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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS
CÍCERO COSTA HERNANDEZ
Relações sociais de produção na fábrica ocupada
Flaskô relatos sobre condições sui generis
LIMEIRA – SP
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS
CÍCERO COSTA HERNANDEZ
Relações sociais de produção na fábrica ocupada
Flaskô relatos sobre condições sui generis
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências Aplicadas da Universidade
Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do
título de Mestre em Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Raul Etulain
Co-orientadora: Profa. Dra. Laís Silveira Fraga
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À
VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA PELO ALUNO CÍCERO
COSTA HERNANDEZ, ORIENTADA
PELO PROF. DR. CARLOS RAUL
ETULAIN.
LIMEIRA – SP
2017
.
Autor: Cícero Costa Hernandez
Título: As Particularidades da fábrica ocupada Flaskô sob controle
operário.
Natureza: Dissertação de Mestrado
Instituição: Faculdade de Ciências Aplicada (FCA)/Unicamp
Data da defesa: Limeira, 24/03/2017
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Carlos Raul Etulain (Orientador)
Prof. Dr. Henrique Tahan Novaes (prof. Externo)
Profª. Dra Sandra Francisca Bezerra Gemma (profª
interna)
Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de
vida acadêmica do aluno.
Agradecimentos
Agradeço ao orientador Carlos Raul Etulain e minha Coorientadora Lais Silveira Fraga,
aos trabalhadores(as) da Flaskô, os professores(as), estudantes e colegas da UNICAMP,
UNESP, USP, UFRJ, UFF, UFRN e UFVJM envolvidos direta ou indiretamente na
presente tese, meus amigos(as), colegas e minha família especialmente minhas mães.
Dedico também aos militantes e ativistas que buscam mudanças sociais espalhados pela
cidade de Limeira e pelo mundo. Um especial agradecimento em memória de Lilian
Padilha.
RESUMO
A Flaskô é uma fábrica produtora de bombonas plásticas atuante no mercado a
mais de 20 anos, onde a mais de 13 anos é gerida pelos trabalhadores organizados. Na
presente tese, a fábrica será objeto de estudo tendo como referencial teórico as relações
sociais de produção e elementos relacionados à sua configuração, como a produção e a
atividade política. A Flaskô é um território complexo e a presente pesquisa visa explorar
o campo a partir de uma investigação exploratória dentro da fábrica, buscando
identificar elementos que revelem as condições particulares do seu modo de produção.
O mundo do trabalho, sendo plural, possui diversas dimensões passando pela
subjetividade até ao território, e assim, o presente estudo visa compreender a
racionalidade capitalista sobre o trabalho na fábrica ocupada Flaskô fazendo uma
pesquisa de campo baseada em entrevistas e imersões que possam trazer luz sobre as
questões particulares do controle operário, tendo em vista novas relações sociais de
produção.
Palavras Chaves: Fábricas ,trabalhadores, administração fabril, movimento operário
ABSTRACT
Flaskô is a plastic bottle-making factory active in the market for more than 20
years, where more than 13 years is managed by organized workers. In this thesis, the
factory will be object of study having as theoretical reference the social relations of
production and elements related to its configuration, such as production and political
activity within the factory. Flaskô is a complex territory and the present research aims to
explore the field from an exploratory investigation inside the factory, seeking to identify
elements that reveal the particular conditions of its mode of production. The work
world, being plural, has several dimensions passing through the subjectivity to the
territory, and thus, the present study aims to understand the capitalist rationality about
the work in the factory Flaskô occupied doing a field research based on interviews and
immersions that can bring light On the particular questions of workers' control, in view
of new social relations of production.
Key words: Factories Workers Factory management Labor movement
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS
FIGURA 1: Fábrica ocupada em Sumaré (SP) ...................................................... 3
FIGURA 2: CPFL cortando energia da Flaskô em 28/07/2016 ............................ 5
FIGURA 3: Base da competitividade na fabricação de embalagens plásticas.. 43
FIGURA 4: Teatro dentro da fábrica 1 .................................................................. 58
FIGURA 5: Teatro dentro da fábrica 2.................................................................. 58
FIGURA 6: Máquina recuperada pelos trabalhadores da Flaskô ............................ 91
FIGURA 7: Mapa Radar ......................................................................................... 95
QUADRO 1: Indicador de desempenho .................................................................. 10
QUADRO 2: Objetivos da reestruturação empresarial............................................ 30
QUADRO 3: Metabolismo social do novo (e precário) Mundo do Trabalho, a
nova precariedade salarial, década de 2000.............................................................
70
TABELA 1: Redução de pessoal na CHB entre jan/1992 e dez/1993 .................. 31
TABELA 2: Faturamento da HB Consumo e HB Industrial (1989 e 1990) ......... 32
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABIPLAST - Associação Brasileira da Indústrias do Plástico
AE - Aparelho de Estado
AST - Adequação sócio técnica
BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimnto Economico e Social
CCQ - Círculos de controle de qualidade
CEPAL - Comissão Econômica para América Latina
CHB S.A. - Corporação Holding Brasil Sociedade Anônima
CLP - Controle Logístico de Produção
CLT - Consolidação das leis de trabalho
COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CPFL - Companhia Paulista Força e Luz
ERTs - Empresas recuperadas por Trabalhadores
FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FRs - Fábricas recuperadas por trabalhadores
GPERT - Grupo de Pesquisa em Empresas Recuperadas por Trabalhadores
GSP - Grande São Paulo
ICMS - Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPI - Imposto sobre produtos industrializados
ITCP - Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
JK - Juscelino Kubitschek
LER/DORT - Lesão por esforço repetitivo/Distúrbio osteoarticular relacionado ao
trabalho
MFO - Movimento de Fábricas Ocupadas
MRP - Material requirement planning
P&D - Pesquisa e Desenvolvimento
Pead - Polímero de alta densidade
PEC 241/55 - Projeto de emenda constitucional
PES - Planejamento estratégico situacional
PIS - Programa Integração Social
PMEs - pequenas e médias empresas
PRP - Processo de produção
RMC - Região metropolitana de Campinas
RMSP - Região metropolitana de São Paulo
SUMOC - Superintendência da Moeda e do Crédito
TGA - Teoria geral da administração
.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Uma descrição sobre a Fábrica Flaskô.......................................................... 1
Objetivo ........................................................................................................... 3
DISCUSSÃO METODOLÓGICA E PROBLEMATIZAÇÃO
Discussão sobre a configuração do método ................................................ 4
Manifestações políticas, Eventos culturais e Projetos de apoio produtivo
como metodologia..................................................................................................
6
O Planejamento Estratégico Situacional........................................................ 7
Interdisciplinar? Os métodos hackeados....................................................... 8
Problematização............................................................................................ 10
1. PERCURSOS DO CENÁRIO ECONÔMICO BRASILEIRO,
DESCRIÇÃO DE VETORES QUE INFLUENCIARAM NA
OCUPAÇÃO DA FÁBRICA FLASKÔ
1.1. Das rodovias do café até a crise dos anos noventa...................................... 16
1.2. Desconcentração econômica brasileira......................................................... 24
1.3. Breve histórico da Flaskô: sucateamento da fábrica, processo de
ocupação e outras questões....................................................................................
29
1.4. A cadeia de transformação de plástico ......................................................... 35
1.4.1. Conhecendo o setor de transformação de plástico.................................... 35
1.4.2. Estratégias de competitividade do setor.................................................... 41
1.5. Um breve relato sobre urbanização na RMC............................................... 45
2. AS CONDIÇÕES QUE DELIMITAM O TERRITÓRIO E O
TRABALHO, PARA ALÉM DA ECONOMIA
2.1. Território e subjetividade............................................................................... 49
2.2. A importância dos movimentos sociais na identificação de
vulnerabilidade social como participação política e coletiva.............................
54
2.3 Inovação e empreendimentos autogestionários............................................ 59
2.4 Algumas reflexões sobre tecnologia e inovação............................................ 62
2.5 Relações sociais de produção, subjetividade e subsunção........................... 64
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
3.1Condições particulares .................................................................................... 80
3.2 Trabalhadores que moram na fábrica e atividades paralelas para
arrecadação de fundos...........................................................................................
84
3.3 Mobilização política é parte da atividade produtiva..................................... 86
3.4 Trabalhadores que vieram da academia: Josiane, Pedro e Alexandre....... 88
3.5 As máquinas são apropriadas ........................................................................ 91
3.6 A Flaskô resiste produzindo ........................................................................... 96
3.7 Dificuldades e potencialidades do controle operário.................................. 99
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 104
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................
110
.
INTRODUÇÃO
Uma descrição sobre a Fábrica Flaskô
A Flaskô é uma fábrica ocupada por 55 trabalhadores há mais de 13 anos,
situada no bairro Parque das Nações, na cidade de Sumaré, interior do estado de São
Paulo. A sua ocupação pelos trabalhadores derivou da má administração dos antigos
administradores e uma série de problemáticas estruturais, o que levou os trabalhadores a
ocuparem a fábrica para manter os postos de trabalho. E o que a Flaskô produz? Ela é
uma fábrica produtora de bombonas, galões e tambores plásticos e possui um portfólio
de sete produtos que são os galões de 25, 30,50, 75 litros, bombonas de 100 e 200 litros
e por fim os tambores de 200 litros. Esses produtos são utilizados na indústria de
maneira geral para a armazenagem de produtos alimentícios e não alimentícios. No caso
da Flaskô, existe uma série de condições que faz com que a fábrica não produza
produtos com matéria prima virgem, o que reduz o portfólio e escopo da fábrica, porque
não pode vender para ramos alimentícios de maneira geral. A produção mensal gira em
torno de dez mil produtos, de forma que o material utilizado pela fábrica é 95%
reciclável, ou seja são materiais comprados por um processo mais barato do que a
matéria prima não reciclada.
A utilização deste tipo de material, tendo em vista ser o mais acessível para a
fábrica, limita a Flaskô a operar apenas no ramo não alimentício, tendo em vista que os
materiais recicláveis carregam os substratos do processo de reciclagem e pode
contaminar e intoxicar os produtos perecíveis que são armazenados nessas embalagens,
limitando a participação de mercado da fábrica. Os 5% de material não reciclável é
utilizado especificamente para a transformação do Pead em tampas. Neste sentido, a
maior parte dos produtos vendidos é de origem de materiais recicláveis, comprando 5%
de resina virgem da Brasken e o restante do insumo de indústrias recicladoras. A
carteira de clientes da Flaskô é composta por mais de 80 empresas do ramo de
transformação de plástico de maneira geral, empresas do ramo químico, de limpeza
automotiva e setor têxtil.
Este setor de transformação de plástico é extremamente competitivo e, como
veremos, a Flaskô sofre de dificuldades com o mercado, tendo em vista as condições
particulares de sua existência. Outra dificuldade que verificamos a partir da qual
associamos à condição sui generis da fábrica foi o seu abandono pelos antigos donos
que se apresenta como um fator crítico, mas também que favorece a ocupação.
Os antigos donos detinham uma holding, um grupo de empresas que operavam
no setor de transformação, dentre elas a Flaskô, que rumaram para o mesmo caminho no
sentido da ocupação das fábricas sucateadas. Devido às mudanças estruturais da
economia, à má administração e também à alta competitividade do setor, a fábrica
quebrou e foi ocupada pelos trabalhadores durante o ano de 2003. O tempo passou, a
antiga administração responsável por sucatear a fábrica foi substituída pela
administração dos trabalhadores, a crise dos anos noventa foi “superada” (sabemos que
hoje vivemos outras condições tanto mais críticas) e o mercado de transformação de
plástico continuou competitivo. Nesse sentido, a Flaskô mantém suas operações com
inúmeras dificuldades, desde as dívidas deixadas pelos antigos donos, até o problema da
flutuação de mercado, que impacta diretamente na produção e nas operações da fábrica.
A Flaskô está inserida na terceira geração do setor de transformação de plástico,
um setor com altas barreiras à entrada no mercado, como veremos adiante nos outros
capítulos. Existem cerca de onze mil empresas nesse setor, e a maior parte dessas
empresas são pequenas e médias, e ainda, há uma grande proporção de fábricas
familiares. Ela opera atualmente com cerca de cinquenta e cinco trabalhadores,
divididos em três turnos e sete departamentos. Como a fábrica atualmente funciona com
três turnos de trabalho, as máquinas ficam em constante produção. A maior parte dos
trabalhadores são homens que estão concentrados em sua maioria nos setores
operacionais da empresa. As mulheres se concentram nos setores administrativos.
Todavia, há mulheres nos setores operacionais e homens no administrativo, .
Assim sendo, a Flaskô, como carrega todo o histórico de ocupação, mantém-se
em operação sem a presença da hierarquia típica de uma empresa tradicional. Os
trabalhadores da fábrica possuem um engajamento e não se limitam apenas a fazer a boa
execução de seu trabalho, mas procuram defender os postos de trabalho que garantem
sua subsistência.
A Flaskô, é vista como algo fora do comumum exemplo a não ser seguido ou um
símbolo da revolução, mas é como “única fábrica sob controle operário no Brasil”
(RIBEIRO, 2013, p.1) a forma pela qual ficou conhecida pela grande mídia. Assim
sendo, a Flaskô conta com uma descentralização da decisão, na medida em que estipula
assembleias e conselhos para realizar as deliberações.
Temos uma assembleia que reúne todos os trabalhadores uma vez por mês.
Nela são definidas as diretrizes gerais sobre o funcionamento da fábrica e,
como a execução disso requer um trabalho cotidiano, é eleito o conselho de
fábrica, com representantes de cada setor e turno que se reúnem toda semana
(trabalhador entrevistado por RIBEIRO, 2013).
FIGURA 1 - Fábrica ocupada em Sumaré (SP)
(Foto: Janaína Ribeiro)
Objetivo
O objetivo deste estudo é identifica algumas particularidades da fábrica Flaskô
que evidenciam seu caráter social e que reforça a necessidade de pensar novas formas
de reprodução das condições materiais de vida para uma emancipação política, social e
humana. Uma das bandeiras da fábrica é de que a fábrica pertence à sociedade e desta
maneira sua função é social e não particular/privada como as demais empresas
capitalistas. Assim, a partir de um método, onde adentraremos posteriormente em suas
características, que busca uma aproximação da fábrica, o objetivo é evidenciar as
particularidades que não necessariamente estão ligadas à relação econômica de
produção, para trazer luz aos leitores, sobre novas relações sociais de produção no
contexto capitalista, tendo como objeto de estudo o embrião das lutas por ocupação e
recuperação de fábricas, a Flaskô.
Assim sendo, o estudo, que se divide em três capítulos, busca no primeiro
capítulo vincular a crise estrutural do capitalismo e a má administração que gera o
sucateamento da fábrica, como elementos que levam os trabalhadores a um salto de
consciência na luta de classe, resultando na tomada dos meios de produção; no segundo
capítulo uma abordagem que visa agregar um ponto de vista que revela a diversidade
que existe na fábrica que se estende para além de uma pura propriedade de reprodução
do capital e produção de mercadorias, buscando embasar como poderíamos identificar
as particularidades dentro do controle operário. O terceiro capítulo é a junção dos
elementos identificados pela pesquisa, organizando aquilo que chamamos de
particularidades das relações sociais de produção dentro da Flaskô. Para tal, é lançado
mão um método que se estende por um período de 4 anos e que se construiu a partir da
orientação visando as particularidades da Flaskô.
DISCUSSÃO METODOLÓGICA E MÉTODOS
Discussão sobre a configuração do método
Para compreender esse campo complexo da Flaskô a participação nas atividades
da fábrica foi constante durante um período de 4 anos. Durante este período foram
realizadas visitas, participações em eventos e manifestações, reuniões e projetos junto à
fábrica. Durante o período do mestrado foi possível organizar teorias e práticas com as
ideias de maneira à evidenciar as particularidades da fábrica. Este desejo surge na
medida em que a construção da forma de investigação do objeto é feita, se torna sui
generis. Aí a necessidade de um método que seja interdisciplinar em sua construção,
que não apenas junte teorias de diferentes disciplinas, mas também práticas que se
estendam para além da ciência. Neste sentido, a militância e o ativismo político, somado
à indignação político-social fazem parte dos percursos metodológicos que a pesquisa
toma. Se tratando de um caso particular relacionado diretamente com a política, o
estudo se coloca em uma posição de visão crítica da forma como nossa sociedade se
reproduz e bem como as dificuldades humanas em compreender a totalidade das
estruturas,
A pesquisa realizada tem como modus operandis o método exploratório como
forma de chegar ao objetivo de identificar condições particulares da fábrica. Isso se faz
necessário dado a relação que a fábrica possui com a sociedade, que se vincula com a
legitimação e socialização do espaço de produção. Isso torna as pesquisas acadêmicas
possíveis na medida em que existe convergência entre a teoria acadêmica e a prática
trabalhista presente na Flaskô. A partir dos resultados que são encontrados espera-se
que o método de investigação exploratória crie a possibilidade para que outros estudos
possam escolher técnicas mais precisas, bem como teorias de estudos, que contribuam
para a construção de arcabouço teórico e prático sobre casos que possuem
particularidade frente às formas de reprodução das condições materiais frente ao capital.
Para tal, dentro do método foram organizadas perguntas que pudessem ser aplicadas aos
trabalhadores durante o período de trabalho e que buscassem trazer elementos que
pudessem ser considerados como sui generis. Todavia foi verificado que a partir da
vivência decorrida na fábrica durante os 4 anos, já havia conteúdo suficiente para
construir uma perspectiva acerca das particularidades. Neste sentido entrevistas,
diálogos e conversas com os trabalhadores, posicionamentos e discussão sobre os rumos
da fábrica em conferências, vivência no chão de fábrica e fora do setor produtivo,
participação em manifestações e também a construção de outros projetos, fizeram parte
do método exploratório, que configura uma pesquisa observante sobre o objeto de
estudo. . Foram feitas mais de 15 visitas na fábrica e em cada uma foi possível
apreender elementos sobre as atividades e as particularidades da fábrica. Durante todas
as visitas, sempre houve a preocupação de evidenciar e compreender o papel dos
trabalhadores e suas opiniões sobre o controle operário. Nem tudo que foi vivenciado e
que foi observado pôde entrar na pesquisa, seja pela dificuldade em organizar o
conteúdo ou por não fazer parte da discussão, ou ainda por questões éticas.
A princípio, o método consistiu em fazer uma entrevista com oito trabalhadores
da Flaskô de distintos setores da fábrica, mas com o conteúdo que já havia sido coletado
foi lançado mão um método que revisasse as visitas realizadas e que pudessem ser
relatadas pelo autor de maneira fidedigna aos eventos vivenciados. Neste sentido,
durante o decorrer da elaboração da dissertação, surgiu um trabalho paralelo à Flaskô do
Grupo de Pesquisa em Empresas Recuperadas por Trabalhadores (GPERT) em parceria
com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Popular (ITCP) de Limeira, grupo esse
de pesquisadores de fábricas recuperadas e cooperativas que visam estimular e
contribuir para a reprodução de novas relações sociais de produção.
O território torna-se complexo, à medida que apresenta resiliências,
vulnerabilidades e riscos que devem ser encarados pelos que nele habitam e transitam,
ou seja, quanto mais distintas as perspectivas que o formam, mais complexas as pessoas
que estão ali se tornam, e por isso que uma disciplina ou um método isolado jamais
compreenderia por inteiro a realidade e as dinâmicas do campo de estudo, bem como
apenas uma ou duas visitas e encontros, não dariam conta de agregar toda a pluralidade
de elementos que configuram a Flaskô.
Manifestações políticas, Eventos culturais e Projetos de apoio produtivo como
metodologia
A partir do momento em que o trabalho se coloca no quadrante acadêmico da
crítica política, humana e social, um método que esteja em meio a tais esferas se torna
necessário para compreender as particularidades. Assim, um método que coloca o
pesquisador próximo do objeto de estudo e que se dispõe a contribuir para que o objeto
possa se desenvolver, e não apenas disseque-o com os bisturis científicos, se tornou
essencial. Estar presente nos espaços de discussão e ação foi uma forma de construção
metodológica, de maneira que essa construção em si já se torna sui generis, porque a
partir desta abertura que a universidade e academia possuem com a fábrica, os laços se
estreitam e um vínculo é criado. Diferente de um churrasco de empresa ou uma
atividade de responsabilidade social, a presença do pesquisador em espaços de
confraternização foi vista não como algo alienígena à fábrica, mas como parte dela. Em
todos os momentos que o autor vivenciou na fábrica sempre houve um tratamento de
parceria e fortalecimento da luta que também caracteriza uma particularidade da fábrica.
Poderíamos comparar uma pesquisa ou uma assessoria que um acadêmico
realiza para uma empresa, com aquela que é feita na Flaskô, e observar que as
atividades do pesquisador se estendem para além da teoria, da técnica e científica.
Período de imersão
A pesquisa foi realizada durante um período de 4 anos, de maneira que neste
período inúmeras visitas foram feitas. Durante esses 4 anos, que compreende o período
entre 2013 – 2016, no último ano foram feitas imersões que contribuíram diretamente
para este projeto, ainda que não estavam programadas no início. É dito isso tendo em
vista que existem outros grupos de pesquisadores pesquisando o caso do controle
operário. No ano de 2016 foram feitas 2 imersões das quais foi possível compreender a
perspectiva dos trabalhadores sobre a realidade que vivem bem como o trabalho que
realizam. O grupo composto por integrantes do GPERT e da ITCP juntaram esforços
para compreender como se dão as dinâmicas da fábrica. É importante separar que o
objetivo da presente pesquisa buscou compreender as particularidades da fábrica,
enquanto aquela realizada pelo GPERT/ITCP buscou compreender as dificuldades em
relação à produção e operações da fábrica, mas que o método da imersão foi importante
para a construção e coleta de elementos que configuram as particularidades da fábrica.
O Planejamento Estratégico Situacional (PES)
O Planejamento Estratégico Situacional está diretamente vinculado à
compreensão das problemáticas de uma organização tendo como objetivo criar táticas
de ação dentro da organização para aprimorar seu funcionamento e desenvolvimento.
“Planejar significa explicar as possibilidades, analisando as vantagens e desvantagens
de cada uma delas e propor objetivos” (MIGLIATO e FILHO, 2003 p. 9), mas aqui
sabemos que a realidade da Flaskô exige mais do que o acompanhamento de um
planejamento, mas um protagonismo político que a acompanhe permanentemente. Desta
maneira, o trabalho tentou elaborar um mapa radar das intensões que existem por detrás
da demanda, a fim de identificar elementos que podem contribuir para maior resiliência
da fábrica, de maneira que consigam manter a sua postura ideológica, na medida em que
a utilização do mapa radar permite a melhor comunicação entre o cliente, uma vez que
este aponta pontos fortes e fracos dos fatores apreendidos pela pesquisa, contribuindo
para o enfrentamento econômico. O questionário aplicado aos clientes diz respeito à
fatores econômicos e foi elaborado junto aos trabalhadores. Retirado da teoria geral da
administração, o questionário visa maior competitividade de mercado e aqui na medida
em que é utilizado por uma fábrica ocupada por trabalhadores tem uma aplicação que
resulta em defesa da resistência do território político produtivo da fábrica pela gestão do
controle operário na sociedade capitalista.
QUADRO 1: Indicador de desempenho
Atributo Fator (descrição)
Confiança Serviço técnico e pós-venda de apoio ao cliente
Confiança Troca sistemática de informações
Confiança Interação com usuários
Confiança Boa relação
Confiança Marca forte no mercado
Custo Baixo preço do produto
Custo Redução do custo de estoque
Custo Comprar de poucos fornecedores
Custo Comprar do maior n° de fornecedores
Custo Relações de longo prazo com o cliente
Logística Rapidez de entrega
Logística Logística de movimentação
Logística Controle sobre o sistema de distribuição (sistema MRP, CLP, PRP, processos etc)
Logística Pontualidade na entrega
Logística Conformidade às especificidades de entrega do cliente
Qualidade Conformidade às especificações de qualidade do produto e da MP
Qualidade Diferenciação e adequação ao uso dos produtos
Qualidade Padronização de processos
Qualidade Comprar de fornecedores certificados
Qualidade Durabilidade dos produtos
Know-how Alta capacidade de produção
Know-how Conteúdo tecnológico do produto
Know-how Sofisticação técnica de equipamentos
Know-how Flexibilidade da programação da produção
Know-how Cooperar no desenvolvimento de produtos e processos do cliente
(Fonte: própria)
Assim, tal esforço é acreditar que um método em sua aplicação pode assumir
inúmeras formas, conforme o direcionamento que lhe é dado, e que os resultados que
são encontrados dependem do olhar do pesquisador, de seu arcabouço teórico, da
ideologia, da intenção e da área do saber. De uma maneira que tanto mais, a aplicação
do método depende da intenção daqueles que aplicam e o utilizam durante o dia a dia.
Interdisciplinar? Os métodos hackeados...
Hackear um método, no presente contexto, surgiu do desejo de ir além do
território produtivo, tentando compreender as relações humanas, sociais e políticas que
estão em constante dinâmica dentre os muros da fábrica a partir do campo
proporcionado pelo projeto do GPERT. Em si, há uma plena condição que recai sobre a
realidade da Flaskô, que são relações sociais e humanas de produção. Essas ocorrem
dentro de uma fábrica, e portanto quando buscamos compreender para além das relações
estabelecidas pela produção, mas também relações entre o ser humano e natureza,
foquemos às relações sociais e humanas de produção, e isto porque, “enquanto o estudo
técnico da relação sociedade-natureza se concentra na análise das forças produtivas, a
análise da relação sociedade-natureza-sociedade incorpora o entendimento das relações
sociais de produção” (MONERAT, 2013 p. 2). De uma forma que ao observarmos o
contexto de uma unidade produtiva tendemos a focar em determinadas disciplinas que
carregam instrumentos adequados para determinadas lógicas. Assim quando estudamos
um território produtivo e político podemos observar de diversas maneiras, desde um
ponto da economia, até da ergonomia e da subjetividade, e aqui busca se evidenciar
relações sociais de produção que contribua para um maior entendimento das relações
entre o ser humano e a natureza.. Daí a necessidade de buscarmos uma combinação de
disciplinas, teorias e métodos. Fica ressaltada a importância de compreender elementos
que estão para além daquilo que se vê, problematizando a complexidade do objeto e do
campo estudado, indo para além da representação oferecida pelo método disciplinar que
apresenta uma perspectiva unilateral do objeto, já que não consegue aglutinar outros
elementos (que só podem ser vistos a partir de outras disciplinas), e força, dentro dos
limites da racionalidade, a aceitação das regras da representação, e não do real.
Existe uma Terceira linha política, que se mantém para além das alianças e
compromissos colocados pelo mundo pós 1989. Onde ambas as políticas,
progressivas e regressivas são políticas representativas, no qual cada
pespectiva agrega partidos, alianças e interesses, esta Terceira linha política é
uma política sem Estado, que busca escaper desta forma política
convencional. Uma política do hack, que inventa relações para além da
representação (MACKENZIE, 2004 tradução própria).
Wark Mackenzie aponta para uma terceira via política em que está justamente
entrelaçada essa questão de ressignificar os sentidos materiais, nos quais a informação
seria o grande catalisador deles, não ficando, então, na mera representação. Ainda que a
informação seja uma propriedade — e disso podemos ver os sigilos, confidencialidades,
os códigos, as linguagens etc. que há sobre o mundo da informação —, é daí que sua
importância aparece, pelas formas de vigilância, controle e punição dos que a utilizam
de maneira subversiva ou, leia-se, ressignificadora: “a informação como propriedade
deve ser distribuída sem diminuir nada, senão sua escassez. Informação é aquilo que
escapa da forma de comoditie” (MACKENZIE, 2004). Por esse ângulo, um método que
se aproveita de outro método busca dar um novo sentido dentro da aplicação que já está
sendo dada e expandir o conteúdo informacional acerca do campo e do objeto.
Problematização
A conjuntura brasileira e mundial tem se acirrado cada vez mais com o avanço
do desenvolvimento do ser humano sobre a sociedade, de forma que, desde a educação
até a economia, há impactos. Assim podemos ver a fábrica sobre a perspectiva de que
ela surge sob um contexto de acirramento da luta de classes no Brasil dado as
contradições do desenvolvimento brasileiro. Na medida em que apresenta
particularidades, a Flaskô se organiza na contramão do sistema capitalista.
“Prefiro a liberdade da gestão operária, do que estar sob o chicote do patrão”,
relata um trabalhador em entrevista para a repórter Janaína do Globo (2013 ).com. No
curta metragem produzido pelo produtor audiovisual Emiliano Goyeneche no ano de
2013, o trabalhador AR aponta essa mesma visão que o trabalhador entrevistado pela
repórter do G1 ressalta:
O bom mesmo é a realidade que você tem. Se tem que ter a responsabilidade,
mas você tem liberdade, que você não tem aquela, aquela preocupação de já
entrar preocupado, de que o patrão se não fazer as coisa certa, o patrão vai ficar
te cobrando resultado e resultado. Aqui agente sabe que o resultado é para nós
mesmos (AR, trabalhador entrevistado por GOYENECHE, 2013).
No mesmo documentário, o trabalhador faz um relato muito sincero sobre a
realidade da fábrica: “Se sabe que ocupar a fábrica ou terra, que seja, é um negócio
meio... um negócio, assim, é montar num cavalo doido” (trabalhador entrevistado por
GOYENECHE, 2013).
Em outras falas sobre a história da fábrica, os trabalhadores apontam a forma
como o movimento e a própria fábrica são marginalizados. Isso se faz relevante, na
medida em que esse pressuposto se torna motivo para que terceiros cortem relações com
a fábrica, como, por exemplo, a CPFL que, em julho do ano de 2016, interrompeu o
fornecimento de energia a Flakô. Essa problemáticaafeta diretamente na organização do
abastecimento, produção e distribuição, porque as máquinas são antigas e, se param de
operar, elas podem dar perda total.
Manter a resistência a marginalização se liga diretamente com a questão
econômica administrativa. Além disso, outros ataques também são observados por
meios jurídicos.
A União, na medida em que possui crédito com a Flaskô tendo em vista as
dívidas deixadas pelos antigos donos, encargos esses sobre os direitos a férias
remuneradas, FGTS, INSS entre outros que diz respeito aos direitos dos trabalhadores,
executa leilões das máquinas da Flaskô a fim de quitar as dívidas, o que é algo
impossível uma vez que a quantidade arrecadada dos leilões não seria suficiente para
acabar com as dívidas que passa da casa das centenas de milhões. Além desses métodos
indiretos, a fábrica já sofreu intervenções diretas, como a chegada da polícia militar em
suas dependências e também a de um interventor do estado, orientado a negociar com a
fábrica e que sempre resulta na resistência dos trabalhadores.
Quando a fábrica recebeu da justiça no ano de 2003 uma decisão que tentou
barrar suas atividades, uma intervenção amparada pela decisão judiciária para pôr fim
nas atividades foi elaborada pelo poder público de maneira à interromper as atividades
na fábrica. A partir deste episódio os trabalhadores perceberam o descaso da instituição
judiciária da Cidade de Sumaré, evidenciada na fala do juiz responsável pela condição
da fábrica que poderia ir de encontro à estatização ou divergiria desta perspectiva. O
advogado da fábrica, responsável por acompanhar os processos pela qual a fábrica se
encontrava responde relata:
É um processo de 1998, uma dívida da gestão patronal, e nessa sentença ele
vai fundamentar, e ele coloca, [o juiz] vai indo, primeiro, segundo... e aí no
quinto ele fala “quinto e talvez o mais importante argumento: ao defender de
maneira intransigente os postos de trabalho, estar-se-ia desrespeitando o
estado democrático de direito, imagina se a moda pega”. E a gente brinca
bastante com isso, nós queremos que a moda pegue! (Alexandre entrevistado
por GOYENECHE, 2013).
Essa problemática que advém das dívidas dos antigos patrões é o ônus que os
trabalhadores assumiram pela ocupação da fábrica. Desde o ano de 2003 até 2016, a
fábrica tem sofrido com inúmeros boicotes, desde leilões das máquinas na justiça (sem
o conhecimento dos trabalhadores), até os cortes de energia feitos pela CPFL. No dia 28
de julho, a fábrica soltou uma nota no facebook:
Urgente!!! CPFL rompe negociação com fábrica ocupada Flaskô e corta a
luz, ferrando com a vida dos trabalhadores. Chamado imediato para ato
público em frente à CPFL (final da norte sul, ida para campinas-mogi), hoje,
quinta-feira, dia 28/07, às 14h. Pedimos ampla solidariedade e divulgação!!!
Todos à CPFL em defesa dos postos de trabalho e de todas a conquistas da
Flaskô. Decisão aprovada agora em Assembleia. São 13 anos de luta em
jogo!!! Não pagaremos pela crise!!! Não aceitaremos a intransigência da
empresa que detém o monopólio de energia e possui ações na bolsa de NY!!!
Viva a luta da Flaskô!!! (MANDL, 2016 p. 1).
FIGURA 2 – CPFL cortando energia da Flaskô em 28/07/2016.
(Foto: Facebook Flaskô)
A Figura 2 ilustra que o que houve foi uma tentativa de liquidar com as
atividades da Flaskô, já que, como já foi mencionado, as máquinas sofrem da
obsolescência e, quando ficam paradas por muito tempo, consequentemente sofrem
danos e problemas mecânicos. O que se tem é uma série de boicotes e tentativas de
barrar as atividades controladas pelos trabalhadores. Enfim, existem inúmeras situações
e problemáticas que decorrem da ocupação.
“A gente não tem ajuda financeira igual outras empresas têm, a gente tem que
pagar dívida anterior, que é o que eu acho que é o que mais pesa, porque, se fosse só
dívida nossa, eu acho que a gente conseguiria” (trabalhadora entrevistada por
GOYENECHE 2013), relata no curta metragem. A trabalhadora também ressalta a questão
das dívidas como um
“problemas da época patronal, que deixou varias dívidas, não só com o
governo, mas com diversos fornecedores. Como eles [os fornecedores]
consultam e veem que a gente tem muitas dívidas, eles acabam não
concedendo para gente essa parte, de financiamento. Hoje a gente acaba
pagando tudo a vista, o que é muito difícil para a gente” (GOYENECHE
2013).
Essas são falas que mostram algumas das realidades que perpassam a Flaskô.
Seja simbólica ou concretamente, a Flaskô é uma fábrica que contribui para o
desenvolvimento local.
Assim, é essencial à fábrica ter o controle de suas operações, já que busca se
efetivar concretamente, tendo em vista o mercado ser extremamente competitivo, como
veremos adiante nos próximos capítulos. Desta forma a fábrica de bombonas e galões
tem que estar a todo vapor, em pleno funcionamento, para a sustentação de outras
atividades de cunho social que a fábrica fomenta, como a fábrica de cultura os eventos,
e as atividades do Centro de Memória Operária e Popular (CEMOP)
Uma problemática gerada pela má administração do antigo dono e pela
reestruturação do capitalismo engendrou uma má reputação atual da fábrica, o que não
lhe permite acessar investimentos, financiamentos e empréstimos e gera dentre outras, a
necessidade da fábrica pagar a vista, obrigando a manter a produção constante para que
consiga sempre ter dinheiro em caixa. Como nem sempre tudo aquilo que é produzido é
vendido, a fábrica gera a necessidade de armazenamento e gerenciamento dos materiais.
Ressalta-se esta questão, tendo em vista que o esforço da Flaskô é dobrado. Ela tem de
defender suas práticas, já que é uma práxis, envolve a ação política, e ainda deve se
manter no mercado tão forte quanto aqueles que não têm nenhuma dessas preocupações
políticas. Dessa forma, a Flaskô mantém sua postura política, além de manter sua
produtividade e suas operações, como já avaliadas pelo BNDES em análises sobre a
produção da fábrica. Ela enfrenta inúmeras dificuldades em relação ao mercado, e,
mesmo assim, seus trabalhadores continuam enfrentando, denunciando e combatendo as
relações assimétricas de poder, desde o imperialismo à exploração da propriedade
privada.Como se vem verificando, faz-se necessário o estudo das contradições do
controle operário presente na fábrica ocupada Flaskô, de maneira que se possa observar
e analisar como elementos dessa conjuntura, que possui um impacto em escala micro,
atingem e se relacionam diretamente com tudo o que envolve a fábrica.
Entender a fábrica Flaskô é compreender como um grupo, estruturado em
moldes familiares, sofreu com a chegada do neoliberalismo no país durante a década de
noventa. O antigo grupo se chamava Grupo Hansen e foi dividido em holdings,
(empresas que atuam em diversos ramos, mas que pertencem a um único grupo)
responsáveis cada uma por um conjunto de fábricas, firmas e empresas. Foi, então, que
houve a divisão do Grupo Hansen S.A. em Grupo Tigre e CHB S.A.
A holding CHB S.A., uma sociedade anônima que ficou para a filha/herdeira
Eliseth Bautschauer e seu marido Luís Bautschauer, foi, então, o novo grupo criado do
qual a Flaskô fazia parte. Durante a década de noventa, começou um processo de
sucateamento da Flaskô, porque, dentro do processo de reestruturação empresarial,
houve redução do corpo de funcionários, desativação das plantas, corte de gastos,
desmobilização de ativos, e também o pagamento de acionistas em detrimento dos
trabalhadores das empresas.
Takayuki (2013, p. 59) aponta que o processo de divisão das atividades
operacionais da CHB S.A., formando empresas juridicamente independentes,
responsáveis por seus lucros operacionais, gerenciamento do quadro de pessoal e do
parque de máquinas etc., foi a forma de reestruturação encontrada pela holding, mas que
não foi o suficiente para que as empresas que a compunham conseguissem se manter
competitivas no mercado, devido à entrada de competidores mais fortes, equipados
tecnologicamente e com muito mais porte, gerando a consequente quebra do grupo.
Nessa década de 1990, a economia brasileira era de grande abertura para o
mercado internacional, acompanhada de um complexo programa de privatizações,
quando vista de uma perspectiva geral, que acirrava a concorrência e a competitividade
para as pequenas empresas. Essa abertura gerou um movimento de crescimento
econômico no estado de São Paulo, principalmente na capital, aumento esse que não
teve um mesmo acompanhamento em desenvolvimento social e humano, e que, na
medida em que houve uma saturação de empresas na região, gerou deseconomias de
escala caracterizadas pela presença de desemprego, monopólio tecnológico e barreiras à
entrada, como efeitos do próprio investimento e injeção econômica na região.
Em outras palavras, a deseconomia de escala é refletida por
situação na qual o custo médio por unidade de produto declina à medida que
a quantidade produzida aumenta (analogamente, a ocorrência de
deseconomias de escala retrata um aumento do custo médio unitário a partir
de um determinado nível de produção) (CONCEIÇÃO; FEIX, 2013 p. 29).
Esse efeito local, a deseconomia de escala, desencadeada devido a uma causa
global, a abertura econômica para empresas estrangeiras, gerou um efeito que não se
limitou à região metropolitana de São Paulo, mas também à do interior. As empresas e
indústrias que perderam mercado devido ao acirramento da competitividade e da
limitação da capacidade produtiva se deslocam, então, para o interior do estado, e à
medida que isso ocorre, as empresas do interior, que antes estavam sob determinadas
condições de concorrência, agora têm que competir com grupos com maior capacidade
de controle dos meios de produção anteriormente alocadas na capital.
Podemos pensar que o caso da Flaskô é particular, devido a todos os fatores que
a caracterizam, tais como a conjuntura em que surge e as suas práticas diárias. Nesse
sentido, a existência da fábrica se deu devido a uma série de particularidades que
envolvem a desigualdade social, problemas econômicos, resistência à precarização etc.
Nunca é demais insistir na alta complexidade das relações entre ‘a
sociedade’, cidadãos e habitantes, e a cidade, o urbano, o espaço. Para o
indivíduo, a cidade que o cerca é ao mesmo tempo lugar de desejo (dos
desejos: o que os desperta, os multiplica ,os intensifica) e o conjunto das
pressões que pesam sobre os desejos, que inibem o desejo. É no urbano que
se instala, se institui ‘o cotidiano’. Entretanto, a cidade suscita o sonho e o
imaginário (que exploram o possível e o impossível, os efeitos da riqueza e
da potencia) (NASCIMENTO, 2014, p. 2).
Nesse sentido, o filosofo Henri Lefebvre (1966) aponta que, dentro da estrutura
social, há pontos fortes e fracos, que se evidenciam nas relações sociais e nas trocas,
quando destas a fragmentação do mundo se apresenta. Para o autor, há uma distinção
entre os pontos fortes e os pontos frágeis da organização social capitalista que podem
ser exemplificados, respectivamente, pelo Estado e livre mercado (fortes), e a corrupção
governamental e a falência de empresas (fraco). “Lefebvre aponta o “ponto fraco” onde
surgiu a autogestão: as fábricas abandonadas pelos patrões” (NASCIMENTO, 2014, p. 5), e
assim dentro das relações sociais de produção vemos o quanto o capitalismo é um
sistema que na medida em que o lucro de suas atividades vivencia uma queda constante,
em relação ao capital orgânico acumulado, ele tende a criar novas formas para sua
manutenção, mas que abre brechas das quais a autogestão surge como uma alternativa,
que mais traz e revela as problemáticas do que propriamente as soluciona.
Deste conceito de Lefebvre poderíamos pensar que as empresas repousariam nos
pontos fortes e que a dinâmica de desconcentração da indústria da capital para o interior
pela busca de vantagem competitiva representaria a caracterização do ponto forte dentro
do capitalismo: vantagem competitiva, incentivo do governo, fomento vindo de
instituições públicas e capacidade de adaptação pelo território de um Estado.
Por outro lado, os pontos frágeis, que nada mais são do que a outra face da
moeda do sistema capitalista ficam evidentes de diversas maneiras, e uma delas é a
própria quebra das firmas. É aí neste ponto que Lefebvre ( 1966 ) argumenta sobre
como a autogestão brota: nos pontos frágeis da estrutura social, naqueles pontos em que
o que se pode fazer é a denúncia das falácias que sustentam os pontos fortes que
compõem a armadura social da estrutura existente na sociedade. É claro que essa noção
de ponto forte e frágil da qual Lefebvre se utiliza para fazer sua proposição é aquela em
que a racionalidade capitalista se difundiu por todas as partes da vida. Essa análise dos
pontos fortes da estrutura social deve ser entendida como recortada pela visão
econômica. Sob outras perspectivas, como a da Psicologia, por exemplo, a
competitividade é vista como um ponto frágil da estruturação do sujeito, e tão logo
poderíamos pensar na discussão acerca dos “controles psicológicos do capitalismo”
(HELOANI, 2003).
Assim, é necessária a discussão de que apenas a tomada dos meios de produção
não é suficiente para dar conta da mudança esperada, mas que são necessárias novas
relações sociais de produção. Dessa maneira, entendendo que as empresas e as fábricas
ocupadas e recuperadas são embriões de novas relações sociais de produção, elas estão
diretamente ligadas à uma nova configuração das realidade da produção das condições
materiais de vida, convivem com a lógica do metabolismo do capital.
1. PERCURSOS DO CENÁRIO ECONÔMICO BRASILEIRO, DESCRIÇÃO DE
VETORES QUE INFLUENCIARAM NA OCUPAÇÃO DA FÁBRICA FLASKÔ
1.1 Das rodovias do café até a crise dos anos noventa
Entender a história da economia brasileira e relacioná-la com a realidade da
Flaskô não é uma tarefa fácil, todavia existem alguns padrões que sugerem ter havido
determinada conjuntura que gerou um ponto fraco no interior do capitalismo e que
possibilitou o surgimento da empreitada dos operários na fábrica. Esta seção tem este
intuito, compreender como a concentração cafeeira gerou excedentes para a
industrialização brasileira ― industrialização essa que em seu decorrer deu
possibilidade para a Flaskô ser fundada ―, e como a região metropolitana de São Paulo
ficou saturada. Em decorrência disso, ela passou a se desconcentrar, durante os períodos
da colônia, para as antigas regiões que eram rotas do café, como Campinas, no interior
do estado, que, hoje em dia, também se tornou uma região metropolitana.
Para compreendermos a presente situação de nosso país e das condições em que
ele se encontra, é de essencial importância identificar como nossa história se
desenvolveu. Se hoje em dia presenciamos uma precarização nas condições de trabalho,
isso se deve a um encadeamento de ações tomadas há séculos, e não a ações pontuais
que foram executadas no decorrer do tempo. Ao verificarmos os períodos da
industrialização brasileira, desde 1500 até 2014, veremos uma série de atrasos e
retrocessos na industrialização, a começar pelos 300 anos (1500 – 1808), quando a
colônia ficou proibida de realizar qualquer atividade industrial, que não fosse para sua
subsistência. Um fato interessante é que, em 1822, o novo império estava constituído de
tal forma que a única maneira de ingressar no contexto industrial seria aceitando a
submissão frente ao imperialismo britânico, refletido nos diversos acordos desiguais
com os países europeus. Essas ações que causaram um desequilíbrio fiscal surtiriam
efeito ao longo da década de 40 até que expirasse o acordo com a Inglaterra, como
coloca Celso Furtado:
É necessário ter em conta a quase inexistência de um aparelho fiscal no país,
para captar a importância que na época cabia às aduanas como fonte de
receita e meio de subsistência do governo. Limitado o acesso a essa fonte, o
governo central se encontrou em sérias dificuldades financeiras para
desempenhar suas múltiplas funções na etapa de consolidação da
independência. A eliminação do entreposto português possibilitou um
aumento de receita. Mas, efetuado esse reajustamento, o governo se
encontrará praticamente impossibilitado de aumentar a arrecadação até que
expire o acordo com a Inglaterra em 1844. [...] Nesse período, o governo
central não consegue arrecadar recursos, através do sistema fiscal, para cobrir
sequer a metade dos seus gastos agravados com a guerra da Banda Oriental.
O financiamento do déficit se faz principalmente com a emissão de papel-
moeda, mais que duplicando o meio circulante durante o referido decênio
(FURTADO, 1995, p. 97).
Este elemento revela um traço marcante em nosso país que é o fato de ele ter
sido colônia de exploração agrícola durante a sua formação e seu desenvolvimento, o
que culmina, segundo a teoria ricardiana da vantagem comparativa, na especialização
no segmento, de tal forma que o conflito latente entre elite agrícola e industrial ficasse
cada vez mais evidente. Além disso, o déficit da balança comercial revelou a
necessidade de se buscar outra maneira de gerar receita.
Nesse sentido, ao longo do século XIX, começou haver reestruturações na
política comercial brasileira, desde a revogação da proibição para o estabelecimento de
fábricas e de atividades manufatureiras em 1808, até as diversas reformas alfandegárias
ao longo do século (HEES, 2011, p. 101), que delimitava a participação do país nas
atividades industriais. Ao longo da segunda metade do século XIX, assistiu-se a
sucessivas alterações das tarifas alfandegárias. Por mais que se encontrem alusões à
proteção da indústria nacional, a motivação primeira de todas essas reformas era
invariavelmente o déficit público (HEES, 2011, p. 107), gerado pela falta de receita para
pagamento dos gastos, ocasionada, dentre outras coisas, pela limitação fiscal do
Império.
Na segunda metade do século XIX, vê-se uma crise no setor agrícola,
principalmente com o café, espelhada na sua baixa de preço. A despeito do que precede
a crise da lavoura no último quartel do século XIX, o aumento da imigração e,
principalmente, a baixa dos preços do café no início da década de 1880 permitiram o
surgimento de condições mais favoráveis ao desenvolvimento de uma política industrial
(HEES, 2011, p 108), sendo criada, nesse ano, a AI (Associação Industrial). No final da
segunda metade desse século, a autora Nícia Luz (1978) aponta um marco de discussão
na economia brasileira em que havia, de um lado, a elite agrícola e, de outro, os
industriais, tendo sua primeira formalização ocorrida por meio da Associação Industrial
em 1880.
O Brasil vai debater-se, desde a sua elevação à categoria de Reino Unido ao
de Portugal, a princípio, e a de Estado Independente, a seguir, de um lado
entre os interesses agrícolas, cada vez mais predominantes no país, e de
outro, o desejo de industrializar-se, condição julgada imprescindível, pelos
espíritos mais lúcidos, à prosperidade brasileira (LUZ, 1978, p 56).
Isso evidencia o caráter agrícola do nosso país no início do século XX e, ainda,
uma falta de controle sobre o aparelho fiscal, financeiro e industrial, caracterizada pela
Associação Industrial pela falta de proteção à indústria e a instabilidade das tarifas
aduaneiras que, ao não incentivar o “trabalho nacional”, condenavam as populações
urbanas “ao parasitismo e à miséria com prejuízo da riqueza nacional e da ordem
pública” (HEES, 2011, p 109). Para Nícia Villela Luz, o processo de industrialização se
desenrola ‘aos trancos e barrancos’ ao longo do século XIX:
Ao desvencilhar-se, em 1808, do regime colonial, presenciou o Brasil a
primeira tentativa de industrialização, sob a tutela do próprio Estado,
enquadrando-se, as medidas adotadas, nas práticas usuais da política
mercantilista. A segunda tentativa, ainda de iniciativa estatal, com a tarifa
Alves Branco, em 1844, já apresentava aspectos mais modernos e, a nosso
ver, mais propriamente nacionalistas, pois pretendia basear-se,
essencialmente, no protecionismo aduaneiro, prática, sem dúvida alguma,
mais niveladora, mais democrática, do que as concessões de privilégios e
monopólios dispensados pelo monarca estilo Antigo Regime (LUZ, 1978, p.
205).
E, ainda que se tenha desenvolvido alguma atividade industrial, Junior (1996)
aponta que a indústria brasileira não sairá tão cedo da sua mediocridade e lutará com
dificuldades que lhe limitam consideravelmente os horizontes. “Também não resolverá
por isso, de uma forma ampla, nenhuma das contradições e dos problemas econômicos e
sociais do país” (JUNIOR, 1996, p. 184).
É importante lembrar que nesse período de concepção da indústria brasileira, o
sistema tarifário, fiscal, industrial e o capital financeiro ganhavam atenção da economia,
havendo, num primeiro momento (século XIX), uma dualidade entre indústria e
agricultura, que pode ser observada ora como divergente, ora convergente, dado os
protecionismos do estado e o jogo de interesses entre a elite. Divergente, no momento
em que se opõe agricultura e indústria, como observa Luz (1978); convergente, no
sentido de que da agricultura surgem motivos para se industrializar, para acompanhar a
demanda social e, ainda, que da indústria surgem motivos para a agricultura produzir na
medida em que é necessário mais pessoas na indústria e, portanto, mais bens não
duráveis para suprir esse contingente. Isso para dizer que, por mais que houvesse
discussões e oposições entre burguesia industrial, burguesia rural, comércio e indústria,
o capital comercial e o financeiro nunca buscaram a ruptura, mas sim novas formas de
utilizar a potencialidade do país para o crescimento capitalista dado a competitividade
global.
Assim, Hees (2011) aponta que, para o autor Celso Furtado, o protecionismo
surge da necessidade de se manter a lucratividade do setor dinâmico da economia, ao
passo que Nícia Villela Luz vê o protecionismo como mero elemento que refletia os
conflitos de interesse entre o Fisco, a indústria e os interesses agrícolas e sugere que o
Estado, por não ter uma política racionalmente protecionista, teria dificultado a
industrialização brasileira (HEES, 2011, p.120).
É o aproveitamento dessas condições que, na década de 30, tornou-se possível
uma “expansão da produção industrial, que passa a ser o fator dinâmico principal no
processo de criação de renda” (FURTADO, 1995, p. 202), mesmo havendo dificuldades
econômicas, dadas a dependência internacional e a desvalorização da moeda brasileira.
Isso se deve ao fato de haver um mercado internacional em ascensão que mobiliza
produção e consumo.
A procura de bens de capital coincide, nas economias desse tipo, com a
expansão das exportações ― fator principal do aumento da renda ― e,
portanto, com a euforia cambial. Por outro lado, as indústrias de bens de
capital são aquelas com respeito às quais, por motivos de tamanho de
mercado, os países subdesenvolvidos apresentam maiores desvantagens
relativas. Somando-se essas desvantagens relativas às facilidades de importar
que prevalecem nas etapas em que aumenta a procura de bens de capital, tem-
se um quadro do reduzido estímulo que existe para instalar as referidas
indústrias nos países de economia dependente. Ora, as condições que se
criaram no Brasil nos anos trinta quebraram este círculo. A procura de bens
de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de
importação eram as mais precárias possíveis [...] É evidente, portanto, que a
economia não só havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular
os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também
havia conseguido fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e
expansão de sua capacidade produtiva (FURTADO 1995, p. 199).
João Manuel Cardoso de Mello (1991) viveu contexto distinto do de Celso
Furtado, porém construiu em O capitalismo tardio uma crítica à Comissão Econômica
para América Latina (CEPAL), na medida em que essa colocava que o desenvolvimento
econômico em igualdade traria o fim do subdesenvolvimentismo. Todavia, sob essa
perspectiva, desconsideram-se princípios da economia política, uma vez que tal
pensamento implicaria a planificação econômica, impossibilitando elementos básicos
para a efetivação do capitalismo, como a divisão internacional do trabalho, e assim a
concentração e centralização do capital. Como aponta Marx (2004),
partimos dos pressupostos da economia nacional. Aceitamos sua linguagem e
suas leis. Supusemos a propriedade privada, a separação de trabalho, capital e
terra, igualmente do salário, lucro de capital e renda da terra, da mesma
forma que a divisão do trabalho, a concorrência, o conceito de valor de troca
etc (MARX, 2004, p.1).
Mello (1991) ainda indica outro fator desigual propagado pelo capitalismo:
A propagação desigual do progresso técnico (que é visto como a essência do
desenvolvimento econômico) se traduz, portanto, na conformação de uma
determinada estrutura da economia mundial, de uma certa divisão
internacional do trabalho: de um lado, o centro, que compreende o conjunto
das economias industrializadas, estruturas produtivas diversificadas e
tecnicamente homogêneas; de outro, a periferia, integrada por economias
exportadoras de produtos primários, alimentos e matérias-primas aos países
centrais, estruturas produtivas altamente especializadas e duais (MELLO,
1991, p. 14).
Dessa forma, vê-se que a divergência entre indústria e agricultura ocorre apenas
na forma como os bens são produzidos, sendo a questão central para o entendimento do
desenvolvimento econômico brasileiro, a convergência entre os dois setores (cafeeiro e
industrial), ao invés da sua segregação. Por conseguinte, ambos possuem mais relações
dialéticas do que se aparenta, como aponta Cano (1990):
A forma pela qual a intermediação financeira se apropriou de grande parte do
capital cafeeiro mascarou a sua origem, não se dando conta que os capitais
industrial, financeiro e comercial são eles próprios face do capital cafeeiro.
Um ponto que reforça ainda mais o mascaramento da origem desses capitais
se deve à própria transferência de capital cafeeiro investido diretamente por
fazendeiros [...] em atividades urbanas (CANO, 1990, p. 86).
Sendo o capital comercial aquele que fomentou a base da indústria brasileira,
esta, após a sua iniciação, depara-se com uma crise infra estrutural, pois,
se o período que vai da Proclamação da República até 1933 pode ser
caracterizado como o momento de nascimento e da consolidação do capital
industrial, de 1933 até 1955 temos o período de industrialização restringida
[...] Tal situação só será superada com a industrialização pesada, a partir de
1956, com o Plano de Metas no governo de Juscelino Kubitschek (HEES,
2011, p.131).
No governo Juscelino Kubitschek, foi utilizada pela Superintendência da Moeda
e do Crédito (SUMOC) a instrução 113 que consistia em importar do exterior bens e
serviços sem cobertura cambial, o que contribuiu para que o capital estrangeiro
adentrasse o país. Segundo Saretta (2001, p. 116), "a historiografia econômica brasileira
é unânime em reconhecer o favorecimento que a Instrução 113 significou para o capital
estrangeiro". Além disso, a instrução 113 estava consonante com o Plano de Metas, no
sentido de incentivar indústrias pesadas. O documento oficial do Plano de Metas (1958)
destaca quatro metas que receberiam equipamentos por meio da referida política
cambial: alumínio, cimento, indústria automobilística e construção naval (CAPUTO e
MELO, 2009, p. 521). Dessa forma, o capital direto estrangeiro inundou a economia
brasileira durante oito anos:
Entre 1955 e 1963, o valor dos investimentos diretos estrangeiros totalizou
US$ 497,7 milhões. A sua maior concentração ocorreu entre 1957 e 1960,
com 73,0% do total do período (US$ 363,1 milhões) [...] No início dos anos
de 1960, ocorreu uma queda bastante acentuada dos investimentos, que
passaram de US$ 107,2 milhões em 1960 para US$ 39,2 milhões em 1961,
US$ 20,1 milhões em 1962 e US$ 4,5 milhões em 1963, o último
representando menos de 1% do valor total investido no período (CAPUTO e
MELO, 2009, p. 521).
O plano de metas e a instrução 113 revelam o atraso econômico e, nesse sentido,
as tentativas do governo JK em minimizar a industrialização tardia por meio de métodos
cambiais que beneficiassem formas de investimentos para além do país. Caputo e Melo
(2009) apontam a problemática resultante da abertura econômica para o capital
estrangeiro no sentido de que o capital privado nacional perdeu parcela de sua
participação na vida econômica brasileira, enquanto o capital estrangeiro aumentava sua
voz, tanto econômica como politicamente (CAPUTO e MELO, 2009, p. 535).
Isso não significa afirmar que o capital privado nacional tenha sido prejudicado
em termos absolutos por tal política, mas esse declínio relativo deveu-se tanto ao
crescimento do setor público quanto aos benefícios ao setor estrangeiro oriundos,
naqueles anos, das políticas governamentais (CAPUTO e MELO, 2009, p. 535).
A década de 60 ficou marcada pelo plano de metas composto por diversos
programas do governo de incentivo às indústrias pesadas e infraestruturas que
permitiram uma maior capacidade da indústria brasileira em responder às adversidades
impostas pela indústria internacional. Lopez (2009, p.) esclarece que
Juscelino Kubitschek possibilitou a construção de hidrelétricas, criou Furnas,
adotou o Modelo Rodoviarista e construiu rodovias em abundância, criou a
USIMINAS e investiu amplamente nas indústrias. Ele ainda coloca que, com
a forte entrada do capital externo, o Brasil passou por um período de grande
expansão, mas, também, ampliou sua dependência tecnológica e financeira.
A industrialização centrada no Sudeste revela que a concentração comercial que
estava instalada nessa região no século XIX e até a década de 30 do século XX por
causa do café serviu de base para a consolidação da indústria brasileira (havendo
investimentos tanto do capital comercial quanto financeiro, como já visto), sendo
considerada hoje um polo tecnoindustrial, estando a produção de bens e serviços
centrada nessa região.
Esse investimento proporcionado pelo governo Juscelino Kubitschek serviu
como base para a descentralização da indústria brasileira, no sentido clarear a relação
entre centro e periferia existente em nosso país, não mais sendo considerada como
arquipélago econômico ou como a relação entre colônia e metrópole dos idos do século
XVI, mas como uma atividade interligada entre as diversas regiões do país.
Com esses investimentos a dinâmica econômica começou a ser reconfigurada,
para uma “industrialização concentrada no Sudeste”, como mostra Lopez (2009). Para
este teórico, “o padrão em arquipélago foi gradativamente substituído pelo ‘Padrão
Centro Periferia’, no qual o Sudeste era o centro e fornecia bens industrializados para as
demais regiões que seriam a periferia”, revelando os primeiros indícios de conexão
entre as indústrias brasileiras, mas também os de desigualdades regionais. Ele aponta
ainda a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em
1958, como tentativa de “evitar essa desigualdade regional enorme”, ainda “que pouco
se realizou efetivamente no período” (LOPEZ, 2009, p.).
“Até a década de 1960, existia um alto grau de concentração industrial na cidade
de São Paulo e na sua região metropolitana” (LIMA, 2006 p. 22). Segundo Tinoco
(2001), o período entre o início da industrialização brasileira até 1970 é um período de
intensa concentração das atividades industriais no Brasil e da consolidação da Região
Metropolitana de São Paulo como polo no cenário econômico nacional.
Com a ditadura militar (1964–1985), houve a concentração do poder e a
configuração de um estado de exceção, privando os cidadãos de direitos e de decisões.
Essa medida foi tomada, em meio a outros motivos (como pressão internacional,
problemas sociais e políticos), devido à crise econômica gerada pelas políticas de JK,
dentre elas, a de não cobertura cambial para importações, dando espaço para que as
empresas internacionais ocupassem o mercado e a produção brasileira, causando um
déficit na indústria nacional e tornando-a dependente do capital estrangeiro.
Já nos anos de chumbo, foram características marcantes o milagre econômico, as
obras 'faraônicas', déficits na balança comercial, instabilidade política, dívidas externas
exorbitantes, desemprego estrutural, concentração da renda na mão de uma elite e
perseguição de opositores. Os déficits na economia brasileira no período da ditadura
terão seus efeitos no decorrer dos anos oitenta e noventa, de maneira que os anos oitenta
representam o momento de crise do capitalismo brasileiro contraposto pela Constituição
Federal de 88.
A década de noventa é um período marcado por políticas neoliberais em pacotes
econômicos que buscavam reestruturar a economia brasileira, mas que visaram ao
crescimento e à austeridade econômica e não, ao desenvolvimento e às condições
sociais. O Brasil utilizou em grande escala estratégias de abertura de mercado para
sobreviver durante a década de oitenta e noventa, viveu nesse período a crise da dívida:
Os anos 80 foram marcados por uma forte crise econômica em função da
redução de investimentos externos no Brasil e uma ruptura política com a
passagem para democracia. Em termos econômicos, o Brasil decretou a
moratória (não pagou sua dívida externa, ou seja, "faliu") em mais de uma
oportunidade, viu a dívida externa explodir (de 4 bilhões de dólares para 95,
em 1985), concentrou investimentos na agropecuária para atrair capitais e
pagar os juros da dívida, sofreu com o atraso tecnológico por não conseguir
importar produtos, viveu dramas com planos econômicos que só
prejudicaram a economia e projetavam políticos oportunistas, em resumo:
viveu a Crise da Dívida (LOPEZ, 2009, p.).
O cenário nacional instável dos anos noventa revelava os déficits na indústria
brasileira que, à medida que abria o mercado para as empresas estrangeiras, gerava um
movimento de desaceleração do avanço industrial no sentido da criação e fomento da
indústria nacional e das cadeias de produção. Isso pôde ser visto no reflexo que a crise
gerou, uma vez que se identificou o movimento de desconcentração das atividades
econômicas, comerciais e industriais da capital paulista para o seu interior, movimento
esse que ocorre até hoje.
No trabalho limitamos a chegar até os anos noventa por duas razões, uma que já
ficou clara até aqui que é as condições econômicas que afetaram nosso país e o assola té
os dias de hoje, e o outro motivo está relacionado com a situação na argentina, do qual o
processo de abertura econômica foi muito maior, de maneira que a resposta que os
trabalhadores deram frente ao neoliberalismo fomentado pelo governo foi mais
acentuada do que no Brasil. “Para termos uma idéia, um país onde as taxas de
desemprego nunca passaram dos 4 ou 5% chegou a 20% com a desvalorização cambial
no ano de 2001, sendo que mais de 50% dos trabalhadores estão hoje na informalidade”
(NOVAES, 2005 p. 14).
Frente a um cenário avassalador catalisado pela exploração do capital sobre a
vida humana e a natureza, diversos levantes e organizações populares começam a surgir.
Durante este “contexto de crise estrutural que surge na Argentina os “piqueteiros”, as
assembléias de bairro, os “ahorristas damnificados”, os “clubes de troca” e as FRs
(NOVAES, 2005 p. 15)
Frente a isso, muitos trabalhadores optaram por ocupar fábricas, reivindicar a expropriação definitiva dos meios de produção, repartição igualitária do excedente e
instalação de mecanismos de decisão parlamentarista no seio da unidade produtiva. Não
podemos esquecer que o ato de recuperar a fábrica significa para o trabalhador recuperar algo no qual ele se sente participante, que ajudou a construir, que faz parte da
sua história de vida. (NOVAES, 2005 p. 16)
No Brasil não foi diferente. As indústrias e o capital estrangeiro que foram
utilizados para a reestruturação econômica brasileira geraram um efeito de deseconomia
de escala na capital São Paulo, caracterizado pelo aumento do custo e saturação da
quantidade produzida. Essas características da deseconomia de escala serão discutidas
na próxima seção deste trabalho, para, assim, compreender como isso afetou
diretamente o pequeno negócio da Flaskô, que, nesse período da década de noventa,
ainda era administrada pelos patrões, mas que já estava sendo plantada a semente da
ocupação da Flaskô.
1.2 Desconcentração econômica brasileira
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) investigou as raízes
históricas da descentralização da indústria brasileira e o histórico econômico. O
resultado foi um levantamento de três momentos na economia brasileira em que a
indústria é vista sob diferentes perspectivas.
“Tais movimentos de mudanças estruturais na economia brasileira
compreendem: do início do século XX à década de 1960; entre as décadas de
1960 e 1980; e após os anos de 1990. Dos anos 1920 a 1960, predomina a
tendência à concentração, especialmente na região Sudeste – São Paulo”
(ALBUQUERQUE 2011 p. 3).
Wanderley (2002, p. 57) explica que o período entre 1950-60 foi decisivo, com a
introdução da indústria pesada no Brasil, como a indústria automobilística. Contudo, as
ações estatais – iniciadas no Governo de Juscelino Kubitschek – como o Programa de
Metas, beneficiaram sobremaneira a região Sudeste primeiramente, distanciando-a das
demais regiões. A mudança nesse cenário iniciou com a integração, via
comercialização, entre a região Sudeste e as demais áreas do país.
Com o maior grau de produtividade na região Sudeste, essa competição inter-
regional tornava-se prejudicial para as outras regiões, destacando-se a região Nordeste.
Mesmo com a criação da Sudene, a região ainda tinha suas limitações, de forma que o
capital tendia a se concentrar na região Sudeste. Os anos noventa seriam marcados por
políticas neoliberais que influenciariam tanto o âmbito político-econômico quanto o
sociocultural.
Em contexto pós-regime militar e pós Constituição de 1988, “os anos noventa se
iniciam com a crise do setor público – consequência da década de 80 – e a mudança no
papel do estado na economia: de incentivador do desenvolvimento das forças produtivas
passa a patrocinador da acumulação na esfera financeira” (ARAUJO, 2005, p. 226),
“distanciando-se da questão regional, uma vez que a prioridade era o equilíbrio
macroeconômico” (WANDERLEY, 2008, p. 120).
Esse período também refletiu efeitos da globalização, com a introdução de novas
tecnologias (reformulação da estrutura de produção, gestão e distribuição) e a
desregulamentação econômica – abertura comercial no governo de Fernando Collor e o
Plano Real no governo de Itamar Franco. “Ações do governo de Fernando Henrique
Cardoso como políticas de câmbio, juros e privatizações também favoreceram a
reestruturação produtiva da economia brasileira” (WANDERLEY, 2002, p. 54-59).
Mas, ainda que houvesse um plano para a reestruturação econômica, este plano
de crescimento sofreu com os resultados das políticas dos anos 1970 até os 1990, dado
aquelas políticas industriais que criaram deseconomias de escalas, principalmente na
região de São Paulo:
Esse processo de relocalização foi motivado pelas deseconomias de
aglomeração presentes em grandes metrópoles, sobretudo São Paulo, e
também por outros fatores, como a busca das firmas por regiões com menor
densidade sindical, mão de obra mais barata e incentivos fiscais
(CARLEIAL, 1997).
Essa deseconomia gerou um movimento de dispersão da indústria do Sudeste, da
capital para o interior do país, como já explicado anteriormente. Ou seja, devido a uma
saturação do mercado e das indústrias na capital, muitas dessas indústrias se voltaram
para regiões que já detinham condições infraestruturais para se instalar. Até hoje vemos
um movimento de desconcentração econômica da RMSP para a RMC e assim:
A configuração espacial das atividades econômicas, ou concentração
industrial, é o resultado de dois tipos de forças opostas, as de aglomeração e
as de dispersão. As primeiras apontam, geralmente, para a tríade das
externalidades Marshallianas como as principais responsáveis por sua
origem. Já as forças de dispersão, ou congestion effects, incluem a
imobilidade da mão de obra, custo de transporte, efeitos externos do meio
ambiente e outros (KRUGMAN e VENABLES, 1996).
É importante abrir parênteses na discussão para explicar que, torna-se evidente
que a qualidade das políticas teve como efeito, de um lado, os congestion effects e, por
outro, as externalidades marshallianas. A aglomeração marshalliana, segundo Valentini
(2008, p.18) é composta por “três elementos que promovem as vantagens
aglomerativas: mão de obra qualificada, disponibilidade de serviços e fornecedores de
matéria prima especializada e a presença de spillovers de tecnologia e conhecimento”.
Pois bem, voltando ao histórico, durante a década de 1960 na RMC, “os setores
produtores de bens de consumo duráveis, intermediários e de capitais já predominavam
na estrutura industrial local e iriam liderar a expansão das duas décadas seguintes”
(BAENINGER, 1996 p. 49). Segundo esta autora, os produtos farmacêuticos,
eletroeletrônicos, cirúrgicos e materiais de transporte tiveram suas produções
expandidas na região do interior paulista. Assim, a partir da industrialização na capital
paulista entre o período de 1929 – 1956, somada à malha ferroviária herdada da
indústria cafeeira, a RMC pôde se conectar com as atividades da indústria, de maneira
que, na década de 60, passou a se destacar e, na década de 70, sofreu os efeitos da
ditadura militar, quando essa decidiu descentralizar a economia. Foi aí, então, que
começou o processo de deslocamento da indústria da capital para o interior. Dessa
política de desconcentração, a RMC, dada à infraestrutura que já possuía, passou a
receber os fluxos industriais presentes até então na capital, como aponta Wilson Cano
(1998, p. 325):
[...] o fenômeno da desconcentração industrial de São Paulo teve também o
vetor interno. Ao desagregar-se a economia paulista em duas “regiões”, a
grande São Paulo e o Interior, constata-se que a desconcentração teve como
epicentro a GSP. De fato, sua participação na produção industrial nacional
também atinge seu nível máximo em 1970, com 43,5%, enquanto que o
interior perfazia 14,7%. Em 1985 a participação da GSP já caíra para 29,4%,
enquanto a do interior subira aceleradamente, atingindo 22,5%.
A crítica que fica acerca dessa política de descentralização é que ela não
necessariamente beneficiaria o desenvolvimento nacional, mas de algumas regiões
selecionadas, aquelas com melhor infraestrutura. Assim, parte da concentração
industrial no Brasil se deve às diferenças entre as regiões. “São as chamadas economias
de aglomeração, também conhecidas como economias de escala, que favorecem e
incentivam a implantação de firmas em determinado lugar” (ALBUQUERQUE, 2011,
p. 2).
Para Albuquerque (2011, p. 2), “as economias externas de escala dividem-se em:
economias de localização (economias de escala externas às firmas, mas internas a uma
indústria de atividade numa determinada região) e economias de urbanização (externas
às firmas e também à indústria)”. As economias de localização advêm da
especialização, enquanto que o outro grupo acompanha a diversidade setorial
(VALENTINI, 2008, p. 19, 21 in ALBUQUERQUE 2011, p. 3), porém, em ambos os
casos, há relação da estrutura econômica com o desenvolvimento local
(ALBUQUERQUE, 2011, p. 3).
Entretanto, as vantagens das economias de aglomeração são limitadas,
podendo atingir um patamar de saturação ao longo do tempo aumentando os
custos de transação, impostos, além dos fatores socioambientais. Nesse
momento de saturação, como enfatizado por Wanderley (2008, p. 123-127),
ocorre a dispersão espacial das atividades produtoras. A competitividade
empresarial faz com que indústrias se afastem da área concentrada formando
oligopólios em outras regiões. Em geral, as novas ocupações se dão em áreas
interurbanas, pois oferecem serviços básicos, infraestrutura e maiores rendas.
(ALBUQUERQUE, 2011, p. 4).
Nesse momento de saturação, como enfatizado por Wanderley (2008, p. 123-
127), “ocorre a dispersão espacial das atividades produtoras”. A competitividade
empresarial faz com que indústrias se afastem da área concentrada, formando
oligopólios em outras regiões. Em geral, as novas ocupações se dão em áreas
interurbanas, pois oferecem serviços básicos, infraestrutura e maiores rendas.
(ALBUQUERQUE, 2011, p. 116).
Dessa descentralização,
Entre as regiões metropolitanas brasileiras, a RMC apresenta o maior parque
industrial, sendo superada apenas pela Região Metropolitana de São Paulo
(RMSP). A presença deste parque industrial moderno, de uma agricultura
tecnificada, de um setor de serviços muito diversificado e de diversas vias de
circulação possibilitaram a integração da região com outros espaços
nacionais e internacionais. Entretanto, a formação de um polo altamente
industrializado, desenvolvido e com um dos maiores níveis de vida do país
contrasta com os indicadores de desigualdades sociais e com uma grave
degradação ambiental (ORLANDO, 2003, p. 9).
De certa forma, as cidades são criadas tendo em vista a forma como podem lidar
com o desenvolvimento industrial (economias de aglomeração ou dispersão) e com o
crescimento econômico. Entretanto, existem problemas relacionados à maneira que este
crescimento e desenvolvimento se dão, pois, ainda que seja uma forma de acumular
para enriquecer a região, não necessariamente esse enriquecimento será distribuído. Em
outras palavras, como mostra Fonseca (2010), a partir do Plano Diretor de 2006, "é na
década de 1990 que ocorrem 44% das ocupações da cidade” de Campinas. Das políticas
de desconcentração urbana oriundas dos anos 1950 – 1960 e das políticas de
descentralização industrial oriundas dos anos 70, temos um cenário onde “regiões mais
dinâmicas, como a de Campinas, São José dos Campos e, secundariamente Sorocaba,
Bauru, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, receberam volumes importantes dessa
desconcentração” (ORLANDO, 2003, p. 7).
Desta maneira a RMC teve um aumento de atores industriais na medida em que
indústrias e empresas se deslocam para o interior do estado de São Paulo devido aos
congestions effects. Desta maneira a competição durante os anos 1990 aumenta na
região e impacta nos pequenos e médios negócios como a Flaskô.
Com efeito, as dinâmicas econômicas nem sempre ficam evidenciadas, e esse
deslocamento da indústria da capital para o interior reflete a natureza do capital, em que
“criam-se novos sistemas de valores, atitudes e comportamentos, que passam a
incorporar a ideologia do crescimento através do domínio da burguesia e do Estado que,
através de suas leis e intervenções, legitima o poder desta elite econômica”
(CASTELLS, 1977), mascarando os ônus do crescimento econômico.
Dessa maneira, o desenvolvimento econômico brasileiro, marcado por três
processos de desconcentração da indústria, o último deles nos anos noventa, causa um
impacto local na região metropolitana de Campinas, impacto esse que é sentido social e
ambientalmente, devido às mudanças causadas no lugar que comportou a
desconcentração da capital para o interior.
A cidade de Campinas comportou grande parte dos fluxos, pois ela representava
aquelas forças marshallianas, e um acirramento da competitividade foi gerado nas
regiões periféricas, devido à entrada e à chegada de novas firmas, muitas subsidiadas
pelos benefícios garantidos pelo governo FHC. Firmas que não estivessem preparadas
para resistir ao acirramento da competitividade perderiam mercado, decretando falência.
Além dos problemas econômicos gerados pelas deseconomias, os problemas sociais e
humanos vieram na mesma proporção. E foi essa conjuntura aqui sintetizada que deu
origem às condições para que a fábrica Flaskô fosse ocupada.
1.3 Breve histórico e Questões sobre a Flaskô - sucateamento da fábrica, processo
de ocupação e outras questões
As condições vivenciadas pelos trabalhadores da Flaskô demonstram um caráter
democrático no que tange as decisões através de conselhos e assembleias, para definir
salários, turnos de trabalho, condições de trabalho, mobilizações, festivais, acordos e
etc, mas é sabido das tensões que coexistem com as dinâmicas do trabalho, como as
cobranças por produtividade, que independentemente da condição da fábrica, é algo que
gera um mau estar o tempo inteiro, mau estar esse que advém das condições citadas
acima, aquelas que derivam da competição capitalista de mercado. Entende-se que este
elemento é de fundamental importância para que novas práticas surjam em meio a um
terreno que pouco estimula a criação de novas práxis, o mercado competitivo. Para
maior compreensão de que forma essa prática pode se concretizar não basta apenas o
reconhecimento dos elementos internos da fábrica, mas também elementos externos a
ela, que possui influencia direta, porém sempre tendo em mente as relações sociais de
produção envolvidas. No caso da Flaskô, questões como incentivo a crédito,
financiamentos do estado ou de terceiros é algo raro. Mesmo assim a fábrica se mantém
em atividade, mesmo que sobre inúmeras instabilidades. Essas instabilidades podem ser
vistas pela forma como o faturamento se comporta.
Enquanto o faturamento da fábrica chegou a atingir uma média de 800 mil reais
por mês, hoje em dia por uma série de problemas a fábrica tem um faturamento 3 vezes
menor. Para o Brasil, e para o mundo, a década de setenta marcou diversas mudanças na
realidade e no cotidiano das pessoas. Com as crises mundiais do petróleo, o Brasil
passou por instabilidades políticas e muitas dúvidas sobre o quadro econômico. Na
década seguinte, os reflexos continuaram, na medida em que negócios que até então
seguiam seu rumo sem nenhum problema começaram a enfrentar o recesso que
incendiaria a economia brasileira na década de 90. Até os meados dos anos 80, o Grupo
Hansen S.A. estava bem no mercado, até que ocorre a partilha dos bens entre os irmãos,
sendo criado o Grupo Tigre e a Coorporação HB S.A. O grupo foi desmembrado em
duas partes, e, como já explicado anteriormente, Eliseth Hansen e seu marido Luis
Bautschauer herdaram a CHB S.A. (constituída pelas empresas Flaskô, Cipla, Interfibra,
Profiplast e Brakofiz), e os irmãos Carlos Alberto Hansen e João Hansen ficaram com o
restante da S.A., que hoje é conhecida como Tigre S.A., uma das maiores marcas
multinacionais de tubos e conexão (DELMONDES; CLAUDINO, 2009).
Nesse contexto, Eliseth e Luís Bautschauer criaram a CHB S.A. e apostaram, de
acordo com Takayuki (2013), no processo de divisão das atividades operacionais da
CHB S.A., formando empresas juridicamente independentes, responsáveis por seus
lucros operacionais, gerenciamento do quadro de pessoal e do parque de máquinas etc.,
como forma de reestruturação da holding (TAKAYUKI, 2013, p. 59).
Para maior organização das atividades, as 39 empresas da corporação foram
distribuídas em holdings setoriais, dentre as quais a HB Consumo S.A. (Cipla: Material
de Construção; Produtos do Lar; Tubos, Mangueiras e Flexíveis; Tintas) e a HB
Industrial S.A. (Brakofix, Interfibra, Profiplast, Poliex, Glycerin e Flaskô)
(NAPOLEÃO, 2005, p. 4).
No início da década de 90, o Brasil passava por instabilidades políticas geradas
pelo governo Collor. Além disso, a CHB passava por reestruturações que, somadas às
políticas paliativas econômicas más sucedidas do governo Collor, reverteram-se em
resultados decrescentes para a CHB. Nem mesmo o drástico rol de medidas implantadas
a partir de 1991, como mostra o Quadro 1, surtiu o efeito desejado, conforme denuncia a
redução constante do faturamento que passou de US$ 154 milhões (1990) para 113
milhões (1991) e de 87 milhões (1992) para 81 milhões (1993) (NAPOLEÃO, 2005 p.
202).
Ademais, Napoleão destaca, como ilustra a (Tabela 1), que houve sucessivos
cortes de pessoal entre 1992 e 1993 que representaram a redução de mais de 1,2 mil
funcionários, ou seja, um corte de 36%, sem graves prejuízos à atividade operacional
pertinente à conjuntura de retração econômica vivenciada, considerando o
funcionamento ritmado por relevante capacidade ociosa (NAPOLEÃO, 2005, p. 202).
QUADRO 1 – Medidas de reestruturação empresarial da corporação HB instituídas em
1991
Fonte: NAPOLEÃO (2005).
É nesse período que começa haver enxugamento nos custos, demissões e
arrochos financeiros, cortes de pessoal e outros exemplos de sucateamento nas fábricas
do grupo, ou seja, o já mencionado processo de downsizing, gerado no período de
noventa pela abertura comercial.
TABELA 1 – Redução de pessoal na CHB entre jan/1992 e dez/1993
Fonte: NAPOLEÃO (2005)
Aquela década ainda ficou caracterizada pelos impactos negativos das
estratégias tomadas pela CHB. Analisando os relatos do Dieese (1997, p. 76), observa-
se:
que as respostas, uma vez implementadas, foram extremamente duras para os
trabalhadores. Configurou-se uma estratégia constituída de: 1) fechamento de
5 fábricas; 2) redução do quadro de pessoal de 5.401 para 1.711
trabalhadores; 3) diminuição de 215 para 51 chefes, além de diretores e
gerentes; 4) redução dos níveis hierárquicos de 7 para 3; 5) terceirização da
área comercial, com queda de 450 para 180 vendedores; 6) a informatização
da área de vendas reduziu de 222 para 33 vendedores; e 7) uma centralização
administrativa (DIEESE, 1997, p. 76).
Assim sendo, decidir sobre o dia a dia da fábrica é instância da qual todos devem
participar devido à criticidade da situação, porém as decisões devem ser tomadas da
melhor maneira possível, e uma das formas que isso pode ser feito é por meio do
conhecimento da cadeia de produção e dos padrões de concorrência do setor.
As “dificuldades desses empreendimentos em obter crédito para a substituição
de máquinas e equipamentos, bem como o acesso aos programas das agências de
fomentos governamentais” (DIAS, 2011, p. 67), é um problema causado por vários
fatores, desde a falta de confianças dos bancos nos empreendimentos até a inexperiência
dos trabalhadores em gerir os recursos. Nesse sentido, deveria haver um tratamento
aprimorado desses elementos, como a estabilidade financeira, a fim de que os
empreendimentos possam pensar em alternativas para saldar a dívida, manter a
produção e ainda o clima organizacional que dirige os esforços diários.
TABELA 2 – Faturamento da HB Consumo e HB Industrial (1989 e 1990)
Fonte: NAPOLEÃO, 2005.
A Flaskô, mesmo tendo particularidades frente ao mundo do trabalho, está
sujeita às mesmas condições de qualquer empresa. Haverá uma cadeia produtiva que
abrange o setor de transformação de plástico e se mostra necessária ser apreendida pela
fábrica, a fim de responder e agir no mercado:
O estudo da indústria de transformação de plástico a partir de uma
perspectiva de cadeias produtivas justifica-se na medida em que o
acirramento da competição das indústrias a jusante (ou seja, entre as
empresas que consomem produtos plásticos: automobilísticas, eletrônicas,
alimentícias etc.) e a montante (ou seja, as empresas de segunda geração
fornecedoras de resinas) tem levado ao enfraquecimento das relações
horizontais e intensificação do processo de alinhamento das empresas de
transformação de plástico nas diferentes cadeias produtivas (FLEURY et. al.,
2000, p. 2).
Neste estudo sobre a cadeia de suprimentos dos polímeros e da transformação de
plástico, realizado por Afonso Fleury e Maria Tereza Fleury (2000), constatou-se uma
diversificada quantidade de empresas pertencentes ao mesmo setor, bem como quatro
tipos de perfis entre elas, os quais os autores classificaram, conforme suas
especificidades:
a) empresas de transformação de plástico que estão alinhadas ou procurando
se alinhar em cadeias produtivas nas quais o elemento mais forte é aquele que
faz a intermediação direta com o mercado.
b) um segundo tipo de empresas de transformação de plástico, exemplificado
pela construção civil e utilidades domésticas, no qual a pressão a jusante é a
"normal de mercado", o que permite uma atuação menos tensionada.
c) um grupo de pequenas e médias empresas que atendem às demandas de
mercados locais, pulverizados, anônimos, com produtos que têm atributos de
qualidade e preço definidos de acordo com tais realidades.
d) outro conjunto importante, constituído por empresas "informais" que,
portanto, estão fora das estatísticas oficiais, mas cuja ação tem trazido
repercussões significativas sobre o funcionamento da indústria em geral.
Respondem a mais de 100.000 mil de empregos (FLEURY et. al, 2000 p. 2).
Por essas definições de Fleury et. al. (2000), a empresa Flaskô estaria situada na
última configuração, e, mesmo que a informalidade atinja a fábrica, essa conseguiu
manter relações com o Ministério do Trabalho, a fim de buscar soluções para a quitação
da dívida que possui com a União:
A Secretaria Geral da Presidência da República criou um grupo de trabalho
para propor soluções de continuidade da Fábrica Flaskô, produtora de
embalagens. A medida, publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta
segunda-feira (27), leva em conta a necessidade de regularizar a situação da
empresa, que possui débitos em Dívida Ativa da União superiores a R$15
milhões (PORTAL, 2015).
Isso poderia ser indício de que as estratégias da Flaskô têm de ser mais
abrangentes do que aquelas que o mercado pede e impõe, pois, se a situação de uma
pequena empresa é dificultada pelos fatores citados neste estudo, para uma empresa
com os passivos que a Flaskô possui, torna-se ainda mais difícil, na medida em que
dívidas dos antigos donos afetam os caixas da empresa.
Convém ressaltar que, se as concentrações econômicas no Sudeste, oriundas do
capital cafeeiro foram condicionantes para que houvesse uma aglomeração e tão logo
uma dispersão das empresas situadas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP),
para as demais regiões do interior, incluindo a Região Metropolitana de Campinas
(RMC), as políticas de abertura comercial dos anos noventa representaram uma
descaracterização da indústria brasileira, no sentido de que empresas multinacionais e
produtos importados substituíram a produção interna, cujos efeitos podem ser vistos no
atual déficit da balança comercial.
Isso também é visível, de acordo com Gusmão (2001), nas políticas de
downsizing verificadas em certos períodos da década de noventa, de maneira que as
políticas de dispersão puderam ser consideradas uma forma de reorganização da
estrutura econômica e urbana, que é o caso do movimento das indústrias da RMSP para
a RMC, como reflexo da acumulação flexível que mobiliza recursos do estrangeiro para
determinadas localidades. Vale lembrar que essas dinâmicas estariam ligadas à
transformação do espaço, não necessariamente levando em conta as discussões de meio
ambiente, cultura ou sociedade, mas apenas à busca por competitividade e vantagens.
Dessa forma, assim fica problematizado o cenário econômico em que a Flaskô
está inserida, ou seja, ela passa por esse processo de downsizing que culminaria no
fechamento da fábrica, se não fosse sua ocupação. Nesse sentido,
Embora possuam características diferentes, os empreendimentos
autogestionários estão inseridos num ambiente econômico em que
predominam as empresas privadas [...] Tais condições estabelecidas por este
ambiente impõem restrições [...] devido à divergência de objetivos desses em
relação a [...]empresas privadas (DIAS, 2011, p. 71).
Por outro lado, ainda que as dificuldades sejam imensas, tanto na questão da
produção quanto na forma como ocorrem as estratégias e as relações sociais que a
fábrica possui, quando o controle operário desenvolve estratégias, sejam essas de caráter
econômico ou social, Tauille (2009) afirma que “ao se recuperar coletivamente o saber
produtivo, por exemplo, a autogestão dá um passo na direção de reduzir ou mesmo, no
limite, superar o que Marx chamou de subsunção real do trabalho”.
Talvez, o mais impressionante seja uma empresa de pequeno porte conseguir se
manter concreta e simbolicamente no mercado, como uma das poucas fábricas ocupadas
no país que conseguem manter a operação. De modo geral, as características que são
sobressalentes a qualquer outra instituição dizem respeito à forma como a expropriação
da mais valia se dá. Porém, uma vez que são os operários que decidem o que fazer com
as retiradas, seus interesses e desejos estariam culminando na aplicação das retiradas
conforme a decisão coletiva, e, nesse sentido, uma decisão coletiva que aglutina os
desejos e a subjetividade das pessoas deve centrar esforços nas relações humanas e
sociais.
A autogestão é um campo onde as questões sobre emancipação política, humana
e social ficam evidentes na medida em que existem condições coletivas que permitem
que tais elementos possam ser discutidos e além disso ser colocados em prática, uma
vez que o elemento básico da expropriação da mais valia, a subsunção real e formal do
trabalho, são contestadas pela forma autogestionária de produção, havendo assim
condições para compreender a relação das pessoas com o mundo, tendo em perspectiva
o trabalho e as contradições impostas pelo metabolismo do capital.
Todavia, compreender o trabalho e as relações que ele implica é compreender
também a racionalidade capitalista e na medida em que esse esforço é necessário
compreender elementos da economia brasileira, da organização industrial e das
possibilidades dentro da economia.
Agora, um breve histórico sobre o elemento econômico que levou às dinâmicas
que resultaram no processo de dowsizing a qual a Flaskô sofreu as consequências e que
está presente nas experiências dos trabalhadores e entender também como a cadeia que
a Flaskô está inserida se comporta.
1.4 A cadeia de transformação de plástico
1.4.1 Conhecendo o setor de transformação de plástico
A investigação que ora pretende ser realizada não é aquela de cunho cronológico
dos fatos, mas um recorte baseado nos dados secundários presentes no setor, de forma
que a realidade com a qual a economia se preocupa possa ser vista de maneira mais
aproximada. Trata-se de entender como o setor em que a Flaskô está inserida se
comporta, quais são as estratégias por detrás da sua demanda, para, assim, verificar
como a fábrica responde às adversidades que enfrenta, e, em seguida, apontar que,
possivelmente, não apenas fatores relacionados às questões econômicas estariam
dinamizando as relações que a fábrica possui com a sociedade, como também aqueles
de cunho social. Desse modo, a preocupação aqui colocada é de cunho econômico, de
forma que essa base nos dê condições para entender como ocorre a atuação do controle
operário e fazer um paralelo entre as estratégias do setor de transformação de plástico e
aquelas tomadas pela fábrica, etapa essa que será realizada por meio da pesquisa de
campo.
Para Fleury (2000) a indústria de transformação de plástico está ganhando
importância estratégica na medida em que as aplicações do plástico: 1) tornam-se cada
vez mais numerosas e mais sofisticadas; 2) exigem o desenvolvimento de conhecimento
e competência específicos; 3) requerem, por sua vez, empresas dedicadas; 4) trabalham
ou não articuladas a cadeias produtivas.
O Brasil, como já vimos, desde que alcançou certo nível de industrialização, era
tão dependente do capital estrangeiro quanto as indústrias que surgiam no país. Em
outras palavras, “como reflexo da alta do volume das importações e baixa performance
das exportações, a balança comercial do setor de transformados plásticos acumulou
déficit de U$1,9 bilhão (R$ 3,3 bilhões). Um aumento de 40% no déficit comercial do
setor em relação a 2010” (COELHO, 2011, p. 16), ou seja, o mercado externo e o
capital estrangeiro consolidaram-se em terras tupiniquins. Isso trouxe uma série de
impactos para o setor e para a economia brasileira.
Segundo o economista do BNDES, Maurício Moreira, “os efeitos da abertura
econômica não foram muito fortes até 1992 [...], [enquanto] em 1994, as importações
representaram 16% do consumo aparente tanto de transformados plásticos quanto de
resinas termoplásticas” (GUSMÃO, 2001, p. 21). Assim, até 1999, o regime cambial
vigente favorecia o processo de inclusão tecnológica no sentido de estarem mais
acessíveis os produtos importados, insumos diferenciados e máquinas. Entretanto, se,
por um lado, fosse facilitado o acesso a novas perspectivas, por outro lado, as empresas
que não possuíssem os recursos necessários não teriam tal acesso. A falta de
recursos para investimento em tecnologia e a dificuldade de obter
financiamentos, no entanto, fez com que muitas empresas optassem por um
processo de downsizing [demissão de pessoal], passando a comprar
componentes importados com custos competitivos, ganhando alguma
produtividade sem necessidade de grandes investimentos (GUSMÃO, 2001
p. 21).
Dessa forma, no ano de 1998, “foi dado início ao processo de substituição de
importações, no qual cada empresa passou a buscar alternativas de fabricação nacional
para os itens que passara a importar na época da abertura de mercado e da
sobrevalorização do real” (GUSMÃO, 2001, p. 22).
Gusmão (2001) aponta ainda essa política como um elemento que dificultou a
grande parte das empresas em retomar o mercado que lhe pertencia:
As empresas nacionais têm tido que lutar para recuperar o mercado perdido
desde o início da década. Os fornecedores de matérias primas e de
equipamentos têm tido que se esforçar para conseguir fornecer produtos com
qualidade comparável a dos produtos importados que dominaram o mercado,
mas que hoje perdem pelo custo elevado (GUSMÃO, 2001, p. ).
Seja nos recentes relatórios da ABIPLAST ou nos dados coletados em outros
estudos, os produtos importados causam um evidente impacto no setor de transformação
de plástico. Se estivermos pensando na questão da competitividade, é importante
ressaltar que a consolidação desse fator conjuntural e seu resquício histórico é o
cotidiano das empresas do setor. O estudo se preocupa com a questão das importações,
pois acredita que, por meio da balança comercial, ter-se-ia um termômetro para
investigar a organização de um setor da indústria. Desse modo, em relação à questão
econômica das forças de aglomeração e dispersão, poderíamos associar o que diz
respeito às importações a uma alternativa dentro da acumulação flexível de expansão
dos mercados e ganho de competitividade; a uma maneira de se dispersar daqueles
antigos centros que passam a acumular tanto, a ponto de gerar deseconomias de escala,
de forma que tendem à promoção de importações em outros países e à
multinacionalização através de filiais que, dispersas pelo mundo, adaptam-se e criam
formas de concentrar e centralizar o capital.
Convém ressaltar a necessidade de observamos a composição do setor de
transformação de plástico. Fontes da Associação Brasileira de Plástico (ABIPLAST),
informa que (ABIPLAST, 2012 p. 5)
atualmente 1 1.690 empresas que empregam um total de 348 mil pessoas, a
Entidade além de incentivar ao longo das últimas quatro décadas o uso do
plástico nos mais diferentes segmentos, tem exercido ativa participação junto
aos órgãos governamentais, de forma a reivindicar medidas que atendam às
necessidades do setor. (ABIPLAST 2012, p. 5).
Quando olhamos para as ações estratégicas que configuram o futuro do setor e
compreendemos como o capital estrangeiro afeta o país, passamos a entender que o
déficit precisa ser gerido de maneira que a balança comercial não continue gerando mais
custos do que renda. Assim, COELHO (2011) sugere algumas propostas em dez áreas
diferentes, todas visando à maior capacidade de participação das empresas nesse setor.
A primeira área seria aquela de redução de alíquotas sobre as resinas plásticas e
ampliação do período de cobrança dos impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS), a fim de
aproximar data do recebimento das vendas com o pagamento dos impostos. E uma
proposta nessa primeira área seria a redução dos encargos sobre juros, encargos
relacionados a custos fixos, burocracia, custos logísticos, entre outros. Na segunda área,
o tema é investimento, ou seja, “melhorar a atratividade das linhas de financiamento do
Pró-Plástico que possuem exigências de financiamento mínimo muito elevadas”
(COELHO, 2011 p. 20) seria uma segunda maneira de incentivar a produção do setor.
Colocar as empresas nacionais na linha de frente para as necessidades da União, tendo
em vista que o governo desse preferência para tais aplicações, é uma terceira proposta
que visa à constituição de uma cadeia de produção que estaria sendo puxada pela
aplicação dos transformados nas áreas da saúde, construção civil e produtos de utilidade
doméstica. Novas aplicações para os transformados é outra área para a qual Coelho
aponta a necessidade de apoio. Assim, o próximo horizonte indicado pela cartilha de
proposta é o de apoiar a inclusão das empresas nas cadeias do pré-sal:
Incentivar a produção de plásticos de engenharia para compor revestimento
de tubos e componentes dos equipamentos para a exploração e produção em
águas profundas, [...] [bem como] a alta produção de petróleo e gás e
estimular a agregação de valor em subprodutos petroquímicos (resinas)
(COELHO, 2011, p. 23).
É apontada, também, a necessidade de agregar valor à cadeia dos produtos in-
natura e comodities agrícolas. Uma sétima proposta é o desenvolvimento de uma cadeia
de produção:
• Desenvolver novos compostos em parceria com fornecedores de matérias
primas para aumentar a qualidade, as especificações técnicas e novas
utilizações do plástico. • Promover programas de modernização do parque
industrial do setor de transformados plásticos. • Desenvolver o potencial de
criação em parceria com clientes de moldes e ferramentaria, promovendo a
inovação de produtos e processos. • Apoiar a criação de observatório de
prospecção de demandas futuras de clientes da cadeia, tais como dos
segmentos de construção civil, alimentos, higiene pessoal, automobilística,
utilidades domésticas, médico-hospitalar etc. (COELHO, 2011, p. 25).
E, quanto mais o desenvolvimento da cadeia for importante para o
desenvolvimento do setor e da balança comercial, mais investir nas pequenas e médias
empresas e indústrias de nosso país se torna uma condição para a evolução do setor,
ainda mais que, segundo COELHO (2011), o setor de transformação de plásticos é
composto em 95% por pequenas e médias empresas (PMEs).
Esse cenário se relaciona com a questão das forças de dispersão, pois, na
medida em que as empresas nacionais praticavam downsizing durante a década de
noventa, o mesmo setor era invadido pelo capital estrangeiro e por multinacionais.
Poderia-se dizer que, da mesma maneira que a Região Metropolitana de São Paulo
(RMSP) fica saturada pelas forças de aglomeração, gerando forças de dispersão
refletidas na ocupação na Região Metropolitana de Campinas (RMC), no contexto da
acumulação flexível, os centros globais também estariam saturados, estabelecendo
novas formas de relacionar com outros países por meio da aplicação do capital, emprego
e insumos de maneira internacional.
Sendo assim, as forças de dispersão e aglomeração podem ser verificadas em
nível global, refletidas na configuração de novos mercados e indústrias em locais até
então não explorados, que poderiam ser evidenciados pelo saldo da balança comercial e
pela quantidade de investimento direto estrangeiro em determinada indústria.
Voltando ao que menciona o professor Afonso Fleury (2000) em relação ao
saldo da balança e o setor de transformação, “a formação e o desenvolvimento da
indústria brasileira de transformação de plástico está em relativo descompasso com
essas tendências. Numa avaliação agregada, responde mal às demandas” (FLEURY,
2000, p. 5), o que faz o país recorrer à importação. O professor continua apontando que
No plano das empresas pode-se destacar a dificuldade de se estabelecer
estratégias e comportamentos empresariais cooperativos e uma orientação
programática de curto prazo. Com isso as condições para um alinhamento
proativo ficam prejudicadas e, na prática, a formação de cadeias passa a
depender de jogos de pressão e de força das empresas que comandam as
cadeias produtivas (FLEURY, 2000, p. 5).
Assim, vemos dificuldades na cadeia de transformação de plásticos, dada a
saturação de indústrias no setor, falta de incentivos, culminando na falta de
competitividade e capacidade de atender à demanda e competir com as empresas
internacionais.
Silva et. al. (2013 p, 18) caracterizam o setor como fragmentado, devido a tal
saturação bem como à ausência de uma cadeia de suprimentos integrada que não haja
disparidades nas arenas de barganha e negociação. No estudo, são apontados alguns
motivos para a fragmentação, como
reduzidas barreiras de entrada financeiras, de mercado e de conhecimento na
indústria; limitadas possibilidades de alcance de economias de escala na
operação da indústria; necessidades muito variadas do mercado, que tornam
mais diversas as linhas de produtos, o que contribui para sacrificar economias
de escala; pouca vantagem do tamanho para lidar com clientes e, sobretudo,
fornecedores, normalmente empresas de maior porte; custos de transporte
elevados em relação ao valor dos produtos em diversos segmentos em função
dos volumes transformados; dificuldades de consolidação na indústria em
função da elevada informalidade existente, que pode originar elevados
passivos para as empresas adquirentes; um histórico de reduzida qualificação
de recursos humanos e disponibilidade de capital na indústria (SILVA et. al.,
2013, p, 18).
Os mesmos autores utilizaram uma metodologia baseada em questionário para
identificar as estratégias utilizadas por cerca de mil indústrias que se relacionavam com
a empresa Brasken e/ou o BNDES. Dessa forma, Silva et. al. (2013, p. 161) se
preocuparam com variáveis relacionadas à renda e produção cujas principais estratégias
verificadas foram aquelas relacionadas a: resina plástica e sua utilização; processos
utilizados na transformação; mercados e atuações finais dos produtos; canais de
escoamento; receita líquida e vendas; quantidade de quilos transformados; número de
funcionários; retorno do patrimônio líquido; rentabilidade de vendas e crescimento
anual das vendas.
O questionário foi enviado para 1.131 empresas associadas à Abiplast,
clientes da empresa Braskem ou do BNDES, nos meses de junho e julho de
2013. A lista de clientes da Braskem configura uma amostra de empresas de
maior porte, capazes de adquirir resinas plásticas em uma escala compatível
com as vendas efetuadas de maneira direta pelo fabricante. A lista de
associadas à Abiplast representa empresas localizadas predominantemente no
estado de São Paulo, e a lista de empresas clientes do BNDES caracteriza-se
por ter empresas de maior porte, capazes de apresentar projetos diretamente
ao banco de (SILVA et al. 2013 p. 161).
Os resultados da pesquisa puderam revelar que a origem da referida
fragmentação “na indústria estão na origem da reduzida rentabilidade das empresas do
setor de transformação de plásticos, seja em termos locais ou internacionais” (SILVA et.
al., 2013, p. 166) e “seu progresso poderá ser acelerado com iniciativas: (1) ao alcance
das empresas, associadas a suas escolhas estratégicas; (2) de apoio financeiro, para o
qual o BNDES desempenha um papel relevante; e (3) de políticas públicas”. (SILVA,
et. al., 2013, p. 166). Também “cabe apontar a relevância das características internas das
empresas, não abordadas na pesquisa, como sua capacidade de gestão,
reconhecidamente limitada na indústria de transformação.” (SILVA et. al. 2013, p 165)
Percebemos que a pesquisa ficou limitada pelas variáveis escolhidas que giram
em torno da renda e pelas características que as empresas teriam em comum, no caso a
relação com BNDES e Brasken. No entanto, os resultados estavam relacionados à
renda.
Enfim, tal como a pesquisa com base nas entrevistas aponta, ficam claras as
dificuldades que o setor enfrenta, o que lhe é mais relevante, o que tem relação nas
questões da organização industrial e das políticas econômicas que o país tem adotado, e,
dessa maneira, o setor de transformação de plástico fica problematizado sob diversos
aspectos econômicos. Vejamos outros detalhes que recai sobre a existência da fábrica e
configura diretamente as relações sociais e o território político produtivo da fábrica.
1.4.2 Estratégias de competitividade do setor
De acordo com as reflexões de Gusmão (2001, p. 120), “o conhecimento das
características de concorrência predominantes no mercado de embalagens plásticas é
essencial para que se possam identificar as estratégias que podem trazer vantagens
competitivas para uma empresa que concorre neste mercado”, ou seja, a Flaskô precisa
entender como as estratégias do seu setor se comportam, ainda que essas não sejam as
únicas que ela tem que ter em vista. É dito isso, pois a autogestão tem suas limitações,
mas, quando um empreendimento é gerido sobre tal perspectiva, é interessante que
esteja claro o meio em que está inserido, de forma que a autogestão possa responder da
melhor maneira às adversidades do mercado.
Ao compreendermos que a Flaskô compõe a terceira geração de transformação
de plástico, é importante notar que, “nas duas últimas décadas, não houve grandes
investimentos no sistema produtivo, seja em termos de processo, produto, ou recursos
humanos. Isso acarretou uma baixa rentabilidade em termos produtivos ou uma
subutilização da capacidade instalada” (CERQUEIRA e HEMAIS, 2001), o que nos
leva a entender o porquê de as importações terem ocupado parte significativa do
mercado.
As empresas de terceira geração dentro deste setor de embalagens plásticas, em
sua maioria, são empresas de estrutura típica familiar, de pequeno ou médio porte, que
transformam quantidades variadas de plástico, de acordo com a capacidade instalada,
entre 5t a 150t/mês de polímeros, empregando processos de injeção, extrusão, sopro,
termoformação, compressão (CERQUEIRA e HEMAIS, 2001 p. 2), por isso necessitam
de apoio de forma a não se tornarem reféns dos clientes e fornecedores presentes em
outras etapas da cadeia. Para isso:
É necessário que ocorram mudanças de comportamento nos diversos
segmentos envolvidos no processo produtivo, tais como governo, empresas,
organismos de pesquisa e consumidor, conforme aponta Bethlem (1999),
quando comenta a necessidade de se encontrar modelos estratégicos
apropriados para o Brasil, em função das peculiaridades gerenciais
(CERQUEIRA e HEMAIS, 2001, p. 2).
Nesse sentido, os autores apontam a saída pelas vias tecnológicas como forma de
a indústria brasileira poder competir com o crescente avanço das empresas estrangeiras,
essas que possuem tecnologia à frente das nossas. Assim sendo, é importante que a
preocupação com a tecnologia esteja relacionada com o
Estabelecimento de uma política empresarial sintonizada com as mudanças
ambientais e tecnológicas; investimentos em programas de P&D, nos quais
destacam-se o design de produtos; implementação de atividades de inovação
tecnológica; ações conjuntas entre empresas e governos para implantação de
programas nacionais e regionais de inovação tecnológica (CERQUEIRA e
HEMAIS, 2001, p. 2).
Entretanto, nota-se que a principal problemática dentro do setor, ainda que as
questões estratégicas relacionadas ao desempenho produtivo e competitivo estejam
relacionadas à tecnologia e P&D, é o relacionamento entre os agentes da cadeia
produtiva. Ele é um complicador, devido às disparidades entre o poder de barganha de
cada agente. Compreende-se que a dinâmica da cadeia produtiva de embalagens
plásticas sofre maior influência dos atores que introduzem as grandes inovações
tecnológicas, que são os clientes industriais, os fabricantes de resinas, equipamentos e
moldes (GUSMÃO, 2000, p. 132), de forma que “parece clara a necessidade das
empresas de transformação de plásticos se organizarem de maneira a defender seus
interesses, para ganhar força na relação com os demais elos da cadeia, em geral
representados por empresas de maior porte” (GUSMÃO, 2001, p. 132).
Todavia, é sabido que inúmeras empresas informais acabam vendendo produtos
de baixa qualidade por menor preço, afetando diretamente o mercado, e, por isso, é
necessário também uma política que capacite as pequenas e médias empresas, para que
não haja as informalidades e consequentes precarizações do trabalho.
Outra estratégia que se mostra relevante nesse setor é a questão da diversificação
de produtos em segmentos específicos, porque “a diversificação exagerada, com
penetração em diversos segmentos de mercado, pode levar o fabricante a uma
superficialidade que comprometa seu desempenho e dilua seus esforços produtivos e
tecnológicos” (GUSMÃO, 2001, p. 134). Nesse sentido, tendo a Flaskô e seu modelo de
gestão como objeto, é importante notar quais elementos que compõem a competividade
do setor têm permeado a fábrica. Isabella Gusmão (2001) apresenta em seu estudo de
doutorado três componentes que constituem a base de competitividade na fabricação de
embalagens plásticas:
FIGURA 3: Base da competitividade na fabricação de embalagens plásticas
Fonte: GUSMÃO, 2001, p.136.
Assim sendo, a importância de estudar a história da economia brasileira é
fundamental, principalmente para compreender os desafios e as problemáticas dos
setores, no caso, a indústria de transformação de plástico.
Fica claro que questões técnicas e relacionadas às forças de produção, como é o
caso da tecnologia e desenvolvimento em P&D, são essenciais, mas a questão das novas
relações é tão importante quanto, como aponta Gusmão (2001, p. 137), ao evidenciar a
“forte presença de concorrência desleal de empresas informais” mas que por outro lado
é fortemente rebatida por empresas que monopolizam o mercado e a cadeia de
transformação de plástico. Dessa forma, a busca por novas relações sociais, a fim de que
as desigualdades de diálogo dentro do setor possam ser superadas, é uma das
características que compõe a maneira pela qual as estratégias nele se encaminham para
resolver os problemas. De certa maneira, a relação do setor que a Flaskô compõe ocorre
com diversos atores, e ela, ao ser observada pela perspectiva da barganha, verá que
empresas da terceira geração terão seu poder de negociação reduzido.
A questão das resinas é outro ponto que deve ser levado em conta, pois revela a
necessidade de maior convergência de interesses na cadeia produtiva.
Pois bem, todos esses elementos dizem respeito às novas relações que devem ser
criadas, tendo em vista os processos de abertura comercial terem desacelerado o
processo de desenvolvimento industrial, gerando déficits, como é o caso da balança
comercial negativa do setor de transformação de plástico.
Assim sendo, algumas problemáticas e estratégias ora apresentadas expõem para
quais elementos econômicos a Flaskô poderia se atentar, de forma a compreender tanto
a cadeia em que está inserida quanto o setor em que se encontra. De maneira que
entender a estratégia do setor é mais uma forma de aprimorar a capacidade de resposta
da fábrica e dos trabalhadores, do que propriamente confirmar a utilidade das
ferramentas da TGA.
Entretanto, é sabido que a Flaskô deve atentar não apenas para as questões
econômicas. Assim, elementos que envolvam novas relações sociais entre os membros
da fábrica devem ser observados, bem como as discussões que perpassam tais relações.
E, nesse sentido, da mesma forma que se buscariam novas relações na cadeia de
produção, essas novas relações deveriam ser estimuladas no interior das fábricas.
Dessa maneira, ainda que em nível macro, a cadeia esteja buscando novas
relações a fim de promover uma ‘sinergia’ e consequente produtividade, em nível
micro, novas relações são visionadas a fim de que o trabalho seja valorizado como
representa o caso da Flaskô. Entretanto quando vemos na totalidade o que encontramos
são as mesmas regras e condutas que desgasta as relações sociais de produção em prol
da acumulação capitalista. Uma coisa é certa: quanto mais a economia condiciona a
conjuntura e o contexto, mais as saídas criadas buscarão uma superação nessa esfera.
Diante disso, há a necessidade de incluirmos outras discussões, como as
relacionadas à alteração do espaço e da sociedade, ao meio ambiente e à cultura, para
além das questões econômicas. A autogestão, como um modelo, está longe de ser
massificada, mas poderia trazer essas outras discussões para as agendas da
administração e dos modelos de gestão. Nesse sentido, é claro que a autogestão no
interior da fábrica Flaskô pouco influencia o mercado. Entretanto, do ponto de vista
social, quando a Flaskô materializa uma ocupação pelos trabalhadores e propõe a
tomada das forças de produção pelos mesmos, isso faz com que a sociedade e os
tradicionais agentes do mercado vejam como algo análogo ao mercado, como se a
Flaskô devesse ser extinta.
Assim, torna-se necessário verificar também quais as dificuldades internas de
cada empreendimento autogestionário, para que possam enfrentar de maneira
consistente os ataques do sistema e dos fluxos capitalistas. é de grande importância
buscar no trabalhador que está no dia a dia nas fábricas formas para que se evidenciem
as necessidades e também os anseios, que em um tal cenário, já estaria envolto da
consciência sobre a luta de classes e da necessidade de tomada dos meios de produção
visando uma nova organização social. . Se a autogestão for capaz de apontar para tudo
isso, apontará também que o trabalho se emancipe e não retroceda frente ao capital, com
a possibilidade, ainda, de concatenar aos estudos autogestionários e solidários os
elementos relacionados à cultura, sociedade e meio ambiente.
1.5 Um breve relato sobre urbanização na RMC
O processo de sucateamento e abandono da Flaskô dos anos 1990 até 2000 foi
decorrente do crescente número de empresas, indústrias e firmas que, buscando fugir de
uma competitividade cada vez mais acirrada no centro do estado, espalharam-se pelo
interior, gerando um movimento de dinamização da competitividade e, assim, acirrando
também a concorrência no interior do estado.
Em outras palavras, como já foi discutido anteriormente, a abertura econômica
dos anos 90 instigou a competitividade e saturou o principal polo industrial e comercial
brasileiro, representado pela Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), devido à
entrada de multinacionais e ao incentivo do governo às grandes indústrias, o que gerou
um efeito reverso do crescimento econômico, caracterizado pelas deseconomias de
escala.
Com essa concentração gerando esse acirramento da competitividade, diversas
indústrias se deslocaram para o interior do país, principalmente para a Região
Metropolitana de Campinas (RMC), tendo em vista a sua estrutura rodoviária. Por
conseguinte, também houve um acirramento da competitividade na RMC, de forma que
as pequenas e médias empresas sofreram os efeitos da abertura comercial.
Isso gerou uma série de impactos socioeconômicos no interior do estado, e a má
administração e consecutiva falência da Flaskô seria mais um caso dentre outros, se não
fosse uma particularidade que especialmente a caracteriza e: o fato de que foi ocupada
pelos trabalhadores.
Helena Fonseca, ao estudar a atual urbanização de Campinas, remete-se a Milton
Santos para revelar como a favelização e a marginalização de determinadas populações
têm relação com a crescente e desordenada urbanização na cidade de Campinas,
iniciada durante os anos 70 pela desconcentração industrial e que permanece até hoje:
“neste contexto, em que a urbanização é impulsionada por interesses corporativos,
intensificam-se a periferização, a segregação e o empobrecimento principalmente nas
grandes cidades brasileiras” (SANTOS, 1987, 1993, 1996, CORRÊA, 2000 in
FONSECA, 2010, p. 1) e disto decorre conforme CANO e BRANDÃO(2002) que
a expansão da malha urbana empurra o pobre para espaços cada vez
mais distante do núcleo metropolitano, onde se encontra a oferta de
emprego, ou para a ocupação irregular de terra e favelização, ao
mesmo tempo em que assegura a constituição de reservas de valor na
forma de capital imobiliário (CANO, BRANDÃO 2002).
É importante salientar, “como a cidade se torna, cada vez mais, um espaço que
se organiza para abrigar as grandes firmas, isso reduz os recursos públicos possíveis de
serem destinados à população, agravando a crise social.” (SANTOS, 1994ª p. 50), de
maneira que movimentos sociais, propostas alternativas, novas práticas de organização
como a economia solidária, também são colocadas de escanteio.
Dessa forma, aquelas forças de aglomeração são, do ponto de vista da economia,
elementos a serem considerados para um determinado crescimento econômico. Não que
necessariamente as forças de aglomeração não foquem em elementos sociais e
ambientais, mas sim na capacidade de competição, gerando, portanto, uma ocupação
urbana desordenada e desigual. Assim, essa urbanização e industrialização foram
responsáveis pela elevação da população nas cidades periféricas, onde, ao mesmo tempo
em que se empregava a mão de obra, não obrigatoriamente se idealizava a devida
infraestrutura e acesso para bens e serviços a sua população. “Em síntese: ocorre um
processo dual na mobilidade populacional entre os municípios integrantes da RMC. De
um lado a periferização de mão de obra pouco qualificada, e, de outro, a concentração
de classes mais abastadas no núcleo metropolitano” (ORLANDO, 2003, p. 11).
A ocupação urbana periférica de baixa renda consolidou-se no vetor
sudoeste, com a incorporação de áreas situadas além da Rodovia
Anhanguera, com a cidade expandindo-se na direção das cidades de Paulínia
e Jaguariúna, o eixo norte-nordeste é outro forte vetor de expansão urbana e
tem se destinado à habitação das camadas de renda média e alta e a
localização de indústrias e centros de pesquisa de alta tecnologia [...] e de
grandes centros de consumo de porte regional (shopping centers,
hipermercados, casas noturnas, dentre outros) (CANO, BRANDÃO,
FERNANDES 2002 P. 47)
Nota-se que a urbanização, bem como as atividades econômicas existentes
nessas regiões periféricas, iria se configurar de uma maneira não necessariamente
prevista, devido aos fluxos migratórios, gerados pela descentralização e
desconcentração da população que, ao se descolar para a região industrial, pode não ter
condições para se estabelecer dado a elevação do preço imobiliário. Este é um dos
fatores que traz consigo a imprevisibilidade, pois não se sabe quantas pessoas podem
passar a se deslocar, aumentando também a vulnerabilidade, na medida em que não há
condições de aprimorar a capacidade de resposta a tal necessidade de maneira tão rápida
quanto o contínuo fluxo migratório. Nesse sentido, as pequenas e médias indústrias, os
serviços que conectam periferia e centro, os deslocamentos regionais são fatores a
serem considerados para maiores esclarecimentos acerca da vulnerabilidade na cidade
de Sumaré e da RMC.
Existem muitos outros fatores, para além do econômico, mas, por ora, é sabido
que a indústria brasileira se configurou a partir da concentração comercial do capital
cafeeiro na região Sudeste que, a partir dos anos 70, passou a ser descentralizada com o
deslocamento da indústria da capital para o interior. Nesse período, a indústria do
Sudeste apresentou o problema das deseconomias de aglomeração, ou seja, a própria
concentração das atividades nesta região acabou se descentralizando, visando a novas
forças aglomerativas. Assim, as indústrias foram para as regiões mais favoráveis (São
José dos Campos, Campinas, Ribeirão Preto), e esse movimento acabou gerando novas
dinâmicas de migração, crescimento urbano desordenado e elevação dos preços
imobiliários, incidindo diretamente na periferização e centralização da população e das
atividades suburbanas.
Como já foi pontuado, é nesse contexto de desconcentração da indústria e da
economia do centro de São Paulo para o interior que a Flaskô surgiu, e em um local
estrategicamente favorável para o comércio entre o eixo interior-capital, no entanto
situada em um bairro periférico da cidade de Sumaré que sofreu as consequências da
periferização e marginalização da população devido a esse crescimento econômico.
Em linhas gerais, é possível avaliar que as regiões que possuíam atrativos para o
comércio cafeeiro dentro do estado de São Paulo, durante a década de 20, foram
também as que receberam parte da industrialização dos anos 70-90, devido a uma
estrutura primitiva oriunda do capital cafeeiro, a qual serviu como alicerce para a
estabilidade industrial na região em que a fábrica ocupada Flaskô se insere, a Região
Metropolitana de Campinas (RMC), caracterizada pelas forças marshallianas
(aglomeração).
Dessa constatação, verifica-se que, a partir dos anos 1990, essa mesma região
sofre as consequências da abertura econômica e dos projetos neoliberais, fazendo com
que inúmeras fábricas se quebrem e venham à falência, inclusive a fábrica Flaskô, que
não era ocupada naquela época. A falta de habilidade administrativa e de competência
dos antigos patrões levou à falência da fábrica, já que a região em que estava era
extremamente competitiva. Assim, nesse cenário, os operários ocuparam e passaram a
organizar a fábrica.
Esta seção do trabalho se preocupou em fazer uma contextualização do objeto
estudado, buscando compreender como a desconcentração das atividades industriais do
estado de São Paulo configurou as atividades da RMC nas quais se comporta o caso da
ocupação da fábrica Flaskô. Entretanto, uma importante característica identificada é a
de que só a economia não é suficiente para compreender a racionalidade capitalista, por
isso se faz importante compreender o caso de como a fábrica ocupada Flaskô permanece
até hoje.
Não se pode perder de vista o fato de que
estaremos conceitualmente desarmados para uma análise das alternativas a
um planeta uniformizado economicamente e culturalmente, ou seja, onde
atitudes de aproximação com o mundo e com os outros são todas planejadas
por quem detém a informação e o poder (HOLZER, 1997 p. 84).
Por isso, a necessidade de verificar os elementos que, tal como a economia,
constroem a racionalidade capitalista da qual os levantes autogestionários, como a
Flaskô, fazem parte.
Ainda assim, é recomendado também entender como a organização do setor em
que a fábrica está se estrutura. Por isso, a próxima seção deste trabalho trata do ponto da
cadeia de suprimentos ao qual a Flaskô pertence, a fim de compreender, portanto, como
a fábrica se estabeleceu em um território que foi orientado pela ordenação via
organização industrial do espaço, bem como aqueles fatores de descentralização e
aglomeração, para posteriormente compreender que não são apenas elementos de cunho
econômico que delimitam o território, mas também, e dentre outros, a sociedade civil
organizada.
2. AS CONDIÇÕES QUE DELIMITAM O TERRITÓRIO E O
TRABALHO, PARA ALÉM DA ECONOMIA
2.1 Território e subjetividade
Quando estudamos o território logo vem a mente uma série de figuras, imagens,
construções que podem contribuir para a compreensão da realidade e de um objeto. Os
processos de urbanização revelam inúmeros elementos, desde a segregação sócio
espacial, até as formas de resiliência e adaptação nos territórios.
O capítulo anterior se preocupou em fazer uma breve descrição dos impactos
que a desconcentração econômica brasileira gerou na RMC, de forma que isto afeta a
região a qual a Flaskô se aloca, uma região onde o processo de industrialização decorreu
na periferia da cidade de Sumaré, tendo em vista aproveitar o escoamento
proporcionado pela rodovia Anhanguera e o eixo capital interior do estado de SP. A
Flaskô está atualmente localizada em uma região periférica de maneira que os fluxos
econômicos gerados pelas indústrias tendem a ir para outras cidades da região. De
maneira que ao olharmos sob uma perspectiva econômica do território, veremos mais
uma fábrica como qualquer outra atuando na periferia de uma cidade de interior.
Entretanto é quando observamos outros fatores não econômicos dentro da Flasko, que
vemos o potencial que as atividades geram na localidade. Além disso um aspecto como
a decisão sobre os resultados produtivos e a aplicação de suas retiradas Isto decorre da
forma como o território é compreendido e transformado pelos trabalhadores
organizados.
Quando estudamos uma fábrica como a Flaskô podemos observar as dinâmicas
do território e da subjetividade enquanto categorias de análise, mas que aqui
utilizaremos para descrever um pouco de como o território é um conceito importante
para identificar como as relações sociais de produção ao se desenvolverem dentro de
uma fábrica ocupada, possui particularidades na questão da organização dos meios de
produção. Conforme Milton Santos (2014),
O território tanto quanto o lugar são esquizofrênicos, porque de um lado
acolhem os vetores da globalização, que neles se instalam para impor sua nova
ordem, e, de outro lado, neles se produz uma contraordem, porque há uma
produção acelerada de pobres, excluídos, marginalizados (SANTOS, 2006, p.
114).
A ideia de Milton Santos pode ser verificada na realidade da fábrica na medida
em que elementos externos como os fluxos de mercado internacional e a ideologia
política internacional, afetam a realidade da fábrica e da localidade que ela está inserida.
Ora, se elementos tão distantes afetam a fábrica, como que isso incide dentro do
contexto da fábrica? Há diversos exemplos dos quais podemos verifica os impactos dos
fluxos internacionais dentro da Flaskô, seja um país que para de negociar com o Estado
brasileiro, seja a mídia nacional pressionando através da ideologia política, de forma
que elementos que não estão no território da fábrica (e em alguns casos nem no país)
incidem na forma como ela funciona, e isso decorre da forma como o território se
transforma. Daí que é interessante verificarmos como se dão os processos de mais valia
em empreendimentos autogestionários e identificar suas particularidades a respeito do
modelo de gestão. Como os trabalhadores se organizam? Como a solidariedade é
estimulada? Como a subjetividade e o território são importantes para o desenvolvimento
do capital? Fica aqui uma reflexão acerca dos pensamentos do geógrafo no sentido em
assumir que a potencia da transformação do território está nas relações sociais (e
humanas) de produção, e não no meio técnico científico, tendo em vista que este nunca
será neutro, sempre atenderá algum objetivo, perspectiva ou agenda. Todavia a
contribuição de Milton Santos está em identificar o quanto a tecnologia influencia na
reprodução do metabolismo social do capital, no termo ‘meio técnico científico
informacional’. A tecnologia portanto tem um papel fundamental no entrelaçamento das
relações sociais com a reprodução do capital, seja na configuração das dinâmicas
territoriais ou no comportamento do ser humano na sociedade.
Neste caminho quando pensamos que há elementos externos que afetam o
território e a psique humana, em diversas escalas, podemos observar que as pessoas e
grupos que convivem em um território possuem sempre um caminho de entrada e saída
do território, há sempre a necessidade de levar as características do território adentrado,
em outros lugares, de maneira que “não há território sem um vetor de saída do território,
e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um
esforço para se reterritorializar em outra parte” Gilles Deleuze (1997). Isto significa que
sempre quando estamos em um território, influenciado por diversos vetores, sejam eles
locais ou globais, sempre buscamos formas de como realizar uma entrada ou saída deste
território. De maneira que ao realizar este movimento de entrada e saída, sempre
levamos conosco ‘partes do território’. Na medida em que saímos de um território,
poderíamos pensar que sofremos as ‘reconfigurações’ que este território proporciona, e
assim quando chegamos em outros, tendemos sempre a se reconfigurar para entender os
símbolos e coisas deste novo território, tendo em vista os territórios anteriores que
foram visitados, de uma maneira que experiências e vivências são acumuladas. Neste
movimento exaustivo de compreender os desdobramentos da influencia que o território
sofre com as dinâmicas sociais, tanto mais a subjetividade humana se reconfigura a todo
momento. “Isto sem esquecer o território como espaço no qual se produzem modos de
ser, de se relacionar, de amar, de consumir, alguns engajados na grande máquina
capitalista, outros que resistem a sua captura” (ARAÚJO, YASUI, 2014. p. 606), de
maneira que fazer esta captura é a única possibilidade que o capital tem para a sua
reprodução. Esta captura se dá pelo fato de que,
a tendência do capital é aumentar cada vez mais sua composição orgânica. Isto
implica que há uma diminuição relativa de capital variável em relação ao
capital constante. O resultado deste processo é a diminuição progressiva da
taxa de lucro. Só quem gera valor novo é a força de trabalho. Se esta, no
processo produtivo, diminui progressivamente, também, progressivamente
diminui a quantidade de valor novo, portanto, de mais-valia incorporada nas
mercadorias. (MAIA, 2012 p. 188)
Em outras palavras se as relações sociais de produção se dão pela interação de
territórios e pelas relações humanas em sociedade, onde o capital estabelece uma
relação que depende do controle da força de trabalho para sua acumulação, onde esta
força de trabalho é um capital variável e que, portanto se esgota em relação ao capital
constante, como o capital poderia sobreviver? Esta pergunta recai naquilo que Marx
aponta como a “lei tendencial da quedada taxa de lucro”. Essa lei é decrescente no
sentido de que o processo de exploração da mais valia precisa aumentar cada vez mais
de maneira que a riqueza se expanda, pois essa possui taxas decrescentes, ou seja, ela se
reduz se não tiver taxas de exploração do trabalho constantes e que equilibrem a taxa
decrescente de sua reprodução. A discussão realizada no âmbito das relações sociais de
produção é que a riqueza é social, construída coletivamente e neste sentido não deve ser
propriedade particular de alguns grupos. Assim, esta realidade da reprodução do capital
é rebatida pela forma como as classes que vivem do trabalho respondem frente à sua
dinâmica: contestando a exploração do trabalho na medida em que os salários são
ajustados, as cargas horárias são diminuídas, os direitos são conquistados, greves
acontecem, sindicatos agem, fábricas são ocupadas e etc. Em outras palavras, a riqueza
se desgasta, então como fazer algo que se desgasta constantemente continuar gerando
lucros? Investindo determinada quantia para a manutenção do desgaste, mas apenas o
mínimo para manter seu funcionamento. Ao pensarmos, por exemplo, na reposição de
produtos que acabam e se esgotam, pode ser feito pulmões e estoques (para lembrar da
logística), de maneira que a continuidade da produção mantenha as taxas em um
equilíbrio de maneira que os custos não ultrapassem os rendimentos. Além disso, é
possível criar um “bando de reservas” para eventuais contra-tempos, o exército
industrial de reserva. Daí que entra o papel do entendimento da luta de classes e seu
enfrentamento, tendo em vista que é este embate que faz com que a mais valia possa ser
enfrentada e compreendida. E isso porque a reprodução do capital depende do quanto o
trabalho é explorado, e assim se a reprodução da mais valia se estende para além dos
meios de produção, indo para além do controle dos ritmos de trabalho e dos meios de
produção, atingindo portanto a esfera do mundo da vida, as relações sociais e humanas
que são estabelecidas estarão tanto mais sendo controladas para esta reprodução
capitalista. Daí que tanto o território e seus fluxos, bem como a subjetividade das
pessoas dentro e fora dos meios de produção tendem a ser capturados por relações
sociais capitalistas, evidenciadas pela subsunção do trabalho ao capital, no fetiche pelas
coisas, na relação entre empregados e não empregados, bem como na velocidade dos
fluxos materiais e informacionais.
Na medida em que se percebe as particularidades da Flaskô, tanto de uma
perspectiva materialista em que se apresenta uma dinâmica de disputa de luta de classes,
quanto de uma perspectiva fenomenológica que apresenta que há fluxos de construção e
desconstrução constante do território, vemos as pessoas e a construção de seus modos
de vida em meio ao território político produtivo. “Em outras palavras, ir ao encontro do
território é estar atento para os modos de organização, de articulação, de resistência e de
sobrevivência que as pessoas que ocupam esses espaços vão inventando no seu
cotidiano” (ARAÚJO, YASUI, 2014. P. 603). Assim sendo,
“Um território antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares
hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários... No interior
deste espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação
entre o enraizamento e as viagens...A territorialidade se situa em
junção destas duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é
fixação e o que é mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários
e os lugares” (BONNEMAISON, 1981 p. 253 – 254, in HOLZER,
1997 p. 83)
Assim sendo, os trabalhadores da Flaskô vem e vão do território, e ainda há
aqueles que lá vivem. Essas dinâmicas afetam o território político produtivo da Flaskô,
sem contar que os elementos exógenos à fábrica tanto mais a reconfigura. Além disso,
podemos observar que todos aqueles que passam pela fábrica, dos trabalhadores, aos
artistas e estudantes, carregam consigo os anos de ocupação, as tristezas e alegrias do
movimento de fábrica ocupada, e querendo ou não uma reflexão crítica sobre a
existência dos meios de produção e como podem ser utilizados, bem como a
necessidade de novas relações sociais de produção.
Esta necessidade se vincula ao enfrentamento do modelo vigente, caracterizado
por inúmeros elementos que dentre eles necessita da superpopulação relativa, da
subsunção formal e da subsunção real do trabalho para manter o funcionamento, como
veremos nos capítulos a seguir, sendo este um elemento que acentua e reproduz a
desigualdade social, uma dinâmica global. E isto não é algo recente
Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto Comunista já destacavam
o caráter globalizador do capitalismo. O capital, em seu processo de
reprodução, se expande tanto em profundidade - reordenando modos
de vida e espaços já organizados e consolidados - como em extensão -
através da incessante incorporação de novos territórios. Estes
movimentos dialeticamente conjugados conduzem, tendencialmente, à
produção de um espaço global (HAESBAERT & LIMONAD, 2007,
p. 41)
De uma maneira que os fluxos contrários à reprodução de relações sociais de
produção desiguais ao se colocarem enquanto resistência frente ao processo
descaracterizador, desterritorializador e deformador do modelo vigente estariam
evidenciando um “processo de fragmentação, que se manifesta na forma de exclusão,
reforço de desigualdades etc e constituem, assim, o polo oposto aos processos
hegemônicos pretensamente homogeneizadores” (HAESBAERT & LIMONAD, 2007
p. 41), da organização social. Ou seja, quando as relações sociais de produção desiguais
saltam aos meios de produção, o caráter liberal do capitalismo pode ser visto não
enquanto organização, mas desordem. Daí a potencia do controle operário em reparar
um dano social, causado pela pretensão capitalista (que culmina no abandono e
sucateamento da fábrica), na medida em que paga dívidas deixadas pelos antigos donos,
mantem o funcionamento e reproduz relações sociais particulares em seu território.
Essas e outras condições políticas, econômicas e da organização do trabalho, fazem com
que o território da Flaskô seja único.
2.2 A importância dos movimentos sociais na identificação de vulnerabilidade
social como participação política e coletiva
A fábrica Flaskô, gerida há mais de 13 anos pelos trabalhadores faz parte
também de um movimento social que reivindica a tomada dos meios de produção pelos
trabalhadores organizados. Desta maneira, compreender o papel dos movimentos sociais
e sua intenção faz parte do entendimento de como novas relações sociais de produção
podem ser pensadas.
Para pensarmos melhor como os movimentos sociais estão se interagindo com
tais problemáticas, é importante notar que a origem deles deve ser associada a
um papel histórico maior do que simplesmente revelar as tensões e
contradições sociais de cada momento histórico. Eles são, acima de tudo, uma
bússola para a ação social, impulsionando o campo social para formas
superiores de organização e buscando a institucionalização jurídico-legal das
conquistas (BEM, 2006, p. 1137),
e assim fazem, desde a luta pela emancipação feminina até por melhores
condições de trabalho.
Compreender as relações existentes ou possíveis entre politicas publicas e
desenvolvimento demanda uma reflexão profunda sobre a racionalidade que informa
ambos, especialmente a ideia de desenvolvimento que se apresenta de maneira tão
polissêmica.? Vale aqui trazer Hannah Arendt (2003) para colocar a importância de se
pensar o ser humano coletivo na sociedade enquanto um individuo dotado de ação
política, e que necessariamente deve se relacionar para a construção da democracia.
Entretanto há tanto a questão da ação política, como a questão do labor (trabalho
pra a subsistência) e o trabalho (trabalho transformador do mundo), e assim as pessoas
na construção coletiva e social, acabam tendo que enfrentar tais esferas, e que nem
sempre é algo simples ou exato de se fazer, de forma que
O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo
humano [...] A condição humana do labor é a própria vida. [...] O trabalho é a
atividade correspondente ao artificialismo da existência humana [...] a
condição humana do trabalho é a mundanidade. [...] A ação, única atividade
que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da
matéria, corresponde à condição humana da pluralidade (ARENDT, 2003, p.
15).
Em uma sociedade capitalista avançada, “o homem separado de seu produto
produz, cada vez mais e com mais força, todos os detalhes de seu mundo. Assim, vê-se
cada vez mais separado de seu mundo. Quanto mais sua vida se torna seu produto, tanto
mais ele se separa da vida” (DEBORD, 1997, p.25), e dessa maneira, a separação que o
indivíduo sofre devido às constantes dinâmicas sociais e da psique, que ora se choca
com a dinâmica do trabalho, ora com a dinâmica do mundo da vida e ora com o mundo
particular do indivíduo, tende a estar permeada de sentido, porém, quando essa
multiplicidade de relações dialéticas entre o eu e o que lhe é externo ao eu é vista sob
uma perspectiva em que as massas devem ser controladas para uma determinada forma
de pensar que levaria, no caso do Brasil, à ordem e ao progresso, no caso do EUA ao
welfare-state, e no caso da revolução francesa à liberdade, fraternidade e igualdade, é
necessário, então, que a individualidade seja imposta como padrão, para, então, se
atingirem os ditos objetivos esperados.
Nesse sentido, o indivíduo, na medida em que tem sua liberdade reduzida, ou
melhor dizendo, tem reduzida a multiplicidade de relações dialéticas entre o eu e o que
lhe é externo ao eu, estará sujeito a perder a identidade frente ao todo. Se essa
identidade dos indivíduos, múltipla em sua constituição, que enfrenta a tradição e
valores enraizados na sociedade, já não pode ser resgatada pelo indivíduo, uma vez que
é suprimida para dar lugar ao desenvolvimento do todo, frente ao discurso de
desenvolvimento da sociedade, a tendência é gerar indivíduos autômatos e anônimos e
daí que perguntamos, qual a relação entre sociedade e natureza que almejamos?
“O Estado funciona duplamente como um aparelho ideológico e como um poder
de força repressiva. Configura-se como um instrumento que serve para assegurar os
interesses da classe dominante” (LINHARES; MESQUIDA, 2007, p. 1500). Althusser
assume que a necessidade de manter o controle e o aparelhamento dos indivíduos tenha
relação com a manutenção da classe dominante no poder.
Lembremos que na teoria marxista, o Aparelho de Estado (AE) compreende:
o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia, os tribunais, as Prisões
etc., que constituem aquilo a que chamaremos a partir de agora o Aparelho
Repressivo de Estado. Repressivo indica que o Aparelho de Estado em
questão ‘funciona pela violência’ - pelo menos no limite (porque a repressão,
por exemplo, administrativa, pode revestir formas não físicas)
(ALTHUSSER, 1970, in LINHARES; MESQUIDA, 2007, p. 1500).
Foucault (2010) acreditava na biopolítica, ou seja, que há inúmeras formas de
determinar como o organismo de cada indivíduo deve se comportar, que essa é antes a
primeira forma de controlar o indivíduo, antes mesmo da ideologia:
O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela
consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no
biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade
capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia
biopolítica (FOUCAULT, 2010, p. 47).
Nesse sentido, o controle seria uma forma de o Estado se manter como
instituição, resultado dessa forma panoptical de operação, baseada no controle
individual do corpo, no qual ficam refletidas marcas históricas e territoriais de cada um,
de forma que, antes de reproduzir alguma ideologia, o corpo já estaria, desde a
maternidade até sua aposentadoria, sendo modelado pelo Estado.
Assim, assumindo a perspectiva foucaultiana de que o Estado busca a sua
melhor eficiência, controlando os indivíduos a partir da biopolítica e entendendo que, na
medida em que esse controle se dá, o Estado e o capital se somam para criar uma
realidade distorcida, aquela em que Debord (1997) aponta como o espetáculo, (e
poderíamos pensar em uma biopolítica espetacular), e que terá como centro o fetiche da
mercadoria,
Acreditais no palácio de cristal eterno e indestrutível, para o qual não há
como pôr a língua de fora nem mostrar o punho disfarçadamente. Pois bem,
eu tenho medo desse edifício justamente porque ele é de cristal e
indestrutível, e porque não lhe posso pôr a língua de fora, mesmo
disfarçadamente. Pois vede só: se em vez do palácio eu só tivesse um
galinheiro, e se chovesse, provavelmente eu me enfiaria no galinheiro para
me proteger da chuva; mas, embora ficando-lhe muito grato por me haver
acolhido, não confundiria meu galinheiro com um palácio. Dir-me-eis, rindo,
que, num caso desses, palácio e galinheiro se equivalem. Sim, respondo eu,
se as pessoas só vivessem para não se molhar (DOSTOIEVSKI, 1989, p. 46).
Dessa forma, o Estado, na medida em que garante a unidade, garante na verdade
uma uniformidade que, regrada por um determinismo da economia e da política, recai
sobre novas problemáticas que tendem a colocar em cheque a sua própria postura. Os
movimentos sociais, as reinvindicações de massa, a repressão policial, revelam em
muitos casos essas problemáticas que apontam o quanto o Estado não está
necessariamente preocupado com o desenvolvimento social, mas sim com a sua própria
manutenção, com sua soberania alheia ao indivíduo e que o submete ao sofrimento. Isso
é o que Foucault chama de governamentalidade:
E com esta palavra quero dizer três coisas:
1 − o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e
reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante
específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma
principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais
os dispositivos de segurança.
2 − a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante
muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de
governo, sobre todos os outros − soberania, disciplina etc. − e levou ao
desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um
conjunto de saberes.
3 – o resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade
Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco
a pouco governamentalizado (FOUCAULT, 2010, p. 292 – 293).
De forma que diversos sintomas são perceptíveis, advindos desse sistema que
reclusa o indivíduo a uma esfera privada de sobrevivência (labor) que, como está
alienada por elementos exógenos ao indivíduo (soberania do Estado, maximização dos
lucros, etc.), já não possui mais sentido, momento em que o trabalho se torna labor.
Assim, criar dinâmicas, símbolos, objetos, novas relações e dar-lhes um
significado é uma característica das sociedades e do ser humano, já que ocupam um
território e se organizam.
FIGURA 4 – Teatro dentro da fábrica (fonte: Flaskô Fábrica Ocupada)
FIGURA 5 - Teatro dentro da fábrica (fonte: Flaskô Fábrica Ocupada)
Quaisquer que sejam os movimentos, pelo meio ambiente ou pela ocupação de
fábricas, eles são importantes para a sociedade civil, porque revelam o quanto os
interesses econômicos e políticos podem ser manipulados de maneira a recair sob o
corpo e a ideologia do indivíduo, no abstrato ou no concreto, configurando
determinadas relações sociais de produção.
E assim,
sem negar as contradições e limites dos movimentos sociais é mister
reconhecer a contribuição dos mesmos para a construção democrática, seja
do ponto de vista da institucionalização de mecanismos participativos
(cidadania ativa), seja da incorporação da agenda pública dos temas e
questões que configuram a natureza substantiva dos direitos (SCHIOCHET,
2012, p.24).
As contradições e limites que Valmor Schiochet (2012) aponta estão
relacionadas com toda a discussão feita até aqui: se o Estado se institucionaliza e se
aparelha de diversas formas, deformando a realidade social, os movimentos sociais
poderiam se tornar esses instrumentos, na medida em que são freados, por exemplo.
Dessa forma, é necessária uma concatenação entre os saberes que têm sido
deixados de lado, desde aqueles do indivíduo que é suprimido pelo labor, até os
movimentos sociais que correm o risco de serem institucionalizados e aparelhados pelo
Estado.
Nesse sentido na atualidade o quadro é muito mais complexo, do que
simplesmente colocar a discussão da participação das populações excluídas como o
elemento principal para que esse quadro de reação se altere. Entretanto algo de
semelhante com o início da República e dos governos atuais poderia ser “a total
incapacidade dos poderes da República em se comunicar com seus governados, dando
margem para a atuação dos grupos de oposição” GOHN (1995, p. 67).
2.3 Inovação e empreendimentos autogestionários
No Brasil, não se temfábricas ocupadas por trabalhadores se não a Flaskô.
Outras fábricas foram recuperadas, mas assumem outra configuração jurídica, de forma
que o movimento acompanha o movimento na América Latina, principalmente as
dinâmicas ocorrentes na Argentina. Como, então, verificar as estratégias da fábrica, sob
a perspectiva do controle operário, tendo em vista um setor da indústria (de
transformação de plástico) que coloca altas barreiras à entrada no mercado, na medida
em que impõe a inovação como forma de agregar valor à cadeia de produção?
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ao estudar as Empresas
recuperadas por Trabalhadores (ERTs) no Brasil, encontrou evidências de que os
trabalhadores “relataram as dificuldades vivenciadas por eles com relação ao mercado, à
tecnologia e à obtenção de crédito e analisaram mudanças subjetivas nos trabalhadores,
possibilitadas por essas iniciativas” (HENRIQUES et al., 2013, p. 56).
Essas dificuldades podem ser encaradas sob cinco pontos principais, como
aponta Henriques e Thiollent (2013): no primeiro ponto, a administração deve coagir o
trabalhador a produzir, de maneira a ter o controle sobre sua força de trabalho (i.e.
hierarquia, manipulação do conhecimento, pagamento de salários, benefícios); o
segundo elemento estaria ligado à divisão do trabalho e a subsequente subsunção real e
formal do trabalho, na medida em que desumaniza o trabalhador; da abstração da
divisão do trabalho, encontramos o trabalho como mercadoria, sendo este o terceiro
ponto que permite com que o domínio do capital sobre a força de trabalho se
materialize; o quarto ponto é aquele em que a administração e a empresa é um espaço de
geração de lucro e minimização de custos, e nada mais senão uma instituição autômata;
o último ponto se caracteriza pelo escamoteamento de todos os pontos anteriores por
meio da ideologia. Somado aos condicionantes microeconômicos de cada ERT e do
caso do Movimento de Fábricas Ocupadas (MFO), representado pela Flaskô, têm-se os
problemas estruturais que englobam desde investimentos até financiamentos e que são
dificultados devido às condições financeiras:
As principais questões relatadas para a baixa produtividade são: dificuldade
de inserção do produto no mercado (21%), falta de capital de giro/crédito
(16%), falta de demanda pelo produto (13%), falta de matéria prima (9%),
falta de máquinas adequadas (8%), falta de trabalhadores especializados (6%)
e outros (26%, dentre eles: sazonalidade, problemas de qualidade do produto,
crise do setor, planejamento) (HENRIQUES et al., 2013, p. 60).
Nota-se que, a participação do trabalhador nos arranjos produtivos se torna cada
vez mais necessário para que novas estratégias se consolidem. Nos estudos do IPEA,
verificou-se que 60% (24 ERTs) já realizaram algum tipo de rodízio. Há uma
percepção entre os pesquisadores de que ele é uma importante inovação de
processo para as empresas recuperadas, uma vez que permite aos
trabalhadores conhecer melhor o sistema produtivo, contribuindo com o
processo de desalienação do trabalho (HENRIQUES et al., 2013, p. 61).
Para Vieitez e Dal Ri (2001) apud Novaes (2007), “há mudanças nas Frs,
principalmente na organização e nas relações de trabalho [...]”. No entanto, autores
afirmam que
as modificações realizadas até agora não dão conta de transformar a essência
das FRs – produção de mercadorias, supremacia dos quadros etc... A
possibilidade de avanço estaria na articulação das Frs com o movimento de
luta mais geral dos trabalhadores, e de uma visão e um programa de
moficiação da sociedade e não apenas das unidades produtivas (VIEITEZ;
DAL RI (2001), apud NOVAES, 2007, p. 3).
Ainda assim, as fábricas recuperadas e ocupadas “são uma espécie de laboratório
social, onde os trabalhadores experimentam inúmeras soluções inovadoras para a sua
emancipação social” (MARQUES 2006, in NOVAES, 2007 p. 12). Dessa forma, sob a
perspectiva de que novas ideias e práticas podem surgir das atividades por parte do
trabalhador, na Flaskô, as instâncias organizativas e produtivas, quando vistas do ponto
de vista do processo inovativo, devem ser estimuladas, ainda mais em um setor
altamente concentrado e que impõe uma série de barreiras, como o de transformação de
plástico.
Do ponto de vista organizativo, “no caso da Flaskô, a existência de um Conselho
de Fábrica ampliado, com 13 trabalhadores, e uma alta rotatividade de membros nessa
instância ajudam no processo de formação” (HENRIQUES; THIOLLENT, 2013 p.
101). Da questão produtiva, o conhecimento integral do trabalhador sobre os processos
internos permite que haja uma apropriação da tecnologia por sua parte, explicitada nas
palavras dos trabalhadores da Flaskô, e um dos exemplos dessa apropriação seria o
desenvolvimento de um dos moldes para a produção de bombonas (produto
comercializado pela fábrica):
a gente desenvolveu um molde que não tinha, a gente desenvolveu outra
maneira de trabalhar mais fácil. A maneira de tirar as peças das máquinas,
por exemplo. Foi conversando para pensar em novas formas de produzir.
(Trabalhador da Flaskô, Entrevista Concedida em 17.03.2012)
(HENRIQUES; THIOLLENT, 2013, p.100).
Do ponto de vista das inovações praticadas no mundo do trabalho, podem ser
citados quatro elementos que Henriques e Thiollent (2013) mapearam: o primeiro é
aquele em que a coordenação das atividades passa a ser reguladora das atividades da
empresa para não haver bagunça, de forma a não manipular e controlar, mas estabelecer
a mínima ordem. O segundo elemento trata da troca de experiências entre os
trabalhadores, seja pela rotatividade das atividades, seja pela participação conjunta nas
instâncias decisórias. Outra questão é a forma como o trabalho, na medida em que perde
intensidade representada na redução da jornada de trabalho, gera uma maior qualidade
de vida representada pela redução dos acidentes de trabalho e aumento do tempo
disponível. O último elemento que os autores apontam como destaque é o fato de os
empreendimentos nessas condições estarem modificando seus espaços para além do
fator produtivo, integrando “escolas, centros culturais, teatros entre outros”
(HENRIQUES; THIOLLENT, 2013, p. 104). Assim, a apropriação do espaço sob uma
nova ótica, a dos trabalhadores, configuraria alterações nos modelos de gestão
comumente estabelecidos. Por meio da apropriação dos meios de produção, novas
formas de se organizar podem surgir. Cabe aqui ressaltar que a continuidade do estresse
e da tensão dentro da produção permanece, e podemos deduzir o porque quando
olhamos para a competitividade imposta pelo mercado.
Assim, como apontado, não basta apenas a ocupação e a tomada da frente
organizativa por parte dos trabalhadores. Desta compreensão, a tecnologia também é
elemento a ser apropriado pelos trabalhadores para que o caráter da inovação não rode
apenas naquelas definições de Prado e Mañas (2010) da geração de lucro à custa da
exploração da mais valia. Nesse sentido, avançando na questão tecnológica, Novaes
(2005) se embasa no
conceito de Adequação Sócio-técnica (AST) [...] [que] poderia ser entendido
como um processo ‘inverso’ ao da construção, em que um artefato
tecnológico ou uma tecnologia sofreria um processo de adequação aos
interesses de grupos sociais relevantes distintos daqueles que o originaram
(NOVAES, 2005, p. 20).
Este teórico ainda salienta a necessidade de que a tecnologia seja apropriada,
tendo em vista a reprodução de outra relação entre a sociedade e a natureza, pensando
então como estabelecer relações sociais de produção que não perpetuem a exclusão e
degradação do planeta, criticando portanto a utilização da tecnologia e da técnica para
tais fins. A necessidade de investimentos para pequenos-médios empreendimentos e
para fábricas recuperadas, cooperativas e empreendimentos autogestionários é cada vez
mais iminente, enquanto há uma perspectiva de avanço da crise estrutural do capital, das
instituições publicas e do desgaste que os trabalhadores de todas as categorias sofrem,
seja aqueles advindos da subsunção forma ou real do trabalho. Isto porque estamos
vendo um fluxo de congestion effect na medida em que o país não se torna interessante
para investimentos estrangeiros e para as grandes indústrias.
2.4 Algumas reflexões sobre tecnologia e inovação
Do ponto de vista estratégico e competitivo, a inovação e tecnologia apontadas
dentro do setor de transformação de plásticos não possuem a mesma crítica defendida
por Novaes e nem o poderia, porque reforçam o fortalecimento da indústria e da
utilização da tecnologia para este fim e o faz na medida em que pode explorar mais
valia relativa. Desta forma, do ponto de vista de Novaes (2004) a tecnologia é social, no
sentido de que o trabalhador deve se apropriar da tecnologia para alterar as condições
reais vividas de forma que a subsunção real (veremos a frente sua conceituação) seja
cancelada. Isso porque “dada a configuração que assume em sua forma capitalista, a
maquinaria transforma-se em sujeito absoluto do processo produtivo, permitindo ao
capital determinar, por seu intermédio, o modus operandi desse processo e,
consequentemente, as qualidades necessárias para otimiza-lo” (WOLFF, 2005 p. 92)
Ainda assim, é necessário, então, conhecermos as estratégias adotadas dentro do setor
para verificar de que forma a AST pode ocorrer, de forma a não gerar apenas lucros e
novos mercados, mas novas formas de gerir uma fábrica e.
Segundo Cerqueira e Hemais (2001, p. 8),
em termos de Brasil, as ações correspondentes a P&D em empresas de
terceira geração ainda são acanhadas, se compararmos com empresas norte-
americanas ou europeias do mesmo porte [...] As principais diferenças se
encontram no planejamento estratégico empregado, na falta de recursos
voltados para P&D e, principalmente, na falta de incentivos à geração do
conhecimento técnico e organizacional.
Os autores salientam, ainda, que “em geral, a estratégia adotada, por mais
simples que seja, fica submetida à vontade da cúpula ou do próprio dono da empresa,
limitando, sensivelmente, as ações de P&D” (CERQUEIRA e HEMAIS, 2001 p. 9),
havendo, então, uma centralização da decisão e a consequente restrição das
possibilidades e inovação, enquanto o estiver centralizado nas mãos de um chefe ou
presidente.
E assim, conforme acima já citamos Bethlem (1999 apud CERQUEIRA e
HEMAIS, 2001, p. 2), “é necessário que ocorram mudanças de comportamento nos
diversos segmentos envolvidos no processo produtivo, tais como governo, empresas,
organismos de pesquisa e consumidor”. Os autores propõem, também, algumas
estratégias para que haja uma reconfiguração desse quadro:
• Estabelecimento de uma política empresarial voltada para a inovação
tecnológica, relacionando-a a uma disposição administrativa, sintonizada
com as mudanças ambientais e tecnológicas.
• Investimentos em programas de P&D, nos quais destaca-se o design de
produtos, visando à elaboração de sistemas que apresentem ganhos
qualitativos e quantitativos.
• Constituição de parcerias capacitadas para implementação de atividades de
inovação tecnológica.
• Ações conjuntas entre empresas e governos para definir planos estratégicos
para implantação de programas nacionais e regionais de inovação tecnológica
(CERQUEIRA; HEMAIS, 2001, p. 9 - 10).
Percebe-se que a tecnologia e a inovação se tornam cada vez mais protagonistas
na luta por novas meios de gerir as atividades empresariais, dada a competitividade
imposta por altos níveis de técnica e padrões. Todavia, esses mesmos níveis e padrões
devem estar sempre sob os cuidados dos empreendimentos que buscam novas formas de
gestão, a fim de que não haja uma simples apropriação das tecnologias e a subsequente
manutenção da alienação. Disso, István Mészáros (1996) ressalta o fetiche de
acreditarmos que apenas a tecnologia resolverá os problemas, no sentido de que este
pensamento recai enquanto “falácias das soluções tecnológicas para os problemas
sociais” (1996, p. 94), porque na medida em que depositamos nossa confiança neste
conjunto de técnicas, caímos em uma falsa crença de que apenas a apropriação dos
meios de produção será suficiente para reconfigurarmos as relações sociais de produção,
quando na verdade com o incremento da tecnologia sem a difusão de suas leis, normas,
regras e características, suas ideologias, intensões e recortes políticos para o seu
entendimento perante a população que a utiliza, haveria apenas a reprodução da
subsunção real e da mais valia relativa.
Por intermédio do conhecimento de como se apropriar das tecnologias, o
controle operário e a luta dos empreendimentos autogestionários podem se guiar para
além da ocupação e apropriação das forças produtivas, mas para a ressignificação das
técnicas dominantes, a fim de compor outras relações sociais de produção e entre ser
humano e natureza.
2.5 Relações sociais de produção, subjetividade e subsunção
Até aqui foi feito um levantamento acerca de alguns fatores que influenciaram
na existência da fábrica Flaskô (como a economia, os movimentos sociais e seu caráter
político e a tecnologia), de maneira que compreender as dimensões econômicas que a
cercam é fundamental para visualizar suas particularidades, mas que não poderia revelar
por completo a realidade da fábrica. Neste sentido nos tópicos anteriores vimos como a
economia brasileira e seus problemas estruturais resultam nos anos noventa no
sucateamento da fábrica, bem como o quanto a organização industrial brasileira do setor
de transformação de plástico carece de investimentos que possibilite o desenvolvimento
adequado do setor, como apontam Fleury e Fleury (2001). Este estudo busca encontrar
particularidades acerca do objeto de estudo, porém não o poderia fazer se observasse
apenas o comportamento de mercado da fábrica, de maneira que toma como referencial
teórico as relações sociais de produção e as condições de subsunção que existem
expostas e ao mesmo tempo sendo reconfiguradas no interior da fábrica Flaskô.
“Nessa perspectiva, a reprodução das relações sociais é entendida como a
reprodução da totalidade da vida social, o que engloba não apenas a reprodução
da vida material e do modo de produção, mas também a reprodução espiritual
da sociedade e das formas de consciência social através das quais o homem se
posiciona na vida social” (YAZBEK, 2001 p. 3)
Em outras palavras o trabalhador organizado na fábrica também é o fator que faz
com que o território se organize de uma maneira que o qualifica enquanto particular, e
não apenas as condições macro de fora da fábrica. A subjetividade do trabalhador
também compõe o território político produtivo do qual a Flaskô se insere. Assim sendo,
as relações sociais de produção, as dinâmicas que os trabalhadores organizam dentro de
uma fabrica, quando determinadas por um patrão, estariam mitigando a possibilidade de
ação dos trabalhadores. Em outras palavras, a título de exemplo, com a determinação de
um patrão sobre as regras, decisões e estratégias, é retirado do trabalhador do chão de
fábrica a capacidade sobre a configuração das práticas organizacionais, seja o ritmo de
trabalho, até a definição das regras ou os rumos da organização. Disso poderíamos
pensar que fica mantido um nível de alienação, na medida em que há uma hierarquia
definida e enraizada em figuras ou cargos. Assim a subjetividade também se modula
dentro da organização
[...] por meio de ‘formas da consciência: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito
epistemológico. O eu é a identidade, formada das vivências psíquicas; é a
forma de conhecimento singular [...] A pessoa é a consciência moral [...] O
cidadão é a consciência política [...] O sujeito epistemológico é a consciência
intelectual [...] A subjetividade assim composta [...] é a instância da qual o
homem (empírico ou abstratamente genérico) deve participar. Se conseguir
isso, autenticamente, torna-se o sujeito – ‘aquele que é consciente de seus
pensamentos e responsável pelos seus atos’ [...] (GHIRALDELLI, JÚNIOR,
2000, p. 24).
Quando não vemos nenhum destes elementos, o eu enquanto resultado das
vivencias psíquicas, a consciência moral, o agir político e a consciência intelectual
poderíamos imaginar que as relações sociais de produção tanto mais não estariam sendo
reconfiguradas. Desta forma a subjetividade é tanto mais construída dentro das
dinâmicas sociais e humanas, composta por diversos elementos simbólicos e concretos,
que possui relação direta com as relações sociais. Desta maneira, em uma fábrica os
processos de trabalho estarão construindo tanto mais as relações sociais e a
subjetividade. Teóricos dos estudos organizacionais como Mauricio Tragtenberg e
Idalberto Chiavenato apontam perspectivas distintas para apresentar como as
organizações são importantes na construção individual e social. Para Chiavenato (1987)
A tarefa da Administração é interpretar os objetivos propostos pela empresa e
transformá-los em ação empresarial através de planejamento, organização,
direção e controle de todos os esforços realizados em todas as áreas e em todos
os níveis da empresa, a fim de atingir tais objetivos (CHIAVENATO, 1987, p.
3).
Cabe aqui salientar algumas informações sobre administração e autogestão.
Diferenças relacionadas a forma como se da a organização do espaço, das atividades, do
processo, do tempo, e de todo comportamento organizacional.
Neste contexto, consideramos como empresa autogerida aquela onde as
decisões são tomadas de forma coletiva, pela obtenção de um consenso para a
ação prática entre os membros envolvidos, através do conhecimento geral das
questões; excluído, portanto, qualquer tipo de autoridade burocrática ou
hierárquica formal, o que não quer dizer que não possam existir relações de
autoridade consentida, em função da experiência e respeito que caracterizem,
naquele momento, alguns dos membros do grupo. (GUTIERREZ, 1988 p. 7)
Isso é importante, pois toda organização de grupos recai e incide diretamente no
todo social. Em uma sociedade da qual decorre a reprodução de determinas relações
sociais de produção,
as classes ou grupos hegemônicos reconvertem e ampliam, em seu próprio
benefício, não apenas os resultados de sua ideologia original e influências
históricas anteriores, mas também as formas novas que a classe trabalhadora
vai criando como alternativa para a ação na defesa de seus interesses”
(MOTTA, 1980 p. 126).
Esta visão de Motta é o oposto da visão apresenta por Idalberto Chiavenato, que
ressalta,
A tomada de decisões é o núcleo da responsabilidade administrativa. O
administrador deve constantemente decidir o que fazer, quem deve fazer,
quando, onde e, muitas vezes, como fazer. Seja ao estabelecer objetivos ou
alocar recursos ou resolver problemas que surgem pelo caminho, o
administrador deve ponderar o efeito da decisão de hoje sobre as oportunidades
de amanhã. Decidir é optar ou selecionar dentre várias alternativas de cursos de
ação aquela que pareça mais adequada (CHIAVENATO, 1987, p. 149).
Esta visão de Chiavenato desconsidera a tomada de decisão enquanto uma forma
de estabelecer novas relações sociais de produção dentro de uma empresa. Em outras
palavras a configuração da responsabilidade e do controle dos ritmos produtivos, são
ditados por poucas pessoas que não necessariamente conhecem os processos produtivos
e inclusive estratégicos de decisão. Em outras palavras o gestor possui uma carga
acumulada de informação porque sua posição agrega isso, entretanto existe uma matriz
científica caracterizando o serviço do gestor, que dentre o domínio de inúmeras
técnicas, formas de pensar, também deve ter a capacidade de esconder que a única coisa
que o diferencia de um peão do chão de fábrica é que ele tem a ciência como um pano
de fundo. Nas palavras de Mauricio Tragtenberg (1974),
a Teoria Geral da Administração é ideológica, na medida em que traz em si a
ambiguidade básica do processo ideológico, que consiste no seguinte: vincula-
se às determinações sociais reais, enquanto técnica (de trabalho industrial,
administrativo, comercial) por mediação do trabalho e afasta-se dessas
determinações sociais reais, compondo-se num universo sistemático
organizado, refletindo deformadamente o real, enquanto ideologia
(TRAGTENBERG, 1974, p. 89).
Essa assimetria advém de inúmeros fatores e um deles é a organização da
sociedade em classes da qual Mauricio Tragtenberg e Fernando Motta discorrem muito
bem.
Não há qualquer possibilidade de se compreender a questão da organização e
do poder no capitalismo, sem referência à relação central nesse modo de
produção que é a mais-valia, isto é, o tempo de trabalho incorporado na força
de trabalho menor que o tempo de trabalho que a força de trabalho é capaz de
incorporar no produto. (MOTTA, 1980 p. 127)
E daí que a visão de Chiavenato quando colocada em contraposto a visão de
Motta e Tragtenberg, se choca com a realidade da luta de classe, e se mostra enquanto
um instrumento dotado de uma capa misteriosa, capa esta apontada por Mauricio
Tragtenberg enquanto elemento fundamental para a administração pode acontecer,
apresentando a realidade de maneira deformada, uma que não mostre como as relações
sociais de produção são determinadas para o propósito da acumulação, fazendo isso a
partir do escamoteamento da luta de classes. Ou seja, controlar as pessoas, seus
impulsos, seu ritmo de trabalho, suas roupas, costumes, vícios, desejos, vontades, dias
de trabalho, tempo dentro da empresa, organizando sua previdência a escola ou creche
dos filhos, oferecendo plano odontológico e de saúde, se tornam instrumentos da
organização para efetuar um maior controle sobre as pessoas. Neste sentido a
subjetividade estará diretamente ligada ao corpo social, ainda que efetivamente
formulada no sujeito.
A ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e na realidade
psíquica, incidindo nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de
pensamento, de sentido, de sentimento, de afeto, entre outros. Produz-se modos
das relações humanas, representações inconscientes e é fabricado um modo de
relação do homem com o mundo e consigo mesmo (GUATTARI; ROLNIK,
2000 )
Disso, o trabalho tem se configurado de forma a corresponder à sobrevivência e
à cognição dos indivíduos. Há fatores que caracterizam a particularidade da Flaskô. Por
outro lado é uma fábrica que deve se relacionar com outras dentro do mercado relação
essa inerente ao método capitalista. Todavia, quando partimos desse ponto de vista, de
que todo o trabalho é voltado para o consumo de mercadorias que possibilite o giro da
economia, excluímos a discussão da subjetividade e da política, na medida em que as
perguntas que são feitas se voltam apenas para o aspecto relacionado a produção. Ainda
que há fatores particulares da Flaskô que são frutos de condições econômicas, o que a
diferencia não são essas condições econômicas, uma vez que dos seus muros para fora,
a Flaskô tem que negociar tal qual as empresas capitalistas negociam, mas a capacidade
da fábrica em agregar particularidades e ainda sim se manter em atividade no mercado,
mesmo sob diversas condições, desde aquelas expostas nos primeiros capítulos referente
à situação de abandono, até a relação que a fábrica possui com a política, que incide
diretamente no trabalhador e no território da fábrica. Isto é importante para enxergamos
as esferas que afetam o trabalho, sua organização e o local aonde esse trabalho ocorre,
porque se não olhássemos para tal elemento, relacionado à subjetividade humana,
estaríamos generalizando rumo a uma inerente redução do papel do trabalho. Veríamos
deformadamente que apenas pelo trabalho estaríamos modificando a nossa sociedade e
assim o ambiente, entretanto “o trabalho não é a única fonte dos valores de uso que
produz, da riqueza material. Dela o trabalho é o pai, como diz Willian Petty, e a terra é a
mãe” (MARX, 1983, p. 51). Menos ainda estaríamos preocupados com uma
vulnerabilidade social por detrás das relações que configuram o trabalho, ou seja,
elementos que se estendem para além da questão puramente produtiva. De uma maneira
que há uma esfera política que se relaciona com a gestão da fábrica e isso caracterizaria
a fábrica enquanto um território particular que carrega elementos que vão além da
produção.
Outro alerta é que uma generalização do conteúdo que o trabalho carrega, não
permitiria identificar o limite em que chegou a participação do Estado e do Mercado em
nossas vidas e isso implicaria que, de uma ausência da autonomia do Estado frente ao
trabalhador(a), havendo uma individualização suprida pelo Mercado, a sociedade civil
estaria perdendo capacidade de resposta e de sua autonomia, e daí que uma ocupação
organizada da sociedade civil dos meios de produção parece algo que resgata este
conteúdo que o trabalho carrega de poder ser mais do que apenas um insumo base para
o capitalismo poder se efetivar, mas uma ferramenta vinculada a existência material e
psicológica.
Essa preocupação se torna importante na medida em que se percebe o quanto a
subjetividade é suprimida por esferas institucionais. Neste sentido, Alves (2010)
apresenta no quadro 3, “metabolismo social do novo (e precário) mundo do trabalho a
nova precariedade salarial (década 2000)” que possui quatro características presente no
mundo do trabalho que causa os efeitos gerados pela reprodução do processo capitalista,
como o fetiche à mercadoria, a subsunção do trabalho e a precarização do trabalho.
Esses efeitos recaem por toda economia.
QUADRO 3 – Metabolismo social do novo (e precário) Mundo do Trabalho, a
nova precariedade salarial, década de 2000 (ALVES, 2010).
O quadro revela elementos da mais valia relativa e da mais valia absoluta, que
caracterizam respectivamente a subsunção real e formal do trabalho, de forma que “a
subsunção formal do trabalho ao capital se funda, portanto, na extração da mais-valia
absoluta. Entretanto, a simples reunião dos trabalhadores sob um mesmo comando em si
já implica, por efeito da cooperação, um aumento da produtividade” (OLIVEIRA,
OLIVEIRA 2009, p. 2), e o caso do controle operário presente na Flaskô e o caso das
empresas e fábricas recuperadas na argentina (que veremos adiante) mostram isso, a
capacidade de enfrentar a subsunção formal. Então, a subsunção formal existe quando
“[...] só se pode produzir mais valia recorrendo ao ‘prolongamento do tempo de
trabalho, quer dizer, sob a forma da mais valia absoluta’ [...]” (MARX, 2004, p. 88-89).
Neste sentido a subsunção formal decorre das condições necessárias para a
extração da mais valia absoluta.
“Já a subsunção real do trabalho ao capital decorre das condições desenvolvidas
na sociedade capitalista para extração da mais valia relativa, com diminuição do tempo
de trabalho necessário para a produção de uma coisa e para reduzir o valor da força de
trabalho” (MARX, 2005a, p. 366), e que dentro desta análise alguns autores como
Christoph Türcke (2010) apresenta o cinema como uma das formas de subsunção real
do trabalho, na medida em que o lazer se torna uma esfera em que o trabalhador
descansa, mas um descanso em que acaba compondo o final de uma cadeia de produção,
um processo acelerado, estendido e escondido pela tecnologia, resultada na ficção
causada pela televisão, pelos computadores e pelos filmes. Em outras literaturas vemos
a importância de considerar as nuances do trabalho, bem como a os níveis de
apropriação que há dentro de cada atividade. Em outras palavras, da mesma maneira
que o trabalhador da Flaskô é perpassado pelas condições que afeta a esfera do trabalho,
há outras esferas como a da política e da tecnologia que tanto mais atinge as condições
vivenciadas pelos mesmos. Isto não é novo dentro dos estudos que identificam as
relações sociais de produção no mundo do trabalho enquanto capazes de ressignificar o
trabalho.
Na literatura sobre a luta de classe, vemos também o campesinato como
protagonista da reinvindicação pelo direito ao trabalho, no campo e na propriedade
rural. É possível vermos que a subsunção formal do trabalho quando vista dentro da
lógica do campesinato exclusiva do seu lote, vemos um cancelamento da subsunção
formal na medida em que os ritmos e tempos de trabalho são controlados pela gestão
familiar do lote. Entretanto a partir do momento que este deve negociar e entrar em
contato com outros consumidores da cadeia seja para vender ou para criar uma rede de
contatos, ele acaba se submetendo às condições de mercado, esta que impõe ritmos de
produção para que o próprio campesinato possa garantir sua subsistência. Aí que surge
uma alternativa muito interessante para a geração de mercados e feiras que possam
contribuir enquanto canal de distribuição para geração de renda para o campesinato,
garantindo mínima estabilidade na garantia de seus recursos.
Quando este não possui uma regularidade nos recebimentos, quando não
consegue escoar a produção e assim atrasando salários, sofre do mesmo problema dos
trabalhadores da Flaskô e de uma forma que se caracterizam enquanto superpopulação
relativa. Paralelamente, concorrem com grandes latifúndios e lógicas de mercado
sustentados pela tecnologia o que resulta na subsunção real de seu trabalho, à lógica
capitalista.
Ora, o conceito de camponês tem um peso que transcende a materialidade
econômica da troca de mercadorias e sugere imediatamente características da
sua organização social, tais como o trabalho familiar, os costumes de herança,
a tradição religiosa e as formas de comportamento político (MOURA, 1988, p.
69).
Dessa forma, o campesinato pode ser visto sob uma configuração única em seu
gênero na medida em que as relações que mantém com a terra, com a produção e com a
organização do trabalho pode ser mantida sob seu ritmo. Em outras palavras, a
autonomia do campesinato está vinculada à relação com a natureza, com o clima, com a
terra, com a política e produção rural, e assim,
Como classe sui generis do capitalismo, sua singularidade se manifesta na
experiência única de reprodução, a qual se baseia no próprio controle sobre o
trabalho e sobre os meios de produção. É o que lhes permite conservar a
capacidade de produzirem seus próprios meios de vida, ainda que as condições
concretas de reprodução de cada família nem sempre o determinem
(OLIVEIRA, 2006, p.16).
Para concluir o pensamento sobre as condições particulares do campesinato,
podemos pensar que, ainda que detenha os meios de produção, a autonomia para
produzi-lo, o campesinato ainda está submetido às leis de mercado, então, mesmo que
tenha autonomia sobre seu trabalho, na medida em que se relaciona com o mercado e se
submete às suas imposições, a autonomia fica em cada atravessador pelo qual o produto
do campesinato passa.
O campesinato ainda compõe parte de uma cadeia capitalista, e mesmo que
tenha posse sobre a terra, o controle sobre os preços da produção e autonomia sobre sua
força de trabalho que, então, não o qualificaria como um capitalista, tendo em vista
haver fatores relacionados à prática e aos métodos utilizados pelo campesinato que,
dentre outros, vincula o trabalho e a organização familiar. Assim,
os camponeses estão inseridos no modo de produção capitalista, são inerentes e
contraditórios a esses, incorporam técnicas, produzem também para o mercado,
mas, por terem o controle dos meios de produção, não os tornam capitalistas,
pois a lógica interna de produção é diferenciada e o trabalho é familiar (FÉLIX,
2010, p. 17).
Na mesma linha de pensamento, poderíamos refletir sobre as condições que
perpassam os trabalhadores e o território da Flaskô. Na medida em que os trabalhadores
da Flaskô se apropriam dos meios de produção, do trabalho, da tecnologia e do capital
gerado na fábrica, nem os trabalhadores nem a fábrica poderiam ser chamados de
capitalistas, justamente porque, a final de contas, eles não são os donos dos meios de
produção ainda que estejam controlando-os.
Quando pensamos na situação dos trabalhadores da fábrica ocupada Flaskô,
podemos observar uma série de elementos que perpassa o trabalho organizado, e que
poderíamos pensar que ao mesmo tempo em que possuem os meios de produção, eles
não os possuem porque a fábrica ainda esta no nome dos antigos donos; ainda que
estejam em uma situação na qual controlam os meios de produção e as técnicas
envolvidas no trabalho, cancelando a subsunção formal do trabalho, há ritmos de
trabalho impostos (por ordens de compra ou cobrança do faturamento por terceiros) que
impactam na organização do trabalho; mesmo reivindicando e lutando por outra forma
de organização social que não seja uma que extraia mais valia inclusive quando fora dos
muros da produção, os trabalhadores tem a subjetividade suprimida na medida em que a
ocupação da fábrica e seu caráter de legitimação social não são compreendidos como
processos que estes contribuem e fazem parte. Disso, quando olhamos para a realidade
da Flaskô, observarmos particularidades que expõem a subsunção formal ao
encontrarmos a situação de atraso de salários, atraso este que na medida em que é
analisado vemos as dívidas deixadas pelos antigos donos compondo a maior parte deste
contexto e ainda composto pelas pressões de mercado que incidem em problemas de
demanda, assume-se que os trabalhadores estão parcialmente empregados, pois na
medida em que vivem na atualidade sob condições adversas o trabalhador da Flaskô
compõe uma parcela da população da qual Marx chama de superpopulação relativa. Em
outras palavras, enquanto há um atraso dos salários, bem como elementos relacionados
ao impacto no ritmo de trabalho, podemos pensar que o trabalhador da Flaskô fica
parcialmente ocupado, termo conhecido nos escritos de Marx como superpopulação
relativa, de maneira que “toda a forma de movimento da indústria moderna decorre,
portanto, da constante transformação de parte da população trabalhadora em braços
desempregados ou semi-empregados” (MARX, 1996, p. 263 - 264). De uma forma que
na medida em que os salários na Flaskô atrasam, os trabalhadores se classificariam na
categoria de superpopulação relativa, mas que na medida em que existe, interfere na
reprodução do sistema capitalista. Ou seja,
as novas relações flexíveis de trabalho promovem mudanças significativas no
metabolismo social do trabalho tendo em vista que alteram a relação “tempo de
vida/tempo de trabalho” e alteram os espectros da sociabilidade e auto-
referência pessoal, elementos compositivos essenciais do processo de formação
do sujeito humano-genérico (ALVES, 2010 p.7)
Aqui fica evidente que a subsunção formal e real do trabalho, acaba por
configurar os meios de produção e assim a organização das relações sociais de
produção. Uma vez que a subsunção real e formal são mecanismos que estão inerentes
aos processos de produção, como os controles psicológicos, do corpo, através dos
contratos burocráticos, através de comportamentos, práticas, através da tecnologia e
tudo isso, sob o tempo de vida daquele que dispõe do seu trabalho como recurso
produtivo, práticas que sejam sustentáveis, autônomas, solidárias e alternativas que
buscam o não determinismo e expor a não neutralidade da técnica, são essenciais para
emancipação do trabalho. De uma forma que, a busca por novas relações sociais de
produção é fundamental, e o passo proposto por autores contemporâneos é de que deve
haver uma incorporação qualitativa dos meios de produção às relações sociais de
produção e não meramente quantitativa, de uma forma que:
(...) Como vimos em vários contextos, incluindo a análise de [Raniero]
Panziere da máquina e da “racionalidade” capitalista, Marx, sabia muito bem
que “na utilização capitalista, não apenas as máquinas, mas também os
‘métodos’, as técnicas organizacionais etc. são incorporados ao capital e
confrontam o trabalhador como capital: como uma ‘racionalidade’ externa”.
Como resultado, todo sistema é “abstrato e parcial, passível de ser utilizado
apenas em um tipo hierárquico de organização”. Marx jamais poderia
considerar neutras as forças produtivas, em virtude dos seus elos orgânicos
com as relações de produção; por isso, uma mudança radical nessas últimas,
nas sociedades que querem extirpar o capital de sua posição dominante, exige
uma reestruturação fundamental e um caminho qualitativamente novo de
incorporação das forças produtivas nas relações socialistas de produção
(Mészáros, 2004, p. 519
Mészáros (2004) apresenta a necessidade de novas relações sociais de produção
como reestruturação fundamental para uma sociedade para além do capital. Ele diz
respeito a novas formas pelas quais o trabalho possa ser incorporado pelas pessoas
dentro dos meios de produção. É colocada a necessidade de deixar de ser autômato e
anônimo, criticar e questionar dogmas e ideologias do pensamento dominante, de forma
a criticar a racionalidade capitalista, mas também olhando para o contexto local, para as
nuances do território e para as relações sociais de produção que se formulam para além
dos meios de produção. Pensar na não neutralidade da técnica é pensar na construção de
espaços para que a comunicação possa ser estimulada e construída. Dentro da Flaskô
sabemos que existem espaços para que as decisões possam ser tomadas em coletivo,
mas há muitas problemáticas que envolvem a fábrica, onde aqui estamos nos atentando
para as dimensões políticas e produtivas, e que gera ruídos de comunicação, assimetria
de informação e consequentes atritos cotidianos. Parte destes elementos vem de
situações cotidianas dos meios de produção e outras problemáticas partem das
particularidades que a fábrica vive. Desta forma, pensar em como tornar a comunicação,
as técnicas e as ferramentas da administração em elementos que também permitam à
superação da subsunção formal e real do trabalho, de maneira a preservar a identidade
do trabalhador, é um elemento do qual decorre das ideias de Mészàros e que pode
contribuir para o avanço dentro da organização do trabalho em empreendimentos
solidários, desde à questão da comunicação entre departamentos, até a questão das
relações subjetivas e políticas que permeiam a fábrica. Isto porque Mészàros aponta que
Para [o capital] se desembaraçar das dificuldades da acumulação e expansão
lucrativa, o capital globalmente competitivo tende a reduzir a um mínimo
lucrativo o “tempo necessário de trabalho” (ou o “custo do trabalho” na
produção), e assim inevitavelmente tende a transformar os trabalhadores em
“força de trabalho supérflua”. Ao fazer isto, o capital simultaneamente subverte
as condições vitais de sua própria reprodução amplida. (MÉSZÀROS, 2002 p.
226)
E daí que é importante pensar nas relações sociais de produção tanto nos meios
de produção como fora dele, uma vez que a subsunção se da para além das esferas do
trabalho. Todavia aqui nos atemos apenas as particularidades e realidade presentes na
Flaskô, mas que nos permite verificar elementos do capitalismo e de particularidades
advindas das formas particulares de organização do trabalho, mas também relações
sociais de produção distintas, ainda que há elementos em comum com empresas
tradicionais. Neste sentido, em Habermas (1984) encontramos a organização da
sociedade civil como forma de realizar essa crítica, através da ação comunicativa:
...sempre que as ações dos agentes envolvidos são coordenadas, não através de
cálculos egocêntricos de sucesso, mas através de atos de alcançar o
entendimento. Na ação comunicativa, os participantes não estão orientados
primeiramente para o seu próprio sucesso individual, (...) Assim, a negociação
da definição de situação é um elemento essencial do complemento
interpretativo requerido pela ação comunicativa (1984, p. 285, 286)
Neste sentido,
Em Habermas, a sociedade civil tem papel fundamental na teoria democrática
deliberativa. Assim, as associações e organizações livres, de caráter não estatal
e não econômicas, que são vistas por ele como as estruturas de comunicação da
esfera pública que formam o núcleo institucional da sociedade civil as quais
são responsáveis pelo agir comunicativo (...) A opinião pública formada no
mundo da vida pelos diversos agentes da sociedade civil é o ponto principal na
discussão do agir comunicativo na esfera pública. (PIZZIO, 2009 p. 1992)
Quando observamos nos escritos de Habermas a ideia do agir comunicativo,
podemos pensar na situação de que há uma construção coletiva a partir da comunicação
que deve estar voltada para a dimensão do coletivo, e nunca para o sucesso individual.
A necessidade de se pensar como novas relações sociais podem ser configuradas
está colocada tendo como ponto de partida a fábrica Flaskô.
Dessa forma, a reprodução das relações sociais é a reprodução de determinado
modo de vida, do cotidiano, de valores, de práticas culturais e políticas e do
modo como se produzem as ideias nessa sociedade. Ideias que se expressam
em práticas sociais, políticas, culturais, padrões de comportamento e que
acabam por permear toda a trama de relações da sociedade. (YAZBEK, 2001 p.
3)
Sob diversas perspectivas, podemos avaliar as distintas significações que as
relações sociais assumem, mas por hora podemos ter como ponto de partida o trabalho
na medida em que a estrutura e a organização social do objeto estudado, no caso a
Flaskô e os trabalhadores, se ancoram nas relações de trabalho existentes. Isto significa
que os gestos, o saber-fazer, o engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a
capacidade de refletir, de interpretar e reagir a diferentes situações é o poder de sentir,
de pensar, de inventar etc e que estaria ligado a composição da subjetividade de cada
pessoa e das relações sociais que cada um cria, de maneira que a técnica e o trabalho
tanto mais estaria dinamizando, ou então petrificando tanto a subjetividade quanto as
relações sociais. Neste sentido, tanto na fábrica como fora dela, os efeitos psicológicos e
biológicos que recaem sobre o corpo permanecem para além das atividades meramente
produtivas. Para elucidar essa questão Dejours (2012) coloca um bom exemplo:
[...] para dominar completamente uma máquina-ferramenta, para ter o domínio
pleno sobre ela, é necessário sentir essa máquina, desenvolver uma
sensibilidade que se amolda a todas as suas características mecânicas. É
necessário ser capaz – o que não é nada fácil – de colocar-se em “simbiose”
com a máquina, como se ela fizesse parte do próprio corpo que se torna então
capacitado, por meio de uma broca, de penetrar o metal ou de lhe destacar as
lascas. [...] para obter este resultado, é necessário estabelecer um diálogo com a
máquina. (p. 27)
Daí que é interessante pensarmos a relação que os trabalhadores possuem com a
máquina, mas não apenas com o maquinário e sim com a subsunção real que advém da
introdução da tecnologia, e como os efeitos dessa relação se estendem para além do
trabalho, como as doenças relacionadas a LER/DORT ou os vícios que se estendem para
fora dos setores produtivos. Ao experimentar uma emoção ao apalpar uma pedra e ao
acariciar uma madeira, no decorrer do tempo tal pessoa estará trabalhando sua
sensibilidade e subjetividade, que irão se desenvolver e ampliar, de maneira que no
trabalho, na aplicação de alguma técnica ou na utilização de qualquer objeto , “ao
tornar-me mais hábil em meu trabalho, transformo-me a mim, enriqueço-me, talvez
consiga mesmo realizar-me.” (p. 28), porque na medida em que a relação simbiótica
entre o vivido e o estático ocorre, há uma apropriação do ser humano frente ao objeto e
que em último grau se torna a extensão do corpo da pessoa. Tudo isso acontece através
do corpo, da capacidade de sentir e escutar. Para Dejours (2012)
[...] o sujeito torna-se um bom motorista quando sente o carro até a pontinha do
para-lama e do para-choque, como se também fossem envolvidos, protegidos
por sua pele. [...] A professora primária segura a sua classe porque tem o pulso
sobre as crianças, sabe como conquistar sua atenção, mesmo quando cansadas,
pois tudo o que acontece em sala penetra cada um dos seus poros. (p. 29)
Pensar em como a rotina de trabalho se relaciona com o trabalhador da Flaskô é
portanto fundamental para compreender como se da o desenvolvimento psicológico e
físico do trabalhador, porque podemos ver os ritmos das marcas no trabalho. Isso pode
ser visto na relação entre a quantidade de trabalhadores que possuem problemas ósseos
e muscular, relacionados aos problemas de esforço repetitivo.
Assim, o que existe de essencial no trabalho não está visível, mas permanece
num estado oculto e que se manifesta conforme quem realiza determinada tarefa
manifesta as dificuldades e as conquistas presentes em determinada atividade. Assim
sendo, quando as tnsões ocorrem no chão de fábrica ou dentro de alguma atividade, o
que deve ser feito é uma resolução do problema através da solidariedade, e neste sentido
quando há um abafamento do que acontece, este estado oculto tende a permanecer cada
vez mais hermético, gerando um espectro negativo na fábrica. Daí a importância das
assembleias e conselhos, para ‘lavar a roupa suja’.
Entretanto, é bom frisar que trabalhar é engajar-se num mundo hierarquizado,
onde existem regimentos e leis para cada aspecto. Por isso, Dejours (2012) traz o
pensamento de que trabalhar é experimentar uma resistência do mundo social, e mais
precisamente das relações sociais de inteligência e subjetividade.
Crisopher Dejours (2012) lembra as numerosas avaliações que remetem a uma
grande complexidade e sofisticação e levam a absurdos e a injustiças intoleráveis em
relação à contribuição efetiva dos que trabalham. Assim, a avaliação de um trabalhador
pode servir, sobretudo de meio de intimidação e de dominação. Dejours (2012) traz os
resultados de tais procedimentos como, de um lado, o aumento extraordinário da
produtividade e da riqueza; mas de outro a erosão do lugar ancorado na subjetividade e
à vida no trabalho. Isso ocorre em empresas tradicionais, pois há uma acentuada
subsunção formal do trabalho à relação de expropriação da mais valia.
Ao mesmo tempo, todo sistema necessita para funcionar não apenas da
obediência dos trabalhadores, mas também de seu zelo, de sua dedicação, em outros
termos, de sua inteligência.
A ideologia dominante na modernidade é aquela de ser necessário crescer
economicamente, se industrializar, urbanizar e fazer todo sacrifício possível para que
isso ocorra. Podemos encontramos isso dentro do esgotamento psíquico de um
trabalhador, mas também vemos isso dentro da forma como os recursos são utilizados.
Em outros termos poderíamos assumir que “o sofrimento no trabalho começa no
momento em que ele se torna patogênico, isto é, exatamente lá onde a parte criativa do
trabalho cessa” (MOLINIER, 2013, p. 60), de forma que a subjetividade deve ser
analisada enquanto dimensão das relações sociais de produção dentro do trabalho,
quando este se torna patogênico, e que pode ser visualizada a partir da forma como o
trabalho é subsumido. Portanto não é um problema individual, mas de todos, pois cada
um se relaciona direta ou indiretamente com as atividades laborais. E assim podemos
pensar que o trabalho na medida em que é recortado por uma esfera política produtiva,
pode fazer o corpo humano adoecer de várias maneiras, não só um adoecimento gerado
pelos ritmos de produção, mas também pelas dinâmicas da esfera político institucional.
Isso para pensarmos que há um processo de produção de valor, que necessita da
exploração do trabalho para se concretizar, utiliza mecanismos tanto nos meios de
produção como mostrado pelo quadro de Alves (2010), elementos da ordem estrutural
do mundo do trabalho, bem como os mecanismos de controle da psique humana. Esses
elementos acabam por recair na vida humana de maneira que não há mais distinção
entre o tempo de trabalho e o tempo disponível.
Há uma automatização da consciência, que leva as características da organização
do trabalho para a vida pessoal e cotidiana da população. Esta é uma característica da
sociedade globalizada e estruturada em organizações, sendo essa discussão pertencente
à teoria das organizações, e aqui fica colocado que pensar na superação de condições
que desumanizam as condições humanas e sociais também se vincula à ressignificação
das relações sociais de produção. Todos elementos recaem sobre o território político
produtivo da Flaskô, e verificar tais elementos a partir da subsunção formal que ocorre
neste território, é uma maneira de verificar como a superpopulação relativa da Flaskô se
relaciona com o mundo do trabalho.
Assim sendo, dentro da Flaskô podemos pensar que há uma reflexão crítica
sobre o sentido do trabalho. Em outras palavras, as organizações são constituídas de
práticas, e essas práticas conformam as estruturas, e jamais as práticas serão ideais, elas
tendem a manter o mínimo para o funcionamento da organização, mas quando há uma
visão crítica sobre o fazer podemos associar podemos pensar em novas maneiras de
forma que
o indivíduo está ligado à organização não apenas por laços materiais e morais,
por vantagens econômicas e satisfações ideológicas que ela lhe proporciona,
mas também por laços psicológicos. A estrutura inconsciente de seus impulsos
e de seus sistemas de defesa é ao mesmo tempo modelada pela organização e
se enxerta nela, de tal forma que o sujeito a reproduz, não apenas por motivos
racionais, mas por razões mais profundas, que escapam à sua consciência. A
organização tende assim a se tornar não apenas a fonte do prazer como fonte da
angústia e sofrimento dos indivíduos que se ligam à ela. (JOB 2003 p. 41)
Assim, esse aspecto das organizações que inauguram o século XXI carregam
essas características que se ligam a forma pela qual as pessoas são controladas dentro da
organização, e que na Flaskô parece haver um tratamento distinto sobre o controle dos
ritmos de trabalho. Quando nos voltamos aos meios de produção e observamos a
questão da produtividade, estaremos de olho na forma como existe um controle da
consciência e do corpo das pessoas para que elas se adéquem a determinados ritmos de
produção. Entretanto isso não ocorre só na linha de produção, em outras palavras as
pessoas carregam para além da linha de produção resíduos do trabalho (como doenças,
dores nas costas, dores nos braços, desavenças com os pares), bem como aqueles que
trabalham em setores administrativos.
Desta maneira, quando pensamos em termos de produção, a necessidade de fazer
com que as pessoas se mantenham ocupadas produzindo, sem pensar criticamente a
organização que compõe, muito menos pensando sobre o esclarecimento de sua
existência, se torna um mecanismo de funcionamento de forma que a subjetividade,
características relacionadas a autonomia do coletivo e do individuo, bem como o
desenvolvimento de novas relações sociais de produção se banalizem, em prol de maior
acumulação de capital. O detrimento da psique, do corpo e das relações sociais se torna
fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. Isto é necessário de maneira que
se efetive e efetue em determinados espaços a subsunção formal e real do trabalho, que
gera em grande escala uma superpopulação relativa, que fica parcialmente empregada.
Quanto maior forem os controles dentro destes espaços políticos e produtivos,
maior será o controle da reprodução de condições de mais valia absoluta e relativa,
incidindo então sob a esfera da produção e da política, podendo ser identificada pelas
condições de emprego e desemprego, bem como empregos informais, rotativos e
parciais. Quanto maior o controle sobre a produção voltada para a reprodução da
acumulação maior é a degradação social, humana e ambiental. Neste sentido, a
coletivização, a ressignificação das relações sociais de produção a partir da tomada da
propriedade privada e dos meios de produção em situação de falência, espólio ou em
decadência, é uma alternativa que constrói novas formas de organizar a sociedade e as
relações entre humanos porque aproxima as subjetividades. Todavia a lógica da
acumulação prevalece, e assim há inúmeras situações e problemáticas que recaem em
um território particular tal qual a Flaskô.
Tendo o entendimento de que dentro da fábrica existe possibilidade para o
trabalhador se ver de maneira crítica, quando identificamos características que
representam a autonomia, a liberdade de escolha, a razão crítica, o sujeito moral em sua
práxis, estamos diante de um novo significado para o trabalho e para as relações que
existem na Flaskô.
Isto porque os meios de produção são ocupados por outra forma de relação
social de produção, a forma solidária evidenciada sob controle operário. Entretanto,
conhecemos a racionalidade que engloba a fábrica, de uma maneira que a organização
acaba cobrando os trabalhadores e causando os efeitos descritos, mas uma cobrança que
é composta pelo conjunto dos trabalhadores que definem e decidem os rumos da fábrica
em assembleia e estes entendem que tais decisões tem que relacionar tanto as dinâmicas
internas quanto externas à fábrica, bem como os fatores políticos e produtivos.
A compreensão da subsunção formal e real do trabalho, que recai sobre as
esferas do mundo do trabalho e também no mundo da vida, se caracteriza pela
existência de um exército de reserva, uma superpopulação relativa, mecanismos para a
reprodução de mais valia absoluta e relativa, condicionada por uma série de fatores
(relações de poder, ação comunicativa, política) em posse de poucos grupos, que
adentram a economia política e ao mesmo tempo a atravessa (chegando às esferas de
gênero, ambiental, tecnologia) reproduzindo determinadas relações sociais de produção
capitalista. Da alienação que as pessoas sofrem devido à dinâmica capitalista, utilizar o
referencial das relações sociais de produção que são reproduzidas parece uma condição
para compreender a racionalidade do capital e que deve estar orientado para além dos
meios de produção, se há a busca por uma nova relação social e humana. Daí que é
interessante observamos para condições particulares que existem na Flaskô
relacionando às ao referencial das relações sociais de produção.
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
3.1 Condições particulares
O estudo de um caso de gestão por controle operário é singular porque nele se
manifestam as contradições que se escondem em geral nos modelos de gestão da Teoria
Geral da Administração. Assim sendo, quando na luta econômica a administração retira
dos trabalhadores “a consciência de serem explorados, sem suprimir as causas
essenciais dessa exploração” (MANDEL, 1979, p.285), temos um retrocesso que
escamoteia a contradição que o capital gera, que é na verdade não uma contradição mas
um método de funcionamento ancorado em diversos mecanismos desde o controle da
produção até o controle psicológico dos trabalhadores.. A vivencia na fábrica permite
uma abertura muito positiva e que tende a fortalecer o direcionamento do referencial da
relações sociais de produção.
A própria pesquisa permite que é um embrião de novas relações sociais de
produção, estabelecida entre Flaskô e universidade, trabalhador e pesquisador. Para isso
o trabalhador é tratado de maneira distinta da forma convencional. A fim de resistir a
possibilidade de problemas relacionados a mais perda de direitos, os trabalhadores
optaram por classificar enquanto custo fixo o seu trabalho, de forma que ninguém na
Flaskô é demitido. Assim sendo, os problemas existem e eles são discutidos
francamente. Se os trabalhadores optassem por negar os problemas (de atrasos, ruídos
de comunicação interna e etc) estariam reafirmando a postura da TGA, criticada por
Tragtenberg, pois estariam apresentando deformadamente o real, como se não
houvessem tensões dentro da gestão da fábrica. Neste sentido, o caso da Flaskô pode
resultar em uma perspectiva que possibilita a compreensão destes elementos, desde o
aspecto humano até as dimensões estruturais e também da autogestão, tendo em vista
novas relações sociais de produção.
O caso das fábricas ocupadas, caso esse que no Brasil se restringe a poucas
ocupações, é um caso que escancara o discurso omitido da organização social, em
diversos sentidos. Aqui argumentamos que as relações sociais de produção devam ser
recriadas a partir de novos sentidos que os meios de produção possam ter, a partir das
pessoas organizadas coletivamente. Desta maneira, partir de uma fábrica ocupada para
compreender mais elementos acerca do mundo do trabalho, pode ser rico no sentido de
que há uma abertura maior para investigar a opinião dos trabalhadores acerca da
racionalidade capitalista e do trabalho. Todavia é importante lembrar que
a autogestão não surge em qualquer lugar, conjuntura ou momento. É necessária uma
conjuntura, um lugar privilegiado. Onde e quando ela surge porta, necessariamente, seus
elementos “possíveis”: a tendência à “generalização” e à “radicalização”. Para que a
autogestão se consolide, se amplie, ela deve ocupar os “pontos fortes” da estrutura
social que operam contra ela (LEFEBVRE 1966),
A tese permitiu olhar para o mundo do trabalho com olhares que se estendem
para além das condições produtivas de trabalho, mas que só poderiam ser vistas a partir
da realidade do trabalho das pessoas que constroem o dia a dia da fábrica Flaskô. Assim
como na literatura acerca das condições particulares que afeta o campesinato, existe a
configuração de certas relações sociais de produção no interior da fábrica que
qualificam determinadas caraterísticas particulares da fábrica, onde a autonomia dos
trabalhadores na produção, até a questão da mobilização política, como táticas para
manter os postos de trabalho, são algumas destas características.
Por outro lado, essas condições particulares se restringem às relações dos
trabalhadores na fábrica, de maneira que isso faz com que a Flaskô se envolva com a
luta para além dos seus muros, por entender que “não existe o movimento de fábrica
ocupada com uma só fábrica”, diz Pedro e assim o enfrentamento não se dá apenas no
interior dos meios de produção, mas também nas esferas políticas de decisão que não
estão apenas relacionadas à administração da fábrica ou das relações externas com o
mercado, mas inclusive com a burocracia político institucional para além dos meios de
produção. Desta maneira, os trabalhadores possuem autonomia no que diz respeito se
apropriaram das máquinas, do ritmo do trabalho, criarem novas perspectivas e
significados para o trabalho, na medida em que tocam na questão da legitimidade da
propriedade - fábrica abandonada e quebrada vs fábrica ocupada e funcionando. Ainda
sim é vista uma situação de tensão no interior da fábrica, devido as retaliações que a
fábrica sofre de agentes externos.
Neste sentido, de um lado tem se o entendimento do mercado como demanda da
fábrica, no sentido de compreender melhor a competitividade, e de outro tem se outra
demanda que é o apoio político de movimentos, universidades, pesquisadores na
mobilização política, ambos com o intuito de manter a resistência da fábrica. Neste
sentido a Flaskô representa um território político produtivo sui generis porque não
apenas produz, mas também se envolve com a política institucional.
Se no caso do campesinato ele pode ser considerado um trabalhador sui generis
devido ao fato de possuir uma relação distinta com os meios de produção, que no caso
se vincula ao tratamento da terra, o trabalhador da Flaskô também pode ser visto sob
essa óptica, na medida em que possui outra relação com as máquinas, com a
organização estratégica da fábrica, com a propriedade privada e com a excedente que os
próprios trabalhadores geram, que direciona para um viés político que busca a
estatização da propriedade privada, fazendo sua legitimação social.
Os trabalhadores carregaram então os traços, códigos e símbolos deste território
complexo. Assim sendo, os resultados acerca do campo puderam evidenciar algumas
particularidades dos trabalhadores, que complexificam ainda mais o território a partir de
suas narrativas.
As pessoas entrevistadas que durante a pesquisa de campo relataram histórias de
vida, problemas cotidianos, relações de trabalho, dificuldades pessoais foram Adélia,
Bitoca, Pedro, Josiane, Alexandre e Osvaldo. Adélia, que trabalha com compras,
apontou a necessidade de um sistema integrado para haver menos papelada. Na fala
dela, em que relata: “se vocês tivessem vindo ontem, vocês iriam ver um monte de
papel em cima da minha mesa”, ela mostra que teve de aprender a lidar com os
problemas da Flaskô na prática, aprendizado esse que foi a escola de muitos ali dentro,
seja no setor administrativo ou da produção.
Trabalhadores como Dema e Cumpadi Joao eram funcionários que estavam
presentes na época patronal e que, pelas vivências que tiveram na fábrica durante esse
período, puderam contribuir bastante para os rumos da empresa. Dema, que era o antigo
motorista, tornou-se o guia da Flaskô por entre clientes e fornecedores ensandecidos por
conta de uma má gerência que foi abandonada. Da mesma maneira, Cumpadi Joao, que
era operador na época patronal, tornou-se um dos mecânicos, devido às práticas e às
necessidades que a fábrica impunha ao trabalho das pessoas bem como o abandono dos
antigos engenheiros mecânicos que saíam da fábrica por mais garantia em outros postos
de trabalho.
Tanto Adelia, Dema e Cumpadi Joao tiveram que “aprender na marra”, na
prática, isso ocorre em todas as empresas, mas o fato é que trabalhadores da Flaskô são
considerados custos fixos e, portanto, possuem garantia de que os direitos serão
cumpridos uma vez que não podem ser demitidos. Uma situação que pode se contrapor
à essa condição são os atrasos de salário. Nos últimos 6 meses a fábrica vem passando
por dificuldades, que não aconteciam desde 2014, isso devido a crise do mercado e da
obsolescência do parque fabril. E, ao mesmo tempo em que não podem ser demitidos,
eles, ainda assim, não são os donos da fábrica e, por isso, precisam da auto organização
para encarar as problemáticas produtivas e estratégicas.
Bitoca e Xaolim são trabalhadores que moram na propriedade da fábrica e que,
quando conversamos, em meio a história de vida, sobre a fábrica, histórias essas umas
felizes, outras mais tristes e comoventes, que pudemos compreender as nuances do
mundo de suas vidas.
Quando perguntávamos sobre a fábrica, não demorava muito para eles falarem
que moram na fábrica e que podíamos ficar à vontade nos dormitórios; logo em seguida
relatavam sobre a horta que possuíam no interior da fábrica e dos planos futuros.
Enfim, os trabalhadores, pelas suas falas, trazem muito mais que suas
características próprias: nelas também são encontradas dificuldades que a Flaskô passa,
e que ambos sentem na pele, como por exemplo o corte de energia na fábrica, que
acarreta na falta de luz e aquecimento em suas casas.
Conversando com o trabalhador Bitoca, ele menciona que “moro dentro da
fábrica e tenho uma horta”, da mesma maneira que na entrevista com Xaolim também
fica evidente essa característica.
3.2 Trabalhadores que moram na fábrica e atividades paralelas para arrecadação
de fundos
Bitoca e Xaolim são trabalhadores que moram na propriedade da fábrica e que,
quando conversamos, em meio a história de vida, sobre a fábrica, histórias essas umas
felizes, outras mais tristes e comoventes, que pudemos compreender as nuances do
mundo de suas vidas.
Quando perguntávamos sobre a fábrica, não demorava muito para eles falarem
que moram na fábrica e que podíamos ficar à vontade nos dormitórios; logo em seguida
relatavam sobre a horta que possuíam no interior da fábrica e dos planos futuros.
Enfim, os trabalhadores, pelas suas falas, trazem muito mais que suas
características próprias: nelas também são encontradas dificuldades que a Flaskô passa,
e que ambos sentem na pele, como por exemplo o corte de energia na fábrica, que
acarreta na falta de luz e aquecimento em suas casas.
Conversando com o trabalhador Bitoca, ele menciona que “moro dentro da
fábrica e tenho uma horta”, da mesma maneira que na entrevista com Xaolim também
fica evidente essa característica.
Uma das coisas mais importantes dentro dos movimentos sociais é a
solidariedade que existe entre as pessoas que estão envolvidas na construção da
organização social. Nesse sentido, da mesma maneira que os trabalhadores optaram por
ceder o terreno da fábrica para a ocupação e construção de moradias, no interior da
fábrica, há trabalhadores que moram nas antigas casas que antes pertenciam aos patrões.
Durante as entrevistas para compor o mapa de problemas, o questionário pensado para
identificar as condições particulares estava preparado para perceber as condições que
pudessem ser percebidas como específicas do território da Flaskô.
Além da atividade produtiva, o trabalhador está alocado na fábrica, de maneira
que traz mais resistência no sentido de que há certos “noias que entram procurando
alguma coisa”, relata Xaolim. A partir disso, vemos a importância do porteiro dentro
dela, tendo em vista o fato de ele ser o primeiro a ver qualquer coisa estranha ocorrendo.
Os trabalhadores que moram dentro da fábrica possuem suas hortas que
beneficiam na resiliência da fábrica, mas também é visto como uma terapia pelos
trabalhadores. Isso só é possível porque há uma ocupação na qual os trabalhadores
optam por isso e apoiam tal atividade. Quando indagamos se gostam de morar lá, há
respostas distintas. Xaolim ressalta a vontade de ir para outro lugar, enquanto Bitoca já
não tem essa preocupação. A autonomia não está em morar lá dentro, mas ter tanto a
possibilidade de ficar quanto de sair e ter a possibilidade de definir e decidir sobre a
realidade vivida dentro da questão produtiva e política da fábrica. Em uma pergunta
sobre as tarefas dos trabalhadores, alguns relatam uma sobrecarga. Isso se deve ao fato
de que muitos trabalhadores possuem trabalhos extras fora da fábrica e também
realizam inúmeras tarefas na Flaskô. O caso de Bitoca e Xaolim é um caso que salta aos
olhos, por estarem alocados no interior do território da fábrica, garantindo, assim, maior
resiliência para as atividades, na medida em que possuem uma estreita relação com os
trabalhadores do chão de fábrica e, além disso, contribuem para outras formas de
geração de renda na fábrica.
Durante os diálogos foi possível ver em algumas respostas condições que estão
vinculadas às particularidades da Flaskô. A entrevista com Bitoca foi muito
interessante. Na medida em que conversávamos sobre as dificuldades encontradas
durante o trabalho, Bitoca construiu uma narrativa amistosa, ora falando do mundo, da
vida, ora falando do dia a dia da fábrica. Tais dificuldades foram apreendidas pelo
método do mapa de problema. “A rosca dá problema e às vezes não consigo produzir,
porque a máquina para”. Em meio às dificuldades, ele falava sobre ser violinista e
cantor de música sertaneja, fato que revela outras atividades que os trabalhadores
realizam para além dos muros da Flaskô (o que, ao mesmo tempo, é visto como
necessário o fato de ter uma alternativa de renda devido ao atraso de salários) e que só é
possível, porque a fábrica estabelece uma jornada de 6 horas.
Da mesma maneira que existe uma série de condições particulares resultantes da
ocupação da fábrica, galpões abandonados se transformaram em espaços culturais, para
palco de peças de teatro, mobilizações políticas, acampamento, pista de skate, espaço
para grafite. Isso denota que há, então, uma apropriação do espaço para que sejam
organizados eventos que possam contribuir para a mobilização e visibilidade da fábrica.
Em outras palavras, da mesma forma que existe uma relação de permanência no
território, existe espaço para que outros grupos e pessoas que apoiam a fábrica possam
se alojar ou dele se utilizar.
3.3 Mobilização política é parte da atividade produtiva
Uma das coisas mais interessantes de se estudar num movimento social
enraizado socialmente como a Flaskô é verificar os enfrentamentos gerados frente aos
pensamentos e práticas dominantes no sentindo material e simbólico, tendo em vista que
movimentos como esse ocupam produtivamente o espaço, criam possibilidades de
moradias, estimulam o engajamento político bem como a cultura.
No mês de agosto de 2016, como já o dissemos no início deste trabalho, a
fábrica recebeu um aviso da CPFL de corte de energia. Como resposta, uma das táticas
utilizadas pelos trabalhadores foi a ocupação do espaço da CPFL com outro movimento
social, o de luta por moradia dos moradores da Vila Soma, um bairro ocupado por mais
de dez mil pessoas que somou na luta e resistência da fábrica Flaskô frente aos cortes de
energia.
Daí que surge a importância na fala de Alexandre sobre “aqui optamos pelo
achatamento salarial”, que a priori parece um termo que se refere à um rebaixamento
dos valores, mas que diz mais a um ponto de equilíbrio entre os salários dos
trabalhadores; é na Flaskô onde a categoria de porteiro tem o maior salário em relação
às outras empresas da cidade”, tendo em vista que qualquer emergência, desde a CPFL
até interventores do estado, o primeiro que vê e dá o sinal de ação é o porteiro.
Os trabalhadores são engajados na produção, e é nas palavras de Manu que
vemos isso, quando aponta que “aqui nós a gente sabe que o resultado é para nós
mesmos”. É por isso que os trabalhadores do chão de fábrica possuem uma dinâmica de
trabalho que permite conhecerem cada setor da produção.
Há, por outro lado, a questão da relação entre chão de fábrica e setor
administrativo que possui uma série de ruídos, inerentes ao modelo de produção em que
existe a divisão do trabalho.
Um desses problemas se relaciona ao período de trabalho, de forma que há casos
em que os trabalhadores acabam ficando parados por não terem como produzir, questão
essa que o mapa de problemas apresentado neste projeto na seção sobre o método tratou
de apreender. Existe um posicionamento ideológico dentro da fábrica que lida com o
trabalho de modo distinto. Ressalte-se, nesta reflexão, a questão da subsunção real e
formal do trabalho, de maneira que ele é tratado distintamente da questão comumente
imposta nos ritmos de trabalho.
O regime é CLT. O registro da fábrica está no nome de um dos trabalhadores
(Pedro). A carga horária é de 6 horas diárias. Há três turnos. Operam sete máquinas,
sendo quatro delas produtoras dos produtos finais; uma máquina de mistura da matéria
prima; uma máquina de reciclagem de refugo, material reciclável e matéria prima em
não conformidade; uma máquina para a manutenção de máquinas; dois conjuntos de
equipamentos relacionados à gestão; o conjunto de computadores (5-6); o conjunto de
equipamentos da qualidade (computador, teste de densidade e de impacto) e, por fim, há
a máquina de resfriamento.
Por outro lado existem inúmeras adversidades que afetam o seu dia a dia e que
em certos casos afetam diretamente a remuneração. Essa é uma situação incomum.
Pedro, Cumpadi João, Alexandre e outros trabalhadores apontam que o atraso da
remuneração é uma situação que não afetava a Flaskô há mais de dois anos atrás, mas
que começou a incidir diretamente sob a fábrica quando a economia como um todo
entrou em crise acometendo os mercados de todo mundo.
Para além da economia, a Flaskô também se projeta em direção à esfera política,
visto que busca a consolidação de um grupo de trabalho para lidar com o futuro da
fábrica no sentido da adjudicação. Com a posse do atual governo golpista, essa
estratégia foi praticamente extinta. Houve uma situação para a qual a fábrica convocou
os movimentos sociais e pesquisadores:
Considerando que em pouco mais de 30 dias entramos em dezembro quando a
demanda por peças cai gritantemente, e que a previsão de retorno como nos
ensina a tradição é para depois do carnaval; Considerando que estamos com
dois salários inteiros, agosto e setembro, além de diversas férias em atraso, e as
perspectivas de final de ano não apontam melhoras significativas a ponto de
alterar esses atrasos de maneira suficientemente grande; Considerando que
temos meses de atraso nas contas de energia (CPFL), sendo uma de 118 mil
outra de 103 mil e outra ainda de 62 mil, além de parcelas nos acordo;
Considerando que nosso objetivo de luta é salvar os empregos e manter as
atividades da fábrica Flaskô [...]. Aproveitamos, assim, durante a 7ª edição do
Festival Cultural da Flaskô, e o histórico da articulação do movimento
operário, camponês e estudantes/professores, para apresentar a Convocatória
Em Defesa Da Luta Dos Trabalhadores Da Fábrica Ocupada Flaskô.
(FLASKÔ, 2016 p. 2)
3.4. Trabalhadores que vieram da academia: Josiane, Pedro e Alexandre
Quando pensamos em uma fábrica logo imaginamos elementos industriais
compondo majoritariamente os cenários imaginados. Esquecemos muitas vezes que
existe um trabalho intelectual por detrás de cada posto de trabalho. Para além do
trabalho abstrato que reside nas atividades de cada trabalhador, encontramos na fábrica
Flaskô o perfil peculiar de alguns trabalhadores que vieram do contexto acadêmico.
Dentro da fábrica existem três trabalhadores com este perfil. Dois vieram da
Unicamp (Pedro Santino e Josiane Lombardi) do curso de ciências sociais e o terceiro
(Alexandre Mandel) veio do curso de direito da PUC. Josiane trabalha no setor de
mobilização da fábrica e é responsável por realizar a conexão com os movimentos
sociais, realizar eventos, festivais e também por fazer a divulgação das atividades da
fábrica. Ela é uma das trabalhadoras que reside na propriedade da fábrica. Vale ressaltar
que essa estadia é permanente, mas está atrelada não a uma necessidade da Flaskô em
manter a trabalhadora no local de trabalho, mas por sua própria escolha. É uma situação
particular. A trabalhadora é doutora em sociologia e trabalha no setor de mobilização.
Os outros dois trabalhadores são particulares devido às atividades que exercem
na Flsakô e que é de fundamental importância para que a fábrica possa se manter.
Pedro é formado em ciências sociais, mas exerce um cargo de administrador e
controladoria financeira dentro da fábrica. É uma das pessoas responsáveis por gerir as
contas da fábrica, a carteira de clientes, negociação com os fornecedores, nas suas
próprias palavras, um faz de tudo que a fábrica demanda. Sua participação na fábrica se
inicia com a ocupação em 2003, ano este de mudança da rotina da Flaskô, essa que a
partir deste momento passa a ser gerida pelos trabalhadores. Pedro é responsável pela
estabilidade financeira, por agregar as informação e apresentar aos trabalhadores do
chão de fábrica e administrativo de maneira clara e simples.
Ainda que exerça esta função, ele aponta a dificuldade de manter todos os
trabalhadores informado no sentido de que existe muitas informações que não chegam a
todos devido a diversos motivos, como por exemplo o absenteísmo em reuniões. Sendo
esta uma deficiência da fábrica, o trabalhador aponta que, falta burocracia no sentido da
sistematização e organização das atividades da fábrica. Este desabafo do trabalhador
tem mais relação com o acúmulo de tarefas que os trabalhadores possuem, levando a
desvios na produção (tempo perdido, processos não registrados e etc), e menos com a
busca pela burocratização do trabalho, até porque isso descaracterizaria por completo as
atividades da fábrica.
Durante os anos foi possível ver que a postura do trabalhador é aquela de
enfrentamento dos problemas e problemáticas geradas pelo capital, de maneira que
existe uma forte conexão com o discurso de superação do capitalismo. Essa é uma
postura que conflui com a ideologia da fábrica e de sua função social. Assim sendo, nas
suas próprias palavras “na Flaskô o trabalhador tem autonomia (...) não temos nada à
esconder”, reforçando que a fábrica é de todos e que é aberta para quem quiser
conhecer, pesquisar e dar suporte. Uma de suas funções é compreender o mercado, a
situação da fábrica e a disponibilidade de recursos que a fábrica possui, e assim também
cumpre um papel de mobilização frente ao mercado, na medida em que estimula as
parcerias com movimentos sociais e sindicatos, busca negociar com o Estado e o
município e estreita os laços com outros agentes do mercado. Pedro aponta inúmeras
dificuldades, mas parece que o preconceito político e o descaso que existe por detrás
dos boicotes que a fábrica sofre criam situações críticas para quem está lá. Ele aponta
que a polícia federal já foi atrás de seus bens, e na sua fala “eles queriam levar meu
carro velho, eu falei, pode levar é a única coisa que eu tenho...”, de maneira que essa
tática do governo tem como objetivo mitigar a capacidade de resistência da fábrica. Essa
perseguição individual dos trabalhadores recai diretamente na subjetividade de cada um
de forma negativa e além das dificuldades apontadas ao longo desta tese, esta é uma
problemática humana extremamente delicada, porque fica um clima de desconfiança
dentro da fábrica quando há essas perseguições. Daí que o setor jurídico da fábrica é
importantíssimo.
Assim, a figura do advogado Alexandre Mandel é importante para a fábrica e
seus trabalhadores por vários motivos. Como abordado no decorrer da tese, a fábrica foi
abandonada pelo patrão, deixando uma cifra milionária de dívidas com agentes do
mercado. Mais de 200 processos envolvendo a fábrica tramitam pelos tribunais
municipais e federais, de maneira que Alexandre tem que lidar desde casos trabalhistas,
até institucionais. Neste sentido, as dívidas deixadas pelos patrões além de implicar na
batalha dos trabalhadores para resgatar as quantias referentes a cada processo, recaem
também diretamente na reputação da fábrica como um aspecto negativo. Devido às
dívidas contraídas a fábrica não consegue acessar fundos de investimento e crédito no
banco. A necessidade de um advogado na fábrica é essencial, pois além dos
trabalhadores lesados pelos antigos donos, a fábrica sofre inúmeros ataques tanto do
setor privado quanto do setor público.
Desta forma, parte dos ataques acabam gerando problemáticas dentro da Flaskô,
o exemplo prático de como as dívidas impactam na vida dos trabalhadores é quando a
CPFL corta a energia da fábrica por conta dos atrasos no pagamento. Essa é sempre uma
situação delicada para a fábrica. A única saída que possuem é através da negociação e
mobilização política dos movimentos sociais para conter e estancar a sangria gerada
pelas ações destes agentes, no caso a CPFL. O papel do advogado é tanto mais
importante em audiências e conferências públicas, sendo a voz dos trabalhadores da
Flaskô em ambientes formais. É uma participação importantíssima, de maneira que o
advogado militante participa de diversos eventos divulgando o caso do controle
operário. Atualmente faz parte da Esquerda Marxista, organização de formação política
que segue as diretrizes da Corrente Marxista Internacional, de maneira que a Flaskô
recebe apoio do país inteiro.
Durante o último corte de luz realizado pela CPFL no início de abril de 2017, na
conferência que a fábrica realizou relatando as dificuldades que passava, Alexandre
comenta que “a CPFL disse que a Flaskô é a única fábrica que eles tem medo, por causa
do poderio bélico da fábrica, porque veio moção, email, mensagem no inbox, de todos
os cantos do Brasil pedindo para religar a luz na fábrica”.
Josiane, Pedro e Alexandre são exemplos da importância da relação entre
universidade e indústria. Mesmo com diplomas do ensino superior, o salário dos três
trabalhadores não é superior, em outras palavras há o que é chamado de achatamento
dos salários, uma estratégia que equilibra os salários dos trabalhadores. No sentido da
emancipação do trabalho, assumem um papel que revela a potencialidade das relações
entre conhecimento e trabalho. Além de cada um fazer suas rotinas de atividades, estão
sempre na luta política mobilizando, motivando e incentivando os trabalhadores da
Flaskô a lutar pelos postos de trabalho: Josiane na busca de atividades e eventos de
cunho social que possa trazer visibilidade para a fábrica; Pedro se relacionando e
negociando com o mercado e com figuras de influência para conseguir recursos para a
fábrica; e Alexandre como uma defesa político institucional dos trabalhadores. Esses
três trabalhadores são importantíssimos para a fábrica dentro do contexto político.
3.5 As máquinas são apropriadas
Henrique Novaes (2005) salienta a necessidade de que a Tecnologia seja
apropriada e apontando sete formas em que a adequação pode ocorrer:
1)Uso: O simples uso da tecnologia (...) com a condição de que se
altere a forma como se reparte o excedente gerado.
2)Apropriação: implica em uma ampliação do conhecimento, por
parte do trabalhador, dos aspectos produtivos (...) gerenciais e de
concepção dos produtos e processos, sem que exista qualquer
modificação no uso concreto que deles se faz.
3)Revitalização ou Repotenciamento das máquinas e equipamentos:
significa não só o aumento da vida útil das máquinas e equipamentos,
mas também ajustes, recondicionamento e a revitalização do
maquinário. Supõe ainda a fertilização das tecnologias ‘antigas’ com
componentes novos.
4)Ajuste do processo de trabalho: implica a adaptação da organização
do processo de trabalho à forma de propriedade coletiva dos meios de
produção o questionamento da divisão técnica do trabalho e a adoção
progressiva do controle operário
5)Alternativas tecnológicas: implica a percepção de que as
modalidades anteriores, inclusive a do Ajuste do processo de trabalho,
não são suficientes (...) sendo necessário o emprego de tecnologias
alternativas à convencional. A atividade decorrente desta modalidade
é a busca e seleção de tecnologias existentes.
6)Incorporação de conhecimento científico-tecnológico existente:
resulta do esgotamento do processo sistemático de busca de
tecnologias alternativas e na percepção de que é necessária a
incorporação à produção de conhecimento científico-tecnológico
existente. Atividades associadas a esta modalidade são processos de
inovação de tipo incremental, isolados ou em conjunto com centros de
P&D ou universidades.
7)Incorporação de conhecimento científico-tecnológico novo: resulta
do esgotamento do processo de inovação incremental em função da
inexistência de conhecimento suscetível de ser incorporado a
processos ou meios de produção para atender às demandas por AST.
Atividades associadas a esta modalidade são processos de inovação de
tipo radical que tendem a demandar o concurso de centros de P&D ou
universidades e que implicam na exploração da fronteira do
conhecimento. (NOVAES 2005 p. 20 – 22)
Deste pequeno mapeamento dos distintos níveis em que um empreendimento
autogestionário poderia se encaixar especificamente na AST, é necessário que este
discurso esteja em interação com a realidade do setor em que cada empreendimento se
encontra. No caso da Flaskô Eles (1) usam a tecnologia e distribuem o excedente de
maneira distinta em relação à outros empreendimentos, (2) se apropriam do
conhecimento ampliando o saber produtivo e gerencial, sem haver alteração do uso
concreto do saber, (3)(6) já houve revitalização e conserto de máquinas com
incorporação do saber científico-tecnológico, (4) ajusta o processo de trabalho à
concepção do controle operário e (5) percebem a necessidade do incremento
tecnológico. A necessidade de investimentos para pequenos e médios empreendimentos
e para fábricas recuperadas, cooperativas e empreendimentos autogestionários, se ve
cada vez mais necessário enquanto há uma perspectiva de avanço da economia
solidária, tendo em vista o acesso à novos processos e produtos.
A defesa em luta dos trabalhadores gira em torno das esferas políticas e
culturais. . Isso se deve ao fato de que a técnica e a tecnologia não são neutras, ou seja,
sempre há perspectivas, desejos, vontades, sustentado sua utilização e aplicação e que
submetem novas visões de mundo à um padrão de ordem, que possui contradições.
Além disso, há ideologias, agendas, estratégias que perpassam as práticas que envolvem
tais técnicas e tecnologias. De maneira que tal postura afeta diretamente a reprodução de
novas relações sociais de produção de maneira negativa.No caso da Flaskô, todas as
máquinas foram apropriadas pelos trabalhadores e legitimadas socialmente, visto que
são direcionadas para a reversão das dívidas que os patrões deixaram, em recurso para
colocar em funcionamento a fábrica, transformando máquinas que foram abandonadas e
sucateadas em máquinas produtivas. Houve uma série de modificações nos
equipamentos, como a adaptação de peças em outras máquinas, sem contar que os
trabalhadores do chão de fábrica tiveram que adaptar suas práticas. Entretanto de meses
em meses as máquinas sofrem leilões elaborados pelo município pressionado pelo setor
privado, buscando boicotar a produção da fábrica.
Vale ressaltar a importância de outros estudos já feitos sobre a Flaskô. Um
destaque especial deve ser dirigido ao grupo de pesquisadores que revitalizou com os
trabalhadores do chão da fábrica uma das máquinas entre os anos de 2011 e 2012,
conforme mostra a imagem abaixo:
FIGURA 6: Máquina recuperada pelos trabalhadores da Flaskô
Fonte: própria
Partindo dos pensamentos do escritor Warck Mackenzie (2004), os trabalhadores
hackearam as máquinas, fizeram uma adaptação sociotécnica, ou, no português mais
claro e coloquial, “fizeram uma gambiarra” que, até hoje, permite o funcionamento das
máquinas.
Outra reflexão advém do caso Flaskô: os trabalhadores dão outro sentido para a
informação gerada por sua existência, apontam e revelam novas diretrizes e caminhos
que poderiam ser seguidos, e, a partir disso, questiona-se: e se a Flaskô não tivesse as
dívidas deixadas pelo patrão, como ela estaria? Essa é uma pergunta que afronta
diretamente o capital.
O padrão de qualidade da Flaskô é muito importante para as atividades da
fábrica. É deveras relevante para ela a verificação das matérias primas, da mistura e da
qualidade final do produto acabado, primando por um padrão de qualidade Flaskô. Esse
cuidado é uma das forças que contribui para que os clientes fiquem satisfeitos com o
produto, como mostrará abaixo o Mapa Radar (Figura 8). No entanto, a fábrica tem
dificuldade em conseguir os certificados para conseguir outros nichos de mercado por
causa dos custos para isso.
Enfim, o que acontece é que existem problemas diversos relacionados às
operações materiais às quais qualquer empresa estaria sujeita, ou seja, a Flaskô não é a
única que sofre com altos custos operacionais. Todavia, é importante pontuar que há
condições específicas que só existem na Flaskô e que condicionam o território
produtivo em terreno político produtivo.
Pois bem, em outras palavras, o sucateamento da fábrica está relacionado aos
problemas da industrialização brasileira que culminou nas políticas de reestruturação
econômica dos anos noventa e dos quais resultou em um aumento da competitividade
no setor. Tais problemas foram se acentuando, foram eliminando pequenos e médios
produtores que não tinham capacidade de se manter no mercado no longo prazo, e,
assim, na medida em que houve tal acirramento, o impacto na Flaskô também ocorreu.
A partir disso, a necessidade de compreender melhor a perspectiva e forma de
participação e protagonismo dos trabalhadores e das trabalhadoras da fábrica é parte da
questão das atividades político produtivas.
É sabido que os altos custos operacionais são um problema inerente a qualquer
empresa. Entretanto, há elementos que não estão ligados à administração da própria
empresa. Em outras palavras, elementos ligados à estrutura e à conjuntura também
impactam diretamente no funcionamento da fábrica. Nota-se, de um lado, uma
conjuntura política externa, aquela que diz respeito às decisões políticas que recaem
sobre o desenvolvimento direto da fábrica, e, por outro, a própria estrutura interna de
enfrentamento ao capital. No Manifesto de Emergência dos Trabalhadores da Fábrica
Ocupada Flaskô, divulgado pela fábrica no 7° Festival de Cultura (05/11/2016), a
situação da fábrica mostrou-se crítica, devido à conjuntura da política externa:
Considerando que a situação econômica do País é gravíssima e seu impacto nas
atividades econômicas são seríssimos, levando a grande atraso nos salários, por
todo o país o que vemos é o maior caos econômico da história, fruto da
sabotagem organizada pelos bilionários que decidiram tomar o poder de assalto
via um golpe parlamentar, o impacto n economia será sentido por décadas, caso
não parecemos as ameaças sobretudo na PEC 241 (agora, no Senado, PEC nº
55). Considerando que com a assunção do “novo governo Temer” as
possibilidades de negociação com o governo Federal estão praticamente
esgotadas (FLASKÔ, 2016 p. 2)
Esse posicionamento da fábrica se faz necessário, devido ao fato de que as
condições políticas são muito delicadas após o governo golpista assumir o governo. Isso
para pensar que se a situação da Flaskô era complicada nos governos do PT, no tual
governo golpista do PMDB vemos o acentuado desgaste das leis trabalhistas (alteração
na lei sobre terceirização e na reforma da previdência), de forma que a estabilização da
situação da Flaskô fique mais distante, uma vez que necessita diretamente da
participação do governo para sua regularização jurídica. Em outras palavras, se no
governo Lula, a estatização não estava no “cardápio” e no governo Dilma, só foi criado
um grupo de trabalho no Ministério Público, no atual governo Temer, as negociações
cessaram e a possibilidade da adjudicação, uma das estratégias utilizadas para fazer a
regularização da fábrica sob o controle operário, será obstruída.
Elementos externos à Flaskô caracterizam-na como um território sui generis.
Contudo, características que não estarão apenas do lado de fora da fábrica, mas também
dentro dela, revelam características distintas de uma fábrica tradicional:
Muitas conquistas foram realizadas justamente por não termos a apropriação
privada da riqueza. Conseguimos organizar melhor a produção. Reduzimos a
jornada de trabalho de 44 para 40, e depois para 30 horas semanais, sem
redução de salários. Criamos espaços democráticos como o conselho de
fábrica e a assembleia, tomando as decisões coletivamente. Houve um
progresso riquíssimo de avanço no processo de consciência dos trabalhadores
e combatemos a alienação do trabalho convencional do capitalismo. Criamos
um novo ritmo de trabalho e a pautamos a prioridade no caráter social da
produção. Criamos o projeto da fábrica de cultura, esportes, educação e lazer,
com centenas de atividades que mobilizaram várias crianças, jovens, toda a
comunidade, coletivos de cultura e a consolidação da vila operária e popular,
com 564 famílias. [...] Criamos o Centro de Memória Operária e Popular
(CEMOP), organizando publicações e o arquivo de toda esta história. [...]
recentemente criamos o Restaurante e Bar da Flaskô. [...] Organizemos a
resistência e façamos um pedido de solidariedade política e financeira, tudo
que for necessário para garantir as conquistas da luta da Fábrica Ocupada
Flaskô. (FLASKÔ, 2016 p.4)
A postura da Flaskô em estabelecer os salários iguais e reduzir a jornada de
trabalho para 6 horas, ter a política de não ter demissão, ter achatamento dos salários
(uma aproximação entre os salários mais altos e os mais baixos) e ainda tratar o custo
com trabalhador como custo fixo e não variável são elementos que comumente não se
encontram nas empresas capitalistas.
3.6 A Flaskô resiste produzindo
Assim sendo a Flaskô conta com uma descentralização da decisão na medida em
que estipula assembleias e conselhos para realizar as deliberações. "Temos uma
assembleia que reúne todos os trabalhadores uma vez por mês. Nela são definidas as
diretrizes gerais sobre o funcionamento da fábrica e, como a execução disso requer um
trabalho cotidiano, é eleito o conselho de fábrica, com representantes de cada setor e
turno que se reúnem toda semana" (Pedro trabalhador entrevistado por RIBEIRO,
2013). De uma forma que existe um nível de participação coletiva que poderia se
assemelhar aos círculos de controle de qualidade (CCQ) presente nos sistemas
toyotistas, na medida em que há a participação dos trabalhadores na forma como a
fábrica é organizada, gerida e também sobre seu funcionamento, mas que se distancia
do método toyotista na medida em que o excedente produzido pelo método toyotista, do
qual se deriva da expropriação do trabalho e da necessidade deste ser subsumido à
imposição das ordens advindas dos detentores do capital, no caso o acionista, enquanto
na Flaskô “nós produzimos para nós mesmos” argui um trabalhador no curta metragem
de Guayaneche (2013), revelando que a participação dos trabalhadores nas atividades
não tem o caráter de simples colaboração, mas de solidariedade na medida em que nas
próprias palavras dos trabalhadores, eles trabalham para eles mesmos, os excedentes são
decididos em deliberações coletivas, as dificuldades afetam tanto o administrativo
quanto o chão de fábrica dentre outras características. Desta maneira essa gestão
peculiar deve lidar com problemáticas políticas e econômicas.
A partir da relação com alguns dos clientes da Flaskô foi possível identificar
algumas características do mercado no sentido de que a preocupação com a logística, a
qualidade dos meios de produção é um fator julgado importante para as empresas que
negociam com a fábrica. Além disso, as firmas confiam também nas relações que
possuem com a fábrica. Ainda que genérica esta primeira análise, a identificação do
mercado contribui para entender melhor o impacto que cada cliente infere no
faturamento, a partir da quantidade comprada, verificando por peso dos fatores essa
influência que o mercado exerce na fábrica.
Para a realização desta análise, é necessário multiplicar a quantidade produzida
pelo preço líquido do produto, e assim é possível verificar o peso real da opinião de
cada cliente, com base na média de produtos consumidos por mês demonstrado no
faturamento. Há certa dificuldade de contato com os clientes, tendo em vista a demora
para as respostas ou dificuldades em comunicação com os mesmos. De qualquer
maneira, é possível pensar algumas relações acerca dos dados coletados.
Vejamos alguns resultados:
FIGURA 7: Mapa Radar
Fonte: própria
Não é possível tirar muitas conclusões acerca do comportamento dos clientes da
Flaskô, tendo em vista que há uma amostra limitada para compreender todas as
dinâmicas da demanda. Todavia, na medida em que há uma maior resposta por parte dos
clientes, maior é a capacidade de que a fábrica possa aprimorar suas operações
relacionadas aos canais de distribuição e atendimento.
O fator “quantidade consumida” está vinculado à quantidade consumida por
mês, de maneira que, para aprimorar essa análise, é importante cruzar essa informação
com o preço de cada produto. Em síntese, nem sempre um cliente que consome a maior
quantidade de produtos é o que gera um maior faturamento para a fábrica, por isso a
importância de estabelecer uma análise que vincule tanto a quantidade quanto o valor.
Os indicadores que mais pesam dentre as respostas dadas são aqueles que
incidem sobre a logística e qualidade.
Houve certo comportamento padrão em algumas perguntas, mas que novamente
deve ser considerado na medida em que há o incremento de novas respostas.
Dentro do indicador da confiança, “serviço técnico e pós venda de apoio ao
cliente” e “boa relação” receberam as notas máximas de todos os clientes. Já no
indicador de custo, a opinião dos clientes varia bastante. Há clientes que julgam
importante que a fábrica possua uma maior cartela de fornecedores, enquanto há
opiniões que apontam que isso é irrelevante.
No indicador logístico, os fatores “rapidez de entrega”, “pontualidade na
entrega” e “conformidade às especificidades de entrega do cliente” foram itens que
foram apontados com nota máxima.
Quanto à qualidade, também são três itens que são apontados com maior
relevância, “conformidade às especificações de qualidade do produto e da matéria
prima”, “padronização de processos”, “durabilidade dos produtos”.
Observe-se que, para o Cliente 3, o know-how é um dos fatores mais importante
e que se relaciona com o fator sui generis da fábrica, na medida em que sob uma série
de adversidades, desde a questão da falta de matéria prima ou da falta de conformidade,
problema com máquinas, questões relacionadas a cortes de energia e ainda a
problemática que envolve a questão da emissão de certificados, ainda assim a fábrica
consegue manter a qualidade do produto.
Pela análise de mercado, a sua demanda por atributos como qualidade e logística
é maior, tendo em vista as operações financeiras, o faturamento, bem como a qualidade
dos índices da empresa. Fica evidente, porém, que apenas compreender as dinâmicas de
mercado não é suficiente para compreender de maneira completa o caso da Flaskô,
porque aqui elementos sui generis da ocupação não ficam evidentes, mas elementos
vinculados ao caráter de ocupação permeiam em meio à política e economia. Entretanto,
estamos visando a novas relações sociais de produção, por isso que este estudo
concentra esforços nas particularidades da fábrica como forma de identificar
problemáticas que afetam o trabalho e não apenas a reprodução do valor.
Nesse sentido, ainda que a autogestão e a economia solidária não tenham se
efetivado no mercado, tendo em vista uma série de fatores, o controle dos meios de
produção podem ser ocupados e resignificados localmente. Dessa forma, a racionalidade
capitalista se baseia em relações sociais controladas mediadas pelo capital, todavia,
quando há acentuados pontos de crise, há a possibilidade para que a sociedade civil
organizada tome os meios de produção, como Henri Lefevbre (1966) aponta.
Entretanto, ainda que com as crises haja a possibilidade para tais esforços, como
o do controle operário, a racionalidade capitalista de mercado acaba minando as
atividades de empreendimentos que questionam a lógica do capital como a economia
solidária e os movimentos que buscam outros sentidos dentro da organização do
trabalho, como o exemplo da Flaskô. Ela sofre com as flutuações de mercado como
outras empresas, e ainda está em uma situação delicada, devido à condição devedora
gerada pela administração patronal.
A Flaskô, pertencendo à geração do setor de plástico que faz a transformação
das resinas e dos insumos em materiais plásticos, pertence à cadeia que mais sofre com
essas flutuações, uma vez que não possui controle sobre os processos da cadeia de
produção. Todavia, como mencionado, não é apenas a Flaskô que se encontra nessa
situação, mas diversos negócios familiares e pequenos empreendimentos. Assim, há
sempre um risco inerente à submissão que esses pequenos negócios possuem, tanto em
relação ao cliente, quanto ao fornecedor, uma vez que há um oligopólio na cadeia de
produção.
Enfim, há um esforço duplo da fábrica: primeiramente, ela opera sob uma
estrutura decentralizada de decisão, resultado das deliberações de conselho e
assembleia; e outro de caráter econômico, ou seja, a condição estrutural em que a
fábrica se encontra condiciona a determinadas situações pelas quais ela fica à mercê do
mercado. Nesse sentido, quando a Flaskô propõe novas formas de organização dos
meios de produção, no caso o controle operário, e consegue se manter sob tais
condições, mostra a possibilidade para novas formas de organizar a decisão sob o
trabalho, ainda que apenas dentro de seu território, no entanto representando a
possibilidade para novas relações sociais de produção.
3.7 Dificuldades e potencialidades do controle operário
A partir desta pesquisa foi possível conhecer as dinâmicas vividas pelos
trabalhadores tanto no seu dia a dia, quanto fora do período de trabalho e também
durante atividades como manifestações e conferencias. Assim sendo, foram
identificados pontos positivos e negativos pelo qual a fábrica passa. A criação do
CEMOP, da fábrica de cultura, a redução das jornadas de trabalho, extinção dos
acidentes de trabalho dentro da produção, ausência de controle centralizado, a
construção da Vila Operária, a reinvindicação por direitos, são elementos positivos da
luta da fábrica; o saldo devedor, a má reputação da fábrica no mercado, inviabilidade de
acesso ao crédito, setor econômico saturado, governo federal e municipal divergente à
ideologia da fábrica, são alguns dos elementos negativos.
Assim dificuldades enfrentadas pela fábrica giram sob diversos pontos, desde as
problemáticas econômicas até aquelas políticas.
Quanto às dificuldades é identificado que aquelas relacionadas ao mercado se
atrelam diretamente com o seu abandono, de maneira que o mesmo abandono que
resulta nas dificuldades de mercado no que diz respeito ao ônus gerado pela antiga
administração é também o motivo pelo qual a hierarquia típica de uma empresa
tradicional desaparece dentro dos moldes da Flaskô. Os trabalhadores procuram
defender os postos de trabalho que garantem sua subsistência, mas fica compreendido
pela pesquisa que é necessário um engajamento político, bem como uma saúde mental
em dia para trabalhar lá, porque as dificuldades surgem a todo instante. O ritmo de
trabalho em três turnos de seis horas, não impacta na produtividade como aponta Pedro,
quebrando o mito de que o trabalhador precisa trabalhar jornadas longas e em ritmos
cada vez mais acelerados.
Esta característica da fábrica revela um território político produtivo, pois na
medida em que há a produção das bombonas e tambores plásticos, há também
conversas, discussão e formação política para os trabalhadores se engajarem na luta e
resistência. Foi criada a Fábrica de cultura e também o Centro de Memória Operária
(CEMOP). Desta maneira, a própria forma de administrar a fábrica e a organização que
os trabalhadores estipulam são particulares. Contando com a descentralização da
decisão, na medida em que estipula assembleias e conselhos para deliberação dos rumos
da fábrica, o controle operário se aproxima da autogestão e se distancia das formas
tradicionais de gestão e da teoria geral da administração.
Ainda que esteja dentro dos seus muros estimulando práticas solidárias, a Flaskô
tem que lidar com um mercado nada generoso e menos ainda solidário com a luta pela
garantia dos direitos sociais. Assim sendo, os instrumentos da administração são
absorvidos pela fábrica na medida em que se relaciona com agentes do mercado. Nesta
pesquisa foi feito um esforço em criar um “mapa radar” junto aos trabalhadores, um
instrumento de gestão com o intuito de fortalecer a relação que a fábrica tem com o
mercado, sob o entendimento de que compreender instrumentos da administração
contribui para que a Flaskô mantenha suas atividades, e isso significa que ela estaria
sobrevivendo frente a competitividade e transformando os ganhos em benefício para a
sociedade na medida em que sua função é social. Daí que o caso da Flaskô é intrigante,
porque na medida em que resiste, o faz mudando o conceito do que é uma fábrica. Isso
se evidencia de diversas maneiras, e que nesta pesquisa chamamos de particularidades.
Para além do território político produtivo, a fábrica sofre inúmeras criminalizações por
parte dos poderes jurídicos, uma vez que sofre com os danos deixados pelos antigos
donos. Além disso, todas as potencialidades geradas pela ocupação acabam sendo
ofuscadas, desde a luta por moradia e defesa dos postos de trabalhos, até a fábrica de
cultura. Isto porque, como já relatado em documento feito pelo juiz de Sumaré ao julgar
o caso da fábrica, “imagina se a moda pega”, no que Alexandre rebate falando
“queremos que a moda pegue”, a moda de ocupação e recuperação de fábricas. É óbvio
que para os empreendimentos privados e para o grande capital, quando o trabalho se
emancipa isso se torna um problema para a acumulação capitalista, de maneira que a
fala do juiz vai de encontro ao grande capital e não à luta dos trabalhadores. Somando
se às retaliações que a Flaskô tem que driblar, a CPFL, responsável por conceder a
energia, boicota as atividades da fábrica na medida em que corta a energia da mesma.
Se por um lado a CPFL se beneficia com a imagem de responsável socialmente
ao realizar, por exemplo, o CPFL cultura, por outro lado boicota a luta de trabalhadores
o qual o objetivo é manter os postos de trabalho e legitimar socialmente uma
propriedade abandonada pelos antigos donos, e o faz, dentre outras maneiras, através da
produção cultural na Fábrica de Cultura. A CPFL é no mínimo contraditória. A União,
seguindo o mesmo passo, não fica atrás. Os antigos patrões da Flaskô sucatearam a
fábrica e a abandonaram a sorte, gerando dívidas exorbitantes, porém a cobrança vai
para os trabalhadores que resistem até hoje. Daí que surgem leilões das máquinas para
“pagar a dívida” o que é uma grande desculpa para na verdade acabar com as atividades
da fábrica. Essas problemáticas se estendem também para a questão de financiamento
das atividades, que pelo fato da fábrica ter o nome sujo acessar crédito para o giro de
capital se torna inviável. Isso fica ainda mais crítico, quando ao verificarmos que o setor
de transformação de plástico a Flaskô está na terceira geração do setor de plástico,
geração essa caracterizada por alta competitividade e também pulverizada, no sentido de
que há pequenas e médias indústrias espalhadas pelo Brasil, o que implica em altas
barreiras para entrada no mercado, que fica bem evidenciado em uma fala de Pedro que
aponta que se a fábrica tivesse os certificados que o mercado demanda, o portfólio de
cientes da fábrica cresceria, mas o fato de ser muito caros, faz com que essa seja uma
necessidade de longo prazo. Além disso, a Braskem é uma das competidoras no ramo
que a Flaskô está, e é uma multinacional que controla desde a produção de resinas, até a
das máquinas que fazem a transformação do plástico.
Desta maneira, a resistência da Flaskô é um símbolo de que a luta e a causa por
melhores condições de trabalho e garantia de direitos é um dever cada vez mais agudo
tendo em vista a atual situação política e econômica do Brasil. A Flaskô esbarra em
relações assimétricas de influência, critica a exploração da propriedade privada e aponta
ser possível dar outra função para a propriedade uma função social, caracterizando a
Flaskô como uma fábrica particular, singular, sui generis. Daí que a “moda não pode
pegar” segundo o juiz de Sumaré.
Pensar no surgimento deste caso é pensar nas ruínas do estado de direito e da
função da propriedade privada, o que nos levar a crer que há inúmeras rachaduras na
estrutura social do presente sistema, e uma dessas rachaduras é a forma como o trabalho
é explorado dentro de uma determinada forma de propriedade, no caso a propriedade
privada. Assim a partir do momento que a administração não consegue fazer o seu
papel, com técnicas, teorias e práticas, o saber e conhecimento do trabalhador entra em
cena, e na medida que são motivados pela necessidade de enfrentar o capitalismo para
manter e garantir os postos de trabalho, dão condições para que novas relações sociais
de produção sejam criadas e fomentadas. Isso é fundamental para o desenvolvimento da
solidariedade, porque ao olhamos para o mercado, que identifica apenas oferta e
demanda dentro da realidade, este estará fadado sempre a tendência à queda da taxa de
lucro, o que significa que o capital precisa explorar cada vez mais, pois os lucros
possuem taxas decrescentes, ou seja, se não haver exploração do trabalho o lucro se
desgasta e não se regenera. Isto pode ser visto no termo congestion effects que nada
mais é quando continuar com as atividades de produção em determinado local já não é
mais rentável, o que implica na mudança da fábrica ou empresa do local, gerando
desemprego e problemas derivados da exploração econômica (poluição, exclusão social,
marginalidade), no caso da Flaskô os problemas principais foram dívidas e má
reputação, desemprego, mas os danos seriam maiores se os trabalhadores não tivessem
ocupado a fábrica. Os danos seriam maiores porque não haveria o desenvolvimento
cultural que teve devido à abertura que a fábrica da aos artistas, também não haveria a
Vila Operária, que foi construída na propriedade da Flaskô e a formação política e de
luta que a Flaskô carrega desde 2003 não existiria. Se a Flaskô está sujeita a qualquer
condição que as empresas convencionais estão, as empresas convencionais não estão
sujeitas às condições que recaem sobre a Flaskô, e por isso esta fábrica se diferencia das
outras. Isso porque, além do seu próprio significado, o trabalhador da fábrica é dono de
si mesmo, justamente pela ausência de patrão. A fábrica conta com um Conselho de
Fábrica e uma Assembleia geral, semanal e mensal, respectivamente, que tem como
objetivo definir as diretrizes da fábrica Além da já citada mudança para um turno de seis
horas, outra diferenciação é a questão de que ninguém na Flaskô pode ser demitido
sendo este um sentido distinto das fábricas convencionais. Com isso o a capacidade de
organização, o saber e o conhecimento do trabalhador e da trabalhadora são essenciais
para o enfrentamento das problemáticas diárias, e isso fica evidente também na fala de
uma das trabalhadoras que aponta que lá na Flaskô os resultados são para os
trabalhadores, eles trabalham para eles e pra mais ninguém. O significado da fábrica
existe por conta do esforço conjunto dos trabalhadores, o que leva a pensarmos que na
medida em que as horas de trabalho são definidas, como os turnos serão organizados,
qual a forma e o que fazer com o excedente produzido (excedente em contraposição à
lucro), quais serão os parceiros com os quais se relacionarão, a Flaskô e a autogestão
como um todo, da um passo em direção à redução da exploração do capital ao trabalho e
no limite a superação da subsunção real do trabalho, ou seja da dependência e
submissão da força de trabalho humana ao capital.
Diante dos casos de empreendimentos autogestionários e solidários como a
Flaskô, há a necessidade de incluirmos outras discussões, como as relacionadas à
alteração do espaço e da sociedade, ao meio ambiente e à cultura, para além das
questões econômicas tendo como perspectiva um novo modelo de sociedade. Um
modelo que leve em consideração o desenvolvimento do trabalho como transformação
humana e não como instrumento de dominação, a resiliência e adaptação no território de
maneira a não gerar degradação ambiental, a construção da subjetividade como uma
construção coletiva e humana, e, portanto não uma que aliene e manipule.
Daí que vemos a potência do controle operário em resistir por mais de 14 anos às
tentativas do capital e da burocracia em fechar as atividades da fábrica. Mesmo tendo
alto custos operacionais a fábrica sobrevive e resiste produzindo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pergunta que fica é: e se a Flaskô não devesse o que deve, ou ainda se um
empreendimento fosse administrado pelos trabalhadores organizados, ela seria bem
sucedida? Podemos pensar que na atual situação de nosso país, vemos uma condição de
estagnação econômica e financeira, algo já enfrentado antes, nos períodos de recessão
da história econômica brasileira.
Dentro do mundo do trabalho pensar e praticar novas relações sociais de
produção pode ser muito difícil, pois existem esferas que se estendem para além da
produção e que deveriam ser entendidas para compreender melhor os desdobramentos
das relações dentro da produção. Partindo de um referencial teórico que explora as
condições do mundo do trabalho, que envolve então um arcabouço teórico que se
associa com a questão do trabalho e da mais valia, foi possível estabelecer eixos de
análise de outras esferas, que no presente projeto é o território, a tecnologia e a política,
para compreender como as relações sociais de produção quando vistas de outras
perspectivas, podem trazer elementos que caracterizam o trabalho que ocorre na Flaskô
como particular em relação a outros empreendimentos, fábricas ou empresas.
A partir da economia foi possível identificar uma relação sobre o
desenvolvimento econômico do país, do qual o crescimento econômico gerado pelas
rodovias do café foi extremamente importante para os movimentos de concentração e
desconcentração da economia brasileira que ocorre nos períodos de 1970 até os anos
2000. Isto para entender que os cafeicultores sempre estiverem por detrás da economia
brasileira em associação com o capital industrial. Esta fase fica bem relatada nos
escritos de Wilson Cano (1990) quando ressalta o investimento que fazendeiros faziam
nas cidades. Com um buraco nas indústrias os governos tentam da partir da década de
1950, trazer investimentos para o país por vias internacionais, de forma que o capital
nacional perde folego e espaço, como bem apontam Ana Claudia Caputo e Hildete
Pereira de Melo (2009). Emerson Gonçalves de Lima (2006), Liana Maria da Frota
Carleial (1997), Aurilio Caiado (2000), relatam sobre como os efeitos das
industrialização tardia causa efeitos econômicos, que levam as firmas a agirem de
maneira a buscar mais vantagens competitivas, acontecendo movimentos dinâmicos de
desconcentração e concentração constantes da capital para o interior do estado, gerando
efeitos economicos como apontam Ricardo Silveira Orlando (2003), Wilson Cano
(1998), Paul Krugman e Anthony Venables (1996) que afetam a urbanização, o
território e a vida das pessoas nas cidades, que sofrem as consequências daquilo que é
chamado de forças aglomerativas (marshallianas), aquelas que impulsionaram o
crescimento econômico da RMC, e de forças de dispersão (congestion effects) aquelas
que afetaram a RMSP. Tais efeito incidem diretamente no território e no espaço como
muito bem ressalta Milton Santos (1994), Gilles Deleuze (1997) e Helena Rizzatti
Fonseca (2010), apresentando os efeitos que a economia causa nas relações que uma
cidade possui com o lugar.
E porque buscamos tão longe tal compreensão da economia? Para compreender
como o território da Flaskô se configurou e se adaptou conforme os desdobramentos
econômicos distintos e como este comportamento da fábrica configura relações sociais
de produção particulares sobrevivendo a uma lógica capitalista. Daí que pensamos a
fábrica enquanto um território político produtivo.
Aqui à luz de Milton Santos (2006) e Gilles Deleuze (1997) observamos a
potencia do território. Se para um há uma determinação territorial capitalista orientada
pela economia política, pro outro não há nada de determinado de maneira que há sempre
como entrar e sair de um território, mas o território nunca sai da pessoa. Seja de um
ponto de vista ou de outro, ambos tem um ponto comum de pensar o novo, o inventivo,
resgatar novas concepções e conceitos, e assim a questão central é como o território é
reinventado pelo trabalhador da Flaskô, pensando nas particularidades que saltam das
relações sociais de produção.
Essas particularidades passam pela esfera da política e dos movimentos sociais e
disso podemos observar o MFO, a Vila Soma, movimentos estudantis, o MST, grupos
de RAP, coletivos de audiovisual, a Vila Operária, como alguns movimentos que
apoiam a causa. O MFO em específico é um movimento nacional que apoia a ocupação
de fábricas abandonadas pelos donos. Além dos apoios e da relação que a fábrica tem
com estes grupos, que acaba garantindo resiliência e força para que essas lutas
continuem, ela opta pela resistência e pelo estímulo à participação política de seus
trabalhadores, seja nas decisões da fábrica seja nas ruas se mobilizando, ou ainda, na
produção de arte como enfrentamento político.
Este enfrentamento visa demonstrar o quanto existem disputas políticas pelo
controle das relações de poder e que nesta disputa, os movimentos sociais e a sociedade
civil organizada são tanto mais atores, e não apenas massa de manobra. De uma maneira
que na atualidade o país vive um contexto delicado na medida em que houve um golpe
de estado no ano 2016 e que até o presente momento que essa tese é redigida a crise só
se acentua. O país vive sobre um espectro que ronda os partidos, a mobilização social e
a política nacional. Vivemos em uma crise sistêmica e estrutural dos poderes jurídicos,
políticos e que relaciona diretamente com a crise econômica que o país está. Neste
sentido o caso da Flaskô surge como uma trincheira contra o atual Estado arruinado por
políticas de austeridade. Se houve uma luz no fim do túnel para a fábrica, esta viria com
a estatização da fábrica, objetivo esse que garantiria a posse da propriedade aos
trabalhadores, do qual as dívidas que pagaria seria para a União, mas que garantiria as
condições para que a fábrica pudesse existir. Com o atual governo golpista essa luz fica
mais longe. Entretanto se tem alguém que poderia ter feito alguma coisa, mas não fez
foi o presidente Lula, que teve dois mandatos para estatizar a fábrica, mas não o fez
porque fez acordos com o grande capital e não com a classe trabalhadora.
O Estado mais uma vez usou a população como massa de manobra, e nas
palavras do próprio Lula “a estatização da fábrica não está no cardápio”. Não só a
Flaskô, mas todos os movimentos sociais que depositaram a confiança nos quatro
mandatos do PT, se frustrou e sentiu ser usado como massa de manobra.
Essa manipulação da opinião pública, e não apenas a opinião, mas também a
realidade social, o que consumir, onde trabalhar, o que estudar tem sido construída dia
após dia pelos governos reacionários.
Este pensamento recai dentro das análises presente em Louis Althusser (1970) e
Michel Foucault (2010).Ambos partem de concepções distintas de como o
determinismo estruturalista, e a genealogia das relações de poder, saltam nas relações
que o Estado enquanto instituição, opera de diversas maneiras sobre a sociedade civil.
No caso citado, o lulismo foi o principal vilão da não estatização da fábrica, vilão
porque além de não fazer a estatização ocorrer, enganou os trabalhadores.
Seja a criminalização dos movimentos sociais, o controle psicológico capitalista
ou o descaso do Estado, os movimentos sociais também se relacionam com o mercado e
com o mundo capitalista, onde são muitas vezes contraditórios e mesmo assim, como
aponta Valmor Schiochet (2012) possuem formas e meios de construção crítica da
democracia.
Daí a importância de ver os limites dos movimentos sociais, mas ao mesmo
tempo vem o pensamento, como que vou pensar os limites, se certa vez (assistir
Goyeneche (2013)) o próprio judiciário disse “imagina se a moda pega?”, ao dirigir a
palavra aos trabalhadores da Flaskô quando questionados sobre o porque de não
estatizar se até mesmo o BDNES já havia demonstrado e aceitado que a gestão operária
daria certo? Uma alternativa que os trabalhadores buscaram foi a criação de um Grupo
de Trabalho junto ao Ministério Público para a adjudicação da fábrica sob o controle
operário, mas que com o governo interino, fica prejudicada. Dai a importância dos
comentários de Maria da Gloria Gohn (1995) quando relata a incapacidade do Estado
em atender as demandas da população “dando margem para atuação de grupos de
oposição” (p. 67). Como apontam os estudos de Novaes (2005), Henriques e Thiollent
(2013), houve na Argentina um processo mais intenso do processo neoliberal, de
maneira que apontam que lá as ocupação e recuperações de fábrica se deram em uma
escala muito maior. Evidenciando o quanto a sociedade civil organizada pode
influenciar enquanto um grupo de oposição ao Estado que não atende suas demandas.
Além disso, relatam o quanto é importante a apropriação do espaço e do território pelos
trabalhadores, a fim de que não haja apenas uma mera reprodução das formas de viver
caracterizadas pela expropriação capitalista, mas novas relações sociais de produção que
ressignifiquem o trabalho e o sentido do mundo do trabalho como um todo. Disso
partirmos para um pensamento sobre os marcos que delimitam as condições
particulares, aquele que se relaciona diretamente com a tecnologia, e daí a necessidade
dos trabalhadores em assumir o controle do maquinário e dos ritmos de trabalho, tendo
em vista que a mais valia relativa se insere justamente no momento em que o controle
dos tempos e das rotinas são controlados. Este é o marco referencial que o trabalho
assume do início ao fim de suas colocações, na medida em que busca evidenciar
características que saltam a subsunção formal e real do trabalho, entendidas como
condições para a exploração da mais valia absoluta e relativa, respectivamente. Estas
condicionantes acabam gerando o que Karl Marx (1988) (2005b) e Maria Carmelita
Yazbek (2006) aponta como exército industrial de reserva ou ainda superpopulação
relativa, uma massa de trabalhadores que se diferenciam entre outras categorias
(desempregados, parcialmente empregados e inaptos), e que aqui é uma categoria de
análise para compreender o trabalho, na medida em que existe uma realidade de atraso
nos salários que é gerada pela situação em que a fábrica se encontra no sentido do atraso
de salários, de maneira que estes atrasos se refletem no recebimento parcial e que então
qualificaria o trabalhador como uma superpopulação relativa, categoria essa gerada
pelo próprio sistema capitalista. Isso decorre da subsunção real e formal do trabalho
como aponta Jose Ricardo Tauile (2009), e Karl Marx (2005). A lógica do capital é
transformar o trabalho em força de trabalho supérflua através da subsunção real e
formal do trabalho como relata Istvan Mészàros (2002) na necessidade de ir para além
do capital. Daí que identificar as formas de resistência dentro de setores produtivos
organizado pelos trabalhadores significa ver o que de diferente ocorre lá e que contribui
para que o trabalho não se torne apenas um mecanismo de uma cadeia de produção
capitalista.
Ainda sim, há elementos que se tornam difíceis de superar ainda mais no setor
da indústria, como a divisão do trabalho. Daí a necessidade que a ciência tem, de pensar
para além da visão tradicional de suas atividades. Se fossemos seguir à risca as
instruções da TGA como aponta Idalberto Chiavenato (1987), estaremos desarmados
para enxergar aquilo que Mauricio Tragtenberg (1974) e Fernando Carlos Prestes Motta
(1980) apontam que a TGA tem como função esconder e comandar as relações de poder
e principalmente as relações de classe que coexistem no sistema politico econômico.
Dentre outros elementos ambos apontam para a burocracia como elemento que
faz as operações acontecerem sob determinada lógica capitalista que pode seguir à
subsunção ou não. Daí que liderança e chefia são coisas distintas. Na Flaskô quando
pensamos no trabalhador, vemos então inúmeras condições que o atinge. A necessidade
de compreender como que a subjetividade se relaciona com o território, com o trabalho
e com a política, é fundamental para compreender melhor o ser humano, tendo em vista
a psicodinâmica do trabalho apontar a necessidade de sempre associarmos os ritmos de
produção e de pressão no trabalho como algo inerente a psique de uma pessoa, como
aponta Cristopher Dejours (2012), e assim, tanto mais, a esfera política que perpassa a
fábrica recairia sobre a construção subjetiva do individuo.
O trabalho permitiu compreender algumas características sui generis como a
apropriação das máquinas, o vínculo distinto que os trabalhadores possuem com o
território e também a relação política que a fábrica possui com outras esferas
institucionais, como elementos que se vinculam à ocupação da fábrica, fato este
decorrente da condição macro econômica pela qual o país passou bem como a
necessidade dos trabalhadores em se adaptar às novas condições impostas pelo sistema
econômico. Desta tese foi possível verificar que a Flaskô possui um modelo peculiar, os
trabalhadores se dividem em 4 turnos e tem uma jornada de trabalho reduzida, de
maneira que a produção se mantém. Existem inúmeras dificuldades tanto locais como
globais resultantes de um sistema capitalista mundializado pela tecnologia, e assim
ainda que sob inúmeras dificuldades, os trabalhadores mantém os postos de trabalho.
“Eu chego a tirar 300 reais por show”, diz um dos trabalhadores “e aqui na
Flaskô eu moro aqui mesmo, tenho minha horta”. “Aqui eu posso ouvir música no talo,
sem me preocupar com barulho”, diz outro trabalhador, outros relatam que a liberdade
de não ter um patrão compensa os atrasos de salários. A subsunção existe na Flaskô,
mas ela é gerada por condições que escapam à possibilidade do trabalho, como por
exemplo uma ordem de compra de um cliente. Até o atraso de salários pode ser visto
sob uma condição específica que se origina a partir do abandono patronal. A diferença
da existência de uma subsunção do trabalho na Flaskô e de uma empresa tradicional,
talvez seja o fato de que na Flaskô isso é algo que pode ser discutido. Se os ritmos de
trabalho devem ser alterados, ou se os salários devem ser prioridade frente a uma divida,
ou como será o rumo politico da fábrica, e ainda quais eventos decidir apoiar, são
responsabilidades de todos. Inúmeras características que não caberiam aqui expor,
perpassam a fábrica Flaskô, de maneira que enquanto houver a consciência de que os
meios de produção devem ser transformados e resignificados, bem como condições para
que isso ocorra, como ressalta Henry Lefebvre (1966), será possível pensar em relações
sociais de produção que possam modificar os território respeitando a subjetividade de
cada pessoa envolvida. Talvez o mais importante seja pensar que o caminho para além
do capital é possível ainda que possua inúmeras dificuldades.
A Flaskô tem resistido há mais de 14 anos e vem mostrado que a organização
social pode ser feita de outra forma, mais solidária e colaborativa. Mesmo com
particularidades advindas de um contexto de sucateamento e abandono dos antigos
donos, desde problemas com máquinas obsoletas até a problemática referente às dívidas
deixadas tanto para a União quanto para o setor privado, não foi uma barreira para que
as atividades na Flaskô se desenvolvessem. O momento atual de nosso país,
caracterizado por incertezas do lado do setor financeiro e tanto mais do sistema
judiciário, perseguições políticas, falta de condições estruturais para o desenvolvimento
da economia e, além disso, condições mundiais que afetam todas as escalas territoriais,
como aponta os teóricos da comunicação, tem corroído o desenvolvimento local e
nacional mas também tem aberto brechas para a ascensão da organização da sociedade
civil que não se compatibiliza com o atual modelo econômico político ou que deseja sua
modificação.
Existem muito mais coisas que não estão presentes dentro dos discursos, e que
então uma só disciplina ou um só método não poderiam ser capaz de entender a
magnitude do que acontece, até porque o que acontece é dinâmico. Da mesma maneira
as problemáticas que afetam a fábrica são extensas, e não se vinculam apenas a
problemas no interior da fábrica, mas também à conjuntura político institucional. O caso
mais marcante é o relato de praticamente todos os trabalhadores sobre como o cenário
político é desfavorável e a situação econômica do país é extremamente delicada. Na
presente pesquisa buscou se encontrar características particulares da Flaskô e de seus
trabalhadores que refletem em uma fábrica sui generis, marcada por mobilizações e
encontros políticos e também pela resistência protegida pela gerência de uma fábrica de
bombonas ocupada por trabalhadores, revelando uma resiliência sui generis à diversas
problemáticas econômicas, politicas, sociais e humanas e que coloca ainda mais a
urgência de pensarmos em novas relações sociais e humanas de produção no contexto
do mundo do trabalho.
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