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Universidade Estadual do Ceará Centro de Ciências da Saúde Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública AUTOCUIDADO DE PACIENTES COM DOENÇAS CRÔNICAS: Experiências na Estratégia Saúde da Família de Fortaleza, Ceará. PATRICIA DA SILVA TADDEO Fortaleza Ceará 2011

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Universidade Estadual do Ceará

Centro de Ciências da Saúde

Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública

AUTOCUIDADO DE PACIENTES COM DOENÇAS CRÔNICAS:

Experiências na Estratégia Saúde da Família de Fortaleza, Ceará.

PATRICIA DA SILVA TADDEO

Fortaleza – Ceará

2011

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PATRICIA DA SILVA TADDEO

AUTOCUIDADO DE PACIENTES COM DOENÇAS CRÔNICAS:

Experiências na Estratégia Saúde da Família de Fortaleza, Ceará.

Dissertação apresentada ao Mestrado

Acadêmico em Saúde Pública da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial para

a obtenção do grau de Mestre em Saúde

Pública.

Orientador: prof. Dr. Andréa Caprara

Fortaleza

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

T121a Taddeo, Patrícia da Silva

Autocuidado de pacientes com doenças crônicas: experiências na estratégia saúde da família de Fortaleza, Ceará / Patrícia da Silva Taddeo. — 2011.

99 f. : il. color., enc. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará,

Centro de Ciências da Saúde, Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública, Fortaleza, 2011.

Orientação: Profª. Dr. Andrea Caprara. Área de concentração: Políticas Públicas de Saúde

1. Autocuidado. 2. Doenças crônicas. 3. Saúde da família. I.

Título.

CDD: 614

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PATRICIA DA SILVA TADDEO

AUTOCUIDADO DE PACIENTES COM DOENÇAS CRÔNICAS:

Experiências na Estratégia Saúde da Família de Fortaleza, Ceará.

Dissertação apresentada ao Mestrado

Acadêmico em Saúde Pública da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial para

a obtenção do grau de Mestre em Saúde

Pública.

Aprovado em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof. Dr. Andrea Caprara (Orientador)

Universidade Estadual do Ceará

___________________________________________________________

Profa. Dra. Ilvana Lima Verde Gomes

Universidade Estadual do Ceará

___________________________________________________________

Profa. Dra. Thereza Maria Magalhães Moreira

Universidade Estadual do Ceará

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, que nunca mediram esforços para

me apoiar e incentivar, e são exemplo de

determinação e coragem em minha vida.

6

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força, coragem e determinação durante o trabalho.

À minha família, pela dedicação, amor, carinho e confiança que sempre me foram oferecidos.

A meu marido, pela compreensão, amor, incentivo e confiança.

A meu orientador, Prof. Dr. Andrea Caprara, por sua paciência, disponibilidade,

ensinamentos, orientações e confiança.

À Giselle, por todos os momentos de cumplicidade, angústias e alegrias divididas.

A todos os professores, pelos conhecimentos adquiridos e pela amizade.

Aos funcionários do Mestrado.

Aos colegas do mestrado, pelas reflexões, críticas e sugestões.

Aos entrevistados, que se disponibilizarem a responder minhas perguntas.

Aos meus amigos, que me deram forças para a conclusão do mestrado.

À Carol, Martha, Rafaela e Kilma, suas considerações foram essenciais para a finalização

deste trabalho.

Aos integrantes do grupo de pesquisa que me ajudaram na coleta de dados e nas transcrições

das entrevistas.

Às minhas companheiras de trabalho, que compreenderam as minhas ausências e me

incentivaram bastante para a conclusão deste trabalho.

Aos meus pacientes, pela compreensão e carinho.

MUITO OBRIGADA!

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RESUMO

Os doentes crônicos vêm se tornando cada vez mais numerosos em decorrência do

envelhecimento da população brasileira e, conseqüentemente, vêm representando uma

expressiva e crescente demanda aos serviços de saúde em busca de cuidados. Assim, este

estudo teve por objetivo compreender o autocuidado a partir das percepções dos usuários com

doenças crônicas, inseridos no contexto familiar e comunitário, em acompanhamento na

Estratégia Saúde da Família. Tratou-se de uma pesquisa com perspectiva qualitativa e

exploratória, realizada em Fortaleza, no período de Março a Julho de 2011. Foram realizadas

entrevistas abertas com trinta usuários com diabetes e/ou hipertensão arterial. Os dados

coletados foram transcritos e analisados através do software NVIVO, do qual emergiram as

seguintes categorias: Acesso à saúde; A visão dos usuários sobre autocuidado e O papel da

Estratégia Saúde da Família na prática do autocuidado, possíveis soluções a partir da análise

dos usuários. Os usuários apontam a existência de algumas barreiras geográficas no acesso à

saúde, tais como: grandes distâncias entre o domicílio e o posto de atendimento, dependência

do transporte público, gerando fadiga e falta de estímulo, e ocasionando baixa continuidade

do tratamento. Observou-se que, a adesão e a prática do autocuidado está intimamente ligada

ao atendimento humanizado e diferenciado, baseado na confiança e no respeito aos anseios

dos usuários. Estes reclamam da falta de espaços para realização de atividade física, e quando

estes existem, ficam distantes de suas residências. Os pontos culturais e de religiosidade

devem ser inseridos na prática dos profissionais da Saúde da Família. Os entrevistados

consideram a orientação e a educação como elementos principais para incentivar a prática do

cuidado de si. Torna-se necessário reestruturar a conduta dos profissionais inseridos na

Estratégia Saúde da Família, uma vez que tem como função a Promoção da Saúde, em uma

lógica intersetorial. Enfim, esse trabalho não almejou esgotar a discussão sobre o assunto,

pelo contrário, serviu para conhecer um pouco da realidade vivida por esses usuários e, assim,

abrir caminhos para novos estudos.

Palavras-Chave: Autocuidado, Doenças Crônicas, Saúde da Família

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ABSTRACT

Chronicle diseased have become more numerous due to the aging of Brazilian population and

therefore have represented an expressive and crescent demand to health services in pursuit of

care. Hence, this study had as a goal the understanding of self care from the perceptions of

users of chronic diseases, in home and community contexts, following the Family Health

Strategy. It was a research with qualitative and exploratory perspectives, accomplished in

Fortaleza, from March to July 2011. Open interviews were made with thirty users who suffer

with diabetes and/or hypertension. The data collected was transcribed and analyzed with the

software NVIVO, from which emerged the following categories: Access to Health: the view

of users on self care and The role of Family Health Strategy on the practice of self care,

possible solutions from the analysis of the users. Users indicate the existence of some

geographic obstacles on the access to health, such as: long distances between home and

service stations, dependence on public transportation, which causes weariness and lack of

stimulation that leads to low continuity on the treatment. It was observed that the accession to

the practice of self care is strictly connected to the humanized and differentiated treatment

based on trust and respect for the appeals of the users. These complain of the lack of spaces to

perform physical activities, and when there are such places, they are very far from their

residences. Culture and religion must be inserted on the practice of Family Health

professionals. The people interviewed consider orientation and education as key elements to

encourage the practice of self care. It is necessary to restructure the conduct of professionals

in Family Health Strategy, since their function is to promote health in an intersectoral logic.

Ultimately, this essay did not aim to end the discussion on the subject, on the contrary, it was

meant to understand the reality lived by these users and therefore open ways to new studies.

Key-words: Self Care, Chronicle diseased, Family Health

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Estimativas de gastos do Ministério da Saúde com DCNI.................... 22

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Divisão das Regionais de Fortaleza....................................................... 42

Figura 2 Fotografia: Ruas de acesso ao posto de saúde da Regional II .............. 51

Figura 3 Fotografia: Atendimento comunitário realizado por residentes

supervisionadas pela Médica Responsável............................................

53

Figura 4 Fotografia: Ruas percorridas pelos profissionais de saúde para a

realização da visita domiciliar da SER IV.............................................

59

Figura 5 Fotografia: Projeto Saúde, Bombeiros e Sociedade............................... 61

Figura 6 Fotografia: Visita domiciliar SER V...................................................... 73

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Quadro conceitual do Modelo de Cuidados Crônicos........................... 17

Quadro 2 Distribuição dos Centros de Saúde da Família de acordo com a SER... 43

Quadro 3 Etapas da configuração do N-VIVO...................................................... 45

Quadro 4 Apresentação dos usuários entrevistados............................................... 50

Quadro 5 Possíveis soluções a partir da análise dos usuários................................ 78

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AVE Acidente Vascular Encefálico

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CCM Chronic Care Model

CROA Centro de Atendimento à Criança

CSF Centro de Saúde da Família

DALY Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade

DCNI Doença Crônica Não Infecciosa

DCNT Doença Crônica Não Transmissível

DM Diabetes Mellitus

ESF Estratégia Saúde da Família

EUA Estados Unidos da América

HAS Hipertensão Arterial Sistêmica

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LC Linha do Cuidado

MCC Modelo de Cuidados Crônicos

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

OMS Organização Mundial de Saúde

OPAS Organização Panamericana de Saúde

PELC Programa Esporte e Lazer da Cidade

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

QRS Qualitative Solutions Research

SEBRAE Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SECEFOR Secretaria Executiva Regional do Centro de Fortaleza

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SER Secretaria Executiva Regional

SIAB Sistema de Informação de Atenção Básica

SISHIPERDIA Sistema de Gestão Clínica de Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus na

Atenção Básica

SIMTEL Sistema de Monitoramento de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não-

transmissíveis

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

UBS Unidade Básica de Saúde

YLD Anos de Vida Vividos com Incapacidade

YLL Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura

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SUMÁRIO

1 Introdução…………………………………………………………………….. 15

Questões Norteadoras e construção dos objetivos da pesquisa………………. 20

2 Referencial Teórico…………………………………………………………… 22

2.1 Doenças Crônicas Não Infecciosas (DCNI)…………………………………. 22

2.2 A linha do cuidado sob a perspectiva de Doenças Crônicas Não Infecciosas 26

2.3 Autocuidado…………………………………………………………………. 32

2.4 Modelo de Cuidado de Doenças Crônicas (MCC)………………………….. 38

3 Metodologia…………………………………………………………………… 42

3.1 Tipo de Estudo……………………………………………………………….. 42

3.2 O campo do estudo…………………………………………………………. 42

3.3 Sujeitos da pesquisa…………………………………………………………. 44

3.4 Procedimentos e Instrumentos de Coleta de Dados………………………… 44

3.5 Análise dos Dados…………………………………………………………… 45

3.6 Aspectos Éticos………………………………………………………………. 46

3.7 Dificuldades Metodológicas Enfrentadas…………………………………….. 46

4 Achados Resultados e Discussão…………………………………………….. 48

4.1 Acesso à Saúde……………………………………………………………… 51

4.2 A visão dos usuários sobre a prática do autocuidado……………………….. 57

4.2.1 Espaços Públicos…………………………………………………………… 58

4.2.2 Violência…………………………………………………………………… 63

4.2.3 Fatores Culturais…………………………………………………………… 69

4.3 O papel da Estratégia Saúde da Família na prática do autocuidado………… 73

4.4 Possíveis soluções a partir da análise dos usuários………………………….. 78

5 Considerações Finais…………………………………………………………. 83

Referências Bibliográficas……………………………………………………… 85

Apêndices

Apêndice A: Roteiro de entrevistas com os pacientes………………………….. 93

Apêndice B: Roteiro de Observação Participante (Pacientes)………………….. 94

Apêndice C: Roteiro de Observação Participante (Grupos)……………………. 95

Apêndice D: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido……………………. 96

Apêndice E: Solicitação de Permissão para entrada no campo…………………. 97

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Anexos

Anexo A: Folha de Rosto do Comitê de ética e pesquisa…………….………… 99

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1 INTRODUÇÃO

Cada vez mais comuns em nossa sociedade, as doenças crônicas estão mais presentes

nos serviços de saúde, requerendo atenção redobrada dos profissionais de saúde.

Baseado em conhecimentos na área de saúde coletiva e doenças crônicas, o presente

estudo tem como objeto a questão do suporte ao autocuidado em pacientes¹ crônicos. Esse

trabalho se propõe investigar a repercussão do autocuidado na vida desses pacientes,

buscando compreender quais suportes são oferecidos pela comunidade e pelos profissionais

da Estratégia da Saúde da Família a esse grupo específico.

O interesse pelo tema das doenças crônicas é uma constante na minha vida pessoal,

pelo fato de conviver com familiares que apresentam determinadas condições crônicas. Além

disso, na prática profissional como fisioterapeuta convivo diariamente com as dificuldades

geradas pelas doenças crônicas, podendo observar o quanto o número de pacientes crônicos

vem aumentando, além de notar que esses pacientes são pessoas cada vez mais jovens. Tal

fato me chamou atenção e despertou em mim o interesse em pesquisar sobre o assunto.

O tema autocuidado vem à tona quando percebo que, quando orientados, os pacientes

se mostram mais abertos ao tratamento e, quando estimulados a realizar o autocuidado,

sentem-se úteis, notando, assim, como o cuidado é necessário para o bem-estar e a realização

pessoal desses pacientes.

A condição crônica pode ser considerada como uma experiência de vida permanente,

causada por doenças que acarretam perdas e disfunções, além da alteração no quotidiano.

Essa permanência causa estresse devido à alteração da imagem corporal, necessidade de

adaptação social e psicológica, além de mudança na expectativa de vida (FREITAS,

MENDES, 2007).

As Doenças Crônicas Não Infecciosas (DCNI) exercem papel importante no perfil

atual de saúde das populações humanas e a discussão acerca desse tema vem conquistando

cada vez mais espaço no sentido de sermos capazes de manter a integridade, a independência

e a autonomia dos indivíduos acometidos.

___________________

¹ Paciente: Aquele que sofre.

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Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que as DCNI já são

responsáveis por 58,5% de todas as mortes ocorridas no mundo e por 45,9% da carga global

de doença (OMS, 2003).

Nas últimas décadas no Brasil, as DCNI passaram a determinar a maioria das causas

de óbito e incapacidade prematura, ultrapassando as taxas de mortalidade por doenças

infecciosas e parasitárias, e a representar uma grande parcela das despesas com assistência

hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Setor Suplementar (BRASIL, 2006).

Este fato é decorrente da transição epidemiológica observada na população brasileira

que está envelhecendo e, com isso, as doenças crônicas vêm representando uma expressiva e

crescente demanda aos serviços de saúde, evidenciando a necessidade de conhecer sua

prevalência. Estas doenças, segundo Barros et al (2006), são definidas como afecções de

saúde que acompanham os indivíduos por longo período de tempo, podendo apresentar

momentos de piora (episódios agudos) ou melhora sensível.

Almeida et al. (2002) realizaram um estudo analisando os dados coletados na Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e observaram que pessoas com problemas

crônicos de saúde utilizaram mais consultas médicas e internações hospitalares do que as

sem. Encontraram, ainda, uma pequena percentagem de indivíduos que buscaram

atendimento, porém não foram atendidos ou que não buscaram atendimento por dificuldades

de acesso.

A doença crônica gera outras condições crônicas, afetando famílias que assumem

responsabilidades no controle desses episódios, por meio de descobertas diárias, que irão

exigir habilidades especiais de natureza médica, social e emocional da condição. Isso leva as

famílias a viverem com a incerteza, enfrentando dilemas éticos, individuais, sociais e

profissionais, assumindo grandes e contínuos gastos com o tratamento (FREITAS, MENDES,

2007).

Malta et al. (2006, p. 48) explicam que estas doenças têm desencadeado novos

desafios:

[...] não só para os gestores e tomadores de decisão do setor da Saúde

como também para outros setores governamentais, cujas ações

repercutem na ocorrência dessas doenças. O desafio do financiamento

das ações é um deles. Doenças crônicas custam caro para o Sistema

Único de Saúde (SUS). Se não prevenidas e gerenciadas

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adequadamente, demandam uma assistência médica de custos sempre

crescentes, em razão da permanente e necessária incorporação

tecnológica. Para toda a sociedade, o número de mortes prematuras e

de incapacidades faz com que o enfretamento das “novas epidemias”,

causadas por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), demandem

significativos investimentos em pesquisa, vigilância, prevenção,

promoção da saúde e defesa de uma vida saudável.

As DCNI mais freqüentes na Atenção Primária são a hipertensão arterial (HAS),

diabetes mellitus(DM), doenças cardiovasculares e doenças renais crônicas, as quais exercem

papéis importantes no perfil atual de saúde da população humana.

Dentre as principais doenças crônico-degenerativas encontradas na população de

Fortaleza, destacam-se a HAS e a DM, e estas, associadas à obesidade e à dislipidemia

somam o grupo de fatores de risco que compõem a Síndrome Metabólica e são determinantes

para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (BOL. SAÚDE FORTALEZA, 2008).

O sistema de saúde encontra-se focado na doença aguda ao invés de doenças crônicas,

o que culmina em pacientes desinformados e despreparados para realizar o autocuidado. Os

planejamentos das visitas são breves e não há certeza de que as necessidades agudas e

crônicas serão eficientemente atendidas (BODENHEIMER et al, 2002).

Para que haja melhoria dos cuidados crônicos, é necessária uma articulação entre a

organização fornecedora e a comunidade, utilizando-se os recursos comunitários. Entre estes,

pode-se citar os grupos de auto-ajuda, aulas de educação em saúde, programas de exercícios,

centros de idosos, entre outros. Esses recursos devem manter os pacientes informados e

proporcionar-lhes um válido suporte ao cuidado da sua própria doença (BODENHEIMER et

al 2002).

O serviço de saúde precisa de reorganização pela implantação de uma rede integrada

de serviços para, assim, garantir o cuidado contínuo (MARCECA; CICCARELLI, 2007).

A modelagem das redes de atenção à saúde pode ser adaptada às condições regionais

e/ou locais em que são implantadas. Sendo o Brasil um país de tamanha diversidade no que

tange às realidades econômicas, culturais e sanitárias, têm se organizado diretrizes

operacionais com normativas flexíveis para aplicação de acordo com a realidade local

(MENDES, 2007).

Entretanto, a rede de atenção à saúde é organizada de forma fragmentada e, muitas

vezes, não está centrada nas necessidades da população. Assim, cada região termina

19

organizando suas redes sem focar nos instrumentos de coordenação utilizados nas redes de

atenção à saúde, diretrizes clínicas estabelecidas, recursos comunitários e co-gestão,

autonomia do paciente, adaptações mútuas e coordenação do trabalho multidisciplinar.

Sousa (2007) faz reflexões sobre mudanças de paradigma e concepções do atual

modelo ainda focado na doença, pelo Modelo de Cuidados Crônicos, que tem na abordagem à

pessoa, com seus problemas diversos, a complementaridade com profissionais de saúde,

comunidade, o paciente e sua família.

O “Chronic Care Model - CCM” é um modelo de cuidados para pacientes com

doenças crônicas, desenvolvido no Institute for Heatlh Care Inovation (Instituto McColl para

inovações nos cuidados da saúde) na Califórnia, validado em diversos países, para uma

atenção qualificada ao paciente com doenças crônicas (BODENHEIMER et al, 2002).

Os cuidados crônicos ocorrem dentro de três esferas interdependentes: a comunidade,

com suas políticas e recursos; o sistema de saúde; e a organização fornecedora, seja uma

pequena clínica, uma rede frouxa de práticas sanitárias ou um sistema domiciliar integrado

(BODENHEIMER et al, 2002).

Quadro 1 – Quadro conceitual do Modelo de Cuidados Crônicos (MCC) - Chronic Care Model (CCM)

Fonte: OPAS, 2010, p.25

20

A filosofia do CCM prega a melhoria na qualidade do atendimento aos pacientes com

doenças crônicas, por meio de uma abordagem pró-ativa, que seja capaz de prever e antecipar

possíveis complicações e exacerbações da doença e que apresente o envolvimento dos

pacientes, de sua família e da comunidade, além de uma forte integração entre cuidados

primários e secundários, da utilização de programas de cuidados e de condutas baseadas em

evidências (MARCECA; CICCARELLI, 2007).

O cuidado de si constitui-se, simultaneamente, como um atributo e uma necessidade

universal dos seres humanos, regido por princípios de aplicação geral, embora orientados para

uma prática de escopo e responsabilidades absolutamente individuais.

Focault adverte que o termo designa não apenas uma preocupação, mas um conjunto

de ocupações, um labor. Esta vinculação com o labor e essa atividade relacionada às

necessidades vitais, conforme Arrendt (1981), estabeleceu precocemente uma correlação

muito estreita entre o cuidado de si e a Medicina.

Embora não fosse uma preocupação exclusivamente sua, não há dúvida de que o

conjunto de atividades que constitui o labor implicado no cuidado de si – exercícios, dietas,

regimes de sono e vigília, cuidados corporais, meditações, leituras, entre outros – serão

formulados principalmente por profissionais da saúde. Se somarmos a isso que o

restabelecimento da saúde é também parte dos imperativos do cuidado de si, maior razão terá

para atribuir à Medicina o papel de grande responsável pelo desenvolvimento da cura

(AYRES, 2004).

No Ceará, a pesquisa intitulada “A relação médico-paciente no Programa Saúde da

Família, desenvolvida por Caprara, Rodrigues e Montenegro (2001), revela que em 91,4%

das consultas, os profissionais não exploram os medos e ansiedades dos pacientes,

considerando-se que abordar esse aspecto envolve também compreender as diferentes visões

de doença e saúde, vinculando-a à escala de valores daquela comunidade atendida, bem como

o referencial próprio de doença que cada sujeito constrói ao longo de sua história pessoal e

coletiva.

Outro aspecto relevante colocado pela pesquisa demonstra que os profissionais

participantes do estudo apresentavam dificuldades em reconhecer o seu paciente como sujeito

capaz de assumir a responsabilidade com o cuidado pela sua própria saúde. Portanto, não

procuravam desenvolver a autonomia e a participação do paciente no seu processo de adesão

21

ao tratamento e nas práticas de prevenção e promoção da saúde (CAPRARA, RODRIGUES,

MONTENEGRO, 2001; CAPRARA & RODRIGUES, 2004).

Em limites e propostas para clínica na atenção primária, Tesser (2006) reflete sobre o

saber biomédico profilático que vem se distanciando do saber existencial da pessoa, sujeito

doente, que não valoriza a possibilidade de crescimento, do conhecimento, ação de

responsabilidade em relação a si e de sua doença, o desenvolvimento da autonomia.

O objeto de estudo dessa pesquisa se refere ao autocuidado de pacientes com doenças

crônicas, principalmente diabetes e hipertensão arterial atendidos na Estratégia de Saúde da

Família de Fortaleza – Ceará.

Diante da problemática estudada, questionamos: As pessoas com doenças crônicas são

estimuladas a gerenciar seu autocuidado? Elas o assumem? A família as estimula ao

autocuidado? Como? A comunidade estimula-as a assumir seu autocuidado? De que maneira?

A Estratégia Saúde da Família desenvolve projetos pautados com práticas educativas junto a

esta clientela? Quais são eles e como funcionam? Tais projetos têm estimulado o autocuidado

em pessoas com doenças crônicas?

Acredita-se que os achados desta pesquisa possam melhorar o relacionamento entre

profissionais de saúde e a população, e, assim, contribuir para mudanças de concepção e

promoção de novas políticas de saúde. Espera-se que os resultados possam possibilitar a

reflexão sobre o processo de cuidado no sentido de promoção da saúde, favorecendo a criação

de espaços para educação em saúde, discussão e participação da comunidade, além da

contribuição para a implantação do Chronic Care Model (CCM) na Estratégia de Saúde da

Família.

A partir do conhecimento das reais necessidades da população, acredita-se que haverá

melhor qualidade no atendimento dos pacientes atendidos na Estratégia de Saúde da Família,

além da redução das complicações e óbitos causados por essas doenças.

Portanto, este estudo visa como Objetivo Geral, compreender o autocuidado a partir

das percepções dos usuários com doenças crônicas, inseridos no contexto familiar e

comunitário, em acompanhamento na Estratégia Saúde da Família. Em particular essa

pesquisa intenciona: conhecer como se dá o gerenciamento do autocuidado dos usuários com

doenças crônicas; analisar as percepções e prática do autocuidado entre usuários e seus

familiares; averiguar o relacionamento da comunidade com os usuários no que concerne à

22

autonomia no cuidado; verificar o desenvolvimento de práticas educativas na Estratégia Saúde

da Família junto a esta clientela e, por fim, propor ações de estímulo ao autocuidado dos

usuários com doenças crônicas.

Estes objetivos irão subsidiar a primeira fase de um projeto mais complexo, intitulado

“A Relação entre equipes de saúde da família e pacientes com doenças crônicas. Análise da

atenção e gestão integrada na atenção primária no município de Fortaleza, Ceará”.

A primeira fase do projeto é composta por uma análise situacional da atenção básica

aos pacientes crônicos, com o objetivo de compreender a experiência da relação entre equipes

de saúde e pacientes, com particular atenção ao paciente crônico, como expressão dos

vínculos construídos pelos profissionais de saúde com os pacientes suas famílias, e a

comunidade. Sua segunda fase será a implantação de um projeto piloto do Modelo de

Cuidados Crônicos (MCC) em Fortaleza no âmbito da atenção básica, mais especificamente

na Estratégia Saúde da Família.

23

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O referencial teórico apresentará temas relevantes como as doenças crônicas, a linha

do cuidado sob a perspectiva das doenças crônicas e, por fim, o autocuidado. Estes serão

fundamentais para a compreensão da pesquisa.

2.1 DOENÇAS CRÔNICAS NÃO INFECCIOSAS (DCNI)

A transição demográfica e epidemiológica, observada nos países desenvolvidos e em

desenvolvimento, tem proporcionado alterações nos quadro de morbimortalidade da

população, caracterizando um aumento significativo na incidência e surgimento de doenças

crônicas em faixas etárias cada vez mais jovens. Atualmente, as condições crônicas

representam 60% de todo ônus decorrente de doenças no mundo e estima-se que, em 2020,

80% das doenças nos países em desenvolvimento, originarão de problemas crônicos

(OMS,2003).

Anualmente, 35 milhões de pessoas morrem por condições crônicas, o que leva a

Organização Mundial de Saúde (OMS) a estabelecer metas para sua redução (WHO, 2005).

Em 2001, no Brasil, as DCNI foram responsáveis por 62% das mortes e 39% de todas

as hospitalizações registradas no Sistema Único de Saúde (ACHUTTI, AZAMBUJA, 2004).

Segundo Barros et al. (2006), 40% da população brasileira com 18 anos ou mais

apresentaram pelo menos uma condição crônica.

Trevena et al (2001), observou em seus estudos que diferente dos outros problemas de

saúde, os problemas crônicos afetam de maneira semelhante os diversos grupos sociais,

podendo variar apenas a sua gravidade, sendo maior nos socialmente excluídos.

As DCNI são caracterizadas por etiologia incerta, múltiplos fatores de risco, longos

períodos de latência, curso prolongado, de origem não infecciosa e estão associadas a

deficiências e incapacidades funcionais (WHO, 2005).

As doenças crônicas são a principal causa de incapacidade, representando a maior

demanda a serviços de saúde, respondendo por parte considerável dos gastos efetuados no

setor (ALMEIDA et al, 2002).

24

Tabela 1: Estimativa de gastos do Ministério da Saúde com DCNI

O DALY- Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade é um importante

indicador que mede o impacto das doenças não só do ponto de vista da mortalidade, mas

também considerando a incapacidade gerada por ela. Está formado por dois componentes:

YLD (Anos de Vida Vividos com incapacidade) e YLL (Anos de vida perdidos por morte

prematura). As DCNI foram responsáveis por 74,7% dos YLD e 59% dos YLL (SCHRAMM

et al, 2004).

A presença de um problema crônico de saúde, conhecida pelo diagnóstico médico ou

derivada da autopercepção do paciente, constitui um dos determinantes mais fortes para a

procura e utilização dos serviços de saúde (ALMEIDA et al, 2002).

As doenças crônicas podem se caracterizar de três formas distintas: a progressiva, a

constante e a reincidente ou episódica.

As de forma progressiva, como, por exemplo, o câncer, Alzheimer, diabete juvenil,

artrite reumatóide e enfisema, caracterizam-se pela ausência de intervalos ou períodos de

alívio dos sintomas, acarretando efeitos progressivos e severos, e nada pode ser feito para

impedi-los (ROLLAND, 1995).

Doenças crônicas caracterizadas como constantes são aquelas em que, tipicamente,

ocorre um evento inicial e depois o curso biológico se estabiliza. Incluem-se entre elas o

acidente vascular encefálico (AVE), o infarto do miocárdio de episódio único, o trauma

resultante de amputação e lesão de medula espinhal com paralisia (ROLLAND, 1995).

Nas doenças reincidentes ou episódicas, como colite ulcerativa, asma, úlcera péptica,

enxaquecas, estágios iniciais de esclerose múltipla, câncer em remissão e as doenças mentais,

25

a freqüência das crises afeta diretamente a vida familiar, levando-a à tensão pela contínua

incerteza de quando ocorrerá a próxima recidiva (ROLLAND, 1995).

As doenças crônicas constituem motivo de preocupação para os profissionais de saúde,

seja por seus aspectos limitantes, pelas conseqüências de seu tratamento, ainda que

ambulatorialmente, pelo desgaste e sofrimento da pessoa acometida, seja pelo fato de que,

grande parte dos recursos financeiros e humanos dos serviços públicos, em função da

demanda, priorize atividades de cunho curativo e de reabilitação, ao invés de ações

preventivas e de promoção da saúde (MARCON et al, 2005).

A doença crônica provoca mudanças, especialmente, na rotina e no planejamento de

atividades, aumentando as responsabilidades e exigindo habilidades de natureza médica,

social e emocional, de forma particular, nos casos de doenças incapacitantes, em que o doente

deixa de exercer suas atividades cotidianas. As crises recorrentes e a sobrecarga física,

emocional e financeira levam à convivência com incertezas e ao enfrentamento de dilemas

éticos, individuais, sociais e profissionais, além de onerosos e contínuos gastos, gerando

outras condições crônicas que passam a afetar toda a família (SMELTZER et al, 2005).

As principais características da condição crônica de saúde são: caráter permanente,

incapacidade residual, longa duração, dependência contínua de medicamentos, caráter

recorrente, além do fato de quase sempre ser incurável, irreversível e degenerativa. Os

eventos que contribuem para a eminência da condição crônica (antecedentes) mais

freqüentemente identificados na literatura são: herança genética, alto nível de estresse, causas

congênitas, estilo de vida não saudável, idade avançada, não aderência ao tratamento, fatores

ambientais psicossociais/econômicos, e culturais, acidentes e avanço tecnológico. Os

principais eventos conseqüentes à condição crônica de saúde são: modificações físicas, sociais

e psicológicas, mudanças no estilo de vida, incapacidade/inabilidade, necessidade de cuidados

com a saúde, de aderir a tratamento contínuo e de adaptação e enfrentamento, mudança na

imagem corporal e desgastes de sentimentos, estigma, depressão, desordens músculo-

esquelético, circulatórias, respiratórias e digestivas e dependência (FREITAS, 1999).

No contexto atual da assistência à saúde, as famílias têm assumido uma parcela

considerável de responsabilidade na prestação do cuidado à saúde de seus membros,

especialmente àqueles com problemas crônicos, arcando com a continuidade do cuidado até a

completa recuperação do familiar ou, quando esta não é possível, com a condição crônica da

doença e suas conseqüentes seqüelas (MARCON et al, 2005)

26

A existência de um conjunto de valores, crenças, conhecimentos e práticas constituem

o referencial cultural que guia as ações da família na promoção da saúde de seus membros, na

prevenção e no tratamento da doença. Este referencial é construído ao longo da vida familiar e

a partir das interações com as pessoas que lhes são significantes e também com os

profissionais de saúde. O referencial auxilia a família na compreensão e no enfrentamento das

diferentes situações de saúde e doença (ELSEN, 1984).

De acordo com o Sistema de Monitoramento de fatores de risco para doenças crônicas

não-transmissíveis (SIMTEL) foram considerados fatores de risco para DCNI: não consumo

em pelo menos cinco dias da semana de frutas, hortaliças cruas e cozidas; consumo habitual

de frango com a pele ou de carne com gordura; sedentarismo (ausência de atividade física no

lazer em pelo menos um dia da semana e ausência de esforço físico moderado ou intenso no

trabalho); consumo atual de tabaco; consumo de tabaco no passado; consumo excessivo de

bebidas alcoólicas (consumo diário de mais de uma dose diária para mulheres e de mais de

duas doses diárias para homens); auto-referência a excesso de peso ou a obesidade (Índice de

Massa Corporal > = 25 kg/m2 ou > = 30 Kg/m2, respectivamente); auto-referência a

diagnóstico médico de hipertensão e diabetes (CARVALHAES, MOURA, MONTEIRO,

2008).

O SIMTEL considera ainda, como fatores de proteção para DCNI: hábito de

consumir frutas, hortaliças cruas ou hortaliças cozidas em pelo menos 5 dias da semana, e

prática de atividade física no lazer por pelo menos 30 minutos diários, alternativamente, em

um ou mais dias da semana, três ou mais dias da semana ou cinco ou mais dias da semana

(CARVALHAES, MOURA, MONTEIRO, 2008).

Hoje, há evidências suficientes para se afirmar que é possível prevenir a maioria das

DCNI, bem como alterar o seu curso, melhorando o prognóstico e a qualidade de vida dos

indivíduos, por meio de ações para a prevenção dos principais fatores de risco para DCNI.

Atento a esses desafios, o Ministério da Saúde vem executando ações que visam à promoção

da saúde, prevenção e atenção às DCNI, buscando reduzir a prevalência dos principais fatores

de risco e, conseqüentemente, da morbimortalidade associada a essas doenças (BRASIL,

2006).

27

2.2 A LINHA DO CUIDADO SOB A PERSPECTIVA DE DOENÇAS CRÔNICAS

NÃO INFECCIOSAS

Nos primórdios da construção do SUS, nas décadas de 70 e 80, o modelo assistencial

organizou-se para a distribuição dos serviços de saúde. O debate se organizava em torno da

oferta e demanda por serviços, com um processo de trabalho que visava o conhecimento da

vigilância à saúde, instrumentalizada pela epidemiologia, e com pouca intervenção sobre as

práticas desenvolvidas no campo da clínica (MERHY, FRANCO, 2003).

A produção de serviços está associada aos processos e tecnologias de trabalho, ou seja,

obter resultados capazes de melhorar a situação de saúde do usuário, individual e coletivo, a

partir de certo modo de agir no sentido de ofertar certos produtos (MERHY, FRANCO,

2003).

Gonçalves (1994) traz ao campo de análise os conceitos de “tecnologias materiais”

para os instrumentos e “tecnologias não materiais” para o conhecimento técnico usado na

produção de saúde.

Além dos instrumentos e conhecimento técnico, existe outro espaço direcionado as

relações, que tem se verificado como fundamental para a produção do cuidado. Essas relações

podem ser sumárias e burocráticas tendo em sua natureza o saber médico hegemônico ou

podem se dar como relações interseçoras, estabelecidas no trabalho em ato, realizado no

cuidado a saúde. A estas, chamamos de tecnologias leves, pelo seu caráter relacional, que a

coloca como forma de agir entre sujeitos trabalhadores e usuários, individuais e coletivos,

implicados com a produção do cuidado. Identificamos como tecnologias duras, aquelas

inscritas nos instrumentos, uma vez que são estruturadas para elaborar certos produtos da

saúde, e ao conhecimento técnico uma parte dura (estruturada) e outra leve que diz respeito à

como o profissional aplica seu conhecimento para a produção do cuidado (MERHY,

FRANCO, 2003).

Merhy (1997) considera que é através das tecnologias leves que o encontro entre o

profissional de saúde e o usuário se dá, numa interação sempre singular num momento de

produção e consumo dos atos de saúde (trabalho vivo em ato). O “trabalho vivo” refere-se ao

trabalho em ato que se produz no momento de sua realização, diferenciando-se do “trabalho

morto” que são todos os produtos (ferramentas, matérias primas) conseqüência de um trabalho

humano anterior. A importância do trabalho vivo arraiga na possibilidade de permitir

28

processos instituintes capazes de provocar mudanças neste processo de trabalho.

Corriqueiramente, o trabalhador de saúde possui certa autonomia para a realização das ações

de saúde. Quando essa autonomia é limitada pelas tecnologias duras e leve-duras, se produz a

captura do trabalho vivo pelo trabalho morto, limitando-se deste modo seu potencial criativo.

Como exemplo, podemos citar o trabalho de um profissional de saúde, para atender à

necessidade do usuário, no cuidado à hipertensão arterial. Aqui o profissional pode ter duas

alternativas de projeto terapêutico:

1. Ele cuida do problema de saúde, utilizando quase exclusivamente dos exames e

medicamentos, e tem um processo de trabalho centrado no ato prescritivo.

2. Ele trabalha um projeto terapêutico mais relacional com o usuário, que mesmo

utilizando do instrumental (exames e medicamentos), reconhece que aquele usuário,

além de se apresentar com um problema de saúde, traz consigo certa origem social,

relações sociais e familiares, uma dada subjetividade que expressa sua história e,

portanto, este conjunto deve ser olhado. Aqui ele trabalha com a transferência de

conhecimentos para o autocuidado, formas diversas de intervir sobre sua

subjetividade, valorizando-o e aumentando sua auto-estima e assim de forma criativa o

projeto terapêutico deve ter o objetivo de realizar ganhos de autonomia para viver a

vida.

Historicamente, a formação do modelo assistencial para a saúde, esteve centrada nas

tecnologias duras e leve-duras, visto que, se deu a partir de interesses corporativos. Esse

modelo teve o fluxo voltado à consulta médica, onde o saber médico estrutura o trabalho de

outros profissionais, ficando a produção do cuidado dependente de tecnologias duras e leve-

duras (MERHY, FRANCO, 2003).

O modelo assistencial, deve ofertar todos os recursos tecnológicos aos cuidados dos

usuários e, mesmo que este, necessite para a sua assistência , de insumos de alta tecnologia, o

processo de trabalho pode ainda ter no seu núcleo de cuidado, a hegemonia do Trabalho Vivo,

desde que aquela seja a necessidade real do usuário e o acesso à mesma e sua utilização é

sustentada pelo encaminhamento seguro e trânsito tranqüilo em uma dada “linha do cuidado”

que garanta a integralidade da atenção, isto é, o seu “caminhar na rede assistencial”

acompanhado pelo profissional ou equipe com a qual formou seu vinculo, onde esta se

responsabiliza pelo encaminhamento do seu projeto terapêutico. É como se houvesse um

29

lastro de cuidado, sustentando todos os atos assistenciais ao usuário, o que pressupõe a

freqüente presença do Trabalho Vivo, a sustentar o princípio da integralidade da assistência e

a operação das linhas de cuidado (MERHY, FRANCO, 2003).

Faz-se necessária a Reestruturação produtiva da Saúde. Na ESF pode ser verificado o

processo de Reestruturação onde mudam a forma de produzir, sem, no entanto alterar o

processo de trabalho centrado nas tecnologias duras. Alguns aspectos como a formação da

equipe, o deslocamento do trabalho para o território, e o incentivo ao trabalho de vigilância à

saúde, dão idéias de que há mudanças no modo de produzir saúde. No entanto, a micro

política de organização do trabalho revela, especialmente na clínica, um núcleo de cuidado

que continua operando um processo centrado na lógica instrumental de produção da saúde

(MERHY, FRANCO, 2003).

A linha do cuidado é o desenho do itinerário que o usuário percorre dentro de uma

rede de saúde incluindo além dos sistemas de saúde, as entidades comunitárias e de

assistência social, uma vez que essas participam de alguma forma da rede. Ela não funciona

apenas com protocolos estabelecidos, mas também pela consideração de que os gestores

podem pactuar fluxos, reorganizando o processo de trabalho, facilitando o acesso dos usuários

às unidades de serviço (FRANCO, FRANCO, 2010).

Ela não funciona apenas com protocolos estabelecidos, mas também pela consideração

de que os gestores podem pactuar fluxos, reorganizando o processo de trabalho, facilitando o

acesso dos usuários às unidades de serviço.

A linha do cuidado deve ser integral, incorporando a idéia de unificar ações

preventivas, curativas e de reabilitação. Deve proporcionar o acesso ao usuário à todos os

níveis de atenção e recursos tecnológicos necessários, requerendo ainda uma opção de política

de saúde e boas práticas profissionais. O cuidado integral deve ser feito com base no ato

acolhedor do profissional de saúde, no estabelecimento de vínculo e na responsabilização

diante do seu problema de saúde, tornando-se pleno (MERHY, FRANCO, MAGALHÃES

JR, 2010).

A proposta pensada para vencer os desafios de ter uma assistência integral à saúde

começa pela reorganização dos processos de trabalho na rede básica e vai somando-se a todas

outras ações assistenciais. Cecílio e Merhy (2003) colocam que uma complexa trama de atos,

procedimentos, fluxos, rotinas, saberes, em um processo dialético de complementação, irão

30

compor o que entendemos como cuidado em saúde. A maior ou menor integralidade da

atenção recebida resulta, em boa medida, da forma como se articulam as práticas dos

trabalhadores.

Faz-se necessária a organização do processo de trabalho, trazendo à rotina dos

profissionais as diretrizes de acolhimento, vínculo e responsabilização. O que significa um

bom atendimento, uma escuta qualificada, um encaminhamento seguro, e isso só será possível

se a rede estiver operando com base na Linha do Cuidado (FRANCO, FRANCO, 2010).

A linha do cuidado integral funciona através do projeto terapêutico, uma vez que os

atos assistenciais são pensados para determinado problema de saúde do usuário, com base na

avaliação de risco. O risco não é apenas clínico, é também social, ambiental, econômico e

afetivo (MERHY, FRANCO, MAGALHÃES JR, 2010).

Para que a linha de cuidado funcione faz-se necessário um pacto entre gestores,

firmado sobre a compreensão de que os serviços de saúde devem funcionar centrados nos

usuários, o que irá garantir que o fluxo entre os diversos serviços funcionem de forma a

assegurar o acesso do usuário (FRANCO, FRANCO, 2010).

Em sua grande maioria, as práticas assistenciais permanecem as mesmas, estruturadas

por um processo de trabalho a partir da hierarquia, com atendimentos sumários e

trabalhadores confinados em sua pequena área do saber, demonstrando grande dificuldade de

interagir com sua equipe multiprofissional (FRANCO, 2007).

O que se tem observado são políticas educacionais com processo de gestão

excessivamente normativo. Iniciativas próprias, criatividade, na época da criação do SUS,

eram vistas como algo não esperado e não desejado. O não reconhecimento do saber gerado a

partir das vivências cotidianas é encontrado como senso comum entre trabalhadores. Isso nos

revela uma formação de sujeitos heterônomos submetidos a uma “pedagogia da dependência”

(FRANCO, 2007).

Para montar uma linha de cuidado integral é imprescindível o envolvimento de todos

que de alguma forma estão envolvidos com o cuidado em saúde. É necessário mapear as redes

de serviços de saúde, definir quais linhas de cuidado serão montadas, realizar as oficinas de

trabalho com todos aqueles envolvidos no segmento do cuidado e dentro das oficinas produzir

pactos, definir fluxos e mapear todas as possibilidades de acesso ao serviço (MERHY,

FRANCO, MAGALHÃES JR, 2010).

31

A gestão da linha do cuidado deve estar atenta aos processos instituintes e as

mudanças no processo de trabalho que podem surgir a partir dos fluxos planejados. Liberdade

e criatividade são a maior fonte de enriquecimento e aperfeiçoamento das Linhas de Cuidado

Integral (FRANCO, FRANCO, 2010).

Os gestores do SUS convivem com a pressão de uma grande demanda por recursos

assistenciais, à qual não consegue responder, o que gera longas filas de espera para alguns

procedimentos (FRANCO, FRANCO, 2010).

Para garantir a integralidade é necessário operar mudanças na produção do cuidado a

partir da rede básica, secundária, atenção à urgência, e a todos os outros níveis assistenciais

incluindo a atenção hospitalar (MERHY, FRANCO, MAGALHÃES JR, 2010).

A linha do cuidado integral organizada funciona com base nas necessidades dos

usuários, e não mais nas ofertas dos serviços.

Para a mudança dos serviços de saúde, surge a necessidade de mudarmos o processo

de trabalho no sentido de colocá-lo operando centrada no usuário e suas necessidades. Para

que o serviço seja produto de cuidado, um processo de trabalho centrado nas tecnologias leves

(tecnologia das relações) e leve-duras (conhecimento teórico) é imprescindível (MALTA,

MERHY, 2010).

A organização do trabalho requer que se pense no seguinte: 1. O conhecimento do ato

de cuidado, ou seja, os saberes técnicos estruturados como o da clínica são fundamentais. 2. O

correto uso dos instrumentos e protocolos, sem deixar que o trabalho fique amarrado e

engessado no que diz estas diretrizes, mas procurem nos protocolos uma referência e apoio

para o trabalho cotidiano. 3. O ato de cuidar como campo solidário, humanizado de relações,

onde acontecem fluxos de afetos entre trabalhador e usuário, que faz com que este se sinta

protegido pelos atos assistenciais (FRANCO, FRANCO, 2010).

O processo de trabalho, se desenvolvido de forma interativa entre os diversos

profissionais, formando no espaço do trabalho em ato, a interação de saberes e práticas, pode

servir de elemento integrador entre os diversos processos produtores de saúde, existentes no

interior de cada Unidade Produtiva da Unidade Básica de Saúde (MALTA, MERHY, 2010).

Projetos terapêuticos e Unidades de Produção estão intimamente ligados. O primeiro,

enquanto uma instância idealizada tem como estruturante de si mesmo o conhecimento de

32

modo geral, seja ele o conhecimento técnico estruturado, ou aquele obtido através das

experiências de vida e de trabalho. Já os atos assistenciais, são estruturados pela ação do

trabalho, através do qual, aqueles ganham concretude assumindo a configuração de produtos,

incorporando “valor-de-uso” (GONÇALVES, 1994).

O usuário é elemento estruturante de todo processo de produção de saúde, quebrando

com um tradicional modo de intervir, sobre o campo das necessidades, de forma

compartimentada (FRANCO, FRANCO, 2010).

A equipe de ESF tem responsabilidades sobre o cuidado, é quem deve acompanhar o

usuário, garantindo acesso a outros níveis de assistência, para que o vínculo continue com a

equipe básica, que tem a missão de dar continuidade aos cuidados do usuário (FRANCO,

FRANCO, 2010).

A ação coletiva de trabalhadores, em uma nova forma de produção de cuidado, cria

um novo modo de significar o mundo na saúde. O trabalhador produz a si mesmo como

sujeito ao mesmo tempo em que produzem o cuidado (FRANCO, 2007).

A noção de cuidado na proporção de sua preocupação com a promoção do bem-estar,

para além da correção de distúrbios, pode carrear, para a assistência, as mais legítimas

aspirações por saúde de indivíduos e populações (AYRES, 2000).

O esforço pedagógico atual tem como objetivo a produção de sujeitos capaz de

protagonizar mudanças no serviço de saúde, quer sejam no nível organizacional, quer sejam

nas formas de acolher e responsabilizar-se pelo usuário (FRANCO, 2007).

O trabalhador de saúde opera com um ser dotado de plena capacidade técnica de

intervir sobre os problemas de saúde, mas também em uma dimensão subjetiva de ser para si e

o outro, conferindo alteridade nos atos do cuidado, onde o outro está sempre presente como

sujeito na ação de produzir o cuidado (FRANCO, 2007).

A escolha da linha do cuidado nas DCNI é justificada pelos seguintes fatores: por sua

crescente morbimortalidade; pela dimensão destas doenças; pelos custos que agrega e por

gerar eventos contínuos e que, com freqüência, se agudizam, especialmente quando não bem

cuidados, podendo ser um tema analisador das situações de fragmentação da linha do cuidado

(MALTA, MERHY, 2010).

33

Do ponto de vista da vigilância é necessária a sua organização, agregando informações

sobre as necessidades da população, visando definir vulnerabilidades e riscos, e melhor

ajustar as estratégias de intervenção, alimentar a caixa de ferramentas dos cuidadores, para

terem opções diante dos processos do cuidado com que irão se defrontar, mas sem estabelecer

receitas. Nesse sentido, o uso ou não de certas opções só se adéqua ao trabalho vivo, em ato;

inclusive por considerar que nesse lugar está em aberto o inventar, o atuar fora das próprias

ferramentas, com outros recursos que não precisam estar dados a priori. Uma das questões

que devemos considerar é o fracasso intenso que as propostas de cuidado formatadas têm tido

junto a pessoas portadoras de diabetes e hipertensão, entre outras, por não conseguirem chegar

ao singular de cada um, por imporem olhares e fazeres que não têm nada a ver com o usuário

real que está ali no trabalho de saúde que está se processando (MALTA, MERHY, 2010).

Um ponto importante a se atenuar nas respostas aos portadores de DCNI consiste na

melhoria dos serviços de saúde. Nesta dimensão, está a importância de se integrarem os

diversos níveis de atenção do sistema de saúde, onde acesso e resolutividade são palavras-

chave e onde ganham espaço as linhas do cuidado (MALTA, MERHY, 2010).

Uma forma de organizar o processo de atenção é pensar e planejar intervenções nos

chamados grupos de risco, onde a atenção se volta para grupos populacionais, gerando ações

mais efetivas (CECÍLIO, MERHY, 2003).

Não podemos esquecer de colocar os próprios protocolos em análise, pois os mesmos,

por serem construídos muitas vezes por consenso científico, estão aí como ferramentas, e não

como receitas. O que interessa neles é que o cuidador possa perguntar que tipo de problema

eles tentam resolver e refletir se as soluções propostas se adéquam às realidades. Ou seja,

transformar cada protocolo em uma ferramenta, e não em uma doutrina, é chave para o

manejo das relações intercessoras que produzem o cuidado (MALTA, MERHY, 2010).

2.3 AUTOCUIDADO

A estratégia do autocuidado fundamenta-se na concepção do homem como um ser

capaz de refletir sobre si mesmo e seus ambientes, simbolizar aquilo que experimenta,

desenvolver e manter a motivação essencial para cuidar de si mesmo e de seus familiares

dependentes. O autocuidado implica na execução de ações dirigidas pela e para a própria

pessoa ou em direção ao ambiente com a finalidade de atender às necessidades próprias

identificadas, de maneira a contribuir para a manutenção da vida, saúde e bem-estar. As

34

práticas de autocuidado podem ser desempenhadas, ainda, para familiares ou outros

indivíduos dependentes (BUB et al, 2006).

Estima-se que 65 a 85% de todo o cuidado em saúde nos EUA seja provido pelo

próprio indivíduo ou familiares, abrangendo atividades relacionadas com promoção de saúde,

prevenção e tratamento de doenças, administração de doenças crônicas e reabilitação (OMS,

2003).

Pode-se caracterizar brevemente essa “cultura de si” pelo fato de que a arte da

existência se encontra dominada pelo princípio segundo o qual é preciso “ter cuidado

consigo”; é esse princípio do cuidado de si que fundamenta sua necessidade, comanda o seu

desenvolvimento e organiza sua prática. A idéia segundo a qual se deve aplicar-se a si

próprio, ocupar-se consigo mesmo é, de fato, um tema bem antigo na cultura grega

(FOUCALT, 1985).

De acordo com Sócrates, é preciso entender que o princípio do cuidado de si adquiriu

um alcance bastante geral: o preceito, segundo o qual, convém ocupar-se consigo mesmo é

em todo o caso um imperativo que circula entre inúmeras doutrinas; ele também tomou a

forma de uma atitude, uma maneira de comportar-se, impregnou formas de viver;

desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas,

desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constituiu assim uma prática social, dando lugar

a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele

proporcionou enfim, um certo modo de conhecimento e elaboração de um saber.

O desenvolvimento do cuidado de si requer tempo. É um dos grandes problemas dessa

cultura de si, fixar no decorrer do dia ou da vida, a parte que convém consagrar-lhe. Podem-se

reservar alguns momentos de recolhimento para o exame daquilo que se fez para a

memorização de certos princípios úteis, para o exame do dia transcorrido. Pode-se também

interromper de tempos em tempos as próprias atividades ordinárias e fazer um desses retiros

que Mosonius, dentre outros, recomendava vivamente: eles permitem ficar face a face consigo

mesmo, recolher o próprio passado, colocar diante de si o conjunto da vida transcorrida,

familiarizar-se, através da leitura, com os preceitos e os exemplos nos quais se quer inspirar e

encontrar os princípios essenciais de uma conduta racional (FOUCALT, 1985).

Esse tempo não é vazio. Ele é povoado por exercícios, tarefas práticas, atividades

diversas. Existem os cuidados com o corpo, os regimes de saúde, os exercícios físicos sem

35

excesso, a satisfação, tão medida quanto possível das necessidades. Existem, ainda, as

meditações, as leituras, as anotações que se toma sobre livros ou conversas ouvidas, e que

mais tarde serão relidas, a rememoração das verdades que já se sabe, mas de que convém

apropriar-se ainda melhor.

O cuidado de si está em correlação estreita com o pensamento e a prática médica. Na

cultura de si, o aumento do cuidado médico foi claramente traduzido por uma certa forma, ao

mesmo tempo particular e intensa, de atenção com o corpo. Essa atenção diferencia-se

daquela época de valorização do vigor físico, onde a ginástica, o treinamento esportivo e

militar fazia parte integrante da formação de um homem livre. O corpo com o qual o adulto

tem que ocupar-se quando cuida dele mesmo, não é mais o corpo jovem que se tratava de

formar pela ginástica; é um corpo frágil, ameaçado, minado de pequenas misérias e que, em

troca, ameaça a alma menos por suas exigências demasiado vigorosas do que por suas

próprias fraquezas (FOUCALT, 1985).

A prática de si implica que o sujeito se constitua em face de si próprio, não como um

simples indivíduo imperfeito, ignorante e que tem necessidade de ser corrigido, formado e

instruído, mas sim como indivíduo que sofre de certos males e que deve fazê-los cuidar, seja

por si mesmo, ou por alguém que para isso tem competência.

O cuidado de si aparece intrinsecamente ligado a um serviço de alma que comporta a

possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas

(BUB et al, 2006).

O conhecimento de si é uma prática, ao mesmo tempo pessoal e social onde o

conhecimento de si ocupa evidentemente um lugar considerável. Toda a arte do conhecimento

de si foi desenvolvida com receitas precisas, com formas específicas de exame e exercícios

codificados como: procedimentos de provação e renúncia; exame de consciência. (BUB et

AL, 2006).

As práticas do cuidado de si têm como objetivo comum o da conversão a si a partir do

princípio do bem, que deve ser procurado no próprio sujeito (FOUCALT, 2002).

O cuidado de si mesmo se opõe a qualquer tipo de sujeição, sendo esse cuidado “[...]

uma análise daquilo que aceitamos, rejeitamos, daquilo que queremos mudar em nós mesmos

e em nossa atualidade” (FOUCALT, 2004 p. 638).

36

O sujeito de “cuidado de si mesmo” deve tornar-se sujeito da verdade. É a partir dessa

noção de sujeito, como alguém que exerce uma técnica de cuidado de si, que se opõe a

qualquer tipo de sujeição, que a noção de cuidado de si tem sido tratada (BUB et al, 2006).

As ações de autocuidado são voluntárias e intencionais, envolvem a tomada de

decisões, e têm o propósito de contribuir de forma específica para a integridade estrutural, o

funcionamento e o desenvolvimento humano. São afetadas por fatores básicos, tais como:

idade, sexo, estado de desenvolvimento e saúde, orientação sócio-cultural, fatores do sistema

de atendimento à saúde, fatores familiares, padrões de vida e disponibilidade de recursos

(OREM, 1991).

As ações do autocuidado têm certos propósitos a serem alcançados, os quais foram

classificados em requisitos universais, de desenvolvimento e de desvio de saúde. A

manutenção de um suprimento suficiente de água, ar e alimentos; provisão de cuidado com os

processos de eliminação, manutenção do equilíbrio entre atividade e repouso, entre outros são

os requisitos universais comum a todos os seres humanos. Os requisitos no desvio de saúde

são exigidos em condições de doença, lesão ou como conseqüência de medidas médicas para

diagnosticar ou corrigir uma condição (BUB et al, 2006).

Para que o autocuidado se torne eficaz e seguro e não somente acessível e econômico

salienta-se a importância do contínuo desenvolvimento da competência do indivíduo e

comunidade para o autocuidado. Considera-se, portanto, o autocuidado como ingrediente

essencial no cuidado à saúde, a ser complementado por recursos técnicos e profissionais

(BUB et al, 2006).

O desenvolvimento da competência para o autocuidado torna-se particularmente

importante junto à população com doenças crônicas, uma vez que as necessidades de saúde

sofrem contínuas modificações, especialmente ao longo do processo de envelhecimento,

requerendo práticas sempre renovadas de cuidados à saúde (OREM, 1991).

Por vezes o doente necessita da assistência de terceiros para a prática de suas

atividades, relacionadas, em grande parte, à sua saúde e bem-estar. Para que estas atividades

configurem-se em práticas de autocuidado deve haver a participação ativa, responsável e

eficaz do indivíduo e, sempre que possível, a assistência de terceiros deve ser por ele

administrada assegurando-se, desta forma, sua autonomia e integração ao seu meio (OREM,

1991).

37

A incapacidade da pessoa de cuidar dela própria para atingir saúde e/ou bem estar é o

postulado principal da Teoria do Déficit de Autocuidado. Esse déficit ocorre quando há um

desequilíbrio entre a capacidade para o autocuidado e a demanda terapêutica de autocuidado

(CADE, 2001).

A capacidade para o autocuidado refere-se à habilidade do indivíduo em enganar-se ou

não no autocuidado e a demanda terapêutica de autocuidado, por sua vez, são os fatores que

devem ser trabalhados, controlados e modificados no indivíduo por afetarem o funcionamento

do organismo e seu desenvolvimento humano (CADE, 2001).

O autocuidado torna o indivíduo parceiro ativo e co-responsável no processo de

atenção a sua saúde.

A educação para o autocuidado é um processo dinâmico que depende da vontade do

paciente e sua percepção sobre a condição clínica. Nela, os pacientes julgam se a ação de

autocuidado é benéfica para eles, e esse julgamento ocorre de acordo com as orientações

internas e externas, que, por sua vez, são moldadas pela cultura que os indivíduos vivem

(CADE, 2001).

Cuidar de indivíduos hipertensos e diabéticos vai muito além de reduzir os níveis

pressóricos/taxas de glicose, é também reduzir o risco de doença cardiovascular, é envolvê-lo

no controle da obesidade, do sedentarismo, das dislipidemias, no abandono do tabagismo e da

ingestão excessiva de bebidas alcoólicas. Deve-se oportunizar possibilidades para aprender

sobre questões relativas à doença, dieta, realização de exercícios, atividades de relaxamento,

além de gerenciar o estresse do dia a dia. Essas são informações necessárias para os pacientes

exercerem o autocuidado. Para que o cuidado flua é necessário que o paciente conheça sobre

sua patologia (BASTOS, BORENSTEIN, 2004).

A gestão do autocuidado envolve colaborativamente ajudar que pacientes e suas

famílias adquiram as competências e confiança para gerir sua própria doença crônica,

fornecendo ferramenta de auto-gestão (por exemplo: manguito de pressão arterial,

glicosímetros, balanças, dietas e referência para os recursos da comunidade) e possibilitando

ao paciente a avaliação de problemas em sua doença (BODENHEIMER et al 2002).

O elemento chave para o cuidado integral consiste em fortalecer a capacidade de o

usuário cuidar de si, o que vai muito além de um simples autocuidado protocolado dos

portadores de DCNI, devendo estimular seu emponderamento, suas escolhas, suas opções. A

38

autonomia do paciente é fundamental para fortalecer suas escolhas responsáveis, a sua

qualidade de vida. Por isso, deve-se revisar estratégias de trabalho de grupo e de educação em

saúde que vêm sistematicamente povoando nossas redes de saúde, que utilizam métodos

ultrapassados, que pouco contribuem para esses processos (MALTA, MERHY, 2010).

É fundamental ganhar a implicação do usuário nas apostas de prevenção, controle e

recuperação, para a obtenção de melhores resultados. Deve-se assegurar o acompanhamento

regular e a participação do paciente. A DCNI é de longa duração e esta nova realidade nem

sempre está clara para o paciente, sendo momento de tensão, angústia e contradições. Nem

sempre está claro viver com o novo estado, o lidar com a doença, limitações e medos

decorrentes (MALTA, MERHY, 2010).

Em contrapartida, também os profissionais de saúde não têm claro as limitações de

cada sujeito, e nem sempre os mesmos possuem formação para promover a ampliação de

autonomia dos sujeitos, buscando a ampliação de suas habilidades para a autogestão das

doenças crônicas. Torna-se necessário investir nos cuidadores para que incentivem

abordagens compreensíveis e adaptadas à cultura do usuário, suas singularidades, limites,

fortalezas e fraquezas (TAPLIN, 1998).

O cuidador é aquele que presta cuidados ao paciente, tendo ou não vínculo familiar.

Existem dois tipos de cuidadores: o formal e o informal . O cuidador formal é um profissional

preparado em uma instituição de ensino para prestar cuidados no domicílio, segundo as

necessidades específicas do paciente. O cuidador informal, no entanto, é um membro da

família ou da comunidade, que presta cuidado de forma parcial ou integral aos doentes com

déficit de autocuidado. Tal indivíduo deve ser alfabetizado e possuir noções básicas sobre o

cuidado. São indivíduos que terão a função de auxiliar e ou realizar a atenção adequada às

pessoas que apresentam limitações para as atividades básicas e instrumentais da vida diária,

estimulando a independência e respeitando a autonomia destas (BRASIL, 1999; REJANE,

CARLETTE, 1996).

Faz-se necessário, mapear redes sociais de apoio existentes na comunidade, na família,

que possam fortalecer os processos cuidadores. Estimular redes de solidariedade, trocas,

apoios integrados. Além disso, o cuidador deve se disponibilizar para apoiar o processo de

travessia, mostrando-se aberto e disponível para o usuário, à medida que ocorram

necessidades e demandas. O que exige mudanças substanciais no modo de se construírem as

redes do cuidado (FRANCO, 2006).

39

2.4 MODELO DE CUIDADO DE DOENÇAS CRÔNICAS (MCC)

O modelo de gestão que hoje se apresenta como mais apropriado para o cuidado de

doenças crônicas, por ter sido validado e estar sendo utilizado em mais de dez países, é o

Modelo de Cuidado de Doenças Crônicas (MCC) desenvolvido por Wagner e colaboradores

no MacColl Institute for Health Inovation de Seatle, EUA. Esse modelo identifica como

elementos essenciais de um sistema de saúde, para incentivar a alta qualidade do cuidado: a

comunidade, a organização do sistema de saúde; o apoio ao autocuidado; o desenho da linha

de cuidado para a gestão integrada, o apoio à decisão clínica e o sistema de informação clínica

(WAGNER, 1998; OMS, 2003).

O MCC faz uma abordagem organizacional da gestão integral de pessoas com doenças

crônicas e avalia-se que poderá ser utilizado em municípios brasileiros para a implementação

de atividades de estruturação, capacitação e avaliação de linhas de cuidado. Por este motivo se

propôs como modelo a ser desenvolvido no projeto em Diadema, que contará com o apoio e a

cooperação técnica da OPAS e do Ministério da Saúde, que estarão colaborando tecnicamente

nas suas etapas de implementação (OPAS, 2010).

O Modelo de Atenção às Doenças Crônicas chama a atenção para as necessidades de

mudanças e adaptações no sistema de saúde para atender adequadamente às pessoas com

doenças crônicas. Criado para o atendimento pontual ou de urgência, típico das doenças

transmissíveis agudas, os sistemas de saúde precisam mudar seu modelo de atenção para

alcançar pacientes mais ativos e informados e uma equipe multiprofissional preparada e

comprometida com a atenção e os resultados funcionais e clínicos obtidos.

O MCC organiza-se por seis componentes: os recursos da comunidade; as

organizações de saúde; o suporte ao autocuidado; a organização da linha do cuidado; o

suporte para tomada de decisões e os sistemas de informação (BODENHEIMER et al, 2002).

Recursos e Políticas da Comunidade

O modelo sugere que haja articulação entre os serviços de saúde e os recursos

comunitários, na perspectiva de melhorar o cuidado a estes pacientes e de preferência no seu

território, que a população possa participar do seu cuidado (SOUSA, 2007).

Vínculos comunitários, por exemplo, com hospitais que promovem aulas de educação

ou agências de assistência domiciliar oferecendo cuidados especializados, proposta que vem

40

sendo útil para o profissional de saúde de pequenos consultórios, com recursos limitados. A

proposta da educação popular vem a potencializar os recursos comunitários, visto que atua a

partir da identidade cultura da população (DANTAS,PEREIRA,GOMES,2008).

Organização da Atenção à Saúde

Em uma perspectiva de organização da saúde tanto para diminuírem gastos, mas

também para aperfeiçoar os prestadores, este eixo do modelo vem sendo desenvolvido, e

aponta a necessidade de se rever às metas organizacionais da assistência. É preciso qualidade

da assistência crônica, em todos os aspectos que envolvem esta organização, quando não há

integração e qualificação de resultados, as melhorias são difíceis de sustentar.

A Estratégia Saúde da Família é um pilar do modelo de atenção vigente no Brasil que

propõe a integralidade como um dos princípios que orientam a atenção e tem a promoção,

prevenção, cura e reabilitação como norteadores da prática, incluídos no conceito amplo de

promoção de saúde. Seu foco de atenção está no indivíduo, na família e no coletivo

(DUNCAN; SCHMIDT; GIUGLIANI, 2004).

Apoio para Autocuidado

De acordo com o CCM, manter os pacientes informados e proporcionar-lhes um

válido suporte ao autocuidado é um processo de fundamental importância para alcançar

melhor estado de saúde que, no caso dos doentes crônicos, pode ser mantido em ausência de

cuidados médicos contínuos (MARCECA; CICCARELLI, 2007).

O Cuidado de si se refere à prática de atividades, iniciadas e executadas pelos

indivíduos, em seu próprio benefício para a manutenção da vida, saúde e bem estar

(LEOPARDI, 2006).

O ato de ensinar condutas para subsidiar o cuidado e o apoio aos usuários na

realização destas condutas promovem uma relação mais próxima entre profissional e cliente,

facilitando o reconhecimento da realidade destes indivíduos, além de favorecer o controle de

sua condição de saúde e prevenir complicações (LOPES et al, 2008).

Desenho da linha do Cuidado

A linha de cuidado é uma forma de organizar a produção de saúde, neste sentido,

41

a linha do cuidado (LC) passa a ser desenhada, articulando em todos os espaços de

intervenção a atenção necessária, associada a tecnologias, instrumentos que estabeleçam o

fluxo, as funções e tarefas, de maneira que o paciente receba e participe da melhor atenção a

sua saúde. Os profissionais de saúde devem ter acesso às informações atualizadas e

necessárias sobre o cuidado dos pacientes, também podem contribuir para estruturar as redes

de forma integrada, garantindo, assim, uma atenção de qualidade.

Apoio a decisões

As diretrizes baseadas em evidencias são guias para auxiliarem a prática clínica, estas

otimizam a tomada de decisão de forma criteriosa, por meio de conhecimento especializado,

estudos apontam que profissionais capacitados são mais resolutivos (BODENHEIMER et al

2002).

Existe uma produção de Cadernos de Atenção Básica, sob a organização do Ministério

da Saúde sobre diabetes e hipertensão arterial clínica, que estão disponibilizados como guias,

para acompanhamento dos pacientes na Atenção Primária, que abordam os temas nos seus

aspectos gerais, monitoramento e papéis de cada membro da equipe e que poderiam ser

adaptados para dar conta das especificidades dos contextos que os profissionais da Estratégia

Saúde da Família estão inseridos (BRASIL, 2010a).

Sistema de informação clínica

As informações sobre a prática e o atendimento realizado devem ser registradas em

um prontuário específico. Os profissionais devem seguir um guideline, para confirmar

diagnóstico, propor tratamento, solicitar exames complementares e oferecer seguimento. Por

outro lado, também há necessidade de registro de planejamento e avaliação das ações

realizadas pelas equipes de saúde da família. Na proposta do CCM há registros de todos os

pacientes, idade, sexo e outras características gerais, assim como, consultas, agendamento,

exames realizados e datas, previsão de nova solicitação de exames, os quais ainda contribuem

para acompanhamento destes pacientes quando há alterações nos exames ou quando estes

faltam à consulta (BODENHEIMER et al 2002).

O Ministério da Saúde monitora as ações de diabetes e hipertensão arterial na Atenção

Básica por meio do Sistema de Informação da Atenção Básica-SIAB e do Sistema de Gestão

Clínica de Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus na Atenção Primária- SISHIPERDIA.

42

Este sistema propõe ainda o acompanhamento, a garantia do recebimento dos

medicamentos prescritos, o perfil epidemiológico desta população, e o conseqüente

desencadeamento de estratégias de saúde pública que levarão à modificação do quadro atual,

à melhoria da qualidade de vida dessas pessoas e à redução do custo social (BRASIL, 2010).

Para que o CCM possa funcionar de maneira adequada, é necessário que seus

componentes estejam em perfeita harmonia.

A proposta da OMS para o Modelo de Cuidados Inovadores para doenças crônicas tem

como justificativa o aumento assustador em todas as classes sociais e regiões, sendo maior

nos países em desenvolvimento, gerando alto custo e interferindo significativamente na

redução da qualidade de vida das pessoas. Por outro lado, surgem basicamente no nível de

atenção primária e devem ser tratadas principalmente nesse âmbito (OMS, 2003).

Este modelo compreende elementos fundamentais no nível micro, o paciente, no nível

meso, a organização de serviços e a comunidade, e no nível macro, a política; definidos como

componentes estruturais. Sua análise pode contribuir para a elaboração de estratégias de

controle e qualificação do cuidado, no redesenho de um sistema capaz de gerir com mais

eficiência os problemas de saúde de longo-prazo (OMS, 2003).

Estes níveis estão interligados, onde a saúde da população responde ao sistema de

saúde do qual recebem cuidados; as organizações de saúde, e as comunidades respondem às

políticas que, por sua vez, influenciam os pacientes. De tal forma, que vão se retro-

alimentando em um círculo vicioso (OMS, 2003).

Estas ações propostas pelos modelos crônicos são estratégias de inovação e

ressignificação dos processos de trabalho, podendo servir de instrumentos de gestão que

buscam alcançar a efetividade e qualidade das ações para superação das necessidades da

população, ao mesmo tempo, que redefine as responsabilidades no campo coletivo.

43

3 METODOLOGIA

3.1 TIPO DE ESTUDO

O presente estudo foi de natureza qualitativa, do tipo exploratório e descritivo. De

acordo com Piovesan e Temporini (1995) a pesquisa exploratória tem por objetivo conhecer a

variável de estudo tal como se apresenta, seu significado e o contexto onde ela se insere.

Escolhemos a natureza qualitativa uma vez que “se aplica ao estudo da história,

das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das

interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a

si mesmos, sentem e pensam” (MINAYO, 2008; p.57).

A pesquisa qualitativa é fundamentalmente interpretativa, permitindo ao

pesquisador fazer uma interpretação dos dados ou tirar conclusões sobre seu significado, além

de ver os fenômenos sociais holisticamente (CRESWELL, 2007).

3.2 O CAMPO DO ESTUDO

Foi selecionado, um Centro de Saúde da Família (CSF), em três Secretarias Executivas

Regionais - SER (II, IV,V,). Pelo que se refere aos critérios utilizados para definir as

Regionais estudadas podemos enfatizar que a Regional II foi escolhida por ser um centro de

referência, enquanto que a IV e a V são campos de prática da Universidade Estadual do

Ceará, e a Regional V, em particular, é uma das regionais mais pobres e problemáticas da

cidade. Entre os critérios que foram considerados para escolher os CSF, podemos destacar os

seguintes: 1) ter uma equipe mínima completa de Saúde da Família1; 2) possuir um Núcleo de

Apoio à Saúde da Família (NASF).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dados

de 2007, Fortaleza apresentava-se com 2.431.215 habitantes (BRASIL, 2007). Devido a

questões administrativas, Fortaleza foi dividida em seis Secretarias Executivas Regionais

(SER) (PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE DE FORTALEZA, 2008). A SER I, está

localizada na região Noroeste da cidade de Fortaleza, tem uma população de 358.374, e um

total de 100.044 domicílios. A SER II, está localizado na região Norte da cidade, tem uma

população de 328.565, e é constituído de 75.056 domicílios. A SER III localiza-se no lado

1 Equipe Mínima: Médico(a), Enfermeiro(a), 6-12 Agente Comunitário de Saúde, Auxiliar de Enfermagem

44

Oeste da cidade de Fortaleza, apresenta uma população heterogênea de 358.776 habitantes e

com 101.173 domicílios. A SER IV localiza-se na região mais central de Fortaleza, apresenta

uma população homogênea de 273.764 habitantes e com 77.749 domicílios. A SER V

localiza-se na região Sudoeste da cidade e é formado por uma população cujo perfil sócio-

sanitário e econômico é um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano de

Fortaleza. Apresenta uma população de 477.160 habitantes e com 131.960 domicílios. A SER

VI localiza-se na região Sul da cidade e é formada por uma população de 459.506 habitantes e

com 136.956 domicílios.

Fig.1: Divisão das Regionais de Fortaleza

Fonte: Relatório de gestão de Fortaleza, 2007

As equipes de saúde da família estão em exercício nos Centros de Saúde da

Família (CSF) destas SER, conforme apresentada no quadro a seguir:

45

Secretaria Regional Executiva Número de CSF

Secretaria Regional Executiva I 12

Secretaria Regional Executiva II 12

Secretaria Regional Executiva III 16

Secretaria Regional Executiva IV 12

Secretaria Regional Executiva V 20

Secretaria Regional Executiva VI 20

Total 92

Quadro 2 – Distribuição dos Centros de Saúde da Família de acordo com a Secretaria

Executiva Regional. Fonte: Secretaria de Saúde de Fortaleza, 2011.

Cada Secretaria Executiva Regional (SER) é organizada por um secretário de saúde da

regional, um chefe de distrito da saúde e um coordenadora da Célula da Atenção Básica. O

número de Centros de Saúde da Família diferencia de um para outro.

3.3 SUJEITOS DA PESQUISA

Foram selecionados para a realização de entrevistas abertas, dez usuários com diabetes

e/ou hipertensão atendidos na Estratégia Saúde da Família em cada um dos CSF

estabelecidos, totalizando trinta usuários.

3.4 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Os dados qualitativos foram coletados em entrevistas abertas e observação sistemática.

Foram realizadas entrevistas abertas e aprofundadas com os pacientes com hipertensão arterial

e/ou diabetes, atendidos pelas ESF em estudo (APÊNDICE A). Por meio desta técnica

buscamos apreender a percepção dos atores sociais participantes da pesquisa, possibilitando o

aprofundamento de questões relacionadas à organização dos Centros de Saúde da Família,

intervenções realizadas no território do saúde da família, e para o conhecimento dos recursos ao

autocuidado dos pacientes com doenças crônicas (MINAYO, 2008).

46

Os pacientes foram escolhidos de forma intencional pela equipe de pesquisa , de forma

que pudéssemos compreender a atenção e gestão do cuidado nos diversos espaços. Convidamos

à participar das entrevistas pacientes que freqüentam o CSF, que participam de grupo de

educação em saúde desenvolvida pela equipe (quando havia) ou outra atividade educativa na

comunidade e que sejam assistidos em visita domiciliar. Aplicamos estas entrevistas com

pacientes de cada um dos CSF das três regionais em estudo.

Utilizamos, ainda, a observação sistemática nos grupos de educação em saúde

realizados pelos profissionais de saúde da família e na visita domiciliar. Essa observação

permitiu captar informações que foram complementares às entrevistas. Percorremos os

espaços de produção de saúde (CSF, comunidade e domicílios) de forma a atingirmos os

objetivos da pesquisa. Esta técnica segundo Minayo (2008) possibilita ao pesquisador uma

compreensão mais fiel da realidade, pois acontece no contexto real onde se dá o problema

(APÊNDICE B e C).

3.5 ANÁLISE DOS DADOS

Os dados qualitativos (entrevistas abertas, diário de campo e observação participante)

foram analisados nessa pesquisa adotando como ferramenta para organização e análise dos

dados o software Qualitative Solutions Research Nvivo (QSR) que é um software elaborado

para a análise qualitativa de dados. Este programa foi desenvolvido pela Universidade de La

Trobe, Melbourne, Austrália, e se fundamenta no princípio da codificação e armazenamento

de textos em categorias específicas (FERREIRA E MACHADO, 1999). Este software ajuda

na administração e síntese das idéias dos pesquisadores e fornece a possibilidade de

acrescentar, modificar, ligar e cruzar dados originados de documentos textuais.

Deste modo, alguns procedimentos foram adotados. Inicialmente todos os dados

foram transcritos para o software na forma de documentos com a extensão *.rtf (rich text

format) disponível no Microsoft Word. E para que o processo de recorte e agrupamento fosse

facilitado todas as linhas do texto foram numeradas.

Sendo assim, os passos realizados na aplicação do N-vivo foram: 1) codificação ou

categorização – representação de uma categoria ou idéia abstrata onde é possível armazenar

sua definição e que no N-vivo nomeia-se de “nós”; 2) conceituação das Categorias; 3)

Agrupamento; e 4) análise dos dados. De forma sucinta à tabela a seguir permite uma melhor

visualização de todo o processo.

47

Quadro 3: Etapas de configuração do N-Vivo

Configuração do Projeto Análise do Projeto

Inserção dos dados Codificação

Agrupamento Exploração dos dados

Categorização Construção de modelos

Resumo dos dados

3.6 ASPECTOS ÉTICOS

Na realização desta pesquisa, obedeceu-se à Resolução 196/96 do Conselho Nacional

de Saúde (BRASIL, 1996), que regulamenta os aspectos ético-legais da pesquisa com seres

humanos, mediante a aprovação do projeto guarda-chuva pelo Comitê de Ética em Pesquisa

da Universidade Estadual do Ceará, com o número de protocolo: 10610779-8 (ANEXO A).

Foram preservados os preceitos bioéticos fundamentais de respeito ao indivíduo, da

autonomia, da beneficência e da justiça.

O estudo teve início mediante autorização da Secretaria Municipal de Saúde de

Fortaleza. Para tanto foi entregue a solicitação de permissão para entrada no campo

(APÊNDICE D), assim como a justificativa, os objetivos e a importância do estudo.

A coleta de dados foi realizada após assinatura do termo de consentimento livre

esclarecido pelos pacientes com doenças crônicas, profissionais de saúde, e gestores

(APÊNDICE E).

3.7 DIFICULDADES METODOLÓGICAS ENFRENTADAS

O primeiro momento de dificuldade que encontramos foi que a coleta de dados foi

realizada no período de uma epidemia de dengue, onde os postos de saúde estavam totalmente

mobilizados em dar assistência aos doentes agudos para evitar a superlotação dos hospitais.

Por se tratar de uma pesquisa com usuários da ESF em alguns postos não conseguimos

um local adequado para a realização das entrevistas, muitas vezes tendo que realizá-las na fila

48

do atendimento. Isso dificultou um pouco na concentração deles, além de dificultar a gravação

por conta do ruído externo.

Por fim, no meio da nossa coleta de dados tivemos que enfrentar a greve dos

profissionais de saúde, o que limitou o número de atendimentos nos postos e,

consequentemente, tivemos dificuldade de encontrar pacientes com doenças crônicas.

Também ficamos impossibilitados de acompanhar os grupos de educação e visita domiciliar

porque eles foram suspensos com a paralisação dos profissionais.

49

4 ACHADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo apresentamos os achados obtidos nas entrevistas realizadas e

procuramos realizar uma discussão baseadas nos conceitos e reflexões que utilizamos no

referencial teórico.

Como a investigação baseia-se na percepção dos usuários, procuramos analisar em sua

fala não só as práticas de autocuidado, mas também questões relacionadas à infra-estrutura,

violência, acesso e condutas profissionais, questões estas que repercutem em todo o processo

cuidado com à saúde, bem como no autocuidado. De tal maneira que, alguns usuários as

utilizam como justificativa para o abandono ou falta de adesão aos tratamentos nas unidades

básicas de saúde (UBS).

Vale ressaltar que a escolha das regionais foi feita pelos índices sócio-demográficos

para possíveis comparações. Tal fato nos levou a observar alguns fatores, tais como:

a) A Secretaria Executiva Regional (SER) II é formada por 21 bairros, onde moram

325.058 pessoas. O grande objetivo da Regional II é reduzir os desníveis sociais entre seus

bairros (SMS, 01/09/2011).

Abriga 14,64% da população de Fortaleza e metade dos residentes têm, no máximo, 33

anos. Os bairros nela localizados possuem o segundo menor índice de analfabetismo dentre

todas as regionais e a melhor renda média por família: 13,2 salários mínimos por mês. Os

rendimentos mais elevados estão no Meireles: 28,6 salários mínimos. Os piores rendimentos,

assim como os piores índices de analfabetismo da Regional, estão nos bairros Cais do Porto,

Praia do Futuro e Dunas.

Apesar de notificar os melhores indicadores e, por localizar-se dentro de uma área

nobre da cidade, pudemos perceber que das três regionais é a que possui o maior índice de

violência relatado, fazendo com que os profissionais de saúde fiquem impossibilitados de

realizar a visita domiciliar, além de ter um número de profissionais abaixo do ideal. No posto

visitado seriam necessárias cinco equipes completas no entanto só existem duas, sendo que

um dos médicos é terceirizado.

b) A Regional IV: Com área territorial de 34.272 km², a SER IV abrange 19 bairros e

seu perfil socioeconômico é caracterizado por serviços, com uma das maiores e mais antigas

feiras livres da cidade, a da Parangaba, além de vários corredores comerciais, entre eles, o da

50

Avenida Gomes de Matos, no Montese. Sua população é de cerca de 305 mil habitantes,

segundo censo do IBGE. O bairro Aeroporto apresenta a maior extensão territorial da SER

IV, porém é pouco povoado, com uma população de apenas 8.012 habitantes. O bairro

Parangaba possuía a maior população em 2009, com 27.884 habitantes, número de habitantes

muito próximo aos dos bairros Serrinha (27.395 habitantes) e Montese (27.206 habitantes). O

bairro com a menor população desta regional é Couto Fernandes, com 5.826 habitantes. A

SER IV concentra 15 creches e 28 escolas de ensino infantil e fundamental. Já a rede de saúde

é formada por 12 unidades de atendimento básico, além de três Centros de Atenção

Psicossocial (Caps) e um Centro de Atendimento à Criança (Croa). A Regional possui ainda a

segunda maior emergência do Estado do Ceará, o Frotinha da Parangaba, que realiza uma

média de 16 mil atendimentos por mês (SMS, 01/09/2011).

A renda média dos chefes de família é de 5,62 salários mínimos. O bairro com melhor

média de renda é Fátima, enquanto o bairro Aeroporto apresenta a pior média de renda da

regional, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007).

Na Regional IV a UBS foi escolhida por tratar-se de um campo de prática da

Universidade Estadual do Ceará onde os profissionais das cinco equipes contam com o apoio

de estudantes de diversas áreas.

Apesar dessas particularidades foi neste posto que percebemos a maior desmotivação

por parte da equipe em auxiliar esses usuários e orientá-los com relação ao autocuidado.

c) A Secretaria Executiva Regional V (SER V) tem como meta garantir a melhoria da

qualidade de vida dos 570 mil habitantes dos 16 bairros que a SER V abrange, desenvolvendo

ações nas áreas de sáude, educação, esporte e lazer entre outras (SMS,01/09/2011).

O bairro mais populoso é o Mondubim (80 mil hab), seguido da Granja Lisboa (49 mil

hab), Genibaú (39 mil hab) e Vila Manoel Sátiro (34 mil hab). Alguns bairros, como o Bom

Jardim, tiveram sua população duplicada na década de 90, passando de 15.857 (1991) para

34.507 (2000). O Siqueira, por sua vez, saltou de 4.540 (1991) para 23.728 (2000). Só o

bairro Granja Portugal apresentou tendência de redução, no mesmo período.

É ainda a parte da cidade com segundo maior índice de analfabetismo (17,83%),

inferior apenas ao registrado pela Regional VI. Os bairros do Siqueira (25,58%), Genibaú

(25,18%) e Parque Presidente Vargas (24,51%) são os que sofrem mais com o problema. O

bairro com maior renda familiar média mensal é a Maraponga: 6,81 salários mínimos. A

51

principal atividade econômica é o comércio. Na Regional estão concentrados apenas 2,89%

dos empregos formais de Fortaleza. A taxa de acesso à rede de esgoto da Regional V é a pior

entre as seis regionais, com 24,56%.

Por ser bastante populosa, é considerada a regional mais pobre e problemática. No

entanto foi onde encontramos profissionais dispostos a tentar mobilizar a população para

modificar a realidade encontrada. A UBS visitava conta com três equipes completas, além

dos profissionais da residência que dão suporte a unidade .

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Em busca de proporcionar maior compreensão do objeto em estudo, descrevemos as

principais características dos usuários entrevistados em forma de um quadro.

52

Quadro 4: Apresentação dos usuários entrevistados

Nome

*Fictício

Idade Doença Tempo de

doença**

Regional

Aloísio 60 anos HAS 4 anos IV

Antonia 74 anos HAS e DM 10 anos IV

Amélia 74 anos HAS 15 anos V

Carol 59 anos HAS 4 anos IV

Cristiane 45 anos HAS e DM 1 ano II

Eduardo 42 anos HAS e DM 6 anos IV

Francisca 39 anos HAS e DM 2 anos IV

Geralda 69 anos HAS e DM 6 anos IV

Herondina 53 anos HAS e DM 8 anos II

Irene 70 anos DM 8 anos II

Joaquim 49 anos DM 1 ano V

Joaquina 65 anos HAS 15 anos IV

João 48 anos HAS 1 ano V

José 67 anos HAS e DM 3 anos V

Lilian 57 anos HAS 20 anos V

Luiza 77 anos HAS 20 anos V

Lucia 53 anos HAS 5 meses II

Maria 55 anos HAS e DM 5 anos IV

Marina 57 anos HAS e DM 2 anos II

Noemia 78 anos HAS e DM 7 anos II

Raimunda 72 anos HAS 1 ano II

Raquel 61 anos DM 3 anos IV

Roberta 67 anos HAS e DM 10 anos V

Rosangela 64 anos HAS e DM 4 anos V

Sabrina 71 anos DM 6 meses II

Silvia 70 anos HAS e DM 2 anos II

Socorro 67 anos HAS e DM 2 anos IV

Tereza 68 anos HAS e DM 8 anos V

Zuleide 54 anos HAS e DM 5 anos V

Washington 64 anos HAS 18 anos II

Em seguida, apresentamos os temas que foram construídos após submissão do material

coletado no campo às etapas da análise por meio do software N-VIVO, tendo por base os

objetivos apresentados. São eles: Acesso à saúde; A visão dos usuários sobre autocuidado e

O papel da estratégia saúde da família na prática do autocuidado, possíveis soluções a partir

da análise dos usuários.

4.1 ACESSO À SAÚDE

“[...] pra chegar aqui no posto é um luta só, a gente já ta adoentado e

ainda tem que enfrentar esses ônibus lotado pra chegar até aqui...

53

como se num bastasse ainda tem que andar porque os transporte num

conseguem passar na rua... é uma luta grande... a gente já chega com

a pressão lá no céu minha filha e ainda tem ficar horas nessa fila, pra

depois o doutor nem olhar pra nós [...]” (Herondina, 53 anos SER II)

Considera-se acessibilidade como algo adicional à mera presença ou „disponibilidade‟

de um recurso em certo lugar e momento. Compreende as características do recurso que

facilitam ou dificultam o uso por parte dos clientes potenciais (DONABEDIAN, 1972).

Assim, sabemos que os pacientes de doenças crônicas necessitam de um

acompanhamento constante e, muito provavelmente de se deslocarem para as unidades básica

de saúde. Porém, a realidade dos usuários do estudo aponta para a existência de algumas

barreiras geográficas que impossibilitam a locomoção destes para continuidade do tratamento

e por conseqüência ocasiona uma baixa adesão ao acompanhamento dos pacientes crônicos.

Ao abordarmos o acesso do usuário a Estratégia da Saúde da Família tentamos fazer

um resgate do percurso vivenciado por ele, considerando que o acesso é apresentado como um

dos elementos dos sistema de saúde, dentre aqueles ligados à organização dos serviços, que se

refere à entrada no serviço de saúde e à continuidade do tratamento. Abrange, nesse caso, a

entrada nos serviços e o recebimento de cuidados subseqüentes (TRAVASSO; MARTINS,

2004).

Fig. 2: Rua de acesso ao posto de saúde da Regional II

54

Em relação ao trajeto que o usuário tem que percorrer até sua chegada ao posto

percebe-se que sua maior dificuldade está na distância entre o domicílio e o local

atendimento. Como dependem do transporte público para sua locomoção muitas vezes não

conseguem chegar tão próximo do posto e tem que caminhar bastante, o que leva à fadiga e à

falta de estímulo para chegar até a unidade. Com eles carregam apenas os anseios e a

esperança de conseguir um atendimento diferenciado e humanizado.

Então, após as observações, compreende-se que a realidade das três UBS no que cerne

à acessibilidade ao serviço de saúde encontra-se da seguinte forma:

A UBS da Regional II localiza-se próxima a avenidas com transporte público, porém

em suas adjacências, por conta de obras de revitalização das ruas, identifica-se uma grande

quantidade de lixo e entulho acumulados, dificultando, assim, a passagem de veículos o que

leva os usuários a terem que caminhar para chegarem ao posto.

“[...] Nós pega o ônibus em frente em casa, mas quando chega aqui é obrigado a

descer três quarteirões antes porque o ônibus não consegue passar... tem que andar aqui no

meio desse lixo, é ariscado até nós se machucar [..].”(Silvia, 70 anos, SERII)

O CSF da Regional IV fica próximo a uma grande universidade, o que facilita o acesso

por conta do número de ônibus que trafegam pelo local. Isso leva com que usuários que

deveriam ser atendidos em outros postos mais próximos de sua residência se desloquem até

essa UBS pela facilidade do transporte urbano.

“[...]o meu posto mesmo não é esse aqui não. Mas o perto da minha

casa não tem condição não... eu tenho problema de cansaço minha

filha, não posso anda muito não, sabe? E lá é muito difícil... nós

caminha, tem muito buraco nas rua, os ônibus não passam não... ai o

jeito é a gente vir pra cá porque é melhor de chega [...]” (Maria,

55anos SER IV)

Mesmo com o número significativo de ônibus que passam próximo a essa UBS alguns

idosos trazem à tona a questão do descaso dos motoristas: “Olha é transporte que é difícil, às

vezes a gente dá sinal o ônibus vai embora, não para. Passa dois, três, quatro é que a gente

consegue pegar, aí chega atrasado nos canto...”. Essa situação nos leva a refletir sobre a

educação dos próprios servidores públicos, onde o respeito ao cidadão é desprezado muitas

vezes porque o motorista está atrasado e não quer perder tempo com aquele idoso que demora

certo tempo para subir no veículo.

55

O posto visitado na Regional V está localizado em frente a uma praça pública de fácil

acesso à comunidade. No entanto, foram relatadas dificuldades geográficas por conta da

distância a ser percorrida pelos usuários para chegarem até a UBS.

“[...] aqui passa muito ônibus, mas mesmo assim é muito difícil... A minha casa é

muito longe, mas lá perto de casa num tem posto não... o jeito é nós andar até aqui, pegar

duas condução e vir [...]”(Amélia, 74 anos, SERV)

Vale ressaltar que nessa Regional encontramos equipes preocupadas com a assistência

a esses usuários que estão impossibilitados de chegar à unidade de atendimento. Durante o

período de coleta fomos informados que existia naquela região uma área de difícil acesso e

que a população de lá não encontrava meios de chegar ao posto, sendo essa situação agravada

com as obras do METROFOR, que interditou a única grande via de acesso. Para sanar esse

problema, os trabalhadores formaram uma equipe de profissionais que vai realizar esses

atendimentos em uma Igreja da comunidade. Essa atividade é chamada por eles de

“Atendimento comunitário” e conta com a ajuda de Agentes de Saúde da região, auxiliar de

enfermagem, médico e alunos da residência.

Fig. 3: Atendimento comunitário realizado por residentes supervisionados pela Médica responsável

Sabe-se que os pacientes que portam algumas doenças crônicas, hipertensão e

diabetes, necessitam de cuidar-se constantemente, ser co-responsável pela manutenção de sua

saúde, gerir sua vida rodeada de cuidados com a alimentação, saúde física, ingestão de

56

medicamentos corretamente, assim como a saúde mental. De tal forma, que alguns pacientes

aguardam o momento com o(a) doutor(a) para externar todas as sua angustias co-relacionadas

com a sua doença, porém em alguns momentos eles não conseguem achar este espaço para

diálogo e, a relação profissional-paciente não se concretiza, dificultando, assim, a

comunicação com o médico, o que repercute de forma negativa na adesão do paciente ao

tratamento.

Caprara et al. (2001) relatam que, no início da consulta, quase todos os médicos

tentam estabelecer uma relação de empatia com o paciente. No entanto, uma série de

problemas surge de forma evidente: 39,1% dos médicos não explicam de forma clara e

compreensiva o problema de saúde, bem como em 58% das consultas, o médico não verifica o

grau de entendimento do paciente sobre o diagnóstico dado. Os médicos, em 53% das

consultas, não verificam a compreensão do paciente sobre as indicações terapêuticas.

Outros estudos têm confirmado que a melhor relação profissional-paciente interfere no

sucesso do tratamento, como salientado por Dixon e Seweeny (2000):

“A importância da relação terapêutica explica por que a adesão ao

processo terapêutico depende mais do médico do que das

características pessoais do paciente. Em particular, o paciente é muito

mais inclinado a atender a prescrição se ele pensa que conhece bem o

médico que está prescrevendo.”

Assim, percebemos que a adesão à prática do autocuidado está intimamente ligada a

essa relação que deve ser baseada na confiança e no respeito aos anseios dos usuários.

“[...] Não minha filha, eles mal olham pra gente. Eu perguntei a ela sobre o que me

falaram das frutas, ela olhou assim, mas também não me explicou. Copiou a receita e me

mandou embora [...]” (Raimunda, 72 anos SER IV)

Vivenciamos com os pacientes que, quando finalmente conseguem a tão esperada

consulta, os profissionais de saúde não dão a devida importância à pessoa que ali está com

suas dúvidas e medos. Muitos me relataram que a consulta não passa de uma transcrição de

receitas. Narram que os profissionais não se mostram dispostos a tirar dúvidas e nem a

explicar os procedimentos e cuidados a serem tomados.

“Aqui não... só mesmo passam o remédio... quando você tem

a primeira consulta ai eles verificam a pressão, tudo... passam o

remédio... quando volta de novo que você quer falar com ele, ele

evita... passa só aquele remédio que você já é acostumado a tomar

né? Elas às vezes pega a minha receita que já vem, que já ta

acostumada, copia e pronto!” ( Noemia, 78 anos SER II)

57

Tentando realizar um resgate da história daquele paciente e o percurso percorrido por

ele desde o diagnóstico até o momento daquela consulta, muitas vezes desanimei quando

ouvia sempre a mesma fala: “...ele me disse que a pressão tava alta, mandou eu tomar o

remédio e pronto.” Em diversos momentos um questionamento manteve-se presente: como

um usuário sem conhecimento acerca da doença pode aderir ao tratamento e ter a consciência

da importância de se cuidar, se os profissionais de saúde sequer explicam pra eles o que está

acontecendo? Inúmeras vezes, durante as observações, seja na consulta ou nas visitas

domiciliares, um fato foi percebido, que os pacientes, na maioria das vezes, cessam por conta

própria a medicação porque aferiam sua pressão e ela estava dentro dos valores da

normalidade. Será que se tivessem explicado para aqueles usuários que a hipertensão e a

diabetes não têm cura e que precisam de acompanhamento para o resto da vida, eles tomariam

a mesma atitude?

Transformar práticas de saúde exige mudanças no processo de construção dos sujeitos

envolvidos nessas práticas. Apenas com profissionais e usuários protagonistas e co-

responsáveis é possível efetivar a aposta que o SUS faz na universalidade do acesso, na

integralidade do cuidado e na equidade das ofertas em saúde. Por isso, considera-se

„humanização‟ do SUS como processo de subjetivação que se efetiva com a alteração dos

modelos de atenção e de gestão em saúde, isto é, novos sujeitos implicados em novas práticas

de saúde. Pensar a saúde como experiência de criação de si e de modos de viver é tomar a

vida em seu movimento de produção de normas e não de assujeitamento a elas (PEREIRA,

BARROS, 2009).

Temos conhecimento que o acesso à saúde é apenas um dos enigmas enfrentados pelos

usuários para conseguirem um atendimento, uma orientação. Na verdade existe uma rede de

problemas interligados que dificultam essas práticas e que são utilizadas como “desculpas”

tanto pelos profissionais, como pelos usuários para não desenvolverem o cuidado com a

saúde.

Para haver mudanças na prática do autocuidado é preciso compreender como os

usuários percebem essas práticas. Assim, o próximo tópico aborda as percepções dos

participantes da pesquisa.

58

4.2 A VISÃO DOS USUÁRIOS SOBRE A PRÁTICA DO AUTOCUIDADO

“Autocuidado [...] Isso tudo depende da própria pessoa, né?Eu sei

que eu é que tive a doença. Então eu é que tenho que procurar, eu é

que tenho que me vigiar, eu tenho que me tratar. Se eu não me tratar

quem é que vai me tratar, né? Ninguém! Aí eu mesma cuido da minha

alimentação, procuro fazer minhas caminhadas, não comer o que não

posso, tomar os remédios direitinho... autocuidado é isso você cuidar

de você seguindo as orientações que recebeu [...]” (Herondina, 53

anos SER II)

Observamos no decorrer da pesquisa que os atores sociais envolvidos apresentavam

dificuldade em compreender o termo autocuidado. Tal fato provavelmente se dá pela falta de

acesso à informação e grupos de educação, além do contexto social em que se inserem.

Uma vez que a doença crônica exige um tratamento permanente, faz-se necessário que

o indivíduo cultive hábitos e atitudes que promovam a consciência para o autocuidado.

Portanto, aderir ao tratamento é imprescindível para o controle de uma condição crônica e o

sucesso da terapia proposta.

A adesão ao tratamento está relacionada aos fatores comportamentais como percepção

e formas de enfretamento das adversidades, assim como com fatores externos como

problemáticas de vida e redes de apoio (MALDANER et al,2008).

A vivência de cada usuário interfere na maneira de visualizar sua doença em seu

contexto de vida, e, desta forma, também em como ele adere ao tratamento. Por isso, é

necessário sensibilidade ao profissional de saúde para perceber cada indivíduo como único e,

desta maneira, adaptar sua forma de assistência para cada pessoa. Este profissional deve

colocar como foco de sua atenção à pessoa e não à doença, transformando a relação de

cuidado na medida em que o indivíduo se torna um sujeito ativo que participa e se

responsabiliza pelo seu tratamento (SILVEIRA E RIBEIRO, 2006).

Assim, compreender a percepção desses usuários sobre sua realidade, experiências

vividas e, até mesmo, o que consideram cuidado de si é importante para que os profissionais

tenham embasamento de como proceder na conduta terapêutica, aumentando, assim, as

chances de adesão ao tratamento. Sabemos que diversas causas desfavorecem a realização

das práticas do autocuidado, tais como a falta de espaços públicos, a violência, a falta de

estímulo dos profissionais no que concerne a autonomia do cuidado, os problemas sociais

enfrentados por essa população, a falta de educação e os aspectos culturais.

59

Nesse tópico, apresentamos as percepções e visões dos usuários sobre a multiplicidade

dos fatores determinantes na realização do autocuidado. Iniciaremos pela questão da ausência

de espaços públicos, uma vez que acreditamos ser o fator desencadeante das outras causas.

4.2.1 ESPAÇOS PÚBLICOS

O descaso dos órgãos públicos com as áreas de lazer vem sendo notificado pelos

jornais de grande circulação em Fortaleza. Diversas reportagens denunciam a queixa da

população à falta de conservação das praças públicas. Moradores reclamam que a quantidade

de espaços públicos já é inferior à necessidade da população e aquelas que existem

apresentam problemas de piso danificado, ausência de bancos sem condições de uso, pichação

e muito lixo acumulado, o que leva os espaços a serem utilizados por moradores de rua,

traficantes e ladrões, impossibilitando a utilização das praças para a prática de atividades

físicas além de provocar o medo da população em relação à violência (JANGADEIRO ON

LINE; OPOVO, 26/09/2011).

Quando questionados sobre os espaços públicos próximos as suas residências a grande

maioria dos usuários relatam a ausência dos mesmos, além de considerar grandes avenidas

como locais para a prática dessas atividades. Dividiremos esse tópico por regionais para a

caracterização das mesmas.

A SER II é caracteristicamente marcada pela segregação social, aspecto emblemático

da cidade de Fortaleza. É uma região com bairros que concentram boa estrutura física, belas

avenidas e prédios, áreas verdes, serviços, comércio, bons equipamentos sociais e, ao mesmo

tempo, localidades com estrutura urbana precária, sem a presença de equipamentos e ações de

natureza pública.

A Regional abriga 231 praças públicas e dez pólos de lazer, além de uma série de

ícones culturais da Cidade, como o Theatro José de Alencar, o Museu do Ceará, o Centro

Dragão do Mar de Arte e Cultura, além das praias Beira-Mar e do Futuro.

Durante as visitas à Regional II não conseguimos identificar nenhum local próximo ao

posto de saúde visitado onde pudessem ser realizadas práticas de autocuidado. Ao circular no

perímetro do local pude perceber a urbanização não planejada das residências, muitas vezes

construídas em locais onde eram para existir vias públicas tornando suas vias de acesso becos.

60

Dona Carolina, 45 anos, relata que próximo à sua residência não existe praças e que se

ela quiser praticar alguma atividade tem que descer o morro para caminhar na Avenida Beira

Mar ou então ir até a pracinha da SEBRAE:

“[...] a gente daqui não gosta de andar na beira mar não... as pessoas

ficam tudo olhando, reparando na gente, dá até raiva... isso ai é pra

turista, pra quem tem condição, ai o jeito é nós anda até a praça do

SEBRAE que é longe minha filha, mas fazer o que ne? A gente tem

que se tratar [...]”

Dona Herondina, 53 anos, afirma que sua maior dificuldade para a realização do

autocuidado é a ausência de espaços públicos:

“[...] As dificuldades?Eu acho que é... Aqui, por aqui não tem um

local que você vá fazer... É... Uma atividade. Não tem nada.

Academia muito cara. Eu não posso tá em academia. Se eu tivesse

condições de eu tá numa academia, até que eu ia,sabe? Ave Maria, é

muito bom! A gente se sente... A gente se cuidando a gente se sente

outra pessoa. Muda. Você pode ser feia como for, mas você se acha

bonita, viu?Você se ama né? É outra vida. Eu acho que... A gente tem

que lutar pelos nossos direitos, a gente merece um local pra

caminhar, pras crianças brincar, é isso minha filha... a dificuldade

maior tá na falta de canto”

Ainda sob esse mesmo olhar dona Maria, 64 anos, revela que o espaço para a

caminhada é a rua e alerta sobre os riscos que a prática pode causar: “...só tem mesmo pra

caminhar as ruas... arrudiar o quarteirão, mas mesmo assim é ruim...os carro só falta levar a

gente... dá medo de se acidentar...”

A SER IV possui 61 praças, além dos pólos de lazer da Lagoa do Opaia, no bairro Vila

União; do Gustavo Braga, no bairro Damas e o ginásio Poliesportivo da Parangaba, situado no

entorno da Lagoa da Parangaba.

O CSF visitado localiza-se próximo à Universidade Estadual do Ceará onde os

usuários relatam que apesar de ser um local agradável para a prática de atividade física, a

distância de suas casas dificulta a prática.

“[...] Aqui não tem não, se tivesse eu fazia, mas pra mim ir eu tenho

que andar uns 10 quarteirões de pé pra chegar no lugar de fazer

caminhada (...) Eu digo, doutor o Sr. tá mandando ir lá pra calçada

da UECE que é uns 15 quarteirões, eu sei que lá é muito bom, quando

eu era mais nova eu fiz caminhada lá, mas agora Dra. eu vou andar

15 quarteirões me disputando com os ônibus pra chegar lá e ainda

fazer caminhada, em vez de ficar boa, eu vou é morrer logo.”(Aloísio,

60 anos, SER IV)

61

Muitos consideram a ciclovia da Avenida do aeroporto como um local para a prática

de atividade física: “Tem, mas é a pista do aeroporto que dá para fazer caminhada,

né?”(Geralda, 69 anos, SER IV).

“...Sabe qual é o local melhor assim, pra pessoa andar, é a pista do aeroporto que eu

já moro perto.(...) Que lá mesmo na rua que eu moro, num tem divertimento, num tem praça,

num tem nada.” (Maria, 55 anos, SER IV).

Outros aproveitam a oportunidade que empresas privadas oferecem em parcerias e

realizam suas atividades em supermercados. “Lá no Atacadão tem umas aula de ginástica, é

perto da minha casa, mas praça mesmo não tem não... tem também os bombeiro, mas é longe

de onde eu moro...” (Antonia, 74 anos, SER IV).

“Não, perto lá da rua não tem não. Eu faço exercício é.... meus

exercícios que eu faço é caminhada e faço a ginástica dos bombeiro e

faço outra ginástica que tem no Super do Povo também à noite. Nem

todo dia eu faço, quando tem consultas eu não posso ir, então eu

perco, mas sempre que dá pra mim ir eu estou presente.”(Joaquina,

65 anos, SERIV).

Durante a visita familiar não observamos nenhum espaço público destinado a essas

atividades. Só pudemos constatar que a cidade está um verdadeiro canteiro de obras e que se

para nós que estamos ali de carro já era difícil se locomover, imagine para aquelas pessoas

que dependem dos transportes públicos para se deslocar.

Fig. 4 - Ruas percorridas pelos profissionais de Saúde para a realização da Visita Domiciliar da Regional IV

62

A SER V abrange 99 praças públicas, três pólos de lazer localizados no Conjunto

Ceará, José Walter e Conjunto esperança, além de trÊs vilas olímpicas inauguradas pelo

Governo do Estado: Genibáu, Conjunto Ceará e Canindezinho .

O posto que foi o visitado por nós possui bem em frente uma praça grande, arborizada,

com quadra de esportes e esse espaço é utilizado pelo grupo dos bombeiros para a prática de

atividade física com a comunidade. Infelizmente, em nossa observação constatamos que, por

ser uma área pobre e de difícil acesso, por conta da distância dos domicílios, não são todos os

usuários que conseguem usufruir desse espaço.

Dona Amélia, 74 anos, relata a experiência do grupo de exercícios:

“Lá perto da minha casa tem uma lagoa... e a gente caminha...Eu

faço o programa dos bombeiros também. É duas vezes. É terça e

quinta. Lá faz alongamento... a gente faz alongamento... ai depois que

tem uma ginasticazinha mais avançada. Tipo a que pode né? Se não

puder fazer a ginástica mais avançada a gente faz mesmo só o

alongamento né? A gente fica cansado... num agüenta né?”

Já Dona Tereza conta que utiliza o campo próximo à sua residência para caminhar:

“...perto da minha casa só tem um campo e eu aproveito pra caminhar lá... fazer o quê minha

filha? A pracinha aqui do posto é muito longe e fica difícil nós vir.”

Assim, percebemos que a maioria dos entrevistados reclama da falta de espaços para

realização de atividade física. Quando existem, são longe de suas residências, o que dificulta o

acesso à prática de exercícios. Aqueles que praticam atividade física citam a caminhada e o

alongamento como os exercícios mais comuns, pois mesmos não tendo condições de

freqüentar uma academia desfavorecendo, assim o processo de autocuidado, o que,

consequentemente, torna os pacientes mais dependentes dos medicamentos e peregrinos dos

serviços de saúde para conseguir uma consulta.

O Governo do Estado em parceria com o Centro de Treinamento e Desenvolvimento

Humano (CTDH) do Corpo de Bombeiros desenvolve projetos que visam a melhoria da saúde

e bem-estar da Terceira Idade, como o Projeto Saúde, Bombeiros e Sociedade atendendo

cerca de 60 mil pessoas em 279 núcleos espalhados na capital. É desenvolvido com atividades

diversas de baixo impacto físico, lúdicas, recreação, danças, passeios, celebração de datas

comemorativas, seminários entre outros.

63

Fig. 5: Projeto Saúde, Bombeiros e Sociedade

Apesar de não terem sidos citados pelos usuários, talvez pela falta de conhecimento ou

acesso, existem algumas iniciativas da Prefeitura de Fortaleza para o incentivo da realização

de atividades Físicas, dentre eles, podemos destacar os programas: Esporte na Comunidade,

Academia na Comunidade, Espaço Oriental e por fim, Programa Esporte e Lazer da Cidade

(PELC).

De um modo geral, as três Regionais mostraram situações semelhantes que chamam a

nossa atenção: em todas as SER foram relatados que os usuários usufruem de grandes

Avenidas para a prática de atividades física, o que nos leva a refletir sobre os riscos de tal

prática que, além da questão de acidentes também preocupam os níveis de poluição desses

locais.

Complementando esses fatos, há ainda as praças dos bairros, que se encontram

abandonadas, mal cuidadas, com resíduos solidos espalhados, calçadas quebradas,

equipamentos de ginásticas danificados. Tudo isso compromete a segurança e a saúde da

população e, consequentemente, dificulta a prática de atividade física.

64

4.2.2 VIOLÊNCIA

“...Outro dia o ladrão veio me pegar ai eu ando mais ligeiro e ai a

pessoa vê que eu não tenho muito dinheiro né? Não tem nada mulher,

vou com meu chapéu rei na cabeça, visto uma camisa de propaganda

sabe? É assim... Ai minha filha eu passo, os meninos mexem comigo,

pedem dinheiro, eu passo pro outro lado e vou orando o caminho

todim com medo deles me pegar e eu não tenho dinheiro.(...) Eu ando

só porque não tem quem ande comigo, o pessoal vei é tudo

preguiçoso. Eu tenho coragem de me acordar cedo, só tenho medo,

mas mesmo assim eu vou, e não sinto nada. Vou devagarzinho,

olhando, orando, eu não tenho medo dos cara, eu tenho medo de

alguém me pegar porque eu não posso correr. Meus filhos pedem pra

eu não ir mas eu vou porque tenho que andar. Ai eu peço a direção de

Deus e vou...Eu tive que passar umas duas semanas sem ir porque

assaltaram duas meninas do posto, ai a gente tem medo. Eu vou todo

tempo pedindo Jesus me abençoe, me cuida!” (Raimunda, 72 anos,

SERII)

O contínuo incremento da violência cotidiana configura-se como aspecto

representativo e problemático da atual organização social, especialmente nos grandes centros

urbanos, manifestando-se nas diversas esferas da vida da sociedade. A questão da violência e

sua contrapartida, a segurança cidadã, têm-se convertido em uma das principais preocupações

não só no Brasil, mas também nas Américas e no mundo todo, como o evidenciam diversas

pesquisas de opinião pública (WAISELFISZ, 2011).

Em Fortaleza, um estudo divulgado em 2010 pelo Instituto Sangari revela que a

violência cresceu 82,5% em dez anos, deixando a capital cearense entre as dez capitais mais

violentas do Brasil (JANGADEIRO ONLINE, 01/09/2011).

A violência pode ser definida como todo ato de coação, envolvendo um ou vários

atores que produz efeitos sobre a integridade física ou moral de pessoas. Em um primeiro

momento, é possível distinguirmos duas expressões de violência. A que se revela por meio da

coação física implicando, no limite, em eliminação física (homicídio); e violência simbólica,

que se manifesta em diferentes formas de discriminação que nem sempre é percebida como

tal. Trata-se de ações e classificações morais associadas a preconceitos de etnia, gênero,

orientação sexual e religião, entre outros, podendo também transformar-se em violência física

(MOURA, 2011).

Desta forma, podemos definir, de forma distinta, o que é crime do que é violência.

Crime, na nossa sociedade, é definido pelo conjunto de leis que constitui o ordenamento

jurídico de um país, válido para uma determinada época e uma determinada sociedade. Já o

65

conceito de violência, aqui explicado, está relacionado a um aspecto das ações humanas,

sejam elas puníveis ou não, que pode causar danos físicos, morais ou psicológicos ao próprio

agente e/ou a outras pessoas (MOURA, 2011).

Desta forma, caracterizaremos aqui a realidade desse contexto em cada regional

visitada visando uma melhor interpretação dos dados coletados com base no Mapa da

criminalidade e da violência desenvolvida pela Secretaria Municipal de Saúde no ano de

2010.

A SER II possui bairros com grande adensamento comercial e de serviços,

responsáveis por importante fatia da arrecadação municipal. Ao mesmo tempo, concentra 15

áreas de risco, onde moram 2.808 famílias.

Na Regional II, o registro das cinco ocorrências analisadas (relações conflituosas,

furtos, roubos, mortes violentas -dentre os quais os homicídios- e lesão corporal nos anos de

2007, 2008 e 2009, apresenta uma característica intrigante: embora o número de ocorrências

de 2007 para 2008 tenha declinado, todos os indicadores apresentaram elevação na

comparação dos dados entre 2008 e 2009. A criminalidade na região, portanto, manteve-se em

níveis elevados.

É Importante destacarmos que a Regional II possui bairros e localidades visivelmente

marcados pela segregação social. A SER II recebe bons investimentos em serviços e

equipamentos sociais, muitos deles que geram empregos, mas também é marcada por áreas de

alta vulnerabilidade social.

A Regional II é o retrato de uma Cidade segregada entre pobres e ricos. Abrange o

Centro da Cidade, que tem uma secretaria executiva própria (Secretaria Executiva Regional

do Centro de Fortaleza – SECEFOR) e o bairro Aldeota, historicamente valorizado pelo

incremento e adensamento comercial e de serviços e, simultaneamente, concentra expressivo

número de áreas de risco, como já explicitado. Em relação às ocorrências criminais,

destacamos o Centro, que registra o maior número absoluto das cinco ocorrências na série

histórica de 2007, 2008, e 2009. É aqui onde se aglomeram comércio formal e informal (às

vezes envolvido com a venda ilícita de mercadorias piratas e contrabandeadas e associado a

grupos criminosos que vendem proteção na área), serviços e um contingente de pessoas que

ocupam diariamente as suas ruas. Em termos numéricos, o Centro atinge, aproximadamente, o

66

dobro de registros de crimes se comparado ao bairro Aldeota, que ocupa a segunda posição

em quase todas as ocorrências, com exceção de mortes violentas.

Os bairros Salinas e Guararapes detêm menores índices em todas as ocorrências. Uma

curiosidade em relação aos bairros Praia do Futuro I e Praia do Futuro II é que o primeiro

registra números bem superiores ao segundo em todas as ocorrências, o que nos leva a refletir

sobre a dinâmica de região de praia, com grande adensamento de pessoas, principalmente nos

finais de semana e feriados, próximo a morros e áreas de risco, brigas de gangues por

domínios territoriais, entre outras vulnerabilidades socioespaciais. Estes aspectos podem

concorrer para elevação dos índices de conflitos e outros delitos.

As características da região praiana do Cais do Porto, próximo a localidades com altos

índices de conflitos, como Serviluz, detentor do mais baixo índice de rendimento médio da

Regional e onde, também, verifica-se a ação de gangues, podem ser fatores catalizadores de

crescimento de homicídios nessas áreas.

Constatou-se que crimes contra o patrimônio e conflitos são mais propícios a

acontecerem em bairros como Centro, Aldeota, Papicu, Meireles e Praia do Futuro, com

destaque para o Vicente Pizón, no qual foi registrado número significativo de ocorrências,

entre as quais crimes contra a vida. Observamos que estes bairros concentram as ocorrências

da Regional, revelando seus paradoxos sociais entre bairros nobres, mas marcados,

transversalmente, por problemas comuns aos bairros considerados de periferia: moradias

irregulares como favelas, visíveis injustiças sociais e graves problemas de segurança

relacionados ao tráfico de drogas, gangues, roubos e mortes.

Foi nesta unidade onde percebemos de maneira mais evidente como a violência

assusta e dificulta as práticas da comunidade e da própria unidade de saúde.

Em suas falas, os usuários revelam que os poucos espaços públicos que existem estão

tomados pelos marginais, o que dificulta a realização das atividades relacionadas ao

autocuidado. Também relatam que a UBS não agenda mais visitas domiciliares por conta que

sempre que saiam das unidades para se deslocarem as residências eram abordados por ladrões

que acabavam roubando o material do posto, além de objetos de uso pessoal dos profissionais.

67

“É muito difícil... a gente quer andar e não pode porque os marginal

tomaram conta das rua, das praça... aqui não se tem sossego...a gente

só vive com medo... outro dia mesmo mataram um aqui plena 8 horas

da manhã... eles não tem mais medo de nada...como se não bastasse

agora os doutor não pode mais ir nas nossas casa porque sempre que

iam, minha filha, os vagabundos tomava as coisa deles...ai fica difícil

ne?”(Marina 57 anos, SER II).

Dona Irene, 70 anos relata que a violência é a grande dificuldade encontrada pelos

moradores para práticas de autocuidado:

“[...] a gente já tem uma vida difícil, tem que cuidar da casa, dar

conta dos netos e ai, minha filha, além do cansaço tem o medo... medo

da violência, dos marginal... eles não respeitam mais quem mora

aqui, não querem saber se é gente nova, gente velha... e quando

querem tomar o que é da gente eles não tão nem ai, machucam

mesmo... ai como eu vou fazer as caminhada que o médico pede desse

jeito?”

A SER IV concentra oito áreas de risco e sua população é a menor dentre as seis

regionais, apenas 12.13% da população de Fortaleza.

Ao se observar os mapas da violência e da criminalidade desta Regional, notamos que

os bairros Parangaba e Montese destacam-se em relação aos demais por registrar a maior

quantidade de casos nas cinco ocorrências em análise, nos anos de 2007, 2008 e 2009.

No período de 2007/2009, a Secretaria Executiva Regional IV apresentou redução em

diversas ocorrências criminais, como roubos, furtos e mortes violentas. Nos bairros com

grande número de ocorrências - como Parangaba e Montese - registram movimento de queda

nos índices de roubos, furtos e mortes violentas, o que, certamente, afeta o resultado da

Regional. É importante compreendermos, a partir de então, que fatores têm contribuído para

determinadas reduções ou estabilização dessas ocorrências, se este movimento ocorre de

forma espontânea ou é conseqüência de algum tipo de intervenção e ações de natureza

pública. Para tanto, dados dos próximos anos serão importantes para sabermos se esse

fenômeno nas ocorrências, acima destacadas, na Regional ocorre de forma sustentada ou se

trata, na verdade, de uma mera oscilação estatística.

Ao contrário da Regional II, no CSF da SER IV não encontramos evidencias no

discurso dos usuários de que os índices de criminalidade sejam uma dificuldade para a falta de

adesão das práticas do autocuidado. No entanto, foi nessa Regional que encontramos maior

número de usuários relatando outro tipo de violência associado ao uso de drogas e álcool.

68

Dona Francisca, 39 anos, relata que seus picos hipertensivos começaram a partir de

problemas com seu filho, usuário de drogas e que por conta do seu comportamento não

consegue realizar práticas de autocuidado:

“[...] é, a primeira vez que passei mal foi por conta de uns

aborrecimentos com meu filho(choro)... ele tá envolvido com negócio

de droga, ai é agressivo, destrata a gente, é violento... tenho medo de

sair de casa, até pra vir pras consulta é difícil, porque quando a gente

sai ele revira tudo atrás de dinheiro e, se não acha, quebra as coisas

da casa com raiva[...]”.

Já seu Eduardo, 42 anos, se emociona ao lembrar dos tempos em que era alcoólatra e

que não cuidava de si:

“[...] eu sou teimoso, na verdade fazia um monte de coisa que não

devia... É difícil você ter uma mudança depois de uma certa idade,

precisa mudar radicalmente e é uma mudança radical. Eu bebia, né,

fumava, fazia outras coisas mais, me alimentava muito mal, e

ultimamente depois que eu fui chegando depois dos trinta, que vai

chegando uma certa idade, passei a ser muito sedentário porque

passei a trabalhar em casa por conta própria, sai do emprego por

conta da bebida...(choro) Ai quando soube que tava com diabete e li

um monte de coisa na internet, pensei nas minhas filhas, no futuro que

ia dar pra elas... quando eu bebia era violento com minha

esposa...(choro) Ai eu procurei, procurei realmente modificar meu

estilo de vida. E eu não consegui, eu vou ser bem sincero, ao que eu

me propus eu não consegui. Porque durante o decorrer do tratamento

eu tive uma recaída, bebida ,era pra eu não beber e eu bebi, passei

um tempo sem tomar medicação, insulina, a insulina acabava e eu

não vinha buscar. Apesar da consciência do problema, a verdade é

que eu não consegui realizar nem 50% do que eu me propus a fazer,

entendeu?A violência associada a minha bebedeira foi a maior

dificuldade, mas hoje com o apoio de profissional tenho cuidado mais

de mim[...]”

A Secretaria Executiva Regional V (SER V) possui 21,1% da população de Fortaleza.

É a Regional mais populosa, mas também a mais pobre da capital, com rendimentos médios

de 3,07 salários mínimos.

Ao observarmos mais detalhadamente as cinco categorias registradas no período de

2007 a 2009, alguns bairros da Regional se destacam na elevação e queda contínuas nos seus

índices e os demais seguem a tendência geral de queda verificada na Regional, seguida de

elevação dos índices.

69

A Regional V tem sido identificada pelas altas taxas de homicídios e, de modo mais

específico, os cinco bairros (Bom Jardim, Siqueira, Canindezinho, Granja Portugal e Granja

Lisboa) que integram o denominado Grande Bom Jardim. Sob olhar mais cartográfico e

detalhista, podemos dizer que os dados, quando comparados, revelam algumas surpresas,

como o fato da soma absoluta dos seus homicídios ser inferior aos da Regional VI.

Chama atenção a existência de grande número de grupos organizados na Regional que

luta por mudanças na área e na vida dos moradores. São inúmeras as Organizações Não

Governamentais, associações de moradores, grupos religiosos, ligas de futebol, grupos de

capoeira, teatro e música que trabalham com os jovens, assim como projetos, programas e

ações governamentais. O maior exemplo é a implantação do denominado “Território de Paz”

no Grande Bom Jardim, no final de 2009, mais especificamente, os projetos sociais

financiados pelo PRONASCI e voltados para populações vulneráveis à violência e à

criminalidade. Este Projeto faz parte da execução da política de segurança cidadã proposta

pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional de

Segurança Pública, em parceria com Estados e Municípios, com objetivos de construir

políticas de segurança mais preventivas que repressivas no enfrentamento da criminalidade e

da violência nas cidades brasileiras.

Na Regional V vivemos durante a nossa coleta uma situação bastante intrigante. No

dia em que agendamos a observação do grupo de idosos ao chegarmos ao CSF percebemos

que o movimento estava menor do que o de costume e logo fomos informadas pelos usuários

que houve uma ameaça de assalto ali naquele horário:

“[...] um dos pacientes que estava passando pela praça de manhã e

ouviu quando dois caras conhecidos do bairro falaram que iam

assaltar o posto hoje por volta das 2 horas da tarde... ai ninguém

ficou pra ver, a notícia logo se espalhou e, na dúvida, muitos foram

embora [...]”.

Tal fato nos levou a refletir sobre como os índices de violência são crescentes, uma

vez que antigamente os assaltantes respeitavam moradores de sua região e locais de

assistência à saúde e hoje invadem locais de serviço público, lesando também os moradores

de sua comunidade.

Além disso, os usuários também apontaram a violência com uma dificuldade para a

adesão ao autocuidado.

70

“Eu até que gostava das minhas caminhadinhas, mas outro dia

estava andando num campo que tem próximo a minha casa e os

vagabundos vieram mexer comigo... me pediram dinheiro e como eu

não tinha me derrubaram... foi uma agonia grande! Depois disso não

tive mais coragem de ir não.” (Amélia, 74 anos, SER V).

Seu Joaquim, 49 anos alerta sobre o perigo das praças públicas abandonadas:

“A praça que tem perto de onde eu moro não tem condições de se

praticar nada... a prefeitura abandonou faz tempo e lá só tem lixo e

muito drogado. Outro dia uma moça tava fazendo caminhada lá e os

bandido tentaram agarrá-la... é um descaso total... a violência nos

assusta e nos faz ficar trancado dentro de casa...”.

O crescimento da criminalidade e da violência aumenta a insegurança e a

instabilidade, contribuindo para a “cultura do medo”. Se a violência gera o medo, o medo gera

também mais violência, criando um círculo perigoso que reforça os estereótipos, as barreiras

sociais, os preconceitos e a não-aceitação das diferenças socioculturais. Assim, os moradores

com medo apresentam baixa qualidade de vida, o que repercute no autocuidado, uma vez que

deixam de realizar atividade física.

4.2.3 FATORES CULTURAIS

“[...] ah! Depois que a gente descobre que tá doente a vida dá gente

muda... os médico proibem a gente de fazer tudo que a gente gosta,

comer o que é bom... eu sei que eu obedeço na medida do possível ne?

Porque meu feijão com farinha e rapadura eu não largo de jeito

nenhum...A doença já me tira muitas alegrias, não posso mais

trabalhar mode o cansaço por causa da pressão, meus filhos não me

deixam, então eu me cuido mas meu feijãozim não tem quem me faça

tirar [...]”(Socorro, 67 anos, SER IV).

A concepção holística do homem é o fundamento que permeia toda a assistência em

saúde, pois o doente não é um ser isolado, não abandona todo seu contexto de vida depois de

ser acometido pela doença. O cuidado à pessoa com de doenças crônicas e a realização do

autocuidado dependerá, da percepção que ele tem da doença, em seu grupo familiar, e do

significado que a doença representa na vida deles.

As diferentes ações de cuidado em saúde estão relacionadas ao contexto sócio-cultural

que caracteriza cada momento histórico vivido pelo homem. Desse modo, os aspectos

culturais de uma realidade social devem ser entendidos como elementos determinantes nas

concepções e práticas sobre saúde-doença.

71

Em relação aos fatores culturais, destacam-se terminologias próprias do paciente, no

que se refere à compreensão de saúde, doença e simbologia sobre o corpo humano, tornando-

se evidente a constituição da linguagem própria. Tais expressões populares influenciam a

comunicação entre profissional e paciente.

“[...] eu tenho muito problema em conversa com os médico daqui,

nasci e me criei no interior e não falo muito bem não sabe minha fia?

Ai as vezes eu tento conversa com os doutor e eles com pressa falam:

como? Num entendi... pra eu explicar que tava com umas dor nas

anca foi uma confusão... risos.. eu dizia que num pudia anda porque

minha anca doía.... o doutor nunca tinha ouvido falar e só entendeu

quando eu coloquei a mão na minhas anca pra mostrar a dor

[...]”(Washington, 64 anos, SER II).

Nesse momento, a comunicação não acontece, pois profissional e paciente utilizam

uma linguagem desconhecida sobre o mesmo sintoma, cada um no seu universo cultural e sua

angústia de compreender e ser compreendido pelo outro (CAPRARA, 2007). Assim, faz-se

necessário que o trabalhador em saúde conheça e conviva na comunidade em que presta

serviços, pois além de se tornar mais próximo dos usuários, compreenderá melhor a fala

utilizada por eles.

Para o manejo adequado do tratamento de doentes crônicos existe a necessidade de se

conhecer hábitos, culturas dos indivíduos e também das pessoas que o rodeiam, que estejam

envolvidas no cuidado. Isto porque, para a realização do seu próprio cuidado, a pessoa com

condições crônicas, muitas vezes, recorre também a tratamentos originados do conhecimento

popular.

Tal fato mostra-se evidente na fala de dona Geralda:

“[...] Dias das mães me deu assim uma tontura tão grande, minha

irmã que eu não podia nem tá assim andando, sabe? ...Aí mais graças

a Deus, eu tomei lá um chá. Tomei foi chá mesmo, num tomei remédio

não. Só tomo remédio, se for passado por ela, aí eu tomo. Aí eu tomo

um chazinho. Assim uma coisa que eu melhoro. Melhorei. Tomei lá

um chazinho de cravo, aí melhorei. Me levantei [...]”(Geralda, 69

anos, SER IV).

Alguns usuários relatam a utilização de plantas consideradas medicinais, preparadas

na forma de chás com frutas ou ervas. Deve-se alertar para o fato de que algumas pessoas

utilizam terapias populares para cuidar-se e muitas vezes determinam maior interesse a tais

práticas do que as indicações de medicamentos. Cabe ao profissional de saúde o papel de

conhecer e respeitar tais práticas, mantendo uma relação de confiança onde a cultura do

usuário não seja ignorada.

72

Os profissionais não podem negar a cultura popular, nem descuidar do

acompanhamento e controle das condições bio-fisiológicas dos pacientes, de forma a intervir

antes que conseqüências mais graves sejam instaladas (LOPES et al, 2008).

A medicina convencional está embasada nos conhecimentos fisiopatológicos clássicos

e nos tratamentos medicamentosos, mais especificamente, para o afastamento de doenças.

Em muitas ações de assistência prestada pelos serviços de saúde, está presente, de

forma implícita ou explícita, o poder da ciência médica sobre a população, que deverá se

submeter a ela desconsiderando, quase sempre, o que sabe, sente, vivencia e relata sobre seu

sofrimento. No entanto, propõe-se a necessidade de se refletir sobre esta hegemonia, pois o

método científico deve ser entendido como apenas um dos caminhos de intervenção nos

processos de adoecimento e cura (SIQUEIRA et al, 2006).

Visualizar o indivíduo de forma diferenciada daquela preconizada no modelo

convencional permite ao profissional de saúde o desempenho de uma assistência com

abordagem integral ao ser humano. Dessa forma sua ação deixa de limitar-se à cura de

doenças ou tratamento de sintomatologias e passa a contribuir para melhor desempenho nas

questões referentes ao processo saúde-doença e, conseqüentemente, na qualidade de vida do

usuário.

Quando questionados sobre o histórico de sua doença muitos usuários relacionavam

problemas familiares a sua causa:

“[...] é.. faleceu um amigo meu que eu conhecia ele desde criança.

Ele novinho.. ele morreu com 23 anos. E a partir daí eu fiquei muito

nervosa, fiquei muito agitada. Ai eu fui pra doutora e ela disse: „De

hoje em diante a senhora tem que tomar remédio de pressão‟. ai eu fui

me medicando, Mas só quando.. eu só fico nervosa.. eu só fico com

minha pressão alta quando eu fico nervosa, né? Quando acontece

alguma coisa com um pessoa que eu gosto, assim..” (Lilian, 57 anos,

SER V).

Muitas vezes os pacientes fazem referências a aspectos sociofamiliares, evidenciando

a importância destes na sua condição de saúde. No entanto, os médicos, em sua maioria,

escutam e até reconhecem a pertinência da questão apresentada, mas não a exploram com o

paciente, da mesma forma e profundidade como fazem com relação aos sintomas e sinais da

doença como efeito, a investigação sobre os aspectos sociofamiliares, bem como as reações da

família e amigos.

Padrões de consumos e de comportamentos vão se impondo e incrementando as

condições crônicas. Dentre eles, destacam-se o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, o

73

sexo inseguro, a inatividade física, o excesso de peso, a alimentação inadequada e o estresse

social (MENDES, 2011).

Sabemos que situações de estresse podem descompensar a diabetes e a hipertensão e,

muitas vezes, notamos que a realidade vivida pelo usuário era o fator desencadeante de

agravos em sua patologia. Quando o profissional ignora tal fato deixa de lado uma

oportunidade de conhecer fatores que impedem a realização do autocuidado além de não

estabelecer uma relação de vínculo entre eles.

A diversidade cultural é uma realidade com a qual os médicos de Saúde da Família

precisam administrar em sua prática. Essa mesma diversidade exige que o profissional seja

capaz de aprender novos valores e desenvolver outras percepções de saúde-doença.

Trata-se de uma aprendizagem indispensável para uma intervenção médica eficiente,

que perceba o processo do adoecer para aquele paciente que se insere numa experiência de

fragilidade e ameaça o seu estado de ser saudável e ativo. Considerando-se que a não

concordância entre profissional e paciente quanto ao diagnóstico e tratamento proposto, pode

implicar na não adesão à terapêutica decorrente de uma conseqüência de divergências de

valores e crenças entre os envolvidos.

Não significa, entretanto, que o profissional da ESF tenha de abdicar do saber técnico-

científico que dispõe, mas sim buscar a articulação do conhecimento biomédico ao sistema de

representações populares referentes a saúde-doença, de forma a garantir adesão ao tratamento.

Dentre as dificuldades em lidar com os aspectos psicossociais, destacamos a limitação em

lidar com a dinâmica familiar e suas relações, bem como os medos e ansiedades acerca da

doença e seus sintomas (CAPRARA, 2004).

Outro aspecto relevante é a questão da religiosidade tão presente na população

estudada, que diante de tantas adversidades encontram em sua fé a força para continuar a

batalha do dia a dia.

Os aspectos religiosos e a medicina popular se evidenciam como fator cultural no

momento em que o usuário valoriza o papel da benzedeira ou da rezadeira em substituição ao

papel do profissional de saúde (CAPRARA, 2007). É o que vemos na fala de Dona Tereza, 68

anos: “... às vezes conseguir quem me traga aqui é muito difícil, dependo dos outros, mas

graças a Deus perto da minha casa tem a Dona Maria, benzedeira... quando eu passo mal

mando chamar ela e num instante melhoro do cansaço, da tontura...”

Presenciamos em nossas visitas que os profissionais não podem desconsiderar a

escolha religiosa do usuário que trata. Isso ficou evidente em nossas visitas ao atendimento

coletivo realizado pelos profissionais da SER V. A médica responsável por esses

74

atendimentos nos confidenciou que as consultas eram realizados naquela Igreja católica

apesar de eles terem um outro espaço melhor, mais ventilado e de fácil acesso. A questão é

que esse local era uma Igreja evangélica e como a maioria da população era católica, os

usuários estavam deixando de ir as consultas porque suas crenças não permitiam que eles

utilizassem aquele local.

Assim, percebemos que se os profissionais da Regional V não tivessem se aproximado

da população e tentado entender o porquê do abandono as consultas não teriam revertido a

situação. Tal atitude aumentou o elo com a comunidade que se mostrou satisfeita em ser

compreendida e respeitada pela equipe, o que por sua vez auxiliou a adesão aos tratamentos

propostos.

Os profissionais de saúde têm que considerar as práticas populares sobre saúde e

doença não como barreiras a serem modificadas, mas como expressões de elementos

positivos, abordando as comunidades como produtoras de valores e práticas de saúde, e não

somente de serviços. Em sua prática clínica, traduz-se na consulta centrada no usuário, onde o

profissional analisa não somente os aspectos biomédicos do problema de saúde, mas também

a experiência vivida pelo próprio usuário.

Portanto, é preciso compreender que os usuários não se configuram como quadros em

branco, onde o profissional pode imprimir suas conclusões e prescrições, pois já trazem para o

serviço de atendimento à saúde suas próprias concepções sobre seus problemas e uma série de

crenças em práticas alternativas de cura. Desse modo, a contextualização social e cultural do

doente que procura as instituições de saúde vem tornando-se uma exigência para os

profissionais de saúde que pretendem oferecer uma assistência melhor qualificada em saúde.

4.3 O PAPEL DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA PRÁTICA DO

AUTOCUIDADO

“Bem... eu acho que o papel dos profissionais de saúde em relação ao

cuidado é o de orientar, de tirar as dúvidas, de explicar a doença, de

acompanhar... mas, minha filha, a gente num tem nem como exigir

muito deles, porque é tão difícil a situação do profissional hoje, ser

bem remunerado pra poder ter um bom atendimento com os pacientes

né? Muitas vezes eles estão tão estressados, tão cheios de problemas,

que não olham nem pra cara da paciente. O negócio é escrever,

devido à quantidade de pacientes que eles têm que atender no dia-a-

dia. Eu não culpo eles, mas eu vejo né, a carência, a necessidade do

local.”(Carol, 59 anos, SER IV)

75

Foto 6: Visita domiciliar SER V

*A usuária autorizou o uso de sua imagem

Para compreendermos qual a percepção de uma pessoa acerca do papel no cuidado

com a sua saúde, fez-se necessário um processo de reflexão acerca da assistência à saúde que

este recebe, bem como qual o papel desta na aquisição, manutenção e constância de cuidados

com a saúde da coletividade, cuidados estes que permeiam desde o atendimento clínico, a

prescrição do medicamento até as visitas domiciliares e as ações de promoção e educação em

saúde. Tal questionamento teve o intuito de ampliar os horizontes no entendimento e

compreensão do que é percebido como ação de autocuidado, assim como qual o papel do

profissional de saúde. No caso do estudo em questão os profissionais que compõe a Estratégia

Saúde da Família, neste processo e quais são as complexidades postas no cotidiano destas

ações que impossibilitam, muitas vezes, na sua execução.

Desta forma, tivemos também, que meditar acerca da maneira como as ações de

educação em saúde são conduzidas na realidade das assistências à saúde, sobretudo na

atenção básica, realidade na qual o estudo em questão foi desenvolvido, além do que, a

atenção básica é considerada como “porta de entrada” para a assistência de todas as

patologias, e tem como princípio essencial e primordial para sua prática a Promoção da

Saúde.

Apesar disso, a realidade do cotidiano nas UBS do município de Fortaleza é outra, não

há espaço para o desenvolvimento de ações de educação em saúde, pois, priorizam-se

76

medidas clínicas assistências. Sabe-se que algumas doenças crônicas como: hipertensão e

diabetes, dentre outros, requerem uma intervenção constante não só medicamentosa, mas

também mediante troca de informações, acompanhamentos e orientações junto à comunidade,

para que se consiga maior resolutividade no seu tratamento, na sua cura e eliminação, facetas

estas, cabíveis, por intermédios de ações de “educação em saúde” integradas ao cotidiano da

clínica.

No entanto, o espaço pertinente para o desenvolvimento desta é mínimo no que se

refere à realidade das ações assistenciais de saúde no cenário da atenção primária. Uma vez

que, tanto os gestores como os profissionais de saúde que atuam nesta realidade não

demonstram interesse em “perder tempo” com esse tipo de atividade, cultura esta, muitas

vezes absorvida pela própria comunidade, que não percebe uma intervenção educativa como

uma assistência à saúde, preferindo o método tradicional de consulta/prescrição de

medicamentos.

Entendemos que os usuários que nunca tiveram contato com práticas de educação em

saúde não reconhecem tal atividade como modificadora de sua realidade, no entanto afirmam

que gostariam que seus sentimentos e dúvidas fossem considerados durante a consulta. Já

aqueles que obtiveram a oportunidade de conhecer essas práticas sentem-se motivados a

realizar o cuidado de si, além de se mostrarem incentivados a multiplicar esses

conhecimentos.

“Quando a gente vai pra consulta os doutor não tem tempo de olhar

nem pra gente, quem dirá de escutar nossos medos, nossas dúvidas,

mas aqui no grupo não, a gente fala o que pensa, o que vive e entende

melhor das coisas, ai a gente se sente importante, passa a querer

ensinar os outros, a cuidar da gente, a viver melhor...” (Luiza, 77

anos, SER V).

Logo, ao transpormos esta realidade para o cotidiano das ações de autocuidado, e,

analisando o texto citado no inicio deste escrito, percebe-se a partir da fala dos usuários que,

em sua grande maioria, consideram a orientação e a educação com pontos principais para

incentivar a prática do cuidado de si e, por conseqüência, a adesão ao tratamento proposto.

Dona Lilian, 57 anos, deixa claro em seu discurso a importância dos usuários terem

conhecimento sobre a doença e sobre como o papel do trabalhador em saúde é importante:

77

“[...] eu tenho pressão alta há 20 anos e de lá pra cá passei por

muitos doutor... eles me falavam que eu tinha que tomar remédio, que

eu tinha que caminhar, mas eu não entendia o porquê disso... Muitas

vezes deixei o remédio de lado, achava uma grande besteira essa

história de caminhar, eles não sabem como nossa lida é difícil... tem

casa pra arrumar, comida pra fazer, roupa pra lavar... aí eu deixava

o cuidado de lado e só vivia passando mal pelos canto... Depois que a

doutora chegou aqui no posto não... tudo ficou diferente, ela me

explicou o que era essa tal hipertensão, me falou dos riscos, que se eu

não me cuidasse passaria a ter diabetes... me escutou, tirou minhas

dúvidas, fez uma tabelinha com os meus comprimidos... aí sim eu

entendi o porquê das coisa, passei a me cuidar, caminhar, cuidar da

alimentação[...]”. (SER V)

Vale ressaltar que o Programa de Saúde da Família é considerado uma estratégia de

reorientação dos serviços de saúde que foi instituído em 1994 pelo Ministério da Saúde no

país. Segundo Oliveira e Spiri (2006), tem por objetivo prestar assistência integral à

população de um determinado território de acordo com as suas necessidades, isto é,

identificando os fatores de risco aos quais ela está exposta e intervindo de maneira apropriada.

A equipe da ESF, formada pelo médico, enfermeiro, dentista e o agente comunitário

de saúde (ACS), assume a responsabilidade sanitária de acompanhamento dessas famílias,

com maior aproximação da realidade. E assim, podem focalizar suas ações de promoção da

saúde, prevenção, recuperação e reabilitação de doenças identificadas na comunidade, nos

domicílio e nas unidades básicas de saúde (VIANA, POZ, 2005; FROTA, 2008).

O Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) foi criado como uma estratégia

inovadora para apoiar, ampliar, aperfeiçoar a gestão da saúde na Atenção Básica. Suas ações

devem ser intersetoriais e interdisciplinares, que abrajam promoção, prevenção e reabilitação

da saúde e cura, promovendo, assim mudanças na atitude e na atuação dos profissionais da

ESF e entre o próprio NASF (BRASIL, 2010).

Com a expansão da Estratégia Saúde da Família, um número de profissionais de saúde

vem sendo inserido em serviços muito próximos das comunidades, o que os tem levado a

perceber a ineficácia desse modelo médico e sanitário tradicional. Tal fato gera uma angústia

em busca de novos caminhos de enfrentamento dos problemas de saúde, assistindo-se, assim,

a um crescimento do interesse pela educação popular em saúde.

Muitos profissionais vêm descobrindo a grande potencialidade de uma relação

dialogada profunda com seus pacientes e com os grupos comunitários locais para a

reorganização das práticas de assistência e promoção da saúde, mas vão descobrindo que não

78

basta querer se aproximar e dialogar. O diálogo entre o profissional de saúde e a população é

difícil. Há muitos bloqueios culturais, distanciamentos pela desigualdade de poder e

desentendimentos. A educação popular gera práticas de atenção e de promoção à saúde

extremamente inovadoras e eficazes para quem busca a integralidade e a justiça social

(VASCONCELOS, 2010).

Destarte, chamou-nos atenção o fato de que apenas a Regional V realizava

efetivamente o grupo de educação em saúde com apoio dos profissionais do Núcleo de Apoio

ao Programa Saúde da Família. A oportunidade de acompanhar esse grupo nos fez perceber

como é importante para o paciente esse momento com os profissionais. Nas rodas de conversa

eles se sentem a vontade, trocam experiências e em clima descontraído conseguem sanar suas

dúvidas e entender os riscos de não aderirem ao cuidado de si.

“Quando cheguei aqui era deprimida, achava que ia morrer... não

entendia muito bem o que acontecia, confundia os comprimidos, não

sabia o que não podia comer, mas depois que me chamaram pra

participar das reuniões percebi que tinham pessoas na mesma

situação que eu, e às vezes até pior. (Luiza, 77 anos, SER V).

A partir das observações realizadas durante a espera pelo atendimento e nas visitas

domiciliares, percebemos que grande parte das ações prestadas pelos profissionais do

programa saúde da família para os pacientes com doenças crônicas tem como foco a

prevenção da doença, e não a sua promoção. De modo que, é importante salientar que,

conceitualmente, ações de promoção diferem de ações de prevenção, enquanto a promoção

preocupa-se com aspectos de vida geral das comunidades, a prevenção preocupa-se com ações

voltadas a interrupção do processo saúde-doença. Assim para Santos et al. (2008):

“as ações de prevenção geralmente tem como meta a ausência da

doença, de modo que suas estratégias voltam-se para o controle dos

riscos específicos [...] Promover constitui um processo contínuo e

dinâmico que parte do pressuposto de que sempre haverá

possibilidade de melhorar as condições de saúde.”(p. 51-52)

Ao longo das visitas de campo percebemos uma atividade de rotina da clínica médica,

onde os usuários recebiam o aparelho de glicemia e participavam desses grupos de formação,

que tinham por finalidade tornar o sujeito capaz de gerir sua doença, no caso a diabetes: tinha

como função realizar o acompanhamento dos valores glicêmicos diariamente e anotar os

resultados conforme orientados para que o profissional pudesse seguir a evolução da doença.

79

Contudo, foi possível perceber que os pacientes que não tinham acesso a esse tipo de

informação e não entendiam a importância desse acompanhamento realizavam os testes

apenas quando sentiam algum sintoma de mal estar. Isso nos leva a concluir que, se a

população tem acesso a equipamentos que dão subsidio ao seu tratamento, mas não

compreende o valor do seu ato certamente não irá seguir as orientações que lhes foi dada.

Assim, todo profissional de saúde inserido na ESF tem papel primordial na

conscientização e orientação dos usuários sobre sua condição crônica e sobre a relevância do

autocuidado. O que acontece é que muitas vezes nos deparamos com a falta de ações e de

trabalho intersetorial.

4.4 POSSÍVEIS SOLUÇÕES A PARTIR DA ANÁLISE DOS USUÁRIOS

Quando não compreendemos a realidade dos atores sociais envolvidos no processo

muitas vezes chegamos a conclusões erradas acerca do motivo que levam os usuários a não

desempenharem práticas de autocuidado. Os profissionais de saúde não reconhecem seus

pacientes como pessoas capazes de realizar seu próprio cuidado, talvez por acharem que eles

não o realizam por falta de interesse, deixando, assim, de orientar e praticar ações de

educação em saúde. Diante disso, perdem a oportunidade de conhecer histórias de vida, assim

como, os problemas que vivenciam e, com isso, geram grandes lacunas na relação

profissional-paciente.

Ao conhecer um pouco da sua vivência e analisar a fala dos usuários, pudemos

perceber que, na realidade, existe uma série de fatores que impedem a realização do mesmo.

Muitas vezes, o usuário quer desempenhar seu papel, mas não encontra subsídios para fazê-lo.

Assim, nada melhor do que encontrar possíveis soluções a partir de suas experiências.

Neste capítulo, apresentamos algumas idéias, sugestões e atividades apontadas pelos

usuários como soluções para facilitar a adesão do tratamento e as práticas de autocuidado.

Apresentamos as soluções sugeridas pelos atores sociais no quadro a seguir, para

maior visualização:

80

Quadro 5: Possíveis Soluções a partir da análise dos usuários

Regional II Estrutura Pública

Educação

Apoio familiar

Incentivos do governo

Comprometimento dos profissionais

Regional IV Profissional como educador

Grupos de conversa

Profissionais capacitados para trabalharem com atividades

de bem estar

Regional V Educação do usuário sobre a sua patologia

Maior número de profissionais

Profissionais que conversam, orientam

Espaços Públicos

Diante do que foi discutido nos capítulos anteriores, o fator educação foi apreendido

por nós como o principal desencadeador dos outros aspectos que dificultam a adesão ao

autocuidado. Assim, os próprios usuários relatam que o não conhecimento acerca de sua

doença, assim como a gravidade e as possíveis complicações levam-nos a não seguir as

orientações sugeridas pelos profissionais.

Faz-se necessária a efetiva participação de todos os profissionais inseridos na ESF no

que consideramos educação em saúde. Tal atividade além de orientar e tirar dúvidas estimula

a confiança e a melhora da relação profissional-paciente, além de tornar os usuários

indivíduos conscientes e co-responsáveis pelo seu tratamento.

81

O ensino do cuidado de si é um processo importante, pois ajuda o indivíduo na

ampliação do conhecimento do processo saúde-doença, aprimorando assim a autopercepção e

beneficiando a mudança de hábitos necessária (LEOPARDI, 2006).

Um dos caminhos para o desenvolvimento do cuidado permanente é a abordagem do

usuário enquanto cidadão e protagonista do seu tratamento. O autocuidado evidencia-se de

forma relacional, sendo que um depende do outro para realizar o cuidado. Nesta vertente, o

conhecimento e o acesso às informações é imprescindível para a tomada de decisão, e nisto

incluem-se as práticas de emponderamento, que podem atender à estratégia básica para a

promoção da saúde, considerada como tecnologia educacional inovadora.

O cuidado “empoderador” surge como uma atividade intencional que permite à pessoa

adquirir conhecimento de si mesmo e daquilo que a cerca, podendo exercer mudanças nesse

ambiente e na sua própria conduta. Além disso, capacita o doente crônico a definir os seus

próprios problemas e necessidades, a compreender como pode resolver esses problemas com

os seus próprios recursos ou com apoios externos, e a promover ações mais apropriadas para

fomentar uma vida saudável e de bem-estar (HAMMERSCHMIDT, LENARDT, 2010).

A família é parte essencial do cuidado ao indivíduo com doença crônica, pois pode ser

ponderada como um sistema de saúde para seus membros, sistema este do qual faz parte um

modelo explicativo de saúde-doença, ou seja, um conjunto de valores, crenças, conhecimentos

e práticas que guiam as ações da família na promoção da saúde, na prevenção e no tratamento

da doença (ELSEN, 2004).

A existência de redes de apoio ajuda o indivíduo a enfrentar os sintomas da doença,

encorajando-o a seguir a terapia com confiança e determinação, ajudando-o a sentir-se

melhor. Deve-se estimular o envolvimento da família, comprometendo todos os membros

com o tratamento do seu familiar. A aproximação da família com a equipe de saúde é

saudável tanto para os portadores de doenças crônicas e seus familiares, quanto para a equipe

multiprofissional, possibilitando uma assistência direcionada às suas necessidades,

conseqüentemente, a adesão ao tratamento tenderá a ser mais efetiva (MALDANER et al,

2008).

Vale ressaltar a importância da participação de familiares, amigos e pessoas próximas

não só durante as consultas, como também nas atividades de educação em saúde, uma vez que

estes sujeitos são considerados agentes ativos no processo do cuidado, assumindo

82

responsabilidades, devendo, portanto, ser ouvida em suas dúvidas, relevada suas opiniões e

incentivada a sua participação em todo o processo do cuidado.

Os usuários contam que, quando acompanhados por pessoas de sua confiança, aceitam

suas restrições de forma mais branda, além de estreitarem o relacionamento com base no

apoio e no respeito mútuo. Compreendemos que a participação da família também é uma

oportunidade da equipe promover a prevenção em saúde.

Em sua fala, os usuários questionam a atitude de profissionais, ao mesmo tempo em

que demonstram ter a consciência de que tal fato se dá por condições de trabalho inadequado.

O Ministério da Saúde estabelece que cada unidade deverá atender um número máximo de

750-1000 famílias. Sabemos que por falta de profissionais o número de famílias atendidas é

bem superior, o que leva à redução na duração da consulta, além do aumento do tempo de

espera para o atendimento. O ideal seria consultas regulares, mas por conta do número de

usuários muitas vezes os doentes crônicos passam meses sem acompanhamento tendo apenas

a sua medicação fornecida.

A realização de concursos públicos e a capacitação desses profissionais na área de

Saúde da Família promoveriam melhor distribuição do número de usuários para cada unidade

de saúde, proporcionando melhores condições de trabalho e facilitando o acompanhamento

desses usuários.

Dona Herondina, líder comunitária, alerta para o fato de que os profissionais orientam

uma alimentação que não está ao alcance da referida população e sugere que o Governo

deveria auxiliar na compra desses produtos:

“[...] os diabéticos precisam de um cuidado especial, de uma

orientação adequada. Para o profissional é fácil orientar que a

pessoa deve usar um bom óleo, comer produtos com menor

concentração de gordura, frutas de qualidade, arroz integral, mas

com qual condição as pessoas vão comprar isso? Muitas vezes, um

salário mínimo sustenta famílias de 5-6 pessoas. O Governo abre mão

de muitas coisas, devia incentivar a população de alguma forma, seja

na redução do valor desses produtos, sejam com um auxílio a doentes

crônicos [...]”.

É importante visualizar que trabalhar com saúde da família exige a análise acurada do

contexto sócio-econômico e cultural, em que esta se insere, analisando suas representações

perante a sociedade, conhecendo a sua realidade de forma a desvendar o entendimento da

83

família para que o conhecimento se funda na prática, de forma a superar limites e

possibilidades para a concretização das propostas (LOPES et al, 2008).

Por fim, os atores sociais sugerem a construção de espaços de bem estar com

profissionais qualificados que orientem práticas de exercícios físicos, além de atividades que

promovam o relaxamento e a integração entre pessoas da comunidade. Relatam também que a

revitalização de praças e parques públicos seria um grande incentivo para a realização de

práticas de autocuidado.

Aprendemos com essas falas que a melhor forma de incentivar o autocuidado é com a

aproximação da equipe com a comunidade. Somente conhecendo suas particularidades e suas

necessidades é que a ESF poderá adequar sua conduta e, assim, alcançar seus objetivos.

A pessoa esclarecida, familiarizada de sua condição de ser com doença crônica,

envolvida em seu tratamento tende a sentir-se mais segura e esperançosa quanto à evolução e

prognóstico de sua doença. Assim, os profissionais de saúde, ao trabalharem com doentes

crônicos, devem ter em mente que o cuidado é uma via de mão dupla, em que o ensinar e o

aprender são construídos em bases de reciprocidade, entre pessoas e saberes (SILVEIRA,

RIBEIRO, 2005).

84

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação pretendeu compreender o autocuidado a partir das percepções

dos usuários com doenças crônicas, inseridos no contexto familiar e comunitário, em

acompanhamento na Estratégia Saúde da Família. Diante da complexidade do problema,

abordamos além da prática do autocuidado, questões relativas à infra-estrutura pública,

violência e à conduta do profissional de saúde, pois compreendemos que estes últimos

influenciam ou podem influenciar na realização do cuidado de si.

As informações coletadas nas entrevistas nos revelaram o importante papel que o

trabalhador de saúde apresenta na adesão ao autocuidado. A atuação desse profissional

perpassa as demais dificuldades encontradas, no sentido de orientar as medidas necessárias e

cabíveis que cada usuário poderá realizar de acordo com a sua realidade.

Desta forma, torna-se necessário reestruturar a conduta dos profissionais inseridos na

Estratégia Saúde da Família, uma vez que tem como uma das funções promover à saúde, tanto

individual como da coletividade. Assim, com esse intuito é essencial uma prática em saúde

humanizada, focada também nos determinantes sociais da saúde. Deve-se repensar a

Promoção da Saúde em uma lógica intersetorial (saúde, urbanização, transporte e segurança).

Somente conhecendo de perto a realidade e as adversidades da população atendida é que os

profissionais irão manter uma boa relação profissional-paciente.

Sabe-se que a prática do autocuidado é focada em uma relação mútua, onde

profissionais e pacientes devem compreender que seu sucesso depende dessa parceria.

Portanto, faz-se necessário que os profissionais desenvolvam uma prática profissional pautada

na interação e troca de experiências entre os integrantes da equipe de trabalhadores em saúde,

com vistas a oferecer uma assistência holística ao indivíduo e sua família, valorizando o

autocuidado como parte da vida e necessário ao desenvolvimento humano e ao bem estar.

Somando-se a isso as decisões dos gestores têm papel fundamental na qualidade do

cuidado no que diz respeito à melhoria das praças públicas, maior policiamento nas ruas, além

de poder proporcionar espaços e incentivos à educação popular.

Ao pensar um novo modelo de assistência ao doente crônico, o suporte ao autocuidado

torna-se um das principais vertentes para o sucesso da implementação dele, uma vez que

depende da adesão e participação efetiva do usuário.

85

Enfim, esse trabalho não almejou esgotar a discussão sobre o assunto, pelo contrário

serviu para conhecer um pouco da realidade vivida por esses usuários e, assim, abrir caminhos

para novos estudos englobando maior número de Regionais, assim como de profissionais e

gestores.

86

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93

APÊNDICES

94

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista com os pacientes

1. História da doença

2. Conhecimento, Cultura sobre Autocuidado

3. Práticas de Autocuidado

4. Recursos Fornecidos pela Comunidade para a realização do Autocuidado

5. Papel do profissional de saúde na orientação do Autocuidado

6. Principais desafios para a realização do Autocuidado

7. Relacionamento com a comunidade e os profissionais de saúde

95

APÊNDICE B - Roteiro de Observação Sistemática (Pacientes)

1. Condições habitacionais.

2. Espaços reservados ao Autocuidado

3. Presença de Espaços públicos x Privados para a realização do autocuidado

4. Relação com os serviços de saúde

5. Higiene Pessoal

6. Atividades da Vida Diária

7. Serviços Municipais na comunidade

96

APÊNDICE C - Roteiro de Observação participante (Grupos)

1. Ambiente

2. Relacionamento dos profissionais com os usuários

3. Dialogo estabelecido

4. Orientações sobre autocuidado

97

APÊNDICE D- Solicitação de Permissão para entrada no campo

Ilmo.sr. Secretário de Saúde do Município de Fortaleza,

Estamos desenvolvendo o projeto intitulado: “AUTOCUIDADO E PACIENTES COM

DOENÇAS CRÔNICAS: EXPERIÊNCIAS NA ESTRATÉGIA DA SAÚDE

DA FAMÍLIA DE FORTALEZA,CE.” Solicitamos autorização escrita para a entrada

no campo de pesquisa constituído de três equipamentos de saúde do município: Centro de

Saúde da Família Benedito Arthur de Carvalho, na Regional II; Centro de Saúde da Família

José Paracampos, na Regional V; e Policlínica Nascente, na Regional IV. A pesquisa não

acarretará nenhum transtorno às atividades diárias desenvolvidas pelas unidades. Os

pesquisadores respeitarão os horários de funcionamento, realizando entrevistas em horários

após os atendimentos. Destacamos que o início da pesquisa só ocorrerá após a aprovação da

mesma pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UECE.

Contamos com a cooperação de V.Sa e agradecemos a atenção,

Andrea Caprara

_____________________________________________________

Professor Adjunto da Universidade Estadual do Ceará – UECE

98

APÊNDICE E - Termo de Consentimento Livre Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO AOS PACIENTES COM

DOENÇAS CRÔNICAS EM FORTALEZA - CE

O (a) Sr.(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “Autocuidado de

pacientes com doenças crônicas: experiências na Estratégia Saúde da Família de

Fortaleza, Ceará”, que tem como objetivo compreender o autocuidado a partir das

percepções dos usuários com doenças crônicas, inseridos no contexto familiar e comunitário,

em acompanhamento na Estratégia Saúde da Família.

Assim, pedimos a sua colaboração neste estudo para responder a uma entrevista sobre

sua saúde, seu tratamento e o serviço de saúde prestado pela equipe de saúde da família.

Solicito sua autorização para gravar as conversas geradas durante a entrevista. Garantimos

que a pesquisa não trará nenhuma forma de prejuízo no seu atendimento e tratamento no

centro de saúde da família independente da sua opinião sobre o assunto. Todos os riscos e

transtornos advindos da entrevista serão minimizados pelos pesquisadores, pois são

capacitados para condução de tais atividades. Nas entrevistas, todas as informações serão

mantidas em sigilo e sua identidade não será revelada, pois não haverá divulgação de nomes.

Vale ressaltar que sua participação é voluntária e o(a) Sr.(a) poderá a qualquer momento

deixar de participar deste, sem qualquer prejuízo ou dano. Comprometemo-nos a utilizar os

dados coletados somente para pesquisa e os resultados poderão ser veiculados em artigos

científicos e revistas especializadas e/ou encontros científicos e congressos, sempre

resguardando sua identificação. Nos comprometemos em fazer a devolutiva dos dados ao

serviço, coordenadores, gestores e aos pacientes e profissionais quando assim solicitado, por

meio de quaisquer esclarecimentos acerca da pesquisa. Contatos com o coordenador da

pesquisa Prof. Dr. Andrea Caprara, (85) 3101-9914 .

O Comitê de Ética em Pesquisa da UECE encontra-se disponível para esclarecimento

pelo Tel./Fax: (085) 3101.9890. Endereço: Av. Parajana, 1700 – Campos do Itaperi –

Fortaleza – CE.

Este termo está sendo elaborado em duas vias, sendo uma para o sujeito participante

da pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador.

Eu, _____________________________________________________________

tendo sido esclarecido(a) a respeito da pesquisa, aceito participar da mesma.

Fortaleza-CE, ____/____/2011.

__________________________________ __________________________________

Participante Pesquisador

99

ANEXOS

100