um

fenmeno de certa forma acabado e resultante da evoluo de processos que

alcanaram certa estabilidade final, e que pode ser definido como um clmax

ecolgico, isto , por uma espcie de equilbrio homeosttico natural.

Desertificao, ao contrrio, como a substantivao da palavra deserto indica

um fenmeno em transformao dinmica4cuja evoluo ambiental est

apontada para a direo do deserto. Trata-se, pois, de um fenmeno espacial

em desequilbrio natural onde a retroalimentao negativa do (s) ecossistema

(s) no totalmente recompensada pela retroalimentao positiva. Isto no

significa, necessariamente, que o ecossistema em estgio de desertificao

atingir, naturalmente, o clmax de deserto (NIMER, 1988, p. 10).

Nesse sentido, Le Hourou (apud CONTI, 1995) argumenta que a terminologia

desertizao comum, uma vez que compreendida como extenso das paisagens e formas

peculiarmente desrticas, no levando em considerao a ocorrncia deste processo em

regies com precipitaes mais elevadas.

A desertizao e desertificao correspondem a dois fenmenos dspares, visto que as

reas em processo de desertificao como, por exemplo, o Semirido Brasileiro, no

necessariamente ir transformar-se em desertos. Para tanto, essas reas para alcanarem tal

estgio teriam que passar por mudanas climticas abruptas e constantes ao longo do tempo,

levando a regio a ser enquadrada no clima rido ou desrtico e, ademais, sofrer regresses

considerveis na precipitao e mudanas nos aspectos geomorfolgico e ambiental (NIMER,

1988). Portanto, o que ocorre nas regies enquadradas como desertificadas no a evoluo

das condies edafoclimticas das mesmas para condio de deserto, mas a evoluo da

degradao ambiental e da desertificao por meio da ao antrpica do que pelos aspectos

climticas que tambm contribuem para a sua expanso.

O fenmeno da desertificao pode ser visto como um crculo vicioso, no qual a

degradao crescente das terras causa a diminuio da cobertura vegetal, o decrscimo da

precipitao, o aumento da eroso do solo, a capacidade de reteno de gua pelos solos, a

reduo da biomassa, com menores aportes de matria orgnica e a perda da fertilidade do

35

solo. Portanto, trata-se de um processo de simplificao ecolgica, onde a ao antrpica tem

desempenhado uma funo basilar, acelerando seu desenvolvimento e agravando as suas

consequncias por meio de prticas inadequadas do uso dos recursos naturais. No esquema

abaixo pose-se observar a retroalimentao negativa (Cf. Crculo Vicioso) de um

ecossistema, no qual h a ausncia da recompensa da retroalimentao positiva, conduzindo

assim ao processo de desertificao.

Figura 07 - Retroalimentao Negativa do Ecossistema

Fonte: DODORICO et al. (2013), modificado pelo autor (2013).

Na figura 7 se observa a retroalimentao negativa de um ecossistema, onde a perda

da cobertura vegetal, apresentada no centro, decisiva para a diminuio da precipitao e

mudanas no albedo, na aridez, na evapotranspirao e na suspenso de poeira na atmosfera.

Tambm se tem a perda de fertilidade do solo e o aumento da eroso do mesmo, que est

relacionada perda da cobertura vegetal que o piv da retroalimentao negativa de um

ecossistema.

36

2.4 Os ncleos de desertificao e as secas no semirido brasileiro

Um dos pioneiros no estudo da desertificao no Brasil foi o eclogo Joo

Vasconcelos Sobrinho. O mesmo selecionou seis reas, conhecidas como reas Piloto,

onde existem processos de degradao do solo e da cobertura vegetal. As seis reas

correspondem aos estados do Piau, Cear, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraba e

Bahia (MMA, 2007). Sua trajetria comeou em 1971, quando da publicao da sua obra

intitulado de Ncleos de Desertificao nos Polgonos das Secas, onde Vasconcelos

Sobrinho apresentou as primeiras ideias sobre os Ncleos de Desertificao (MARIN, 2012,

p. 92).

Quadro 2 - As Seis reas Piloto Estudadas por Vasconcelos Sobrinho

reas Piloto

Estado

Regies Naturais e/ ou

Microrregies

Homogneas

Municpios

01 Piau Caatinga e Cerrado Giubus, Simplcio Mendes,

Cristino Castro, Ribeiro

Gonalves, Correntes e Bom

Jesus.

02 Cear Inhamuns Tau, Arneiros, Mombaa,

Aiuaba, Catarina, Saboeiro e

Irauuba.

03 Rio Grande

do Norte

Serid Juazeirinho, Acari, Parelhas,

Equador, Carnaba dos

Dantas, Caic e Jardim do

Serid.

04 Paraba Cariris Velhos Juazeirinho, So Joo do

Cariri, Serra Branca,

Cabaceiras, Camala e Picu.

05 Pernambuco Serto Central Salgueiro, Parnamirim,

Cabrobr, Itacuraba, Belm do

So Francisco, Petrolina,

Afrnio, Oiricuri e Araripina.

06 Bahia Serto do So Francisco Uau, Macarur, Chorroch,

Abar, Rodeias, Curu,

Glria, Jeremoabo e Juazeiro. Fonte: MMA (2007, grifo nosso).

Importa destacar que no mapeamento Brasil de 1998, foram considerados apenas

quatro ncleos como observado no quadro 3. Por motivos no esclarecidos pelo Ministrio do

Meio Ambiente, dois ncleos ficaram de fora, quais sejam Cariris Velhos e Serto do So

Francisco, recebendo assim menos ateno pelo ministrio supracitado e outras instituies

(RIBEIRO et al., 1994).

37

Quadro 3 - Os Ncleos de Desertificao Reconhecidos pelo MMA

Ncleos

Superfcie (Km2)

Populao (hab.)

Causas Principais da

Desertificao e/ ou

Degradao

1. Gilbus PI 6.131 10.000 Regio devastada por

mineradoras

2. Irauuba CE 4.000 34.250 Ocupao desordenada do

solo

3. Serid RN 2.341 244.000 Solos aluviais utilizados

para extrao de argila e

lenha

4. Cabrobr PE 5.960 24.000 O solo frgil no suportou a

pecuria e agricultura

Total 18.431 312.250 Fonte: PAN BRASIL (2004).

As causas da desertificao, observados nesses quatro ncleos, so variveis, uma

vez que a natureza dos solos e da geologia de cada regio so distintos. O processo de

ocupao das reas onde se encontram os quatro ncleos tambm varia muito de um para

outro, muito embora as atividades que neles predominam estejam quase totalmente

relacionadas com a agropecuria.

As excees encontram-se nos Ncleos de Gibus e do Serid, onde a explorao

mineral tem contribudo fortemente para a acelerao do fenmeno da desertificao. Em

relao rea Piloto 04 (Cariris Velhos), no Estado da Paraba, merece destaque o municpio

de So Joo do Cariri. Nesse sentido,

No municpio de So Joo do Cariri encontram-se Ncleos de

Desertificao de dimenses bastante expressivas; a rea caracterizada por

terras pobres (altos ndices de degradao) e carentes de recursos hdricos;

alm do mais, o xodo rural se intensificou nos ltimos anos e no perodo de

estiagem chega a ser um desafio conseguir mo-de-obra para lidar com a

terra e, tendo em vista a estrutura fundiria bastante concentrada e as

condies adversas, a pouca rea desses imveis inviabiliza a implantao de

atividades agropecurias sustentadas (SOUZA, 1999, p. 140, grifo nosso).

A degradao das terras no municpio de So Joo do Cariri foi estudada tambm por

Silva Neto (2004) o qual identificou seis nveis de degradao. Na figura 8, se observam os

seis nveis de degradao das terras identificados pelo autor supramencionado.

Importa destacar que os ltimos dois tipos de degradao das terras correspondem a

uma rea bastante expressiva do municpio, quase metade do territrio, o que motivo de

preocupao, uma vez que se trata de degradao grave e muito grave das terras.

38

Figura 8 - Nveis de Degradao das Terras em So Joo do Cariri/ PB

Fonte: Silva Neto (2004).

Nessa perspectiva:

Em vrias partes do municpio, o processo de desertificao j muito

intenso, pois as eroses nas diversas formas (laminar, sulcos e voorocas) se

mostram presentes por toda parte, e elas vm aumentando devido ao

sobreuso do solo com atividades de extrao madeireira, indstrias de

cermicas, minerao e, principalmente, pecuria extensiva, sendo

comprometida pela ao das chuvas. Essas prticas, em particular a ltima,

compactam os solos e, nas estradas de terra, so bastante evidentes as

eroses em estgio avanado, sendo difcil o acesso s comunidades em

pocas chuvosas. Outrossim, na maior parte da rea, se verificou no perodo

chuvoso, o acmulo de gua na superfcie do solo luvissolo vrtico, que

naturalmente mal drenado (pouco permevel) e, tendo o horizonte superficial

j exaurido dificulta ainda mais a infiltrao (SOUZA, 1999, p. 141).

Na realidade, Souza (op.cit.) identifica vrios fatores que so causas e,

concomitantemente, efeitos da desertificao, tais como a eroso do solo em suas diversas

formas, a degradao das terras de forma geral, o sobreuso ou uso intensivo do solo, a

carncia de recursos hdricos, o xodo rural e a pecuria extensiva que leva a compactao do

solo.

Todos esses aspectos sinalizados pelo autor em questo implica que o municpio de

So Joo do Cariri necessita de ateno especial por parte dos policy makers (os formuladores

de poltica) da regio e, pari passu, pelo poder pblico do Estado da Paraba, no sentido de

39

combater o fenmeno da desertificao e seus efeitos em conformidade com a Conveno

Mundial das Naes Unidas de Combate Desertificao, o Programa de Ao Nacional de

Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos da Seca/ PAN-BRASIL e o Programa de

Ao Estadual de Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos da Seca/ PAE-

PARABA. Todavia, Maracaj (2007) resalta que as polticas pblicas e assistncia tcnica

populao so precrias e a falta de recursos para as famlias as torna cada vez mais

vulnerveis ao fenmeno da desertificao e a degradao dos recursos naturais.

Faz-se necessrio a gesto de polticas pblicas na regio no apenas de preveno e

mitigao s consequncias da desertificao, mas polticas voltadas ao melhoramento das

condies socioeconmicas da populao. Todavia, outro agravante que contribui para o

fenmeno da desertificao a escassez de chuvas no semirido e, especificamente, no Cariri

Oriental paraibano. A falta de chuvas por um longo perodo de tempo conduz ao que se

denomina de seca.

A nomenclatura seca se refere a um perodo de tempo no qual a escassez de chuvas

produz um desequilbrio hidrolgico com impactos sociais, econmicos e ambientais. Durante

muito tempo, a seca assumiu uma mirade de conceitos polmicos e, muitas vezes, fora do

campo cientfico. Porm, foi Thomaz Pompeu Sobrinho, um dos maiores estudiosos do

fenmeno, quem esboou uma definio mais coerente a respeito do assunto. Para ele:

As secas, como ordinariamente entendemos, so fenmenos fsicossociais.

Oferecem uma face fsica e outra humana que se entrosam mais ou menos

intimamente, produzindo efeito de ordem social, cuja morfologia funo de

algumas variveis independentes; destas, as mais importantes so a

densidade demogrfica da regio assolada e o nvel cultural das populaes

atingidas (POMPEU SOBRINHO, 1982, p. 19).

Ainda de acordo com o autor, quando da ocorrncia de uma estiagem em uma

determinada regio desrtica, esta no desencadeia nenhuma repercusso social, visto que

meramente um fenmeno de ordem fsico-geogrfico. Porm, se o mesmo fenmeno ocorrer

numa regio densamente povoada, como o caso do Semirido Brasileiro Nordestino e, mais

especificamente, do Cariri Oriental Paraibano, as consequncias sero drsticas, variando de

acordo com o nvel de adaptao de cada comunidade. Todavia, aquelas comunidades que

tiverem um nvel de adaptao mais elevado sofrero menos com os efeitos da seca.

Importa mencionar que os mecanismos de enfrentamento ao problema das secas so

muito mais concernentes as medidas paliativas adotadas pelos rgos governamentais como,

40

por exemplo, as alternativas polticas do DNOCS, h tempos pretritos, entre outras, de

mbito tcnico e imediatista, do que com o desenvolvimento cultural e, sobretudo,

educacional da comunidade envolvida.

A seca constitui um problema muito antigo, havendo relatos que indicam que os povos

indgenas tiveram que enfrentar, constantemente, este problema. Em pocas de grandes

estiagens, os mesmos migravam para o litoral em busca de alimentos para sua sobrevivncia

(SANTOS, 1994).

Levando-se em conta toda a bibliografia referente seca no Nordeste Semirido

Brasileiro, chega-se a concluso de um total de 174 secas registradas, sem contar com as de

1990, 1993, 1997 e 1999 que foram descritas recentemente (BOTELHO, 2002). No quadro

abaixo, elaborado por Medeiros (2002), pode-se visualizar a ocorrncia de secas no Nordeste

de acordo com os respectivos sculos.

Quadro 4 - Ocorrncia de Secas no Nordeste do Brasil

Sculos Nmero de Ocorrncia de Secas

XVI 8

XVII 19

XVIII 47

XIX 57

XX 43

Total 174 Fonte: Medeiros (2002, grifo nosso).

Interessa enfatizar, de acordo com o quadro 4, que h um aumento significativo das

secas de forma geomtrica e crescente at o sculo XIX, onde h um grande nmero de

ocorrncia. A partir deste sculo tem-se uma ligeira queda. De acordo com Mendes (1985)

existem dois tipos de secas no Semirido Brasileiro, quais sejam estacional e peridica. A

primeira, que ocorre todos os anos, no segundo semestre e que se insere no regime

hidrolgico e climtico da regio, que se caracteriza muito mais como um perodo de

estiagem e, a segunda que ocorre em intervalos de tempos, mas que causa grandes danos

agropecuria da regio. O intervalo de tempo das secas peridicas varia sobremaneira, bem

como sua durao. De acordo com a distribuio espacial e a intensidade, as secas so

classificadas de trs maneiras, a saber seca total, parcial (seca verde) e seca hidrolgica.

A seca total ocorre quando h baixa precipitao e distribuio assimtrica das chuvas,

tornando difcil a alimentao das populaes e dos rebanhos e impossibilitando a

manuteno dos reservatrios de gua para o consumo humano e animal. A parcial (seca

41

verde) ocorre quando h chuvas abundantes, porm mal distribudas em termos de tempo e

espao. E por ltimo, a hidrolgica que se caracteriza por uma precipitao pequena, mas bem

distribuda. As chuvas, nesse tipo de seca, so suficientes apenas para dar suporte

agricultura de autoconsumo e s pastagens (MENDES, 1985).

J para Hutchinson e Herrmann (2006) h quatro tipos de secas de acordo com o

aumento da severidade, quais sejam meteorolgica, hidrolgica, agrcola e socioeconmica.

As secas meteorolgicas so definidas apenas sobre as bases de precipitao fora da mdia;

secas hidrolgicas esto associadas aos efeitos das baixas precipitaes sobre a superfcie

terrestre e o estoque de gua subterrnea do que propriamente apenas as baixas precipitaes,

e ocorre antes das secas meteorolgicas; as secas agrcolas tm como foco os impactos,

especificamente, sobre as colheitas e est relacionada reduo do estoque de gua para a

agricultura; e, por ltimo, as secas socioeconmicas que esto relacionadas aos impactos

cumulativos de secas meteorolgicas, hidrolgicas e agrcolas sobre o funcionamento dos

sistemas socioeconmicos, como por exemplo, a oferta e demanda de alguns bens e servios

econmicos (HUTCHINSON; HERRMANN, 2006).

Depreende-se que a seca no to somente um fenmeno atmosfrico que atinge h

anos o Nordeste Semirido Brasileiro, mas h tambm uma conotao social de grande

relevncia, onde uma imenso contingente populacional de pessoas e animais residentes dessa

regio acometido por este evento de mbito natural.

Seca e desertificao so dois fenmenos diferentes em seus efeitos, no tempo/ espao

e nas suas causas. A seca um fenmeno natural reversvel, de ocorrncia espordica ou

repetida numa periodicidade complexa e no esclarecida (SAMPAIO, 2003, p. 22). O autor,

ademais argumenta que alguns efeitos da seca, como eliminao de algumas espcies, o

abandono de culturas mais sensveis e as consequncias socioeconmicas da populao, caso

perdurem alm do perodo da seca, podem ser enquadradas como parte do processo da

desertificao, sendo as secas um agravante a mais. As reas suscetveis desertificao so

mais vulnerveis aos efeitos da seca, por isso, h uma estreita inter-relao entre os dois

fenmenos.

De acordo com Le Hourou (1996, p. 158) h muita diferena entre seca e

desertificao. A seca, sendo uma caracterstica normal dos climas secos, de uma natureza

tipicamente temporal, deixando poucas consequncias permanentes. Portanto, h efeitos s

na produo e no na produtividade a longo prazo. Ainda de acordo com o autor, a

desertificao o oposto. Ela tem efeitos de longa durao, com consequncias, muitas vezes,

42

irreversveis e permanentes sobre o potencial de produo (isto , na possibilidade de o meio

ambiente manter sua produtividade a longo prazo). Em sntese,

O Semirido Nordestino, alm da vocao geoecolgica para a

desertificao que possui, devido ocorrncia de secas e as caractersticas

do clima e do solo, tem, na ao do homem, favorecida pela presso

demogrfica, a responsvel pelo alarde processo de desertificao que a

regio est sofrendo (MENDES, 1986, p. 112, grifo nosso).

A seca no Semirido Brasileiro no ocorre de forma homognea, podendo haver anos

de seca total, com efeitos observados em todas as reas da regio e, secas parciais, onde

apenas algumas reas so atingidas. Todavia, a seca contribui para o agravamento do

fenmeno da desertificao no Semirido Brasileiro, alm da predisposio ao fenmeno em

pauta que atribuda a esta regio.

2.5 Desertificao, degradao das terras, pobreza e migrao

A desertificao e a degradao das terras correspondem ao fenmeno que pode ser

semelhante na aparncia, porm distinto no escopo e na escala de tempo. Enquanto a

desertificao, em consonncia com a Conveno, est relacionada apenas s terras secas, a

degradao, por sua vez, latu senso, pode afetar qualquer ambiente, muito embora a UNCCD

(United Nations Conference to Combat Desertification) atribua a degradao das terras aos

ecossistemas de terras secas. Porm, consenso na literatura que a mesma possa ocorrer em

outras reas alm das terras secas (NKONYA, 2011). A desertificao implica

irreversibilidade em escalas longas de tempo, ao passo que a degradao das terras pode ser

descrita como um processo a curto-prazo. De acordo com a definio da UNCCD:

Por degradao das terras entende-se a reduo ou a perda, nas zonas ridas,

semiridas e submidas secas, da produtividade biolgica ou econmica e da

complexidade das terras agrcolas de sequeiro, das terras agrcolas irrigadas, das pastagens naturais, das pastagens semeadas, das florestas e das matas

nativas devido ao sistema de utilizao das terras ou a um processo ou

combinao de processos, incluindo os que resultam da atividade do homem

e das suas formas de ocupao do territrio, tais como: I. a eroso do solo

causada pelo vento e/ ou pela gua; II. a deteriorao das propriedades

fsicas, qumicas e biolgicas ou econmicas do solo, e III. a destruio da

vegetao por perodos prolongados (BRASIL, 200?, p. 18).

A degradao reduz a produtividade das terras e, particularmente, nas reas secas,

podem deixar o solo exposto e vulnervel aos eventos climticos, como as secas. A

degradao, ademais, ainda comprometem a produtividade biolgica e econmica das terras

43

agrcolas, as pastagens naturais, as matas e florestas, entre outros, que so processos

conduzidos por atividades humanas. As ltimas estimativas sinalizam que 12 milhes de

hectares so transformados em novos desertos por ano, por meio de atividades antrpicas

(UNCCD, 2013), e que um quarto das terras agrcolas do mundo esto altamente degradadas

(FAO, 2011).

De acordo com o Nkonya (2011) a degradao das terras um fenmeno

influenciado pelos fatores naturais e socioeconmicos. J para Brasil (200?), a degradao das

terras est intrinsecamente ligada ao solo, sendo estas (as terras) um sistema bioprodutivo

terrestre que compreende, alm do solo, a biota, seus componentes e suas paisagens e

caractersticas climticas, os processos hidrolgicos e ecolgicos.

Ainda de acordo com a Conveno, o uso das terras resulta em servios essenciais,

como por exemplo, a produo de alimentos. E a degradao das terras compromete e afeta

diretamente os benefcios humanos oriundos do uso das terras e, em ltima instncia, leva ao

fenmeno da desertificao.

Figura 9 - ndice de Degradao das Terras no Mundo

Fonte:Bachtergaele et al., (2010).

Como se pode observar na figura 9 (em preto), na Regio conhecida como Miolo

do Nordeste Brasileiro, o ndice de Degradao das Terras do tipo Altamente Degradado (>

0, 75). Nesse sentido, no Nordeste do Brasil h um alto nvel de degradao das terras, o que

contribui para a elevao do fenmeno da desertificao e sua visibilidade na Regio do

Semirido Brasileiro.

44

Em termos mundiais, a degradao das terras e a desertificao nas regies de terras

secas afetam a vida de 250 milhes de pessoas em mais de cem pases (WAY, 2006). Para a

mesma autora, a pobreza uma das principais causas, seno a principal, da degradao das

terras, uma vez que as pessoas pobres superexploram os recursos naturais, os tornando

insustentveis. A autora se reporta aqui aos relatrios das Naes Unidas e apoia-se no debate

mundial sobre a degradao e a pobreza na frica. Way (2006) destaca sete prticas

insustentveis do uso das terras relacionadas pobreza, quais sejam:

Sobrepastoreio das reas de pastagem;

Expanso do cultivo por meio da extensificao das terras, ampliando tambm o

processo de degradao da mesma;

Prticas de gesto de ocupao e cultivo das terras que degradam o solo e provocam

a acidificao;

Reduo dos perodos sem cultivo (pousio);

Retirada de lenha sem o reflorestamento;

Diminuio das guas subterrneas pela ausncia de vegetao do solo;

Desenvolvimento insustentvel da populao.

Os maiores efeitos da degradao das terras esto relacionados s pessoas mais pobres,

que dependem das terras para sua sobrevivncia. Para tanto, a pobreza revela-se como causa

e, concomitantemente, efeito da degradao das terras, sendo os pobres agentes e vtimas

desse processo ao mesmo tempo (WAY, 2006). Todavia, estes pobres dos quais a autora se

reporta referem-se a uma grande parcela da populao africana desprovida de polticas

pblicas. Ademais, sem nenhum acompanhamento tcnico, essa populao tende a

sobreutilizar os parcos recursos naturais de que dispe. O manejo insustentvel dos recursos

naturais, intrinsecamente atrelado cultura agrcola do uso do solo constitui outro fator

agravante. Nesse sentido a WCED (WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND

DEVELOPMENT) argumenta que:

A pobreza a principal causa e efeito dos problemas ambientais globais.

Sendo intil, portanto, tentar lidar com os problemas ambientais sem uma

perspectiva ampla que incorporem os fatores subjacentes pobreza mundial

e a iniquidade internacional (1987, p. 12).

De acordo com a viso da WCED, incuo o combate da degradao ambiental

mundial sem se levar em conta, simultaneamente, a discusso sobre a pobreza e a degradao.

45

Todavia, as polticas que tratam, isoladamente, da reduo da pobreza sem questionar o meio

ambiente pode ter efeitos ambientais negativos e, ademais contribuir com uma maior

degradao das terras.

Na dcada de 1970 e mais precisamente em 1974, quando da reunio de dois

organismos das Naes Unidas, a saber UNCTAD (United Nations Conference on Trade and

Development) e a UNEP (United Nations Environment Programme), reunidos na cidade de

Cocoyoc, no Mxico, concluram por meio da The Cocoyoc Declaration que a pobreza

compele as pessoas a superexplorarem as terras e os recursos naturais (International

Organization, 2010).

Diante de todo o exposto, fica patente que, realmente, h uma estreita inter-relao

entre a degradao das terras e a pobreza. Todavia, a pobreza e a degradao das terras tende

a persistir nas regies de terras secas no apenas devido baixa produtividade das terras e as

secas, mas a falta de investimentos no que diz respeito gesto de polticas pblicas nessas

reas. No entanto, cabe aos rgos competentes incumbncia de cumprir com as Metas de

Desenvolvimento do Milnio contra fome e a pobreza, criadas pelas Naes Unidas (WAY,

2006).

A migrao, por sua vez, est atrelada muito fortemente aos desastres ambientais,

como a degradao exaustiva das terras nas reas ridas, semiridas e submidas secas,

enchentes, terremotos, secas e a desertificao. De acordo com a International Organization

for Migration (IOM, 2011) o nmero de migrantes internacionais chegou a 214 milhes em

2010. Deste total acima mencionado, 72 milhes de pessoas so consideradas Migrantes

Ambientais (IOM, 2011). Portanto, por migrantes ambientais compreende-se:

As pessoas ou grupos de pessoas que, por razes de coao sbita ou

mudanas progressivas no meio ambiente que adversamente afeta suas vidas

ou condies de vida, so obrigadas a deixarem suas casas [...] e deslocarem-

se para dentro ou fora do pas (ADAMO, 2008, p. 3, apud IOM 2007, p. 1).

Milhares de pessoas deixam, todos os anos, seus lugares e deslocam-se para outros

em buscas de sobrevivncia. Cada vez mais tem aumentado o nmero de migrantes

ambientais pelo mundo devido aos desastres ecolgicos, entre os quais, a desertificao.

Nesse sentido, a Declarao da Amrica sobre Migrao e Desertificao, adotada pelo

Simpsio Internacional sobre Migraes e Desertificao argumenta que:

A preocupao do Simpsio que os migrantes forados, os quais resultam

da degradao das terras secas e suas consequncias, muitas vezes exibem

46

dimenses indesejveis nos lugares de origem e nos lugares de relocao... O

aumento desse evento amplamente de origem rural e relacionado

degradao das terras. Estima-se que mais de 135 milhes de pessoas podem

estar em risco de deslocamento como consequncia da desertificao severa.

(IMD, 1991, apud LEIGHTON, 2006, p. 50).

De acordo com o IMD (1991), pode-se constatar que a desertificao est

intrinsecamente relacionada com o processo de migrao, quer interno quanto

internacionalmente. Estudos sinalizam que na Amrica do Sul a migrao interna mais

predominante. As secas peridicas e a desertificao no Nordeste do Brasil e, mais

especificamente, no Semirido Nordestino, provocaram a migrao de 3,4 milho de pessoas

entre as dcadas de 1960 e 1980 (LEIGHTON, 2006). De acordo com Medeiros (2002) no

sculo XX o nmero de secas chegou a 57, o que evidencia o nmero elevado de migrao

nos anos acima citados.

No final do sculo XX e incio do sculo XIX houve uma queda na incidncia de

secas e, concomitantemente, no nmero de migrao. Segundo o IBGE/PNAD (2011) de 2005

a 2009 o movimento migratrio no Nordeste foi de 1.664.191 milhes de pessoas. Todavia,

sabe-se que a regio do Semirido Brasileiro castigada periodicamente pelas as secas e, pari

passu, pela desertificao. Porm, na atualidade, importa sobremaneira novas pesquisas que

corroborem ou no a assero acima sobre a migrao e sua estreita correlao com o

fenmeno da desertificao.

2.6 Desertificao, mudanas climticas e biodiversidade

A desertificao est associada perda de biodiversidade e, concomitantemente,

contribui com as mudanas climticas globais por meio da perda de capacidade de absoro

de carbono pelas plantas e o aumento do albedo da superfcie terrestre. Portanto, a diversidade

biolgica est relacionada maioria dos servios advindos dos ecossistemas das terras secas

que, por sua vez, so adversamente afetados pela desertificao. A vegetao e sua

diversidade biolgica referente estrutura fsica so de fundamental importncia para a

conservao do solo, regulao da infiltrao de gua, escoamento superficial e clima local

(MA, 2005).

Ainda de acordo com o MA, diferentes espcies de plantas produz, fsico e

quimicamente, uma variedade de componentes biolgicos que junto com a diversidade da

comunidade de micro e macrocomponentes, contribui para a formao e ciclagem do solo. O

47

conjunto de pla