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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE FOZ DO IGUAÇU CENTRO DE EDUCAÇAO, LETRAS E SAÚDE PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS. LINHA DE PESQUISA: TERRITÓRIO, HISTÓRIA E MEMÓRIA. FABIANO BORDIGNON AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE FRONTEIRA ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI. MARÇO 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE FOZ DO IGUAÇU

CENTRO DE EDUCAÇAO, LETRAS E SAÚDE PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS.

LINHA DE PESQUISA: TERRITÓRIO, HISTÓRIA E MEMÓRIA.

FABIANO BORDIGNON

AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE

FRONTEIRA ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI.

MARÇO 2019

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FABIANO BORDIGNON

AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE

FRONTEIRA DE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI.

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, do Centro de Educação, Letras e Saúde da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteira. Linha de pesquisa: Território, História e Memória. Área de concentração: Sociedade, Cultura e Fronteira. Orientador: Prof. Dr. Mauro José Ferreira Cury.

MARÇO 2019

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“A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”

(Baden Powell, Marcelo Peixoto e Vinícius de Moraes – Samba da Benção)

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida, proteção e saúde para chegar até aqui. Esta dissertação é resultado conjunto de muitas mãos, almas e

caminhadas. À minha esposa Cintia, companheira de fronteiras há 25 anos, com

quem fiz as nossas principais obras transdisciplinares: nossos filhos Tarsila, Santiago e Danilo. A vocês dedico minha vida. Viverei sempre em vocês.

Aos meus saudosos Pais, primeiros e eternos professores: Danilo Bordignon e Paola Ghermandi Bordignon. Como discípulo e filho busco sempre em vocês minha inspiração, exemplo e alegria.

Ao meu irmão Juliano Bordignon, pesquisador incansável da vida e grande parceiro sempre.

Ao Professor Dr. Mauro José Ferreira Cury, pela confiança, motivação e excelente parceria na orientação desta humilde pesquisa, sempre disposto a ajudar e discutir os caminhos e rumos do trabalho. Ultrapassou as fronteiras de Brasília e veio aqui me ajudar na revisão final. Gratidão sempre.

À Universidade Estadual do Oeste do Paraná, ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, do Centro de Educação e Letras da UNIOESTE, campus Foz do Iguaçu, Professores, colegas discentes e servidores.

À Polícia Federal pela autorização e oportunidade de realizar a pesquisa. Meu agradecimento pessoal aos amigos Rosalvo Ferreira Franco e Maurício Valeixo, Superintendentes da Polícia Federal no Paraná durante a realização do meu Mestrado. Aos amigos Mozart Person Fuchs, que me substituiu na Chefia da Delegacia de Foz durante os períodos de afastamento necessários à conclusão da obra e Carlos Eduardo Vieira Bianchi e equipe, que me ajudaram na reunião, compilação e impressão das atas de mais de 20 anos de reuniões do Comando. Meus agradecimentos também aos Delegados Alessandro Maciel Lopes, na época Chefe da Delegacia da PF de Santana do Livramento/RS e aos Adidos da PF em Asunción e Buenos Aires, respectivamente: Cassius Valentim Baldelli e Luiz Carlos Nóbrega Nelson.

Aos Policiais do Brasil e do mundo na esperança de que a pesquisa possa ajudar nas operações interagências, com a compreensão da natureza interdisciplinar das ações. Meu especial agradecimento aos servidores e amigos da Delegacia de Polícia Federal de Foz do Iguaçu e ao Gabinete de Gestão Integrada de Fronteiras do Paraná.

Aos integrantes do Comando Tripartite, Argentina, Brasil e Paraguai, com quem pude compartilhar experiências e vivências fundamentais para a conclusão desta pesquisa.

À Justiça Federal, especialmente à Subseção Judiciária de Foz do iguaçu e ao Dr. Matheus Gaspar por ter fornecido acesso aos processos utilizados como base para o estudo de caso.

À Receita Federal do Brasil, especialmente à Alfândega em Foz do Iguaçu, na pessoa do então Delegado Chefe Rafael Rodrigues Dolzan e Neri Antonio Parcianello, pelo fornecimento de dados para a presente pesquisa.

À Comissão Examinadora de Qualificação, composta pelos Professores Dr. Mauro José Ferreira Cury, Dra. Elaine Cristina Francisco Volpato, Dr. José Carlos dos Santos e Dra. Denise Rosana Silva Moraes pelos apontamentos e observações lançadas.

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Aos Professores da Comissão Examinadora da banca de dissertação Dr. Mauro José Ferreira Cury, Dra. Elaine Cristina Francisco Volpato, Dr. José Carlos dos Santos e Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani pelas críticas e ensinamentos apresentados.

Ao Amigo Luciano Barros e equipe do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras – IDESF, pelo apoio inexorável às pesquisas sobre fronteiras no Brasil.

A todos os Amigos que me ajudaram nesta pesquisa de Mestrado. Vocês ultrapassaram as fronteiras comigo.

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BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (149 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019.

RESUMO

O objetivo desta pesquisa consiste na apresentação do Comando Tripartite, como modelo de cooperação policial na Tríplice Fronteira, de Puerto Iguazu– Argentina; Foz do Iguaçu-Brasil; e Ciudad del Este – Paraguai, instituído em 1996. O tema relacionado às fronteiras nacionais permite analisar a complexidade das aproximações territoriais e as possíveis territorialidades que são estabelecidas pelos povos, a partir de uma amplitude local para o global. Utiliza-se o estudo de caso, mediante análise da cooperação policial local empregada, via Comando Tripartite, na resposta à série de crimes cometidos em abril de 2017 na empresa de transporte e guarda de valores PROSEGUR em Ciudad del Leste, Paraguai. Demonstra que o fenômeno interdisciplinar pode ser empregado como início de uma teoria geral para operações policiais integradas, considerado no âmbito interno de cada país, bem como internacionalmente, pois cada polícia, com sua formação, doutrina e atuação, pode ser vista como uma disciplina. Para superar as barreiras do isolacionismo disciplinar, como verificado nas ciências, é necessário um salto interdisciplinar de forma a garantir que o reconhecimento das diversas especializações necessárias ao trabalho policial não sirva de separação, mas sim represente a necessária união de esforços e de conhecimentos. A pesquisa é inédita pela proposta de estudar a formação, organização e dinâmica de uma organização local de cooperação policial, na mais dinâmica fronteira da América Latina. O método utilizado mescla fontes documentais, bibliográficas, estudo de caso e pesquisa participante de campo a fim de elaborar a pesquisa. Reconhece que a complexidade do fenômeno da criminalidade transnacional pode ser vencida pela coordenação e convergência de saberes, típicos de uma visão multidisciplinar e interdisciplinar, respectivamente.

Palavras-chave: Tríplice Fronteira; Comando Tripartite; Cooperação; Polícia; Internacional; Interdisciplinaridade.

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BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (149 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019.

RESUMEN

El objetivo de esta investigación consiste en la presentación del Comando Tripartita, como modelo de cooperación policial en la Triple Frontera, de Puerto Iguazú - Argentina; Foz do Iguaçu - Brasil; y Ciudad del Este - Paraguay, instituido en 1996. El tema relacionado a las fronteras nacionales permite analizar la complejidad de las aproximaciones territoriales y las posibles territorialidades que son establecidas por los pueblos, a partir de una amplitud local para lo global. Se utilizó el estudio de caso, mediante análisis de la cooperación policial local empleada, vía Comando Tripartita, en la respuesta a la serie de crímenes cometidos en abril de 2017 en la empresa de transporte y custodia de valores PROSEGUR en Ciudad del Este, Paraguay. En el caso de las mujeres, las mujeres y las mujeres, en el caso de las mujeres, en el caso de las mujeres. Para superar las barreras del aislacionismo disciplinario, como verificado en las ciencias, es necesario un salto interdisciplinario para garantizar que el reconocimiento de las diversas especializaciones necesarias al trabajo policial no sirva de separación, sino que represente la necesaria unión de esfuerzos y de conocimientos. La investigación es inédita por la propuesta de estudiar la formación, organización y dinámica de una organización local de cooperación policial, en la más dinámica frontera de América Latina. El método utilizado mezcla fuentes documentales, bibliográficas, estudio de caso e investigación participante de campo a fin de elaborar la investigación. Reconoce que la complejidad del fenómeno de la criminalidad transnacional puede ser vencida por la coordinación y convergencia de saberes, típicos de una visión multidisciplinaria e interdisciplinaria, respectivamente.

Palabras clave: Tríplice Frontera; Comando Tripartita; cooperación; La Policía; Internacional; Interdisciplinariedad.

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BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (149 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019.

ABSTRACT

The objective of this research consists of the presentation of the Tripartite Command, as a model of police cooperation in the Triple Border, of Puerto Iguazu - Argentina; Foz do Iguaçu - Brazil; and Ciudad del Este - Paraguay, instituted in 1996. The theme related to national boundaries allows us to analyze the complexity of territorial approximations and the possible territorialities that are established by the peoples, from a local to a global extent. The case study is used, through an analysis of the local police cooperation employed, via Tripartite Command, in response to the series of crimes committed in April 2017 at the PROSEGUR transport and custody company in Ciudad del Este, Paraguay. It shows that the interdisciplinary phenomenon can be used as the beginning of a general theory for integrated police operations, considered internally within each country, as well as internationally, since each police, with its training, doctrine and action, can be seen as a discipline. To overcome the barriers of disciplinary isolationism, as witnessed in the sciences, an interdisciplinary leap is necessary in order to ensure that the recognition of the various specializations required for police work does not serve as a separation, but rather represents the necessary union of efforts and knowledge. The research is unpublished by the proposal to study the formation, organization and dynamics of a local organization of police cooperation, in the most dynamic frontier of Latin America. The method used mixes documentary, bibliographic, case study and field participant research in order to elaborate the research. It recognizes that the complexity of the phenomenon of transnational crime can be overcome by the coordination and convergence of knowledge, typical of a multidisciplinary and interdisciplinary view, respectively.

Keywords: Triple Border; Tripartite Command; Cooperation; Police; International; Interdisciplinarity.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira.....................................36

Figura 2. Lançamento da Base da Polícia Federal no Rio Paraná, em Foz do

Iguaçu................................................................................................................76

Figura 3. Símbolo do Comando Tripartite.........................................................91

Figura 4. Localização da empresa Prosegur em Ciudad del Este...................111

Figura 5. Empresa PROSEGUR após o assalto.............................................112

Figura 6. Locais da fuga dos assaltantes da empresa

Prosegur..........................................................................................................113

Figura 7. Casa utilizada pelos criminosos em CDE.........................................116

Figura 8. Vestígios examinados pelos peritos criminais.................................118

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Resultados da Operação Muralha em 2016, 2017 e

2018...................................................................................................................74

Tabela 2. Apreensões no rio Paraná e lago de Itaipu e valores estimados em US$ - 2018.........................................................................................................77

Tabela 3. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e

Paraguai.............................................................................................................97

Tabela 4. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e

Bolívia................................................................................................................98

Tabela 5. Inquéritos policiais decorrentes dos crimes do assalto a

PROSEGUR....................................................................................................108

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABIN Agência Brasileira de Inteligência

AMERIPOL Comunidade de Polícias das Américas

ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres

CAPE -PR Coordenadoria de Análise e Planejamento Estratégico do

Paraná.

CICC Centros Integrados de Comando e Controle

CICCL Centros Integrados de Comando e Controle Locais

CICCM Centros Integrados de Comando e Controle Móveis

CICCNA Centro Integrado de Comando e Controle Nacional

Alternativo

CICCR Centros Integrados de Comando e Controle Regionais

CODEFOZ Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu

COC Centros de Operações Conjuntas

CT Comando Tripartite

DER

DNAISP

Departamento de Estradas de Rodagem

Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança

Pública

EAD Ensino à Distância

ENAFRON Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras

EUA Estados Unidos da América

EUROPOL Serviço Europeu de Polícia

FIFA Federação Internacional de Futebol

GGIF Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras

GM Guarda Municipais

GSI Gabinete de Segurança Institucional

IDESF Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de

Fronteiras

JF Justiça Federal

MCN Matriz Curricular Nacional

MESP Ministério Extraordinário de Segurança Pública

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MPF Ministério Público Federal

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OICP/

INTERPOL

Organização Internacional de Polícia Criminal

PC Polícia Civil

PEF Plano Estratégico de Fronteiras

PF Polícia Federal

PPIF Programa de Proteção Integrada de Fronteiras

PNSPDS Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

POE Plataformas de Observação Elevada

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PRF Polícia Rodoviária Federal

PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

RF Receita Federal do Brasil

SEDEC Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil

SENAD Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas

SENASP

SEOPI

Secretaria Nacional de Segurança Pública

Secretaria de Operações Integradas

SESGE Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes

Eventos

SESP/PR Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná

SICC Sistema Integrado de Comando e Controle da Segurança

Pública para Grandes Eventos

SIC4 Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação,

Comando e Controle

SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência STF Supremo Tribunal Federal

SUSP Sistema Único de Segurança Pública

TCU Tribunal de Contas da União

EU União Europeia

UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná

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SUMÁRIO

SUMÁRIO ........................................................................................................ 13

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14

1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS .................... 26

1.1 FRONTEIRAS, LIMITES E CRIMINALIDADE. ............................................................................... 26

1.2 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA ............ 38

1.3 A INTERDISCIPLINARIDADE E APLICAÇÃO NAS AÇÕES INTEGRADAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. ..... 41

1.4 A “POLÍCIA” E O “SISTEMA” DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. ................................................. 57

1.5 OS GRANDES EVENTOS E UM MODELO DE ATUAÇÃO INTEGRADA ................................................. 66

1.6 AÇÕES E COOPERAÇÕES DE SEGURANÇA LOCAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA. .................................... 72

2 DO LOCAL PARA O GLOBAL: AS COOPERAÇÕES POLICIAIS EM REGIÕES DE FRONTEIRA E O COMANDO TRIPARTITE COMO ASPECTO DA COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL ............................................. 79

2.1 A COOPERAÇÃO POLICIAL E JURÍDICA INTERNACIONAL ................................................................. 79

2.2 O COMANDO TRIPARTITE. .............................................................................................................. 87

2.3 O COMANDO TRIPARTITE –MODELO DE COOPERAÇÃO POLICIAL EM ZONAS BIPARTITES .............. 97

2.4 O COMANDO TRIPARTITE - DIFICULDADES À COOPERAÇÃO POLICIAL ............................................ 99

3 ESTUDO DE CASO – CRIMES TRANSNACIONAIS NA EMPRESA PROSEGUR EM CIUDAD DEL ESTE (22/04/2017) ...................................... 105

3.1 CRIMES TRANSNACIONAIS ........................................................................................................... 108

3.2 RELATO DO CASO PROSEGUR. ...................................................................................................... 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 123

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 128

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INTRODUÇÃO

O objetivo geral da pesquisa é o estudo das cooperações policiais nas

regiões de fronteira do Brasil, especialmente na área das territorialidades

transfronteiriças entre as cidades de Foz do Iguaçu – Brasil, Puerto Iguazú-

Argentina, e a conurbação de Ciudad del Este, Hernandárias, Puerto Presidente

Franco e Minga-Guazú no Paraguai que compreendem o cerne da Tríplice

Fronteira.

Seja no aspecto interno entre as polícias brasileiras e no âmbito

internacional, com as polícias da Argentina e Paraguai, surge como modelo, o

Comando Tripartite - CT, instrumento de cooperação policial local, instituído em

1996 pelos Ministros da área de segurança pública destes países e em pleno

funcionamento desde então.

Para cumprir a pesquisa, propõem-se objetivos específicos que serão

estudados em cada um dos capítulos decorrentes, derivados diretamente do

objetivo principal de estudo:

a) No primeiro capítulo, juntamente com a apresentação das fronteiras do

Brasil e da tríplice fronteira será discutida uma proposta inicial de teoria geral do

trabalho policial integrado naquelas regiões, a partir das teorias da

interdisciplinaridade, com pressuposto de que cada polícia é uma disciplina a

parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios. Posteriormente

apresentar-se-á a estrutura atual das polícias no Brasil, vistas como disciplinas

mais estanques do que interdisciplinares, as iniciativas de integração nas

atuações de fronteira a partir de 2011, como os Gabinetes de Gestão Integrada

de Fronteiras (GGIF), a forma de integração utilizada nos grandes eventos

esportivos e outros exemplos locais na região de Foz do Iguaçu/PR.

Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

(PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP),

previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de

30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as

fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011,

posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016.

Será utilizada a pesquisa bibliográfica, a fim de estabelecer um suporte

teórico para a pesquisa, e a experiência pessoal do autor, enquanto Chefe da

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Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, de junho de 2015 a dezembro

de 2018 e coordenador do CT pelo Brasil no mesmo período, circunstâncias que

levaram-me a ter uma relação de proximidade e de contato direto com o tema da

pesquisa, qual seja, a cooperação policial em regiões de fronteira, no aspecto

local e global.

b) No capítulo dois, a proposta é identificar e demonstrar a estrutura de

criação, gestão, funcionamento e alguns resultados do CT, no período de 1996

a 2018, como exemplo de organismo de cooperação policial local em regiões de

fronteira e modelo que pode ser disseminado para outras áreas e demonstrar

algumas dificuldades à cooperação policial nas fronteiras.

A pesquisa destaca a possibilidade da troca ágil de informações policiais,

mediante auxílios diretos sem a necessária participação de órgãos centrais na

transmissão de documentos e informações. Não se pretende negligenciar e

desmerecer o papel dos órgãos centrais nas cooperações policiais, e sim dar o

máximo de agilidade e resultado às cooperações nas fronteiras, sem prejuízo da

comunicação, registro estatístico e consulta dos resultados pelos órgãos

hierarquicamente superiores.

Como caminho metodológico, utilizar-se-á naturalmente o empirismo, com

o relato da experiência do autor junto ao CT e estudo de caso mas também o

estruturalismo, que consiste na reflexão constante das relações humanas com o

meio social, com a natureza e, especificamente, com as fronteiras. Uma reflexão

que cria representações sobre essas relações. Por exemplo, ao se afirmar que

é necessário ver as fronteiras entre os países mais como lugares e regiões de

encontro do que como espaços de limites, de fim, de término, procura-se

estruturar uma forma de pensar o fenômeno, uma ideia sobre o tema, com a

fixação de uma visão de mundo, uma tomada de decisão, um ponto de partida

(Richardson, 2012, p.38):

Utilizar-se-á, o empirismo e o estruturalismo, mas não apenas eles. Não

se pode esquecer, como método, os aspectos históricos de evolução das

cooperações policiais. A pesquisa perpassa uma ótica do local ao global, com

emprego pontual do método dialético, ponderando-se, necessariamente, a

evolução histórica dos conceitos, e o inexorável movimento das dinâmicas

policiais nas fronteiras.

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c) Finalmente, no terceiro capítulo, será apresentado exemplo de atuação

integrada de polícias para fronteiras a partir de um estudo de caso específico

enfrentado pelo CT: o caso PROSEGUR de abril de 2017, em que criminosos

realizaram audaciosa ação delituosa na empresa de guarda e transporte de

valores em Ciudad del Leste, no Paraguai, subtraindo mais de 11 milhões de

dólares.

O estudo de caso visa descrever circunstâncias que corroboram a teoria

apresentada. Parte da ação criminosa à resposta policial, cujo sucesso parcial,

com prisões, confrontos e recuperação de valores subtraídos foram

potencializadas pelo entrosamento local das equipes policiais brasileiras,

paraguaias e argentinas nos primeiros dias após os crimes.

Num segundo momento, o estudo de caso demonstrará a aplicabilidade

de uma das hipóteses suscitadas para a pesquisa: que as cooperações policiais

nas fronteiras devem estabelecer-se localmente, sem necessidades de

acionamento dos órgãos centrais dos países envolvidos, a não ser,

posteriormente, pós-cooperação, com a finalidade de controle estatístico e

revisão.

O estudo de caso, conforme Yin (2015, p.17) “é uma investigação

empírica que investiga um fenômeno contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade

e em seu contexto de mundo real”. Para viabilizar o estudo, serão analisados, a

partir de autorização e ações judiciais, além dos inquéritos policiais instaurados

pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu para a investigação dos fatos, ações

penais decorrentes e as trocas de provas e informações realizadas direta e

localmente entre autoridades do Brasil e Paraguai a partir do marco de

cooperação do CT.

A questão norteadora da pesquisa é, portanto: como estabelecer

princípios para o trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, com base

na experiência da Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar maior rendimento e

efetividade nas ações conjuntas? E como afastar barreiras ao trabalho policial

integrado nessas mesmas territorialidades?

Como hipóteses para responder aos questionamentos, afirma-se que a

falta de integração policial e do sistema de justiça criminal favorece a expansão

do crime organizado. Exemplo geral foram os ataques de 11 de setembro de

2001 em que várias agências norte-americanas não conseguiram interagir de

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forma adequada, com favorecimento à ação de terroristas em solo norte

americano.

Naquele trágico episódio percebeu-se que cada agência norte-americana

detinha peças de um quebra-cabeças que por falta de integração e excesso de

competição não permitiram a montagem prévia aos episódios que vitimaram

aproximadamente 3.000 pessoas.

Posteriormente ao evento terrorista, os Estados Unidos da América-EUA

investiram em fusion centers1 capazes de permitir, ao menos em tese, a troca

imediata de informações e a convivência constante e diversa de vários atores de

segurança, fiscalização e inteligência que antes pouco se encontravam e nada

ou muito pouco compartilhavam de informações e conhecimentos.

A cooperação se dá a partir do encontro e da disposição em enfrentar

desafios conjuntos. Incentivar estas relações humanas é permitir o

reconhecimento das diferenças, singularidades, similaridades, favorecer a

criação de redes de comunicação e de colaboração. O desafio é buscar redes

horizontais que permitam colaborações constantes e integradas, ao invés de

redes verticais - hierárquicas e vinculadas a órgãos centrais - que representam

barreiras à passagem do conhecimento e da colaboração.

Para Raffestin (1993, p.204):

A rede é proteiforme, móvel e inacabada, e é dessa falta de acabamento que ela tira sua força no espaço e no tempo: se adapta às variações do espaço e às mudanças que advêm no tempo. A rede faz e desfaz as prisões do espaço, tornado território: tanto libera como aprisiona. É o porquê de ela ser o ‘instrumento’ por excelência do poder.

Rafestin prossegue com o pensamento de rede tomadas como um

“sistema de linhas que desenham tramas”. As redes podem ser abstratas ou

1Centros de fusão ou fusion centers, como sugere o nome, são locais em que profissionais de segurança, inteligência e até mesmo de defesa civil, coletam, analisam, consolidam e difundem informações relevantes para a segurança pública preponderantemente de forma pró-ativa, buscando evitar eventos criminosos. Nasceram, na formação atual, nos Estados Unidos da América após os atentados terroristas de setembro de 2001. Conforme o Sumário Executivo para fusion centers, publicado conjuntamente pelo Departamento de Justiça e de Segurança Interna do EUA, consistiria em um “[...] um mecanismo eficaz e eficiente para trocar informações e inteligência, maximizar recursos, simplificar operações e melhorar a capacidade de combater o crime e o terrorismo, mesclando dados de várias fontes. https://web.archive.org/web/20071219192546/http://it.ojp.gov/documents/fusion_center_executive_summary.pdf (em 06/08/2018).

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concretas, invisíveis ou visíveis, podem assegurar a comunicação, mas também

desenhar limites ou fronteiras. (op.cit, p.156)

Como limitadores de ação têm-se redes como muros, barreiras e

cercaduras, como nos casos de redes verticais, das fronteiras imateriais

representadas pelas paquidérmicas burocracias e pelas distâncias dos centros

de decisão política estatais, localizados nas capitais dos Estados Nacionais, que

percebem as fronteiras como bordas finais do território, zonas de amortecimento,

distantes e marginalizados naturalmente dos fóruns estratégicos e das decisões

políticas.

Para esta pesquisa, toma-se a noção de redes horizontais como contato,

enlace, colaboração entre pessoas, notadamente profissionais de segurança

pública. Essas conexões nunca estão terminadas e são aperfeiçoadas

constantemente a partir da frequência das ações conjuntas. Os profissionais

precisam estabelecer vínculos de colaboração e de compartilhamento de meios

e informações para tecer redes imateriais capazes de permitir um maior controle

das fronteiras. Controles que não impeçam o desenvolvimento e o fluxo de bens,

pessoas e investimentos.

As redes horizontais, formadas a partir das dificuldades nas fronteiras,

servem de reação às redes verticais, representadas pela excessiva burocracia

regulamentar, que engessa e dificulta o real controle integrado das áreas de

fronteira, emanadas dos centros de decisão política e de acordos regionais como

do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que dificilmente são incorporados aos

ordenamentos jurídicos, como será tratado na parte dedicada às dificuldades nas

cooperações fronteiriças, no item 2.4.

Competências, circunscrições e territórios, decomposições do vetusto

conceito de soberania, não podem ser considerados impeditivos ao agir

integrado horizontal. O crime organizado se fortalece nos espaços vazios do

poder Estatal que nas fronteiras atua de forma desarticulada, desconfiada e

burocratizada com vizinhos que há tempos não representam mais ameaças,

como na época em que ainda se discutiam limites territoriais ou cicatrizes de

guerras ainda recentes.

A ameaça atual são as organizações criminosas transnacionais que se

movimentam sorrateiramente nas grandes sombras dos Estados lentos e

rapidamente ameaçam suas estruturas e democracias com a lavagem de ativos

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e corrupção decorrentes de crimes como tráficos de pessoas, drogas, armas,

munições, contrabando e descaminho.

Será possível constatar a necessidade da criação de incentivos, diretrizes

e simplificações legislativas para favorecer as atuações integradas entre as

polícias locais nas áreas de fronteira, seja no aspecto local como global, da

mesma forma como feito nas universidades para aproximar a pesquisa

disciplinar de um viés e perspectiva interdisciplinar.

A motivação desta pesquisa decorre da inexistência de estudos anteriores

sobre a formação e resultados do CT, o que a torna inédita. À exceção de artigo

preliminar que publiquei no ano de 2016 e que serviu de inspiração para o

prosseguimento dos estudos (BORDIGNON, 2016), não havia bibliografia

específica sobre o CT, em parte pela dificuldade de se obter material para

pesquisa sobre o tema.

Essa dificuldade foi superada, na pesquisa, pela possibilidade de acesso

às atas de formação e das reuniões posteriores do CT, que compilei e estudei

por ser o coordenador do CT pelo Brasil e Chefe da Delegacia da Polícia Federal

em Foz do Iguaçu. A maioria das atas tem informações sigilosas e, portanto, não

poderia ser disponibilizada facilmente para outro pesquisador, face riscos de

exposição de dados sobre investigados, situação que deve merecer a proteção

do Estado.

Como coordenador, pude, ao mesmo tempo, refletir e atuar sobre o objeto

de pesquisa, imediatamente o CT e mediatamente todas as ações que

envolveram as cooperações policiais locais, no âmbito local e internacional.

Nasci em uma cidade da Faixa de Fronteira, em Palmas, Estado do

Paraná. Lá vivi até os quinze anos de idade, percebi os impactos do contrabando

e descaminho no comércio regular da região. Posteriormente, como profissional

de segurança pública, desde 2002, na função de Delegado de Polícia Federal,

atuei em localidades de fronteira, na região Norte do Brasil, em Rondônia: Porto

Velho, Guarajá-Mirim e Costa Marques. No Paraná em Paranaguá, Catanduvas,

Cascavel e Foz do Iguaçu.

Identifico constantemente, na atividade profissional, a necessidade de

articulação e integração das forças de segurança pública e do próprio sistema

de justiça criminal.

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Percebi que há pouca doutrina sobre a cooperação local e que as forças

policiais e o sistema de justiça criminal no Brasil e nas suas fronteiras trabalham

de forma estanque e compartimentada.

Algumas exceções que verifiquei ao longo dos anos no caminho de uma

atuação integrada, deveram-se mais à liderança de algumas autoridades e

equipes do que a um esquema prévio, políticas ou doutrinas que efetivamente

favorecessem e incentivassem a cooperação a coordenação e convergência de

forças em prol do aprimoramento da segurança pública e controle das fronteiras.

No âmbito das atuações internacionais, constatei um acanhamento na

formação de redes de cooperação locais, minimamente formalizadas,

principalmente nas bordas fronteiriças, nas regiões propriamente de fronteiras,

com criação de cooperações locais interdisciplinares, mediante união de policiais

dos países que nas fronteiras se encontram.

Mesmo com o excelente exemplo de organizações policiais

internacionais, de cooperações policiais regionais e mundiais, como a

Comunidade de Polícias das Américas – (AMERIPOL), o Serviço Europeu de

Polícia – (EUROPOL) e a Organização Internacional de Polícia Criminal – (OICP/

INTERPOL), ainda são incipientes e pouco organizadas as cooperações policiais

locais, formadas a partir das equipes policias das cidades gêmeas e regiões

fronteiriças no mundo.

No caso da Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai percebem-

se um movimento contrário. Já existe e atua desde 1996 uma organização formal

de cooperação policial internacional, de âmbito local, denominado Comando

Tripartite.

No Brasil, a partir da publicação, em 2011, do decreto que instituiu a

denominada Estratégia Nacional de Fronteiras (ENAFRON),2 a palavra

integração passou a ser proferida como mantra e solução para resolver os

problemas relacionados à segurança das fronteiras brasileiras e para solucionar

a crise de segurança pública que assola o país.

2Decreto 7.496 de 8 de junho de 2011. Resumidamente, a estratégia pode ser consultada via http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e-dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras-1/apresentacao-enafron.

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Mas como estabelecer procedimentos e princípios para um efetivo

trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, tomando como paradigma a

experiência na Tríplice Fronteira? Como fazer as polícias cooperarem mais no

mister de aprimorar a segurança de todos? Como afastar barreiras ao trabalho

policial integrado nestas regiões de fronteira? Estas são as principais

perturbações e questionamentos que se pretendem responder nesta pesquisa,

com base na interdisciplinaridade como contraposição ao isolacionismo

disciplinar que norteia, para além da academia, a atuação policial.

A pesquisa surge da constatação pragmática sobre a necessidade de

articular melhor as ações policiais nas fronteiras do Brasil, com o resgate

histórico da atuação do CT em seu processo de cooperação e integração, com

transversalidade no fenômeno da interdisciplinaridade e resposta para uma

teoria de ações integradas passível de aplicação nas ações policiais em

fronteiras.

As inquietações que motivara a pesquisa iniciaram-se em 2015 quando

fui designado para assumir a Chefia da Delegacia da Polícia Federal em Foz do

Iguaçu, a maior unidade da Polícia Federal no interior do Brasil com a fronteira

terrestre mais dinâmica de todas elas. A vivência me fez conhecer e integrar o

Comando Tripartite, vez que desde os primórdios deste instrumento de

cooperação internacional local, a Polícia Federal em Foz do Iguaçu exerce a

representação e coordenação brasileira do grupo, alternadamente com

Argentina e Paraguai.

Surpreendi-me com a formatação do Comando, agilidade na troca de

informações com Argentina e Paraguai e regularidade nas suas reuniões que,

na época, aconteciam na razão de duas por mês e, atualmente, foram ampliados

para três encontros mensais. Recordei-me de uma experiência anterior, quando

nos idos de 2003, logo que tomei posse no cargo de Delegado de Polícia

Federal, com lotação em Porto Velho/RO, atuei alguns meses na Delegacia de

Polícia Federal de Guajará Mirim/RO, fronteira com a Bolívia, sem que sequer

tenha travado qualquer conhecimento ou compartilhado informações com

policiais daquele país.

Percebi também, durante a Chefia exercida em Foz do Iguaçu, que me

reunia mais com as Polícias de Argentina e Paraguai do que com os órgãos de

segurança do Brasil e passei a incentivar encontros internos via Câmara Técnica

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de Segurança do Gabinete de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF, para as

polícias Brasileiras na Tríplice Fronteira.

Internamente, no âmbito das polícias brasileiras, sempre testemunhei

dificuldades de efetivos e meios e, recentemente, a partir de 2011, com a

Estratégia Nacional de Fronteiras e a publicação do decreto 7.496 de 8 de junho

de 2011, passei a ouvir insistentemente o discurso da integração entre as

polícias como forma de vencer o crime organizado no Brasil.

Ocorre que o discurso da integração, por mais que seja importante e

decisivo para fazer frente aos desafios de segurança pública no Brasil, e quiçá

no mundo, ainda é um discurso político-estratégico com pouca realização

prática, por falta de uma metodologia adequada a ser transmitida e também por

carência de uma formação policial integrada/interdisciplinar, vez que as

academias policiais têm grades curriculares diversas com doutrinas estanques

para formação de profissionais específicos (Policiais Federais, Rodoviários

Federais e Militares, por exemplo).

A repartição das atribuições policiais feita na Constituição de 1988,

formação isolada dos policiais em academias disciplinares e a ausência de uma

doutrina para o policiamento integrado e pouco diálogo nas cúpulas de

segurança no âmbito Federal, Estadual e Municipal, aliado a indefinições sobre

uma política criminal passível de aglutinar esforços de todos os atores do sistema

de justiça criminal forma o caldo profícuo para que a criminalidade organizada

seja favorecida e amplie gradativamente os seus domínios territoriais e,

inclusive, ultrapasse as fronteiras nacionais.

Não se pretende a defesa de que todos os órgãos policiais façam tudo, do

policiamento ostensivo/preventivo às atividades de investigação, vez que a

especialização de saberes é um caminho sem volta tanto na ciência como nas

atividades complexas que abrangem atividades de segurança pública. Pretende-

se apenas demonstrar a necessidade e caminhos possíveis para atuações

conjuntas, compartilhamento de meios, saberes e doutrinas para a melhora do

serviço de segurança.

O sistema de seleção, formação e atuação das polícias não favorece a

atuação cooperativa, a busca de convergências, o compartilhamento de meios e

conhecimentos, mas, ao contrário, favorece a competição, atritos, divergências

e duplicação de esforços e retrabalho.

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A concepção de redes é tal como os sistemas de teias, capaz de criar

tramas, como fazem as aranhas, por exemplo. As redes policiais que agem nas

fronteiras tecem tramas frouxas, fracas e pouco abrangentes, incapazes de

prender, principalmente nas bordas territoriais, nos limites entre os países. O

crime organizado sabe disso e explora esse vácuo de poder e ação.

Nesses espaços, nessas sombras, criam-se alguns refúgios para a

criminalidade que vai além da obra tosca e que, na dificuldade do

empreendimento delituoso e na busca de maiores lucros, tecem tessituras mais

fortes às policiais.

Portanto, além das fronteiras físicas, políticas e culturais entre os países,

há diversas fronteiras disciplinares e imateriais entre as forças de segurança

pública que atuam no Brasil, como Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária

Federal (PRF), Polícia Civil (PC), Polícia Militar (PM) e Guardas Municipais (GM),

e destas com as congêneres eventuais nos países vizinhos. O principal vértice

desta pesquisa será o modo de ultrapassar essas fronteiras imateriais que

dificultam o agir integrado e convergente das forças de segurança pública em

regiões de fronteira, bem como as fronteiras materiais (geográficas, territoriais),

como paradigma a Tríplice Fronteira e o CT.

A partir do ingresso no Mestrado interdisciplinar em Sociedade, Cultura e

Fronteiras na Universidade do Oeste do Paraná – (UNIOESTE), em 2016 como

aluno especial e com a proposta de pesquisa interdisciplinar e autores que

trabalham com o tema. Percebi que a mesma dificuldade existente na academia

podia ser projetada para a área de segurança pública, qual seja a formação ou

formatação disciplinar das polícias como empecilho para, mais adiante, permitir

uma atuação integrada, ou interdisciplinar, entre os órgãos de segurança.

Além das dificuldades de integração entre as forças de segurança pública,

há também a ausência de diálogo constante, direto e sistemático entre outros

importantes agentes do sistema de justiça criminal, como Ministério Público,

Justiça, Advocacia e Agentes prisionais.

A pouca articulação do que deveria ser um sistema de justiça criminal

favorece tremendamente a verdadeira epidemia de insegurança no Brasil, que

começa pela falta de uma política de segurança e desenvolvimento para as

imensas fronteiras nacionais, passa pelo desencontro entre as polícias e o

sistema de justiça e, finalmente, por negligências na execução das penas e

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gestão do sistema prisional. Isto favorece os desanimadores índices de

segurança pública no Brasil, com 30,3 homicídios por 100.000 habitantes e

62.517 homicídios em 20163.

Internacionalmente, as cooperações policiais em regiões de fronteira

entre países são desafios constantes para os Estados Nacionais.

Tradicionalmente, as atuações das polícias ocorrem dentro de cada território

nacional onde o Estado exerce seu poder soberano de ditar as normas e aplicar

a lei.

A criminalidade transnacional não atua dentro dos limites territoriais e

transcende, com maiores facilidades, os limites formais. O crime não observa

fronteiras ou barreiras e, ao contrário, percebe uma proteção para fugir à

persecução penal de autoridades de um dado país que, normalmente, sofrem

severos embaraços para obter e realizar investigações conjuntas com os países

vizinhos.

A pesquisa demonstrará esta realidade pouco colaborativa, disciplinar e

isolacionista das forças de segurança pública, bem como de todo o sistema de

justiça criminal no Brasil, e delineará paralelos com o que ocorre nos sistemas

de pesquisa disciplinar nas universidades.

Nas Academias, profissionais com uma determinada formação têm

severas dificuldades de atuar em pesquisas e desenvolvimentos complexos pela

falta de uma formação e olhar interdisciplinar desde as cadeiras de formação,

com reflexos nas dificuldades de um olhar para além das lentes estanques da

formação ou “formatação” disciplinar de um conhecimento extremamente

cartesiano.

A pesquisa busca na interdisciplinaridade, nos conceitos de redes e na

cooperação o amálgama teórico e prático para a construção constante de uma

exegese e práxis para o trabalho policial, tanto local como internacional, vez que

a fundamentação finalística é a mesma, qual seja: a necessidade de cooperação

para superar os desafios da criminalidade transnacional.

3Dados constam do Atlas da Violência 2018, publicado pelo IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf

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Nesta pesquisa será apresentado o funcionamento do modelo de

cooperação policial local existente na Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar

seu conhecimento amplo para eventuais replicações e adaptações do modelo de

cooperação para outras localidades de fronteira.

Sugerir formas de integração e de como remover e afastar barreiras e

facilitar o trabalho de cooperação policial, com exemplo de convergência

existente na área fronteiriça entre a Argentina, Brasil e Paraguai, seja no aspecto

interno (país) como no externo (países).

A pesquisa será relevante para apontar caminhos, práticas e referenciais

teóricos passíveis de fortalecer a integração e a segurança pública nas áreas de

fronteira, com reflexos concretos na segurança dos grandes centros urbanos,

desenvolver um estudo que, resgata a história do CT, reflete sobre possibilidades

concretas de integração, coordenação e convergências no trabalho policial para

além das fronteiras.

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1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS

Neste capítulo será apresentada a possibilidade de se utilizar do

fenômeno da interdisciplinaridade como forma de possibilitar a integração dos

trabalhos policiais. Será apresentado conceito de fronteiras, a configuração dela

no Brasil e na tríplice fronteira e discutidos conceitos de

multidisciplinaridade/pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e

transdisciplinaridade, como pressuposto que cada polícia é uma disciplina a

parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios.

Posteriormente, para mensurar o tamanho do desafio, apresentar-se-á a

estrutura atual das polícias no Brasil, com organização e viés eminentemente

disciplinar, as iniciativas de integração nas atuações de fronteira a partir de 2011,

como os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras (GGIF), a forma de

integração utilizada nos grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de

Futebol – Federação Internacional de Futebol – FIFA, 2014 e dos Jogos

Olímpicos de 2016 no Brasil, e as ações e cooperações de segurança local na

Tríplice Fronteira de Foz do Iguaçu/PR.

Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

(PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP),

previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de

30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as

fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011,

posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016.

1.1 FRONTEIRAS, LIMITES E CRIMINALIDADE.

O homem, de uma forma geral, gosta de ultrapassar fronteiras, desafiar

limites, superar desafios, ir além. E quando chega para além do horizonte

conhecido, alegra-se com a conquista, regozija-se com ela, brinda o novo

patamar, conta histórias e estórias sobre a meta alcançada e, passado o

momento inicial e decorrências, lança inquietamente seu olhar na busca de

novos e mais distantes limites para ultrapassar.

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Como filho de um universo em expansão o homem, evolui, faz perguntas

e busca respostas.

Essa relação de limites e superações é bem consignada pelo professor e

geógrafo Raffestin (1993, p.165):

Diariamente, em todas as fases de nossa existência, somos confrontados com a noção de limite: traçamos limites ou esbarramos em limites. Entrar em relação com os seres e as coisas é traçar limites ou se chocar com limites. Toda relação depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se origina, se realiza e se esgota.

O limite é uma criação humana; o traço provisório e fugidio, e serve tanto

para mostrar até aonde se foi, de forma a demarcar o porvir, como também para

dar distância e margem a uma ameaça, receio, medo ou desconhecimento do

que vem além, ou de quem está logo ali, nos limites daquele vale, no depois

daquele horizonte, no ultrapassar daquela cerca. E é a dúvida sobre o que vem

para além da visão humana que leva o homem a ir sempre adiante, como

irrequieto protagonista de suas dúvidas, aflições, temores e desenvolvimentos.

Mais adiante Raffestin destaca que os limites foram feitos para serem

suplementados:

O limite, a fronteira a fortiori, seria assim a expressão de uma interface biossocial, que não escapa à historicidade e que pode, por consequência, ser modificada ou até mesmo ultrapassada. (RAFFESTIN, 1993, p. 164-165).

Os limites, para o homem, sempre foram desafios para superar, um novo

ponto de partida, novas barreiras a ultrapassar. E nesta pesquisa incessante de

buscar novos horizontes, o ser humano adota um misto de competição e

colaboração. Compete-se com o meio e com outros seres vivos, para melhor

realização de anseios e ambições diversas e se colabora, em sociedade, para

alcançar alguns objetivos comuns.

Como exemplos dessa busca para superação de novos limites pode-se

citar os “descobrimentos” do novo continente americano a partir do século XV,

quando povos da Europa ultrapassaram limites do atlântico e chegaram à

América. A chegada à lua no século XX também pode representar este flerte

constante do homem com seus limites no mister de vê-los estabelecidos,

reconhecidos e superados.

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A globalização também representa a relatividade dos limites, com reflexos

tanto comerciais como culturais e criminais, pois a reboque de um maior

liberalismo nas relações comerciais entre os países também segue o incremento

do comércio ilícito entre territórios, para além das suas fronteiras formais.

Essas características de competição e colaboração podem ser vistas no

aspecto individual e social. O indivíduo compete com outros indivíduos por

melhores meios, recursos e destaque, ao passo que as sociedades também

disputam com outras sociedades por insumos, espaço, tecnologias e recursos

para melhor prover os seus.

Dificuldades momentâneas ou constantes são um dos amalgamas que

levam à cooperação. Historicamente os seres humanos reúnem-se ou não

dependendo do grau de dificuldades impostas pelo meio, por predadores

naturais, guerras ou calamidades.

Essas reuniões e cooperações formaram tanto sociedades sem Estado

(Clastres, 1978), sociedades feudais e os Estados Nacionais. Nestes últimos, a

noção de territorialidade e soberania fortaleceu a noção de fronteiras, fixaram

nacionalidades e, ao mesmo tempo, dificultaram a colaboração entre os povos

separados.

A criminalidade transnacional confronta os Estados e coloca em cheque

a soberania destes próprios entes, pois atua nas dificuldades de integração das

forças de segurança, nas bordas de seus territórios, uma das fragilidades mais

exploradas.

Ocorre que criminalidade organizada não se enfeixa em vetustos

conceitos de soberania. Consegue movimentar-se de forma mais flexível e

célere sobre territórios e cruzar fronteiras sem praticamente reconhecer

diferenças entre um ou outro país. Em contrapartida, os Estados Nacionais

criaram diversas amarras ao trânsito ágil de seus agentes policiais, dificultaram

a atuação integrada entre as instituições de segurança nas áreas de fronteira

entre países, circunstâncias que facilitam a atuação da criminalidade organizada

nas bordas territoriais, nos cantos menos iluminados pela colaboração entre os

países.

A criminalidade organizada transnacional trabalha com uma métrica de

comércio exterior, de globalização do ilícito e multiplicação de lucros, de

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encobrimento nos meandros de Estados Nacionais pouco articulados em suas

investigações.

É importante pontuar uma comum diferenciação entre limite entre países,

ou a linha de fronteira propriamente dita, quando efetivamente está cruzada a

linha de soberania entre Estados Nacionais e a faixa ou região de fronteira

normalmente mais alargada do que a simples linha de limite.

A Faixa de Fronteira do Brasil já teve dimensões de 66 km, passou para

100 km e, com a última alteração, de 1979 remanesce em 150 km. A dinâmica

está resumida nos estudos do Governo Federal para o desenvolvimento das

fronteiras nacionais:

Sob o governo de Dom Pedro II a largura estabelecida foi de dez léguas ou 66 quilômetros. Desde então, a extensão da Faixa de Fronteira foi sendo alterada, primeiramente para 100 e nos anos trinta para 150 quilômetros, permanecendo até hoje. A Constituição de 1988 avalizou essa disposição que manteve o ideal focado na defesa territorial. A Lei nº 6.634, de 1979, ainda persiste como a referência jurídica sobre a Faixa de Fronteira, que corresponde a aproximadamente 27% do território Nacional com 15.719 km de extensão. Abriga cerca de 10 milhões de habitantes de 11 estados Brasileiros, e lindeia a 10 países da América do Sul. (BRASIL, Ministério da Integração Nacional, 2017, p. 9).

A legislação sobre a Faixa de Fronteira do Brasil, considerada como área

indispensável à Segurança Nacional, de 150 km de largura, paralela à linha

divisória terrestre do território nacional4 dedica preocupação com a segurança

nacional e impõe várias restrições ao desenvolvimento da área, conforme se vê,

no Art. 2º. - Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança

Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a:

I - alienação e concessão de terras públicas, abertura de vias de transporte e instalação de meios de comunicação destinados à exploração de serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão de sons e imagens; II - Construção de pontes, estradas internacionais e campos de pouso;

4A definição legal encontra-se no art. 1º da lei 6634/79. Como a pesquisa versa sobre a Tríplice Fronteira, cumpre assinalar que o Paraguai considera como faixa de fronteira a região de 50 km a partir das linhas de fronteira terrestre e fluvial, conforme artigo 1º da lei 2.532/2005. A Argentina, por sua vez, a partir da lei 15.385/1944 criou-se as Zonas de Segurança, dividida em Zonas de Segurança de Fronteiras e Zonas de Segurança do Interior. A extensão destas zonas depende de ato do Poder Executivo, no máximo 150 km, na fronteira terrestre, 50 km na fronteira marítima e 30 km nas zonas de segurança no interior.

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III - estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo. IV - instalação de empresas que se dedicarem às seguintes atividades: a) pesquisa lavra exploração e aproveitamento de recursos minerais, salvo aqueles de imediata aplicação na construção civil, assim classificados no Código de Mineração; b) colonização e loteamento rurais; V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel; VI - participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural;

As restrições não contribuem para a melhora das condições de segurança

da Faixa de Fronteira e representam, de forma clara, uma concepção antiga

desta como uma área de amortecimento da linha de fronteira propriamente dita,

de limite com países vizinhos. Representa também a concepção de que os

países vizinhos pudessem ser um desafio à soberania Estatal, vendo os

estrangeiros como “estranhos”. A concepção sugere a fronteira como limite,

como fim e não como lugar de encontro de povos, de convivência e

reconhecimento da diversidade.

A visão obsoleta que destaca o estranhamento e a suspeição do outro, do

vizinho, do forasteiro, coloca a Faixa de Fronteira como área de segurança

especial, com restrições diferenciadas ao restante do território nacional,

representa uma noção antiga, derivada de momentos históricos em que as

questões territoriais no Brasil ainda não estavam definidas, e pouco contribuiu

para que a extensa área de fronteira nacional mereça o desenvolvimento

condizente com a sua pujança.

Vargas (2017), na obra Formação das Fronteiras Latino-Americanas,

classifica essa noção de fronteira, como limite de território, ligada ao conceito

etimológico que representaria a praça fortificada defronte ao inimigo. Nessa

concepção, o significado de fronteira é carregado de desconfiança, medo, temor

do outro, daquele que vem além, sendo a região um local de amortecimento, que

não deve ser desenvolvido para não vulnerar o Estado Nação quando de uma

possível guerra.

Vargas, apresenta uma outra concepção de fronteira como lugar, como

espaço, para além da ideia de simples limite territorial:

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31

Um lugar, um espaço vivenciado em comum pelas pessoas de uma

comunidade fronteiriça em suas atividades cotidianas de trabalho, lazer, estudo,

convívio familiar, negócios. (VARGAS, 2017, p.44).

Para esta pesquisa, a proposta é ver as fronteiras como espaços

singulares de encontro entre povos, com a evolução da ideia de fronteira para

além da visão de uma área territorial de limite, típica das teorias jurídico-políticas,

e vê-la como transbordante, como uma territorialidade transfronteiriça de

integração, contato e desenvolvimento.

Fronteiras são espaços de contato e trocas, e esses encontros e

aproximações podem levar a tensões, atritos e conflitos. Permitem

complementações, alianças e colaborações que promovem ganhos recíprocos

àqueles que, a partir dos contatos e diferenças, reconhecem possibilidades de

convergência e coordenação, pela interdisciplinaridade, em que conhecimentos

distintos dialogam.

As fronteiras entre os países sempre foram transbordantes e, atualmente,

ainda mais em face das atividades comercial, de turismo e migração existente

entre os povos, mormente após o fenômeno da globalização. Esse novo

dinamismo desafia as antigas ideias de soberania, de território e de fronteiras

cerradas. O crime organizado transnacional não percebe os limites entre os

países como problema e sim como oportunidade de suprir mercados ilícitos e de

furtar-se à atuação estatal, pouco integrada.

No desenvolvimento da pesquisa, mais do que controlar de forma

absoluta o espaço fronteiriço, é mister, para aprimoramento da segurança de

todos que nela habitam e no geral de todos os territórios nacionais impactados,

que haja a possibilidade das forças de segurança transpor a fronteira de maneira

regrada e dinâmica, sem maiores burocracias, de forma a dificultar a eclosão de

comércio irregular e de riscos crescentes à segurança pública dos países.

Nos delitos de descaminho, por exemplo, a principal motivação é o lucro

decorrente de diferenças de tributação de produtos de um país para outro, de

um lado e do outro das fronteiras nacionais.

As diferenças de tributação de produtos nos territórios de Argentina, Brasil

e Paraguai, principalmente na questão atual do tabaco, criou um campo vasto

para sedimentação de uma criminalidade organizada que se ancora,

principalmente, na falta de uma visão mais tributária do que criminal para a

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32

solução do problema do contrabando e descaminho5. É necessário que haja uma

unificação real de mercados, o que se pretende como desiderato para o

MERCOSUL, para parte da América do Sul, já alcançado pela União Europeia -

UE.

Na obra de Vargas, vem a ideia de estranhamento e entranhamento, para

distinguir, respectivamente as concepções de fronteira como limite ou como

lugar:

Se por um lado o sentido de limite do território explicita uma função desagregadora da fronteira, caracterizada pelo distanciamento e pelo ‘estranhamento’ em relação ao outro, por outro lado a ‘nova’ acepção estabelece a fronteira como um lugar, como um espaço de convívio de uma comunidade imaginada, evidenciando certa função gregária da fronteira em um tipo distinto de relação com a alteridade, marcada pela aproximação e pelo ‘entranhamento’ do outro. (VARGAS, 2017, p. 44).

Essa conceituação de entranhamento é semelhante a uma concepção de

convergência ou até mesmo de fusão, correspondente, na visão da professora

Olga Pombo (2008), respectivamente, às ideias de interdisciplinaridade e

transdisciplinaridade que serão empregadas adiante como fundamentação

teórica à integração do trabalho policial nas fronteiras, o principal objetivo desta

dissertação.

A atuação policial nas áreas de fronteira deve partir do pressuposto de

que merece ser feita de forma convergente, como uma territorialidade comum

em que os esforços de segurança devem ser compartilhados com os países que

se encontram, e não como um limite cerrado ao trabalho policial. Mesmo por que

5Sobre a questão tributária que incentiva a problemática “endêmica” do contrabando de cigarros paraguaios para o Brasil, tem-se o estudo “A Lógica Econômica do Contrabando” do Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de Fronteiras -IDESF, disponível no site <www.idesf.org.br> No estudo demonstra-se a necessidade urgente de reforma do complexo modelo tributário brasileiro, cujo sistema arrecadatório representa, conforme a pesquisa, um “tributo ao contrabando”. Demonstra-se também que a criação de uma linha popular de cigarros brasileiros, com diminuição de impostos, poderia fazer frente à invasão do contrabando de cigarros, mantendo-se ou até mesmo ampliando-se a arrecadação de tributos, vez que, atualmente, cerca de metade do mercado de cigarros no Brasil é clandestino e abastecido de cigarros paraguaios, que não sofrem tributação e têm preços mais competitivos e qualidade inferior. Os problemas de saúde causados pelo tabaco são potencializados pela enxurrada de cigarros clandestinos que ingressam no país.

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33

o crime, os atos e delitos são praticados de forma transfronteiriça pelas

organizações criminosas.

O estranhamento e a falta de encontro e cooperação entre as polícias são

situações que só favorecem a disseminação de organizações criminosas que

buscam guarida nas fronteiras estanques de Estados Nacionais rígidos, com

polícias pouco articuladas e integradas entre si.

Tal fenômeno traz sérios riscos para a soberania dos Estados Nacionais,

pois em algumas parcelas de seus territórios a aplicação das normas,

fornecimento de serviços, segurança e a solução de conflitos são capitaneados

por tais organizações que, paulatinamente, vão soçobrando as instituições,

infiltrando-se nestas pelo processo eleitoral e até mesmo na via de concursos

públicos.

O território, fronteiriço ou não, é o lugar essencial em que o homem

materializa sua obra. Semelhante à tela para o pintor, lugar onde cristaliza a sua

arte, o território é o lugar de manifestação e desenvolvimento de povos,

comunidades e nações.

Milton Santos refere ao território como:

O lugar que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência. (2007, p. 13).

A diferença entre espaço e território é a conotação jurídico-política que se

dá à territorialidade em contraposição ao sentido geral, mais abrangente da

noção de espaço. Claude Raffestin (1993, p. 2) distingue-os apontando o espaço

como prévio e o território como uma delimitação humana do espaço dado,

anterior. Para o autor “O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que

os homens constroem para si”.

Especificamente para o caso da movimentada fronteira entre Argentina,

Brasil e Paraguai, denominada como tríplice fronteira, no encontro entre seis

cidades: de Foz do Iguaçu – Estado do Paraná – Brasil; Puerto Iguazú –

Província de Misiones –Argentina, e Ciudad del Este, Presidente Franco,

Minga-Guazu e Hernandárias –Departamento de Alto Paraná – Paraguai. Esta

área de fronteira é extremamente dinâmica e populosa, cuja territorialidade foi

construída ao longo de muitos anos em processos de sístole e diástole, de

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34

aproximações e afastamentos, de entranhamentos e estranhamentos, de

sínteses e antíteses, enfim, de aproximações e distanciamentos que culminaram

em uma dependência mútua entre os povos da fronteira para os quais a

coexistência é fundamental ao desenvolvimento e melhora geral das condições

territoriais.

A fronteira, pois, é uma territorialidade interdisciplinar por excelência,

lugar em que a diversidade se encontra, entrelaça-se, dialoga, discute, repele-

se e funde-se.

De todas as tríplices fronteiras da América Latina, a maior em área

urbanizada e conurbada e dinamicamente articulada, começou nos fins dos anos

de 1950, com a fundação de Puerto Presidente Stroessner, que mais tarde

denomina Ciudad del Este. (Rabossi, 2011, p. 40)6

Conforme Cury, a “Tríplice Fronteira representa uma Territorialidade

Transfronteiriça, uma convergência geográfica, histórica, cultural, política e

comercial”. (CURY, 2010, p. 18). Pode-se agregar aos aspectos anteriores a

segurança pública e cooperação policial, fundamentais para as demais.

Para que a Tríplice Fronteira possa obter ainda maiores ganhos de

emancipação, é mister maior união e convergência na área de segurança

pública. Essa convergência pode ser representada no símbolo do encontro das

águas do Rio Paraná e Iguaçu, estabelecido quase que em um raro ângulo reto

da natureza e que une e delimitam os três países: Argentina, Brasil e Paraguai.

Também, pelo compartilhamento de fronteiras, tanto para a geração de

energia, caso da usina hidrelétrica de Itaipu, formada da união de Brasil e

Paraguai, como pela integração de Argentina e Brasil, na exploração turística

das Cataratas do Rio Iguaçu e dos Parques Nacionais do Iguaçu.

Busca-se, pois, comprovar que as ‘Territorialidades Transfronteiriças do Iguassu – TTI’, além de sua utilidade para as ações públicas e privadas de desenvolvimento do Turismo, adéqua-se para definir uma unidade socioespacial e geoeconômica, influindo na dinâmica social e política dos três países envolvidos. Resta, então, o uso linguístico de cada Nação, empregando-se, desde já, o TTI para as reflexões atinentes à integração territorial em análise. (CURY, 2010, p. 18)

6Trata-se de artigo “Como pensamos a Tríplice Fronteira” (p. 39-61) de FERNANDO RABOSSI. Capítulo 2 do livro “A Tríplice Fronteira: Espaços Nacionais e Dinâmicas Locais. Editora UFPR, 2011. Organizadores: Lorenzo Macagno, Silvia Montenegro e Verónica Giménez Béliveau.

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35

O lugar da pesquisa, a Tríplice Fronteira, é único, dinâmico e foco de

preocupações constantes no tocante à segurança pública, com reflexos locais,

regionais e até mesmo mundiais. Também representa um importante entreposto

comercial para a América do Sul e o mundo:

Na atualidade, as três cidades juntas somam mais de 500 mil habitantes. Se somadas as conurbações urbanas do lado paraguaio, entre Ciudad del Este, Presidente Franco, Hernandárias e Minga-Guaçu, que formam uma Região Metropolitana, a soma ultrapassa os 800 mil habitantes. (KLEINSCHMITT et all, 2013, p.04).

No Estado do Paraná, a Tríplice Fronteira significa um importante pólo

turístico e comercial. Caso seja considerada toda a região de fronteira do Paraná,

que é a mais populosa do Brasil, ter-se-ia mais de dois milhões de habitantes7

em 139 municípios, ocupando, aproximadamente, 35% do território do Estado

(Segurança Pública nas Fronteiras: Relatório Final do Paraná8).

Conclui-se que o Paraná tem cerca de 20% de toda a sua população

residindo na região de fronteira.

Os dados da Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras -

ENAFRON informam que, nos 27% do território nacional que constituem a

totalidade da fronteira brasileira, residiriam cerca de 5% de toda população, ou

seja, 10 milhões de habitantes.

Comparativamente, os 2.357.850 km² da área de fronteiras oeste do Brasil

chegam próximos a todo o território da Argentina, que possui área de

2.780 400 km². Na Argentina, entretanto, a população é de aproximadamente 43

milhões de habitantes.

7http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e-dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras-1/apresentacao-enafron 8Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS); Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU).

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A figura 1 ilustra o Estado do Paraná com destaque para a porção dos

139 municípios da Faixa de Fronteira:

Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira

Fonte: CAPE-PR - 2019

Por ser uma das nove tríplices fronteiras do Brasil,9 a fronteira de

Argentina, Brasil e Paraguai é referência imediata e mundial quando se

menciona a região. A terminologia, segundo Rabossi (2004, p.24), foi empregada

a partir de 1992 tendo em vista apontamentos sobre ação de grupos terroristas

na região quando do atentado à Embaixada Israelense em Buenos Aires naquele

9O Brasil tem nove tríplices fronteiras com: 1) Argentina e Paraguai (município de Foz do Iguaçu/PR); 2) Argentina e Uruguai (municípios de Uruguaiana e Barra do Quaraí/RS); 3) Bolívia e Paraguai (município de Corumbá/MS); 4) Bolívia e Peru (município de Assis Brasil/AC), 5) Colômbia e Peru (Atalaia do Norte/AM); 6) Colômbia e Venezuela (São Gabriel da Cachoeira/AM); 7) Venezuela e Guiana (Uiramutã/RR); 8) Guiana e Suriname (Oriximiná/PA); 9) Suriname e Guiana Francesa (Laranjal do Jari/AP).

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ano. Na sua tese de doutoramento sobre Ciudad del Este, RABOSSI10 diz que,

anteriormente, a região era cunhada como zona, área ou região das três

fronteiras. A referência é tão robusta hoje que, de substantivo geral, a menção à

Tríplice Fronteira sugere diretamente a confluência entre Argentina, Brasil e

Paraguai, tornando-se nome próprio do local, motivo pelo qual se adota o termo

Tríplice Fronteira em maiúscula para referir à localidade nesta obra. Em suma:

podemos ter várias outras tríplices fronteiras no Brasil, mas “a Tríplice Fronteira”

é a do encontro de Argentina, Brasil e Paraguai.

O substantivo próprio Tríplice Fronteira começa a ser usado para referir-se à confluência desses limites internacionais (...) forma de retratar a área caracterizada pela falta de controle do movimento pelos limites internacionais que teria favorecido o desenvolvimento de todas as atividades ilícitas mencionadas. (RABOSSI, 2004, p.24).

Na obra em que analisa a Tríplice Fronteira no contexto do terrorismo,

Arthur Bernandes do Amaral diz que, antes, na década de 90 do século passado

“havia somente as três fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai – aquele algo

plural” (AMARAL, 2010, p. 32). Gradativamente, as partes fundiram-se e o que

antes era “as” três fronteiras, tornou-se “a”Tríplice Fronteira, uma

transdiciplinaridade, uma fusão, aglutinação.

O próprio conceito de Tríplice Fronteira – enquanto um novo corpo que transcende as partes que a compõem, sem negá-las – nasce intimamente relacionado a questões de segurança, mais especificamente ao terrorismo e outras dinâmicas de caráter inter e transnacional. (AMARAL, 2010, p. 33).

Ver-se-á adiante que o CT surge a partir da preocupação com o terrorismo

no cone Sul, notadamente a partir dos atentados de 1992 e 1994 em Buenos

Aires. As primeiras alusões ao organismo de cooperação policial, nos idos de

1996, era de Comando Tripartite das três fronteiras o que confirma as afirmações

dos autores citados.

10Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/262950/mod_resource/content/1/Rabossi.Nas%20ruas%20de%20Ciudad%20del%20Este.pdf

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Entretanto, não será escopo desta pesquisa a análise ou estudo do CT

como unidade voltada para a prevenção à crimes de terrorismo, mas sim como

relevante unidade de cooperação policial local que visa a troca de informações

e auxílios mútuos para a prevenção e repressão de ilícitos transnacionais, dentre

eles a lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, armas, munições, pessoas e o

terrorismo.

1.2 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA

O movimento de interdisciplinaridade, em que pese a dificuldade de

conceituação inequívoca do termo, é um exercício constante de volta à totalidade

do homem, um retorno a casa na sua completude, uma retomada do humanismo.

Com o iluminismo e a evolução dos estudos e métodos científicos, em

maior escala a partir do século XVII na Europa, o conhecimento foi

gradativamente cindido em disciplinas muitas vezes rigidamente delimitadas, a

fim de permitir o mergulho fechado em aspectos cada vez mais singulares do

conhecimento humano. Tal especialização gradativa permitiu formidáveis

avanços nas ciências, mas também fez o homem de ciência enfeixado nas suas

especialidades.

Desde René Descartes, no século XVII, com a obra O Discurso do

Método, quando expõe os quatro preceitos básicos de seu método científico, diz,

sobre a necessidade de “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em

tantas parcelas possíveis e que fossem necessárias para melhor resolvê-las (...)”

(DESCARTES, 2005, p. 55).

Era preciso dividir para estudar, classificar, categorizar, separar e com

isso estabeleceram-se fronteiras e limites entre os saberes humanos, com

formação de caminhos murados para viabilizar pesquisas cada vez mais

pontuais e específicas. O foco era o singular, o individual. Buscava-se conhecer

muito de pouco e, a partir do pouco, delimitar ainda mais particularidades para

reiniciar o mergulho, como que para abrir um fôlego novo e, novamente

mergulhar mais e mais profundamente.

O homem focava cada vez mais o específico, flertava com o singular, e

esquecia-se de olhar as paisagens e os conhecimentos que pairavam ao

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derredor da ciência estrita praticada, tal qual o piloto concentrado em uma corrida

de alta velocidade, cuja rapidez não permite qualquer respiro de diletantismo ao

condutor, que, mesmo percorrendo grandes distancias aprisionado na

velocidade, nada sabe sobre os lugares e cercanias que percorreu.

Fritjof Capra, quando traça paralelos entre o conhecimento racional

(científico) e o intuitivo (místico) destaca que o conhecimento racional “deriva da

experiência que possuímos no trato com objetos e fatos do nosso ambiente

cotidiano. Ele pertence ao reino do intelecto, cuja função é discriminar, dividir,

comparar, medir e categorizar” (CAPRA, 2011, p.40).

Na ciência disciplinar, ao lado dos formidáveis avanços que proporcionou,

muitas soluções perderam-se nos escaninhos estanques e nas fronteiras

silenciosas das disciplinas sem diálogos ou encontros com outras doutrinas,

conceitos, métodos e costumes. A ciência disciplinar encerrou-se em círculos

restritos de conhecimentos extremamente especializados.

Nas universidades e faculdades, ao final de um extenso currículo

formativo, de uma formação voltada a colocar o sujeito na “forma” termina-se

com a denominada “formatura” quando finalmente declara-se e certifica-se que

o estudante está ou foi definitivamente colocado na forma do conhecimento

disciplinar.

O movimento da interdisciplinaridade vem propor um aumento de

interação entre as “caixas” do conhecimento e os pesquisadores das mais

diversas áreas, numa perspectiva de integração, convergência e

compartilhamento de saberes entre as inúmeras especialidades da ciência

moderna.

Pensar de forma interdisciplinar é ver a ciência como esporte coletivo, em

que todo o jogador, na sua habilidade especial, contribuiu para o avanço e a

vitória da agremiação. Assim é a perspectiva interdisciplinar para a segurança

pública e cooperações em fronteira que se propõe.

Um marco para o avanço do pensamento interdisciplinar, conforme

Alvarenga et all (2011, p. 31) foi o primeiro Seminário Internacional sobre Pluri e

Interdisciplinaridade sediado na Universidade de Nice na França em setembro

de 1970, oportunidade em que é proposto, ao lado das terminologias pluri e

interdisciplinaridade, o termo transdisciplinaridade. Conforme os autores citados:

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Esses três termos passam de um modo articulado, a partir de então e até o presente momento, a representar um novo horizonte de possibilidades para o tratamento diferenciado de problemas complexos e de busca de superação de limites do conhecimento centrado, de maneira exclusiva, no paradigma unidisciplinar.(ALVARENGA, et all, 2011, p.32).

A prática interdisciplinar, cuja conceituação ainda é difícil, conforme se

verá adiante, pode ter aplicações para muito além da ciência e dos métodos

científicos. Deve ser uma prática humana incentivada que flerta com a tolerância,

a cooperação e o reconhecimento da diversidade do indivíduo, de organizações,

visões de mundo e investigações.

Tal qual a ciência que enfrenta problemas mais complexos, as sociedades

no geral e a segurança pública no específico atuam em cenários multifacetados

a demandar esforços integrados de diversas áreas de conhecimento e

especialidades.

O mesmo fenômeno de disciplinarização que ocorreu nas ciências

aconteceu na segurança pública, especialmente no Brasil, como se vê na criação

de várias polícias, com atribuições específicas e especializações internas e

ainda divisões no âmbito federal e estadual, com manifestações inclusive

municipais nas Guardas Municipais.

Há sérios problemas de integração e de perspectiva interdisciplinar

também no sistema de justiça criminal que congrega os órgãos policiais, judiciais

e de execução penal, bem como no Ministério Público e nas instituições de

defesa, da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e Defensorias Públicas.

A falta de integração, que, na base, deriva de falhas na formação e aptidão

para o trabalho interdisciplinar, pode explicar, em parte, a grave crise de

segurança pública vivenciada hoje no Brasil, com índices de mortalidade

comparáveis aos piores conflitos e guerras internacionais e com a ascensão

direta de organizações criminosas que rivalizam com o Estado Nacional na

disputa pela organização da sociedade, com dominação de territórios e

determinação de normas e regras de comportamento pelas facções criminosas.

O objetivo principal deste capítulo é traçar um marco conceitual mínimo

sobre o movimento da interdisciplinaridade e trabalhar, para além da

interdisciplinaridade nas ciências, com a sua utilização nas ações de segurança

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pública no Brasil, para demonstrar a necessidade de cooperação interagências

no trabalho policial e de justiça, inclusive nas cooperações policiais

internacionais em áreas de fronteira. Ao final, pretende-se responder sobre a

possibilidade de uma teoria geral da cooperação policial fundada na

interdisciplinaridade e seus termos básicos.

1.3 A INTERDISCIPLINARIDADE E APLICAÇÃO NAS AÇÕES INTEGRADAS DE SEGURANÇA PÚBLICA.

Para POMBO (2008), o termo interdisciplinaridade estaria gasto e seria

extremamente equívoco e de utilização vulgarizada. Entretanto, a autora propõe

uma definição para interdisciplinaridade, bem como para multidisciplinaridade ou

pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade. Será a partir da proposta da autora

portuguesa que serão trabalhados os conceitos mencionados nesta pesquisa.

Imperativo ressaltar que há várias outras definições e divisões passíveis de

utilização para a importante terminologia.

Pela clareza e construção teórica, selecionou-se o modelo proposto pela

pesquisadora. Todos os termos: multidisciplinaridade/pluridisciplinaridade,

interdisciplinaridade e transdisciplinaridade podem ser encarados como

espécies ou formas de integração.

O esforço aqui é dar um sentido menos equívoco aos termos comumente

utilizados em diversos estudos. Parte-se, desde o início para uma fixação

semântica e oportuna do conceito multidisciplinaridade (ou,

pluridisciplinaridade), interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Ambos os

termos vêm como reação ao pensamento disciplinar e isolacionista.

A proposta de Pombo sobre a conceituação seria tomar os termos de

forma contínua, mas não hierarquizada, a partir de uma noção de coordenação

ou paralelismo da multidisciplinaridade, perpassada pela ideia de convergência

ou perspectivismo da interdisciplinaridade e finalizada na fusão, unificação ou

holismo da transdisciplinaridade, sem que isso determine algum grau de

superioridade de um dos termos sobre o outro. Os termos representam formas

ou estágios para ações integradas.

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Pensar em interdisciplinaridade seria trabalhar com uma ideia de

convergência sem fusão, ao passo que na pluridisciplinaridade, ou

multidisciplinaridade, a premissa seria um esforço de paralelismo e coordenação

mínima. Por fim, na transdisciplinaridade haveria a fusão e unificação.

Um trabalho minimamente integrado seria aquele que congrega ao menos

esforços de coordenação em paralelismo, entre conhecimentos diversos e

complementares, como expertises passíveis de se apoiarem reciprocamente.

Algo como um caminhar lateralizado, como amigos que andam juntos e se

apoiam e dividem talentos e meios durante a jornada.

Na atuação policial, um trabalho multidisciplinar seria aquele que

congrega diversas polícias ou equipes em uma coordenação mínima, como por

exemplo: um horário específico para início das atividades, divisão de ações em

um dado território, mantendo-se a formação inicial das equipes previamente

consideradas em suas próprias forças.

Na interdisciplinaridade, o movimento, para além do caminhar junto, em

paralelo, seria a atuação convergente, com foco comum e compartilhamento de

recursos e meios para o alcance de uma meta conjunta, tal qual as mãos dadas

para superação de uma barreira ou para acertar o passo durante um salto

desafiador. No caso policial, um exemplo seria a formação de uma equipe

diversa, com Policiais Federais, Rodoviários Federais, Civis e Militares para,

juntos, em força tarefa, compartilhar as melhores expertises, enfrentar uma

organização criminosa que promove ações violentas em uma dada região, com

compartilhamento de equipes, meios e práticas a fim de dar a solução qualificada

para o desafio apresentado.

O estudo de caso proposto para pesquisa no capítulo três também é

exemplar do sentido interdisciplinar que se pretende como paradigma para uma

atuação integrada das polícias, de ordem local para o global.

A fusão já seria uma ideia de transdisciplinaridade, de partes que se unem

profundamente e se somam descaracterizando-se individualmente para a

criação de um novo produto, ser, sentido ou atuação. Neste caso, como exemplo

humano, poder-se-ia falar em homem e mulher que, juntos e voluntariamente,

dão origem a um novo ser, somando-se geneticamente e descaracterizando-se

individualmente para que uma nova geração surja.

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No trabalho policial, a fusão ou transdisciplinaridade poderia ser

representada por discussões que envolvem propostas de junção de polícias,

como os debates e projetos que advogam a fusão das Polícias Estaduais

(Polícias Militares e Polícias Civis) como solução para maior integração.

A transdisciplinaridade, como as demais faces da integração

(multidisciplinaridade e interdisciplinaridade), deve ter aproximações negociadas

e consensuais, nunca uma imposição fria, sem vontade das partes, sob pena de,

ao serem forçadas e abruptas, gerarem o efeito inverso de repulsa e divisão. Por

isso as fusões de órgãos policiais geram tamanhas discussões e polêmicas.

Pombo destaca que:

Não há na proposta que apresentei qualquer intuito de apontar um caminho progressivo que avançasse do pior para o melhor. Pelo contrário, entre uma lógica de multiplicidades para que apontam os prefixos multi e pluri e a aspiração à homogeneização para que, inelutavelmente, aponta o prefixo trans enquanto passagem a um estádio qualitativamente superior, o prefixo inter, aquele que faz valer os valores da convergência, da complementaridade, do cruzamento, parece-me ser ainda o melhor. (POMBO, 2008, p. 15).

Forte no conceito de interdisciplinaridade proposto pela autora, portanto,

estaria a ideia de cooperação, complementaridade e convergência em

contraposição à ideia de competição, de rivalidade entre aqueles que devem, na

verdade, ser parceiros na construção do conhecimento e da ciência, e também,

no caso da presente pesquisa, para aspectos da segurança pública.

A cooperação policial, vista internamente entre as polícias do Brasil, bem

como internacionalmente em relação aos países vizinhos, é, uma manifestação

da interdisciplinaridade.

Pombo destaca as disputas e cisões no âmbito das ciências, que

merecem paralelos nas atuações policiais:

A ciência surge hoje como um conjunto de instituições cindidas, fragmentadas, absolutamente enclausuradas cada qual na sua especialidade [...] A ciência é hoje uma enorme instituição, com diferentes comunidades competitivas entre si, de costas voltadas umas para as outras, grupos rivais que lutam para arranjar espaço para o seu trabalho, que competem por subsídios, que estabelecem entre si um regime de concorrência completamente avesso àquilo que era o ideal científico da comunicação universal. (POMBO, 2008, p.17)

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A crítica da autora para a competitividade das instituições de ensino e

pesquisa pode ser aplicada aos órgãos de segurança pública e sistema de justiça

criminal, que reúne polícia, Justiça, Ministério Público e execução penal no

Brasil.

A Constituição Federal de 1988 determinou os princípios de um sistema

de segurança pública colaborativo com atribuições definidas entre vários órgãos

policiais para atuação conjunta. Em seu artigo 144 destaca no caput ser um

dever do Estado, mas também uma responsabilidade de todos, para muito além

das atividades policiais, preventivas e repressivas que possam ser gestionadas.

O caput do artigo, acertadamente, revela, nesta ampla responsabilidade

sobre a segurança de todos, um enorme desafio e uma clara necessidade de

cooperação e convergência de esforços, atividades claras de uma atuação

interdisciplinar.

Convém citar expressamente o caput do artigo 144 da Carta da República

Federativa do Brasil:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (grifos nossos)

Na Argentina não há detalhamento Constitucional sobre a organização da

segurança pública, pois a Constituição do país é concisa. A organização das

polícias é matéria de leis ordinárias. A lei nº 24.059, sancionada em 18 de

dezembro de 1991, organiza as diversas polícias Argentinas. O país possui

quatro polícias de âmbito nacional, vinculadas ao Ministério da Segurança:

Policía Federal Argentina - PFA; Policía de Seguridad Aeroportuaria - PSA;

Prefectura Naval Argentina - PNA e Gendarmería Nacional - GNA. As províncias,

similares aos Estados brasileiros, podem instituir suas polícias regionais. Os

municípios podem igualmente ter suas próprias polícias11.

11 A Polícia de Segurança Aeroportuária – PSA; Gendarmeria Nacional – GM e Prefeitura Naval - PN, derivam remotamente das forças armadas Argentinas,

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No Paraguai, a Constituição Federal de 1992, no artigo 175 faz referência

à Polícia Nacional. A lei nº 222/93, sancionada em 29 de junho de 1993, dispõe

sobre a organização da Polícia Nacional, vinculada ao Ministério da Segurança

do Paraguai, única de nível nacional, com atribuições de controle de fronteiras,

polícia de segurança (ostensiva) e de investigação (judiciária ou repressiva). A

“Patrulla Caminera” que atua nas rodovias está vinculada ao Ministério das

Obras Públicas e Comunicações, sem representar uma Polícia no sentido estrito

do termo. Posteriormente, o artigo 272 da Constituição Paraguaia permite a

criação de uma Polícia Judicial, vinculada ao Poder Judiciário. Essa força

policial, entretanto, não foi instituída naquele país.

A Constituição brasileira, no seu artigo 144, diz ser uma responsabilidade

de todos, a segurança pública, logo após atribuí-la como dever ao Estado, no

seu mais amplo aspecto de Estado Nacional Brasileiro. Sugere, de forma nítida,

a necessidade de integrar diversos atores e esforços, em oposição à concepção

de separação, segregação e competição. Essa integração no sentido lato é

composta de práticas e esforços multidisciplinares, interdisciplinares e até

mesmo transdisciplinares em negativa ao isolacionismo disciplinar.

A integração na segurança pública consiste, pelo menos, em uma

atividade multidisciplinar de coordenação para a boa gestão e governança deste

imenso desafio da segurança. O desafio repise-se, envolve não só as polícias e

o sistema de justiça criminal, mas também o sistema educacional, as famílias, o

trabalho, enfim, toda a sociedade organizada.

Pode-se dizer, à luz do texto constitucional e da conceituação

interdisciplinar, que o esforço mínimo é de coordenação (multidisciplinaridade),

mas também de interdisciplinaridade (convergência e foco) em atuações que

devem envolver toda a sociedade, começando pelas polícias, com atuações

conjuntas e formação compartilhada (interdisciplinares), passa pelo sistema de

respectivamente: Aeronáutica, Exército e Marinha. A PSA faz a segurança dos aeroportos e áreas próximas, mas sem atribuição de controle migratório, à cargo da Direção Nacional de Migração - DNM. A Gendarmeria tem atribuições de policiamento de fronteiras e a Prefeitura Naval cuida do policiamento das vias navegáveis. A Polícia Federal da Argentina atualmente tem funções mais de polícia judiciária. Entretanto, as diversas polícias daquele país atuam em ciclo completo, todas com atribuição para promover investigações e atuar como polícias de segurança, ostensivas. Em Buenos Aires, atua a Polícia da Cidade, antiga polícia metropolitana, que cuida do policiamento da cidade de Buenos Aires, sem prejuízo das quatro polícias federais, também presentes na capital federal.

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justiça criminal, de forma a iniciar um efetivo tratamento para além do disciplinar

e das atribuições e competências estanques de uma simples leitura fechada e

jurídica do texto constitucional.

Os aspectos de multi ou pluridisciplinaridade consistem numa atuação

orquestrada e coordenada das atividades, como quando Policiais Federais e

Estaduais atuaram em uníssono, junto com inúmeras outras forças de

segurança, defesa e fiscalização, nos grandes eventos esportivos de 2014 e

2016 no Brasil, cada qual fazendo suas expertises Constitucionais

simultaneamente. Já a integração no aspecto da interdisciplinaridade seria a

convergência em um maior compartilhamento de meios (helicópteros,

embarcações, sistemas de comunicação), através de equipes mistas que atuam

conjuntamente e até internacionalmente.

O Estado Nacional dever ser o indutor maior da segurança pública,

maestro de uma grande e complexa orquestra dessa necessária atividade

interdisciplinar, de convergência, ou, ao menos, multidisciplinar, de coordenação

(paralelismo). Deve atuar como o técnico de uma equipe esportiva, que sabe

coordenar os esforços, escalar os jogadores para atuação nas posições

indicadas, estudar o adversário, indicar as vulnerabilidades a serem exploradas,

fornecer os meios, determinar as metas e cobrar os resultados.

A segurança, aliás, é atividade fundamental dos Estados desde seus

primórdios, quando os homens se reuniram e instituíram uma organização

transcendente ao individual para gerir a vida comum.

O Estado passou, gradativamente, a monopolizar o uso da força e a

gestão dos conflitos. Quer no Absolutismo (Hobbes, 1999), com a concepção de

um Estado forte, do Leviatã, do soberano absoluto erigido para superar a

natureza do homem, naturalmente mau e egoísta do século XVII, ao Iluminismo

do contrato social (Rosseau, 1971) do século XVIII, em que o homem, agora

naturalmente bom, se junta a outros homens partindo para a sociedade civil,

cabe ao Estado, a partir do monopólio da força legítima de que dispõe, exercer

a liderança nas atividades de segurança pública.

É possível pensar em várias formações e modelos para o Estado, ou

mesmo em sociedades que prescindam dele (Clastres, 1978), mas a função de

segurança sempre será fundante para toda e qualquer sociedade.

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O Supremo Tribunal Federal - STF corrobora a função de liderança do

processo de segurança pública como ínsita do Estado como um todo, passível

de atuação do Judiciário:

O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. (A Constituição e o Supremo)12

Ocorre que esta necessária liderança do Estado, na coordenação das

atividades para o alcance de uma segurança pública em estágios mínimos de

eficiência, se vê nitidamente vulgarizada no Brasil.

Apenas recentemente, estabeleceu-se uma proposta de política nacional

de segurança pública, através da lei nº 13.675, de 11 de junho de 201813, trinta

anos após a promulgação da Constituição Federal. Essa falta de atuação do

Estado Nação contribuiu para a formação de organizações criminosas que se

instalaram em territórios e, nesses locais, passaram a usurpar diversas funções

do Estado, como lazer, abastecimento de bens, segurança pública e justiça,

ditando as normas e aplicando-as naqueles territórios que ficam à mercê de

criminosos.

Vencer esse desafio de segurança pública e, até mesmo, de soberania,

com a recuperação de territórios e da própria função estatal de aplicar a justiça

e garantir a segurança de todos, demanda, necessariamente, uma atividade

integrada, nos aspectos multidisciplinar e interdisciplinar constantes, que é

extremamente complexa, tal quais as intrincadas pesquisas e desafios da ciência

hoje. O movimento interdisciplinar das ciências pode, assim, fornecer caminhos

para aplicação na segurança pública, favorece a criação de uma teoria geral do

trabalho policial integrado.

12A obra consta do site do STF http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/. Referência da citação na obra é: [RE 559.646 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 7-6-2011, 2ª T, DJE de 24-6-2011 = ARE 654.823 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 12-11-2013, 1ª T, DJE de 5-12-2013]

13A lei em referência foi regulamentada através do decreto nº 9.489, de 30 de agosto de 2018

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O desafio de criar melhores resultados no campo da segurança pública

no Brasil é, portanto, interdisciplinar, de integração. Em importante obra sobre a

interdisciplinaridade na ciência, tecnologia e inovação, os autores Raynaut e

Zanoni (2011), destacam o enfrentamento da pandemia da AIDS como exemplo

de atuação interdisciplinar, com labor convergente de profissionais de áreas

diversas como médicos, biólogos, epidemiologistas, mas também geógrafos,

antropólogos e sociólogos, o que permitiu avaliar que a propagação da doença

estava ligada também a questões sociais e culturais (RAYNAUT e ZANONI,

2011, p. 152).

Similarmente ao esforço integrado de cientistas das mais diversas áreas

do conhecimento que se unem para resolver um grande problema científico, quer

seja uma doença ou um conhecimento sobre o homem, como o projeto para

solver decisivamente os péssimos índices de segurança pública no Brasil, é de

todo mister a maior integração entre as forças de segurança interna e também

com os países vizinhos. A questão é como fazer isso, como romper as fronteiras

disciplinares entre as forças de segurança e o próprio sistema de justiça criminal.

A Constituição Federal elenca os seguintes órgãos públicos diretamente

ligados à responsabilidade de preservação da ordem pública e da incolumidade

das pessoas e seus patrimônios: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal,

Ferroviária Federal, Polícias Civis, Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos

Estados da Federação. Admite também a criação de Guardas Municipais por

parte dos municípios para a proteção de bens, serviços e instalações.

Todos esses órgãos policiais têm atribuições determinadas na

Constituição Federal e em leis e regulamentos, e o fato de possuírem atribuições

determinadas, enfeixadas em áreas de conhecimento e especialidades, salutar

para o desenvolvimento das doutrinas e expertises de cada área de

conhecimento e prática policial, fez, entretanto, ao longo dos anos, os programas

de formação, treinamento e operação ficarem cada vez mais fechados dentro

das próprias corporações, sem que fosse incentivado, desde a formação, a

atuação conjunta com as demais forças de segurança.

Tal circunstância de isolamento na seleção, formação e atuação das

polícias reflete em dificuldades de atuação conjunta das forças de segurança e

tem levado a conflitos operacionais e, até mesmo, na invasão e confusão de

atribuições legais que favorecem conflitos, retrabalhos, nulidades processuais e

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disputas interagências, que contribuem para a escalada do crime organizado,

principalmente nos grandes centros urbanos nacionais.

Mister se faz, como ponto relevante e inicial à uma teoria e prática do

trabalho policial integrado, providenciar-se um grande esforço de integração nas

academias de formação dos policiais e, no dia-a-dia, incentivar o trabalho

interdisciplinar, pois cada organização policial nacional/local pode ser tratada

como uma “disciplina”, vez que cada polícia pode ser entendida como um

“espaço de conhecimento que reúne uma comunidade de mestres e discípulos

unidos pelo projeto de compartilhar e aprofundar um mesmo corpus de

experiências e saberes” (RAYNAUT e ZANONI, 2011, p.146).

O trecho, destacado para refletir sobre o conteúdo disciplinar das ciências

na academia, pode ser empregado para reconhecer habilidades, doutrinas e

condições especiais de atuação das polícias dentro das suas expertises, como,

por exemplo, nas atividades de policiamento ostensivo, a fim de evitar o

cometimento de crimes e garantir a ordem social e das ações de investigação e

repressão ao crime já cometido.

Cada polícia é uma disciplina, com missões específicas, pois, para

cumprir suas atribuições Constitucionais e legais (basicamente prevenção e

repressão à crimes), constrói, gradativamente, suas doutrinas de preparação e

aplicação, a partir de um empirismo, de uma vivência de seus profissionais, ano

após ano, em determinados territórios e através de intercâmbios de

conhecimentos com outras unidades policiais, inclusive de outros países.

Ocorre que as academias policiais brasileiras, onde tais ensinamentos

são transmitidos, são criações de cada força policial (disciplinarmente) ainda

muito fechadas em si mesmas, com pouca predisposição à formação

interdisciplinar.

Exemplo disso são os dados fornecidos pela Academia Nacional de

Polícia, vinculada à Polícia Federal. Durante o período de 2012 a 2017

formaram-se em cursos regulares, como requisito para nomeação para um dos

cargos de Policial Federal 1.976 alunos. No mesmo período, foram finalizados

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seis cursos de especialização, com 114 participantes aprovados e, nestes

cursos, apenas 10 participantes de outras forças 14

Fundamental, pois, para o início de uma teoria geral do trabalho policial

integrado é a promoção de encontros. Encontros que permitam superar as

barreiras de doutrina, formação e atuação estanque, segregadas e rivalizadas

entre as forças de segurança, a fim de que, gradativamente opere-se um início

de coordenação (multidisciplinaridade) e convergência (interdisciplinaridade).

Para tentar vencer este severo obstáculo, o Governo Federal criou matriz

curricular mínima para a formação policial. Conforme Rodrigo Carneiro Gomes

(2018), a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça lançou, em

2014, Matriz Curricular Nacional - MCN de forma a orientar a formação padrão e

inicial dos profissionais de segurança pública no Brasil.

Para Gomes:

A matriz, concebida como ferramenta de gestão educacional e pedagógica, traz diretrizes que “estimulam o raciocínio estratégico-político e didático-educacional necessários à reflexão e ao desenvolvimento das ações formativas na área de segurança pública” (MCN[4], p. 11) e tem entre seus princípios os éticos (compatibilidade entre direitos humanos e eficiência policial, compreensão e valorização das diferenças), os educacionais (flexibilidade, diversificação e transformação; abrangência e capilaridade; qualidade e atualização permanente; articulação, continuidade e regularidade) e os didático-pedagógicos (valorização do conhecimento anterior; universalidade; interdisciplinaridade, transversalidade e reconstrução democrática de saberes).

Mesmo com os avanços verificados na edição da matriz mínima para

currículos em academias policiais no Brasil, constata-se ainda pouca atenção na

preparação do policial para participação efetiva nas ações de segurança

integradas (interdisciplinares) a partir da confluência de esforços de várias forças

de segurança, fiscalização e, até mesmo, defesa.

Deve-se festejar o fato da matriz mínima destacar expressamente a

questão da interdisciplinaridade, vez que, atualmente, a formação estanque do

profissional de segurança dificulta, posteriormente, um agir conjunto com as

demais forças.

14 Dados obtidos junto à Academia Nacional de Polícia através do processo SEI nº 08389.011558/2018-52

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A recente lei que instituiu a Política Nacional de Segurança Pública e

Defesa Social - PNSPDS e criou, finalmente, o Sistema Único de Segurança

Pública - SUSP no Brasil, lei 13.675 de 11 de junho de 2018 reforçou a

necessidade de integração e coordenação dos órgãos policiais do sistema.

Destaca-se, dentre outras diretrizes, o intercâmbio de conhecimentos técnicos e

científicos.

O artigo 10, § 5º da lei ressalta a matriz curricular nacional e aponta

características da multidisciplinaridade:

§ 5º O intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos para qualificação dos profissionais de segurança pública e defesa social dar-se-á, entre outras formas, pela reciprocidade na abertura de vagas nos cursos de especialização, aperfeiçoamento e estudos estratégicos, respeitadas as peculiaridades e o regime jurídico de cada instituição, e observada, sempre que possível, a matriz curricular nacional.

No artigo 39 da lei, quando trata da capacitação e da valorização do

profissional em segurança pública e defesa social conceitua a MCN, de cunho

eminentemente interdisciplinar ao determinar o respeito às peculiaridades e

regime jurídico de cada instituição policial. É o artigo referido:

Art. 39. A matriz curricular nacional constitui-se em referencial teórico, metodológico e avaliativo para as ações de educação aos profissionais de segurança pública e defesa social e deverá ser observada nas atividades formativas de ingresso, aperfeiçoamento, atualização, capacitação e especialização na área de segurança pública e defesa social, nas modalidades presencial e a distância, respeitados o regime jurídico e as peculiaridades de cada instituição.

Alguns países continentais como o Brasil criaram verdadeiras

Universidades para enfrentar a questão da necessária formação interdisciplinar

de seus policiais. Um dos exemplos nesse sentido é a China, com suas

Universidades de Polícia15.

15O autor teve a oportunidade de conhecer e estagiar, a convite do Governo Chinês e em cooperação com a Polícia Federal do Brasil, na Universidade da Polícia de Investigação Criminal da China - CIPUC, localizada na Província de Liaoning, cidade de Shenyang, no período de 19 a 28 de setembro de 2017. A instituição é uma das Universidades Policiais mantidas pelo Ministério da Segurança Pública da República Popular da China.

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A mesma dificuldade de formação integrada enfrentada pelas academias

policiais se viu, e ainda se percebe, nas Universidades. Uma das soluções

adotadas nas Universidades, por exemplo, é a criação de incentivos econômicos

à criação de grupos interdisciplinares para investigações científicas complexas

(Raynaut e Zanoni, p.152)16.

Fundamental, portanto, para vencer a disciplinarização da segurança

pública é a promoção de formação integrada com todas as forças de segurança

em passos gradativos, com orçamentos e projetos que incentivem cursos

integrados e atuações conjuntas. Promover o encontro constante é essencial

para a mudança gradativa do paradigma do isolacionismo das atividades

policiais.

Outro ponto relevante é a percepção de que a interdisciplinaridade “não

pode se impor de cima para baixo e que ela só se constrói com a adesão íntima

dos próprios cientistas” (idem, p. 152). Criar ações interdisciplinares no âmbito

policial não é uma prática simples, consistente em simplesmente reunir policiais

de forças diversas e colocá-los na mesma equipe, quartel, sala ou unidade e

determinar a atuação conjunta. Para o êxito gradativo das ações

interdisciplinares com as forças policiais, são recomendáveis as seguintes

providências, extraídas de exemplos da pesquisa Universitária (Raynaut e

Zanoni, 2011).

Reconhecimento mútuo e formação conjunta e continuada: para que o

desiderato de atuações conjuntas aconteça é preciso que as equipes e

profissionais diversos iniciem um conhecimento recíproco sobre as

responsabilidades e atribuições e adquiram, constantemente, noção e

consciência sobre a complexidade do problema da segurança pública. Essa

diretriz consta expressamente da legislação sobre o SUSP, no artigo 10, § 5º da

lei 16.675/2018, ao determinar o intercâmbio científico e formação compartilhada

entre os profissionais de segurança pública. É imperativo que as equipes e

policiais, desde o início do processo formativo até a constante atualização,

encontre-se com outras forças de segurança de forma a criar redes de

16Capítulo 5 do livro de Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação.

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cooperação bem como consciência sobre as dificuldades e vicissitudes de cada

atuação policial.

Além disso, é fundamental que as dinâmicas das ações interdisciplinares

sejam transmitidas em cursos específicos sobre a temática e que, nesses cursos,

os profissionais das mais diversas forças de segurança e, até mesmo, do próprio

sistema de justiça criminal estejam presentes, e que a experiência seja

fundamental para o progresso da carreira de tais profissionais.

Nada impede que a atual tecnologia de Ensino à Distância – EAD, seja

empregada para cursos preliminares sobre interdisciplinaridade nas ações

policiais, de forma a fornecer o mínimo teórico para que, num segundo momento,

necessariamente presencial, o profissional atue em conjunto e estabeleça

contato com os demais sujeitos.

Esse contato pessoal e direto favorece para além do compartilhamento de

ideias e vivências em sala de aula, o convívio em outros momentos recreativos

e operacionais, a favorecer o estabelecimento de redes horizontais.

Importante, durante a fase presencial, a adoção de uma sistemática que

estimule a mistura entre os participantes, mesclando-se em sala de aula,

refeitório e alojamentos policiais de forças diversas e demais integrantes do

sistema de justiça, eventualmente participantes daquela formação.

Todo o esforço, tanto na formação inicial daquele aspirante ao cargo

policial como após em cursos de aperfeiçoamento profissional, deve ser no

sentido de formar “espíritos esclarecidos” que, no dizer dos professores Raynaut

e Zanoni (2011, p. 156):

Pode-se, em primeiro lugar, ter como objetivo contribuir para a formação de espíritos esclarecidos que saibam adotar uma visão global da realidade contemporânea. Espíritos que tenham recuo em relação aos saberes compartimentados produzidos pelas disciplinas e que estejam, por isso, em condições para enfrentar conceitualmente os novos desafios intelectuais que nossas sociedades encontram.

Financiamentos e meios: para incentivar ações integradas entre forças de

segurança, é preciso agregar financiamentos conjuntos para favorecer a criação

de espaços compartilhados e a aquisição de equipamentos interoperacionais.

Exemplos disso seria a construção de Academias Policiais e estandes de tiro

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regionais para utilização congregada das forças de segurança, compra de

armamento padrão para as polícias, com unificação de calibres, bem como a

aquisição de viaturas, uniformes e sistemas de informação e comunicação

similares, a fim de favorecer ações conjuntas.

Da mesma forma que a ciência e tecnologia conseguem reunir

profissionais diversos através da criação de editais científicos cuja seleção de

projetos passa pela verificação da formação interdisciplinar dos profissionais,

podem ser estabelecidos financiamentos especiais para projetos que tenham a

integração policial como principal norte.

Por exemplo, um dos grandes desafios em ações e operações policiais

integradas corresponde a problemas de comunicação. Cada força policial detém

equipamentos de comunicação próprios, basicamente rádios que não se

comunicam entre sí e entre equipes de polícias diversas como Polícia Federal,

Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal.

Comunicação rápida, ágil e compartilhada é fundamental para o êxito de

qualquer ação, quanto mais para a segurança pública, como o WhatsApp17.

Esse esforço de integração deve ser capitaneado pelas Secretarias

Estaduais de Segurança Pública e, nacionalmente, pelo Ministério da Justiça e

Segurança Pública, notadamente pela Secretaria Nacional de Segurança

Pública.

Comunicação uniforme dos resultados e avaliação constante: todas as

ações integradas devem merecer acompanhamento e avaliação constantes a

fim de permitir melhorias nos resultados e busca de aperfeiçoamentos, bem

como para facilitar a solução de eventuais atritos existentes no momento da

ação, evitar que o acúmulo de problemas não equacionados torne, com o tempo,

um obstáculo a novas ações.

Mais uma vez, a criação de formas de promoção de encontro e diálogos

entre as equipes deve ser favorecida sempre e rotineiramente. Nesses encontros

e reuniões periódicas, tanto formais como em reuniões de trabalho e operações

propriamente ditas, mas também nas informais, em confraternizações,

17Aplicativo para smartphones faz ligações gratuitas, envia mensagens instantâneas escritas e de voz, imagens, vídeos e documentos em PDF, além de chamadas de voz via internet.

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aprimoram-se as redes, avaliam-se os resultados e aparam-se eventuais arestas

decorrentes, naturalmente, do trabalho policial.

A comunicação dos resultados obtidos deve ocorrer conjuntamente e

mediante protocolos e modelos de notas que exaltem o trabalho integrado e

resultados conjuntos obtidos. Devem-se evitar menções de apoios recíprocos

que podem sugerir subordinação de um organismo sobre o outro. Nas notas de

divulgação para a imprensa, devem-se adotar palavras como “conjuntamente”,

“de forma integrada” e “em atuação compartilhada”.

A população quer saber menos quem ou qual foi a força de segurança,

defesa ou fiscalização que, diretamente, esteve envolvida com a intervenção

policial propriamente dita. O que a população quer é uma sensação de

segurança duradoura e eficaz. Já não importa que fez o gol. O importante é que

o time vença.

A prática interdisciplinar entre as forças de segurança, ainda é um

horizonte distantes, bem como da construção de um sistema de segurança

público a que se possa atribuir tal substantivo. Impera o pensamento disciplinar

na segurança pública.

Alie-se a essa problemática disciplinar, a mesma dificuldade de atuação

conjunta percebida a partir do Ministério Público, Judiciário, Departamentos

Prisionais e Defensorias Públicas, o que, ao lado da grande especialização e

conhecimento das equipes de cada um desses órgãos, resulta também em

pouco encontro, diálogo e cooperação entre todas as Instituições que fazem do

complexo sistema de Justiça Criminal uma ‘grande torre de Babel’.

Para investigar crimes complexos, mister se faz que a formação policial,

para além da técnica, permita a compreensão e formação de habilidades para

cooperação e trabalho em equipe, com profissionais de formação diversa quanto

os novos campos de habilidades demandadas para a pesquisa de uma

criminalidade cada vez mais desafiadora.

Como nova qualidade a ser desenvolvida a “formação de indivíduos

engajados nos processos de decisão e na ação”. Raynault e Zanoni apontam:

A sociedade contemporânea precisa de responsáveis, profissionais, atores da sociedade civil, que possuam um alto nível de consciência da complexidade e do caráter híbrido dos problemas na resolução dos quais estão empenhados. Não é necessário que eles mesmos sejam inovadores conceituais, produtores de conhecimento científico. Entretanto, têm que estar

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aptos a trabalhar com outros profissionais e atores sociais cuja experiência e savoir-faire são necessários para tratar problemas que têm múltiplas facetas e dimensões. (RAYNAUT e ZANONI, 2011, p. 159)

No âmbito internacional, as dificuldades são maiores. No caso do Brasil,

em que pese uma grande integração e cooperação policial internacional, por

instituições como a INTERPOL e AMERIPOL, organizações de âmbito mundial

e continental, exemplos de cooperação policial local, minimamente formalizado,

regionalizado são extremamente raros, com pouco ou nenhum conhecimento e

integração entre as polícias locais nas cidades gêmeas do Brasil com seus dez

vizinhos na fronteira terrestre.

Falta uma atuação integrada, convergente, interdisciplinar entre as

instituições do Estado na área de segurança, dificultada ainda mais pela falta de

formação dos profissionais em modelos de atuação interdisciplinar. A carência

de encontro, nas suas mais variadas formas, como currículos, formação,

terminologia definida, estrutura e trabalhos conjuntos, está na base e no cerne

das dificuldades de integração, convergência e interdisciplinaridade das forças

de segurança.

A situação foi explicitada como forma de resolver a crise de segurança

que assola o Estado do Rio de Janeiro. Conforme matéria veiculada no jornal

Gazeta do Povo, os Ministros da Justiça, Defesa, Segurança Institucional e

Procuradoria da República pretendem a formação de uma força-tarefa para

intensificar os esforços de segurança. Entretanto, como bem destaca a matéria,

não há uma formula ou doutrina para integração dos esforços. Veja-se:

Essa proposta foi debatida na terça-feira (26) entre a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com os ministros da Defesa, Raul Jungmann; da Justiça, Torquato Jardim; e do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen. A sugestão, porém, precisa de tempo para ser avaliada e implementada. “Não estão definidos os moldes de atuação dos diferentes órgãos. Mas a reunião de hoje foi profícua em aproximar as instituições e alinhar as posições e de como a criminalidade tem ocorrido no Rio de Janeiro”, declarou Dodge na ocasião (GAZETA DO POVO, 2017).

A profunda crise de segurança pública pela qual passa hoje e já há algum

tempo o Brasil, na sua miríade de causas, é um problema de entrosamento e de

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atuação conjunta, interdisciplinar entre as inúmeras forças de segurança, defesa

e fiscalização que devem dedicar-se ao tema, e das estruturas sociais e

educacionais que precisam seguir com o Estado para minimizar o poder de

atração das organizações criminosas.

1.4 A “POLÍCIA” E O “SISTEMA” DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL.

Passados 30 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, não

havia, até recentemente, uma política sobre segurança pública no Brasil capaz

de instituir e regrar um sistema de segurança pública, cujas ações isoladas de

seus necessários, mas não únicos integrantes, as polícias, explica, em certa

parte, o enorme desafio de segurança a ser vencido atualmente.

Apenas com a lei nº 13.675/2018 de 11 de junho de 2018, é que foi criada

no Brasil a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social – PNSPDS

e instituído o Sistema Único de Segurança Pública - SUSP. Finalmente, após

três décadas de descaso e desarticulação entre as forças de segurança, o

Governo Federal assume a liderança do assunto, junto com os Estados e

Municípios numa aplicação interdisciplinar da complexa e multifatorial

problemática da segurança pública.

O artigo inaugural da lei diz que a Política e o Sistema têm como finalidade

preservar a ordem pública, as pessoas e patrimônio, mediante necessária ação

conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e

defesa social da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com articulação

necessária junto à sociedade. Logo após, no artigo 2º, dá-se a interpretação legal

da responsabilidade do “Estado” cunhada no caput do artigo 144 da Constituição.

A lei veio esclarecer a extensão do termo, fixa que “Estado” seria

propriamente o Estado Nacional brasileiro, compreendendo a União, Estados da

Federação e Distrito Federal, bem como os Municípios, cada um deles dentro

das suas competências e atribuições legais.

Estabeleceu princípios (art. 4º) para a Política de Segurança, dentre eles

a “otimização dos recursos materiais, humanos e financeiros das instituições”

(inciso XIII). Esta governança, basicamente, representa a convergência

defendida pela interdisciplinaridade, por exemplo, na construção de escolas e

academias de polícia que possam formar, concomitantemente e num mesmo

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ambiente, Policiais Civis, Militares, sem necessidade de segregações que

futuramente criarão barreiras ao trabalho conjunto.

No artigo dedicado às diretrizes (art. 5º) e corroborando ser a prática da

segurança pública, necessariamente, um trabalho e estudo interdisciplinar,

elencou-se a necessária “atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios em ações de segurança pública” (inciso IV). E, para

além das articulações entre os órgãos de segurança pública simplesmente,

destacou a necessidade de “colaboração do Poder Judiciário, do Ministério

Público e da Defensoria Pública na elaboração de estratégias e metas para

alcançar os objetivos dessa Política”.

A interdisciplinaridade consta também do inciso XIX do artigo das

diretrizes (art.5º), ao dispor sobre a necessidade de:

incentivo ao desenvolvimento de programas e projetos com foco na promoção da cultura de paz, na segurança comunitária e na integração das políticas de segurança com as políticas sociais existentes em outros órgãos e entidades não pertencentes ao sistema de segurança pública

Tal qual um problema científico que necessita da convergência de

inúmeros pesquisadores das mais variadas e diversas formações, a segurança

pública, um dos maiores problemas do Brasil, não será debelado apenas com o

trabalho de um ou de alguns órgãos de segurança, ainda mais enquanto

desarticulados entre si. Mister a coordenação de todos para o resultado

esperado. Salutar que essas observações constem de forma cogente no texto

legal.

Essa coordenação e cooperação dos órgãos de segurança e instituições

que operam junto ao sistema de justiça criminal é praticamente inexistente.

Sequer encontros regulares existem para, ao menos, propiciar um conhecimento

pessoal entre os atores, conhecimento das suas estruturas, dificuldades e

possibilidades de composição de esforços para a melhora do quadro geral.

Ao invés da cooperação, vigora a competição por meios e a desconfiança

no olhar. Para o amontoado de instituições que atuam de alguma forma na

missão de garantir a segurança pública tornar-se um sistema minimamente

articulado, será necessário muito empenho e vontade de todos, tanto na cúpula

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das instituições, como nas unidades projetadas pelo vasto território nacional. É

possível tomar exemplo na questão da pesquisa interdisciplinar nas instituições

de ensino e pesquisa.

Por isso que o caso do CT é exemplar, pois o principal motor para o

desempenho da organização internacional local são os encontros mensais das

autoridades policiais que desempenham ações no Comando. Tais encontros,

que ocorrem desde 1996, contribuem, gradativamente, para uma sinergia e

cooperação cujos resultados são vistos pelas estatísticas de cooperação e

entrega de presos, por exemplo, bem como mediante ações compartilhadas na

região de atribuição, conforme será especialmente verificado nos capítulos

posteriores.

Para que a Política de Segurança seja implementada realmente, é

necessário que o Sistema de Segurança funcione, articulando-se

constantemente por redes horizontais. A mesma lei, a partir do art. 9º, institui o

Sistema Único de Segurança Pública, erigindo o Ministério da Justiça e

Segurança Pública como órgão central, além dos órgãos já listados no artigo 144

da Constituição Federal. Incluiu os agentes penitenciários e guardas municipais,

bem como demais integrantes, tanto estratégicos como operacionais. Conforme

o referido artigo, são integrantes do SUSP:

§ 1º São integrantes estratégicos do SUSP: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos; II - os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados. § 2º São integrantes operacionais do SUSP: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III – (VETADO); IV - polícias civis; V - polícias militares; VI - corpos de bombeiros militares; VII - guardas municipais; VIII - órgãos do sistema penitenciário; IX - (VETADO); X - institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação; XI - Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP); XII - secretarias estaduais de segurança pública ou congêneres; XIII - Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC); XIV - Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (SENAD); XV - agentes de trânsito; XVI - guarda portuária. § 3º(VETADO).

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O texto legal ressalta que a atuação conjunta deve ser feita nos limites

das respectivas competências de cada um dos órgãos e entidades. Ou seja,

atuação conjunta, interdisciplinar não significa alguém fazer o trabalho de

outrem, nem todos fazerem tudo, mas sim o compartilhamento de meios efetivos

e práticas para cercar a complexa missão de garantir a segurança pública da

população com sinergia e resultados ótimos.

A lei, no artigo 10, exemplifica as ações através de:

I - operações com planejamento e execução integrados; II - estratégias comuns para atuação na prevenção e no controle qualificado de infrações penais; III - aceitação mútua de registro de ocorrência policial; IV - compartilhamento de informações, inclusive com o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN); V - intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos; VI - integração das informações e dos dados de segurança pública por meio do SINESP.

Os termos destacados são manifestações da interdisciplinaridade:

integração, estratégias comuns, aceitação mútua, compartilhamento e

intercâmbio e demonstram, mais uma vez, a aplicabilidade do termo e da prática

interdisciplinar para as atividades de segurança pública.

A lei favorece a atuação colegiada e a aferição dos resultados, com a

criação, em cada nível de poder (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),

dos denominados Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social, contendo

representantes de cada órgão ou entidade integrante do SUSP e, mais ainda, de

representantes do Sistema de Justiça Criminal, como Poder Judiciário, Ministério

Público, OAB, Defensoria Pública, representantes de entidades e organizações

sociais, cujas atividades estejam relacionadas à segurança pública, além de

representantes das entidades de profissionais de segurança pública.

A lei determinou a expedição do Plano Nacional de Segurança Pública e

Defesa Social (art. 22), com duração de 10(dez) anos, e que servirá de base

para os Planos Estaduais e Municipais em até dois anos da edição do nacional.

A finalidade do Plano Nacional, dentre outras, é “priorizar ações preventivas e

fiscalizatórias de segurança interna nas divisas, fronteiras, portos e aeroportos.”

(inciso IV do artigo 22).

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Em dezembro de 2018, o Governo Federal publicou o atual Plano

Nacional de Segurança Pública, para a década de 2018 a 2028. O plano foi

instituído formalmente a partir do decreto nº 9.630, de 26 de dezembro de 2018.

Com 15 objetivos e diversas estratégias e ações decorrentes, destaca-se o

objetivo 8: fortalecer o aparato de segurança e aumentar o controle de divisas,

fronteiras, portos e aeroportos, previsto no inciso VIII, artigo 2º do decreto.

Para concretizar o objetivo relacionado a um maior controle das fronteiras

o plano sugere como ações, dentre outras, o “intercâmbio de informações e

cooperação para fiscalização junto aos países vizinhos” e “projetos estruturantes

para o fortalecimento da presença estatal na região de fronteira” (2018, p. 56).

Sugere “convênio das Forças Armadas, polícias militares e polícias civis com a

Polícia Federal para atuação na área de polícia de fronteiras, portos e

aeroportos” (2018, p. 57).

Os destaques dados à questão de fronteiras no Plano Nacional de

Segurança Pública visam especificar a estratégia e ações para o imenso desafio

de policiamento e proteção das fronteiras nacionais, principalmente as terrestres.

A partir do ano 2000, o Brasil passou a instituir o que foi denominado de

Planos de Segurança Pública, ou Planos Nacionais de Segurança Pública.

Conforme publicação do então Ministério da Segurança Pública (2018, p. 31)

“com maior ou menor rigor técnico, ao longo das últimas décadas, o governo

federal tentou implementar 5 planos de segurança pública”

Em fevereiro de 2017, foi lançado o penúltimo documento, elaborado e

apresentado basicamente a partir de uma solenidade no Ministério da Justiça,

em função da crise emergencial de segurança pública existente em Natal,

Aracaju e Porto Alegre, bem como rebeliões em presídios do Norte do país18.

Infelizmente, o que se vê no Brasil é uma preocupação mais reativa do

que proativa na questão da segurança e do aumento da criminalidade, com

planos e metas estabelecidos em momentos de grande comoção, como resposta

pontual e até mesmo eleitoral para dramas específicos. O amadorismo no trato

da questão e o improviso ficam explícitos na reportagem em que houve avaliação

sobre o primeiro ano do Plano Nacional de Segurança de 2017.

18http://www.justica.gov.br/news/plano-nacional-de-seguranca-preve-integracao-entre-poder-publico-e-sociedade. Acesso em: 13 ago. 2018.

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À reportagem, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, reconheceu que o plano foi lançado no “calor” da “convulsão” provocada por chacinas em presídios de Amazonas e Roraima. No momento, o governo trabalha na definição de uma política nacional de segurança pública, com foco no longo prazo. “Estamos tentando, agora, concluir uma política nacional, que vem antes do plano. O plano foi concebido no calor daquela convulsão toda, aquelas tragédias todas, mas agora vamos ter uma política em mais largo prazo”, disse Torquato. Conforme o secretário-adjunto da Senasp, almirante Alexandre Mota, o plano nacional passa por uma revisão, a fim de ser adequado a futura política nacional, que deve ser lançada ainda em 2018. (grifos nossos). https://g1.globo.com/politica/noticia/um-ano-apos-lancar-plano-nacional-de-seguranca-confira-o-que-o-governo-cumpriu-e-o-que-nao-cumpriu.ghtml. Acesso em 13/08/2018).

Não há menção na lei que trata do SUSP sobre os GGIF, previstos a partir

do decreto nº 7.496/2011 e mantidos pelo decreto posterior, de número

8.903/2016, bem como os Gabinetes de Gestão Integrada Municipais, instituído

a partir do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania -

PRONASCI, leis 11.530/2007 e 11.707/2008. Esses fóruns, porém, sofrem com

a falta de modelos de atuação, liderança na coordenação, estruturas e meios

para ação e podem ser esvaziados pelos novos conselhos criados pela

PNSPDS.

A nova Política de segurança pública versou apenas de forma reflexa

sobre a segurança das fronteiras nacionais. Possivelmente, em razão da

existência de um plano de fronteiras, exposto no decreto nº 8.903/2016 como

evolução do decreto anterior de 201119. Como já dito, referências à fronteira

surgem apenas no Plano Nacional de Segurança Pública de 2018.

Os decretos exarados pelo Poder Executivo, que não são os melhores

meios legais para veicular planos para as fronteiras, pois podem ser mudados

sem maiores discussões por ato do Chefe do Poder Executivo, ao sabor de

clamores e guinadas políticas, ressaltam, como principal diretriz, a integração

entre forças de segurança, defesa e fiscalização, perpassando o conceito tanto

19Decreto 7496, de 8 de junho de 2011, instituiu o Plano Estratégico de Fronteiras e criou os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF´s. Foi revogado em 2016, pelo decreto nº 8.903.

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de multidisciplinaridade (coordenação e paralelismo), como de

interdisciplinaridade (convergência e perspectivismo).

O decreto 8.906/2016 cria o Programa de Proteção Integrada de

Fronteiras (PPIF) que tem como diretrizes, conforme artigo 2º:

I - a atuação integrada e coordenada dos órgãos de segurança pública, dos órgãos de inteligência, da Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, nos termos da legislação vigente; e II - a cooperação e integração com os países vizinhos.

Referente à proteção e segurança das fronteiras nacionais, a legislação

determina um esforço ainda maior, qual seja de integrar de forma

multidisciplinar/interdisciplinar não apenas os órgãos propriamente de segurança

pública (polícias), mas também as instituições de Defesa (Exército, Marinha e

Aeronáutica) de fiscalização (como a Receita Federal) e de inteligência a partir

do SISBIN, coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência - ABIN.

Internacionalmente, o desafio do inciso II do decreto é o de criar sinergias

e colaborações com os órgãos de segurança dos países vizinhos. É salutar a

adoção de órgãos ou sistemas de cooperação local para as polícias nas regiões

fronteiriças, como é o caso do CT.

Um marco interessante para vencer o desafio de cooperação interna

(nacional), que contribuiu para a convergência das forças de segurança, defesa,

fiscalização e inteligência, num esforço interdisciplinar, foi a criação dos

denominados Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira - GGIF, instituídos a

partir de 2011 através do decreto 7496/2011 e mantidos pelo atual.

Os GGIF´s foram à principal referência para a integração, leia-se atuação

interdisciplinar, entre os inúmeros órgãos dedicados à segurança das fronteiras.

Destaca-se o artigo 6º da norma:

Art. 6º Os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira terão como objetivo a integração e a articulação das ações da União previstas no art. 1º com as ações dos estados e municípios, cabendo a eles: I - propor e coordenar a integração das ações; II - tornar ágil e eficaz a comunicação entre os seus órgãos; III - apoiar as secretarias e polícias estaduais, a polícia federal e os órgãos de fiscalização municipais; IV - analisar dados estatísticos e realizar estudos sobre as infrações criminais e administrativas;

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V - propor ações integradas de fiscalização e segurança urbana no âmbito dos municípios situados na faixa de fronteira; VI - incentivar a criação de Gabinetes de Gestão Integrada Municipal; e VII - definir as áreas prioritárias de sua atuação. § 1º Não haverá hierarquia entre os órgãos que compõem os GGIFs e suas decisões serão tomadas por consenso.

Em 2011, foram previstas ações compartilhadas, integradas, multi e

interdisciplinares, para além simplesmente dos órgãos de segurança pública,

mas também entre as Forças Armadas e órgãos de fiscalização como a Receita

Federal, pelos GGIF e Centros de Operações Conjuntas - COC, previstos para

ter sede nas instalações do Ministério da Defesa.

Entretanto, em 2016, o novo decreto 8.903/2016 manteve os GGIF´s já

instituídos, mas revogou a norma anterior e, com isso, os COC´s.

O decreto manteve a diretriz de integração, ampliou tal escopo e criou

uma estrutura de aferição de desempenho e supervisão dos GGIF´s, formulação

de políticas e ações de articulação de nível político-estratégico, qual seja o

Comitê Executivo do Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (arts. 5º e

6º do decreto 8.903/2016) sediado em Brasília/DF. O Comitê, conforme

exposição realizada por alguns de seus membros na Delegacia da Polícia

Federal em Foz do Iguaçu, em 27 e 28 de julho de 201820, realizou, entre 2017

a junho de 2018, 11 reuniões ordinárias e 27 reuniões temáticas, aprovando seu

planejamento estratégico conforme portaria nº 38, de 20 de abril de 201821

Mesmo com a diretriz integradora representada pelos decretos

mencionados que tratam sobre fronteiras, não há grandes exemplos de

interdisciplinaridade nas atuações de segurança nas fronteiras do Brasil. Tal

circunstância foi destacada em recente seminário sobre governança de

fronteiras realizado pelo Gabinete de Segurança Institucional - GSI e pelo

Tribunal de Contas da União - TCU:

20Nos dias 26 e 27 de julho de 2018, membros do GSI e SENASP estiveram em reuniões perante órgãos de segurança pública em Foz do Iguaçu para conhecerem a atuação local. No dia 26, período da tarde, houve reunião extraordinária do GGIF na Delegacia da PF em Foz do Iguaçu, com apresentação por parte da comitiva do PPIF e seu planejamento estratégico. 21DOU de 27/04/2018, nº 81, Seção 1, p.9.

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Às 19:14 de 29/09/17, aconteceu o Seminário debate governança de fronteiras. Ministro Augusto Nardes defendeu a integração das 13 instituições que controlam as regiões de fronteiras. Representantes de diversas entidades e órgãos de controle e fiscalização do País participaram, no dia 26 de setembro, do Seminário Governança de Fronteiras. O evento, uma parceria entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Gabinete de Segurança Nacional da Presidência da República, debateu medidas que vêm sendo adotadas sobre o tema, a partir de deliberações feitas pelo TCU. O encontro foi conduzido pelo ministro Augusto Nardes. Consideradas fundamentais para a defesa do território nacional, as regiões de fronteiras se estendem por quase 17 mil quilômetros, contemplando divisas com 10 países. A proximidade com outras nacionalidades torna o Brasil vulnerável a ações ilícitas. O contrabando de mercadorias, principalmente de cigarro, e o tráfico de drogas são os principais crimes registrados. O ministro Augusto Nardes apresentou aos participantes estudos realizados pelo TCU, nos anos de 2015 e 2016, sobre a situação da governança das fronteiras. A mais recente auditoria feita pelo Tribunal, que deu origem ao acórdão Acórdão 2252/2015 - Plenário, revelou que não há uma política nacional integradora de todos os entes responsáveis pela fiscalização e monitoramento dessas áreas. Segundo apurou o TCU, o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF), instituído em 2011, deixou de evidenciar as funções a serem exercidas por cada órgão. Além disso, foi constatado que a participação social é limitada e o baixo grau de investimentos e a carência de recursos humanos, materiais e financeiros realçam as vulnerabilidades dos espaços territoriais. Nardes defendeu que a total integralização das entidades, dentro de uma governança fortalecida, torna os controles fronteiriços ainda mais eficientes. “Ao todo, 13 instituições controlam as regiões de fronteiras. Se cada um trabalhar para um lado, e não de forma integrada, não há condições de o sistema funcionar”, afirmou Nardes. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2017).

Percebe-se que, não será imediatamente e mediante simples e

transitórias ações de governos que o Brasil conseguirá formar, a partir das

normas mencionadas, um efetivo sistema de segurança público. É imperioso

uma política de Estado que permaneça e evolua gradativamente. O tempo, maior

ou menor, dependerá da liderança exercida pelas cúpulas dos Poderes

Executivos, Legislativo e Judiciário e da persistência e compreensão dos

profissionais de segurança sobre a necessidade de formação de vínculos e redes

interdisciplinares a fim de elevar ao máximo a coordenação, convergência e

cooperação irrestrita nas ações imediatas e mediatas para, construir-se um

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sistema de segurança que permaneça em pé e que possa representar uma

fortaleza eficaz contra os ataques da criminalidade organizada.

1.5 OS GRANDES EVENTOS E UM MODELO DE ATUAÇÃO INTEGRADA

O trabalho interdisciplinar, com convergência de esforços é fundamental

para a superação de grandes desafios de segurança pública e não apenas na

ciência. Exemplo disso foram os Centros Integrados de Comando e Controle -

(CICC) criados durante os grandes eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas

no Brasil, nos anos de 2014 e 2016. Basicamente, em face da complexidade das

ações e a visibilidade internacional dos eventos, estabeleceram-se salas nas

cidades-sede onde cada força de segurança, defesa, fiscalização e serviços

essenciais mantinham um representante com poder de decisão e articulação

com as equipes que atuavam na ponta do evento.

Para Adriana Vasconcelos, a questão da integração para órgãos de

segurança pública surge a partir do Decreto nº 7.538/2011 que instituiu, no

âmbito do Ministério da Justiça, a Secretaria Extraordinária de Segurança para

Grandes Eventos (SESGE) (Vasconcelos, 2018, p.17). Para esta pesquisa, o

ideário da integração em assuntos de segurança pública é mais remoto e deriva

da Constituição Federal de 1988, quando o artigo 144 caput diz ser “a segurança

pública um dever do Estado e direito e responsabilidade de todos”.

Entretanto, o decreto referido é um marco na prática de integração, de

agir interdisciplinar, com vista aos eventos concretos que se seguiram: Copa do

Mundo e Olimpíadas, principalmente22.

O Sistema Integrado de Comando e Controle da Segurança Pública para

Grandes Eventos (SICC) foi instituído pela Portaria nº 112, de 8 de maio de 2013,

publicada no DOU nº 90, de 13 de maio de 2013. O SICC foi idealizado para

garantir que os Grandes Eventos sediados pelo Brasil nos anos de 2014 (Copa

do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos) ocorressem de maneira segura.

O sistema permitiu que todo o aparato estatal voltado para a Segurança Pública

22O Decreto nº 7.682/2012 no seu artigo 5º, § 1º considerou como grandes eventos os seguintes: I - a Jornada Mundial da Juventude de 2013; II - a Copa das Confederações FIFA de 2013; III - Copa do Mundo FIFA de 2014; IV - os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; e V - outros eventos designados pelo Presidente da República.

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e Defesa Civil atuasse de forma integrada e vetorizada para garantir a realização

dos eventos.

Antes dos eventos propriamente ditos e em tom preparatório, foram

estabelecidos planos e protocolos integrados, documentos oriundos de diversas

reuniões preparatórias aos grandes eventos em que cada órgão e seus

representantes, a partir das suas atribuições legais, informavam quais as suas

responsabilidades, meios e efetivos que colocaria à disposição do evento,

criando uma sinergia, uma convergência ou interdisciplinaridade fundamental ao

êxito das operações.

A atuação convergente de todos permitiu que os diversos eventos

esportivos concomitantes transcorressem em harmonia, pois as equipes

estavam cooperando com convergência de interesses, num esforço nitidamente

de encontro de potencialidades para o fim de resolver os desafios que se

apresentavam. O problema de uma instituição chamava rapidamente o esforço

cooperativo de todos para a solução, sem que a competição e as constantes

dificuldades de comunicação entre as agências fossem um empecilho para o

resultado exitoso dos grandes eventos.

A doutrina de integração dos Centros Integrados é um paradigma e

modelo para ser seguido e tem inspiração no fenômeno da interdisciplinaridade.

Em pesquisa recente sobre o legado de segurança dos grandes eventos, a

pesquisadora Adriana Cristina Duarte de Almeida Vasconcelos destacou a

relevância:

Em 2013, foi publicada a Portaria nº 112/2013, que instituiu o Sistema Integrado de Comando e Controle de Segurança Pública para Grandes Eventos - SICC (BRASIL-N, 2013).Esse pode ser considerado o marco regulatório fundamental na busca do que seria posteriormente denominado o "maior legado" para a segurança pública. A SESGE, criada sob a estrutura do Ministério da Justiça, ficou responsável pela implementação do SICC, ficando então incumbida de viabilizar o que foi considerado pelo Governo Federal como "maior legado" dos grandes eventos à segurança pública brasileira: a coordenação das instituições de segurança pública[...]” (Vasconcelos, 2018, p.16).

Conforme dados obtidos junto ao site do Ministério da Justiça, a estrutura

formada para os Grandes Eventos de 2014 e 2016, através do SICC, foi a

seguinte:

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O SICC está estruturado da seguinte forma:um Centro Integrado de Comando e Controle Nacional – CICCN: localizado em Brasília e responsável pelo gerenciamento estratégico das ações de segurança pública e defesa civil, supervisionando e apoiando as ações das cidades-sede, mantendo atualizadas e disponíveis as informações para o alto escalão do Governo Federal;um Centro Integrado de Comando e Controle Nacional Alternativo – CICCNA: localizado no Rio de Janeiro e funciona como backup;um Centro de Cooperação Policial Internacional, localizado em Brasília;doze Centros Integrados de Comando e Controle Regionais – CICCR: localizados nas 12 cidades que sediarão os jogos da Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos; vinte e sete Centros Integrados de Comando e Controle Móveis – CICCM: que se localizarão nas proximidades dos locais do evento;doze Centros Integrados de Comando e Controle Locais – CICCL: que serão colocados nas arenas;vinte e duas Plataformas de Observação Elevada – POE: posicionadas próximas aos locais do evento.[...]” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018).

Para atingir esse desiderato de integração, que sugere necessariamente

ações multidisciplinares e interdisciplinares, o então Ministério Extraordinário da

Segurança Publica - MESP23 passou a trabalhar com a metodologia que foi

empregada com sucesso para os grandes eventos (Copa do Mundo e

Olimpíadas) buscou reativar a sistemática dos CICC com foco inicial para os

Estados e regiões da fronteira oeste do Brasil.

Na pesquisa sobre o legado dos grandes eventos para a segurança

pública no Brasil, Adriana Vasconcelos (2018) ressalta o Sistema Integrado de

Comando e Controle:

O Sistema Integrado de Comando e Controle brasileiro (SICC) surgiu nos mesmos moldes do modelo de segurança norte-americano. Enquanto este teve como marco para a integração

23O Ministério Extraordinário de Segurança Pública (MESP), criado em 26 de fevereiro de 2018, mediante edição pelo Governo da medida provisória nº 821 que alterou a lei 13.502/201723, determinou a transferência dos órgãos policiais e prisionais, antes vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional, Secretaria Nacional de Segurança Pública e, a partir dela, a Força Nacional de Segurança Pública e os Conselhos Nacionais de Segurança Pública e de Políticas Criminais e Penitenciárias. A principal missão do MESP era, na forma do artigo 68-A da alterada lei 13.502/2017 “coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território nacional em cooperação com os demais entes federativos”. Em Julho de 2018, mediante lei nº 13.690, de 10 de junho de 2018, o Ministério Extraordinário tornou-se Ministério da Segurança Pública. Com o novo Governo Federal que tomou posse em janeiro de 2019, as estruturas anteriores vinculadas ao MSP foram novamente fundidas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, conforme previsto na medida provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, especificamente no artigo 19, IX.

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da segurança interna o ataque de 11 de setembro de 2001, aquele teve como marco os grandes eventos esportivos sediados no Brasil. Ambos surgiram de um processo isomórfico. Enquanto os norte-americanos inspiraram-se no modelo militar de defesa nacional, o Brasil inspirou-se nos modelos de segurança pública utilizados nos países centrais para combate ao terrorismo. (Vasconcelos, 2018, p.43).

A medida deste esforço para reativar a metodologia dos CICC foi o 1º

Fórum Nacional de Segurança Pública para Fronteiras, promovido pela

Secretaria Nacional de Segurança Pública durante a semana de 23 a 28 de abril

de 2018 em Brasília. O evento reuniu profissionais de segurança pública, das

Polícias Estaduais e Federais, inclusive Bombeiros e representantes de

entidades de fiscalização, como a Receita Federal, dos 11 Estados da

Federação com fronteiras terrestres e fluviais com os dez países vizinhos, num

esforço para uma atividade interdisciplinar de sinergia entre as diversas

organizações, desde o patamar estratégico, até o nível operacional, no sentido

do estabelecimento de protocolos para incentivar ações integradas, inspiradas

na metodologia desenvolvida para os grandes eventos.

Ao participar deste evento representando a Polícia Federal, durante

aquela semana, também realizei o VIII Curso de Gestores de Fronteiras em que

foram produzidos os documentos relacionados ao planejamento de operações

integradas para regiões de fronteiras.

A doutrina de funcionamento dos Centros Integrados tem como eixo

fundamental, o compartilhamento de recursos e a liderança situacional,

dependendo da situação atendida, órgãos se alternam na liderança das ações

de campo e os demais auxiliam na rápida resolução e na otimização dos

recursos. Para Adriana Vasconcelos (op. cit., p. 58):

Sobre o processo decisório nos CICC, como é um ambiente composto por diversas instituições, predomina a liderança situacional. Isso significa que o líder da operação será o chefe da instituição competente para atuar no momento. Por exemplo, se ocorrer uma catástrofe natural, a liderança situacional pertence ao Corpo de Bombeiros, que possui competência originária para lidar com o assunto. Naturalmente outras instituições de segurança estarão presentes para apoiar o Corpo de Bombeiros, que está no comando da situação. É possível que, num mesmo evento, a liderança se inverta, de modo que a instituição apoiadora se torne líder da instituição até então apoiada. No caso dos grandes eventos, essa cadeia decisória foi estendida, diluindo a liderança situacional nos níveis

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estratégico (CICCN), tático (CICCR) e operacional (os demais Centros).

A existência de uma sala, ou centro, onde se concentram os profissionais

de cada um dos órgãos envolvidos com a situação é fundamental para garantir

o imediato conhecimento do problema, eleição da liderança situacional e

compartilhamento de meios para a solução.

Além de organizar o processo decisório, a troca de informações, propiciada pela maior interação entre as instituições num mesmo ambiente, auxilia o aprendizado das instituições presentes na medida em que viabiliza as trocas de conhecimento e de experiências. A partir do intercâmbio de boas práticas, novas metodologias são aperfeiçoadas ou desenvolvidas em conjunto. O resultado disso é que as instituições passam a trabalhar de forma mais coordenada, alinhando seus protocolos de operações. (Vasconcelos, 2018, p. 58).

Durante o 1º Fórum Nacional de Segurança Pública para Fronteiras,

promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, semana de 23 a 28

de abril de 2018 em Brasília, a metodologia de Comando e Controle foi

aprimorada, e passou-se a denominar Sistema Integrado de Coordenação,

Comunicação, Comando e Controle, sigla SIC424.

Conforme Victor Neves Feitosa, então Diretor de Operações da Secretaria

Nacional de Segurança Pública (informação verbal)25:

O Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle de Segurança Pública e Defesa Social (SIC4) é a forma de implementar a integração operacional prevista no Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, por meio de ações de governança em nível estratégico, tático e operacional, a partir de ambientes comuns (Centros integrados ou similares), para desenvolvimento do processo de atuação integrada (planejamento, execução, monitoramento e avaliação integrados).

24O SIC4 foi regulado através da portaria nº 222, de 28 de dezembro de 2018 que aprovou a Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança Pública - DNAISP. 25Notícia e definição apresentada durante visita do Diretor de Operações às instalações da Polícia Federal em Foz em 27 e 28 de julho de 2018.

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A denominada “Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança

Pública” – DNAISP, foi publicada em janeiro de 2019, mediante aprovação

contida na portaria SENASP nº 222 de 28 de dezembro de 2018. A doutrina,

ainda pouco difundida face a sua recém aprovação, fornece um guia importante

para favorecer atuações integradas em ações de segurança pública, com nítidas

inspirações na interdisciplinaridade.

Propõe como modelo de coordenação a liderança situacional, consistindo

conforme DNAISP (2018, p.12) na:

Atribuição de competência decorrente do caráter específico de uma atividade, visando a coordenação integrada das ações, respeitadas as atribuições dos órgãos e instituições envolvidos

A metodologia, de cunho eminentemente interdisciplinar, foi testada

durante a primeira edição da Operação Esforço Integrado26, realizada entre os

dias 25 e 30 de junho de 2018, em moldes similares à metodologia de integração

dos Grandes Eventos.

O modelo SIC4, estabelecido no DNAISP, deverá ser o paradigma

adotado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, via Secretaria Nacional

de Segurança Pública e da nova Secretaria de Operações Integradas (SEOPI)27,

para incentivar ações cooperativas entre as instituições de segurança pública no

Brasil. Reflete na síntese, a partir do favorecimento às reuniões e formação de

protocolos integrados para as operações policiais, um esforço interdisciplinar de

integração dos órgãos de segurança, e para além das instituições de Defesa,

Fiscalização e Inteligência, no intento de executar o Programa de Proteção

Integrada de Fronteira (PPIF), instituído a partir do decreto nº 8.906/2016.

26A Operação Esforço Integrado, foi promovida pela SENASP, em todos os 11 Estados de Fronteira terrestre do Brasil, no período de 25 a 30 de junho do corrente ano. Durante as ações, baseadas no modelo SIC4, foram reativados os Centros Nacional e Regionais de Comando e Controle e demais estruturas, os mesmos empregados durante os grandes eventos. Envolveu não apenas órgãos de segurança, mas também de Defesa, Fiscalização e Inteligência, nos moldes que apregoa o decreto nº 8.906/2016 que instituiu o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF). 27 A Secretaria de Operações Integradas - SEOPI foi uma divisão de parte da antiga SENASP estabelecida pelo novo Ministério da Justiça e Segurança Pública a partir de 2019. Na SEOPI foram agregadas, com alterações, as antigas estruturas das Diretorias de Operações e de Inteligência da SENASP, de forma a permitir um maior foco de integração operacional para a nova Secretaria e de política e estratégia e unificação de procedimentos para a SENASP.

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72

1.6 AÇÕES E COOPERAÇÕES DE SEGURANÇA LOCAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA.

Não se pode dizer que antes dos grandes eventos esportivos sediados no

Brasil, nos anos de 2014 e 2016, não havia iniciativas de integração entre forças

de segurança e fiscalização no território nacional.

O marco teórico utilizado nesta pesquisa é a Constituição Federal de 1988

que, no caput do artigo 144, já orientava ser a segurança pública um trabalho

interdisciplinar de toda a sociedade, capitaneada pelo Estado Brasileiro. O que

se inaugurou na crista dos grandes eventos esportivos foi um esboço de

sistemática nacional para tais operações.

Exemplo anterior de atuação interdisciplinar entre diversos órgãos de

fiscalização, defesa e segurança foi à chamada operação Comboio Nacional,

desencadeada a partir do ano de 2003 na Tríplice Fronteira.

Naquela época, a intensa atividade de contrabando e descaminho

realizada na região comprometia o desenvolvimento do turismo em Foz do

Iguaçu e trazia prejuízos, tanto para a imagem externa do Brasil como para a

arrecadação de impostos e comércio em geral, em face da movimentação de

ônibus dedicados ao transporte de mercadorias descaminhadas ou

contrabandeadas do Paraguai e que ingressavam ilegalmente no Brasil via Foz

do Iguaçu para distribuição em todo o país.

Para evitar e impossibilitar o trabalho das equipes policiais e de

fiscalização, os ônibus partiam de Foz do Iguaçu no final das tardes de sábado,

principalmente, em numerosos comboios que, tantas vezes, passavam de 100

veículos, o que tornava praticamente impossível a apreensão de todos e até de

alguns. Para vencer o desafio representado pelos comboios ilegais, não era

possível que uma força pública sozinha resolvesse o problema. A questão é

descrita por Paro (2016, p.30):

Os fiscais começaram a reter frotas de até 100 ônibus e encaminhá-las ao pátio da Receita Federal para depois fazer a varredura anticontrabando. Marcava-se o início das mega operações na fronteira e de conflitos constantes entre sacoleiros, de um lado, e fiscais e policiais, de outro lado. Entre 2002 e 2012, foram tirados de circulação 3.200 ônibus que

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transportavam produtos contrabandeados ou sem o pagamento devido de impostos.

Inicialmente de forma multidisciplinar, coordenada, iniciaram-se tratativas

no sentido da união de esforços, de convergência de atuações interdisciplinares

entre a Receita Federal do Brasil (RF), a Polícia Federal (PF), a Polícia

Rodoviária Federal (PRF), a Agência Nacional de Transportes Terrestres

(ANTT), o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e a Secretaria de

Segurança Pública do Estado do Paraná (SESP/PR), bem como o Ministério

Público Federal (MPF) e Justiça Federal (JF). Resumo da operação consta da

notícia abaixo, publicada no site da RF:

Nos estudos que antecederam à operação, realizados no final de 2003, constatou-se que mais de 90% das mercadorias irregulares deixavam a cidade de Foz do Iguaçu através de ônibus que se travestiam de transporte de fretamento turístico. A partir desse estudo, ações foram desenvolvidas para que se pudesse atingir a logística do contrabando, descaminho e pirataria. No decorrer de 2004, foram apreendidos ou retidos, somente em Foz do Iguaçu, 386 ônibus que transportaram o valor estimado de aproximadamente US$ 1 bilhão, nos doze meses que antecederam a sua apreensão. A forma de atuar era sempre a mesma: os veículos chegavam a Foz pela manhã, carregavam as mercadorias e retornavam para suas origens, num frenético vai-e-vem. Além do transporte de mercadorias, esses ônibus, verdadeiros contêineres, formavam filas, denominadas comboios que, além da afronta à sociedade, ocasionavam acidentes, muitos deles fatais. O segundo passo foi dado no início de 2005, com a formação de dossiês das empresas que tinham atividades voltadas para dar suporte a esses ilícitos. Dos dossiês montados, em um primeiro momento, 108 foram enviados ao Ministério Público Federal, que ofereceu denúncia de todos à Justiça Federal. A Justiça Federal de Foz do Iguaçu, com base na denúncia, emitiu 364 Mandados de Busca e Apreensão (MBA) de ônibus, relativamente a 81 empresas. Foram realizadas por esses veículos, em 2004, 9.832 viagens a Foz do Iguaçu autorizadas pela ANTT, transportando em 12 meses, mais de US$ 1 bilhão em mercadorias. A busca e apreensão foi realizada no Distrito Federal e mais seis estados, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e São Paulo no dia 17 de junho de 2005. Em 2005 foram apreendidos, no total, 641 ônibus e mais de US$ 62 milhões em mercadorias contrabandeadas ou descaminhadas, o que representou um aumento de 86% em relação a 2004. [...] Do início da Operação Comboio Nacional até hoje já foram apreendidos mais de 3.300 ônibus. [...] De 2004 até hoje já foram mais de 35 mil veículos apreendidos. (RECEITA FEDERAL, 2016).

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Em 2016, na região da fronteira de Foz do Iguaçu, cercanias da praça de

pedágio da BR-277, município de São Miguel do Iguaçu/PR, a RF promoveu,

com engajamento de diversas forças de Defesa, Segurança Pública e

Inteligência, bem nos moldes do que apregoa o Programa de Proteção Integrada

de Fronteiras, a denominada “Operação Muralha”. As ações duram em média

60dias, com uma edição no ano de 2016, duas em 2017 e duas em 2018, e

objetivou reprimir crimes transfronteiriços como contrabando, descaminho,

tráfico de drogas, armas e munições. A tabela 1 representa os resultados destas

operações por períodos.

Tabela 1. Resultados da Operação Muralha em 2016, 2017 e 201828.

Período da Operação 02/05 a 18/07 de 2016

03/05 a 30/06 e 03/10 a 28/11 de 2017

30/04 a 25/06 de 2018 e 30/10 a 10/12 de 2018

Dias de Operação 78 117 99

Valor total em R$ 8.800.000,00 R$ 25.738.825,59 R$ 31.100.000,00

Automóveis 130 172 252

Ônibus 29 47 66

Caminhões 6 12 3

Total de veículos 165 231 321

Maconha (kg) 3.771,81 928,78 1.529,00

Cocaína (kg) 7,59 138 0

Crack (kg) 4,51 0 0

Haxixe (kg) 1,17 17 68,3

Cigarros maços 0 0 538.700 Medicam. e Anabolizantes (un) 508.000 474450 173.694

Armas 33 39 1

Carregadores 23 51 1

Munições 1416 2649 199

Prisões 85 70 37 Fonte: Receita Federal de Foz do Iguaçu/PR – 2018

A Operação Muralha tem um viés eminentemente interdisciplinar, vez que

as diversas forças envolvidas compartilham meios e estruturas e dividem

responsabilidades, como instalações provisórias montadas pela Receita Federal

28Dados fornecidos pela Receita Federal em Foz do Iguaçu, mediante pedido do pesquisador e lei de acesso à informação.

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e helicópteros, viaturas e equipes policiais e das Forças Armadas, com objetivo

de reprimir o ingresso de contrabando e descaminho, de armas e drogas que

adentram o território nacional a partir do Paraguai. Os resultados também são

compartilhados por todos, pois sem a integração, nenhum dos órgãos

isoladamente teria condições de realizar a missão de proteção da fronteira e

repressão dos crimes destacados.

Outro exemplo local é a recente base da PF no Rio Paraná em Foz do

Iguaçu, lançada em 2016. Para aprimorar os controles sobre a Ponte da

Amizade, rio Paraná e Lago de Itaipu, esta Instituição, com apoio de parceiros

da iniciativa privada e órgãos públicos, como Prefeitura Municipal de Foz do

Iguaçu, CT, Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras

(IDESF), Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu (CODEFOZ), Fundo

Iguaçu, Itaipu Binacional, Macuco Ecoaventura, Helisul e outros, lançou, no dia

03 de março de 201629, uma Unidade para operações integradas de fronteira,

localizada, estrategicamente, poucos metros à jusante da Ponte Internacional da

Amizade em um barracão abandonado que, nos anos de 1980, servia para

construção e manutenção de balsas. O local foi cedido via termo gratuito de

cessão de uso pelo proprietário privado.

No local, como ilustra a figura 2, cujo uso pode ser compartilhado com

outras forças de segurança, defesa e fiscalização, já atuaram junto com a PF, de

forma interdisciplinar (convergência e compartilhamento de meios), a Força

Nacional, Marinha do Brasil, Exército Brasileiro, Batalhão de Fronteira da Polícia

Militar do Estado do Paraná, Polícia Civil (Grupo TIGRE) e o próprio CT.

29https://foz.portaldacidade.com/noticias/policial/pf-lanca-base-contra-trafico-e-contrabando-no-rio-parana. Acesso em: 14 ago. 2018.

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Figura 2. Lançamento da Base da Polícia Federal no Rio Paraná, em Foz

do Iguaçu:

Fonte: BORDIGNON, F. 2016.

A unidade, denominada “Base PF do Beira Foz”, representa uma síntese

de operações interdisciplinares, ou integradas, de segurança pública, ao permitir

um local estratégico, com logística e meios disponíveis para compartilhamento

estrutural com as demais forças de segurança, defesa e fiscalização, em

atuações convergentes em prol da segurança pública e proteção de fronteiras30.

As estatísticas apresentadas na tabela 2 sintetizam os resultados da ação

integrada e proativa. Os dados são relativos ao ano de 2018, pois, para os anos

anteriores, não havia separação numérica entre os resultados das duas bases

de patrulhamento marítimo da PF no Rio Paraná e Lago de Itaipu.

30 O relato é pessoal, testemunhado e atuado pelo próprio autor da presente pesquisa, pois a referida unidade policial foi lançada e inaugurada no período em que o autor atuava como Chefe da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu. Assim, elementos teóricos da pesquisa em questão foram empregados na base.

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Tabela 2. Apreensões no rio Paraná e lago de Itaipu e valores estimados em US$ - 2018.

Mês Base PF rio PR

Acumulado Base PF rio PR

Base PF lago Itaipu

Acumulado base PF lago Itaipu

Total mensal Total acumulado

Jan 356.326,10 356.326,10 37.591,85 37.591,85 393.917,95 393.917,95

Fev 87.813,70 444.139,80 684.549,04 722.140,89 772.362,74 1.166.280,69

Mar 158.500,82 602.640,62 790.620,69 1.512.761,38 949.121,51 2.115.402,20

Abr 79.009,33 681.649,95 1.295.073,74 2.807.835,12 1.374.083,07 3.489.485,27

Mai 30.215,52 711.865,47 606.326,78 3.519.700,59 636.542,30 4.126.027,57

Jun 100.460,06 812.328,73 86.700,18 3.606.400,77 187.160,24 4.313.187,81

Jul 293.972,68 1.106.301,41 81.972,68 3.688.373,45 375.462,72 4.688.650,53

Ago 176.594,43 1.282.895,84 974.106,92 4.662.480,37 1.150.701,35 5.839.351,88

Set 195.572,26 1.478.468,10 524.013,54 5.186.493,91 719.585,98 6.558.937,86

Out 109.687,31 1.588.155,41 195.648,40 5.382.142,31 305.335,71 6.864.273,57

Nov 52.826,11 1.640.981,52 409.349,50 5.791.491,81 462.175,61 7.326.449,18

Dez 53.058,94 1.694.040,46 11.929,15 5.803.420,96 64.988,09 7.391.437,27

Fonte: Polícia Federal de Foz do Iguaçu - 2018

A tabela 2 demonstra que a atuação integrada, interdisciplinar, antes de

uma teoria ainda em formação, deve ser uma prática a ser exercitada, revista e

reavaliada constantemente por todos os profissionais que atuam na área de

segurança pública.

Depende, para além de estruturas predispostas, de vontade de um agir

integrado, seja no nível político e estratégico como no operacional. Para

estimular o agir interdisciplinar, é de todo mister que a formação dos profissionais

seja cada vez mais compartilhada e que as atuações sejam constantemente

divididas entre as várias forças de segurança pública, com divulgação conjunta

dos resultados obtidos.

Reavaliar constantemente e com incentivos financeiros que promovam a

aquisição de equipamentos passíveis de utilização compartilhada entre as forças

de segurança. Criação de equipes interdisciplinares para fazer frente às

complexas questões de segurança pública, que passam pela prevenção e

repressão de crimes, sistema de justiça e, finalmente, pela execução plena das

penas criminais.

É percebível que o fenômeno da interdisciplinaridade e suas aplicações

possam ser empregados para além das ciências e das disciplinas acadêmicas.

É possível o emprego do agir interdisciplinar, convergente e cooperativo para as

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atividades de segurança pública, e quiçá para outras áreas dos serviços públicos

como a saúde.

Mas, o trilhar interdisciplinar representa um caminho longo de

amadurecimento e de práticas, que envolvem os sujeitos, na vontade de um agir

conjunto para enfrentar a complexidade dos problemas vividos na fronteira e, no

campo da segurança pública, passam para muito além de o simples agir policial,

ainda mais quando a atuação é compartimentada, competitiva e pouco

colaborativa e integrada.

Constata-se a possibilidade e necessidade de uma teoria geral sobre a

prática interdisciplinar. A partir do lançamento de grandes princípios que já estão

frequentes no trabalho cooperativo e em alguns exemplos bem sucedidos de

trabalhos policiais, que passam, necessariamente, pelo reconhecimento da

diversidade e da importância do diálogo.

Como dizia o filósofo italiano Michele Federico SCIACCA (1967) “O

filósofo vê abismos onde o vulgo vê planícies; e nos abismos lança ‘herói’ da

vida, a asa poderosa do seu pensamento”.

Para suplantar a prática disciplinar e romper-se o isolacionismo, tanto na

ciência como na segurança pública, é necessário o encontro constante, a fim de

estimular o diálogo e interpretar a complexa realidade para bem além das

“planícies” e das fronteiras confortáveis do conhecimento estanque.

É necessário ousar e trabalhar em cooperação e convergência para

conhecer e enfrentar os desafios que estão nos abismos poucos iluminados da

criminalidade e, para tanto, os instrumentos da prática interdisciplinar são as

ferramentas mais adequadas para a construção de pontes que permitam

suplantar tais abismos.

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2 DO LOCAL PARA O GLOBAL: AS COOPERAÇÕES POLICIAIS EM

REGIÕES DE FRONTEIRA E O COMANDO TRIPARTITE COMO ASPECTO DA COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL

Neste capítulo, serão apresentados os aspectos da cooperação penal

internacional, com ênfase nas cooperações policiais locais em regiões de

fronteira. Será apresentado o histórico de criação do Comando Tripartite - CT,

bem como outros modelos locais inspirados no CT, além das principais

dificuldades nas cooperações policiais em localidades fronteiriças.

O CT representa a união de forças policiais de três países, com formações

e práticas diversas, mas que atua para além de suas disciplinaridades

estanques, une esforços para trocar informações relevantes, aprimora a

segurança da Tríplice Fronteira, em uma atuação eminentemente interdisciplinar

que deve seguir de exemplo para outras cooperações em áreas de fronteira.

2.1 A COOPERAÇÃO POLICIAL E JURÍDICA INTERNACIONAL

As cooperações penais internacionais são fundamentais para a eficácia

do controle, de investigação e punição de uma criminalidade transnacional que

se intensificou com o fenômeno recente da globalização comercial.

A rapidez das comunicações, notadamente da internet e a intensificação

de redes e conexões globais, deu agilidade para organizações criminosas

ultrapassarem seus limites regionais.

De outro lado, a rigidez das fronteiras no aspecto das trocas de

informações policiais e judiciais, entre os órgãos de persecução penal,

favoreceram a expansão desta criminalidade que se fortalece às margens das

fronteiras nacionais.

As fronteiras entre os países são transbordantes, com territorialidades que

naturalmente ultrapassam limites geográficos, comerciais, culturais e de

criminalidade. Assim, a cooperação penal internacional mais irrestrita possível

permite que a persecução penal dos Estados se aperfeiçoe e possa colher o

criminoso e golpear a organização criminal em qualquer local do mundo. Para

deter uma criminalidade cada vez mais articulada e transnacional, é de todo

mister que as polícias ultrapassem as fronteiras de seus respectivos Estados. A

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cooperação penal internacional, no sentido lato, é a maneira de superar tais

limites.

Conforme destacou Sergio Moro em artigo que traça considerações gerais

sobre a cooperação jurídica internacional (2010, p. 16), não há opções sensatas

além de abrir-se com coragem e desprendimento à cooperação internacional:

Fechar-se à cooperação é transformar seu país em refúgio para criminosos, com a sua força corruptora e disruptiva, e arriscar-se a encontrar portas fechadas para os requerimentos formulados alhures, já que a política predominante nesse âmbito é a da reciprocidade. Cooperar ou falhar. (MORO, 2010, p.16).

Sergio Moro destaca que o primeiro princípio que deve reger a

cooperação jurídica internacional é o de que ela deve ser a mais ampla possível

e que eventuais limites devem ser vistos mais como exceção e jamais como uma

regra, pois num mundo cada vez mais globalizado “todos são vizinhos” (MORO,

2010, p.16).

Essa vizinhança é próxima e sem barreiras, com o comportamento de um

país na influência direta de mercados, cultura e desenvolvimento do outro.

Proximidades e dinâmicas comerciais, na aldeia global que se tornou o mundo,

não podem ser detidas por barreiras físicas, como muros, rios, montanhas ou,

até mesmo, oceanos, tampouco por leis, decretos ou normas. Somente a

cooperação penal internacional pode representar risco e limitação ao

avassalador poderio das organizações criminosas transnacionais.

O termo cooperação penal internacional toma-se nesta pesquisa como

gênero da qual decorrem a cooperação policial internacional (não jurisdicional)

e a cooperação jurídica internacional.

Para fazer frente à criminalidade internacional cada vez mais ágil e

articulada, é necessário que as cooperações policiais sejam rápidas e o menos

burocráticas possíveis. Ao prefaciar obra referencial sobre as cooperações

jurídicas internacionais em matéria penal, Sandra Vale, então Conselheira da

ONU e anteriormente Secretária Nacional de Justiça do Brasil disse:

Em geral, as cooperações policiais, aduaneiras e das unidades de investigação financeiras são diretas e só passam pela autoridade central quando vão ser usadas como provas no

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processo penal. Nada impede que policiais, promotores e juízes mantenham contato direto. (BALTAZAR et all, 2010, p.10)

O enfrentamento à criminalidade transnacional é fundamental para

garantia substantiva da dignidade da pessoa humana e da cidadania, pois as

organizações criminosas internacionais atuam principalmente no tráfico de

pessoas, drogas, armas e munições, ilícitos que vulneram frontalmente a

dignidade humana, principalmente dos mais pobres e expostos, diminui a

condição humana à mercadoria que se vende, explora e vicia e confronta os

Estados Nacionais com seu poderio econômico, mediante as atividades de

lavagem de dinheiro e corrupção.

O crime organizado desafia a própria soberania dos Estados, através do

domínio de territórios, aprisiona a cidadania e fazem bairros e cidades inteiras

reféns da tirania do crime.

A Constituição brasileira coloca, já no seu artigo inaugural, a dignidade da

pessoa humana, a cidadania e a soberania como fundamentos da República

Federativa do Brasil, como Estado Democrático de Direito. Esses fundamentos

são próprios do serviço fundamental de segurança pública que, para ter melhor

rendimento deve, necessariamente, ser cooperativo nos aspectos internos e

internacionais e liberados de amarras burocráticas que acabem por impedir o

melhor aproveitamento das diligências de investigação.

A Constituição determina, no artigo 4º, que o Brasil deve obedecer, nas

suas relações internacionais, por diversos princípios, dentre eles a prevalência

dos direitos humanos e a cooperação entre os povos para o progresso da

humanidade.

Buscar o predomínio dos direitos humanos é, dentre outros, garantir

serviços mínimos para o desenvolvimento pleno do homem, como segurança,

saúde e educação.

Para aprimorar a segurança pública, face uma criminalidade transnacional

cada vez mais organizada e predatória, é fundamental que a cooperação penal

internacional, quer policial ou judicial, ágil e irrestrita, concretize ideais de uma

justiça cosmopolita e de uma cooperação penal comprometida efetivamente com

a dignidade do ser humano, sem fronteiras, portanto.

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Nesse sentido de garantia e de direito Constitucional fundante, deve-se

considerar a cooperação penal internacional como a mais ampla e irrestrita

possível.

Na obra citada, Sergio Moro destaca e reafirma a necessidade de dar o

mais amplo sentido às cooperações penais internacionais:

No campo jurídico, isso significa que a interpretação das normas vigentes que digam respeito à cooperação deve favorecer opções interpretativas que ampliem as possibilidades de cooperação e não o contrário. (Op. Cit., p. 17).

Ao referir sobre cooperações policiais internacionais, lembra-se

imediatamente da Organização Internacional de Polícia Criminal – OICP/

INTERPOL –, criada em 1923, com sede em Lyon na França, e que, atualmente,

congrega mais de 190 (cento e noventa países).

Entretanto, nada obsta que países, pelas suas polícias, cooperem

diretamente na apuração e repressão de crimes. O Brasil, por exemplo, através

da Polícia Federal, possui adidos policiais e/ou oficiais de ligação em 21 países

do mundo, perfazem atualmente 32 postos policiais que incluem todos os países

vizinhos na América Latina, além do Equador, Estados Unidos, México, Canadá,

Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália, França, África do Sul e Singapura.

Conforme instrução normativa nº 86 de 1º de dezembro de 2014, os

servidores da Polícia Federal que atuam no exterior ocupam funções de Adidos

Policiais Federais, Adidos Adjuntos ou Oficiais de Ligação. Basicamente, a

função das unidades no exterior é promover intercâmbio de informações

relevantes para a segurança pública entre os países de atuação. Os adidos

assessoram o Chefe da missão diplomática no país em assuntos técnicos de

polícia e segurança pública, auxiliados pelos adidos adjuntos.

O oficial de ligação tem como função precípua a troca e compartilhamento

de informações de natureza policial e de segurança pública, de forma

subordinada ao Adido.

Não há impeditivo, entretanto, para que sejam estabelecidas cooperações

policiais internacionais de âmbito local em áreas de fronteira, como é o caso do

CT.

O CT é um modelo de cooperação policial internacional, mas, outras

formas, modelos e paradigmas podem ser estabelecidos, pois o fundamental é

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a promoção do encontro entre as equipes policiais diversas nas regiões de

fronteira e que a partir daí estabeleçam-se rotinas para a atuação interdisciplinar

e trocas de informações.

A cooperação penal internacional é gênero tanto da cooperação policial

internacional, como da cooperação jurídica internacional. Ambas diferem pelo

critério jurisdicional que qualifica a cooperação jurídica internacional.

Entre os exemplos de cooperação policial internacional é possível citar a

troca ágil de informações úteis a investigações por policiais de, ao menos, dois

países em assuntos como: dados cadastrais de veículos, pessoas e produtos,

confirmações de identidades via confronto de impressões digitais,

conhecimentos acerca de pessoas desaparecidas, obras de arte e temas tais

como tráfico de drogas, armas, munições e terrorismo e troca de experiências

sobre o modo de agir das organizações criminosas. Conforme a Polícia Federal:

A cooperação jurídica refere-se a uma interação entre Estados soberanos, com o objetivo de dar eficácia extraterritorial a medidas processuais provenientes de outro Estado e é sempre fundamentada em tratado ou em pedido de reciprocidade. Já a cooperação policial é interação entre organismos policiais, que agem em nome de seus Estados, com o objetivo de solicitar diligências no território de outros países, colher e trocar informações, localizar e deter foragidos, e também é fundamentada na reciprocidade. (COOPERAÇÃO POLICIAL INTERNACIONAL, p.37, 2015).

Cooperação penal internacional pode ser judicial, quando necessário o

escrutínio de um juiz, representante do Poder Judiciário, ou simplesmente

administrativa, não-jurisdicional ou também denominada policial, quando

prescinde da atuação judicial.

Não se tenha, porém, a ilusão de que todos os pedidos de cooperação se inserem no âmbito de um processo judicial. Como já afirmado, autoridades de países diversos cooperam de diversas maneiras e com fundamentos diversos, às vezes apenas com base no princípio da reciprocidade. Não havendo um processo judicial instaurado e não havendo necessidade de submissão da questão à autoridade jurisdicional, não há igualmente que se discutir competência judicial, mas sim competência ou atribuição da autoridade administrativa para formular o pedido de cooperação. (MORO, 2010, p.27).

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Em artigo sobre as cooperações penais internacionais, Aras e Luciano

(2010, pp. 126-127)31 destacam a evolução histórica das formas de tramitação

das cooperações internacionais, da maior para a menor burocracia a:

a)Cooperação pela via diplomática, consistente nas antigas e morosas formas

de cartas rogatórias envolvendo tanto o Ministério da Justiça como o Ministério

das Relações exteriores do Brasil e normalmente Ministérios similares nos

países vizinhos; b) Cooperação penal por autoridades centrais, com menor

quantidade de intermediários e normalmente centralizadas em órgãos do Poder

Executivo determinados em cada país; c) Cooperação penal direta, sem

necessidade de via diplomática nem necessária intervenção de autoridade

central. É aquela estabelecida diretamente entre aqueles que necessitam e

podem fornecer as diligências, forma mais ágil de cooperação.

A Cooperação direta, como o nome sugere, é mais célere, sem

intermediários com destaque para o grande rendimento quando aplicadas às

zonas fronteiriças dos territórios nacionais. Aras e Lima:

Às modalidades antes mencionadas, soma-se a cooperação transnacional direta (sem intermediários), já admitida em alguns países, especialmente para a tramitação de pedidos de assistência jurídica mútua (MLA) e para a formação de equipes de investigação conjuntas ou forças-tarefas transnacionais, denominadas joint investigative teams. A cooperação direta pode ser ampla, isto é, sem limitações geográficas, ou restrita, circunscrita às zonas de fronteira (transfronteiriça) (ARAS e LIMA, 2010, p. 134/135)

As cooperações policiais em fronteiras devem ser estabelecidas ponta a

ponta. Com efeito, há pouco sentido no encaminhamento de pedido de

cooperação de Foz do Iguaçu para Brasília e de lá para Asunción a fim de

efetuar-se uma diligência em Ciudad del Leste. Possivelmente, o princípio da

oportunidade, considerado como o momento fundamental para a efetivação da

diligência policial, que normalmente não pode ser retardado, será perdido e a

demora na atuação policial somente favorecerá à criminalidade organizada.

31LIMA DE, Luciano Flores; ARAS, Vladimir. Cooperação Internacional Direta pela Polícia ou Ministério Público.: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. LIMA DE, Luciano Flores (orgs). Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal. Porto Alegre, RS : Verbo Jurídico, 2010. p 123-160

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O fundamento jurídico indicado pelos autores citados para as

cooperações diretas transfronteiriças, como é o caso do Comando Tripartite,

pode ser o artigo 19 da Convenção de Palermo, internalizada no Brasil pelo

decreto nº 5015/2004:

Artigo 19 Investigações conjuntas Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada.

Percebe-se a possibilidade de mesmo sem acordos ou protocolos prévios

a possibilidade, já prevista pela convenção de Palermo a realização de

investigações conjuntas, via Forças-Tarefas, “task forces” ou “joint investigative

teams”

O decreto nº 1899 de 9 de maio de 1996, que promulgou a Convenção

Interamericana sobre Cartas Rogatórias, faculta, no artigo 7º, às autoridades

judiciárias das zonas de fronteira dar cumprimento de forma direta às cartas

rogatórias relativas a matérias civis e comerciais (art. 3º).

Se para o procedimento de cooperação mais moroso das cartas

rogatórias é possível a tramitação direta entre as autoridades judiciais de

fronteira, deve-se permitir a cooperação direta policial entre autoridades de

segurança pública nas regiões fronteiriças, como é o caso histórico do Comando

Tripartite. Da mesma forma para as cooperações judiciais.

Corrobora o entendimento sobre a cooperação penal mais irrestrita

possível, a proposta de aperfeiçoamento da cooperação internacional e policial

em regiões de fronteira, subscrita em Brasília, em 23 de agosto de 2017, pelos

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Chefes dos Ministérios Públicos da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e

Uruguai32.

O projeto de recomendação nº 01/2017 (cuja integra consta do Anexo I),

que propõe a adoção de um marco normativo para a cooperação fronteiriça,

consolida medidas novas e outras já previstas em diversos acordos

internacionais celebrados no MERCOSUL, como é o caso da possibilidade de

autoridades policiais de um país de fronteira adentrarem no país vizinho em caso

de perseguição policial (art.6º da proposta e previsto no acordo firmado em 2006

MERCOSUL/CMC/DEC.Nº16/06).

Destaca a possibilidade de cooperação direta entre autoridades nas áreas

de fronteira, sem necessidade de encaminhamento prévio para longínquos

órgãos centrais nas capitais dos respectivos Estados Nacionais, conforme artigo

1º:

Os pedidos de cooperação internacional ou de informação entre Autoridades de Fronteira poderão tramitar diretamente, sendo dispensada a intermediação das Autoridades Centrais ou Diplomáticas dos Estados envolvidos.

A proposta prevê que os órgãos centrais sejam informados sobre as

cooperações, para fins de controle e não para intermediar os atos, que se

aperfeiçoam sem maiores burocracias diretamente entre as autoridades

correspondentes nos países vizinhos e nas regiões de fronteira. Não há óbice

também para eventual utilização da cooperação via órgãos centrais.

O CT é paradigma nas cooperações diretas sem intermediários, conforme

se verá a seguir, com a discussão sobre o funcionamento do instituto que

permite, desde 1996, a troca ágil de informações policiais entre as polícias na

Tríplice Fronteira. As atas resumem as trocas e permitem aos órgãos centrais

aferir o desempenho do organismo.

32 Sobre o encontro, sugere-se a matéria publicada no jornal valor econômico: https://www.valor.com.br/brasil/5095034/mercosul-propoe-facilitar-cooperacao-policial-nas-fronteiras. Acesso em: 30 ago. 2018

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2.2 O COMANDO TRIPARTITE.

A preocupação deste capítulo é explicitar a história de formação do CT,

seu funcionamento e dinâmicas, e como a sua organização pode servir de

exemplo para outras iniciativas de cooperação policial local em regiões de

fronteira.

O Comando Tripartite (CT) é conceituado como mecanismo formal de

cooperação policial internacional local, existente na região da Tríplice Fronteira

e em atuação desde 1996 e congrega instituições policiais e de inteligência de

Argentina, Brasil e Paraguai.

É formal, pois decorre de acordo operativo firmado na cidade de Puerto

Iguazú, Argentina, em 18 de maio de 1996, entre os Ministros do Interior da

República da Argentina (Carlos Y. Cobach), Paraguai (Juan Manuel Morales) e

do Ministro da Justiça do Brasil (Nelson Azevedo Jobim). A data é considerada

como de fundação do CT.

Na ausência de maiores informações bibliográficas sobre o CT, as

principais fontes para a pesquisa do presente capítulo são as atas iniciais do

Comando, dos anos de 1996 a 1997, correspondentes aos dois anos iniciais de

funcionamento e que foram obtidas diretamente com a entidade estudada. Serão

utilizadas atas de 2015 até 2018.

Em uma próxima pesquisa, face à grande quantidade de informações,

pretende-se uma análise mais profunda das atas de todo o período de

funcionamento do CT que, em agosto de 2018, alcançou a reunião ordinária de

número27433.Os documentos históricos representam importante exemplo das

interações formais de segurança pública existentes nos últimos 22 anos na

Tríplice Fronteira.

As atas e documentos do CT são redigidas conforme a língua materna de

cada país: espanhol para Argentina e Paraguai e português para Brasil. O fato

demonstra uma busca de informalidade, na ausência de burocracias de tradução

33 O número representa a quantidade de reuniões ordinárias do Comando Tripartite, envolvendo apenas a grande reunião mensal, com a presença das Chefias das Polícias dos três países e demais órgãos convidados. Atualmente, afora a grande reunião, há mais dois encontros mensais: Câmaras Técnicas de Inteligência e também da dedicada à Antiterrorismo e tráfico de armas. Além disso, há reuniões extraordinárias eventualmente convocadas. Assim, estima-se que o número de reuniões seja ao menos o dobro das reuniões ordinárias.

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e também evidencia um esforço de entendimento recíproco e de

interdisciplinaridade a partir da aceitação de diferenças linguísticas comuns em

busca de uma convergência que aprimore a segurança na região.

No Anexo II, segue a reprodução do acordo histórico que funda o

Comando Tripartite e que, originalmente, denomina a região como “das três

fronteiras”:

Meses antes da fundação formalizada em Puerto Iguazú, conforme Arthur

Bernardes do Amaral (apud FIRMAN, 1996, p. 144), a criação foi decidida em

reunião de cúpula ocorrida em fevereiro daquele ano em Buenos Aires:

A partir de 1996, ganham força as negociações de acordos de cooperação, assim como os processos de implementação de iniciativas trilaterais entre Brasil, Argentina e Paraguai para reforçar os mecanismos conjuntos de segurança na Tríplice Fronteira. O processo é liderado pelo governo argentino, com evidente protagonismo desempenhado pelo ministro do Interior de Menem, Carlos Corach. Foi Corach quem, em fevereiro de 1996, recebeu Marcelo Jardim, Chefe da divisão de América Meridional do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, e Cristóbal Sánchez, vice-ministro do Interior do Paraguai, em Buenos Aires, para firmar o acordo que assentaria as bases para a criação do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira poucos meses depois (AMARAL, apud FIRMAN, 1966, p. 144).

Pode-se questionar se o acordo operativo do CT teria necessidade de

internalização no ordenamento jurídico brasileiro, na forma do artigo 84, VII da

Constituição Federal que atribui ao Poder Executivo manter relações com os

Estados estrangeiros e atos internacionais “lato sensu” sujeitos à referendo do

Congresso Nacional. Esse processo de aprovação é moroso e repercute na

plena internalização da norma geral no ordenamento jurídico nacional, com

eficácia para produção de efeitos.

Entretanto, nem todos os ajustes internacionais necessitam de aprovação

do Congresso Nacional, quando são decorrentes de outros já devidamente

internalizados. Assim, para o caso do “acordo operacional” que institui o CT

pode-se dizer que na verdade sua natureza jurídica internacional seria de

“memorando de entendimento” que conforme consta no site do Itamaraty

(www.brasil.gov.br) seriam:

Atos redigidos de forma simplificada. Têm a finalidade de registrar princípios gerais que orientam as relações entre as partes em planos políticos, econômico, cultural ou em outros

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A força normativa do CT advém diretamente do Tratado do Mercosul, de

1991, internalizado no Brasil a partir do decreto nº 350, de 21 de novembro de

1991 e da Constituição Federal pelo princípio da ampla cooperação entre os

povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX).

O protagonismo da Argentina na criação do CT confirma-se pelo esforço

na articulação inicial, vez que até o mês de setembro de 1996 e, nos quatro

primeiros meses que a presidência dos trabalhos coube àquele país realizaram-

se nove reuniões34. Posteriormente, a partir da décima reunião, em outubro de

1996, no Brasil, as reuniões passaram a ser mensais. Coube ao Brasil os meses

de outubro a janeiro e, ao Paraguai, os meses de fevereiro a maio, com retorno

à Argentina nos meses de junho a setembro, o que permanece até a atualidade.

Outra demonstração do protagonismo da Argentina na formação do CT é

a presença do então Presidente da República da Argentina, Carlos Saul Menem

e do Ministro do Interior daquele país, Carlos Corach, na reunião de transmissão

da presidência do Comando, da Argentina para o Brasil, em 13 de setembro de

199735. A reunião teve, como principal autoridade brasileira, a então Vice-

Ministra da Justiça, Carmen Mesquita e o Ministro do Interior do Paraguai, Miguel

Angel Ramirez.

Uma das possíveis razões para o crescente interesse na segurança e

maior controle na Tríplice Fronteira e para a criação do CT foram os dois ataques

terroristas direcionados à símbolos e instituições israelenses em Buenos Aires

alguns anos antes à criação do Comando, respectivamente em 1992 e 1994.

Tais circunstâncias explicam e justificam o protagonismo inicial da Argentina,

face à comoção e gravidade dos atos terroristas sofridos naquele país.

34 A primeira reunião do CT designada assim em ata foi a realizada no 12/06/1996 em Puerto Iguazú, Argentina. Naquele mesmo mês, em 25/06/1996, realizou-se a segunda. Dias após, no início do mês de julho (04/07/1996) ocorreu a terceira. A quarta reunião ocorreu ainda em julho daquele ano (22/07/1996). A quinta em 08/08/1996. Em 22/08/1996 houve a sexta reunião. A sétima reunião ocorreu no dia 05/09/1996 e a oitava em 20/09/1996 com a nona em 30/09/1996. 35 A reunião não foi numerada na ata, mas é considerada a reunião de número 23 do Comando Tripartite, pois ocorreu no dia 13/09/1997, dias depois da reunião de número 22 (27/08/1997) e logo em seguida da reunião nº 24 (realizada no Brasil em 08/10/1997).

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Na tarde de 17 de março de 1992, uma camionete carregada de

explosivos, em frente à Embaixada Israelense na capital da Argentina foi

detonada. O atentado causou 29 mortes com 200 feridos.

Na manhã de segunda-feira, dia 18 de julho de 1994, um furgão carregado

de explosivos chocou-se contra o edifício sede da Associação Mutual Israelita

da Argentina – AMIA matou 85 pessoas e feriu 300, o que representou o maior

atentado terrorista ocorrido naquele país. Nenhum dos atentados foi esclarecido,

mas a “Justiça argentina acusa o governo do Irã de ter organizado o ataque da

AMIA em conjunto com o Hezbollah.”36

Os fatos fizeram as autoridades Argentinas reforçarem as preocupações

com o controle das fronteiras, com repercussão na Tríplice Fronteira, devido à

grande concentração populacional, dinâmica comercial intensa e pouca

fiscalização proporcional, aliada à presença significativa da comunidade árabe

tanto em Foz do Iguaçu como em Ciudad del Este e israelense em Buenos Aires.

Desde os ataques, percebeu-se a necessidade de criar um fórum capaz

de, gradativamente, integrar as ações de segurança entre os três países, numa

prática interdisciplinar de convergência ou, ao menos, multidisciplinar, de

coordenação entre as ações de segurança e troca de informações dos três

países.

O adjetivo “operativo” que segue logo após a palavra acordo, demonstra

ser o CT um fórum eminentemente operacional, de execução de ações

integradas de segurança pública e troca de informações nas Três Fronteiras

(“tres fronteras”, conforme denominação inicial do CT).

O objetivo principal para criação do CT era instalar uma coordenação

mínima entre as polícias dos três países, passível de conduzir medidas de

intercâmbio de informações, cooperação policial e de segurança pública na área

que compreende as cidades de Puerto Iguazu, Foz do Iguaçu e Ciudad del Este,

consideradas como cidades sedes deste organismo, vez que, já no Termo do

Acordo, estipulou-se que a coordenação operativa seria de forma rotativa em

cada uma das cidades e países mencionados, começando pela Argentina e

36https://internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/entenda-impunidade-em-dois-atentados-na-argentina/. Acesso em: 04/08/2018.

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seguindo, pela ordem alfabética para Brasil e Paraguai, com revezamento a cada

quatro meses.

Buscou-se, assim, criar um fórum duradouro, interdisciplinar, com

encontros regulares a fim de que as partes iniciassem a formação de redes de

cooperação locais, a favorecer, gradativamente, ações de coordenação e

convergência em prol da segurança pública dos três países, com reflexos além

do regional.

A criação é um exemplo de como a interdisciplinaridade pode ser

trabalhada no nível político-estratégico (centros políticos) e irradiar para o nível

executivo (bases e regiões de fronteira) num caminho do geral para o específico

ou local. O compromisso de encontros regulares e auditáveis mediante formação

de atas comunicadas posteriormente aos órgãos centrais favoreceu a

convergência e, gradativamente, diminui barreiras à troca de informações.

O símbolo do CT, que ilustra a figura 3, representa os marcos de fronteira

dos três países e as cores de cada nação e demonstra o ideal de convergência

e coordenação, com união de esforços para aprimorar constantemente a

segurança local.

Figura 3. Símbolo do Comando Tripartite

Fonte: Comando Tripartite, 2018

A importância do nível estratégico consta da diretiva de que os

responsáveis pelo CT (nível de execução) receberiam instruções diretas dos

Ministérios sobre a forma de condução política e que as operações se iniciariam

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em 1º de junho de 1996. Essas instruções são nítidas a partir da presença de

representantes estratégicos nas reuniões iniciais do Comando.

O segundo documento do Comando foi uma ata redigida em 31 de maio

de 1996, firmada por Luis Santos Casale, pela República Argentina,

Subsecretário de gestão de programas do Ministério do Interior; Airton Vicente,

na época Chefe da Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu, que

representou o Brasil, e por Ricardo Villamayor, da Polícia Nacional, pela

República do Paraguai.

No Anexo III, consta a “ACTA DE LA REUNION CONSTITUTIVA DEL

COMANDO TRIPARTITO PARA LA ZONA DENOMINADA DE LAS TRÊS

FRONTERAS”. Decide-se por iniciar a condução operacional, pela ordem

alfabética dos países. Coube à Argentina, a partir do mês de junho daquele ano

a condução dos trabalhos, com alternância a cada quatro meses.

As reuniões executivas do CT, com início das trocas de informações,

iniciaram-se efetivamente em 12 junho de 1996, data da primeira ata do

Comando, em Puerto Iguazu, na sede da Gendarmeria Nacional. Pela Argentina

fizeram-se presentes representantes da Gendarmeria, Prefectura Naval, Policia

Federal e Secretaria de Inteligência. Por parte do Brasil, a comitiva foi

representada pela Polícia Federal de Foz do Iguaçu, Exército Brasileiro,

mediante 34º Regimento de Infantaria Motorizada e pelo cônsul do Brasil em

Cidade de Leste. O governo do Paraguai foi representado pela Polícia Nacional.

Na reunião, foi entregue para análise e considerações das comitivas dos

três países, pela delegação Argentina, o termo de “Organização e

Funcionamento do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira”.

As primeiras reuniões eram quinzenais, na primeira e terceira terças-feiras

do mês. Posteriormente, as reuniões passaram a ser mensais e, atualmente,

ocorrem na última quinta-feira de cada mês, pela manhã.

Na quarta reunião, realizada em 22 de julho de 1996, em Puerto Iguazu,

Argentina, foi aprovado, de forma unânime pelos representantes dos três países,

o Estatuto denominado “Organização e Funcionamento do Comando Tripartite

da Tríplice Fronteira”, com normas sobre a organização e funcionamento do

organismo na região.

Face à relevância histórica do documento, a integra consta do Anexo IV.

O documento fundamental fixou como objetivos do Comando no artigo 3º:

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a) o intercâmbio de informações úteis, oportunas e confiáveis para as organizações de segurança, que contribuam para a planificação de ações para a região; b) o desenvolvimento de um Sistema Integrado de Informações de Segurança; c) fomentar intercâmbios interinstitucionais de caráter profissional e, finalmente; d) desenvolver mecanismos orientados a prevenir e solucionar, em função das suas capacidades, fatos e fenômenos que possam sobrevir como consequência de todo tipo de delitos e infrações, respeitados o marco legal de cada país. (REPÚBLICA ARGENTINA, 1996e).

O artigo 4º designa que o CT seja composto pelos organismos de

segurança dos Estados partes, com jurisdição e competência na segurança

interior e na região. Também facultou a participação de outras organizações, já

revelando aí a complexidade e necessidade de articulação intensa e abrangente

para garantir os melhores resultados na segurança da região trinacional.

Os membros natos, previstos no artigo 4º do Estatuto do CT, foram, pela

Argentina, a Gerdarmeria Nacional, Prefeitura Naval e Polícia Federal. Pelo

Brasil, a Polícia Federal e, por parte do Paraguai, a Polícia Nacional. Em 2015,

pela Argentina, foi agregado como membro permanente a Polícia de Segurança

Aeroportuária e, pelo Brasil, foram agregados a Polícia Rodoviária Federal37e

Agência Brasileira de Inteligência38.

Administrativamente, o CT é integrado pelas Chefias ou “Jefaturas” e

pelas Secretarias. As Chefias são as representações superiores do CT,

exercidas por órgão integrante da força de segurança com jurisdição na região,

mediante designação de cada país (art.12), podendo ser alternado entre as

forças de segurança de cada nação. As Chefias de cada país devem representar

o CT, coordenar as atividades e exercer a supervisão do cumprimento dos fins

e objetivos propostos, bem como propor a formação de grupos especializados

de trabalho (artigo 13).

As reuniões devem ocorrer, necessariamente, com a presença de

representantes dos três países (artigo 9º), cada país tem direito a um voto nas

37 Ata de acordo firmado em 26/11/2015, durante a reunião ordinária de número 241, realizada na PF em Foz do Iguaçu. 38 A Polícia de Segurança Aeroportuária da Argentina – PSA e a Agência Brasileira de Inteligência foram admitidas durante reunião ordinária de nº 239, realizada na Argentina, no dia 29/09/2015.

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eventuais deliberações (art. 10), mas as resoluções devem ser adotadas por

consenso e, caso as decisões superem o âmbito de atribuições e a competência

territorial de seus membros, deve o assunto ser remetido, pelas vias

hierárquicas, para os respectivos Ministérios (art.8º).

As secretarias, uma para cada país, devem tramitar e coordenar as

resoluções do CT, preparar a ordem do dia e atas do CT, com as trocas oficiais

das informações de cooperação policial internacional (art. 15). São as

Secretarias que, conforme as orientações das Chefias fazem o agendamento

prévio das reuniões gerais e especiais do Comando e executam as atividades

de trocas de informações entre os países, para posterior formalização durante

as reuniões mensais ordinárias.

Entre as reuniões mensais ordinárias, há intensas trocas de informações

policiais realizadas a partir de aplicativos de mensagens, e-mails e ofícios,

sempre da forma mais ágil e desburocratizada possível.

Nas reuniões gerais, caso necessário, são formalizadas as trocas dos

ofícios e documentos oficiais que contém as informações para a instrução dos

auxílios diretos que podem servir de base para investigações preliminares e, até

mesmo, para ações penais em curso, conforme se verá no estudo de caso.

Para demonstrar a relevância da organização de cooperação policial

internacional, tomando-se como base a última reunião realizada na Argentina em

2018, a de número 274 em 25 de julho daquele ano, com mais de 100

documentos trocados e relacionados no temário da reunião, referentes à

cooperação penal e trocas de informações de segurança entre os três.

O Estatuto permite (art.16) a formação de Grupos Especializados de

Trabalho (GET) que sejam necessários para a realização dos objetivos ou do

plano de trabalho do CT. Os GET´s podem funcionar em um dos países que

compõem o Comando e têm como principais temas os previstos no artigo 17:

a)Controle de documentação b)Operações simultâneas c)Integração de Banco de dados d)Lavagem de dinheiro e)Narcotráfico f)Tráfico de armas e munições g)Terrorismo.

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Em 2016, durante a reunião de número 251, como resultado de

discussões anteriores, foi proposta pela Delegação brasileira a criação de um

grupo, ou unidade especial permanente para dar maior dinamismo para o

Comando. A previsão inicial era que a unidade fosse integrada por quatro

representantes de cada um dos países, em força tarefa para diligências

permanentes na Tríplice Fronteira, com sede rotativa a cada seis meses.

A ata com a proposta foi encaminhada pelas vias hierárquicas para os

respectivos Ministérios e não houve avanços, com autorizações superiores, no

sentido da criação do grupo permanente até final de 2018.

A medida se amolda ao já previsto pelo MERCOSUL no acordo CMC/DC

nº 22/1039 sobre equipes permanentes de investigação, e demonstra que a

prática interdisciplinar ou a busca de convergências e redes que permitam a

cooperação policial internacional depende da união de esforços dos envolvidos

diretamente na execução de políticas de segurança local e de decisões

burocráticas e centralizadas, normalmente lentas, que dificultam mais do que

facilitam as atividades compartilhadas de investigação em fronteiras.

O CT realiza, desde 1996, operações compartilhadas. As atividades

consistem em barreiras ostensivas montadas em pontos estratégicos das áreas,

como as aduanas das Pontes da Amizade (Brasil – Paraguai) e Fraternidade

(Brasil – Argentina) em cada um dos países com assistência recíproca de

policiais de cada país, a fim de permitir a conferência de documentos de viagem,

dados sobre veículos abordados e repressão integrada a crimes

transfronteiriços.

A primeira operação integrada do Comando ocorreu em 21 de agosto de

1996, conforme se vê na ata da 5ª reunião ordinária do CT, realizada em 08 de

agosto daquele ano. A principal preocupação naquela oportunidade era o

controle de documentos de viagem. Naquela ata, consta a proposta Argentina

para o denominado “operativo simultâneo” assinalando os locais em Puerto

Iguazú como “Ruta Nacional 12 y Puente Internacional” e “Terminal de Omnibus

de Puerto Iguazú”.Brasil e Paraguai designariam seus locais nos países

respectivos. Cada país indicaria um policial uniformizado, sem armamento, para

39MERCOSUL/CMC/DEC Nº 22/10 – Acordo quadro de cooperação entre os estados partes do MERCOSUL e estados associados para a criação de equipes conjuntas de investigação.

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a função de observador e auxiliar na troca ágil de informações e fiscalização de

documentos de seus nacionais.

Atualmente, realizam-se de dois a quatro operativos conjuntos

anualmente, via Comando Tripartite.

Antes dos Jogos Olímpicos de 2016, no mês de abril, por dez dias, a

INTERPOL e o Comando Tripartite, inspirados na prática já existente na região,

realizaram operativo conjunto na Tríplice Fronteira, denominada Operação

Fortaleza. Os resultados foram potencializados pela integração de esforços,

compartilhamento de bancos de dados entre a INTERPOL e o Comando

Tripartite40.

A operação, com barreiras concomitantes e integradas por policiais de

vários países, resultou na prisão de 32 pessoas, incluindo um foragido

internacional de nacionalidade Italiana, procurado na Argentina e preso em Foz

do Iguaçu e apreensão de 750 kg de drogas diversas, principalmente maconha41.

Durante os Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro em 2016, o

Comando Tripartite montou, na Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu,

uma operação para garantir a troca rápida de informações entre os três países,

basicamente voltada para checagem de documentos de viagem, dados de

veículos e migrações42.

A estrutura funcionou no período de 04 a 21 de agosto de 2016 e foi

gestionada a partir das reuniões nº 248 e 249 do CT, realizadas respectivamente

em 27 de junho e 28 de julho de 2016 em Puerto Iguazú. Na reunião

extraordinária do CT, realizada na sede da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no

dia 04 de agosto de 2016, foi lançado o operativo destacando-se a dinâmica dos

trabalhos:

Inaugura oficialmente a Operação Fronteira Olímpica, a qual funcionará até o dia 21/08/2016 e fará o papel de centro de inteligência e apoio a demandas relacionadas com a segurança pública da tríplice fronteira com foco nos jogos olímpicos que ocorrerão no Brasil. A operação policial terá a presença de policiais do Paraguai e da Argentina e de policiais federais por

40http://g1.globo.com/pr/parana/videos/v/interpol-faz-operacao-integrada-nas-fronteiras-de-foz-do-iguacu/4943063/ 41http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2016/04/policia-federal-realiza-operacao-na-regiao-da-triplice-fronteira. Acesso em: 08 set. 2018. 42A operação foi denominada “Fronteira Olímpica”

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24 horas. Por meio do centro integrado haverá a troca de informações de forma imediata entre os três países

Em abril de 2017, com os crimes relacionados à empresa PROSEGUR, a

mesma estrutura foi utilizada na denominada “Operação Resposta Integrada”

para coordenar os esforços de investigação entre os três países. A dinâmica

daquela operação será exposta na forma de estudo de caso em seguida.

2.3 O COMANDO TRIPARTITE –MODELO DE COOPERAÇÃO POLICIAL EM

ZONAS BIPARTITES

O êxito das ações do CT e sua forma de ação interdisciplinar no

envolvimento de Policiais da Tríplice Fronteira, tornou um paradigma a ser

disseminado em outras localidades.

Exemplo é o acordo celebrado entre os Ministérios da Segurança da

Argentina e do Ministério do Interior do Paraguai, com estabelecimento de Zonas

de Segurança Bipartites (ZSP) nas cidades de fronteira, conforme tabela 3. O

acordo, celebrado em 14 de novembro de 2014, em Buenos Aires, acarretou a

criação das ZSP’s.

Tabela 3. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e

Paraguai

Argentina Paraguai

Posadas Encarnación

Clorinda Nanawa

Clorinda Jose Falcon

Pilcomayo Ita Enramada

Eldorado Mayor Otaño

Formosa Alberdi

Ituzaingó Ayolas

Bermejo Puerto Pilar Fonte: Acordo Argentina e Paraguai - 2014

Argentina e Bolívia também assinaram um acordo semelhante em 15 de

julho de 2015, criando Zonas Bipartites de segurança nas seguintes cidades de

fronteira daqueles países, como ilustra a tabela 4.

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Tabela 4. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e

Bolívia

Argentina Bolívia

Salvador Maza Yacuiba

La Quiaca Villazón

Aguas Blancas Bermejo

Las Chalanas Bermejo

El Condado, Los Toldos La Mamora Fonte: Acordo Argentina e Bolívia - 2015

A simples leitura dos acordos celebrados permite verificar similaridades

com o modelo de 1996 do CT, vez que há previsão de Secretarias e Unidades

de Coordenação, inclusive com presidência rotativa dos trabalhos entre os

países a cada seis meses, com previsão de reuniões regulares, na razão mínima

de uma a cada seis meses, ou em intervalos menores, caso necessário.

Brasil-Argentina e Brasil-Paraguai não celebraram acordos bipartites

semelhantes. Entretanto, o modelo do CT foi disseminado para as cidades de

Guaíra, Naviraí e Salto del Guaíra (Brasil-Paraguai) em reuniões extraordinárias

realizadas pelo Comando nos dias 13 de dezembro de 2011 e 10 de julho de

2013.

No dia 12 de janeiro de 2017, realizou-se reunião extraordinária do

Comando, na cidade de Ponta Porã, Estado do Mato Grosso do Sul, cidade

gêmea de Pedro Juan Caballero, no Paraguai com a finalidade de demonstrar o

modelo de atuação do CT na Tríplice Fronteira. Na oportunidade, foi

compartilhada com as autoridades locais dos dois países daquela fronteira as

dinâmicas empregas e formas de atuação.

O modelo estabelecido desde 1996 pelo CT no encontro territorial entre

Argentina, Brasil e Paraguai prosperou em outras áreas de fronteira, com as

adaptações necessárias às dinâmicas locais, como é o caso das cidades

gêmeas da Argentina e Paraguai e Argentina e Bolívia, que estabeleceram as

ZSBs e também nas fronteiras do Brasil com os seus vizinhos, como enfatizado

anteriormente.

Essas atuações permitiram a criação de verdadeiras redes horizontais de

segurança pública, nas quais policiais de países vizinhos entre si, podem ter

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acesso à base de dados e informações úteis para investigações em todos os

países do mundo, mediante colaborações diretas passíveis de serem auditadas

e comunicadas aos órgãos centrais mediante atas com os resultados das

cooperações articuladas.

2.4 O COMANDO TRIPARTITE - DIFICULDADES À COOPERAÇÃO POLICIAL

As principais dificuldades à cooperação policial local na Tríplice Fronteira

são estabelecidas há muitos quilômetros de distâncias destas Faixas de

Fronteira, normalmente nos centros de poder e burocracias das Capitais dos

Estados Nacionais. Para o caso do CT, esses centros são: Buenos Aires, Brasília

e Asunción. Salvo para o caso da capital do Paraguai, que fica a

aproximadamente 300 quilômetros da Tríplice Fronteira, as capitais da Argentina

e do Brasil estão a mais de 1.000 quilômetros. A distância geográfica gera

percursos difíceis para a agilização das cooperações locais, conforme se verá a

seguir

A primeira dificuldade de colaboração em investigações é a extrema

burocracia que representa a obtenção de autorização para missão policial no

exterior a partir das fronteiras. No Brasil, para que um servidor possa atuar em

outro país, é necessária autorização prévia do Presidente da República,

Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal

Federal, a depender da sua vinculação profissional com o Poder Executivo,

Legislativo ou Judiciário. É o que prevê o artigo 95 da lei 8.112/90:

Art. 95. O servidor não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O decreto nº 1.387 de 07 de fevereiro de 1995, delegou para os Ministros

de Estado e outros cargos de cúpula do governo federal a possibilidade de

autorização da missão internacional

Entretanto, o artigo 3º do decreto determina que a autorização seja

publicada no Diário Oficial da União - DOU, até a data do início da viagem ou de

sua prorrogação, com indicação do nome do servidor, cargo, órgão ou entidade.

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O procedimento engessa e até mesmo inviabiliza as cooperações policiais

nas áreas de fronteira, pois tantas vezes, para o êxito de ações de investigação,

é imperativo o deslocamento de policiais de um país para outro para auxiliar na

identificação de fugitivos, apoiar em vigilâncias, além da participação e apoio em

perícias criminais de procedimento similares.

Melhor seria que policiais determinados tivessem autorizações prévias

para atuarem em outros países de fronteira, em apoio e juntamente com policiais

do país vizinho, sem burocráticas e impraticáveis autorizações presidenciais ou

ministeriais.

Para as cidades gêmeas ou localidades nas faixas de fronteira dos países,

os deslocamentos, via de regra, são curtos e não representam custos ou

pernoite, como são os casos das reuniões do CT que ocorrem em Puerto Iguazú

– Argentina, Foz do Iguaçu – Brasil e Ciudad del Este – Paraguai, com

deslocamentos de aproximadamente dez quilômetros em reuniões que duram

cerca de duas a três horas.

No caso da Polícia Federal, o ideal era que, previamente, e de forma

anual, tais autorizações fossem expedidas pelo próprio Superintendente

Regional, com conhecimento da Direção-Geral, do Ministério da Justiça e

Segurança Pública e, por sua vez, da própria Presidência da República, sem que

tais deslocamentos representassem, qualquer contrapartida remuneratória

adicional, pois se tratam de cidades contíguas e ocorrem normalmente sem

qualquer necessidade de pernoite.

Por imperativo legal, não tem sido está a regra. Assim, para um

deslocamento de um servidor policial de Foz do Iguaçu para a China, com mais

de 10.000 quilômetros de distância, o procedimento burocrático adotado é o

mesmo para um deslocamento de alguns quilômetros para a vizinha Ciudad del

Este.

Inviável prever quando um deslocamento internacional em regiões de

fronteira será necessário, vez que crimes transnacionais acontecem

constantemente e a necessidade de colher uma autorização prévia e de cúpula

demora dias e, quando obtida, o princípio da oportunidade e a diligência podem

já não ter mais necessidade. Sugere-se assim, a alteração do artigo 95 da lei

8.112/90 ou subdelegações de competência para autorizar viagens em áreas de

fronteira de forma mais ágil.

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Outra dificuldade para cooperação policial local em regiões de fronteira foi

a alteração na lei de estrangeiros do Brasil. Anteriormente, pelo artigo 57, § 2º

da lei 6.815/80, era possível a deportação sumária (imediata) do estrangeiro com

estada ou entrada irregular em território nacional, por conveniência aos

interesses nacionais. A fundamentação era comumente utilizada para realizar a

entrega de cidadãos estrangeiros que estavam irregulares no Brasil,

principalmente em Foz do Iguaçu e região e que, eventualmente, tinham

mandados de prisão nos seus países de origem.

A lei número 13.445/2017, que instituiu a nova lei de migrações no Brasil,

em 24 de maio daquele ano, determinou, no artigo 50, novos procedimentos para

a deportação, com prazo de notificação para o deportando regularizar seu

ingresso em até 60 dias passíveis de prorrogação por igual período. Previu,

ainda, a notificação compulsória da Defensoria Pública da União para prestar

assistência ao deportando em todo o procedimento administrativo de deportação

(artigo 51). Ou seja, a nova legislação de estrangeiros no Brasil dificultou, ou

simplesmente fulminou, a possibilidade de deportações sumárias, imediatas em

áreas de fronteira.

O Paraguai via CT, utiliza de forma intensiva a deportação sumária para

entregar brasileiros irregulares naquele país e, muitas vezes, foragidos da justiça

brasileira.

Conforme dados divulgados na imprensa, no período de 2016 a 2018, 104

brasileiros com mandado de prisão em aberto ou em situação migratória irregular

foram entregues à Polícia Federal pela Polícia Nacional do Paraguai, através do

Comando Tripartite. O Brasil chegou a fazer a entrega de 65 paraguaios.43

Outra dificuldade impactante nas cooperações policiais em regiões de

fronteira é a ausência de implementação e vigência do importante acordo do

MERCOSUL sobre o Mandado Mercosul de Captura e Procedimentos de

Entrega entre Estados partes do Mercosul e Estados Associados, ou

simplesmente Mandado Mercosul de Captura (MMC), consubstanciado no

documento MERCOSUL/CMC/DEC N° 48/10.

43https://www.h2foz.com.br/noticia/policiais-brasileiros-e-paraguaios-fecham-o-cerco-a-fugitivos-na-fronteira. Acesso em: 08 set. 2018.

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Durante reunião do Conselho do Mercado Comum do Sul realizada em 16

de dezembro de 2010, em Foz do Iguaçu, os governos da Argentina, Bolívia,

Brasil, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai assinaram o Acordo para permitir

agilidade no cumprimento de mandados recíprocos de prisão e entrega de

presos. Em síntese o acordo prevê:

Artigo 1º — Obrigação de executar 1. O Mandado MERCOSUL de Captura é uma decisão judicial

emitida por uma das Partes (Parte emissora) deste Acordo, com vistas à prisão e entrega por outra Parte (Parte executora), de uma pessoa procurada para ser processada pelo suposto cometimento de crime, para que responda a um processo em curso ou para execução de uma pena privativa de liberdade.

O acordo de 2010 ainda não está em vigor, vez que os países signatários

ainda não incorporaram a medida em seus ordenamentos jurídicos internos. O

Brasil, por meio do Decreto legislativo nº 138 de 09 de agosto de 2018, deu passo

importante neste caminho, mas ainda falta o decreto presidencial de

promulgação do acordo, e a incorporação por, pelos menos, quatro países,

conforme previsto no artigo 22 do acordo.44

Outro acordo do MERCOSUL pendente de incorporação é o

MERCOSUL/CMC/DEC.Nº16/06, que cria o Sistema de Intercâmbio de

Informações de Segurança do MERCOSUL (SISME) para permitir mais

segurança na troca de informações entre as instituições policiais. Também

permite o ingresso de forças policiais no território de outro país vizinho em casos

de perseguição iniciada no Estado de origem, conforme artigo 12 do anexo:

Os funcionários das Forças de Segurança e/ou Policiais das Partes que, em seu próprio território, persigam uma ou mais pessoas que, para iludir a ação da autoridade, transpassarem o limite fronteiriço, poderão entrar no território da outra Parte somente para informar e solicitar à autoridade policial mais próxima, ou a quem exerça tal função, o auxílio imediato no

44A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 84, incisos VII e VIII, prevê que compete ao poder Executivo, mediante Presidência da República, “manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos”, bem como “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Assim, via de regra, para que os tratados, convenções ou atos internacionais tenham vigência, capacidade de produzir efeitos no território nacional, mister se faz que o Presidente, após celebrá-los, faça o devido encaminhamento ao Congresso Nacional que deverá aprovar ou não decreto legislativo. Somente a partir daí, da expedição e publicação do decreto legislativo a cargo do Congresso Nacional e promulgação via decreto do Presidente da República é que a norma ganha capacidade de produção jurídica de efeitos no território nacional.

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caso. Com relação ao ocorrido, imediatamente cada Parte deverá redigir uma ata e informar o fato às suas autoridades judiciais competentes, de acordo com sua legislação interna. (MERCOSUL, 2016).

A questão foi recordada em artigo redigido em 2016 (BORDIGNON, 2016.

p. 81):

O texto, na dinâmica de uma perseguição policial iniciada no país de origem da equipe policial, permite o ingresso armado dos policiais no país subsequente, vez que perseguições policiais ocorrem naturalmente na modalidade armada, para solicitar imediato auxílio no sucesso da detenção do foragido, lavrando-se ata do fato ocorrido, por cada Parte e encaminhamentos decorrentes. Foi o que aconteceu em 01/04/2016 durante perseguição policial iniciada em Foz do Iguaçu, no Brasil, contra um homem que fugia para o Paraguai através da Ponte Internacional da Amizade em uma camionete roubada há pouco em território brasileiro. O fugitivo foi detido em território paraguaio, em Cidade de Leste, mediante atuação final da Polícia Nacional daquele país. (ABC Color, 2016). Neste caso, o entrosamento decorrente das reuniões mensais do Comando Tripartite permitiu desfecho rápido e harmonioso do acontecimento, com a prisão do criminoso, mediante atuação integrada entre as polícias do Brasil e Paraguai. Em outro caso, ocorrido fora do âmbito do Comando Tripartite, o desfecho foi a prisão dos policiais que atuavam na perseguição a criminosos na região da fronteira Brasil – Paraguai, entre os municípios de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul) e Pedro Juan Caballero, no dia 15 de março de 2016, como foi o fato noticiado pelo “Correio do Estado”(2016). Na ocasião, policiais militares brasileiros foram detidos por policiais paraguaios ao ingressarem armados naquele país.

Vencer esses obstáculos burocráticos é a maior fronteira imaterial a ser

superada pelas forças policiais que atuam nas regiões de limites entre os países

da região trinacional e, no geral, de todos os países membros e associados ao

MERCOSUL e confirma ser a atuação interdisciplinar um agir que merece

enfrentamento e coragem por parte dos gestores estratégicos e políticos que

atuam nas capitais dos Estados Nacionais, normalmente distantes dessas áreas,

como a Tríplice Fronteira.

Garantir a segurança e o controle das fronteiras geográficas entre os

países vizinhos é superar os limites e as fronteiras imateriais que separam os

centros geográficos de poder, as capitais das cidades de fronteira.

As muralhas da burocracia nacional representam a mais difícil barreira do

Brasil, que é Brasília com o restante do país. Os exemplos relacionados

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104

assinalam essas dificuldades que impedem maior rendimento, utilidade e

oportunidade nas cooperações policiais em regiões de fronteira.

Conforme destacado por CARNEIRO (2016, p.242) na União Europeia há

diversos acordos entre países membros autorizando que policiais de um

determinado país adentrem em outro a fim de perseguir e prender fugitivos. Por

exemplo, “ as polícias de Bélgica e Alemanha possuem competência estendida

ao território do Estado vizinho em caso de perseguição policial a criminosos”

(ibidem, p. 242)

No próximo capítulo será possível verificar como as cooperações policiais

locais podem agilizar a troca de informações e superar barreiras burocráticas

que inviabilizam a troca de informações e de atuações nas regiões de encontro

entre países.

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105

3 ESTUDO DE CASO – CRIMES TRANSNACIONAIS NA EMPRESA PROSEGUR EM CIUDAD DEL ESTE (22/04/2017)

Este capítulo tem como objetivo confirmar a importância da atuação

interdisciplinar entre as forças de segurança pública nas áreas de fronteira, tanto

no aspecto interno quanto no âmbito internacional, numa perspectiva local,

principal foco de pesquisa da dissertação.

O estudo demonstrará que o entrosamento prévio entre as forças de

segurança internas (Brasil) e o Comando Tripartite (Argentina, Brasil e Paraguai)

foi essencial para o excelente resultado alcançado no episódio.

Busca-se, a partir do estudo de caso relativo aos crimes cometido na

empresa PROSEGUR, em Ciudad del Este, no dia 24 de abril de 2017.

Demonstrar e responder à questão de estudo (YIN, 2015, p.31): como a

interação entre as polícias na região de Foz do Iguaçu (aspecto nacional) e o

Comando Tripartite (aspecto internacional) foi fundamental para os resultados

obtidos a partir da investigação dos delitos na empresa PROSEGUR em Ciudad

del Este?

Como proposição de estudo, entendido na atenção para algo que deve

ser examinado no escopo da pesquisa (YIN, 2015, p.32), tem-se que: a) O CT

foi fundamental, pois permitiu previamente ao evento estudado, a criação de

redes horizontais de comunicação e cooperação que foram decisivas no pronto

acionamento e comunicação às autoridades de Segurança Pública do Brasil, em

Foz do Iguaçu, imediatamente à ocorrência dos fatos na cidade Paraguaia de

Ciudad Del Este, no início da madrugada de 24 de abril de 2017 (segunda-feira),

por parte das autoridades da Polícia Nacional daquele país;

b) O CT foi fundamental, pois com a comunicação ágil, permitiu-se que as

forças de segurança do Brasil montassem uma estrutura de segurança para

permitir o avistamento e oposição à parte da organização criminosa que,

sabidamente, fugiu para Brasil e foi confrontada, primeiramente, no município de

Itaipulândia, às margens do lago de Itaipu, por volta das 12 horas do dia 24 de

abril de 2017.

Como proposição o caso destaca-se: c)A interação, mesmo que informal,

entre as forças de segurança pública da região de Foz do Iguaçu, como PF, PRF,

PM, PC e Guarda Municipal, foi decisiva para que a informação sobre o primeiro

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106

confronto e o rumo dos criminosos fosse comunicado de forma ágil via aplicativos

de mensagens por smartphones (whatsapp) às autoridades de segurança, o que

permitiu que novo confronto ocorresse com êxito na região do município de São

Miguel do Iguaçu/PR, o que resultou na prisão, apreensão de armas de fogo e

morte de criminosos a partir de intenso confronto entre as forças de segurança

e delinquentes.

Tal esforço integrado, denominação, aliás, que batizou a operação

policial, resultou também na prisão de envolvidos inclusive na cidade de

Cascavel/PR na noite do dia 24/04/2017 e na recuperação de parte significativa

de armas e valores subtraídos na madrugada do seguinte, 25/04/2017.

A proposição 4 desenvolvida neste estudo de caso demonstrará que o CT

foi essencial para permitir auxílio direito às autoridades da Polícia Nacional do

Paraguai na perícia realizada pela Polícia Federal do Brasil na residência em

Ciudad del Este que foi utilizada pelos criminosos para o planejamento

meticuloso do crime. Aqui, importante destacar a fronteira como transbordante e

não como limite estanque à plena e ágil cooperação policial local que é

fundamental para superação da criminalidade transnacional organizada.

A riqueza de circunstâncias que envolveram e envolvem o “caso

PROSEGUR”, certamente, motivarão outros estudos de aspectos relevantes.

Nesta pesquisa, os aspectos de cooperação policial local, tanto no âmbito

nacional como internacional são fundamentais.

A circunstância define e delimita a unidade do caso (YIN, p. 35) proposto

para estudo, sem esgotar todas as perspectivas em que pode ser estudado,

como, por exemplo, as coletas de vestígios de DNA e a relevância probatória

para as ações penais em ambos os países, a questão da extraterritorialidade da

lei penal e outras nuances relevantes do caso concreto.

O principal aspecto teórico do estudo de caso (YIN, p. 40) será a

demonstração, já desenvolvida teoricamente nos capítulos anteriores, de que a

interação entre forças de segurança diversas, no âmbito nacional quanto

internacional, nas localidades de fronteira foi fundamental para fazer frente aos

desafios dos crimes transnacionais.

Essas polícias, vistas como disciplinas, precisam de estímulos à

multidisciplinaridade (coordenação) e interdisciplinaridade (convergência),

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constantes e regulares para atuação de forma integrada. O CT foi essencial para

geração da sinergia prévia necessária no deslinde do caso investigado.

Será demonstrado que a integração deve ser estimulada localmente pelas

lideranças e Chefias, principalmente, a partir de encontros regulares, passando

pelo estabelecimento de parcerias operacionais e de troca de informações

(multidisciplinaridade e interdisciplinaridade).

No aspecto macro, globalizado é mister dar pujança e remover obstáculos

jurídicos à plena e desburocratizada integração policial local em regiões de

fronteira, para permitir e estimular auxílios diretos entre as polícias em regiões

de fronteira, como há anos o CT realiza na Tríplice Fronteira

As evidências para o estudo de caso proposto foram colhidas na ação

penal nº 5004772-19.2017.4.04.7002, em trâmite junto à 4ª Vara Federal da

Subseção de Foz do Iguaçu/PR, cujo acesso foi deferido mediante pedido

apresentado pelo pesquisador, sob supervisão do orientador e com o

compromisso de não revelar nomes e dados de investigados.

Utilizou-se transversalmente a observação participante, pois o autor da

pesquisa participou, desde o início, da dinâmica deste caso, como Chefe da

Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu e Coordenador Brasileiro do

Comando Tripartite e, à época dos fatos, mestrando já dedicado ao objeto de

estudo, qual seja, a cooperação policial local.

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108

Os dados foram coletados pelo acesso deferido nos seguintes processos

judiciais que tramitavam na 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu de acordo com a

tabela 5:

Tabela 5. Inquéritos policiais decorrentes dos crimes do assalto a

PROSEGUR

Tipo

procedimento

Numeração Polícia

Federal

Numeração Justiça Federal

Ação Penal

5004772-19.2017.4.04.7002

Inquérito Policial 0237/2017 5003300-80.2017.4.04.7002

Inquérito Policial 0243/2017 5003375-22.2017.4.04.7002

Inquérito Policial 0240/2017 5003333-70.2017.4.04.7002

Inquérito Policial 0239/2017 5003331-03.2017.4.04.7002

Inquérito Policial 0241/2017 5003330-18.2017.4.04.7002

Inquérito Policial 0277/2017 5003327-63.2017.4.04.7002

Inquérito Policial 0235/2017 5003298-13.2017.4.04.7002

Fonte. Processos judiciais em trâmite na 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu - 2018

Processos judiciais decorrentes dos acima serviram igualmente para a

pesquisa. Como se vê da denúncia nos autos da ação penal, a acusação teve

como base os trabalhos policiais reunidos nos sete inquéritos policiais

destacados, instaurados para apurar os crimes cometidos.

3.1 CRIMES TRANSNACIONAIS

Com base o conceito de crime e de território, o crime transnacional é

aquele no qual alguma de suas fases de execução toca ou tem outro país como

destino.

O decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção

das Nações Unidas contra o crime transnacional – Convenção de Palermo,

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109

estabeleceu, no artigo 3º item 2, as circunstâncias que tornam um crime

transnacional:

Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se: a) For cometida em mais de um Estado; b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.

Para a convenção de Palermo as características de transnacionalidade

são bem abrangentes e decorrem do cometimento de um crime em mais de um

Estado, mas também quando cometido em um país específico, com

planejamento, preparação e controle em Estado diverso, com participação ou

não de grupo criminoso atuante em diversas localidades ou quando cometido em

um Estado, mas com efeitos em outros, como no exemplo de ações com armas

nucleares.

O Código de Processo Penal Brasileiro trata dos reflexos de competência

para os crimes transnacionais, com resposta sobre qual o Juiz competente para

julgar tais delitos. Adotou a teoria da ubiquidade (ou mista/eclética) conforme

artigos 70, § 1º e 2º. A teoria afirma que a fixação do Juiz para julgar o caso será

tanto pelo local da ação quanto o do resultado, desde que um deles aconteça no

território nacional.

Nestes casos, a norma determina que o julgamento se dará no local

dentro do território nacional em que tenha ocorrido o último ato de execução ou

então o resultado do crime iniciado no exterior. A doutrina chama tais crimes

também como crimes à distância ou de espaço máximo.

O caso PROSEGUR foi crime à distância, transnacional, portanto, com

crimes conexos cometidos na fuga no território nacional, na intensa perseguição

pelas Polícias de ambos países em cooperação policial.

Destaque-se resumo da decisão judicial que discutiu sobre a

competência:

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Em suma, tem-se que os fatos praticados no Brasil, enquanto desdobramentos do latrocínio inicialmente perpetrado no Paraguai, justificariam a fixação da competência na Justiça Federal de Foz do Iguaçu/PR, com jurisdição sobre os locais onde se deram os aludidos confrontos e a prática das outras infrações (art. 70 do CPP). Nesse sentido, aliás, destaque-se que, além do excipiente, outros réus na Ação Penal nº 5004772-19.2017.4.04.7002 são acusados de crimes praticados integralmente em território brasileiro (roubo do veículo F250, uso de documento falso e sequestro ou cárcere privado), tudo na linha de continuidade da fuga iniciada no Paraguai[...]”. (decisão judicial no evento 8 dos autos de exceção de incompetência 5007769-72.2017.4.04.7002).

Diferentemente ocorre para casos de crimes praticados totalmente fora do

território nacional, mas nos quais o agente venha posteriormente para o território

brasileiro ou que, por alguma razão (conforme art. 7º do CP), mereça julgamento

no Brasil. A definição do Juiz que decidirá o caso será conforme art. 88 do CPP,

qual seja, a Capital do Estado em que o autor tenha por último residido, ou, caso

nunca tenha residido em território nacional, Brasília, capital da República.

Alguns dos investigados buscaram alterar a competência para julgamento

do caso, alegando ter sido os crimes do caso Prosegur cometidos

completamente em território Paraguaio, tentando assim serem julgados na

capital dos Estados em que residiam anteriormente (São Paulo, por exemplo).

Não tiveram êxito, pois a hipótese adotada foi de crimes à distância, crimes

transnacionais em que a dinâmica criminal envolveu Brasil e Paraguai e não

apenas o país estrangeiro.

3.2 RELATO DO CASO PROSEGUR.

Os crimes na empresa de valores PROSEGUR, em Ciudad del Este,

Paraguai, começaram na madrugada do dia 24 de abril de 2017, por volta das

0h30min da segunda-feira.

No final de semana dos fatos era feriado no Brasil, pois sexta-feira, dia 21

de abril comemora-se feriado de Tiradentes (dia da Inconfidência Mineira). A

circunstância acarretou maior movimento de turistas no microcentro de Ciudad

del Este, com maior arrecadação de dinheiro e, de depósitos na empresa de

valores vítima dos crimes.

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111

O local já tinha sido alvo de criminosos anteriormente, quando

delinquentes cavaram sem sucesso um túnel até a empresa e pretendiam furtá-

la por ocasião da final da Copa do Mundo de 201445.

Na figura 4, assinala-se em vermelho a localização da empresa em

Ciudad del Este e sua proximidade com a fronteira brasileira.

Figura 4. Localização da empresa Prosegur em Ciudad del Este.

Fonte: Google. Acesso em: 15/09/2018

Os primeiros relatos que chegaram via CT, presidência do Paraguai, na

madrugada de segunda-feira, dia 24/04/2017, diziam que aproximadamente 30

homens fortemente armados com fuzis e explosivos, veículos blindados e

coletes balísticos, explodiram a sede da empresa em Ciudad del Este, no

Paraguai e levaram grande quantia de dinheiro.

Na fuga, alvejaram e causaram a morte de um agente da Polícia Nacional

Paraguaia, crime de latrocínio, bem como roubaram e incendiaram veículos, com

diversos disparos de armas de grosso calibre e granadas, dispensaram diversos

“miguelitos” ou pregos soldados na forma de “x” com a finalidade de furar os

pneus das viaturas policiais que viessem a perseguir os fugitivos.

Com as informações transmitidas pela Polícia Nacional do Paraguai, via

CT, e tendo em vista que a atuação dos criminosos lembrava outros crimes

violentos cometidos no Brasil contra empresas de transportes de valores,

45https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1487036-tunel-de-350-metros-e-

descoberto-no-paraguai-pf-suspeita-de- faccao.shtml. Acesso em: 1 ago. 2018.

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112

estabeleceu-se, um reforço de segurança na Ponte da Amizade, mediante

incremento dos efetivos da PF e PRF, bem como na região do Rio Paraná e Lago

da usina de Itaipu. A figura 5 ilustra a imagem do local do crime da empresa

Prosegur em Ciudad del Este.

Figura 5. Empresa PROSEGUR após o assalto

Fonte: acervo do NUTEC/DPF/FIG/PR - 2017

Aqui facilmente percebe-se o conceito de coordenação e paralelismo

ínsito da ideia de multidisciplinaridade. A partir dos conhecimentos entre as

equipes policiais de Brasil e Paraguai foi possível agilidade nas ações iniciais.

Na madrugada não foi identificada passagem ou qualquer fuga por esses

locais. Apenas por volta das 12:00 horas do dia 24 de abril de 2017 é que uma

equipe de Policiais Federais do Núcleo Especial de Polícia Marítima –

PF/NEPOM, da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, avistou e

confrontou o primeiro grupo de criminosos no Distrito de São José do Itavó,

município de Itaipulândia. A circunstância demonstrou que os criminosos

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utilizaram a cidade de Hernandárias, no Paraguai para fuga pelo lago da

repressa de Itaipu.

A figura 6 ilustra a área de fuga dos assaltantes da empresa Prosegur nas

margens do lago de Itaipu.

Figura 6. Locais da fuga dos assaltantes da empresa Prosegur

Fonte: Google. Acesso em: 15/09/2018

No início da operação, foi possível demonstrar a importância das reuniões

anteriores do CT para o êxito inicial das comunicações, pois elas se

estabeleceram de forma ágil e fluida. Naquele mês de abril, as reuniões do CT

eram sediadas no Paraguai.

Na sequência do primeiro confronto, seguiram-se novos embates, com a

chegada de reforços da Polícia Federal e emprego de embarcações e

helicóptero, com localização de outros grupos de criminosos que chegavam por

barcos provenientes do Paraguai.

O acionamento das equipes da Polícia Federal seguiu-se, via atuação

integrada, com emprego de todas as demais forças de segurança da região

(PRF, PM, PC e Guarda Municipal), a partir das informações compartilhadas

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114

sobre o possível destino dos criminosos na região de São Miguel do Iguaçu,

localidade onde novos confrontos se seguiram com a morte de três criminosos.

Fundamental a atuação coordenada e convergente (interdisciplinar) entre as

forças internas de segurança.

Durante a fuga, criminosos roubaram veículos, fizeram famílias reféns,

usaram documentos falsos e alguns só foram capturados a cerca de 130

quilômetros da linha de fronteira, na cidade de Cascavel/PR, com prisões em

flagrante realizadas também em Guaíra/PR.

Na tarde do dia 24 de abril de 2017, logo após o primeiro avistamento dos

criminosos e com a necessidade de aprimorar a coordenação das buscas aos

criminosos e evitar troca de tiros entre as diversas equipes policiais que atuavam

nas margens do lago de Itaipu, BR 277 até Cascavel/PR, providenciou-se o

acionamento de uma sala de crises.

Na sala de reuniões da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu,

foi instalada um Centro de Comando e Controle, na forma utilizada durante os

grandes eventos de 2014 e 2016, com presença dos Comandantes, ou

subordinados diretos com poder de decisão de todas as forças de segurança da

região, bem como de autoridades do país vizinho, inclusive com a presença do

então Ministro da Segurança Interna do Paraguai, Sr. Lorenzo Lezcano Sanchez

e autoridades da Polícia Nacional do Paraguai e da Fiscalia (Ministério Público)

daquele país, além de Policiais da Argentina, pois havia hipótese de fuga para

aquele país.

A sala de crise representa o momento de fixação interdisciplinar dos

esforços coordenados para mitigar os efeitos dos crimes relacionados à ousada

ação da criminalidade organizada transnacional. As forças de segurança

passaram efetivamente a compartilhar meios para a prisão dos autores.

A coordenação pessoal entre os comandantes foi essencial para dividir,

de forma coerente, os esforços policiais entre as cidades da região e principais

rodovias, e surtiu efeito com diversas prisões efetuadas durante o dia e noite de

segunda-feira, 24 de abril de 2017.

Na prática estabeleceu-se uma atuação interdisciplinar, admitiram-se

doutrinas e atuações policiais diversas, inclusive internacionais, agregaram-se

disciplinas policiais de forma convergente para fazer frente ao enorme desafio

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de buscar os criminosos, equipamentos empregados (armas de fogo

principalmente) e os produtos dos crimes perpetrados.

Diversos processos judiciais que tramitam na Justiça Federal em Foz do

Iguaçu, resumiram a ação da seguinte forma:

A referida Ação Penal versa sobre os fatos relacionados ao noticiado assalto à transportadora de valores "Prosegur", ocorrido na madrugada do dia 24/04/2017, em Ciudad del Este/Paraguai, quando criminosos fortemente armados invadiram a sede daquela transportadora e roubaram elevada quantia em dinheiro (mais de US$ 11 milhões de dólares). Na ação em comento, além de armas de grosso calibre (fuzis de longo alcance, pistolas etc.), foram utilizados explosivos para ter acesso ao dinheiro e barricadas com carros incendiados para conter a polícia. Quando da fuga do local em direção a Hernandarias/Paraguai, os assaltantes espalharam nas ruas dispositivos conhecidos como "miguelitos" - utilizados para furar pneus de veículos/viaturas -, incendiaram vários automóveis, trocaram tiros com a polícia e acabaram por ferir de morte um policial paraguaio. Ato contínuo, parte dos envolvidos no assalto se deslocou, via Lago de Itaipu, utilizando embarcações, até as cidades de São Miguel do Iguaçu/PR e Itaipulândia/PR (que margeiam o Lago de Itaipu). Durante as buscas realizadas na região, houve diversos confrontos e trocas de tiros entre policiais (Policiais Federais, Policiais Rodoviários Federais, Policiais Militares e Policiais Civis) e bandidos, tomada de cidadãos da região como reféns e, também, roubo de veículos. Alguns dos supostos envolvidos foram presos, tendo havido, ainda, a apreensão de diversas armas de grosso calibre, grande soma em dinheiro, celulares, explosivos, munições etc. As buscas continuaram por vários dias, tendo em vista que havia informações de que parte dos envolvidos, quando de suas fugas, havia se embrenhado em matagais e plantações agrícolas da região, ali permanecendo por alguns dias, justamente para se furtarem da ação policial. (evento nº 8 dos autos de exceção de incompetência nº 5007769-72.2017.4.04.7002/PR)

A articulação prévia com as autoridades Paraguaias, construída a partir

do CT, possibilitou o compartilhamento da informação sobre a localização, por

parte da Polícia Nacional, de uma casa em Ciudad del Este que foi utilizada pelos

criminosos como base naquele país na noite de segunda-feira, dia 24/04/2017.

A partir daí e via CT, houve pedido de cooperação policial no sentido que

a Polícia Federal do Brasil periciasse, ainda na madrugada, a residência na

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procura de impressões digitais e vestígios biológicos aptos a ligar criminosos

brasileiros, principalmente aqueles presos no Brasil.

A figura 7 ilustra a casa em que foi utilizada pelos criminosos em Ciudad

del Este.

Figura 7. Casa utilizada pelos criminosos em CDE

Fonte: acervo do NUTEC/DPF/FIG/PR - 2017

O exame foi fundamental para vincular de forma precisa os diversos

presos detidos no Brasil, bem como para possibilitar, futuramente, a atribuição

de responsabilidade para outros envolvidos.

Os presos no Brasil, naturalmente negavam envolvimento com os fatos

no Paraguai e alguns não portavam sequer materiais que possibilitassem a

vinculação direta deles com os crimes naquele país, como armas, munições ou

valores subtraídos.

A dificuldade foi obter autorização do Ministro da Justiça do Brasil para

que equipe de Peritos e Papiloscopistas da Polícia Federal em Foz do Iguaçu

pudesse atravessar as fronteiras nacionais e realizar perícia na residência em

Ciudad del Este.

A burocrática autorização, como já destacado anteriormente, decorre das

dificuldades erigidas no artigo 95 da lei 8.112/90 que diz que o servidor público

federal não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem

autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder

Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal. A autorização foi

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117

delegada atualmente para os Ministros de Estados e cargos equivalentes,

conforme decreto nº 1.387/1995.

Face gravidade dos fatos, foi obtida verbalmente por contato feito pela

Chefia da Delegacia junto à Superintendência da Polícia Federal no Paraná e

Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Brasília que,

por sua vez, efetuou os contatos superiores dando aval ao deslocamento da

equipe que, durante o final da noite de segunda-feira e toda a madrugada de

terça-feira, dia 25 de abril de 2017, efetuou exames minuciosos na residência

empregada como base da organização criminosa, com a coleta de mais de

200(duzentos) vestígios de DNA e impressões digitais dos autores dos crimes.

Esse foi um terceiro momento muito relevante para a apuração integrada

dos crimes praticados. A ação foi importante, pois: a) permitiu que equipe policial

brasileira atuasse imediatamente às investigações e juntamente com policiais

paraguaios para elucidação dos fatos e garantiu o princípio da oportunidade; b)

possibilitou que, futuramente, os dados obtidos pudessem ser compartilhados

em medida de auxílio direto ponta a ponta e; c) garantiu a vinculação completa

dos suspeitos presos no Brasil com o local de crime com diversos “matchs”

positivos de DNA.

As redes horizontais, representadas e formadas pela firme colaboração

entre as polícias locais, via CT, permitiu tramas fortes e firmes o bastante para

encerrar nas tessituras formadas parte dos criminosos surpreendidos pela união

e disposição das polícias como também assegurou coleta de prova fundamental

ao caso, como foi a perícia feita por policiais federais brasileiros no Paraguai, de

forma integrada com as autoridades daquele país.

Da mesma forma o conhecimento entre as autoridades superiores da

Polícia Federal, com a dinâmica da Triplice Fronteira permitiu que a autorização,

mesmo verbal para os exames no exterior, fluísse rapidamente.

Os dados consolidados pelo Núcleo Técnico-Científico da Delegacia de

Polícia Federal de Foz do Iguaçu (figura 8), com os exames periciais realizados

nos vestígios abandonados no Paraguai e no Brasil, pela equipe de Peritos

Criminais da unidade, possibilitaram estabelecer o seguinte mapa dos vestígios

examinados, que serviram de forma substancial para fortalecer tecnicamente a

responsabilidade dos presos na operação e a dinâmica da atuação da

organização criminosa.

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Figura 8. Vestígios examinados pelos peritos criminais

Fonte: NUTEC/DPF/FIG/PR – 2017

O exame na casa e nos demais vestígios abandonados no Paraguai e

Brasil permitiu que sete criminosos envolvidos nas ações no Paraguai fossem

identificados e vinculados à ação delituosa.

Outros quatro vestígios localizados e que não tiveram os autores

identificados, foram relacionados ao homicídio de um Agente Federal de

Execução Penal de Catanduvas/PR no ano de 2016, roubo a banco nos Estados

da Bahia e Piauí, além da fuga de um presídio no Estado de São Paulo.

Sem a cooperação imediata e local, estabelecida via CT, dificilmente a

prova pericial colhida seria viabilizada, fundamental para o esclarecimento da

participação dos autores nos crimes apurados.

O caso criminal é o maior da Polícia Federal que envolveu coleta de

vestígios de DNA. Os dados oficiais obtidos junto ao NUTEC/DPF/FIG/PR

demonstram a vultuosidade do caso. No total, em agosto de 2018, foram 457

vestígios já coletados, com 34 perfis de DNA identificados nos vestígios. O

número serve de estimativa para o número de autores envolvidos diretamente

na execução dos crimes, com 109 laudos produzidos pelas unidades da Polícia

Federal46e 33 específicos para DNA.

46 As unidades periciais que atuam no caso são: NUTEC/DPF/FIG/PR, Instituto Nacional de Criminalística – INC; Unidade Técnico Científica da Delegacia da Polícia

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Em 06 de junho de 2017, com base nas investigações realizadas pela

Polícia Federal juntamente com dados obtidos via Comando Tripartite e demais

polícias brasileiras, o Ministério Público Federal conseguiu denunciar 8 (oito)

brasileiros envolvidos diretamente nos crimes cometidos a partir da empresa

Prosegur no Paraguai por crimes como latrocínio, roubo, uso de documentos

falsos e sequestro ou cárcere privado.

Os relatos da denúncia destacam a atuação integrada das autoridades

policiais brasileiras e resumem a dinâmica dos fatos:

A resposta das Autoridades Policiais brasileira foi rápida, dando-se de forma integrada e unitiva (PF, PRF, PC e PM).Em municípios próximos, como São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia e Santa Helena, alguns dos criminosos foram sendo encontrados pelos policiais. Alguns deles, quando estavam próximos de serem abordados pelos agentes, responderam-lhes com fogo, efetuando disparos de arma de cano longo e dando início a perseguições e troca de tiros digna de cenas de filme de ação. Tais agressões contra os policiais brasileiros ocorreram em linha de continuidade ao latrocínio praticado na PROSEGUR, fazendo parte orgânica dele, e, aliás, tais tentativas de matá-los com armas de cano longo, durante a fuga, reprovam ainda mais o crime contra o patrimônio já consumado. Por exemplo, em Itaipulândia, no Porto dos Rocha, por volta das 11h30 do dia 24.04.2017, havia uma dupla de policiais averiguando as redondezas. Um policial avistou, soltas em um local, uma bolsa contendo 3 carregadores de fuzil AK-47, além de algumas roupas. Pouco depois, vários indivíduos, suspeitos, chegaram armados em veículos e perceberam a presença do agente, efetuando contra ele disparos de arma de fogo de cano longo. Houve uma breve troca de tiros. O policial – em situação de desnível de força – se escondeu no matagal, sendo que, na ocasião, ele estava distante do outro agente federal, que estava nas imediações do porto. No desenrolar dessas ações, no mesmo local, vários indivíduos foram sendo resgatados em veículos, como, por exemplo, uma F250. Os dois policiais citados já haviam, na ocasião, solicitado reforço operacional, que, ao chegar de barco, também foi recebido à bala por criminosos que estavam em uma embarcação. Ali, em Itaipulândia, pelo que se pôde perceber, estava havendo um fluxo grande de entrada dos envolvidos no latrocínio paraguaio. Eles foram pegos, em parte, com a “mão na massa.” Para auxiliar os policiais, também chegou ao local um helicóptero. Durante a continuação das buscas, os policiais encontram equipamentos balísticos, carregadores municiados, coletes, roupas e outros objetos. Em sequência, nas proximidades dali, na Fazenda YYYYYY, um dos envolvidos, XXXX, foi capturado pela Polícia Federal em situação comprometedora. Ele disse aos

Federal em Guaíra – UTEC/DPF/GRA/PR e Setor Técnico Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná (SETEC/SR/PF/PR).

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policiais onde estavam localizadas as armas, uma parte do dinheiro e outras ferramentas usadas no crime. Foram encontradas, com a sua ajuda, uma bolsa com vários maços de dinheiro e um fuzil. Depois de uma busca complementar, em 25.04.2017, foram encontrados mais alguns maços de dinheiro nas adjacências. No total, a recuperação dos valores pode ser assim dividida: R$ 219.450,00; G$ 733.640.000; e US$ 1.275.030,00. Em outra perseguição, no caso do acompanhamento de uma F250, um Corolla e uma Space Fox em São Miguel do Iguaçu, por volta de 13h30, do dia 24.04.2017, outros Policiais Federais, em legitima defesa, revidavam ataques de arma de fogo que sofriam dos ocupantes daqueles veículos, faziam manobras para não terem os pneus das viaturas furados, e, após os suspeitos desembarcarem dos veículos, conseguiram atingir três deles, que morreram no local: WWWW, ZZZZZZ e MMMM. Outros dois, porém, foram feridos, presos e estão sendo denunciados: DDDD e LLLLL. No curso das buscas, em situações comprometedoras, de elevada suspeita, outros indivíduos foram sendo encontrados andando sozinhos a esmo ou como passageiros de ônibus de linha, em todo caso, não dizendo, com sinceridade, de onde vieram, o que faziam, para onde iam, além de estarem com aparência suja e pequenas escoriações recentes, indicando que estavam vindo de um contexto de fuga após participação no assalto à PROSEGUR. Passemos a uma breve síntese de tais abordagens. Em Cascavel/PR, por volta das 9h30, em 24.04.2017, em frente ao posto da PRF em Cascavel/PR, AAAAA foi abordado na condição de passageiro de um ônibus de linha, e, com base no depoimento de vítimas deum sequestro – ocorrido horas antes –, ele foi apontado como um dos participantes dele; crime esse, de sequestro, que teria ocorrido na madrugada do mesmo dia, em Santa Helena, no calor da fuga em linha de continuidade ao assalto (por volta das 4h). Cabe destacar que ele estava com documento falso e, por causa da sua aparência física, da justificativa inverossímil apresentada e do reconhecimento pelas vítimas do sequestro, não houve dúvidas de que ele tinha estado entre os criminosos. Segundo consta, em rota de fuga, os criminosos sequestraram os trabalhadores de um alojamento em Santa Helena, colocando-os em um veículo da empresa e fazendo um percurso aleatório, aparentemente desconexo, com o fim de despistar qualquer eventual perseguição policial. Pouco a pouco, no curso desse sequestro dos trabalhadores, eles, pequeno grupo de assaltantes da PROSEGUR, foram se pulverizando, libertando os reféns sequestrados; mas, pouco depois, AAAAA não teve sorte, sendo pego no referido ônibus de linha enquanto rumava para Curitiba. Além desse sequestro, houve um outro que é desconexo dele, mas que também foi praticado por um dos autores do latrocínio do Paraguai em rota de fuga. O caso foi em Itaipulândia. Uma família foi sequestrada.(evento 1 da ação penal 5004772-19.2017.4.04.7002).

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A denúncia foi recebida mediante decisão judicial de 17 de julho de 2017.

A sentença prolatada em 10 de outubro de 2018. Ou seja, menos de dois anos

após o crime a primeira sentença foi proferida, com a condenação de todos os

8(oito) presos e penas fixadas entre 34(trinta e quatro) e 24(vinte e quatro) anos

de reclusão.

Segue trecho da relevante decisão judicial que, aliás, não foi atacada

durante a ação criminal e autorizou compartilhar diretamente os dados da

investigação brasileira com o Paraguai, via CT:

Contudo, dada a peculiaridade dos fatos criminosos em questão, conforme narrou a Autoridade Policial no evento 19, as autoridades paraguaias têm colaborado intensamente com as investigações, "repassando informações e solicitando apoio técnico (como a coleta de material genético, elaboração de laudos periciais, etc.). Esta integração tem apresentado ótimos resultados para a investigação". Da mesma forma, obviamente, há interesse do país vizinho nas informações colhidas pela Polícia brasileira, a fim de que as autoridades paraguaias possam dar andamento às respectivas investigações internas. Por esses motivos, solicitou-se autorização para compartilhamento de dados e informações com o Paraguai, por meio do Comando Tripartite, colegiado formado por autoridades dos países da tríplice fronteira, tendo a Polícia Federal (Brasil) e a Polícia Nacional (Paraguai) como integrantes. Trata-se, pois, de importante iniciativa de colaboração e cooperação entre os países vizinhos, ambos interessados no avanço das investigações e no deslinde de todas as graves ocorrências que advieram do assalto praticado em território paraguaio por indivíduos de nacionalidade brasileira. Diante dessas considerações, autorizo o compartilhamento de informações e elementos probatórios colhidos pelas autoridades brasileiras, no âmbito das investigações relacionadas ao assalto à transportadora de valores PROSEGUR (no Paraguai), com as autoridades do Paraguai, por intermédio do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira.[...]” (Evento 29, de 24/05/2017: Processo 5003602-12.2017.4.04.7002).

Confirmada a relevância do CT no compartilhamento das provas para as

complexas apurações criminais realizadas localmente entre Brasil e Paraguai, a

decisão judicial reconheceu, no caso empírico, a possibilidade de cooperações

diretas entre as autoridades policiais dos países envolvidos diretamente na

apuração. Autorizou que as provas fossem compartilhadas via Comando

Tripartite, sem maiores burocracias ou obstáculos representados pelas trocas

diplomáticas ou via órgãos centrais.

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Não fosse a integração, via prática interdisciplinar, de convergência de

ações gestionadas e aperfeiçoadas mediante encontros regulares do CT, o

resultado positivo obtido dificilmente seria alcançado e possivelmente a

competição sobressairia em relação à cooperação. A cooperação policial no viés

interdisciplinar consiste na prática do entendimento entre as forças de

segurança, tanto nacionais como internacionais, na tolerância face diferenças

doutrinárias e de aplicação do trabalho policial e de harmonização dos padrões,

com vontade e decisão de atuar de mãos dadas contra uma criminalidade

transnacional pujante.

Contra o crime organizado transnacional o antídoto são as atuações

policiais ágeis, sintonizadas e transnacionais igualmente organizadas. O crime

organizado não é páreo para Estados Nacionais organizados e colaborativos.

A prática de convergências, com o exemplo da ágil articulação desde os

primeiros momentos da série de crimes realizados e que culminou no exame

pericial por policiais brasileiros, em território paraguaio, reflete a confirmação de

uma das teses apresentadas na pesquisa: para combater os crimes

transnacionais as polícias devem ultrapassar fronteiras e agir cooperativamente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa respondeu que a interdisciplinaridade fornece pressupostos

passíveis de estabelecer princípios para o trabalho integrado nas regiões de

fronteira. Apresentou um viés interdisciplinar, buscou integrar conceitos da

geografia, como território, territorialidades e fronteiras, com aspectos jurídicos

relativos às cooperações policiais internacionais, sempre numa perspectiva de

liberdade e de superação de barreiras e limites.

Para além da visão de fronteiras como simples encerramentos territoriais,

percebeu-as como porosas e lugares de contato, encontro e convergências,

onde comunidades nacionais diversas realizam trocas culturais e comerciais

com vistas ao desenvolvimento.

Percebeu-se a necessidade de articulações locais e centralizadas para

vencer o desafio da criminalidade transnacional que opera e se protege a partir

das bordas desarticuladas dos Estados Nacionais, cujas legislações dificultam

as colaborações ágeis entre autoridades nas fronteiras.

Como todos os encontros, o resultado pode ser benéfico para as partes

que estabelecem contato ou contrário, a depender do nível de envolvimento e os

propósitos estabelecidos sinceramente de forma cooperada. Colaborações

policiais devem ser estabelecidas a partir de olhares constantes e

compartilhamento de meios, através de uma perspectiva interdisciplinar de

convergência e de coordenação de ações (multidisciplinaridade), com respeito

às diferenças de atuação e doutrinas existentes entre as forças de segurança e

fazer com que tais diferenças, enfeixadas através da interdisciplinaridade e do

diálogo, possibilitem redes com tramas diversas, capazes de atuar e deter uma

criminalidade cada vez mais ousada e sem fronteiras.

Deu-se um tratamento empírico ao estudo, mediante a história e modelo

de atuação de um exemplo prático de cooperação policial local, de fronteira,

denominado Comando Tripartite.

O CT representa este encontro palpável e perceptível da teoria com a

prática, de articulação real em prol da segurança da região da Tríplice Fronteira,

síntese das antigas três fronteiras de Argentina, Brasil e Paraguai, hoje

denominadas no singular como a Tríplice Fronteira, região única cuja intensa

atividade de convergência é passível de criar fusões como representam a

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exploração compartilhada da usina hidrelétrica de Itaipu (dividida entre Brasil e

Paraguai), bem como as belezas naturais das Cataratas do Rio Iguaçu,

partilhadas entre Brasil e Argentina.

A segurança pública da Tríplice Fronteira necessita de convergência e

coordenação a partir de um viés interdisciplinar que considera cada polícia,

nacional ou internacional, como uma disciplina, com necessária união de

esforços a fim de conciliar os saberes, compartilhar informações e realizar uma

vetorização favorável à melhora dos níveis de segurança local, de modo a

favorecer o desenvolvimento geral.

O exemplo local pode e deve ecoar para além das fronteiras regionais e

servir de inspiração para encontros maiores, das diversas instituições que

integram o precoce sistema, que se pretende único de segurança pública

nacional, e, para além da Tríplice Fronteira, irradiar seu modelo a outros

encontros transfronteiriços.

Comprovou-se que ultrapassar a disciplinarização do conhecimento e da

atuação policial – principalmente em regiões de fronteira – é fundamental para

fazer frente a uma criminalidade transnacional que não reconhece, tampouco

respeita, as fronteiras dos Estados Nacionais.

Para vencer a criminalidade transnacional, é de todo mister que as

polícias sejam cada vez mais internacionais e as fronteiras representem espaços

de encontro e não barreiras ao agir integrado policial.

É necessária a articulação de políticas e estratégias centrais que facilitem

o trabalho local em fronteiras, ultrapassando-se fronteiras imateriais, legislações

e acordos internacionais virtuais, notadamente no MERCOSUL, que não

avançam para a efetividade e eficácia.

O estudo de caso evidenciou e corroborou a necessidade de ampla

articulação e integração entre as forças policiais nas regiões limítrofes e que tal

integração é gradativa, paulatina e inicia-se a partir de encontros regulares,

compartilhamento de dados, atitudes e meios que, gradualmente, favoreceram

o estabelecimento de redes horizontais, com malhas precisas e fortes para deter

a criminalidade.

A pesquisa demonstrou, embasada em uma decisão judicial proferida no

caso concreto, que as cooperações diretas entre polícias devem ser favorecidas

e escolhidas em detrimento das antigas cooperações pelas vias diplomáticas e

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através de órgãos centrais nas capitais e deixar os órgãos centrais apenas

cientes das estatísticas e daquilo que previamente já foi difundido.

Faz necessário incentivar a formação compartilhada dos saberes e

doutrinas policiais, com um currículo básico comum que estimule diálogos

interdisciplinares e saberes partilhados, com investimento em cursos e

academias interdisciplinares, locais onde profissionais das diversas forças de

segurança possam ser formados e aperfeiçoados conjuntamente.

A cultura interdisciplinar, iniciada a partir do protagonismo das ciências e

das Universidades, surge como premissa que pode ser adotada como início de

uma teoria geral do trabalho policial integrado, como norte para melhor integrar

as Polícias na busca de um efetivo agir compartilhado, tanto internamente, no

Brasil, como internacionalmente, a partir do estabelecimento de ágeis redes de

cooperação policial internacional nas fronteiras, como é o caso de sucesso do

CT, num movimento que vai das bordas territoriais para os centros políticos-

administrativos.

É necessário desenvolver, desde a formação profissional do operador e

gestor de segurança pública no Brasil e nos demais países, habilidades

interdisciplinares com aperfeiçoamento das capacidades de trabalho em

conjunto com organizações diversas, investindo-se na capacitação continuada,

no compartilhamento de meios e da união em ações de segurança.

A interdisciplinaridade, entretanto, não pode ser confundida com a opção

generalista de todos, fazendo tudo, e sim de aglutinar os especialistas em áreas

diversas, como policiamento de segurança (preventivo) e policiamento de

investigação (repressivo) para, a partir do diálogo, estabelecimento de

protocolos e compartilhamento de informações, criar condições propícias ao

enfrentamento de uma criminalidade transnacional.

Demonstrou-se que a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa

Social (PNSPDS) e o Sistema Único de Segurança Pública no Brasil(SUSP)são

ainda um esboço recente, consubstanciado a partir da lei 13.675/2018, mas com

fundamento na Constituição Federal de 1988, que tem como norte um grande

desafio interdisciplinar da convergência e coordenação não só do trabalho

policial, mas, antes disso, dos sistemas de educação e trabalho e da articulação

do sistema de justiça e execução penal.

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Agir para além dos “quadrados” disciplinares estipulados pela repartição

de competências e atribuições deve ser o primeiro desafio a ser enfrentado, com

coragem, ânimo e resiliência, por aqueles dispostos a um olhar para além do

monóculo da formatação disciplinar.

Para realizar o salto, é necessário dar as mãos e andar de forma

convergente, admitindo-se as diferentes funções e atribuições não como

características que separam, mas, sim, como faces que se complementam.

A metodologia de Comando e Controle proposta pela Secretaria Nacional

de Segurança Pública (SENASP), baseada no modelo gestionado a partir dos

Grandes Eventos sediados no Brasil nos anos de 2014 e 2016, atualmente

denominada de Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e

Controle de Segurança Pública e Defesa Social (SIC4) é modelo para a

materialização de uma Política de Segurança Pública no Brasil, com realização

do ideal de integração proposto no recente Sistema Único de Segurança Pública

(SUSP).

A estrutura dos Centros Integrados, com reuniões regulares e atuações

conjuntas, tanto no aspecto interno como internacional (com ênfase nas

fronteiras) é modelo ideal para o enfrentamento da criminalidade organizada

transnacional, de forma a romper barreiras e isolacionismos e favorecer o

entendimento e sinergia em prol do aprimoramento da segurança.

A pesquisa não se esgota; o prosseguimento dos estudos sobre as

cooperações policiais nas regiões de fronteira pode avançar, no âmbito do CT,

com a análise quantitativa e qualitativa das mais de duzentas e setenta atas das

reuniões mensais realizadas desde 1996, análise dos discursos e mensuração

dos principais temas tratados durante os anos de atuação.

Quanto às cooperações policiais internas, o desafio de construir um

efetivo Sistema Único de Segurança Pública para o Brasil, recém estabelecido,

a partir de uma jovem Política Nacional de Segurança certamente renderá muitas

possibilidades de pesquisa.

A aplicação da interdisciplinaridade para o trabalho policial certamente

permitirá grandes evoluções nos estudos da Segurança Pública, pois assim

como nas Universidades a ciência necessita da convergência de profissionais

diversos para fazer frente a perguntas e objetos de pesquisa complexos, na área

da segurança e do sistema de Justiça Criminal.

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A união de conhecimentos e expertises, na forma da interdisciplinaridade,

permitirá o êxito de investigações em face da criminalidade organizada nacional

e transnacional.

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ANEXO I

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ANEXO II

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ANEXO III

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ANEXO IV

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