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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS CÍCERO COSTA HERNANDEZ Relações sociais de produção na fábrica ocupada Flaskô relatos sobre condições sui generis LIMEIRA SP 2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE … · 2018. 9. 2. · Autor: Cícero Costa Hernandez Título: As Particularidades da fábrica ocupada Flaskô sob controle operário

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS

CÍCERO COSTA HERNANDEZ

Relações sociais de produção na fábrica ocupada

Flaskô relatos sobre condições sui generis

LIMEIRA – SP

2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS

CÍCERO COSTA HERNANDEZ

Relações sociais de produção na fábrica ocupada

Flaskô relatos sobre condições sui generis

Dissertação apresentada à Faculdade de

Ciências Aplicadas da Universidade

Estadual de Campinas como parte dos

requisitos exigidos para a obtenção do

título de Mestre em Ciências Humanas e

Sociais Aplicadas.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Raul Etulain

Co-orientadora: Profa. Dra. Laís Silveira Fraga

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELO ALUNO CÍCERO

COSTA HERNANDEZ, ORIENTADA

PELO PROF. DR. CARLOS RAUL

ETULAIN.

LIMEIRA – SP

2017

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Autor: Cícero Costa Hernandez

Título: As Particularidades da fábrica ocupada Flaskô sob controle

operário.

Natureza: Dissertação de Mestrado

Instituição: Faculdade de Ciências Aplicada (FCA)/Unicamp

Data da defesa: Limeira, 24/03/2017

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Carlos Raul Etulain (Orientador)

Prof. Dr. Henrique Tahan Novaes (prof. Externo)

Profª. Dra Sandra Francisca Bezerra Gemma (profª

interna)

Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de

vida acadêmica do aluno.

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Agradecimentos

Agradeço ao orientador Carlos Raul Etulain e minha Coorientadora Lais Silveira Fraga,

aos trabalhadores(as) da Flaskô, os professores(as), estudantes e colegas da UNICAMP,

UNESP, USP, UFRJ, UFF, UFRN e UFVJM envolvidos direta ou indiretamente na

presente tese, meus amigos(as), colegas e minha família especialmente minhas mães.

Dedico também aos militantes e ativistas que buscam mudanças sociais espalhados pela

cidade de Limeira e pelo mundo. Um especial agradecimento em memória de Lilian

Padilha.

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RESUMO

A Flaskô é uma fábrica produtora de bombonas plásticas atuante no mercado a

mais de 20 anos, onde a mais de 13 anos é gerida pelos trabalhadores organizados. Na

presente tese, a fábrica será objeto de estudo tendo como referencial teórico as relações

sociais de produção e elementos relacionados à sua configuração, como a produção e a

atividade política. A Flaskô é um território complexo e a presente pesquisa visa explorar

o campo a partir de uma investigação exploratória dentro da fábrica, buscando

identificar elementos que revelem as condições particulares do seu modo de produção.

O mundo do trabalho, sendo plural, possui diversas dimensões passando pela

subjetividade até ao território, e assim, o presente estudo visa compreender a

racionalidade capitalista sobre o trabalho na fábrica ocupada Flaskô fazendo uma

pesquisa de campo baseada em entrevistas e imersões que possam trazer luz sobre as

questões particulares do controle operário, tendo em vista novas relações sociais de

produção.

Palavras Chaves: Fábricas ,trabalhadores, administração fabril, movimento operário

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ABSTRACT

Flaskô is a plastic bottle-making factory active in the market for more than 20

years, where more than 13 years is managed by organized workers. In this thesis, the

factory will be object of study having as theoretical reference the social relations of

production and elements related to its configuration, such as production and political

activity within the factory. Flaskô is a complex territory and the present research aims to

explore the field from an exploratory investigation inside the factory, seeking to identify

elements that reveal the particular conditions of its mode of production. The work

world, being plural, has several dimensions passing through the subjectivity to the

territory, and thus, the present study aims to understand the capitalist rationality about

the work in the factory Flaskô occupied doing a field research based on interviews and

immersions that can bring light On the particular questions of workers' control, in view

of new social relations of production.

Key words: Factories Workers Factory management Labor movement

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

FIGURA 1: Fábrica ocupada em Sumaré (SP) ...................................................... 3

FIGURA 2: CPFL cortando energia da Flaskô em 28/07/2016 ............................ 5

FIGURA 3: Base da competitividade na fabricação de embalagens plásticas.. 43

FIGURA 4: Teatro dentro da fábrica 1 .................................................................. 58

FIGURA 5: Teatro dentro da fábrica 2.................................................................. 58

FIGURA 6: Máquina recuperada pelos trabalhadores da Flaskô ............................ 91

FIGURA 7: Mapa Radar ......................................................................................... 95

QUADRO 1: Indicador de desempenho .................................................................. 10

QUADRO 2: Objetivos da reestruturação empresarial............................................ 30

QUADRO 3: Metabolismo social do novo (e precário) Mundo do Trabalho, a

nova precariedade salarial, década de 2000.............................................................

70

TABELA 1: Redução de pessoal na CHB entre jan/1992 e dez/1993 .................. 31

TABELA 2: Faturamento da HB Consumo e HB Industrial (1989 e 1990) ......... 32

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIPLAST - Associação Brasileira da Indústrias do Plástico

AE - Aparelho de Estado

AST - Adequação sócio técnica

BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimnto Economico e Social

CCQ - Círculos de controle de qualidade

CEPAL - Comissão Econômica para América Latina

CHB S.A. - Corporação Holding Brasil Sociedade Anônima

CLP - Controle Logístico de Produção

CLT - Consolidação das leis de trabalho

COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CPFL - Companhia Paulista Força e Luz

ERTs - Empresas recuperadas por Trabalhadores

FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FHC - Fernando Henrique Cardoso

FRs - Fábricas recuperadas por trabalhadores

GPERT - Grupo de Pesquisa em Empresas Recuperadas por Trabalhadores

GSP - Grande São Paulo

ICMS - Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPI - Imposto sobre produtos industrializados

ITCP - Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares

JK - Juscelino Kubitschek

LER/DORT - Lesão por esforço repetitivo/Distúrbio osteoarticular relacionado ao

trabalho

MFO - Movimento de Fábricas Ocupadas

MRP - Material requirement planning

P&D - Pesquisa e Desenvolvimento

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Pead - Polímero de alta densidade

PEC 241/55 - Projeto de emenda constitucional

PES - Planejamento estratégico situacional

PIS - Programa Integração Social

PMEs - pequenas e médias empresas

PRP - Processo de produção

RMC - Região metropolitana de Campinas

RMSP - Região metropolitana de São Paulo

SUMOC - Superintendência da Moeda e do Crédito

TGA - Teoria geral da administração

.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

Uma descrição sobre a Fábrica Flaskô.......................................................... 1

Objetivo ........................................................................................................... 3

DISCUSSÃO METODOLÓGICA E PROBLEMATIZAÇÃO

Discussão sobre a configuração do método ................................................ 4

Manifestações políticas, Eventos culturais e Projetos de apoio produtivo

como metodologia..................................................................................................

6

O Planejamento Estratégico Situacional........................................................ 7

Interdisciplinar? Os métodos hackeados....................................................... 8

Problematização............................................................................................ 10

1. PERCURSOS DO CENÁRIO ECONÔMICO BRASILEIRO,

DESCRIÇÃO DE VETORES QUE INFLUENCIARAM NA

OCUPAÇÃO DA FÁBRICA FLASKÔ

1.1. Das rodovias do café até a crise dos anos noventa...................................... 16

1.2. Desconcentração econômica brasileira......................................................... 24

1.3. Breve histórico da Flaskô: sucateamento da fábrica, processo de

ocupação e outras questões....................................................................................

29

1.4. A cadeia de transformação de plástico ......................................................... 35

1.4.1. Conhecendo o setor de transformação de plástico.................................... 35

1.4.2. Estratégias de competitividade do setor.................................................... 41

1.5. Um breve relato sobre urbanização na RMC............................................... 45

2. AS CONDIÇÕES QUE DELIMITAM O TERRITÓRIO E O

TRABALHO, PARA ALÉM DA ECONOMIA

2.1. Território e subjetividade............................................................................... 49

2.2. A importância dos movimentos sociais na identificação de

vulnerabilidade social como participação política e coletiva.............................

54

2.3 Inovação e empreendimentos autogestionários............................................ 59

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2.4 Algumas reflexões sobre tecnologia e inovação............................................ 62

2.5 Relações sociais de produção, subjetividade e subsunção........................... 64

3. RESULTADOS ALCANÇADOS

3.1Condições particulares .................................................................................... 80

3.2 Trabalhadores que moram na fábrica e atividades paralelas para

arrecadação de fundos...........................................................................................

84

3.3 Mobilização política é parte da atividade produtiva..................................... 86

3.4 Trabalhadores que vieram da academia: Josiane, Pedro e Alexandre....... 88

3.5 As máquinas são apropriadas ........................................................................ 91

3.6 A Flaskô resiste produzindo ........................................................................... 96

3.7 Dificuldades e potencialidades do controle operário.................................. 99

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 104

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................

110

.

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INTRODUÇÃO

Uma descrição sobre a Fábrica Flaskô

A Flaskô é uma fábrica ocupada por 55 trabalhadores há mais de 13 anos,

situada no bairro Parque das Nações, na cidade de Sumaré, interior do estado de São

Paulo. A sua ocupação pelos trabalhadores derivou da má administração dos antigos

administradores e uma série de problemáticas estruturais, o que levou os trabalhadores a

ocuparem a fábrica para manter os postos de trabalho. E o que a Flaskô produz? Ela é

uma fábrica produtora de bombonas, galões e tambores plásticos e possui um portfólio

de sete produtos que são os galões de 25, 30,50, 75 litros, bombonas de 100 e 200 litros

e por fim os tambores de 200 litros. Esses produtos são utilizados na indústria de

maneira geral para a armazenagem de produtos alimentícios e não alimentícios. No caso

da Flaskô, existe uma série de condições que faz com que a fábrica não produza

produtos com matéria prima virgem, o que reduz o portfólio e escopo da fábrica, porque

não pode vender para ramos alimentícios de maneira geral. A produção mensal gira em

torno de dez mil produtos, de forma que o material utilizado pela fábrica é 95%

reciclável, ou seja são materiais comprados por um processo mais barato do que a

matéria prima não reciclada.

A utilização deste tipo de material, tendo em vista ser o mais acessível para a

fábrica, limita a Flaskô a operar apenas no ramo não alimentício, tendo em vista que os

materiais recicláveis carregam os substratos do processo de reciclagem e pode

contaminar e intoxicar os produtos perecíveis que são armazenados nessas embalagens,

limitando a participação de mercado da fábrica. Os 5% de material não reciclável é

utilizado especificamente para a transformação do Pead em tampas. Neste sentido, a

maior parte dos produtos vendidos é de origem de materiais recicláveis, comprando 5%

de resina virgem da Brasken e o restante do insumo de indústrias recicladoras. A

carteira de clientes da Flaskô é composta por mais de 80 empresas do ramo de

transformação de plástico de maneira geral, empresas do ramo químico, de limpeza

automotiva e setor têxtil.

Este setor de transformação de plástico é extremamente competitivo e, como

veremos, a Flaskô sofre de dificuldades com o mercado, tendo em vista as condições

particulares de sua existência. Outra dificuldade que verificamos a partir da qual

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associamos à condição sui generis da fábrica foi o seu abandono pelos antigos donos

que se apresenta como um fator crítico, mas também que favorece a ocupação.

Os antigos donos detinham uma holding, um grupo de empresas que operavam

no setor de transformação, dentre elas a Flaskô, que rumaram para o mesmo caminho no

sentido da ocupação das fábricas sucateadas. Devido às mudanças estruturais da

economia, à má administração e também à alta competitividade do setor, a fábrica

quebrou e foi ocupada pelos trabalhadores durante o ano de 2003. O tempo passou, a

antiga administração responsável por sucatear a fábrica foi substituída pela

administração dos trabalhadores, a crise dos anos noventa foi “superada” (sabemos que

hoje vivemos outras condições tanto mais críticas) e o mercado de transformação de

plástico continuou competitivo. Nesse sentido, a Flaskô mantém suas operações com

inúmeras dificuldades, desde as dívidas deixadas pelos antigos donos, até o problema da

flutuação de mercado, que impacta diretamente na produção e nas operações da fábrica.

A Flaskô está inserida na terceira geração do setor de transformação de plástico,

um setor com altas barreiras à entrada no mercado, como veremos adiante nos outros

capítulos. Existem cerca de onze mil empresas nesse setor, e a maior parte dessas

empresas são pequenas e médias, e ainda, há uma grande proporção de fábricas

familiares. Ela opera atualmente com cerca de cinquenta e cinco trabalhadores,

divididos em três turnos e sete departamentos. Como a fábrica atualmente funciona com

três turnos de trabalho, as máquinas ficam em constante produção. A maior parte dos

trabalhadores são homens que estão concentrados em sua maioria nos setores

operacionais da empresa. As mulheres se concentram nos setores administrativos.

Todavia, há mulheres nos setores operacionais e homens no administrativo, .

Assim sendo, a Flaskô, como carrega todo o histórico de ocupação, mantém-se

em operação sem a presença da hierarquia típica de uma empresa tradicional. Os

trabalhadores da fábrica possuem um engajamento e não se limitam apenas a fazer a boa

execução de seu trabalho, mas procuram defender os postos de trabalho que garantem

sua subsistência.

A Flaskô, é vista como algo fora do comumum exemplo a não ser seguido ou um

símbolo da revolução, mas é como “única fábrica sob controle operário no Brasil”

(RIBEIRO, 2013, p.1) a forma pela qual ficou conhecida pela grande mídia. Assim

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sendo, a Flaskô conta com uma descentralização da decisão, na medida em que estipula

assembleias e conselhos para realizar as deliberações.

Temos uma assembleia que reúne todos os trabalhadores uma vez por mês.

Nela são definidas as diretrizes gerais sobre o funcionamento da fábrica e,

como a execução disso requer um trabalho cotidiano, é eleito o conselho de

fábrica, com representantes de cada setor e turno que se reúnem toda semana

(trabalhador entrevistado por RIBEIRO, 2013).

FIGURA 1 - Fábrica ocupada em Sumaré (SP)

(Foto: Janaína Ribeiro)

Objetivo

O objetivo deste estudo é identifica algumas particularidades da fábrica Flaskô

que evidenciam seu caráter social e que reforça a necessidade de pensar novas formas

de reprodução das condições materiais de vida para uma emancipação política, social e

humana. Uma das bandeiras da fábrica é de que a fábrica pertence à sociedade e desta

maneira sua função é social e não particular/privada como as demais empresas

capitalistas. Assim, a partir de um método, onde adentraremos posteriormente em suas

características, que busca uma aproximação da fábrica, o objetivo é evidenciar as

particularidades que não necessariamente estão ligadas à relação econômica de

produção, para trazer luz aos leitores, sobre novas relações sociais de produção no

contexto capitalista, tendo como objeto de estudo o embrião das lutas por ocupação e

recuperação de fábricas, a Flaskô.

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Assim sendo, o estudo, que se divide em três capítulos, busca no primeiro

capítulo vincular a crise estrutural do capitalismo e a má administração que gera o

sucateamento da fábrica, como elementos que levam os trabalhadores a um salto de

consciência na luta de classe, resultando na tomada dos meios de produção; no segundo

capítulo uma abordagem que visa agregar um ponto de vista que revela a diversidade

que existe na fábrica que se estende para além de uma pura propriedade de reprodução

do capital e produção de mercadorias, buscando embasar como poderíamos identificar

as particularidades dentro do controle operário. O terceiro capítulo é a junção dos

elementos identificados pela pesquisa, organizando aquilo que chamamos de

particularidades das relações sociais de produção dentro da Flaskô. Para tal, é lançado

mão um método que se estende por um período de 4 anos e que se construiu a partir da

orientação visando as particularidades da Flaskô.

DISCUSSÃO METODOLÓGICA E MÉTODOS

Discussão sobre a configuração do método

Para compreender esse campo complexo da Flaskô a participação nas atividades

da fábrica foi constante durante um período de 4 anos. Durante este período foram

realizadas visitas, participações em eventos e manifestações, reuniões e projetos junto à

fábrica. Durante o período do mestrado foi possível organizar teorias e práticas com as

ideias de maneira à evidenciar as particularidades da fábrica. Este desejo surge na

medida em que a construção da forma de investigação do objeto é feita, se torna sui

generis. Aí a necessidade de um método que seja interdisciplinar em sua construção,

que não apenas junte teorias de diferentes disciplinas, mas também práticas que se

estendam para além da ciência. Neste sentido, a militância e o ativismo político, somado

à indignação político-social fazem parte dos percursos metodológicos que a pesquisa

toma. Se tratando de um caso particular relacionado diretamente com a política, o

estudo se coloca em uma posição de visão crítica da forma como nossa sociedade se

reproduz e bem como as dificuldades humanas em compreender a totalidade das

estruturas,

A pesquisa realizada tem como modus operandis o método exploratório como

forma de chegar ao objetivo de identificar condições particulares da fábrica. Isso se faz

necessário dado a relação que a fábrica possui com a sociedade, que se vincula com a

legitimação e socialização do espaço de produção. Isso torna as pesquisas acadêmicas

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possíveis na medida em que existe convergência entre a teoria acadêmica e a prática

trabalhista presente na Flaskô. A partir dos resultados que são encontrados espera-se

que o método de investigação exploratória crie a possibilidade para que outros estudos

possam escolher técnicas mais precisas, bem como teorias de estudos, que contribuam

para a construção de arcabouço teórico e prático sobre casos que possuem

particularidade frente às formas de reprodução das condições materiais frente ao capital.

Para tal, dentro do método foram organizadas perguntas que pudessem ser aplicadas aos

trabalhadores durante o período de trabalho e que buscassem trazer elementos que

pudessem ser considerados como sui generis. Todavia foi verificado que a partir da

vivência decorrida na fábrica durante os 4 anos, já havia conteúdo suficiente para

construir uma perspectiva acerca das particularidades. Neste sentido entrevistas,

diálogos e conversas com os trabalhadores, posicionamentos e discussão sobre os rumos

da fábrica em conferências, vivência no chão de fábrica e fora do setor produtivo,

participação em manifestações e também a construção de outros projetos, fizeram parte

do método exploratório, que configura uma pesquisa observante sobre o objeto de

estudo. . Foram feitas mais de 15 visitas na fábrica e em cada uma foi possível

apreender elementos sobre as atividades e as particularidades da fábrica. Durante todas

as visitas, sempre houve a preocupação de evidenciar e compreender o papel dos

trabalhadores e suas opiniões sobre o controle operário. Nem tudo que foi vivenciado e

que foi observado pôde entrar na pesquisa, seja pela dificuldade em organizar o

conteúdo ou por não fazer parte da discussão, ou ainda por questões éticas.

A princípio, o método consistiu em fazer uma entrevista com oito trabalhadores

da Flaskô de distintos setores da fábrica, mas com o conteúdo que já havia sido coletado

foi lançado mão um método que revisasse as visitas realizadas e que pudessem ser

relatadas pelo autor de maneira fidedigna aos eventos vivenciados. Neste sentido,

durante o decorrer da elaboração da dissertação, surgiu um trabalho paralelo à Flaskô do

Grupo de Pesquisa em Empresas Recuperadas por Trabalhadores (GPERT) em parceria

com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Popular (ITCP) de Limeira, grupo esse

de pesquisadores de fábricas recuperadas e cooperativas que visam estimular e

contribuir para a reprodução de novas relações sociais de produção.

O território torna-se complexo, à medida que apresenta resiliências,

vulnerabilidades e riscos que devem ser encarados pelos que nele habitam e transitam,

ou seja, quanto mais distintas as perspectivas que o formam, mais complexas as pessoas

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que estão ali se tornam, e por isso que uma disciplina ou um método isolado jamais

compreenderia por inteiro a realidade e as dinâmicas do campo de estudo, bem como

apenas uma ou duas visitas e encontros, não dariam conta de agregar toda a pluralidade

de elementos que configuram a Flaskô.

Manifestações políticas, Eventos culturais e Projetos de apoio produtivo como

metodologia

A partir do momento em que o trabalho se coloca no quadrante acadêmico da

crítica política, humana e social, um método que esteja em meio a tais esferas se torna

necessário para compreender as particularidades. Assim, um método que coloca o

pesquisador próximo do objeto de estudo e que se dispõe a contribuir para que o objeto

possa se desenvolver, e não apenas disseque-o com os bisturis científicos, se tornou

essencial. Estar presente nos espaços de discussão e ação foi uma forma de construção

metodológica, de maneira que essa construção em si já se torna sui generis, porque a

partir desta abertura que a universidade e academia possuem com a fábrica, os laços se

estreitam e um vínculo é criado. Diferente de um churrasco de empresa ou uma

atividade de responsabilidade social, a presença do pesquisador em espaços de

confraternização foi vista não como algo alienígena à fábrica, mas como parte dela. Em

todos os momentos que o autor vivenciou na fábrica sempre houve um tratamento de

parceria e fortalecimento da luta que também caracteriza uma particularidade da fábrica.

Poderíamos comparar uma pesquisa ou uma assessoria que um acadêmico

realiza para uma empresa, com aquela que é feita na Flaskô, e observar que as

atividades do pesquisador se estendem para além da teoria, da técnica e científica.

Período de imersão

A pesquisa foi realizada durante um período de 4 anos, de maneira que neste

período inúmeras visitas foram feitas. Durante esses 4 anos, que compreende o período

entre 2013 – 2016, no último ano foram feitas imersões que contribuíram diretamente

para este projeto, ainda que não estavam programadas no início. É dito isso tendo em

vista que existem outros grupos de pesquisadores pesquisando o caso do controle

operário. No ano de 2016 foram feitas 2 imersões das quais foi possível compreender a

perspectiva dos trabalhadores sobre a realidade que vivem bem como o trabalho que

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realizam. O grupo composto por integrantes do GPERT e da ITCP juntaram esforços

para compreender como se dão as dinâmicas da fábrica. É importante separar que o

objetivo da presente pesquisa buscou compreender as particularidades da fábrica,

enquanto aquela realizada pelo GPERT/ITCP buscou compreender as dificuldades em

relação à produção e operações da fábrica, mas que o método da imersão foi importante

para a construção e coleta de elementos que configuram as particularidades da fábrica.

O Planejamento Estratégico Situacional (PES)

O Planejamento Estratégico Situacional está diretamente vinculado à

compreensão das problemáticas de uma organização tendo como objetivo criar táticas

de ação dentro da organização para aprimorar seu funcionamento e desenvolvimento.

“Planejar significa explicar as possibilidades, analisando as vantagens e desvantagens

de cada uma delas e propor objetivos” (MIGLIATO e FILHO, 2003 p. 9), mas aqui

sabemos que a realidade da Flaskô exige mais do que o acompanhamento de um

planejamento, mas um protagonismo político que a acompanhe permanentemente. Desta

maneira, o trabalho tentou elaborar um mapa radar das intensões que existem por detrás

da demanda, a fim de identificar elementos que podem contribuir para maior resiliência

da fábrica, de maneira que consigam manter a sua postura ideológica, na medida em que

a utilização do mapa radar permite a melhor comunicação entre o cliente, uma vez que

este aponta pontos fortes e fracos dos fatores apreendidos pela pesquisa, contribuindo

para o enfrentamento econômico. O questionário aplicado aos clientes diz respeito à

fatores econômicos e foi elaborado junto aos trabalhadores. Retirado da teoria geral da

administração, o questionário visa maior competitividade de mercado e aqui na medida

em que é utilizado por uma fábrica ocupada por trabalhadores tem uma aplicação que

resulta em defesa da resistência do território político produtivo da fábrica pela gestão do

controle operário na sociedade capitalista.

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QUADRO 1: Indicador de desempenho

Atributo Fator (descrição)

Confiança Serviço técnico e pós-venda de apoio ao cliente

Confiança Troca sistemática de informações

Confiança Interação com usuários

Confiança Boa relação

Confiança Marca forte no mercado

Custo Baixo preço do produto

Custo Redução do custo de estoque

Custo Comprar de poucos fornecedores

Custo Comprar do maior n° de fornecedores

Custo Relações de longo prazo com o cliente

Logística Rapidez de entrega

Logística Logística de movimentação

Logística Controle sobre o sistema de distribuição (sistema MRP, CLP, PRP, processos etc)

Logística Pontualidade na entrega

Logística Conformidade às especificidades de entrega do cliente

Qualidade Conformidade às especificações de qualidade do produto e da MP

Qualidade Diferenciação e adequação ao uso dos produtos

Qualidade Padronização de processos

Qualidade Comprar de fornecedores certificados

Qualidade Durabilidade dos produtos

Know-how Alta capacidade de produção

Know-how Conteúdo tecnológico do produto

Know-how Sofisticação técnica de equipamentos

Know-how Flexibilidade da programação da produção

Know-how Cooperar no desenvolvimento de produtos e processos do cliente

(Fonte: própria)

Assim, tal esforço é acreditar que um método em sua aplicação pode assumir

inúmeras formas, conforme o direcionamento que lhe é dado, e que os resultados que

são encontrados dependem do olhar do pesquisador, de seu arcabouço teórico, da

ideologia, da intenção e da área do saber. De uma maneira que tanto mais, a aplicação

do método depende da intenção daqueles que aplicam e o utilizam durante o dia a dia.

Interdisciplinar? Os métodos hackeados...

Hackear um método, no presente contexto, surgiu do desejo de ir além do

território produtivo, tentando compreender as relações humanas, sociais e políticas que

estão em constante dinâmica dentre os muros da fábrica a partir do campo

proporcionado pelo projeto do GPERT. Em si, há uma plena condição que recai sobre a

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realidade da Flaskô, que são relações sociais e humanas de produção. Essas ocorrem

dentro de uma fábrica, e portanto quando buscamos compreender para além das relações

estabelecidas pela produção, mas também relações entre o ser humano e natureza,

foquemos às relações sociais e humanas de produção, e isto porque, “enquanto o estudo

técnico da relação sociedade-natureza se concentra na análise das forças produtivas, a

análise da relação sociedade-natureza-sociedade incorpora o entendimento das relações

sociais de produção” (MONERAT, 2013 p. 2). De uma forma que ao observarmos o

contexto de uma unidade produtiva tendemos a focar em determinadas disciplinas que

carregam instrumentos adequados para determinadas lógicas. Assim quando estudamos

um território produtivo e político podemos observar de diversas maneiras, desde um

ponto da economia, até da ergonomia e da subjetividade, e aqui busca se evidenciar

relações sociais de produção que contribua para um maior entendimento das relações

entre o ser humano e a natureza.. Daí a necessidade de buscarmos uma combinação de

disciplinas, teorias e métodos. Fica ressaltada a importância de compreender elementos

que estão para além daquilo que se vê, problematizando a complexidade do objeto e do

campo estudado, indo para além da representação oferecida pelo método disciplinar que

apresenta uma perspectiva unilateral do objeto, já que não consegue aglutinar outros

elementos (que só podem ser vistos a partir de outras disciplinas), e força, dentro dos

limites da racionalidade, a aceitação das regras da representação, e não do real.

Existe uma Terceira linha política, que se mantém para além das alianças e

compromissos colocados pelo mundo pós 1989. Onde ambas as políticas,

progressivas e regressivas são políticas representativas, no qual cada

pespectiva agrega partidos, alianças e interesses, esta Terceira linha política é

uma política sem Estado, que busca escaper desta forma política

convencional. Uma política do hack, que inventa relações para além da

representação (MACKENZIE, 2004 tradução própria).

Wark Mackenzie aponta para uma terceira via política em que está justamente

entrelaçada essa questão de ressignificar os sentidos materiais, nos quais a informação

seria o grande catalisador deles, não ficando, então, na mera representação. Ainda que a

informação seja uma propriedade — e disso podemos ver os sigilos, confidencialidades,

os códigos, as linguagens etc. que há sobre o mundo da informação —, é daí que sua

importância aparece, pelas formas de vigilância, controle e punição dos que a utilizam

de maneira subversiva ou, leia-se, ressignificadora: “a informação como propriedade

deve ser distribuída sem diminuir nada, senão sua escassez. Informação é aquilo que

escapa da forma de comoditie” (MACKENZIE, 2004). Por esse ângulo, um método que

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se aproveita de outro método busca dar um novo sentido dentro da aplicação que já está

sendo dada e expandir o conteúdo informacional acerca do campo e do objeto.

Problematização

A conjuntura brasileira e mundial tem se acirrado cada vez mais com o avanço

do desenvolvimento do ser humano sobre a sociedade, de forma que, desde a educação

até a economia, há impactos. Assim podemos ver a fábrica sobre a perspectiva de que

ela surge sob um contexto de acirramento da luta de classes no Brasil dado as

contradições do desenvolvimento brasileiro. Na medida em que apresenta

particularidades, a Flaskô se organiza na contramão do sistema capitalista.

“Prefiro a liberdade da gestão operária, do que estar sob o chicote do patrão”,

relata um trabalhador em entrevista para a repórter Janaína do Globo (2013 ).com. No

curta metragem produzido pelo produtor audiovisual Emiliano Goyeneche no ano de

2013, o trabalhador AR aponta essa mesma visão que o trabalhador entrevistado pela

repórter do G1 ressalta:

O bom mesmo é a realidade que você tem. Se tem que ter a responsabilidade,

mas você tem liberdade, que você não tem aquela, aquela preocupação de já

entrar preocupado, de que o patrão se não fazer as coisa certa, o patrão vai ficar

te cobrando resultado e resultado. Aqui agente sabe que o resultado é para nós

mesmos (AR, trabalhador entrevistado por GOYENECHE, 2013).

No mesmo documentário, o trabalhador faz um relato muito sincero sobre a

realidade da fábrica: “Se sabe que ocupar a fábrica ou terra, que seja, é um negócio

meio... um negócio, assim, é montar num cavalo doido” (trabalhador entrevistado por

GOYENECHE, 2013).

Em outras falas sobre a história da fábrica, os trabalhadores apontam a forma

como o movimento e a própria fábrica são marginalizados. Isso se faz relevante, na

medida em que esse pressuposto se torna motivo para que terceiros cortem relações com

a fábrica, como, por exemplo, a CPFL que, em julho do ano de 2016, interrompeu o

fornecimento de energia a Flakô. Essa problemáticaafeta diretamente na organização do

abastecimento, produção e distribuição, porque as máquinas são antigas e, se param de

operar, elas podem dar perda total.

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Manter a resistência a marginalização se liga diretamente com a questão

econômica administrativa. Além disso, outros ataques também são observados por

meios jurídicos.

A União, na medida em que possui crédito com a Flaskô tendo em vista as

dívidas deixadas pelos antigos donos, encargos esses sobre os direitos a férias

remuneradas, FGTS, INSS entre outros que diz respeito aos direitos dos trabalhadores,

executa leilões das máquinas da Flaskô a fim de quitar as dívidas, o que é algo

impossível uma vez que a quantidade arrecadada dos leilões não seria suficiente para

acabar com as dívidas que passa da casa das centenas de milhões. Além desses métodos

indiretos, a fábrica já sofreu intervenções diretas, como a chegada da polícia militar em

suas dependências e também a de um interventor do estado, orientado a negociar com a

fábrica e que sempre resulta na resistência dos trabalhadores.

Quando a fábrica recebeu da justiça no ano de 2003 uma decisão que tentou

barrar suas atividades, uma intervenção amparada pela decisão judiciária para pôr fim

nas atividades foi elaborada pelo poder público de maneira à interromper as atividades

na fábrica. A partir deste episódio os trabalhadores perceberam o descaso da instituição

judiciária da Cidade de Sumaré, evidenciada na fala do juiz responsável pela condição

da fábrica que poderia ir de encontro à estatização ou divergiria desta perspectiva. O

advogado da fábrica, responsável por acompanhar os processos pela qual a fábrica se

encontrava responde relata:

É um processo de 1998, uma dívida da gestão patronal, e nessa sentença ele

vai fundamentar, e ele coloca, [o juiz] vai indo, primeiro, segundo... e aí no

quinto ele fala “quinto e talvez o mais importante argumento: ao defender de

maneira intransigente os postos de trabalho, estar-se-ia desrespeitando o

estado democrático de direito, imagina se a moda pega”. E a gente brinca

bastante com isso, nós queremos que a moda pegue! (Alexandre entrevistado

por GOYENECHE, 2013).

Essa problemática que advém das dívidas dos antigos patrões é o ônus que os

trabalhadores assumiram pela ocupação da fábrica. Desde o ano de 2003 até 2016, a

fábrica tem sofrido com inúmeros boicotes, desde leilões das máquinas na justiça (sem

o conhecimento dos trabalhadores), até os cortes de energia feitos pela CPFL. No dia 28

de julho, a fábrica soltou uma nota no facebook:

Urgente!!! CPFL rompe negociação com fábrica ocupada Flaskô e corta a

luz, ferrando com a vida dos trabalhadores. Chamado imediato para ato

público em frente à CPFL (final da norte sul, ida para campinas-mogi), hoje,

quinta-feira, dia 28/07, às 14h. Pedimos ampla solidariedade e divulgação!!!

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Todos à CPFL em defesa dos postos de trabalho e de todas a conquistas da

Flaskô. Decisão aprovada agora em Assembleia. São 13 anos de luta em

jogo!!! Não pagaremos pela crise!!! Não aceitaremos a intransigência da

empresa que detém o monopólio de energia e possui ações na bolsa de NY!!!

Viva a luta da Flaskô!!! (MANDL, 2016 p. 1).

FIGURA 2 – CPFL cortando energia da Flaskô em 28/07/2016.

(Foto: Facebook Flaskô)

A Figura 2 ilustra que o que houve foi uma tentativa de liquidar com as

atividades da Flaskô, já que, como já foi mencionado, as máquinas sofrem da

obsolescência e, quando ficam paradas por muito tempo, consequentemente sofrem

danos e problemas mecânicos. O que se tem é uma série de boicotes e tentativas de

barrar as atividades controladas pelos trabalhadores. Enfim, existem inúmeras situações

e problemáticas que decorrem da ocupação.

“A gente não tem ajuda financeira igual outras empresas têm, a gente tem que

pagar dívida anterior, que é o que eu acho que é o que mais pesa, porque, se fosse só

dívida nossa, eu acho que a gente conseguiria” (trabalhadora entrevistada por

GOYENECHE 2013), relata no curta metragem. A trabalhadora também ressalta a questão

das dívidas como um

“problemas da época patronal, que deixou varias dívidas, não só com o

governo, mas com diversos fornecedores. Como eles [os fornecedores]

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consultam e veem que a gente tem muitas dívidas, eles acabam não

concedendo para gente essa parte, de financiamento. Hoje a gente acaba

pagando tudo a vista, o que é muito difícil para a gente” (GOYENECHE

2013).

Essas são falas que mostram algumas das realidades que perpassam a Flaskô.

Seja simbólica ou concretamente, a Flaskô é uma fábrica que contribui para o

desenvolvimento local.

Assim, é essencial à fábrica ter o controle de suas operações, já que busca se

efetivar concretamente, tendo em vista o mercado ser extremamente competitivo, como

veremos adiante nos próximos capítulos. Desta forma a fábrica de bombonas e galões

tem que estar a todo vapor, em pleno funcionamento, para a sustentação de outras

atividades de cunho social que a fábrica fomenta, como a fábrica de cultura os eventos,

e as atividades do Centro de Memória Operária e Popular (CEMOP)

Uma problemática gerada pela má administração do antigo dono e pela

reestruturação do capitalismo engendrou uma má reputação atual da fábrica, o que não

lhe permite acessar investimentos, financiamentos e empréstimos e gera dentre outras, a

necessidade da fábrica pagar a vista, obrigando a manter a produção constante para que

consiga sempre ter dinheiro em caixa. Como nem sempre tudo aquilo que é produzido é

vendido, a fábrica gera a necessidade de armazenamento e gerenciamento dos materiais.

Ressalta-se esta questão, tendo em vista que o esforço da Flaskô é dobrado. Ela tem de

defender suas práticas, já que é uma práxis, envolve a ação política, e ainda deve se

manter no mercado tão forte quanto aqueles que não têm nenhuma dessas preocupações

políticas. Dessa forma, a Flaskô mantém sua postura política, além de manter sua

produtividade e suas operações, como já avaliadas pelo BNDES em análises sobre a

produção da fábrica. Ela enfrenta inúmeras dificuldades em relação ao mercado, e,

mesmo assim, seus trabalhadores continuam enfrentando, denunciando e combatendo as

relações assimétricas de poder, desde o imperialismo à exploração da propriedade

privada.Como se vem verificando, faz-se necessário o estudo das contradições do

controle operário presente na fábrica ocupada Flaskô, de maneira que se possa observar

e analisar como elementos dessa conjuntura, que possui um impacto em escala micro,

atingem e se relacionam diretamente com tudo o que envolve a fábrica.

Entender a fábrica Flaskô é compreender como um grupo, estruturado em

moldes familiares, sofreu com a chegada do neoliberalismo no país durante a década de

noventa. O antigo grupo se chamava Grupo Hansen e foi dividido em holdings,

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(empresas que atuam em diversos ramos, mas que pertencem a um único grupo)

responsáveis cada uma por um conjunto de fábricas, firmas e empresas. Foi, então, que

houve a divisão do Grupo Hansen S.A. em Grupo Tigre e CHB S.A.

A holding CHB S.A., uma sociedade anônima que ficou para a filha/herdeira

Eliseth Bautschauer e seu marido Luís Bautschauer, foi, então, o novo grupo criado do

qual a Flaskô fazia parte. Durante a década de noventa, começou um processo de

sucateamento da Flaskô, porque, dentro do processo de reestruturação empresarial,

houve redução do corpo de funcionários, desativação das plantas, corte de gastos,

desmobilização de ativos, e também o pagamento de acionistas em detrimento dos

trabalhadores das empresas.

Takayuki (2013, p. 59) aponta que o processo de divisão das atividades

operacionais da CHB S.A., formando empresas juridicamente independentes,

responsáveis por seus lucros operacionais, gerenciamento do quadro de pessoal e do

parque de máquinas etc., foi a forma de reestruturação encontrada pela holding, mas que

não foi o suficiente para que as empresas que a compunham conseguissem se manter

competitivas no mercado, devido à entrada de competidores mais fortes, equipados

tecnologicamente e com muito mais porte, gerando a consequente quebra do grupo.

Nessa década de 1990, a economia brasileira era de grande abertura para o

mercado internacional, acompanhada de um complexo programa de privatizações,

quando vista de uma perspectiva geral, que acirrava a concorrência e a competitividade

para as pequenas empresas. Essa abertura gerou um movimento de crescimento

econômico no estado de São Paulo, principalmente na capital, aumento esse que não

teve um mesmo acompanhamento em desenvolvimento social e humano, e que, na

medida em que houve uma saturação de empresas na região, gerou deseconomias de

escala caracterizadas pela presença de desemprego, monopólio tecnológico e barreiras à

entrada, como efeitos do próprio investimento e injeção econômica na região.

Em outras palavras, a deseconomia de escala é refletida por

situação na qual o custo médio por unidade de produto declina à medida que

a quantidade produzida aumenta (analogamente, a ocorrência de

deseconomias de escala retrata um aumento do custo médio unitário a partir

de um determinado nível de produção) (CONCEIÇÃO; FEIX, 2013 p. 29).

Esse efeito local, a deseconomia de escala, desencadeada devido a uma causa

global, a abertura econômica para empresas estrangeiras, gerou um efeito que não se

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limitou à região metropolitana de São Paulo, mas também à do interior. As empresas e

indústrias que perderam mercado devido ao acirramento da competitividade e da

limitação da capacidade produtiva se deslocam, então, para o interior do estado, e à

medida que isso ocorre, as empresas do interior, que antes estavam sob determinadas

condições de concorrência, agora têm que competir com grupos com maior capacidade

de controle dos meios de produção anteriormente alocadas na capital.

Podemos pensar que o caso da Flaskô é particular, devido a todos os fatores que

a caracterizam, tais como a conjuntura em que surge e as suas práticas diárias. Nesse

sentido, a existência da fábrica se deu devido a uma série de particularidades que

envolvem a desigualdade social, problemas econômicos, resistência à precarização etc.

Nunca é demais insistir na alta complexidade das relações entre ‘a

sociedade’, cidadãos e habitantes, e a cidade, o urbano, o espaço. Para o

indivíduo, a cidade que o cerca é ao mesmo tempo lugar de desejo (dos

desejos: o que os desperta, os multiplica ,os intensifica) e o conjunto das

pressões que pesam sobre os desejos, que inibem o desejo. É no urbano que

se instala, se institui ‘o cotidiano’. Entretanto, a cidade suscita o sonho e o

imaginário (que exploram o possível e o impossível, os efeitos da riqueza e

da potencia) (NASCIMENTO, 2014, p. 2).

Nesse sentido, o filosofo Henri Lefebvre (1966) aponta que, dentro da estrutura

social, há pontos fortes e fracos, que se evidenciam nas relações sociais e nas trocas,

quando destas a fragmentação do mundo se apresenta. Para o autor, há uma distinção

entre os pontos fortes e os pontos frágeis da organização social capitalista que podem

ser exemplificados, respectivamente, pelo Estado e livre mercado (fortes), e a corrupção

governamental e a falência de empresas (fraco). “Lefebvre aponta o “ponto fraco” onde

surgiu a autogestão: as fábricas abandonadas pelos patrões” (NASCIMENTO, 2014, p. 5), e

assim dentro das relações sociais de produção vemos o quanto o capitalismo é um

sistema que na medida em que o lucro de suas atividades vivencia uma queda constante,

em relação ao capital orgânico acumulado, ele tende a criar novas formas para sua

manutenção, mas que abre brechas das quais a autogestão surge como uma alternativa,

que mais traz e revela as problemáticas do que propriamente as soluciona.

Deste conceito de Lefebvre poderíamos pensar que as empresas repousariam nos

pontos fortes e que a dinâmica de desconcentração da indústria da capital para o interior

pela busca de vantagem competitiva representaria a caracterização do ponto forte dentro

do capitalismo: vantagem competitiva, incentivo do governo, fomento vindo de

instituições públicas e capacidade de adaptação pelo território de um Estado.

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Por outro lado, os pontos frágeis, que nada mais são do que a outra face da

moeda do sistema capitalista ficam evidentes de diversas maneiras, e uma delas é a

própria quebra das firmas. É aí neste ponto que Lefebvre ( 1966 ) argumenta sobre

como a autogestão brota: nos pontos frágeis da estrutura social, naqueles pontos em que

o que se pode fazer é a denúncia das falácias que sustentam os pontos fortes que

compõem a armadura social da estrutura existente na sociedade. É claro que essa noção

de ponto forte e frágil da qual Lefebvre se utiliza para fazer sua proposição é aquela em

que a racionalidade capitalista se difundiu por todas as partes da vida. Essa análise dos

pontos fortes da estrutura social deve ser entendida como recortada pela visão

econômica. Sob outras perspectivas, como a da Psicologia, por exemplo, a

competitividade é vista como um ponto frágil da estruturação do sujeito, e tão logo

poderíamos pensar na discussão acerca dos “controles psicológicos do capitalismo”

(HELOANI, 2003).

Assim, é necessária a discussão de que apenas a tomada dos meios de produção

não é suficiente para dar conta da mudança esperada, mas que são necessárias novas

relações sociais de produção. Dessa maneira, entendendo que as empresas e as fábricas

ocupadas e recuperadas são embriões de novas relações sociais de produção, elas estão

diretamente ligadas à uma nova configuração das realidade da produção das condições

materiais de vida, convivem com a lógica do metabolismo do capital.

1. PERCURSOS DO CENÁRIO ECONÔMICO BRASILEIRO, DESCRIÇÃO DE

VETORES QUE INFLUENCIARAM NA OCUPAÇÃO DA FÁBRICA FLASKÔ

1.1 Das rodovias do café até a crise dos anos noventa

Entender a história da economia brasileira e relacioná-la com a realidade da

Flaskô não é uma tarefa fácil, todavia existem alguns padrões que sugerem ter havido

determinada conjuntura que gerou um ponto fraco no interior do capitalismo e que

possibilitou o surgimento da empreitada dos operários na fábrica. Esta seção tem este

intuito, compreender como a concentração cafeeira gerou excedentes para a

industrialização brasileira ― industrialização essa que em seu decorrer deu

possibilidade para a Flaskô ser fundada ―, e como a região metropolitana de São Paulo

ficou saturada. Em decorrência disso, ela passou a se desconcentrar, durante os períodos

da colônia, para as antigas regiões que eram rotas do café, como Campinas, no interior

do estado, que, hoje em dia, também se tornou uma região metropolitana.

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Para compreendermos a presente situação de nosso país e das condições em que

ele se encontra, é de essencial importância identificar como nossa história se

desenvolveu. Se hoje em dia presenciamos uma precarização nas condições de trabalho,

isso se deve a um encadeamento de ações tomadas há séculos, e não a ações pontuais

que foram executadas no decorrer do tempo. Ao verificarmos os períodos da

industrialização brasileira, desde 1500 até 2014, veremos uma série de atrasos e

retrocessos na industrialização, a começar pelos 300 anos (1500 – 1808), quando a

colônia ficou proibida de realizar qualquer atividade industrial, que não fosse para sua

subsistência. Um fato interessante é que, em 1822, o novo império estava constituído de

tal forma que a única maneira de ingressar no contexto industrial seria aceitando a

submissão frente ao imperialismo britânico, refletido nos diversos acordos desiguais

com os países europeus. Essas ações que causaram um desequilíbrio fiscal surtiriam

efeito ao longo da década de 40 até que expirasse o acordo com a Inglaterra, como

coloca Celso Furtado:

É necessário ter em conta a quase inexistência de um aparelho fiscal no país,

para captar a importância que na época cabia às aduanas como fonte de

receita e meio de subsistência do governo. Limitado o acesso a essa fonte, o

governo central se encontrou em sérias dificuldades financeiras para

desempenhar suas múltiplas funções na etapa de consolidação da

independência. A eliminação do entreposto português possibilitou um

aumento de receita. Mas, efetuado esse reajustamento, o governo se

encontrará praticamente impossibilitado de aumentar a arrecadação até que

expire o acordo com a Inglaterra em 1844. [...] Nesse período, o governo

central não consegue arrecadar recursos, através do sistema fiscal, para cobrir

sequer a metade dos seus gastos agravados com a guerra da Banda Oriental.

O financiamento do déficit se faz principalmente com a emissão de papel-

moeda, mais que duplicando o meio circulante durante o referido decênio

(FURTADO, 1995, p. 97).

Este elemento revela um traço marcante em nosso país que é o fato de ele ter

sido colônia de exploração agrícola durante a sua formação e seu desenvolvimento, o

que culmina, segundo a teoria ricardiana da vantagem comparativa, na especialização

no segmento, de tal forma que o conflito latente entre elite agrícola e industrial ficasse

cada vez mais evidente. Além disso, o déficit da balança comercial revelou a

necessidade de se buscar outra maneira de gerar receita.

Nesse sentido, ao longo do século XIX, começou haver reestruturações na

política comercial brasileira, desde a revogação da proibição para o estabelecimento de

fábricas e de atividades manufatureiras em 1808, até as diversas reformas alfandegárias

ao longo do século (HEES, 2011, p. 101), que delimitava a participação do país nas

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atividades industriais. Ao longo da segunda metade do século XIX, assistiu-se a

sucessivas alterações das tarifas alfandegárias. Por mais que se encontrem alusões à

proteção da indústria nacional, a motivação primeira de todas essas reformas era

invariavelmente o déficit público (HEES, 2011, p. 107), gerado pela falta de receita para

pagamento dos gastos, ocasionada, dentre outras coisas, pela limitação fiscal do

Império.

Na segunda metade do século XIX, vê-se uma crise no setor agrícola,

principalmente com o café, espelhada na sua baixa de preço. A despeito do que precede

a crise da lavoura no último quartel do século XIX, o aumento da imigração e,

principalmente, a baixa dos preços do café no início da década de 1880 permitiram o

surgimento de condições mais favoráveis ao desenvolvimento de uma política industrial

(HEES, 2011, p 108), sendo criada, nesse ano, a AI (Associação Industrial). No final da

segunda metade desse século, a autora Nícia Luz (1978) aponta um marco de discussão

na economia brasileira em que havia, de um lado, a elite agrícola e, de outro, os

industriais, tendo sua primeira formalização ocorrida por meio da Associação Industrial

em 1880.

O Brasil vai debater-se, desde a sua elevação à categoria de Reino Unido ao

de Portugal, a princípio, e a de Estado Independente, a seguir, de um lado

entre os interesses agrícolas, cada vez mais predominantes no país, e de

outro, o desejo de industrializar-se, condição julgada imprescindível, pelos

espíritos mais lúcidos, à prosperidade brasileira (LUZ, 1978, p 56).

Isso evidencia o caráter agrícola do nosso país no início do século XX e, ainda,

uma falta de controle sobre o aparelho fiscal, financeiro e industrial, caracterizada pela

Associação Industrial pela falta de proteção à indústria e a instabilidade das tarifas

aduaneiras que, ao não incentivar o “trabalho nacional”, condenavam as populações

urbanas “ao parasitismo e à miséria com prejuízo da riqueza nacional e da ordem

pública” (HEES, 2011, p 109). Para Nícia Villela Luz, o processo de industrialização se

desenrola ‘aos trancos e barrancos’ ao longo do século XIX:

Ao desvencilhar-se, em 1808, do regime colonial, presenciou o Brasil a

primeira tentativa de industrialização, sob a tutela do próprio Estado,

enquadrando-se, as medidas adotadas, nas práticas usuais da política

mercantilista. A segunda tentativa, ainda de iniciativa estatal, com a tarifa

Alves Branco, em 1844, já apresentava aspectos mais modernos e, a nosso

ver, mais propriamente nacionalistas, pois pretendia basear-se,

essencialmente, no protecionismo aduaneiro, prática, sem dúvida alguma,

mais niveladora, mais democrática, do que as concessões de privilégios e

monopólios dispensados pelo monarca estilo Antigo Regime (LUZ, 1978, p.

205).

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E, ainda que se tenha desenvolvido alguma atividade industrial, Junior (1996)

aponta que a indústria brasileira não sairá tão cedo da sua mediocridade e lutará com

dificuldades que lhe limitam consideravelmente os horizontes. “Também não resolverá

por isso, de uma forma ampla, nenhuma das contradições e dos problemas econômicos e

sociais do país” (JUNIOR, 1996, p. 184).

É importante lembrar que nesse período de concepção da indústria brasileira, o

sistema tarifário, fiscal, industrial e o capital financeiro ganhavam atenção da economia,

havendo, num primeiro momento (século XIX), uma dualidade entre indústria e

agricultura, que pode ser observada ora como divergente, ora convergente, dado os

protecionismos do estado e o jogo de interesses entre a elite. Divergente, no momento

em que se opõe agricultura e indústria, como observa Luz (1978); convergente, no

sentido de que da agricultura surgem motivos para se industrializar, para acompanhar a

demanda social e, ainda, que da indústria surgem motivos para a agricultura produzir na

medida em que é necessário mais pessoas na indústria e, portanto, mais bens não

duráveis para suprir esse contingente. Isso para dizer que, por mais que houvesse

discussões e oposições entre burguesia industrial, burguesia rural, comércio e indústria,

o capital comercial e o financeiro nunca buscaram a ruptura, mas sim novas formas de

utilizar a potencialidade do país para o crescimento capitalista dado a competitividade

global.

Assim, Hees (2011) aponta que, para o autor Celso Furtado, o protecionismo

surge da necessidade de se manter a lucratividade do setor dinâmico da economia, ao

passo que Nícia Villela Luz vê o protecionismo como mero elemento que refletia os

conflitos de interesse entre o Fisco, a indústria e os interesses agrícolas e sugere que o

Estado, por não ter uma política racionalmente protecionista, teria dificultado a

industrialização brasileira (HEES, 2011, p.120).

É o aproveitamento dessas condições que, na década de 30, tornou-se possível

uma “expansão da produção industrial, que passa a ser o fator dinâmico principal no

processo de criação de renda” (FURTADO, 1995, p. 202), mesmo havendo dificuldades

econômicas, dadas a dependência internacional e a desvalorização da moeda brasileira.

Isso se deve ao fato de haver um mercado internacional em ascensão que mobiliza

produção e consumo.

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A procura de bens de capital coincide, nas economias desse tipo, com a

expansão das exportações ― fator principal do aumento da renda ― e,

portanto, com a euforia cambial. Por outro lado, as indústrias de bens de

capital são aquelas com respeito às quais, por motivos de tamanho de

mercado, os países subdesenvolvidos apresentam maiores desvantagens

relativas. Somando-se essas desvantagens relativas às facilidades de importar

que prevalecem nas etapas em que aumenta a procura de bens de capital, tem-

se um quadro do reduzido estímulo que existe para instalar as referidas

indústrias nos países de economia dependente. Ora, as condições que se

criaram no Brasil nos anos trinta quebraram este círculo. A procura de bens

de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de

importação eram as mais precárias possíveis [...] É evidente, portanto, que a

economia não só havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular

os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também

havia conseguido fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e

expansão de sua capacidade produtiva (FURTADO 1995, p. 199).

João Manuel Cardoso de Mello (1991) viveu contexto distinto do de Celso

Furtado, porém construiu em O capitalismo tardio uma crítica à Comissão Econômica

para América Latina (CEPAL), na medida em que essa colocava que o desenvolvimento

econômico em igualdade traria o fim do subdesenvolvimentismo. Todavia, sob essa

perspectiva, desconsideram-se princípios da economia política, uma vez que tal

pensamento implicaria a planificação econômica, impossibilitando elementos básicos

para a efetivação do capitalismo, como a divisão internacional do trabalho, e assim a

concentração e centralização do capital. Como aponta Marx (2004),

partimos dos pressupostos da economia nacional. Aceitamos sua linguagem e

suas leis. Supusemos a propriedade privada, a separação de trabalho, capital e

terra, igualmente do salário, lucro de capital e renda da terra, da mesma

forma que a divisão do trabalho, a concorrência, o conceito de valor de troca

etc (MARX, 2004, p.1).

Mello (1991) ainda indica outro fator desigual propagado pelo capitalismo:

A propagação desigual do progresso técnico (que é visto como a essência do

desenvolvimento econômico) se traduz, portanto, na conformação de uma

determinada estrutura da economia mundial, de uma certa divisão

internacional do trabalho: de um lado, o centro, que compreende o conjunto

das economias industrializadas, estruturas produtivas diversificadas e

tecnicamente homogêneas; de outro, a periferia, integrada por economias

exportadoras de produtos primários, alimentos e matérias-primas aos países

centrais, estruturas produtivas altamente especializadas e duais (MELLO,

1991, p. 14).

Dessa forma, vê-se que a divergência entre indústria e agricultura ocorre apenas

na forma como os bens são produzidos, sendo a questão central para o entendimento do

desenvolvimento econômico brasileiro, a convergência entre os dois setores (cafeeiro e

industrial), ao invés da sua segregação. Por conseguinte, ambos possuem mais relações

dialéticas do que se aparenta, como aponta Cano (1990):

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A forma pela qual a intermediação financeira se apropriou de grande parte do

capital cafeeiro mascarou a sua origem, não se dando conta que os capitais

industrial, financeiro e comercial são eles próprios face do capital cafeeiro.

Um ponto que reforça ainda mais o mascaramento da origem desses capitais

se deve à própria transferência de capital cafeeiro investido diretamente por

fazendeiros [...] em atividades urbanas (CANO, 1990, p. 86).

Sendo o capital comercial aquele que fomentou a base da indústria brasileira,

esta, após a sua iniciação, depara-se com uma crise infra estrutural, pois,

se o período que vai da Proclamação da República até 1933 pode ser

caracterizado como o momento de nascimento e da consolidação do capital

industrial, de 1933 até 1955 temos o período de industrialização restringida

[...] Tal situação só será superada com a industrialização pesada, a partir de

1956, com o Plano de Metas no governo de Juscelino Kubitschek (HEES,

2011, p.131).

No governo Juscelino Kubitschek, foi utilizada pela Superintendência da Moeda

e do Crédito (SUMOC) a instrução 113 que consistia em importar do exterior bens e

serviços sem cobertura cambial, o que contribuiu para que o capital estrangeiro

adentrasse o país. Segundo Saretta (2001, p. 116), "a historiografia econômica brasileira

é unânime em reconhecer o favorecimento que a Instrução 113 significou para o capital

estrangeiro". Além disso, a instrução 113 estava consonante com o Plano de Metas, no

sentido de incentivar indústrias pesadas. O documento oficial do Plano de Metas (1958)

destaca quatro metas que receberiam equipamentos por meio da referida política

cambial: alumínio, cimento, indústria automobilística e construção naval (CAPUTO e

MELO, 2009, p. 521). Dessa forma, o capital direto estrangeiro inundou a economia

brasileira durante oito anos:

Entre 1955 e 1963, o valor dos investimentos diretos estrangeiros totalizou

US$ 497,7 milhões. A sua maior concentração ocorreu entre 1957 e 1960,

com 73,0% do total do período (US$ 363,1 milhões) [...] No início dos anos

de 1960, ocorreu uma queda bastante acentuada dos investimentos, que

passaram de US$ 107,2 milhões em 1960 para US$ 39,2 milhões em 1961,

US$ 20,1 milhões em 1962 e US$ 4,5 milhões em 1963, o último

representando menos de 1% do valor total investido no período (CAPUTO e

MELO, 2009, p. 521).

O plano de metas e a instrução 113 revelam o atraso econômico e, nesse sentido,

as tentativas do governo JK em minimizar a industrialização tardia por meio de métodos

cambiais que beneficiassem formas de investimentos para além do país. Caputo e Melo

(2009) apontam a problemática resultante da abertura econômica para o capital

estrangeiro no sentido de que o capital privado nacional perdeu parcela de sua

participação na vida econômica brasileira, enquanto o capital estrangeiro aumentava sua

voz, tanto econômica como politicamente (CAPUTO e MELO, 2009, p. 535).

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Isso não significa afirmar que o capital privado nacional tenha sido prejudicado

em termos absolutos por tal política, mas esse declínio relativo deveu-se tanto ao

crescimento do setor público quanto aos benefícios ao setor estrangeiro oriundos,

naqueles anos, das políticas governamentais (CAPUTO e MELO, 2009, p. 535).

A década de 60 ficou marcada pelo plano de metas composto por diversos

programas do governo de incentivo às indústrias pesadas e infraestruturas que

permitiram uma maior capacidade da indústria brasileira em responder às adversidades

impostas pela indústria internacional. Lopez (2009, p.) esclarece que

Juscelino Kubitschek possibilitou a construção de hidrelétricas, criou Furnas,

adotou o Modelo Rodoviarista e construiu rodovias em abundância, criou a

USIMINAS e investiu amplamente nas indústrias. Ele ainda coloca que, com

a forte entrada do capital externo, o Brasil passou por um período de grande

expansão, mas, também, ampliou sua dependência tecnológica e financeira.

A industrialização centrada no Sudeste revela que a concentração comercial que

estava instalada nessa região no século XIX e até a década de 30 do século XX por

causa do café serviu de base para a consolidação da indústria brasileira (havendo

investimentos tanto do capital comercial quanto financeiro, como já visto), sendo

considerada hoje um polo tecnoindustrial, estando a produção de bens e serviços

centrada nessa região.

Esse investimento proporcionado pelo governo Juscelino Kubitschek serviu

como base para a descentralização da indústria brasileira, no sentido clarear a relação

entre centro e periferia existente em nosso país, não mais sendo considerada como

arquipélago econômico ou como a relação entre colônia e metrópole dos idos do século

XVI, mas como uma atividade interligada entre as diversas regiões do país.

Com esses investimentos a dinâmica econômica começou a ser reconfigurada,

para uma “industrialização concentrada no Sudeste”, como mostra Lopez (2009). Para

este teórico, “o padrão em arquipélago foi gradativamente substituído pelo ‘Padrão

Centro Periferia’, no qual o Sudeste era o centro e fornecia bens industrializados para as

demais regiões que seriam a periferia”, revelando os primeiros indícios de conexão

entre as indústrias brasileiras, mas também os de desigualdades regionais. Ele aponta

ainda a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em

1958, como tentativa de “evitar essa desigualdade regional enorme”, ainda “que pouco

se realizou efetivamente no período” (LOPEZ, 2009, p.).

“Até a década de 1960, existia um alto grau de concentração industrial na cidade

de São Paulo e na sua região metropolitana” (LIMA, 2006 p. 22). Segundo Tinoco

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(2001), o período entre o início da industrialização brasileira até 1970 é um período de

intensa concentração das atividades industriais no Brasil e da consolidação da Região

Metropolitana de São Paulo como polo no cenário econômico nacional.

Com a ditadura militar (1964–1985), houve a concentração do poder e a

configuração de um estado de exceção, privando os cidadãos de direitos e de decisões.

Essa medida foi tomada, em meio a outros motivos (como pressão internacional,

problemas sociais e políticos), devido à crise econômica gerada pelas políticas de JK,

dentre elas, a de não cobertura cambial para importações, dando espaço para que as

empresas internacionais ocupassem o mercado e a produção brasileira, causando um

déficit na indústria nacional e tornando-a dependente do capital estrangeiro.

Já nos anos de chumbo, foram características marcantes o milagre econômico, as

obras 'faraônicas', déficits na balança comercial, instabilidade política, dívidas externas

exorbitantes, desemprego estrutural, concentração da renda na mão de uma elite e

perseguição de opositores. Os déficits na economia brasileira no período da ditadura

terão seus efeitos no decorrer dos anos oitenta e noventa, de maneira que os anos oitenta

representam o momento de crise do capitalismo brasileiro contraposto pela Constituição

Federal de 88.

A década de noventa é um período marcado por políticas neoliberais em pacotes

econômicos que buscavam reestruturar a economia brasileira, mas que visaram ao

crescimento e à austeridade econômica e não, ao desenvolvimento e às condições

sociais. O Brasil utilizou em grande escala estratégias de abertura de mercado para

sobreviver durante a década de oitenta e noventa, viveu nesse período a crise da dívida:

Os anos 80 foram marcados por uma forte crise econômica em função da

redução de investimentos externos no Brasil e uma ruptura política com a

passagem para democracia. Em termos econômicos, o Brasil decretou a

moratória (não pagou sua dívida externa, ou seja, "faliu") em mais de uma

oportunidade, viu a dívida externa explodir (de 4 bilhões de dólares para 95,

em 1985), concentrou investimentos na agropecuária para atrair capitais e

pagar os juros da dívida, sofreu com o atraso tecnológico por não conseguir

importar produtos, viveu dramas com planos econômicos que só

prejudicaram a economia e projetavam políticos oportunistas, em resumo:

viveu a Crise da Dívida (LOPEZ, 2009, p.).

O cenário nacional instável dos anos noventa revelava os déficits na indústria

brasileira que, à medida que abria o mercado para as empresas estrangeiras, gerava um

movimento de desaceleração do avanço industrial no sentido da criação e fomento da

indústria nacional e das cadeias de produção. Isso pôde ser visto no reflexo que a crise

gerou, uma vez que se identificou o movimento de desconcentração das atividades

econômicas, comerciais e industriais da capital paulista para o seu interior, movimento

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esse que ocorre até hoje.

No trabalho limitamos a chegar até os anos noventa por duas razões, uma que já

ficou clara até aqui que é as condições econômicas que afetaram nosso país e o assola té

os dias de hoje, e o outro motivo está relacionado com a situação na argentina, do qual o

processo de abertura econômica foi muito maior, de maneira que a resposta que os

trabalhadores deram frente ao neoliberalismo fomentado pelo governo foi mais

acentuada do que no Brasil. “Para termos uma idéia, um país onde as taxas de

desemprego nunca passaram dos 4 ou 5% chegou a 20% com a desvalorização cambial

no ano de 2001, sendo que mais de 50% dos trabalhadores estão hoje na informalidade”

(NOVAES, 2005 p. 14).

Frente a um cenário avassalador catalisado pela exploração do capital sobre a

vida humana e a natureza, diversos levantes e organizações populares começam a surgir.

Durante este “contexto de crise estrutural que surge na Argentina os “piqueteiros”, as

assembléias de bairro, os “ahorristas damnificados”, os “clubes de troca” e as FRs

(NOVAES, 2005 p. 15)

Frente a isso, muitos trabalhadores optaram por ocupar fábricas, reivindicar a expropriação definitiva dos meios de produção, repartição igualitária do excedente e

instalação de mecanismos de decisão parlamentarista no seio da unidade produtiva. Não

podemos esquecer que o ato de recuperar a fábrica significa para o trabalhador recuperar algo no qual ele se sente participante, que ajudou a construir, que faz parte da

sua história de vida. (NOVAES, 2005 p. 16)

No Brasil não foi diferente. As indústrias e o capital estrangeiro que foram

utilizados para a reestruturação econômica brasileira geraram um efeito de deseconomia

de escala na capital São Paulo, caracterizado pelo aumento do custo e saturação da

quantidade produzida. Essas características da deseconomia de escala serão discutidas

na próxima seção deste trabalho, para, assim, compreender como isso afetou

diretamente o pequeno negócio da Flaskô, que, nesse período da década de noventa,

ainda era administrada pelos patrões, mas que já estava sendo plantada a semente da

ocupação da Flaskô.

1.2 Desconcentração econômica brasileira

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) investigou as raízes

históricas da descentralização da indústria brasileira e o histórico econômico. O

resultado foi um levantamento de três momentos na economia brasileira em que a

indústria é vista sob diferentes perspectivas.

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“Tais movimentos de mudanças estruturais na economia brasileira

compreendem: do início do século XX à década de 1960; entre as décadas de

1960 e 1980; e após os anos de 1990. Dos anos 1920 a 1960, predomina a

tendência à concentração, especialmente na região Sudeste – São Paulo”

(ALBUQUERQUE 2011 p. 3).

Wanderley (2002, p. 57) explica que o período entre 1950-60 foi decisivo, com a

introdução da indústria pesada no Brasil, como a indústria automobilística. Contudo, as

ações estatais – iniciadas no Governo de Juscelino Kubitschek – como o Programa de

Metas, beneficiaram sobremaneira a região Sudeste primeiramente, distanciando-a das

demais regiões. A mudança nesse cenário iniciou com a integração, via

comercialização, entre a região Sudeste e as demais áreas do país.

Com o maior grau de produtividade na região Sudeste, essa competição inter-

regional tornava-se prejudicial para as outras regiões, destacando-se a região Nordeste.

Mesmo com a criação da Sudene, a região ainda tinha suas limitações, de forma que o

capital tendia a se concentrar na região Sudeste. Os anos noventa seriam marcados por

políticas neoliberais que influenciariam tanto o âmbito político-econômico quanto o

sociocultural.

Em contexto pós-regime militar e pós Constituição de 1988, “os anos noventa se

iniciam com a crise do setor público – consequência da década de 80 – e a mudança no

papel do estado na economia: de incentivador do desenvolvimento das forças produtivas

passa a patrocinador da acumulação na esfera financeira” (ARAUJO, 2005, p. 226),

“distanciando-se da questão regional, uma vez que a prioridade era o equilíbrio

macroeconômico” (WANDERLEY, 2008, p. 120).

Esse período também refletiu efeitos da globalização, com a introdução de novas

tecnologias (reformulação da estrutura de produção, gestão e distribuição) e a

desregulamentação econômica – abertura comercial no governo de Fernando Collor e o

Plano Real no governo de Itamar Franco. “Ações do governo de Fernando Henrique

Cardoso como políticas de câmbio, juros e privatizações também favoreceram a

reestruturação produtiva da economia brasileira” (WANDERLEY, 2002, p. 54-59).

Mas, ainda que houvesse um plano para a reestruturação econômica, este plano

de crescimento sofreu com os resultados das políticas dos anos 1970 até os 1990, dado

aquelas políticas industriais que criaram deseconomias de escalas, principalmente na

região de São Paulo:

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Esse processo de relocalização foi motivado pelas deseconomias de

aglomeração presentes em grandes metrópoles, sobretudo São Paulo, e

também por outros fatores, como a busca das firmas por regiões com menor

densidade sindical, mão de obra mais barata e incentivos fiscais

(CARLEIAL, 1997).

Essa deseconomia gerou um movimento de dispersão da indústria do Sudeste, da

capital para o interior do país, como já explicado anteriormente. Ou seja, devido a uma

saturação do mercado e das indústrias na capital, muitas dessas indústrias se voltaram

para regiões que já detinham condições infraestruturais para se instalar. Até hoje vemos

um movimento de desconcentração econômica da RMSP para a RMC e assim:

A configuração espacial das atividades econômicas, ou concentração

industrial, é o resultado de dois tipos de forças opostas, as de aglomeração e

as de dispersão. As primeiras apontam, geralmente, para a tríade das

externalidades Marshallianas como as principais responsáveis por sua

origem. Já as forças de dispersão, ou congestion effects, incluem a

imobilidade da mão de obra, custo de transporte, efeitos externos do meio

ambiente e outros (KRUGMAN e VENABLES, 1996).

É importante abrir parênteses na discussão para explicar que, torna-se evidente

que a qualidade das políticas teve como efeito, de um lado, os congestion effects e, por

outro, as externalidades marshallianas. A aglomeração marshalliana, segundo Valentini

(2008, p.18) é composta por “três elementos que promovem as vantagens

aglomerativas: mão de obra qualificada, disponibilidade de serviços e fornecedores de

matéria prima especializada e a presença de spillovers de tecnologia e conhecimento”.

Pois bem, voltando ao histórico, durante a década de 1960 na RMC, “os setores

produtores de bens de consumo duráveis, intermediários e de capitais já predominavam

na estrutura industrial local e iriam liderar a expansão das duas décadas seguintes”

(BAENINGER, 1996 p. 49). Segundo esta autora, os produtos farmacêuticos,

eletroeletrônicos, cirúrgicos e materiais de transporte tiveram suas produções

expandidas na região do interior paulista. Assim, a partir da industrialização na capital

paulista entre o período de 1929 – 1956, somada à malha ferroviária herdada da

indústria cafeeira, a RMC pôde se conectar com as atividades da indústria, de maneira

que, na década de 60, passou a se destacar e, na década de 70, sofreu os efeitos da

ditadura militar, quando essa decidiu descentralizar a economia. Foi aí, então, que

começou o processo de deslocamento da indústria da capital para o interior. Dessa

política de desconcentração, a RMC, dada à infraestrutura que já possuía, passou a

receber os fluxos industriais presentes até então na capital, como aponta Wilson Cano

(1998, p. 325):

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[...] o fenômeno da desconcentração industrial de São Paulo teve também o

vetor interno. Ao desagregar-se a economia paulista em duas “regiões”, a

grande São Paulo e o Interior, constata-se que a desconcentração teve como

epicentro a GSP. De fato, sua participação na produção industrial nacional

também atinge seu nível máximo em 1970, com 43,5%, enquanto que o

interior perfazia 14,7%. Em 1985 a participação da GSP já caíra para 29,4%,

enquanto a do interior subira aceleradamente, atingindo 22,5%.

A crítica que fica acerca dessa política de descentralização é que ela não

necessariamente beneficiaria o desenvolvimento nacional, mas de algumas regiões

selecionadas, aquelas com melhor infraestrutura. Assim, parte da concentração

industrial no Brasil se deve às diferenças entre as regiões. “São as chamadas economias

de aglomeração, também conhecidas como economias de escala, que favorecem e

incentivam a implantação de firmas em determinado lugar” (ALBUQUERQUE, 2011,

p. 2).

Para Albuquerque (2011, p. 2), “as economias externas de escala dividem-se em:

economias de localização (economias de escala externas às firmas, mas internas a uma

indústria de atividade numa determinada região) e economias de urbanização (externas

às firmas e também à indústria)”. As economias de localização advêm da

especialização, enquanto que o outro grupo acompanha a diversidade setorial

(VALENTINI, 2008, p. 19, 21 in ALBUQUERQUE 2011, p. 3), porém, em ambos os

casos, há relação da estrutura econômica com o desenvolvimento local

(ALBUQUERQUE, 2011, p. 3).

Entretanto, as vantagens das economias de aglomeração são limitadas,

podendo atingir um patamar de saturação ao longo do tempo aumentando os

custos de transação, impostos, além dos fatores socioambientais. Nesse

momento de saturação, como enfatizado por Wanderley (2008, p. 123-127),

ocorre a dispersão espacial das atividades produtoras. A competitividade

empresarial faz com que indústrias se afastem da área concentrada formando

oligopólios em outras regiões. Em geral, as novas ocupações se dão em áreas

interurbanas, pois oferecem serviços básicos, infraestrutura e maiores rendas.

(ALBUQUERQUE, 2011, p. 4).

Nesse momento de saturação, como enfatizado por Wanderley (2008, p. 123-

127), “ocorre a dispersão espacial das atividades produtoras”. A competitividade

empresarial faz com que indústrias se afastem da área concentrada, formando

oligopólios em outras regiões. Em geral, as novas ocupações se dão em áreas

interurbanas, pois oferecem serviços básicos, infraestrutura e maiores rendas.

(ALBUQUERQUE, 2011, p. 116).

Dessa descentralização,

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Entre as regiões metropolitanas brasileiras, a RMC apresenta o maior parque

industrial, sendo superada apenas pela Região Metropolitana de São Paulo

(RMSP). A presença deste parque industrial moderno, de uma agricultura

tecnificada, de um setor de serviços muito diversificado e de diversas vias de

circulação possibilitaram a integração da região com outros espaços

nacionais e internacionais. Entretanto, a formação de um polo altamente

industrializado, desenvolvido e com um dos maiores níveis de vida do país

contrasta com os indicadores de desigualdades sociais e com uma grave

degradação ambiental (ORLANDO, 2003, p. 9).

De certa forma, as cidades são criadas tendo em vista a forma como podem lidar

com o desenvolvimento industrial (economias de aglomeração ou dispersão) e com o

crescimento econômico. Entretanto, existem problemas relacionados à maneira que este

crescimento e desenvolvimento se dão, pois, ainda que seja uma forma de acumular

para enriquecer a região, não necessariamente esse enriquecimento será distribuído. Em

outras palavras, como mostra Fonseca (2010), a partir do Plano Diretor de 2006, "é na

década de 1990 que ocorrem 44% das ocupações da cidade” de Campinas. Das políticas

de desconcentração urbana oriundas dos anos 1950 – 1960 e das políticas de

descentralização industrial oriundas dos anos 70, temos um cenário onde “regiões mais

dinâmicas, como a de Campinas, São José dos Campos e, secundariamente Sorocaba,

Bauru, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, receberam volumes importantes dessa

desconcentração” (ORLANDO, 2003, p. 7).

Desta maneira a RMC teve um aumento de atores industriais na medida em que

indústrias e empresas se deslocam para o interior do estado de São Paulo devido aos

congestions effects. Desta maneira a competição durante os anos 1990 aumenta na

região e impacta nos pequenos e médios negócios como a Flaskô.

Com efeito, as dinâmicas econômicas nem sempre ficam evidenciadas, e esse

deslocamento da indústria da capital para o interior reflete a natureza do capital, em que

“criam-se novos sistemas de valores, atitudes e comportamentos, que passam a

incorporar a ideologia do crescimento através do domínio da burguesia e do Estado que,

através de suas leis e intervenções, legitima o poder desta elite econômica”

(CASTELLS, 1977), mascarando os ônus do crescimento econômico.

Dessa maneira, o desenvolvimento econômico brasileiro, marcado por três

processos de desconcentração da indústria, o último deles nos anos noventa, causa um

impacto local na região metropolitana de Campinas, impacto esse que é sentido social e

ambientalmente, devido às mudanças causadas no lugar que comportou a

desconcentração da capital para o interior.

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A cidade de Campinas comportou grande parte dos fluxos, pois ela representava

aquelas forças marshallianas, e um acirramento da competitividade foi gerado nas

regiões periféricas, devido à entrada e à chegada de novas firmas, muitas subsidiadas

pelos benefícios garantidos pelo governo FHC. Firmas que não estivessem preparadas

para resistir ao acirramento da competitividade perderiam mercado, decretando falência.

Além dos problemas econômicos gerados pelas deseconomias, os problemas sociais e

humanos vieram na mesma proporção. E foi essa conjuntura aqui sintetizada que deu

origem às condições para que a fábrica Flaskô fosse ocupada.

1.3 Breve histórico e Questões sobre a Flaskô - sucateamento da fábrica, processo

de ocupação e outras questões

As condições vivenciadas pelos trabalhadores da Flaskô demonstram um caráter

democrático no que tange as decisões através de conselhos e assembleias, para definir

salários, turnos de trabalho, condições de trabalho, mobilizações, festivais, acordos e

etc, mas é sabido das tensões que coexistem com as dinâmicas do trabalho, como as

cobranças por produtividade, que independentemente da condição da fábrica, é algo que

gera um mau estar o tempo inteiro, mau estar esse que advém das condições citadas

acima, aquelas que derivam da competição capitalista de mercado. Entende-se que este

elemento é de fundamental importância para que novas práticas surjam em meio a um

terreno que pouco estimula a criação de novas práxis, o mercado competitivo. Para

maior compreensão de que forma essa prática pode se concretizar não basta apenas o

reconhecimento dos elementos internos da fábrica, mas também elementos externos a

ela, que possui influencia direta, porém sempre tendo em mente as relações sociais de

produção envolvidas. No caso da Flaskô, questões como incentivo a crédito,

financiamentos do estado ou de terceiros é algo raro. Mesmo assim a fábrica se mantém

em atividade, mesmo que sobre inúmeras instabilidades. Essas instabilidades podem ser

vistas pela forma como o faturamento se comporta.

Enquanto o faturamento da fábrica chegou a atingir uma média de 800 mil reais

por mês, hoje em dia por uma série de problemas a fábrica tem um faturamento 3 vezes

menor. Para o Brasil, e para o mundo, a década de setenta marcou diversas mudanças na

realidade e no cotidiano das pessoas. Com as crises mundiais do petróleo, o Brasil

passou por instabilidades políticas e muitas dúvidas sobre o quadro econômico. Na

década seguinte, os reflexos continuaram, na medida em que negócios que até então

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seguiam seu rumo sem nenhum problema começaram a enfrentar o recesso que

incendiaria a economia brasileira na década de 90. Até os meados dos anos 80, o Grupo

Hansen S.A. estava bem no mercado, até que ocorre a partilha dos bens entre os irmãos,

sendo criado o Grupo Tigre e a Coorporação HB S.A. O grupo foi desmembrado em

duas partes, e, como já explicado anteriormente, Eliseth Hansen e seu marido Luis

Bautschauer herdaram a CHB S.A. (constituída pelas empresas Flaskô, Cipla, Interfibra,

Profiplast e Brakofiz), e os irmãos Carlos Alberto Hansen e João Hansen ficaram com o

restante da S.A., que hoje é conhecida como Tigre S.A., uma das maiores marcas

multinacionais de tubos e conexão (DELMONDES; CLAUDINO, 2009).

Nesse contexto, Eliseth e Luís Bautschauer criaram a CHB S.A. e apostaram, de

acordo com Takayuki (2013), no processo de divisão das atividades operacionais da

CHB S.A., formando empresas juridicamente independentes, responsáveis por seus

lucros operacionais, gerenciamento do quadro de pessoal e do parque de máquinas etc.,

como forma de reestruturação da holding (TAKAYUKI, 2013, p. 59).

Para maior organização das atividades, as 39 empresas da corporação foram

distribuídas em holdings setoriais, dentre as quais a HB Consumo S.A. (Cipla: Material

de Construção; Produtos do Lar; Tubos, Mangueiras e Flexíveis; Tintas) e a HB

Industrial S.A. (Brakofix, Interfibra, Profiplast, Poliex, Glycerin e Flaskô)

(NAPOLEÃO, 2005, p. 4).

No início da década de 90, o Brasil passava por instabilidades políticas geradas

pelo governo Collor. Além disso, a CHB passava por reestruturações que, somadas às

políticas paliativas econômicas más sucedidas do governo Collor, reverteram-se em

resultados decrescentes para a CHB. Nem mesmo o drástico rol de medidas implantadas

a partir de 1991, como mostra o Quadro 1, surtiu o efeito desejado, conforme denuncia a

redução constante do faturamento que passou de US$ 154 milhões (1990) para 113

milhões (1991) e de 87 milhões (1992) para 81 milhões (1993) (NAPOLEÃO, 2005 p.

202).

Ademais, Napoleão destaca, como ilustra a (Tabela 1), que houve sucessivos

cortes de pessoal entre 1992 e 1993 que representaram a redução de mais de 1,2 mil

funcionários, ou seja, um corte de 36%, sem graves prejuízos à atividade operacional

pertinente à conjuntura de retração econômica vivenciada, considerando o

funcionamento ritmado por relevante capacidade ociosa (NAPOLEÃO, 2005, p. 202).

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QUADRO 1 – Medidas de reestruturação empresarial da corporação HB instituídas em

1991

Fonte: NAPOLEÃO (2005).

É nesse período que começa haver enxugamento nos custos, demissões e

arrochos financeiros, cortes de pessoal e outros exemplos de sucateamento nas fábricas

do grupo, ou seja, o já mencionado processo de downsizing, gerado no período de

noventa pela abertura comercial.

TABELA 1 – Redução de pessoal na CHB entre jan/1992 e dez/1993

Fonte: NAPOLEÃO (2005)

Aquela década ainda ficou caracterizada pelos impactos negativos das

estratégias tomadas pela CHB. Analisando os relatos do Dieese (1997, p. 76), observa-

se:

que as respostas, uma vez implementadas, foram extremamente duras para os

trabalhadores. Configurou-se uma estratégia constituída de: 1) fechamento de

5 fábricas; 2) redução do quadro de pessoal de 5.401 para 1.711

trabalhadores; 3) diminuição de 215 para 51 chefes, além de diretores e

gerentes; 4) redução dos níveis hierárquicos de 7 para 3; 5) terceirização da

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área comercial, com queda de 450 para 180 vendedores; 6) a informatização

da área de vendas reduziu de 222 para 33 vendedores; e 7) uma centralização

administrativa (DIEESE, 1997, p. 76).

Assim sendo, decidir sobre o dia a dia da fábrica é instância da qual todos devem

participar devido à criticidade da situação, porém as decisões devem ser tomadas da

melhor maneira possível, e uma das formas que isso pode ser feito é por meio do

conhecimento da cadeia de produção e dos padrões de concorrência do setor.

As “dificuldades desses empreendimentos em obter crédito para a substituição

de máquinas e equipamentos, bem como o acesso aos programas das agências de

fomentos governamentais” (DIAS, 2011, p. 67), é um problema causado por vários

fatores, desde a falta de confianças dos bancos nos empreendimentos até a inexperiência

dos trabalhadores em gerir os recursos. Nesse sentido, deveria haver um tratamento

aprimorado desses elementos, como a estabilidade financeira, a fim de que os

empreendimentos possam pensar em alternativas para saldar a dívida, manter a

produção e ainda o clima organizacional que dirige os esforços diários.

TABELA 2 – Faturamento da HB Consumo e HB Industrial (1989 e 1990)

Fonte: NAPOLEÃO, 2005.

A Flaskô, mesmo tendo particularidades frente ao mundo do trabalho, está

sujeita às mesmas condições de qualquer empresa. Haverá uma cadeia produtiva que

abrange o setor de transformação de plástico e se mostra necessária ser apreendida pela

fábrica, a fim de responder e agir no mercado:

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O estudo da indústria de transformação de plástico a partir de uma

perspectiva de cadeias produtivas justifica-se na medida em que o

acirramento da competição das indústrias a jusante (ou seja, entre as

empresas que consomem produtos plásticos: automobilísticas, eletrônicas,

alimentícias etc.) e a montante (ou seja, as empresas de segunda geração

fornecedoras de resinas) tem levado ao enfraquecimento das relações

horizontais e intensificação do processo de alinhamento das empresas de

transformação de plástico nas diferentes cadeias produtivas (FLEURY et. al.,

2000, p. 2).

Neste estudo sobre a cadeia de suprimentos dos polímeros e da transformação de

plástico, realizado por Afonso Fleury e Maria Tereza Fleury (2000), constatou-se uma

diversificada quantidade de empresas pertencentes ao mesmo setor, bem como quatro

tipos de perfis entre elas, os quais os autores classificaram, conforme suas

especificidades:

a) empresas de transformação de plástico que estão alinhadas ou procurando

se alinhar em cadeias produtivas nas quais o elemento mais forte é aquele que

faz a intermediação direta com o mercado.

b) um segundo tipo de empresas de transformação de plástico, exemplificado

pela construção civil e utilidades domésticas, no qual a pressão a jusante é a

"normal de mercado", o que permite uma atuação menos tensionada.

c) um grupo de pequenas e médias empresas que atendem às demandas de

mercados locais, pulverizados, anônimos, com produtos que têm atributos de

qualidade e preço definidos de acordo com tais realidades.

d) outro conjunto importante, constituído por empresas "informais" que,

portanto, estão fora das estatísticas oficiais, mas cuja ação tem trazido

repercussões significativas sobre o funcionamento da indústria em geral.

Respondem a mais de 100.000 mil de empregos (FLEURY et. al, 2000 p. 2).

Por essas definições de Fleury et. al. (2000), a empresa Flaskô estaria situada na

última configuração, e, mesmo que a informalidade atinja a fábrica, essa conseguiu

manter relações com o Ministério do Trabalho, a fim de buscar soluções para a quitação

da dívida que possui com a União:

A Secretaria Geral da Presidência da República criou um grupo de trabalho

para propor soluções de continuidade da Fábrica Flaskô, produtora de

embalagens. A medida, publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta

segunda-feira (27), leva em conta a necessidade de regularizar a situação da

empresa, que possui débitos em Dívida Ativa da União superiores a R$15

milhões (PORTAL, 2015).

Isso poderia ser indício de que as estratégias da Flaskô têm de ser mais

abrangentes do que aquelas que o mercado pede e impõe, pois, se a situação de uma

pequena empresa é dificultada pelos fatores citados neste estudo, para uma empresa

com os passivos que a Flaskô possui, torna-se ainda mais difícil, na medida em que

dívidas dos antigos donos afetam os caixas da empresa.

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Convém ressaltar que, se as concentrações econômicas no Sudeste, oriundas do

capital cafeeiro foram condicionantes para que houvesse uma aglomeração e tão logo

uma dispersão das empresas situadas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP),

para as demais regiões do interior, incluindo a Região Metropolitana de Campinas

(RMC), as políticas de abertura comercial dos anos noventa representaram uma

descaracterização da indústria brasileira, no sentido de que empresas multinacionais e

produtos importados substituíram a produção interna, cujos efeitos podem ser vistos no

atual déficit da balança comercial.

Isso também é visível, de acordo com Gusmão (2001), nas políticas de

downsizing verificadas em certos períodos da década de noventa, de maneira que as

políticas de dispersão puderam ser consideradas uma forma de reorganização da

estrutura econômica e urbana, que é o caso do movimento das indústrias da RMSP para

a RMC, como reflexo da acumulação flexível que mobiliza recursos do estrangeiro para

determinadas localidades. Vale lembrar que essas dinâmicas estariam ligadas à

transformação do espaço, não necessariamente levando em conta as discussões de meio

ambiente, cultura ou sociedade, mas apenas à busca por competitividade e vantagens.

Dessa forma, assim fica problematizado o cenário econômico em que a Flaskô

está inserida, ou seja, ela passa por esse processo de downsizing que culminaria no

fechamento da fábrica, se não fosse sua ocupação. Nesse sentido,

Embora possuam características diferentes, os empreendimentos

autogestionários estão inseridos num ambiente econômico em que

predominam as empresas privadas [...] Tais condições estabelecidas por este

ambiente impõem restrições [...] devido à divergência de objetivos desses em

relação a [...]empresas privadas (DIAS, 2011, p. 71).

Por outro lado, ainda que as dificuldades sejam imensas, tanto na questão da

produção quanto na forma como ocorrem as estratégias e as relações sociais que a

fábrica possui, quando o controle operário desenvolve estratégias, sejam essas de caráter

econômico ou social, Tauille (2009) afirma que “ao se recuperar coletivamente o saber

produtivo, por exemplo, a autogestão dá um passo na direção de reduzir ou mesmo, no

limite, superar o que Marx chamou de subsunção real do trabalho”.

Talvez, o mais impressionante seja uma empresa de pequeno porte conseguir se

manter concreta e simbolicamente no mercado, como uma das poucas fábricas ocupadas

no país que conseguem manter a operação. De modo geral, as características que são

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sobressalentes a qualquer outra instituição dizem respeito à forma como a expropriação

da mais valia se dá. Porém, uma vez que são os operários que decidem o que fazer com

as retiradas, seus interesses e desejos estariam culminando na aplicação das retiradas

conforme a decisão coletiva, e, nesse sentido, uma decisão coletiva que aglutina os

desejos e a subjetividade das pessoas deve centrar esforços nas relações humanas e

sociais.

A autogestão é um campo onde as questões sobre emancipação política, humana

e social ficam evidentes na medida em que existem condições coletivas que permitem

que tais elementos possam ser discutidos e além disso ser colocados em prática, uma

vez que o elemento básico da expropriação da mais valia, a subsunção real e formal do

trabalho, são contestadas pela forma autogestionária de produção, havendo assim

condições para compreender a relação das pessoas com o mundo, tendo em perspectiva

o trabalho e as contradições impostas pelo metabolismo do capital.

Todavia, compreender o trabalho e as relações que ele implica é compreender

também a racionalidade capitalista e na medida em que esse esforço é necessário

compreender elementos da economia brasileira, da organização industrial e das

possibilidades dentro da economia.

Agora, um breve histórico sobre o elemento econômico que levou às dinâmicas

que resultaram no processo de dowsizing a qual a Flaskô sofreu as consequências e que

está presente nas experiências dos trabalhadores e entender também como a cadeia que

a Flaskô está inserida se comporta.

1.4 A cadeia de transformação de plástico

1.4.1 Conhecendo o setor de transformação de plástico

A investigação que ora pretende ser realizada não é aquela de cunho cronológico

dos fatos, mas um recorte baseado nos dados secundários presentes no setor, de forma

que a realidade com a qual a economia se preocupa possa ser vista de maneira mais

aproximada. Trata-se de entender como o setor em que a Flaskô está inserida se

comporta, quais são as estratégias por detrás da sua demanda, para, assim, verificar

como a fábrica responde às adversidades que enfrenta, e, em seguida, apontar que,

possivelmente, não apenas fatores relacionados às questões econômicas estariam

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dinamizando as relações que a fábrica possui com a sociedade, como também aqueles

de cunho social. Desse modo, a preocupação aqui colocada é de cunho econômico, de

forma que essa base nos dê condições para entender como ocorre a atuação do controle

operário e fazer um paralelo entre as estratégias do setor de transformação de plástico e

aquelas tomadas pela fábrica, etapa essa que será realizada por meio da pesquisa de

campo.

Para Fleury (2000) a indústria de transformação de plástico está ganhando

importância estratégica na medida em que as aplicações do plástico: 1) tornam-se cada

vez mais numerosas e mais sofisticadas; 2) exigem o desenvolvimento de conhecimento

e competência específicos; 3) requerem, por sua vez, empresas dedicadas; 4) trabalham

ou não articuladas a cadeias produtivas.

O Brasil, como já vimos, desde que alcançou certo nível de industrialização, era

tão dependente do capital estrangeiro quanto as indústrias que surgiam no país. Em

outras palavras, “como reflexo da alta do volume das importações e baixa performance

das exportações, a balança comercial do setor de transformados plásticos acumulou

déficit de U$1,9 bilhão (R$ 3,3 bilhões). Um aumento de 40% no déficit comercial do

setor em relação a 2010” (COELHO, 2011, p. 16), ou seja, o mercado externo e o

capital estrangeiro consolidaram-se em terras tupiniquins. Isso trouxe uma série de

impactos para o setor e para a economia brasileira.

Segundo o economista do BNDES, Maurício Moreira, “os efeitos da abertura

econômica não foram muito fortes até 1992 [...], [enquanto] em 1994, as importações

representaram 16% do consumo aparente tanto de transformados plásticos quanto de

resinas termoplásticas” (GUSMÃO, 2001, p. 21). Assim, até 1999, o regime cambial

vigente favorecia o processo de inclusão tecnológica no sentido de estarem mais

acessíveis os produtos importados, insumos diferenciados e máquinas. Entretanto, se,

por um lado, fosse facilitado o acesso a novas perspectivas, por outro lado, as empresas

que não possuíssem os recursos necessários não teriam tal acesso. A falta de

recursos para investimento em tecnologia e a dificuldade de obter

financiamentos, no entanto, fez com que muitas empresas optassem por um

processo de downsizing [demissão de pessoal], passando a comprar

componentes importados com custos competitivos, ganhando alguma

produtividade sem necessidade de grandes investimentos (GUSMÃO, 2001

p. 21).

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Dessa forma, no ano de 1998, “foi dado início ao processo de substituição de

importações, no qual cada empresa passou a buscar alternativas de fabricação nacional

para os itens que passara a importar na época da abertura de mercado e da

sobrevalorização do real” (GUSMÃO, 2001, p. 22).

Gusmão (2001) aponta ainda essa política como um elemento que dificultou a

grande parte das empresas em retomar o mercado que lhe pertencia:

As empresas nacionais têm tido que lutar para recuperar o mercado perdido

desde o início da década. Os fornecedores de matérias primas e de

equipamentos têm tido que se esforçar para conseguir fornecer produtos com

qualidade comparável a dos produtos importados que dominaram o mercado,

mas que hoje perdem pelo custo elevado (GUSMÃO, 2001, p. ).

Seja nos recentes relatórios da ABIPLAST ou nos dados coletados em outros

estudos, os produtos importados causam um evidente impacto no setor de transformação

de plástico. Se estivermos pensando na questão da competitividade, é importante

ressaltar que a consolidação desse fator conjuntural e seu resquício histórico é o

cotidiano das empresas do setor. O estudo se preocupa com a questão das importações,

pois acredita que, por meio da balança comercial, ter-se-ia um termômetro para

investigar a organização de um setor da indústria. Desse modo, em relação à questão

econômica das forças de aglomeração e dispersão, poderíamos associar o que diz

respeito às importações a uma alternativa dentro da acumulação flexível de expansão

dos mercados e ganho de competitividade; a uma maneira de se dispersar daqueles

antigos centros que passam a acumular tanto, a ponto de gerar deseconomias de escala,

de forma que tendem à promoção de importações em outros países e à

multinacionalização através de filiais que, dispersas pelo mundo, adaptam-se e criam

formas de concentrar e centralizar o capital.

Convém ressaltar a necessidade de observamos a composição do setor de

transformação de plástico. Fontes da Associação Brasileira de Plástico (ABIPLAST),

informa que (ABIPLAST, 2012 p. 5)

atualmente 1 1.690 empresas que empregam um total de 348 mil pessoas, a

Entidade além de incentivar ao longo das últimas quatro décadas o uso do

plástico nos mais diferentes segmentos, tem exercido ativa participação junto

aos órgãos governamentais, de forma a reivindicar medidas que atendam às

necessidades do setor. (ABIPLAST 2012, p. 5).

Quando olhamos para as ações estratégicas que configuram o futuro do setor e

compreendemos como o capital estrangeiro afeta o país, passamos a entender que o

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déficit precisa ser gerido de maneira que a balança comercial não continue gerando mais

custos do que renda. Assim, COELHO (2011) sugere algumas propostas em dez áreas

diferentes, todas visando à maior capacidade de participação das empresas nesse setor.

A primeira área seria aquela de redução de alíquotas sobre as resinas plásticas e

ampliação do período de cobrança dos impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS), a fim de

aproximar data do recebimento das vendas com o pagamento dos impostos. E uma

proposta nessa primeira área seria a redução dos encargos sobre juros, encargos

relacionados a custos fixos, burocracia, custos logísticos, entre outros. Na segunda área,

o tema é investimento, ou seja, “melhorar a atratividade das linhas de financiamento do

Pró-Plástico que possuem exigências de financiamento mínimo muito elevadas”

(COELHO, 2011 p. 20) seria uma segunda maneira de incentivar a produção do setor.

Colocar as empresas nacionais na linha de frente para as necessidades da União, tendo

em vista que o governo desse preferência para tais aplicações, é uma terceira proposta

que visa à constituição de uma cadeia de produção que estaria sendo puxada pela

aplicação dos transformados nas áreas da saúde, construção civil e produtos de utilidade

doméstica. Novas aplicações para os transformados é outra área para a qual Coelho

aponta a necessidade de apoio. Assim, o próximo horizonte indicado pela cartilha de

proposta é o de apoiar a inclusão das empresas nas cadeias do pré-sal:

Incentivar a produção de plásticos de engenharia para compor revestimento

de tubos e componentes dos equipamentos para a exploração e produção em

águas profundas, [...] [bem como] a alta produção de petróleo e gás e

estimular a agregação de valor em subprodutos petroquímicos (resinas)

(COELHO, 2011, p. 23).

É apontada, também, a necessidade de agregar valor à cadeia dos produtos in-

natura e comodities agrícolas. Uma sétima proposta é o desenvolvimento de uma cadeia

de produção:

• Desenvolver novos compostos em parceria com fornecedores de matérias

primas para aumentar a qualidade, as especificações técnicas e novas

utilizações do plástico. • Promover programas de modernização do parque

industrial do setor de transformados plásticos. • Desenvolver o potencial de

criação em parceria com clientes de moldes e ferramentaria, promovendo a

inovação de produtos e processos. • Apoiar a criação de observatório de

prospecção de demandas futuras de clientes da cadeia, tais como dos

segmentos de construção civil, alimentos, higiene pessoal, automobilística,

utilidades domésticas, médico-hospitalar etc. (COELHO, 2011, p. 25).

E, quanto mais o desenvolvimento da cadeia for importante para o

desenvolvimento do setor e da balança comercial, mais investir nas pequenas e médias

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empresas e indústrias de nosso país se torna uma condição para a evolução do setor,

ainda mais que, segundo COELHO (2011), o setor de transformação de plásticos é

composto em 95% por pequenas e médias empresas (PMEs).

Esse cenário se relaciona com a questão das forças de dispersão, pois, na

medida em que as empresas nacionais praticavam downsizing durante a década de

noventa, o mesmo setor era invadido pelo capital estrangeiro e por multinacionais.

Poderia-se dizer que, da mesma maneira que a Região Metropolitana de São Paulo

(RMSP) fica saturada pelas forças de aglomeração, gerando forças de dispersão

refletidas na ocupação na Região Metropolitana de Campinas (RMC), no contexto da

acumulação flexível, os centros globais também estariam saturados, estabelecendo

novas formas de relacionar com outros países por meio da aplicação do capital, emprego

e insumos de maneira internacional.

Sendo assim, as forças de dispersão e aglomeração podem ser verificadas em

nível global, refletidas na configuração de novos mercados e indústrias em locais até

então não explorados, que poderiam ser evidenciados pelo saldo da balança comercial e

pela quantidade de investimento direto estrangeiro em determinada indústria.

Voltando ao que menciona o professor Afonso Fleury (2000) em relação ao

saldo da balança e o setor de transformação, “a formação e o desenvolvimento da

indústria brasileira de transformação de plástico está em relativo descompasso com

essas tendências. Numa avaliação agregada, responde mal às demandas” (FLEURY,

2000, p. 5), o que faz o país recorrer à importação. O professor continua apontando que

No plano das empresas pode-se destacar a dificuldade de se estabelecer

estratégias e comportamentos empresariais cooperativos e uma orientação

programática de curto prazo. Com isso as condições para um alinhamento

proativo ficam prejudicadas e, na prática, a formação de cadeias passa a

depender de jogos de pressão e de força das empresas que comandam as

cadeias produtivas (FLEURY, 2000, p. 5).

Assim, vemos dificuldades na cadeia de transformação de plásticos, dada a

saturação de indústrias no setor, falta de incentivos, culminando na falta de

competitividade e capacidade de atender à demanda e competir com as empresas

internacionais.

Silva et. al. (2013 p, 18) caracterizam o setor como fragmentado, devido a tal

saturação bem como à ausência de uma cadeia de suprimentos integrada que não haja

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disparidades nas arenas de barganha e negociação. No estudo, são apontados alguns

motivos para a fragmentação, como

reduzidas barreiras de entrada financeiras, de mercado e de conhecimento na

indústria; limitadas possibilidades de alcance de economias de escala na

operação da indústria; necessidades muito variadas do mercado, que tornam

mais diversas as linhas de produtos, o que contribui para sacrificar economias

de escala; pouca vantagem do tamanho para lidar com clientes e, sobretudo,

fornecedores, normalmente empresas de maior porte; custos de transporte

elevados em relação ao valor dos produtos em diversos segmentos em função

dos volumes transformados; dificuldades de consolidação na indústria em

função da elevada informalidade existente, que pode originar elevados

passivos para as empresas adquirentes; um histórico de reduzida qualificação

de recursos humanos e disponibilidade de capital na indústria (SILVA et. al.,

2013, p, 18).

Os mesmos autores utilizaram uma metodologia baseada em questionário para

identificar as estratégias utilizadas por cerca de mil indústrias que se relacionavam com

a empresa Brasken e/ou o BNDES. Dessa forma, Silva et. al. (2013, p. 161) se

preocuparam com variáveis relacionadas à renda e produção cujas principais estratégias

verificadas foram aquelas relacionadas a: resina plástica e sua utilização; processos

utilizados na transformação; mercados e atuações finais dos produtos; canais de

escoamento; receita líquida e vendas; quantidade de quilos transformados; número de

funcionários; retorno do patrimônio líquido; rentabilidade de vendas e crescimento

anual das vendas.

O questionário foi enviado para 1.131 empresas associadas à Abiplast,

clientes da empresa Braskem ou do BNDES, nos meses de junho e julho de

2013. A lista de clientes da Braskem configura uma amostra de empresas de

maior porte, capazes de adquirir resinas plásticas em uma escala compatível

com as vendas efetuadas de maneira direta pelo fabricante. A lista de

associadas à Abiplast representa empresas localizadas predominantemente no

estado de São Paulo, e a lista de empresas clientes do BNDES caracteriza-se

por ter empresas de maior porte, capazes de apresentar projetos diretamente

ao banco de (SILVA et al. 2013 p. 161).

Os resultados da pesquisa puderam revelar que a origem da referida

fragmentação “na indústria estão na origem da reduzida rentabilidade das empresas do

setor de transformação de plásticos, seja em termos locais ou internacionais” (SILVA et.

al., 2013, p. 166) e “seu progresso poderá ser acelerado com iniciativas: (1) ao alcance

das empresas, associadas a suas escolhas estratégicas; (2) de apoio financeiro, para o

qual o BNDES desempenha um papel relevante; e (3) de políticas públicas”. (SILVA,

et. al., 2013, p. 166). Também “cabe apontar a relevância das características internas das

empresas, não abordadas na pesquisa, como sua capacidade de gestão,

reconhecidamente limitada na indústria de transformação.” (SILVA et. al. 2013, p 165)

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Percebemos que a pesquisa ficou limitada pelas variáveis escolhidas que giram

em torno da renda e pelas características que as empresas teriam em comum, no caso a

relação com BNDES e Brasken. No entanto, os resultados estavam relacionados à

renda.

Enfim, tal como a pesquisa com base nas entrevistas aponta, ficam claras as

dificuldades que o setor enfrenta, o que lhe é mais relevante, o que tem relação nas

questões da organização industrial e das políticas econômicas que o país tem adotado, e,

dessa maneira, o setor de transformação de plástico fica problematizado sob diversos

aspectos econômicos. Vejamos outros detalhes que recai sobre a existência da fábrica e

configura diretamente as relações sociais e o território político produtivo da fábrica.

1.4.2 Estratégias de competitividade do setor

De acordo com as reflexões de Gusmão (2001, p. 120), “o conhecimento das

características de concorrência predominantes no mercado de embalagens plásticas é

essencial para que se possam identificar as estratégias que podem trazer vantagens

competitivas para uma empresa que concorre neste mercado”, ou seja, a Flaskô precisa

entender como as estratégias do seu setor se comportam, ainda que essas não sejam as

únicas que ela tem que ter em vista. É dito isso, pois a autogestão tem suas limitações,

mas, quando um empreendimento é gerido sobre tal perspectiva, é interessante que

esteja claro o meio em que está inserido, de forma que a autogestão possa responder da

melhor maneira às adversidades do mercado.

Ao compreendermos que a Flaskô compõe a terceira geração de transformação

de plástico, é importante notar que, “nas duas últimas décadas, não houve grandes

investimentos no sistema produtivo, seja em termos de processo, produto, ou recursos

humanos. Isso acarretou uma baixa rentabilidade em termos produtivos ou uma

subutilização da capacidade instalada” (CERQUEIRA e HEMAIS, 2001), o que nos

leva a entender o porquê de as importações terem ocupado parte significativa do

mercado.

As empresas de terceira geração dentro deste setor de embalagens plásticas, em

sua maioria, são empresas de estrutura típica familiar, de pequeno ou médio porte, que

transformam quantidades variadas de plástico, de acordo com a capacidade instalada,

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entre 5t a 150t/mês de polímeros, empregando processos de injeção, extrusão, sopro,

termoformação, compressão (CERQUEIRA e HEMAIS, 2001 p. 2), por isso necessitam

de apoio de forma a não se tornarem reféns dos clientes e fornecedores presentes em

outras etapas da cadeia. Para isso:

É necessário que ocorram mudanças de comportamento nos diversos

segmentos envolvidos no processo produtivo, tais como governo, empresas,

organismos de pesquisa e consumidor, conforme aponta Bethlem (1999),

quando comenta a necessidade de se encontrar modelos estratégicos

apropriados para o Brasil, em função das peculiaridades gerenciais

(CERQUEIRA e HEMAIS, 2001, p. 2).

Nesse sentido, os autores apontam a saída pelas vias tecnológicas como forma de

a indústria brasileira poder competir com o crescente avanço das empresas estrangeiras,

essas que possuem tecnologia à frente das nossas. Assim sendo, é importante que a

preocupação com a tecnologia esteja relacionada com o

Estabelecimento de uma política empresarial sintonizada com as mudanças

ambientais e tecnológicas; investimentos em programas de P&D, nos quais

destacam-se o design de produtos; implementação de atividades de inovação

tecnológica; ações conjuntas entre empresas e governos para implantação de

programas nacionais e regionais de inovação tecnológica (CERQUEIRA e

HEMAIS, 2001, p. 2).

Entretanto, nota-se que a principal problemática dentro do setor, ainda que as

questões estratégicas relacionadas ao desempenho produtivo e competitivo estejam

relacionadas à tecnologia e P&D, é o relacionamento entre os agentes da cadeia

produtiva. Ele é um complicador, devido às disparidades entre o poder de barganha de

cada agente. Compreende-se que a dinâmica da cadeia produtiva de embalagens

plásticas sofre maior influência dos atores que introduzem as grandes inovações

tecnológicas, que são os clientes industriais, os fabricantes de resinas, equipamentos e

moldes (GUSMÃO, 2000, p. 132), de forma que “parece clara a necessidade das

empresas de transformação de plásticos se organizarem de maneira a defender seus

interesses, para ganhar força na relação com os demais elos da cadeia, em geral

representados por empresas de maior porte” (GUSMÃO, 2001, p. 132).

Todavia, é sabido que inúmeras empresas informais acabam vendendo produtos

de baixa qualidade por menor preço, afetando diretamente o mercado, e, por isso, é

necessário também uma política que capacite as pequenas e médias empresas, para que

não haja as informalidades e consequentes precarizações do trabalho.

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Outra estratégia que se mostra relevante nesse setor é a questão da diversificação

de produtos em segmentos específicos, porque “a diversificação exagerada, com

penetração em diversos segmentos de mercado, pode levar o fabricante a uma

superficialidade que comprometa seu desempenho e dilua seus esforços produtivos e

tecnológicos” (GUSMÃO, 2001, p. 134). Nesse sentido, tendo a Flaskô e seu modelo de

gestão como objeto, é importante notar quais elementos que compõem a competividade

do setor têm permeado a fábrica. Isabella Gusmão (2001) apresenta em seu estudo de

doutorado três componentes que constituem a base de competitividade na fabricação de

embalagens plásticas:

FIGURA 3: Base da competitividade na fabricação de embalagens plásticas

Fonte: GUSMÃO, 2001, p.136.

Assim sendo, a importância de estudar a história da economia brasileira é

fundamental, principalmente para compreender os desafios e as problemáticas dos

setores, no caso, a indústria de transformação de plástico.

Fica claro que questões técnicas e relacionadas às forças de produção, como é o

caso da tecnologia e desenvolvimento em P&D, são essenciais, mas a questão das novas

relações é tão importante quanto, como aponta Gusmão (2001, p. 137), ao evidenciar a

“forte presença de concorrência desleal de empresas informais” mas que por outro lado

é fortemente rebatida por empresas que monopolizam o mercado e a cadeia de

transformação de plástico. Dessa forma, a busca por novas relações sociais, a fim de que

as desigualdades de diálogo dentro do setor possam ser superadas, é uma das

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características que compõe a maneira pela qual as estratégias nele se encaminham para

resolver os problemas. De certa maneira, a relação do setor que a Flaskô compõe ocorre

com diversos atores, e ela, ao ser observada pela perspectiva da barganha, verá que

empresas da terceira geração terão seu poder de negociação reduzido.

A questão das resinas é outro ponto que deve ser levado em conta, pois revela a

necessidade de maior convergência de interesses na cadeia produtiva.

Pois bem, todos esses elementos dizem respeito às novas relações que devem ser

criadas, tendo em vista os processos de abertura comercial terem desacelerado o

processo de desenvolvimento industrial, gerando déficits, como é o caso da balança

comercial negativa do setor de transformação de plástico.

Assim sendo, algumas problemáticas e estratégias ora apresentadas expõem para

quais elementos econômicos a Flaskô poderia se atentar, de forma a compreender tanto

a cadeia em que está inserida quanto o setor em que se encontra. De maneira que

entender a estratégia do setor é mais uma forma de aprimorar a capacidade de resposta

da fábrica e dos trabalhadores, do que propriamente confirmar a utilidade das

ferramentas da TGA.

Entretanto, é sabido que a Flaskô deve atentar não apenas para as questões

econômicas. Assim, elementos que envolvam novas relações sociais entre os membros

da fábrica devem ser observados, bem como as discussões que perpassam tais relações.

E, nesse sentido, da mesma forma que se buscariam novas relações na cadeia de

produção, essas novas relações deveriam ser estimuladas no interior das fábricas.

Dessa maneira, ainda que em nível macro, a cadeia esteja buscando novas

relações a fim de promover uma ‘sinergia’ e consequente produtividade, em nível

micro, novas relações são visionadas a fim de que o trabalho seja valorizado como

representa o caso da Flaskô. Entretanto quando vemos na totalidade o que encontramos

são as mesmas regras e condutas que desgasta as relações sociais de produção em prol

da acumulação capitalista. Uma coisa é certa: quanto mais a economia condiciona a

conjuntura e o contexto, mais as saídas criadas buscarão uma superação nessa esfera.

Diante disso, há a necessidade de incluirmos outras discussões, como as

relacionadas à alteração do espaço e da sociedade, ao meio ambiente e à cultura, para

além das questões econômicas. A autogestão, como um modelo, está longe de ser

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massificada, mas poderia trazer essas outras discussões para as agendas da

administração e dos modelos de gestão. Nesse sentido, é claro que a autogestão no

interior da fábrica Flaskô pouco influencia o mercado. Entretanto, do ponto de vista

social, quando a Flaskô materializa uma ocupação pelos trabalhadores e propõe a

tomada das forças de produção pelos mesmos, isso faz com que a sociedade e os

tradicionais agentes do mercado vejam como algo análogo ao mercado, como se a

Flaskô devesse ser extinta.

Assim, torna-se necessário verificar também quais as dificuldades internas de

cada empreendimento autogestionário, para que possam enfrentar de maneira

consistente os ataques do sistema e dos fluxos capitalistas. é de grande importância

buscar no trabalhador que está no dia a dia nas fábricas formas para que se evidenciem

as necessidades e também os anseios, que em um tal cenário, já estaria envolto da

consciência sobre a luta de classes e da necessidade de tomada dos meios de produção

visando uma nova organização social. . Se a autogestão for capaz de apontar para tudo

isso, apontará também que o trabalho se emancipe e não retroceda frente ao capital, com

a possibilidade, ainda, de concatenar aos estudos autogestionários e solidários os

elementos relacionados à cultura, sociedade e meio ambiente.

1.5 Um breve relato sobre urbanização na RMC

O processo de sucateamento e abandono da Flaskô dos anos 1990 até 2000 foi

decorrente do crescente número de empresas, indústrias e firmas que, buscando fugir de

uma competitividade cada vez mais acirrada no centro do estado, espalharam-se pelo

interior, gerando um movimento de dinamização da competitividade e, assim, acirrando

também a concorrência no interior do estado.

Em outras palavras, como já foi discutido anteriormente, a abertura econômica

dos anos 90 instigou a competitividade e saturou o principal polo industrial e comercial

brasileiro, representado pela Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), devido à

entrada de multinacionais e ao incentivo do governo às grandes indústrias, o que gerou

um efeito reverso do crescimento econômico, caracterizado pelas deseconomias de

escala.

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Com essa concentração gerando esse acirramento da competitividade, diversas

indústrias se deslocaram para o interior do país, principalmente para a Região

Metropolitana de Campinas (RMC), tendo em vista a sua estrutura rodoviária. Por

conseguinte, também houve um acirramento da competitividade na RMC, de forma que

as pequenas e médias empresas sofreram os efeitos da abertura comercial.

Isso gerou uma série de impactos socioeconômicos no interior do estado, e a má

administração e consecutiva falência da Flaskô seria mais um caso dentre outros, se não

fosse uma particularidade que especialmente a caracteriza e: o fato de que foi ocupada

pelos trabalhadores.

Helena Fonseca, ao estudar a atual urbanização de Campinas, remete-se a Milton

Santos para revelar como a favelização e a marginalização de determinadas populações

têm relação com a crescente e desordenada urbanização na cidade de Campinas,

iniciada durante os anos 70 pela desconcentração industrial e que permanece até hoje:

“neste contexto, em que a urbanização é impulsionada por interesses corporativos,

intensificam-se a periferização, a segregação e o empobrecimento principalmente nas

grandes cidades brasileiras” (SANTOS, 1987, 1993, 1996, CORRÊA, 2000 in

FONSECA, 2010, p. 1) e disto decorre conforme CANO e BRANDÃO(2002) que

a expansão da malha urbana empurra o pobre para espaços cada vez

mais distante do núcleo metropolitano, onde se encontra a oferta de

emprego, ou para a ocupação irregular de terra e favelização, ao

mesmo tempo em que assegura a constituição de reservas de valor na

forma de capital imobiliário (CANO, BRANDÃO 2002).

É importante salientar, “como a cidade se torna, cada vez mais, um espaço que

se organiza para abrigar as grandes firmas, isso reduz os recursos públicos possíveis de

serem destinados à população, agravando a crise social.” (SANTOS, 1994ª p. 50), de

maneira que movimentos sociais, propostas alternativas, novas práticas de organização

como a economia solidária, também são colocadas de escanteio.

Dessa forma, aquelas forças de aglomeração são, do ponto de vista da economia,

elementos a serem considerados para um determinado crescimento econômico. Não que

necessariamente as forças de aglomeração não foquem em elementos sociais e

ambientais, mas sim na capacidade de competição, gerando, portanto, uma ocupação

urbana desordenada e desigual. Assim, essa urbanização e industrialização foram

responsáveis pela elevação da população nas cidades periféricas, onde, ao mesmo tempo

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em que se empregava a mão de obra, não obrigatoriamente se idealizava a devida

infraestrutura e acesso para bens e serviços a sua população. “Em síntese: ocorre um

processo dual na mobilidade populacional entre os municípios integrantes da RMC. De

um lado a periferização de mão de obra pouco qualificada, e, de outro, a concentração

de classes mais abastadas no núcleo metropolitano” (ORLANDO, 2003, p. 11).

A ocupação urbana periférica de baixa renda consolidou-se no vetor

sudoeste, com a incorporação de áreas situadas além da Rodovia

Anhanguera, com a cidade expandindo-se na direção das cidades de Paulínia

e Jaguariúna, o eixo norte-nordeste é outro forte vetor de expansão urbana e

tem se destinado à habitação das camadas de renda média e alta e a

localização de indústrias e centros de pesquisa de alta tecnologia [...] e de

grandes centros de consumo de porte regional (shopping centers,

hipermercados, casas noturnas, dentre outros) (CANO, BRANDÃO,

FERNANDES 2002 P. 47)

Nota-se que a urbanização, bem como as atividades econômicas existentes

nessas regiões periféricas, iria se configurar de uma maneira não necessariamente

prevista, devido aos fluxos migratórios, gerados pela descentralização e

desconcentração da população que, ao se descolar para a região industrial, pode não ter

condições para se estabelecer dado a elevação do preço imobiliário. Este é um dos

fatores que traz consigo a imprevisibilidade, pois não se sabe quantas pessoas podem

passar a se deslocar, aumentando também a vulnerabilidade, na medida em que não há

condições de aprimorar a capacidade de resposta a tal necessidade de maneira tão rápida

quanto o contínuo fluxo migratório. Nesse sentido, as pequenas e médias indústrias, os

serviços que conectam periferia e centro, os deslocamentos regionais são fatores a

serem considerados para maiores esclarecimentos acerca da vulnerabilidade na cidade

de Sumaré e da RMC.

Existem muitos outros fatores, para além do econômico, mas, por ora, é sabido

que a indústria brasileira se configurou a partir da concentração comercial do capital

cafeeiro na região Sudeste que, a partir dos anos 70, passou a ser descentralizada com o

deslocamento da indústria da capital para o interior. Nesse período, a indústria do

Sudeste apresentou o problema das deseconomias de aglomeração, ou seja, a própria

concentração das atividades nesta região acabou se descentralizando, visando a novas

forças aglomerativas. Assim, as indústrias foram para as regiões mais favoráveis (São

José dos Campos, Campinas, Ribeirão Preto), e esse movimento acabou gerando novas

dinâmicas de migração, crescimento urbano desordenado e elevação dos preços

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imobiliários, incidindo diretamente na periferização e centralização da população e das

atividades suburbanas.

Como já foi pontuado, é nesse contexto de desconcentração da indústria e da

economia do centro de São Paulo para o interior que a Flaskô surgiu, e em um local

estrategicamente favorável para o comércio entre o eixo interior-capital, no entanto

situada em um bairro periférico da cidade de Sumaré que sofreu as consequências da

periferização e marginalização da população devido a esse crescimento econômico.

Em linhas gerais, é possível avaliar que as regiões que possuíam atrativos para o

comércio cafeeiro dentro do estado de São Paulo, durante a década de 20, foram

também as que receberam parte da industrialização dos anos 70-90, devido a uma

estrutura primitiva oriunda do capital cafeeiro, a qual serviu como alicerce para a

estabilidade industrial na região em que a fábrica ocupada Flaskô se insere, a Região

Metropolitana de Campinas (RMC), caracterizada pelas forças marshallianas

(aglomeração).

Dessa constatação, verifica-se que, a partir dos anos 1990, essa mesma região

sofre as consequências da abertura econômica e dos projetos neoliberais, fazendo com

que inúmeras fábricas se quebrem e venham à falência, inclusive a fábrica Flaskô, que

não era ocupada naquela época. A falta de habilidade administrativa e de competência

dos antigos patrões levou à falência da fábrica, já que a região em que estava era

extremamente competitiva. Assim, nesse cenário, os operários ocuparam e passaram a

organizar a fábrica.

Esta seção do trabalho se preocupou em fazer uma contextualização do objeto

estudado, buscando compreender como a desconcentração das atividades industriais do

estado de São Paulo configurou as atividades da RMC nas quais se comporta o caso da

ocupação da fábrica Flaskô. Entretanto, uma importante característica identificada é a

de que só a economia não é suficiente para compreender a racionalidade capitalista, por

isso se faz importante compreender o caso de como a fábrica ocupada Flaskô permanece

até hoje.

Não se pode perder de vista o fato de que

estaremos conceitualmente desarmados para uma análise das alternativas a

um planeta uniformizado economicamente e culturalmente, ou seja, onde

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atitudes de aproximação com o mundo e com os outros são todas planejadas

por quem detém a informação e o poder (HOLZER, 1997 p. 84).

Por isso, a necessidade de verificar os elementos que, tal como a economia,

constroem a racionalidade capitalista da qual os levantes autogestionários, como a

Flaskô, fazem parte.

Ainda assim, é recomendado também entender como a organização do setor em

que a fábrica está se estrutura. Por isso, a próxima seção deste trabalho trata do ponto da

cadeia de suprimentos ao qual a Flaskô pertence, a fim de compreender, portanto, como

a fábrica se estabeleceu em um território que foi orientado pela ordenação via

organização industrial do espaço, bem como aqueles fatores de descentralização e

aglomeração, para posteriormente compreender que não são apenas elementos de cunho

econômico que delimitam o território, mas também, e dentre outros, a sociedade civil

organizada.

2. AS CONDIÇÕES QUE DELIMITAM O TERRITÓRIO E O

TRABALHO, PARA ALÉM DA ECONOMIA

2.1 Território e subjetividade

Quando estudamos o território logo vem a mente uma série de figuras, imagens,

construções que podem contribuir para a compreensão da realidade e de um objeto. Os

processos de urbanização revelam inúmeros elementos, desde a segregação sócio

espacial, até as formas de resiliência e adaptação nos territórios.

O capítulo anterior se preocupou em fazer uma breve descrição dos impactos

que a desconcentração econômica brasileira gerou na RMC, de forma que isto afeta a

região a qual a Flaskô se aloca, uma região onde o processo de industrialização decorreu

na periferia da cidade de Sumaré, tendo em vista aproveitar o escoamento

proporcionado pela rodovia Anhanguera e o eixo capital interior do estado de SP. A

Flaskô está atualmente localizada em uma região periférica de maneira que os fluxos

econômicos gerados pelas indústrias tendem a ir para outras cidades da região. De

maneira que ao olharmos sob uma perspectiva econômica do território, veremos mais

uma fábrica como qualquer outra atuando na periferia de uma cidade de interior.

Entretanto é quando observamos outros fatores não econômicos dentro da Flasko, que

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vemos o potencial que as atividades geram na localidade. Além disso um aspecto como

a decisão sobre os resultados produtivos e a aplicação de suas retiradas Isto decorre da

forma como o território é compreendido e transformado pelos trabalhadores

organizados.

Quando estudamos uma fábrica como a Flaskô podemos observar as dinâmicas

do território e da subjetividade enquanto categorias de análise, mas que aqui

utilizaremos para descrever um pouco de como o território é um conceito importante

para identificar como as relações sociais de produção ao se desenvolverem dentro de

uma fábrica ocupada, possui particularidades na questão da organização dos meios de

produção. Conforme Milton Santos (2014),

O território tanto quanto o lugar são esquizofrênicos, porque de um lado

acolhem os vetores da globalização, que neles se instalam para impor sua nova

ordem, e, de outro lado, neles se produz uma contraordem, porque há uma

produção acelerada de pobres, excluídos, marginalizados (SANTOS, 2006, p.

114).

A ideia de Milton Santos pode ser verificada na realidade da fábrica na medida

em que elementos externos como os fluxos de mercado internacional e a ideologia

política internacional, afetam a realidade da fábrica e da localidade que ela está inserida.

Ora, se elementos tão distantes afetam a fábrica, como que isso incide dentro do

contexto da fábrica? Há diversos exemplos dos quais podemos verifica os impactos dos

fluxos internacionais dentro da Flaskô, seja um país que para de negociar com o Estado

brasileiro, seja a mídia nacional pressionando através da ideologia política, de forma

que elementos que não estão no território da fábrica (e em alguns casos nem no país)

incidem na forma como ela funciona, e isso decorre da forma como o território se

transforma. Daí que é interessante verificarmos como se dão os processos de mais valia

em empreendimentos autogestionários e identificar suas particularidades a respeito do

modelo de gestão. Como os trabalhadores se organizam? Como a solidariedade é

estimulada? Como a subjetividade e o território são importantes para o desenvolvimento

do capital? Fica aqui uma reflexão acerca dos pensamentos do geógrafo no sentido em

assumir que a potencia da transformação do território está nas relações sociais (e

humanas) de produção, e não no meio técnico científico, tendo em vista que este nunca

será neutro, sempre atenderá algum objetivo, perspectiva ou agenda. Todavia a

contribuição de Milton Santos está em identificar o quanto a tecnologia influencia na

reprodução do metabolismo social do capital, no termo ‘meio técnico científico

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informacional’. A tecnologia portanto tem um papel fundamental no entrelaçamento das

relações sociais com a reprodução do capital, seja na configuração das dinâmicas

territoriais ou no comportamento do ser humano na sociedade.

Neste caminho quando pensamos que há elementos externos que afetam o

território e a psique humana, em diversas escalas, podemos observar que as pessoas e

grupos que convivem em um território possuem sempre um caminho de entrada e saída

do território, há sempre a necessidade de levar as características do território adentrado,

em outros lugares, de maneira que “não há território sem um vetor de saída do território,

e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um

esforço para se reterritorializar em outra parte” Gilles Deleuze (1997). Isto significa que

sempre quando estamos em um território, influenciado por diversos vetores, sejam eles

locais ou globais, sempre buscamos formas de como realizar uma entrada ou saída deste

território. De maneira que ao realizar este movimento de entrada e saída, sempre

levamos conosco ‘partes do território’. Na medida em que saímos de um território,

poderíamos pensar que sofremos as ‘reconfigurações’ que este território proporciona, e

assim quando chegamos em outros, tendemos sempre a se reconfigurar para entender os

símbolos e coisas deste novo território, tendo em vista os territórios anteriores que

foram visitados, de uma maneira que experiências e vivências são acumuladas. Neste

movimento exaustivo de compreender os desdobramentos da influencia que o território

sofre com as dinâmicas sociais, tanto mais a subjetividade humana se reconfigura a todo

momento. “Isto sem esquecer o território como espaço no qual se produzem modos de

ser, de se relacionar, de amar, de consumir, alguns engajados na grande máquina

capitalista, outros que resistem a sua captura” (ARAÚJO, YASUI, 2014. p. 606), de

maneira que fazer esta captura é a única possibilidade que o capital tem para a sua

reprodução. Esta captura se dá pelo fato de que,

a tendência do capital é aumentar cada vez mais sua composição orgânica. Isto

implica que há uma diminuição relativa de capital variável em relação ao

capital constante. O resultado deste processo é a diminuição progressiva da

taxa de lucro. Só quem gera valor novo é a força de trabalho. Se esta, no

processo produtivo, diminui progressivamente, também, progressivamente

diminui a quantidade de valor novo, portanto, de mais-valia incorporada nas

mercadorias. (MAIA, 2012 p. 188)

Em outras palavras se as relações sociais de produção se dão pela interação de

territórios e pelas relações humanas em sociedade, onde o capital estabelece uma

relação que depende do controle da força de trabalho para sua acumulação, onde esta

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força de trabalho é um capital variável e que, portanto se esgota em relação ao capital

constante, como o capital poderia sobreviver? Esta pergunta recai naquilo que Marx

aponta como a “lei tendencial da quedada taxa de lucro”. Essa lei é decrescente no

sentido de que o processo de exploração da mais valia precisa aumentar cada vez mais

de maneira que a riqueza se expanda, pois essa possui taxas decrescentes, ou seja, ela se

reduz se não tiver taxas de exploração do trabalho constantes e que equilibrem a taxa

decrescente de sua reprodução. A discussão realizada no âmbito das relações sociais de

produção é que a riqueza é social, construída coletivamente e neste sentido não deve ser

propriedade particular de alguns grupos. Assim, esta realidade da reprodução do capital

é rebatida pela forma como as classes que vivem do trabalho respondem frente à sua

dinâmica: contestando a exploração do trabalho na medida em que os salários são

ajustados, as cargas horárias são diminuídas, os direitos são conquistados, greves

acontecem, sindicatos agem, fábricas são ocupadas e etc. Em outras palavras, a riqueza

se desgasta, então como fazer algo que se desgasta constantemente continuar gerando

lucros? Investindo determinada quantia para a manutenção do desgaste, mas apenas o

mínimo para manter seu funcionamento. Ao pensarmos, por exemplo, na reposição de

produtos que acabam e se esgotam, pode ser feito pulmões e estoques (para lembrar da

logística), de maneira que a continuidade da produção mantenha as taxas em um

equilíbrio de maneira que os custos não ultrapassem os rendimentos. Além disso, é

possível criar um “bando de reservas” para eventuais contra-tempos, o exército

industrial de reserva. Daí que entra o papel do entendimento da luta de classes e seu

enfrentamento, tendo em vista que é este embate que faz com que a mais valia possa ser

enfrentada e compreendida. E isso porque a reprodução do capital depende do quanto o

trabalho é explorado, e assim se a reprodução da mais valia se estende para além dos

meios de produção, indo para além do controle dos ritmos de trabalho e dos meios de

produção, atingindo portanto a esfera do mundo da vida, as relações sociais e humanas

que são estabelecidas estarão tanto mais sendo controladas para esta reprodução

capitalista. Daí que tanto o território e seus fluxos, bem como a subjetividade das

pessoas dentro e fora dos meios de produção tendem a ser capturados por relações

sociais capitalistas, evidenciadas pela subsunção do trabalho ao capital, no fetiche pelas

coisas, na relação entre empregados e não empregados, bem como na velocidade dos

fluxos materiais e informacionais.

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Na medida em que se percebe as particularidades da Flaskô, tanto de uma

perspectiva materialista em que se apresenta uma dinâmica de disputa de luta de classes,

quanto de uma perspectiva fenomenológica que apresenta que há fluxos de construção e

desconstrução constante do território, vemos as pessoas e a construção de seus modos

de vida em meio ao território político produtivo. “Em outras palavras, ir ao encontro do

território é estar atento para os modos de organização, de articulação, de resistência e de

sobrevivência que as pessoas que ocupam esses espaços vão inventando no seu

cotidiano” (ARAÚJO, YASUI, 2014. P. 603). Assim sendo,

“Um território antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares

hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários... No interior

deste espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação

entre o enraizamento e as viagens...A territorialidade se situa em

junção destas duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é

fixação e o que é mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários

e os lugares” (BONNEMAISON, 1981 p. 253 – 254, in HOLZER,

1997 p. 83)

Assim sendo, os trabalhadores da Flaskô vem e vão do território, e ainda há

aqueles que lá vivem. Essas dinâmicas afetam o território político produtivo da Flaskô,

sem contar que os elementos exógenos à fábrica tanto mais a reconfigura. Além disso,

podemos observar que todos aqueles que passam pela fábrica, dos trabalhadores, aos

artistas e estudantes, carregam consigo os anos de ocupação, as tristezas e alegrias do

movimento de fábrica ocupada, e querendo ou não uma reflexão crítica sobre a

existência dos meios de produção e como podem ser utilizados, bem como a

necessidade de novas relações sociais de produção.

Esta necessidade se vincula ao enfrentamento do modelo vigente, caracterizado

por inúmeros elementos que dentre eles necessita da superpopulação relativa, da

subsunção formal e da subsunção real do trabalho para manter o funcionamento, como

veremos nos capítulos a seguir, sendo este um elemento que acentua e reproduz a

desigualdade social, uma dinâmica global. E isto não é algo recente

Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto Comunista já destacavam

o caráter globalizador do capitalismo. O capital, em seu processo de

reprodução, se expande tanto em profundidade - reordenando modos

de vida e espaços já organizados e consolidados - como em extensão -

através da incessante incorporação de novos territórios. Estes

movimentos dialeticamente conjugados conduzem, tendencialmente, à

produção de um espaço global (HAESBAERT & LIMONAD, 2007,

p. 41)

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De uma maneira que os fluxos contrários à reprodução de relações sociais de

produção desiguais ao se colocarem enquanto resistência frente ao processo

descaracterizador, desterritorializador e deformador do modelo vigente estariam

evidenciando um “processo de fragmentação, que se manifesta na forma de exclusão,

reforço de desigualdades etc e constituem, assim, o polo oposto aos processos

hegemônicos pretensamente homogeneizadores” (HAESBAERT & LIMONAD, 2007

p. 41), da organização social. Ou seja, quando as relações sociais de produção desiguais

saltam aos meios de produção, o caráter liberal do capitalismo pode ser visto não

enquanto organização, mas desordem. Daí a potencia do controle operário em reparar

um dano social, causado pela pretensão capitalista (que culmina no abandono e

sucateamento da fábrica), na medida em que paga dívidas deixadas pelos antigos donos,

mantem o funcionamento e reproduz relações sociais particulares em seu território.

Essas e outras condições políticas, econômicas e da organização do trabalho, fazem com

que o território da Flaskô seja único.

2.2 A importância dos movimentos sociais na identificação de vulnerabilidade

social como participação política e coletiva

A fábrica Flaskô, gerida há mais de 13 anos pelos trabalhadores faz parte

também de um movimento social que reivindica a tomada dos meios de produção pelos

trabalhadores organizados. Desta maneira, compreender o papel dos movimentos sociais

e sua intenção faz parte do entendimento de como novas relações sociais de produção

podem ser pensadas.

Para pensarmos melhor como os movimentos sociais estão se interagindo com

tais problemáticas, é importante notar que a origem deles deve ser associada a

um papel histórico maior do que simplesmente revelar as tensões e

contradições sociais de cada momento histórico. Eles são, acima de tudo, uma

bússola para a ação social, impulsionando o campo social para formas

superiores de organização e buscando a institucionalização jurídico-legal das

conquistas (BEM, 2006, p. 1137),

e assim fazem, desde a luta pela emancipação feminina até por melhores

condições de trabalho.

Compreender as relações existentes ou possíveis entre politicas publicas e

desenvolvimento demanda uma reflexão profunda sobre a racionalidade que informa

ambos, especialmente a ideia de desenvolvimento que se apresenta de maneira tão

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polissêmica.? Vale aqui trazer Hannah Arendt (2003) para colocar a importância de se

pensar o ser humano coletivo na sociedade enquanto um individuo dotado de ação

política, e que necessariamente deve se relacionar para a construção da democracia.

Entretanto há tanto a questão da ação política, como a questão do labor (trabalho

pra a subsistência) e o trabalho (trabalho transformador do mundo), e assim as pessoas

na construção coletiva e social, acabam tendo que enfrentar tais esferas, e que nem

sempre é algo simples ou exato de se fazer, de forma que

O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo

humano [...] A condição humana do labor é a própria vida. [...] O trabalho é a

atividade correspondente ao artificialismo da existência humana [...] a

condição humana do trabalho é a mundanidade. [...] A ação, única atividade

que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da

matéria, corresponde à condição humana da pluralidade (ARENDT, 2003, p.

15).

Em uma sociedade capitalista avançada, “o homem separado de seu produto

produz, cada vez mais e com mais força, todos os detalhes de seu mundo. Assim, vê-se

cada vez mais separado de seu mundo. Quanto mais sua vida se torna seu produto, tanto

mais ele se separa da vida” (DEBORD, 1997, p.25), e dessa maneira, a separação que o

indivíduo sofre devido às constantes dinâmicas sociais e da psique, que ora se choca

com a dinâmica do trabalho, ora com a dinâmica do mundo da vida e ora com o mundo

particular do indivíduo, tende a estar permeada de sentido, porém, quando essa

multiplicidade de relações dialéticas entre o eu e o que lhe é externo ao eu é vista sob

uma perspectiva em que as massas devem ser controladas para uma determinada forma

de pensar que levaria, no caso do Brasil, à ordem e ao progresso, no caso do EUA ao

welfare-state, e no caso da revolução francesa à liberdade, fraternidade e igualdade, é

necessário, então, que a individualidade seja imposta como padrão, para, então, se

atingirem os ditos objetivos esperados.

Nesse sentido, o indivíduo, na medida em que tem sua liberdade reduzida, ou

melhor dizendo, tem reduzida a multiplicidade de relações dialéticas entre o eu e o que

lhe é externo ao eu, estará sujeito a perder a identidade frente ao todo. Se essa

identidade dos indivíduos, múltipla em sua constituição, que enfrenta a tradição e

valores enraizados na sociedade, já não pode ser resgatada pelo indivíduo, uma vez que

é suprimida para dar lugar ao desenvolvimento do todo, frente ao discurso de

desenvolvimento da sociedade, a tendência é gerar indivíduos autômatos e anônimos e

daí que perguntamos, qual a relação entre sociedade e natureza que almejamos?

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“O Estado funciona duplamente como um aparelho ideológico e como um poder

de força repressiva. Configura-se como um instrumento que serve para assegurar os

interesses da classe dominante” (LINHARES; MESQUIDA, 2007, p. 1500). Althusser

assume que a necessidade de manter o controle e o aparelhamento dos indivíduos tenha

relação com a manutenção da classe dominante no poder.

Lembremos que na teoria marxista, o Aparelho de Estado (AE) compreende:

o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia, os tribunais, as Prisões

etc., que constituem aquilo a que chamaremos a partir de agora o Aparelho

Repressivo de Estado. Repressivo indica que o Aparelho de Estado em

questão ‘funciona pela violência’ - pelo menos no limite (porque a repressão,

por exemplo, administrativa, pode revestir formas não físicas)

(ALTHUSSER, 1970, in LINHARES; MESQUIDA, 2007, p. 1500).

Foucault (2010) acreditava na biopolítica, ou seja, que há inúmeras formas de

determinar como o organismo de cada indivíduo deve se comportar, que essa é antes a

primeira forma de controlar o indivíduo, antes mesmo da ideologia:

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela

consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no

biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade

capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia

biopolítica (FOUCAULT, 2010, p. 47).

Nesse sentido, o controle seria uma forma de o Estado se manter como

instituição, resultado dessa forma panoptical de operação, baseada no controle

individual do corpo, no qual ficam refletidas marcas históricas e territoriais de cada um,

de forma que, antes de reproduzir alguma ideologia, o corpo já estaria, desde a

maternidade até sua aposentadoria, sendo modelado pelo Estado.

Assim, assumindo a perspectiva foucaultiana de que o Estado busca a sua

melhor eficiência, controlando os indivíduos a partir da biopolítica e entendendo que, na

medida em que esse controle se dá, o Estado e o capital se somam para criar uma

realidade distorcida, aquela em que Debord (1997) aponta como o espetáculo, (e

poderíamos pensar em uma biopolítica espetacular), e que terá como centro o fetiche da

mercadoria,

Acreditais no palácio de cristal eterno e indestrutível, para o qual não há

como pôr a língua de fora nem mostrar o punho disfarçadamente. Pois bem,

eu tenho medo desse edifício justamente porque ele é de cristal e

indestrutível, e porque não lhe posso pôr a língua de fora, mesmo

disfarçadamente. Pois vede só: se em vez do palácio eu só tivesse um

galinheiro, e se chovesse, provavelmente eu me enfiaria no galinheiro para

me proteger da chuva; mas, embora ficando-lhe muito grato por me haver

acolhido, não confundiria meu galinheiro com um palácio. Dir-me-eis, rindo,

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que, num caso desses, palácio e galinheiro se equivalem. Sim, respondo eu,

se as pessoas só vivessem para não se molhar (DOSTOIEVSKI, 1989, p. 46).

Dessa forma, o Estado, na medida em que garante a unidade, garante na verdade

uma uniformidade que, regrada por um determinismo da economia e da política, recai

sobre novas problemáticas que tendem a colocar em cheque a sua própria postura. Os

movimentos sociais, as reinvindicações de massa, a repressão policial, revelam em

muitos casos essas problemáticas que apontam o quanto o Estado não está

necessariamente preocupado com o desenvolvimento social, mas sim com a sua própria

manutenção, com sua soberania alheia ao indivíduo e que o submete ao sofrimento. Isso

é o que Foucault chama de governamentalidade:

E com esta palavra quero dizer três coisas:

1 − o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e

reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante

específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma

principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais

os dispositivos de segurança.

2 − a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante

muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de

governo, sobre todos os outros − soberania, disciplina etc. − e levou ao

desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um

conjunto de saberes.

3 – o resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade

Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco

a pouco governamentalizado (FOUCAULT, 2010, p. 292 – 293).

De forma que diversos sintomas são perceptíveis, advindos desse sistema que

reclusa o indivíduo a uma esfera privada de sobrevivência (labor) que, como está

alienada por elementos exógenos ao indivíduo (soberania do Estado, maximização dos

lucros, etc.), já não possui mais sentido, momento em que o trabalho se torna labor.

Assim, criar dinâmicas, símbolos, objetos, novas relações e dar-lhes um

significado é uma característica das sociedades e do ser humano, já que ocupam um

território e se organizam.

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FIGURA 4 – Teatro dentro da fábrica (fonte: Flaskô Fábrica Ocupada)

FIGURA 5 - Teatro dentro da fábrica (fonte: Flaskô Fábrica Ocupada)

Quaisquer que sejam os movimentos, pelo meio ambiente ou pela ocupação de

fábricas, eles são importantes para a sociedade civil, porque revelam o quanto os

interesses econômicos e políticos podem ser manipulados de maneira a recair sob o

corpo e a ideologia do indivíduo, no abstrato ou no concreto, configurando

determinadas relações sociais de produção.

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E assim,

sem negar as contradições e limites dos movimentos sociais é mister

reconhecer a contribuição dos mesmos para a construção democrática, seja

do ponto de vista da institucionalização de mecanismos participativos

(cidadania ativa), seja da incorporação da agenda pública dos temas e

questões que configuram a natureza substantiva dos direitos (SCHIOCHET,

2012, p.24).

As contradições e limites que Valmor Schiochet (2012) aponta estão

relacionadas com toda a discussão feita até aqui: se o Estado se institucionaliza e se

aparelha de diversas formas, deformando a realidade social, os movimentos sociais

poderiam se tornar esses instrumentos, na medida em que são freados, por exemplo.

Dessa forma, é necessária uma concatenação entre os saberes que têm sido

deixados de lado, desde aqueles do indivíduo que é suprimido pelo labor, até os

movimentos sociais que correm o risco de serem institucionalizados e aparelhados pelo

Estado.

Nesse sentido na atualidade o quadro é muito mais complexo, do que

simplesmente colocar a discussão da participação das populações excluídas como o

elemento principal para que esse quadro de reação se altere. Entretanto algo de

semelhante com o início da República e dos governos atuais poderia ser “a total

incapacidade dos poderes da República em se comunicar com seus governados, dando

margem para a atuação dos grupos de oposição” GOHN (1995, p. 67).

2.3 Inovação e empreendimentos autogestionários

No Brasil, não se temfábricas ocupadas por trabalhadores se não a Flaskô.

Outras fábricas foram recuperadas, mas assumem outra configuração jurídica, de forma

que o movimento acompanha o movimento na América Latina, principalmente as

dinâmicas ocorrentes na Argentina. Como, então, verificar as estratégias da fábrica, sob

a perspectiva do controle operário, tendo em vista um setor da indústria (de

transformação de plástico) que coloca altas barreiras à entrada no mercado, na medida

em que impõe a inovação como forma de agregar valor à cadeia de produção?

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ao estudar as Empresas

recuperadas por Trabalhadores (ERTs) no Brasil, encontrou evidências de que os

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trabalhadores “relataram as dificuldades vivenciadas por eles com relação ao mercado, à

tecnologia e à obtenção de crédito e analisaram mudanças subjetivas nos trabalhadores,

possibilitadas por essas iniciativas” (HENRIQUES et al., 2013, p. 56).

Essas dificuldades podem ser encaradas sob cinco pontos principais, como

aponta Henriques e Thiollent (2013): no primeiro ponto, a administração deve coagir o

trabalhador a produzir, de maneira a ter o controle sobre sua força de trabalho (i.e.

hierarquia, manipulação do conhecimento, pagamento de salários, benefícios); o

segundo elemento estaria ligado à divisão do trabalho e a subsequente subsunção real e

formal do trabalho, na medida em que desumaniza o trabalhador; da abstração da

divisão do trabalho, encontramos o trabalho como mercadoria, sendo este o terceiro

ponto que permite com que o domínio do capital sobre a força de trabalho se

materialize; o quarto ponto é aquele em que a administração e a empresa é um espaço de

geração de lucro e minimização de custos, e nada mais senão uma instituição autômata;

o último ponto se caracteriza pelo escamoteamento de todos os pontos anteriores por

meio da ideologia. Somado aos condicionantes microeconômicos de cada ERT e do

caso do Movimento de Fábricas Ocupadas (MFO), representado pela Flaskô, têm-se os

problemas estruturais que englobam desde investimentos até financiamentos e que são

dificultados devido às condições financeiras:

As principais questões relatadas para a baixa produtividade são: dificuldade

de inserção do produto no mercado (21%), falta de capital de giro/crédito

(16%), falta de demanda pelo produto (13%), falta de matéria prima (9%),

falta de máquinas adequadas (8%), falta de trabalhadores especializados (6%)

e outros (26%, dentre eles: sazonalidade, problemas de qualidade do produto,

crise do setor, planejamento) (HENRIQUES et al., 2013, p. 60).

Nota-se que, a participação do trabalhador nos arranjos produtivos se torna cada

vez mais necessário para que novas estratégias se consolidem. Nos estudos do IPEA,

verificou-se que 60% (24 ERTs) já realizaram algum tipo de rodízio. Há uma

percepção entre os pesquisadores de que ele é uma importante inovação de

processo para as empresas recuperadas, uma vez que permite aos

trabalhadores conhecer melhor o sistema produtivo, contribuindo com o

processo de desalienação do trabalho (HENRIQUES et al., 2013, p. 61).

Para Vieitez e Dal Ri (2001) apud Novaes (2007), “há mudanças nas Frs,

principalmente na organização e nas relações de trabalho [...]”. No entanto, autores

afirmam que

as modificações realizadas até agora não dão conta de transformar a essência

das FRs – produção de mercadorias, supremacia dos quadros etc... A

possibilidade de avanço estaria na articulação das Frs com o movimento de

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luta mais geral dos trabalhadores, e de uma visão e um programa de

moficiação da sociedade e não apenas das unidades produtivas (VIEITEZ;

DAL RI (2001), apud NOVAES, 2007, p. 3).

Ainda assim, as fábricas recuperadas e ocupadas “são uma espécie de laboratório

social, onde os trabalhadores experimentam inúmeras soluções inovadoras para a sua

emancipação social” (MARQUES 2006, in NOVAES, 2007 p. 12). Dessa forma, sob a

perspectiva de que novas ideias e práticas podem surgir das atividades por parte do

trabalhador, na Flaskô, as instâncias organizativas e produtivas, quando vistas do ponto

de vista do processo inovativo, devem ser estimuladas, ainda mais em um setor

altamente concentrado e que impõe uma série de barreiras, como o de transformação de

plástico.

Do ponto de vista organizativo, “no caso da Flaskô, a existência de um Conselho

de Fábrica ampliado, com 13 trabalhadores, e uma alta rotatividade de membros nessa

instância ajudam no processo de formação” (HENRIQUES; THIOLLENT, 2013 p.

101). Da questão produtiva, o conhecimento integral do trabalhador sobre os processos

internos permite que haja uma apropriação da tecnologia por sua parte, explicitada nas

palavras dos trabalhadores da Flaskô, e um dos exemplos dessa apropriação seria o

desenvolvimento de um dos moldes para a produção de bombonas (produto

comercializado pela fábrica):

a gente desenvolveu um molde que não tinha, a gente desenvolveu outra

maneira de trabalhar mais fácil. A maneira de tirar as peças das máquinas,

por exemplo. Foi conversando para pensar em novas formas de produzir.

(Trabalhador da Flaskô, Entrevista Concedida em 17.03.2012)

(HENRIQUES; THIOLLENT, 2013, p.100).

Do ponto de vista das inovações praticadas no mundo do trabalho, podem ser

citados quatro elementos que Henriques e Thiollent (2013) mapearam: o primeiro é

aquele em que a coordenação das atividades passa a ser reguladora das atividades da

empresa para não haver bagunça, de forma a não manipular e controlar, mas estabelecer

a mínima ordem. O segundo elemento trata da troca de experiências entre os

trabalhadores, seja pela rotatividade das atividades, seja pela participação conjunta nas

instâncias decisórias. Outra questão é a forma como o trabalho, na medida em que perde

intensidade representada na redução da jornada de trabalho, gera uma maior qualidade

de vida representada pela redução dos acidentes de trabalho e aumento do tempo

disponível. O último elemento que os autores apontam como destaque é o fato de os

empreendimentos nessas condições estarem modificando seus espaços para além do

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fator produtivo, integrando “escolas, centros culturais, teatros entre outros”

(HENRIQUES; THIOLLENT, 2013, p. 104). Assim, a apropriação do espaço sob uma

nova ótica, a dos trabalhadores, configuraria alterações nos modelos de gestão

comumente estabelecidos. Por meio da apropriação dos meios de produção, novas

formas de se organizar podem surgir. Cabe aqui ressaltar que a continuidade do estresse

e da tensão dentro da produção permanece, e podemos deduzir o porque quando

olhamos para a competitividade imposta pelo mercado.

Assim, como apontado, não basta apenas a ocupação e a tomada da frente

organizativa por parte dos trabalhadores. Desta compreensão, a tecnologia também é

elemento a ser apropriado pelos trabalhadores para que o caráter da inovação não rode

apenas naquelas definições de Prado e Mañas (2010) da geração de lucro à custa da

exploração da mais valia. Nesse sentido, avançando na questão tecnológica, Novaes

(2005) se embasa no

conceito de Adequação Sócio-técnica (AST) [...] [que] poderia ser entendido

como um processo ‘inverso’ ao da construção, em que um artefato

tecnológico ou uma tecnologia sofreria um processo de adequação aos

interesses de grupos sociais relevantes distintos daqueles que o originaram

(NOVAES, 2005, p. 20).

Este teórico ainda salienta a necessidade de que a tecnologia seja apropriada,

tendo em vista a reprodução de outra relação entre a sociedade e a natureza, pensando

então como estabelecer relações sociais de produção que não perpetuem a exclusão e

degradação do planeta, criticando portanto a utilização da tecnologia e da técnica para

tais fins. A necessidade de investimentos para pequenos-médios empreendimentos e

para fábricas recuperadas, cooperativas e empreendimentos autogestionários é cada vez

mais iminente, enquanto há uma perspectiva de avanço da crise estrutural do capital, das

instituições publicas e do desgaste que os trabalhadores de todas as categorias sofrem,

seja aqueles advindos da subsunção forma ou real do trabalho. Isto porque estamos

vendo um fluxo de congestion effect na medida em que o país não se torna interessante

para investimentos estrangeiros e para as grandes indústrias.

2.4 Algumas reflexões sobre tecnologia e inovação

Do ponto de vista estratégico e competitivo, a inovação e tecnologia apontadas

dentro do setor de transformação de plásticos não possuem a mesma crítica defendida

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por Novaes e nem o poderia, porque reforçam o fortalecimento da indústria e da

utilização da tecnologia para este fim e o faz na medida em que pode explorar mais

valia relativa. Desta forma, do ponto de vista de Novaes (2004) a tecnologia é social, no

sentido de que o trabalhador deve se apropriar da tecnologia para alterar as condições

reais vividas de forma que a subsunção real (veremos a frente sua conceituação) seja

cancelada. Isso porque “dada a configuração que assume em sua forma capitalista, a

maquinaria transforma-se em sujeito absoluto do processo produtivo, permitindo ao

capital determinar, por seu intermédio, o modus operandi desse processo e,

consequentemente, as qualidades necessárias para otimiza-lo” (WOLFF, 2005 p. 92)

Ainda assim, é necessário, então, conhecermos as estratégias adotadas dentro do setor

para verificar de que forma a AST pode ocorrer, de forma a não gerar apenas lucros e

novos mercados, mas novas formas de gerir uma fábrica e.

Segundo Cerqueira e Hemais (2001, p. 8),

em termos de Brasil, as ações correspondentes a P&D em empresas de

terceira geração ainda são acanhadas, se compararmos com empresas norte-

americanas ou europeias do mesmo porte [...] As principais diferenças se

encontram no planejamento estratégico empregado, na falta de recursos

voltados para P&D e, principalmente, na falta de incentivos à geração do

conhecimento técnico e organizacional.

Os autores salientam, ainda, que “em geral, a estratégia adotada, por mais

simples que seja, fica submetida à vontade da cúpula ou do próprio dono da empresa,

limitando, sensivelmente, as ações de P&D” (CERQUEIRA e HEMAIS, 2001 p. 9),

havendo, então, uma centralização da decisão e a consequente restrição das

possibilidades e inovação, enquanto o estiver centralizado nas mãos de um chefe ou

presidente.

E assim, conforme acima já citamos Bethlem (1999 apud CERQUEIRA e

HEMAIS, 2001, p. 2), “é necessário que ocorram mudanças de comportamento nos

diversos segmentos envolvidos no processo produtivo, tais como governo, empresas,

organismos de pesquisa e consumidor”. Os autores propõem, também, algumas

estratégias para que haja uma reconfiguração desse quadro:

• Estabelecimento de uma política empresarial voltada para a inovação

tecnológica, relacionando-a a uma disposição administrativa, sintonizada

com as mudanças ambientais e tecnológicas.

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• Investimentos em programas de P&D, nos quais destaca-se o design de

produtos, visando à elaboração de sistemas que apresentem ganhos

qualitativos e quantitativos.

• Constituição de parcerias capacitadas para implementação de atividades de

inovação tecnológica.

• Ações conjuntas entre empresas e governos para definir planos estratégicos

para implantação de programas nacionais e regionais de inovação tecnológica

(CERQUEIRA; HEMAIS, 2001, p. 9 - 10).

Percebe-se que a tecnologia e a inovação se tornam cada vez mais protagonistas

na luta por novas meios de gerir as atividades empresariais, dada a competitividade

imposta por altos níveis de técnica e padrões. Todavia, esses mesmos níveis e padrões

devem estar sempre sob os cuidados dos empreendimentos que buscam novas formas de

gestão, a fim de que não haja uma simples apropriação das tecnologias e a subsequente

manutenção da alienação. Disso, István Mészáros (1996) ressalta o fetiche de

acreditarmos que apenas a tecnologia resolverá os problemas, no sentido de que este

pensamento recai enquanto “falácias das soluções tecnológicas para os problemas

sociais” (1996, p. 94), porque na medida em que depositamos nossa confiança neste

conjunto de técnicas, caímos em uma falsa crença de que apenas a apropriação dos

meios de produção será suficiente para reconfigurarmos as relações sociais de produção,

quando na verdade com o incremento da tecnologia sem a difusão de suas leis, normas,

regras e características, suas ideologias, intensões e recortes políticos para o seu

entendimento perante a população que a utiliza, haveria apenas a reprodução da

subsunção real e da mais valia relativa.

Por intermédio do conhecimento de como se apropriar das tecnologias, o

controle operário e a luta dos empreendimentos autogestionários podem se guiar para

além da ocupação e apropriação das forças produtivas, mas para a ressignificação das

técnicas dominantes, a fim de compor outras relações sociais de produção e entre ser

humano e natureza.

2.5 Relações sociais de produção, subjetividade e subsunção

Até aqui foi feito um levantamento acerca de alguns fatores que influenciaram

na existência da fábrica Flaskô (como a economia, os movimentos sociais e seu caráter

político e a tecnologia), de maneira que compreender as dimensões econômicas que a

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cercam é fundamental para visualizar suas particularidades, mas que não poderia revelar

por completo a realidade da fábrica. Neste sentido nos tópicos anteriores vimos como a

economia brasileira e seus problemas estruturais resultam nos anos noventa no

sucateamento da fábrica, bem como o quanto a organização industrial brasileira do setor

de transformação de plástico carece de investimentos que possibilite o desenvolvimento

adequado do setor, como apontam Fleury e Fleury (2001). Este estudo busca encontrar

particularidades acerca do objeto de estudo, porém não o poderia fazer se observasse

apenas o comportamento de mercado da fábrica, de maneira que toma como referencial

teórico as relações sociais de produção e as condições de subsunção que existem

expostas e ao mesmo tempo sendo reconfiguradas no interior da fábrica Flaskô.

“Nessa perspectiva, a reprodução das relações sociais é entendida como a

reprodução da totalidade da vida social, o que engloba não apenas a reprodução

da vida material e do modo de produção, mas também a reprodução espiritual

da sociedade e das formas de consciência social através das quais o homem se

posiciona na vida social” (YAZBEK, 2001 p. 3)

Em outras palavras o trabalhador organizado na fábrica também é o fator que faz

com que o território se organize de uma maneira que o qualifica enquanto particular, e

não apenas as condições macro de fora da fábrica. A subjetividade do trabalhador

também compõe o território político produtivo do qual a Flaskô se insere. Assim sendo,

as relações sociais de produção, as dinâmicas que os trabalhadores organizam dentro de

uma fabrica, quando determinadas por um patrão, estariam mitigando a possibilidade de

ação dos trabalhadores. Em outras palavras, a título de exemplo, com a determinação de

um patrão sobre as regras, decisões e estratégias, é retirado do trabalhador do chão de

fábrica a capacidade sobre a configuração das práticas organizacionais, seja o ritmo de

trabalho, até a definição das regras ou os rumos da organização. Disso poderíamos

pensar que fica mantido um nível de alienação, na medida em que há uma hierarquia

definida e enraizada em figuras ou cargos. Assim a subjetividade também se modula

dentro da organização

[...] por meio de ‘formas da consciência: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito

epistemológico. O eu é a identidade, formada das vivências psíquicas; é a

forma de conhecimento singular [...] A pessoa é a consciência moral [...] O

cidadão é a consciência política [...] O sujeito epistemológico é a consciência

intelectual [...] A subjetividade assim composta [...] é a instância da qual o

homem (empírico ou abstratamente genérico) deve participar. Se conseguir

isso, autenticamente, torna-se o sujeito – ‘aquele que é consciente de seus

pensamentos e responsável pelos seus atos’ [...] (GHIRALDELLI, JÚNIOR,

2000, p. 24).

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Quando não vemos nenhum destes elementos, o eu enquanto resultado das

vivencias psíquicas, a consciência moral, o agir político e a consciência intelectual

poderíamos imaginar que as relações sociais de produção tanto mais não estariam sendo

reconfiguradas. Desta forma a subjetividade é tanto mais construída dentro das

dinâmicas sociais e humanas, composta por diversos elementos simbólicos e concretos,

que possui relação direta com as relações sociais. Desta maneira, em uma fábrica os

processos de trabalho estarão construindo tanto mais as relações sociais e a

subjetividade. Teóricos dos estudos organizacionais como Mauricio Tragtenberg e

Idalberto Chiavenato apontam perspectivas distintas para apresentar como as

organizações são importantes na construção individual e social. Para Chiavenato (1987)

A tarefa da Administração é interpretar os objetivos propostos pela empresa e

transformá-los em ação empresarial através de planejamento, organização,

direção e controle de todos os esforços realizados em todas as áreas e em todos

os níveis da empresa, a fim de atingir tais objetivos (CHIAVENATO, 1987, p.

3).

Cabe aqui salientar algumas informações sobre administração e autogestão.

Diferenças relacionadas a forma como se da a organização do espaço, das atividades, do

processo, do tempo, e de todo comportamento organizacional.

Neste contexto, consideramos como empresa autogerida aquela onde as

decisões são tomadas de forma coletiva, pela obtenção de um consenso para a

ação prática entre os membros envolvidos, através do conhecimento geral das

questões; excluído, portanto, qualquer tipo de autoridade burocrática ou

hierárquica formal, o que não quer dizer que não possam existir relações de

autoridade consentida, em função da experiência e respeito que caracterizem,

naquele momento, alguns dos membros do grupo. (GUTIERREZ, 1988 p. 7)

Isso é importante, pois toda organização de grupos recai e incide diretamente no

todo social. Em uma sociedade da qual decorre a reprodução de determinas relações

sociais de produção,

as classes ou grupos hegemônicos reconvertem e ampliam, em seu próprio

benefício, não apenas os resultados de sua ideologia original e influências

históricas anteriores, mas também as formas novas que a classe trabalhadora

vai criando como alternativa para a ação na defesa de seus interesses”

(MOTTA, 1980 p. 126).

Esta visão de Motta é o oposto da visão apresenta por Idalberto Chiavenato, que

ressalta,

A tomada de decisões é o núcleo da responsabilidade administrativa. O

administrador deve constantemente decidir o que fazer, quem deve fazer,

quando, onde e, muitas vezes, como fazer. Seja ao estabelecer objetivos ou

alocar recursos ou resolver problemas que surgem pelo caminho, o

administrador deve ponderar o efeito da decisão de hoje sobre as oportunidades

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de amanhã. Decidir é optar ou selecionar dentre várias alternativas de cursos de

ação aquela que pareça mais adequada (CHIAVENATO, 1987, p. 149).

Esta visão de Chiavenato desconsidera a tomada de decisão enquanto uma forma

de estabelecer novas relações sociais de produção dentro de uma empresa. Em outras

palavras a configuração da responsabilidade e do controle dos ritmos produtivos, são

ditados por poucas pessoas que não necessariamente conhecem os processos produtivos

e inclusive estratégicos de decisão. Em outras palavras o gestor possui uma carga

acumulada de informação porque sua posição agrega isso, entretanto existe uma matriz

científica caracterizando o serviço do gestor, que dentre o domínio de inúmeras

técnicas, formas de pensar, também deve ter a capacidade de esconder que a única coisa

que o diferencia de um peão do chão de fábrica é que ele tem a ciência como um pano

de fundo. Nas palavras de Mauricio Tragtenberg (1974),

a Teoria Geral da Administração é ideológica, na medida em que traz em si a

ambiguidade básica do processo ideológico, que consiste no seguinte: vincula-

se às determinações sociais reais, enquanto técnica (de trabalho industrial,

administrativo, comercial) por mediação do trabalho e afasta-se dessas

determinações sociais reais, compondo-se num universo sistemático

organizado, refletindo deformadamente o real, enquanto ideologia

(TRAGTENBERG, 1974, p. 89).

Essa assimetria advém de inúmeros fatores e um deles é a organização da

sociedade em classes da qual Mauricio Tragtenberg e Fernando Motta discorrem muito

bem.

Não há qualquer possibilidade de se compreender a questão da organização e

do poder no capitalismo, sem referência à relação central nesse modo de

produção que é a mais-valia, isto é, o tempo de trabalho incorporado na força

de trabalho menor que o tempo de trabalho que a força de trabalho é capaz de

incorporar no produto. (MOTTA, 1980 p. 127)

E daí que a visão de Chiavenato quando colocada em contraposto a visão de

Motta e Tragtenberg, se choca com a realidade da luta de classe, e se mostra enquanto

um instrumento dotado de uma capa misteriosa, capa esta apontada por Mauricio

Tragtenberg enquanto elemento fundamental para a administração pode acontecer,

apresentando a realidade de maneira deformada, uma que não mostre como as relações

sociais de produção são determinadas para o propósito da acumulação, fazendo isso a

partir do escamoteamento da luta de classes. Ou seja, controlar as pessoas, seus

impulsos, seu ritmo de trabalho, suas roupas, costumes, vícios, desejos, vontades, dias

de trabalho, tempo dentro da empresa, organizando sua previdência a escola ou creche

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dos filhos, oferecendo plano odontológico e de saúde, se tornam instrumentos da

organização para efetuar um maior controle sobre as pessoas. Neste sentido a

subjetividade estará diretamente ligada ao corpo social, ainda que efetivamente

formulada no sujeito.

A ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e na realidade

psíquica, incidindo nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de

pensamento, de sentido, de sentimento, de afeto, entre outros. Produz-se modos

das relações humanas, representações inconscientes e é fabricado um modo de

relação do homem com o mundo e consigo mesmo (GUATTARI; ROLNIK,

2000 )

Disso, o trabalho tem se configurado de forma a corresponder à sobrevivência e

à cognição dos indivíduos. Há fatores que caracterizam a particularidade da Flaskô. Por

outro lado é uma fábrica que deve se relacionar com outras dentro do mercado relação

essa inerente ao método capitalista. Todavia, quando partimos desse ponto de vista, de

que todo o trabalho é voltado para o consumo de mercadorias que possibilite o giro da

economia, excluímos a discussão da subjetividade e da política, na medida em que as

perguntas que são feitas se voltam apenas para o aspecto relacionado a produção. Ainda

que há fatores particulares da Flaskô que são frutos de condições econômicas, o que a

diferencia não são essas condições econômicas, uma vez que dos seus muros para fora,

a Flaskô tem que negociar tal qual as empresas capitalistas negociam, mas a capacidade

da fábrica em agregar particularidades e ainda sim se manter em atividade no mercado,

mesmo sob diversas condições, desde aquelas expostas nos primeiros capítulos referente

à situação de abandono, até a relação que a fábrica possui com a política, que incide

diretamente no trabalhador e no território da fábrica. Isto é importante para enxergamos

as esferas que afetam o trabalho, sua organização e o local aonde esse trabalho ocorre,

porque se não olhássemos para tal elemento, relacionado à subjetividade humana,

estaríamos generalizando rumo a uma inerente redução do papel do trabalho. Veríamos

deformadamente que apenas pelo trabalho estaríamos modificando a nossa sociedade e

assim o ambiente, entretanto “o trabalho não é a única fonte dos valores de uso que

produz, da riqueza material. Dela o trabalho é o pai, como diz Willian Petty, e a terra é a

mãe” (MARX, 1983, p. 51). Menos ainda estaríamos preocupados com uma

vulnerabilidade social por detrás das relações que configuram o trabalho, ou seja,

elementos que se estendem para além da questão puramente produtiva. De uma maneira

que há uma esfera política que se relaciona com a gestão da fábrica e isso caracterizaria

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a fábrica enquanto um território particular que carrega elementos que vão além da

produção.

Outro alerta é que uma generalização do conteúdo que o trabalho carrega, não

permitiria identificar o limite em que chegou a participação do Estado e do Mercado em

nossas vidas e isso implicaria que, de uma ausência da autonomia do Estado frente ao

trabalhador(a), havendo uma individualização suprida pelo Mercado, a sociedade civil

estaria perdendo capacidade de resposta e de sua autonomia, e daí que uma ocupação

organizada da sociedade civil dos meios de produção parece algo que resgata este

conteúdo que o trabalho carrega de poder ser mais do que apenas um insumo base para

o capitalismo poder se efetivar, mas uma ferramenta vinculada a existência material e

psicológica.

Essa preocupação se torna importante na medida em que se percebe o quanto a

subjetividade é suprimida por esferas institucionais. Neste sentido, Alves (2010)

apresenta no quadro 3, “metabolismo social do novo (e precário) mundo do trabalho a

nova precariedade salarial (década 2000)” que possui quatro características presente no

mundo do trabalho que causa os efeitos gerados pela reprodução do processo capitalista,

como o fetiche à mercadoria, a subsunção do trabalho e a precarização do trabalho.

Esses efeitos recaem por toda economia.

QUADRO 3 – Metabolismo social do novo (e precário) Mundo do Trabalho, a

nova precariedade salarial, década de 2000 (ALVES, 2010).

O quadro revela elementos da mais valia relativa e da mais valia absoluta, que

caracterizam respectivamente a subsunção real e formal do trabalho, de forma que “a

subsunção formal do trabalho ao capital se funda, portanto, na extração da mais-valia

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absoluta. Entretanto, a simples reunião dos trabalhadores sob um mesmo comando em si

já implica, por efeito da cooperação, um aumento da produtividade” (OLIVEIRA,

OLIVEIRA 2009, p. 2), e o caso do controle operário presente na Flaskô e o caso das

empresas e fábricas recuperadas na argentina (que veremos adiante) mostram isso, a

capacidade de enfrentar a subsunção formal. Então, a subsunção formal existe quando

“[...] só se pode produzir mais valia recorrendo ao ‘prolongamento do tempo de

trabalho, quer dizer, sob a forma da mais valia absoluta’ [...]” (MARX, 2004, p. 88-89).

Neste sentido a subsunção formal decorre das condições necessárias para a

extração da mais valia absoluta.

“Já a subsunção real do trabalho ao capital decorre das condições desenvolvidas

na sociedade capitalista para extração da mais valia relativa, com diminuição do tempo

de trabalho necessário para a produção de uma coisa e para reduzir o valor da força de

trabalho” (MARX, 2005a, p. 366), e que dentro desta análise alguns autores como

Christoph Türcke (2010) apresenta o cinema como uma das formas de subsunção real

do trabalho, na medida em que o lazer se torna uma esfera em que o trabalhador

descansa, mas um descanso em que acaba compondo o final de uma cadeia de produção,

um processo acelerado, estendido e escondido pela tecnologia, resultada na ficção

causada pela televisão, pelos computadores e pelos filmes. Em outras literaturas vemos

a importância de considerar as nuances do trabalho, bem como a os níveis de

apropriação que há dentro de cada atividade. Em outras palavras, da mesma maneira

que o trabalhador da Flaskô é perpassado pelas condições que afeta a esfera do trabalho,

há outras esferas como a da política e da tecnologia que tanto mais atinge as condições

vivenciadas pelos mesmos. Isto não é novo dentro dos estudos que identificam as

relações sociais de produção no mundo do trabalho enquanto capazes de ressignificar o

trabalho.

Na literatura sobre a luta de classe, vemos também o campesinato como

protagonista da reinvindicação pelo direito ao trabalho, no campo e na propriedade

rural. É possível vermos que a subsunção formal do trabalho quando vista dentro da

lógica do campesinato exclusiva do seu lote, vemos um cancelamento da subsunção

formal na medida em que os ritmos e tempos de trabalho são controlados pela gestão

familiar do lote. Entretanto a partir do momento que este deve negociar e entrar em

contato com outros consumidores da cadeia seja para vender ou para criar uma rede de

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contatos, ele acaba se submetendo às condições de mercado, esta que impõe ritmos de

produção para que o próprio campesinato possa garantir sua subsistência. Aí que surge

uma alternativa muito interessante para a geração de mercados e feiras que possam

contribuir enquanto canal de distribuição para geração de renda para o campesinato,

garantindo mínima estabilidade na garantia de seus recursos.

Quando este não possui uma regularidade nos recebimentos, quando não

consegue escoar a produção e assim atrasando salários, sofre do mesmo problema dos

trabalhadores da Flaskô e de uma forma que se caracterizam enquanto superpopulação

relativa. Paralelamente, concorrem com grandes latifúndios e lógicas de mercado

sustentados pela tecnologia o que resulta na subsunção real de seu trabalho, à lógica

capitalista.

Ora, o conceito de camponês tem um peso que transcende a materialidade

econômica da troca de mercadorias e sugere imediatamente características da

sua organização social, tais como o trabalho familiar, os costumes de herança,

a tradição religiosa e as formas de comportamento político (MOURA, 1988, p.

69).

Dessa forma, o campesinato pode ser visto sob uma configuração única em seu

gênero na medida em que as relações que mantém com a terra, com a produção e com a

organização do trabalho pode ser mantida sob seu ritmo. Em outras palavras, a

autonomia do campesinato está vinculada à relação com a natureza, com o clima, com a

terra, com a política e produção rural, e assim,

Como classe sui generis do capitalismo, sua singularidade se manifesta na

experiência única de reprodução, a qual se baseia no próprio controle sobre o

trabalho e sobre os meios de produção. É o que lhes permite conservar a

capacidade de produzirem seus próprios meios de vida, ainda que as condições

concretas de reprodução de cada família nem sempre o determinem

(OLIVEIRA, 2006, p.16).

Para concluir o pensamento sobre as condições particulares do campesinato,

podemos pensar que, ainda que detenha os meios de produção, a autonomia para

produzi-lo, o campesinato ainda está submetido às leis de mercado, então, mesmo que

tenha autonomia sobre seu trabalho, na medida em que se relaciona com o mercado e se

submete às suas imposições, a autonomia fica em cada atravessador pelo qual o produto

do campesinato passa.

O campesinato ainda compõe parte de uma cadeia capitalista, e mesmo que

tenha posse sobre a terra, o controle sobre os preços da produção e autonomia sobre sua

força de trabalho que, então, não o qualificaria como um capitalista, tendo em vista

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haver fatores relacionados à prática e aos métodos utilizados pelo campesinato que,

dentre outros, vincula o trabalho e a organização familiar. Assim,

os camponeses estão inseridos no modo de produção capitalista, são inerentes e

contraditórios a esses, incorporam técnicas, produzem também para o mercado,

mas, por terem o controle dos meios de produção, não os tornam capitalistas,

pois a lógica interna de produção é diferenciada e o trabalho é familiar (FÉLIX,

2010, p. 17).

Na mesma linha de pensamento, poderíamos refletir sobre as condições que

perpassam os trabalhadores e o território da Flaskô. Na medida em que os trabalhadores

da Flaskô se apropriam dos meios de produção, do trabalho, da tecnologia e do capital

gerado na fábrica, nem os trabalhadores nem a fábrica poderiam ser chamados de

capitalistas, justamente porque, a final de contas, eles não são os donos dos meios de

produção ainda que estejam controlando-os.

Quando pensamos na situação dos trabalhadores da fábrica ocupada Flaskô,

podemos observar uma série de elementos que perpassa o trabalho organizado, e que

poderíamos pensar que ao mesmo tempo em que possuem os meios de produção, eles

não os possuem porque a fábrica ainda esta no nome dos antigos donos; ainda que

estejam em uma situação na qual controlam os meios de produção e as técnicas

envolvidas no trabalho, cancelando a subsunção formal do trabalho, há ritmos de

trabalho impostos (por ordens de compra ou cobrança do faturamento por terceiros) que

impactam na organização do trabalho; mesmo reivindicando e lutando por outra forma

de organização social que não seja uma que extraia mais valia inclusive quando fora dos

muros da produção, os trabalhadores tem a subjetividade suprimida na medida em que a

ocupação da fábrica e seu caráter de legitimação social não são compreendidos como

processos que estes contribuem e fazem parte. Disso, quando olhamos para a realidade

da Flaskô, observarmos particularidades que expõem a subsunção formal ao

encontrarmos a situação de atraso de salários, atraso este que na medida em que é

analisado vemos as dívidas deixadas pelos antigos donos compondo a maior parte deste

contexto e ainda composto pelas pressões de mercado que incidem em problemas de

demanda, assume-se que os trabalhadores estão parcialmente empregados, pois na

medida em que vivem na atualidade sob condições adversas o trabalhador da Flaskô

compõe uma parcela da população da qual Marx chama de superpopulação relativa. Em

outras palavras, enquanto há um atraso dos salários, bem como elementos relacionados

ao impacto no ritmo de trabalho, podemos pensar que o trabalhador da Flaskô fica

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parcialmente ocupado, termo conhecido nos escritos de Marx como superpopulação

relativa, de maneira que “toda a forma de movimento da indústria moderna decorre,

portanto, da constante transformação de parte da população trabalhadora em braços

desempregados ou semi-empregados” (MARX, 1996, p. 263 - 264). De uma forma que

na medida em que os salários na Flaskô atrasam, os trabalhadores se classificariam na

categoria de superpopulação relativa, mas que na medida em que existe, interfere na

reprodução do sistema capitalista. Ou seja,

as novas relações flexíveis de trabalho promovem mudanças significativas no

metabolismo social do trabalho tendo em vista que alteram a relação “tempo de

vida/tempo de trabalho” e alteram os espectros da sociabilidade e auto-

referência pessoal, elementos compositivos essenciais do processo de formação

do sujeito humano-genérico (ALVES, 2010 p.7)

Aqui fica evidente que a subsunção formal e real do trabalho, acaba por

configurar os meios de produção e assim a organização das relações sociais de

produção. Uma vez que a subsunção real e formal são mecanismos que estão inerentes

aos processos de produção, como os controles psicológicos, do corpo, através dos

contratos burocráticos, através de comportamentos, práticas, através da tecnologia e

tudo isso, sob o tempo de vida daquele que dispõe do seu trabalho como recurso

produtivo, práticas que sejam sustentáveis, autônomas, solidárias e alternativas que

buscam o não determinismo e expor a não neutralidade da técnica, são essenciais para

emancipação do trabalho. De uma forma que, a busca por novas relações sociais de

produção é fundamental, e o passo proposto por autores contemporâneos é de que deve

haver uma incorporação qualitativa dos meios de produção às relações sociais de

produção e não meramente quantitativa, de uma forma que:

(...) Como vimos em vários contextos, incluindo a análise de [Raniero]

Panziere da máquina e da “racionalidade” capitalista, Marx, sabia muito bem

que “na utilização capitalista, não apenas as máquinas, mas também os

‘métodos’, as técnicas organizacionais etc. são incorporados ao capital e

confrontam o trabalhador como capital: como uma ‘racionalidade’ externa”.

Como resultado, todo sistema é “abstrato e parcial, passível de ser utilizado

apenas em um tipo hierárquico de organização”. Marx jamais poderia

considerar neutras as forças produtivas, em virtude dos seus elos orgânicos

com as relações de produção; por isso, uma mudança radical nessas últimas,

nas sociedades que querem extirpar o capital de sua posição dominante, exige

uma reestruturação fundamental e um caminho qualitativamente novo de

incorporação das forças produtivas nas relações socialistas de produção

(Mészáros, 2004, p. 519

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Mészáros (2004) apresenta a necessidade de novas relações sociais de produção

como reestruturação fundamental para uma sociedade para além do capital. Ele diz

respeito a novas formas pelas quais o trabalho possa ser incorporado pelas pessoas

dentro dos meios de produção. É colocada a necessidade de deixar de ser autômato e

anônimo, criticar e questionar dogmas e ideologias do pensamento dominante, de forma

a criticar a racionalidade capitalista, mas também olhando para o contexto local, para as

nuances do território e para as relações sociais de produção que se formulam para além

dos meios de produção. Pensar na não neutralidade da técnica é pensar na construção de

espaços para que a comunicação possa ser estimulada e construída. Dentro da Flaskô

sabemos que existem espaços para que as decisões possam ser tomadas em coletivo,

mas há muitas problemáticas que envolvem a fábrica, onde aqui estamos nos atentando

para as dimensões políticas e produtivas, e que gera ruídos de comunicação, assimetria

de informação e consequentes atritos cotidianos. Parte destes elementos vem de

situações cotidianas dos meios de produção e outras problemáticas partem das

particularidades que a fábrica vive. Desta forma, pensar em como tornar a comunicação,

as técnicas e as ferramentas da administração em elementos que também permitam à

superação da subsunção formal e real do trabalho, de maneira a preservar a identidade

do trabalhador, é um elemento do qual decorre das ideias de Mészàros e que pode

contribuir para o avanço dentro da organização do trabalho em empreendimentos

solidários, desde à questão da comunicação entre departamentos, até a questão das

relações subjetivas e políticas que permeiam a fábrica. Isto porque Mészàros aponta que

Para [o capital] se desembaraçar das dificuldades da acumulação e expansão

lucrativa, o capital globalmente competitivo tende a reduzir a um mínimo

lucrativo o “tempo necessário de trabalho” (ou o “custo do trabalho” na

produção), e assim inevitavelmente tende a transformar os trabalhadores em

“força de trabalho supérflua”. Ao fazer isto, o capital simultaneamente subverte

as condições vitais de sua própria reprodução amplida. (MÉSZÀROS, 2002 p.

226)

E daí que é importante pensar nas relações sociais de produção tanto nos meios

de produção como fora dele, uma vez que a subsunção se da para além das esferas do

trabalho. Todavia aqui nos atemos apenas as particularidades e realidade presentes na

Flaskô, mas que nos permite verificar elementos do capitalismo e de particularidades

advindas das formas particulares de organização do trabalho, mas também relações

sociais de produção distintas, ainda que há elementos em comum com empresas

tradicionais. Neste sentido, em Habermas (1984) encontramos a organização da

sociedade civil como forma de realizar essa crítica, através da ação comunicativa:

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...sempre que as ações dos agentes envolvidos são coordenadas, não através de

cálculos egocêntricos de sucesso, mas através de atos de alcançar o

entendimento. Na ação comunicativa, os participantes não estão orientados

primeiramente para o seu próprio sucesso individual, (...) Assim, a negociação

da definição de situação é um elemento essencial do complemento

interpretativo requerido pela ação comunicativa (1984, p. 285, 286)

Neste sentido,

Em Habermas, a sociedade civil tem papel fundamental na teoria democrática

deliberativa. Assim, as associações e organizações livres, de caráter não estatal

e não econômicas, que são vistas por ele como as estruturas de comunicação da

esfera pública que formam o núcleo institucional da sociedade civil as quais

são responsáveis pelo agir comunicativo (...) A opinião pública formada no

mundo da vida pelos diversos agentes da sociedade civil é o ponto principal na

discussão do agir comunicativo na esfera pública. (PIZZIO, 2009 p. 1992)

Quando observamos nos escritos de Habermas a ideia do agir comunicativo,

podemos pensar na situação de que há uma construção coletiva a partir da comunicação

que deve estar voltada para a dimensão do coletivo, e nunca para o sucesso individual.

A necessidade de se pensar como novas relações sociais podem ser configuradas

está colocada tendo como ponto de partida a fábrica Flaskô.

Dessa forma, a reprodução das relações sociais é a reprodução de determinado

modo de vida, do cotidiano, de valores, de práticas culturais e políticas e do

modo como se produzem as ideias nessa sociedade. Ideias que se expressam

em práticas sociais, políticas, culturais, padrões de comportamento e que

acabam por permear toda a trama de relações da sociedade. (YAZBEK, 2001 p.

3)

Sob diversas perspectivas, podemos avaliar as distintas significações que as

relações sociais assumem, mas por hora podemos ter como ponto de partida o trabalho

na medida em que a estrutura e a organização social do objeto estudado, no caso a

Flaskô e os trabalhadores, se ancoram nas relações de trabalho existentes. Isto significa

que os gestos, o saber-fazer, o engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a

capacidade de refletir, de interpretar e reagir a diferentes situações é o poder de sentir,

de pensar, de inventar etc e que estaria ligado a composição da subjetividade de cada

pessoa e das relações sociais que cada um cria, de maneira que a técnica e o trabalho

tanto mais estaria dinamizando, ou então petrificando tanto a subjetividade quanto as

relações sociais. Neste sentido, tanto na fábrica como fora dela, os efeitos psicológicos e

biológicos que recaem sobre o corpo permanecem para além das atividades meramente

produtivas. Para elucidar essa questão Dejours (2012) coloca um bom exemplo:

[...] para dominar completamente uma máquina-ferramenta, para ter o domínio

pleno sobre ela, é necessário sentir essa máquina, desenvolver uma

sensibilidade que se amolda a todas as suas características mecânicas. É

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necessário ser capaz – o que não é nada fácil – de colocar-se em “simbiose”

com a máquina, como se ela fizesse parte do próprio corpo que se torna então

capacitado, por meio de uma broca, de penetrar o metal ou de lhe destacar as

lascas. [...] para obter este resultado, é necessário estabelecer um diálogo com a

máquina. (p. 27)

Daí que é interessante pensarmos a relação que os trabalhadores possuem com a

máquina, mas não apenas com o maquinário e sim com a subsunção real que advém da

introdução da tecnologia, e como os efeitos dessa relação se estendem para além do

trabalho, como as doenças relacionadas a LER/DORT ou os vícios que se estendem para

fora dos setores produtivos. Ao experimentar uma emoção ao apalpar uma pedra e ao

acariciar uma madeira, no decorrer do tempo tal pessoa estará trabalhando sua

sensibilidade e subjetividade, que irão se desenvolver e ampliar, de maneira que no

trabalho, na aplicação de alguma técnica ou na utilização de qualquer objeto , “ao

tornar-me mais hábil em meu trabalho, transformo-me a mim, enriqueço-me, talvez

consiga mesmo realizar-me.” (p. 28), porque na medida em que a relação simbiótica

entre o vivido e o estático ocorre, há uma apropriação do ser humano frente ao objeto e

que em último grau se torna a extensão do corpo da pessoa. Tudo isso acontece através

do corpo, da capacidade de sentir e escutar. Para Dejours (2012)

[...] o sujeito torna-se um bom motorista quando sente o carro até a pontinha do

para-lama e do para-choque, como se também fossem envolvidos, protegidos

por sua pele. [...] A professora primária segura a sua classe porque tem o pulso

sobre as crianças, sabe como conquistar sua atenção, mesmo quando cansadas,

pois tudo o que acontece em sala penetra cada um dos seus poros. (p. 29)

Pensar em como a rotina de trabalho se relaciona com o trabalhador da Flaskô é

portanto fundamental para compreender como se da o desenvolvimento psicológico e

físico do trabalhador, porque podemos ver os ritmos das marcas no trabalho. Isso pode

ser visto na relação entre a quantidade de trabalhadores que possuem problemas ósseos

e muscular, relacionados aos problemas de esforço repetitivo.

Assim, o que existe de essencial no trabalho não está visível, mas permanece

num estado oculto e que se manifesta conforme quem realiza determinada tarefa

manifesta as dificuldades e as conquistas presentes em determinada atividade. Assim

sendo, quando as tnsões ocorrem no chão de fábrica ou dentro de alguma atividade, o

que deve ser feito é uma resolução do problema através da solidariedade, e neste sentido

quando há um abafamento do que acontece, este estado oculto tende a permanecer cada

vez mais hermético, gerando um espectro negativo na fábrica. Daí a importância das

assembleias e conselhos, para ‘lavar a roupa suja’.

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Entretanto, é bom frisar que trabalhar é engajar-se num mundo hierarquizado,

onde existem regimentos e leis para cada aspecto. Por isso, Dejours (2012) traz o

pensamento de que trabalhar é experimentar uma resistência do mundo social, e mais

precisamente das relações sociais de inteligência e subjetividade.

Crisopher Dejours (2012) lembra as numerosas avaliações que remetem a uma

grande complexidade e sofisticação e levam a absurdos e a injustiças intoleráveis em

relação à contribuição efetiva dos que trabalham. Assim, a avaliação de um trabalhador

pode servir, sobretudo de meio de intimidação e de dominação. Dejours (2012) traz os

resultados de tais procedimentos como, de um lado, o aumento extraordinário da

produtividade e da riqueza; mas de outro a erosão do lugar ancorado na subjetividade e

à vida no trabalho. Isso ocorre em empresas tradicionais, pois há uma acentuada

subsunção formal do trabalho à relação de expropriação da mais valia.

Ao mesmo tempo, todo sistema necessita para funcionar não apenas da

obediência dos trabalhadores, mas também de seu zelo, de sua dedicação, em outros

termos, de sua inteligência.

A ideologia dominante na modernidade é aquela de ser necessário crescer

economicamente, se industrializar, urbanizar e fazer todo sacrifício possível para que

isso ocorra. Podemos encontramos isso dentro do esgotamento psíquico de um

trabalhador, mas também vemos isso dentro da forma como os recursos são utilizados.

Em outros termos poderíamos assumir que “o sofrimento no trabalho começa no

momento em que ele se torna patogênico, isto é, exatamente lá onde a parte criativa do

trabalho cessa” (MOLINIER, 2013, p. 60), de forma que a subjetividade deve ser

analisada enquanto dimensão das relações sociais de produção dentro do trabalho,

quando este se torna patogênico, e que pode ser visualizada a partir da forma como o

trabalho é subsumido. Portanto não é um problema individual, mas de todos, pois cada

um se relaciona direta ou indiretamente com as atividades laborais. E assim podemos

pensar que o trabalho na medida em que é recortado por uma esfera política produtiva,

pode fazer o corpo humano adoecer de várias maneiras, não só um adoecimento gerado

pelos ritmos de produção, mas também pelas dinâmicas da esfera político institucional.

Isso para pensarmos que há um processo de produção de valor, que necessita da

exploração do trabalho para se concretizar, utiliza mecanismos tanto nos meios de

produção como mostrado pelo quadro de Alves (2010), elementos da ordem estrutural

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do mundo do trabalho, bem como os mecanismos de controle da psique humana. Esses

elementos acabam por recair na vida humana de maneira que não há mais distinção

entre o tempo de trabalho e o tempo disponível.

Há uma automatização da consciência, que leva as características da organização

do trabalho para a vida pessoal e cotidiana da população. Esta é uma característica da

sociedade globalizada e estruturada em organizações, sendo essa discussão pertencente

à teoria das organizações, e aqui fica colocado que pensar na superação de condições

que desumanizam as condições humanas e sociais também se vincula à ressignificação

das relações sociais de produção. Todos elementos recaem sobre o território político

produtivo da Flaskô, e verificar tais elementos a partir da subsunção formal que ocorre

neste território, é uma maneira de verificar como a superpopulação relativa da Flaskô se

relaciona com o mundo do trabalho.

Assim sendo, dentro da Flaskô podemos pensar que há uma reflexão crítica

sobre o sentido do trabalho. Em outras palavras, as organizações são constituídas de

práticas, e essas práticas conformam as estruturas, e jamais as práticas serão ideais, elas

tendem a manter o mínimo para o funcionamento da organização, mas quando há uma

visão crítica sobre o fazer podemos associar podemos pensar em novas maneiras de

forma que

o indivíduo está ligado à organização não apenas por laços materiais e morais,

por vantagens econômicas e satisfações ideológicas que ela lhe proporciona,

mas também por laços psicológicos. A estrutura inconsciente de seus impulsos

e de seus sistemas de defesa é ao mesmo tempo modelada pela organização e

se enxerta nela, de tal forma que o sujeito a reproduz, não apenas por motivos

racionais, mas por razões mais profundas, que escapam à sua consciência. A

organização tende assim a se tornar não apenas a fonte do prazer como fonte da

angústia e sofrimento dos indivíduos que se ligam à ela. (JOB 2003 p. 41)

Assim, esse aspecto das organizações que inauguram o século XXI carregam

essas características que se ligam a forma pela qual as pessoas são controladas dentro da

organização, e que na Flaskô parece haver um tratamento distinto sobre o controle dos

ritmos de trabalho. Quando nos voltamos aos meios de produção e observamos a

questão da produtividade, estaremos de olho na forma como existe um controle da

consciência e do corpo das pessoas para que elas se adéquem a determinados ritmos de

produção. Entretanto isso não ocorre só na linha de produção, em outras palavras as

pessoas carregam para além da linha de produção resíduos do trabalho (como doenças,

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dores nas costas, dores nos braços, desavenças com os pares), bem como aqueles que

trabalham em setores administrativos.

Desta maneira, quando pensamos em termos de produção, a necessidade de fazer

com que as pessoas se mantenham ocupadas produzindo, sem pensar criticamente a

organização que compõe, muito menos pensando sobre o esclarecimento de sua

existência, se torna um mecanismo de funcionamento de forma que a subjetividade,

características relacionadas a autonomia do coletivo e do individuo, bem como o

desenvolvimento de novas relações sociais de produção se banalizem, em prol de maior

acumulação de capital. O detrimento da psique, do corpo e das relações sociais se torna

fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. Isto é necessário de maneira que

se efetive e efetue em determinados espaços a subsunção formal e real do trabalho, que

gera em grande escala uma superpopulação relativa, que fica parcialmente empregada.

Quanto maior forem os controles dentro destes espaços políticos e produtivos,

maior será o controle da reprodução de condições de mais valia absoluta e relativa,

incidindo então sob a esfera da produção e da política, podendo ser identificada pelas

condições de emprego e desemprego, bem como empregos informais, rotativos e

parciais. Quanto maior o controle sobre a produção voltada para a reprodução da

acumulação maior é a degradação social, humana e ambiental. Neste sentido, a

coletivização, a ressignificação das relações sociais de produção a partir da tomada da

propriedade privada e dos meios de produção em situação de falência, espólio ou em

decadência, é uma alternativa que constrói novas formas de organizar a sociedade e as

relações entre humanos porque aproxima as subjetividades. Todavia a lógica da

acumulação prevalece, e assim há inúmeras situações e problemáticas que recaem em

um território particular tal qual a Flaskô.

Tendo o entendimento de que dentro da fábrica existe possibilidade para o

trabalhador se ver de maneira crítica, quando identificamos características que

representam a autonomia, a liberdade de escolha, a razão crítica, o sujeito moral em sua

práxis, estamos diante de um novo significado para o trabalho e para as relações que

existem na Flaskô.

Isto porque os meios de produção são ocupados por outra forma de relação

social de produção, a forma solidária evidenciada sob controle operário. Entretanto,

conhecemos a racionalidade que engloba a fábrica, de uma maneira que a organização

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acaba cobrando os trabalhadores e causando os efeitos descritos, mas uma cobrança que

é composta pelo conjunto dos trabalhadores que definem e decidem os rumos da fábrica

em assembleia e estes entendem que tais decisões tem que relacionar tanto as dinâmicas

internas quanto externas à fábrica, bem como os fatores políticos e produtivos.

A compreensão da subsunção formal e real do trabalho, que recai sobre as

esferas do mundo do trabalho e também no mundo da vida, se caracteriza pela

existência de um exército de reserva, uma superpopulação relativa, mecanismos para a

reprodução de mais valia absoluta e relativa, condicionada por uma série de fatores

(relações de poder, ação comunicativa, política) em posse de poucos grupos, que

adentram a economia política e ao mesmo tempo a atravessa (chegando às esferas de

gênero, ambiental, tecnologia) reproduzindo determinadas relações sociais de produção

capitalista. Da alienação que as pessoas sofrem devido à dinâmica capitalista, utilizar o

referencial das relações sociais de produção que são reproduzidas parece uma condição

para compreender a racionalidade do capital e que deve estar orientado para além dos

meios de produção, se há a busca por uma nova relação social e humana. Daí que é

interessante observamos para condições particulares que existem na Flaskô

relacionando às ao referencial das relações sociais de produção.

3. RESULTADOS ALCANÇADOS

3.1 Condições particulares

O estudo de um caso de gestão por controle operário é singular porque nele se

manifestam as contradições que se escondem em geral nos modelos de gestão da Teoria

Geral da Administração. Assim sendo, quando na luta econômica a administração retira

dos trabalhadores “a consciência de serem explorados, sem suprimir as causas

essenciais dessa exploração” (MANDEL, 1979, p.285), temos um retrocesso que

escamoteia a contradição que o capital gera, que é na verdade não uma contradição mas

um método de funcionamento ancorado em diversos mecanismos desde o controle da

produção até o controle psicológico dos trabalhadores.. A vivencia na fábrica permite

uma abertura muito positiva e que tende a fortalecer o direcionamento do referencial da

relações sociais de produção.

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A própria pesquisa permite que é um embrião de novas relações sociais de

produção, estabelecida entre Flaskô e universidade, trabalhador e pesquisador. Para isso

o trabalhador é tratado de maneira distinta da forma convencional. A fim de resistir a

possibilidade de problemas relacionados a mais perda de direitos, os trabalhadores

optaram por classificar enquanto custo fixo o seu trabalho, de forma que ninguém na

Flaskô é demitido. Assim sendo, os problemas existem e eles são discutidos

francamente. Se os trabalhadores optassem por negar os problemas (de atrasos, ruídos

de comunicação interna e etc) estariam reafirmando a postura da TGA, criticada por

Tragtenberg, pois estariam apresentando deformadamente o real, como se não

houvessem tensões dentro da gestão da fábrica. Neste sentido, o caso da Flaskô pode

resultar em uma perspectiva que possibilita a compreensão destes elementos, desde o

aspecto humano até as dimensões estruturais e também da autogestão, tendo em vista

novas relações sociais de produção.

O caso das fábricas ocupadas, caso esse que no Brasil se restringe a poucas

ocupações, é um caso que escancara o discurso omitido da organização social, em

diversos sentidos. Aqui argumentamos que as relações sociais de produção devam ser

recriadas a partir de novos sentidos que os meios de produção possam ter, a partir das

pessoas organizadas coletivamente. Desta maneira, partir de uma fábrica ocupada para

compreender mais elementos acerca do mundo do trabalho, pode ser rico no sentido de

que há uma abertura maior para investigar a opinião dos trabalhadores acerca da

racionalidade capitalista e do trabalho. Todavia é importante lembrar que

a autogestão não surge em qualquer lugar, conjuntura ou momento. É necessária uma

conjuntura, um lugar privilegiado. Onde e quando ela surge porta, necessariamente, seus

elementos “possíveis”: a tendência à “generalização” e à “radicalização”. Para que a

autogestão se consolide, se amplie, ela deve ocupar os “pontos fortes” da estrutura

social que operam contra ela (LEFEBVRE 1966),

A tese permitiu olhar para o mundo do trabalho com olhares que se estendem

para além das condições produtivas de trabalho, mas que só poderiam ser vistas a partir

da realidade do trabalho das pessoas que constroem o dia a dia da fábrica Flaskô. Assim

como na literatura acerca das condições particulares que afeta o campesinato, existe a

configuração de certas relações sociais de produção no interior da fábrica que

qualificam determinadas caraterísticas particulares da fábrica, onde a autonomia dos

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trabalhadores na produção, até a questão da mobilização política, como táticas para

manter os postos de trabalho, são algumas destas características.

Por outro lado, essas condições particulares se restringem às relações dos

trabalhadores na fábrica, de maneira que isso faz com que a Flaskô se envolva com a

luta para além dos seus muros, por entender que “não existe o movimento de fábrica

ocupada com uma só fábrica”, diz Pedro e assim o enfrentamento não se dá apenas no

interior dos meios de produção, mas também nas esferas políticas de decisão que não

estão apenas relacionadas à administração da fábrica ou das relações externas com o

mercado, mas inclusive com a burocracia político institucional para além dos meios de

produção. Desta maneira, os trabalhadores possuem autonomia no que diz respeito se

apropriaram das máquinas, do ritmo do trabalho, criarem novas perspectivas e

significados para o trabalho, na medida em que tocam na questão da legitimidade da

propriedade - fábrica abandonada e quebrada vs fábrica ocupada e funcionando. Ainda

sim é vista uma situação de tensão no interior da fábrica, devido as retaliações que a

fábrica sofre de agentes externos.

Neste sentido, de um lado tem se o entendimento do mercado como demanda da

fábrica, no sentido de compreender melhor a competitividade, e de outro tem se outra

demanda que é o apoio político de movimentos, universidades, pesquisadores na

mobilização política, ambos com o intuito de manter a resistência da fábrica. Neste

sentido a Flaskô representa um território político produtivo sui generis porque não

apenas produz, mas também se envolve com a política institucional.

Se no caso do campesinato ele pode ser considerado um trabalhador sui generis

devido ao fato de possuir uma relação distinta com os meios de produção, que no caso

se vincula ao tratamento da terra, o trabalhador da Flaskô também pode ser visto sob

essa óptica, na medida em que possui outra relação com as máquinas, com a

organização estratégica da fábrica, com a propriedade privada e com a excedente que os

próprios trabalhadores geram, que direciona para um viés político que busca a

estatização da propriedade privada, fazendo sua legitimação social.

Os trabalhadores carregaram então os traços, códigos e símbolos deste território

complexo. Assim sendo, os resultados acerca do campo puderam evidenciar algumas

particularidades dos trabalhadores, que complexificam ainda mais o território a partir de

suas narrativas.

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As pessoas entrevistadas que durante a pesquisa de campo relataram histórias de

vida, problemas cotidianos, relações de trabalho, dificuldades pessoais foram Adélia,

Bitoca, Pedro, Josiane, Alexandre e Osvaldo. Adélia, que trabalha com compras,

apontou a necessidade de um sistema integrado para haver menos papelada. Na fala

dela, em que relata: “se vocês tivessem vindo ontem, vocês iriam ver um monte de

papel em cima da minha mesa”, ela mostra que teve de aprender a lidar com os

problemas da Flaskô na prática, aprendizado esse que foi a escola de muitos ali dentro,

seja no setor administrativo ou da produção.

Trabalhadores como Dema e Cumpadi Joao eram funcionários que estavam

presentes na época patronal e que, pelas vivências que tiveram na fábrica durante esse

período, puderam contribuir bastante para os rumos da empresa. Dema, que era o antigo

motorista, tornou-se o guia da Flaskô por entre clientes e fornecedores ensandecidos por

conta de uma má gerência que foi abandonada. Da mesma maneira, Cumpadi Joao, que

era operador na época patronal, tornou-se um dos mecânicos, devido às práticas e às

necessidades que a fábrica impunha ao trabalho das pessoas bem como o abandono dos

antigos engenheiros mecânicos que saíam da fábrica por mais garantia em outros postos

de trabalho.

Tanto Adelia, Dema e Cumpadi Joao tiveram que “aprender na marra”, na

prática, isso ocorre em todas as empresas, mas o fato é que trabalhadores da Flaskô são

considerados custos fixos e, portanto, possuem garantia de que os direitos serão

cumpridos uma vez que não podem ser demitidos. Uma situação que pode se contrapor

à essa condição são os atrasos de salário. Nos últimos 6 meses a fábrica vem passando

por dificuldades, que não aconteciam desde 2014, isso devido a crise do mercado e da

obsolescência do parque fabril. E, ao mesmo tempo em que não podem ser demitidos,

eles, ainda assim, não são os donos da fábrica e, por isso, precisam da auto organização

para encarar as problemáticas produtivas e estratégicas.

Bitoca e Xaolim são trabalhadores que moram na propriedade da fábrica e que,

quando conversamos, em meio a história de vida, sobre a fábrica, histórias essas umas

felizes, outras mais tristes e comoventes, que pudemos compreender as nuances do

mundo de suas vidas.

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Quando perguntávamos sobre a fábrica, não demorava muito para eles falarem

que moram na fábrica e que podíamos ficar à vontade nos dormitórios; logo em seguida

relatavam sobre a horta que possuíam no interior da fábrica e dos planos futuros.

Enfim, os trabalhadores, pelas suas falas, trazem muito mais que suas

características próprias: nelas também são encontradas dificuldades que a Flaskô passa,

e que ambos sentem na pele, como por exemplo o corte de energia na fábrica, que

acarreta na falta de luz e aquecimento em suas casas.

Conversando com o trabalhador Bitoca, ele menciona que “moro dentro da

fábrica e tenho uma horta”, da mesma maneira que na entrevista com Xaolim também

fica evidente essa característica.

3.2 Trabalhadores que moram na fábrica e atividades paralelas para arrecadação

de fundos

Bitoca e Xaolim são trabalhadores que moram na propriedade da fábrica e que,

quando conversamos, em meio a história de vida, sobre a fábrica, histórias essas umas

felizes, outras mais tristes e comoventes, que pudemos compreender as nuances do

mundo de suas vidas.

Quando perguntávamos sobre a fábrica, não demorava muito para eles falarem

que moram na fábrica e que podíamos ficar à vontade nos dormitórios; logo em seguida

relatavam sobre a horta que possuíam no interior da fábrica e dos planos futuros.

Enfim, os trabalhadores, pelas suas falas, trazem muito mais que suas

características próprias: nelas também são encontradas dificuldades que a Flaskô passa,

e que ambos sentem na pele, como por exemplo o corte de energia na fábrica, que

acarreta na falta de luz e aquecimento em suas casas.

Conversando com o trabalhador Bitoca, ele menciona que “moro dentro da

fábrica e tenho uma horta”, da mesma maneira que na entrevista com Xaolim também

fica evidente essa característica.

Uma das coisas mais importantes dentro dos movimentos sociais é a

solidariedade que existe entre as pessoas que estão envolvidas na construção da

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organização social. Nesse sentido, da mesma maneira que os trabalhadores optaram por

ceder o terreno da fábrica para a ocupação e construção de moradias, no interior da

fábrica, há trabalhadores que moram nas antigas casas que antes pertenciam aos patrões.

Durante as entrevistas para compor o mapa de problemas, o questionário pensado para

identificar as condições particulares estava preparado para perceber as condições que

pudessem ser percebidas como específicas do território da Flaskô.

Além da atividade produtiva, o trabalhador está alocado na fábrica, de maneira

que traz mais resistência no sentido de que há certos “noias que entram procurando

alguma coisa”, relata Xaolim. A partir disso, vemos a importância do porteiro dentro

dela, tendo em vista o fato de ele ser o primeiro a ver qualquer coisa estranha ocorrendo.

Os trabalhadores que moram dentro da fábrica possuem suas hortas que

beneficiam na resiliência da fábrica, mas também é visto como uma terapia pelos

trabalhadores. Isso só é possível porque há uma ocupação na qual os trabalhadores

optam por isso e apoiam tal atividade. Quando indagamos se gostam de morar lá, há

respostas distintas. Xaolim ressalta a vontade de ir para outro lugar, enquanto Bitoca já

não tem essa preocupação. A autonomia não está em morar lá dentro, mas ter tanto a

possibilidade de ficar quanto de sair e ter a possibilidade de definir e decidir sobre a

realidade vivida dentro da questão produtiva e política da fábrica. Em uma pergunta

sobre as tarefas dos trabalhadores, alguns relatam uma sobrecarga. Isso se deve ao fato

de que muitos trabalhadores possuem trabalhos extras fora da fábrica e também

realizam inúmeras tarefas na Flaskô. O caso de Bitoca e Xaolim é um caso que salta aos

olhos, por estarem alocados no interior do território da fábrica, garantindo, assim, maior

resiliência para as atividades, na medida em que possuem uma estreita relação com os

trabalhadores do chão de fábrica e, além disso, contribuem para outras formas de

geração de renda na fábrica.

Durante os diálogos foi possível ver em algumas respostas condições que estão

vinculadas às particularidades da Flaskô. A entrevista com Bitoca foi muito

interessante. Na medida em que conversávamos sobre as dificuldades encontradas

durante o trabalho, Bitoca construiu uma narrativa amistosa, ora falando do mundo, da

vida, ora falando do dia a dia da fábrica. Tais dificuldades foram apreendidas pelo

método do mapa de problema. “A rosca dá problema e às vezes não consigo produzir,

porque a máquina para”. Em meio às dificuldades, ele falava sobre ser violinista e

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cantor de música sertaneja, fato que revela outras atividades que os trabalhadores

realizam para além dos muros da Flaskô (o que, ao mesmo tempo, é visto como

necessário o fato de ter uma alternativa de renda devido ao atraso de salários) e que só é

possível, porque a fábrica estabelece uma jornada de 6 horas.

Da mesma maneira que existe uma série de condições particulares resultantes da

ocupação da fábrica, galpões abandonados se transformaram em espaços culturais, para

palco de peças de teatro, mobilizações políticas, acampamento, pista de skate, espaço

para grafite. Isso denota que há, então, uma apropriação do espaço para que sejam

organizados eventos que possam contribuir para a mobilização e visibilidade da fábrica.

Em outras palavras, da mesma forma que existe uma relação de permanência no

território, existe espaço para que outros grupos e pessoas que apoiam a fábrica possam

se alojar ou dele se utilizar.

3.3 Mobilização política é parte da atividade produtiva

Uma das coisas mais interessantes de se estudar num movimento social

enraizado socialmente como a Flaskô é verificar os enfrentamentos gerados frente aos

pensamentos e práticas dominantes no sentindo material e simbólico, tendo em vista que

movimentos como esse ocupam produtivamente o espaço, criam possibilidades de

moradias, estimulam o engajamento político bem como a cultura.

No mês de agosto de 2016, como já o dissemos no início deste trabalho, a

fábrica recebeu um aviso da CPFL de corte de energia. Como resposta, uma das táticas

utilizadas pelos trabalhadores foi a ocupação do espaço da CPFL com outro movimento

social, o de luta por moradia dos moradores da Vila Soma, um bairro ocupado por mais

de dez mil pessoas que somou na luta e resistência da fábrica Flaskô frente aos cortes de

energia.

Daí que surge a importância na fala de Alexandre sobre “aqui optamos pelo

achatamento salarial”, que a priori parece um termo que se refere à um rebaixamento

dos valores, mas que diz mais a um ponto de equilíbrio entre os salários dos

trabalhadores; é na Flaskô onde a categoria de porteiro tem o maior salário em relação

às outras empresas da cidade”, tendo em vista que qualquer emergência, desde a CPFL

até interventores do estado, o primeiro que vê e dá o sinal de ação é o porteiro.

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Os trabalhadores são engajados na produção, e é nas palavras de Manu que

vemos isso, quando aponta que “aqui nós a gente sabe que o resultado é para nós

mesmos”. É por isso que os trabalhadores do chão de fábrica possuem uma dinâmica de

trabalho que permite conhecerem cada setor da produção.

Há, por outro lado, a questão da relação entre chão de fábrica e setor

administrativo que possui uma série de ruídos, inerentes ao modelo de produção em que

existe a divisão do trabalho.

Um desses problemas se relaciona ao período de trabalho, de forma que há casos

em que os trabalhadores acabam ficando parados por não terem como produzir, questão

essa que o mapa de problemas apresentado neste projeto na seção sobre o método tratou

de apreender. Existe um posicionamento ideológico dentro da fábrica que lida com o

trabalho de modo distinto. Ressalte-se, nesta reflexão, a questão da subsunção real e

formal do trabalho, de maneira que ele é tratado distintamente da questão comumente

imposta nos ritmos de trabalho.

O regime é CLT. O registro da fábrica está no nome de um dos trabalhadores

(Pedro). A carga horária é de 6 horas diárias. Há três turnos. Operam sete máquinas,

sendo quatro delas produtoras dos produtos finais; uma máquina de mistura da matéria

prima; uma máquina de reciclagem de refugo, material reciclável e matéria prima em

não conformidade; uma máquina para a manutenção de máquinas; dois conjuntos de

equipamentos relacionados à gestão; o conjunto de computadores (5-6); o conjunto de

equipamentos da qualidade (computador, teste de densidade e de impacto) e, por fim, há

a máquina de resfriamento.

Por outro lado existem inúmeras adversidades que afetam o seu dia a dia e que

em certos casos afetam diretamente a remuneração. Essa é uma situação incomum.

Pedro, Cumpadi João, Alexandre e outros trabalhadores apontam que o atraso da

remuneração é uma situação que não afetava a Flaskô há mais de dois anos atrás, mas

que começou a incidir diretamente sob a fábrica quando a economia como um todo

entrou em crise acometendo os mercados de todo mundo.

Para além da economia, a Flaskô também se projeta em direção à esfera política,

visto que busca a consolidação de um grupo de trabalho para lidar com o futuro da

fábrica no sentido da adjudicação. Com a posse do atual governo golpista, essa

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estratégia foi praticamente extinta. Houve uma situação para a qual a fábrica convocou

os movimentos sociais e pesquisadores:

Considerando que em pouco mais de 30 dias entramos em dezembro quando a

demanda por peças cai gritantemente, e que a previsão de retorno como nos

ensina a tradição é para depois do carnaval; Considerando que estamos com

dois salários inteiros, agosto e setembro, além de diversas férias em atraso, e as

perspectivas de final de ano não apontam melhoras significativas a ponto de

alterar esses atrasos de maneira suficientemente grande; Considerando que

temos meses de atraso nas contas de energia (CPFL), sendo uma de 118 mil

outra de 103 mil e outra ainda de 62 mil, além de parcelas nos acordo;

Considerando que nosso objetivo de luta é salvar os empregos e manter as

atividades da fábrica Flaskô [...]. Aproveitamos, assim, durante a 7ª edição do

Festival Cultural da Flaskô, e o histórico da articulação do movimento

operário, camponês e estudantes/professores, para apresentar a Convocatória

Em Defesa Da Luta Dos Trabalhadores Da Fábrica Ocupada Flaskô.

(FLASKÔ, 2016 p. 2)

3.4. Trabalhadores que vieram da academia: Josiane, Pedro e Alexandre

Quando pensamos em uma fábrica logo imaginamos elementos industriais

compondo majoritariamente os cenários imaginados. Esquecemos muitas vezes que

existe um trabalho intelectual por detrás de cada posto de trabalho. Para além do

trabalho abstrato que reside nas atividades de cada trabalhador, encontramos na fábrica

Flaskô o perfil peculiar de alguns trabalhadores que vieram do contexto acadêmico.

Dentro da fábrica existem três trabalhadores com este perfil. Dois vieram da

Unicamp (Pedro Santino e Josiane Lombardi) do curso de ciências sociais e o terceiro

(Alexandre Mandel) veio do curso de direito da PUC. Josiane trabalha no setor de

mobilização da fábrica e é responsável por realizar a conexão com os movimentos

sociais, realizar eventos, festivais e também por fazer a divulgação das atividades da

fábrica. Ela é uma das trabalhadoras que reside na propriedade da fábrica. Vale ressaltar

que essa estadia é permanente, mas está atrelada não a uma necessidade da Flaskô em

manter a trabalhadora no local de trabalho, mas por sua própria escolha. É uma situação

particular. A trabalhadora é doutora em sociologia e trabalha no setor de mobilização.

Os outros dois trabalhadores são particulares devido às atividades que exercem

na Flsakô e que é de fundamental importância para que a fábrica possa se manter.

Pedro é formado em ciências sociais, mas exerce um cargo de administrador e

controladoria financeira dentro da fábrica. É uma das pessoas responsáveis por gerir as

contas da fábrica, a carteira de clientes, negociação com os fornecedores, nas suas

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próprias palavras, um faz de tudo que a fábrica demanda. Sua participação na fábrica se

inicia com a ocupação em 2003, ano este de mudança da rotina da Flaskô, essa que a

partir deste momento passa a ser gerida pelos trabalhadores. Pedro é responsável pela

estabilidade financeira, por agregar as informação e apresentar aos trabalhadores do

chão de fábrica e administrativo de maneira clara e simples.

Ainda que exerça esta função, ele aponta a dificuldade de manter todos os

trabalhadores informado no sentido de que existe muitas informações que não chegam a

todos devido a diversos motivos, como por exemplo o absenteísmo em reuniões. Sendo

esta uma deficiência da fábrica, o trabalhador aponta que, falta burocracia no sentido da

sistematização e organização das atividades da fábrica. Este desabafo do trabalhador

tem mais relação com o acúmulo de tarefas que os trabalhadores possuem, levando a

desvios na produção (tempo perdido, processos não registrados e etc), e menos com a

busca pela burocratização do trabalho, até porque isso descaracterizaria por completo as

atividades da fábrica.

Durante os anos foi possível ver que a postura do trabalhador é aquela de

enfrentamento dos problemas e problemáticas geradas pelo capital, de maneira que

existe uma forte conexão com o discurso de superação do capitalismo. Essa é uma

postura que conflui com a ideologia da fábrica e de sua função social. Assim sendo, nas

suas próprias palavras “na Flaskô o trabalhador tem autonomia (...) não temos nada à

esconder”, reforçando que a fábrica é de todos e que é aberta para quem quiser

conhecer, pesquisar e dar suporte. Uma de suas funções é compreender o mercado, a

situação da fábrica e a disponibilidade de recursos que a fábrica possui, e assim também

cumpre um papel de mobilização frente ao mercado, na medida em que estimula as

parcerias com movimentos sociais e sindicatos, busca negociar com o Estado e o

município e estreita os laços com outros agentes do mercado. Pedro aponta inúmeras

dificuldades, mas parece que o preconceito político e o descaso que existe por detrás

dos boicotes que a fábrica sofre criam situações críticas para quem está lá. Ele aponta

que a polícia federal já foi atrás de seus bens, e na sua fala “eles queriam levar meu

carro velho, eu falei, pode levar é a única coisa que eu tenho...”, de maneira que essa

tática do governo tem como objetivo mitigar a capacidade de resistência da fábrica. Essa

perseguição individual dos trabalhadores recai diretamente na subjetividade de cada um

de forma negativa e além das dificuldades apontadas ao longo desta tese, esta é uma

problemática humana extremamente delicada, porque fica um clima de desconfiança

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dentro da fábrica quando há essas perseguições. Daí que o setor jurídico da fábrica é

importantíssimo.

Assim, a figura do advogado Alexandre Mandel é importante para a fábrica e

seus trabalhadores por vários motivos. Como abordado no decorrer da tese, a fábrica foi

abandonada pelo patrão, deixando uma cifra milionária de dívidas com agentes do

mercado. Mais de 200 processos envolvendo a fábrica tramitam pelos tribunais

municipais e federais, de maneira que Alexandre tem que lidar desde casos trabalhistas,

até institucionais. Neste sentido, as dívidas deixadas pelos patrões além de implicar na

batalha dos trabalhadores para resgatar as quantias referentes a cada processo, recaem

também diretamente na reputação da fábrica como um aspecto negativo. Devido às

dívidas contraídas a fábrica não consegue acessar fundos de investimento e crédito no

banco. A necessidade de um advogado na fábrica é essencial, pois além dos

trabalhadores lesados pelos antigos donos, a fábrica sofre inúmeros ataques tanto do

setor privado quanto do setor público.

Desta forma, parte dos ataques acabam gerando problemáticas dentro da Flaskô,

o exemplo prático de como as dívidas impactam na vida dos trabalhadores é quando a

CPFL corta a energia da fábrica por conta dos atrasos no pagamento. Essa é sempre uma

situação delicada para a fábrica. A única saída que possuem é através da negociação e

mobilização política dos movimentos sociais para conter e estancar a sangria gerada

pelas ações destes agentes, no caso a CPFL. O papel do advogado é tanto mais

importante em audiências e conferências públicas, sendo a voz dos trabalhadores da

Flaskô em ambientes formais. É uma participação importantíssima, de maneira que o

advogado militante participa de diversos eventos divulgando o caso do controle

operário. Atualmente faz parte da Esquerda Marxista, organização de formação política

que segue as diretrizes da Corrente Marxista Internacional, de maneira que a Flaskô

recebe apoio do país inteiro.

Durante o último corte de luz realizado pela CPFL no início de abril de 2017, na

conferência que a fábrica realizou relatando as dificuldades que passava, Alexandre

comenta que “a CPFL disse que a Flaskô é a única fábrica que eles tem medo, por causa

do poderio bélico da fábrica, porque veio moção, email, mensagem no inbox, de todos

os cantos do Brasil pedindo para religar a luz na fábrica”.

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Josiane, Pedro e Alexandre são exemplos da importância da relação entre

universidade e indústria. Mesmo com diplomas do ensino superior, o salário dos três

trabalhadores não é superior, em outras palavras há o que é chamado de achatamento

dos salários, uma estratégia que equilibra os salários dos trabalhadores. No sentido da

emancipação do trabalho, assumem um papel que revela a potencialidade das relações

entre conhecimento e trabalho. Além de cada um fazer suas rotinas de atividades, estão

sempre na luta política mobilizando, motivando e incentivando os trabalhadores da

Flaskô a lutar pelos postos de trabalho: Josiane na busca de atividades e eventos de

cunho social que possa trazer visibilidade para a fábrica; Pedro se relacionando e

negociando com o mercado e com figuras de influência para conseguir recursos para a

fábrica; e Alexandre como uma defesa político institucional dos trabalhadores. Esses

três trabalhadores são importantíssimos para a fábrica dentro do contexto político.

3.5 As máquinas são apropriadas

Henrique Novaes (2005) salienta a necessidade de que a Tecnologia seja

apropriada e apontando sete formas em que a adequação pode ocorrer:

1)Uso: O simples uso da tecnologia (...) com a condição de que se

altere a forma como se reparte o excedente gerado.

2)Apropriação: implica em uma ampliação do conhecimento, por

parte do trabalhador, dos aspectos produtivos (...) gerenciais e de

concepção dos produtos e processos, sem que exista qualquer

modificação no uso concreto que deles se faz.

3)Revitalização ou Repotenciamento das máquinas e equipamentos:

significa não só o aumento da vida útil das máquinas e equipamentos,

mas também ajustes, recondicionamento e a revitalização do

maquinário. Supõe ainda a fertilização das tecnologias ‘antigas’ com

componentes novos.

4)Ajuste do processo de trabalho: implica a adaptação da organização

do processo de trabalho à forma de propriedade coletiva dos meios de

produção o questionamento da divisão técnica do trabalho e a adoção

progressiva do controle operário

5)Alternativas tecnológicas: implica a percepção de que as

modalidades anteriores, inclusive a do Ajuste do processo de trabalho,

não são suficientes (...) sendo necessário o emprego de tecnologias

alternativas à convencional. A atividade decorrente desta modalidade

é a busca e seleção de tecnologias existentes.

6)Incorporação de conhecimento científico-tecnológico existente:

resulta do esgotamento do processo sistemático de busca de

tecnologias alternativas e na percepção de que é necessária a

incorporação à produção de conhecimento científico-tecnológico

existente. Atividades associadas a esta modalidade são processos de

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inovação de tipo incremental, isolados ou em conjunto com centros de

P&D ou universidades.

7)Incorporação de conhecimento científico-tecnológico novo: resulta

do esgotamento do processo de inovação incremental em função da

inexistência de conhecimento suscetível de ser incorporado a

processos ou meios de produção para atender às demandas por AST.

Atividades associadas a esta modalidade são processos de inovação de

tipo radical que tendem a demandar o concurso de centros de P&D ou

universidades e que implicam na exploração da fronteira do

conhecimento. (NOVAES 2005 p. 20 – 22)

Deste pequeno mapeamento dos distintos níveis em que um empreendimento

autogestionário poderia se encaixar especificamente na AST, é necessário que este

discurso esteja em interação com a realidade do setor em que cada empreendimento se

encontra. No caso da Flaskô Eles (1) usam a tecnologia e distribuem o excedente de

maneira distinta em relação à outros empreendimentos, (2) se apropriam do

conhecimento ampliando o saber produtivo e gerencial, sem haver alteração do uso

concreto do saber, (3)(6) já houve revitalização e conserto de máquinas com

incorporação do saber científico-tecnológico, (4) ajusta o processo de trabalho à

concepção do controle operário e (5) percebem a necessidade do incremento

tecnológico. A necessidade de investimentos para pequenos e médios empreendimentos

e para fábricas recuperadas, cooperativas e empreendimentos autogestionários, se ve

cada vez mais necessário enquanto há uma perspectiva de avanço da economia

solidária, tendo em vista o acesso à novos processos e produtos.

A defesa em luta dos trabalhadores gira em torno das esferas políticas e

culturais. . Isso se deve ao fato de que a técnica e a tecnologia não são neutras, ou seja,

sempre há perspectivas, desejos, vontades, sustentado sua utilização e aplicação e que

submetem novas visões de mundo à um padrão de ordem, que possui contradições.

Além disso, há ideologias, agendas, estratégias que perpassam as práticas que envolvem

tais técnicas e tecnologias. De maneira que tal postura afeta diretamente a reprodução de

novas relações sociais de produção de maneira negativa.No caso da Flaskô, todas as

máquinas foram apropriadas pelos trabalhadores e legitimadas socialmente, visto que

são direcionadas para a reversão das dívidas que os patrões deixaram, em recurso para

colocar em funcionamento a fábrica, transformando máquinas que foram abandonadas e

sucateadas em máquinas produtivas. Houve uma série de modificações nos

equipamentos, como a adaptação de peças em outras máquinas, sem contar que os

trabalhadores do chão de fábrica tiveram que adaptar suas práticas. Entretanto de meses

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em meses as máquinas sofrem leilões elaborados pelo município pressionado pelo setor

privado, buscando boicotar a produção da fábrica.

Vale ressaltar a importância de outros estudos já feitos sobre a Flaskô. Um

destaque especial deve ser dirigido ao grupo de pesquisadores que revitalizou com os

trabalhadores do chão da fábrica uma das máquinas entre os anos de 2011 e 2012,

conforme mostra a imagem abaixo:

FIGURA 6: Máquina recuperada pelos trabalhadores da Flaskô

Fonte: própria

Partindo dos pensamentos do escritor Warck Mackenzie (2004), os trabalhadores

hackearam as máquinas, fizeram uma adaptação sociotécnica, ou, no português mais

claro e coloquial, “fizeram uma gambiarra” que, até hoje, permite o funcionamento das

máquinas.

Outra reflexão advém do caso Flaskô: os trabalhadores dão outro sentido para a

informação gerada por sua existência, apontam e revelam novas diretrizes e caminhos

que poderiam ser seguidos, e, a partir disso, questiona-se: e se a Flaskô não tivesse as

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dívidas deixadas pelo patrão, como ela estaria? Essa é uma pergunta que afronta

diretamente o capital.

O padrão de qualidade da Flaskô é muito importante para as atividades da

fábrica. É deveras relevante para ela a verificação das matérias primas, da mistura e da

qualidade final do produto acabado, primando por um padrão de qualidade Flaskô. Esse

cuidado é uma das forças que contribui para que os clientes fiquem satisfeitos com o

produto, como mostrará abaixo o Mapa Radar (Figura 8). No entanto, a fábrica tem

dificuldade em conseguir os certificados para conseguir outros nichos de mercado por

causa dos custos para isso.

Enfim, o que acontece é que existem problemas diversos relacionados às

operações materiais às quais qualquer empresa estaria sujeita, ou seja, a Flaskô não é a

única que sofre com altos custos operacionais. Todavia, é importante pontuar que há

condições específicas que só existem na Flaskô e que condicionam o território

produtivo em terreno político produtivo.

Pois bem, em outras palavras, o sucateamento da fábrica está relacionado aos

problemas da industrialização brasileira que culminou nas políticas de reestruturação

econômica dos anos noventa e dos quais resultou em um aumento da competitividade

no setor. Tais problemas foram se acentuando, foram eliminando pequenos e médios

produtores que não tinham capacidade de se manter no mercado no longo prazo, e,

assim, na medida em que houve tal acirramento, o impacto na Flaskô também ocorreu.

A partir disso, a necessidade de compreender melhor a perspectiva e forma de

participação e protagonismo dos trabalhadores e das trabalhadoras da fábrica é parte da

questão das atividades político produtivas.

É sabido que os altos custos operacionais são um problema inerente a qualquer

empresa. Entretanto, há elementos que não estão ligados à administração da própria

empresa. Em outras palavras, elementos ligados à estrutura e à conjuntura também

impactam diretamente no funcionamento da fábrica. Nota-se, de um lado, uma

conjuntura política externa, aquela que diz respeito às decisões políticas que recaem

sobre o desenvolvimento direto da fábrica, e, por outro, a própria estrutura interna de

enfrentamento ao capital. No Manifesto de Emergência dos Trabalhadores da Fábrica

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Ocupada Flaskô, divulgado pela fábrica no 7° Festival de Cultura (05/11/2016), a

situação da fábrica mostrou-se crítica, devido à conjuntura da política externa:

Considerando que a situação econômica do País é gravíssima e seu impacto nas

atividades econômicas são seríssimos, levando a grande atraso nos salários, por

todo o país o que vemos é o maior caos econômico da história, fruto da

sabotagem organizada pelos bilionários que decidiram tomar o poder de assalto

via um golpe parlamentar, o impacto n economia será sentido por décadas, caso

não parecemos as ameaças sobretudo na PEC 241 (agora, no Senado, PEC nº

55). Considerando que com a assunção do “novo governo Temer” as

possibilidades de negociação com o governo Federal estão praticamente

esgotadas (FLASKÔ, 2016 p. 2)

Esse posicionamento da fábrica se faz necessário, devido ao fato de que as

condições políticas são muito delicadas após o governo golpista assumir o governo. Isso

para pensar que se a situação da Flaskô era complicada nos governos do PT, no tual

governo golpista do PMDB vemos o acentuado desgaste das leis trabalhistas (alteração

na lei sobre terceirização e na reforma da previdência), de forma que a estabilização da

situação da Flaskô fique mais distante, uma vez que necessita diretamente da

participação do governo para sua regularização jurídica. Em outras palavras, se no

governo Lula, a estatização não estava no “cardápio” e no governo Dilma, só foi criado

um grupo de trabalho no Ministério Público, no atual governo Temer, as negociações

cessaram e a possibilidade da adjudicação, uma das estratégias utilizadas para fazer a

regularização da fábrica sob o controle operário, será obstruída.

Elementos externos à Flaskô caracterizam-na como um território sui generis.

Contudo, características que não estarão apenas do lado de fora da fábrica, mas também

dentro dela, revelam características distintas de uma fábrica tradicional:

Muitas conquistas foram realizadas justamente por não termos a apropriação

privada da riqueza. Conseguimos organizar melhor a produção. Reduzimos a

jornada de trabalho de 44 para 40, e depois para 30 horas semanais, sem

redução de salários. Criamos espaços democráticos como o conselho de

fábrica e a assembleia, tomando as decisões coletivamente. Houve um

progresso riquíssimo de avanço no processo de consciência dos trabalhadores

e combatemos a alienação do trabalho convencional do capitalismo. Criamos

um novo ritmo de trabalho e a pautamos a prioridade no caráter social da

produção. Criamos o projeto da fábrica de cultura, esportes, educação e lazer,

com centenas de atividades que mobilizaram várias crianças, jovens, toda a

comunidade, coletivos de cultura e a consolidação da vila operária e popular,

com 564 famílias. [...] Criamos o Centro de Memória Operária e Popular

(CEMOP), organizando publicações e o arquivo de toda esta história. [...]

recentemente criamos o Restaurante e Bar da Flaskô. [...] Organizemos a

resistência e façamos um pedido de solidariedade política e financeira, tudo

que for necessário para garantir as conquistas da luta da Fábrica Ocupada

Flaskô. (FLASKÔ, 2016 p.4)

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A postura da Flaskô em estabelecer os salários iguais e reduzir a jornada de

trabalho para 6 horas, ter a política de não ter demissão, ter achatamento dos salários

(uma aproximação entre os salários mais altos e os mais baixos) e ainda tratar o custo

com trabalhador como custo fixo e não variável são elementos que comumente não se

encontram nas empresas capitalistas.

3.6 A Flaskô resiste produzindo

Assim sendo a Flaskô conta com uma descentralização da decisão na medida em

que estipula assembleias e conselhos para realizar as deliberações. "Temos uma

assembleia que reúne todos os trabalhadores uma vez por mês. Nela são definidas as

diretrizes gerais sobre o funcionamento da fábrica e, como a execução disso requer um

trabalho cotidiano, é eleito o conselho de fábrica, com representantes de cada setor e

turno que se reúnem toda semana" (Pedro trabalhador entrevistado por RIBEIRO,

2013). De uma forma que existe um nível de participação coletiva que poderia se

assemelhar aos círculos de controle de qualidade (CCQ) presente nos sistemas

toyotistas, na medida em que há a participação dos trabalhadores na forma como a

fábrica é organizada, gerida e também sobre seu funcionamento, mas que se distancia

do método toyotista na medida em que o excedente produzido pelo método toyotista, do

qual se deriva da expropriação do trabalho e da necessidade deste ser subsumido à

imposição das ordens advindas dos detentores do capital, no caso o acionista, enquanto

na Flaskô “nós produzimos para nós mesmos” argui um trabalhador no curta metragem

de Guayaneche (2013), revelando que a participação dos trabalhadores nas atividades

não tem o caráter de simples colaboração, mas de solidariedade na medida em que nas

próprias palavras dos trabalhadores, eles trabalham para eles mesmos, os excedentes são

decididos em deliberações coletivas, as dificuldades afetam tanto o administrativo

quanto o chão de fábrica dentre outras características. Desta maneira essa gestão

peculiar deve lidar com problemáticas políticas e econômicas.

A partir da relação com alguns dos clientes da Flaskô foi possível identificar

algumas características do mercado no sentido de que a preocupação com a logística, a

qualidade dos meios de produção é um fator julgado importante para as empresas que

negociam com a fábrica. Além disso, as firmas confiam também nas relações que

possuem com a fábrica. Ainda que genérica esta primeira análise, a identificação do

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mercado contribui para entender melhor o impacto que cada cliente infere no

faturamento, a partir da quantidade comprada, verificando por peso dos fatores essa

influência que o mercado exerce na fábrica.

Para a realização desta análise, é necessário multiplicar a quantidade produzida

pelo preço líquido do produto, e assim é possível verificar o peso real da opinião de

cada cliente, com base na média de produtos consumidos por mês demonstrado no

faturamento. Há certa dificuldade de contato com os clientes, tendo em vista a demora

para as respostas ou dificuldades em comunicação com os mesmos. De qualquer

maneira, é possível pensar algumas relações acerca dos dados coletados.

Vejamos alguns resultados:

FIGURA 7: Mapa Radar

Fonte: própria

Não é possível tirar muitas conclusões acerca do comportamento dos clientes da

Flaskô, tendo em vista que há uma amostra limitada para compreender todas as

dinâmicas da demanda. Todavia, na medida em que há uma maior resposta por parte dos

clientes, maior é a capacidade de que a fábrica possa aprimorar suas operações

relacionadas aos canais de distribuição e atendimento.

O fator “quantidade consumida” está vinculado à quantidade consumida por

mês, de maneira que, para aprimorar essa análise, é importante cruzar essa informação

com o preço de cada produto. Em síntese, nem sempre um cliente que consome a maior

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quantidade de produtos é o que gera um maior faturamento para a fábrica, por isso a

importância de estabelecer uma análise que vincule tanto a quantidade quanto o valor.

Os indicadores que mais pesam dentre as respostas dadas são aqueles que

incidem sobre a logística e qualidade.

Houve certo comportamento padrão em algumas perguntas, mas que novamente

deve ser considerado na medida em que há o incremento de novas respostas.

Dentro do indicador da confiança, “serviço técnico e pós venda de apoio ao

cliente” e “boa relação” receberam as notas máximas de todos os clientes. Já no

indicador de custo, a opinião dos clientes varia bastante. Há clientes que julgam

importante que a fábrica possua uma maior cartela de fornecedores, enquanto há

opiniões que apontam que isso é irrelevante.

No indicador logístico, os fatores “rapidez de entrega”, “pontualidade na

entrega” e “conformidade às especificidades de entrega do cliente” foram itens que

foram apontados com nota máxima.

Quanto à qualidade, também são três itens que são apontados com maior

relevância, “conformidade às especificações de qualidade do produto e da matéria

prima”, “padronização de processos”, “durabilidade dos produtos”.

Observe-se que, para o Cliente 3, o know-how é um dos fatores mais importante

e que se relaciona com o fator sui generis da fábrica, na medida em que sob uma série

de adversidades, desde a questão da falta de matéria prima ou da falta de conformidade,

problema com máquinas, questões relacionadas a cortes de energia e ainda a

problemática que envolve a questão da emissão de certificados, ainda assim a fábrica

consegue manter a qualidade do produto.

Pela análise de mercado, a sua demanda por atributos como qualidade e logística

é maior, tendo em vista as operações financeiras, o faturamento, bem como a qualidade

dos índices da empresa. Fica evidente, porém, que apenas compreender as dinâmicas de

mercado não é suficiente para compreender de maneira completa o caso da Flaskô,

porque aqui elementos sui generis da ocupação não ficam evidentes, mas elementos

vinculados ao caráter de ocupação permeiam em meio à política e economia. Entretanto,

estamos visando a novas relações sociais de produção, por isso que este estudo

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concentra esforços nas particularidades da fábrica como forma de identificar

problemáticas que afetam o trabalho e não apenas a reprodução do valor.

Nesse sentido, ainda que a autogestão e a economia solidária não tenham se

efetivado no mercado, tendo em vista uma série de fatores, o controle dos meios de

produção podem ser ocupados e resignificados localmente. Dessa forma, a racionalidade

capitalista se baseia em relações sociais controladas mediadas pelo capital, todavia,

quando há acentuados pontos de crise, há a possibilidade para que a sociedade civil

organizada tome os meios de produção, como Henri Lefevbre (1966) aponta.

Entretanto, ainda que com as crises haja a possibilidade para tais esforços, como

o do controle operário, a racionalidade capitalista de mercado acaba minando as

atividades de empreendimentos que questionam a lógica do capital como a economia

solidária e os movimentos que buscam outros sentidos dentro da organização do

trabalho, como o exemplo da Flaskô. Ela sofre com as flutuações de mercado como

outras empresas, e ainda está em uma situação delicada, devido à condição devedora

gerada pela administração patronal.

A Flaskô, pertencendo à geração do setor de plástico que faz a transformação

das resinas e dos insumos em materiais plásticos, pertence à cadeia que mais sofre com

essas flutuações, uma vez que não possui controle sobre os processos da cadeia de

produção. Todavia, como mencionado, não é apenas a Flaskô que se encontra nessa

situação, mas diversos negócios familiares e pequenos empreendimentos. Assim, há

sempre um risco inerente à submissão que esses pequenos negócios possuem, tanto em

relação ao cliente, quanto ao fornecedor, uma vez que há um oligopólio na cadeia de

produção.

Enfim, há um esforço duplo da fábrica: primeiramente, ela opera sob uma

estrutura decentralizada de decisão, resultado das deliberações de conselho e

assembleia; e outro de caráter econômico, ou seja, a condição estrutural em que a

fábrica se encontra condiciona a determinadas situações pelas quais ela fica à mercê do

mercado. Nesse sentido, quando a Flaskô propõe novas formas de organização dos

meios de produção, no caso o controle operário, e consegue se manter sob tais

condições, mostra a possibilidade para novas formas de organizar a decisão sob o

trabalho, ainda que apenas dentro de seu território, no entanto representando a

possibilidade para novas relações sociais de produção.

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3.7 Dificuldades e potencialidades do controle operário

A partir desta pesquisa foi possível conhecer as dinâmicas vividas pelos

trabalhadores tanto no seu dia a dia, quanto fora do período de trabalho e também

durante atividades como manifestações e conferencias. Assim sendo, foram

identificados pontos positivos e negativos pelo qual a fábrica passa. A criação do

CEMOP, da fábrica de cultura, a redução das jornadas de trabalho, extinção dos

acidentes de trabalho dentro da produção, ausência de controle centralizado, a

construção da Vila Operária, a reinvindicação por direitos, são elementos positivos da

luta da fábrica; o saldo devedor, a má reputação da fábrica no mercado, inviabilidade de

acesso ao crédito, setor econômico saturado, governo federal e municipal divergente à

ideologia da fábrica, são alguns dos elementos negativos.

Assim dificuldades enfrentadas pela fábrica giram sob diversos pontos, desde as

problemáticas econômicas até aquelas políticas.

Quanto às dificuldades é identificado que aquelas relacionadas ao mercado se

atrelam diretamente com o seu abandono, de maneira que o mesmo abandono que

resulta nas dificuldades de mercado no que diz respeito ao ônus gerado pela antiga

administração é também o motivo pelo qual a hierarquia típica de uma empresa

tradicional desaparece dentro dos moldes da Flaskô. Os trabalhadores procuram

defender os postos de trabalho que garantem sua subsistência, mas fica compreendido

pela pesquisa que é necessário um engajamento político, bem como uma saúde mental

em dia para trabalhar lá, porque as dificuldades surgem a todo instante. O ritmo de

trabalho em três turnos de seis horas, não impacta na produtividade como aponta Pedro,

quebrando o mito de que o trabalhador precisa trabalhar jornadas longas e em ritmos

cada vez mais acelerados.

Esta característica da fábrica revela um território político produtivo, pois na

medida em que há a produção das bombonas e tambores plásticos, há também

conversas, discussão e formação política para os trabalhadores se engajarem na luta e

resistência. Foi criada a Fábrica de cultura e também o Centro de Memória Operária

(CEMOP). Desta maneira, a própria forma de administrar a fábrica e a organização que

os trabalhadores estipulam são particulares. Contando com a descentralização da

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decisão, na medida em que estipula assembleias e conselhos para deliberação dos rumos

da fábrica, o controle operário se aproxima da autogestão e se distancia das formas

tradicionais de gestão e da teoria geral da administração.

Ainda que esteja dentro dos seus muros estimulando práticas solidárias, a Flaskô

tem que lidar com um mercado nada generoso e menos ainda solidário com a luta pela

garantia dos direitos sociais. Assim sendo, os instrumentos da administração são

absorvidos pela fábrica na medida em que se relaciona com agentes do mercado. Nesta

pesquisa foi feito um esforço em criar um “mapa radar” junto aos trabalhadores, um

instrumento de gestão com o intuito de fortalecer a relação que a fábrica tem com o

mercado, sob o entendimento de que compreender instrumentos da administração

contribui para que a Flaskô mantenha suas atividades, e isso significa que ela estaria

sobrevivendo frente a competitividade e transformando os ganhos em benefício para a

sociedade na medida em que sua função é social. Daí que o caso da Flaskô é intrigante,

porque na medida em que resiste, o faz mudando o conceito do que é uma fábrica. Isso

se evidencia de diversas maneiras, e que nesta pesquisa chamamos de particularidades.

Para além do território político produtivo, a fábrica sofre inúmeras criminalizações por

parte dos poderes jurídicos, uma vez que sofre com os danos deixados pelos antigos

donos. Além disso, todas as potencialidades geradas pela ocupação acabam sendo

ofuscadas, desde a luta por moradia e defesa dos postos de trabalhos, até a fábrica de

cultura. Isto porque, como já relatado em documento feito pelo juiz de Sumaré ao julgar

o caso da fábrica, “imagina se a moda pega”, no que Alexandre rebate falando

“queremos que a moda pegue”, a moda de ocupação e recuperação de fábricas. É óbvio

que para os empreendimentos privados e para o grande capital, quando o trabalho se

emancipa isso se torna um problema para a acumulação capitalista, de maneira que a

fala do juiz vai de encontro ao grande capital e não à luta dos trabalhadores. Somando

se às retaliações que a Flaskô tem que driblar, a CPFL, responsável por conceder a

energia, boicota as atividades da fábrica na medida em que corta a energia da mesma.

Se por um lado a CPFL se beneficia com a imagem de responsável socialmente

ao realizar, por exemplo, o CPFL cultura, por outro lado boicota a luta de trabalhadores

o qual o objetivo é manter os postos de trabalho e legitimar socialmente uma

propriedade abandonada pelos antigos donos, e o faz, dentre outras maneiras, através da

produção cultural na Fábrica de Cultura. A CPFL é no mínimo contraditória. A União,

seguindo o mesmo passo, não fica atrás. Os antigos patrões da Flaskô sucatearam a

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fábrica e a abandonaram a sorte, gerando dívidas exorbitantes, porém a cobrança vai

para os trabalhadores que resistem até hoje. Daí que surgem leilões das máquinas para

“pagar a dívida” o que é uma grande desculpa para na verdade acabar com as atividades

da fábrica. Essas problemáticas se estendem também para a questão de financiamento

das atividades, que pelo fato da fábrica ter o nome sujo acessar crédito para o giro de

capital se torna inviável. Isso fica ainda mais crítico, quando ao verificarmos que o setor

de transformação de plástico a Flaskô está na terceira geração do setor de plástico,

geração essa caracterizada por alta competitividade e também pulverizada, no sentido de

que há pequenas e médias indústrias espalhadas pelo Brasil, o que implica em altas

barreiras para entrada no mercado, que fica bem evidenciado em uma fala de Pedro que

aponta que se a fábrica tivesse os certificados que o mercado demanda, o portfólio de

cientes da fábrica cresceria, mas o fato de ser muito caros, faz com que essa seja uma

necessidade de longo prazo. Além disso, a Braskem é uma das competidoras no ramo

que a Flaskô está, e é uma multinacional que controla desde a produção de resinas, até a

das máquinas que fazem a transformação do plástico.

Desta maneira, a resistência da Flaskô é um símbolo de que a luta e a causa por

melhores condições de trabalho e garantia de direitos é um dever cada vez mais agudo

tendo em vista a atual situação política e econômica do Brasil. A Flaskô esbarra em

relações assimétricas de influência, critica a exploração da propriedade privada e aponta

ser possível dar outra função para a propriedade uma função social, caracterizando a

Flaskô como uma fábrica particular, singular, sui generis. Daí que a “moda não pode

pegar” segundo o juiz de Sumaré.

Pensar no surgimento deste caso é pensar nas ruínas do estado de direito e da

função da propriedade privada, o que nos levar a crer que há inúmeras rachaduras na

estrutura social do presente sistema, e uma dessas rachaduras é a forma como o trabalho

é explorado dentro de uma determinada forma de propriedade, no caso a propriedade

privada. Assim a partir do momento que a administração não consegue fazer o seu

papel, com técnicas, teorias e práticas, o saber e conhecimento do trabalhador entra em

cena, e na medida que são motivados pela necessidade de enfrentar o capitalismo para

manter e garantir os postos de trabalho, dão condições para que novas relações sociais

de produção sejam criadas e fomentadas. Isso é fundamental para o desenvolvimento da

solidariedade, porque ao olhamos para o mercado, que identifica apenas oferta e

demanda dentro da realidade, este estará fadado sempre a tendência à queda da taxa de

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lucro, o que significa que o capital precisa explorar cada vez mais, pois os lucros

possuem taxas decrescentes, ou seja, se não haver exploração do trabalho o lucro se

desgasta e não se regenera. Isto pode ser visto no termo congestion effects que nada

mais é quando continuar com as atividades de produção em determinado local já não é

mais rentável, o que implica na mudança da fábrica ou empresa do local, gerando

desemprego e problemas derivados da exploração econômica (poluição, exclusão social,

marginalidade), no caso da Flaskô os problemas principais foram dívidas e má

reputação, desemprego, mas os danos seriam maiores se os trabalhadores não tivessem

ocupado a fábrica. Os danos seriam maiores porque não haveria o desenvolvimento

cultural que teve devido à abertura que a fábrica da aos artistas, também não haveria a

Vila Operária, que foi construída na propriedade da Flaskô e a formação política e de

luta que a Flaskô carrega desde 2003 não existiria. Se a Flaskô está sujeita a qualquer

condição que as empresas convencionais estão, as empresas convencionais não estão

sujeitas às condições que recaem sobre a Flaskô, e por isso esta fábrica se diferencia das

outras. Isso porque, além do seu próprio significado, o trabalhador da fábrica é dono de

si mesmo, justamente pela ausência de patrão. A fábrica conta com um Conselho de

Fábrica e uma Assembleia geral, semanal e mensal, respectivamente, que tem como

objetivo definir as diretrizes da fábrica Além da já citada mudança para um turno de seis

horas, outra diferenciação é a questão de que ninguém na Flaskô pode ser demitido

sendo este um sentido distinto das fábricas convencionais. Com isso o a capacidade de

organização, o saber e o conhecimento do trabalhador e da trabalhadora são essenciais

para o enfrentamento das problemáticas diárias, e isso fica evidente também na fala de

uma das trabalhadoras que aponta que lá na Flaskô os resultados são para os

trabalhadores, eles trabalham para eles e pra mais ninguém. O significado da fábrica

existe por conta do esforço conjunto dos trabalhadores, o que leva a pensarmos que na

medida em que as horas de trabalho são definidas, como os turnos serão organizados,

qual a forma e o que fazer com o excedente produzido (excedente em contraposição à

lucro), quais serão os parceiros com os quais se relacionarão, a Flaskô e a autogestão

como um todo, da um passo em direção à redução da exploração do capital ao trabalho e

no limite a superação da subsunção real do trabalho, ou seja da dependência e

submissão da força de trabalho humana ao capital.

Diante dos casos de empreendimentos autogestionários e solidários como a

Flaskô, há a necessidade de incluirmos outras discussões, como as relacionadas à

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alteração do espaço e da sociedade, ao meio ambiente e à cultura, para além das

questões econômicas tendo como perspectiva um novo modelo de sociedade. Um

modelo que leve em consideração o desenvolvimento do trabalho como transformação

humana e não como instrumento de dominação, a resiliência e adaptação no território de

maneira a não gerar degradação ambiental, a construção da subjetividade como uma

construção coletiva e humana, e, portanto não uma que aliene e manipule.

Daí que vemos a potência do controle operário em resistir por mais de 14 anos às

tentativas do capital e da burocracia em fechar as atividades da fábrica. Mesmo tendo

alto custos operacionais a fábrica sobrevive e resiste produzindo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pergunta que fica é: e se a Flaskô não devesse o que deve, ou ainda se um

empreendimento fosse administrado pelos trabalhadores organizados, ela seria bem

sucedida? Podemos pensar que na atual situação de nosso país, vemos uma condição de

estagnação econômica e financeira, algo já enfrentado antes, nos períodos de recessão

da história econômica brasileira.

Dentro do mundo do trabalho pensar e praticar novas relações sociais de

produção pode ser muito difícil, pois existem esferas que se estendem para além da

produção e que deveriam ser entendidas para compreender melhor os desdobramentos

das relações dentro da produção. Partindo de um referencial teórico que explora as

condições do mundo do trabalho, que envolve então um arcabouço teórico que se

associa com a questão do trabalho e da mais valia, foi possível estabelecer eixos de

análise de outras esferas, que no presente projeto é o território, a tecnologia e a política,

para compreender como as relações sociais de produção quando vistas de outras

perspectivas, podem trazer elementos que caracterizam o trabalho que ocorre na Flaskô

como particular em relação a outros empreendimentos, fábricas ou empresas.

A partir da economia foi possível identificar uma relação sobre o

desenvolvimento econômico do país, do qual o crescimento econômico gerado pelas

rodovias do café foi extremamente importante para os movimentos de concentração e

desconcentração da economia brasileira que ocorre nos períodos de 1970 até os anos

2000. Isto para entender que os cafeicultores sempre estiverem por detrás da economia

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brasileira em associação com o capital industrial. Esta fase fica bem relatada nos

escritos de Wilson Cano (1990) quando ressalta o investimento que fazendeiros faziam

nas cidades. Com um buraco nas indústrias os governos tentam da partir da década de

1950, trazer investimentos para o país por vias internacionais, de forma que o capital

nacional perde folego e espaço, como bem apontam Ana Claudia Caputo e Hildete

Pereira de Melo (2009). Emerson Gonçalves de Lima (2006), Liana Maria da Frota

Carleial (1997), Aurilio Caiado (2000), relatam sobre como os efeitos das

industrialização tardia causa efeitos econômicos, que levam as firmas a agirem de

maneira a buscar mais vantagens competitivas, acontecendo movimentos dinâmicos de

desconcentração e concentração constantes da capital para o interior do estado, gerando

efeitos economicos como apontam Ricardo Silveira Orlando (2003), Wilson Cano

(1998), Paul Krugman e Anthony Venables (1996) que afetam a urbanização, o

território e a vida das pessoas nas cidades, que sofrem as consequências daquilo que é

chamado de forças aglomerativas (marshallianas), aquelas que impulsionaram o

crescimento econômico da RMC, e de forças de dispersão (congestion effects) aquelas

que afetaram a RMSP. Tais efeito incidem diretamente no território e no espaço como

muito bem ressalta Milton Santos (1994), Gilles Deleuze (1997) e Helena Rizzatti

Fonseca (2010), apresentando os efeitos que a economia causa nas relações que uma

cidade possui com o lugar.

E porque buscamos tão longe tal compreensão da economia? Para compreender

como o território da Flaskô se configurou e se adaptou conforme os desdobramentos

econômicos distintos e como este comportamento da fábrica configura relações sociais

de produção particulares sobrevivendo a uma lógica capitalista. Daí que pensamos a

fábrica enquanto um território político produtivo.

Aqui à luz de Milton Santos (2006) e Gilles Deleuze (1997) observamos a

potencia do território. Se para um há uma determinação territorial capitalista orientada

pela economia política, pro outro não há nada de determinado de maneira que há sempre

como entrar e sair de um território, mas o território nunca sai da pessoa. Seja de um

ponto de vista ou de outro, ambos tem um ponto comum de pensar o novo, o inventivo,

resgatar novas concepções e conceitos, e assim a questão central é como o território é

reinventado pelo trabalhador da Flaskô, pensando nas particularidades que saltam das

relações sociais de produção.

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Essas particularidades passam pela esfera da política e dos movimentos sociais e

disso podemos observar o MFO, a Vila Soma, movimentos estudantis, o MST, grupos

de RAP, coletivos de audiovisual, a Vila Operária, como alguns movimentos que

apoiam a causa. O MFO em específico é um movimento nacional que apoia a ocupação

de fábricas abandonadas pelos donos. Além dos apoios e da relação que a fábrica tem

com estes grupos, que acaba garantindo resiliência e força para que essas lutas

continuem, ela opta pela resistência e pelo estímulo à participação política de seus

trabalhadores, seja nas decisões da fábrica seja nas ruas se mobilizando, ou ainda, na

produção de arte como enfrentamento político.

Este enfrentamento visa demonstrar o quanto existem disputas políticas pelo

controle das relações de poder e que nesta disputa, os movimentos sociais e a sociedade

civil organizada são tanto mais atores, e não apenas massa de manobra. De uma maneira

que na atualidade o país vive um contexto delicado na medida em que houve um golpe

de estado no ano 2016 e que até o presente momento que essa tese é redigida a crise só

se acentua. O país vive sobre um espectro que ronda os partidos, a mobilização social e

a política nacional. Vivemos em uma crise sistêmica e estrutural dos poderes jurídicos,

políticos e que relaciona diretamente com a crise econômica que o país está. Neste

sentido o caso da Flaskô surge como uma trincheira contra o atual Estado arruinado por

políticas de austeridade. Se houve uma luz no fim do túnel para a fábrica, esta viria com

a estatização da fábrica, objetivo esse que garantiria a posse da propriedade aos

trabalhadores, do qual as dívidas que pagaria seria para a União, mas que garantiria as

condições para que a fábrica pudesse existir. Com o atual governo golpista essa luz fica

mais longe. Entretanto se tem alguém que poderia ter feito alguma coisa, mas não fez

foi o presidente Lula, que teve dois mandatos para estatizar a fábrica, mas não o fez

porque fez acordos com o grande capital e não com a classe trabalhadora.

O Estado mais uma vez usou a população como massa de manobra, e nas

palavras do próprio Lula “a estatização da fábrica não está no cardápio”. Não só a

Flaskô, mas todos os movimentos sociais que depositaram a confiança nos quatro

mandatos do PT, se frustrou e sentiu ser usado como massa de manobra.

Essa manipulação da opinião pública, e não apenas a opinião, mas também a

realidade social, o que consumir, onde trabalhar, o que estudar tem sido construída dia

após dia pelos governos reacionários.

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Este pensamento recai dentro das análises presente em Louis Althusser (1970) e

Michel Foucault (2010).Ambos partem de concepções distintas de como o

determinismo estruturalista, e a genealogia das relações de poder, saltam nas relações

que o Estado enquanto instituição, opera de diversas maneiras sobre a sociedade civil.

No caso citado, o lulismo foi o principal vilão da não estatização da fábrica, vilão

porque além de não fazer a estatização ocorrer, enganou os trabalhadores.

Seja a criminalização dos movimentos sociais, o controle psicológico capitalista

ou o descaso do Estado, os movimentos sociais também se relacionam com o mercado e

com o mundo capitalista, onde são muitas vezes contraditórios e mesmo assim, como

aponta Valmor Schiochet (2012) possuem formas e meios de construção crítica da

democracia.

Daí a importância de ver os limites dos movimentos sociais, mas ao mesmo

tempo vem o pensamento, como que vou pensar os limites, se certa vez (assistir

Goyeneche (2013)) o próprio judiciário disse “imagina se a moda pega?”, ao dirigir a

palavra aos trabalhadores da Flaskô quando questionados sobre o porque de não

estatizar se até mesmo o BDNES já havia demonstrado e aceitado que a gestão operária

daria certo? Uma alternativa que os trabalhadores buscaram foi a criação de um Grupo

de Trabalho junto ao Ministério Público para a adjudicação da fábrica sob o controle

operário, mas que com o governo interino, fica prejudicada. Dai a importância dos

comentários de Maria da Gloria Gohn (1995) quando relata a incapacidade do Estado

em atender as demandas da população “dando margem para atuação de grupos de

oposição” (p. 67). Como apontam os estudos de Novaes (2005), Henriques e Thiollent

(2013), houve na Argentina um processo mais intenso do processo neoliberal, de

maneira que apontam que lá as ocupação e recuperações de fábrica se deram em uma

escala muito maior. Evidenciando o quanto a sociedade civil organizada pode

influenciar enquanto um grupo de oposição ao Estado que não atende suas demandas.

Além disso, relatam o quanto é importante a apropriação do espaço e do território pelos

trabalhadores, a fim de que não haja apenas uma mera reprodução das formas de viver

caracterizadas pela expropriação capitalista, mas novas relações sociais de produção que

ressignifiquem o trabalho e o sentido do mundo do trabalho como um todo. Disso

partirmos para um pensamento sobre os marcos que delimitam as condições

particulares, aquele que se relaciona diretamente com a tecnologia, e daí a necessidade

dos trabalhadores em assumir o controle do maquinário e dos ritmos de trabalho, tendo

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em vista que a mais valia relativa se insere justamente no momento em que o controle

dos tempos e das rotinas são controlados. Este é o marco referencial que o trabalho

assume do início ao fim de suas colocações, na medida em que busca evidenciar

características que saltam a subsunção formal e real do trabalho, entendidas como

condições para a exploração da mais valia absoluta e relativa, respectivamente. Estas

condicionantes acabam gerando o que Karl Marx (1988) (2005b) e Maria Carmelita

Yazbek (2006) aponta como exército industrial de reserva ou ainda superpopulação

relativa, uma massa de trabalhadores que se diferenciam entre outras categorias

(desempregados, parcialmente empregados e inaptos), e que aqui é uma categoria de

análise para compreender o trabalho, na medida em que existe uma realidade de atraso

nos salários que é gerada pela situação em que a fábrica se encontra no sentido do atraso

de salários, de maneira que estes atrasos se refletem no recebimento parcial e que então

qualificaria o trabalhador como uma superpopulação relativa, categoria essa gerada

pelo próprio sistema capitalista. Isso decorre da subsunção real e formal do trabalho

como aponta Jose Ricardo Tauile (2009), e Karl Marx (2005). A lógica do capital é

transformar o trabalho em força de trabalho supérflua através da subsunção real e

formal do trabalho como relata Istvan Mészàros (2002) na necessidade de ir para além

do capital. Daí que identificar as formas de resistência dentro de setores produtivos

organizado pelos trabalhadores significa ver o que de diferente ocorre lá e que contribui

para que o trabalho não se torne apenas um mecanismo de uma cadeia de produção

capitalista.

Ainda sim, há elementos que se tornam difíceis de superar ainda mais no setor

da indústria, como a divisão do trabalho. Daí a necessidade que a ciência tem, de pensar

para além da visão tradicional de suas atividades. Se fossemos seguir à risca as

instruções da TGA como aponta Idalberto Chiavenato (1987), estaremos desarmados

para enxergar aquilo que Mauricio Tragtenberg (1974) e Fernando Carlos Prestes Motta

(1980) apontam que a TGA tem como função esconder e comandar as relações de poder

e principalmente as relações de classe que coexistem no sistema politico econômico.

Dentre outros elementos ambos apontam para a burocracia como elemento que

faz as operações acontecerem sob determinada lógica capitalista que pode seguir à

subsunção ou não. Daí que liderança e chefia são coisas distintas. Na Flaskô quando

pensamos no trabalhador, vemos então inúmeras condições que o atinge. A necessidade

de compreender como que a subjetividade se relaciona com o território, com o trabalho

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e com a política, é fundamental para compreender melhor o ser humano, tendo em vista

a psicodinâmica do trabalho apontar a necessidade de sempre associarmos os ritmos de

produção e de pressão no trabalho como algo inerente a psique de uma pessoa, como

aponta Cristopher Dejours (2012), e assim, tanto mais, a esfera política que perpassa a

fábrica recairia sobre a construção subjetiva do individuo.

O trabalho permitiu compreender algumas características sui generis como a

apropriação das máquinas, o vínculo distinto que os trabalhadores possuem com o

território e também a relação política que a fábrica possui com outras esferas

institucionais, como elementos que se vinculam à ocupação da fábrica, fato este

decorrente da condição macro econômica pela qual o país passou bem como a

necessidade dos trabalhadores em se adaptar às novas condições impostas pelo sistema

econômico. Desta tese foi possível verificar que a Flaskô possui um modelo peculiar, os

trabalhadores se dividem em 4 turnos e tem uma jornada de trabalho reduzida, de

maneira que a produção se mantém. Existem inúmeras dificuldades tanto locais como

globais resultantes de um sistema capitalista mundializado pela tecnologia, e assim

ainda que sob inúmeras dificuldades, os trabalhadores mantém os postos de trabalho.

“Eu chego a tirar 300 reais por show”, diz um dos trabalhadores “e aqui na

Flaskô eu moro aqui mesmo, tenho minha horta”. “Aqui eu posso ouvir música no talo,

sem me preocupar com barulho”, diz outro trabalhador, outros relatam que a liberdade

de não ter um patrão compensa os atrasos de salários. A subsunção existe na Flaskô,

mas ela é gerada por condições que escapam à possibilidade do trabalho, como por

exemplo uma ordem de compra de um cliente. Até o atraso de salários pode ser visto

sob uma condição específica que se origina a partir do abandono patronal. A diferença

da existência de uma subsunção do trabalho na Flaskô e de uma empresa tradicional,

talvez seja o fato de que na Flaskô isso é algo que pode ser discutido. Se os ritmos de

trabalho devem ser alterados, ou se os salários devem ser prioridade frente a uma divida,

ou como será o rumo politico da fábrica, e ainda quais eventos decidir apoiar, são

responsabilidades de todos. Inúmeras características que não caberiam aqui expor,

perpassam a fábrica Flaskô, de maneira que enquanto houver a consciência de que os

meios de produção devem ser transformados e resignificados, bem como condições para

que isso ocorra, como ressalta Henry Lefebvre (1966), será possível pensar em relações

sociais de produção que possam modificar os território respeitando a subjetividade de

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cada pessoa envolvida. Talvez o mais importante seja pensar que o caminho para além

do capital é possível ainda que possua inúmeras dificuldades.

A Flaskô tem resistido há mais de 14 anos e vem mostrado que a organização

social pode ser feita de outra forma, mais solidária e colaborativa. Mesmo com

particularidades advindas de um contexto de sucateamento e abandono dos antigos

donos, desde problemas com máquinas obsoletas até a problemática referente às dívidas

deixadas tanto para a União quanto para o setor privado, não foi uma barreira para que

as atividades na Flaskô se desenvolvessem. O momento atual de nosso país,

caracterizado por incertezas do lado do setor financeiro e tanto mais do sistema

judiciário, perseguições políticas, falta de condições estruturais para o desenvolvimento

da economia e, além disso, condições mundiais que afetam todas as escalas territoriais,

como aponta os teóricos da comunicação, tem corroído o desenvolvimento local e

nacional mas também tem aberto brechas para a ascensão da organização da sociedade

civil que não se compatibiliza com o atual modelo econômico político ou que deseja sua

modificação.

Existem muito mais coisas que não estão presentes dentro dos discursos, e que

então uma só disciplina ou um só método não poderiam ser capaz de entender a

magnitude do que acontece, até porque o que acontece é dinâmico. Da mesma maneira

as problemáticas que afetam a fábrica são extensas, e não se vinculam apenas a

problemas no interior da fábrica, mas também à conjuntura político institucional. O caso

mais marcante é o relato de praticamente todos os trabalhadores sobre como o cenário

político é desfavorável e a situação econômica do país é extremamente delicada. Na

presente pesquisa buscou se encontrar características particulares da Flaskô e de seus

trabalhadores que refletem em uma fábrica sui generis, marcada por mobilizações e

encontros políticos e também pela resistência protegida pela gerência de uma fábrica de

bombonas ocupada por trabalhadores, revelando uma resiliência sui generis à diversas

problemáticas econômicas, politicas, sociais e humanas e que coloca ainda mais a

urgência de pensarmos em novas relações sociais e humanas de produção no contexto

do mundo do trabalho.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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