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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ ANA PAULA DA … · urbana, que culminou com a institucionalização do Conselho Gestor. A revisão do plano ... durante a observação simples do

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    ANA PAULA DA SILVA PEREIRA

    O PROJETO DE REVISO DO PLANO DIRETOR DE

    MARACANA CE:

    EXPERINCIA DE PARTICIPAO POPULAR?

    FORTALEZA CEAR

    2011

  • 3

    Ana Paula da Silva Pereira

    O PROJETO DE REVISO DO PLANO DIRETOR DE MARACANA - CE:

    EXPERINCIA DE PARTICIPAO POPULAR?

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado

    Acadmico em Polticas Pblicas e Sociedade do Centro de

    Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Cear,

    como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em

    Polticas Pblicas.

    rea de concentrao: Polticas Pblicas

    Orientadora: Prof. Dr. Rosemary de O. Almeida

    Fortaleza Cear

    2011

  • 4

    P436p PEREIRA, Ana Paula da Silva

    A participao popular na Reviso do Plano Diretor de

    Maracana: o olhar do Conselho Gestor/ Ana Paula da Silva

    Pereira. Fortaleza, 2011.

    123 p.:il.

    Orientadora: Prof. Dr. Rosemary de Oliveira Almeida.

    Dissertao (Mestrado Acadmico em Polticas

    Pblicas e Sociedade) Universidade Estadual do Cear,

    Centro de Estudos Sociais Aplicados.

    1. Participao Popular. 2. Polticas Pblicas. 3. Poltica Urbana. 4. Plano Diretor. 5. Conselho Gestor. I.

    Universidade Estadual do Cear, Centro de Estudos Sociais

    Aplicados.

    CDD:320.6

  • 5

    Ana Paula da Silva Pereira

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico em

    Polticas Pblicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais

    Aplicados da Universidade Estadual do Cear, como requisito

    parcial para a obteno do grau de Mestre em Polticas Pblicas.

    rea de concentrao: Polticas Pblicas

    Aprovada em: 28/02/2011.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________________

    Prof. Dr. Rosemary de Oliveira Almeida (Orientadora)

    Universidade Estadual do Cear UECE

    ________________________________________________

    Prof. Dr. Domingos Svio Abreu

    Universidade Federal do Cear - UFC

    ________________________________________________

    Prof. Dr. Joo Bosco Feitosa dos Santos

    Universidade Estadual do Cear - UECE

  • 6

    Deus pelo sentido da vida.

    Aos meus pais pela fora e exemplo.

    Socorro Andrade pelo companheirismo.

  • 7

    AGRADECIMENTOS

    Este trabalho s foi possvel devido participao direta e indireta de

    diversos sujeitos que colaboraram com sua construo, reporto-me aos que em

    nome de tantos representam essa construo:

    Agradeo aos professores do Mestrado Acadmico de Polticas Pblicas e

    Sociedade que me trouxeram possibilidades de potencializar a leitura do real,

    elucidando as questes colocadas no cotidiano de minha prtica;

    Em especial minha orientadora professora Rosemary Almeida pela

    pacincia dispensada durante o processo de elaborao deste trabalho;

    Aos colegas da turma 2009 do Mestrado Acadmico em Polticas Pblicas e

    Sociedade, pelo aprendizado, em especial a Valesca Lima Holanda;

    O convite inesperado de Ada Raquel Texeira Mouro para que eu fizesse

    parte da equipe tcnica do Projeto de Reviso do Plano Diretor de Maracana, dessa

    forma surgiu o ensejo de trabalhar o tema desta dissertao;

    Ao apreo da equipe tcnica do Projeto de Reviso do Plano Diretor de

    Maracana pela gentileza em disponibilizar documentos e depoimentos para a

    consolidao da pesquisa de campo;

    Pela dedicao na pesquisa da querida Sara Guerra que sem sua ajuda no

    seria possvel a concluso e o resultado a contentos;

    Pela colaborao e estmulo de Juliany Rhein que, como estagiria do

    Projeto de Reviso do Plano Diretor contribuiu efetivamente no repasse de

    informaes determinantes para elaborao de minhas observaes;

    Aos representantes do Conselho Gestor do PDP por suas disponibilidades

    em conceder entrevistas, despendendo tempo valioso;

    Ao povo de Maracana, quantas histrias, tantos versos, pelo apreo e

    acolhida;

    Aos amigos que me incentivaram durante todo o processo de formao no

    mestrado. So tantos, que fica difcil elenc-los. Aos prximos e mais presentes,

    minha gratido mais profunda.

  • 8

    Este mundo impermanente. como o reflexo da lua na gua.

    Todas as nossas realizaes sero devastadas pelos ventos da mudana.

    Buda.

  • 9

    RESUMO

    A dissertao tem como proposta compreender a experincia de participao

    popular na poltica urbana de Maracana CE, durante reviso do Plano Diretor do

    Municpio, enfocando as manifestaes dos representantes do Conselho Gestor do Plano

    Diretor Participativo (PDP) sobre esse processo. O Conselho uma instncia de

    monitoramento e controle social do projeto de reviso do plano diretor do municpio,

    criado a partir da metodologia definida por uma equipe de profissionais integrantes do

    poder pblico municipal, em cumprimento s determinaes do Ministrio das Cidades

    (Guia das Cidades 2004). Portanto, esses profissionais e outros sujeitos polticos tambm

    foram se revelando importantes no processo de pesquisa para a compreenso da

    experincia poltica de Maracana, em especial na esfera da poltica urbana, que culminou

    com a institucionalizao do Conselho Gestor. A reviso do plano diretor de Maracana

    estabeleceu-se devido s exigncias legais do Estatuto da Cidade (lei n 10.257, de 10 de

    julho de 2001), a partir do qual os municpios brasileiros so obrigados a redefinir sua

    normatizao urbana com base no conceito de funo social da cidade. Os princpios

    estabelecidos pelo Estatuto da Cidade, replicados a partir da Poltica Urbana Nacional do

    Ministrio das cidades, vo configurar a gesto urbana das cidades a partir da insero do

    debate democrtico participativo. devido a esse critrio que o Municpio estabeleceu o

    Conselho Gestor como instncia que representa a sociedade local. A escolha por

    Maracana ocorreu a partir do meu processo vivencial nessa experincia. As reflexes se

    iniciam com a temtica da participao popular nas polticas pblicas no Brasil e as

    experincias que se replicaram nas cidades sem uma devida apropriao das sociedades

    locais que so chamadas a estar inseridas nessas dinmicas. Maracana uma delas, e

    sobre sua experincia e seus sujeitos que aqui delimito esta anlise.

    Palavras-Chave: Participao Popular; Polticas Pblicas; Poltica Urbana; Plano Diretor;

    Conselho Gestor.

  • 10

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    - ABERT Associao Brasileira de Rdio Difuso

    - ABONG Associao Brasileira das Organizaes No Governamentais;

    - ADL rea de Desenvolvimento Local;

    - AEDI Associao das Empresas dos Distritos Industriais de Maracana

    - CONFEA Conselho Federal de Engenharias e Arquitetura;

    - CNC Conselho Nacional das Cidades;

    -CEARAH Periferia Centro de Estudos Articulao e Referncia sobre

    Assentamentos Humanos;

    - CESE Coordenadoria de Servios Ecumnicos;

    - DED Servio Alemo de Cooperao Tcnica;

    - FAPEMA Frente de Apoio e Promoo Emancipao de Maracana

    - FNRU Frum Nacional de Reforma Urbana;

    - IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica;

    -LGBTT Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e

    Transgneros;

    - MIDEMA Movimento de Integrao e Desenvolvimento de Maracana

    - MNRU - Movimento Nacional de Reforma Urbana;

    - PT Partido dos Trabalhadores;

    - PP Partido Progressista;

    - PDP Plano Diretor Participativo;

    - PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano;

    - MCidades Ministrio das Cidades;

    - ONG Organizao no-governamental;

    - RMF Regio Metropolitana de Fortaleza;

  • 11

    - SEINFRA Secretaria de Infraestrutura e Controle Urbano;

  • 12

    SUMRIO

    1.INTRODUO

    21

    2.CAPTULO I - PARA ALM DO VO DAS MARACANS

    29

    2.1.A poltica urbana no Brasil O movimento das ruas ecoou na ao do Estado: O

    Plano Diretor Participativo

    30

    2.2. Maracana A cidade em questo

    45

    3. CAPTULO II - MARACANA E A PARTICIPAO POLTICA - O

    LUGAR DOS SUJEITOS

    52

    3.1. O Lugar da Participao

    52

    3.2. Maracana - Lugar dos Sujeitos

    60

    4. CAPTULO III - A CONSTRUO DE UM ESPAO PARTICIPATIVO

    EM MARACANA: O CONSELHO GESTOR DO PDP

    69

    4.1. Conselhos A Participao Popular Instituda

    69

    4.2. Conselho Gestor do PDP Sua Gnese

    76

    5. CAPTULO IV CONSELHO GESTOR PDP- O OLHAR DE DENTRO

    PARA FORA

    90

    CONSIDERAES FINAIS

    110

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    114

    ANEXOS 122

  • 13

    INTRODUO

    Esta dissertao tem como proposta compreender a experincia de participao

    popular na poltica urbana de Maracana CE, especialmente durante a reviso do Plano

    Diretor do Municpio, tendo como foco pesquisado o Conselho Gestor do Plano Diretor

    Participativo (PDP), sua gnese e representantes com suas percepes e prticas elaboradas

    nesse processo. O Conselho uma instncia estabelecida para monitoramento e controle

    social do projeto de reviso do plano diretor, criado de acordo com metodologia definida

    pela equipe de profissionais da Secretaria de Infraestrutura e Controle Urbano do

    Municpio SEINFRA, denominada equipe tcnica, em cumprimento s determinaes do

    Ministrio das Cidades (ROLNICK & JNIOR, 2001). Portanto, esses profissionais e

    outros sujeitos polticos tambm foram se revelando importantes no processo de pesquisa,

    para a compreenso da experincia poltica de Maracana, em especial na esfera da poltica

    urbana, que culminou com a institucionalizao do Conselho Gestor. A reviso do plano

    diretor de Maracana estabeleceu-se devido s exigncias legais do Estatuto da Cidade (lei

    n 10.257, de 10 de julho de 2001), a partir do qual os municpios brasileiros so obrigados

    a redefinir sua normatizao urbana com base no conceito de funo social da cidade. O

    Estatuto da Cidade e as normas da Poltica Nacional Urbana conduzidas pelo Ministrio

    das Cidades estabelecem que a reviso ou elaborao dos planos diretores municipais (que

    uma norma urbana) seja configurada de forma participativa, com a insero da populao

    nos espaos de controle e deliberao. Em Maracana, o Conselho Gestor a instncia que

    representa a sociedade local.

    A escolha do municpio de Maracana est associada minha vivncia na

    condio de tcnica no projeto de reviso do plano diretor, em seu incio. A experincia

    vivencial proporcionou questes relevantes que, durante a observao simples do cotidiano

    no trabalho, no foram respondidas. Assim, a inquietao surgida pela constatao de

    elementos intrigantes naquele processo me conduziu a buscar uma investigao mais

    qualificada, que pudesse elucidar, pelo menos em parte, a questo que perpassa por

    inmeros processos na conduo das polticas pblicas, que a participao popular.

    O Conselho Gestor PDP, sua dinmica e formas de manifestao, expressam a

    representao poltica da sociedade de Maracana, por ser formado de representantes das

    diversas categorias sociais do municpio. uma instncia constituda em nmero de trinta

  • 14

    e sete (37) membros, sendo composto por representantes da sociedade civil e do poder

    pblico municipal, inseridos no processo de reviso do plano diretor. Nesse processo

    pretendo compreender a viso de dentro para fora, o olhar, os sentidos desses

    representantes sobre a participao popular na reviso do plano diretor de Maracana.

    Para compreender melhor o significado do que seja a reviso de Plano Diretor e a

    existncia do Conselho Gestor PDP em Maracana, apresento o processo de reformulao

    da poltica pblica de planejamento urbano no Brasil em uma poltica de desenvolvimento

    urbano que se estabeleceu aps a promulgao do Estatuto da Cidade. Essa lei estabeleceu

    as diretrizes da poltica urbana no pas, as quais apresentam instrumentos para que os

    municpios brasileiros possam intervir nos processos de planejamento e gesto urbana e

    territorial (MINISTRIO DAS CIDADES, 2005). Dentre os instrumentos estabelecidos

    pelo Estatuto da Cidade est o Plano Diretor dos municpios brasileiros, que de agora em

    diante dever ser formulado ou reformulado a partir da participao popular na poltica de

    planejamento urbano.

    A participao popular na conduo das polticas pblicas no Brasil um dos

    temas transversais a serem apresentados e que desponta como nova configurao da

    formulao da poltica urbana, segundo o Estatuto da Cidade (2003), que define o modus

    operandi do planejamento nas cidades brasileiras, reformulando os antigos planos

    diretores, por isso a proposta do Ministrio das Cidades se reporta reviso/elaborao,

    alterando a antiga denominao de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano - PDDU

    para Plano Diretor Participativo PDP.

    O debate sobre a participao popular nas polticas pblicas no Brasil foi

    delimitado a partir da promulgao da Constituio Federal de 1988. A insero desse

    tema na Constituio considerada uma das grandes conquistas dos movimentos sociais

    brasileiros no perodo dos anos de 1980, quando se estabelecem as instncias de controle

    social, que so os Conselhos gestores das polticas pblicas, um espao plural de

    formulao e fiscalizao das polticas pblicas, de constituio paritria com

    representantes dos segmentos da sociedade civil e do poder pblico. Segundo MARICATO

    (2001) trata-se de um dos importantes movimentos de resistncia ao neoliberalismo no

    Brasil, na medida em que os diversos segmentos da sociedade se articularam para

    participar do processo de formulao das polticas pblicas em nvel nacional, chegando,

    por exemplo, marca de 29 conferncias realizadas durante o ano de 2006.

  • 15

    Assim como as demais polticas pblicas que se estruturaram no Brasil neste

    perodo, a poltica urbana apresenta em sua proposta interventiva a incluso de Ncleos

    gestores ou Conselhos gestores, que envolvam todos os segmentos sociais no processo de

    discusso do planejamento das cidades brasileiras, sendo estruturado o Conselho Nacional

    das Cidades em 2003 e, logo depois, o Ministrio das Cidades, rgo especfico da

    temtica urbana.

    A abordagem deste trabalho estabelece distintas categorias de representao de

    conhecimento e da prtica social, sendo as principais: Cidade; Urbano; Poltica Urbana;

    Movimentos Sociais; Controle Social; Participao Popular.

    Quanto s categorias cidade e urbano, suas significaes na contemporaneidade

    parecem representar o olhar sobre as configuraes do espao fsico onde esto inseridos

    os sujeitos sociais. Neste trabalho, repensar este espao, seus conflitos e as relaes sociais

    intrigantes que o compem um tema estruturante a ser tratado. Por estarem contidos na

    discusso sobre a poltica urbana, cidade e urbano so aqui tratados luz das referncias

    de Castells (1983) e Lefebvre (2008), os quais apresentam em suas concepes o sentido

    amplo das duas categorias, abolindo a ideia restrita de conceb-los apenas como espao

    geogrfico.

    A abordagem contempla a crise urbana mundial dos anos de 1970 e sua intrnseca

    relao com a crise do capital, tendo como resultado deste processo os conflitos urbanos

    ampliados com o surgimento de grupos sociais coesos que deflagraram a crise mundial

    urbana. No Brasil, essa leitura apresentada por Marcelo Souza (2008) e Ermnia Maricato

    (2000), expoentes da representao intelectual que se manifesta contra o uso do urbano e

    da cidade como mercadoria. Os mesmos autores brasileiros so referncias para a categoria

    poltica urbana, trabalhada como elemento constituinte da interveno do Estado, e sua

    expresso nas intervenes das cidades. Souza (2008 - 2001) e MARICATO (2001)

    analisam de forma ampliada a poltica urbana no Brasil e o processo de planejamento

    urbano sob a nova referncia do Estatuto da Cidade.

    As categorias participao popular e movimentos sociais so analisadas a partir

    do conceito gramsciano de Estado e sociedade civil, dialogando com COUTINHO (1992),

    DAGNINO (2004) e GOHN (2001) numa abordagem que se desdobra em uma srie de

    produes que se estendem ainda s elaboraes de 1990 e de 2002. DAGNINO (2006) em

    sua anlise da construo democrtica no Brasil amplia a possibilidade de compreenso

  • 16

    da dinmica vivenciada no processo de insero da participao da sociedade brasileira nas

    esferas de deciso pblicas.

    Complementando a compreenso da prtica dos movimentos sociais na conjuntura

    histrica do processo de globalizao em que estamos na atualidade, utilizo a referncia de

    Boaventura Sousa Santos (2002) que construiu um tratado sobre a democracia

    participativa, apontando os desafios e avanos desta perspectiva democrtica, trazendo

    elementos elucidativos para as questes apresentadas nesta dissertao.

    A compreenso da prtica dos movimentos sociais oportuniza analisar a

    experincia da participao popular em Maracana, expressa na prtica dos representantes

    do Conselho Gestor PDP, que foi construda a partir dos sentidos de participao dados por

    esses representantes ao processo vivenciado naquela realidade social. Essas manifestaes

    de sentido criam condies de diferenciar as dinmicas dos grupos sociais que em primeira

    leitura parecem ser iguais em termos de receptividade da ideia da insero da participao

    popular nas polticas pblicas.

    Para compreender as expresses dos sentidos de participao elaborados pelos

    representantes do Conselho Gestor PDP, busquei apoio no pensamento de Pierre Bourdieu

    (2008) que em sua essncia elaborou uma definio ampliada das representaes

    simblicas manifestadas pelos grupos sociais, permitindo compreender aspectos sobre a

    temtica urbana que, na maioria das vezes, priorizavam os aspectos estruturais econmicos

    responsveis em boa parte pela estratificao social na atualidade. Os sentidos e prticas

    na referncia bourdiesiana so as construes cognitivas e vivenciais dos indivduos no

    processo de sociabilidade em que eles so submetidos na pertena de um dado campo

    social, ou grupo social.

    Os autores apontados so os que posso chamar de referncias principais, no

    obstante foram utilizados ainda muitos que contriburam com a elucidao da anlise do

    processo investigativo, os quais sero devidamente citados na referncia bibliogrfica deste

    trabalho.

    Sobre o mtodo de pesquisa utilizado, tomei como base as referncias tericas que

    me levaram a decidir por um processo investigativo que buscasse a compreenso da

    realidade, considerando a natureza complexa desta, sendo a pesquisa qualitativa a que mais

    favorece alcanar o intuito do proposto nesta dissertao. Definido o mtodo qualitativo,

    estabeleci as tcnicas da observao direta, grupo focal, entrevistas abertas e

  • 17

    semiestruturadas, sendo uma abordagem diversificada, tomando como referncia a

    caracterstica de cada momento da pesquisa (MINAYO, 2009). Esta se baseou em analisar

    os principais fatores que influenciaram a existncia do objeto em si, a experincia de

    participao na reviso do plano diretor de Maracana, em especial aquela concretizada

    pelo Conselho Gestor em sua maneira prpria de pensar e se manifestar.

    A observao direta ocorreu a partir do momento em que precisei identificar a

    dinmica presente no cotidiano no qual est inserido o Conselho Gestor do PDP de

    Maracana. Lembro aqui que, anterior construo da proposta investigativa, eu estava

    inserida no processo como elemento integrante desta dinmica, sendo ento necessrio me

    despir do olhar de profissional da equipe tcnica e ver com um olhar de investigadora.

    O grupo focal foi utilizado como forma de abordar a equipe tcnica, responsvel

    pela elaborao da metodologia da reviso do plano diretor e consequentemente

    responsvel pela construo do espao de participao que o Conselho Gestor PDP.

    Desta forma, entendo que a experincia de participao e leitura dos sentidos e prticas do

    Conselho tem fundamento na forma como a equipe tcnica conduziu o processo, sendo

    relevante compreend-lo. Outro fator foi a necessidade de conferir a existncia de

    discordncias quanto autonomia da equipe na conduo da reviso do plano diretor, em

    se tratando da relao com a gesto pblica. Tambm percebi a dificuldade de alguns

    profissionais da equipe das reas de atuao das cincias exatas (arquitetura, geografia,

    cartografia), quanto dinmica de insero da populao nas decises da reviso do plano

    diretor, pois acreditavam que a populao teria apenas uma participao pontual, sendo

    informada do processo como um todo, sem o poder de deliberao.

    A tcnica do grupo focal foi propcia por oportunizar a fluncia nas informaes

    existentes nas entrelinhas da expresso grupal. Percebi que era mais favorvel pela minha

    convivncia com alguns profissionais que compunham o grupo quando eu ainda era

    membro da equipe. Os aspectos sutis quanto ao sentido dado ao processo de participao

    do PDP, a expresso coletiva dos sentidos era para mim mais simblico, porque

    favoreceria o debate de ideias entre os profissionais, oportunidade ainda no vivenciada

    entre eles no que diz respeito compreenso da insero da participao popular na reviso

    do plano diretor, sendo com isso [..] a fala que trabalhada nos Grupos Focais no

    meramente descritiva ou expositiva; ela uma fala em debate, pois todos os pontos de

  • 18

    vista expressos devem ser discutidos pelos participantes. (NETO, MOREIRA e

    SUCENA, 2002, p. 4)

    Com o intuito de compreender a cultura poltica existente no municpio de

    Maracana, procurando uma gnese da ideia de participao, procurei personagens da

    histria poltica do municpio e em minhas incurses de campo encontrei uma das

    lideranas do movimento de emancipao do municpio. Com este representante decidi

    pela entrevista aberta, na tentativa de captar a expresso livre e natural do entrevistado, j

    que se tratava de uma liderana poltica reconhecida no municpio, cujo discurso era

    geralmente construdo em articulao com a poltica local o que o fazia se esquivar de

    informaes que expusesse sua forma natural de pensar. A tcnica da entrevista aberta

    facilitou, pois permitiu que sua expresso fosse mais desenvolta, porm, mesmo assim, as

    suas consideraes foram comedidas. O importante foi captar bem mais sobre a formao

    poltica de Maracana.

    Com os membros do Conselho Gestor PDP, a tcnica utilizada foi a de entrevistas

    semiestruturadas, por ser preciso direcionar os temas abordados e facilitar a expresso das

    falas dos representantes, para no se perderem as principais pistas que expressam os sentidos

    construdos pelos atores sobre a participao popular na dinmica da reviso do Plano Diretor

    de Maracana. Para serem realizadas as entrevistas com os representantes do Conselho Gestor

    PDP, foram feitos contatos prvios estabelecendo-se horrios e locais adequados para os

    entrevistados, mesmo assim as entrevistas foram adiadas diversas vezes por motivos de

    impedimento dessas pessoas.

    Pelo carter proposto na investigao, direcionei as entrevistas em maior nmero

    para os representantes da sociedade civil, no caso foram realizados 07 (sete) entrevistas para

    esse segmento. E considerando a importncia de se ter o contraponto ao olhar da sociedade

    civil, foram entrevistados 03 (trs) representantes do poder pblico, complementando assim as

    10 (dez) entrevistas. Considerei tambm o fato de que, no perodo de realizao da pesquisa,

    as reunies do Conselho Gestor encontravam-se bastante esvaziadas, sendo que dos 37 (trinta

    e sete) membros integrantes, a mdia de participao era de 15 (quinze) representantes, e

    apenas 10 (dez) eram mais frequentes, por isso decidi por realizar as entrevistas com esse

    nmero.

  • 19

    A estrutura da dissertao est dividida em quatro captulos.

    O captulo I tem como ttulo Para alm do voo das maracans e se subdivide em

    dois tpicos: o primeiro tpico, denominado O movimento das ruas ecoou na ao do

    Estado: O Plano Diretor Participativo, busca tratar a cidade e sua dinmica, a insero

    da participao popular na poltica pblica a partir das lutas dos movimentos sociais

    urbanos, apresentando um olhar sobre poltica urbana no Brasil e a nova configurao do

    planejamento das cidades com enfoque na participao popular na instncia das polticas

    pblicas; no segundo tpico, Maracana A cidade em questo, o espao fsico da

    pesquisa contextualizado, formatado um retrato da instncia poltica administrativa

    denominada municpio de Maracana, buscando apresentar suas caractersticas

    sociopolticas.

    O captulo II denominado Maracana e a Participao Poltica - o lugar dos

    sujeitos, tem como objetivo fazer uma reflexo sobre os espaos de participao da

    sociedade civil nas polticas pblicas no Brasil, abordagem dividida no primeiro tpico O

    Lugar da Participao - afunilando essa anlise para o municpio de Maracana e no

    segundo tpico Maracana - Lugar dos Sujeitos. Neste percurso tomei um fato histrico

    da poltica de Maracana que foi a experincia de mobilizao da sociedade local em busca

    da emancipao poltica nos anos de 1980. Trata-se de um dado que elucida a cultura

    poltica do municpio expondo claramente os aspectos constitutivos das referncias sociais

    que compem o Conselho Gestor do PDP, encerrando com a abordagem da origem no

    processo de reviso do plano diretor de Maracana.

    O captulo III, A Construo de um Espao Participativo em Maracana - o

    Conselho Gestor do PDP, apresenta dois tpicos: o primeiro tem como tema Conselhos

    A Participao Popular Instituda que apresenta um histrico da constituio dos

    espaos de participao da sociedade civil brasileira no perodo dos anos de 1980 at agora

    e os conflitos existentes, como a possibilidade de fragilizao dos movimentos sociais; no

    segundo tpico, o tema Conselho Gestor do PDP Sua Gnese onde abordo o processo

    de constituio do Conselho Gestor PDP e a relao com a equipe tcnica , em que so

    apresentadas a compreenso dos profissionais sobre os elementos que constituem o

    processo de reviso do plano diretor de Maracana, destacando a ideia da participao

    popular . Tambm analiso as manifestaes dos membros do Conselho Gestor PDP sobre o

    espao de participao existente e a relao com o poder pblico. A temtica

  • 20

    oportunamente traa o percurso que me conduzir ao cerne da investigao proposta, pois

    apresenta manifestaes que esto externas dinmica dos representantes do Conselho

    Gestor que a expresso da equipe tcnica coletada durante a realizao do Grupo Focal.

    Por fim o captulo IV Conselho Gestor PDP - O Olhar De Dentro Para Fora

    apresenta as manifestaes dos representantes do Conselho Gestor por meio de seus

    depoimentos. O captulo contm as anlises realizadas sobre cada manifestao oral, alm

    das expresses contidas no uso dos sentidos e prticas dos representantes do Conselho

    Gestor PDP de Maracana. As anlises realizadas luz do referencial terico que embasou

    o processo investigativo possibilitaram mais clareza na compreenso das manifestaes

    expressas sobre a experincia de participao popular dos atores envolvidos no projeto de

    reviso do plano diretor participativo de Maracana.

    A ideia deste trabalho possibilitar a elucidao de questes que perpassam pela

    dinmica existente na realizao da poltica pblica urbana no municpio de Maracana

    que por muitas vezes no so explicitadas, mas que permeiam as falas e aes dos

    indivduos chamados a estarem presentes por ocasio da manifestao do Estado que

    provoca esse movimento da sociedade. A insero dos diversos segmentos da sociedade do

    municpio de Maracana na poltica pblica urbana de sua cidade, a partir das diretrizes da

    Poltica Nacional Urbana, um fato. Porm, em se tratando de uma discusso que irrompe

    no debate da efetiva participao popular nas polticas pblicas, a experincia da reviso

    do Plano Diretor de Maracana expressa um processo legtimo?

    Nas consideraes finais procuro apontar como os atores sociais de um grupo

    especfico de Maracana se percebem num processo participativo de uma poltica pblica,

    apresentando semelhanas com alguns exemplos espalhados pelo pas que vivenciaram

    processos mais oportunamente democrticos, at pela conjuntura em que essas

    experincias estavam inseridas. No pretendo estabelecer uma anlise conclusiva fechada,

    mas lanar questes que possam ser aprofundadas em outros processos investigativos que

    busquem continuar elucidando o intenso processo que a relao do Estado

    contemporneo e a sociedade, na atualidade.

  • 21

    2. CAPTULO I - PARA ALM DO VO DAS MARACANS

    O debate sobre poltica urbana no Brasil recente, especialmente no que se refere

    insero da sociedade nas decises sobre os rumos que uma cidade tem de tomar como

    forma de superar seus problemas estruturais:

    E entender corretamente a cidade e as causas de seus problemas uma condio

    prvia e indispensvel tarefa de se delinearem estratgias e instrumentos

    adequados para a superao desses problemas. S que informar-se sobre essa

    temtica no deve ser visto como tarefa somente para especialistas: ainda que apenas

    em um nvel muito aproximativo e genrico, os indivduos no versados no assunto

    precisam conhecer corretamente as causas dos problemas dos espaos onde vivem e

    as linhas gerais dos debates correntes sobre como superar os diversos problemas.

    Essa a nica maneira de participar mais ativamente, como cidado, da vida da

    cidade, no se deixando tutelar e infantilizar to facilmente por polticos

    profissionais e tcnicos a servio do aparelho do Estado. (SOUZA, 2008, p. 22).

    Essa afirmao corresponde referncia conceitual vivenciada atualmente na

    conduo da poltica urbana no Brasil, sendo a participao popular nas polticas pblicas

    um dos aspectos que compem essa referncia conceitual, neste caso, na poltica urbana

    brasileira ps-Estatuto da Cidade (lei n 10.257 de 10.07.2001).

    Da mesma forma, necessrio alar vo na busca de compreender qual o sentido

    da insero da populao do municpio de Maracana-CE, no debate da participao

    popular, na conduo da poltica urbana deste municpio da Regio Metropolitana de

    Fortaleza. Mas considero ser necessrio, em princpio, estabelecer a clareza conceitual da

    categoria cidade, esta que permeia a discusso acerca da poltica urbana nos moldes como

    se referencia na nova conduo no Brasil.

    Tomando como parmetro a poltica urbana do Brasil a partir do Estatuto da

    Cidade e do Programa de Desenvolvimento e Gesto Urbana do Ministrio das Cidades,

    segue a anlise desse processo para, enfim, compreender a cidade como espao dessa

    poltica e, mais especificamente, o municpio de Maracana e seu processo de insero na

    poltica urbana.

  • 22

    1 - A poltica urbana no Brasil O movimento das ruas ecoou na ao do

    Estado O Plano Diretor Participativo.

    Quando se fala em poltica urbana, o que geralmente ocorre que se associe

    automaticamente ideia de cidade, compreendendo-a como urbano. Mas afinal, urbano e

    cidade tm o mesmo significado? Procuro esclarecer essa questo inicial para que

    posteriormente possa detalhar que categoria utilizada na abordagem do tema em questo.

    Inicialmente para compreender o que a cidade, preciso absoluto despojamento

    da ideia esttica de ver a cidade como um bloco monoltico, como um elemento atemporal:

    A cidade um objeto muito complexo e, por isso mesmo, muito difcil de se

    definir. Como no estou falando de um determinado tipo de cidade, em um momento

    histrico particular, preciso ter em mente aquilo que uma cidade da mais remota

    Antiguidade e cidades contemporneas[...] mas tambm uma pequena cidade do

    interior brasileiro[...], tm em comum, para encontrar uma definio que d conta

    dessa imensa variao de casos concretos. (SOUZA,2008, p.24)

    Conceituar o que cidade para SOUZA (2008) procurar uma aproximao do

    complexo de definies no meio da generalidade conceitual, principalmente a partir do

    sculo XX. Considero ento um conceito inicial o de localidade central, do ponto de vista

    do macro econmico e do ponto de vista das decises polticas. As cidades como o crculo

    do comando do fluxo humano, desde as mais rudimentares sociedades s mais complexas

    como o que temos na atualidade.

    CASTELLS (1983, p.42) afirma que a cidade constitui uma expresso espacial

    complexa, como ele descreve a seguir:

    [...] a cidade o lugar geogrfico onde se instala a superestrutura poltico-

    administrativa de uma sociedade que chegou a um ponto de desenvolvimento

    tcnico e social (natural e cultural) de tal ordem que existe uma diferenciao do

    produto em reproduo simples e ampliada de fora de trabalho, chegando a um

    sistema de distribuio de troca, que supe a existncia: 1. De um sistema de classes

    sociais; 2. De um sistema poltico permitindo ao mesmo tempo o funcionamento do

    conjunto social e o domnio de uma classe; 3. De um sistema institucional de

    investimento em particular no que concerne cultura e tcnica; 4. De um sistema

    de troca com o exterior.

    Cidade e espao urbano constituem o mesmo significado? Em CASTELLS

    (1983) encontrei distines, sendo que cidade revela uma concentrao espacial de uma

    populao, enquanto urbano reporta-se a uma difuso de um sistema de valores, atitudes e

    comportamentos denominados de cultura urbana.

  • 23

    A distino tambm defendida por LEBFEVRE ao afirmar que as duas

    expresses dispem sobre conceitos distintos, em que cidade no consegue dar conta do

    significado real do urbano ou espao urbano:

    [...] fenmeno urbano ou o urbano. Esses termos so preferveis palavra

    cidade, que parece designar um objeto definido e definitivo, objeto dado para a

    cincia e objetivo imediato para a ao, enquanto que a abordagem terica reclama

    incialmente uma crtica desse objeto e exige a noo mais complexa de um objeto

    virtual ou possvel. (2008, pg. 25)

    O urbano ou espao urbano agrega o tecido das relaes sociais dando conta de

    sua complexidade, sendo este espao urbano o bero do processo de industrializao da

    sociedade:

    Aqui, reservaremos o termo sociedade urbana sociedade que nasce da

    industrializao. Essas palavras designam, portanto, a sociedade constituda por esse

    processo que domina e absorve a produo agrcola. Essa sociedade urbana s pode

    ser concebida ao final de um processo no curso do qual explodem as antigas formas

    urbanas, herdadas de transformaes descontnuas. (LEFEBVRE, 2008, p. 13)

    O urbano uma categoria compreendida como a expresso da evoluo gradual

    da complexidade das estruturas sociais humanas em suas mais distintas manifestaes.

    Engloba em sua essncia a configurao do processo produtivo industrial que

    paulatinamente substituiu formas anteriores de produo, como ocorreu com a produo

    artesanal. Enquanto que a categoria cidade est relacionada definio dos agrupamentos

    humanos historicamente, em seus aspectos geogrficos, estruturais e identitrios dos

    povos.

    Ao me reportar ento poltica urbana no Brasil, estou de fato buscando relatar

    sobre o processo de produo de capital e seu reflexo na constituio da vida das pessoas

    que vivem nas cidades brasileiras. Bem como procuro identificar as manifestaes dessa

    sociedade urbana brasileira e o produto de suas manifestaes, e por que o uso do termo

    sociedade urbana?

    A expresso sociedade urbana responde a uma necessidade terica. No se trata

    simplesmente de uma apresentao literria ou pedaggica, nem de uma

    formalizao do saber adquirido, mas de uma elaborao, de uma pesquisa, e mesmo

    de uma formao de conceitos. Um movimento do pensamento em direo a um

    certo concreto e talvez para o concreto se esboa e se precisa. Esse movimento, caso

    se confirme, conduzir a uma prtica, a prtica urbana, apreendida ou re-apreendida.

    Sem dvida, haver um umbral a transpor antes de entrar no concreto, isto , a

    prtica social apreendida teoricamente. No se trata, portanto de buscar uma receita

    emprica para fabricar este produto, a realidade urbana. (LEFEBVRE, 2008, p.16)

  • 24

    A realidade urbana brasileira o ponto de partida para o estudo, pois a

    interveno do Estado na realidade urbana ocasionou reaes diferenciadas dos indivduos

    inseridos nessa realidade que, no sendo homognea, exige esforo em compreend-la e

    desvend-la.

    Percebendo o carter amplo da categoria urbano, o termo ser utilizado nesta

    anlise, considerando ser uma instncia permeada de configuraes e determinaes de

    relaes que em seu cerne esto as instncias da sociedade, do pblico, do conjunto de

    indivduos que se relacionam nesse meio, neste emaranhado est a esfera de representao

    dessa coletividade: o Estado. Esta pesquisa busca perceber melhor a dinmica da ao do

    Estado intervindo na vida da coletividade, da esfera da sociedade, tendo como pano de

    fundo a poltica gestora urbana.

    Para empreender o estudo do espao urbano, centrando a anlise na realidade do

    espao territorial do Brasil, preciso retomar historicamente a evoluo desse espao,

    representado a partir das cidades brasileiras. As transformaes ocorridas no Brasil,

    quando passa de uma colnia portuguesa com produo econmica baseada nos moldes

    feudais para a sede do reino de Portugal, e por fim em um pas livre conduzido por um

    regime republicano, num perodo de tempo que margeia quase cinco sculos de durao,

    trouxeram toda uma complexa herana na construo dos espaos de sociabilidade superior

    ao que se estabeleceu quanto aos aspectos infraestruturais e econmicos do pas.

    A passagem de um modo de estrutura social existente em padres pr-capitalistas,

    para uma estrutura social mais complexa em que o processo econmico reestruturado a

    partir da criao de outras formas de produo. Por exemplo, o Brasil no perodo imperial

    caracteriza-se por uma produo econmica forte no interior do pas, com os grandes

    engenhos de acar no nordeste e produtores de caf no sudeste. A Regio norte nos fins

    do Sculo XIX desponta na produo da borracha, consolidando o pas como uma grande

    potncia agrria at o perodo que se estende at a primeira metade do sculo XX

    (OLIVEIRA, 1981).

    O processo de produo estritamente agrrio existente no Brasil sofre abalos a

    partir da segunda metade do perodo denominado Primeira Repblica (1889/1929). A

    crise da Bolsa de Nova Iorque, conhecida como crash dos anos de 1929, atingiu os

    pases de tradio agroexportadora, pois o ainda grande comprador dessa produo, os

    Estados Unidos da Amrica, passava por uma crise econmica. Nesse mesmo perodo, os

  • 25

    pases europeus como Inglaterra e Frana (tambm potncias compradoras da produo

    brasileira) restabeleciam-se da I Grande Guerra num processo interno de recuperao de

    suas estruturas econmicas (IBDEM). O Brasil passa a vivenciar ento um processo

    inverso em sua estrutura social, ocasionado pelos efeitos do modo de produo capitalista

    que contribuiu significadamente no processo de inverso de papis entre campo e cidade:

    A cidade, que durante o feudalismo tinha expresso econmica limitada e

    expresso poltica em regra limitadssima, lutando para preservar sua autonomia

    (enquanto cidade livre ou burgo livre) perante os senhores feudais, passaria ser,

    gradualmente, senhora do campo submetendo este. No decorrer dos sculos XIX e

    XX o campo mostrar-se- cada vez mais dependente das cidades, e em particular das

    grandes cidades: dependente das mquinas e ferramentas produzidas nos centros

    urbanos; dependente dos conhecimentos tcnicos e tecnolgicos gerados em

    universidades,laboratrios e centros de pesquisa situados,via de regra, em cidades;

    (Marx e Engels apud SOUZA, 2008, p. 35.)

    Tardiamente ao processo vivenciado nas potncias europias (Inglaterra, Frana e

    Alemanha) e nos Estados Unidos da Amrica, o Brasil sofreu a inverso da centralidade

    poltico-financeira do campo para o espao urbano somente na segunda metade do sculo

    XX. A chamada inverso s ocorre aps o perodo denominado de Segunda Repblica

    (1930/1936) quando o avano da industrializao ocorreu de fato, aps um conturbado

    processo poltico em 1932 com a Revoluo de 30 1. Trata-se da inverso do processo

    produtivo antes centrado na produo agrcola para o processo voltado para a indstria

    nascente. Surge uma nova estrutura nas relaes sociais que se desenvolvem em curso do

    processo produtivo das indstrias crescentes, a configurao da classe trabalhadora e sua

    relao com a classe patronal, divergente das relaes de trabalho escravo ou de

    vassalagem existentes no campo at ento.

    Como o crescimento da economia industrial centra-se no espao urbano, o

    processo de urbanizao do Brasil ocorreu de forma vertiginosa. Como demonstra

    RIBEIRO e AZEVEDO, nos anos de 1940, 68,8% da populao brasileira morava na rea

    rural e 31,2%, nas cidades, no urbano. Em 40 anos, estes ndices inverteram-se e passam a

    ter 67,6% dos habitantes vivendo nas reas urbanas. O maior problema no era o fato do

    aumento da densidade populacional nas cidades, mas a forma como essa concentrao

    estava ocorrendo (RIBEIRO e AZEVEDO,1996).

    Essa realidade no de forma alguma fato isolado que atingiu apenas o Brasil

    como afirma SOUZA (2008, p.20):

    1 Na verdade um golpe de Estado dado por militares descontentes com a conduo poltica do pas entregue a polticos

    comprometidos com as foras produtivas que estavam mergulhados nessa intensa crise econmica que respingou no pas.

  • 26

    O grau de urbanizao do planeta como tem tambm crescido sem cessar:

    estimativas apontam o percentual da populao mundial vivendo em ncleos com

    mais de 5000 habitantes ( o que, muito simplifica e generalizadamente, pode-se

    tomar como a parcela da populao do globo vivendo em espaos urbanos) como

    sendo de apenas cerca de 3% em 1800, um pouco mais de 6% em 1850, entre 13% e

    14% em 1900, um pouco mais de 28% em 1950 e um pouco mais de 38% em 1970.

    Hoje em dia, cerca da metade da populao do globo vive em espaos urbanos, e a

    proporo aumenta incessantemente.

    A concentrao populacional cria a demanda de se ter uma infraestrutura no lotes

    territoriais ocupados, em que estejam previstos os chamados servios bsicos para a

    condio de vida humana dentro de padres considerados dignos. Saneamento bsico,

    atendimento mdico hospitalar, escolas e demais servios de atendimento primrio para a

    vida humana so o desafio para o Estado que por funo social dever garantir aos

    cidados sob sua estrutura. Quando isso no ocorre, surge o que se denominou de questo

    urbana, ou seja, a concentrao populacional passa a buscar a partir de improvisos suas

    condies bsicas de vida.

    A primeira grande questo urbana que o Brasil enfrenta a questo da habitao da

    populao operria e dos excludos do processo produtivo; surgem as chamadas moradias

    precarizadas ou assentamentos subnormais, posteriormente assim denominados (RIBEIRO

    e AZEVEDO,1996). No Brasil, deu-se o nome de favelas a um esses tipos de ocupaes;

    para efeito de curiosidade, a origem do nome favela tem vrias verses:

    Durante muito tempo a histria da origem da favela resumiu-se narrativa do surgimento da favela da Providncia, sobre o morro do mesmo nome, situado entre o

    centro e o porto da cidade do Rio de Janeiro [...] no clssico Os Sertes, de 1901,

    por Euclides da Cunha, que, como correspondente, descreveu no apenas a guerra,

    mas o serto, o vilarejo e o reduto rebelde: o morro que contornava Canudos,

    conhecido como o Morro da Favela. Em 1897, os soldados retornam capital do

    pas, Rio de Janeiro, onde permaneceram acampados em praa pblica,

    reivindicando sua re-incorporao ao exrcito. As autoridades militares permitiram a

    ocupao do Morro da Providncia, situado atrs do quartel geral. Vrios barracos

    de madeira foram construdos e os novos moradores passaram a chamar o morro de

    Morro da Favella em aluso quele de Canudos. A palavra favela passa do

    estatuto de nome prprio ao de substantivo nos jornais locais por volta de 1920. A

    palavra designa a partir de ento todos os conjunto de habitaes populares

    toscamente construdas (por via de regra nos morros) que se espalhavam pelo Rio

    de Janeiro e depois pelo pas inteiro. (SILVA, 2009)

    De acordo com LEFEBVRE (2008) a exploso urbana, o fenmeno urbano,

    deixou s claras que a representao desse espao, a cidade, no era uma cidade de todos.

    As cidades passaram a ter valor de uso e valor de troca e passaram a existir como forma de

  • 27

    consolidao do produto valioso do capital, determinando a configurao da teia social

    existente.

    A interveno do Estado no Brasil como enfrentamento da exploso urbana foi

    conduzida de forma departamental e com carter pontual, numa perspectiva de mascarar os

    conflitos existentes, quanto ao formato diferenciado de trato das necessidades das camadas

    pobres da populao e da classe detentora do poder econmico, sendo que ambas ocupam

    o mesmo espao urbano. No entanto, o olhar do Estado favorece os detentores do capital e

    instituem uma poltica urbana baseada na valorao do espao urbano a partir do interesse

    mercantil, ou da rentabilidade do mercado imobilirio.

    Nessa viso urbanstica, as intervenes pblicas na infraestrutura das cidades

    esto atreladas aos empreendimentos privados nas reas comerciais, industriais e de

    servios. Destaco um exemplo especfico da ao do Estado, as aes de remoo de

    favelas situadas prximas aos centros comerciais, financeiros e de servios (as chamadas

    reas nobres). Nestes espaos, os moradores foram forosamente transferidos para reas

    distantes de sua comunidade de origem para serem fixandos em regies limtrofes das

    capitais em condies infraestruturais totalmente precarizadas (BRAGA e BARREIRA,

    1991).

    Esses fatores demarcaram profundamente as polticas de atendimento questo

    urbana, consolidando um trao forte da cultura brasileira que a estratificao social,

    expressa na segmentao da cidade em de ricos e de pobres, tendo como instrumento dessa

    proposta os planos de regulamentao urbana.

    Diante de tal quadro, como se portava a sociedade brasileira na poca? No Brasil,

    no perodo dos anos de 1970 as manifestaes pblicas de carter poltico foram

    censuradas. Manifestaes que apontassem discordncia com o sistema poltico

    implementado eram reprimidas em nome da segurana nacional. As lideranas de oposio

    ao regime militar tiveram seus direitos polticos cassados e as organizaes de esquerda

    foram tolhidas, seus integrantes utilizavam espaos clandestinos para expresso de suas

    ideias. Com um quadro conjuntural desfavorvel contraposio ao sistema vigente, de

    que forma poderia a sociedade expressar a contraposio formatao do espao urbano

    de modo estratificado?

  • 28

    Os movimentos sociais so a expresso de uma sociedade quando esta se encontra

    de alguma forma alijada das suas propriedades fundamentais. Dessa forma, verificamos

    experincias de grupos sociais que, no encontrando respaldo nas respostas do Estado,

    passam a mobilizar-se, ir s ruas, de forma espontnea ou organizada.

    Quanto ao trato da realidade latino-americana e mais especificamente da realidade

    brasileira, GRAMSCI o autor que mais serviu de referencial para a compreenso dos

    movimentos sociais dos ltimos trinta anos de nossa sociedade:

    O debate abrange perspectivas que vo do poder paralelo e da via revolucionria

    pela luta armada no acesso ao poder do Estado transio gradual para o socialismo

    por meio da democracia e de uma viso ampliada do Estado. Na Amrica Latina,

    Gramsci foi um autor de referncia bsica para a anlise dos movimentos populares

    e a leitura destacada e mais utilizada de seus trabalhos adveio de interpretaes da

    filosofia humanista contidas em sua obra. (GOHN, 2000, p.187)

    Nesse sentido, tambm assumo a referncia terica gramsciana por considerar ser

    a que mais possibilita o desenho dos movimentos sociais no Brasil. A categoria gramsciana

    sociedade civil agrega a si a representao da relao dos movimentos sociais e o Estado.

    Como movimentos sociais representam inmeras determinaes e se distinguem por sua

    caracterstica de abrangncia reivindicatria, no caso da anlise deste trabalho, sero

    reportados os movimentos sociais urbanos que so assim definidos:

    Denomina-se por movimentos sociais urbanos os processos de organizao e

    contestao efetivados por moradores que agregam um conjunto amplo de lutas

    sociais, cujo objetivo bsico a posse a posse mediata e imediata de bens de

    consumo individual e coletivo, compatveis com a insero no habitat urbano e

    com os padres culturais e coletivos de reproduo da fora de trabalho

    (BRAGA e BARREIRA, 1991, p. 33)

    Os movimentos sociais urbanos surgem de modo mais visvel no Brasil ps-

    abertura democrtica, ou seja, no final da dcada de 1970, sua expresso exps a realidade

    brasileira apontando duas dimenses: a pobreza urbana e o carter excludente do Estado

    autoritrio. As manifestaes tinham carter reivindicativo em especial para a melhoria das

    condies de vida, evidenciando os processos espoliativos de base urbana.

    Alm desse quadro estrutural amplo, expresso do que CASTELLS (1974)

    denominou contradies urbanas, surgiram crticas s formas tradicionais de

    exerccio de poder que tornavam o objeto urbano, espao privado de benefcios

    pessoais, haja vista as articulaes com o capital imobilirio e a grandiosidade das

    obras com objetivos implcitos de promoo poltica. (IBDEM)

    O avano do olhar poltico dos movimentos sociais urbanos transforma os

    discursos destes em expresso crtica frente conjuntura autoritria brasileira, com a

    insero de atores sociais, especialmente aqueles ligados aos partidos polticos

  • 29

    considerados de esquerda, que atuavam em espaos institucionais como igrejas e entidades

    de moradores por terem seus espaos originrios restringidos pela represso do Estado

    autoritrio.

    Os movimentos de ida s ruas para exigir esgoto, gua e po, tomaram dimenses

    mais consistentes quando passaram a exigir, alm do direito moradia, o direito cidade.

    Os movimentos de bairro perceberam que o uso da cidade era desigual ao experimentar o

    fluxo de deslocamento das aglomeraes pobres para longe de reas que apresentavam

    vocao para o uso comercial, turstico e de moradia para consumidores de alto poder

    aquisitivo.

    A ampla articulao do conjunto de atores sociais urbanos fez coro com outros

    segmentos at ento no mencionados que foram os intelectuais, profissionais ligados

    rea do urbanismo e de outras categorias que atuavam nas frentes de apoio aos moradores

    das reas urbanas que estavam na condio de excludos, inclusive dos segmentos

    religiosos voltados para o apoio s camadas populares. A articulao materializou-se em

    um movimento estruturado denominado de Movimento Nacional de Reforma Urbana

    MNRU:

    [...] surgiu de iniciativas de setores da Igreja Catlica, como a CPT - Comisso

    Pastoral da Terra, que se dedicava assessoria da luta dos trabalhadores no campo e

    passou, a partir de uma primeira reunio realizada no Rio de Janeiro, no final dos

    anos de 1970, a promover encontros destinados a auxiliar a construo de uma

    entidade que assessorasse os movimentos urbanos (MARICATO apud BASSUL,

    2002, p. 01).

    Estruturando o debate sobre as polticas para as cidades brasileiras, apontando a

    urgente substituio do modelo tecnocrtico voltado para o mercado, principalmente por

    seu carter excludente e de estratificao social, para a proposta democrtica de insero

    da sociedade na construo de pensar as cidades brasileiras de forma justa e igualitria. O

    referencial terico de cidade defendido pelo Movimento estava vinculado ao pensamento

    acadmico, social e urbanstico de LEFEBVRE e Manuel CASTELLS. Esse aspecto

    cunhou definitivamente o direcionamento do movimento que passou a traar estratgias

    para inserir, na conduo das polticas pblicas, a referncia de cidade numa viso coletiva

    do usufruto dos seus potenciais.

    O MNRU esteve presente nas diversas manifestaes polticas dos movimentos

    sociais que revindicavam a abertura poltica no Brasil. Mais tarde, com o restabelecimento

    dos direitos polticos no pas, os movimentos sociais passaram a exigir a reviso da

  • 30

    Constituio Federal que impedia a efetiva participao da sociedade na esfera politica do

    pas.

    Dentre estas manifestaes, est o confronto inicial da dcada de 1980 que foi a

    luta pela aprovao da proposta de emenda constitucional (PEC n 5/1983) de autoria do

    ento Deputado Federal Dante de Oliveira (PMDB MT) que reestabelecia eleies

    diretas para presidente da Repblica no pas2. Aps a significativa perda dos movimentos

    sociais no embate para as eleies diretas para presidente (movimento Diretas J), a

    sociedade brasileira ir festejar apenas em 1988, com a aprovao no texto da nova

    Constituio Federal, onde constam dispositivos legais de representaao legislativa popular

    e a participao da sociedade como forma de efetivao das polticas.

    Dentre esses dispositivos, est a insero na Constituio Federal de 1988 do

    captulo que trata sobre a poltica urbana no Brasil, com o artigo 182. Fruto da articulao

    dos movimentos sociais urbanos a partir do MNRU3 que no ano de 1986 apresentou e

    negociou a Emenda Popular pela Reforma Urbana, dentro do processo de participao da

    Assemblia Nacional Constituinte.

    Com a insero na Constituio Federal de 1988 de uma poltica urbana voltada

    para um vis de cidade definido a partir da funo social da cidade, ou seja, o espao

    urbano definido como cidade, via-se um dispositivo contra sua limitao ao processo

    espoliativo e mercantil e a possibilidade de repens-la como esfera de insero dos

    interesses da coletividade: Art. 182. A poltica de desenvolvimento urbano, executada

    pelo Poder Pblico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo

    ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e grantir o bem-estar de

    seus habitantes. (Constituio Federal, 2004, p. 196)

    2A enorme presso popular para que a emenda fosse aprovada transformou-se num dos maiores movimentos

    poltico-sociais da histria do Brasil e logo recebeu o nome de Diretas J. Mesmo com o movimento, a

    emenda constitucional foi rejeitada pela Cmara dos Deputados no dia 25 de abril de 1984, precisava dos

    votos de dois teros da Casa (320 deputados) para prosseguir ao Senado. O resultado da votao foi o

    seguinte: 298 deputados votaram a favor, 65 contra, trs abstiveram-se e 113 no compareceram ao plenrio.

    3MNRU trabalhou a proposta de emenda popular localmente em cada movimento envolvido, pressionou

    constituintes, aprofundou contatos com setores que se incorporaram a campanha durante a passagem do

    abaixoassinado e montou um planto em Braslia centralizando informaes, entre outros meios de luta. A

    citada proposta de emenda popular contou com mais de 160 mil assinaturas constituindo-se de 23 artigos

    divididos em cinco ttulos: Dos direitos urbanos, Da Propriedade Imobiliria Urbana, Da Poltica

    Habitacional, Dos Transportes e Servios Pblicos e Da Gesto Democrtica da Cidade.

    (http://www.joinpp.ufma.br/jornadas, 2011)

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Diretas_J%C3%A1http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mara_dos_Deputados_do_Brasilhttp://pt.wikipedia.org/wiki/25_de_abrilhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_Federal_do_Brasilhttp://www.joinpp.ufma.br/jornadas

  • 31

    Entretanto a garantia constitucional e a efetivao de uma poltica urbana que

    contemplasse uma prtica social nos espaos urbanos, voltada para o desenvolvimento

    pleno das necessidades das massas populares, s poderia ser definitivamente operacionada

    com a regulamentao atravs de lei complementar4.

    Fruto da reivindicao dos movimentos sociais que buscavam consolidar o acesso

    ao desenvolvimento da cidade como direito para todos, a lei n 10.257 de 10.07.2001, o

    Estatuto da Cidade, estabelece em suas diretrizes a Funo Social da Cidade e da

    Propriedade:

    Pargrafo nico - Para todos os efeitos, essa lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pblica e interesse social que regulam o uso da

    propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar dos

    cidados, bem como do equilbrio ambiental (Lei N 10257 de 10 de julho de 2001).

    O Estatuto da Cidade consolida a conquista legal do Movimento Nacional de

    Reforma Urbana - MNRU que posteriormente conta com outra esfera do movimento que

    o Forum Nacional de Reforma Urbana FNRU, compreendendo a cidade como algo mais

    amplo do que o traado urbano e a ordenao das ruas. Essa conquista corresponde ao que

    foi destacado anteriormente quanto ao papel da cidade, no sentido de regular e inibir a

    utilizao da cidade como mercadoria:

    A propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exigncias

    fundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor, assegurando o

    atendimento das necessidades dos cidados quanto qualidade de vida, justia

    social e ao desenvolvimento das atividades econmicas, [...] (IBDEM).

    Contudo, ao longo da histria dos movimentos, fica claro que a conquista da lei

    no significou paralelamente a efetivao dos propsitos dos movimentos sociais urbanos.

    A reestruturao das cidades brasileiras nos moldes conquistados na lei continuou sendo

    alvo de aes dos movimentos sociais e do Estado por meio da criao de outros

    instrumentais e de outras formas de mobilizao social baseadas no Estatuto da Cidade.

    Uma ferramenta existente que estabelece a configurao do espao urbano nas

    cidades seu Plano Diretor Urbano. um instrumento de planejamento em que se

    estabelecem as diretrizes de ordenamento urbanstico e espacial de uma cidade, sendo de

    4 Chama-se Lei Complementar o texto legal destinado regulamentao dos textos constitucionais. Desde

    modo, quando a Constituio cria situaes que exigem o estabelecimento de condies de aquisio ou

    exerccio de direitos, a legislatura tem de estatuir os requisitos e a forma de efetivao, baixando o diploma

    regulamentar . (BUSTO, Cristiano V.F., http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=302, em

    20/12/2010, 15h00min).

    http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=302

  • 32

    competncia dos municpios o estabelecimento desse instrumento atravs de um projeto de

    lei enviado ao legislativo municipal e posteriormente referendado pelo gestor municipal.

    1. O plano diretor, aprovado pela Cmara Municipal, obrigatrio para cidades

    com mais de vinte mil habitantes, instrumento bsico da poltica de

    desenvolvimento e de expanso urbana. 2 A propriedade urbana cumpre sua

    funo social quando atende s exigncias fundamentais de ordenao da cidade

    expressas no plano diretor. (Constituio Federal, 2004, Art. 182,1 e 2, p.197)

    Como eram estabelecidos os planos diretores anteriormente ao Estatuto da

    Cidade? Eram projetos elaborados em escritrios de planejamento sem a oportuna

    participao da sociedade, a qual deveria se condicionar ao que fora institudo como

    ordenamento urbano:

    A viso tecnocrtica dos planos e do processo de elaborao das estratgias de

    regulao urbanstica [...]. Isto significa o tratamento da cidade nos planos como

    objeto puramente tcnico, no qual a funo da lei estabelecer padres satisfatrios,

    ignorando qualquer dimenso que reconhea conflitos, como a realidade da

    desigualdade de condies de renda e sua influncia sobre os mercados urbanos. [...]

    importante apontar que os modelos de poltica e planejamento urbanos adotados

    pelas cidades nos anos 70 em princpio dos 80 tambm foram marcados por uma

    viso bastante estadista da poltica urbana. Formuladas e implementadas durante o

    perodo do milagre brasileiro, estas prticas foram marcadas pelo autoritarismo do

    regime militar em vigor e por uma forte crena na capacidade do Estado em

    financiar o desenvolvimento urbano ento praticado (ROLNIK e JNIOR,2001,

    p.15).

    O Estatuto da Cidade, que em suas diretrizes aponta a garantia da elaborao de

    instrumentos de regulao urbana com a efetiva participao social, estabelece que todos

    os municpios do pas com mais de vinte mil habitantes, realizem a reviso dos planos

    diretores a partir da nova tica urbana. E para os municpios que ainda no haviam

    elaborados seus planos, que a partir da lei o faam em carter de prioridade.

    4 No processo de elaborao do plano diretor e na fiscalizao de sua

    implementao, os Poderes Legislativo e Executivos municipais garantiro: I - A

    promoo de audincias pblicas e debates com a participao da populao e de

    associaes representativas dos vrios segmentos da comunidade [...]. (Estatuto da

    Cidade, 2007, Art. 40, 4, inciso I, p.33).

    Os movimentos sociais urbanos tendo frente o Forum Nacional pela Reforma

    Urbana FNRU lana a campanha nacional pela reviso dos planos diretores no perodo

    posterior instituio do Estatuto da Cidade. Com o lema Por um Plano Diretor

    Participativo, vamos participar da construo de nossa cidade, difundiu pelo pas uma

    campanha para que os Planos Diretores de todos os municpios fossem revisados a partir

    das novas diretrizes do Estatuto da Cidade, assim como nos municpios com populao a

    partir de 20.000 habitantes fosse exigido o cumprimento do dispositivo legal que determina

    a existncia de um Plano Diretor. Neste sentido, buscava difundir um intenso debate

  • 33

    popular sobre a nova possibilidade de construo de espaos urbanos mais justos e

    democraticamente vivenciados. Seria como se estruturasse vrias assembleias com debates

    permanentes, construindo de forma participativa um documento que responderia pelo

    ordenamento urbano ideal das cidades. (ROLNICK e JNIOR, 2001).

    A campanha firma-se em vrios estados e municpios com o apoio de

    organizaes no-governamentais ONGs, partidos polticos de esquerda, associaes de

    moradores, entidades de representao das categorias profissionais5 de arquitetura e

    urbanismo, alm da engenharia e geografia, universidades e demais representaes sociais.

    Estruturando comits para a coordenao das aes da campanha em cada estado, aqui no

    Cear a representao ficou com a ONG CEARAH Periferia6.

    No que se refere ao debate com o poder pblico, verifica-se a existncia de fortes

    conflitos, j que em alguns municpios os documentos eram elaborados em escritrios de

    urbanistas e consultores arquitetos encomendados pela gesto pblica. Na capital do estado

    do Cear, Fortaleza, a maior repercusso da campanha foi o impedimento da aprovao do

    Projeto de Lei que estava tramitando na Cmara de Vereadores sem a devida insero da

    populao nos debates.

    A campanha nacional da reviso/elaborao dos planos diretores Por um Plano

    Diretor Participativo, vamos participar da construo de nossa cidade, desde seu incio foi

    direcionada pelas entidades representantes do FNRU e demais entidades dos movimentos

    sociais dos diversos municipios que se agregavam causa. At ento o poder pblico nas

    esferas federal e estadual no sinalizava a possibilidade de uma ao efetiva para garantir o

    cumprimento do Estatuto da Cidade, exceto os municpios brasileiros que tinham frente o

    Partido dos Trabalhadores PT, como era o caso de Santo Andr SP e Porto Alegre

    RS. Ambos j vivenciavam a proposta de gesto participativa e que neste nterim,

    naturalmente conduziram a poltica urbana em seus municpios a partir do vis

    democrtico participativo do Estatuto da Cidade. Era o final dos anos de 1990, j a

    campanha nacional estabeleceu-se no perodo de 2004 a 2005.

    5Os Conselhos Federal e Regionais de Engenharia, Arquitetura CONFEA e CREAs; Associao dos

    Arquitetos do Brasil dentre outros. 6O Centro de Estudos, Articulao e Referncia sobre Assentamentos Humanos - CEARAH Periferia - uma

    organizao no governamental sem fins lucrativos, criada em 1991, que atua principalmente em Fortaleza e

    Regio Metropolitana (CE-Brasil). Tendo como misso dotar o Movimento Popular Urbano de instrumentos

    que contribuam para uma interveno propositiva no processo de Desenvolvimento Urbano Integrado e

  • 34

    Os rumos da campanha nacional sofreram significativas mudanas com um fato

    poltico que mobilizou todos os segmentos dos movimentos sociais do pas: a vitria de

    Luis Incio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, na eleio presidencial de 2002 e

    o incio do governo em 1 de janeiro de 2003. Dentre essas mudanas est o convite aos

    articuladores da campanha de reviso dos planos diretores e ao prprio MNRU para fazer

    parte de uma frente de governo composta de foras partidrias aliadas ao governo,

    militantes dos movimentos sociais urbanos; em destaque est o de estabelecer um rgo

    que estivesse frente da poltica urbana no Brasil.

    A criao de uma instncia deliberativa e executiva que tivesse autonomia

    financeira e institucional, uma instncia com porte de um ministrio, estava na pauta da

    campanha nacional de reviso/elaborao dos planos diretores promovida pelo FNRU. O

    movimento mais uma vez tem xito em suas reivindicaes com a criao do Ministrio

    das Cidades:

    [...] podemos dizer que a criao do Ministrio das Cidades, em 2003,

    representou uma resposta a um vazio institucional, de ausncia de ausncia de uma

    poltica nacional de desenvolvimento urbano consistente, capaz de apontar para um

    projeto de cidades mais sustentveis e mais democrticas. Por isso, a criao desse

    Ministrio expressou o reconhecimento por parte do governo federal da questo

    urbana como uma questo nacional a ser enfrentada por macro polticas pblicas

    (MARICATO, 2003, p. 04).

    A equipe que foi nomeada para liderar o Ministrio das Cidades era formada pelos

    mesmos sujeitos polticos que estavam frente do FNRU e que iniciaram a militncia

    ainda no MNRU no incio dos anos de 1980. Como por exemplo, o ex-prefeito de Porto

    Alegre, Olvio Dutra PT, quando ocorreu uma das primeiras experincias de gesto

    participativa no Brasil, inclusive realizando a reviso do plano diretor participativo; foram

    nomeadas tambm para ocupar a gesto do Ministrio das Cidades, Ermnia Maricato

    (secretria executiva) e Raquel Rolnik (secretria nacional de programas urbanos), estas

    expositoras influentes e de representao intelectual do MNRU e FNRU.7

    Destaco que uma das primeiras aes do novo ministrio foi a realizao de uma

    campanha pela reviso/elaborao de planos diretores participativos nos municpios

    brasileiros, a partir das diretrizes do Estatuto das Cidades. Os representantes dos

    movimentos urbanos MNRU absorvidos pelo Ministrio das Cidades para compor seus

    quadros na estrutura institucional, levaram a campanha Por um Plano Diretor

    Solidrio. Filiado Associao Brasileira de Organizaes No Governamentais (Abong) e membro do

    Conselho Nacional das Cidades.

  • 35

    Participativo, vamos participar da construo de nossa cidade como proposta de

    planejamento das aes do ministrio, sendo considerada ao de destaque institucional, a

    campanha passa a ser, a partir de ento, uma poltica de governo.

    Assim o Governo Federal incorporou a campanha, tornando-se obrigatria para os

    municpios da Federao a reviso/elaborao de seus planos diretores, denominando-os

    ento de planos diretores participativos, chamados de PDP. Para garantir seu cumprimento,

    o Ministrio das Cidades instituiu sanes para os municpios que no realizassem a

    reviso/elaborao de seus Planos Diretores Participativos. As penas constam de vetos no

    repasse de verbas advindas do oramento da Unio, como por exemplo as emendas

    parlamentares, alm de demais subsdios que possam estar previstos para o municpio que

    transgrida o prazo estabelecido, o prazo inicial era at outubro de 2008 alterado para 2010.

    Os municpios da Federao tm atualmente a obrigao legal de realizar reviso

    ou elaborao de seus planos diretores numa perspectiva participativa. Ou seja, condio

    fundamental a insero da sociedade em todo o processo de reviso (ROLNIK & JNIOR,

    2001). Durante a campanha institucional do Ministrio das Cidades, diversos materiais

    educativos e de sensibilizao so repassados para os municpios, dentre eles um guia de

    elaborao dos planos diretores participativos, distribudo por todo pas por meio de

    eventos com a temtica da reviso/elaborao dos planos diretores que chegou aos

    municpios como um manual operacional para guiar o processo de reviso/elaborao dos

    planos diretores.

    O municpio de Maracana CE foi um deles, ao ser informado atravs dos

    rgos financiadores das novas determinaes para concesso de financiamento (no caso a

    CAIXA ECONMICA instncia responsvel pela aplicao dos recursos do Ministrio

    das Cidades). A gesto municipal estabeleceu ento uma equipe de profissionais do

    quadro prprio ou prestadores de servio que conduziriam o projeto da cidade.

    Como perceber o processo de passagem das aes reivindicativas dos movimentos

    sociais para a condio de poltica pblica de uma gesto de Estado?

    Certamente os ganhos para os movimentos sociais urbanos so considerados,

    quando se tem frente da equipe de governo representantes desses movimentos, tomando o

    conceito gramsciano de sociedade civil:[...] como portadora material da figura social da

    7Ressalta-se que os nomes citados j no esto frente da gesto do Ministrio.

  • 36

    hegemonia, como esfera de mediao entre a infraestrutura econmica e o Estado em

    sentido restrito. (COUTINHO, 1992, p.75).

    Percebe-se que no se trata necessariamente de cooptao dos movimentos sociais

    urbanos pelo Estado, mas, sim, a insero da representao da sociedade numa estrutura

    reconhecidamente ampliada de Estado, em que os ganhos polticos para os movimentos

    sociais urbanos ocorreram a partir de uma maior aproximao destes movimentos com seus

    representantes que participam atualmente na esfera do Estado. Entretanto, questiona-se: at

    que ponto essa aproximao Estado e Movimentos sociais urbanos se efetivou para avanar

    a poltica urbana? Em que medida o fato da campanha de reviso/elaborao dos planos

    diretores ter sido incorporada como uma determinao de gesto pblica, sendo os

    municpios obrigados a direcionar sua poltica urbana a partir desta determinao,

    conseguir de fato ter efeito efetivo na viso dos gestores pblicos municipais e populao

    quanto nova configurao da poltica urbana no Brasil?

    Anterior a tudo isso, a luta dos movimentos sociais urbanos estava centrada na

    construo da ideia de uma cidade com funo social, ou cidade de todos, e considerava

    que o maior impeditivo para que essa ideia se concretizasse era a estrutura capitalista

    edificante de espaos urbanos estratificados e injustos. O surgimento do Estatuto da Cidade

    e a criao do Ministrio das Cidades no alteraram o sistema econmico em que esto

    situadas as realidades urbanas brasileiras, portanto os sujeitos sociais vinculados ao iderio

    do capitalismo permanecem com suas posies iniciais.

    Outra questo que a ento ao poltica do Ministrio das Cidades ao impor a

    reviso/elaborao aos municpios passa a se configurar como uma ao coercitiva, o que

    no ocorria com a campanha encampada pelos movimentos sociais urbanos, antes de se

    fazer poltica pblica que procurava atuar numa linha de sensibilizao da sociedade em

    geral e de capacitar lideranas que pudessem multiplicar o iderio.

    Os municpios brasileiros, como o caso de Maracana, tiveram seus gestores

    colocados frente ao desafio de efetivar como responsabilidade de seus governos a garantia

    da elaborao da regulamentao urbanstica de seus municpios de acordo com os

    princpios do Estatuto da Cidade, com destaque a insero da participao da populao no

    planejamento urbano. Como foi observado, o formato proposto pelo Ministrio das

    Cidades foi desenvolvido a partir de experincias vivenciadas por segmentos dos

  • 37

    movimentos sociais urbanos com origem e histrico de luta popular. Maracana teve

    formatao similar a esta experincia?

    Para refletir sobre esses questionamentos, faz-se necessrio, antes, conhecer

    Maracana e descortinar, por exemplo, o formato como se estruturou a sociedade desse

    municpio, as vivncias polticas do seu povo, para perceber semelhanas e distines que

    possam apontar perspectivas na proposta implementada pelo Ministrio das Cidades.

    2. Maracana A cidade em questo:

    Nesse processo complexo de formao das cidades est o cenrio da trama desta

    pesquisa, o municpio de Maracana CE, ponto de partida para a anlise da participao

    popular inserida na conduo de uma poltica pblica.

    Maracana um municpio que forma a Regio Metropolitana de Fortaleza,

    possui 111,33 quilmetros quadrados de extenso territorial e tem populao de 209.748

    habitantes, de acordo com os dados do censo de 2010 do Insituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica IBGE (IBGE/ 2010). Limita-se ao norte com Fortaleza, ao sul e leste com

    Pacatuba e Maranguape e a oeste com Maranguape e Caucaia.

    A cidade de Maracana reportando sua identidade, sua gnese, estende-se um

    histrico remoto colonizao do estado do Cear, das marcas do que ficou da presena

    indgena, do nome que lhe bem sonoro e que por trs diz muito sobre o que ocorreu

    durante a ocupao do lugar. O topnimo Maracana vem do tupi-guarani e

    significa lagoa onde os maracans bebem. Dos territrios habitados pelos

    indios Pitaguary, Jaana, Mucun e Cgado, surge o povoamento da lagoa de Maracana

    e depois das lagoas de Jaana e Pajuara, sua denominao original era Vila do Santo

    Antonio do Pitagaury, passando depois 1890 para Maracana. O lugar j era rota de

    quem procurava se embrenhar pela Serra de Maranguape; j no sculo dezessete os ndios

    relatam a passagem de estrangeiros em busca das minas de prata na Serra de Maranguape e

    Taquara (MARINHO, 2010).

    Vinculado ao municpio de Maranguape, passou a ser povoado a partir da

    inaugurao de sua estao ferroviria em janeiro de 1875. O movimento do trem deu ao

    lugar a categoria de Vila, isso foi em 04 de dezembro de 1933 pelo Decreto n 1.156, o

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Tupi-guaranihttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pitaguarihttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ja%C3%A7ana%C3%BAhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1890http://pt.wikipedia.org/wiki/Serra_de_Maranguape

  • 38

    povoado era parada para quem seguia viagem no trem metropolitano ramal

    Maranguape/Fortaleza. A vila tinha pequenos armazns e mercearias onde se

    comercializavam gneros de primeira necessidade. A riqueza local estava nas grotas

    dgua que saiam do sop da Serra, de suas lagoas e rios, espao oportuno para o plantio de

    hortalias e a criao de aves, que representava o marco referencial da economia local at

    metade dos anos de 1970 (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano PDDU, 1998,

    arquivos da Secretaria de Infraestrutura e Controle Urbano de Maracana,).

    O local foi escolhido pelo poder pblico em meados dos anos de 1940, como

    adequado para a instalao do Sanatrio para doenas respiratrias (atendia em maior

    nmero doentes acometidos pela tuberculose)8; para l foi tambm a Colnia Antnio Justa

    (local de isolamento para portadores de hansenase) e o Instituto Carneiro de Mendona

    Centro de Reabilitao de Menores (popularmente conhecido como Santo Antnio do

    Buraco). Ao que consta, foram decises que partiram do foco decisrio do poder pblico

    central no perodo das dcadas de 1940 a 1960, com a anuncia do governador do estado

    do Cear.

    Para alar condio de municpio, Maracana passou por alguns percalos: a

    primeira tentativa ocorreu em 19 de dezembro de 1963 pelo decreto n 6.964, mas, com a

    instaurao do governo militar aps o golpe de 1964, todos os municpios criados nesse

    perodo foram extintos, ficando o decreto de criao de Maracana suprimido antes mesmo

    de ser instalado, segundo a lei n 8.339, de 14 de dezembro de 1965.

    Ao traar rapidamente esse trem histrico, observa-se que longe de qualquer

    possibilidade de interveno da sua populao, o aglomerado humano denominado

    Maracana, passou a ser locus de determinao de um poder centrado no espao externo

    do seu vivencial.

    Na dcada de 1970, o regime militar busca concretizar o chamado milagre

    brasileiro, em busca de consolidar a entrada do pas na era da industrializao. Os estados

    nordestinos mais pobres foram escolhidos para receber em suas terras a implantao de

    indstrias de reas diversas que antes estavam centradas apenas na regio sudeste

    (OLIVEIRA, 1981). O Cear foi um dos escolhidos para estar inserido no processo de

    acelerao industrial e criar divisas econmicas que atendessem s referncias financeiras

    dos detentores do capital. Foi elaborado um plano de implantao do polo industrial do

    8 Atualmente o Hospital Municipal que atende todas as reas mdicas.

  • 39

    Cear, denominado I Distrito Industrial, para um empreendimento de porte significativo.

    Mais uma vez Maracana escolhido como espao local para instaurao de

    empreendimentos de interesse do Estado.

    A localizao adequada em termos de proximidade com a capital Fortaleza (15

    quilmetros indo pela CE-060) acomodaria de forma oportuna os empreendimentos

    industriais, desafogando o espao urbano de Fortaleza que, j em 1970, era considerado

    metrpole, com representativo contingente populacional devido ao processo migratrio

    iniciado nos anos de 1950, devido s secas sazonais. Durante toda a dcada de 1970, a

    expanso industrial fez do distrito de Maracana a maior fonte de divisas do estado do

    Cear (BRAGA e BARREIRA, 1991).

    O governo do estado criou uma infraestrutura no entorno do plo industrial com

    edificaes de rodovias complementares e implementou algo em torno de seis conjuntos

    habitacionais com mdia de duas mil casas por cada empreendimento. Trouxe, assim, uma

    quantidade significativa de famlias oriundas dos diversos pontos do estado para residir na

    rea onde antes havia apenas o pequeno grupo populacional povoado e as maracans.

    Maracana surge como cenrio ideal para a implantao desses conjuntos,

    justificado ainda, pelo fato de que o Distrito Industrial necessitava de mo-de-obra.

    Foram, ento, projetados os conjuntos habitacionais: Distrito Industrial (1978);

    Timb (1979); Acaracuzinho (1980); Jereissati I(1984) e II (1985) Foram projetados

    tambm os conjuntos Novo Maracana e Novo Oriente (PDDU Prefeitura

    Municipal de Maracana, 2000).

    Mesmo com toda a ebulio que sofria o lugar, com a instalao e ampliao do

    Polo Industrial e com a chegada dos moradores dos conjuntos habitacionais, Maracana

    permanecia como um apndice do municpio de Maranguape. A ausncia de autonomia

    poltica e financeira fazia com que as divisas econmicas oriundas do Polo Industrial

    fossem controladas pela gesto poltica da prefeitura de Maranguape. Desta forma, como a

    maior arrecadao provinha das atividades industriais, a prefeitura de Maranguape teria de

    dividir os recursos oriundos do usufruto do espao fsico do distrito Maracana com as

    demais localidades que estavam sob seu territrio.

    A demanda por autonomia na gesto dos recursos oriundos das atividades

    econmicas do distrito fez surgir em 1980 uma mobilizao de setores polticos existentes

    em Maracana criando grupos como Movimento de Integrao e Desenvolvimento de

    Maracana MIDEMA e a Frente de Apoio e Promoo a Emancipao de Maracana

    FAPEMA que tinham como objetivo principal a autonomia do distrito de Maracana (isso

    ocorreu no incio dos anos de 1980). A primeira tentativa de emancipao de Maracana

  • 40

    foi frustada devido ao processo poltico vivenciado no pas, como j abordado

    anteriormente, era o ano de 1965. Contudo, o processo de mobilizao encampado pelos

    MIDEMA e FAPEMA garantiu o resultado positivo atravs de plebiscito9 e finalmente o

    distrito de Maracana foi reconhecido como municpio atravs Lei n10.811, de 4 de julho

    de 1983, sendo finalmente instalado em 31 de janeiro de 1985.

    O processo de formao das cidades est intrinsecamente associado ao processo

    histrico-social da humanidade. A cidade o produto das relaes sociais dos

    agrupamentos humanos a partir da sua complexidade. Antes do processo de produo

    industrial, as cidades detinham distintos significados que legitimavam a tnica ao seu

    redor, como afirma CASTELLS:

    O desenvolvimento do capitalismo industrial, ao contrrio de uma viso ingnua

    muito difundida, no provocou o reforo da cidade e sim o seu quase

    desaparecimento enquanto sistema institucional e social relativamente autnomo,

    organizado em torno de objetivos especficos. (1983, p. 45)

    importante essa compreenso para que se dissipe a ideia de que cidade surge

    apenas em respostas determinao do capital econmico. Tambm h, mas existe frente a

    um processo natural da configurao de um agrupamento humano e expressa a cultura

    social de um povo. Assim Maracana no foi uma cidade criada para responder s

    demandas da capital do estado do Cear, ela j existia antes com sua dinmica prpria, mas

    foi transformada em cidade industrial perdendo sua autonomia em nome do progresso do

    Estado capitalista.

    Maracana apresenta uma configurao administrativa que divide a cidade em

    areas de desenvolvimento local (ADL) onde so delimitadas por bairros10

    . A diviso foi

    realizada pela prefeitura para efeito do planejamento urbano, instituidas atravs da lei de

    diretrizes oramentrias n 557 de 26/05/1997 (Secretaria de Infraestrutura e Controle

    Urbano de Maracana).

    9 O processo de emancipao do municpio ser devidamente apresentado a partir da exposio do II captulo

    quando ser apresentada a fala de um dos lideres do MIDEMA. 10

    So esses os bairros definidos em cada rea: ADL 1 Santo Antonio do Pitaguary, Horto, Olho Dgua,

    Escola de Menores, Bela Vista, Boa Vista, Alto da Mangueira, , Picada, Centro, Coqueiral, Piratininga,

    Conjunto Novo Maracana, Jenipapeiro); ADL 2 Conjunto Jereissati I e II, Conjunto Timb; ADL 3

    Distrito Industrial, Jardim Bandeirante, Menino Jesus de Praga, Parque Progresso, Alto da Bonanza, Jardim

    Paraso, Boa Esperana e Pajuara; ADL 4 Distrito Industrial III, Novo Mondubim, Planalto Cidade Nova,

    Esplanada do Mondubim, Novo Mondubim II, Conjunto Industrial, Alto Alegre II; ADL 5 Alto Alegre I,

    Vila Buriti, Novo Oriente, Acaracuzinho, Santo Stiro e Jardim Maravilha; ADL 6 Jatob, Parque So Jos,

    Siqueira II, Jar, Santa Maria, Parque Nazar, Jaana, Mucun, Parque Tijuca, Cgado, Parque Luzardo

    Viana e Pau Serrado.

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    Nas chamadas ADLs, esto definidos os bairros que compem o espao de

    convivncia da populao e, portanto, sua interao com a dinmica social e poltica do

    espao urbano. Destarte, centrei a caracterizao do municpio no que se refere s

    instncias de participao social existentes, afinal o carter dessa informao refletir

    diretamente na compreenso do tema central da pesquisa que a participao popular.

    A partir de dados coletados na Secretaria de Assistncia Social de Maracana, o

    municpio tem inscrito o nmero de 181 (cento e oitenta e uma) organizaes da sociedade

    civil. Foram identificados os seguntes nmeros no municpio: associaes de moradores e

    organizaes governamentais somam 97 (noventa e sete) e 47 (quarenta e sete),

    respectivamente; entidades ligadas cultura e esporte 15 (quinze) e, finalmente, entidades

    dos trabalhadores 08 (oito). Todas as entidades esto organizadas e inscritas no cadastro da

    Secretaria de Assistncia Social do Municpio.

    Em termos espaciais, onde se localizam essas organizaes no municpio? Esto

    assim distribudas: 33 (trinta e trs) na ADL 1; 39 (trinta e nove) na ADL 2; 39 (trinta e

    nove) na ADL 3; 19 (dezenove) na ADL 4; 19 (dezenove) na ADL 5; e 32 (trinta e duas)

    na ADL 6. As reas que contam com maior nmero de organizaes so as ADLs 2 e 3

    com maior frequncia das categorias Associaes de Moradores e Organizaes No

    Governamentais ONGs11

    .

    Muitas entidades do movimento popular surgiram em consequncia de projetos de

    moradia popular (mutires), as conhecidas sociedades habitacionais. Sabe-se que muitas

    passaram por uma srie de mudanas quanto composio das lideranas, perdendo um

    pouco da identidade do grupo que iniciou o processo de organizao comunitria. Tambm

    de amplo conhecimento que essas entidades sofrem a influncia de represent