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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS VINICIUS GHIZINI PROLETÁRIOS NA PAZ: A PARTE XIII DO TRATADO DE VERSALHES E AS LEIS DO TRABALHO NO BRASIL (1919-1926) CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

VINICIUS GHIZINI

PROLETÁRIOS NA PAZ:

A PARTE XIII DO TRATADO DE VERSALHES E AS LEIS DO

TRABALHO NO BRASIL

(1919-1926)

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa da Dissertação de Mestrado, composta

pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 15 de

dezembro de 2015, considerou o candidato Vinicius Ghizini aprovado.

Prof. Dr. Michael McDonald Hall (IFCH-UNICAMP)

Prof. Dr. Samuel Fernando de Souza (DIEESE)

Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva (IFCH-UNICAMP)

A Ata da Defesa, assinada pelos Membros da Comissão Examinadora, consta no

processo de vida acadêmica do aluno.

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Aos meus pais, Sonia e Ismar,

por acreditarem em toda esta história

Ao Dainis e à Gláucia,

por transformá-la.

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertação só foi possível graças ao carinho e cuidado de muitas pessoas que

estiveram ao meu lado nesta trajetória.

De Dainis Karepovs vieram o tema e presentes imprescindíveis: livros e mais livros.

Vieram, também, desde os tempos do Centro Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação

Perseu Abramo, os maiores ensinamentos sobre o ofício do historiador.

Tive em Gláucia Fraccaro o maior apoio, do início ao fim. Agradeço pelas longas

conversas, sugestões, apontamentos, debates e, sobretudo, por despertar em mim o

entusiasmo pela História Social. Posso afirmar com segurança que sem ela não haveria a

presente Dissertação.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Michael McDonald Hall, pelos ensinamentos, presteza,

paciência e pelas saudações bibliográficas.

É verdade que, neste processo, muitas vezes, eu não estive onde e quando deveria estar.

Michael McDonald Hall, por sua vez, sempre esteve no lugar e na hora certa, pronto

para oferecer os melhores caminhos.

Aos membros da Banca Examinadora, tanto de qualificação quanto de defesa,

Professores Doutores Fernando Teixeira da Silva, Samuel Fernando de Souza, Claudio

Henrique de Moraes Batalha pelos firmes apontamentos, por diminuírem meu ímpeto

conclusivo, corrigirem as rotas deste trabalho e pelas valiosas contribuições ofertadas.

Essa interlocução foi decisiva para os resultados aqui apresentados.

Aos funcionários da Biblioteca do Senado Federal, na pessoa da Subsecretária de

Pesquisa e Recuperação de Informações Bibliográficas, Maria Neves de Oliveira e

Silva, assim como a todos os funcionários do AEL e do Arquivo do Estado de São

Paulo.

Ao CNPq, por ter possibilitado esta pesquisa.

Aos professores e colegas de Graduação do Departamento de História da Universidade

de São Paulo (USP), fundamentais para a formação de minha experiência e consciência.

Faço questão, também, de mencionar meus amigos Gilnei, José Mauro, Guilherme e

Wesley, pelo abrigo e companhia na metrópole paulistana. Ao Mateus Bianchim e

Lucas Berga, pela amizade de todas as horas. Aos meus alunos, pela renovação semanal

da esperança.

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A Juraci Carreon Beraldi, pela leitura atenta e sugestões exatas e a Milena Gomes,

promissora historiadora que compartilhou comigo um dos mais importantes momentos

de descoberta desta pesquisa.

Agradeço, especialmente, aos meus companheiros de luta e caminhada, Moacir Romero,

Marcelo Moro, Matheus, Marcel, Felix, Grasiele e Cíntia, pela compreensão nas horas

em que mais precisei, e por construírem, cotidianamente, na prática, uma sociedade

mais justa, fraterna e solidária.

À Kennya, pelos sonhos que partilhamos.

À minha família, Sonia, Ismar e Mariana Ghizini, pelo incondicional apoio e amor.

Aos proletários de todo o mundo por, na guerra e na paz, fazerem a História.

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− Como resumiria você a situação dos

operários na paz?

Essa pergunta, feita por um jornalista a

um político, obteve a seguinte resposta:

− Os operários são a pedra em que se

assenta a paz.

João do Rio

(1919)

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Resumo

O Tratado resultante da Conferência de Paz de Paris, em 1919, incluiu em seu texto

final artigos concernentes ao direito social e às questões do trabalho. Esta pesquisa tem

como objetivo identificar os desdobramentos da Parte XIII do Tratado de Versalhes nas

discussões que orientaram parlamentares e o movimento operário brasileiro na Primeira

República. Para tanto fez-se uso de fontes como a imprensa operária e grande imprensa

de São Paulo e Rio de Janeiro, atas e compilações de debates parlamentares, decretos e

mensagens do Poder Executivo, correspondências diplomáticas e documentos

publicados por organismos internacionais, em especial a Organização Internacional do

Trabalho (OIT).

Palavras-Chave: Tratado de Versalhes - 1919; Movimento Operário; Organização

Internacional do Trabalho.

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Abstract

Articles concerning social law and labor issues were included in the final version of the

treaty resulting from the Peace Conference assembled in Paris, 1919. With this research

I aim at identifying the repercussions of Part XIII from the Versailles Treaty regarding

the discussions that influenced members of the parliament as well as the Brazilian labor

movement during the First Republic. For this purpose I analyzed sources such as the

labor press and the mainstream press from São Paulo and Rio de Janeiro; parliament

minutes and debate compilations; messages and decrees from the executive; diplomatic

correspondence and documents released by international agencies - mainly the

International Labor Organization (ILO).

Keywords: Versailles of Treaty - 1919; Labor Movement; International Labor

Organization.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AFL American Federation of Labour

BIT Bureau Internacional do Trabalho

CIB Centro Industrial do Brasil

CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo

CIT Conferência Internacional do Trabalho

CLS Comissão de Legislação Social

CNT Conselho Nacional do Trabalho

DET Departamento Estadual do Trabalho

DNT Departamento Nacional do Trabalho

DOU Diário Oficial da União

IFTU International Federation of Trade Unions

ILO International Labour Office

OIT Organização Internacional do Trabalho

PCB Partido Comunista do Brasil

SDN Sociedade das Nações

SFIO Section Française de l'Internationale Ouvrière

TV Tratado de Versalhes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 13

CAPÍTULO I DIREITO DO TRABALHO, A ÚLTIMA MODA EM PARIS.... 28

1.1. Paris, 1919................................................................................................................ 28

1.2. Paz e Justiça: do direito social às leis do trabalho................................................ 39

1.3. A Parte XIII.............................................................................................................. 44

1.4. A delegação brasileira na Conferência de Paz em Paris........................................... 52

1.5. Notícias da Conferência de Paz: as leis do trabalho na imprensa brasileira............ 58

CAPÍTULO II A CÂMARA DOS DEPUTADOS E A COMISSÃO DE

LEGISLAÇÃO SOCIAL (1918-1926).........................................................................

61

2.1. A constituição das Bancadas.................................................................................... 61

2.2. O Pecado Original e a Católica Pacificação............................................................. 67

2.3. As exceções tropicais: o Brasil na Conferência de Washington.............................. 76

CAPÍTULO III ALBERT THOMAS E A POLÍTICA DA PRESENÇA............. 93

3.1. A OIT e a Política da Presença................................................................................. 93

3.2. O Socialismo de Albert Thomas............................................................................... 96

3.3. A política da presença chega ao Brasil..................................................................... 103

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 115

ARQUIVOS.................................................................................................................... 121

FONTES......................................................................................................................... 122

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 125

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação começa na galeria de espelhos do Palácio de Versalhes, em

1919, e termina com as manifestações operárias no Rio de Janeiro e São Paulo, em

1926. Não sem antes passar por Washington, Genebra e pelo Congresso Nacional

Brasileiro. Nesse trajeto, a impetuosa ponte que liga o salão nobiliárquico à classe

trabalhadora é a luta por direitos.

No cômputo final da Primeira Grande Guerra (1914-1918) não restou

apenas mortos e feridos embora eles houvessem como nunca dantes mas, também,

conflitos nacionais, geopolíticos e sociais de difícil solução. Assim, a Conferência de

Paz, além de cuidar de espólios e fronteiras, incluiu um capítulo específico sobre

“trabalho” no acordo que viria a ser assinado pelas partes beligerantes. Eis uma

peculiaridade do Tratado de Versalhes.

De que forma um tópico sobre legislação internacional do trabalho foi parar

ali? Como esse debate chegou ao Brasil? Quais foram os segmentos do mundo jurídico,

parlamento e movimento operário que o rejeitaram decididamente ou fizeram uso dos

termos do Tratado de Paz como base para suas demandas?

Tais questionamentos sugerem um itinerário que passa pelo grau de

organização dos trabalhadores nos anos 1920 e a gênese de sua identidade. Claudio

Batalha discutiu como certas interpretações sobre a formação da classe trabalhadora no

Brasil foram marcadas pela percepção de uma “atipicidade”, ou seja, que os

trabalhadores no Brasil guardavam significativas diferenças em relação ao operário

modelar, descritos em textos clássicos europeus. Isso se devia, em parte, a “busca de

modelos justificadores e legitimadores de suas opções ideológicas e [...] estratégia

sindical”, por parte das correntes que atuavam no movimento operário1. Ao buscarem

referência no “típico” trabalhador industrial de sociedades europeias “avançadas”, esses

militantes e aqueles que adotaram seus discursos subestimaram o estágio de

desenvolvimento da classe trabalhadora no Brasil e, consequentemente, sua capacidade

de intervenção organizada. Ocorre que, como demonstra o autor, sequer os

1 BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920):

atipicidade ou legitimidade. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH-Marco Zero, v. 12,

n.23/24, set.1991/ago,1992, p. 117.

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trabalhadores europeus se encontraram nesse estado “típico”, modelar, com uma forma

pronta e acabada.

A contribuição de Claudio Batalha, nesse sentido, é fundamental para a

superação da busca pelo modelo ideal da classe trabalhadora sob a ótica estrangeira,

bem como, ajuda a compreender o movimento operário nos anos 1920 para além de

seus determinantes estruturais. Um dos principais desafios para os estudos sobre os

primeiros anos dessa década se encontra exatamente na série de limitações (sociedade

majoritariamente rural, economia cafeeira, incipiência das organizações sindicais,

trabalhadores estrangeiros) apontadas por análises como a de Boris Fausto:

É certo que as reivindicações ganharam ressonância ao se produzirem

em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Santos que, em grau

variável, desempenhavam um relevante papel político, comercial e

administrativo. Mas, como o peso da urbanização era relativo e não só

o eixo básico da economia como a fonte de poder das oligarquias se

concentrava fundamentalmente no campo, a massa urbana ficava

ilhada nos muros ideais da cidade, com escassas condições capazes de

alterar a correlação de forças entre as classes. Duas outras dimensões

estruturais devem ser levadas em conta no primeiro período da

formação da classe operária. Uma diz respeito às condições de oferta

do mercado de trabalho. Outra, à composição étnica da classe, com

predominância de estrangeiros2.

A leitura de que determinantes estruturais limitavam a atuação dos

trabalhadores e impediam sua efetiva organização pode sugerir que no período não

havia condições objetivas para a consolidação dos trabalhadores enquanto “classe capaz

de alterar a correlação de forças”, condições essas, vale reiterar, baseadas em um ideal

europeu. Batalha, por sua vez, demonstra que antes mesmo da década de 1920 já havia,

em diversas categorias, uma identidade comum que conferia legitimidade de classe a

esses trabalhadores e, acima de tudo, a própria consciência de classe se consolidava na

medida em que ampliavam as experiências de associações operárias. Desse modo:

A associação operária é a materialização da experiência comum no

decorrer da qual se constrói a identidade coletiva; mas é, ela própria,

um fator de reprodução dessa identidade. Isso não significa que o

surgimento de uma identidade de classe e da consciência em

determinada categoria ou grupo de trabalhadores só possam ser

2 FAUSTO, Boris. A Formação da Classe Operária: determinações estruturais. In: Trabalho urbano e

conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1977, p. 21-22.

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constatadas a partir de sua organização: elas se fazem presentes em

toda e qualquer manifestação de ação coletiva. Ocorre, porém, que no

ato de criação da organização se evidencia a vontade de estabelecer

uma identidade coletiva3.

Do mesmo modo que a consciência e a identidade se fazem presentes em

todas as manifestações de ações coletivas de trabalhadores, a luta por direitos

empreendida por esses grupos, ainda que limitada pelas condições estruturais da

sociedade brasileira do início do século XX, cumpria sua função de “arena para a luta de

classes”4, se não capaz de alterar a correlação de forças, suficiente para colocar em cena

a questão do trabalho.

Em certo sentido, a promulgação do Tratado de Versalhes e as demandas

por ele desencadeadas nos sindicatos e no parlamento têm sintonia com o que Dorothy

Thompson expressou a respeito de lutas paliativas:

A ideia de que o progresso da história estava definido pela

necessidade de derrubar o capitalismo e instalar uma sociedade sem

classes levou à percepção de que as únicas ações válidas da classe

trabalhadora eram aquelas que contribuíam para tal resultado5.

As conclusões da Parte XIII do Tratado de Versalhes, assim como, em um

momento posterior, as orientações e convenções da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), foram diversas vezes interpretadas como frágeis por aqueles que já

acompanhavam os debates sobre legislação do trabalho. A percepção de grupos mais

radicalizados do movimento operário era de que essas instituições surgiam fadadas a

serem tolhidas pelos próprios limites que se impunham, pois estavam calcadas em

valores abstratos como “conciliação”, “pacificação” e “harmonia nas relações de

trabalho”. Assim, a desconfiança com a qual parte do mundo do trabalho recebeu as

notícias do Tratado de Versalhes se amparava na acusação de que o mesmo era produto

dos mesmos grupos nacionais e internacionais responsáveis pela incessante exploração

dos operários.

A partir desse momento, no entanto, o argumento de que o Estado deveria

intervir na questão social para evitar maiores convulsões e mesmo revoluções sociais,

passa a ser abertamente defendido por juristas como Evaristo de Moraes, e por

3 BATALHA, 1992, p. 123. 4 THOMPSON, Edward Palmer. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros: uma crítica ao

pensamento de Althusser. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 110. 5 THOMPSON, Dorothy. Marxismo e História. Cadernos AEL. Vol. 11, N. 20/21, 2004, p. 214.

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parlamentares que simpatizavam com a causa operária, contrastando com a clássica

leitura de que os conflitos entre capital e trabalho seriam ajustados naturalmente.

Kazumi Munakata discutiu a força de iniciativa que o poder Legislativo teve diante das

questões trabalhistas ao longo dos anos 1910, ao passo que o Executivo adotava posição

de extrema cautela sobre o tema.

A partir de 1919 e da publicação do Decreto Nº. 3724, de 15 de janeiro de

1919, conhecida como a lei de acidentes de trabalho, a atividade parlamentar nesse

campo se intensificou6 e, apesar da desconfiança em relação aos pressupostos do

Tratado de Versalhes, houve reconhecimento de que o tema entrava na ordem do dia.

De acordo com Munakata:

Estas duas questões – o perigo da revolução e a ameaça da guerra –

constituem, portanto, os dois eixos sobre os quais o liberalismo

ortodoxo vai se deslocando. Tanto a relação entre as classes, quanto

entre os países não podem mais ser abandonadas na sua liberdade;

pelo contrário, em nome da harmonia social e da paz entre os povos,

elas devem ser reguladas, coordenadas e fiscalizadas, seja pelo próprio

Estado, seja por algum organismo internacional, como a Liga das

Nações7.

Em que pese o debate sobre “liberalismo ortodoxo” exigir mais atenção e

problematização, Munakata consegue captar que o poder legislativo encaminhou as

questões sociais, antes mesmo do poder executivo assumir esse debate:

Se o poder executivo ainda é cauteloso em operar tais rearranjos (por

exemplo, não há nenhum registro de repercussão direta do Congresso

Operário de 1912 na esfera governamental), no poder legislativo

começam a ecoar vozes que destoam [...] estes deputados apontam a

ausência de uma legislação protetora como causa das agitações

operárias [...] o estado deve intervir ‘positivamente’, buscando

conciliar, como árbitro, os interesses conflitantes8.

A iniciativa legislativa também guardava relação com a conjuntura política

que a república atravessava, visto que o processo de sucessão presidencial havia sido

marcado por uma queda de braços entre as oligarquias regionais e isso causara reflexos

no governo de Epitácio Pessoa (1919-1922) e em sua relação com o parlamento. De

acordo com Cláudia Viscardi, “o fato de Epitácio derivar de um estado politicamente

6 MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 32. 7 Ibid., p. 34. 8 Ibid., p. 30.

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frágil e ter tido sua eleição garantida pelos médios e grandes Estados da Federação,

interpunha limites claros ao exercício de seu poder”9. O alinhamento entre as

oligarquias de Minas Gerais e São Paulo, de um lado e Rio Grande do Sul e Bahia de

outro, segundo a autora, ocasionou momentos de instabilidade e recuos logo no início

de seu governo. Por fim, “dando-se por vencido em duas batalhas políticas no

parlamento10”, Epitácio rendeu-se a Minas Gerais e garantiu forte participação política

de representantes do estado em seu governo. Nesse período da república, portanto, o

papel do parlamento era de bastante peso nas decisões políticas e a prevalência do

executivo, ainda existente, não era tão esmagadora como em outras ocasiões. Embora a

legislação trabalhista não fosse o objeto da disputa entre os grupos políticos da elite, o

fato de ter havido, por algum período, um executivo fraco e um “parlamento em luta”,

mostra que ter ficado circunscrito aos debates parlamentares não diminui a importância

que a legislação de proteção ao trabalho assumia naquele cenário.

Esse ambiente econômico e político, assim como a nova relação entre as

classes que começa a emergir, interferem profundamente nos debates parlamentares e

nas lutas do movimento operário objetos desta pesquisa. A mobilização operária, a

pressão social causada pelos movimentos grevistas e a agitação política tinham grande

capacidade de pautar os parlamentares mais ligados às questões sociais e, ao mesmo

tempo, de forma reativa, provocar o governo a tomar atitudes para evitar o acirramento

de conflitos e não causar prejuízos financeiros. Pairava, além disso, o temor de que a

convulsão social levasse a uma situação revolucionária. De tal modo, os capitalistas

internacionais e os poderes locais estariam mais propensos a ceder dentro de certo limite

e, ainda, mantendo controle da situação.

Antes disso, a criação do Departamento Estadual do Trabalho (DET) em

São Paulo no ano de 1911 e, em 1918, o surgimento do Departamento Nacional do

Trabalho (DNT) eram indícios de que a questão do trabalho não se restringia a questões

migratórias ou de ordenamento econômico. O historiador Marcelo Chaves considerou o

surgimento do DET uma mostra do “impulso legislativo” voltado para a “proteção” do

trabalhador, o que indica interesse do governo em atenuar o conflito de classes já

naquele período pré-guerra. Chaves afirma que:

9 VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com

leite”. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 259. 10 Ibid., p. 260.

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A história da República Velha é marcada pela tênue interferência do

Estado nas relações de trabalho, contrariamente ao intenso

intervencionismo estatal desde a chamada Revolução de 1930, fato

que não se pretende contrariar. No entanto, esse contraste faz com que

os instrumentos estatais do pré-30 tenham a sua existência nublada,

enfraquecida, desmatizada, e as suas expressões, sob a forma de

instituições, apareçam como estágios ‘embrionários’ ou formadores de

algo que se ‘amadurece’ até ganhar forma definitiva11.

A pouca eficácia do DET/SP nos primeiros anos, não obstante, “serviu para

consolidar a concepção intervencionista naqueles dirigentes de segundo escalão do

aparelho de estado”12, o que evidencia que, mesmo considerados como “embrionários”,

as décadas de 1910 e 1920 tiveram influência na formação das instituições que

ganhariam fôlego a partir dos anos 1930, inclusive nos métodos de trabalho de seus

servidores.

Nesse sentido, é fundamental compreender o crescente processo de

“judicialização” de questões do trabalho ocorrido na década de 1920, principalmente

após o Decreto Nº. 16.027, de 30 de abril de 1923, que criou o Conselho Nacional do

Trabalho (CNT), ligado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Embora

limitado pelo próprio decreto que o criara, atribuindo-lhe o papel de meramente estudar

a questão do trabalho no Brasil, o tema da regulamentação aparecia e abria um campo

de disputa para a classe trabalhadora. A esse respeito, Samuel Souza afirma que:

Era lícito mencionar no decreto temas caros aos legisladores que

pretendiam um processo mais radical de regulamentação como, por

exemplo, a remuneração e horário de trabalho, conciliação e

arbitragem, etc. Mas o limite entre a legislação pretendida por

Maurício de Lacerda e aquela que finalmente entrou em vigor pode ser

apreendido nas palavras do titular da pasta que instalava o Conselho, o

Ministro Miguel Calmon Du Pin e Almeida. Para o ministro, a

questão social ainda não era um problema carente de medidas muito

drásticas13.

O choque entre essas posições, dos defensores da imediata adoção de leis do

trabalho, como Maurício de Lacerda, e os interesses dos industriais, se dará também nas

11 CHAVES, Marcelo Antonio. A Trajetória do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo e a

mediação das relações do trabalho (1911 - 1937). Tese de Doutorado em História. Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas - IFICH. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2009, p. 18. 12 Ibid., p. 99. 13 SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicato, Estado e as leis do

trabalho nos anos 1930. Tese de Doutorado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -

IFCH. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2007, p.30.

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tentativas de influência sobre decisões do CNT. Ainda de acordo com Samuel Souza, a

lei de férias, “reforçou o papel do CNT na intervenção do Estado no âmbito das relações

do trabalho”14. Na medida em que o CNT era acionado com mais frequência, maiores as

suas atribuições, não apenas no tocante à fiscalização como, também, na garantia de

execução de leis do trabalho. Pode-se afirmar que as discussões em torno da

regulamentação ganharam mais destaque a partir de 1923, quando os trabalhadores

passaram a recorrer ao CNT para afiançar a aplicação da “Lei Elói Chaves”15, que

estipulara a criação de fundos para aposentadorias e pensões nas companhias

ferroviárias, garantindo benefícios básicos aos trabalhadores e, sobretudo, estabelecera

que após dez anos de serviço na mesma empresa o empregado só poderia ser demitido

se cometesse falta grave. Assim, “quando o debate sobre a adoção de uma legislação

trabalhista se intensificou no Brasil, os ferroviários foram os primeiros a serem

lembrados pelo poder público”16.

O processo de “judicialização” apontado por Samuel de Souza, portanto,

crescia de acordo com o número de leis do trabalho que entravam em vigor e também

com o aumento da demanda aos órgãos incumbidos de tratar dessas questões, ainda que

tivessem o raio de atuação limitado pela abrangência geográfica de cada órgão. No

entanto, há que se ressalvar que esse processo ocorreu ao longo dos anos 1920 e tomou

fôlego durante o Governo Arthur Bernardes, mas era ainda embrionário no momento da

recepção dos termos do tratado de paz de Versalhes, anos do governo de Epitácio

Pessoa (1919-1922). Esse primeiro período, dos últimos meses de 1919 até 1923 até

então mais explorado pelos estudiosos do ponto de vista da organização do que das leis

se apresentou como um desafio para esta dissertação.

Para a apresentação da documentação analisada propõe-se a separação em

quatro grupos, de acordo com o corpus documental utilizado nesta pesquisa. São eles: a)

documentos produzidos pelo poder público; b) grande imprensa; c) imprensa e

documentos produzidos pelo movimento operário; d) documentos produzidos por

instituições internacionais.

14 Ibid., p. 40. 15 Ibid., p. 29. 16 FRACCARO, Glaucia. Verbete “Lei Elói Chaves” - Caixa de Aposentadoria e Pensões de Estradas de

Ferro. Dicionário Online. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

(CPDOC). Fundação Getúlio Vargas, 2015.

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a) Os Decretos, mensagens presidenciais, Diário Oficial e atos do Poder

Executivo estão em grande parte publicados, acessíveis e digitalizados. A leitura desses

documentos contribuiu para mapear a repercussão do Tratado de Versalhes e da

inserção da questão social no discurso oficial. O Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro,

dá acesso ao “Fundo Institucional Gabinete da República”. Ali foram encontradas pistas

sobre a participação brasileira na Conferência de Paz e em Washington, principalmente

no tocante à chefia de delegação e posterior governo de Epitácio Pessoa17.

Embora alguns estudos, em sua maioria com viés diplomático, abordem a

Conferência de Paz e a presença da delegação brasileira em Paris, não havia nenhuma

sistematização completa sobre o tema. Foi tarefa desta pesquisa confirmar o número de

delegados, a participação nas comissões, bem como, o interesse que os mesmos tinham

pela questão do trabalho. Os primeiros subcapítulos da dissertação em tela dão conta de

apresentar o quadro geral da participação brasileira, tarefa que pode servir de ponto de

partida para pesquisas futuras.

São, no entanto, as Atas da Comissão de Legislação Social da Câmara dos

Deputados as fontes centrais desta pesquisa. As Atas compreendem 3 volumes e estão

disponíveis para consulta no Centro de Documentação da Câmara dos Deputados em

Brasília. Tal fonte exigiu uma leitura exaustiva e pormenorizada, a fim de compreender

cada discurso, debate e interesse em jogo por parte dos deputados.

A partir dos discursos, principalmente da bancada trabalhista, foi possível

projetar o debate jurídico no instante mesmo da chegada do texto de Versalhes e

acompanhar seus desdobramentos. Além disso, essas discussões refletem ainda que

nem sempre em pleno acordo argumentos apresentados e debatidos em outras esferas.

Os Boletins do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, por exemplo, revelam

a proximidade entre os discursos do deputado Maurício de Lacerda e os textos

publicados por este órgão. O boletim afirma, textualmente, que era momento de lutar

17 O Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro, guarda despachos emitidos pela Chancelaria para as

Missões diplomáticas no exterior e telegramas expedidos e recebidos junto a Organismos Internacionais.

A série que contém instruções a respeito do período aqui abordado, principalmente 1919, não traz

nenhuma novidade em relação ao que se encontra disponível em plataformas digitais e mesmo as trocas

de correspondências com o Ministro das Relações Exteriores foram publicadas em livro. Cf. PESSOA,

Epitácio. Conferencia da paz, diplomacia e direito internacional. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do

Livro. Ministério da Educação e Cultura, 1961.

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pela “transformação em leis das recomendações sobre as questões sociais aprovadas

pelo Congresso de Paz”18.

b) O passo seguinte foi a leitura dos principais órgãos de imprensa do Rio

de Janeiro (capital da República) e São Paulo (cidade na qual se concentrava grande

número de operários). Sem dúvida, o movimento operário no Brasil não estava restrito a

São Paulo e Rio de Janeiro e, por isso, fez-se uma leitura complementar de periódicos

regionais. Ao Rio Grande do Sul foram dedicados estudos relevantes sobre o mundo do

trabalho, que convergem com o recorte temporal proposto para esta pesquisa19. Em

alguns casos, como nos artigos de Lindolfo Collor, há referências à imprensa fora do

eixo Rio-São Paulo. Com exceção desses casos, foram selecionadas notícias acerca do

tema desta pesquisa nos seguintes órgãos de imprensa: O Paiz, Correio da Manhã,

Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio (Rio de Janeiro) e O Estado de São Paulo

(São Paulo).

c) Por meio da leitura e cruzamento das informações obtidas nos periódicos

A Plebe, Spartacus e Voz do Povo, inicialmente com especial atenção aos dias de 1919

em que repercutiu a Conferência de Paz de Paris e depois, com o acompanhamento do

debate a partir de O Combate, esta pesquisa identificou semelhanças e diferenças na

abordagem desses periódicos frente aos temas desta pesquisa. Igualmente, pelos

registros dos periódicos A Manhã, A Batalha, A Classe Operária e Voz Cosmopolita,

analisou-se a repercussão da visita ao Brasil do Diretor Geral da OIT, Albert Thomas.

Assim pôde ser debatida a polêmica dentro da esquerda e do movimento

operário, a respeito das "conquistas paliativas” representadas pelas decisões

internacionais.

d) O “Projeto do Centenário da OIT”, conduzido pela Organização

Internacional do Trabalho, pretende concluir a divulgação de seu acervo, por meio da

internet, até 2019. De acordo com as diretrizes desse projeto, já em andamento e a

18 BOLETIM DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DO TRABALHO, ano VIII, n. 31 e 32, 2º e 3º

trimestres de 1919. 19 Alexandre Fortes discute, em capítulo sobre o período pré-Vargas, o posicionamento da bancada

gaúcha e do presidente do Estado frente às questões sociais, a partir de 1919. Problematiza o borgismo e

sua relação com o getulismo. Cf. FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito. A classe trabalhadora

porto-alegrense e a Era Vargas. Caxias do Sul/Rio de Janeiro: EDUCS/Garamond, 2004. Sobre greves de

1919 no Rio Grande do Sul - Cf. PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. As greves no Rio Grande do Sul

(1890-1919). In: DACANAL, José H.; GONZAGA, Sergius (orgs.). RS: Economia e Política. Porto

Alegre: Mercado Aberto, 1979.

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permitir acessos aos documentos, a história produzida sobre a OIT deve,

gradativamente, abandonar o enfoque, quase exclusivo, na Europa e Estados Unidos.

Os recursos básicos dessa ferramenta já permitem acesso integral aos textos

das convenções e recomendações da OIT a partir de 1919, nos quais constam relatórios

de reunião, textos subsidiários às conferências internacionais, relatórios enviados pelos

estados-parte, comentários, lista países signatários e assim por diante. Na base de dados

da ILOLEX (sobre as normas internacionais do trabalho) encontrei resoluções de

conferências internacionais, memórias dos diretores. Em prévio levantamento feito para

essa pesquisa encontrei centenas de documentos, inclusive o relatório de viagem de

Albert Thomas ao Brasil e material para sistematizar as convenções da OIT

referendadas nos países signatários do Tratado de Versalhes.

O recorte temporal para questões tão amplas também é um desafio. O início

em 1919 parece óbvio por ser o ano da assinatura do Tratado de Versalhes, mas, além

dessa obviedade, esse ano foi marcado por eventos importantes para esta pesquisa: a

morte de Rodrigues Alves, candidato eleito à Presidência da República do Brasil;

realização de um processo eleitoral onde a questão social esteve em pauta; agitações

operárias em diversas cidades brasileiras; avanço da Rússia “bolchevique” sobre a

Ucrânia e, por fim, a realização de uma Conferência de Paz em Paris. Nas palavras de

Claudio Batalha, ainda, foi “um momento de extraordinária mobilização coletiva e de

forte organização de classe”20 no Brasil.

A partir dos anos 1930, os organismos de mediação e conciliação que se

firmaram adentraram à esfera da institucionalidade. A alusão ao Tratado de Versalhes,

com efeito, consta em muitos dos discursos e documentos deste período. Dois

documentos merecem destaque: a “Plataforma da Aliança Liberal”21, publicada no ano

de 1930, que criticou o não cumprimento dos compromissos assumidos

internacionalmente pelo Brasil na década passada e o “Decreto Nº 1.398, de 19 de

janeiro de 1937”, relativo ao exame médico obrigatório das crianças e menores

empregados a bordo dos vapores, assinado por Getúlio Vargas meses antes do golpe do

20 BATALHA, Claudio H. de M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Ed, 2000, p. 14. 21 A “Plataforma da Aliança Liberal” lida na Esplanada do Castelo, em 2 de janeiro de 1930, encontra-se

transcrita integralmente em: BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da história do

Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, vol. 4.

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Estado Novo e que reproduzia na sua justificativa o texto integral, e em língua francesa,

de artigos da Convenção da Organização Internacional do Trabalho de 1921.

No entanto, fez-se aqui opção por estabelecer o recorte final da pesquisa no

ano de 1926. Em primeiro lugar, porque o Estado brasileiro, por meio de Emenda

Constitucional, de 03 de setembro de 1926, modificou seu Artigo 31 e o parlamento

assumiu a responsabilidade de “legislar sobre o trabalho”, alterando, portanto, a linha de

interpretação aqui proposta22. Também nesse ano o governo brasileiro discutiu o

desligamento da Sociedade das Nações (SDN). Em segundo lugar, porque a partir daí

gestaram-se significativas mudanças tanto das formas de organização da classe

trabalhadora, quanto do Estado e da burguesia.

A dissertação está dividida em três blocos temáticos e três capítulos que

constroem uma narrativa histórica e, ao mesmo tempo, procuram suscitar questões

relativas ao mundo do trabalho e à luta de classes. O primeiro capítulo, Direito do

Trabalho, a Última Moda em Paris, remonta o cenário no qual a legislação do trabalho

foi parar nas mentes dos diplomatas e chefes de estado das grandes e pequenas nações.

Há a preocupação, sem esgotar o tema, de explicar a importância que aquele evento teve

para o concerto das nações, assim como as críticas que ele sofreu da Rússia

revolucionária.

Os objetivos das negociações, a participação da delegação brasileira e os

resultados parciais dos debates foram temas de pouca repercussão na historiografia

brasileira, de modo que a maior parte da bibliografia se deve a relatos de jornalistas e

estudos diplomáticos, muitos deles cuja natureza não permite cruzamentos diretos. No

capítulo em questão há um esforço de sistematização dessas informações.

Recentemente, no âmbito internacional, há maior profusão de livros e até

documentários para a TV sobre a Conferência de Paz. A participação do Brasil na

Conferência de Paz foi discutida em livros e artigos pelo diplomata Eugênio Vargas

Garcia23. Chama a atenção, no entanto, que mesmo para historiadores voltados à

questão social, o tema “trabalho” não foi a principal abordagem da Conferência de Paz,

22 A Emenda Constitucional, de 03 de setembro de 1926, substituiu, entre outros, o texto do artigo 31 da

Constituição Federal de 1891, e definiu como competência privativa do Congresso Nacional legislar

sobre o trabalho. Embora já houvesse leis nacionais, a partir desse momento as mesmas passaram a ser

prerrogativa exclusiva do Congresso Nacional. 23 GARCIA, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926). Porto Alegre/Brasília: Editora

da Universidade/Fundação Alexandre de Gusmão, 2000.

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ainda que já ocorresse, em diversos países, mobilização pelo estabelecimento de

padrões internacionais de trabalho.

Igualmente, há uma prospecção do assunto na grande imprensa. Nas análises

anteriores dedicadas à imprensa operária e aos primeiros anos do Partido Comunista

do Brasil (PCB), dos sindicatos e das greves tanto a visão do PCB, quanto as visões

anarquistas foram absorvidas pelos estudos posteriores, sem terem passado por uma

problematização. Tiago Bernardon24, por exemplo, indica a rejeição ao Tratado de

Versalhes e seus desdobramentos, por conta das opiniões expressas nos periódicos e

debates nas etapas que precederam o 3º Congresso Operário Brasileiro, em 1920.

Não se deve esquecer que a declaração de princípios deste congresso

estadual foi feita em um contexto em que, nos planos internacional,

nacional e estadual preparavam-se ingerências do Estado para atenuar

o conflito de classes em vista de desviar o operariado da influência

soviética. No plano internacional, ocorreu a Conferência de

Washington, que contou com a participação de representantes

enviados pelo governo brasileiro, para assinar um acordo da recém-

formada Organização Mundial do Trabalho. No plano nacional crescia

a influência de deputados trabalhistas que, na Câmara dos Deputados,

discutiam a pertinência de se elaborar um Código do Trabalho, o que

implicaria numa ingerência direta do Estado na relação

Capital/Trabalho, algo absolutamente abominada pelos anarquistas e

sindicalistas revolucionários, de modo geral25.

No entanto, é preciso explicar como direitos trabalhistas e internacionais

entraram para a ordem do dia a despeito da opinião desses grupos. A negação das

deliberações internacionais conduzidas pelos governos e a permanente denúncia de que

essas leis eram simples atenuantes para desviar a mira das organizações operárias da

revolução social são recorrentes nas páginas de A Plebe, como demonstrado mais à

frente, mas rigorosamente não encerravam a opinião da classe trabalhadora sobre leis e

direitos.

João Tristan Vargas reuniu documentação sobre o período e tangenciou a

questão, porém, à procura de uma ordem liberal, não deu maior atenção à condição

operária26. Com as mesmas poucas fontes que ele utiliza, este estudo procurou situar o

debate do ponto de vista dos trabalhadores. Como sua mira estava direcionada à

24 OLIVEIRA, Thiago Bernardon de. Anarquismo, sindicato e revolução no Brasil (1906-1936). Tese de

Doutorado em História. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro: UFF, 2009. 25 Ibid., p.141. 26 VARGAS, João Tristan. O trabalho na Ordem Liberal: O movimento operário e construção do Estado

na Primeira República. Campinas: UNICAMP/CMU, 2004.

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compreensão da ordem liberal, o autor manteve a impressão de que a Comissão de

Legislação Social (CLS), principalmente a partir da homologação do Tratado de

Versalhes, foi mais uma oportunidade perdida pelos trabalhadores.

O segundo capítulo, A Câmara dos Deputados e a Comissão de Legislação

Social (1918-1926), concentra seu esforço nos debates em torno da legislação

internacional do trabalho e nos trabalhos da CLS. Essa riquíssima documentação como,

por exemplo, um relatório de cerca de 300 páginas produzido pelo deputado Andrade

Bezerra, ainda foi pouco utilizada. Ângela de Castro Gomes identificou os interesses da

burguesia e do trabalho naquela comissão protagonizada por Maurício de Lacerda.

Nesse sentido, buscou-se trazer à tona aspectos ainda não explorados dessa

documentação, não apenas referentes ao Tratado de Versalhes, mas que ajudam a

compreender melhor quais eram as posições que estavam em jogo e com qual aliado

cada “jogador” poderia contar.

Para um bom entendimento do debate jurídico no período pré-1930, no

Brasil, são indispensáveis os escritos e discursos de Evaristo de Moraes. Sobre o autor,

o exame de Joseli Mendonça foi essencial27. O mesmo vale para os trabalhos de

Arnaldo Süssekind28, para entender a trajetória das leis sociais no Brasil. O estudo sobre

o Direito Social de Antonio Ferreira Cesarino Junior.29, por sua vez, ainda que não

considere relevante o período pré-1930, traz úteis definições das formas jurídicas no

direito social brasileiro. Entre outros, defende o uso da nomenclatura Direito Social por

ser um pleonasmo enfático, ou seja, que reitera a peculiaridade do assunto. Por fim, há

que se consultar Sampaio Dória30 que, em 1922, escreveu um dos primeiros tratados

jurídicos sobre a questão trabalhista no Brasil.

Autores como Paulo Sérgio Pinheiro, Michael M. Hall e Kazumi Munakata,

no que tange às práticas do Estado liberal oligárquico, atacam o juízo prévio de autores

que consideraram que a única estratégia da burguesia era o Estado violento e pouco

permeável. Ora, não é pequena a lista de estudos, relatos e documentos que mostram

que a violência do Estado contra os movimentos que reivindicavam melhoria nas

27 MENDONÇA, Joseli Maria N. Evaristo de Moraes, Tribuno da República. Campinas: Ed. da

UNICAMP, 2007. 28 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2000. 29 CESARINO JUNIOR, Antonio Ferreira. Direito Social Brasileiro. São Paulo: Martins, 1940. 30 DÓRIA, Antônio de Sampaio. A questão social. São Paulo: Monteiro Lobato & C., 1922.

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condições de trabalho ocorreu em larga escala e com diferentes mecanismos (prisões,

mortes, deportações). Hall e Pinheiro haviam notado que:

A burguesia paulista, no final dos anos 1920, já tinha seu próprio

projeto hegemônico [...] e apesar de não terem renunciado ao emprego

sistemático da violência [...] os empresários começaram a desenvolver

outra estratégia, complementar, em relação a classe operária. Ao lado

da repressão física direta, utilizaram meios mais sutis de controle31.

Nesse espírito, a burguesia já havia procurado alternativas às leis sociais

antes dos anos 1920. Bárbara Weinstein discutiu como os patrões, por meio de serviços

sociais oferecidos por suas empresas, valiam-se desses gestos de “benevolência” como

forma de angariar simpatia dos trabalhadores, de forma pessoal, ao mesmo tempo em

que rejeitavam que uma ou outra dessas “vantagens” chegasse aos trabalhadores pelas

mãos do Estado:

À luz do desenvolvimento posterior das relações industriais no Brasil,

é interessante notar a quase total ausência do Estado nos vários

discursos dos industriais, tecnocratas e operários. Por boa parte do

período que estamos estudando, o principal papel do Estado era

pressionar os patrões e propiciar à indústria certa proteção tarifária. Os

porta-vozes da indústria rejeitavam explicitamente a ‘interferência’ do

Estado nas relações entre operários e patrões, enquanto que os

sindicatos raramente procuravam a ajuda do Estado no processo de

desenvolvimento nacional. [...] E facções políticas interessadas em

criar uma nova legislação social para modificar as condições de

trabalho obrigaram cada vez mais os patrões a debater publicamente

problemas trabalhistas quando a década de 1920 chegava ao fim32.

As pesquisas anteriormente apresentadas sobre o período são, ainda,

importantes contribuições para a desconstrução da chamada “ideologia da outorga”.

Essa questão foi discutida por Luís Werneck Vianna no texto clássico sobre o tema,

“Liberalismo e Sindicato no Brasil”33. Se a compreensão de que as conquistas dos

trabalhadores não foram “benesses” do Estado pós-1930 já estava comprovada, esta

dissertação aprofunda esse entendimento, ao trazer à baila também as intervenções de

organismos internacionais e a capacidade de influenciar as políticas e legislações sociais

31 HALL, Michael M.; PINHEIRO, Paulo Sérgio. A Classe Operária no Brasil: Documentos (1889 a

1930). Vol. I. O Movimento Operário. São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1979, p. 12. 32 WEINSTEIN, Bárbara. (Re)formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-64). São Paulo: Cortez,

2000, p. 69. 33 VIANNA, Luis Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1976.

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no Brasil. Nesse sentido, é bem-vinda a reflexão de Eileen Boris e Jill Jensen sobre a

contribuição da dimensão transnacional nas análises das questões de gênero na OIT.

A abordagem transnacional, no entanto, revela circuitos de

intercâmbio entre as feministas trabalhistas e políticas internacionais,

o que complica a história padrão que defende uma igualdade abstrata

sobre a diferença caracterizada. Esses esforços incluem o suporte de

um tratamento justo e justa remuneração do trabalho das mulheres e a

incorporação de grupos historicamente deixados fora dos padrões

formais de trabalho globais, tais como trabalhadores domésticos,

migrantes, mulheres traficadas. O mais detalhado exame de

convenções específicas permitirá aos estudiosos considerar como as

feministas trabalhistas buscaram a igualdade das mulheres através de

apoios dirigidos às mães assalariadas, dissolvendo a dicotomia entre

igualdade e diferença. Pisando fora dessa discussão é possível

redefinir colaboração em torno da segurança social, licença

maternidade, e outras políticas de ‘trabalho e família’ como estratégias

para fazer avançar os direitos das mulheres e a igualdade de gênero no

trabalho e na política34.

O terceiro capítulo, A Política da Presença, mostra a institucionalização da

OIT e a participação decisiva de seu primeiro Diretor-Geral, Albert Thomas, na sua

formulação. Há o acompanhamento na grande imprensa e na imprensa operária da visita

que Thomas fez à América Latina e ao Brasil em 1925. A presença da Organização

Internacional do Trabalho nos primeiros anos da década de 1920 e a relação que ela

estabeleceu com governo e sindicatos ajudam a entender seus propósitos e suscitam

reflexão sobre a relação entre OIT e o Estado brasileiro.

Por fim, são discutidos os trâmites das convenções e orientações da OIT e a

legislação equivalente no Brasil antes dos anos 1930. Como é sabido, embora as leis do

trabalho só tenham sido consolidadas com Getúlio Vargas, muitos pontos já estavam

estabelecidos, mesmo que em âmbito estadual, desde os anos 1920.

34 BORIS, Eileen; JENSEN, Jill. The ILO: Women’s Networks and the Making of the Woman Worker.

In: DUBLIN, Tomas; SKLAR, Kathryn Kish. Women and Social Movements International. Alexander

Press, 2012. (Tradução nossa).

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CAPÍTULO I – DIREITO DO TRABALHO, A ÚLTIMA MODA EM

PARIS.

1.1. Paris, 1919.

Poucos anos antes de Ernest Hemingway e sua geração perdida chegarem à

cidade, Paris preparava uma festa. A atmosfera de guerra que há pouco dominara a

cidade dava lugar a uma grande euforia por conta da realização da Conferência de Paz,

iniciada no dia 18 de janeiro de 1919. Pelas ruas da cidade estavam chefes de Estado,

diplomatas, militares, adidos, burocratas de todos os tipos, especialistas em direito,

história, relações internacionais, enfim, todos aqueles destacados por seus países para a

tarefa de pôr término ao conflito mundial e selar uma paz duradoura entre vencedores e

derrotados na Grande Guerra (1914-1918)35.

Os traumas da guerra ainda eram marcas visíveis na população europeia. As

sucessivas batalhas que ceifaram 9 milhões de vidas feriram e deixaram inválidos

milhões de soldados e civis, desmontaram impérios, mudaram o mapa da Europa e

continuaram na retina da população e dos dirigentes políticos que tiveram a

responsabilidade de repactuar e refazer o mundo à luz dos princípios da sociedade

moderna36. Mas, a realização daquela Conferência, naquele local, era um alento para

uma população repleta de expectativas de que o futuro não repetiria o passado.

Reunidos em Versalhes, os peacemakers (forma como eram chamados

diplomatas e políticos encarregados de construir o acordo de paz) expressavam as partes

envolvidas no conflito bélico. Ali estavam reunidos representantes dos vencedores,

sendo 32 países, sem contar os domínios britânicos, que participaram diretamente do

conflito, divididos entre secundários e primários, estes representados pelas 5 grandes

35 Cf. Sobre o ambiente da Conferência de Paz conferir o filme Paris 1919: Un traité pour la paix, (2009)

produção franco-canadense do diretor Paul Cowan. A película alterna cenas de arquivo com

representações dramáticas dos principais momentos das negociações de paz. Na literatura, Paris é uma

festa, publicado em 1964, é um livro de ficção construído a partir das memórias parisienses do escritor

americano Ernest Hemingway (1899-1961). O livro refere-se aos frementes anos 1920 e retrata Paris

entre 1921 e 1926, quando viviam intensamente a cidade personalidades como Gertrude Stein, James

Joyce, Ezra Pround e F. Scott Fitzgerald. 36 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras,

1994.

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potências: Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Japão. Era corrente o receio de

que o grande número de participantes poderia transformar a Conferência “em uma

espécie de feira”37. Organizados em 52 comissões, estavam 70 plenipotenciários

acompanhados por secretários, colaboradores, tradutores e políticos. A historiadora

Margaret MacMillan (bisneta do Lloyd George, primeiro-ministro inglês durante a

elaboração do Tratado de Versalhes) descreveu o ambiente parisiense nesses dias:

A concentração de poder atraiu repórteres do mundo inteiro, seus

homens de negócios, os porta-vozes homens e mulheres de uma

miríade de causas. ‘Só se vê gente partindo para Paris’, escreveu o

embaixador francês em Londres. ‘Paris vai se transformando em local

de diversão para centenas de ingleses, americanos, italianos e

sombrios senhores estrangeiros que estão a cair sobre nós a pretexto

de tomar parte nas discussões de paz’. Voto para as mulheres, direitos

para os negros, um estatuto para o trabalho [...] petições e requerentes

chegavam aos borbotões de todos os rincões do mundo38.

Ainda segundo a autora, havia o risco de que a Conferência não conseguisse

conciliar os interesses das potências vitoriosas com as fortes expectativas criadas em

torno dela. Assim, o risco de desapontamento pairava sobre os “pacificadores”. Georges

Clemenceau, experiente estadista francês que ocupava o cargo de Primeiro-Ministro à

época da Conferência de Paz chegou a afirmar que era “mais fácil fazer a guerra do que

a paz”39. De tal modo, redesenhar fronteiras, cobrar indenizações e anexar territórios

ganhava um sentido sem precedente, talvez comparável ao Congresso de Viena de 1815,

do ponto de vista dos objetivos, mas muito maior em escala e em abrangência

geopolítica, afinal agora os Estados Unidos assumiam papel protagonista, países sul-

americanos tomavam parte e até mesmo China e Japão enviavam do Oriente seus

melhores quadros diplomáticos. Esse caráter internacional conferiu à Paris um peculiar

desfile de costumes, tradições e ideias.

Ruth Henig deu destaque para a repercussão que as rodadas de negociações

em Paris tiveram frente à opinião pública mundial e relacionou o crescimento da

imprensa popular durante a Guerra com a expressiva cobertura jornalística que houve

em Paris nos dias da Conferência. De tal modo, a “liberdade de negociação dos líderes

aliados estava circunscrita pela responsabilidade que tinham perante os respectivos

37 BECKER, Jean-Jacques. O Tratado de Versalhes. São Paulo: Editora UNESP, 2011, p.34. 38 MACMILLAN, Margaret. 1919. Paz em Paris. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 4. 39 Ibid., p.7.

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eleitorados”40. As questões do nacionalismo e das negociações de reparações territoriais

e financeiras na Europa, por exemplo, eram acompanhadas por olhares atentos da

população que emitia juízo político sobre cada ação das delegações que lá estavam e,

como a maioria desses países era democrática, o cálculo sobre o impacto nas urnas de

cada decisão tomada também tinham considerável valor. Leila Rupp, em análise sobre a

organização das mulheres que incluiu o pós-grande guerra, chamou a atenção para a

singularidade desse momento, no qual “o internacionalismo [...] se constrói a partir de

1919 em meio a transformações causadas pela revolução bolchevique, o declínio do

domínio europeu no mundo, a depressão de 1929, o nascimento do fascismo e a

emergência de movimentos liberais”41. Destarte, nos anos que envolveram a guerra

houve a consolidação de debates ideológicos e os setores sensíveis dos povos

condicionavam a sustentação política a seus governos às posições assumidas por eles,

agora, também, no âmbito da política internacional.

A responsabilidade das decisões, igualmente, significou um poder cada vez

mais concentrado nas mãos dos representantes das grandes potências. Se inicialmente as

nações menores participaram ativamente das comissões e, por meio dessas, da

elaboração de propostas para a paz, com o passar dos dias as decisões ficaram restritas a

uma reunião de poucos países, originando o Conselho dos Dez e, por fim, o Conselho

dos Quatro (com presença exclusiva de Estados Unidos, Reino Unido, França e Itália),

fórum de negociação e acordos de temas que sequer haviam sido submetidos aos demais

países.

Tal fato, no entanto, não significa que as demandas dos integrantes das

comissões temáticas, assim como seus encaminhamentos, eram menos relevantes, uma

vez que, domínios territoriais e indenizações falavam mais imediatamente aos interesses

daquele momento histórico, porém, não levam à exaustão o conteúdo do Tratado. O

livro de Margaret MacMillan, por exemplo, traz importante referência documental, mas,

assim como Ruth Henig, concentrou sua análise em pontos priorizados pelas potências,

como a proposta de criação da Sociedade das Nações, prejuízos financeiros de guerra e

controle das colônias. A breve descrição do funcionamento das comissões menores, de

40 HENIG, Ruth. O Tratado de Versalhes. São Paulo: Ática, 1991, p. 48. 41 RUPP, Leila J. Worlds of Women: The Making of an International Women's Movement. Princeton:

Princeton University Press, 1997, p. 5.

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interesses específicos, tratou apenas superficialmente de questões como a legislação do

trabalho.

Entre as considerações levantadas pelo historiador Eric Hobsbawm sobre os

Tratados de Paz42 estavam: a questão nacional e o princípio da autodeterminação,

componente essencial para a compreensão dos “nacionalismos” na Europa; as disputas

políticas cada vez mais acirradas nas 4 grandes potências e, por fim, o estabelecimento

da cláusula da “culpa da guerra”, com o intuito de evitar que a Alemanha pudesse outra

vez se lançar em disputas militares. Já a paz punitiva a ser imposta à Alemanha teve

como principal fiadora a França, devido a interesses geopolíticos, territoriais e pelo

temor de um país recém-unificado que havia, com poucos aliados, chegado perto de

uma vitória militar.

Em um primeiro momento, o espírito dos 14 pontos apresentados pelo

presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson43 plataforma para a paz que tinha o

intuito de por fim à guerra a partir de acordos públicos e a criação de uma Sociedade

das Nações capaz de mediar os conflitos e equacionar desavenças pela via diplomática

parecia um alento. No entanto, a posterior não ratificação do Tratado de Versalhes pelos

Estados Unidos, devido a problemas da articulação política enfrentados pelo presidente

Wilson no congresso norte-americano, além da ausência da Rússia na Conferência de

Paz, tornava fraca a perspectiva de que fosse estabelecida uma organização realmente

mundial e de longa duração.

A ênfase na punição à Alemanha, tanto nas discussões à época quanto na

historiografia, se devia exatamente pelo temor de que outro conflito dessa magnitude

eclodisse ou, em olhar retrospectivo, devido ao evidente fracasso desse intento. Ao

mesmo tempo, o mundo observava o “surgimento de um regime revolucionário

42 Hobsbawm faz questão de destacar a imprecisão da nomenclatura “Tratado de Versalhes” dada a todo o

conjunto de negociações no pós-Primeira Guerra, uma vez que tratados com outros países receberam

nomes de outras localidades francesas (Trianon com a Hungria, Sevres com a Turquia, etc.), embora

reconheça que o uso costumeiro da expressão se deva ao papel protagonista que a Alemanha teve na

Guerra. Na presente dissertação “Tratado de Versalhes” também foi adotado como forma universal para

se referir ao texto resultante da Conferência de Paz. Cf. HOBSBAWM, 1994, p.38. 43 Um resumo desses pontos, apresentado no livreto de Ruth Henig demonstra como o presidente

estadunidense conciliava a preocupação com o liberalismo econômico (defesa de livre navegação pelos

mares em tempos de guerra ou paz e eliminação das barreiras econômicas) com propostas objetivas para o

estabelecimento de fronteiras e, por fim, mecanismos de associação das nações por meio de Conferências

e Convenções Internacionais. Cf. HENIG, 1991, p.75.

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alternativo, dedicado à subversão universal” que poderia servir como um “ímã para

forças revolucionárias de todas as partes”44. Tratava-se do caso russo.

A grande ausente em Paris naqueles primeiros meses de 1919, sem dúvida,

foi a Rússia. O caso russo era especial não apenas pelas mudanças ocorridas nos tempos

finais da guerra, quando a Rússia assinara a paz com os inimigos alemães no início de

1918 e saíra da guerra antes da vitória de seus aliados ocidentais sobre a Alemanha. A

peculiaridade do caso russo estava, principalmente, na emergência dos bolcheviques,

um novo grupo político que após um processo revolucionário encontrou as condições

objetivas para chegar ao poder. O desconhecimento dos “construtores da paz” em

relação ao que ocorria na Rússia era grande, o que gerou dúvidas sobre se a mesma

deveria ou não ser convidada a participar da Conferência e, em caso positivo, em que

termos.

O primeiro-ministro Lloyd George afirmaria que a “Rússia era uma floresta

onde ninguém podia dizer o que estava a alguns metros de distância”45. Havia ainda,

naquele momento, a preocupação com as “doutrinas bolcheviques” que poderiam se

“disseminar” pelo mundo. Foi nessa balança, entre temor da participação que poderia

legitimar um governo revolucionário e temor da ausência de um país gigantesco

insurgente, que os bolcheviques, sem terem ido a Paris, foram os ausentes mais

presentes na Conferência de Paz.

O historiador Arno Mayer ofereceu uma interpretação peculiar sobre o papel

de Lenin e da diplomacia soviética naquele contexto. Seu argumento é de que Lenin

desafiou a “velha diplomacia do continente europeu” tanto quanto o presidente dos

Estados Unidos Woodrow Wilson. Juntos, esses dois líderes, olhando para a Europa a

partir de diferentes direções geográficas e políticas, apresentaram alternativas de novo

tipo às habituais relações exteriores que haviam levado a Europa à catástrofe na Grande

Guerra. Mesmo com as diferenças ideológicas e de estilo que existiam entre o liberal

americano Wilson e o revolucionário russo, seus papéis eram muito semelhantes na

forma como eles trataram os assuntos internacionais nos meses finais da Grande

Guerra. A interpretação de Mayer serve para os 14 Pontos de Wilson, para o Tratado de

44 HOBSBAWM, 1994, p. 39. 45 MACMILLAN, 2004, p.77.

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Brest-Litovsk (que pôs fim à guerra na frente oriental, onde se enfrentaram Alemanha e

Rússia) e também instrui a compreensão da diplomacia de Versalhes46.

Na busca de uma unificação de objetivos entre aliados, a novidade central

da diplomacia de Wilson e Lenin, no entendimento de Mayer, era a maneira dos Estados

Unidos e da emergente Rússia revolucionária superarem as velhas práticas europeias e

dirigirem-se aos povos de várias nações diretamente. Havia uma estranha maneira pela

qual a “diplomacia wilsoniana e leninista” não fazia nenhuma distinção essencial entre

os povos que viviam dentro da jurisdição de seus aliados e daqueles que viviam fora.

Wilson e Lenin, por assim dizer, assumiam posturas internacionalistas47.

Com efeito, a novidade diplomática estava relacionada à novidade política

de ambos os líderes, visto que desafiavam a velha ordem europeia, ao mesmo tempo em

que representavam os ares de renovação que emergiam das ruínas da Grande Guerra

europeia. Mayer colocou muita ênfase na insistência de Wilson e Lenin para conquistar

apoio entre os povos de todas as nações. Afinal, a partir de então diplomacia e política

interna eram objetivos entrelaçados tanto para Estados Unidos quanto para a Rússia,

ainda que por razões distintas. A esse respeito, Mayer afirmou que:

Wilson elogiou a diplomacia bolchevique em seu discurso dos

Quatorze Pontos e Lloyd George esperou até o fim da guerra para

admitir que ‘não seria justo suprimir a parte que o governo

bolchevique tinha jogado nesse processo’. Em Paris, Albert Thomas,

sem em nenhum instante abandonar sua hostilidade aos bolcheviques,

relutantemente confessou que era uma ‘honra a Revolução Russa ter

levado as potências ocidentais para a limpeza das propostas de paz de

todo o imperialismo’. Além disso, ele disse em tom de censura ao

Governo francês que ‘se os repetidos apelos de Kerensky e

Tereshchenko (líderes governo provisório antes da Revolução

Soviética) tivessem sido atendidos antes, a situação política na Rússia

poderia muito bem ser diferente’. No entanto, Thomas insistiu que

apesar da diplomacia errática dos bolcheviques, agora que Lloyd

George e Wilson tinham falado Clemenceau já não podia se dar ao

luxo de permanecer em silêncio48.

Em 5 de novembro de 1918 a Alemanha renunciou ao Tratado de Brest-

Litovsky e rompeu relações diplomáticas com a Rússia, cumprindo uma das primeiras

condições impostas pelas “potências vitoriosas” no armistício de 11 de novembro de

46 MAYER, Arno. Wilson v. Lenin. Political Origins of the New Diplomacy. New Haven, Yale University

Press, 1959, p.368. (Tradução nossa). 47 Idem. 48 MAYER, 1959, p. 369.

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1918. Com base na nova ordem europeia criada pelo Tratado, Lenin esperava que a

Alemanha fosse arrastada para a cooperação e que a maioria dos seus políticos

revisionistas formasse uma aliança com a Rússia. Ele expressou sua crença de que "o

mundo imperialista moderno repousa sobre o Tratado de Versalhes e nós temos uma

aliança com todos os países que vivem sob o Tratado de Versalhes, o que representa 70

por cento de toda a população da terra”49.

Sob a perspectiva russa, no entanto, a disputa interna contra a ofensiva dos

“brancos” e o esforço de Lenin para evitar que uma invasão estrangeira desestabilizasse

o governo bolchevique fez com que a Conferência de Paris ficasse em plano secundário.

Primeiramente, porque mantinha caráter “imperialista”, alvo das denúncias que estavam

no cerne da revolução de outubro. Afinal, como poderiam construir a paz os mesmos

senhores da guerra que, por dinheiro, eram capazes de usar todo e qualquer recurso? Em

segundo lugar, porque a luta interna na Alemanha supostamente ganhava força e os

bolcheviques viam ali a possibilidade de sair do isolamento revolucionário. Para os

russos, “1919 era o ano da revolução” e avançar com a revolução da classe trabalhadora

era uma forma muito mais eficiente de construir a paz do que sentar à mesa com os

promotores do imperialismo50.

De todo modo, surge uma questão fundamental para os estudos dos direitos

sociais: o medo de que o exemplo bolchevique arrastasse as massas insatisfeitas com

suas condições materiais e com o modo de vida imposto pelos grandes industriais e

governos que serviam a seus interesses. Ou seja, o temor de que a centelha da revolução

se espalhasse pela Europa, fez com que entrasse na “agenda das reuniões de Paris

questões muito mais amplas do as que eram previstas antes de novembro de 1917”51.

Essas questões mais amplas eram justamente as relacionadas aos direitos e ao trabalho.

Em outras palavras, além das perdas financeiras e territoriais, outro espectro passava a

rondar as mesas de negociação parisienses, o espectro da revolução operária. Em uma

conjuntura potencialmente adversa aos seus interesses, para os peacemakers toda

49 LENIN, Vladimir I. Political Report of the Central Committee RKP (b) to the Ninth All-Russian

Conference of the Communist Party (20 September 1920). Document 59. In: PIPES, Richard (ed.). The

Unknown Lenin. From the Secret Archive. Yale, 1996, p. 101-103. 50 BROUÉ, Pierre. História da Internacional Comunist (1919-1943). Tradução de Fernando Ferrone. São

Paulo: Editora Sundermann, 2007, p.119. 51 HENIG, 1991, p.16.

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prevenção seria bem-vinda e uma legislação internacional do trabalho passava a fazer

sentido.

O texto final, enfim, chegaria aos alemães no dia 7 de maio e, após muita

especulação sobre a aceitação ou não de suas condições pela Assembleia da República

de Weimar, seria assinado em 28 de junho de 1919. O mundo ansiava pela experiência

da paz, ainda que ela viesse pelas mesmas mãos que outrora haviam submetido os povos

à experiência da guerra. Em seu diário, o diplomata, escritor e ensaísta inglês Harold

Nicolson descreve o cenário daquela data:

Entramos na Galeria dos Espelhos. É dividida em três seções. Lá no

fim, a imprensa numerosa e já instalada. No meio está uma mesa em

forma de ferradura para os plenipotenciários. À sua frente, como uma

guilhotina, está a mesa para as assinaturas. Parece estar sobre um

estrado, mas este se existe, não tem mais do que algumas polegadas de

altura. Mais próximas, estão fileiras e mais fileiras de tamboretes para

convidados importantes, deputados, senadores e membros das

delegações. Deve haver assentos para mais de mil pessoas52.

No entanto, embora os salões e jardins de Versalhes abrigassem uma

multidão, a atmosfera carregada daquela que deveria ter sido a celebração da paz deu o

tom a um espetáculo onde os “vilões” alemães se submetiam às decisões das potências

vencedoras e, além disso, nem mesmo o triunfalismo de ingleses e franceses socorria a

cerimônia “mal organizada e, sobretudo, insignificante”53 que acabara de ocorrer. No

relato de Harold Nicolson, a imagem do secretário de Relações Exteriores alemão,

Herman Muller, na fila para assinar o Tratado, assemelhava-se a de um prisioneiro

sendo conduzido ao banco dos réus.

Desde o início, o Tratado foi alvo de duras críticas, vindas de diferentes

direções. John Maynard Keynes, antes de consagrar-se na teoria econômica e emplacar

o célebre “keynesianismo”, sendo então um disciplinado funcionário público do

Tesouro inglês, foi escolhido pelos britânicos como delegado à Conferência de Paz em

Paris. Daí resultou um enorme mal-estar com a sua renúncia ao posto antes da

52 NICOLSON, Harold. O Tratado de Versalhes: A paz após a Primeira Guerra Mundial. “Diário da

Conferência de Paz”. São Paulo: Globo Livros, 2014, p.50. 53 BECKER, 2011, p.172.

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conclusão do texto do tratado e a publicação de um ácido documento intitulado “As

Consequências Econômicas da Paz”54.

Entre apontamentos de Keynes a respeito das lacunas do Tratado, do

desinteresse dos líderes das grandes potências em discutirem os temas realmente

fundamentais, como a reconstrução econômica do continente e seu equilíbrio e o

completo isolamento ao qual a Alemanha foi submetida durante a elaboração do

tratado55, o texto também oferece um retrato crítico (e debochado) dos quase sempre

exaltados líderes da paz:

Clemenceau queria esmagar a economia do inimigo, Lloyd George

conseguir um acordo para levar consigo a Londres, e exibi-lo durante

uma semana, Wilson nada fazer que não fosse justo e correto. É um

fato extraordinário, mas o problema econômico fundamental de uma

Europa esfomeada que se desintegrava diante dos seus olhos era a

única questão para a qual foi impossível provocar o interesse56.

A descrição feita por Keynes do Primeiro-Ministro francês Clemenceau,

do Primeiro-Ministro inglês Lloyd George e do Presidente dos Estados Unidos

Woodrow Wilson, além do solene desprezo pelo Chefe de Estado italiano Vittorio

Orlando (os integrantes do Grupo dos Quatro Grandes, uma vez que o Japão, embora

estivesse no primeiro time, não tinha na prática a mesma influência que os ocidentais)

era sinal de sua divergência com os rumos da Conferência, mas também uma forma de

desmoralizar intelectualmente um evento que durante tanto tempo tomou as páginas dos

jornais e a atenção mundial. O livro de Keynes ganhou destaque, sobretudo, pelo

aparente caráter premonitório de seu texto, adiantando a mais tarde muita difundida

interpretação de que a ineficiência e até mesmo a função contraproducente do Tratado

em manter a paz seria responsável pelos tempos ainda mais sombrios que desaguariam

na Segunda Guerra Mundial.

Do mesmo modo, o historiador e jornalista Edward Hallett Carr, integrante

da delegação britânica na Conferência de Paz e membro da comissão que responsável

pela elaboração criação da Sociedade das Nações, discordou abertamente do tratamento

54 KEYNES, John Maynard. As Consequências Econômicas da Paz. São Paulo, SP; Brasília, DF:

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Editora da UnB, 2002. 55 A Alemanha só foi admitida nas discussões após a fixação das Preliminares da Paz. Em fins de abril de

1919, decorridos 4 meses de trabalhos, Clemenceau ainda se pronunciava no sentido de que a Alemanha

não tivesse acesso ao texto. Tal situação evidenciou o desequilíbrio na produção do Tratado,

transformando a situação em uma “Conferência de Vencedores”. Cf. BECKER, 2011, p.34. 56 KEYNES, op cit., p.157.

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dado aos alemães pelos vitoriosos da Guerra. Estudioso das relações diplomáticas, Carr

constatou que o Tratado de Versalhes foi um acordo feito sob coação, e afirma:

As objeções morais mais frequentemente feitas ao Tratado de

Versalhes parecem, de fato, terem sido baseadas não tanto em sua

assinatura sob coação, como na severidade de seu conteúdo, e no fato

de que os governos aliados, invertendo o processo seguido em todas as

conferências de paz importantes até então, inclusive a de Brest-

Litovsk, recusaram-se a manter negociações orais com os

plenipotenciários das potências derrotadas. Este ato de insensatez

desacreditou o tratado mais do que o ultimatum que precedeu sua

assinatura57.

Segundo Carr, também as cláusulas de desarmamento foram inócuas por

não ser razoável impor uma posição de inferioridade permanente a uma grande potência

e reprovou ainda o Tratado por este ter tentado perpetuar a fraqueza alemã, devido ao

seu colapso no fim da guerra, argumento que não era em seu juízo “estritamente ético,

uma vez que se assenta na posição de poder e reconhece um direito moral baseado

simplesmente na força”58.

A força desproporcional imposta à Alemanha pelo caminho diplomático

trazia à luz uma forma de sanção que pode ser considerada pelos analistas da época

como mais violenta do que as próprias ações militares de uma guerra. Em 1937, já às

portas de um novo conflito mundial, Carr novamente denunciou os erros diplomáticos

cometidos pelo Tratado de 1919. Os “vinte anos de crise (1919-1939)” relatados em seu

livro aparecem como uma linha contínua entre decisões diplomáticas e as escolhas

políticas que estavam postas.

De acordo com o autor, a elaboração dos pressupostos éticos da paz, tal

como foi feita a partir do Tratado de Versalhes e a Sociedade das Nações, estava

diretamente subordinada aos interesses das nações mais fortes que almejavam tão

somente a manutenção do poder, ainda que isso tivesse um alto custo. Carr argumenta

que as decisões do período falharam por não considerarem a “estrutura do sistema

internacional e por tentarem “empurrar” pressupostos éticos distantes da realidade na

construção de tratados e da Sociedade das Nações”59. De tal modo, os erros

57 CARR, Edward Hallett. Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Brasília: Editora Universidade de Brasília -

UNB, 2001, p. 243. 58 Ibid., p. 244. 59 Sobre Edward Carr. Cf. GRIFFITHS, Martim. 50 Grandes Estrategistas das Relações Internacionais.

São Paulo: Contexto, 2004.

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diplomáticos de 1919 seriam dificilmente corrigidos, mesmo com reparos que sofreu ao

longo das décadas de 1920 e 1930:

Remoções sucessivas de injustiças há muito reconhecidas do Tratado

de Versalhes tornaram-se não um motivo de reconciliação, mas de

maior distanciamento, entre a Alemanha e as potências de Versalhes, e

destruíram, ao invés de aumentarem, o conjunto limitado de

sentimentos comuns que anteriormente existira60.

Esse aspecto contraproducente do Tratado de Paz e a espiral de problemas

ocasionados por ele deram destaque à relação causal entre o fracasso do Tratado de

Versalhes e a ascensão do nazismo, sendo essa uma das mais frequentes abordagens

sobre o tema. Ainda assim, de acordo com Becker, a inevitabilidade do conflito

subsequente é questionada uma vez que entre a assinatura do Tratado e o advento de

Hitler houve um intervalo de 15 anos, nos quais forças políticas foram incapazes de

neutralizar suas ações.

Em uma tentativa de defesa, Margareth MacMillan ressalva que “quando veio a

guerra em 1939, ela foi resultado de 20 anos de decisões tomadas, ou não tomadas, e

não das disposições adotadas em 1919”61. Nas primeiras linhas de seu texto Ruth Henig

alerta que o acordo de Paris “foi um feito meritório” e “o fato de que não sobreviveu à

década de 1920 provém não tanto das condições do tratado de paz, quanto da resistência

de líderes políticos do período entre guerras de fazê-lo cumprir”62. Essa recorrente

ressalva para abordar o tema, esse pedido de licença necessário para falar do malfadado

Tratado “culpado” pelo nazismo, contribuiu para anuviar os olhares dos historiadores

que se debruçaram sobre o tema e para não colocarem em grande conta pontos

importantes ali suscitados. Hobsbawm escreveu que “com exceção das cláusulas

territoriais, nada restava do Tratado de Versalhes na década de 1930”63.

Foi, portanto, naquele ambiente parisiense com diplomatas circulando entre

os palácios e o bar Majestic, em uma Europa onde a classe trabalhadora definia seu

papel na luta por direitos e observava de maneira atenta os movimentos da Rússia

bolchevique que foi elaborada a Parte XIII do Tratado de Versalhes, intitulada

“Trabalho”.

60 CARR, op cit., p.183. 61 MACMILLAN, 2004, p. 544. 62 HENIG, 1991, p.7. 63 HOBSBAWM, 1994, p. 41.

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1.2. Paz e Justiça: do direito social às leis do trabalho.

No campo das relações internacionais e do direito internacional público, os

congressos, conferências e tratados de paz figuram como marcos históricos capazes de

delimitar ciclos econômicos, descrever transições e reordenamentos político-territoriais.

Não é incomum encontrarmos, por exemplo, referências à Paz de Westfalia como o

grande evento que apartou o mundo medieval do mundo moderno ou ao Congresso de

Viena como o momento de consagração das fronteiras geográficas e de princípios

diplomáticos definitivos64.

Embora impactantes para o conjunto das sociedades, esses arranjos

institucionais até então haviam se limitado às questões geográficas, econômicas e de

sucessão política, sendo esses os principais aspectos em que se sustentaria a paz

vindoura. Reside exatamente aí uma novidade nos tratados do pós-primeira Guerra, a

presença da justiça social entre os temas imprescindíveis para a manutenção da paz.

Antes da Grande Guerra a questão social não estava na ordem do dia das

grandes potências, ao menos não na sua agenda internacional. Também não estava entre

os principais temas discutidos pelo presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson,

frequentemente lembrado como artífice de um programa de paz avançado. Como lembra

Antoine Fleury, “a questão social sequer foi mencionada nos 14 Pontos”65.

O mote si vis pacem cole justitiam, mais tarde adotado pelo Bureau

Internacional do Trabalho, era revelador: se você deseja a paz, cultive a justiça. Na

minuta da Comissão sobre Legislação Internacional do Trabalho da Conferência de Paz

o recado era explícito:

64 Paz de Westfalia é como se designa a série de conferências e tratados que puseram fim a Guerra dos 30

anos, ocorrida entre 1618 e 1648 e considerada por muitos o primeiro grande conflito europeu. De acordo

com os Congressos de Osnabrück e de Münster são considerados pontos de ruptura na história política da

Europa, na medida em que inauguraram uma prática nova, que consistiu na diplomacia multilateral. Nos

dois congressos estiveram reunidos 145 delegados representando 55 entidades durante quatro longos anos

de negociações, cujo objetivo era promover a paz e criar uma nova ordem para o continente. O Congresso

de Viena, por sua vez, ocorreu entre 2 de maio de 1814 e 9 de junho de 1815 e reconfigurou o mapa do

continente europeu após a derrota de Napoleão Bonaparte. Cf. GONÇALVES, Williams; SILVA,

Guilherme. Dicionário de Relações Internacionais. 2ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2010. 65 FLEURY, Antoine. The League of Nations: Toward a New Apreciation. In: BOEMEKE, Manfred F.;

FELDMAN, Gerald D.; GLASER, Elisabeth. The Treaty of Versailles: a reassessment after 75 years.

Cambridge. Cambridge University Press, 1998, p.510.

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A Constituição da Liga das Nações não irá fornecer uma solução real

para os problemas que afligem o mundo e não vai mesmo ser capaz de

eliminar as sementes da discórdia internacional a não ser que ela

forneça um remédio para os males industriais e injustiças que

desfiguram o presente estado da sociedade. Ao propor, por

conseguinte, estabelecer uma organização permanente a fim de ajustar

condições de trabalho através de uma ação internacional, a Comissão

considerou que estava tomando uma etapa indispensável para a

realização dos objetivos da Liga das Nações66.

Incluir discussão sobre o trabalho era um fato que manifestava muito mais

do que o momento da assinatura do Tratado, senão do próprio processo pelo qual a

Europa e a economia mundial atravessavam e as transformações sociais ocorridas desde

o final do século anterior.

Cabe ressaltar a preocupação, naquele momento, com as “doutrinas

bolcheviques” que poderiam se disseminar pelo mundo. O espectro do socialismo

rondava a Europa, se materializava na Rússia e se as potências vencedoras da guerra

não fossem capazes de dar respostas às questões mais imediatas da classe trabalhadora,

a não tão distante Rússia poderia inspirar uma mudança forçada.

O tema da justiça social, no entanto, não era preocupação exclusiva dos

revolucionários socialistas. A própria Inglaterra, que havia incorporado o sufrágio

universal nas eleições de 1918 e ocupava posição de destaque na Conferência de Paz,

contribuiu para que a questão social e o direito do trabalho entrassem na pauta das

reuniões67. A Conferência Socialista e Operária “interaliada” ocorrida em Londres, em

1918, continha elementos que seriam sugeridos pelas organizações operárias como

ponto de partida para a elaboração da seção sobre o trabalho. Albert Thomas, que mais

tarde assumiria importantes funções na organização que emergiria, foi um dos

participantes desse encontro.

A declaração de objetivos de guerra adotada pelos socialistas e

trabalhistas de parte da Grã-Bretanha, França, Itália e Bélgica na

Conferência interaliados, realizada em Londres, 1918 [..] contém aqui

e ali sugestões que serão recebidos com mais simpatia nos círculos

socialistas em outros lugares, no entanto, sobre as grandes questões de

66 HOWARD-ELLIS, Charles. The Origin, Structure & Working of the League of Nations. London:

George Allen & Unwin. 1928, p. 206. (Tradução nossa). 67 HENIG, 1991, p.26.

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guerra e paz, revela uma estreita e bem-vinda concordância entre as

propostas e objetivos de organização trabalhistas68.

Substituída a noção moralizante do trabalho, o lugar do direito social já

havia sido discutido e disputado por diferentes correntes teóricas da modernidade. O

caso francês é exemplar e, não à toa, a delegação francesa também influiu fortemente

nos rumos da discussão sobre o direito do trabalho na comissão criada especificamente

para isso ainda na Conferência de Paz.

Foram frequentes, nos debates da comissão, referências ao banqueiro e

Ministro da Fazenda da França revolucionária, Jacques Necker e às experiências

teóricas e práticas de Robert Owen, reformista social galês, notabilizado pelas ideias

socialistas e pela elaboração das primeiras ideias cooperativistas, como aqueles que

deram fôlego às associações de trabalhadores e movimentos sindicais no século XIX.

Isso se devia ao fato que Owen havia, já em 1820, exposto a possibilidade de redução da

jornada dos trabalhadores e melhoria na condição de vida dos operários, mesmo dentro

da sociedade capitalista. De acordo com Wolfang Abendroth:

Queria Owen colocar essa nova sociedade econômica lado a lado da

ordem econômica capitalista já existente, para que aquela se

impusesse a essa gradativamente. [...] esperava também poder

conquistar os empresários para o seu plano de um sistema econômico

cooperativista, isto porque ele, como Saint-Simon, acreditava nos

interesses comuns das classes industriais produtoras face ao latifúndio

e à aparelhagem estatal. Pretendia ele que o New Moral World

surgisse dentro da mais linda harmonia de classes69.

A expectativa, contudo, foi frustrada no século XIX pela crescente força da

burguesia industrial europeia e sua expansão pelo mundo em busca de mercados

consumidores. No entanto, ainda que a proposta de internacionalização da luta dos

trabalhadores, sugerida por Owen, não tenha sido posta em prática imediatamente, fica

evidente que nos anos finais do século XIX e início do século XX cresciam as pressões

de diferentes setores da sociedade, não necessariamente socialistas, para que houvesse

uma regulamentação internacional do trabalho.

68 McCURDY, Charles A. A Clean Peace: the war aims of British Labour. New York: George H. Doran,

1918. Prefácio. (Tradução nossa). 69 ABENDROTH, Wolfang. A História Social do Movimento Trabalhista Europeu. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1977, p.19.

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Em estudo sobre as leis do trabalho publicado em 1921, Andre de Maday

listou os precursores da proteção internacional do trabalho e salientou que foram

fundamentais as atuações de nomes como o economista francês Adolphe Blanqui e

Daniel Le Grand, industrial francês que propôs a adoção pela França de uma lei análoga

à Lei Inglesa de 1833, que dava alguma proteção às crianças e jovens trabalhadores da

indústria têxtil70. Le Grand, em 1841, teria conclamado um grupo de industriais e o

governo francês para que fosse realizada uma convenção internacional sobre a proteção

dos trabalhadores. Do mesmo modo, os realizadores do Congresso da “Primeira

Internacional” (a Associação Internacional dos Trabalhadores), ocorrida em Genebra,

em 1866, proclamaram a redução da jornada de trabalho em todos os países industriais

como a primeira etapa para a emancipação operária.

Na medida em que a classe operária se organizava em maior ou menor

grau a depender do país e da capacidade de internacionalização de suas demandas

ganhava força a ideia de uma regulação que colocasse o mundo do trabalho a par com

os novos tempos. Dessa forma, o tema foi objeto da realização de conferências

internacionais que trataram do tema Trabalho, como as realizadas em Berna:

Em 1905 e 1906 houve duas conferências de caráter técnico sobre

problemas do trabalho, em Berna, de iniciativa do governo Suíço.

Nova conferência realizou-se na mesma cidade, em 1913, e nela foram

preparados dois projetos de convenções internacionais proibindo o

trabalho noturno aos menores e limitando em 10 horas a duração do

trabalho das mulheres e dos adolescentes. Tais convenções deveriam

ser assinadas no ano seguinte, uma conferência que não se realizou

por ter rebentado a I Guerra Mundial do século71.

Da Conferência realizada em Berna, 1906, aliás, resultaram duas

convenções importantes que seriam mantidas no escopo legislativo de 1919: uma sobre

proteção dos trabalhadores nas atividades em contato com fósforo branco tóxico e a

proibição do trabalho noturno para as mulheres72, que iria influenciar diretamente a

legislação de vários países. Nora Natchkova destacou a importância da aprovação dessa

70 MADAY, Andre De. La Charter Internacionale du Travail. Paris: F. Rieder et Cie Editeurs, 1921,

p.18. 71 SEGADAS VIANNA, José. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. São Paulo: Ltr, 2003, p. 35

apud SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da

Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9, Dezembro de 2006. 72 LEAGUE OF NATIONS. Report on the Employment of Women and Children and the Berne

Conventions of 1906 [Prepared by the Organising Committe for the ILC, Washington, 1919], p.16.

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convenção, que seria permanentemente renovada pelos organismos internacionais, e

também suas contradições:

No contexto de agitação social, a Convenção do Trabalho Noturno

tinha suas vantagens: Foi apoiada por vários países presentes e

sindicatos, mas a aprovação não foi pela efetiva aplicação, mas pela

introdução (já vários países tinham leis sobre isto) de um padrão. [...]

A aprovação dessa convenção deu aos homens prioridade no acesso ao

emprego e relegava às mulheres o papel social de esposa e mãe73.

Apesar de alguns avanços, o efeito causado pela primeira grande guerra

sobre a luta por direitos da classe operária foi, em um primeiro momento, de paralisia,

uma vez que durante a guerra todo o esforço foi absorvido pelos conflitos e a classe

operária, embora não tomasse decisões, participava desse processo na linha de frente.

Durante o período de 1914 a 1918, em contrapartida, houve um impulso das atividades

operárias devido à necessidade de produzir materiais para a própria guerra. Além disso,

o recrutamento de soldados do sexo masculino para os fronts ocasionou, na medida do

possível, a substituição pela mão de obra fabril feminina. O pesquisador argentino

Carlos Moret constatou, em trabalho do início dos anos 1930, que durante a guerra não

apenas aumentou numericamente a associação de trabalhadores na Inglaterra, como esse

processo foi definitivamente reforçado entre as mulheres trabalhadoras74, Também

resulta desse período a criação do Ministério do Trabalho inglês, sendo que Lloyd

George indicou um trabalhista, Mr. J. Hodge, para ocupar o cargo.

Em dezembro de 1917, com a guerra em andamento, houve uma reunião

conjunta das Trade Unions e do Partido Trabalhista inglês, da qual resultou uma série

de cláusulas que deveriam ser divulgadas amplamente pelo mundo75. Como resultado,

no ano seguinte foi sancionada a lei de acidentes de trabalho e, fato interessante e

estranhamente pouco destacado pelos historiadores, é que Lloyd George, em discurso

público, anunciou que aceitava incorporar essas ideias como futura base para a paz.

Estavam dadas, portanto, as condições para que o mundo do trabalho

adentrasse às salas de reunião e o salão de espelhos do Palácio de Versalhes. A

73 NATCHKOVA, N.; SCHOENI, C. The ILO, Feminists and Experts Networks: The Challenges of a

Protective Policy (1919-1934). In. KOTT, S.; DROUX, J. Globalizing Social Rights – The International

Labour Organization and Beyond (p.49-64). Genebra: Palgrave Macmillan, 2013, p.53. (Tradução nossa). 74 MORET, Carlos. Legislación, Jurisprudencia del Trabajo/Historia de Los Movimientos Obreros en

Inglaterra, Estados Unidos, Australasia y Canada. Buenos Aires: El Ateneo: 1931, p.160. 75 Ibid., p.165.

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construção de um tópico específico para a questão do trabalho, que se tornou a parte

XIII do Tratado de Versalhes, se deu entre janeiro e abril de 1919, por uma Comissão

do Trabalho criada pela própria Conferência de Paz. Nessa comissão havia

representantes de nove países, sendo eles Bélgica, Cuba, Checoslováquia, França, Itália,

Japão, Polônia, Reino Unido e os Estados Unidos, senda presidida por Samuel

Gompers, chefe da American Federation of Labour (AFL).

1.3. A Parte XIII.

A sessão plenária do dia 11 de abril de 1919 aprovou a parte do Tratado de

Paz elaborada pela Comissão sobre Legislação Internacional do Trabalho. A comissão

havia se reunido 35 vezes; concluiu seus trabalhos em março e imediatamente

encaminhou a proposta para a Conferência. O documento apresentado foi aprovado e

sofreu apenas ligeiras modificações textuais em sua versão final76 que consta nos

Tratados de Versalhes e seus similares (Sèvres, Saint-German, Neuilly-sur-Seine e

Trianon)77.

A convicção de que a paz social deveria anteceder a paz militar não foi

apenas retórica. Por motivos diversos, entre eles as dificuldades nas negociações dos

termos de rendição e impasses quanto à participação dos países na Sociedade das

Nações (SDN), idealizada por Woodrow Wilson, as resoluções referentes ao trabalho

foram votadas e apresentadas ao público antes mesmo do projeto da Sociedade das

Nações e do próprio acordo de paz. O clima político europeu contribuiu para isso. A

revolta “espartaquista” na Alemanha e a memória da comoção causada pela morte de

Jean Jaurés, pouco antes da eclosão da guerra78, fizeram acelerar a aprovação de leis do

76 Curiosamente, a versão inglesa do texto utilizado por esta comissão em seus projetos foi redigida por

Harold Butler e Edward Phelan, que se tornaram, posteriormente, presidentes da OIT. 77 Essas informações constam na introdução ao documento original disponibilizado no website da ILO.

International Labour Office (ILO). 1920. The labour provisions of the peace treaties (Genève). Call N.:

20B09/18 ENGL. 78 Comumente associados aos bolcheviques, os espartaquistas participaram das manifestações

revolucionárias ocorridas em novembro de 1918 em diversas regiões da Alemanha e que culminaram na

tomada do poder e proclamação da república na região da Baviera. Os assassinatos de Karl Liebnecht e

Rosa Luxemburgo, em janeiro de 1919, assim como havia ocorrido com o revolucionário socialista e anti-

belicista Jean Jaurés na França, em 1914, causaram comoção entre a classe operária, gerando o temor, por

parte dos conservadores, de que esse ambiente lançasse centelhas na chama revolucionária. Sobre Jaurés:

Cf. BATALHA, Claudio H. de M. Jaurès au Brésil. Paris: Jean Jaurés - Cahiers Trimestriels, n.139, p.

23-30, 1996.

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trabalho em alguns países (foi o caso do projeto de jornada de 8 horas de trabalho na

França, apresentado às pressas ao parlamento), assim como acendeu o sinal de alerta

para o “perigo bolchevique” em outros locais como, de forma traumática, na República

de Weimar. A celeridade na aprovação da Parte sobre trabalho poderia ser uma resposta

das potências que conduziam o tratado de paz.

A Seção I da Parte XIII do Tratado já apresentava com objetividade a

espinha dorsal dos marcos legais e da organização que estava a surgir: só seria possível

uma paz universal se a mesma tivesse como base a justiça social. A própria

sobrevivência da Sociedade Das Nações, organismo ao qual estaria submetida à

Organização oriunda da Parte XIII, dependia da preservação desse fundamento. De

acordo com o documento, as condições adversas de trabalho causam sensação de

injustiça para grupos que, de fato, vivem privações e misérias, e geram um estado de

descontentamento que põe em perigo a paz e a harmonia entre os povos e nações.

Assim sendo, todos os estados membros da Sociedade das Nações

comprometiam-se a fundar e sustentar uma organização permanente para as questões do

trabalho e, consequentemente, aceitar a regulamentação internacional do trabalho.

Estava firmada a posição de que sem melhorar a situação operária a “paz duradoura”,

objetivo da entidade de mediação internacional idealizada pelo presidente Wilson dos

Estados Unidos, era inviável e, com efeito, a própria Conferência era dispensável.

Entre os temas citados no texto destacam-se a regulamentação das horas de

trabalho, recrutamento da mão de obra, garantia de salário digno, proteção contra

doenças gerais e provenientes de acidentes de trabalho, proteção às crianças,

adolescentes e mulheres, pensões por velhice e invalidez, liberdade sindical e

organização do ensino técnico e profissional. Em suma, grande parte das bandeiras

levantadas pelo movimento operário nas últimas décadas estava contemplada. Cabe

destacar que essas demandas estavam em pauta não apenas nas associações,

conferências e encontros internacionais, mas eram objetos de negociações (quase

sempre diretas) que estavam em andamento entre sindicatos, patrões e governos de

diversas partes do mundo industrializado. Restava ali garantir o funcionamento da

recém-nascida Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Artigo 388º indica as duas bases que compreendem a instituição: a) A

Conferências Gerais e b) um Bureau sob a direção do Conselho de Administração.

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Nesse ponto, há que se atentar para uma frequente confusão, mesmo em textos

acadêmicos, entre a Organização Internacional do Trabalho e o Bureau Internacional do

Trabalho. A Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a própria

Parte XIII do Tratado de Versalhes que, em seu segundo artigo, se divide em uma

Conferência com representação de todos os membros e um órgão administrativo

permanente chamado Bureau Internacional do Trabalho (BIT). Françoise Thebaud faz

referência a essa confusão em certa passagem de seu artigo sobre as mulheres no BIT:

O que dizer sobre a Organização Internacional do Trabalho e seu

órgão executivo permanente, o Bureau Internacional do Trabalho

(BIT)? Fazendo certa confusão entre essas duas siglas, Maria Vérone,

advogada e presidente da Liga Francesa pelos Direitos das Mulheres,

escreve em L’Oeuvre, em 1928: O BIT, dirigido por Albert Thomas,

conta sempre com mais mulheres que a SDN. Isto se deve, em parte,

aos sentimentos feministas do diretor79.

Em outras palavras, o BIT (Bureau International du Travail) é o

Secretariado, órgão executivo, da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que, por

sua vez, estava, inicialmente, submetida à Sociedade das Nações. Certa tentação ao

anacronismo também contribui para aumentar a confusão sobre o lugar da OIT, uma vez

que a Sociedade das Nações foi inviabilizada pela eclosão da II Guerra Mundial, em

1939 e foi formalmente encerrada em 1946. Além disso, em alguns países de língua

oficial portuguesa optou-se por traduzir bureau para "escritório".

A proposta considerada a base de formação de uma organização

internacional para as questões do trabalho foi trazida pela delegação inglesa; esta

sugeria a criação de um organismo tripartite (presença de governo, empregados e

empregadores). Essa proposta teve apoio também de países como França e Itália, que

ressaltavam o papel dos governos no funcionamento da OIT e os Estados Unidos da

América que deram ênfase aos empregados e aos empregadores. As Conferências

estabelecidas pela Parte XIII do Tratado de Versalhes, portanto, seriam constituídas de

delegados de todos os países membros, sendo compostas por: 2 delegados indicados

pelo governo, 1 representante dos trabalhadores e 1 representante dos patrões.

Igualmente haveria a participação de conselheiros técnicos, com direito a voz, mas sem

79 THEBAUD, Françoise. As mulheres no BIT (Bureau Internacional do Trabalho): O Exemplo de

Marguerite Thibert. Revista Gênero. Niterói, v. 6, n. 2 - v. 7, n. 1, p. 25-36, 1 – 2, 2006. [Tradução Suely

Gomes Costa e Vera Soares].

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direito a voto, bem como, seria obrigatória a presença de uma mulher conselheira

quando abordasse questões que interessavam imediatamente ao gênero.

O Bureau Internacional do Trabalho (BIT) é descrito no 392º Artigo. Ficava

estabelecido como cargo mais alto da estrutura o de Diretor, sendo esse responsável pela

nomeação dos técnicos do BIT, com a recomendação genérica de que deveriam ser

contratadas para a estrutura “um certo número de mulheres”, e exercendo funções como

organizar e ser Secretário das Conferências, centralizar e distribuir todas as informações

relativas à regulamentação internacional da condição dos trabalhadores e regimes de

trabalho e, em particular, estudar propostas para serem submetidas à discussão durante

as Conferências, com o propósito de virarem Convenções Internacionais, de alcance

universal.

O Conselho de Administração, órgão diretivo do BIT, seguia em sua

composição a mesma lógica aplicada às delegações, a tripartição da representação entre

governos, trabalhadores e patrões. As grandes potências, no entanto, tinham direito de

indicar 8 dos 12 representantes dos governos, pois, alegavam que sua “importância

industrial é maior”. As demais vagas deveriam ser preenchidas por 6 delegados

indicados por trabalhadores e 6 por patrões, totalizando 24 membros. Os mandatos

teriam duração de 3 anos. Aqui fica evidente uma questão que permeou os debates nas

comissões internas da conferência de paz: o excessivo poder exercido pelas 4 grandes

potências vencedoras da guerra.

Para presidir a comissão que elaboraria a Parte XIII do Tratado de Paz,

Woodrow Wilson indicou Samuel Gompers, presidente da American Federation of

Labor (AFL). De acordo com Elizabeth McKillen, em importante artigo sobre a atuação

de Gompers na presidência dessa comissão:

Como presidente da comissão da legislação trabalhista internacional

durante a conferência de paz, Gompers dirigiu os procedimentos que

criaram a OIT e forçou delegados britânicos e europeus a modificarem

várias propostas que teriam dado a nova organização amplos poderes

para criar a legislação internacional do trabalho. Gompers também

teimosamente (embora sem sucesso) se opôs a uma proposta britânica

para estabelecer uma estrutura de participação tripartite para a OIT80.

80 MCKILLEN, Elizabeth. Beyond Gompers: The American Federation of Labor, the Creation of the ILO

and US Labor Dissent. ILO Histories. In. VAN DAELE, Jasmien et al. (eds). Essays on the International

Labour Organization and Its Impact on the World During the Twentieth Century. Berna: Peter Lang

International Academic Publishers, 2010, p. 41.

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A indicação de Gompers para a presidência da comissão não gerou

incômodos apenas pelas polêmicas travadas, mas também gerou preocupação entre

sindicalistas e críticos da esquerda mundial. Em primeiro lugar, porque o mais célebre

membro do movimento operário estadunidense era assumidamente antissocialista (já

havia frases como “o socialismo nada possui, a não ser a infelicidade para a raça

humana”)81 e também porque em diversos momentos da conferência ele mesmo pôs em

dúvida a eficácia de uma organização internacional do trabalho.

No entanto, segundo relato de James Shotwell historiador americano que a

certa altura foi convocado por Gompers e Wilson para auxiliar em um subcomitê de

trabalhos da conferência Gompers “tinha um profundo interesse pessoal” na

aprovação daquela legislação internacional “porque era declaração desses princípios

gerais para a qual ele e a American Federation of Labor lutaram”82.

Assim sendo, a rotina da Comissão sobre Legislação Internacional do

Trabalho estava longe de ser monótona. Embora poucos projetos globais tenham sido

apresentados, havia muitos debates conceituais, teóricos, sobre a internacionalização

dos direitos, assim como o recebimento de demandas sindicais e de Estados interessados

na questão. Entre as manifestações recebidas pela Comissão destacam-se dois

documentos: uma declaração da delegação italiana e uma da AFL.

No primeiro caso, os italianos afirmam contentamento pela comissão fazer

valer como objeto questões surgidas nos dois eventos mais importantes para a classe

trabalhadora durante a guerra; a Conferência dos Sindicatos dos países da Entente

(Conferência de Leeds, em 1916) e a Conferência de Berna. Porém, mais importante

que isso é a demanda de que já fossem incluídos no texto do Tratado princípios, por

exemplo, sobre a jornada de 8 horas e democratização dos regimes fabris, e não apenas

a criação de uma organização. Na missiva encaminhada pela AFL também são

afirmados princípios que deveriam constar na Carta do Trabalho, entre eles a liberdade

de associação e de assembleia, a garantia de um salário que fosse adequado aos custos

81 GOMPERS, Samuel. Seventy Years of Life and Labor. 2 vols. New York: E. P. Dutton & Company,

1925. 82 SHOTWELL, James T., apud MCKILLEN, 2010, p.54.

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de vida da civilização daquela época e a importância de que fossem garantidas mulheres

entre o pessoal do Bureau83.

Na parte final do texto foram incluídos nove itens de princípios gerais, tal

como sugerido pela delegação italiana e contempladas as sugestões da AFL,

reconhecendo que os princípios não seriam necessariamente definitivos, mas serviriam

de guia para a SDN. Os pontos expressos no Artigo 427 são84:

1º O princípio dirigente, acima enunciado, de que o trabalho não deve

ser considerado simplesmente como mercadoria ou artigo de

comércio.

2º O direito de associação tendente a quaisquer propósitos não

contrários às leis, tanto para os salariados como para os patrões.

3º O pagamento, aos trabalhadores, de um salário que lhes assegure

condições de vida razoáveis, tais como elas se compreendem no seu

tempo e país.

4º A adoção do dia de oito horas ou da semana de quarenta e oito

horas como objetivo a atingir em toda a parte onde ainda não foi

alcançado.

5º A adoção de um repouso hebdomadário mínimo, de vinte e quatro

horas, que deveria compreender o domingo sempre que fosse possível.

6º A supressão do trabalho das crianças e a obrigação de impor ao

trabalho da mocidade de ambos os sexos os limites necessários para

lhes permitir que continuem sua educação e lhes assegurar o

desenvolvimento físico.

7º O princípio da igualdade de salário, sem distinção de sexo, para um

trabalho de igual valor.

8º A legislação publicada em cada país a respeito das condições de

trabalho deverá assegurar um tratamento econômico equitativo para

todos os trabalhadores que residam legalmente no país.

9º Cada Estado deverá organizar um serviço de inspeção, que

compreenderá mulheres, a fim de assegurar a aplicação das leis e

regulamentos para a proteção dos trabalhadores.

83 Para acessar esses e outros importantes documentos sobre a rotina da Comissão sobre Legislação

Internacional do Trabalho ler publicação editada por Justin Godart logo após a Conferência de Paz. Cf.

GODART, Justin. Les clauses du Travail dans le Traité de Versalles (28 Juin 1919). Paris: Dunod

Editeur, 1920. 84 CASELLA, Paulo Borba. Tratado de Versalhes na História do Direito Internacional. São Paulo:

Quartier Latin, 2007. A Edição aqui utilizada é uma das poucas traduções do texto integral do Tratado de

Versalhes. As raras edições completas do Tratado de Versalhes traduzidas para o português são indício da

ainda tímida inserção do tema na historiografia e no debate jurídico brasileiro. Em Portugal há uma

tradução completa do Tratado de 1921. A edição portuguesa tem a seguinte referência: PINTO

LOUREIRO, José (Resp.). Tratado de Versalhes. Coimbra: Coimbra Editores, 1921. Celecção de

Legislação Portuguesa.

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Estavam lançadas, portanto, as bases sociais que tinham a dupla função de

evitar a proliferação de ideias revolucionárias e garantir a mínima dignidade humana

aos trabalhadores, ainda que dentro dos marcos liberais. De tal modo, tanto os princípios

supracitados quanto a pauta estabelecida para a primeira Conferência da OIT, realizada

em 1919 na cidade de Washington, serviram como inspiração e arma política para as

forças sociais (sindicatos, juristas, parlamentares progressistas) que travariam a partir

daí uma dura e longa batalha para que tais decisões fossem levadas à prática.

Em texto publicado em 1921, Archibald Chisholm publica um estudo crítico

sobre o Tratado de Paz e as cláusulas do trabalho e, mesmo reconhecendo seus limites,

aponta o referido documento como modelo para condução das questões sociais no

mundo industrial pós-Primeira Guerra:

Algo terá sido feito para realizar o objetivo indicado no primeiro dos

princípios gerais, mencionados no Artigo 427 do Tratado de Paz de

que ‘o trabalho não há de ser considerado como mercadoria ou artigo

de comércio’; mas mais do que isso é necessário85.

Mesmo com efeitos limitados e ressalvas de que as cláusulas do trabalho

não seriam aplicáveis imediatamente a todos os países (nem nos países com condições

socioeconômicas mais avançadas, tampouco em colônias e protetorados), a Parte XIII

incomodou, e muito, os governos e elites dos países participantes da Sociedade das

Nações. Por mais moderadas e razoáveis que soassem aquelas garantias mínimas para

os trabalhadores muitos industriais viam, por um lado, uma concessão aos sindicatos e

organizações operárias e, por outro, o risco de que tais medidas afetassem seus lucros.

O programa de redução de jornadas, salário digno, direito de salário igual

para trabalhos iguais entre homens e mulheres, pareciam aspectos de difícil efetivação

até para os redatores desses artigos. Segundo Jean-Jacques Becker “esse programa era

tão ambicioso quanto difícil era a sua realização mesmo nos países socialmente mais

avançados” e para os redatores se “tinha consciência de que, dentro do estado em que o

mundo se encontrava, esse programa era irrealizável em qualquer lugar”86.

Cada qual à sua maneira, as classes dominantes elaboravam argumentos

para inviabilizar ou ao menos protelar a aplicação das resoluções inscritas na Parte XIII,

85 CHISHOLM, Archibald. Labour's Magna Charta; a critical study of the labour clauses of the Peace

treaty and of the draft conventions and recommendations of the Washington International Labour

Conference. New York; Bombai: Longmans, Green and Company, 1921, p.163. (Tradução nossa). 86 BECKER, 2011, p.161.

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e o principal argumento passou a ser a crítica à intervenção na soberania nacional, uma

vez que uma legislação internacional poderia agir de forma discricionária,

desrespeitando as regras, tradições e costumes de cada país. Um cronista brasileiro, que

fazia a cobertura da participação da delegação brasileira em Paris, deu especial atenção

a esse tema e, de pronto, em seus relatos, rebateu esses argumentos:

É evidente que a soberania das nações sofre com esse controle

humano! Não podemos deixar de pensar, entretanto, que todas as

aspirações se encadeiam em sanções que as referendam. O Bureau

pode saber do trabalhador em qualquer país? Há muito tempo o

cidadão de uma nacionalidade é acompanhado por ela aonde ele vá!

[...] Diante da estupidez das oligarquias conservadoras, a minha

revolta era contra a teimosia de não quererem elas entender a

necessidade da igualdade humana. Esse projeto é, conservadoramente,

apenas de igualdade humana. Nada tem de desorganizador da ordem e

dos interesses de quem quer que seja. A novidade é a humanidade87.

O posicionamento de João do Rio88 enfrentou os dois obstáculos interpostos

pelas elites, por ele chamadas de “oligarquias conservadoras”, que também iriam ser

reproduzidos no Brasil. O primeiro, já citado, de que haveria uma intervenção nas

questões nacionais, era apenas uma interpretação seletiva, visto que todo o

procedimento estava previsto no acordo firmado entre os integrantes da Sociedade das

Nações e havia diversos precedentes de situações parecidas sobre as quais não recaiam

críticas. O segundo argumento consistia no teor “comunista”, “socialista” ou

“bolchevique” dessas leis, questão ironizada por João do Rio ao tratá-las, ao contrário,

como conservadoras. Destarte, a adoção das leis do trabalho era mais uma vacina contra

a fúria das massas do que uma injeção de ânimo nas veias revolucionárias. A garantia de

direitos para a classe trabalhadora tratava-se tão somente de um gesto de “humanidade”.

No Brasil, reações e argumentos parecidos com os enfrentados por João do

Rio em 1919 também figurariam nas discussões sobre a recepção do Tratado de Paz e

suas cláusulas do trabalho. Ainda que, assim como o jornalista, especialistas afirmassem

que “os conservadores de hoje são aqueles que resolverem o problema que a

humanidade proletária exige”89, setores da elite brasileira reproduziam atos de histeria a

cada vez que algum privilégio parecesse ameaçado e qualquer menção a avanços para a

87 RIO, João do. Na Conferência da Paz. 3 v. Rio de Janeiro: Villas Boas, 1919-20, p.87. 88 João do Rio é pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, jornalista,

cronista, tradutor e teatrólogo brasileiro. 89 Ibid., p.82.

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classe trabalhadora era imediatamente interpretada como uma afronta “aos nossos

costumes”.

1.4. A delegação brasileira na Conferência de Paz em Paris.

O Diário Oficial da União (DOU), do dia 4 de maio de 1919 registra que em

janeiro daquele ano o Brasil havia sido convidado formalmente pelo governo francês,

em nome dos Aliados, para tomar parte da Conferência de Paz que se reuniria em Paris.

As providências foram tomadas para composição da delegação, o Congresso Nacional

rapidamente votou créditos para custear a viagem e, assim, o navio Curvelo partiu rumo

a Paris no dia 2 de janeiro de 1919, levando o chefe da delegação brasileira, Epitácio

Pessoa, o deputado Raul Fernandes, o consultor jurídico Rodrigo Otávio, o secretário

Geral da delegação Hélio Lobo, os militares Armando Burlamaqui e Malan D´Angrogne

e mais um restrito grupo de assistentes90. O deputado João Pandiá Calógeras e Olyntho

M. de Magalhães (instruído por Domício da Gama, Ministro das Relações Exteriores) já

se encontravam na Europa e lá se uniram à Delegação.

A diplomacia celebrava a boa recepção que teve na Europa e se exultava dos

calorosos cumprimentos recebidos pelos representantes dos Conselhos das Grandes

Potências, em especial da França e da Grã-Bretanha. Comentava, ainda, o encontro

com líderes de países aliados e vizinhos:

Devido a grande epidemia que irrompeu em outubro do ano passado,

simultaneamente em quase todos os países, e que tantas vítimas fez,

não teve o Governo Brasileiro a satisfação de acolher as missões

especiais que muitos Governos amigos já tinham resolvido enviar para

assistir a posse presidencial em 15 de novembro último91.

Fato curioso é que a epidemia citada era exatamente o surto de gripe

espanhola de 1918 que impediu o presidente eleito para o quadriênio 1918-1922,

Rodrigues Alves, de tomar posse e o levou a óbito no início de 1919. Foi esse cenário

90 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (DOU). Seção 1, de 04/05/1919, p. 5. (Grafia atualizada); BARRETO,

Fernando de Mello. Da Primeira Guerra Mundial à Liga Das Nações. In. SILVA, Raul Mendes (Org.).

Missões De Paz: A Diplomacia Brasileira Nos Conflitos Internacionais. Rio de Janeiro: Multimídia, 2003; CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1959,

reedição fac-similar, 1998. 91 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (DOU). Seção 1, de 04/05/1919, p. 5. (Grafia atualizada).

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de turbulência no campo da sucessão presidencial que ocasionou a desistência do

senador Ruy Barbosa de chefiar a delegação brasileira em Paris e abriu espaço para que

o paraibano Epitácio Pessoa assumisse o posto.

A desistência de Ruy Barbosa tornou-se irônica na medida em que nas

eleições do dia 13 de abril de 1919, ele seria derrotado na disputa à Presidência da

República justamente por Epitácio Pessoa, primeiro presidente a ser eleito sem estar em

território nacional. Para muitos comentaristas políticos, a ausência de Epitácio Pessoa

para representar o Brasil em uma missão que atraía os holofotes mundiais contou muito

mais a favor do candidato do que se o mesmo tivesse ficado no Brasil para fazer

campanha. No entanto, nas condições eleitorais da época e não sendo candidato da

situação, o desempenho eleitoral de Ruy Barbosa pode até ser considerado positivo,

visto que uma das “hipóteses para que ele não tenha sido eleito era o fato de haver

fraudes eleitorais favoráveis ao governo vigente e por representar um setor incipiente na

sociedade brasileira, composto por industriais e trabalhadores urbanos”92.

De todo modo, a escolha de Epitácio Pessoa representava uma posição

política interna e externa mais confortável para os “americanófilos”, ou seja, aqueles

que defendiam que o Brasil deveria buscar uma situação de apoio prioritário às questões

apresentadas pelos Estados Unidos da América. Se Ruy Barbosa, mais afeito aos

interesses ingleses, poderia ser até considerado persona non grata pelo governo de

Washington93, Epitácio Pessoa, por sua vez, estava afinado com os interesses norte-

americanos, posição que agradava o presidente interino Delfim Moreira.

O deputado Pandiá Calógeras, membro da delegação brasileira, descreve o

ambiente encontrado como “carregado de eletricidade, continuidade da guerra sob outra

forma”94 e com deliberado intuito das grandes potências em “esmagar sem dó a

Alemanha e seus aliados, consolidar permanentemente a situação da força [...] das cinco

grandes potencias que julgariam os demais casos e às outras nações se reservava o

direito de aplaudir”95. O abissal fosso a separar as grandes potências e os pequenos

92 BARROS, Aparecida Vânia Petrini de; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A Questão Social e

Política no Brasil em 1919: a visão de Rui Barbosa. Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá, PR. v. 28, n. 1, p.

81-91, 2006. 93 PEREIRA, Gabriel Terra. A Política Externa Brasileira na Visão de Hélio Lobo (1908-1920). Brazilian

Journal of International Relations, Marília, SP. v.3, n.2, p. 227-256, Maio/Ago., 2014. 94 CALÓGERAS, João Pandiá. O Brasil e a Sociedade das Nações. São Paulo: Secção de Obras do

Estado de São Paulo, 1926, p. 10. 95 Ibid., p.8.

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Estados e Nações é a primeira questão a ser enfrentada, portanto, pela delegação

brasileira. Embora, a iniciativa de realizar uma conferência prévia entre os países latino-

americanos, com o intuito de fortalecer a posição desses países, tenha partido do

representante uruguaio, Dr. Juan Carlos Blanco, a delegação brasileira já se ocupava do

debate com as potências desde o estabelecimento do número de delegados que deveria

enviar a Paris, quantidade que era considerada insuficiente pela diplomacia brasileira96.

Por fim, o Brasil fez uso de seus laços com os Estados Unidos para garantir a presença

de três delegados, dois a mais do que os outros países latino-americanos.

Além disso, a diferença era acentuada por linguagens politicas muito

diversas adotadas por cada grupo de países, uns a invocarem poderio e força enquanto,

na visão de Calógeras, “os mais novos se inspiram em um ideal jurídico de tolerância e

mútuo consenso”97. A descrição de Calógeras, no entanto, há de ser considerada dentro

da construção de uma narrativa que deveria demonstrar algum grau de altivez da

delegação brasileira, já que as demonstrações de alinhamento aos Estados Unidos eram

evidentes. O que não significa que o Brasil não teve papel crítico importante em

algumas questões. Principalmente no debate sobre a constituição da Sociedade das

Nações, a América Latina e em especial o Brasil fomentaram debates até então

esquecidos pelas grandes potências, provocando a necessidade de construir um bloco

que dialogasse e colocasse na pauta interesses até então excluídos da Conferência de

Paz de Versalhes.

De tal forma, a aproximação com os Estados Unidos, aliada às dimensões

geográficas e populacionais do Brasil, foi decisiva tanto para a conquista de posições

políticas dentro da Conferência, uma vez que, rapidamente, o Brasil assumiu o posto de

liderança dos países latino-americanos, quanto para a obtenção de seus objetivos

específicos. A participação do Brasil na Grande Guerra, a única dos países sul-

americanos, contribuiu para essa relação privilegiada com os Estados Unidos.

A esse respeito, Francisco Doratiotto analisou que embora a participação

brasileira se restringisse ao envio de 13 aviadores, uma missão médica, observadores do

exército e uma frota de seis navios para o Mediterrâneo (que sequer chegou a tomar

parte dos conflitos devido a um surto de gripe espanhola entre os marinheiros), portanto,

96 STREETER, Michael. South America and the Treaty of Verssaille. Haus Publishing Ltd, London, 2010,

p.119. 97 CALÓGERAS, op cit., p.6.

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uma participação simbólica, a mesma “permitiu ao Brasil importantes ganhos no cenário

internacional”, pois, “o país esteve na Conferência Interaliada em Paris e, terminada a

guerra, nas negociações de paz de Versalhes”98. Dessa forma, mesmo se unindo aos

reclamos dos países menores, o Brasil acabou por “aceitar a lógica de distribuição de

poder com base em classificação hierarquizada”. O não reconhecimento de grandes ou

pequenas potências, tratando as nações soberanas em igualdade de direito e categoria,

relatado por Pandiá Calógeras, na prática, teve seu limite na relação pragmática (ou

realista) que o Brasil estabeleceu com as quatro grandes potências.

As duas questões prioritárias para o Brasil na Conferência de Paz diziam

respeito às sacas de café vendidas pelo Brasil à Europa e a exigência, por parte do

Brasil de pagamento da Alemanha e a requisição de navios. Em artigo sobre a

diplomacia brasileira após a guerra, pesquisadores apontam:

O primeiro problema se referia a uma requisição de vários navios feita

pelo Brasil, em 1917, em represália à destruição de tonelagens pela

Alemanha, ainda antes da deflagração de guerra entre os dois países.

Como a apreensão foi feita ainda em momento de neutralidade, e os

navios não foram posteriormente tornados propriedade brasileira

durante a guerra, a questão se tornou de difícil solução durante as

negociações de paz. Contudo, conseguiu-se atingir uma solução

favorável ao Brasil no artigo 297 do Tratado de Versalhes, segundo o

qual o Brasil teve reconhecido seu direito de propriedade dos navios

mediante indenização à Alemanha (valor que era inferior às

reparações de guerra que a mesma devia ao Brasil). A questão do café,

por sua vez, se referia a um depósito que o Brasil vendeu e depositou

a importância correspondente em uma casa bancária de Berlim, ainda

antes do início da guerra. Essa questão foi de resolução mais fácil,

sendo o Brasil citado nominalmente no artigo 263 do Tratado de

Versalhes99.

O Brasil, portanto, obteve sucesso em suas demandas modestas quando

comparadas aos pleitos das grandes potências, mas importantes quando comparadas ao

grau de envolvimento do Brasil na guerra. O apoio dos EUA, desde o momento em que

se discutiam as distribuições de tarefas e participação na Conferência100, fortaleceu

Epitácio Pessoa e aumentou seu prestígio. Em telegrama de 2 de junho de 1919,

98 DORATIOTTO, Francisco. O Brasil no Mundo. Idealismos, novos paradigmas e voluntarismo. Volume

3 A abertura para o mundo: 1889-1930. In. SCHWARCZ, Lilia Moritz (Dir.). História do Brasil

Nação: 1808-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p.165. 99 PASSOS, Anaís M.; CORÁ, Camilla; AMAZARRAY. Igor. Discurso, prática e poder: o Brasil na Liga

das Nações. Revista Interação. Universidade de Santa Maria. Santa Maria: UFSM, v.1, n.1, 2010. 100 MACMILLAN, 2004, p.70.

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apresentando resenha do trabalho da delegação brasileira em Paris, Epitácio Pessoa

reafirmava que de pronto que “do presidente Wilson tive logo manifestações

inequívocas de apoio”101. Segundo Delgado de Carvalho, tanto no caso das sacas de

café que estavam na Alemanha, quanto no caso dos navios, a intervenção norte-

americana foi decisiva para o favorecimento do Brasil e quando “o Protocolo Wilson-

George, de 8 de maio, concedia a propriedade dos navios mediante indenização”, a tese

de Epitácio Pessoa soou como vencedora102.

A imprensa francesa também deu certo reconhecimento à liderança de

Epitácio Pessoa e, na ocasião de sua partida de Paris, o Jornal L´illustration, que havia

feito ampla cobertura da Conferência, dedicou-lhe espaço:

A partida da França do Presidente do Brasil

O eminente Chefe da Delegação brasileira à Conferência de Paz, Sr.

Epitácio Pessoa, presidente eleito do Brasil, deixou Paris na terça-feira

pela manhã para partir para a Inglaterra a convite do Rei George, antes

de regressar ao seu país, onde a confiança de seus compatriotas o

chamou para exercer o cargo supremo. A delegação brasileira

participou das negociações que precederam a criação de condições de

paz, uma influência particular, justificada pela alta personalidade de

seus membros e os interesses econômicos consideráveis que o Brasil

representa atualmente. A partida do Senhor Epitácio Pessoa deixa

profundo pesar naqueles que foram capazes de em suas ações

atividades amigáveis e comprometidas com o nosso país. Nosso

governo queria que um navio francês o conduzisse para o Brasil e,

para esse fim, o cruzador Jeanne d'Arc, hasteando a bandeira do

contra-almirante Grout, levará o presidente a Lisboa e à América, de

onde partirá contigo sua família e sua comitiva em um navio Inglês.

O adeus à França de Epitácio Pessoa foi de um amigo que quer voltar

para cá e cujas simpatias, no exercício de seu alto cargo,

permanecerão fiéis, como já prometeu. Se, disse ele a uma delegação

de imprensa na véspera de sua partida, o meu país quer uma relação

cada vez mais próxima com todas as nações amigas e aliadas, não há

nenhum país com a qual o Brasil deseja mais ardentemente esta

comunhão de interesses e reciprocidade de serviços do que com a

França. (L‘Illustration, 7 de junho de 1919)103.

Algumas feridas, no entanto, continuavam abertas. Durante o processo

eleitoral de 1919, Ruy Barbosa, principal opositor de Epitácio Pessoa, apresentou uma

plataforma de discussão das questões sociais e defendeu abertamente a adoção de uma

101 PESSOA, Epitácio. Conferencia da Paz, Diplomacia e Direito Internacional. Rio de Janeiro: Instituto

Nacional do Livro. Ministério da Educação e Cultura, 1961. Telegrama 02/16/1919. 102 CARVALHO, 1998, p.384. 103 L’ILLUSTRATION, 7 de junho de 1919. (Tradução nossa).

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legislação que regulamentasse o trabalho, denunciou a exploração a que o povo estava

submetido e as péssimas condições de trabalho nas fábricas. Ademais, apontava para a

crescente tensão social como uma ameaça ao capitalismo. Em discurso realizado no

Teatro Lírico do Rio de Janeiro, no dia 20 de março de 1919, Ruy Barbosa criticou os

políticos que nada faziam para amenizar a deplorável situação da classe operária e,

assim, colocavam em risco toda a ordem social brasileira104. Derrotada nas eleições, a

plataforma de Ruy Barbosa, no entanto, teve grande repercussão nos meios sindicais e

político. No mesmo momento, na Europa, a Conferência de Paz colocava à mesa esse

debate, solenemente ignorado pela delegação chefiada por Pessoa.

Apesar da expectativa de setores do movimento operário e do parlamento

brasileiro quanto à inserção do Brasil nas discussões sobre legislação do trabalho, no

entanto, das 5 comissões criadas na Conferência (a saber, Reparações, Vias de

Comunicação, Legislação do Trabalho, Responsabilidade na Guerra e Sociedade das

Nações), o Brasil tomou parte apenas dessa última. João do Rio escreveu que para

defesa de seus interesses nas demais comissões, entre elas a de legislação do trabalho, o

Brasil se valeu do auxílio de portugueses e países sul-americanos.

Em telegrama enviado ao senador Azeredo, no dia 23 de abril de 1919,

Epitácio Pessoa utiliza como justificativa para a ausência da delegação brasileira na

sessão que recebeu o projeto da Comissão sobre Legislação Internacional do Trabalho a

ocupação com “outros interesses do Brasil”, embora faça a ressalva de que a delegação

acompanhou com o “maior interesse” os trabalhos da Comissão. Também afirma que

tinha conhecimento prévio de que o texto seria aprovado integralmente e, portanto, seria

indiferente a participação de sua delegação. Mais adiante, Pessoa minimiza o fato e o

ruído feito no Brasil em torno do assunto, sinal de que nesse momento havia cobrança

de setores do parlamento e da sociedade brasileira sobre as questões sociais e não vozes

isoladas. Tanto que forçaram uma justificava do presidente eleito da República.

No dia seguinte, 24 de abril, foi encaminhado a Azeredo outro telegrama de

Paris para tratar do andamento da Comissão. Nele, o chefe da delegação informa o

senador que havia solicitado ao delegado uruguaio que acompanhasse os debates e

pedido para que ficasse atento aos pontos que “nos interessassem”. Ao mesmo tempo,

Olyntho de Magalhães fazia o mesmo pedido aos demais delegados latino-americanos.

104 HALL; PINHEIRO, 1979, p.272.

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A medida sugere ter surtido efeito, uma vez que dessa data em diante há várias

correspondências entre o senador e Pessoa e, cada vez mais, os telegramas vindos de

Paris traziam mais detalhes sobre o teor das discussões. Foi dessa forma que chegaram

ao Brasil as primeiras informações sobre a proposta de um Congresso em Washington

para debater exclusivamente legislação do trabalho. Também foi assim que temas como

direito de associação de operários e patrões, supressão do trabalho de crianças e

limitação do trabalho dos menores a fim de garantir formação educacional e física dos

jovens, salário igual para trabalho igual sem distinção de gênero e tantos outros temas

que não eram novidades para o movimento operário no Brasil, soavam como música

revolucionária aos ouvidos de quem acompanhava de perto a realidade da vida da classe

trabalhadora no Brasil.

Eugênio Vargas Garcia também publicou informações que atestam o

desinteresse das elites dirigentes brasileiras pela questão do trabalho. Quanto à

Organização Internacional do Trabalho o autor reproduz documento diplomático de

1925 e indica que “o Brasil não manifestava nenhum interesse em integrar seu conselho

administrativo [...] o governo entendia que as questões do trabalho não eram tão graves

no país a ponto de exigir maior atenção do Itamaraty”105.

No entanto, a campanha presidencial de 1919, o conteúdo dos jornais e

boletins sindicais impulsionados pelas intensas ações da classe trabalhadora nos centros

urbanos brasileiros e a própria necessidade de justificativa da delegação pela ausência

em uma sessão sobre legislação do trabalho, formam prova de que finalmente esse

debate havia assumido lugar na política nacional, antes mesmo da série de decretos

presidenciais que formariam a legislação trabalhista brasileira. Em outras palavras,

nenhum problema estava resolvido, mas estavam enfim colocados.

1.5. Notícias da Conferência de Paz: as leis do trabalho na imprensa

brasileira.

As notícias do exterior cumpriram importante papel para a formação da

opinião pública e orientação política do movimento operário brasileiro. Desse modo, foi

105 GARCIA, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926). Porto Alegre/Brasília: Editora

da Universidade/Fundação Alexandre de Gusmão, 2000, p.87.

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extensa a cobertura da Conferência de Paz de Versalhes pela grande imprensa e, por

consequência, das informações acerca da legislação do trabalho.

O Estado de São Paulo noticiou, em 17 de julho de 1919, que ocorrera uma

significativa manifestação de operários da capital paulista contra o Tratado de

Versalhes. Na ocasião os manifestantes qualificaram o Tratado como “engodo

imperialista”106. A matéria registrava, ademais, a recusa por parte do movimento

operário em aceitar os termos das medidas propostas em Paris, consideradas por eles

paliativas.

O jornal carioca Correio da Manhã publicou notas curtas e deu ênfase ao

fato de que o “Congresso Nacional discutiria na última sessão pautas nacionais, Tratado

de Paz e Legislação Social”107. Além disso, recomendava a leitura de João do Rio no

editorial da Revista da Semana, que traria a íntegra do que havia ocorrido na

Conferência de Paz108.

No primeiro dia de março de 1919, o jornal deu ênfase aos informes da

reunião da Comissão da Legislação Internacional do Trabalho:

A comissão de legislação internacional do trabalho realizou hoje a

décima quinta e décima sexta sessões sob a presidência do Sr.

Gompers, tendo acabado a discussão das condições a serem exigidas a

fim de obter-se a modificação da constituição da Organização

Internacional do Trabalho cuja criação foi proposta. Foi decidido que

a reunião da Conferência Internacional do Trabalho seja convocada

para o mês de outubro109.

A partir daí, o jornal publicou uma série de informações e opiniões sobre a

futura Organização Internacional do Trabalho e a conferência convocada para outubro,

sem esconder sua posição de que a OIT era um plano “inteligente e sensatamente

elaborado” e que “se coaduna perfeitamente com os princípios da Sociedade das Nações

apresentada por Wilson”110. No final de 1920, o deputado Andrade Bezerra utilizou as

páginas do jornal para, em um mesmo artigo, defender a força dos parlamentos e da

função legislativa, associando-a às novas leis e instituições do trabalho que estavam

surgindo. Em suas conclusões, afirmava que:

106 O ESTADO DE SÃO PAULO, 17/7/1919. 107 CORREIO DA MANHÃ, 01/01/1920. 108 Ibid., 02/01/1920. 109 Ibid., 01/03/1919 110 Ibid., 22/03/1919.

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Podemos ter esperança tanto mais fundada no desenvolvimento desse

método de elaboração legislativa, quanto o vemos adotado pelos

países que integram a Liga das Nações, na Organização Internacional

do Trabalho. Que é a Conferencia internacional ali criada [...] senão

um parlamento profissional, de ordem internacional, em que os

delegados das classes operárias e patronais, em colaboração com os

representantes do governo, solucionam, com os ensinamentos de sua

experiência, as questões do trabalho, as mais graves dos tempos

presentes, conseguindo ver aplicadas essas soluções a todas as partes

do mundo?111

O artigo de Andrade Bezerra enfrentava as desconfianças em relação ao

parlamento, existentes na sociedade, afirmando que era esse modelo, o parlamentar, o

escolhido pelas instituições consideradas por ele “mais avançadas” e que entregavam

resultado concreto na vida dos trabalhadores de todo o mundo. Feitas as ressalvas

quanto à eficiência prática desse discurso, nota-se é um ponto de vista muito distinto do

que entenderia a maior parte dos jornais operários daquele período. Salta aos olhos,

contudo, que o parlamentar tenha escolhido exatamente a legislação do trabalho para

defender o poder legislativo em tempos nos quais o executivo “se anunciava frágil e

dependente”112.

Ao passo em que as questões sobre legislação do trabalho ganhavam cada

vez mais espaço no Correio da Manhã, o jornal O Paiz assumia a defesa da adoção de

leis sociais de forma explícita e, em texto ladeado por uma tocante matéria sobre a

situação de uma criança de baixa renda, defendeu que a única solução para casos como

esse era a adoção de uma legislação social, isto porque:

O remédio está em uma legislação social sábia, fecunda, cheia de

ideias novas, práticas, cintilantes, vigorosas, trazendo melhoras às

diversas condições sociais das classes pobres, principalmente em tudo

que lhes diz respeito à higiene física e moral. A nação que promulgar

essa legislação dará ao mundo inteiro uma lição admirável.

Com essas medidas; com hospitais e dispensários distribuídos pelos

arrabaldes, de modo a satisfazer as exigências das populações; com o

aumento da instrução, leis protetoras das gestantes, recursos que lhes

permitam aleitar seu filho ao seio, incitamento, sob várias formas,

aquelas que levam a cabo essa tarefa dignificadora; saneamento das

habitações, creches aqui e ali, para atender as que não possam se

esquivar a trabalhar fora do lar, auferindo os meios de subsistência,

além de leis contra o alcoolismo e outras disposições que venham

111 Ibid., 13/11/1920. 112 VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com

leite”. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 258.

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garantir a esses pequenos deserdados ter-se-á, seguramente oferecido

um dique a essa corrente caudalosa que vem afogando e dizimando a

vida em massa113.

Nota-se que a presença dos temas relacionados ao trabalho ganhou mais

destaque na grande imprensa nesse período, muitas vezes carregando assinatura de

personalidades de renome no mundo político e jurídico, como o caso do jurista Evaristo

de Moraes e Maurício de Lacerda.

O jornal O Paiz retomou a “seção operária”, dessa vez sob a

responsabilidade de Sarandy Raposo114. De tal forma, as defesas das leis do trabalho

tomaram corpo em artigos na imprensa graúda, mas, também, na imprensa operária,

pelas mãos de intelectuais engajados no tema. A esse respeito, um episódio foi narrado

de forma curiosa na Sessão da Câmara dos Deputados de 28 de julho de 1920,

oportunidade na qual o deputado Andrade Bezerra relatou a repressão sofrida pelo

diretor do jornal operário Voz do Povo115, Álvaro Palmeira, e contou que um manuscrito

de artigo de Maurício de Lacerda havia sido apreendido como “material perigoso”. No

entanto, ironizou o deputado Bezerra, que o artigo não havia sido classificado como

subversivo tão somente por conta da “péssima caligrafia do autor”116.

Em setembro de 1921, ainda, saiu o primeiro número da revista Clarté no

Brasil, grupo que sob a influência do francês Henri Barbusse envolvia militantes,

advogados, jornalistas e sindicalistas, incluindo Maurício de Lacerda e Evaristo de

Moraes117. A diversidade de pensamento dentro do próprio grupo, não dogmático,

garantia a seus membros bom trânsito entre variados segmentos do movimento operário

e da imprensa. Segundo Joseli Mendonça, “dois dos quatro artigos escritos por Evaristo

113 O PAIZ, 09/05/1919, p.2. 114 Custódio Alfredo Sarandy Raposo foi líder sindical, fundador da Confederação Sindical Cooperativista

Brasileira e funcionário do Ministério da Agricultura. Foi redator da seção “No meio operário” publicada

pelo jornal O Paiz, a partir de fevereiro de 1923. Cf. BATALHA, Claudio H. de M.. Dicionário do

Movimento Operário: Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920, militantes e organizações. São Paulo:

Editora da Fundação Perseu Abramo, 2009, p. 134. 115 O historiador Dainis Karepovs esclareceu em nota que Voz do Povo era sucessor de Spartacus (que

circulou de agosto de 1919 a janeiro de 1920) e órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro.

Reunia militantes anarquistas e socialistas e, como seu antecessor, publicava farto noticiário sobre a

Rússia Soviética. Circulou de fevereiro a novembro de 1920. Cf. KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o

parlamento no Brasil: O bloco operário-camponês (1924-1930). Tese de Doutorado. Departamento de

História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo:

USP, 2001, p. 35. 116 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, Sessão 28/07/1919. 117 Sobre o Grupo Clarté. Cf. HALL, Michael; PINHEIRO, Paulo Sérgio. O grupo Clarté no Brasil: da

revolução nos espíritos ao ministério do Trabalho. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Libertários no

Brasil - memória, lutas, cultura. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 251-287.

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de Moraes para a revista Clarté dedicavam-se exatamente a apontar a necessidade de

que o parlamento aprovasse leis para melhorar as condições de vida dos

trabalhadores”118.

O engajamento de Evaristo, de acordo com Mendonça, utilizava como

instrumento a publicação de textos na grande imprensa e “nos textos que publicava nos

jornais com objetivos declaradamente políticos, a relação entre a história da abolição e a

questão operária podia ser diretamente estabelecida” e mais, “não passava despercebida

a Evaristo a tensão que os elementos de ordem política introduziam na história científica

que ele queria produzir”119. Assim, Evaristo de Moraes publicou artigos sobre a questão

social no Jornal do Comércio, Correio da Manhã e Voz do Povo.

Antes de se fazer análise das posições da imprensa operária são necessárias

algumas considerações sobre as correntes que editavam essas publicações nos anos

1920 e as diferentes interpretações que tinham do estágio da luta política. Edilene

Toledo mostrou como, embora quase automaticamente relacionado ao anarquismo, o

movimento operário em São Paulo era mais heterogêneo e complexo. Sobre o

“sindicalismo revolucionário”, movimento que se destacava, Toledo observou que essa

era uma “corrente política autônoma em relação ao anarquismo e socialismo”120. Além

disso,

O novo projeto sindicalista revolucionário era essa tentativa de

conciliar a luta para obter vantagens a curto prazo no quadro do

sistema existente, com uma perspectiva a longo prazo de derrubar o

capitalismo e instaurar um sistema de propriedade coletiva dos meios

de produção, geridos pelos próprios trabalhadores121.

A contribuição de Toledo é de fundamental importância para desmitificar a

ideia de que nos anos 1920 o movimento operário era todo ele “anarcossindicalista”,

quando na realidade era muito mais amplo e complexo de que isso. Por sua vez, o

“sindicalismo reformista”, discutido por Claudio Batalha, tinha uma “concepção do

funcionamento e uma prática sindical partilhada por uma constelação de correntes:

118 MENDONÇA, Joseli Maria N. Evaristo de Moraes, Tribuno da República. Campinas: Ed. da

UNICAMP, 2007, p.331. 119 MENDONÇA, Joseli Maria N. Evaristo de Moraes: O juízo e a história. In: LARA, Silvia Hunold;

MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (org.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social.

Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 2006, p.334. 120 TOLEDO, Edilene. Travessias Revolucionárias: ideias e militantes sindicalistas em São Paulo e na

Itália (1890-1945). Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 2004, p. 27. 121 Ibid., p. 30.

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socialistas, positivistas, sindicalistas pragmáticos”122. Eram organizações que se

pretendiam duradouras, financeiramente equilibradas e que defendiam, diferentemente

dos “revolucionários”, uma política de obtenção de ganhos que aceitava intermediação

de advogados, políticos e autoridades que assegurassem conquistas pontuais através de

leis.

Acrescenta-se a esse cenário a fundação, em 1922, do Partido Comunista do

Brasil (PCB), estruturado em um momento de sério revés na luta operária de inspiração

anarquista e orientado pela linha da Internacional Comunista. Cada um desses grupos

assumiu diferentes atitudes frente ao Tratado de Paz e, ao longo do tempo, os próprios

grupos modificaram suas leituras. Outra confusão frequente, que se evita neste texto, é

associar os periódicos da época diretamente a uma dessas filiações ideológicas. Não era

raro que os espaços que os jornais tinham para dar notícias dos sindicatos fossem

ocupados por jornalistas com proximidade com o anarquismo ou comunismo, questão

que poderia mudar de acordo com a conjuntura, a depender do ambiente político e grau

de repressão.

Para todos esses grupos, a imprensa era mais do que um meio de

comunicação, era um meio de organização das ideias e da afirmação de identidade de

cada uma das correntes. De acordo com Tiago Bernardon “divulgar acontecimentos

contemporâneos do exterior deveria cumprir uma função muito maior do que

meramente informativa, que era fazer o trabalhador tomar parte de um movimento

universal que era essencialmente seu”123. A repercussão dos eventos e feitos

internacionais, portanto, não se limitava à denúncia e ao exemplo, mas incluía o

processo de formação e afirmação de experiência para aquela classe social.

Esse ponto é perceptível em jornais com interpretações intermediárias, caso

do jornal diário O Combate que, desde antes da Conferência de Paz, defendia a adoção

de uma legislação social sem, no entanto, aderir aos princípios mais radicais dos

movimentos políticos da época. Na edição do dia 25 de setembro de 1917, por exemplo,

o jornal defendeu aprovação de leis para proteção do trabalho materno e infantil e, para

122 BATALHA, Claudio H. de M.. O Movimento Operário na Primeira República. Coleção Descobrindo

o Brasil. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2000, p.33. Cf., do mesmo autor, Le syndicalisme

“amarelo” à Rio de Janeiro (1906-1930). Tese de Doutorado em História. Universidade de Paris. Paris:

Université de Paris I, 1984. 123 OLIVEIRA, Thiago Bernardon de. Anarquismo, sindicato e revolução no Brasil (1906-1936). Tese de

Doutorado em História. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro: UFF, 2009, p.217.

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tanto, apresentou memorando das leis em vigor na Alemanha, Suíça, Bélgica, Portugal,

Itália e Argentina:

Façamos uma rápida excursão através da legislatura dos povos de

superar civilização e vejamos o que de mais prático, de mais eficiente

e de mais previdente valor se tem tentado e conseguido neste

particular. O problema social é tanto mais momentoso, tanto mais

premente e empolgante, quanto atentarmos para a situação que seguirá

à terminação da tremenda e calamitosa guerra destruidora que tanto

perdura124.

No mesmo espírito, O Combate faria generosos elogios ao deputado

Maurício de Lacerda na ocasião em que apresentou um projeto para assistência e

amparo às mulheres operárias e seus filhos.

Despertados violentamente pela veemência tumultuosa das

reivindicações do proletariado, pelo apelo vibrante do exército de

operários que reclamam justas concessões e razoáveis vantagens a que

lhes assiste legítimo direito nas sociedades cultas e bem

administradas, os governos movem-se e parecem animados do nobre

desejo de dar satisfação a tão justas exigências. O operoso e

esclarecido deputado Maurício de Lacerda, cujos esforços generosos

em prol dos interesses e dos direitos das classes pobres se

desenvolvem e expandem com vigor, apresentou há dias, à Câmara

Federal um projeto de lei, que, convenientemente modificado,

adaptado e provido de feições práticas, realizará um largo e profícuo

passo no caminho do amparo e assistência legal da maternidade e da

infância no meio operário125.

No ano seguinte, no qual foi estabelecida no Brasil a Comissão de

Legislação Social (CLS) na Câmara dos Deputados, o periódico abriu espaço para

entrevistas de deputados da bancada trabalhista, indicando outra vez sua posição a

respeito da legislação do trabalho, e noticiou que a questão ganhava peso naqueles dias.

Tanto no meio dos industriais como no dos proletários está

despertando vivo interesse o trabalho que no Congresso Federal está

sendo iniciado com o fim de, na presente legislatura, ser votada a

legislação operária. No seio das classes laboriosas há receio de que os

grandes industriais procurem criar embaraços à ação legislativa, e isso

com vista da atitude pelos mesmos, assumida contra os projetos sobre

o mesmo problema votados pelo Conselho Municipal126.

124 O COMBATE, 25/09/1917. 125 Ibid., 05/10/1917. 126 Ibid., 29/05/1918; 23/05/1919.

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A cobertura sobre a Conferência de Paz também teve destaque nas páginas

desse jornal. No início de janeiro, quando líderes políticos russos não alinhados aos

bolcheviques procuraram representantes das potências que participavam das tratativas

de Versalhes para tentar um acordo, o jornal afirmou o desejo de que dessas reuniões

saíssem resoluções “de grande eficácia para libertação da Rússia da influência

bolchevique”127. A defesa da legislação social, portanto, aparecia como estratégia

alternativa à revolução social, embora o ataque aos bolcheviques não tenha sido uma

linha definitiva desse órgão de imprensa.

Nesses mesmos dias, o então semanário A Plebe, publicação de São Paulo,

passava a ser diário diante do cenário de acirramento das lutas sociais, e reagia

duramente contra o projeto de legislação social proposto pelos peacemakers de

Versalhes, denunciando-o como uma tentativa de dissuasão da revolução que estava por

vir. Embora Tristan Vargas tenha afirmado que “para os anarquistas de A Plebe era, de

fato, a revolução que se colocava como possibilidade do momento” e a reação das

potências europeias “nada mais era do que indícios da grande derrocada burguesa”128,

essa posição deve ser compreendida dentro de uma leitura mais ampla das estratégias do

movimento operário, diante de um cenário mundial que via de perto o desenrolar da

revolução proletária e de efervescência social em São Paulo.

A convocatória publicada em A Plebe, em primeiro de maio de 1919,

conclamava os proletários a se manifestarem por mais direitos e contra aqueles

princípios da Conferência de Paz:

A loucura imperialista que por anos arrastou as nações a esta chacina

sem precedentes chegou aos seus últimos esforços, sem nada ter

solucionado. E os que se iludem ter saído da luta coroados pelos

louros da vitória confessam sua própria incapacidade em resolver

alguma coisa racionalmente, subscrevendo, com as mãos ainda

gotejantes de sangue, fórmulas de paz que abrem as portas para novas

guerras129.

No mesmo primeiro de maio de 1919, com efeito, a demissão de um têxtil

da Indústria Matarazzo por fazer discurso em praça pública deflagrou uma greve de 10

127 Ibid., 09/01/1919. 128 VARGAS, João Tristan. O trabalho na Ordem Liberal: O movimento operário e construção do Estado

na Primeira República. Campinas: UNICAMP/CMU, 2004, p. 250. 129 A PLEBE, 01/05/1919.

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dias e 50 mil pessoas. Jorge Street130, como resposta, publicou alguns dias depois uma

nota em nome da Associação Comercial, no O Estado de São Paulo, onde declarava que

os empresários aceitavam os princípios da Conferência de Paris131.

Diferentemente da grande imprensa diária, a cobertura de cada etapa da

Conferência de Paz vinha acompanhada por uma crítica feroz à reunião das “cúpulas

burguesas”, reproduzindo a orientação que Tchitcherine, Comissário do Exterior da

República Russa, disse no jornal Izvestia, jornal fundado em 1917 e que viria a ser o

Diário Oficial da União Soviética. A tradução da opinião do comissário foi publicada

por A Plebe:

Este tratado não é um tratado de paz, mas uma continuação da guerra.

Cria uma situação que equivale a guerra. De resto, esse era o escopo

que pretendiam seus autores: perpetuar o estado de guerra para melhor

combater o movimento operário. A oligarquia atual conserva de fato o

seu domínio, excitando os operários dos diversos países, uns contra os

outros [...] não passa de uma fórmula demagógica. É, portanto, uma

prova de que o Tratado de Versalhes quer manter os conflitos não só

entre os povos, mas também entre as classes132.

No dia 25 de maio de 1919, A Plebe publicou artigo no qual Astrojildo

Pereira sintetizou essa posição: “Leis? Decretos? Códigos? Mas o proletariado não quer,

nem precisa de leis, decretos ou códigos”. Por meio também de Astrojildo Pereira, em

abril de 1922, o jornal Movimento Comunista convocaria os “bolchevistas” a lutar

contra as decisões das conferências internacionais “desmascarando-lhes o jogo e a

hipocrisia com que até agora, desde Versalhes, têm embalado o mundo”133.

As diferenças entre as linhas políticas e editoriais de O Combate e A Plebe,

contudo, se tornam manifestas a partir do processo de convocação e indicação de

delegados para a 1ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Washington

entre outubro e novembro de 1919. Como já mencionado anteriormente, as delegações

130 Jorge Street presidiu o Centro Industrial do Brasil (CIB) entre 1912 e 1926. Favorável ao

reconhecimento dos sindicatos operários, segundo ele um fruto da própria evolução do capitalismo,

defendia, ainda, o estabelecimento do contrato coletivo de trabalho e, antes da década de 20, sugeriu a

criação de uma legislação trabalhista. Apesar disso, em 1919, manifestou-se contrário à redução da

jornada de trabalho para oito horas diárias, reivindicada pelos trabalhadores, só mudando de posição após

ser convencido pelo empresário Francisco Matarazzo. Centro de Pesquisa e Documentação de História

Contemporânea do Brasil CPDOC: A Era Vargas - 1º tempo - dos anos 20 a 1945. Fundação Getúlio

Vargas FGV, 1997. 131 O ESTADO DE SÃO PAULO, 08/05/1919. 132 Ibid., 12/07/1919. 133 PEREIRA, Astrojildo. Construindo o PCB (1922-24). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas,

1980, p.25.

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seriam constituídas de delegados de todos os países membros, sendo compostas por 2

delegados indicados pelos governos, 1 representante dos trabalhadores e 1 representante

dos patrões.

Enquanto O Combate noticiava que chegavam ao governo os primeiros

nomes dos indicados pelas associações operárias, citando entre eles o Centro Operário

da União, do Rio de Janeiro134, A Plebe ironizava as organizações sindicais que

enviavam resposta ao governo sobre representantes para Conferência de Washington,

pois, entre eles estariam apenas o “Centro Franciscano de Ensacadores de Fumaça”, a

“Escola de Regeneração Social Maria Madalena” e a “União da Oficina de Vários

Malandros”135. Obviamente, essas organizações citadas eram fictícias e serviam para

expor de forma jocosa o que eles consideravam uma mera formalidade dos governos,

inclusive o brasileiro, para cumprir um jogo de cena que ocorreria na capital

estadunidense e do qual os grupos mais radicalizados do movimento operário se

recusavam a participar.

Nos dias que antecederam o início da Conferência de Washington, A Plebe

denunciou com ardor a “arapuca armada pelos governos à boa fé dos operários” e “a

Conferência internacional pseudo trabalhista”136. Celebrou também as organizações que,

no Brasil e no restante do mundo, disseram não ao convite dos governos:

A união dos ferroviários, que representa mais de 2 milhões de

operários, resolveu não tomar parte na Conferência, a menos que se

alterem as bases de representação, estendendo a todas as associações

sindicais, de todos os países137.

O deputado Mauricio de Lacerda recebeu um telegrama da Sociedade

da União Geral dos Tecelões da Bahia dizendo que, em assembleia,

resolveu não contribuir para a representação do operariado brasileiro

na Conferência de Washington [...] um embuste organizado pelos

capitalistas mancomunados com os governos138.

‘O Congresso operário de Coimbra e a célebre conferência de

Washington’

Convocado pela União Operária Nacional [...] o congresso representa

todas as forças operárias da república. Todas as facções avançadas do

congresso foram unanimes em declarar que a I Conferência

134 O COMBATE. Conferência Trabalhista de Washington, 23/09/1919. 135 A PLEBE. Centro Franciscano de ensacadores de fumaça; Escola de regeneração social Maria

Madalena e União da oficina de vários Malandros. 136 Ibid., 04/10/1919 e 08/10/1919, respectivamente. 137 Ibid., 08/10/1919. 138 Ibid., 11/10/1919.

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Internacional do Trabalho não passa de grosseira mistificação

burguesa e que os proletários de todo o mundo devem repudiá-la139.

À primeira vista, a firme oposição à participação nas conferências

convocadas pelos organismos internacionais que buscavam a regulação do direito do

trabalho, feita pelos grupos mais radicalizados pode ser relacionada à sua submissão

aos comandos da Rússia soviética. No entanto, alguns fatores têm de ser levados em

conta: por um lado, os “sindicalistas revolucionários” mantinham certa autonomia frente

ao que ocorria na Rússia e, por outro, os grupos anarquistas também não tinham

motivos para seguir suas orientações. Mais do que uma determinação expressa vinda de

fora, essa postura fazia parte de uma tática mais ampla, adotada por setores do

movimento operário brasileiro.

Vale observar que O Combate, que considerava que “a atitude da classe

trabalhadora ante o convite feito ao Brasil para participar da Conferência Internacional

[...] é de expectativa”140 não disfarçava o entusiasmo com a iniciativa do deputado

Nicanor Nascimento, membro da CLS, de “incluir nos projetos daquela comissão

proibindo aos industriais estados intermitentes de atividade” situação que prendia o

“operário em constante miséria, pois não pode o mesmo contar com um salário

permanente”141. Em outras palavras, o jornal defendia abertamente a intervenção do

Estado para regulação da atividade econômica para proteção dos trabalhadores, nacional

e internacionalmente, na contramão da tática adotada pelos operários de A Plebe.

A análise feita por Dainis Karepovs sobre a formação do Bloco Operário e

Camponês, embora se concentre em um período posterior (1927), no qual se deu “o

momento inicial da ocupação das instituições da sociedade civil por parte dos partidos

de esquerda”142, traz uma importante reflexão a respeito da forma como os anarquistas,

no início dos anos 1920, se opunham à adoção de uma legislação trabalhista e

consideravam-na “inócua”, “inútil” e até “retrógrada”. Karepovs associa a negação da

legislação trabalhista ao discurso de negação da ocupação de espaços nos parlamentos.

Assim, já nas vésperas da realização do 3º Congresso Operário Brasileiro, em abril de

1920:

139 Ibid., 16/09/1919. 140 O COMBATE, 02/09/1919. 141 Ibid., 22/05/1919. 142 KAREPOVS, 2001, p. 25.

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Toda a crítica anarquista, no que se refere à questão parlamentar,

pode-se dizer que padecia de uma contradição fundamental: os

anarquistas queriam fazer política recusando-se incondicionalmente a

lutar na arena política existente, negando-se a constituir partidos, atuar

no legislativo, a participar de eleições e eleger parlamentares143.

É verdade, porém, que o quadro complexo do movimento operário no início

dos anos 1920 não permite atribuir apenas aos anarquistas a oposição aos pressupostos

da legislação internacional do trabalho e que, mesmo comunistas, reformistas e

parlamentares que defendiam, no Brasil, a adoção de um Código do Trabalho,

receberam com desconfiança as deliberações de Versalhes e Washington.

Entretanto, surpreende que apesar de esses argumentos terem sido revistos

por muitos desses militantes já nos anos seguintes, quando passaram a exigir a

ratificação das convenções internacionais a importância dos organismos e das disputas

institucionais na luta por direitos ainda não tenham sido suficientemente revistas pelas

análises do período.

143 Idem.

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CAPÍTULO II A CÂMARA DOS DEPUTADOS E A COMISSÃO

DE LEGISLAÇÃO SOCIAL (1918-1926)

2.1. A constituição das Bancadas.

A primeira comissão parlamentar incumbida de discutir exclusivamente a

questão social no Brasil foi formada em 1918 na Câmara Federal. Estava sob a

responsabilidade da Comissão a elaboração de um Código Global que contemplasse os

principais aspectos de proteção ao trabalho, reivindicados pelos trabalhadores, inclusive

legislações que, eventualmente, já haviam sido adotadas em determinados estados da

República.

O debate em torno do direito social mudou seu rumo, a partir da

transformação do modo de produção e da formação da classe trabalhadora. No caso

brasileiro não foi diferente. Com a primeira guerra mundial houve forte crescimento da

industrialização advindo da substituição de importações. Os dados do Censo

comprovam que “21% da força motriz existente na indústria, em 1919, tinham sido

instalados entre 1915 e 1919”144. Nesse período, o Brasil virou momentaneamente um

exportador de tecidos e produtos semi-industrializados para países latino-americanos e

“até para a África do Sul”, ao mesmo tempo em que o aumento do custo de vida e a

perda de salário real levaram a uma “onda de greves e manifestações operárias”145.

Diante dessa conjuntura, e consideradas as iniciativas anteriores de regulamentação de

parcela do mundo do trabalho, foi no imediato pós-Primeira Guerra que o parlamento

assumiu, de forma mais direta, essa questão.

A Comissão de Legislação Social (CLS) da Câmara dos Deputados foi

instaurada após requerimento do deputado Nicanor Nascimento, subscrito pelo deputado

paulista Alberto Sarmento e instituída em novembro de 1918 com apoio do deputado

José Lobo, ato contínuo nomeado presidente da Comissão. Em grande medida, os

debates da Conferência de Paz de 1919 interagiram com aquela comissão específica,

144 FRANCO, Gustavo H. B.; LAGO. Luiz Aranha Correa do. O Processo Econômico: a economia da

Primeira República (1889-1930). In. SCHWARCZ, Lilia Moritz (Dir.). História do Brasil Nação: 1808-

2010, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p.207. 145 Ibid., p.209.

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pois, ao tomar conhecimento dos artigos concernentes à questão do trabalho, José Lobo

imediatamente encaminhou à comissão o texto do Tratado de Versalhes e pediu

providências.

O debate sobre a questão social foi ampliado, saiu unicamente do plenário e

ocupou um novo espaço no parlamento em meio a uma conjuntura de fortalecimento do

movimento operário internacional e revisão do papel do Estado brasileiro. No plano

interno, a questão era debatida em virtude, por um lado, dos movimentos grevistas e,

por outro, do aumento da carestia de vida no pós-guerra. O trabalho fundamental e mais

completo sobre os debates institucionais que seguiram é o de Ângela de Castro

Gomes146.

Nos capítulos dedicados aos debates sobre Legislação Social, a autora

divide o parlamento em três grupos, de acordo com suas posições básicas: a) bancada

trabalhista, b) bancada gaúcha e c) bancada paulista.

Na bancada trabalhista destacavam-se os deputados Nicanor Nascimento,

Maurício de Lacerda e Deodato Maia. Propositores de projetos que visavam garantir

minimamente o direito de associação e proteção do Estado aos trabalhadores, foram

diversas vezes à tribuna para defender movimentos grevistas e a intervenção do Estado

na economia. A finalidade de suas arguições era “demonstrar que as razões mais

profundas do movimento sindical [...] estavam nos problemas maiores que atingiam a

população urbana do país”147.

Dessa forma, os parlamentares da bancada trabalhista pressionaram a

Comissão para a aprovação de um código global de leis sociais, antes mesmo da

publicação do Tratado de Versalhes. Em discurso na CLS, Maurício de Lacerda

afirmou:

Perante a nação venho defendendo, há dois anos, as ideias que hoje

admitiram o presidente de São Paulo, o vice-presidente da República e

a Conferência de Paz. Se houvesse adesão a esses princípios a

proclamar como inadmissíveis não seria a minha humilde adesão,

seria a adesão conspícua desses ilustres homens de Estado. [...] Em

primeiro lugar, é mister salientar que a orientação da Conferência da

146 GOMES, Ângela Maria de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil (1917-

1937). Rio de Janeiro: Campus, 1979. 147 Ibid., p. 67.

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Paz, que nos vem sendo buzinada, é uma orientação até hoje mal

conhecida dos Srs. Deputados e do país148.

Não era de ocasião, portanto, o engajamento desses parlamentares nas

questões trabalhistas e esse aspecto seria reafirmado, com frequência, em seus

discursos. A atuação de Maurício de Lacerda, advogado ligado politicamente aos grupos

operários do Rio de Janeiro, foi desde o início, um dos mais destacados defensores da

adoção de uma legislação do trabalho no Brasil.

A bancada gaúcha, por sua vez, foi a que mais resistiu à regulamentação do

trabalho. Ainda de acordo com Ângela de Castro Gomes, os deputados Joaquim Osório

e Carlos Penafiel, embasados nos argumentos positivistas do presidente do Rio Grande

do Sul e mentor político da bancada, Borges de Medeiros, não aceitavam, em hipótese

alguma, a intervenção do Estado nestas questões. De acordo com a autora, eram

frequentes as consultas dos representantes riograndenses a seu líder político, e isso se

evidencia em seus discursos parlamentares. A explicação corrente para esse receio era

que o precedente para intervenção do Estado em questões específicas pudesse ameaçar a

autonomia do Rio Grande do Sul e sua elite política, ferindo de morte o “federalismo”

ferrenhamente defendido por Borges de Medeiros e que politicamente lhe era muito

conveniente. Ao discutir um trecho do discurso de Carlos Panafiel, no qual o deputado

gaúcho nega “sob o ponto de vista doutrinário e constitucional essa intervenção dos

poderes políticos em esfera que não lhes compete”149 a autora ressalva, no entanto, que

a bancada aceitava a discussão sobre o trabalho de mulheres e crianças e, na prática, não

via as greves como um problema em si, nem para trabalhadores, tampouco para patrões,

mas, como um fenômeno necessário para equilibrar o mercado.

Em aparte concedido por Maurício de Lacerda, na sessão de 17 de maio de

1919, o deputado Carlos Penafiel faz questão de diferenciar o pensamento “positivista”

gaúcho de um liberalismo anti-intervencionista:

Engano que tem sido cometido também por ilustres jornalistas e

alguns parlamentares. A escola positivista não é escola liberal

individualista de não intervenção. [...] Essa forma é por demais

absoluta. Augusto Comte admite a intervenção relativa do poder

148 DOCUMENTOS PARLAMENTARES. Legislação Social. Trabalhos da Comissão Especial de

Legislação Social (1919-1921). Typografia do Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 1923, p. 673. 149 Ibid., p.674.

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público para facilitar essa incorporação. Lembro que nós rio-

grandenses que esposamos essas ideias que são da política positiva

temos nos batido pela liberdade [...] Admitimos, por exemplo, a

intervenção para dar responsabilidade efetiva para o capitalista, ao

detentor do capital; mas se defendemos o capital, queremos a sua

transformação, desde que seja para um destino social150.

Mário de Almeida Lima, autor que organizou as “exposições de motivos” de

Lindolfo Collor, confirmou o argumento de que a postura da bancada gaúcha se devia a

divergência em relação aos que acreditavam que a Câmara dos Deputados deveria ser o

centro de formulação do direito social. Assim, a disputa em torno da competência ou

não do Congresso Nacional para legislar sobre o trabalho estava acompanhada pelo

princípio de liberdade de trabalho sob a ótica liberal. Além disso, reafirma a não

repressão, negociação e benfeitoria ao funcionalismo público no Rio Grande do Sul. A

questão fundamental não tinha relação com as leis trabalhistas propriamente, às quais os

gaúchos, segundo ele, eram simpáticos, mas com o perigo de se alterar a Constituição e

tocar nos interesses regionais, o que ameaçaria a estabilidade dos grupos políticos

dominantes na região. Seria esta, portanto, injustiçada ao ser culpada pela demora na

solução da legislação trabalhista no Brasil.

Em artigo publicado em 1919 por Lindolfo Collor, o autor tratou das

primeiras impressões sobre a Comissão de Legislação Social após tomar conhecimento

da Parte XIII do Tratado de Paz:

A balança social se mantinha em equilíbrio até aqui, porque num dos

seus pratos pesava o ferro das carabinas, o aço das espadas, o bronze

dos canhões. Mas basta que o espírito da época se levante contra a

continuação da paz armada – e é isto que está sucedendo em face do

tratado que a Entente impõe aos vencidos – para que o equilíbrio se

rompa definitivamente151.

Lindolfo Collor, que viria a ser Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas,

esboçava já inclinação de defesa da questão social e comentava a imposição dessas

diante das mudanças no plano internacional, os novos arranjos entre as potências e a

revolução proletária na Rússia. Reconhecia, também, a Conferência de Paz como fórum

legítimo para irradiar essas questões. Mais adiante, no entanto, no mesmo documento,

150 Ibid., p.687. 151 COLLOR, Lindolfo. Organização e Introdução de Mário de Almeida Lima. Origens da legislação

trabalhista brasileira. Porto Alegre: Fundação Paulo do Couto e Silva, 1991, p.202.

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demonstrou ceticismo quanto à competência da Câmara para encaminhar a legislação

social.

O meu receio do insucesso da presente tentativa de legislação social

[...] nasce de causas distintas: primeiro da convicção que tenho de que

as leis são sempre impotentes para impor soluções de ordem moral, e,

segundo, da dolorosa certeza em que todos nós estamos do quase total

desconhecimento desses assuntos por parte de quem vai agora legislar

sobre eles152.

Os deputados Porto Sobrinho (RJ), Joaquim Osório (RS) e Augusto de Lima

(MG), por sua vez, recorreram insistentemente aos princípios liberais para contraporem-

se à promulgação de um código de trabalho. Em seus discursos apareciam argumentos

como “limitar a jornada, por exemplo, seria atentar contra a liberdade do operário de

trabalhar” ou “a sociedade deve dispensar a sanção obrigatória para a efetividade dos

deveres morais”153. Tais posicionamentos trazem à tona a disputa pelos sentidos da

liberdade e pela limitação do poder do Estado.

Por fim, as decisões também recaíam sobre a bancada paulista, decisiva para

aprovação ou rejeição das leis que passavam pela Comissão. O eventual apoio para

aprovação de leis do trabalho, por iniciativa da bancada de São Paulo, a mais ligada aos

interesses da indústria e comércio, se dava justamente com a intenção de suavizar a

condição proletária onde o conflito era mais manifesto. Ademais, cabia a São Paulo

aparentar melhor ambiente para o trabalho e atrair mais braços para a mão de obra.

Essa análise das bancadas, atenta às relações dos políticos com os interesses

regionais que representavam, contribuiu para o mapeamento das forças políticas

atuantes naquele período e situou o parlamento, não como mera instância de

homologação dos interesses da burguesia e sim um espaço com vozes dissonantes e

posturas divergentes que, de acordo com o tema, eram mais ou menos permeáveis aos

apelos do movimento operário organizado e dos arranjos internacionais.

Desse modo, Ângela de Castro Gomes dissente de um pensamento

largamente difundido após 1930 que atribui unicamente ao poder Executivo – positiva e

negativamente – a iniciativa de leis trabalhistas no Brasil e demonstra como, apesar das

limitações, as discussões na CLS – até 1926, ao menos – não eram meras formalidades

e, muitas vezes, buscavam seu objeto nas reivindicações operárias.

152 Idem. 153 VARGAS, 2004, p.58.

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Além disso, a articulação política entre as bancadas representadas na

Comissão nem sempre era previsível. A bancada trabalhista obtinha apoio da bancada

gaúcha, por exemplo, nas questões relacionadas ao trabalho das mulheres, ao passo que

a bancada paulista, a depender do teor da matéria, obstaculizava. Na questão da jornada

de trabalho, por sua vez, a bancada paulista aceitava a negociação e a bancada gaúcha

era irredutível. De acordo com Gomes:

Entretanto, é bom desde cedo ressaltar, não há uma única relação

necessária entre esses termos, o que dá ao campo do debate uma

complexidade e interesse particulares. Ou seja, podemos encontrar

argumentos que, passando pela defesa dos interesses industriais,

concluem quer pela aprovação, quer pela negação de uma legislação

social. Assim, havia tanto os que, defendendo os direitos operários,

acabavam por criticar as atividades do comércio e da indústria, quanto

os que teoricamente, em nome dessas atividades, não aceitavam a

intervenção do Estado no mercado de trabalho154.

A morosidade da Comissão de Legislação Social, no que tange aos pontos

trabalhistas do tratado de paz, foi apontada pelos críticos como uma oportunidade

perdida pelos parlamentares que não se valeram das condições oferecidas por aquela

conjuntura. O jornal O Alfaiate, em 7 de janeiro de 1926, criticava a atuação daqueles

que não teriam aproveitado aquela ocasião, questão reproduzida por Tristan Vargas

quando afirma que “as leis não aconteceram, mas foram uma possibilidade”155. No

entanto, em “Evolução Legislativa do Direito Social Brasileiro”156, Maurício de

Lacerda, discute essa questão a partir de outra perspectiva:

A Comissão de Legislação Social realizou nada menos que 15 sessões,

quase consecutivas, no último trimestre de 1919 e uma dezena delas

na seguinte sessão de 1920, intercaladas de exames e indicações de

projetos relativos às recomendações da Conferência Internacional do

Trabalho e do Tratado de Versalhes em suas relações íntimas e

naturais com a legislação social em preparo em seu seio157.

Portanto, apesar do malogro na aprovação de um código global sobre o

trabalho e os percalços que levaram até mesmo, mais tarde, ao pedido de renúncia da

comissão por parte do deputado Maurício de Lacerda, por ali passaram projetos depois

154 GOMES, 1979, p. 64. 155 VARGAS, 2004, p. 292. O autor cita ainda, em nota, a edição de 13/5/1926 do jornal O Alfaiate. O

conteúdo é de denúncia à “falta de tática e método” dos anarquistas. 156 LACERDA, Mauricio de. Evolução Legislativa do Direito Social Brasileiro. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1980. 157 Ibid., p. 206.

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efetivados, tais como: a Lei 3.724/1919 sobre acidentes de trabalho, a Lei de “Caixas e

Aposentadorias e Pensões”, conhecida como Lei Eloy Chaves, além de ser espaço de

elaboração do Conselho Nacional do Trabalho (CNT) como órgão consultivo que

desempenharia importante papel nos anos seguintes.

Esse ritmo, com pequenas interrupções, manteve-se até 1926 quando a

Emenda Constitucional de 1926, enfim, designou ao Congresso Nacional a competência

de legislar sobre o trabalho em todo âmbito federal158. Nesse contexto, houve certo

refluxo do movimento operário devido ao Estado de Sítio decretado pelo Governo

Arthur Bernardes; a discussão saiu do âmbito da Comissão Especial e desfez-se a

correlação de forças entre essas bancadas. No entanto, embora sem a materialização de

um corpo de leis, ficava evidente que o direito do trabalho e a disputa em torno dele

adentravam aos poucos às instituições brasileiras e à Câmara Federal, palco de profícua

produção legislativa e longos debates. Alguns deles seguem discutidos nos próximos

tópicos.

2.2. O Pecado Original e a Católica Pacificação.

Em mensagem enviada ao Congresso Nacional, no dia 14 de julho de 1919,

Altino Arantes, presidente do Estado de São Paulo, recomendava a adoção de leis

sociais que consagrassem os princípios estabelecidos pela Conferência de Paz de Paris,

na qual foi discutido, elaborado e acordado o Tratado de Versalhes. Repetia o gesto do

vice-presidente Delfim Moreira que, em 15 de maio do mesmo ano, havia conclamado

os parlamentares a cumprirem os termos do acordo firmado em Paris, a fim de evitar

confrontos no campo do trabalho e assegurar a ordem159.

Na sessão da Câmara dos Deputados, de 17 de maio de 1919, Maurício de

Lacerda foi à tribuna comentar a mensagem do chefe da nação, julgando-a tardia e

insuficiente. Encerrou seu discurso tecendo críticas ao encaminhamento dado pelo

Poder Executivo às questões sociais. Como reação às críticas, o séquito governista

rapidamente adjetivou o deputado, expressando o ímpeto dos conservadores daquela

158 Ver Nota 22. 159 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Mensagem do Presidente do Estado de São

Paulo, Altino Arantes, ao Congresso Legislativo. São Paulo: Fundo Altino Arantes, 1919, p. 42.

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época em desqualificar qualquer ideia de avanço social como “comunista e

maximalista”, rótulos dos quais ele se defendeu de forma eloquente:

Os que por preguiça intelectual ou por incapacidade mental não

acompanham o problema nem o podem acompanhar têm tentado

definir todos os gestos todos os estudos e todas as observações em

certo sentido, como filhas de uma disciplinação espiritual ou política,

partidária ou facciosa à ideia maximalista. [...] São os mesmos fúteis

que jamais se dedicaram ao exame sincero de uma ideia, e que, nesse

momento, se erguem para no meio de suas chalaças de incapazes ou

de sua protervia de sabe-tudo pretender enclausurar na regra rígida de

um partido alguém que, de princípio, começa por declarar que não se

encerra em partido, em seita, método ou sistema algum160.

Não era nova a tentativa de desqualificação e rotulação dos parlamentares e

figuras extraparlamentares, como Evaristo de Moraes, que defendia a questão social e os

direitos para os trabalhadores. Desde o início do século, mas, principalmente, após a

revolução russa de 1917, quase sempre o argumento daqueles que se opunham à adoção

de regulamentação do trabalho era de que seus defensores estavam embebidos em

teorias revolucionárias europeias que, além de não terem sentido em um país com as

tradições brasileiras, colocavam em risco os valores da pátria. Não surpreendia,

portanto, que uma vez mais o debate fosse deslocado para a arena dos ataques

doutrinários, impedindo que, ao menos, suas razões fossem ouvidas sem viés ideológico

pré-determinado.

Antes de mais nada, cabia aos parlamentares da bancada trabalhista

desconstruírem a pecha de patronos da desordem. Na sessão do dia 19 de maio Maurício

de Lacerda retomou o debate. Primeiramente, reafirmou que não era ligado a nenhuma

seita ou linha (política, filosófica ou religiosa) e, tampouco, estava submetido a dogmas.

Para tanto, enumera problemas no movimento socialista internacional e os limites que

esse encontrava mesmo nos países onde as condições para seu desenvolvimento eram

mais adequadas. Em suas palavras, era “um homem contemporâneo, que abstrai de

sistemas, de credos para viver de sua simples razão [..] alimentada pela observação

direta da vida”161.

Vale notar que mais do que a negação da filiação a um movimento socialista

internacional ou afinidades com os bolcheviques, está a preocupação em afirmar que as

160 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 1923, p.672. 161 Ibid., p. 670.

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ideias em que acreditava vinham da relação direta com a prática, com a vida operária e

com a observação das injustiças que eram cometidas contra essa classe social. Essa

característica de Lacerda é fundamental para a compreensão de sua atuação parlamentar

e tema recorrente de suas falas no âmbito da Comissão de Legislação Social. Naquele

momento, para ele, nenhuma corrente seria capaz de dar todas as respostas e ninguém

poderia dizer “que tal sistema, tal filosofia, melhor define, enquadra, encaminha,

realiza, coordena, disciplina os esforços dessa grande renascença humana”162. Nota-se,

também, que abrir mão da filiação doutrinária na política não significava negar a

política.

Ainda para refutar as posições do vice-presidente Delfim Moreira, Maurício

de Lacerda aproveitou o pronunciamento para apontar a contradição de setores da

imprensa que haviam aproveitado a semana para avançar contra ele e seu colega de

bancada trabalhista, deputado Nicanor Nascimento. Nascido no Rio de Janeiro e

formado em Direito em 1893, foi deputado de 1911 a 1921 “quando perdeu seu

mandato”163. Por seu notório empenho nas causas sociais, principalmente no

acompanhamento dos movimentos grevistas de 1917, foi indicado em 1918 para fazer

parte da CLS.

Apesar disso, nunca havia se enquadrado em nenhuma das correntes

políticas ou ideológicas das quais era agora, acusado pelo Rio Jornal de ser “socialista

de última hora”. Nesse ponto, em discurso carregado de ironia, Lacerda relatou que

vinha há anos defendendo a adoção de leis sociais, assim como Nicanor Nascimento,

mas só agora o “brilhante vespertino da cidade” havia lembrado que a questão social

existe, mas exatamente para acusá-los de oportunistas.

A mensagem do Poder Executivo foi, de acordo com Tristan Vargas, uma

“tentativa pouco hábil do governo164” de assumir as questões sociais. No entanto, os

debates parlamentares mostram mais que isso. Havia em torno dessa mensagem

presidencial uma disputa sobre os rumos e sentidos a serem dados ao que chegava da

Europa, ou seja, as cláusulas da Parte XIII do Tratado de Versalhes.

A posição oficial do governo e a defesa que o Presidente do Estado de São

Paulo, Altino Arantes, assumira da questão social, era um gesto em busca de garantir a

162 Ibid., p. 800. 163 BATALHA, 2009, p.113. 164 VARGAS, 2004, p. 291.

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credibilidade com os industriais e, ao mesmo tempo, amainar as críticas do operariado.

Em outras palavras, o portador das boas notícias a receber o bônus político pelo

enfrentamento da questão social como caso de justiça deveria ser o governo e seus

representantes que tinham ido a Paris. Por isso, foi tão importante marcar posição e

apagar os rastros do que já havia sido produzido pelo parlamento. A disputa, com efeito,

era mais do que pela autoria das leis (a bem da verdade até agora apenas pela iniciativa

do debate). Devido aos acontecimentos de agitação operária em São Paulo havia muitos

motivos para o governo federal dar essa ênfase repentina ao Tratado de Versalhes, tão

noticiado quanto desconhecido do povo e do parlamento brasileiro.

Tal como o jornal A Plebe, a primeira reação dos deputados da bancada

trabalhista é de crítica ao texto resultante da Conferência de Paz. O caráter internacional

do documento e o fato de ter sido construído com base no consenso entre os países

vencedores da guerra tornaram seus artigos exageradamente genéricos. Na compreensão

desses deputados, as bases lançadas na Conferência de Paz para a questão do trabalho

eram de uma “generalidade impalpável”:

A esse Tratado, diga-se de passagem, assinaria eu ‘vencido’, ante a

desconformidade de várias de suas estipulações [..] Essa minha

restrição ao Tratado de Paz em seu capítulo concernente a um direito

do trabalho que internacionalmente ele reconhecia nos mais

cuidadosos termos para reduzir a um mínimo de direito as prescrições

nacionais relativas às convenções internacionais respectivas,

facultando-se uma inobservância parcial da sua forma e essência, nas

legislações de cada nação165.

A ausência de um programa e de uma sistematização dos temas, além da

presença de poucos e limitados princípios, sendo a maior parte deles já antigas

demandas, foram consideradas as consequências de um documento que tinha mais

sentido de “capitulação”, de recuo das classes dominantes internacionais diante da

maior capacidade de organização dos trabalhadores do que realmente uma intenção

“sincera” de resolver tais problemas. Esse gesto tardio das potências mundiais e suas

classes dominantes foi comparado ao atraso do governo brasileiro em reconhecer a

pertinência desse debate. Na CLS, Maurício de Lacerda afirmou sobre o Tratado de

Versalhes:

165 LACERDA, 1980, p. 189.

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Representa uma capitulação em forma, capitulação idêntica a esta da

Câmara, quando premida pela greve estrondosa do ano passado, saiu

do letargo e do pouco caso com que estudava o projeto de legislação

do trabalho, para a toda pressa, em comissão especial, esgarçar do

conjunto do projeto uma lei manca sobre acidentes de trabalho e atirá-

la como carneiro de palha aos lobos famintos do operariado. Essa

iniciativa não representa reconhecimento de direitos [...] representa,

antes, manobra diante da qual a desconfiança vai se generalizando nos

meios operários [...] pretendendo como na Conferência de Paz, que

sofre do mesmo pecado original, só tratar do problema quando a

bastilha da burguesia está cercada pelas reclamações e reivindicações

dos operários166.

O pecado original do governo e do parlamento brasileiro,

consequentemente, era o mesmo da Conferência de Paz: era apenas uma tentativa de

atenuar a tensão social causada pelo seu próprio anacronismo. Se a motivação era

exclusivamente amenizar os conflitos entre empregados e empregadores, era tarde

demais para convencer a classe operária de que seus interesses eram os mais francos ou

que os tempos mágicos do pós-guerra e a atmosfera parisiense tinham sensibilizado os

grandes detentores do capital.

Cabe salientar, no entanto, que ao contrário de setores mais radicais

alinhados ao anarquismo, comunismo e sindicalismo revolucionário, os deputados da

bancada trabalhista não desprezaram as conquistas por meio de leis que há tanto

lutavam para assegurar, nem minimizaram a possibilidade de enfim discuti-las. É

importante essa elucidação porque está aí uma das principais divergências táticas entre

os grupos mais radicalizados, que nas ruas negavam qualquer disputa na

institucionalidade, e esses parlamentares, muitas vezes subestimados, que insistiam nas

pequenas conquistas, ainda que as reconhecessem como “leis mancas”, leis incompletas

porque isoladas, apartadas, sem um marco jurídico global que desse a elas um sentido

estrutural.

Durante o período em que se debruçou sobre cada um dos pontos

estabelecidos pelo tratado de paz, a CLS tomou ciência da criação da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), organismo que teria a tarefa de consertar esse “pecado

original” apontado pelos legisladores brasileiros, a partir da constatação de que o direito

social estava mais adiantado em outros países, ao passo que o Brasil ainda vivia uma

166 Ibid., p. 673.

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“teimosa falta de reconhecimento da questão167”. Tal questão exigia dos legisladores

atenção não só aos (poucos) princípios gerais que norteavam a nova organização

internacional, mas, também, aos pontos específicos para um país com as características

do Brasil, entre eles a questão do trabalho e dos trabalhadores na agricultura.

O crescimento econômico e a industrialização sem dúvida acelerava o

processo de urbanização de forma inédita no Brasil, situação que tornava a vida nas

cidades um desafio para os governantes e legisladores, porém, não se pode

desconsiderar que o país continuava majoritariamente rural e dependente da agricultura.

De acordo com o Censo de 1920 das 9,1 milhões de pessoas em atividade, 6,3 milhões

(63,7%) trabalhavam na agricultura; 1,2 milhão (13,8%) se dedicavam à indústria; e 1,5

milhão (16,5%) aos serviços de uma maneira geral168.

Ângela de Castro Gomes analisou os discursos de 17 de maio e 26 de junho

de 1919 e as denúncias que os deputados da bancada trabalhista faziam contra setores

que defendiam uma inviável “volta à terra” ou “fim das indústrias”, como solução para

as questões urbanas e do trabalho. Os deputados queriam se distanciar de uma rarefeita

ideia de que o Brasil estava fadado a uma vocação agrária, pois não era disso que se

tratava. A crítica, segundo a historiadora, se dava por esses setores “ignorarem, de fato,

as péssimas condições de trabalho nos campos”169, assim como que a área rural estava

concentrada em latifúndios e as condições de trabalho eram ainda piores. O debate sobre

o trabalho no campo foi aprofundado e, novamente, estava relacionado aos pressupostos

da Parte XIII do Tratado de Paz.

O esquecimento dos trabalhadores rurais por parte dos legisladores

brasileiros não era um detalhe, tampouco ocasional. Certamente, a ausência de

sindicatos e organização de classe com poder de barganha e capaz de intimidar os

patrões contribuiu para isso. Nos “Princípios Gerais” estabelecidos pelo Tratado de

Versalhes, embora o 8º tópico registrasse que a “legislação estabelecida em cada país

[...] deverá assegurar tratamento econômico equitativo para todos trabalhadores que

residam no país”, havia a ressalva de que esses pontos deveriam ser esforços das

“comunidades industriais”. Essas e outras ambiguidades, à luz da interpretação dos

167 Idem. 168 SCHWARCZ, Lilia Moritz (Dir.). História do Brasil Nação: 1808-2010. Rio de Janeiro: Objetiva,

2012, p.43. 169 GOMES, 1979, p. 90.

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proprietários, excluíam na prática os trabalhadores do campo da maior parte das tímidas,

mas valiosas, conquistas sociais. Para Lacerda, por “uma propositada confusão

maliciosa os defensores da ordem burguesa nos atiram à cara que defendemos apenas o

operário da cidade” ao passo que, na sua leitura, “operário quer dizer em vernáculo

trabalhador e não simplesmente trabalhador urbano”. A Convenção sobre o direito de

associação para trabalhadores da agricultura seria aprovada pela Organização Mundial

do Trabalho, em 1921.

Em aparte ao deputado Lacerda, o deputado Deodato Maia fez coro às

críticas de que as resoluções sobre trabalho da Conferência de Paz eram “melífluas” e

acrescentou que “as conclusões da Conferência estão muito aquém do que resolveram

os Congressos Operários anteriores”170. Deodato Maia era deputado por Sergipe e

acabava de ser nomeado pelo Instituto dos Advogados para acompanhar a elaboração

em torno da questão social, fato que Lacerda fez questão de ressaltar e, novamente com

a palavra, vaticinou que as conclusões da Conferência de Paz eram “imprecisas e

indecisas como incompletas”.

Entre as tentativas de desqualificação política da bancada trabalhista, o

governo havia lançado mão de um artifício que falava diretamente aos corações e

mentes do povo brasileiro: a religiosidade. Delfim Moreira não apenas havia

estabelecido uma nova base para a discussão da questão social, ao recorrer de forma

genérica à Doutrina Social da Igreja Católica, como membros da bancada mineira, nesse

momento à frente da articulação política do governo, se valeram dessa questão para

deslegitimá-los, acusando-os de ameaçar a instituição familiar brasileira.

Além do pecado original do Tratado de Versalhes, revelava-se na Comissão

de Legislação Social a ideia de “pacificação católica”. Passávamos, assim, para um

segundo estágio de desqualificação pela política, pois agora as ideias mais ligadas aos

trabalhadores além de “maximalistas” eram “anticristo”. Contra essa última investida,

os deputados da bancada trabalhista tiveram como aliados os parlamentares da bancada

riograndense que, adeptos do positivismo, não aceitavam a imposição da tal doutrina,

que preconizava a igreja católica na política. Diálogos entre Maurício de Lacerda e o

deputado gaúcho Carlos Penafiel dão mostras de convergência:

170 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 19/05/1919.

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O Sr. Carlos Penafiel: [...] A forma de organizar sem Deus, sem rei, é

princípio básico da Encyclopedia da Revolução e sobre o qual se deve

estribar todo o direito social.

O Sr. Maurício de Lacerda: Sr. Presidente, o aparte do nobre

deputado, muito oportuno...

O Sr. Carlos Penafiel: Protestei, não individualmente, mas em nome

do Rio Grande Republicano.

O Sr. Maurício de Lacerda: ... vem demonstrar – e chegarei lá – que

outras igrejas também existem, que tem sobre a questão social o

direito de serem ouvidas pelo Governo da República, principalmente a

positivista.

O Sr. Maurício de Lacerda: [...] Representa mais antiga do que a ideia

da bula de Leão XIII [...]171.

A sequência do diálogo não apenas mostra como as posições entre as

bancadas eram fluídas, menos rígidas a depender da temática, mas é também reveladora

da centelha que foi lançada pelo vice-presidente da república quando ele assumiu a

questão social com base no Tratado de Versalhes. O debate incendiou-se de tal forma

que a questão religiosa demarcou posições. A separação entre religião e estado na

questão social, para os deputados gaúchos, era um princípio que remetia ao iluminismo

e a postura da igreja católica a esse respeito era um recurso para reassumir o controle da

classe trabalhadora. Ainda em sua própria defesa, Lacerda acusou diretamente o vice-

presidente da república de não querer a verdadeira transformação do país e oferecer

apenas uma política pela qual se faria a “harmonização social sem grandes abalos

através da igreja católica” e, foi além ao afirmar que o grande problema, o novo pecado,

era que o cristianismo almejava promover a conciliação entre trabalhadores e patrões

em um sistema de submissão rejeitado pela bancada trabalhista.

Ademais, a questão esbarrava em princípios morais. Ao contrário do

receituário católico, a bancada trabalhista defendia que a libertação dos trabalhadores

passava por aspectos como mudanças nas relações familiares. Não eram, portanto,

apenas pontos de proteção ao trabalho que estavam em jogo. É bem verdade que a

Conferência avançou no que tange à igualdade entre homens e mulheres e a própria

ordem do dia definida para a primeira Conferência Internacional do Trabalho, a ser

realizada em Washington mantinha a questão do emprego noturno e emprego antes e

171 DOCUMENTOS PARLAMENTARES. Aparte do deputado Carlos Penafiel a Maurício de Lacerda,

19/5/1919.

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depois do parto para as mulheres, assim como o 7º princípio geral tratava de salários

iguais para trabalhos iguais, independentes do gênero.

Ao se defender dos ataques de que tais ideias destruíam a família, Lacerda

contra-argumentava que:

Nós trabalhistas, não queremos, quando pretendemos para a mulher

salário igual e quando pretendemos para a mulher menor tempo de

trabalho do que para o homem, não queremos senão assegurar a

proeminência da família que sabe se defender para os burgueses, mas

que se contesta ao operário [...] nós não queremos dissolver a família

quando pretendemos o divórcio, queremos praticamente corrigir as

situações [..]172.

Assim, as disputas que se davam em torno do trabalho extrapolavam a

legislação trabalhista em si e debates como a exploração das mulheres no seio da

própria família, os laços econômicos que a cada dia eram mais importantes que os

afetivos, a ausência de direitos fundamentais e acesso aos bens essenciais da vida

também se tornavam objeto das questões sociais. Nesse sentido, Lacerda se pronuncia:

Não queremos, nós os trabalhistas, a prostituição, não pleiteamos a

dissolução da família: queremos que a família deixe de se basear sobre

um negócio de dote, sobre as imposições paternas, sobre os arranjos

dos desempregados que se empregam de marido, e se baseie no amor,

expressão única, sincera, real e verdadeira de uma união afetiva, qual

esta deve ser. Queremos a dissolubilidade do matrimônio, o divórcio,

porque que menos imoral – se imoral fosse- é a separação dos dois

cônjuges do que a coabitação de indivíduos que se detestam e só tem

proximidade carnal, em vez de laços afetivos e espirituais que deviam

existir entre eles. Queremos, quando pelejamos pela igualdade da

mulher ao homem, pela interferência da mulher no governo173.

A tentativa de “pacificação católica” ao “pecado original” naqueles

conturbados anos de agitação política e social direcionou o debate para aspectos pouco

explorados, senão ignorados pelos pesquisadores que se debruçaram sobre as atas da

CLS. Uma hipótese para o silêncio a respeito da lógica que motivava parlamentares

conservadores a acusarem a bancada trabalhista de “ameaça à instituição familiar

brasileira” é a dificuldade analítica de relacionar tal questão com a luta pela legislação

do trabalho. Sueann Caulfield deu pistas disso ao demonstrar que:

172 Ibid., p.584. 173 Ibid., p.680.

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Autoridades públicas do começo do século consideravam a defesa da

honra sexual um componente fundamental para a missão civilizadora

da recém-proclamada República ainda que o processo de definição dos

conceitos de honra e civilização tenha provocado profundas

controvérsias desde a criação das instituições republicanas, nas

décadas de 1920 e 1930174.

Em outras palavras, para a elite política e econômica a honra da mulher era

“a base da república” e sua entrada no mercado de trabalho deveria resguardar sua

honra. De tal maneira, a ampliação dos direitos do trabalho implicava necessariamente o

rearranjo das relações familiares em uma sociedade patriarcal.

Mutatis mutandis, para a bancada trabalhista era evidente que qualquer

medida seria apenas paliativa se não houvesse a reconfiguração do sistema econômico e

o combate a todas as desigualdades. Dessa forma, essa bancada levou para dentro da

CLS uma proposta muito mais ampla, que incluía reformas econômicas, sociais e

políticas no Brasil, ainda que sem ruptura institucional e em consonância com os

princípios que chegavam de Versalhes. Não obstante, a oposição ao texto do tratado de

paz se devia ao fato de o documento ter se transformado no álibi das classes dominantes

para se apresentarem com ares de paladinos das causas trabalhistas, quando na verdade

apenas cediam, e pouco, às pressões dos trabalhadores. Os representantes dos interesses

dos operários na Câmara dos Deputados, desse modo, souberam conciliar o tom crítico

à apropriação indevida que a burguesia “oportunista” e seus governos faziam com uma

atuação fiscalizadora para que os princípios dessas leis saíssem do papel e fossem

praticados.

2.3. As exceções tropicais: o Brasil na Conferência de Washington.

O prazo estabelecido pelo Tratado de Versalhes para que fossem ratificadas

as convenções ou aprovadas leis de acordo com as orientações da Organização

Internacional do Trabalho era de 18 meses, prorrogável apenas em circunstâncias

excepcionais. Por ser signatário do Tratado, o Brasil automaticamente se tornara

membro da Sociedade das Nações e da OIT. O próprio texto aprovado em Versalhes

174 CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro,

1918-1940. Campinas: Ed. da UNICAMP, 2000. Introdução.

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convocou a primeira Conferência Internacional do Trabalho, a ser realizada em

Washington a partir do mês de outubro de 1919.

O novo organismo, responsável pela promoção de resoluções pacíficas para

a questão social, conclamava os países membros a organizarem delegações tripartites

para o evento que formularia, a partir das realidades locais, o alicerce de uma nova

vertente do mundo jurídico, o direito internacional do trabalho. As delegações seriam

compostas tais como previstas no Art. 389 da Parte XIII do Tratado de Versalhes,

contemplando representantes do governo, organizações sindicais e patronais, como já

mencionado anteriormente.

Afrânio de Melo Franco, jurista e ex-deputado, foi designado pelo governo

Epitácio Pessoa para representar o Brasil na Sociedade das Nações e chefiar a delegação

brasileira à Conferência Internacional do Trabalho em Washington. Membro do Partido

Republicano Mineiro, Melo Franco havia colaborado com a elaboração de leis relativas

aos trabalhadores estrangeiros no Brasil na década de 1910, sempre com posições muito

conservadoras e contrárias à extensão de direitos. De todo modo, era uma figura

importante da República que, por ter exercido forte influência sobre o governo interino

de Delfim Moreira, recebera a alcunha de “primeiro-ministro” do período175. Era um

sinal de que o governo brasileiro estava atento às decisões que viriam de Washington e

precisava de um causídico à altura de seus interesses.

O Presidente da República também nomeou Carlos Sampaio, engenheiro,

professor da Escola Politécnica e futuro prefeito do Distrito Federal (1920-1922), como

representante do Brasil na Conferência de Washington. Carlos Kessel, biógrafo de

Carlos Sampaio, analisou os Anais da Conferência do Trabalho e defendeu que os

documentos “ilustram uma argumentação que basicamente vê nas questões uma

intromissão dos países industrializados destinada a dificultar o desenvolvimento das

economias menos desenvolvidas”176. Carlos Sampaio muito se esforçou para impedir

qualquer regulamentação, afirmando, com frequência, a seus interlocutores que "no

Brasil todo trabalhador é um capitalista", arrolando como prova disso a “greve de

175 ABREU, Alzira Alves de.; BELOCH, Israel; LATTMAN-WELTMAN, Fernando; NIEMEYER,

Sergio Tadeu de (Coords). Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. (DHBB) 2ª ed. Rio de

Janeiro: Ed. FGV, 2001. 176 KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio. Rio de Janeiro: Secretaria

das Culturas. Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural. Arquivo Geral da Cidade do

Rio de Janeiro, 2001, p.42.

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choferes e operários de construção” que eclodia no Rio de Janeiro, na busca por melhor

remuneração. Carlos Sampaio, portanto, era evidentemente um opositor da extensão dos

direitos do trabalho.

A sua atuação em Washington foi objeto de debate na CLS, como atesta

ofício do Ministro do Exterior, Domício da Gama, aos parlamentares, no qual noticia

que o delegado havia votado contra as 8 horas de trabalho e feito forte oposição aos

tetos de jornada diária, assim como havia, igualmente, votado contra a inclusão dos

direitos sociais aos trabalhadores do campo, alegando que cada país deveria resolver

suas questões de “acordo com seus costumes”. Maurício de Lacerda comentou o ofício

que foi anexado às Atas da Comissão de Legislação Social177, acusando o representante

do patronato brasileiro de lutar para manter “os roceiros na servidão e os seringueiros na

escravidão econômica em que jaziam”178.

A indicação que causaria maior estranheza e controvérsia, contudo, seria a

do Sr. Fausto Dias Ferraz, deputado que tinha muito mais relação com os industriais do

que com os trabalhadores. Era, inclusive, articulista da Revista Indústria e Commercio,

dirigida pelo jurista Clovis Beviláqua179. Josué Pereira da Silva, em seu livro sobre a

luta pela jornada de trabalho de 8 horas no Brasil, relata que o deputado Fausto Ferraz

admitia a necessidade de leis do trabalho em seu aspecto moralizante, visto que “a

família brasileira nem sempre educa os filhos no trabalho, de forma que era comum ver-

se, em muitas cidades, a população infantil perambulando em pleno ócio”180.

Foi discutida no âmbito da própria Conferência Internacional do Trabalho a

aceitação do nome de Fausto Ferraz como delegado. A imprensa brasileira, mais

especificamente o jornal maranhense Pacotilha, noticiou que a comissão de credenciais

da Conferência deveria discutir a “singular questão de o delegado brasileiro representar

ao mesmo tempo o capital e o trabalho”181. Vale observar, também, o registro irônico

que o cronista Lima Barreto fez desse fato:

Vai o senhor Fausto Ferraz ser despachado representante dos nossos

operários no Congresso Trabalhista de Washington. A nomeação é

acertada; não há dúvida alguma. O senhor Fausto é dos oradores

177 ATAS DA COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO SOCIAL, 1918-1919. 178 LACERDA, 1980, p. 227. 179 CORREIO DA MANHÃ, 12/06/1918. 180 SILVA, Josué Pereira da. Três discursos, uma sentença: tempo e trabalho em São Paulo, 1906- 1932.

São Paulo: Annablume/FAPESP, 1996, p.131. 181 PACOTILHA, 18/11/1919. Nº 272.

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notáveis da Câmara, o mais perfeito carpinteiro como todos sabem;

quando não é ferreiro e dá para malhar na bigorna dos ouvidos

alheios, alguns períodos patrióticos, líricos e sentimentais de outros

tempos. [...] As suas preocupações eram, então, atinentes à pecuária,

por isso mesmo sua senhoria estava a calhar para representar operários

em assembleia especial que tem por fim discutir medidas de puro

interesse dos artífices. Depois, o senhor Fausto Ferraz quis se fazer

conferencista e guinchou a Hora Industrial. Por esse tempo, supomos,

o exímio deputado aprendeu ofício.

Uns dizem, como já foi notado aqui, que se iniciou na carpintaria e

fez-se notável orador; outros, porém, falam que foi o de ferreiro,

ficando ainda mais notável orador do que era. Seja ferreiro,

carpinteiro, pedreiro, laminador, tipógrafos, calafate, cozinheiro,

forneiro, oleiro, foguista ajustador, modelador, funileiro, fundidor,

soldador, bombeiro, eletricista, relojoeiro, tipógrafo, impressor,

sapateiro, linotipista; seja o que for, o certo é que o senhor Fausto

Ferraz é um exímio parlamentar orador de moldes de um raro sabor

antigo, que muito trabalhará na Conferência Trabalhista de

Washington, falando pelas tripas de Judas.

É de esperar que tal se dê, porquanto sua senhoria tem descansado

muito este ano, não tendo discursado nem trinta vezes e só

apresentando à consideração dos seus pares a ninharia de oitenta e

cinco projetos. Andaram bem os nossos operários escolhendo para o

seu representante, no congresso operário de Washington, o doutor

Fausto Ferraz.

Não há homem mais trabalhista do que ele, sobretudo da língua; e, em

tudo e por tudo, essa escolha é acertadíssima. Na conferência da

América do Norte, o jovem operário Fausto Ferraz, há bem pouco

tempo iniciado em qualquer ofício manual, será o expoente, como se

diz na Academia, das nossas classes trabalhadoras. O que era preciso

era darem-lhe um companheiro. Lembramos o banqueiro João

Ribeiro!182.

Lima Barreto centrava fogo na falta de compreensão, certamente proposital,

do governo brasileiro, de que os trabalhadores deveriam ter uma representação legítima

em Washington. Se é procedente o argumento de que as organizações sindicais do final

da década de 1910 não tinham musculaturas institucionais similares ao modelo europeu,

o mesmo não se pode afirmar sobre a sua capacidade de defender interesses de classe. A

indicação de Fausto Ferraz como representante da classe trabalhadora alguém que

nunca tinha “pisado em um chão de fábrica” demonstrava a distância que havia entre

os gabinetes dos políticos republicanos e os grupos organizados de trabalhadores.

Também curioso é o caso de Francisco Sadock de Sá, torneiro mecânico

com tradição militante no movimento operário, que foi escolhido por 28 associações

182 O CORETO, 01/11/1919.

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para fazer parte da delegação brasileira à Conferência de Washington, mas

“desprestigiado pelo governo não pode ir, o que o levou a renunciar como forma de

protesto à patente de 2º tenente honorário”183.

Além disso, começava a ficar nítida a posição do governo e da burguesia

brasileira, que incialmente aparentava simpatia pela adoção das leis sociais, de que cada

vez mais se oporia e adiaria a aprovação de uma legislação social efetiva. A Câmara dos

Deputados, a Comissão de Diplomacia e a Comissão de Legislação Social, desse modo,

tinham, outra vez, a função de absorver e sintetizar decisões que chegavam do

estrangeiro.

Na Sessão Camarária do Congresso Nacional brasileiro, do dia 6 de

dezembro de 1919, o deputado pernambucano Andrade Bezerra apresentou um projeto e

uma indicação propondo a ratificação e imediata adoção das leis discutidas na

Conferência de Washington. Para tanto, fez constar, como exposição de motivos, um

minucioso relatório no qual expunha ao parlamento brasileiro a premente necessidade

de aplicação de tais leis. A construção dos argumentos, a recuperação histórica e a

fundamentação crítica do relatório evidenciam que foi essa a peça mais completa e

digna de nota produzida por aquela legislatura, no que concerne à legislação do trabalho

no Brasil.

A primeira parte do relatório de Andrade Bezerra é uma detalhada

introdução do tema direito operário no arcabouço jurídico internacional. De acordo com

o texto até então limitado às questões sobre presença de trabalhadores estrangeiros nas

nações o direito internacional do trabalho passou a ser compreendido de forma mais

ampla e prática a partir da Convenção de Berna, 1906. O parlamentar avaliou

positivamente que questões antes discutidas apenas do ponto de vista de teóricos e

reformadores sociais bem intencionados tenham saído do campo das intenções para a

prática.

Bem pouco seria, em verdade, assentar o princípio da paz entre as

nações, se não se cuidasse seriamente de garantir a harmonia entre

patrões e operários. Daí a justa preocupação dos homens que tiveram a

responsabilidade de negocias a paz internacional quanto à criação de

organismo permanente, investido da função de promover a paz social

no agitado fundo do trabalho. Cedo é ainda para julgar dos definitivos

183 BATALHA, 2009, p. 143.

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resultados dessa obra; mas a verdade é que ela já começa a produzir os

seus primeiros frutos184.

Valendo-se da teoria de Sidney Webb, Bezerra afirma que “de todas as

ideias inovadoras do século XIX, a legislação do trabalho é a mais largamente

espalhada”185. Constava na concepção exposta pelo relator dois aspectos que

apareceriam com frequência no parlamento e na CLS: a) forte entusiasmo com medidas

objetivas de proteção ao trabalho, acompanhadas por b) defesa da adoção dessas leis

como contraponto ao socialismo revolucionário ou comunismo.

Para compreensão do aparente “entusiasmo” pelas questões sociais, não há

que se desconsiderar a proximidade de Andrade Bezerra com o que ele definia como

“atuação parlamentar pautada pelo cristianismo”. De acordo com o parlamentar, a

adoção das medidas protecionistas à classe trabalhadora estava em consonância com a

mensagem do Papa Leão XIII186.

Realizou-se a Conferência de Berlim, de 15 a 29 de março de 1890

[...] A Santa Sé que fora convidada pelo Imperador da Alemanha,

indicara como representante a Arcebispo de Colônia, tendo o Papa

Leão XIII escrito ao Imperador uma carta em que declarava apoiar

altamente todas as deliberações da Conferência que tendessem a

elevar a condição dos operários e em geral tudo que impedisse a

exploração dos trabalhadores como um vil instrumento [...] A carta de

Leão XIII ao imperador da Alemanha é um documento do mais alto

valor histórico. Escrita em 1890, consigna as linhas gerais das

reformas das leis e costumes que vinte e nove anos mais tarde seriam

adotadas pelo Tratado de Versalhes, na redação de sua famosa Carta

do Trabalho187.

Por mais que fosse a legislação do trabalho a “mais largamente espalhada”

das discussões jurídicas no Brasil naquele momento, fazia-se necessária uma defesa

conceitual do tema para justificar sua implementação. O conceito defendido no relatório

estava ancorado nas ideias do político liberal belga Ernst Mahaim188, defensor pioneiro

184 ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Discurso de Andrade Bezerra. Sessão de 6 de dezembro

de 1919. Imprensa Oficial. Rio de Janeiro, 1919. 185 Parte integrante do Projeto apresentado pelo deputado em 6/12/1919, o preâmbulo e as considerações

críticas da Indicação foram publicados integralmente pela Imprensa Oficial em 1920. Para facilitar a

consulta e não havendo prejuízo algum no conteúdo, os trechos aqui citados são dessa edição. As

exceções estão indicadas em notas, como no caso de diálogos de parlamentares que constam nas Atas da

Comissão de Legislação Social, já citadas. Cf. BEZERRA, Andrade. O direito internacional operário e

conferência do trabalho em Washington. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1920, p.7. 186 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p. 558. 187 Ibid., p. 489. 188 MAHAIM, Ernst. Droit International Ouvrier. Paris: Éditions Domat-Montchrestien, 1933.

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de que o Direito Internacional do Trabalho era a parte do Direito Internacional e

principal referência para as resoluções aprovadas no Primeiro Congresso Internacional

de Legislação do Trabalho, realizado em Bruxelas no ano de 1897.

Os deputados brasileiros também leram pela primeira vez, de forma

sistematizada, uma recuperação histórica sobre os pontos que estavam a ser debatidos

no parlamento. A história das leis para operários estrangeiros, acidentes de trabalho,

contratos de trabalho, seguros sociais, direito de associação, leis de assistência, eram

colocadas em comparação com legislações similares aprovadas na França, Alemanha ou

Inglaterra, mesmo com as leis aprovadas no Brasil e estas se mostravam, na maioria das

vezes, insuficientes.

No caso dos acidentes de trabalho, o deputado Bezerra confrontou a Lei nº

3724, de janeiro de 1919, com os princípios apontados pelo Tratado de Versalhes. De

acordo com ele, ao contrário do que preconizava o Tratado em seu Artigo 427, a lei

brasileira não tratava de forma igualitária os trabalhadores brasileiros e estrangeiros, ou

seja, não garantia tratamento justo a todos operários residentes no país. A Comissão de

Legislação Social modificaria o texto da lei, no sentido de equiparação entre todos os

trabalhadores, independente da nacionalidade, mas, a questão do trabalhador migrante

(grande parte da força de trabalho industrial no Brasil) continuaria a ser um imenso

entrave para a aplicação da legislação. Para cumprimento desse ponto estabelecido pela

Conferência de Washington, Andrade Bezerra aguardava o “progresso dos espíritos”:

Reciprocidade de tratamento para trabalhadores estrangeiros – Propôs,

a esse respeito, a Comissão, que os Estados reciprocamente

assegurassem aos trabalhadores estrangeiros o benefício das leis e dos

regulamentos da proteção operária, em como o gozo do direito de

associação nos limites da legalidade. Unanimemente decidiu a

Comissão com exceção de um só voto, que era desejável que, sob

condição de reciprocidade, gozassem os trabalhadores estrangeiros da

mesma proteção que os trabalhadores nacionais. É provável que com o

progresso gradual dos espíritos, os artigos 23, parágrafo a e 427, § 8º

do Tratado de Versalhes tenham uma aplicação cada vez mais larga189.

Na segunda parte de seu relatório, Andrade Bezerra apresentou resumos das

tentativas de organização do trabalho na esfera internacional. Segundo o texto, as

conferências e congressos ocorridos no território europeu sem resultados práticos

desaguaram nas Conferências de 1905/06 e, por fim, no Tratado de Paz de 1919.

189 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p. 574.

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Embora progredisse a passos largos, a guerra mundial de 1914, ainda na visão do autor,

havia interrompido o processo que só seria retomado em Paris seis anos depois, quando

ficou evidente a necessidade de que “sucedesse a concórdia interna dentro de cada

nação profundamente abalada pela desconfiança e incompreensão entre operários e

patrões”190.

No caso brasileiro, vale registrar, a entrada tardia na guerra e o processo de

industrialização foram fatores que impulsionaram o debate sobre leis do trabalho,

enquanto a Europa ainda contava seus mortos e feridos nos fronts. A Comissão de

Constituição e Justiça, que antecedeu a CLS nas questões do trabalho, havia aprovado

em 1917 a criação do Departamento Nacional do Trabalho e reunido em um Projeto

Substitutivo todas as propostas relacionadas ao tema.

A reconstrução social após a guerra foi o ponto de partida para a terceira

parte da exposição de motivos escrita pelo deputado pernambucano Andrade Bezerra.

Nesse ponto é descrita sucintamente a Parte XIII, com ênfase na criação da OIT e na

convocação de sua primeira conferência. Destaca-se aqui a citação feita à ressalva

contida no Tratado de que “as nações dele signatárias reconheciam que as diferenças de

clima, de costumes e de usos” tornavam difíceis as aplicações imediatas em todos em

países. Esse trecho seria a senha, aqui e alhures, de todos os que se opunham às leis do

trabalho, afinal, sua ampla interpretação permitia o juízo de que o caso brasileiro se

enquadrava na excepcionalidade.

A resistência por parte dos industriais brasileiros em adotar a legislação do

trabalho não era, evidentemente, de natureza teórica. Maria Célia Paoli deu pistas do

pensamento da elite brasileira naquele contexto:

A luta operária contra o capital, feita nas duas primeiras décadas do

século, fez suscitar a questão operária como questão das suas

condições de trabalho e, através dela, como questão moral que incidia

sobre a sociedade em um ponto específico: a qualidade de vida que o

trabalho industrial e urbano montava para os trabalhadores. Os

empresários industriais, surpreendidos com o vigor das manifestações

grevistas dos anos 1917-1919, viram com temor que uma de suas

consequências tinha sido a entrada do Estado na regulamentação das

relações de trabalho. Através da criação de uma Comissão de

Legislação Social na Câmara dos Deputados e da criação do

Departamento Nacional do Trabalho, entre 1918/1929 instalou-se um

debate sobre as questões operárias mais agudas estruturadas em torno

190 BEZERRA, 1920, p.63.

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de uma série de medidas legais: acidentes de trabalho, pensões e

aposentadorias, férias, trabalho infantil, trabalho feminino, licença

para a maternidade. Os industriais trataram de associar-se para a

defesa do seu poder de mando sobre as relações de trabalho, arguindo

sobre a legitimidade das reivindicações operárias e da interferência do

Estado para encaminhá-las. Na fala empresarial dos anos 20, acusa-se

os trabalhadores de serem instáveis demais para merecerem a

legislação trabalhista; a seu ver, a legislação do Estado para o trabalho

abria um espaço de liberdade e de iniciativa para os trabalhadores

incompatível com gente cujas ‘faculdades morais e intelectuais não

foram afinadas pela educação e pelo meio, cuja vida, puramente

animal, supera em muito sua vida psíquica’191.

Havia, portanto, razões ideológicas, tanto quanto econômicas, na recusa das

elites brasileiras em aceitar que os operários fossem tratados com alguma dignidade no

trabalho. A ideia de que a classe trabalhadora “não merecia” tais direitos moldou a

lógica argumentativa da burguesia, pois o fato de os trabalhadores não terem as mesmas

“faculdades morais e intelectuais” e a mesma “educação” que a burguesia, já era um si

uma justificativa adotada para manter a não regulamentação.

No dia 29 de outubro de 1919 foram abertos os trabalhos da Primeira

Conferência Internacional do Trabalho, em Washington, sob a presidência do

estadunidense W. B. Wilson. Uma das primeiras opiniões proferidas por Andrade

Bezerra sobre a Conferência em si foi sobre a falta de celeridade no andamento dos

trabalhos, devido à ausência de prática parlamentar de grande parte dos delegados.

Segundo o relatório de Bezerra, foram, por fim, criadas 11 comissões especiais,

destacando-se entre elas “horas de trabalho”, “países especiais” e “trabalho de

mulheres”.

Importante salientar que havia desequilíbrio na representatividade das

delegações devido ao grande número de nações que não tinham indicado ou enviado a

delegação operária. Em alguns casos, os países alegavam falta de tempo hábil para os

delegados viajarem, ausência de organizações operárias em condições de indicar

delegados e até, no caso haitiano, a característica de ser um país agrícola e que, por essa

razão, não tinha nem entidades patronais, tampouco de trabalhadores. Sem dúvida, esse

era um elemento que enfraquecia a organização operária na correlação de forças, pois,

ainda que a presença de seus delegados não significasse defesa automática de suas

191 PAOLI, Maria Célia. A Família Operária: Notas Sobre sua Formação Histórica no Brasil. Tempo

Social - Rev. Sociol. USP, vol.4 n.1-2. São Paulo Jan./Dec. 1992.

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causas exemplo disso, a conduta pró-patronato do delegado brasileiro Fausto Ferraz

a margem de manobra era muito menor em ambiente dominado por governos e patrões.

A consideração feita por Andrade Bezerra a respeito da “falta de prática

parlamentar192” não foi fortuita e tinha intenção de chamar a atenção para essa

desigualdade de condições entre patrões/governos e operários não só na representação,

como na própria capacidade de expressão e articulação de cada grupo em um ambiente

como aquele.

A lista de delegados anexada ao relatório pelo deputado Andrade Bezerra

(Figura 1) mostra como a delegação brasileira prescindia de um delegado patronal.

Figura 1 Parte da Lista de Delegados à Conferência de Washington, em ordem alfabética,

anexada por Andrade Bezerra a seu Relatório.

Fonte: Documentos Parlamentares, 6 de dezembro de 1919.

No entanto, essa ausência não significou, absolutamente, que os patrões

brasileiros não tiveram seus interesses ali representados. O primeiro embate ocorreu em

torno de um princípio já muito conhecido pelo movimento operário: o dia de oito horas

de trabalho. Como já esperado, o delegado brasileiro Carlos Sampaio ficou ao lado das

delegações patronais nessa que foi uma das mais apertadas votações daquele início da

192 BEZERRA, 1920, p.78.

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Conferência do Trabalho. Com apoio maciço dos delegados operários e rejeição em

peso dos patronais, foi a intervenção dos governos de países que já limitavam as horas

de trabalho que garantiu a aprovação do projeto de convenção.

A limitação da jornada de trabalho em oito horas por dia, por fim, foi

aprovada em Washington e a partir desse momento passava a ser responsabilidade das

nações a garantia das condições legais e reais para sua aplicação. Havia, contudo, as

exceções. Países como Japão, Índia, Sião, China, Pérsia e África do Sul, devido a

condições climáticas ou desenvolvimento industrial incompleto não estavam obrigados

a acatar a decisão. O Brasil não estava entre os países que pediram exceção, porém,

novamente segundo Bezerra:

Um de seus delegados governamentais, Sr. Carlos Sampaio,

fundamentou uma proposta no sentido de ser adiada para a reunião do

ano seguinte da Conferência ou para a sessão especial sobre trabalho

marítimo, o estudo de aplicação do dia e semana de trabalho aos

países em condições especiais. Fundamentando essa proposta, disse o

delegado brasileiro que a situação do Brasil exigia não só as restrições

visadas no Projeto, como outras que só a experiência poderia

indicar193.

A tentativa de incluir o Brasil nas exceções foi indeferida pela Mesa

Diretora dos trabalhos, porém, mesmo sem os delegados do país terem solicitado

formalmente a inclusão entre os casos especiais, por ser uma “nação tropical”, essa

demanda ficou registrada no relatório final da comissão que se dedicaria ao estudo das

horas de trabalho. Na prática, o delegado brasileiro Carlos Sampaio, mesmo sem ganhar

no voto, conseguiu uma decisão favorável para os patrões, pois a declaração oficial de

que o país se enquadrava em uma “exceção tropical” abria precedente para o

questionamento da necessidade de aplicar a redução da jornada de trabalho e, por

consequência, de outros direitos que os trabalhadores buscavam garantir.

Essa parcial vitória de Carlos Sampaio não foi compreendida por Fausto

Ferraz, fato que não passou despercebido pelo relator:

Por seu lado, o delegado operário brasileiro, o Sr. Fausto Ferraz, não

tendo percebido talvez o alcance da última conclusão do relatório da

comissão, em nome dos operários do seu país, protestou, na sessão de

27 de novembro, contra a ‘exceção’ feita no que lhes diz respeito,

quando sua legislação já estabelecera o dia de 8 horas. Felizmente

193 Ibid., p.143.

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estavam equivocados os dois delegados do nosso país. O Brasil está

compreendido entre os países aos quais se aplica, em sua plenitude, o

projeto de convenção geral sobre o dia e semana de trabalho194.

Embora a opinião apresentada por Andrade Bezerra à CLS apontasse o

grave “equívoco” na leitura de Carlos Sampaio e afirmasse com todas as letras que “o

Brasil está compreendido entre os países que se aplica, em sua plenitude, o projeto de

Convenção geral sobre o dia e semana de trabalho”195 e, à luz do Tratado de Versalhes,

sua posição tenha sido referendada pelos seus membros, o argumento de Carlos

Sampaio ainda teria longa reverberação e, por um bom tempo, serviria de base para as

posições de reação à legislação do trabalho.

Vigilante quanto às posturas dos delegados governamentais e o operário

não tão operário assim em Washington, Maurício de Lacerda criticou a postura do

delegado Afrânio Melo Franco que, em uma flagrante defesa da burguesia nacional,

havia se posicionado contra a fiscalização das condições de trabalho dos trabalhadores

estrangeiros no Brasil. Argumentava Melo Franco que esse tema não dizia respeito ao

país, uma vez que as leis nacionais já garantiam a igualdade entre os trabalhadores.

Maurício de Lacerda relembrou que essa afirmativa “não correspondia aos fatos” em um

país onde era cada dia mais frequente a adoção de medidas repressivas e de expulsão

dos estrangeiros considerados “indesejados” pelos poderosos locais; medidas essas que

encontravam pronta defesa do senador Adolfo Gordo, nas palavras de Lacerda o

“patrono-mor desses códigos de tortura operária”196.

Acrescia que o Delegado Melo Franco havia protestado contra a

criação de um órgão internacional de fiscalização da sorte dos

imigrantes como trabalhadores estrangeiros nos países que lhes

haviam aberto as fronteiras; dissera aquele delegado que entre nós

eram eles asseguradas na Constituição as mesmas garantias que aos

nacionais. Não somente deixava semelhante afirmativa de

corresponder aos fatos da nossa política social com suas medidas de

“expulsão” de operários estrangeiros, mas também às leis de exceção

que os atingiam de preferência, e das quais Melo Franco, como

parlamentar e jurista, tinha mais do que conhecimento direto: nelas

colaborara, já em 1913197.

194 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p. 569. 195 BEZERRA, 1920, p.144. 196 LACERDA, 1980, p.231. 197 Idem.

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A posição de Melo Franco, contudo, recebeu um discreto apoio de Andrade

Bezerra. O deputado que não economizou palavras em sua exposição de motivos para

abrir francas divergências, nesse ponto concordou com o delegado na opinião de que a

aprovação daquela proposta de fiscalização era incabível para os países latino-

americanos e “seria obra efêmera”:

Pelo direito internacional público, são os agentes diplomáticos os

defensores naturais dos operários que vão em busca de trabalho em

terras estrangeiras. Aquela disposição era contrária ao sistema geral de

legislação de todos os países da América Latina. A aceitação do

projeto seria obra efêmera, que de certo não seria ratificada pelas

Assembleias Legislativas dessas nações, cujos interesses ficariam

sacrificados com a medida proposta198.

Ainda que haja certa tentação de vincular essa oposição à fiscalização do

trabalho de estrangeiros, assim como as leis repressivas, à presença de militantes

revolucionários, socialistas ou anarquistas entre os migrantes, sendo esses “operários

cônscios da organização”199, é provável que a motivação dos delegados oficiais fosse

mais pragmática. Como a presença de trabalhadores estrangeiros era muito numerosa

nas indústrias, principalmente em São Paulo, estabelecer qualquer controle externo

sobre eles poderia gerar dificuldades e causar prejuízos diretos aos proprietários.

O trabalho das mulheres, tema ignorado pela delegação que estava em

Washington, aparece em um capítulo específico da extensa monografia que antecede o

Projeto de Andrade Bezerra. De acordo com o relatório final da comissão especial do

trabalho de mulheres, enviado à Câmara Federal e à CLS e publicado em 1920, o

documento, em Washington, “foi apresentado por sua presidenta, Constance Smith,

conselheira técnica da delegação inglesa”200 e tratava, fundamentalmente, de garantias

para os períodos relacionados à maternidade, ao trabalho no comércio, bem como

reiterava, com pequenas modificações, a resolução da Convenção de Berna sobre o

trabalho noturno.

Como o Brasil não tomou parte da Comissão específica para trabalho de

Mulheres, o país prescindiu da indicação de uma conselheira técnica mulher, direito

previsto na Parte XIII do Tratado de Versalhes. Assim, repetindo a maior parte das

nações, enviou aos Estados Unidos uma comitiva exclusivamente masculina. Nota-se

198 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p.581. 199 HALL; PINHEIRO, 1979, p.36. 200 BEZERRA, 1920, p.165.

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que a sub-representação de delegados propriamente operários, apontado pelos críticos

da primeira Conferência do Trabalho não era a única. Contraditoriamente, a

Conferência do Trabalho que visava proteger os grupos mais “fragilizados” e

“explorados” pelo capital tinha uma composição majoritariamente elitizada e masculina.

Nas páginas finais do documento, o deputado dedicou-se a relatar temas

como o trabalho de menores e trabalhos insalubres, até chegar à otimista conclusão de

que as nações estavam diante de um despertar para a questão operária e celebrar, por

fim, o surgimento da Organização Internacional do Trabalho. Ainda que só o tempo

pudesse “dizer se foi sincera a iniciativa do Tratado de Paz”201, estavam lançados

princípios de justiça capazes de conciliar os interesses econômicos com os “eternos

preceitos da moral”.

Após tramitação para admissão e apresentação do relatório por Maurício de

Lacerda, representando a Comissão de Diplomacia, o Projeto de Convenção nº. 663 de

1920, com anexos discutidos e votados caso a caso, foi aprovado pela CLS nos

seguintes termos:

Artigo 1º São aprovados, para os fins previstos no artigo 405 do

Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, as conclusões dos

projetos de convenção, adiante reproduzidas, adotadas pela

Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Washington, de 29

de outubro a 20 de novembro do mesmo ano, na qual tomou parte o

Brasil, na qualidade de membro da Organização Internacional do

Trabalho.

Artigo 2º Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das sessões, 6 de dezembro de 1920. Andrade Bezerra202.

Interessante notar que embora estivesse politicamente distante da bancada

trabalhista, Andrade Bezerra se rendeu à ideia da legislação social. O mesmo discurso

foi acompanhado por diversos segmentos do parlamento, do governo e da sociedade.

Todavia, parafraseando o deputado relator quanto ao Tratado de Versalhes, só o tempo

diria quais posições eram sinceras.

Carlos Penafiel, deputado da bancada riograndense, protestou com

veemência contra o trâmite em regime da urgência da Indicação de Andrade Bezerra,

manobra que havia favorecido a sua aprovação na Comissão de Diplomacia. Na sessão

201 Ibid., p.187. 202 DOCUMENTOS PARLAMENTARES, 06/12/1919, p.598.

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do dia 30 de dezembro, “no apagar dos lampiões” daquele conturbado 1919, um debate

intenso tomou conta da Câmara. De um lado, Carlos Penafiel denunciava que o

parlamento acabara de aprovar de afogadilho os princípios de leis operárias que

representavam uma verdadeira reforma e, por isso, exigiam debates mais extensos. De

outro, o deputado Augusto de Lima, presidente da Comissão de Diplomacia, defendia a

urgência da questão e contra argumentava que o parlamento tinha acúmulo suficiente

para superar os discursos e aprovar definitivamente uma legislação social à altura da

modernidade.

O aspecto formal, não obstante, era apenas o pretexto, o motivo aparente das

críticas do deputado gaúcho. As razões pelas quais o deputado mostrava inconformidade

manifestaram-se ao longo do debate. Em primeiro lugar, o parlamentar alertava para o

risco de perda de competitividade das indústrias brasileiras, posto que o Brasil adotaria

essas medidas antes mesmo dos membros mais ricos da Organização Internacional do

Trabalho, postura qualificada como uma “aventura quixotesca”203. Em segundo lugar, a

OIT representava uma afronta à soberania nacional, por objetivar interferir nas questões

internas do país, constituindo-se, assim, como uma “super-soberania” que colocava a

pátria em uma situação perigosa. De pronto, ambos os argumentos foram rebatidos pelo

aparte deputado Augusto de Lima: “O Brasil age dentro de sua soberania com inteira

liberdade; não tem de copiar o que se delibera em outras nações”. Para isso a Câmara

nomeou uma Comissão que está tratando precipuamente do assunto204.

Para os defensores do projeto, portanto, a soberania estava garantida, pois

todos os pontos deveriam ser confirmados e adaptados às legislações das nações

signatárias do Tratado e, no caso brasileiro, tão urgente era a questão que, desde 1918,

antes mesmo do Tratado de Versalhes que mudou o discurso do Poder Executivo, a

comissão especial já estava em funcionamento.

A insistência do deputado Carlos Penafiel de que o “instituto criado pelo

Artigo 405” do Tratado de Versalhes feria os poderes constituídos no Brasil, e de que

havia uma manobra regimental em curso para a aprovação de tais princípios levou

Maurício de Lacerda a aparteá-lo. De início afirma que “ninguém há de mais contrário à

Conferência de Washington do que eu; até recusei ir ali representar os operários

203 Ibid., p.680. 204 Idem.

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brasileiros. Mas, do parecer da Comissão foi apenas estudado o aspecto diplomático

[...], portanto, nem deve ser citado”205.

São perceptíveis as mudanças nos apoios, controvérsias e posições dos

parlamentares de maio de 1919, quando chegavam notícias de Paris acompanhadas por

mensagens do Poder Executivo até os derradeiros dias do ano, quando o governo

recuava e a burguesia reorganizava sua força para impedir essas conquistas. A defesa do

federalismo riograndense e o temor de que o governo interviesse nas questões locais é

um fator importante, mas não o único que explica o grau de tensão no parlamento.

Passados os sopros libertários do imediato pós-guerra, as forças

conservadoras (industriais, latifundiários, governo e maioria dos parlamentares) se

rearticularam e buscaram isolar posições que significassem transformações muito mais

profundas do que as já consentidas. Era como se as classes trabalhadoras já tivessem ido

longe demais e os grupos dominantes, por sua vez, cedidos até seu limite. Ainda em

posse da tribuna, Penafiel persistiu:

A Conferencia de Washington, como todos os alvitres de um direito

operário internacional citados no longo e brilhante parecer com que o

Sr. Andrade Bezerra precede diversos projetos de Convenções e

recomendações, reduz-se a um esboço, sem força e em ordem, sem

alcance social e sem eficácia prática206.

Objetivamente, por caminhos diferentes, a ação política passou das práticas

protelatórias para o questionamento das teses, caso das oito horas diárias de trabalho.

Dois argumentos foram levantados pelos opositores de sua adoção universal: 1) o de

que tal jornada deveria ser consolidada apenas na “indústria mecânica”, por ser o

trabalho nas máquinas mais “embrutecedor” e 2) a “menor produtividade” do operário

brasileiro. Assim, a redução das horas de jornada representaria prejuízo para os

industriais e, consequentemente, o aumento do valor do produto que, por sua vez,

perderia competitividade. Na mesma linha adotada pelos representantes patronais da

Conferência de Washington, Carlos Penafiel recorreria à “excepcionalidade” do caso

brasileiro. “Temos ainda a considerar a menor produtividade nos meios tropicais e sub-

tropicais”207, diria Penafiel.

205 Ibid., p.682. 206 Ibid., p.683. 207 Ibid., p.686.

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De certa forma, ao passo que a Organização Internacional do Trabalho

tomava forma real também uma oposição real a ela se organizava. Pontos que há poucos

meses pareciam consensuais ou já estavam “encaminhadas pela Legislação Especial de

Comissão Social”, como relembrava José Lobo em aparte, voltavam a enfrentar

dificuldades para tramitação. O fato de o Tratado de Versalhes e as resoluções da

Conferência do Trabalho de Washington serem, muitas vezes, consideradas moderadas,

não significou maior facilidade de aceitação pelo parlamento brasileiro. Ao contrário,

seus princípios seriam lançados por mais alguns anos no limbo das leis sociais

incompletas e inconclusas. A aplicação desses princípios, portanto, passava a ser um

desafio para a recém-criada Organização Internacional do Trabalho.

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CAPÍTULO III – ALBERT THOMAS E A POLÍTICA DA

PRESENÇA

3.1. A OIT e a Política da Presença.

Lançadas as bases para a constituição de uma organização internacional

destinada a promover a “paz e o progresso social”, a OIT, reconhecidamente uma

“organização militante”208, assumiu em seus primeiros anos a missão de zelar para que

seus princípios fossem aplicados plenamente, “com as adaptações necessárias”209, de

maneira universal, em todos os países membros da SDN.

A OIT passou a ser provedora de instruções e exercer um efeito importante

sobre a promoção das reformas sociais. Entre os anos de 1925 e 1927, período em que

foram adotadas duas convenções e uma recomendação, a OIT ampliou o olhar sobre

países africanos (principalmente a África do Sul), latino-americanos e caribenhos. De

acordo com Jeremy Seekings, no entanto:

Mesmo os países mais industrializados na América Latina eram

menos ativos na OIT do que a África do Sul. Delegados dos principais

estados da América Latina participaram nas sessões na Europa, mas

em vez de altos funcionários do governo enviaram suas representações

diplomáticas sem qualquer experiência ans questões do trabalho ou

áreas afins. A própria OIT também estava literalmente distante da

região ao não estabelecer quaisquer escritórios lá até meados de 1930.

Assim, apesar das reformas de seguridade social que foram

introduzidos e ampliados, especialmente na década de 1920, a OIT

parece ter tido pouco ou nenhum papel. [...] No Brasil, também, os

primeiros regimes de seguro precederam a discussão na CIT210.

Apesar dessas dificuldades, antes de 1939, a Argentina havia ratificado 16

convenções, o Brasil 5, a África do Sul 8 e a Índia 14211. Com todas as limitações,

aumentar a influência da OIT e criar ambientes favoráveis à ratificação de suas

208 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Treinta años de combate por La Justicia

Social. (Prefácio de David. Morse). Genebra: OIT, 1950, p. 24. 209 Idem. 210 SEEKINGS, J. The ILO and Welfare Reform in South Africa, Latin America, and the Caribbean.

1919-1950. ILO Histories. In. VAN DAELE, Jasmien et al. (eds). Essays on the International Labour

Organization and Its Impact on the World During the Twentieth Century. Berna: Peter Lang International

Academic Publishers, 2010, p. 160. 211 Ibid., p. 152.

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convenções foi uma meta importante para seus dirigentes em meados dos anos 1920.

Nas palavras de Seekings, “a OIT procurou promover a construção do Estado de bem-

estar como parte de seus esforços para regular o trabalho assalariado em uma escala

global”212.

Em junho de 1925, Correio da Manhã noticiou a vinda de um “alto

funcionário da Liga das Nações”213 ao Brasil, anunciando que Albert Thomas visitaria o

Rio de Janeiro e, “provavelmente”, São Paulo, Santos e Minas Gerais, antes de seguir

para Uruguai, Argentina e Chile. Reproduziu, ainda, um pequeno trecho de entrevista

concedida por Thomas à United Press, na qual dizia que iria à América do Sul “a fim de

estudar as condições das classes trabalhadoras e de conferenciar com os representantes

das associações dos trabalhadores e dos patrões, no intuído de desenvolver o apoio

dessas classes ao BIT”214. Assim, entre os dias 14 e 21 de julho de 1925, o Brasil

recebeu a visita de Albert Thomas, Diretor Geral da OIT.

No dia de sua chegada O Estado de São Paulo publicou uma longa matéria

contendo perfil biográfico e os principais objetivos da visita, que ainda trazia em sua

comitiva René Lebrun e Marlus Viple, secretários do diretor da OIT, o chefe da seção

de relacionamentos, Di Palma Castiglione e Fabra Rivas, diretor do Bureau em Madri.

Entre os compromissos previstos em sua agenda estavam:

Às 13h, no Jockey Club, o Sr. Deputado Augusto Lima, presidente da

Comissão de Legislação Social da Câmara, oferecerá um almoço ao

senhor Albert Thomas. Amanhã o Sr. Dr. Miguel Calmon, ministro da

Agricultura, Indústria e Comércio, e Felix Pacheco, ministro das

Relações Exteriores, oferecerão ao ilustre hóspede um banquete [...]

As mais importantes visitas que o diretor do Bureau Internacional do

Trabalho vai fazer no Rio, estão marcadas para 17, sexta-feira. Nesse

dia sua excelência almoçará na Ilha do Vianna, depois de percorrer as

instalações das empresas Lage, devendo, ainda, às 16 horas, visitar a

Villa Operaria Pereira Carneiro215.

Importante notar que mesmo tendo diminuído seu ritmo de trabalho e a

frequência de reuniões, a Comissão de Legislação Social continuava sendo uma

importante referência institucional, no tocante às leis do trabalho em âmbito nacional.

Não apenas pelo fato de o compromisso de Thomas no Brasil ter ocorrido com o

212 Ibid., p. 170. 213 CORREIO DA MANHÃ, 16/06/1925. 214 Ibid., 20/06/1925. 215 O ESTADO DE SÃO PAULO, 15/07/1925.

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presidente da CLS, mas também pela presença dos membros da comissão no banquete

oferecido pelos membros do Poder Executivo. Parecia, àquela altura, que ainda estava

nas mãos do parlamento o destino da legislação social.

No discurso que antecedeu o brinde oferecido pelo deputado Augusto Lima,

de acordo com a imprensa, foi feito um histórico da legislação que já estava em

discussão no país e na CLS e referência ao que viria a ser o Conselho Nacional do

Trabalho, que “reúne em seu seio patrões e operários”216. Chama a atenção, contudo, a

justificativa apresentada para a morosidade do parlamento brasileiro em ratificar as

convenções já estabelecidas pela CIT:

O Sr. Augusto Lima estendeu-se em considerações sobre as razões de

clima e vastidão de território que tornam forçosamente passíveis de

estudo longo e meditado muitos dos problemas sociais, ao ter a

legislação brasileira de resolvê-los sem fugir às disposições da

legislação internacional. [...] Aludiu a certas cláusulas já estabelecidas

pelo Departamento Internacional do Trabalho e ainda não ratificadas

pelo Congresso brasileiro, por motivo de ordem constitucional. A

revisão da constituição ia, porém, fazer-se e tais cláusulas seriam por

certo adjudicadas à nossa legislação social.

Reapareciam diante da presença de Thomas, portanto, os pretextos e

argumentos protelatórios utilizados pela delegação brasileira na Conferência de

Washington; alguns deles contestados pelo relatório de Andrade Bezerra que fora

aprovado em dezembro de 1919 é verdade, mas que também tinham se tornado

majoritários dentro da própria CLS, quais sejam: um país com clima excepcionalmente

tropical, dificuldade de interferência do Estado nas questões empresariais, garantia de

princípios constitucionais federalistas e etc. A resposta de Thomas que se mostrou

compreensivo com as particularidades brasileiras e as comparou com a situação

francesa onde as leis sociais também encontraram dificuldades constitucionais antes de,

enfim, serem aprovadas encerrou diplomaticamente a questão.

A grande imprensa diária, ademais, não escondia sua empolgação com a

presença de Thomas no Brasil. Além de lhe dedicar a manchete do dia 14 de julho,

Correio da Manhã teceu loas ao seu entrevistado que recém desembarcara no país:

Cabe a nós, brasileiros, a honra de sermos os primeiros a receber

Albert Thomas, que vem em visita aos países sul-americanos. Notável

pelo saber, brilhante homem público, ex-ministro da França, ex-

216 CORREIO DA MANHÃ, 16/07/1925.

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deputado, o atual diretor do Bureau Internacional do Trabalho da Liga

das Nações é uma individualidade inconfundível217.

Mais reveladores do que o excesso de gentilezas com o entrevistado, no

entanto, eram os temas que Thomas considerava centrais nas observações que faria

naqueles dias: a questão obreira, o estabelecimento dos estrangeiros, a imigração, e

“todos esses fenômenos que preocupam os países novos em primeiro plano”218. A

questão da imigração e o tratamento dispensado aos imigrantes, além das “facilidades

que aqui os mesmos encontram”, parecia a mais peculiar das questões que Thomas tinha

a tratar no Brasil.

Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro incluíram no tocante à relação da

classe operária com o Estado brasileiro, dois importantes documentos relacionados a

essa visita219. O primeiro, parte do relatório da viagem de Albert Thomas produzido

pelo holandês Joh de Bruin, operário holandês membro da União Geral dos

Trabalhadores (organização que congregava operários de origem alemã), residente no

Brasil. O segundo, uma carta aberta de Edgardo de Castro Rebello a Albert Thomas,

que lembrava o fato de que somente às vésperas da chegada de Albert Thomas a

Câmara se apressou para discutir o Código do Trabalho. Ali estava, igualmente, uma

dura crítica a respeito das poucas e mal cumpridas leis do trabalho no Brasil220.

Tanto esses documentos, quanto as demais repercussões na imprensa

operária são discutidos mais a frente neste capítulo. Antes, porém, se fazem necessárias

algumas considerações sobre o pensamento político de Albert Thomas e a agenda de

viagens que ele promoveu pelo mundo.

3.2. O Socialismo de Albert Thomas.

Dos textos em comemoração aos trinta anos da OIT, ao perfil biográfico do

atual “website”, a Organização Internacional do Trabalho manteve a linha celebratória

da vida e obra de seu primeiro Diretor Geral. Mesmo depois de consolidada a primeira

fase, de definição estrutural, a memória da organização registra que Thomas “continuou

217 CORREIO DA MANHÃ, 15/07/1925. 218 Idem. 219 HALL; PINHEIRO, 1979, p. 307. 220 Ibid., p.308.

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a inspirar sua equipe para aproveitar todas as oportunidades para promover os objetivos

da OIT”221. Ainda assim, Albert Thomas não foi retratado propriamente como um herói,

no sentido que propunha Carlyle, “uma força vital capaz de recriar o mundo ao redor”

ou “um elemento que reorganizou a visão de mundo de seus contemporâneos”222. Sua

trajetória, sob o prisma oficial, foi a de um competente político francês que estava

justamente adequado para assumir aquela função naquele momento. Um intelectual

“idealista e diretor aplicado”.

Formado em história pela Escola Nacional Superior e doutorado em Direito,

Albert Thomas foi membro de uma sociedade cooperativa em Champigny, chamada La

Travailleuse, em 1903, quando assumiu firme posição de defesa dos sindicatos e o

cooperativismo como forma de preparação dos trabalhadores para a gestão

econômica223. No Partido Socialista Francês defendia um partido de classe e reconhecia

a necessidade de alianças passageiras com outros partidos, a partir de blocos de

esquerda; com essa visão “aliancista” notabilizou-se quando assumiu cargos

importantes no governo, durante os períodos mais difíceis da primeira grande guerra.

Em maio de 1915 assumiu o posto de Subsecretário de Estado da Artilharia e Munições,

tornando-se Ministro das Munições no ano seguinte. Em dezembro de 1916 foi

nomeado para o cargo de Ministro do Armamento.

Apesar da situação atípica, para alguns militantes até constrangedora, de um

socialista ocupar um cargo no governo diretamente ligado às questões bélicas, ao passo

que o movimento socialista internacional se destacava pela agenda pacifista, Thomas,

enquanto ministro, manteve contatos com a classe trabalhadora. Tal contato se deu

principalmente na fixação de jornada do trabalho feminino nas usinas de guerra e na

instituição de comitês de conciliação e arbitragem em matérias de salários em fábricas

de armamentos224. Nesse período, de acordo com Schaper, houve também um grande

entusiasmo e não foi mera propaganda quando Thomas, mais tarde, “disse aos

trabalhadores das fábricas de munição inglesa que, na França, os trabalhadores haviam

221 THOMAS, Albert. Perfil Biográfico. ILO Director-General. OIT, 2015. 222 Há uma tradução recente para o português de ensaios curtos de Carlyle sobre o heroísmo na história.

Cf. CARLYLE, Thomas. Sobre heróis: o heroísmo e a veneração do herói na história. Tradução:

Francisco de Freitas. São Paulo: Editora Landmark, 2011. 223 MÂITRON. Jean. Dictionnaire biographique du mouvement ouvrier français, Paris: Les Editions

Ouvrières, 1989. Verbete: THOMAS, Albert. 224 Idem.

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sido recrutados para trabalhar com o mesmo ímpeto que para irem ao front de

batalha”225.

De modo geral, contudo, a análise de Schaper segue a mesma direção que a

narrativa da OIT, buscando na trajetória de Thomas, mesmo nos momentos

aparentemente mais contraditórios, a coerência do ponto de vista da relação com a

classe trabalhadora e sua organização durante o esforço de guerra. A linha reformista do

socialismo de Albert Thomas ficou, de fato, muito marcada por esse período, tanto na

consolidação de suas formulações a respeito do trabalho, quanto na configuração dos

grupos que dele se aproximaram ou definitivamente se afastaram.

Durante os anos de guerra Thomas se dedicou aos temas sociais mais de

uma vez, e seus discursos, artigos e conferências mostram que o seu compromisso com

a ideia de “reformismo tinha sido reforçada pelos seus esforços e experiências de

guerra”226. A organização da economia e o desenvolvimento de novas abordagens para a

produção e as relações de trabalho fariam parte de uma linha contínua entre o

“reformismo social” defendido antes da guerra por Thomas, bem como, os objetivos

mais sofisticados que ele viria a seguir em Genebra.

Em setembro de 1917, os ministros socialistas, após longa discussão acerca

dos objetivos de guerra franceses, deixam o governo e Thomas é substituído por Louis

Loucher, político conservador que viria a ser um dos principais assessores de

Clemenceau durante a Conferência de Paz. Thomas, no entanto, continuaria

politicamente ativo, como aponta Fine:

Liberado de suas responsabilidades ministeriais, Thomas dedicou seu

tempo e energias para obter apoio para suas políticas reformistas. Em

1917-1918, ele presidiu as reuniões do ‘Comité Permanente para o

Estudo e Prevenção do Desemprego’, que tinha sido criado pelo

Ministério do Trabalho para reunir líderes empresariais e trabalhistas

com o intuito de discutir a situação econômica no pós-guerra227.

225 SCHAPER, B. W. Albert Thomas: trente ans de réformism social. Paris-Assen, Presses Universitaires

de France-van Gorcum, 1959, p. 107. (Tradução nossa). 226 FINE, Martin. A Reformer´s Vision of Modernization, 1914-32. Journal of Contemporary History.

Vol. 12. Nº 3. 1977, p. 551. 227 Ibid., p.552.

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Em 1919, enfim, após acirrada disputa de bastidores com o inglês Harold

Butler, Albert Thomas assumiu o cargo de Diretor-Geral da recém-criada OIT228.

Thomas figurou como a representação humana da instituição naquele período pós-

guerra. Era ele a OIT em “carne e osso” e o modelo a partir do qual a OIT foi moldada,

à sua imagem e semelhança. A publicação da Organização Internacional do Trabalho na

ocasião da comemoração de seus trinta anos de existência229, destaca o momento em

que Thomas teve que decidir contra a orientação do governo de seu país, a França, na

questão da regulamentação do trabalho agrícola. A escolha de Thomas pelos

pressupostos aparece como a prova da “autonomia e independência”, não dele

individualmente, mas da própria organização. Apesar da breve referência ao seu

Diretor-Geral, o mesmo documento registra com ênfase que “Albert Thomas morreu em

pleno trabalho, em 1932”, após concretizar, a “obra que consolidou seu futuro”230,

versão diferente daquela que apresenta o célebre dicionário de Mâitron, no qual consta

que Thomas morreu deprimido em um café parisiense. Na lógica da narrativa oficial

sobre Albert Thomas produzida pela OIT, contudo, a criação mítica em torno da sua

figura é um esteio institucional.

Norman Dufty, em artigo publicado em 1972, enfatizou a astúcia de Albert

Thomas ao interpretar, de forma ampla, a expressão “justiça social”, interpretação essa

que garantiu a defesa de democracias sociais universais em consonância com o

desenvolvimento industrial231. O autor atribui também a seu esforço pessoal a atuação

da OIT como organismo de pressão, tanto no campo econômico quanto no social.

Leituras desse tipo reafirmam a personalidade “conciliadora” de Thomas como

essencial para o sucesso do organismo em seus primórdios.

A esse respeito, há que se levar em consideração o conceito de justiça social

para Albert Thomas. Sua convicção, de acordo com Guy de Lusignan, escorava-se na

ideia de que justiça social era “não só a eliminação de injustiça, que era muito mais, era

a aplicação uma política positiva que o indivíduo tem de obter reconhecimento dos

228 Detalhes sobre os primeiros passos da OIT estão no relatório escrito por Albert Thomas para a

organização. O documento está disponível no site da ILO. International Labor Conference, Report of the

Director-General (Genève: ILO, 1949). (Tradução nossa). 229 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1950. (Tradução nossa). 230 Ibid., p.26. 231 DUFTY, Norman F. Organizational Growth and Goal Structure: The case of the ILO. International

Organization, 1972.

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direitos políticos, econômicos e sociais”232. Foi a partir da construção desse discurso e

para disseminar entre todos os países da SDN sua ideia de justiça, que Thomas passou a

viajar de país para país, com a intenção de convencer os governos a seguirem as

orientações da OIT. Por essa característica, Albert Thomas chegou a ser apelidado entre

seus pares de “o judeu errante da política social”233.

A imagem de Albert Thomas certamente contribuiu para a construção de um

mito fundador da OIT que, ao emergir dos desastres diplomáticos da primeira grande

guerra, em um contexto de organização do movimento operário em diferentes pontos da

Europa, ancorava-se em termos que remetiam às ideias de equilíbrio, harmonia,

pacificação e diluição de conflitos.

E. J. Phelan, outrora colaborador direto de Thomas, utilizou estratégia

similar para contar a história do Diretor Geral. Apenas 4 anos após sua morte, Thomas

já era considerado o idealizador de toda a estrutura diretiva da OIT e o principal

responsável pelo seu caráter internacional, pois, para Phelan, foram as suas iniciativas

que evitaram o papel de mera coordenação intergovernamental da legislação social e a

transformou em uma instituição para melhorar “as condições de todos os povos do

mundo”234.

Em Phelan aparecem também os primeiros relatos dos bastidores da disputa

pela indicação do cargo de Diretor Geral da OIT, em 1919. As resistências apresentadas

a Thomas devido a sua nacionalidade francesa (como já citado, seu principal

concorrente e futuro Secretário Adjunto, Harold Butler, era inglês) foram superadas, de

acordo com o autor, devido a seu “espírito de conciliação e iniciativa”. Seriam esses

dois atributos as bases da Organização que surgia: a conciliação entre distintos

interesses dos grupos sociais e a iniciativa para colaboração e ação nos países

signatários.

A análise sobre Albert Thomas publicada em 1977 por Martin Fine foi

adotada por grande parte dos órgãos oficiais, de modo que reproduções literais de seus

textos aparecem nas publicações institucionais da OIT até os dias correntes. Ainda em

tom elogioso, a discussão acerca das visões reformistas e de modernização de Thomas

232 LUSIGNAN, Guy de. Albert Thomas et la justice sociale. L'Actualité de l'histoire, Nº. 24, Jul.-Sep.,

1958, p. 15. 233 Idem. 234 PHELAN, E. J. Yes and Albert Thomas. New York: Columbia University Press, 1949, p. 271.

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se constrói sob a trajetória de 1914 a 1932, ano de sua morte. A trajetória de Thomas é

descrita a partir de dados pessoais, com ênfase na formação intelectual, nos autores por

ele lidos, nas relações políticas tecidas no governo francês, no seu engajamento ao lado

dos socialistas ligado a Jean Jaurès, bem como, por sua atuação política institucional.

Os caminhos percorridos para escrever a trajetória política de Albert

Thomas exatamente pela construção da imagem de bom articulador e conciliador

quase sempre deixaram em segundo plano os conflitos mais agudos e as contradições

nas quais se envolveu, reservando-se a um ácido ataque por parte dos revolucionários ou

uma versão oficial hagiográfica produzida pela OIT. Denis Guérin235, não obstante,

examinou algumas de suas contradições. Destaca-se entre elas uma carta escrita a um

amigo, em 1921, na qual Thomas revelava que via na sua ida a OIT apenas uma escala

para voltar mais fortalecido à cena política francesa. Ainda no campo político, Guérin

discutiu as indicações de Thomas para Subsecretario de Estado para Artilharias e

Munições durante a Primeira Guerra e sua posterior nomeação ao cargo de Ministro do

Armamento. Embora não ocorra de maneira explícita, as considerações de Guérin sobre

a queda de Thomas no governo revelam um lado que pouco aparece em seus perfis

biográficos: o envolvimento em crises políticas e a participação direta na guerra.

Não foram pequenos, porém, seus problemas com os socialistas. A sua

forma de encarar o socialismo e o programa do Partido para as eleições de 1932

aparecem em uma correspondência entre Thomas e Paul Faure, líder da SFIO (Section

Française de l'Internationale Ouvrière), datada de 1930. Na carta, Thomas descreve o

programa socialista:

Não da revolução social imediata e total. Mas da agenda socialista

imediata, dentro da sociedade presente e cujo cumprimento deve ser

um passo na direção da Revolução Socialista. Programa realizável em

quatro anos legislatura e para o qual se chamaria um esforço real da

Nação. Programa que necessariamente encontrará os preconceitos da

opinião presente, inconscientemente penetrado até ossos da medula

pelo pensamento capitalista, mas, no entanto, que iria responder às

aspirações profundas. Nós estamos apenas falando apenas sobre agora.

Não devemos hesitar em reconhecê-lo; há uma inegável grandeza [...]

Eu gostaria de um programa, racional, positivo, sem ilusão ou loucura,

235 GUÉRIN, Denis. Albert Thomas au BIT: 1920 – 1932, de l'internationalisme à l'Europe. Genève: Inst.

Européen de l'Univ. de Genève, 1996.

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mas que fosse acompanhado de um esforço entusiasmado e que, por

seu sucesso, aumentasse em dez vezes a esperança socialista236.

Após a guerra, porém, a vertente reformista de Thomas, que não se

contentava em se inspirar no modelo alemão, saiu enfraquecida. Na análise de

Emmanuel Jousse, a revolução russa também é um fator que ajuda a isolar esse

“socialismo liberal” (termo usado pelo historiador francês Christophe Prochasson),

insustentável a partir da nova situação comunista e, ainda mais criticado pelo

posicionamento durante a grande guerra. Ainda segundo Jousse, os intelectuais

socialistas ligados a ele não compreenderam que entraram em uma nova era e,

“significativamente, Thomas é marginalizado dentro de seu partido até o final do

conflito, e passa a se dedicar a uma tarefa diferente: a edificação da Organização

Internacional do Trabalho”237.

Apesar das polêmicas enfrentadas dentro da esquerda francesa, Albert

Thomas manteve-se em seus propósitos de “justiça social” e sua visão de reformismo

por meio da OIT. Reiner Tosstorff atribui a Thomas a definição das três bases

fundamentais da OIT, a saber: os contatos com os governos, contatos com associações

de trabalhadores e empregados e pesquisas e investigações238. Cada uma dessas bases

resultaria em uma seção, com dedicação exclusiva ao tema e com objetivo de chegar às

principais capitais do mundo. O artigo de Tosstorff ganha corpo com uma discussão

sobre a omissão (ou até simpatia) da OIT em relação ao fascismo. As frequentes idas de

Albert Thomas à Itália ocasionaram protestos de diversas entidades e ampliaram a

desconfiança em relação a sua personalidade. De acordo com Tosstorff, a tensão com a

IFTU (International Federation of Trade Unions) foi acirrada em 1928, devido à visita

a Mussolini. Ainda que sustentado pelas tradicionais biografias de Albert Thomas,

como a de Phelan, Tosstorff não se limita a descrever a personalidade, mas explora

também os conflitos nos quais Thomas se engajou e, muitas vezes, saiu arranhado.

A história de vida de Albert Thomas e sua peculiar relação com o

socialismo, no entanto, carecem de um estudo mais aprofundado que relacione sua

236 LETTRE D'ALBERT THOMAS À PAUL FAURE. L'Actualité de l'histoire, Nº. 24, Jul.-Sep., 1958, p.

22. (Tradução nossa). 237 JOUSSE, Emmanuel. Réviser le marxisme? D'Edouard Bernstein à Albert Thomas, 1896-1914. Paris:

L’Harmattan, 2007, p. 242. 238 TOSSTORFF, Reiner. Albert Thomas, the ILO and the IFTU. In. VAN DAELE, Jasmien et al. (eds).

Essays on the International Labour Organization and Its Impact on the World During the Twentieth

Century. Berna: Peter Lang International Academic Publishers, 2010.

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formação política com a sua trajetória como dirigente de uma organização internacional,

que elegia as palavras “harmonia”, “conciliação” e “equilíbrio”, como meios e fins.

Uma de suas passagens mais emblemáticas, relatada por Tosstorff, remete à visita feita

por Thomas a Mussolini, ocasião na qual foi “fotografado de tal forma a dar uma

impressão de que ele estava saudando à maneira do Partido Fascista”239. A julgar pelas

reações negativas, pode-se deduzir que a sua personalidade e ação política se

confundiram de modo tal que uma fotografia, pelo seu impacto, causou grande

desconforto a OIT e seus membros. Para Thomas, no entanto, esse era o risco de suas

escolhas.

3.3. A política da presença chega ao Brasil.

Analisadas, em muitos dos escritos a respeito de Albert Thomas, as viagens

empreendidas por ele quando Diretor Geral da OIT são comumente vistas como

tentativas de consolidar o caráter internacional da organização. No entanto, essas

oportunidades tinham também reflexo na própria definição da postura adotada por

Albert Thomas à frente da organização. Assim tratou Martin Fine na ocasião da visita

de Thomas aos Estados Unidos:

A viagem para a América do Norte foi importante porque Thomas

passou uma quantidade de tempo considerável nos Estados Unidos.

Ali ele renovou contatos oficiais com um certo número de líderes

industriais e trabalhistas e suas organizações. Seus esforços foram tão

bem sucedidos que ele conseguiu promessas seguras de uma maior

cooperação entre estes grupos e a OIT. Mas as relações mais

importantes que Thomas estabeleceu foram com dois dos mais

progressistas empresários norte-americanos, Edward Filene e Henry

Ford. Um proeminente industrialista Boston, Filene era então chefe do

‘Fundo Século XX’. Nos anos posteriores, a associação de Thomas

com ele traria um benefício financeiro substancial para a OIT. Durante

suas estadas prolongadas tanto Filene quanto com Ford, Thomas foi,

pela primeira vez, exposto aos métodos americanos de relações

industriais e de gestão científica. Profundamente impressionado com

essas experiências, Thomas voltou para Genebra sabendo que aqueles

avanços teriam que desempenhar um papel mais importante na

definição da futura política da OIT240.

239 Ibid., p. 108. 240 FINE, 1977, p. 554. (Tradução nossa).

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De acordo com Phelan241, Albert Thomas acreditava que a presença física

era essencial para a consolidação das ideias. Daí as inúmeras viagens promovidas por

ele. Albert Thomas, em 12 anos como Diretor-Geral, visitou 29 países, com uma média

de 6 meses fora de Genebra, com o intuito de aproximar governos, trabalhadores e

empresários das diretrizes da OIT. De tal forma, as visitas ao Brasil, Argentina e Chile,

constantes no seu roteiro de 1925, não foram menos importantes devido aos poucos dias

de estadia. As ligações entre essa passagem pelo Brasil e a reafirmação dos princípios

estabelecidos pelo Tratado de Versalhes são aberturas que lançam luz sobre o modo de

operar a política in loco exercida por Albert Thomas.

A pesquisa empreendida por Norberto Ferreras contribui para a

compreensão do modo de operar politicamente nas viagens de Thomas à América do

Sul. Primeiramente, Ferreras faz importante ressalva sobre a visão eurocêntrica com a

qual Albert Thomas observaria a América do Sul:

As preocupações de Albert Thomas, repassada para a OIT, giravam

em torno à construção de uma política de harmonia europeia e da

defesa dos valores e posições europeus. Neste caso o que entra em

questão é o direito trabalhista europeu, que embora esteja em fase de

construção, sem estar consolidado, a pretensão era a de impor as

formas, as práticas, os ritmos europeus, inicialmente ao conjunto da

Europa e depois fora dela. Os vencedores da Grande Guerra eram os

países industrializados, os que tinham os movimentos operários mais

ativos e militantes (com a exceção da derrotada Alemanha), e queriam

impor e garantir os seus princípios, a sua legislação e os seus acordos

entre Capital e Trabalho, inicialmente ante a Europa periférica e rural,

e numa segunda instancia esta legislação devia transcender o

continente e se expandir em direção aos países industrializados da

América Latina e da Ásia. Mas, uma vez que os Estados Unidos não

ingressaram na OIT, o socialismo eurocêntrico de Albert Thomas, se

consolidou como a ideologia oficial da OIT242.

Denis Guerin já havia afirmado que, para Albert Thomas, a defesa dos

direitos trabalhistas universais era perfeitamente compatível com a defesa de uma

“solução europeia”:

A crise econômica veio a confirmar a existência de um impasse dentro

do debate sobre a organização com sede em Genebra: o que era a luta

pela jornada de oito horas, quando cada vez mais e mais trabalhadores

estavam desempregados? Seu engajamento em favor de soluções

241 PHELAN, 1949. 242 FERRERAS, Norberto. Entre a expansão e a sobrevivência: A viagem de Albert Thomas ao Cone Sul

da América. Antíteses, v.4. p. 127-150. Jan/jun., 2011, p.138.

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centradas no velho continente se dá, em grande parte, devido à

necessidade de tomar medidas concretas, como a necessidade de agir

em favor da integração europeia243.

A visita de Thomas, portanto, carregava o pretexto de espalhar para o

restante do globo as doutrinas e o pensamento europeu, de modo que essas viagens

tinham também um caráter “civilizatório”. Ademais, como os Estados Unidos não

haviam ingressado na OIT, havia prevalecida a tese do “socialismo eurocêntrico” de seu

diretor, e cabia a ele fixar o repertório de ideias europeias como ideologia oficial sempre

que estivesse ao seu alcance. Além desses aspectos, Norberto Ferreras apontou duas

outras razões pertinentes acerca desse périplo de Thomas:

Por um lado, ele pretendia a maior quantidade de ratificações por parte

dos países membros, que deviam chegar por meio da diplomacia ou

por meio das suas múltiplas viagens. O outro problema estava na

dificuldade para levar à frente as suas políticas com o quadro

funcional existente que não era nem quantitativamente nem

qualitativamente suficiente244.

Em outras palavras, a fragilidade política dos países do sul do mundo,

inclusive o Brasil, tornaria mais fácil a intervenção da OIT e, ao mesmo tempo,

acalmaria os ânimos de uma organização estruturalmente ainda precária, em crescente

disputa interna e que precisava que suas convenções fossem ratificadas para não cair

desacreditada.

O relatório de visita que Albert Thomas submeteu ao Bureau Internacional

do Trabalho inicia exatamente justificando a viagem (além da questão formal de um

convite que Thomas havia recebido de delegados sul-americanos durante a CIT) com

ênfase no fato de que, até então, “nenhuma ratificação tinha sido obtida pelos países da

América do Sul”245. O itinerário a ser percorrido pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Chile

objetivava reverter essa situação a partir da sensibilização dos governos e da

mobilização da opinião pública desses países, pautadas pela presença de Thomas.

Além disso, o papel desempenhado pelos parlamentos, e isso recebeu uma

atenção especial no caso brasileiro, também foi identificado, pois, muitas vezes, em que

“projetos de lei foram formalmente apresentados ao Parlamento, incorporando os

243 GUÉRIN, 1996, p. 41. (Tradução nossa). 244 FERRERAS, 2011, p. 139. 245 ILO. The visit to south america of the director of the International Labour Office. International Labour

Review, Genève, v.12, n. 6, p. 757-775, dez. 1925.

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termos das Convenções, o parlamento pareceu ter esquecido completamente da

urgência, ou até mesmo do valor da ratificação”246. Na percepção da OIT, portanto, não

bastava a organização reunir-se com o poder executivo, pois havia um espaço de

negociação com os parlamentos que, muitas vezes, poderiam até estar mais adiantados

do que o Executivo. O levantamento apresentado sobre o andamento das ratificações e

da legislação do trabalho também levou essa questão em consideração. Diz o relatório:

No Brasil, um projeto de lei (No. 663 de 1920) para a ratificação dos

seis Projetos de Convenções de Washington foi adotado na primeira

leitura pela Câmara dos Deputados, mas de acordo com a informação

recebida, o projeto de lei não poderia ser definitivamente aprovado

pelo parlamento até que a adoção do Código do Trabalho incorporasse

os princípios das convenções na legislação nacional. O Projeto de Lei

foi adotado pela Câmara dos deputados em segunda discussão; três

discussões são constitucionalmente necessárias. O Diretor concentrou

sua oferta no interesse não apenas do Governo, mas também no

Presidente da Comissão da Legislação Social e vários outros membros

da competente comissão na rápida adoção do Código247.

A argumentação de que a Constituição brasileira precisaria de alterações

para comportar os princípios preconizados pela OIT foi levantado, como já debatido,

pelo presidente da Comissão de Legislação Social, deputado Augusto de Lima, na

ocasião do banquete oferecido a Albert Thomas, mas, seria diversas vezes utilizado para

justificar a lentidão das ratificações por parte do parlamento. A perspectiva oficial da

OIT após esse encontro, ainda assim, era de otimismo no empenho dos políticos

brasileiros.

Além das questões jurídicas formais, mais um argumento foi utilizado pelas

autoridades brasileiras diante dos técnicos do BIT, o de que como o Brasil não havia

enviado delegação para a Sessão de Gênova da CIT, ocorrida em 1920, o país estava

desobrigado de ratificar suas convenções e seguir suas recomendações. O relatório

aponta que, imediatamente, essa interpretação foi explicada por Albert Thomas e que

“os Estados estavam sob obrigação de seguir o processo escrito no Tratado de Paz, no

qual, deveriam participar mesmo se o Projeto de Convenções e recomendações fossem

adotados as conferências na qual eles não estavam representados”248. De todo modo, o

governo brasileiro reconhecera que esse ponto de vista era correto, e que provavelmente

246 Ibid., p. 758. 247 Ibid., p. 759. 248 Idem.

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o Brasil não teria grandes dificuldades em ratificar certas decisões na Conferência de

Gênova.

O tom de cordialidade e boa vontade entre as autoridades, expressa tanto no

relatório quanto no noticiário da grande imprensa no Brasil, não significava, na prática,

a imediata aplicação dos acordos. O Correio da Manhã trouxe no dia 21 de julho de

1925 uma “Carta aberta ao Sr. Albert Thomas”, com trechos em que questiona os

interlocutores daquela visita. A carta assinada por Edgardo de Castro Rebello249 teve

trechos reproduzidos por Hall e Pinheiro, nos quais se destacam as críticas ao presidente

da Comissão de Legislação Social:

Eis por que o Sr. Augusto de Lima, eleito das musas, falando muito

menos para V. Exa. mesmo do que para as camadas sociais a que

supunha terem de chegar os ecos de sua oração, preferiu dar contas da

legislação projetada e, especialmente, de um projeto de código do

trabalho, aprovado precipitadamente pela Câmara Federal às vésperas

da chegada de V. Exa. E que já aquela projeto foi oficialmente

apontado a V. Exa. como o fruto da melhor capacidade legislativa em

relação ao assunto, não é de mais que fique V. Exa. sabendo a história

dele e, com ela, a da própria criação de uma comissão parlamentar de

legislação social250.

Essa opinião, contudo, não era uma posição editorial do jornal. Enquanto as

denúncias se avolumavam Correio da Manhã noticiava, com certo entusiasmo, a visita

de Albert Thomas ao prédio da Câmara dos Deputados, onde havia “acompanhado parte

da sessão” e também havia sido recebido no Conselho Nacional do Trabalho; esse sim

criticado pelo jornal por ninguém saber “até hoje o que já fez em benefício do

operariado nacional”251. Em certa medida, o objetivo proposto por Albert Thomas, de

mobilizar a opinião pública dos países que visitava em torno da questão social, era bem-

sucedido.

Consta também no relatório da OIT o mal-estar gerado pela interpretação do

governo brasileiro sobre a importância de ratificar uma emenda ao artigo 393 do

Tratado de Versalhes, que dispunha do formato administrativo do BIT, conforme

deliberação da 4ª Sessão da CIT de 1922. Embora fosse uma questão meramente formal,

249 Edgardo de Castro Rebello foi professor na Faculdade de Direito, atual Universidade Federal do Rio

de Janeiro, entre 1914 e 1954, com uma interrupção por motivos políticos. Socialista, de sólida formação

marxista, interveio várias vezes em defesa de lideranças operárias. Cf. HALL; PINHEIRO, 1979, p.308. 250 CORREIO DA MANHÃ, 21/07/1925. 251 Ibid., 19/07/1919.

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que não alterava concretamente nenhuma relação de trabalho, a demora na ratificação

incomodava o Diretor Geral da OIT, que pedia celeridade. Por fim, também nesse caso,

sua impressão foi positiva, pois “com um cuidadoso exame dos fatos foi possível

esclarecer a situação”. Mais uma vez frisava que a questão era antes do Parlamento.

Dos países sul-americanos visitados por Thomas, oficialmente todos lhe

causaram boa impressão, no entanto, nota-se que o entusiasmo maior, não sem razão,

era com o Chile. Norberto Ferreras apontou a diferença no caso do Chile, pelo fato de

seu representante, Armando Quezada Acharán, ter se comprometido, no ato do convite à

viagem de Thomas, a aprovar as ratificações na presença do Diretor Geral da OIT. Além

disso, “mostrou o seu compromisso com a OIT criando um escritório dentro do país

para divulgar e acompanhar a obra da instituição de Genebra”252. Seekings igualmente

destacou a posição de vantagem do Chile, em comparação com os demais países latino-

americanos, no campo das leis sociais, atribuindo a elaboração de um sistema de

proteção e legislação social ao Presidente Alessandri253.

A conclusão do relatório fazia referência às dimensões continentais do

território brasileiro e expressava a opinião que a justiça social poderia ser “a melhor

forma” para manter a unidade em um país territorialmente tão grande. O que salta aos

olhos, entretanto, não são os relatos presentes no documento, mas, a perceptível

ausência de um debate mais atento àquela que, na imprensa operária e na CLS, parecia

ser uma das mais relevantes questões para o mundo do trabalho, ou seja, a imigração e a

condição de trabalho dos trabalhadores imigrantes. A única referência ao tema migração

presente no relatório, com efeito, aparecia superficialmente no trecho sobre o Uruguai.

O tema do trabalhador imigrante não escapou, porém, ao relatório do

militante Joh de Bruin. As liberdades garantidas aos operários eram “letra morta” e a

primeira prova disso era o teor do Decreto 4247, que tratava da imigração. Joh de Bruin

reproduz os seguintes trechos do decreto:

Podem ser expulsos do território brasileiro dentro de cinco anos, após

penetrar no território, as pessoas:

1) Que forem expulsas de outro país.

2) Que foram consideradas como elementos perturbadores da ordem

pública pela polícia de outros países.

252 FERRERAS, 2011, p 141. 253 SEEKINGS, 2010, p 160. (Tradução nossa).

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3) Que no período acima citado empregaram medidas de violência,

com a intenção de ajuda uma seita religiosa ou um partido político, a

conquistar o poder, por meio de ações puníveis.

4) Que por sua atitude pública, colocaram em perigo a ordem social

ou a segurança nacional254.

Na contramão do “paraíso terrestre” pintado pelas autoridades brasileiras, e

também mais realista do que o olhar diplomático de Albert Thomas, o documento faz

uma crítica contundente da diferença entre teoria e prática no país. Ainda na questão dos

trabalhadores imigrantes, o texto denuncia que “no Rio de Janeiro, em meados deste

ano, houve seis expulsões do país de operários estrangeiros”255. Nesse sentido, é

interessante observar que tanto Andrade Bezerra, eu seu relatório sobre a Conferência

de Washington, quanto Maurício de Lacerda, na polêmica que estabeleceu com o então

delegado brasileiro à CIT, Afrânio Melo Franco, já apontavam a grande farsa que era a

suposta igualdade que a lei garantia a trabalhadores brasileiros e estrangeiros. O

assunto, que por tantas vezes foi alvo de debate na CLS desde 1918, também aparecia

entre os temas que a imprensa esperava que fosse abordado por Thomas no Brasil.

A contribuição do relatório de Joh de Bruin, contudo, foi mais ampla do que

essa. De acordo com Hall e Pinheiro, o texto “revela um bom conhecimento teórico e se

expressa com muita clareza, não só ao lidar com os fatos, mas nas passagens mais

abstratas”256. A solidez dos argumentos pode ser constatada a partir da exposição de

contradições nas leis que estavam em vigor, nas falhas elementares contidas na Lei de

Acidentes de Trabalho, nas brechas deixadas pela Lei que regulamentava a idade

mínima de trabalho, na proteção às mulheres grávidas, enfim, nas poucas leis que até

então haviam sido aprovadas, mas encontravam todo o tipo de dificuldades para serem

aplicadas. Daí a passagem retórica, direcionada a Albert Thomas, que chamava para

uma importante reflexão sobre seus intentos:

O que nos adianta a aprovação de todas as resoluções no campo da

legislação social, por brasileiros, nas diferentes Conferências

Operárias, a sua incorporação em leis para nosso país, se ainda existe

a possiblidade de os empregadores violarem essas leis, com a

permissão do governo? Esta possibilidade continuará existindo se se

254 HALL; PINHEIRO, 1979, p. 309. 255 Ibid., p. 311. 256 Ibid., p. 308.

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continuar frustrando, através da violência, qualquer tentativa de

organização dos operários257.

A violência a qual se referia o militante holandês era uma marca ainda mais

profunda durante o governo Arthur Bernardes. Segundo Viscardi, a instabilidade de seu

governo se devia, em grande parte, à truculência com a qual intervinha nas questões

econômicas, políticas e sociais. No caso dos grupos divergentes, incluindo a classe

trabalhadora, “ao invés de inseri-los diretamente no Estado ou desmobilizá-los, através

da incorporação de suas reivindicações no programa de governo a ser executado,

Bernardes preferiu a mera repressão, novamente abstendo-se de soluções

conciliadoras”258. No entanto, o caráter repressivo não era a única explicação para a

dissuasão da luta parlamentar em prol dos direitos do trabalho e sua desarticulação com

a classe trabalhadora. Maurício de Lacerda, anos mais tarde, chegaria a conclusões

parecidas com as provocações feitas por Joh de Bruin a Albert Thomas:

Quanto a uma legislação social ‘o pouco que possuíamos’ nessa

matéria ou ‘não era aplicado’ ou somente era ‘em parte mínima e

esporadicamente’ não tendo os compromissos internacionais a

respeito sido honrados, de vez que não ‘observávamos as conclusões e

convenções’ do Tratado de Paz e da Conferência do Trabalho, de

fôramos signatários, sendo até membros de um Bureau Internacional

do Trabalho259.

Foi nesse contexto, em que “poucas leis existiam” e as “poucas que existiam

não eram aplicadas”, que grupos operários organizados, por meio de sua imprensa,

analisaram a visita de Albert Thomas. O jornal A Classe Operária, recém-fundado e

ligado ao Partido Comunista do Brasil, anunciou a viagem de Thomas como um evento

importante para o “mundo burguês”, em tom crítico à imprensa que o qualificava como

líder trabalhista:

Já os jornais capitalistas teceram loas, ente nós, ao eminente leader

trabalhista com a só notícia de sua vinda até cá. Isso é sintomático e...

promissor. [...] Nós queremos também participar da recepção ao que

se vai fazer ao Sr. Albert Thomas, leader da social-traição nacional,

servidor do capitalismo e do imperialismo, empregado da Liga das

257 Ibid., p. 315. 258 VISCARDI, 2012, p. 296. 259 LACERDA, 1980, p. 283.

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Nações. A CLASSE OPERÁRIA conhece bem a vida do Sr. Albert

Thomas e há de lhe dar as boas vindas, como ele merece...260.

As críticas à vinda de Thomas, feitas pelos comunistas, estavam

relacionadas à estratégia mais geral dos partidos comunistas de rejeitarem a

interferência dos organismos “burgueses” que emergiram do Tratado de Versalhes. Para

tanto, a linha soviética seria seguida e embasaria explicitamente seus argumentos. Tal

fato fica evidente em texto assinado por Nicolao Rocha a respeito de Thomas:

São esses os lacaios da burguesia que o inolvidável Ilitch – o nosso

Lenine – apontou à execração do proletariado mundial. Aos nossos

trabalhadores compete não participar da fala que se prepara; isso seria

trair os companheiros marxistas e toda classe obreira. Deixemos que

eles se festejem. Nós preferimos ficar por cá, sem banquetes, curtindo

a fome e com a companhia de nossos camaradas261.

O repúdio e até agressividade por parte de setores mais radicalizados da

esquerda (anarquistas, comunistas ou sindicalistas revolucionários) à figura de Albert

Thomas, com efeito, tinha duas dimensões: a “traição” representada por seu socialismo

reformista, que incluía em seu currículo a participação no governo francês durante a

Grande Guerra, e o fato de estar à frente de um órgão da Sociedade das Nações, também

considerado “imperialista” e “burguês” pelos revolucionários. Há significativa

diferença, portanto, entre as críticas pontuais que aparecem no Correio da Manhã e no

periódico A Manhã, quase sempre relacionadas à incapacidade do órgão de acelerar a

legislação trabalhista e às feitas por setores dos trabalhadores que rejeitavam

decididamente essas “conquistas paliativas” que, segundo sua leitura, visavam “amainar

a luta de classes”.

O jornal A Manhã trouxe, em fevereiro de 1926, um balanço sobre a

organização do operariado no Brasil, com bastante destaque para o testemunho de

Albert Thomas durante a sua viagem ao Brasil e constatando o irrisório resultado

concreto daquele evento:

O Sr. Albert Thomas, presidente do Bureau Internacional do Trabalho

de Genebra passou pelo Rio em viagem de recreio, desfrutando todas

as vantagens e regalias de um hóspede oficial. Não experimentou,

felizmente, nenhum contato com as nossas massas trabalhadoras. [...]

Do que, porém, o S. Ex. não nos deu notícia, nos seus discursos e

260 A CLASSE OPERÁRIA, 13/06/1925. 261 Ibid., 27/06/1925.

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entrevistas, foi da maneira por que íamos cumprindo as resoluções

ratificadas pelos nossos representantes e que constam do acordo de

Genebra e da Parte XIII do Tratado de Versalhes. Quais são

finalmente, os compromissos desse gênero que o país assumiu,

perante as nações do mundo?262

É possível notar que o cerne da crítica do A Manhã era muito mais no

sentido de cobrança de resultados efetivos da vista oficial, ou seja, da ratificação e

aplicação imediata das leis do trabalho já deliberadas internacionalmente, do que os

ataques frontais emitidos em jornais operários, dirigidos por setores operários mais

radicalizados. Nesse artigo, intitulado “Qual a verdadeira situação do operariado

nacional?”, A Manhã teceu elogios ao Chile, Argentina, Uruguai e México, países que,

ao contrário do Brasil, asseguravam “medidas legislativas de alcance prático e

imediato”263.

Os verdadeiros motivos da viagem de Albert Thomas à América Latina

foram alvo de especulação de diversos jornais da época. A Classe Operária chega a

afirmar que o argumento das ratificações era mero pretexto, e a real intenção da visita

do Diretor Geral da OIT e sua delegação era preparar o terreno para a migração de

“grandes massas de agricultores russos”264. Dizia o jornal:

Exilados voluntários? Como compreender que agricultores russos, que

podem dispor na União Soviética, de terras próprias para trabalhar

debaixo de um regime econômico e político onde só o trabalho é

soberano se hajam ‘exilado’ voluntariamente e agora, pela mão do

socialista Albert Thomas, pretendem vir trabalhar nos países

capitalistas da América do Sul? [...]. A verdade é a seguinte: Essas

‘massas de agricultores russos’ são compostas unicamente de

destroços do exército branco265.

A forte conotação propagandística em relação à União Soviética, típica dos

textos militantes comunistas do período, revelava parte de uma história que seria

comprovada mais tarde por declarações do próprio Albert Thomas. A questão de as

intenções de Thomas e a composição do “grupo de exilados” serem, ou não, realmente o

denunciado pelo texto, tem menos relevância do que a constatação de que aquela

narrativa viria a fazer sentido. Evidentemente, o caso dos refugiados russos já estava

posta publicamente e, como é sabido, os órgãos da União Soviética forneciam subsídios

262 A MANHÃ, 11/02/1926. 263 Idem. 264 A CLASSE OPERÁRIA, 04/07/1925. 265 Idem.

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para seus militantes ao redor do mundo. De todo modo, a especulação foi confirmada

em matéria publicada em fevereiro do ano seguinte em A Manhã.

Na breve nota sobre a questão dos refugiados russos e armênios, o jornal

relatava uma entrevista com Albert Thomas em Genebra, na qual o francês explicava

que “teve a ideia de encaminhar essa multidão de infelizes para os países de grande

imigração, como o Brasil”266. Nessa entrevista, Thomas referiu-se à viagem que havia

feito aos países sul-americanos e “às negociações que ali celebrou sobre esse assunto”.

Informou ainda que caberia ao Estado ou instituições particulares arcarem com os

custos da viagem de migração.

O jornal editado em Portugal A Batalha, de tendência anarco-sindicalista,

deu publicidade a um relatório operário que havia sido encaminhado a Albert Thomas

na ocasião de sua visita ao Brasil267. Com a intenção de tornar pública a verdadeira

situação dos operários e para que Thomas não fosse iludido com os itinerários oficiais

que o governo lhe oferecia, o relatório traz denúncias sobre cerceamento das liberdades

de expressão e associação, abuso do trabalho infantil nas fábricas e exploração do

trabalho das mulheres. Essa forma de denúncia tinha, ainda, a intenção de preparar o

repertório de críticas que viriam futuramente, diante da provável atitude do Diretor

Geral de ignorar tais acusações.

Mais interessado em acompanhar o desenrolar dos debates sobre legislação

social, do que o percurso feito por Albert Thomas pelo Brasil e países vizinhos, o

periódico O Combate, de São Paulo, que intensa cobertura havia dado à Conferência de

Paz e às primeiras sessões da Conferência Internacional do Trabalho, se limitaria,

naqueles dias, a noticiar a extensão dos benefícios conquistados pelos ferroviários aos

trabalhadores marítimos e o encaminhamento na CLS do direito de férias anuais aos

empregadores do comércio. Em nenhum dos casos, apesar de Albert Thomas estar no

Brasil, essas conquistas foram associadas à sua presença ou ainda, à política

internacional praticada no pós-guerra268.

A passagem de Thomas pelo Brasil e as críticas direcionadas à sua figura

política continuariam a repercutir na imprensa operária nos anos finais da década de

1920. Agripino Nazareth, militante socialista durante a Primeira República, foi

266 A MANHÃ, 28/02/1926. 267 HALL; PINHEIRO, 1979, p. 131. 268 O COMBATE, 24/07/1925 e 12/08/1925.

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questionado pelos comunistas nas páginas do Voz Cosmopolita269, em 1926, pela

incoerência de suas críticas à Albert Thomas, uma vez que Evaristo de Moraes, maior

referência política de Nazareth, era o “Albert Thomas do Brasil, a quem a burguesia

poderia recorrer” A alusão ali certamente era pejorativa, uma vez que o próprio

socialista brasileiro considerava Thomas um "falso legionário do socialismo"270. Já em

1928, o jornal A Esquerda, àquela altura com nítida influência editorial comunista,

acusava o governo Bernardes de ter manipulado junto ao Diretor da OIT, dois anos

antes, a delegação enviada à CIT. No mesmo artigo, o periódico qualificaria o dirigente

da OIT como “renegado” e “velho desavergonhado que aceitou um emprego rendoso

para nos trair”271.

Anos antes, na entrevista concedida ao O Estado de São Paulo no Hotel

Esplanada, na capital paulista, Albert Thomas retribuiu elogios ao jornalista que alegava

não ter resistido “à tentação de ouvi-lo” e disse que levaria do Brasil “as melhores

impressões”, além de alimentar a esperança de ver os trabalhadores brasileiros

organizados participando mais ativamente das próximas Conferências da OIT. Dizia,

ainda, que acreditava na palavra do governo de que as “questões de representatividade”

seriam resolvidas e, superado esse ponto, os trabalhadores brasileiros seriam “sempre

bem-vindos”272 em Genebra. A julgar pelos jornais operários, porém, a recíproca não

era verdadeira.

269 Órgão do Sindicato em Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. Inicialmente anarquista, se

filia ao Partido Comunista do Brasil (PCB) após sua fundação em 1922. Cf. CARONE, Edgard.

Socialismo e anarquismo no início do século. Petrópolis: Vozes, 1995; FERREIRA, Maria Nazareth

Ferreira. Imprensa operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988; DE DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo.

Cotidiano de trabalhadores na República: São Paulo 1889‐1920. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989. 270 VOZ COSMOPOLITA. Rio de Janeiro, 6 fev. 1926, p.9-10, apud CASTELUCCI, Aldrin Armstrong

Silva. Agripino Nazareth e o movimento operário da Primeira República. Rev. Bras. Hist. vol.32 no.64

São Paulo: 2012. 271 A ESQUERDA, 10/04/1925. 272 O ESTADO DE SÃO PAULO, 22/07/1925.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A repercussão da Parte XIII do Tratado de Versalhes no Brasil não se

restringiu à disputa sobre a legitimidade política de seus idealizadores e instituições. A

ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a

aplicação de seus princípios objetivamente pautaram o mundo do trabalho e os órgãos

de Estado, desde seus primeiros meses de existência e nas décadas seguintes à sua

assinatura.

Uma célebre coletânea de decretos relacionados à questão social foi

encomendada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ao bacharel João

Alfredo Louzada, em 1933.

Ao apresentar o retrospecto da legislação anteriormente adotada, Louzada

considerou que foi o Tratado de Versalhes que, enfim, “veio por o Brasil ao lado dos

países que já possuem, de há muito, leis sobre o trabalho ou atinentes às instituições de

assistência aos trabalhadores”273.

Embora essa equiparação não significasse imediata adoção das resoluções

da OIT (sempre havia as ditas circunstâncias nacionais), é incontornável o fato de que o

vocabulário da OIT passou a integrar os documentos de instituições brasileiras.

Em boletim publicado em 1923, o Departamento Estadual do Trabalho

(DET) reproduziu as 3 convenções que deveriam ser adotadas pelos países membros da

Sociedade das Nações (SDN), a partir das resoluções da reunião ocorrida naquele ano

em Genebra, quais sejam: adoção de legislação sobre idade mínima de admissão ao

trabalho, direito de associação e acidentes de trabalho.

273 LOUZADA, Alfredo João (Org.). Legislação Social Trabalhista: coletânea de decretos feita por

determinação do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Brasília: Ministério do Trabalho e da

Previdência Social, 1990, p. 15.

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A divulgação da convenção sobre o trabalho de menores, feita pelo DET,

guardava sua importância em termos de somar reforço na aplicação e efetivação das leis

já existentes: as tentativas de regular este tipo de trabalho foram numerosas desde o

final do século XIX274.

Além disso, registrou as 7 recomendações referentes às medidas “a serem

tomadas no sentido de aperfeiçoar a proteção legal dos trabalhadores da agricultura”275,

demonstrando que mesmo que este segmento seja conhecido por ter ficado de fora da

legislação social brasileira tal exclusão não aconteceu à revelia do debate interno às

instituições do país e das tentativas em forma de recomendação, menos efetivas ainda

que as convenções, da OIT. No início do documento citado constava a informação de

que o país estava “obrigado a cumprir essas determinações” e, para tanto, “deveria

ratificar as convenções dentro do prazo estabelecido pela legislação internacional”276.

No ano seguinte, um boletim do mesmo DET trouxe a cópia de uma decisão

judicial da Comarca de Jundiaí que afirmava:

O século XX intensificou a legislação social com o movimento que

ora atinge o máximo de todos os tempos, assinalado pelo Tratado de

Versalhes, que imprimiu ao problema feição acentuadamente

internacional e protecionista. [...] O Brasil inscreveu-se entre os países

signatários desse Tratado, subscrevendo aquela reafirmação com o

programa pelas nações adotado, segundo o qual na orientação

econômica a seguir pelos Estados, entraria, com parte integrante, a

questão do trabalho. [...] A fase atual do problema, francamente

internacional, fez nascer essa fórmula que bem a exprime – Direito

Internacional Operário277.

A sentença proferida nos autos de uma ação de indenização por acidentes de

trabalho, na qual a família do operário têxtil João Turchetti exigia reparação por sua

morte no local de trabalho, demonstra como os princípios do “direito internacional do

trabalho”, derivado da Conferência de Paz, aos poucos, configuravam jurisprudência.

274 Para Louzada, o Decreto Nº. 439, de 31 de maio de 1890, que estabelecia as bases para a assistência à

infância e criava equipamentos para acolher menores do sexo masculino, fazia parte do conjunto de

esforços legislativos neste sentido. As leis: Nº. 240, de 04 de setembro de 1893; Nº. 432, de 03 de agosto

de 1896 e Nº. 2141, de 14 de novembro de 1911 que regulamentaram o Serviço Sanitário no Estado de

São Paulo proibiam o trabalho de menores nas fábricas, mas eram pouco conhecidas e aplicadas. Para o

século XIX, liberdade e tutela, no entanto, é um debate mais amplo. Cf. MENDONÇA, Joseli Maria

Nunes. Liberdades em tempos de escravidão. In. CHAVES, Cláudia Maria das Graças; SILVEIRA,

Marco Antonio (org.). Território, conflito e identidade. Belo Horizonte: Argumentum, 2007, pp. 98-104. 275 BOLETIM do Departamento Estadual do Trabalho. Ano XIII, Nº 48 e 49, 1923, p. 184. 276 Idem, p. 183. 277 Ibid., Ano XIV, Nº 50 e 51, 1924, p. 70.

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No presente caso, o embasamento no texto do Tratado de Versalhes reforçava a Lei de

Acidentes de Trabalho, já estabelecida pelo Decreto Nº. 3724, de 15 de janeiro de 1919.

A presente dissertação não encerra o debate sobre as referências ao Tratado

de Versalhes na jurisprudência acerca da legislação do trabalho após a década de 1920,

tampouco a forma como esse documento foi utilizado para robustecer argumentos

jurídicos em prol dos trabalhadores. Essa questão abrange anos posteriores ao recorte

proposto e seria de grande valia estudos que a explorassem.

Não obstante, apesar do reconhecimento público sobre a relevância do

Tratado de Versalhes e da OIT, com acenos de parlamentares e do poder Executivo, as

ratificações das convenções não se concretizaram tão rapidamente quanto sugeriam as

promessas na ocasião da visita de Albert Thomas ao Brasil. Cabe elucidar, ainda, que

uma ratificação tinha o sentido de validação somente perante a OIT, ou seja, era um

gesto voltado para os países da SDN, ao passo que para real efetivação no Brasil era

necessária ainda a aprovação de leis ou a publicação de decretos que regulamentassem o

tema. Apesar disso, cabia à OIT também o papel de pressionar não apenas as

ratificações, mas o cumprimento e regulamentação das leis do trabalho já existentes no

país.

Consequentemente, a Convenção Nº. 5, de 28, de novembro de 1919, que

tratava da “Idade Mínima de Admissão nos Trabalhos Industriais”, que no plano

internacional entrou em vigor em 13/06/1921, no Brasil foi ratificada apenas em

26/04/1934 e promulgada em 12/11/1935278. A Convenção Nº. 6, sobre o “Trabalho

noturno dos Menores na Indústria”, entrou internacionalmente em vigor no mesmo

13/06/1919 e, por sua vez, só foi promulgada em 12/12/1935279. Os padrões para o

trabalho das mulheres também só foram adotados em 1932, com o Decreto Nº. 21.417-

A e as convenções ratificadas pelo decreto já mencionado. O Brasil acompanhou a

reforma feita na Convenção de Trabalho Noturno, alterando o decreto assim que ela foi

revista280. Também tardou a ser promulgada a Convenção Nº. 11, referente ao “Direito

de sindicalização na Agricultura”, tema sensível no Brasil, que vigorou

278 PRETTI, Gleibe. Direito Internacional do Trabalho e convenções da OIT ratificadas pelo Brasil. São

Paulo: Ícone, 2009, p. 55. 279 Ibid., p. 59. 280 Decreto 21417-A, de 17 de maio de 1932.

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internacionalmente desde 11/05/1923 e só entrou em vigência nacionalmente em

25/04/1958281.

De tal modo, por não terem obtido resultado imediato, tanto as atuações

parlamentares no âmbito da Comissão de Legislação Social (CLS), quanto a presença da

OIT no Brasil na década de 1920, muitas vezes, não foram reconhecidas sequer como

conquistas paliativas. As posições de parte da imprensa operária, notadamente a de

influência anarquista, como A Plebe, também contribuíram para o esvaziamento da

importância do debate parlamentar daquele período. Por meio da análise das atas da

CLS esta dissertação procurou restabelecer o lugar que o Brasil pretendia adotar na

disputa institucional que se dava no Congresso Nacional, os embates travados por

Maurício de Lacerda, Deodato Maia, Nicanor Nascimento, e mesmo parlamentares mais

conservadores, como Andrade Bezerra que, em diversos momentos, deslocaram as

forças no parlamento em prol das leis do trabalho.

Mutatis mutandis, o peculiar e de difícil compreensão reformismo de Albert

Thomas também obliterou análises a respeito de sua ação como Diretor Geral da OIT,

bem como, o papel de suas viagens, agendas com conteúdo político muito mais amplo

do que a mera obtenção de ratificações. A apreciação da repercussão da visita de

Thomas na grande imprensa e na imprensa operária, incluindo seu anátema nas

publicações de esquerda, foi uma contribuição do presente trabalho. A presença de

Albert Thomas no Brasil, no entanto, também foi observada atentamente, à época, pelo

Departamento de Estado norte-americano. Em relatório produzido pela Embaixada dos

Estados Unidos no Brasil, sediada no Rio de Janeiro, há um comentário de que a visita

não significaria avanço na organização dos trabalhadores, uma vez que o governo

brasileiro “mantém a direção em todas as organizações de trabalho e não permite-lhes

expressar as suas aspirações”282. A despeito de extrapolar o objeto desta análise,

pesquisas futuras com essa série documental podem buscar pistas sobre o interesse que

o Departamento de Estado norte-americano tinha na questão da legislação do trabalho

no Brasil, principalmente no tocante aos trabalhadores imigrantes.

Os avanços na legislação do trabalho também foram observados de perto

pela burguesia, para além da sua representação parlamentar. Houve uma tentativa de

281 Ibid., p. 63. 282 Departament´s Circular Instructions. Embassy of the United States of America. 25 de julho de 1925.

ROLO 6. Microfilme. ADEB. (Arquivo Edgard Leuenroth).

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utilizar a saída do Brasil da SDN, em 1926283, como justificativa para a não adoção das

leis do trabalho no Brasil. Esse contorcionismo do qual se valeu uma parcela

conservadora do mundo jurídico, alegava que a saída do país da fracassada Sociedade

das Nações desobrigava o país a cumprir as resoluções de suas instituições. Um parecer

do consultor jurídico João Arruda para a CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São

Paulo), publicado em 21 de janeiro de 1929, tratava sobre a constitucionalidade da

aplicação do Decreto Nº. 4.982 de 25/12/1925, a respeito das “Férias aos empregados e

operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários”. O decreto garantia

15 dias de férias anuais para os trabalhadores dos ramos supracitados. Nesse

documento, João Arruda considerou o Decreto perfeitamente constitucional e afastou a

hipótese dos que acreditavam que admitindo:

[...] a saída do Brasil da Liga das Nações (decisão que sempre me

pareceu muito acertada), [o país] ficou livre dos compromissos

assumidos pela assinatura do Tratado de Versalhes. [...] Os

jurisconsultos, porém, da escola moderna, necessariamente hão de

sustentar que a Constituição Brasileira não pode deixar de ser hoje

entendida de conformidade com o que todas as nações cultas

decidiram [...] Noutros termos, os artigos 23 e 427 do Tratado de

Versalhes exteriorizam a consciência humana neste momento, são a

fotografia dessa consciência284.

A consideração de João Arruda, de que esse ponto do Tratado de Versalhes

deveria ser aplicado no Brasil por ser uma “fotografia da consciência humana” daquele

período, não foi caso isolado. Apesar do intenso debate inicial entre os variados grupos

políticos ligados ao movimento operário, como demonstrado nesta dissertação, ao longo

dos anos os princípios e a terminologia constantes na Parte XIII foram absorvidos na

luta política, jurídica, sindical e institucional. Nesse sentido, nos últimos anos da

década de 1920 e no decorrer dos anos 1930, houve maior reconhecimento de que os

princípios relacionados à legislação do trabalho presentes no Tratado de Versalhes

deveriam ser adotados e preservados, independentemente dos demais resultados da

Conferência de Paz que o originou. Tal fato pode ser atestado pelas referências

constantes nas justificativas e exposições de motivos dos decretos e leis do trabalho

publicadas no Brasil nesse período.

283 Cf. COLLOR, Lindolfo. O Brasil e a Liga das Nações. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926. 284 CIESP, Circular. Nº. 19, de 01/1929, p.10.

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Além disso, é importante o registro de que o fracasso do Tratado na

manutenção da paz e na harmonia dos povos, tal como o desmantelamento da Sociedade

Das Nações, não significou a extinção da OIT. Ao contrário, a instituição,

paulatinamente, aumentou sua estrutura e capacidade de influência sobre os Estados,

empregadores e o movimento operário. Assim, embora não conste que em 1919

houvesse representantes dos proletários em Paris, tampouco na galeria de espelho de

Versalhes, coube à classe trabalhadora protagonizar o aspecto mais duradouro daquele

Tratado de Paz.

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ARQUIVOS

1. Arquivo Público do Estado de São Paulo

Fundo Altino Arantes

Diário Íntimo de Altino Arantes: Arquivo do Estado de São Paulo

2. Arquivo Edgard Leuenroth (AEL)

Boletins do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo. Número 31/32.

Fundo Internacional Comunista

ADEB – Arquivos Diplomáticos Estrangeiros sobre o Brasil

3. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro)

Fundo Gabinete Civil da Presidência da República – Série “Correspondências”.

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FONTES

1. Fontes Oficiais

DOCUMENTOS PARLAMENTARES. Legislação Social. Trabalhos da Comissão

Especial de Legislação Social (1919-1921). Typografia do Jornal do Commercio. Rio

de Janeiro: 1923.

ATAS DA COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO SOCIAL DA CÂMARA DOS

DEPUTADOS (Manuscritos): 1918 a 1924.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (DOU). Seção 1, de 04/05/1919, p. 5. (Grafia

atualizada).

CENTRO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CIESP). Circular. Nº.

19, de 01/1929, p.10.

2. Imprensa

ARQUIVO EDGARD LEUENROTH e HEMEROTECA DIGITAL/BIBLIOTECA

NACIONAL

A Classe Operária, 1925.

A Esquerda, 1925.

A Manhã, 1926 a 1927.

A Plebe, 1919 a 1926.

Correio da Manhã, 1919 a 1926.

Gazeta de Notícias, 1919 a 1921.

Jornal do Comércio, 1918 a 1926.

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O Alfaiate, 1926.

O Combate, 1917 a 1926.

O Coreto, 1919.

O Estado de São Paulo, 1919 a 1926.

O Paiz, 1918 a 1925.

Pacotilha, 1919.

Spartacus, 1919 a 1920.

Voz Cosmopolita - 1922 a 1926.

Voz do Povo, 1920.

3. Documentos oficiais sobre Tratado de Versalhes e OIT

BIBLIOTECA DIGITAL DA OIT - ILO LIBRARY, BASE DE DADOS ILOLEX.

Acesso em 10 fev. 2014. Disponível digitalmente em:

<http://www.ilo.org/public/english/support/lib/resource/subject/historybibl.pdf>

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______. Cabinet Albert Thomas. Relations et Informations. Correspondent avec Dr.

Raul Migone. 1925-1929.

______. Correspondents and Branches. Brazil. 1929-1967.

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