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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO PRIVADO E ECONÔMICO TACIANA PALMEIRA ANDRADE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM: A VIABILIDADE DE ADOÇÃO PELO SISTEMA BRASILEIRO DA ESCOLHA PELO DOADOR DO DESTINATÁRIO DE SEUS ÓRGÃOS Salvador 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO PRIVADO E ECONÔMICO

TACIANA PALMEIRA ANDRADE

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM: A VIABILIDADE DE ADOÇÃO PELO SISTEMA BRASILEIRO DA ESCOLHA

PELO DOADOR DO DESTINATÁRIO DE SEUS ÓRGÃOS

Salvador

2009

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TACIANA PALMEIRA ANDRADE

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM: A VIABILIDADE DE ADOÇÃO PELO SISTEMA BRASILEIRO DA ESCOLHA

PELO DOADOR DO DESTINATÁRIO DE SEUS ÓRGÃOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito na linha de pesquisa aspectos jurídicos da biotecnologia.

Orientadora: Profa. Dra. Mônica Aguiar Co-Orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora Minahim

Salvador 2009

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Ficha catalográfica

______________________________________________________ A553 Andrade, Taciana Palmeira Doação de órgãos post mortem: a viabilidade de adoção pelo sistema brasileiro da escolha pelo doador do destinatário de seus órgãos / Taciana Palmeira Andrade. – Salvador, 2009. 175 f. Orientadora: Profa. Dra. Mônica Aguiar. Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora Minahim. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito, 2009.

1. Bioética. 2. Doadores de órgãos, tecidos, etc. I. Aguiar, Mônica. II. Minahim, Maria Auxiliadora. III. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito. IV. Título. CDU: 174 ______________________________________________________

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TERMO DE APROVAÇÃO

TACIANA PALMEIRA ANDRADE

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM: A VIABILIDADE DE ADOÇÃO PELO SISTEMA BRASILEIRO DA ESCOLHA

PELO DOADOR DO DESTINATÁRIO DE SEUS ÓRGÃOS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em direito na linha de pesquisa aspectos jurídicos da biotecnologia, pela seguinte banca examinadora: Profa. Dra. Mônica Aguiar – Orientador – presidente: __________________________ Doutora em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Profª. Dra. Maria Auxiliadora Minahim - Co- orientadora: _______________________ Doutora em Direito Penal, Universidade Federal do Rio de Janeiro Profª. Dra. – membro : ______________________________ Doutora em Direito

Salvador, 10 de agosto de 2009.

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Dedico este trabalho à minha mãe e à minha irmã pelo

Companheirismo incondicional em todos os setores de

minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Quando o trabalho chega ao fim é importante lembrar de todos aqueles que

ajudaram ou participaram da sua realização. Assim, gostaria de agradecer a todos

aqueles que de alguma forma estiveram presentes nesta caminhada, em especial:

Agradeço a Deus, fonte da minha existência e consolo nas horas difíceis, que

não foram poucas, pelo término de mais uma etapa. Todas as vezes que pensei em

desistir, vinha à minha mente: “o Senhor é o meu pastor; nada me faltará” (Salmo 23),

e realmente nada me faltou. A Ele minha eterna gratidão.

Agradeço também às pessoas a quem dedico a minha dissertação, minha mãe

e minha irmã, amigas inseparáveis, exemplo de união, companheirismo, amor,

amizade, inclusive nas madrugadas perdidas. Nunca me senti só. Tenho certeza de

que juntas tudo podemos (Meninas Super Poderosas, avante!).

Agradeço a meu pai pela ajuda.

Agradeço à família.

Agradeço a Wellington pela disponibilidade, sobretudo nas madrugadas.

À Aixa pelo companheirismo.

Agradeço à minha orientadora Doutora Mônica, pelos conselhos, pela paciência

e disponibilidade na realização deste trabalho. Agradeço também a minha co-

orientadora Doutora Maria Auxiliadora pela força e confiança em mim depositada.

Ao Professor Rodolfo Pamplona, sempre disposto a ajudar.

Aos amigos, aqui, peço licença para agradecer-lhes em nome de Wanja,

companheira de seleção de mestrado (horas de sufoco, aquelas!).

Aos colegas da Extensão Brotas, sobretudo Eduardo, pela compreensão.

Aos funcionários da secretaria do Mestrado da Ufba, em especial, Luíza e Sr.

Jovino, a quem costumava chamar diversas vezes de “Lulu” e “ Sr. Juju”, a minha

gratidão pela disponibilidade e apoio.

Por fim, mais uma vez, agradeço a todos aqueles que estiveram presentes

nesta caminhada na certeza de que estaremos juntos para sempre.

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“Um dia, um doutor determinará que meu cérebro deixou de funcionar e que basicamente minha

vida cessou. Quando isso acontecer, não tentem introduzir vida artificial por meio de uma

máquina. Ao invés disso, dêem minha visão ao homem que nunca viu o sol nascer, o rosto de

um bebê ou o amor nos olhos de uma mulher. Dêem meu coração a uma pessoa cujo coração

só causou indetermináveis dores. Dêem meus rins a uma pessoa que depende de uma

máquina para existir semana a semana. Peguem meu sangue, meus ossos, cada músculo e

nervos do meu corpo e encontrem um meio de fazer uma criança aleijada andar. Peguem

minhas células, se necessário, e usem de alguma maneira a que um dia um garoto mudo seja

capaz de gritar quando seu time marcar um gol, e uma menina surda possa ouvir a chuva

batendo em sua janela. Queimem o que sobrar de mim e espalhem as cinzas para o vento

ajudar as flores nascerem. Se realmente quiserem enterrar alguma coisa, que sejam as minhas

falhas, minhas fraquezas e todos os preconceitos contra meus semelhantes. Dêem meus

pecados ao diabo e a minha alma a Deus. Se quiserem lembrar de mim, façam-no com um ato

bondoso ou dirijam uma palavra delicada a alguém que precise de vocês. Se vocês fizerem

tudo o que estou pedindo, viverei para sempre”.

Bruno apud Galvão, 1998

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar a possibilidade do ordenamento jurídico brasileiro abarcar a hipótese de escolha pelo doador do destinatário dos seus órgãos na doação de órgãos post mortem. Inicialmente, busca-se enquadrar o direito ao próprio corpo como direito da personalidade, relativizando o caráter de indisponibilidade desses direitos de forma a reconhecer a incidência da autonomia privada em seu campo. Ainda, será analisado o princípio da autonomia na sua concepção bioética e sua influência na determinação da possibilidade da escolha pelo doador de órgãos post mortem. Outrossim, ficará demonstrado que o sistema atual possui falhas e que a compatibilização do modelo atual com a possibilidade de escolha pelo doador é possível, utilizando-se como parâmetro o tratamento dado à doação em vida no direito pátrio, bem como na legislação estrangeira.

Palavras - chaves: Bioética; Doação de órgãos post mortem; Possibilidade de escolha pelo doador.

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ABSTRACT

The main purpose of this dissertation is to demonstrate the possibility of the Brazilian legal system to accept the hypothesis that the organ donor has a choice of selection of the recipient of his/her organs post mortem. Initially, this work tries to frame the right to own body as a right of personality, character of the relative unavailability of such rights in order to recognize the impact of private autonomy in their field. In addition, the principle of autonomy will be considered in bioethics – its design and its influence – in determining the possibility of choice by the organ donor post mortem. moreover, it will be demonstrated that the current legal system has flaws and that the compatibility of the current model with a choice by the donor is possible, using as parameters the way organ donation is handled by the Brazilian legal system and other foreign legal systems. Key-words: Bioethics; Post mortem organ donation; The donor choices.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

11

2 DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 14

2.1 BREVES COMENTÁRIOS 14

2.2 AUTONOMIA 21

2.2.1 Consentimento informado 24

2.2.2 Hipóteses legais de intervenção do estado na autonomia do indivíduo na lei 9.434/97

28

2.2.2.1 Consentimento presumido 28

2.2.2.2 Impossibilidade do doador em escolher o destinatário de seus órgãos na doação post mortem

33

3 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 35

3.1 BREVE HISTÓRICO 35

3.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA 42

3.2.1 A lei 4.280/1963 43

3.2.2 A lei 5279/10 44

3.2.3 A lei 8489/92 e o Decreto 879/93 46

3.2.4 O Código Civil de 2002 48

3.3 A LEI 9434/97 E O DECRETO 2.268/97 50

3.3.1 Algumas questões sobre a doação de órgãos 57

3.3.1.1 Doação em vida 57

3.3.1.2 Doação post mortem 62

3.3.1.2.1 Critérios para constatação da morte 64

3.3.1.2.2 Outros critérios 74

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4 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM 78

4.1 DIFERENÇAS DE TRATAMENTO ENTRE A DOAÇÃO EM VIDA E A DOAÇÃO POST MORTEM NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

78

4.2 SISTEMA ATUAL: “A LISTA ÚNICA DE ESPERA” 80

4.2.1 Como funciona a “lista única de espera”? 80

4.2.2 Ineficácia da Portaria 1.060/06: Critério 86

4.2.3 A situação de constantes burlas à fila dos transplantes 89

4.3.4 A impotência diante da comercialização de órgãos 90

4.3.5 Análise da jurisprudência sobre o tema 96

4.4 TRATAMENTO DADO EM OUTROS SISTEMAS 99

4.4.1 Sistema espanhol 99

4.4.2 Sistema alemão 103

4.4.3 Sistema americano 108

4.5 A VIABILIDADE DE ADOÇÃO DA ESCOLHA PELO DOADOR DE ÓRGÃOS PELO SISTEMA BRASILEIRO. BENEFÍCIOS

111

4.5.1 Direito de escolha na esfera da autonomia privada 111

4.5.2 Isonomia de tratamento com relação à doação em vida 112

4.5.3 Instrumento de combate à comercialização 113

4.6 PROPOSTA PARA SOLUÇÃO DO PROBLEMA 114

5 CONCLUSÃO 116

REFERÊNCIAS 118

ANEXOS 125

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11

1 INTRODUÇÃO

A vida humana necessita de proteção contra quaisquer riscos de deterioração,

estragos, principalmente em épocas de grandes descobertas científicas e tecnológicas.

Neste diapasão, os transplantes de órgãos colocam-se entre as maiores

conquistas da modernidade, pois que proporcionam a sobrevivência de indivíduos que

sem tais recursos estariam fadados à morte.

Em contrapartida, tal avanço fez nascer em alguns a ideia de ser o transplante

um negócio rentável, razão pela qual, hoje, é muito comum falar-se em comércio de

órgãos. Assim, a doação de órgãos que, inicialmente, deveria ter um fim altruístico,

passou a ser sinônimo de rentabilidade1.

O legislador brasileiro, diante desse contexto, não permaneceu silente. Ao editar

a Lei n° 9.434/97, juntamente com Dec. n°2.268/97, regulando a remoção de órgãos,

optou, ao que parece, por impedir ou coibir a comercialização de órgãos, tentando

imprimir um caráter humanitário à doação.

Tudo indica que tais dispositivos surgiram com o intuito de evitar o comércio de

órgãos, prova disso é que o art. 1° da Lei permite somente a disposição do próprio

corpo, a título gratuito.

Nessa linha, permitiu-se que, em vida, o doador pudesse escolher o destinatário

de seus órgãos. Entretanto, tratou-se de forma diferenciada a doação post mortem ao

estabelecer-se que os órgãos, partes ou tecidos doados devem ser transplantados em

receptores indicados pelo Estado, através de um órgão.

A questão da ingerência do Estado no direito do indivíduo dispor do próprio

corpo, proibindo o “de cujus”, por testamento, ou sua família escolher o receptor de

seus órgãos; a Lei n° 9.434/97; bem como o Dec. n° 2.268/97, ao menos nesse

1 “Os vínculos econômicos induzem as pessoas a cometer muitos atos, alguns deles nocivos à sociedade, que são proibidos e punidos pela justiça, outros bons úteis para outras pessoas e que por isso as éticas não são absolutas e modificam-se de acordo com as condições e constrangimentos econômicos”. Plasma Sopeto. In: BERLINGUER, Giovanni. A última mercadoria: a compra, a venda e o aluguel de partes do corpo humano. BERLINGUER, Giovanni; GARRAFA, Volnei. A mercadoria final: ensaio sobre a compra e venda de partes do corpo humano. Tradução: José Colaço Barreiros. Portugal: Difel, 1997.

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aspecto, não foram satisfatoriamente desnudados, e é aí que radica a importância de

tratar-se do tema proposto.

Pedra angular da Constituição democrática e liberal, o respeito à condição

humana, abarca também assegurar a individualidade e a autodeterminação do

individuo.

A Constituição num estado liberal, pluralista, respeita a singularidade e a

individualidade da condição humana que tem como decorrência ou como consectário a

autodeterminação, englobando atos praticados em sua vida, até mesmo os que possam

produzir efeitos para além da sua existência.

Nessa linha de consideração da autodeterminação, do respeito à individualidade

e à singularidade da pessoa humana, seria fundamental, ao Estado Democrático de

Direito, que fosse assegurado ao individuo a escolha do destino dado aos seus órgãos,

constitutivos da sua própria existência em vida.

Assim, ao ser contemplado aquele que foi eleito por ele, observando-se o vínculo

de afetividade, estar-se-ia, no momento em que isso fosse respeitado, consolidando-se

o respeito à individualidade e à autonomia do indivíduo.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a possibilidade do ordenamento

jurídico brasileiro contemplar a escolha pelo doador dos destinatários de seus órgãos.

Para tanto, o capítulo 2 do presente trabalho vai demonstrar que o direito ao

próprio corpo, levando-se em consideração o aspecto da doação de órgãos, está

inserido no rol de direitos da personalidade.

Demonstrar-se-á também que o caráter de indisponibilidade dos direitos da

personalidade há muito está sendo obtemperado pela autonomia privada.

Serão discutidos o direito à integridade física, que envolve a proteção do próprio

corpo vivo e morto, dos tecidos, órgãos e partes que podem ser separadas e

individualizadas e a liberdade de escolha do indivíduo.

No capítulo 3, fez-se a opção de abordar a evolução legislativa brasileira,

culminando numa análise da atual lei 9.434/97 e do decreto 2.268/97.

O capítulo 4 trata especificamente da doação de órgãos post mortem e seus

aspectos específicos. Neste mesmo capítulo serão analisados o funcionamento e as

falhas no sistema atual.

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Ainda no capítulo 4, serão analisados alguns modelos legais estrangeiros no

intuito de verificar se contemplam a possibilidade de escolha pelo doador do destino de

seus órgãos na doação post mortem.

Enfim, o desafio a que se propõe o trabalho é o de repensar um modelo que, ao

mesmo tempo: resolva a questão da comercialização de órgãos – o que repercutiria

socialmente –; e que não se obrigue o indivíduo a submeter-se à ingerência do Estado,

no direito a dispor do próprio corpo.

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14

2 DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

2.1 BREVES COMENTÁRIOS

Como se sabe, o direito ao próprio corpo está inserido no rol dos direitos da

personalidade e, como tal, possui suas características; por esta razão, antes de

adentrar neste tema específico, serão traçados alguns aspectos atinentes aos direitos

da personalidade.

Inicialmente, cumpre destacar que o direito ao próprio corpo pode ser também

chamado de direito à integridade física, sendo a doação de órgãos um dos aspectos

deste direito.

Segundo Santos 2, o direito à integridade física abrange “ [...] os tecidos, órgãos

e partes separáveis, e o direito do cadáver”.

Nesse contexto, mister se faz conceituar, ou mesmo, determinar o que são os

direitos da personalidade.

Carlos Alberto Bittar 3 define direitos da personalidade como:

[os direitos inatos, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – a nível constitucional ou a nível de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares”4.

2 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.263.

3 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 1.ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.7.

4 Continua o autor: “direitos próprios da pessoa em si, existentes por sua natureza, como ente humano, com o nascimento, mas, são também direitos referentes às projeções do homem para o mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade”. Loc.cit.

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Limongi França diz que os direitos da personalidade são: “as faculdades

jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim

as sua emanações e prolongamentos”.5

Segundo Lopes6:

[consideramos os direitos da personalidade como os atinentes à utilização e disponibilidade de certos atributos inatos ao indivíduo, como projeções biopsíquicas integrativas da pessoa humana, constituindo-se em objetos (bens jurídicos), assegurados e disciplinados pela ordem jurídica imperante.

Gomes7 afirma que nos direitos da personalidade estão compreendidos os

direitos essenciais à pessoa humana, a fim de resguardar a sua própria dignidade.

Tepedino8 entende que os direitos da personalidade são: “os direitos atinentes

à pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade”.

Assim, pode-se inferir através do quadro elencado acima que os direitos da

personalidade são direitos essenciais ao ser humano, são inatos e se prestam a

garantir a dignidade da pessoa humana.

Ultrapassada a fase conceitual, passa-se, então a outro elemento essencial

para compreensão dos direitos da personalidade: suas características. Nesse sentido,

os direitos da personalidade possuem alguns caracteres que lhes são inerentes, mas

por didática do trabalho, somente será tratado aqui o caráter da indisponibilidade9.

5 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de direito civil. 3.ed. São Paulo: RT, 1975. p. 403.

6 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 2000. V. 1.

7 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.153

8 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.2.

9 Maria Celeste traz outros caracteres essenciais: absolutos, extrapatrimoniais ou extrapecuniários, intransmissíveis ou indisponíveis, impenhoráveis e imprescritíveis, irrenunciáveis, vitalícios e necessários e ilimitados. In.: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). “Biodireito: ciência da vida, os novos desafios”. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 157.

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Assim, diz-se, em princípio, que os direitos da personalidade são indisponíveis

porque o titular desses direitos não pode dispor deles, não pode privar-se deles, uma

vez que são da essência da pessoa.

Contudo, cumpre advertir que, atualmente, tem-se questionado a

indisponibilidade destes direitos seguindo o caminho de sua relativização.

Nessa linha de intelecção, Gomes10 já reconhecia que os bens jurídicos – nos

quais os direitos da personalidade se incluem – são insuscetíveis de avaliação,

contudo, afirma que tal fato não exclui a possibilidade desses bens serem objetos de

negócios jurídicos patrimoniais.

Aguiar11 também reconhece a disponibilidade relativa dos direitos da

personalidade.

Borges ao tratar dos direitos da personalidade no aspecto positivo12 assevera

que:

[esse aspecto positivo dos direitos da personalidade, realizador da liberdade jurídica que o ordenamento reconhece às pessoas, tem de ser respeitado. É preciso admitir o exercício amplo da liberdade que não afete direitos de terceiros. E muitos direitos da personalidade podem ser exercidos de forma positiva, por meio da autonomia privada.

Ainda sobre o tema da disponibilidade relativa dos direitos da personalidade,

especificamente com relação à doação de órgãos, muitos autores admitem a

10 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

11 CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 67.

12 A autora divide os direitos da personalidade em dois aspectos: o aspecto negativo, que diz respeito a proteção do sujeito contra o Estado e à tutela negativa dos indivíduos na relação com o outro e na relação com a sua comunidade; e o aspecto positivo, que estaria ligado à liberdade jurídica. In.: BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos da personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 122. (Coleção Prof. Agostinho Alvim. Coord. Renan Lotufo)

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possibilidade de disposição sobre partes do corpo13, sobretudo se a disposição tem

finalidade altruística ou científica.

O autor Bittar adverte que, embora o direito a integridade física seja disponível,

tal disponibilidade é condicionada pela lei, ordem pública, moral e bons costumes.

Diniz14, ao tratar do tema, também admite a disponibilidade relativa:

[o corpo é disponível dentro de certos limites e para salvaguardar interesses superiores, atendendo a um estado de necessidade. A pessoa pode anuir na ablação de partes enfermas, mesmo não sendo reconstituíveis, de seu corpo, para restaurar a saúde ou preservar a sua vida, dispor de partes regeneráveis, desde que não atinja a sua vida ou saúde, para salvar outra pessoa, e doar post mortem seus órgãos e tecidos para fins altruísticos.

Assim, é imperioso reconhecer que os direitos da personalidade sob o enfoque

do direito ao próprio corpo, sobretudo no que tange à doação de órgãos, já não

contemplam o caráter da indisponibilidade. É que a indisponibilidade dos direitos da

personalidade deve ser contrastada com a autonomia privada.

A autonomia privada diz respeito à faculdade de realizar negócio jurídico. Por

meio dela, o indivíduo vai regular suas próprias ações e determinar as suas relações

jurídicas, tudo com amparo no ordenamento.

Pode-se dizer, então, que a autonomia privada é a manifestação jurídica da

liberdade do indivíduo, pois representa um poder reconhecido pelo ordenamento de

regulamentar os próprios interesses, dentro de determinados parâmetros.

É com base nesta autonomia que se tem admitido a cessão de uso de alguns

direitos da personalidade. Nesse sentido, o Código Civil de 2002, foi o primeiro

13 WALD, Arnoldo. Direito civil: introdução e parte geral. 9. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 121.

14 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2.ed. aum. e atual. de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406 de 10-01-1002). São Paulo: Saraiva, 2002, p.250.

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dispositivo infraconstitucional a tratar do tema15, composto por onze artigo que serão

tratados a seguir.

O primeiro deles, o art. 11, elenca duas características dos direitos da

personalidade, a saber: intransmissibilidade e irrenunciabilidade, permitindo exceções.

O artigo seguinte trata da patrimonialidade reflexa dos diretos da personalidade,

ou seja, permite que aquele que se veja lesado ou ameaçado em seus direitos da

personalidade pleiteie perdas e danos.

O parágrafo único possibilita que o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em

linha reta, ou colateral até 4º grau pleiteie as perdas e danos, se o direito da

personalidade lesado pertencer ao morto.

Em seguida, o artigo 1316, permite a disposição do corpo para fins de transplante

ao contemplar o direito ao próprio corpo e à integridade física, aduzindo que não pode

um indivíduo dispor do próprio corpo quando importar diminuição permanente da

integridade física, ou contrariar os bons costumes, salvo por exigência médica e/ou

transplantes.

Em consonância com a linha adotada pelo legislador constituinte e demais

dispositivos brasileiros acerca do tema, o código civil, em seu art. 14, afirma que: “é

válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no

todo ou em parte, para depois da morte”. Pode o ato de disposição ser revogado a

qualquer tempo.

15 Cumpre salientar que o diploma de 1916 não trazia nada a respeito do tema.

16 Art. 13. “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo Único: o ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial”.

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O art. 15 trata do respeito à vontade do indivíduo e a sua autonomia, ao dispor

que: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento

médico ou a intervenção cirúrgica”

Do art. 16 ao art. 19, o código disciplina o direito ao nome. Assim, toda pessoa

tem direito a nome (prenome e sobrenome), sendo que o nome de uma pessoa não

pode ser empregado por outra sem sua autorização. E, por fim, protege também o

pseudônimo.

O art. 20 protege o direito à imagem, ao dispor que:

Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

O parágrafo único do mesmo artigo protege também o direito à imagem dos

mortos e ausentes, legitimando o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes para

defendê-los.

Por último, o código resguarda o direito à privacidade. Tal proteção tem como

fundamento o interesse de resguardar a vida íntima de uma pessoa do conhecimento

do público.

Contudo, embora o direito ao próprio corpo encontre embasamento na

autonomia privada, reconhecida pela legislação, conforme ensina Perlingieri: “a

autonomia não é um arbítrio: o ato de autonomia em um ordenamento social não se

pode eximir de realizar um valor positivo”. 17

17 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2.ed. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2002, p. 299.

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Pode-se dizer que os limites da autonomia privada são a lei, a moral, a ordem

pública e os bons costumes.

O próprio ordenamento jurídico pátrio reconhece limites para a autonomia

privada.

Nesse sentido, o art. 199, parágrafo 4º da Constituição impõe a gratuidade para

os atos de disposição de partes do próprio corpo e condiciona a disposição a

finalidades de transplante, pesquisa ou tratamento.

A Lei 9.434/97, que trata dos transplantes permite que haja disposição, apenas,

de forma gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano e com a finalidade de

transplante ou tratamento.

Também o Código Civil, nos artigos supra mencionados, ao mesmo tempo que

permite a disposição do corpo, limita tal prática.

Assim, o art. 13 aduz que o ato de disposição do próprio corpo não pode importar

em risco para a vida ou para a integridade física ou mental do indivíduo, a menos que

seja determinado por exigência médica, demonstrando, assim, que a ordem jurídica

veda a realização de negócios jurídicos que, ligados ao corpo humano, possam

acarretar prejuízo à vida, diminuição da saúde, comprometimento de suas funções ou

que atentem contra os bons costumes.

Ainda no que tange aos direitos da personalidade, em especial à integridade

física, Sgreccia18 faz a seguinte observação: “depois da vida está a integridade dessa

mesma vida, que pode ser tirada somente se isso é exigido para salvaguardar a vida

física em seu todo, ou por um bem moral superior.”

Sob o fundamento da autonomia é que, conforme se verá adiante, o presente

trabalho levantará a possibilidade de escolha – pelo doador – do destinatário dos seus

órgãos, na doação de órgãos post mortem. Isto porque, diante da autonomia do

indivíduo, não há como negar o direito de escolha do doador, até porque tal

possibilidade, se limitada, não prejudica direito de terceiros.

18 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 93.

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21

2.2 AUTONOMIA

A autonomia, neste tópico, será analisada sob o enfoque de princípio bioético.

Inicialmente, passa-se a conceituar autonomia. A palavra AUTONOMIA é

formada por duas palavras de origem grega, a palavra “autos” que quer dizer “próprio” e

a palavra e “nomos”, que significa lei, norma ou governo.

A partir dessa definição, pode-se dizer que o conceito de autonomia vai indicar,

precipuamente, a capacidade de autogovernar-se e autoreger-se.

Em termos bioéticos, a autonomia está ligada à independência e à capacidade

para decisões e ações independentes, mas também inclui a imposição de que esta

capacidade de autodeterminação seja respeitada.

Assim, é que, segundo Ferraz19:

O princípio da autonomia, cujas raízes se encontram na filosofia kantiana20, é um dos pilares da Bioética contemporânea. Sua relevância para a cultura atual é indiscutível, visto que este princípio relaciona-se com a causa ética da emancipação do sujeito em direção à sua autodeterminação, causa essa que, em última instância, diz respeito à afirmação da cidadania.

19 FERRAZ, Flávio Carvalho. A questão da autonomia e a bioética. In: Simpósio Internacional de Genética e Ética, 1., 1997, Rio de Janeiro. Anais eletrônico... Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 1997. Disponível em internet: <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio9v1/simpo5.htm>. Acesso em: 06 ago. 2009.

20 Sobre a autonomia Kant escreveu: A autonomia da vontade é a constituição da vontade, pela qual ela é para si mesmo uma lei – independentemente de como forem constituídos os objetos do querer. O princípio da autonomia é, pois, não escolher de outro modo, mas sim deste: que as máximas da escolha, no próprio querer, sejam ao mesmo tempo incluídas como lei universal. In: KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. 1785. Trad. Antônio Pinto de Carvalho Companhia Editora Nacional. Disponível em: <http://www.consciencia.org/kantfundamentacao.shtml>. Acesso em: 05 jul. 2009.

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Nestes termos, pode-se dizer que, juntamente com outros princípios21, o princípio

do respeito à autonomia22, foi formulado por Beauchamp e Childress, para orientar as

decisões dos profissionais da área de saúde.

O principialismo, corrente desenvolvida por tais autores, surgiu em meio a

notícias de maus-tratos e violações éticas perpetradas pelos profissionais de saúde e

divulgadas por Henry Beecher.23

Nesse contexto, segundo os autores Ferrer e Álvarez, o princípio de respeito à

autonomia levava em consideração: “os direitos do sujeito moral (ou seja, da pessoa

que é capaz de decidir autonomamente): 1) de ter seus próprios pontos de vista, 2) de

fazer suas própias opções e 3) de agir em conformidade com seus valores e crenças

pessoais” 24.

Beuchamp e Childress25 afirmavam que o princípio do respeito à autonomia pode

ser estabelecido em sua forma negativa, no sentido de que as ações de um indivíduo

não devem estar sujeitas pressões de outros indivíduos; e, na forma positiva,

especialmente no sentido de obrigar os profissionais de saúde a revelar as informações

e a encorajar o indivíduo em suas decisões autônomas.

Por questões metodológicas, para tratar do princípio do respeito à autonomia

será utilizada a expressão “princípio da autonomia”, que é a nomenclatura mais usual

deste princípio.

21 Seguindo a doutrina de BEAUCHAMP E CHILDRESS, os outros princípios são: beneficência, não maledicência e justiça.

22 Tal nomenclatura foi utilizada pelos idealizadores do principialismo, BEAUCHAMP e CHILDRESS, advertindo-se, no entanto, que atualmente a doutrina costuma chamá-lo de princípio da autonomia.

23 DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 15 -16.

24 FERRER, Jorge José; ÁLVAREZ, Juan Carlos. “Para fundamentar a bioética: teorias e paradigmas teóricos na bioética contemporânea”. Trad. Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p. 125.

25 BEUCHAMP, T.L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de Ética Biomédica. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 143 -144.

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23

Assim, tal princípio se refere à capacidade de autogovernar-se, de ter liberdade

de escolha. Santos26 nos diz que:

[o princípio da autonomia, denominação mais comum pela qual é conhecido o princípio do respeito às pessoas, exige que aceitemos que elas se autogovernem, ou sejam autônomas, quer na sua escolha, quer nos seus atos. [...]. Reconhece o domínio do paciente sobre a propria vida e o respeito à sua intimidade.

Mais adiante a mesma autora afirma que o princípio da autonomia protege o bem

mais genérico que “é a liberdade de realizar qualquer conduta que não prejudique a

terceiros”, liberdade esta trazida nos artigos 4º e 5º, da Declaração de Direitos do

Homem e do Cidadão.27

Assim, nota-se que o princípio da autonomia é a consagração da liberdade do

indivíduo, é o reconhecimento da capacidade do indivíduo de tomar suas próprias

decisões.

Nessa linha de intelecção, Garcia Aznar28 afirma que:

[esse reconocimiento representa asumir nuestra mayoría de edad y el peso que ello comporta a fin de convertilo en algo libertador y creador. Representa reconocer a los indivíduos como entes autónomos << entendiendo que el principio de respecto de la autonomía indica que debemos permitir a lo agente racional; es vivir sus próprias vidas según sus próprias decisiones autónomas libres de coerción o intergerencias>> (P. Singer, 1984:178) o dicho de outro modo, respectar al otro en sus creencias, en su individualidad, en su diferencia. Todo ello dentro del marco común de respecto a los derechos humanos como mínimo ético necesário de convivencia y tolerancia.

26 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. “O equilíbrio do pêndulo: A bioética e a lei: implicações médicas legais”. São Paulo: Ícone, 1998. p. 43.

27 Id. ibid, p. 43.

28 GARCIA AZNAR, Andreu. In: CASADO, María.(Comp.) “Estudios de bioética y derecho”. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000. p. 200.

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Para Durand29:

[a autonomia é pois uma responsabilidade ou um dever – a responsabilidade de refletir sobre as exigências ‘objetivas’ do respeito e da promoção da dignidade da pessoas humana em mim e em cada ser; a responsabilidade de escolher uma ação que segue o sentido do respeito a cada ser humano e a todo ser humano [...].

Conceber uma pessoa como autônoma é o mesmo que concebê-la como uma

pessoa capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta

deliberação.

É com base nesta possibilidade de autodeterminar-se, autoreger-se, autogerir-se

que o indivíduo, quando da sua morte, poderá escolher o destinatário de seus órgãos.

Nesse sentido, observa Adorno30: “El principio de autonomía hace referencia al

deber de respectar la autodeterminación del paciente”.

A imposição de uma lista única de receptores pelo Estado fere a autonomia do

indivíduo ao desconsiderar a vontade do mesmo quando em vida. Sobre o tema, ver

tópico 4.5.1.

2.2.1 Consentimento informado

Embora este não seja o objeto do presente trabalho, faz-se necessária uma

breve análise do princípio do consentimento informado, pois que existe uma ligação

muito forte entre ele e a autonomia. Alguns autores chegam inclusive a confundi-los.

O consentimento é a forma de expressão da autonomia, pois é a partir dele que

o indivíduo demonstra a sua decisão. Em termos bioéticos, o consentimento deve ser

29 DURAND, Guy. “Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos”. Trad. Nicolás Nyimi Campanário. São Paulo: Editora Centro Universitário São Camilo; Edições Loyola, 2003. p.177.

30 ADORNO, Roberto. “Bioética y dignidad de la persona”. Madrid: Tecnos, 1998. p. 41. (Versión española del propio autor).

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obtido após passadas todas as informações ao paciente acerca da sua situação,

tratando-se, portanto de um consentimento qualificado que se chama de consentimento

informado.

Corolário do princípio da autonomia, o princípio do consentimento informado tem

o seu expoente no consentimento informado e expresso.

No entanto, além do consentimento expresso, existem várias formas de

consentimento. Beauchamp e Childress31, além do consentimento expresso, apontam

outra forma de consentimento, o não expresso, dentre este ainda podemos ter:

1. tácito, que é expressado passivamente por omissão;

2. implícito ou subentendido, que é inferido das ações;

3. presumido, que assemelhando-se ao consentimento implícito, se torna

presumido quando baseado naquilo que sabemos de determinada pessoa.

Mas, ao final, o que vem a ser consentimento informado?

Segundo Carrasco Gomez32 apud Gonzalez Moran:

[por consentimento informado se entende o processo que surge na relação médico/paciente, pelo qual o paciente expressa sua vontade e exerce, portanto, sua liberdade ao aceitar submeter-se ou rechaçar um plano, um diagnóstico, terapêutica, de investigação, etc., proposto por um médico para atuar sobre sua pessoa; e tendo ele recebido informações suficientes sobre a natureza do ato ou atos médicos, seus benefícios e riscos, e as alternativas que existem na proposta.

Para Casabona33:

[a informação e o consentimento informado são obrigações legais, como meio de respeito da autonomia ou autodeterminação dos pacientes,

cujos direitos fundamentais e civis mantêm sua plena vigência apesar da situação de debilidade em que possam se encontrar, por causa dos padecimentos que sua enfermidade provoca.

31 BEUCHAMP, T.L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de Ética Biomédica. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 146.

32 Apud: CARRASCO GOMEZ. “De la bioética al bioderecho: libertad, vida y muerte”. Madrid: Universidad Pontificia de Comillas, Editorial Dykinson S.L., 2006. p. 267. (Tradução livre).

33 CASABONA, Carlos María Romeo; Sá, Maria de Fátima Freire de (Org.) “Desafios jurídicos da biotecnologia”. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p.130. (Tradução livre).

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Gonzalez Moran34 a esse respeito afirma que:

[o consentimento informado, em sentido estrito, consiste na explicação ao paciente da natureza de sua enfermidade e demais elementos necessários para que aquele compreenda bem as vantagens e inconveniências do tratamento e do ato médico, sendo que a informação deve preceder necessariamente ao consentimento, que é um ato de vontade pelo qual se aceita ou se rechaça as opções ou possibilidades apresentadas pelo médico.

Assim, o consentimento informado vem a ser a expressão de liberdade do

indivíduo, da sua autonomia.

Este princípio é a base das relações médicas. Isto porque, a relação médico -

paciente deve ser pautada na confiança e para haver confiança deve haver

informação35.

Com relação à doação de órgãos, como em toda relação médico paciente, o

consentimento informado possui muita relevância.

34 MORÁN GONZÁLEZ, Luis. “De la bioética al bioderecho: libertad, vida y muerte”. Madrid: Universidad Pontificia de Comillas, Editorial Dykinson : [S.l.], 2006, p. 267. (Tradução livre).

35 António Travassos, médico oftalmologista, a propósito da relação médico/doente, ao se referir ao medicamento oftalmológico que causava problemas aos usuários, fala o seguinte: …/ E, na primeira oportunidade que se me apresentou, falei do que sei fazer e da experiência que adquiri ao longo de uma actividade cirúrgica vivida com grande intensidade e quase sempre off label. Pensei nos "meus doentes", no Rui, na Ivone, na Anabela, na Maria Ana e em todas as outras crianças e adultos que tenho o privilégio de tratar. Nos que me compreendem, nos que confiam em mim e me dizem "por favor, decida o doutor!". Hoje, ainda em período de tempestade, decidi manter agendados 10 doentes para tratamento com "Avastin". Estava preparado para ouvir as dúvidas, as perguntas, as certezas e constatar as hesitações. Nada disso aconteceu... nem uma pergunta, nem uma hesitação. "Eu confio em si, doutor... por favor trate-me." Raras vezes as doenças oculares acompanham quadros clínicos complexos, que evoluam com doença psíquica. Por isso, os nossos doentes conservam a inteligência on head. Uma relação doente/ médico honesta e competente é um pilar muito forte para a cura. Um doente pode aceitar que um médico erre, mas nunca aceitará que minta ou que o deixe no convés que se afunda, enquanto salta, apressadamente, para um qualquer salva-vidas”. (TRAVASSOS, 2009, grifo nosso). Disponível em:< http://saudesa.blogspot.com/2009/07/consentimento-informado-2.html> Acesso em: 07 ago. 2009.

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A própria lei que disciplina a doação de órgãos, lei 9.434/97, contempla em

alguns artigos o princípio do consentimento informado e expresso.

O primeiro artigo a tratar do tema é o artigo 4º que tem a seguinte redação:

A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Nesse caso, percebe-se que o legislador condicionou a doação dos órgãos do

cadáver ao consentimento da família, que, depois de ouvir o médico, autorizará ou não

a retirada dos órgãos.

O Art. 5º ao afirmar que: “a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes

do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida

expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais”, também

demonstra a preocupação do legislador no que diz respeito ao consentimento

informado.

O § 4º, do art. 9º, reza que: “O doador deverá autorizar, preferencialmente por

escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo

objeto da retirada”, demonstrando a necessidade de consentimento expresso no caso

de doação em vida.

O § 6º, do art. 9º, contempla igualmente o consentimento expresso, afirmando

que:

[o indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.

O art. 9º, § 8º, afirma que: “o autotransplante depende apenas do consentimento

do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente

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incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais”. Nesse contexto, patente é a

percepção da necessidade de haver consentimento informado em casos de

autotransplantes, em decorrência dos riscos a que o paciente pode se submeter.

O art. 9o-A garante a toda mulher o acesso a informações sobre as

possibilidades e os benefícios da doação voluntária de sangue do cordão umbilical e

placentário durante o período de consultas pré-natais e no momento da realização do

parto, sendo, portanto, expoente do consentimento informado.

A redação do art. 10 diz o seguinte: “o transplante ou enxerto só se fará com o

consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após

aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento”. Note-se que,

neste caso, ao contrário dos outros artigos, o consentimento informado deve partir do

receptor dos órgãos, que tendo sido previamente informado acerca dos benefícios e

dos riscos, passará a decidir sobre a realização ou não do transplante.

Assim, analisado, ainda que de forma breve, o consentimento informado,

somente em função de sua ligação íntima com o princípio da autonomia, passar-se-á a

análise das hipóteses em que a legislação abarca a limitação da autonomia do

indivíduo, no caso doador.

2.2.2 Hipóteses legais de intervenção do estado na autonomia do indivíduo na lei 9.434/97

2.2.2.1 Consentimento presumido

Convém, antes mesmo de adentrar no tema, justificar a localização do assunto

no referido tópico, considerando que o capítulo 3, item 3.3, traz comentários acerca da

lei 9.434/97. A escolha pelo tratamento do tema aqui, deve-se ao fato de que o

consentimento presumido é uma hipótese de descaracterização da autonomia do

indivíduo, que, por sua vez vem a ser o título desta seção.

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O advento da lei 9.434/97 levantou grandes questionamentos naquela época. É

que, ao dispor acerca da doação de órgãos post mortem, o legislador optou por

estabelecer a doação presumida ou compulsória. Assim, é que o art. 4º da referida lei

em sua redação original dizia que:

Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem. § 1° A expressão “não-doador de órgãos e tecidos” deverá ser gravada, de forma indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optar por essa condição. § 2° A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da publicação desta Lei. § 3° O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação emitida até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não doar tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão “não-doador de órgãos e tecidos”. § 4° A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no documento, a nova declaração de vontade. § 5° No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes, quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais recente (grifo nosso).

Não é despiciendo lembrar que este dispositivo gerou grandes discussões,

inclusive, foram levantados questionamentos acerca de sua constitucionalidade.

A polêmica gerada foi enorme, sendo que, como era de se esperar, daí surgiram

duas correntes.

Uma corrente se manifestava contrariamente a este dispositivo, entendendo que

o mesmo continha ato de violência do Estado contra o cidadão.

Neste polo, se encontravam a maioria dos doutrinadores que rechaçavam o

dispositivo sob o fundamento de que o mesmo atentava contra os direitos da

personalidade e da dignidade humana, tendo em vista que todo indivíduo, desde que

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capaz, tem o direito de decidir sobre si mesmo, principalmente em questões vinculadas

ao próprio corpo.

Nessa linha de intelecção, dizia-se que a imposição de doação presumida

desrespeitava ao mesmo tempo a autonomia do indivíduo e a dignidade do ser

humano.

E não pense que os argumentos eram poucos. Começou-se a perscrutar sobre

qual seria a população mais atingida por este dispositivo, chegando-se à conclusão que

os integrantes das camadas mais pobres seriam os mais atingidos, pois que, em sua

maioria, não possuem documentos exigidos pela lei para registrar a sua vontade.

Outro argumento é que a doação não pode ser uma imposição legal, mas sim um

ato de generosidade, de solidariedade, de humanidade.

De fato, não se pode conceber que o Estado possa se apropriar do corpo

humano por uma decisão unilateral.

Garrafa ponderou os seguintes aspectos:

[sancionada a lei que dispõe sobre a doação compulsória de órgãos de cadáveres para transplantes ou ‘doação presumida’, como vem sendo chamada no Brasil, teremos uma reviravolta no princípio jurídico brasileiro, que sempre foi afirmativo. Nesse caso, o cidadão terá que declarar, em vida, que não é doador. Pergunto: o que acontecerá com a autonomia dos mais de 50 milhões de brasileiros desinformados, incluindo analfabetos e semianalfabetos? E quem se responsabilizará pela segurança dos acidentados graves que chegarem aos nossos desaparelhados prontos-socorros? E o respeito à dignidade (moral) do corpo do cadáver? E a segurança que ‘as listas de espera serão rigorosamente controladas e observadas? [...]. Levando-se em consideração o despreparo educacional de representativa parte da população brasileira, configurar-se-ia, desta forma, uma espécie do que se poderia chamar ‘consentimento silencioso imposto através da desinformação, com o atropelo do princípio fundamental da autonomia das pessoas para decidir livremente sobre seu destino.36

36 GARRAFA, Volnei. Qual o consentimento? Medicina. Conselho Federal, Brasília, n. 78, ano 10, p.8, fev. 1997.

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Até setores ligados à religião resolveram se manifestar a respeito.

O Padre Altemeyer Júnior37 apud CARDOSO, vigário de comunicação da

Arquidiocese de São Paulo, afirmou que: “toda pessoa é corpo. Ela não apenas possui

corpo, que é uma parte essencial da vida humana. Vivo ou morto, o corpo merece

respeito. [...]. Deve prevalecer uma doação e não uma expropriação”.

França também desabafa:

[além do mais, entendemos que a atual lei dos transplantes é inconstitucional, uma vez que ela viola o princípio consagrado da liberdade individual, expressamente exaltado na Constituição Federal. Some-se a isso a gravidade da apropriação indevida do corpo humano. Essa é, sem dúvida, uma lei arbitrária. Outra coisa: a forma como se processa a doação no presente estatuto transforma o corpo humano em simples objeto. Ninguém pode esquecer que esse corpo, mesmo inanimado, é integrante da personalidade do indivíduo.38

Em outro polo, encontravam-se aqueles que acreditavam que tal dispositivo legal

seria uma oportunidade de salvar vidas que estão sendo perdidas por falta de doação

de órgãos.

A defesa deste dispositivo se baseava, principalmente, na ideia de que a lei não

atinge de forma absoluta o direito de escolha do cidadão, pois que permitia que o

37 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 248.

38 FRANÇA, Genival Veloso de. Comentários à novela dos transplantes. Arquivos do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Curitiba, n. 57, v. 15, p. 49, 1998. Apud: CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 249.

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indivíduo, que não queria ser doador, manifestasse a sua vontade em não fazê-lo, sem

limite de tempo.

Assim, é que diante da grande repercussão negativa, manifestada por diversas

áreas da sociedade brasileira, incluindo a classe médica, os operadores do direito e a

própria população, fez-se imperiosa a alteração do dispositivo, que a partir da Medida

Provisória n° 1718/98 passou a vigorar com outro texto.

A partir desta data, na falta de manifestação do potencial doador, a família seria

responsável pela autorização de retirada de órgãos de cadáver, conforme se confere do

art. 4° da Lei n° 9.434/97 que foi acrescido do seguinte parágrafo:

§ 6° Na ausência de manifestação de vontade de potencial doador, o pai, a mãe, o filho ou o cônjuge poderá manifestar-se contrariamente à doação, o que será obrigatoriamente acatado pelas equipes de transplantes e remoção.

Contudo, a alteração do dispositivo nos moldes da Medida Provisória n° 1718/98

não teve o condão de colocar em cheque a discussão que outrora se apresentava;

razão pela qual o parágrafo 6º, incluído pela MP, não foi recebido nas reedições

subsequentes da MP, culminando seu insucesso na MP 2083-32, de 22/02/2001) que

foi convertida na Lei n° 10.211, de 23/03/2001, modificando o teor do art. 4° da Lei de

Transplantes, nos seguintes termos:

A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Assim, atualmente, o dispositivo que tratava da doação foi revogado, valendo,

então, a regra do consentimento expresso.

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2.2.2.2 Impossibilidade do doador em escolher o destinatário de seus órgãos na

doação post mortem

Nessa linha de intervenção estatal, o legislador, no art. 2º, lei 9.434/97,

combinado com o art. 30, do decreto 2.268/97, não permite a doação de órgãos post

mortem à pessoa identificada.

O dec. 2.268/97, que regulamenta a referida lei, dispõe sobre a chamada “lista

única de receptores de órgãos”, ao passo que proíbe que o receptor do órgão seja

pessoa não inscrita na lista39.

Nesse diapasão, o decreto, para colocar em prática a lista única de receptores,

institui o Sistema Nacional de Transplante (SNT) que, entre outras atribuições, vai

gerenciar o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retirados

do corpo humano para finalidades terapêuticas40.

Além de instituir o SNT, o decreto cria as Centrais de Notificação, Captação e

Distribuição de Órgãos (CNCDOs), que são os órgãos que coordenam as atividades de

transplante, no âmbito de cada estado da federação, além de promover a inscrição de

possíveis receptores.

Ao adotar o sistema de lista única de captação de órgãos para transplante, a

legislação brasileira foi bem clara em excluir a possibilidade de doação à pessoa

determinada.

Frise-se, o doador ou a sua família não poderá escolher o receptor. É o Estado

que fará esta escolha por meio da lista única nacional de receptores.

Com efeito, pode-se dizer que a doação de órgãos post mortem é ato

personalíssimo, por isso somente pode ser exercido pelo próprio titular. Assim, não se

conceberia que alguém pudesse dispor sobre a destinação do corpo de outra pessoa

depois da sua morte, nem mesmo o Estado.

39 Art. 30. “A partir da vigência deste Decreto, tecidos, órgãos ou partes não poderão ser transplantados em receptor não indicado pelas CNCDOs”.

40 Art. 2º “Fica organizado o Sistema Nacional de Transplante (SNT), que desenvolverá o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retirados do corpo humano para finalidades terapêuticas”.

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Acontece que o dispositivo infraconstitucional atribui ao Estado esta tarefa, ao

proibir que o doador, na doação post mortem, escolha o destinatário de seus órgãos.

Observe-se, assim, que a disposição do próprio corpo se enquadra como um

dos direitos da personalidade, sendo que, ao expressar em vida o desejo de doar seus

órgãos para determinada pessoa, este deveria ser totalmente respeitado.

Nessa linha, os direitos de personalidade estão na esfera da autonomia privada;

razão pela qual, se o Estado passar a regular a destinação de cada corpo, deixará de

atuar administrativamente e passará a gerenciar a propriedade e liberdade individuais,

o que influenciará nas relações sociais.

Insta frisar que com a morte, a pessoa deixa de ser sujeito de direito, mas

continua a provocar repercussões no ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, são as lições de De Cupis41:

Se a personalidade não existe depois da morte, nem por isso o cadáver deixa de ser considerado parte do ordenamento jurídico. Pelo contrário, o corpo humano, depois da morte, torna-se uma coisa submetida à disciplina jurídica, coisa, no entanto, que não podendo ser objeto de direitos provados patrimoniais, deve classificar-se entre as coisas extra commercium. Não sendo a pessoa enquanto viva objeto de direitos patrimoniais, não pode sê-lo também o cadáver, o qual, apesar da mudança de substância e de função, conserva o cunho e o resíduo da pessoa viva. A comercialidade estaria, pois, em nítido contraste com tal essência do cadáver, e ofenderia a dignidade humana.

O corpo humano morto, o cadáver, ainda mantém alguns direitos dentre eles o

respeito à sua integridade física e a manifestação de vontade quando em vida através

do testamento.

No que tange à sua integridade física, considera-se que a morte não transforma

o corpo do cadáver em uma “coisa”.

Ainda que se leve em conta que a morte extingue a personalidade jurídica, não

há como deixar de lembrar que o cadáver é o prolongamento da personalidade humana

daquela pessoa que o animou, sendo, portanto, inadmissível que não haja respeito à

sua vontade. 41 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antônio Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria Morais, 1961. p. [67].

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3 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

3.1 BREVE HISTÓRICO

Ao tratar de doação de órgãos, não se pode perder de vista que o expediente

está intimamente ligado aos transplantes. Assim, falar em histórico de doação de

órgãos é o mesmo que falar em histórico de transplante.

Antes de adentrarmos no histórico dos transplantes, convém fazer algumas

distinções. A primeira, é a diferença entre enxertos e transplantes, diferença esta

rejeitada por alguns autores.

Enxerto, segundo Chaves42 é a secção de uma porção do organismo alheio,

com fins estéticos e terapêuticos, sem exercício de função autônoma; enquanto

transplante seria uma amputação ou ablação de um órgão de um organismo para

instalar em outro para que exerça a mesma função que exercia no organismo anterior.

Importa também destacar o que se pode chamar de tipos de transplantes,

sendo mais conhecidos o xenotransplante, o autotransplante, o isotransplante e o

alotransplante.

O xenotransplante, segundo Mora, é a técnica terapêutica de transplantar em

seres humanos, órgãos, tecidos ou células procedentes de animais.43

O autotransplante ocorre quando o doador e o receptor são a mesma pessoa.

Como exemplo tem-se o transplante de pele em queimados.44

O isotransplante se dá quando os envolvidos (doador e receptor) têm

características genéticas idênticas, como os gêmeos univitelinos.45

42 CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplantes. 2.ed. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.213.

43 MORA, ASIER URRUELA. In: CASABONA, Carlos María Romeo; SÁ, Maria de Fátima Freire de. (org.) “Desafios jurídicos da biotecnologia”. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 481.

44 SÉGUIN, Elida. “Biodireito”. 4.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 133.

45 SÁ, Maria de Fátima Freire. (Coord.). “Biodireito”. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 408.

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Por fim, o alotransplante quando o doador, que pode ser vivo ou morto, e o

receptor não possuem características genéticas idênticas.46

Finalizada a distinção, passa-se ao histórico dos transplantes.

Pode-se dizer que os transplantes foram realizados antes mesmo dos

avançados recursos científicos. Nesse sentido, o autor Cardoso divide a história dos

transplantes em duas fases: mitológica e científica.47

A primeira fase tem como base os registros históricos. Marca este período o

livro de Sushruta que aponta os hindus como os primeiros povos a realizarem

transplante48.

No período de 700-850 AC, registrou-se que o cirurgião Sushruta realizou o

processo de reconstrução facial, transplantando um pedaço de pele da testa.

No ano 600 AC, os hindus Atreya e Charaka realizaram o procedimento da

rinoplastia.

Diante de tais fatos, há quem afirme serem os hindus os precursores da

moderna técnica de transplante.

Existem relatos também de que, na China, tenha ocorrido transplantes de

coração no século II AC e século V-IV AC.

Ainda neste contexto, muitos autores trazem a passagem bíblica que cita a

criação de Eva como a primeira cirurgia de enxerto de pele realizada com a utilização

de anestesia.49

46 Id. Ibid, p. 408.

47 A fase mitológica é assim chamada, uma vez que não se tem certeza de que os transplantes realmente ocorreram. In: CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 29.

48 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 29.

49 GENESIS 2, 21-22: “então o SENHOR Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma de suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; e da costela que o SENHOR Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão”.

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Pode-se incluir a lenda de São Cosme e São Damião, Santos católicos que

exerciam a medicina como missão de caridade. Conta a lenda que, certa vez,

necessitaram realizar transplante:

[para substituir a perna gangrenada de um doente que tinham necessidade de amputar foram os Santos ao cemitério em busca de uma que lhes pudesse servir para aquele fim. O único cadáver disponível era de um negro etíope, mas os santos não tinham preconceito nem problema de histocompatibilidade, retiraram a perna de que o enfermo precisava e o transplante foi, por graças de Deus, um êxito completo realçado ainda pela diferença da cor. 50

Ultrapassada a primeira fase, passemos, então, à análise da segunda fase.

Existem registros de que nas cidades de Salermo e Bolonha, nos séculos XII e

XIV houve um grande progresso na área de cirurgia plástica.

Santos51 conta-nos que, nos séculos XV e XVI, podem ser encontrados

registros das primeiras tentativas de tansplantes de tecido de pessoas e animais,

contudo sem êxito, pois a extração e implantação dos tecidos eram feitas de forma

precária.

Ainda no século XV, o cirurgião Antonio Branca desenvolveu o procedimento

dos enxertos de pele para tratar ferimentos.

No século XVII, Jonh Hunter (1728-1793) efetuou reimplantação de um dente

do indivíduo e também transplantou um dente humano na crista de um galo.

Os primeiros registros comprovados de transplantes de um ser humano para

outro foram de córneas, por volta de 1880 52·.

50 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. Transplante de órgãos e eutanásia: liberdade e responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 127.

51 SANTOS, Rita Maria Paulina dos. Transplantes de órgãos à clonagem: nova forma de experimentação humana rumo à imortalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

52 PESSINI, Leocir; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 6. ed., rev. e ampl. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2005. p. 31.

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O primeiro transplante ósseo a ter sucesso aconteceu no ano de 1890, em

Glasgow – Escócia. Em 1887, o Dr. Ian Macewen extirpou a diáfise umeral de uma

criança de três anos de idade, acometida de ostiomielite persistente e, depois de três

anos, amputou o membro e implantou cunhas ósseas, ocasião em que se constatou

que os ossos transplantados se regeneraram e o paciente pôde realizar trabalhos

manuais.

Os experimentos com transplantes, utilizando-se animais, iniciaram-se a partir

de 1905. Neste ano, fora feita tentativa de transplantar o coração de um animal para o

pescoço, o abdome ou região inguinal do outro. Tal tentativa tinha o intuito de

demonstrar a habilidade do coração em funcionar após o transplante. Entretanto,

notou-se que depois de alguns dias, os corações apresentaram mudanças fisiológicas

e estruturais que demonstraram rejeição.

Em 1906, o médico Jaboular fez a anamostose de rins de porco e de cabra na

artéria e na veia de dois pacientes, respectivamente. Tais enxertos apenas causaram

diurese por um período de uma hora, demonstrado assim o primeiro resultado positivo

de transplante de órgãos.

No ano de 1910, ocorreram experimentos com enxerto de pele e rins de

animais. Como exemplo tem-se as experiências de Dederer e Willianson, da Mayo

Findation.

Em 1931, a Itália seria palco de um transplante bem-sucedido de glândulas

genitais, realizado pelo médico Gabriel Janelli. Tal procedimento causou polêmica, uma

vez que o doador vivo cedeu a glândula mediante remuneração.

O cirurgião ucraniano Yu Yu Voronoy foi o precursor da transplantação de um

rim de um cadáver para um ser humano vivo. O fato ocorreu em 1936 quando o médico

retirou o órgão de uma pessoa recentemente falecida e transplantou para um paciente

que sofria de insuficiência renal, em face da ingestão de sais de mercúrio. O

procedimento realizado funcionou apenas nos dois primeiros dias, sendo que o

paciente veio a falecer no terceiro dia.

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Shaw e Stubenboard53 contam que, no ano de 1950, Lawler publicou a primeira

descrição de um transplante intra-abdominal, por meio da colocação de um rim na

cavidade ilíaca de uma mulher portadora de rins policísticos, cujo doador, falecido em

razão de uma hemorragia cerebral, possuía o mesmo grupo sanguíneo da

transplantada. O rim transplantado funcionou bem por 52 dias.

Os mesmos autores afirmam que, em 1951, Küss e Col procederam a oito

tentativas de transplantes de rins na França. Ainda nesta época, isto é, por volta do

ano de 1951 a 1953, um grupo de médicos do Peter Bringham Hospital de Boston fez

nove tentativas de transplantes de rins, utilizando-se de sete doadores cadáveres e

dois rins de crianças. Tais tentativas não obtiveram êxito, em face da ausência de

estudo prévio dos doadores, bem como de medicação no período pós-transplante.

Outro caso de transplante de rim, agora com êxito, ocorreu na noite de natal do

ano de 1952, fazendo história, pois que foi o primeiro transplante de rim de doador

voluntário vivo: [na noite de Natal de 1952, um fato, entretanto, marcaria época na história dos transplantes de órgãos no mundo, dias antes tinha sido dado entrada no Hospital Necker de Paris um jovem de 16 anos com ruptura do rim direito, após traumatismo, este rim foi retirado e após cirurgia foi verificado que ele tinha ausência de rim esquerdo. Houve solicitação da mãe do menino em doar um dos seus rins para salvar o filho. Apesar de ser uma conduta médica nunca antes tentada, com todas as cargas emocionais e éticas em jogo, o transplante foi executado no dia 25 de dezembro de 1952. Constituiu-se no primeiro transplante de rim com doador vivo voluntário. O rim enxertado funcionou imediatamente; em uma semana a uréia sanguínea estava normal e o estado geral do paciente melhorou muito, a ponto de deixar o leito e deambular. No 22º dia pós-operatório houve diminuição súbita da diurese, novamente uremia franca, que culminou com o óbito”.54

53 SHAW, Robert; STUBENBORD, William (from the Rogosin Kidney Centre, The New York Hospital – Cornell Medical Center). Alexis Carrel, M.D. – Contribution to kidney transplantation and preservation. In: New York State Journal of medicine, August, 1980. Apud GOGLIANO, Daisy. O direito ao transplante de órgãos de tecidos humanos. 1986. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1986. p. 145.

54 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 29.

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O êxito em transplante renal também foi registrado em Boston, em 1954, no

Hospital Brigham, em que o cirurgião Joseph Murry extraiu o rim de um gêmeo para

implantá-lo no corpo de seu irmão, obtendo resultado positivo.

A grande importância destes feitos foi a verificação de que quanto maior o grau

de diferença genética entre receptor e doador, maior o índice de rejeição. Tal fato

evidenciou que o sucesso dos transplantes dependia do uso de medicamentos

imunosupressores, que teriam a função de vencer as barreiras imunológicas, fazendo

com que o órgão enxertado não fosse rejeitado pelo organismo do receptor.

Nesse sentido, em 1953, Dausset e Amos iniciaram pesquisas sobre antígenos

leucocitários humanos.

Na década de 60, houve avanço na medicação imunossupressiva em seres

humanos. O cientista Peter Medawar, em seu trabalho sobre a imunologia dos

transplantes, tratou sobre a importância da imunidade celular no processo de rejeição

dos enxertos, o que permitiu o desenvolvimento dos protocolos de imunossupressão.

Em 1965, os estudos de Terasaki possibilitaram o uso da “tipagem de

histocompatibilidade do sistema HLA (Sistema Leucocitário Humano).” E assim, a

história do transplante teria outro rumo.

O primeiro transplante de fígado foi realizado em 1963, em Denver, pelo médico

Starzl. Ainda nesta época, foi realizado também o primeiro transplante de pulmão, e,

em 1967, o médico sul- africano Christian Barnard realizou o primeiro transplante de

pâncreas.

Conta-se, no entanto, que a história dos transplantes iniciou-se,

verdadeiramente, no dia 3 de dezembro de 1967, no Hospital Grotte Shuur da Cidade

do Cabo, na África do Sul, quando o médico Christian Barnard transplantou o coração

de Denise Ann Darvall – cuja morte se deu em decorrência de um acidente de trânsito

– no comerciante Louis Washakansky. O comerciante viveu com o coração

transplantado por 18 dias, após o que veio a óbito por infecção pulmonar.

Após esta cirurgia, muitas outras vieram. O próprio Christian Barnard, um mês

após este incrível feito, realizou a segunda cirurgia de transplante de coração, desta

vez com maior êxito: o dentista Philip Blaiberg viveu um ano e sete meses com o

coração transplantado.

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Outrossim, segundo Varga55, noticia-se que um transplante de testículos

ocorreu em 29 de agosto de 1978. O Dr. Scherman J. Silber, e sua equipe,

transplantaram o órgão em um homem que nasceu sem testículos. O receptor e o

doador eram gêmeos idênticos e o órgão transplantado funcionou normalmente.

No Brasil, a história dos transplantes inicia-se em 1964, ocasião em que

ocorreu um transplante renal com doador cadáver. A cirurgia ocorreu no Hospital dos

servidores do Rio de Janeiro e prestou-se a transplantar um rim de uma criança de

nove meses de idade, portadora de hidrocefalia, para Sérgio Vieira Miranda, com 18

anos, portador de pielonefrite crônica. Participaram do transplante os cirurgiões Alberto

Gentile, Pedro Abdalla, Carlos Rudge, Oscar Regua, Antônio Carlos Cavalcante e

Ivonildo Torquato. O procedimento não foi registrado por publicação científica, mas foi

divulgado pela imprensa, inclusive no Jornal do Brasil de 18 de abril de 1964.56

Em 1965, foi realizado o primeiro transplante renal com doador vivo, (o doador

e o receptor eram irmãos); o fato foi registrado no Brasil e América Latina. Tal feito foi

realizado no Hospital das Clínicas da faculdade de medicina da Universidade de São

Paulo, por uma equipe chefiada por Emil Sabbaga.

Em 1968, ocorreu o primeiro transplante de coração. A cirurgia foi realizada

pelo Dr. Euclides de Jesus Zerbini, em 26 de maio de 1968. O médico retirou o coração

comprometido do boiadeiro João Ferreira de Barros e colocou em seu lugar o coração

de Luiz Ferreira de Barros, que havia falecido em acidente de trânsito. João faleceu em

22 de junho de 1968.

Também em 1968, em 5 de agosto, a equipe do cirurgião Marcel Cerqueira

César Machado realizou o primeiro transplante de fígado.

No ano de 1989, em 16 de abril, foi realizado o primeiro transplante de pulmão,

no Brasil e América Latina, na Santa Casa de Porto Alegre. O autor do procedimento

foi o cirurgião José Camargo, que transplantou o coração de José Cartenzi, morto em

acidente de motocicleta, para Vilamir Tomaz Westerich. José Cartenzi também foi

55 VARGA, Andrew C. “Problemas de bioética”. Ed. Revisada.Trad. Pe. Guido Edgar Wenzel, S.J. São Leopoldo. Rio Grande do Sul: Unisinos, 1998. p. 195.

56SILVA NETO, Manoel Lemes da Silva Neto. Fatores de Risco para Infecções em Transplante Renal. Dissertação (Mestrado), Goiás, 2006. Disponível em internet: < http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=340>. Acesso em: 25 jun. 2009.

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doador dos órgãos recebidos por Ademar Haupp, dando ensejo ao primeiro transplante

combinado de rim e pâncreas, do Brasil e América Latina.

Em julho de 1999, foi implantado o primeiro coração elétrico (heartmate) no

Brasil. O procedimento foi realizado pela equipe do Dr. Ivo Nesralla do Instituto de

Cardiologia do Rio Grande do Sul. O paciente Dionísio Eloi de 48 anos viveu por mais

de dois anos com o coração artificial e só depois recebeu o coração natural.

Em 2000, foi realizado o primeiro transplante de intestino no Brasil. O

transplante foi realizado através do Programa de Transplante de Fígado e Intestino da

Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, pela equipe chefiada pelo Dr. Maurício Iasi.

O procedimento foi realizado entre crianças.

Como se percebe, a história dos transplantes, sob a perspectiva do êxito, tanto

no Brasil como no mundo, é recente e ainda demanda estudos e avanços científicos

nesta área.

No âmbito legislativo, sobretudo no Brasil, a história não é outra, como se verá

a seguir através de uma análise da evolução normativa brasileira.

3.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA

A legislação brasileira sobre doação e transplantes de órgãos, conforme dito

alhures, é recente. No período das ordenações do Reino, Afonsinas, Filipinas e

Manuelinas não havia regulamentação sobre o assunto.

Nessa época, também não se encontram registros de legislação acerca de

direitos da personalidade, demonstrando a total falta de disciplina jurídica sobre a

matéria. Tal ausência de regulamentação, ao que parece, deve-se ao fato de ainda não

haver desenvolvimento científico nessa matéria.

O esboço de Código Civil, elaborado por Teixeira de Freitas, não trazia

nenhuma disposição a respeito de doação de órgãos e transplantes, bem como não

mencionava expressamente os direitos da personalidade.

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Igualmente, o Código Civil, de 1916, não tratava do assunto referente à doação

de órgãos, transplantes, sequer mencionava expressamente os direitos da

personalidade.

3.2.1 A lei 4.280/1963

A legislação que primeiro regulamentou a matéria foi a Lei 4.280 de 06, de

novembro de 196357, que trazia a ementa a seguir disposta: “Dispõe sobre a extirpação

de órgão ou tecido de pessoa falecida”.

A lei foi duramente criticada, pois trazia a palavra extirpação, dando lugar a

interpretação nefasta de que os órgãos seriam retirados com violência.

Outra crítica, ainda referente à supracitada ementa, foi com relação ao uso da

expressão “pessoa falecida”. Isto porque, se a personalidade jurídica termina com a

morte, o falecido já não é mais pessoa, demonstrando, assim, a impropriedade do

termo usado.

A lei permitia a retirada de órgãos do cadáver somente se houvesse

autorização expressa e por escrito do doador, feita em vida, é claro; ou, na ausência

dessa autorização, quando não houvesse oposição do cônjuge, dos parentes até

segundo grau ou de corporações civis ou religiosas, que fossem responsáveis pelo

destino dos despojos.

Outra importante observação é que a lei somente dispunha sobre possibilidade

de extirpação de órgãos de cadáveres, o que denotava a intenção do legislador em

proibir o transplante entre vivos.

De observar-se que esta lei não fazia expressamente objeção à doação com

caráter não gratuito, razão pela qual também sofreu duras críticas.

As críticas advinham do fato de que, ao não se referir expressamente à

gratuidade da doação, a lei estaria autorizando a comercialização de órgãos para

transplante.

57 BRASIL. Lei nº 4.280, de 6 de novembro de 1963. Poder executivo: Brasília, 1963. O texto integral da lei 4.280/63 se encontra nos anexos deste trabalho.

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44

Um dispositivo interessante e útil ao nosso trabalho é o art. 6º58, que permitia

que a doação post mortem fosse feita a pessoa determinada, sem restringir o ato, no

entanto, à relação de parentesco. Tal dispositivo demonstra precedência na legislação

brasileira da possibilidade de doação dirigida de órgãos post mortem.

Este dispositivo (art. 6º) encontrou resistência na doutrina da época. Contudo,

ao que parece, a resistência deu-se em razão do agrupamento de critérios ensejadores

da comercialização de órgãos.

É que além de permitir que a doação pudesse ser feita a qualquer pessoa, sem

limitar o grau de parentesco, a lei não proibia a disposição onerosa do corpo, o que se

depreende do fato da lei não ter incluído a expressão “doação” em seu texto. E,

saliente-se que, à época não havia nenhum dispositivo legal que proibisse a disposição

onerosa.

Finalmente, não havia critérios para constatação da morte do doador. O art. 3º

da referida lei rezava que:

“para que se realize qualquer extirpação de órgão ou parte de cadáver, é mister

que se esteja provada de maneira cabal a morte atestada pelo diretor do hospital onde

se deu o óbito ou por seus substitutos legais.

3.2.2 A lei 5.279/1968

A lei 5.279, de 10 de agosto de 1968, revogou a lei 4.280/63, trazendo a

ementa adiante exposta: “Dispõe sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e

partes de cadáver para finalidade terapêutica e científica, e dá outras providências”.

Esta lei tentou corrigir alguns equívocos da lei anterior.

A primeira correção veio na ementa em que a palavra “extirpação” foi

substituída pela palavra “retirada”. Houve também a supressão da expressão “pessoa

falecida”, preferindo-se a palavra “cadáver”. 58 Art. 6º “A doação da parte orgânica a extirpar só poderá ser feita a pessoa determinada ou a instituição idônea, aprovada e reconhecida peIo Secretário da Saúde do Estado e pelo Governador ou Prefeito do Distrito Federal”.

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Insta frisar que, malgrado a ementa fosse omissa, a doação de órgãos entre

vivos foi permitida pela lei, em seu art. 10.

Todavia, a retirada de órgãos de doador vivo, só era permitida se fossem órgão

duplos ou tecidos, vísceras ou partes destes, que não implicasse prejuízo ou mutilação

grave ao doador, e desde que a terapêutica fosse comprovadamente indispensável ao

receptor.

A lei não fez qualquer restrição acerca da retirada de órgãos, tecidos ou partes

do doador cadáver. Podendo, inclusive, o doador, quando em vida, escolher o

destinatário de seus órgãos. Conforme se depreende do art. 5º:

Os Diretores de Institutos Universitários e dos Hospitais devem comunicar ao Diretor da Saúde Pública quais as pessoas que fizeram disposições, para post mortem, de seus tecidos ou órgãos, com destino a transplante e o nome das instituições ou pessoas contempladas”.

Assim, percebe-se que o legislador optou por manter o direito de escolha do

doador, quando em vida, do destino de seus órgãos, após a sua morte. Contudo, como

a disposição obrigatoriamente deveria ser gratuita, o caráter mercadológico da

legislação anterior fora afetado.

Ao contrário da lei anterior que era omissa, a lei 5.479/68 proibia

expressamente a disposição onerosa do corpo, a teor do que dispunha o art. 1º. “A

disposição gratuita de uma ou várias partes do corpo post mortem, para fins

terapêuticos é permitida na forma desta Lei”.

Tal lei exigia também o consentimento expresso do doador, em seu art. 3º, que

estabelecia as formas de manifestação válidas: manifestação expressa do disponente;

manifestação de vontade através do instrumento público, quando forem disponentes

incapazes; autorização escrita do cônjuge não separado, e, sucessivamente, de

descendentes e colaterais ou das corporações religiosas ou civis responsáveis pelos

despojos; na falta de responsáveis, a retirada somente poderia ser feita com a

autorização do Diretor da Instituição, onde tivesse ocorrido o óbito, sendo ainda

necessária esta autorização, nas condições dos itens anteriores.

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46

A lei proibia a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo de menores e

incapazes.

Outrossim, o artigo 4º, parágrafo único,59 somente permitia a realização de

transplante se o receptor não pudesse obter melhora por outro meio de tratamento ou

cirurgia.

3.2.3 A lei 8489/92 e o Decreto 879/9360

Após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 199,

parágrafo 4º, dispunha sobre o assunto, o legislador ordinário regulou a matéria através

da lei 8.489/92.

É que o art. 199, parágrafo 4º, deixou ao legislador ordinário a tarefa de

regulamentar a matéria, ao trazer o seguinte texto:

[a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização (grifo nosso).

Assim, nasceu a lei 8.489/1992 regulamentada pelo Dec. 879, de 22 de julho de

1993, revogando expressamente a lei 5.479/68 e contendo a seguinte ementa: “dispõe

sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins

terapêuticos e científicos e dá outras providências”.

A nova lei e o decreto que a regulamentou, em suma, trataram dos seguintes

temas:

59 Art. 4º “A retirada e o transplante de tecidos, órgãos e partes de cadáver, somente poderão ser realizados por médico de capacidade técnico comprovada, em instituições públicas ou particulares, reconhecidamente idôneas e autorizadas pelos órgãos públicos competentes. Parágrafo único. O transplante somente será realizado se o paciente não tiver possibilidade alguma de melhorar através de tratamento médico ou outra ação cirúrgica”.

60 O texto completo da lei e do decreto encontra-se nos Anexos deste trabalho.

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Inovou ao não permitir a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo humano

para fins de pesquisa, conforme se depreende do art. 1º, § 1°, do Dec. 879/93, que

a regulamenta: “§ 1° A disposição gratuita, a retirada e o transplante de tecidos, ou

partes do corpo humano vivo será admitida apenas para fins terapêuticos e

humanitários”.

Seguiu o exemplo da lei anterior ao determinar que a disposição do corpo

deveria ser gratuita, em consonância com o preceito constitucional61.

Indicava também a necessidade de consentimento expresso do doador, quando

em vida, através de documento pessoal ou oficial, segundo o art. 3º, I. No inc. II, cuja

redação segue abaixo, tem-se indícios do consentimento presumido que tornou-se

temporariamente62 expresso na lei 9.434/97: “a lei disporá sobre as condições e os

requisitos que facilitem a remoção”.

Em conformidade com as legislações anteriores, a lei manteve a imposição de

que o transplante somente seria realizado quando não implicasse prejuízo para o

disponente e quando a utilização da técnica fosse comprovadamente indispensável

para o paciente receptor.

Dá preferência aos transplantes realizados com órgãos, tecidos ou partes de

cadáveres (art. 6º, do Decreto 879/93).

Também fora mantida, quanto à doação em vida, a ressalva de que a doação

só poderia ser efetivada se os órgãos doados fossem dúplices ou se as partes dos

órgãos, tecidos e vísceras ou partes do corpo humano não implicassem prejuízo ou

mutilação grave ao disponente.

A referida norma instituiu os limites para doação. Somente era autorizada a

doação entre avós, netos, pais, filhos, irmãos, tios, sobrinhos, primos até 2º grau

inclusive, cunhados e entre cônjuges, devendo o disponente indicar na autorização que

61 “Art. 2º. Os tecidos, órgãos e partes do corpo humano são insusceptíveis de comercialização”.

62 “Temporariamente”, porque em 2001, a Lei 10.211/01 alterou tal dispositivo. Valendo, atualmente, o consentimento expresso.

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parte do corpo especificamente gostaria de doar. (art. 10, parágrafo 3º).63 O Poder

Judiciário era o único que poderia autorizar a doação a terceiros.

Outra inovação foi a adoção do critério da morte encefálica (art. 12 do dec.

879/93) 64.

Dispôs também acerca da responsabilidade penal dos infratores da lei, sem

prejuízos de sanções civis e administrativas.

Importante, ainda, é a novidade trazida no art. 20 do decreto 879/9365. Tal

artigo cria o que se chamará posteriormente – pela lei 9.434/97 – de “lista única de

transplante”. Dessa forma, percebe-se que o mencionado artigo foi a mola propulsora

para a proibição da escolha pelo doador na doação de órgão post mortem.

3.2.4 O Código Civil de 2002

Antes de adentrarmos no estudo da atual lei de Transplantes a lei 9.434/97,

convém analisar o Código Civil vigente. Embora se trate de lei posterior, por questão

da dinâmica do presente trabalho, sua análise será feita em momento anterior à análise

da lei 9.434/97.

63 “Art. 10. É permitida à pessoa maior e capaz dispor gratuitamente de órgãos, tecidos ou partes do próprio corpo vivo para fins humanitários e terapêuticos. § 1º A permissão prevista no caput deste artigo limita-se à doação entre avós, netos, pais, filhos, irmãos, tios, sobrinhos, primos até segundo grau inclusive, cunhados e entre cônjuges. § 2º Qualquer doação entre pessoas não relacionadas no parágrafo anterior somente poderá ser realizada após autorização judicial. § 3º O disponente deverá autorizar especificamente o tecido, órgãos ou parte do corpo objeto da retirada”. 64 “Art. 12. A notificação, em caráter de emergência, em todos os casos de morte encefálica comprovada, tanto para hospital público, como para a rede privada, é obrigatória”. 65 “Art. 22. Depois da notificação da existência de tecidos, órgãos ou partes do corpo disponíveis para transplante, observados os critérios do cadastro técnico (ordem cronológica de inscrição associada, quando necessário à verificação da compatibilidade sanguínea e imunológica e a gravidade da enfermidade), a Central de Notificação da Secretaria de Saúde do Estado selecionará mais de um indivíduo receptor, até o máximo de dez, e os encaminhará ao hospital responsável pela realização do transplante. § 1° O hospital, observados outros critérios médicos, determinará o paciente que será o receptor do tecido, órgão ou parte do corpo.”

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Como dito alhures, o código de 1916 não trazia dispositivos referentes à doação

de órgãos, em razão de quase inexistência de tais procedimentos na época. A história

dos transplantes no Brasil é bastante recente, sendo que o primeiro transplante

registrado no país ocorreu em 1964.

O legislador ordinário, contudo atento às inovações tecnológicas no período e

seguindo disposição da Carta Magna de 1988, resolveu a omissão quando, ao editar a

Lei 10.406/2002, destinou o Capítulo II66 ao estudo dos direitos da personalidade.

Nesse contexto, os arts. 13 e14 do Código vigente tratam da doação entre vivos

e da doação post mortem, respectivamente.

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

Assim, seguindo o preceito constitucional insculpido no art. 199 da CR, o

Código Civil atual permitiu a disposição do corpo em vida e após a morte, desde que

gratuita.

66 Capítulo intitulado: “Dos Direitos da Personalidade”.

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3.3 A LEI 9.434/97 E O DECRETO 2.268/97

Hodiernamente, a Lei 9.434/97 regulada pelo Decreto 2.268/97 trata da

remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e

tratamento no direito brasileiro.

O legislador andou bem ao dividir a lei em seis partes, separando a doação

entre vivos e a doação post mortem, a saber:

I – Das disposições gerais;

II – Da disposição post mortem de tecidos, órgãos e partes do corpo humano

para fins de transplante;

III - Da disposição de tecidos, órgãos e partes do corpo humano vivo para fins

de transplante ou tratamento;

IV – Das disposições complementares;

V – Das sanções penais e administrativas;

V – Das disposições finais.

A seguir serão analisados os principais aspectos trazidos pela lei.

Inicialmente, vale lembrar que o texto original da lei, em seu art. 4º67, trazia o

consentimento presumido na doação de órgãos post mortem. Vale dizer, seria

considerado doador aquele que, constatada a morte encefálica, não tivesse, em vida,

manifestado expressamente na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de

Habilitação, a sua condição de não doador.

Ocorre que, diante das pressões sociais, o legislador viu-se compelido a alterar

o dispositivo, o que foi feito através da MP n. 1718 de 06/10/1998, em seguida da MP

n. 1959-27, de 24/10/2000 e, por fim, da lei 10211, de 23/03/2001.

Sobre o tema alertam os autores Pessini e Barchifontaine68:

67 “Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplante ou terapêutica post mortem.”

68 PESSINI, Leocir; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 7. ed., rev. e ampl. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2005. p. 337.

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[burocratas e tecnocratas no âmbito da saúde tentaram impor ao povo brasileiro a chamada doação presumida, isto é, todos são considerados doadores, a não ser que exista uma prova documental em contrário. [...] A reação da população surgiu na troca de documento de identidade, rejeitando a obrigatoriedade estabelecida pela lei. [...] Informações do Ministério da Saúde revelam que desde a vigência da lei, 90% das famílias não autorizavam a retirada de órgãos de parentes mortos. A credibilidade e a viabilidade do sistema de transplantes ficaram abaladas.

Atualmente, o dispositivo 4º, da referida lei, alterado pela lei 10.211/01, afirma

que doador de órgão em transplante post mortem será aquele que, em vida,

manifestou sua vontade de fazê-lo ou quem os parentes consentirem expressamente

na retirada do órgão.69

Qualquer pessoa capaz pode doar órgãos em vida, desde que se trate de

órgãos duplos ou partes renováveis do corpo humano que não coloquem em risco sua

vida ou integridade física e não comprometam suas funções vitais.

Na doação em vida, o doador poderá escolher o destinatário de seus órgãos.

Tal escolha está limitada ao cônjuge e parentes consanguíneos até o 4º grau, podendo

recair sobre terceiro não incluído acima, desde que autorizado judicialmente. Quando

se tratar de medula óssea, a lei permitiu que a escolha recaísse sobre terceiro,

independentemente de autorização judicial (art. 9º)70.

Outra questão também abordada pela lei, em consonância com as legislações

anteriores, foi a gratuidade da disposição do corpo.

69 “Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”.

70 Art. 9o “É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea”.

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Seguindo a legislação anterior (art. 12 do dec. 879/93), a lei atual adotou o

critério de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes

da equipe de remoção, sendo permitida a presença do médico da família no ato da

comprovação da morte.

O direito ao consentimento informado do receptor do órgão, tecidos ou partes

do corpo não foi esquecido pelo legislador. Nesse contexto, o médico tem o dever de

informar ao paciente acerca dos benefícios e riscos do procedimento. O direito ao

consentimento informado também se estende ao doador do órgão, tecidos ou partes do

corpo. Aqui, também, pode o receptor recusar o transplante, na forma do art. 10 da lei.

A lei elenca, na Seção I, os crimes; bem como, na Seção II, as infrações

administrativas.

Juntamente com o decreto 2.268/97, a lei 9.434/97 cria o Sistema Nacional de

Transplante (SNT) que deverá desenvolver o processo de captação e distribuição de

órgãos, tecidos e partes retiradas do corpo humano para finalidades terapêuticas.

Integram o SNT: o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados e

do Distrito Federal, as Secretarias de Saúde dos Municípios ou Órgãos equivalentes,

os Estabelecimentos Hospitalares Autorizados e a Rede de Serviços Auxiliares

necessários à realização de transplantes.

O Ministério da Saúde é o órgão central e possui as seguintes atribuições:

a. coordenar as atividades de que trata este Decreto;

b. expedir normas e regulamentos técnicos para disciplinar os procedimentos

estabelecidos no Decreto e para assegurar o funcionamento ordenado e harmônico do

SNT e o controle, inclusive social, das atividades que desenvolva;

c. gerenciar a lista única nacional de receptores, com todas as indicações

necessárias à busca em todo o território nacional, de tecidos, órgãos e partes

compatíveis com as suas condições orgânicas;

d. autorizar estabelecimentos de saúde e equipes especializadas a promover

retiradas, transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes;

e. avaliar o desempenho do SNT, mediante análise de relatórios recebidos

dos órgãos estaduais e municipais que o integram;

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f. articular-se com todos os integrantes do SNT para a identificação e

correção de falhas verificadas no seu funcionamento;

g. credenciar centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos;

h. indicar, dentre os órgãos mencionados no inciso anterior, aquele de

vinculação dos estabelecimentos de saúde e das equipes especializadas, que tenha

autorizado, com sede ou exercício em Estado, onde ainda não se encontre estruturado

ou tenha sido cancelado ou desativado o serviço.

O Decreto 2.268/97 determinou que se criassem órgãos similares no âmbito

dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, devendo, quando da criação solicitar

credenciamento junto ao órgão central.

O mencionado decreto criou também as Centrais de Notificação, Captação e

Distribuição (CNCDOs) que são unidades executivas das atividades do SNT, afetadas

ao Poder Público. As CNCDOs têm as seguintes atribuições:

a. coordenar as atividades de transplantes no âmbito estadual;

b. promover a inscrição de potenciais receptores, como todas as indicações

necessárias à sua rápida localização e à verificação de compatibilidade do respectivo

organismo para o transplante ou enxerto de tecidos, órgãos e partes disponíveis, de

que necessite;

c. classificar os receptores e agrupá-los segundo as indicações do decreto,

em ordem estabelecida pela data de inscrição, fornecendo-se-lhes o necessário

comprovante;

d. comunicar ao órgão central do SNT as inscrições que efetuar para a

organização da lista nacional de receptores;

e. receber notificações de morte encefálica ou outra que enseje a retirada de

tecidos, órgãos e partes para transplante, ocorrida em sua área de atuação;

f. determinar o encaminhamento e providenciar o transporte de tecidos,

órgãos e partes retirados ao estabelecimento de saúde autorizado, em que se

encontrar o receptor ideal;

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g. notificar o órgão central do SNT de tecidos, órgãos e partes não

aproveitáveis entre os receptores inscritos em seus registros para utilização dentre os

relacionados na lista nacional;

h. encaminhar relatórios anuais ao órgão central do SNT sobre o

desenvolvimento das atividades de transplante em sua área de atuação;

i. exercer controle e fiscalização sobre as atividades de que trata este

Decreto;

j. aplicar penalidades administrativas por infração às disposições da Lei nº

9.434, de 1997;

k. suspender, cautelarmente, pelo prazo máximo de sessenta dias,

estabelecimentos e equipes especializadas, antes ou no curso do processo de

apuração de infração que tenham cometido, se, pelos indícios conhecidos, houver

fundadas razões de continuidade de risco de vida ou de agravos intoleráveis à saúde

das pessoas;

l. comunicar a aplicação de penalidades ao órgão central do SNT, que a

registrará para consulta quanto às restrições estabelecidas no §2º do art. 21 da Lei

nº9.434, de 1997, e cancelamento, se for o caso, da autorização concedida;

m. acionar o Ministério Público do Estado e outras instituições públicas

competentes, para reprimir ilícitos cuja apuração não esteja compreendida no âmbito

de sua atuação.

O decreto 2.268/97 também determina que a retirada de tecidos, órgãos e

partes e o seu transplante ou enxerto só poderá ser realizada por equipes

especializadas e em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, com prévia e

expressa autorização pelo Ministério da Saúde.

De observar-se que a autorização será concedida a título precário, por dois

anos, renováveis por períodos iguais e sucessivos.

No que tange às equipes especializadas, tem-se que os membros de uma

equipe especializada poderão integrar outra equipe, desde que nominalmente

identificados na relação de ambas.

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Quanto aos estabelecimentos de saúde, estes deverão contar com serviços e

instalações adequados à execução de retirada, transplante ou enxerto de tecidos,

órgãos ou partes. Deve atender às seguintes exigências mínimas no ato de

requerimento de autorização:

a. atos constitutivos, com indicação da representação da instituição, em juízo

ou fora dele;

b. ato de designação e posse da diretoria;

c. equipes especializadas de retirada, transplante ou enxerto, com vínculo

sob qualquer modalidade contratual ou funcional, autorizadas;

d. disponibilidade de pessoal qualificado e em número suficiente para

desempenho de outras atividades indispensáveis à realização de exames e análises

laboratoriais necessários aos procedimentos de transplantes;

No que tange aos médicos participantes das equipes especializadas, estes

deverão requerer autorização, comprovando:

a. certificado de pós-graduação, em nível, no mínimo, de residência médica ou

título de especialista reconhecido no País;

b. certidão negativa de infração ética, passada pelo órgão de classe em que

forem inscritos.

Ainda como matéria trazida pela lei, pode-se elencar os critérios para seleção

do doador do órgão. O art. 2º, parágrafo único da lei dispõe os transplantes somente

poderão ser realizados desde que tenham sido feitos todos os testes de triagem para

diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas

pelo Ministério da Saúde.

Também os referidos dispositivos criaram a lista única nacional de receptores.

Com isso, fica proibida a escolha pelo doador do destinatário de seus órgãos, após a

sua morte. Isto porque, o art. 30 diz que os tecidos, órgãos ou partes não poderão ser

transplantados em receptor não indicado pelas CNCDOs.

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Além da Lei 9.434/97, e do Decreto 2.268/97, existem alguns dispositivos que

regulam a matéria de doação de órgãos e transplantes. A autora Diniz71 elenca

algumas portarias editadas pelo Ministério da Saúde, cuja colação vem enriquecer o

presente trabalho.

1) Portaria 3.407/98 do Ministério da Saúde. Esta portaria aprova o regulamento

técnico sobre as atividades de transplante e dispõe sobre a Coordenação Nacional de

Transplantes.

2) Portaria 935/99 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as atividades de

transplantes conjugado de rim e pâncreas e do transplante isolado do pâncreas.

3) Portaria 294/99 da Secretaria de Assistência à Saúde, que trata das

instruções quanto à realização e cobrança dos transplantes de órgãos no SUS.

4) Portaria 91/2001 do Ministério da Saúde, que estabelece normas para fins de

distribuição de órgãos pelas CNNCDOs.

5) Portaria 92/2001, que traça normas procedimentais sobre remuneração de

atividades de busca ativa de doador de órgãos e tecidos.

6) Portaria Nº 1.807, de 02 de agosto de 2006, que altera a composição do

Grupo Técnico de Assessoramento (GTA) da Coordenação do Sistema Nacional de

Transplantes (CSNT).

7) Resolução n. 1.480 de 08 de agosto de 1997, do Conselho Federal de

Medicina, que estabelece critérios e requisitos para determinação da morte encefálica.

8) Portaria n. 2.109 de 26 de fevereiro de 1998, que estabelece normas para

credenciamento das centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos, e

autorização para estabelecimentos e equipes especializadas promoverem retiradas,

transplantes ou enxertos de tecidos e órgãos.

9) Portaria nº 3.409, de 05/08/1998, do Ministro da Saúde, que instituiu a

Câmara Nacional de Compensação de Procedimentos Hospitalares de Alta

Complexidade e definiu os procedimentos de Alta Complexidade (Transplantes).

71 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2.ed. aum. e atual. de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406 de 10-01-1002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 265-269.

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10) Portaria nº 3.410, de 05/08/1998, do Ministro da Saúde, que cria os Grupos

de Procedimentos e Procedimentos: busca ativa de doador de órgãos: localização e

abordagem de possível doador; avaliação de morte encefálica em menores de 2 anos;

avaliação em maiores de 2 anos e fixou seus valores.

11) Portaria nº 3.411, de 05/08/1998, do Ministro da Saúde, que determina ao

grupo Técnico de Assessoramento de que trata a Portaria GM/MS/Nº 3407/98, a

realização de estudos visando o aperfeiçoamento da Lei nº 9.434, de 1997.

12) Portaria nº 263, de 31/03/1999, do Ministro da Saúde, que estabeleceu que

a utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para fins científicos somente

será permitida depois de esgotadas as possibilidades de sua utilização em

transplantes.

13) Portaria 1.060/06 que Modifica os critérios de distribuição de fígado de

doadores cadáveres para transplante, implantando o critério de gravidade de estado

clínico do paciente.

3.3.1 Algumas questões sobre a doação de órgãos 3.3.1.1 Doação em vida

Inicialmente, cumpre analisar alguns aspectos da doação de órgãos com

doador vivo.

Almeida e Romero Muñoz72 dividem os transplantes intervivos em três

categorias:

[transplante de tecidos, significando eventualmente pele, sangue, esperma e todos os tecidos que se pode, sem grandes dificuldades, remover de seres vivos, já que são renováveis; os transplantes de órgãos propriamente ditos, obviamente, têm que ficar restritos aos órgãos duplos. Há também a questão da remoção de segmento de

72 ALMEIDA, Marcos; ROMERO MUÑOZ, Daniel. Doação e transplante de órgãos e tecidos. In: SEGRE, Marcos; COHEN, Claudio (Org.). Bioética. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. p. 149.

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órgãos. Sabe-se, atualmente, que se faz com certo sucesso transplante de segmento de fígado e de intestino; quanto aos transplantes de órgãos de animais, eles, são, hoje em dia, uma etapa provisória, enquanto se fica à espera de um transplante definitivo de órgãos humanos, porque se esbarra claramente no problema da rejeição.

A lei 9.434/97, conforme visto no tópico anterior, tratou a doação intervivos em

capítulo próprio.

O capítulo III da referida lei, composto por dois artigos, trata da matéria e

contém a seguinte ementa: “da disposição de tecidos, órgãos e partes do corpo

humano vivo para fins de transplante ou tratamento”.

O art. 9º permite que a pessoa juridicamente capaz disponha de forma gratuita

de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para

transplantes.

Assim, da primeira parte do dispositivo podemos captar três requisitos:

capacidade, gratuidade e finalidade terapêutica e para transplantes.

No tocante à capacidade, os arts. 3º e 4º, do código civil, tratam da

incapacidade absoluta e relativa, respectivamente. Assim, segundo os dispositivos do

código civil combinados com o art 9º da lei, não podem doar: os menores de dezesseis

anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário

discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não

puderem exprimir sua vontade; os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o

discernimento reduzido; excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e os

pródigos.

Contudo, o próprio artigo 9º, no parágrafo 6º, excepciona a regra ao permitir

que o indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada,

possa fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja

consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o

ato não ofereça risco para a sua saúde.

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Quanto à gratuidade, a norma seguiu o legislador constituinte, no sentido de

impedir o comércio de órgãos.

Outra questão a ser mencionada, é a finalidade da doação, pois, segundo o

dispositivo, a doação deve ser efetuada para fins terapêuticos e transplantes. É dizer

que: o legislador proibiu a doação com fins científicos para evitar discussão ética

acerca de tal questão.

O mesmo dispositivo permite, que o doador escolha o destinatário, sendo que a

escolha somente poderá recair sobre a pessoa do cônjuge ou dos parentes

consanguíneos até o quarto grau, inclusive. Pode, ainda, recair sobre qualquer outra

pessoa por autorização judicial, que será dispensada se for doação de medula óssea.

Tal dispositivo que limita a autonomia do doador tem como fundo o combate à

mercantilização do corpo humano.

O § 3º, deste artigo, só permite que seja feita a doação quando se tratar de

órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo, cuja retirada não

impeça o doador de continuar vivendo, sem risco para a sua integridade, e não

represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental, e não

cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade

terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.

Assim, elencam-se aqui também outros requisitos para que a doação de órgãos

intervivos seja permitida: órgãos dúplices; que as partes de órgãos, tecidos ou partes

do corpo retiradas não venham a afetar gravemente o doador e que haja necessidade

comprovada de que a terapêutica é indispensável à pessoa receptora.

O comentário que se faz a este parágrafo é que o mesmo traz em seu bojo os

princípios da subsidiariedade e da necessidade dos transplantes.73

73 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 53.

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O princípio da subsidiariedade porque a técnica de transplante somente deverá

ser utilizada na hipótese de não existir outro tratamento ou ato cirúrgico que sirva para

melhorar a condição do paciente.

O princípio da necessidade porque o transplante só poderá ser realizado

quando não implicar prejuízo para o doador e desde que corresponda a uma

necessidade terapêutica para o receptor.

Os §§ 4ºe 5º tratam da autorização do doador que deve ser expressa de

preferência por escrito e diante de duas testemunhas, indicando especificamente o

tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada. Poderá ser revogada pelo doador ou

pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização.

O § 7º veda à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo,

exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de

medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto. Tal dispositivo visa a

garantir a integridade física do feto.

Ainda sobre a gravidez, o art. 9o-A garante o direito à mulher de ser informada

sobre as possibilidades e os benefícios da doação voluntária de sangue do cordão

umbilical e placentário, durante o período de consultas pré-natais e no momento da

realização do parto.

O § 8º, do art. 9º da lei trata do autotransplante. Necessário se faz aqui explicar

o que seria autotransplante.74

74 Maria Helena Diniz define autotransplante ou autoenxerto como um procedimento “no qual há transferência de órgão ou tecido de uma parte do organismo para outra, sendo doador e receptor a mesma pessoa, por exemplo, quando se transferem pele, ossos, veias etc.”. Saliente-se que, aqui, a autora, como a maioria da doutrina, não faz diferenciação entre enxerto e transplante. In: DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2.ed. aum. e atual. de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406 de 10-01-1002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 265-269.

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Sobre o autotransplante, o dispositivo afirma que depende apenas do

consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for

juridicamente incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais.

O dec. 2.268/97, art. 20, a esse respeito, determina que a retirada do tecido,

órgão ou parte do corpo humano deverá ser comunicada ao Ministério Público e

dependerá da verificação das condições de saúde do doador para melhor avaliação de

suas consequências e comparação após o ato cirúrgico.

Este dispositivo visou garantir o direito à integridade física do doador, para

evitar que haja uma troca de vidas, pois salvar ou melhorar a vida de uma pessoa não

justifica retirar a vida de outra, salvo nos casos estritos trazidos pelo código penal.

Nesse sentido, Sá traz alguns casos75. O primeiro deles ocorreu na 2ª Vara da

Comarca de Assis, em 1981. Trata-se do caso de um portador de retardo mental

(mongolismo), o único parente de seu pai e que poderia doar-lhe um rim para salvar

sua vida. O juiz Irineu Antônio Pedroti negou o pedido da mãe sob o fundamento de

que, como ficou demonstrado que o deficiente estaria sujeito a complicações e

infecções em decorrência de baixo índice de defesa imunológica, portanto, com o risco

cirúrgico aumentado em comparação ao de uma pessoa normal, percebe-se que

existem dúvidas sobre o sucesso do transplante e sobre a vida do doador.

A autora também conta o caso de uma menina de cinco anos de idade, com

insuficiência renal progressiva, que não conseguia se adaptar bem ao procedimento da

hemodiálise crônica. Depois de considerada a hipótese de ter que realizar transplante

renal, a paciente se submeteu a exames que demonstraram que possuía

características de histocompatibilidades difíceis de serem encontradas em um doador e

que o pai era histocompatível e possuía características anatômicas circulatórias que

favoreciam o transplante. Entretanto, o pai da criança manifestou ao médico a sua

decisão em não doar o rim, explicando que sentia medo da cirurgia, que o prognóstico

era incerto e que haveria a possibilidade ainda que remota de obter o rim de um doador 75 SÁ, Maria de Fátima Freire. Biodireito e direito ao próprio corpo: doação de órgãos incluindo o estudo da Lei n. 9.434/97. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

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cadáver. O pai da menina pediu ainda ao médico que não revelasse à família o

verdadeiro resultado de seu teste, o que foi feito pelo profissional.

Em suma, pode-se dizer que as principais considerações acerca do tema são76:

1) o órgão ou tecido não devem ser necessários para a vida ou a saúde do

doador;

2) a doação deve ser consciente, livre e gratuita;

3) o consentimento do doador e do receptor deve ser informado;

4) os possíveis benefícios devem ser proporcionais aos danos causados ao

doador.

3.3.1.2 Doação post mortem

O capítulo II, da Lei 9.434/97, intitulado “Da disposição post mortem de tecidos,

órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante” traça os principais

elementos sobre a matéria.

O primeiro artigo deste capítulo, o art. 3º,77 determina o critério da morte

encefálica como parâmetro para retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano

de cadáveres. A respeito do critério adotado pelo legislador pátrio e das exigências para

constatação da morte encefálica, tratar-se-á em tópico próprio.

A legislação também trata da autorização para retirada dos órgãos, tecidos ou

partes do corpo humano. O art. 4º afirma que a retirada somente se dará se autorizada

76 Id., Ibidem, p. 286-287.

77 Art. 3º “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”.

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pelo cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou

colateral, até o segundo grau inclusive, havendo a necessidade de duas testemunhas

para subscreverem o documento firmado78.

A lei permite ainda a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do

corpo de pessoa juridicamente incapaz, desde que permitida expressamente por ambos

os pais, ou por seus responsáveis legais.

Em contrapartida, a lei proíbe a retirada de post mortem de tecidos, órgãos ou

partes do corpo de pessoas não identificadas.

Outrossim, o referido dispositivo legal condiciona o transplante ao

consentimento expresso do receptor do órgão, sendo que este necessariamente deverá

estar inscrito na lista única de transplante criada pelo Estado79.

Também o decreto 2.268/97 regulamenta a matéria, repetindo, por óbvio, a

linha da lei 9.434/97.

Nesse sentido, o referido decreto traz como critério para determinação da morte

o critério da morte encefálica80, além de elencar alguns elementos que devem ser

observados no diagnóstico de morte encefálica, que serão analisados no tópico

seguinte.

78 Art. 4o “A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”.

79 Art. 10. “O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento”.

80 Art. 16. “A retirada de tecidos, órgãos e partes poderá ser efetuada no corpo de pessoas com morte encefálica”.

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O decreto 2.268/97, da mesma forma, é incisivo ao proibir que tecidos, órgãos

ou partes sejam transplantados em receptor não indicado pelas CNCDOs.

Traçadas as considerações gerais a respeito da doação de órgãos, tecidos e

partes do corpo humano post mortem, cabe analisar os critérios estabelecidos pela

legislação para o transplante.

3.3.1.2.1 Critérios para constatação da morte

O primeiro critério a ser analisado é o da morte encefálica.

O Capítulo II da Lei 9.434/97, com seis artigos, trata da matéria e tem a seguinte

ementa: Da Disposição Post Mortem de Tecidos, Órgãos e Partes do Corpo Humano

para fins de Transplante.

O art. 3º reza que:

[a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”. (Grifo nosso).

Questão bastante importante aqui é a referente à morte e o critério de

determinação de sua ocorrência.

Segundo o que dispõe o art. 6º do código civil, a morte é o fim da pessoa

natural.81

81 “Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”.

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O dicionário Aurélio82 define morte como: “sf. 1. Med. Cessação da vida. 2.

Termo, fim. 3. Destruição, ruína. 4. Pesar profundo.

Entretanto, tais definições não passam de consequências quer sejam jurídicas,

quer sejam práticas.

Com efeito, não há dúvida de que morte significa a cessação irreversível de

todas as funções vitais do indivíduo, mas o momento em que isso ocorre ainda é

discutível. Assim, se faz necessário, portanto, ir além das consequências para

determinar-se o momento da morte.

Nesse sentido, Casabona afirma: “a morte é um processo irreversível, seu

momento deverá ser determinado em função desta peculiaridade”83.

Com efeito, com o avanço das ciências e, consequentemente, a melhora nas

técnicas dos transplantes que possibilitaram o prolongamento da vida através de meios

artificiais, tais definições não conseguem identificar ou determinar o momento da

morte, cuja importância é crucial para os transplantes.

Isto porque, o momento de determinação da morte envolve muitas questões,

sobretudo, éticas, que não podem ser esquecidas.

Há três ou quatro séculos atrás, a morte era verificada quando constatado o

estado de putrefação do cadáver. Em seguida, determinava-se pelo estado de rigidez e

resfriamento apresentado pelo cadáver, a cessação da respiração e a parada

cardíaca84.

82 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 7. ed. Revisado conforme acordo ortográfico. Curitiba: Editora Positivo, 2009. p. 565.

83 CASABONA, Carlos María Romeo; Sá, Maria de Fátima Freire de. (Org.) “Desafios jurídicos da biotecnologia”. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, p. 162.

84 CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplantes. 2.ed. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.50.

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Só depois, com o avanço nas técnicas científicas, é que se chegou ao critério

de morte encefálica. Nesse contexto, o transplante de coração realizado por Christian

Barnard serviu como questionamento do conceito de morte até então vigente, que era

a morte cardíaca.

Existem algumas teorias que tratam da definição do momento da morte, dentre

elas as mais importantes são: a teoria da morte cerebral superior e a teoria da morte

encefálica total.

Segundo a teoria da morte cerebral superior, o ser humano é definido pelas

funções nervosas superiores, que usam como instrumento os hemisférios cerebrais.

Assim, sem tais funções, a pessoa estaria no que se chama de estado vegetativo

persistente (EVP). Neste estado, diz-se que o paciente não se encontra com as

funções cerebrais mais elaboradas, todavia, as funções do tronco cerebral

permanecem intactas. Alguns movimentos espontâneos podem ocorrer, sem significar

que estão interagindo com o ambiente externo.

Estudos demonstram que pessoas consideradas em estado vegetativo

persistente podem recuperar a consciência. Há registros de vários casos dramáticos

em que os médicos atestaram a morte do paciente que, posteriormente, veio a

recuperar a consciência. Registra-se que houve um estudo envolvendo 84 pessoas,

consideradas em “persistente estado vegetativo” pelos médicos. O estudo demonstrou

que, dessas 84 pessoas, 41% delas recobraram a consciência dentro de seis meses e

58% recobraram a consciência dentro de três anos. 85

Exemplo disso é o caso ocorrido em Barry's Bay, Ontário, em que os médicos

atestaram a morte cerebral comatosa de um senhor de 79 anos de idade, Harold

Cybulski, e estavam prontos para desligar os aparelhos que o mantinham vivo. A

família estava se despedindo do paciente, quando seu neto adentrou no quarto e gritou

85 SEVERO, Julio. Eutanásia: matando os doentes, deficientes, e os idosos em nome da compaixão. Perspectiva do futuro próximo baseada em fatos passados e recentes. Disponível na internet em: < http://www.jesussite.com.br/download/EUTANASIA_Julio_Severo.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2009.

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“Avô”! Imediatamente, Harold Cybulski acordou, sentou-se e colocou seu netinho no

colo. Após seis meses do ocorrido, Harold Cybulski voltou a sua vida normal.

Existem registros na literatura médica de casos que comprovam exatamente

que estes critérios são falhos.

O jornal Daily Mail, da Inglaterra, de 18 de julho de 2000, relata: “Quase metade

dos pacientes considerados em ‘estado vegetativo’ em consequência de danos

cerebrais foram diagnosticados de maneira errada, de acordo com um alarmante

estudo científico.” 86

A CNN noticiou, em 21 de dezembro de 2000, outro caso, desta vez, no México,

sobre uma mulher, Patrícia White Bull, que estava em coma há 16 anos, e acordou.87

Outro caso também registrado foi o da menina Teisa Franklin que, com quase

dois anos de idade, engoliu uma quantidade imensa de drogas antidepressivas, em 4

de fevereiro de 1988, e entrou em coma profundo. Depois, levada ao Hospital Mercy,

os médicos fizeram um exame, após o que declararam-lhe o cérebro clinicamente

morto e afirmaram que ela seria uma boa candidata para a doação de órgãos.

Contudo, 18 horas depois do diagnóstico de morte cerebral, ela começou a se

recuperar e, após 1 semana, ela foi liberada do hospital”88.

A teoria da morte encefálica total afirma, prudentemente, que a morte ocorre

quando há morte no tronco encefálico, local onde se encontram os centros nervosos

superiores. Ocorre a morte quando há ausência de atividade encefálica comprovada

por exames laboratoriais requeridos pela Res. 1.480/97 do CFM.

86 SEVERO, Julio. Eutanasia: matando os doentes, deficientes, e os idosos em nome da compaixão. Perspectiva do futuro próximo baseada em fatos passados e recentes. Disponível na internet em: < http://www.jesussite.com.br/download/EUTANASIA_Julio_Severo.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2009.

87 Id., Ibid.

88 CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplantes. 2.ed. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.50.

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Nesse sentido, Chaves89 adverte que o que atualmente se entende por morte

encefálica não se confunde com o conceito de morte cerebral que consiste em:

[estabelecer, com minuciosos exames clínico-neurológicos e pelo chamado teste de supressão ou teste de apneia, respaldados por exame complementar que demonstre inequivocamente a ausência de atividade cerebral, ou de circulação sanguínea cerebral, a ocorrência de lesão irreversível do encéfalo como um todo.

Nesse sentido, morte cerebral é a perda da consciência, é falta de oxigênio

(anóxia) produzindo lesões irreversíveis no cérebro, ocasionando a vida vegetativa em

alguns casos; enquanto morte encefálica é a parada irreversível não só do cérebro,

como também do tronco cerebral (mesencéfalo, ponte, bulbo raquídeo e cerebelo).

Dessa forma, ao contrário da morte cerebral a pessoa perde a capacidade de

relacionar-se. Na morte encefálica, além do indivíduo perder a capacidade de

relacionar-se, compromete a vida vegetativa que passa a ser artificial.90

Também a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) faz a distinção.

Segundo Manreza91, neurocirurgião e membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia

(SBN), o conceito de morte encefálica no Brasil:

[foi feito por ocasião do primeiro transplante a partir de cadáver, em 1968, através de critérios eletroencefalográficos. Em 1983, tal critério passou a basear-se na constatação clínica: coma aperceptível, com

89 CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplantes. 2.ed. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 50 - 51.

90 TEIXEIRA, Iso Jorge. A sublimidade da morte. Mortes cardíacas, cerebrais e encefálicas. Eutanásia. Situação do Espírito e seu aprendizado. Disponível em: <http://www.ameporto.org/pt/medico/morte.htm>. Acesso em 30 jul. 2009.

91BANDEIRA, Cláudio. Morte cerebral X Morte encefálica. Disponível em: < http://cienciaevida.atarde.com.br/?p=2536>. Acesso em 30/07/2009.

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ausência de qualquer reação motora supra-espinal, devendo ser respaldado por exame subsidiário que demonstre a ausência de atividade elétrica cerebral ou metabólica ou circulatória.

Ainda segundo Manreza: “a morte encefálica é um estado de coma

irreversível. Já a morte cerebral, que é uma lesão dos hemisférios cerebrais, significa o

estado vegetativo persistente”.

Nessa linha, Van Lommel adverte:

O que realmente é a morte? Ainda que um médico declare alguém morto, os cabelos e unhas dessa pessoa continuam crescendo. O que os outros chamam de morte cerebral, eu chamo de começo do processo da morte. Será que deveríamos interromper esse processo?92

Sá93 conta que a primeira definição de morte cerebral foi divulgada pelo comitê

ad hoc da Havard Medical School, que determinava a observância dos seguintes

critérios: ausência de resposta a estímulos externos; ausência total de movimentos

musculares e respiratórios; ausência de reflexos, especialmente o fotomotor e

eletroencefalograma isoelétrico, devendo o indivíduo ser reavaliado após 24 horas.

92Algemeen Dagblad, Aspects of Euthanasia, Suicide, Organ Donation, Gender Selection and Abortion, documento apresentado na 4ª Conferência Internacional sobre os Direitos Humanos e as Questões Sociais, Vida, Aborto e Eutanásia (Haia, Holanda, 8-12 de dezembro de 1998); apud: SEVERO, Julio. Eutanásia: matando os doentes, deficientes, e os idosos em nome da compaixão. Perspectiva do futuro próximo baseada em fatos passados e recentes. Disponível na internet em: < http://www.jesussite.com.br/download/EUTANASIA_Julio_Severo.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2009.

93 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e o direito ao próprio corpo: Doação de órgãos, incluindo o estudo da Lei n. 9.434/97. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 69.

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Em 1968, a Associação Médica Mundial formulou a Declaração de Sidney,

ficando assim definida:

[...] o momento da morte de diferentes células e órgãos não tem tanta importância, como a certeza de que o processo tornou-se irreversível, quaisquer que sejam as técnicas de ressuscitação que possam aplicar. Esta conclusão se deve basear no juízo clínico, complementado, caso necessário, por diversos instrumentos auxiliares de diagnóstico, dos quais o mais útil é atualmente o eletroencefalógrafo. Em qualquer caso, nenhuma prova instrumental isolada é inteiramente satisfatória no estado atual da medicina nem qualquer método pode substituir o ditame global do médico.94

No mesmo ano, em Genebra, o Conselho das Organizações Internacionais de

Ciências Médicas (CIOMS), vinculado à Organização Mundial de Saúde (OMS) e à

Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),

reuniu-se para estabelecer os critérios para determinar-se a “morte cerebral”95. Assim,

foram fixadas cinco condições para comprovação da morte:

I – a perda de todo o sentido de ambiente, de todo o contato entre o cérebro e o organismo; II – total incapacidade muscular; III – cessação espontânea da respiração; IV – colapso da pressão sanguínea no momento em que deixa de ser mantida artificialmente; V – cessação absoluta da atividade cerebral, comprovada eletricamente pelo traçado absolutamente linear no eletroencefalográfo (EEG), mesmo sob estímulo.”

94 Id. Ibidem, p. 70.

95 MENEZES, Elienai de Alencar; et al. Análise bioética do diagnóstico de morte encefálica e doação de órgãos em um hospital público terciário do Distrito Federal. In: GARRAFA, Volnei; CÓRDON, Jorge (Org.). Pesquisas em bioética no Brasil de hoje. São Paulo: Gaia, 2006. p. 125.

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Além destes dois encontros científicos que determinaram os critérios para

caracterização da morte, existem outros, valendo citar a declaração contida na The

Human Tissue Act, da Inglaterra, de 1961.96

Pode-se falar ainda do conceito de morte adotado pelo grupo do cirurgião

Christian Barnard, que consiste em:

a. ausência total de reflexos, significando paralisação do sistema nervoso

central (morte cerebral);

b. perda da função do sistema respiratório;

c. linha isoelétrica do E.C.G. (eletrocardiograma) durante cinco minutos.

Em 1980, nos Estados Unidos da América, editou-se o “Ato de Determinação

Uniforme da Morte”’. Por tal ato, estaria morto aquele que sofresse parada irreversível

das funções respiratória e circulatória ou de todas as funções as do cérebro.

No Brasil, a primeira legislação sobre doação de órgãos e transplante a adotar

o critério da morte encefálica foi o art. 12 do dec. 879/93, que regulamentava a lei

8489/92.97.

A atual legislação também elegeu o critério da morte encefálica para

determinação do óbito.98

96 GOGLIANO, D. Pacientes terminais: morte encefálica. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/revista/bio2v1/pacienterm.html. Acesso em: 26 de junho de 2009.

97 “Art. 12. A notificação, em caráter de emergência, em todos os casos de morte encefálica comprovada, tanto para hospital público, como para a rede privada, é obrigatória”.

98 Dec. 2.268/97. “Art. 16. A retirada de tecidos, órgãos e partes poderá ser efetuada no corpo de pessoas com morte encefálica.

§1º O diagnóstico de morte encefálica será confirmado, segundo os critérios clínicos e tecnológicos definidos em resolução do Conselho Federal de Medicina, por dois médicos, no mínimo, um dos quais com título de especialista em neurologia, reconhecido no País.

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O Conselho Regional de Medicina editou a Resolução n. 1480/97,

determinando os critérios para determinação da morte encefálica99:

I - em primeiro lugar, verifica-se a história de doença catastrófica – doença estrutural conhecida, ou seja, tumores, infecções, acidentes vasculares cerebrais, ou causa metabólica sistêmica irreversível, como a hipoglicemia, uremia, coma hepático, etc. II – seis horas de observação da ausência de função cerebral são suficientes em caso de causa estrutural conhecida, quando nenhuma droga ou álcool esteja envolvido na etiologia do tratamento. Caso contrário, doze horas, mais investigação negativa de drogas são necessárias. III – ausência de função cerebral e do tronco encefálico:

- nenhuma resposta comportamental ou reflexa a estímulos nocivos, na localidade entre a coluna e o crânio;

- pupilas fixas; - ausência de resposta oculovestibular ao teste térmico com

água gelada, que é procedido injetando-a no ouvido para a verificação de movimentos oculares;

- apneia, que significa a falta de resposta respiratória durante oxigenação por dez minutos.

Outros critérios complementares podem ser realizados, conforme preceitua os

arts. 6º e 7º da resolução.100

Em resumo, os critérios de morte encefálica podem ser divididos em dois:

§2º São dispensáveis os procedimentos previstos no parágrafo anterior, quando a morte encefálica decorrer de parada cardíaca irreversível, comprovada por resultado incontestável de exame eletrocardiográfico”.

99 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e o direito ao próprio corpo: Doação de órgãos, incluindo o estudo da Lei n. 9.434/97. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 71.

100 Art. 6º. “Os exames complementares a serem observados para constatação da morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca: ausência de atividade elétrica cerebral ou, ausência de atividade metabólica cerebral ou, ausência de perfusão sanguínea cerebral”.

Art. 7º. “Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abaixo especificado: acima de 2 anos - um dos exames citados no Art. 6º, alíneas 'a', 'b' e 'c'; de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º, alíneas 'a', 'b' e 'c'. Quando optar-se por eletroencefalograma, serão necessários 2 exames com intervalo de 12 horas entre um e outro; de 2 meses a 1 ano incompleto: 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas entre um e outro; de 7 dias a 2 meses incompletos: 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas entre um e outro”.

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a) clínicos, que se apresentam da seguinte forma: coma aperceptível com

arreatividade inespecífica, dolorosa e vegetativa, de causa definida. Ausência de

reflexos corneanos, oculoencefálico, oculovestibular e do vômito. Positividade do teste

de apneia.

b) complementares, que são: ausência de atividades bioelétricas ou

metabólicas cerebrais ou da profusão encefálica.

Percebe-se que, atualmente, o critério adotado pela maioria das legislações é o

critério da morte encefálica. Contudo, assevera Cláudio Cohen:

[o conceito científico de morte encefálica não representa uma verdade absoluta de que realmente a morte ocorreu; ele apenas expressa a valorização de um fato que a ciência aceitou como verdadeiro, pois o que a ciência demonstra é que não existe mais função cerebral e do tronco encefálico. Devemos relembrar que o conceito de morte foi variando de parada irreversível cardiopulmonar para morte cerebral, até o atual conceito de morte encefálica.101

Nessa linha de intelecção, não se pode olvidar que é árdua a tarefa do médico

que constata a morte de um paciente, já que envolve questões éticas. Ao que parece, o

legislador reconheceu tal problema ao permitir a presença do médico da família do

falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica, para que se possa

creditar confiabilidade à constatação da morte.

Insta frisar que, embora os critérios para constatação da morte encefálica

estejam, numa visão tecnicista, claramente definidos, o mesmo não se pode falar da

sua infalibilidade, pois que, na verdade, trata-se de prognósticos e não de diagnósticos.

Nesse sentido, Menezes, et.al, pondera que:

[a questão é complexa, tornando-se necessária a consideração de vários fatores para o estabelecimento dos critérios, isto porque nenhum

101 SEGRE, Marcos; COHEN, Cláudio (org.). “Bioética”. 3.ed. rev. e amp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. p. 173.

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processo tecnológico isolado se mostrou, até hoje, integralmente satisfatório. [...]. Além disso, os médicos constantemente vivenciam grande dilema na decisão de suspender os esforços de reanimação, já que o diagnóstico e a constatação da morte encefálica devem ser absolutamente seguros”. 102

3.3.1.2.2 Outros critérios

Ultrapassa a questão da determinação do momento da morte e da adoção do

critério da morte encefálica pelo legislador, passa-se, então, a uma análise de outros

critérios a serem observados na doação de órgãos post mortem.

O art. 4o condiciona a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas

falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, a autorização do cônjuge ou

parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo

grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à

verificação da morte.

Dessa forma, para que sejam extraídos órgãos, tecidos ou partes do corpo

humano morto, a família deve autorizar, caso contrário, a retirada não poderá ser feita.

De observar-se que, o texto original da lei não contemplava a necessidade de

autorização de cônjuge ou parentes, pois que trazia o consentimento presumido.

Atualmente, o dispositivo foi modificado trazendo à baila a necessidade de autorização

para que haja a remoção de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas.

No tocante aos menores de idade ou incapazes juridicamente, a remoção post

mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo poderá ser feita desde que permitida

expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais.

A lei veda expressamente a retirada de órgãos de corpo não identificado. 102 GARRAFA, Volnei; CÓRDON, Jorge (Org.). Pesquisas em bioética no Brasil de hoje. São Paulo: Gaia, 2006, p. 126.

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Quando a morte ocorrer sem assistência médica, ou decorrer de causa não

definida, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante

ou terapêutica somente poderá ser realizada após a realização da necropsia e

mediante autorização do patologista responsável pela investigação. O cadáver deverá

ser reconstituído para ser entregue aos parentes ou responsáveis legais para o

sepultamento.

Outro elemento importante é a necessidade de retirada dos órgãos por

estabelecimento de saúde autorizado pelo SUS. É que a lei só permite que a remoção

de tecidos, órgãos e partes do corpo humano se dê por estabelecimento de saúde,

público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante

previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde.

Estas instituições terão que encaminhar um relatório anual informando os

nomes dos pacientes receptores ao órgão estadual próprio do Sistema Único de

Saúde.

Para que seja realizado o transplante ou enxerto, o receptor deverá manifestar

expressamente a sua vontade após ser devidamente informado acerca dos riscos do

procedimento.

O critério de extrema importância ao presente trabalho é o da lista única de

receptores. O art. 10 da lei 9.434/97 restringe os receptores de órgãos àqueles que

estão inscritos na lista única de espera.

Ao instituir a lista única de espera, nos moldes atuais, a lei atual acabou por não

permitir mais que o doador de órgão, no caso da doação post mortem, possa escolher

o destinatário de seus órgãos.

O decreto 2.268/97 que regula a matéria traz disposições acerca do SNT

(Sistema Nacional de Transplantes), das CNCDOs e da lista única de espera.

As CNCDOs (Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos) vão

coordenar as atividades de transplantes, no âmbito de cada estado.

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São as CNCDOs que irão promover a inscrição de potenciais receptores,

devendo fazer constar da inscrição todas as indicações necessárias que possam

ajudar na localização e na verificação de compatibilidade do respectivo organismo para

o transplante ou enxerto de tecidos, órgãos e partes disponíveis.

Deverão ainda classificar os receptores e agrupá-los em ordem estabelecida

pela data de inscrição e comunicar as inscrições ao órgão central do SNT que as

incluirá na lista nacional de receptores.

O §4º, do art. 24 do referido decreto, reza que:

“ A CNCDO, em face das informações que lhe serão passadas pela equipe de

retirada, indicará a destinação dos tecidos, órgãos e partes removidos, em estrita

observância à ordem de receptores inscritos, com compatibilidade para recebê-los”.

O art. 30 do decreto diz que: “a partir da vigência deste Decreto, tecidos, órgãos

ou partes não poderão ser transplantados em receptor não indicado pelas CNCDOs”.

Note-se que a lei e o decreto retiraram das mãos do doador e colocaram nas

mãos de um Órgão do Estado o direito de escolher qual o destino de seus órgãos,

quando da sua morte.

No tocante ao critério adotado pela lista, por ora, cumpre apenas comentar,

brevemente, pois a discussão se fará em tópico próprio.

O decreto 2.268/97 estabelece como critério principal da lista única de espera, a

ordem de inscrição. Todavia, o §5º, do art. 24 traz hipóteses de não observância deste

critério, quais sejam:

1. A longa distância e as condições de transporte que inviabilizarem o

transplante de tecidos, órgãos ou partes retirados;

2. A necessidade decorrente da iminência de óbito, segundo avaliação da

CNCDO, observados os critérios estabelecidos pelo órgão central do SNT.

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O decreto proíbe que um mesmo receptor de tecidos, órgãos ou partes se

inscreva em mais de uma CNCDO. Se, ao arrepio da lei, verificar-se que existe

duplicidade de inscrição, o SNT notificará o receptor para escolher por uma delas, no

prazo de quinze dias. Não havendo manifestação do receptor dentro do prazo

concedido, o mesmo será excluído da lista a mais recente, devendo a CNCDO

respectiva ser notificada para igual providência.

Outra hipótese de não observância do critério de ordem de inscrição é a trazida

pelo §2º, do art. 31, do decreto, que diz:

[a inscrição em determinada CNCDO não impedirá que o receptor se submeta a transplante ou enxerto em qualquer estabelecimento de saúde autorizado, se, pela lista sob controle do órgão central do SNT, for o mais indicado para receber tecidos, órgãos ou partes retirados e não aproveitados, de qualquer procedência.

Dessa forma, havendo, na própria lei, algumas hipóteses que excepcionam a

lista única de espera, não há obstáculo para incluir a escolha pelo doador do

destinatário dos seus órgãos.

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4. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM

4.1 DIFERENÇA DE TRATAMENTO DA DOAÇÃO EM VIDA E DA DOAÇÃO POST

MORTEM NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A lei 9.434/97 e o Decreto n. 2.268/97 dispõem de forma diferenciada as

doações entre vivos e post mortem.

Cumpre salientar que algumas diferenças são da essência das próprias doações

intervivos e post mortem. A seguir serão trazidas para análise, sobretudo, as distinções

relativas ao direito de escolha do doador, objeto do presente trabalho.

Inicialmente, na doação post mortem é necessário que haja diagnóstico de

morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos que não participem das

equipes de remoção e transplante, devendo ser utilizados os critérios clínicos e

tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina103. Por

precaução, a lei permite que o médico de confiança da família do falecido esteja

presente no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.

Com relação à doação intervivos, é necessário que o doador seja capaz e que

tenha manifestado expressamente a vontade de doar, indicando especificamente o

tecido, o órgão ou as partes do corpo que pretende doar e o destinatário identificado.

No caso de incapaz, desde que haja compatibilidade imunológica comprovada entre o

doador e o receptor e desde que seja caso de transplante de medula óssea, deve

haver o consentimento de ambos os pais ou responsáveis legais e autorização judicial.

103 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.480/97. Brasília, Conselho, 1997.

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A doação intervivos é restrita aos órgãos duplos, partes de órgãos, tecidos ou

partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo

sem risco para a sua integridade, não represente grave comprometimento de suas

aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável.

Restringe-se também à comprovação de que haja uma necessidade terapêutica

indispensável e inadiável à pessoa receptora, a fim de justificar a intervenção.

No caso da retirada de rins, o decreto 2.268/97 exige que sejam comprovadas,

pelo menos, quatro compatibilidades em relação aos antígenos leucocitários humanos

(HLA), exceto se a doação ocorrer entre cônjuges e consanguíneos, na linha reta ou

colateral, até o terceiro grau inclusive.

Na doação post mortem, tanto o decreto quanto a lei proíbem expressamente

que o doador escolha o destinatário de seus órgãos, a teor do que dispõe o art. 10, Lei

9.434/97 e o art. 30, Dec. 2.268/97, respectivamente:

Art. 10. “O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do

receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a

excepcionalidade e os riscos do procedimento”.

Art. 30. “A partir da vigência deste Decreto, tecidos, órgãos ou partes não

poderão ser transplantados em receptor não indicado pelas CNCDOs”.

Já na doação intervivos o texto de lei permite, ou melhor, restringe a permissão

de escolha pelo doador aos cônjuges ou parentes consanguíneos até o 4º grau. Não

sendo qualquer dessas pessoas acima mencionadas, poderá, ainda assim, haver a

doação mediante autorização judicial. Se a doação for de medula óssea, poderá ser

feita para qualquer pessoa, sem necessidade de autorização judicial.104

104 Art. 9o “É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea”.

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O dec. 2.268/97, art. 20, a esse respeito, determina que a retirada do tecido,

órgão ou parte do corpo humano deverá ser comunicada ao Ministério Público e

dependerá da verificação das condições de saúde do doador para melhor avaliação de

suas consequências e comparação após o ato cirúrgico. Tal dispositivo tem a finalidade

de garantir a integridade física do doador.

Pode-se afirmar que no caso da doação intervivos, o ato é realizado intuito

personae, isto é, entre o doador e o receptor indicado, tendo o Estado o papel de

regular a transferência tão somente. Enquanto na doação post mortem, os órgãos,

tecidos e partes de corpo humano retirados do cadáver, segundo se depreende da

legislação pátria, são de propriedade do Estado e devem, portanto, ser transferidos

para um receptor inscrito na lista única.

4.2 SISTEMA ATUAL: “A LISTA ÚNICA DE ESPERA”

4.2.1 Como funciona a “lista única de espera”?

Havendo a constatação, pelo médico, da necessidade de utilização da técnica

de transplante em um paciente, este será notificado e informado sobre a necessidade

da intervenção, do perigo da medida e da inscrição no cadastro de receptores105.

Um dos requisitos para inscrição é a realização de exames necessários para

estabelecer as características essenciais ao transplante.

O prontuário do receptor deverá conter a prova de seu consentimento, cópia

dos laudos dos exames previstos, conforme o caso e os realizados para o

estabelecimento da compatibilidade entre seu organismo e o do doador.

105 Somente a título de suplementação, os formulários encontram-se no anexo do presente trabalho.

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Realizados os exames e obtido o consentimento do possível receptor, o mesmo

será inscrito na lista de espera no âmbito estadual que é coordenada pela CNCDO.

As CNCDOs (Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos) têm

as seguintes atribuições, dentre outras:

1. Coordenar as atividades de transplantes no âmbito estadual.

2. Promover a inscrição de potenciais receptores, com todas as indicações

necessárias à sua rápida localização e à verificação de compatibilidade do respectivo

organismo para o transplante ou enxerto de tecidos, órgãos e partes disponíveis, de

que necessite.

3. Classificar os receptores e agrupá-los em ordem estabelecida pela data de

inscrição, fornecendo-se-lhes o necessário comprovante.

4. Comunicar ao órgão central do SNT as inscrições que efetuar para a

organização da lista nacional de receptores.

5. Notificar o órgão central do SNT de tecidos, órgãos e partes não

aproveitáveis entre os receptores inscritos em seus registros para utilização dentre os

relacionados na lista nacional.

Assim, em resumo, as CNCDOs irão inscrever os prováveis receptores numa

lista estadual, fazendo as indicações necessárias à sua rápida localização.

Depois de inscrito na lista, o agora receptor receberá um comprovante

indicando sua ordem na lista de espera, que obedece ao critério de data de inscrição.

O decreto veda a possibilidade de um mesmo receptor se inscrever em duas

listas estaduais. Ainda assim, se verificada a duplicidade, o órgão central do SNT

notificará o receptor para fazer a sua opção por uma delas, no prazo de quinze dias.

Não se manifestando o receptor no prazo, será excluído da lista mais recente e

comunicar-se-á o fato à CNCDO, onde ocorreu a inscrição, para igual providência.

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Após inscrever o receptor, a CNCDO deverá comunicar ao SNT para que o

receptor também faça parte da lista nacional.

O Sistema Nacional de Saúde (SNT), instituído pelo decreto 2.268/97, conta

com a seguinte estrutura: o Ministério da Saúde; as secretarias de saúde dos Estados

e do Distrito Federal ou órgãos equivalentes; as secretarias de saúde dos municípios

ou órgãos equivalentes; os estabelecimentos hospitalares autorizados e a rede de

serviços auxiliares necessários à realização de transplantes.

As funções de órgão central do SNT serão exercidas pelo Ministério da Saúde

que tem as seguintes atribuições, dentre outras:

1. Gerenciar a lista única nacional de receptores, com todas as indicações

necessárias à busca em todo o território nacional, de tecidos, órgãos e partes

compatíveis com as suas condições orgânicas.

2. Credenciar centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos.

De observar-se que o receptor deverá estar inscrito necessariamente na lista

estadual, na lista regional e na lista nacional106. Assim, não havendo receptor

compatível dentro do território estadual do doador, serão convocados os doadores

compatíveis em âmbito nacional.

Constatada a morte encefálica de um doador, será contatada a família do

mesmo para autorizar a remoção dos órgãos para doação.

106 É o que se depreende da Portaria nº 3407 de 05, de agosto de 1998: “art. 36. O Sistema de Lista Única, para cada tipo de órgão, parte ou tecido, possui três níveis de integração expresso nas listas nacionais, estaduais e regionais. § 1º As listas nacionais serão constituídas pelos conjuntos das listas estaduais. § 2º As listas estaduais serão constituídas pelos conjuntos das listas das CNCDO sob sua jurisdição. § 3º As listas regionais serão constituídas pelas inscrições dos pacientes na CNCDO Regional.”

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Autorizada a doação, serão efetuados exames para verificar patologias e

também compatibilidade sanguínea e histocompatibilidade com o organismo de

receptor inscrito, em lista de espera, nas CNCDOs.

O principal critério a ser observado é o de ordem de inscrição. Tal critério

conjugado com outros é que determinará o receptor. Assim, dentro do âmbito do

estado, será contatado aquele que está inscrito na lista há mais tempo para transplante

do órgão doado e que tenha compatibilidade para recebê-lo.

Existe a possibilidade de inobservância da ordem de inscrição, se a distância e

as condições de transporte tornarem inviável o transplante de tecidos, órgãos ou partes

retirados, ou se deles necessitar quem se encontre em iminência de óbito, segundo

avaliação da CNCDO, observados os critérios estabelecidos pelo órgão central do

SNT.

Assim, se a distância dificultar o transporte a ponto de tornar inviável o

transplante, outro receptor compatível será contatado.

De posse da autorização dos responsáveis e dos exames previstos na lei, a

central estadual respectiva deverá comunicar à CNCDO a disponibilização dos órgãos.

A central nacional, ao receber as informações a respeito do doador, irá

selecionar os receptores disponibilizados nas listas que obedecem aos seguintes

critérios:

Primeiro, será analisada a lista de Pacientes Priorizados,107 dentro da região de

captação do órgão, que deverá ser atualizada diariamente. Não encontrado receptor

compatível, dentro da região108, será observado o segundo nível de prioridade.

107 BRASIL. Portaria nº 91/GM, de 23 de janeiro de 2001. Brasília, 2001.

108 A Portaria nº 91/GM de 23 de janeiro de 2001faz a seguinte divisão do território nacional para distribuição dos órgãos:

a - Região I – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; b - Região II – Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo;

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O segundo nível de prioridade corresponde à Lista de Pacientes Priorizados,

nas demais regiões. Nesse caso, deverão ser observados, além da compatibilidade do

órgão doado, outros critérios:

a. possibilidade do transporte;

b. distância entre o receptor e o doador;

c. tempo de isquemia fria a que o órgão captado possa ser submetido.

Se ainda não for encontrado um receptor, será analisado o 3º nível de

prioridade, que corresponde à Lista Geral de Receptores indicados pelas Centrais

Estaduais, onde houver equipes aptas a realizar o transplante, dentro da região de

captação do órgão. Não encontrado receptor compatível passar para o quarto nível de

prioridade.

Lista Geral de Receptores das demais regiões, observando o mesmo critério do

3º nivel.

Assim, nota-se que cada região tem uma lista de pacientes priorizados e uma

lista geral de receptores. Primeiro, observa-se a lista de pacientes priorizados (destes,

primeiro o da região do doador e depois o das outras regiões) e, só depois, observa-se

a lista geral de receptores (destes, primeiro o da região do doador e depois o das

outras regiões)109.

Através da criação da lista única de espera, o legislador buscou atender ao

princípio da justiça, bem como ao combate à comercialização de órgãos.

c - Região III – São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal,

Tocantins, Amazonas, Pará, Acre, Roraima, Rondônia, Amapá; d - Região IV – Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Piauí. 109 O art. 31, §2º, representa bem esta ideia, ao afirmar que: “a inscrição em determinada CNCDO não impedirá que o receptor se submeta a transplante ou enxerto em qualquer estabelecimento de saúde autorizado, se, pela lista sob controle do órgão central do SNT, for o mais indicado para receber tecidos, órgãos ou partes retirados e não aproveitados, de qualquer procedência”.

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Em que pese a ideia base da criação de uma lista única parecer consagrar um

modelo justo e igualitário, na prática, não é isso o que ocorre.

É que a lista única de espera adotou como critério primordial a ordem de

inscrição. Adotar tal critério como principal, significa dizer que alguns pacientes com

maior urgência no transplante podem ser preteridos por aqueles que estão inscritos em

primeiro lugar.

A Portaria 3.407/98 determina que para cada órgão, parte ou tecido disponível

deve ser feita a correlação entre as características antropométricas e imunológicas do

doador cadáver e o Cadastro Técnico correspondente, empregando-se os critérios

específicos referentes a cada tipo de órgãos, parte ou tecido, para a ordenação dos

receptores quanto à precedência.

Em seguida, a mesma portaria cria os critérios mínimos a serem observados na

escolha do receptor, sem prejuízo de critérios adotados no âmbito estadual. Os

critérios criados pela portaria são diferenciados para cada órgão, dividindo-se em

excludentes e de classificação.110

110 “Art. 39. A seleção de pacientes para a distribuição de cada tipo de órgão, parte e tecido captado deve ser feita empregando-se os critérios mínimos a seguir: I - para rins: a) critérios excludentes: 1. amostra do soro do receptor fora do prazo de validade; 2. incompatibilidade sanguínea entre o doador e receptor, em relação ao sistema ABO. b) critérios de classificação: 1. compatibilidade em relação aos Antígenos Leucocitários Humanos, "HLA"; 2. idade do receptor; 3. tempo decorrido da inscrição na lista única; 4. indicação de transplante combinado de rim e pâncreas; II - para fígado: a) critérios de classificação: 1. identidade sanguínea, em relação ao sistema ABO, entre o doador e receptor; 2. Precedência quando doador e receptor tiverem o peso corporal abaixo de quarenta quilogramas; 3. tempo decorrido da inscrição na lista única;”

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Ainda, a mesma portaria cria os critérios de urgência a depender de cada

órgão:

Art. 40. Em relação a cada órgão, a seguir especificado, a urgência do transplante é determinada:

I - rim – A falta de acesso para a realização das modalidades de diálise. II - fígado: a) hepatite fulminante; b) retransplante indicado no período de quarenta e oito horas após o transplante anterior; III - pulmão, retransplante indicado no período de quarenta e oito horas após o transplante anterior [...].

O argumento, de que a própria legislação resolveu tal questão ao permitir que o

critério de ordem de inscrição fosse excepcionado pela urgência, não tem o condão de

afastar os problemas criados pela lista, ao contrário, dá ensejo a muitas questões.

Segundo o decreto 2.268/97, é a CNCDO que fará a avaliação da urgência,

observados os critérios estabelecidos pelo órgão central do SNT. Com base em que, o

ministério da saúde (órgão central do SNT) vai escolher os critérios? Os critérios

adotados pelo ministério da saúde são os melhores?

O sistema atual, quer pela legislação, quer pelos dados práticos não resolve

tais questões.

4.2.2 Ineficácia da Portaria 1.060/06: Critério

O Ministério da Saúde, sensível às questões levantadas no tópico anterior,

editou a portaria n.º 1.160/06, de 29 de junho de 2006, com o intuito de adotar o

denominado “índice de MELD (Model for End-Stage Liver Disease) ”, utilizado nos EUA

desde 2002.

Trata-se de um modelo que através de cálculos matemáticos vai determinar

qual a gravidade da doença do paciente, numa escala crescente cujos valores variam

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de 6 a 40, de sorte que, até o grau 15, o transplante não é recomendado. O sistema

usa o grau de risco de morte definido pela United Network for Sharing (UNS)111.

O exame consistirá em análise de amostras de sangue que avaliará os níveis

de creatinina, bilirrubina e INR (coagulação do sangue). Através do exame de sangue,

podem-se prever as chances de morte do paciente.

Assim, no que tange aos transplantes de fígado, a ordem cronológica será

excepcionada, sendo que o critério utilizado será número do Meld.112

Os números do MELD serão enviados para as centrais regionais pelo médico

do paciente, de forma similar ao que ocorre em transplantes de outros órgãos.

Ocorre que, o teste deve ser atualizado a todo instante, não basta fazer uma

vez o exame de sangue. Se o MELD for 11 a 18, o exame tem que ser feito a cada três

meses; se der 19 a 24, a cada mês, e acima de 25, semanalmente.113

De certo, a mudança no critério, nem de longe, resolve o problema criado pela

lista única de receptores. Isto porque, para que seja determinado o índice de MELD o

receptor deverá fazer exames periódicos e, muitas vezes, em um período muito curto,

aumentando o custo do procedimento.

111 LIONÇO, Márcia Helena Caprara. As representações da morte no meio ambiente cultural e sua influência na efetivação dos transplantes de órgãos: por uma justiça social em termos de cidadania. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação. Dissertação (Mestrado em direito) -Universidade de Caixias do Sul – Rio Grande do Sul, 2008. Disponível em: < http://tede.ucs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=161>. Acesso em: 25 jun. 2009

112 FIORAVANTI, Carlos. A longa espera. Chance de receber um fígado transplantado diminui a cada ano. Revista Pesquisa - FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Edição Impressa 126 - Agosto 2006. Disponível em: <http://www.hepato.com/p_transplante/situacao_transplantes_20060815.html>>. Acesso em: 28 jun. 2009. 113 FIORAVANTI, Carlos. A longa espera. Chance de receber um fígado transplantado diminui a cada ano. Revista Pesquisa, São Paulo, n. 126, ago. 2006. Disponível na internet: <http://www.hepato.com/p_transplante/situacao_transplantes_20060815.html>>. Acesso em: 28 jun. 2009.

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De outra sorte, imaginando que o índice de MELD resolvesse o problema, só

resolveria o problema dos receptores de fígado; e os demais receptores?

O médico Mies levanta outra questão sobre o tema, advertindo que: "Se você

operar apenas os mais graves, você está colocando os poucos fígados disponíveis em

pessoas que têm poucas chances de sobrevivência".114

Pesquisas demonstram que o novo sistema de transplantes de fígado não

resolveu o problema da fila de espera. 115 Em São Paulo, apenas 32% dos pacientes

atualizaram o Meld e, em todo o país, a média é de 43%, isso após um ano da

implantação do novo critério.

Além dessas questões, a adoção do novo critério esbarra na violação de alguns

direitos, como no caso do ex-empresário Paulo Sérgio Ferreira dos Santos, de 47

anos116.

O ex-empresário intentou ação contra o novo critério, aduzindo que: "Estou

nesse calvário há quase três anos, quando entrei na fila. Antes do novo sistema, eu era

o número 96. Pela ordem cronológica, seria operado nos próximos três meses”.

A justificativa para que o ex-empresário, que sofre de cirrose decorrente de

hepatite C, tenha sido preterido na lista é que ele tem o MELD de 20, índice que não

impõe a urgência no transplante.

O número médio do MELD dos pacientes transplantados no Brasil é 30,1, o que

demonstra que o novo sistema ainda precisa de algum tempo para funcionar, em

comparação aos EUA, que tem o número médio do Meld em 20,7.

Em suma, nota-se que conquanto a intenção do legislador tenha sido boa, o

problema das filas para os transplantes não foi resolvido.

114 Id. Ibidem. 115 LOPES, Adriana Dias. Na fila de espera por fígado, 68% não conhecem posição. O Estado de São Paulo, São Paulo, 9 ago. 2006.

116 Id. Ibidem.

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4.2.3 A situação de constantes burlas à fila dos transplantes

A questão das filas para transplantes no Brasil tem origem no desequilíbrio

entre a oferta e a procura de órgãos para serem transplantáveis; na falta de estrutura

do sistema; e também no próprio critério escolhido pelo legislador – lista única – que é

questionável117.

Como efeito, nota-se que o critério adotado pelo legislador pátrio nem de longe

resolve o problema dos transplantes. Matérias jornalísticas constantemente noticiam a

ocorrência de burla às filas, quer seja mediante pagamento, quer seja mediante

autorização judicial, casos que ocorrem com menor frequência, mas que têm ganho

proporção, ultimamente.

O fato é que, comumente, tem-se notado a que a fila única dos receptores não

tem sido respeitada. No Rio de Janeiro, por exemplo, o médico Joaquim Ribeiro Filho,

chefe da equipe de equipe de transplantes hepáticos do Hospital Clementino Fraga

Filho, da UFRJ, e coordenador da central estadual de transplantes, responsável por

controlar a inscrição na lista de espera e designar as doações, de acordo com

prioridades regulamentadas pelo Ministério da Saúde, foi acusado de criar uma lista

paralela para fraudar a fila dos transplantes. Conta-se que depois de assumir a

coordenação da central de transplantes, o médico implantou um fígado no 32° paciente

da lista, que era irmão do então secretário estadual de Transportes daquela cidade, sob

o argumento de que como o fígado doado estava no limite de apresentar risco ao

receptor, não havia a obrigação de oferecê-lo à lista. 118 A juíza do caso acabou por

absolvê-lo, considerando que o órgão era “marginal” e que os receptores inscritos na

lista não aguardavam tal tipo de órgão.

117 Segundo registro brasileiro de transplantes, a taxa de realização de transplantes no Brasil, no ano de 2007, por exemplo, foi de 6,5 transplantes por milhão de habitantes (Registro Brasileiro de Transplantes), enquanto na Espanha a taxa chegou a 34,3 transplantes por milhão de habitantes (dados da Organización Nacional de Transplante da Espanha).

118 ROGAR, Sílvia. Fraude: Um poder de vida ou morte. Veja, Salvador, Ed. 2072, 06 de ago. 2008.

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Além desse, muitos são os casos de burla à fila dos transplantes. Provados ou

não, fatos como esses despertam ainda mais a desconfiança da população no sistema

de transplantes.

Com efeito, o critério cronológico criado, ao que parece, com o intuito de atender

aos ideais de justiça e equidade, acaba por justamente feri-los, uma vez que nem

sempre o primeiro da fila é aquele que apresenta mais urgência119.

Os dados demonstram exatamente o contrário! Uma pesquisa feita em São

Paulo, local onde se realizam a maior quantidade de transplantes, demonstra que uma

boa parte dos pacientes inscritos na lista única de espera, não possuem sequer

indicação para transplante. É que, temerosos pela vida, se inscrevem na fila para

garantir o seu lugar, caso precisem algum dia.

Pode-se também encontrar casos em que o próprio poder judiciário, com base na

falibilidade do critério adotado pelo legislador infraconstitucional, permite que indivíduos

que estejam, comprovadamente, dentro dos casos de urgência, possam furar a fila dos

transplantes.

Sobre as decisões judiciais ver o tópico 4.3.6.

4.3.4 A impotência diante da comercialização de órgãos

A lei 9.434/97 e o decreto 2.268/97, que a regulamenta, destinou-se a coibir, ou

melhor, a proibir o comércio de órgãos.

Dentre os dispositivos criados para esta tarefa, acredita-se que estão incluídos

os dispositivos que vedam a escolha pelo doador do receptor de seus órgãos.

119 No sentido contrário: “a lista única é uma das formas de aplicação do Princípio da Justiça, pois assegura a distribuição equitativa dos órgãos”. In: SÁ, Maria de Fátima Freire; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. (Coord.) “Bioética, biodireito e o novo código civil de 2002”. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 107.

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Inicialmente, cumpre salientar que a mercantilização do corpo humano não é

novidade. Há muito o homem vem atuando de forma a evidenciar o comércio do corpo,

prática, muitas vezes, não questionada no que tange aos seus valores éticos.

Nesse sentido, não há como negar que o trabalho remunerado constitui-se em

venda da força de trabalho, e que é totalmente admitida na sociedade. Outrossim, a

prostituição também é exemplo de mercantilização tolerada na sociedade.

Assim, nota-se que a discussão sobre a comercialização do corpo humano é

antiga; a recente, no entanto, é a discussão acerca do comércio de órgãos.

Nesse sentido, a maioria da doutrina objeta a comercialização de órgãos. É que

a dita comercialização vai esbarrar em questões éticas e, por conseguinte, ofender a

pessoa em sua dignidade.

Para o filósofo Immanuel Kant120:

[no reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr, em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não existe equivalente, então ela tem dignidade”.

Além destes dispositivos da lei 9.434/97, a Carta Magna de 1988, em seu art.

199, § 4º, também veda expressamente o comércio de órgãos ao dispor que:

“A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. (GRIFO NOSSO).

O Código Civil de 2002, em seu artigo 14, seguindo a linha do legislador

constitucional, permite a disposição do corpo somente a título gratuito.

120 KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. [S.l]: Companhia Editora Nacional, 1985. Disponível em: <http://www.consciencia.org/kantfundamentacao.shtml>. Acesso em: 05 jul. 2009.

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No âmbito internacional, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já se

manifestou no sentido de condenar tal prática: “o corpo humano e suas partes não

podem estar sujeitos a transações comerciais”.

Insta frisar que o repúdio à prática da comercialização não é unânime. No Brasil,

por exemplo, Caio Mário da Silva Pereira admite que “nada impede a cessão, mesmo

onerosa, de partes que se reconstituem naturalmente, e de outras não reconstituíveis,

desde que não se comprometa a vida ou a saúde”121.

No direito estrangeiro, Cifuentes pondera que:

Por outro lado, tudo o que se faz em torno da realização de transplantes é oneroso (os tratamentos e remédios, os honorários médicos e das equipes, os exames [etc.]), pelo que muitas pessoas obtêm vantagens econômicas importantes [...], mas como contrapartida a esse panorama, somente o órgão que se entrega deve ser gratuito, sem nenhuma compensação, e é o único elemento que permite efetuar a cirurgia que aproveita aos demais”122.

Em que pese os argumentos dos referidos autores, a mercantilização do corpo

humano afronta sobremaneira a dignidade da pessoa humana, que passa a ser

considerada sob a ótica mercadológica, como se coisa fosse. É a pior forma de

comércio do corpo humano, porque ofende não só a dignidade de quem vende os

órgãos, como também destrói todo o sentimento altruístico que tal ato deveria ter.

121 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 159.

122 CIFUENTES, Santos. Elementos de derecho civil: parte general. 4. ed. Buenos Aires: Astrea, 1997, p. 72. In.: BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos da personalidade e autonomia privada. Coleção Prof. Agostinho Alvim. Coord. Renan Lotufo. São Paulo: Saraiva, 2005.

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Sobre o tema, vale citar o desabafo de Junges123:

[existem formas seculares de mercantilização desenvolvidas pela escravidão e a prostituição. O corpo do ser humano é instrumentalizado a serviço do trabalho forçado e do prazer sexual. Hoje, elas adquirem formas mais perversas, porque atingem o corpo ainda frágil das crianças como instrumento para o trabalho infantil e o turismo pedófilo. Essa mercantilização chega a sua máxima sofisticação quando se trata de compra e venda de partes do corpo humano.

Nelkin e Andrews apud Belinguer124 aduz que: “a transformação do corpo

humano em mercadoria viola a integridade do corpo, explora pessoas privadas de

poder, intromete-se nos valores da comunidade, distorce os programas da ciência e

mina a confiança nos cientistas e nos clínicos”.

Outrossim, na prática, percebe-se que nem mesmo a existência de legislações

proibitivas, consegue coibir o comércio de órgãos.

Alguns autores apontam como incentivadores do comércio de órgão o problema

do desequilíbrio entre a oferta e a procura de órgãos. Nesse sentido, pode-se citar o

posicionamento dos autores Pessini e Barchifontaine125:

[a falta de órgãos gerou uma busca desesperada e desenfreada. Muitos pacientes viajam para outros países, na esperança de conseguir um transplante. Nessa busca angustiante de salvar a própria vida. Vê-se que as pessoas não estão muito interessadas em questões éticas, como, por exemplo, saber de que modo o órgão foi obtido.

123 JUNGES, José Roque. “Bioética: perspectivas e desafios”. São Leopoldo, RS: Unisinos, 1999. p. 212.

124 BERLINGUER, Giovanni. “Bioética cotidiana”. Trad. Lavínia Bozzo Aguilar Porciúncula. Rev. Técnica. Volnei Garrafa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. p. 208.

125 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de; ZOBOLI, Elma Lourdes Campos Pavone. (Orgs.) “Bioética, vulnerabilidade e saúde”. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2000. p. 326.

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Só no Brasil, no ano e 2007, existiam trinta e duas mil pessoas na espera de um

transplante de rins. O receptor pode esperar de três a dez anos para receber o

órgão126.

Em São Paulo, no ano de 2008, foi registrado um total de 70 mil pessoas na lista

de espera para um transplante127.

Nesse contexto, uma matéria vinculada na Revista Veja aponta a existência de

venda de órgãos e mostra anúncios em jornais de grande circulação fornecendo dados

para venda de órgãos.

Outro fato comum é a ocorrência de tráfico de órgãos, inclusive no âmbito

internacional. No México, por exemplo, ficou comprovada a existência de tráfico de

órgãos infantis.128

Séguin129 afirma que:

[as leis do comércio ensinam que onde há desequilíbrio entre a oferta e a demanda surgem distorções que deságuam em delitos para suprir a necessidade. No Brasil, é notória a dificuldade em conseguir órgãos para transplantes. O desequilíbrio entre doadores e receptores gera uma estrutura de comercialização, contrabando, tráfico ou comércio clandestino em função dessa dificuldade.

Como se pode depreender do quanto dito acima, o modelo escolhido pelo

legislador não resolveu o problema da comercialização de órgãos no Brasil, é dizer,

126 Dados fornecidos pela reportagem na Revista Veja. O CORPO à venda: com a ajuda da internet e sem a fiscalização do governo, cresce no país o criminoso comércio de rins. Veja, Salvador, 23 de maio de 2007.

127 Matéria obtida junto ao Estadão on line. FILA para transplantes no Brasil tem 70 mil pacientes. Estadão online, São Paulo. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,fila-para-transplantes-no-brasil-tem-70-mil-pacientes,248647,0.htm>. Acesso em: 07 jul. 2009.

128 Organización Mundial contra la tortura, in processo 907, 21.03.1994. In.: SÉGUIN, Elida. “Biodireito”. 4.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 143.

129 Id. Ibidem, p. 142.

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viu-se que proibir que o falecido ou seus familiares destinem seus órgãos à pessoa

determinada não tem impedido o comércio de órgãos.

Em que pese os argumentos contra a liberdade de escolha pelo doador na

doação de órgãos post mortem, na prática, tal proibição tem se mostrado um estorvo

no caminho das doações.

Tem-se como exemplo o caso chocante que ocorreu no ano de 1998, em

Florianópolis - SC, trazido por Sá130, em que a mãe de uma menina de seis anos de

idade não autorizou a doação dos órgãos da filha ao saber que a córnea da menina

não poderia ser doada para sua sobrinha.

Sá, de igual forma, critica tal dispositivo131, ao afirmar que:

[o aproveitamento do órgão em pessoa da família, ou em amigo desta, pelo fato de não respeitar a lista única, poderia ser questionado? Imagine-se, por exemplo, o duplo desespero do pai que perde um filho e que, ao mesmo tempo, não pode designar que determinado órgão daquele, que já se encontra em morte cerebral, sirva para outro filho que dele necessite. A proibição de desrespeito à lista única haveria de incluir os próprios legitimados à recusa de retirada de órgãos? E a recusa poderia ser qualificada? Ou teria de ser pura e simples? Ou não teriam os familiares o direito legal à preferência, independentemente de lista, exatamente por não sujeitos a ordem de prelação? Por óbvio entendemos que em tais casos referida lista poderia ser desrespeitada sem motivação.

Igualmente, a própria lei já tratou de coibir o comércio de órgão no capítulo V,

Seção I, ao criminalizar a conduta nos arts. 14, § 1º e 15132, razão pela qual não há

justificativa para negativa de escolha pelo doador.

130 SÁ, Maria de Fátima Freire. “Biodireito e direito ao próprio corpo: doação de órgãos incluindo o estudo da Lei n. 9.434/97”. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.201. 131 Id., Ibidem, p.201.

132 CAPÍTULO V - DAS SANÇÕES PENAIS E ADMNISTRATIVAS. SEÇÃO I - Dos Crimes. Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa. § 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa. Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação.

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4.3.5 Análise da jurisprudência sobre o tema

Cumpre salientar que o tema objeto do presente trabalho não tem sido muito

questionado na doutrina pátria. Fato também observado quando da pesquisa na

jurisprudência. Não foram encontradas decisões específicas sobre o tema aqui

proposto, ou seja: a possibilidade de escolha pelo doador do destinatário de seus

órgãos

As decisões encontradas foram sobre questionamentos acerca do critério

cronológico e o direito dos receptores de excepcionarem tal critério. Nesse sentido, o

Poder Judiciário, na maior parte das vezes, tem decidido no sentido de aceitar o critério

cronológico escolhido pelo legislador, negando, por via de consequência, o direito de

excepcioná-lo para além das hipóteses legais.

A esse respeito, vale carrear o julgamento exarado pelo Des. Lagrasta, do TJSP:

De fato, todos que se encontram na mesma situação do recorrente têm a legitima expectativa de que os critérios da ‘fila’ serão observados, conforme estabelecidos em lei, e por mais ameaçadora que seja a condição de cada um que nela espera, supõe-se existir solidariedade entre os que se vêem acometidos pelo mesmo mal; havendo, identidade de interesses quanto à manutenção ou alteração do sistema de doação de órgãos, de modo a afastar qualquer possibilidade de prover determinada situação particular à revelia dos demais interessados. Desarrazoado, dessa forma alegar que o direito não socorre aos que dormem. [...] Mas, outra circunstância não há que possibilite escape à famigerada ‘lista’. Ocorre, ainda, que, anteriormente à lista prevalecia a ‘lei da selva’, quem pudesse conseguia e os outros sequer tinham meios de obter alguma esperança. Dizer que a lista é elaborada sem observar critérios de isonomia ou gravidade – esta em relação à moléstia e seus estágios – é crítica pertinente, porém que deve ser dirigida, ressalte-se, aos demais Poderes, pois que ao Judiciário descabe criar ou modificar situações, com parecença legislativa, salvo pela não observância, até, daqueles critérios. 133

133 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 306.823-5/5. São Paulo: TJSP; 8ª Câmara de Direito Público, 2003. Relator: Caetano Lagrasta em 28.05.03. Em igual sentido: "MEDIDA CAUTELAR – Liminar – Transplante duplo de órgãos – Prioridade no atendimento – Inadmissibilidade – Lista única de receptores editada por lei federal e regulamentada por decreto – Manutenção dos critérios insertos no Ofício n.º 3197 da Secretaria da Saúde – Impossibilidade – Incompatibilidade com o ato regulamentar vinculado – Liminar revogada – Recurso provido" (JTJ 210/259).

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Nessa linha de intelecção, importa colacionar outro julgado, agora do egrégio

TJRS134:

Com efeito, o pedido diz respeito à recolocação de paciente que aguarda em fila de espera de transplante de órgãos – fígado –, sendo juridicamente impossível ao Poder Judiciário, sem qualquer base científica, determinar a não-observância da lista de espera. Tratando-se de uma questão médica de alta indagação, a avaliação de prioridade deve ser confiada ao Centro de Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, sob pena de se colocar em risco a vida de outras pessoas que aguardam, seguramente com a mesma aflição, a ordem cronológica estabelecida, segundo a compatibilidade dos receptadores.

Também nesse contexto importa descrever outro julgado, agora exarado pelo

Des. Araújo, do TJSP135:

Diz a recorrente que a exigência judicial não podia prevalecer, posto que o receptor não está inscrito em nenhuma lista, podendo ser realizada a doação, em razão da vontade das partes. Tal entendimento, todavia, não é de ser aceito, porquanto, o que a recorrente deseja é burlar a lei brasileira, que é suficientemente explícita a respeito do tema". [...]. Se se tratasse a doadora de parente do receptor ainda assim havia necessidade de prévia autorização do Ministério da Saúde, consoante a

134 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 70011591963 - 3ª Câmara Cível. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos em 07 jul. 05. Em igual senda: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE PÚBLICA. PORTADOR DE CIRROSE ALCOOL + CHC. NECESSIDADE DE TRANSPLANTE DE FÍGADO. INSCRIÇÃO NO SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTE. ALEGAÇÃO DE IMINENTE RISCO DE VIDA. ALTERAÇÃO DA ORDEM DE INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA IMPRESCINDÍVEL. ÔNUS PROBATÓRIO DO AGRAVANTE. LIMINAR INDEFERIDA. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão a espera de um transplante de fígado só poderá ocorrer mediante respaldo da autoridade competente, o que inexiste no caso" (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70008701203 – 4ª Câmara Cível – Relator: Wellington Pacheco Barros – 30.06.04)

135 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 365.796-4/9– 6ª Câmara de Direito Privado. Relator: Magno Araújo em11 nov. 04.

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[regra do art. 8º do Decreto n.º 2.268, de 30.06.97. Correto, destarte, o indeferimento da liminar, pelo não atendimento dos requisitos a que alude a Lei n.º 10.211/2001.

Sem querer adentrar no mérito de tais decisões, ao que parece, a jurisprudência

não tem acertado. É que, conforme mencionado em capítulo próprio o critério adotado

pelo legislador é falho e não tem como ser sustentado.

O critério cronológico não se mostra justo quando a situação de urgência surge.

Nesse sentido, o juiz Eugênio Couto Terra136:

Não resta a menor dúvida que existe a necessidade de estabelecimento de critérios administrativos para a realização de transplantes. Ocorre que um critério exclusivamente temporal – cronologia de inscrição na lista de transplantes – é falsamente democrático e assegurador de igualdade entre todos os que necessitam de transplante de órgãos. Leva em linha de conta uma única variável, quando vários são os fatores que devem ser considerados (por exemplo: risco de morte em caso de não realização em tempo hábil do transplante; expectativa de vida após o transplante; estágio da doença que obrigou à inclusão na lista dos serem transplantados; etc.). [...]. Tal risco, entretanto, não pode levar à ausência de uma decisão, pois estabelecido o dilema, incumbe perscrutar o sistema de princípios do sistema jurídico e optar pelo caminho que melhor preserve a dignidade humana no caso concreto. A apreciação da questão não pode fugir do princípio – ou como preferem alguns, do critério – da ponderação. Tem-se uma situação concreta e real de risco de vida iminente (atestada por equipe médica que merece credibilidade), pois a não realização imediata do transplante implicará na morte do paciente. Esse paciente não se encontra no topo da lista de transplante de fígado e, por força dos critérios administrativos em vigência, não pode ser, em caráter excepcional, considerado como prioritário para a realização do transplante. O sistema – leia-se Central de Transplantes – não tem condições de informar sobre a existência de outro paciente em lista de espera, posicionado antecedentemente ao requerente, que esteja em situação de risco de vida iminente. Talvez até

136 JUSTIÇA autoriza paciente a furar fila de transplante. Consultor Jurídico, 01 fev. 2005. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-fev-01/justica_autoriza_paciente_furar_fila_transplante>. Acesso em 07 jul. 2009.

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[exista, mas não há meio de identificação de tal situação, porque o critério adotado é o cronológico, tão-somente. Valorar mais o critério legal da cronologia, sem qualquer dado adicional de necessidade de urgência na realização do transplante por outra pessoa, é não assegurar o direito à vida no caso concreto. [...] Em resumo, adotando-se o princípio da ponderação, faz-se a escolha pela possibilidade de salvar a vida de um ser humano devidamente identificado e com risco de morte, com o afastamento do critério impessoal – e, como já demonstrado, de pouca eficiência como possibilitador de salvar vidas – estabelecido no regulamento administrativo do Sistema Nacional de Transplantes. [...] . Assim faço, por entender que uma possibilidade tem, necessariamente, de ser relevada quando a única chance de vida de um ser humano, devidamente personalizado e identificado, só é possível com a realização do transplante, mesmo que com isso tenha que ser afastado o critério cronológico estabelecido pelo sistema como o único a ser considerado.

Insta frisar que o tratamento dado ao tema pelo Ilustre Magistrado acima,

representa a ideia de uma minoria que não se curva diante das situações difíceis.

Ao colacionar tais decisões dos tribunais brasileiros, percebe-se que a própria

população a quem o critério se destina acaba por questioná-lo diante da sua evidente

falibilidade.

4.4 TRATAMENTO DADO EM OUTROS SISTEMAS. UMA BERVE ANÁLISE

COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS DE ALGUNS PAÍSES.

4.4.1 Sistema espanhol

Primeiramente, cumpre analisar o sistema espanhol, pois é este o sistema por

excelência já que tem produzido maior eficácia na captação de órgãos em todo o

mundo.

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Atualmente, é considerado como possuidor da melhor estrutura de captação e

transplante de órgãos, com 34 doações por milhões habitantes.137

Tal sistema é regido pela lei n. 30, de 27 de outubro de 1979, regulamentada

pelo Real Decreto n. 426, de 22 de fevereiro de 1980.

Inicialmente, a mencionada lei irá tratar da gratuidade da doação138, tratamento

semelhante ao adotado pelo Brasil. Como se sabe, o art. 1º da lei 9.434/97139, bem

como o art. 14 do Código Civil pátrio permitem a doação de órgãos desde que seja

gratuita140.

Com relação à doação de órgãos entre vivos, a referida legislação dispõe, em

linhas gerais, que o doador deve ser maior de idade, com plena capacidade mental e

que, tendo sido previamente informado das consequências de sua decisão, manifeste-

a de forma expressa, livre e consciente.141

137 ESPANHA é recordista em transplante. Disponível em: <http://fantastico.globo.com/Jornalismo>. Acesso em: 22 jun. 2009. Reportagem do programa Fantástico da Rede Globo, exibido em 03 de maio de 2009.

138 2 Artículo primero. La cesión, extracción, compensación, intercambio y trasplante de órganos humanos, para ser utilizados con fines terapéuticos, sólo podrán realizarse con arreglo a lo establecido por la presente Ley y por las disposiciones que se dicten para su desarrollo.Artículo segundo. No se podrá percibir compensación alguna por la donación de órganos. Se arbitrarán los medios para que la realización de estos procedimientos no sea en ningún caso gravosa para el donante vivo ni para la familia del fallecido. En ningún caso existirá compensación económica alguna para el donante, ni se exigirá al receptor precio por el órgano trasplantado.Artículo tercero. El Ministerio de Sanidad y Seguridad Social autorizará expresamente los Centros sanitarios en que pueda efectuarse la extracción de órganos humanos. Dicha autorización determinará a quién corresponde dar la conformidad para cada intervención.

139 Art. 1º “A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei”.

140 Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

141 Artículo cuarto La obtención de órganos procedentes de un donante vivo para su ulterior injerto o implantación en otra persona podrá realizarse si se cumplen los siguientes requisitos: a. Que el donante sea mayor de edad. b. Que el donante goce de plena facultades mentales y haya sido previamente informado de las consecuencias de su decisión. Esta información se refería a las consecuencias previsibles de orden somático, psíquico y psicológico, a las eventuales repercusiones que la donación pueda tener sobre su vida personal, familiar y profesional así como a los beneficios que con el trasplante se espera haya de conseguir el receptor. c. Que el donante otorgue su consentimiento de forma expresa, libre y consciente, debiendo manifestarlo, por escrito, ante la autoridad pública que reglamentariamente se

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De outra sorte, no tocante à doação de órgãos post mortem, assunto que nos

interessa, a legislação espanhola, em alguns pontos parece assemelhar-se à

legislação brasileira e, em outros, distancia-se bastante

É que o Real Decreto n. 426, de 22 de fevereiro de 1980, em seu artigo 6º

dispõe que os órgãos de falecidos serão retirados desde que obedeçam a alguns

requisitos.

Dentre eles, se encontra a necessidade de haver um centro integrado que

possibilite que o órgão captado seja transplantado para a pessoa mais idônea,

segundo critérios eficazes determinados pela ciência142.

Uma vez criado o centro integrado de transplante, o decreto supramencionado

determina que as pessoas que necessitam de transplante sejam inscritas no programa

de transplantes e doação de órgãos, devendo para tanto serem devidamente

informadas dos riscos do procedimento.

Para isso, foi criada a ONT (Organização Nacional de Transplante) que se

situa junto ao Ministério da Saúde em Madrid e funciona 24 horas por dia, contando

com uma equipe de profissionais de saúde capacitados143.

determine, tras las explicaciones del Médico que ha de efectuar la extracción obligado este también a firmar el documento de cesión del órgano. En ningún caso podrá efectuarse la extracción sin la firma previa de este documento. A los efectos establecidos en esta Ley, no podrá obtenerse ningún tipo de órganos de personas que, por deficiencias psíquicas o enfermedad mental o por cualquier otra causa, no puedan otorgar su consentimiento expreso, libre y consciente. d. Que el destino del órgano extraído sea su trasplante a una persona determinada, con el propósito de mejorar sustancialmente su esperanza o sus condiciones de vida, garantizándose el anonimato del receptor.

142 Artículo 6 La extracción de órganos u otras piezas anatómicas de fallecidos sólo podrá realizarse en los centros sanitarios expresamente autorizados para ello por el Ministerio de Sanidad y Seguridad Social. Deberán reunir las siguientes condiciones y requisitos: 1. Una organización y régimen de funcionamiento interior que permita asegurar la ejecución de las operaciones de extracción de forma satisfactoria. 2. El personal médico y los medios

143 ROCHA, Eduardo. O “modelo espanhol” de transplantes: uma idéia a ser copiada pelos brasileiros? Revista Virtual de Medicina, [S.l.], v. 1, n. 2, ano 1, abr - jun de 1998. Disponível em: <http://www.medonline.com.br/med_ed/med2/espanha2.htm>. Acesso em: 22 jun. 2009.

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Os transplantes são realizados em sua maioria em hospitais públicos que

possuam equipe de captação.

O sistema funciona da seguinte forma:

1. O hospital que captou o órgão doado tem a preferência para encontrar o

receptor dentre aqueles inscritos no programa e que estejam em suas dependências.

2. Não havendo receptor compatível naquele hospital, a ONT vai ser

contatada para interferir na distribuição do (s) órgão (s) doado (s).

3. A ONT vai então buscar, dentre os inscritos em hospitais do mesmo

estado e em outros estados, qual receptor que apresenta maior compatibilidade com o

doador.

Em resumo, a Espanha criou um sistema integrado de captação e transplantes

de órgãos, cuja finalidade é transplantar os órgãos captados para o receptor com maior

compatibilidade dentro daqueles inscritos no programa.

Com isto, não restam dúvidas que no sistema espanhol, não há espaço para

que o doador escolha o receptor de seus órgãos, uma vez que os receptores dos

órgãos doados serão aqueles previamente cadastrados no sistema e cujos exames

demonstrem compatibilidade com o doador.

Note-se que, no sistema espanhol, há uma ordem de preferência que deverá

ser seguida. Os órgãos doados primeiramente devem ser oferecidos ao hospital que

captou o órgão doado e somente diante da ausência de receptor compatível naquela

instituição é que a ONT é chamada para encontrar o receptor compatível.

Como se sabe, no Brasil, a lei 9.434/97, em seu art. 10144, afirma que

transplante só se fará com o consentimento do receptor inscrito na lista única de

transplante; e o Dec.2268/97, em seu art. 30, aduz que os tecidos, órgãos ou partes do

corpo humano não poderão ser transplantados para receptores que não forem

144 Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento.

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indicados pelas CNCDOs145. Vê-se que no Brasil, também não há a possibilidade de

receptor que não esteja na lista única de transplante.

Contudo, na Espanha não há a chamada “lista única de espera” nos moldes da

brasileira. Ao revés, o órgão transplantado, conforme já mencionado, destina-se

primeiramente a receptores inscritos no hospital que captou o órgão e só depois é que

irá para receptores inscritos em outra lista.

De outra sorte, a legislação espanhola, assim como a brasileira, adotou o

critério da morte encefálica.

Insta frisar que, embora as legislações espanholas e brasileira apresentem

semelhanças, na prática, o sistema brasileiro nem de longe consegue alcançar os

resultados de doações e transplantes obtidos pelo sistema espanhol. Talvez, a

explicação esteja na confiabilidade do sistema espanhol, enquanto no Brasil, conforme

disposto no tópico anterior, a lista única é burlada em muitos casos.

4.4.2 Sistema alemão

No sistema alemão vige o decreto de 4 de julho de 1975146. Este decreto impõe

algumas regras para realização de transplantes, que estão dispostas em cinco

capítulos.

O primeiro capítulo intitulado “Princípios” traz em seu bojo os princípios gerais

que deverão ser observados no ato de doação de transplante de órgãos.

Infere-se deste capítulo, precisamente no item I, que o transplante só pode ser

realizado como ultima ratio, ou seja, após verificação de que não existem outros meios

e métodos para conservação/ melhora da saúde do paciente147. Note-se que o direito

145 Abreviação de Centrais de Notificação, Captação e Distribuição.

146 De observar-se que o texto da legislação alemã sobre doação de órgãos e transplante se encontra traduzido na obra de SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Transplante de órgãos e eutanásia. São Paulo: Saraiva, 1992. p.261-262.

147 “Parágrafo 1. Os transplantes de órgãos se realizarão com base nos conhecimentos consolidados na medicina. Será condição de que não ofereça nenhuma ou escassas perspectivas de êxito a aplicação de outros meios ou métodos para a conservação ou melhora da saúde do enfermo”.

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alemão prefere o transplante de órgãos do doador cadáver 148, diferentemente do que

ocorre com o direito brasileiro nesse tema.

O direito pátrio trata de forma igualitária, ao menos no que tange à ordem de

preferência, o doador cadáver e o doador vivo. Todavia, em outros aspectos, como o

direito de escolher o destinatário dos órgãos, o legislador fez diferença, conforme

mencionado em capítulo próprio.

No contexto, como bem observa Cardoso149:

[nesse aspecto, a legislação alemã é mais evoluída, porque a remoção de órgãos de doador cadáver não oferece os mesmos riscos que ofereceria a remoção de um doador vivo, que poderia ter a sua saúde ou a sua expectativa de vida diminuídas com a remoção do tecido.

O legislador alemão afirma que o transplante somente será realizado nos

estabelecimentos sanitários autorizados pelo Ministério da Saúde.

Ainda no capítulo I, a lei dispõe que as doações serão gratuitas150, salvo

quando for doação de sangue. Aqui, também existe diferença entre o direito alemão e o

brasileiro, pois no último, todas as doações serão gratuitas, inclusive as de sangue,

conforme art. 9º, da lei 9434/97151.

148 “ Parágrafo 1. Para realização de transplantes de órgãos se utilizarão preferencialmente de órgãos de cadáver. 3. Os órgãos de doadores vivos, que consistam na doação por uma decisão livre, só poderão ser utilizados para o transplante quando não haja à disposição órgãos de falecidos”.

149 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 67-68.

150 “Parágrafo 3. Não se poderá exigir, oferecer ou proporcionar prestações materialmente econômicas para doações de órgãos. Não ficam afetados, a respeito, os preceitos sobre as doações de sangue e transfusões”.

151 Art. 9o “É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou

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O capítulo II do decreto alemão trata da remoção de órgãos de cadáver para

fins de transplante, enveredando para a linha do consentimento presumido152.

Sobre esse tema Roxin153 tece algumas considerações:

[um caminho intermediário é o seguido pela solução de concordância estendida, que inspira a lei alemã de transplantes. Segundo esta solução, primeiramente importa a concordância do doador de órgãos falecido (§ 3 TPG). Se, eventualmente, não tiver ele se manifestado sobre a questão de um transplante de órgãos após a sua morte, o decisivo será a concordância do parente mais próximo, que deve respeitar a vontade presumida do possível doador de órgãos (§ 4 TPG).

Como se sabe, o sistema brasileiro quando do advento da lei 9.4334/97,

originariamente, adotou o mesmo sistema do consentimento presumido154. Contudo,

diante das pressões sociais, o legislador optou por revogar o dispositivo que assim

tratava do assunto através da lei 10.211 de 23, de março de 2001.

Ainda no que tange à doação post mortem, o direito alemão não indicou

expressamente o momento da morte. Vale dizer, o decreto afirma que uma equipe de

parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea”.

152 Parágrafo 4.1. “A extração de órgãos será permitida para fins de transplantes no caso em que o defunto não adotou outras determinações em vida”.

153 ROXIN, Claus. A proteção da vida humana através do direito penal. In: CONGRESSO DE DIREITO PENAL EM HOMENAGEM A CLAUS ROXIN, 7., 2002, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 21 jun. 2009.

154 “Art. 4º “Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplante ou terapêutica post mortem.” Redação que fora alterada pela Lei 10.211/01, para: “Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”.

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médicos diagnosticará a morte de um indivíduo. Acrescenta que o diagnóstico deverá

ser certo e preciso, mas não adota um critério para determinação da morte155.

Em contrapartida, o direito brasileiro, no art. 3º da lei 9434/97, adota

expressamente o critério da morte encefálica, senão vejamos:

[art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina (grifo nosso).

O capítulo III do decreto de 4 de julho de 1975 trata da remoção de órgãos de

doadores vivos. Não sendo este o objeto do presente trabalho, cumpre apenas elencar

os principais aspectos, sem discuti-los.

Na doação entre vivos, a legislação alemã optou por dar prioridade aos

interesses do doador vivo, devendo o mesmo ser devidamente informado das

condições da remoção dos órgãos, inclusive concedendo benefícios ao doador vivo, se

do procedimento resultarem danos para sua saúde ou concedendo benefícios aos seus

descendentes, se da remoção resultar em morte.156

155 Parágrafo 5.1.“Será pressuposto para extração de órgãos de cadáveres o diagnóstico certo e preciso da morte.” Parágrafo 5.2. “O diagnóstico da morte de um cidadão, em que se tenham tomado medidas reanimatórias para a conservação artificial das funções dos órgãos com o fim de mantê-los vivos, será adotado por uma equipe de médicos, determinado pelo médico do distrito, o qual deverá redigir a ata sobre o mesmo.”Parágrafo 5.3. “A decisão sobre o diagnóstico da morte será independente da de se adotar uma possível extração de órgãos. A equipe médica que diagnostique a morte não poderá realizar o transplante do órgão extraído do defunto.”

156 Parágrafo 7.1. “Para a licitude da extração de um órgão será condição consentimento do doador manifestado por decisão livre sem influências de terceiros. O consentimento não poderá ser substituído”. Parágrafo 7.2. “O doador deverá ser maior de idade”. Parágrafo 7.3. “O doador poderá retira seu consentimento em qualquer momento até imediatamente antes da extração do órgão sem especificar suas razões.” Parágrafo 8.1. “O doador deverá ser informado completamente antes de seu consentimento sobre as consequências e riscos possíveis da extração de um órgão. A informação deverá referir-se a todas as circunstâncias existentes em relação com a mencionada extração, em quanto possam ter transcendência para a manifestação do consentimento do doador.”Parágrafo 8.1. “O consentimento do doador deverá

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Por último, cumpre adentrar no tratamento dado pela legislação alemã no que

tange à doação de órgãos post mortem e o direito de escolha pelo doador, tema aqui

proposto.

O parágrafo 9.1 do decreto retromencionado cuja redação se segue traz a

hipótese de escolha pelo doador em vida: “o doador do órgão poderá dar seu

consentimento para extração do órgão com a condição de que seja transplantado

unicamente em um receptor determinado”.

Em seguida, o parágrafo 9.2 do mesmo dispositivo reza que: “se, depois da

extração, tornar-se impossível o transplante no receptor previsto, este poderá ser

transplantado num terceiro, quando não estejam disponíveis outros órgãos e não seja

possível o reimplante no doador, ou este não o deseje”.

Assim, diante de tais dispositivos pode-se inferir que o tratamento dado à

doação em vida no tocante à escolha pelo doador, embora não seja o mesmo que

escolhido pela legislação brasileira, a ele se assemelha.

ser manifestado perante o médico do distrito competente, em presença de um representante da equipe médica que vai realizar a extração do órgão. O doador se informará então das possibilidades existentes de preocupação.” Parágrafo 8.3. “Será lavrada ata circunstanciada do conteúdo da informação e a manifestação do consentimento, firmada pelo médico do distrito, o representante da equipe médica e o doador”. Parágrafo 11.1. “Quando em face de toda previsão, a extração do órgão produza prejuízos na saúde do doador, se ressarcirão a este as desvantagens materiais derivada do ato com base nas disposições legais.” Parágrafo 11.2. “Se como consequência dos danos na saúde for necessária uma troca de profissão ou da atividade realizada pelo doador, esta se dará através da assistência do órgão estatal e um novo local de trabalho será providenciado, assim como a necessária redução na jornada de trabalho”. Parágrafo 11.3. “Se a causa da extração do órgão produzir a morte do doador, se indenizará os descendentes pelo sustento suprimido e pelos gastos do enterro através do Seguro Estatal da República Democrática Alemã. As prestações do seguro social serão prestadas com as pensões complementares do trabalho e de assistência especial por invalidez”. Parágrafo 13.1. “O consentimento do receptor será condição para realização do transplante de órgãos. Nos casos de cidadãos menores de idade deverá ser tomado o consentimento ao encarregado de sua formação, e, no caso de incapacitado, a seu tutor. Os menores de idade e os incapacitados deverão ser ouvidos, segundo as possibilidades”.

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Isto porque, a legislação alemã assim como a brasileira possibilita que o doador

escolha o donatário, contudo, na última, o donatário somente poderá ser o cônjuge ou

os parentes consanguíneos até o 4º grau, conforme preceitua o art. 9º da lei 9.434/97.

Sobre o tema, opina Cardoso:

Essa faculdade assegurada ao doador de indicar o receptor é temerária, podendo dar lugar a uma disfarçada comercialização de órgãos, pois, ao contrário do direito francês, que somente abre esta possibilidade entre irmãos e irmãs, a legislação alemã não restringe essa destinação 157.

Diferentemente da doação em vida, o decreto alemão não dispõe

expressamente sobre a possibilidade de escolha pelo doador na doação de órgãos

post mortem, o que nos faz acreditar que não há essa possibilidade.

O direito brasileiro, conforme já visto, o decreto nº 2.268/97, que regulamenta a

lei 9.434/97, também, exclui de forma expressa esta possibilidade, ao proibir que os

órgãos sejam doados a pessoas não inscritas na lista única, a teor do que dispõe o art.

30 do decreto158.

4.4.3 Sistema americano

O sistema americano de doação e transplante de órgãos no que tange à

doação post mortem, conforme se verá adiante, é o que mais se aproxima do sistema

proposto pelo presente trabalho.

157 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 70.

158 Art. 30. “A partir da vigência deste Decreto, tecidos, órgãos ou partes não poderão ser transplantados em receptor não indicado pelas CNCDOs”.

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Inicialmente, não havia lei federal dispondo sobre a doação de órgãos e

transplantes. Foi a Lei Uniforme, de 1968, que primeiramente regulamentou a matéria

com o intuito de incentivar as doações.

A Seção I da Lei Uniforme traz definições das expressões a serem utilizadas no

decorrer do texto da lei.

A Seção II trata especificamente da doação. Assim, vai permitir que qualquer

pessoa psicologicamente capaz e que tenha 18 anos completos possa dispor do corpo

ou de parte dele.

Outrossim, o dispositivo “b” permite que a família do falecido doe o corpo do de

cujus de forma integral ou apenas parte dele, estabelecendo uma ordem para escolha:

esposa, filhos adultos, pais, irmãos adultos, tutor ou qualquer pessoa autorizada.

A Seção III vai determinar quem poderá ser o destinatário dos órgãos.

A doação pode ser feita por meio de testamento e, ainda que este venha a ser

anulado, a manifestação de vontade a respeito da doação valerá, se for considerada de

boa-fé. Ainda nesse sentido, o doador pode manifestar sua vontade por meio de

qualquer documento assinado por ele e ratificado por duas testemunhas.

Tem-se, ademais, que o doador poderá escolher o receptor de seus órgãos,

não havendo limitação na escolha, esta poderá recair sobre familiares, amigos ou

estranhos.

Assim, se o doador não escolheu o receptor quando em vida, ao vir a óbito,

seus órgãos serão encaminhados para o Centro de transplantes.

O Centro de Transplantes contém uma lista nacional de possíveis receptores,

cujas informações constam de um programa de computador.

Este programa de computador compara as informações do doador e dos

receptores; só então se faz a escolha do receptor que obedece a alguns requisitos159:

a. Tipo de órgão, tipo de sangue e tamanho do órgão;

b. Distância entre o órgão doado e o paciente;

159PROGAMA de computador. Disponível em: <http://www.ahc.umn.edu/img/assets/26104/Organ_Transplantation.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2009.

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c. Nível de urgência médica (critério não considerado quando o órgão a ser

transplantado é o pulmão);

d. O tempo de espera na lista.

Depois de gerada a lista de classificação, o órgão é oferecido ao centro de

transplante onde se encontra o primeiro paciente da lista. Caso, este paciente não

possa receber o órgão, serão analisados fatores adicionais para selecionar o receptor

mais apropriado. Estes fatores adicionais são:

a. O paciente está disponível e disposto a ser transplantado imediatamente?

b. O paciente é saudável o suficiente para ser transplantado?

Note-se da análise deste sistema, que a autonomia do doador é preservada até

na doação de órgãos post mortem. O modelo americano permite que o doador escolha

o destinatário de seus órgãos ou por testamento ou através de documento hábil.

O filme Seven Pounds160, traduzido para o Brasil como Sete Vidas, relata a

história de um homem que, querendo se redimir da culpa de ter causado a morte de

sete pessoas, entre elas sua esposa, e, após investigar a vida de algumas, resolve se

matar e doar seus órgãos para as pessoas que descobriu serem dignas. No filme, os

órgãos são doados a pessoas indicadas em seu testamento.

Sete Vidas demonstra a possibilidade de doação dirigida a determinada

pessoa, dentro do ordenamento jurídico americano.

Dessa forma, nota-se que o modelo estadunidense consegue unir a autonomia

do doador a uma lista única, demonstrando, assim, a viabilidade do modelo aqui

proposto. Diferenciando-se apenas no que tange à limitação da escolha, que, no caso

do presente trabalho, se restringe aos parentes até 4º grau, em analogia à doação em

vida.

160 SEVEN Pounds. Direção: Gabriele Muccino. [S.l.]: Sony Pictures, 2008. 1 DVD.

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111

4.5 A VIABILIDADE DE ADOÇÃO DA ESCOLHA PELO DOADOR DE ÓRGÃOS PELO

SISTEMA BRASILEIRO. BENEFÍCIOS.

4.5.1 Direito de escolha na esfera da autonomia privada

Consoante demonstrado alhures, o direito ao próprio corpo compreendido sob o

enfoque do direito à doação de órgãos encontra-se nos limites da autonomia do

indivíduo.

Assim, considerando o indivíduo capaz, tendo ele recebido a devida informação

e manifestado livremente a sua vontade, não há porque não permitir que sua vontade

seja respeitada.

A criação de uma lista única de receptores, sem que haja outra opção para o

doador, faz do Estado o proprietário do cadáver, pois é o Estado e não o indivíduo

doador quem vai determinar o receptor de seus órgãos. Trata-se de uma verdadeira

usurpação da autodeterminação do indivíduo, da sua autonomia como ser que interage

na sociedade.

E não há justificativa para tal intervenção estatal. Nem mesmo o combate à

comercialização de órgãos, até porque, como se viu anteriormente, a venda de órgãos,

apesar de ilegal, é prática comum em nosso sistema.

Nota-se, portanto, que a proibição da escolha do doador decorre de uma

intervenção exagerada do Estado na esfera da autonomia privada no indivíduo.

Nesse diapasão, Silva161 traz a crítica de alguns autores sobre o consentimento

presumido, mas que se adequa perfeitamente à situação que ora se coloca:

[intervenção essa inaceitável no regime democrático (que busca uma situação de equilíbrio entre o interesse individual e o social, encontrando uma síntese e uma indivisibilidade entre os grupos de direitos humanos de origem liberal e os de origem socialista) que vivemos, o qual impõe legítimos limites à propriedade privada sobre os mais variados bens”.

161SILVA, Rodrigo Pessoa Pereira da. Doação de órgãos: uma análise dos aspectos legais e sociais. In.: SÁ, Maria de Fátima Freire. (Coord.). “Biodireito”. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 422.

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Cabe ao Estado promover as questões sociais e não intervir de forma

excessiva na esfera da autonomia do indivíduo. Nessa linha, advertem Teixeira e

Baêta162·: “para o crescimento e sucesso da doação de órgãos, o Estado deve se voltar

mais para questões sociais e para a precariedade do atendimento médico e da

informação nesta área”.

De observar-se que admitir a possibilidade de escolha pelo doador do

destinatário de seus órgãos, não implicaria a exclusão do critério da lista única de

receptores, mas, tão somente, acrescentaria ao modelo escolhido pelo legislador uma

outra forma de doação.

Saliente-se que um estudo comparativo entre alguns sistemas estrangeiros

possibilitou dizer que os dois critérios são compatíveis. Prova disso, é a legislação

americana que contempla os dois critérios.

4.5.2 Isonomia de tratamento com relação à doação em vida

Não é demais lembrar que o art. 9º da lei 9.434/97 permite que o doador de

órgãos, na doação em vida, escolha o destinatário de seus órgãos, advertindo-se, no

entanto, que tal escolha deve recair tão somente na pessoa do cônjuge ou parentes

consanguíneos até o quarto grau ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização

judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. Ou seja, o legislador tratou de

forma diferenciada a doação inter vivos e a doação post mortem não encontra

fundamento.

Por óbvio, as diferenças existentes entre as doações são conhecidas e servem

de justificativa para possibilitar a escolha do doador também na doação post mortem.

É cediço, por exemplo, que se não houvesse a possibilidade de escolha pelo

doador, a doação em vida se tornaria praticamente inviável. Isto porque, somente um

indivíduo dotado de extrema bondade consentiria em uma ablação de um órgão para

162 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado ; BAÊTA, Heloísa Maria Coelho. “Bioética, biodireito e o novo código civil de 2002”. In: Id., Ibidem, p. 118.

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ser doado em favor de uma lista, cujos integrantes ele jamais conheceu. Ainda mais

em se tratando de doação gratuita.

Assim, a permissão de escolha para o doador vivo se fundamenta na própria

viabilidade da doação, pois que pautado nas relações familiares. E a própria limitação

no que tange aos receptores que devem ser cônjuge ou parentes consanguíneos até o

quarto grau, represente a repressão ao comércio de órgãos, salientando o caráter

pessoal da doação.

O argumento utilizado para diferenciar o tratamento dado às doações serve, ao

mesmo tempo, como alicerce para se garantir também a possibilidade de escolha pelo

doador na doação post mortem.

Isto porque, na doação para após a morte, a possibilidade de o doador destinar

à pessoa determinada os seus órgãos também teria um caráter pessoal pautado nas

relações familiares, o que, provavelmente, serviria como forma de angariar mais

doadores.

De outra sorte, a própria limitação constante da doação inter vivos seria trazida

para doação post mortem. Assim, também na doação post mortem, a escolha seria

limitada ao cônjuge e parentes consanguíneos até o 4º grau, sem a ressalva de que a

autorização judicial poderia permitir a doação a qualquer pessoa.

4.5.3 Instrumento de combate à comercialização

Afirma-se que a proibição da escolha pelo doador do receptor de seus órgãos

na doação post mortem encontra fundamento na proibição de comercialização de

órgãos. É dizer, possibilitar a escolha do doador poderia ensejar a prática da

mercantilizaçao do corpo humano, tão repudiada pelo ordenamento.

Entretanto, ao contrário do que se diz, a possibilidade de escolha pelo doador

na doação post mortem poderia ser utilizada como instrumento de combate à

comercialização. Mas, de que forma?

Conforme supra mencionado, ao possibilitar a escolha do destinatário dos

órgãos, o ordenamento jurídico empresta um caráter altruísta a doação, embasado nas

relações familiares que ainda hoje comandam a sociedade.

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O apelo às relações familiares talvez possa ajudar na coibição do comércio de

órgãos.

Despiciendo ressaltar que a proibição da escolha não surtiu os efeitos

esperados e comumente se tem notícias do tráfico de órgãos pelo país.

Desta forma, nota-se que carece de fundamento o dispositivo que proíbe a

escolha do doador na doação para após a morte, razão pela qual não se justifica a

intervenção estatal na esfera da autonomia do individuo.

4.6 PROPOSTA PARA SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Apesar das duras críticas feitas neste trabalho à lista única de receptores e

demonstração da falibilidade do sistema escolhido pelo legislador, cumpre salientar

que tais críticas e observações que foram feitas destinam-se apenas à adoção do

critério exclusivo de ordem cronológica.

Reconhece-se que o critério cronológico pode, de fato, estar pautado no

princípio da justiça, contudo, para que se consiga de fato a justiça e a igualdade que se

propõe, é necessário combiná-lo com outros critérios a exemplo da Espanha e dos

EUA.

Assim, o que se pretende com o presente trabalho é compatibilizar o modelo de

lista única de receptores trazidos pela legislação pátria, com a possibilidade de escolha

pelo doador dos destinatários de seus órgãos.

Insta frisar que o objetivo que aqui se intenta não é o de exterminar a lista

única, mas compatibilizar os dois modelos.

Diante do exposto, só nos resta propor uma solução para a questão que se

impõe.

A proposta cabível é no sentido de que a lei excepcione o critério da lista, da

mesma forma que fez em outras ocasiões, e permita que o doador possa escolher o

destinatário de seus órgãos, quando da sua morte, através de testamento ou

documento hábil, constando assinatura de duas testemunhas.

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115

Assim, tendo o doador escolhido o receptor de seus órgãos, a ele devem ser

doados. Caso não haja esta escolha, ou haja impossibilidade do donatário em recebê-

los, os órgãos deverão ser encaminhados aos inscritos na lista única de receptores.

No entanto, não se pretende que a escolha seja livre, mas que, em analogia ao

quanto disposto na doação intervivos, seja restrita à pessoa do cônjuge a parentes até

o 4º grau.

De observar-se que, conforme mencionado em outro item, não seria a primeira

vez que a legislação brasileira permitiria a escolha pelo doador de órgãos post mortem.

Todavia, a escolha que se propõe é limitada e não livre como aconteceu nas

legislações revogadas.

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5 CONCLUSÃO

De tudo o quanto exposto nos capítulo acima, pode-se auferir as seguintes

conclusões:

O direito ao próprio corpo, com enfoque no direito à doação de órgãos, é

espécie do gênero direitos da personalidade.

E sendo espécie possui características inerentes ao gênero. Dentre estas

características, levanta-se a característica da indisponibilidade.

A este respeito, diz-se que a indisponibilidade dos direitos da personalidade

sofreu mitigação, temperamento e, hoje, já se admite a sua disponibilidade relativa.

Não se pode perder de vista que a autonomia do indivíduo exerceu o papel de

instrumento mitigador da indisponibilidade dos direitos da personalidade.

Outra questão também debatida foi a respeito da autonomia como princípio

bioético, ressaltando-se que nesse aspecto, reconhece-se o direito do indivíduo

autodeterminar-se, autogovernar-se, bem como o direito do indivíduo de ser respeitado

em sua autonomia.

Analisando alguns instrumentos legais de ofensa à autonomia do indivíduo,

tem-se a doação presumida, que já foi exterminada do ordenamento pátrio, e a própria

vedação de escolha pelo doador do destinatário de seus órgãos na doação post

mortem.

Assim, tal intervenção é ilegítima, pois afronta o indivíduo em sua autonomia.

Outrossim, através de um estudo da evolução legislativa nacional sobre o tema

de transplantes de órgãos, nota-se que, caso houvesse mudança na lei no sentido de

possibilitar que o doador escolhesse o destinatário de seus órgãos, esta não seria a

primeira vez que um dispositivo traria esta possibilidade.

Da análise da legislação atual sobre transplantes, a lei 9.434/97 e o decreto

2.268/97, tem-se que o legislador diferenciou o tratamento entre a doação inter vivos e

a doação post mortem, permitindo que, somente em vida, o doador possa escolher o

destinatário dos seus órgãos.

Nota-se também que o legislador escolheu o modelo de lista única de

receptores, adotando como critério único o cronológico.

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Percebe-se que o critério cronológico é falho e, muitas vezes, burlado, seja

através de práticas ilegais, como a venda de órgãos, por exemplo, sendo o seu

expoente o tráfico de órgãos; seja através de intervenção judicial na tentativa de

garantir a vida dos que se socorrem deste expediente.

Em relação ao modelo proposto, nota-se que, através de uma análise de

legislações estrangeiras, o sistema legal dos EUA é o que mais se assemelha à

proposta apresentada.

Por fim, conclui-se pela possibilidade de excepcionar o critério da lista única de

receptores, permitindo que o doador possa escolher o destinatário de seus órgãos na

doação post mortem, com fundamento na autonomia do doador, na isonomia de

tratamento com relação à doação em vida; e na adoção de modelo semelhante, em

outros países.

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ANEXOS

ANEXO A – LEGISLAÇÃO PERTINENTE

Senado Federal

Subsecretaria de Informações

LEI N. 4.280 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1963

Dispõe sôbre a extirpação de órgão ou tecido de pessoa falecida

Faço saber que o Congresso Nacional decretou, o Presidente da República sancionou, nos têrmos do § 2º do art. 70 da Constituição Federal, e eu Auro Moura Andrade, Presidente do Senado Federal, promulgo, de acôrdo com o disposto no § 4º do mesmo artigo, da Constituição, a seguinte lei:

Art. 1º É permitida a extirpação de partes de cadáver, para fins de transplante, desde que o de cujus tenha deixado autorização escrita ou que não haja oposição por parte do cônjuge ou dos parentes até o segundo grau, ou de corporações religiosas ou civis responsáveis pelo destino dos despojos.

Parágrafo Único. Feito o levantamento do órgão ou tecido destinado à transplantação, o cadáver será devida, cuidadosa e condignamente recomposto.

Art. 2º A extirpação de outras partes do cadáver que não sejam a córnea deverá, ser especificada no regulamento da execução desta lei baixada pelo Chefe do Poder Executivo e referendo pelo Ministro da Saúde.

Art. 3º Para que se realize qualquer extirpação de órgão ou parte do cadáver, é mister que esteja provada de maneira cabal a morte atestada pelo diretor do hospital onde se deu o óbito ou por seus substitutos legais.

Art. 4º A extirpação para finalidade terapêutica autorizada nesta lei só poderá ser realizada em Instituto Universitário ou em Hospital reconhecido como idôneo pelo Ministro da Saúde ou pelos Secretários da Saúde, com aprovação dos Governadores dos Estados ou Territórios ou de Prefeito do Distrito Federal.

Art. 5º Os Diretores das instituições hospitalares ou Institutos Universitários onde se realizem as extirpações de órgãos ou tecido de cadáver com finalidade

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terapêutica remeterão. ao fim de cada ano ao Departamento Nacional de Saúde Pública, as relatórios dos atos cirúrgicos relativos a essas extirpações, bem como os resultados dessas operações.

Art. 6º A doação da parte orgânica a extirpar só poderá ser feita a pessoa determinada ou a instituição idônea, aprovada e reconhecida peIo Secretário da Saúde do Estado e pelo Governador ou Prefeito do Distrito Federal.

Art. 7º Os Diretores de Institutos Universitários e dos Hospitais devem comunicar ao Diretor da Saúde Pública, semanalmente, quais os enfermos que espontaneamente se propuseram a fazer as doações post recortem, de seus tecidos ou órgãos, com destino a transplante, e o nome das instituições, ou pessoas contempladas.

Art. 8º A extirpação deve ser efetuada de preferência pelo facultativo encarregado do transplante e quando possível na presença dos médicas que atestaram o óbito. Só é permitida uma extirpação em cada cadáver, devendo evitar-se mutilações ou dissecações não absolutamente necessárias.

Art. 9º As despesas com a extirpação ou o transplante, fixadas em cada caso pelo Diretor da Saúde Pública, serão custeados pelo interessado, ou pelo Ministério da Saúde, quando o recebedor do enxêrto fôr reconhecidamente pobre,

Art. 10. Esta lei entrará em vigor na data de sua, publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, em 6 de novembro de 1963; 142º da Independência e 15º da República.

AURO MOURA ANDRADE

Presidente de Senado Federal

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Senado Federal

Subsecretaria de Informações LEI Nº 5.479, DE 10 DE AGÔSTO DE 1968.

Dispõe sôbre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêutica e científica, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A disposição gratuita de uma ou várias partes do corpo post mortem, para fins terapêuticos é permitida na forma desta Lei.

Art. 2º A retirada para os fins a que se refere o artigo anterior deverá ser precedida da prova incontestável da morte.

1º - ... VETADO

§ 2 - .... VETADO

§ 3º - ... VETADO

Art. 3º A permissão para o aproveitamento, referida no art. 1º, efetivar-se-á mediante a satisfação de uma das seguintes condições:

I - Por manifestação expressa da vontade do disponente;

II - Pela manifestação da vontade, através de instrumento público, quando se tratar de dispoentes relativamente incapazes e de analfabetos;

III - Pela autorização escrita do cônjuge, não separado, e sucessivamente, de descendentes, ascendentes e colaterais, ou das corporações religiosas ou civis responsáveis pelo destino dos despojos;

IV - Na falta de responsáveis pelo cadáver a retirada, somente poderá ser feita com a autorização do Diretor da Instituição onde ocorrer o óbito, sendo ainda necessária esta autorização nas condições dos itens anteriores.

Art. 4º A retirada e o transplante de tecidos, órgãos e partes de cadáver, somente poderão ser realizados por médico de capacidade técnico comprovada, em instituições públicas ou particulares, reconhecidamente idôneas e autorizadas

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pelos órgãos públicos competentes.

Parágrafo único. O transplante somente será realizado se o paciente não tiver possibilidade alguma de melhorar através de tratamento médico ou outra ação cirúrgica.

Art. 5º Os Diretores de Institutos Universitários e dos Hospitais devem comunicar ao Diretor da Saúde Pública quais as pessoas que fizeram disposições, para post mortem, de seus tecidos ou órgãos, com destino a transplante e o nome das instituições ou pessoas contempladas.

Art. 6ª Feita a retirada, o cadáver será condignamente recomposto e entregue aos responsáveis para o sepultamento.

Parágrafo único. A infração ao disposto neste artigo será punida com a pena prevista no art. 211 do Código Penal.

Art. 7º Não havendo compatibilidade, a destinação a determinada pessoa poderá, a critério do médico chefe da Instituição, e mediante prévia disposição ou autorização de quem de direito, ser transferida para outro receptor, em que se verifique aquela condição.

Art. 8º Os Diretores das instituições hospitalares ou institutos universitários onde se realizem as retiradas de órgãos ou tecidos de cadáver com finalidade terapêutica remeterão ao fim de cada ano, ao Departamento Nacional de Saúde Pública, os relatórios dos atos cirúrgicos relativos a essas retiradas, bem como os resultados dessas operações.

Art. 9º A retirada de partes do cadáver, sujeito por fôrça de lei à necropsia ou à verificação do diagnóstico causa mortis, deverá ser autorizada pelo médico-legistae citada no relatório da necropsia ou da verificação diagnóstica.

Art. 10. É permitido à pessoa maior e capaz dispor de órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins humanitários e terapêuticos.

§ 1º A autorização do disponente deverá especificar o tecido, ou órgão, ou a parte objeto da retirada.

§ 2º Só é possível a retirada, a que se refere êste artigo, quando se tratar de órgãos duplos ou tecidos, vísceras ou partes e desde que não impliquem em prejuízo ou mutilação grave para o disponente e corresponda a uma necessidade terapêutica, comprovadamente indispensável, para o paciente receptor.

Art. 11. A infração ao disposto nos arts. 2º, 3º, 4º e 5º desta lei será punida com a pena de detenção de um a três anos sem prejuízo de outras sanções que no caso

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couberem.

Art. 12. As intervenções disciplinadas por esta lei não serão efetivadas se houver suspeita de ser o disponente vítima de crime.

Art. 13. As despesas com as retiradas e transplantes serão disciplinadas na forma determinada pela regulamentação desta Lei.

Art. 14. O Departamento Nacional de Saúde Pública será o órgão fiscalizador da execução desta Lei.

Art. 15. O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias, a partir da data de sua publicação.

Art. 16. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas a Lei nº 4.280, de 6 de novembro de 1963, e demais disposições em contrário.

Brasília, 10 de agôsto de 1968; 147º da Independência e 80º da República.

A. COSTA E SILVA

Luís Antônio da Gama e Silva

Leonel Miranda

Lei nº 8.489, de 18 de Novembro de 1992

Dispõe sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos e científicos e dá outras providências. O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º A disposição gratuita de uma ou várias partes do corpo post mortem para fins terapêuticos e científicos é permitida na forma desta lei. Art.2º(Vetado) Art. 3º A permissão para o aproveitamento, para os fins determinados no art. 1° desta lei, efetivar-se-á mediante a satisfação das seguintes condições: I - por desejo expresso do disponente manifestado em vida, através de documento pessoal ou oficial;

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II - na ausência do documento referido no inciso I deste artigo, a retirada de órgãos será procedida se não houver manifestação em contrário por parte do cônjuge, ascendente ou descendente. Art. 4º Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente recomposto e entregue aos responsáveis para sepultamento ou necropsia obrigatória prevista em lei. Parágrafo único. A não-observância do disposto neste artigo será punida de acordo com o art. 211 do Código Penal. Art. 5º (Vetado.) Art. 6º O transplante de tecidos, órgãos ou partes do corpo, somente poderá ser realizado por médicos com capacidade técnica comprovada, em instituições públicas ou privadas reconhecidamente idôneas e devidamente cadastradas para este fim no Ministério da Saúde. Parágrafo único. Os prontuários médicos detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos serão mantidos nos arquivos das instituições referidas e um relatório anual, contendo os nomes dos pacientes receptores, será enviado ao Ministério da Saúde. Art. 7º A retirada de partes do cadáver, sujeito por força de lei à necropsia ou à verificação diagnóstico causa mortis , deverá ser autorizada por médico-legista e citada no relatório da necropsia ou da verificação diagnóstica. Art. 8º As despesas com as retiradas e transplantes previstos nesta lei serão custeadas na forma determinada pela sua regulamentação. Art.9º(Vetado) Art. 10. É permitida à pessoa maior e capaz dispor gratuitamente de órgãos, tecidos ou partes do próprio corpo vivo para fins humanitários e terapêuticos. § 1º A permissão prevista no caput deste artigo limita-se à doação entre avós, netos, pais, filhos, irmãos, tios, sobrinhos, primos até segundo grau inclusive, cunhados e entre cônjuges. § 2º Qualquer doação entre pessoas não relacionadas no parágrafo anterior somente poderá ser realizada após autorização judicial. § 3º O disponente deverá autorizar especificamente o tecido, órgãos ou parte do corpo objeto da retirada. § 4º Só é permitida a doação referida no caput deste artigo quando se tratar de órgãos duplos, partes de órgãos, tecidos, vísceras ou partes do corpo que não

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impliquem em prejuízo ou mutilação grave para o disponente e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora. Art. 11. A não-observância do disposto nos arts. 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 10 desta lei será punida com pena de detenção de um a três anos, sem prejuízo de outras sanções que no caso couberem. Art. 12. A notificação, em caráter de emergência, em todos os casos de morte encefálica comprovada, tanto para hospital público, como para a rede privada, é obrigatória. Art. 13. (Vetado) Art. 14. O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta lei no prazo máximo de sessenta dias, a partir da data de sua publicação. Art. 15. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 16. Revogam-se as disposições em contrário, particularmente a Lei n° 5.479, de 10 de agosto de 1968. Brasília, 18 de novembro de 1992; 171° da Independência e 104° da República. ITAMAR FRANCO Maurício Corrêa Jamil Haddad Publicação:

Diário Oficial da União - Seção 1 - 20/11/1992 , Página 16065 (Publicação) Coleção de Leis do Brasil - 1992 , Página 2948 (Publicação)

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Decreto nº 879, de 22 de Julho de 1993

Regulamenta a Lei n° 8.489, de 18 de novembro de 1992, que dispõe sobre a retirada e o transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos, científicos e humanitários. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 14 da Lei n° 8.489, de 18 de novembro de 1992, DECRETA:

Art. 1º. A disposição gratuita, a retirada e o transplante de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, vivo ou morto, com fins terapêuticos, humanitários e científicos obedecerá ao disposto na Lei n° 8.489, de 18 de novembro de 1992, e neste Decreto.

§ 1° A disposição gratuita, a retirada e o transplante de tecidos, ou partes do corpo humano vivo será admitida apenas para fins terapêuticos e humanitários.

§ 2° Para os efeitos deste decreto, o sangue, o esperma e o óvulo não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere o caput deste artigo. Art. 2º. Os tecidos, órgãos e partes do corpo humano são insusceptíveis de comercialização. Art. 3º. Para os efeitos deste decreto, considera-se:

I - doador - a pessoa maior e capaz, apta a fazer doação em vida, ou post mortem de tecido, órgão ou parte do seu corpo, com fins terapêuticos e humanitários; II - receptor - pessoa em condições de receber, por transplante, tecidos, órgãos ou partes do corpo de outra pessoa viva ou morta, e que apresente perspectivas fundadas de prolongamento de vida ou melhoria de saúde;

III - transplante - ato médico que transfere para o corpo do receptor tecido, órgão ou parte do corpo humano, para os fins previsto no art. 1°.

IV - autotransplante - transferência de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de um lugar para outro do corpo do mesmo indivíduo;

V - morte encefálica - a morte definida, como tal, pelo Conselho Federal de Medicina e atestada por médico.

Parágrafo único. A definição de morte encefálica, a que se refere o inciso V deste artigo, não exclui os outros conceitos de condições de morte.

Art. 4º. O transplante somente será realizado se não existir outro meio de prolongamento ou melhora da qualidade de vida ou melhora da saúde do indivíduo enfermo e se houver conhecimento consolidado na medicina que admita êxito na operação, ficando vedada a tentativa de experimentação no ser humano.

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Parágrafo único. O transplante de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano somente será realizado por médico com capacidade técnica comprovada, em instituições públicas ou privadas reconhecidamente idôneas e devidamente cadastradas, para esse fim, no Ministério da Saúde, observado o disposto no art. 26.

Art. 5º. 0 autotransplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, ou, se este for civilmente incapaz, do seu representante legal.

Art. 6º. Para realização de transplante serão utilizados, preferentemente, tecidos órgãos ou partes de cadáveres.

Art. 7º. Somente será admitida a utilização de tecidos, órgãos ou parte do corpo humano se existir desejo expresso do doador manifestado em vida, mediante documento pessoal ou oficial nos termos do art. 3º, inciso I; da Lei nº 8.489, de 1992, e deste Decreto. Parágrafo único. Na falta dos documentos indicados no caput deste artigo a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano somente será realizada se não houver manifestação em contrário por parte do cônjuge, ascendente ou descendente, observado o disposto no § 6° do art. 31.

Art. 8º. A retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano será precedida de diagnóstico e comprovação da morte, atestada por médico nos termos da Lei de Registros Públicos. § 1º O diagnóstico e a comprovação da morte não deverão guardar qualquer relação com a possibilidade de utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para transplante. § 2º O médico que atestar a morte do indivíduo não poderá ser o mesmo a realizar o transplante, nem fazer parte da equipe médica responsável pelo transplante. § 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.

Art. 9º. A utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para fins científicos somente será permitida depois de esgotadas as possibilidades de sua utilização em transplantes.

Art. 10. A retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, sujeito, por força de lei, à necrópsia, ou à verificação de diagnóstico da causa mortis , será autorizada por médico-legista e citada no relatório da necrópsia ou da verificação diagnóstica.

§ 1° A comunicação da morte ao órgão de medicina legal ou ao médico-legista, ocorrida nas circunstâncias prevista no caput deste artigo, será feita pela direção do hospital onde a morte ocorreu.

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§ 2° O relatório circunstanciado que obrigatoriamente acompanhará o cadáver, deverá descrever o exame físico de admissão, o tratamento clínico ou cirúrgico realizado e quando se tratar de morte encefálica, os critérios que a definiram.

§ 3° É vedado à equipe médica responsável pela retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo a realização de atos médicos que possam prejudicar o diagnóstico da causa mortis pelo médico-legista.

§ 4° A equipe médica de que trata o parágrafo anterior elaborará relatório circunstanciado descrevendo os procedimentos realizados, que será encaminhado ao órgão de medicina legal ou ao médico-legista, juntamente com o cadáver.

Art. 11. Após a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, o cadáver será condignamente recomposto e entregue aos responsáveis pelo sepultamento ou necrópsia legalmente obrigatória.

Art. 12. É permitido à pessoa maior e capaz, dispor, gratuitamente, de tecidos, órgãos ou partes do próprio corpo vivo para fins humanitários, e terapêuticos.

§ 1° A permissão prevista neste artigo limitar-se-á à doação entre avós, netos, pais, filhos, irmãos, tios, sobrinhos, primos até segundo grau inclusive, e entre cônjuges.

§ 2° A doação entre pessoas não relacionadas no § 1° somente poderá ser realizada após autorização judicial.

§ 3º A doação referida ao caput deste artigo somente será permitida quando se tratar de órgãos duplos, parte de órgãos, tecidos, vísceras ou partes do corpo que não impeçam os organismos do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade ou grave comprometimento de suas aptidões vitais, nem possa produzir-lhe mutilação ou deformação inaceitável ou, ainda, causar qualquer prejuízo à sua saúde mental, e, corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável ao receptor.

§ 4º O indivíduo menor, irmão ou não de outro com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação para receptor enumerado no § 1°, nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento dos seus pais e autorização judicial e não exista risco para a sua saúde.

§ 5° É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato médico não oferecer nenhum risco à gestante e ao feto.

Art. 13. A retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, em vida, somente será realizada se, além de o doador gozar de boa saúde, existir histocompatibilidade sangüínea e imunológica comprovada entre ele e o receptor.

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§ 1° O doador será prévia e obrigatoriamente esclarecido sobre as conseqüências e riscos possíveis da extração de tecidos, órgãos ou partes do seu corpo. O esclarecimento deverá ser verbal e por escrito, cumprindo ao doador manifestar expressamente o seu assentimento.

§ 2° Os esclarecimentos verbal e escrito ao doador abrangerão todas as circunstâncias relacionadas com a extração de tecidos, órgãos ou partes do seu corpo, e dos riscos, físicos e psicológicos, que a intervenção envolve.

Art. 14. O doador assinará documento especificando os tecidos, órgãos ou partes do corpo que doa e afirmando estar ciente, diante dos esclarecimentos que lhe foram prestados na forma dos §§ 1° e 2° do art. 13, de todos os fatos e riscos inerentes à intervenção, ou dela decorrentes.

§ 1° O documento de doação, bem como o documento com os esclarecimentos referidos nos §§ 1° e 2° do art. 13, ficarão arquivados no prontuário médico do hospital responsável pela retirada dos tecidos, órgãos, ou partes do corpo, entregando-se uma cópia ao doador.

§ 2° Quando se tratar de doação por autorização judicial, ficará arquivada no prontuário médico do hospital uma cópia da sentença do juiz, juntamente com os documentos mencionados no § 1° deste artigo.

Art. 15. A decisão do doador não poderá sofrer influência que lhe vicie o consentimento, sendo-lhe facultado revogar o consentimento dado, até a extração dos órgãos, tecidos ou partes do seu corpo, sem necessidade de justificar ou explicar suas razões. Art. 16. Na doação em vida, o hospital e a central de notificação respeitarão o anonimato do ato.

Art. 17. A pessoa maior e capaz poderá inscrever-se na Central de Notificação da Secretaria de Saúde como doador post mortem ou como doador em vida, indicando especificamente os tecidos, órgãos ou partes do seu corpo que pretende doar. Art. 18. Respeitado o sentido humanitário do ato, a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo por pessoas não relacionadas no § 1° do art. 12 poderá ser autorizada judicialmente, e será precedida de:

I - constatação da sanidade mental do doador;

II - inexistência de qualquer tipo de retribuição, seja monetária, material ou de outra espécie;

III - inexistência de coação;

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IV - respeito ao anonimato do doador e do receptor;

V - termo de doação.

Parágrafo único. Nos casos de autorização judicial para doação, o doador fica subordinado às exigências deste decreto para efeito de retirada de tecidos, órgãos ou partes doadas do seu corpo.

Art. 19. Comprovada a morte encefálica, nos termos do art. 3°, inciso V, é obrigatória a sua notificação, em caráter de urgência.

§ 1° A notificação é obrigatória para o hospital público e para o hospital privado.

§ 2° A notificação será efetuada à Central de Notificação da Secretaria de Estado da Saúde, pela direção do hospital onde a morte encefálica ocorreu, imediatamente à sua constatação.

Art. 20. Serão, também, objeto de notificação à Central de Notificação da Secretaria: I - a existência de paciente-receptor com enfermidade ensejadora de transplante; II - o óbito de indivíduo que preencha os requisitos fixados no art. 7°; III - a doação em vida de tecidos, órgãos ou partes do corpo.

§ 1° No tocante à pessoa enferma, a direção do hospital mencionará na notificação, imediatamente à indicação do transplante, os dados do paciente, definidos pelo Ministério da Saúde para compor o cadastro técnico da Central de Notificação.

§ 2° A notificação mencionada neste artigo é obrigatória para o hospital público e para o hospital privado. Art. 21. A direção do hospital, por ocasião da notificação da morte, informará à Central de Notificação da Secretaria de Saúde do Estado se existe documento em vida quanto à doação ou se, na sua ausência, não há objeção do cônjuge, ascendente ou descendente quanto à retirada de tecido, órgão ou parte do corpo ou falecido para fins de transplante, nos termos do § 6° do art. 31.

Art. 22. Depois da notificação da existência de tecidos, órgãos ou partes do corpo disponível para transplante, observados os critérios do cadastro técnico (ordem cronológica de inscrição associada, quando necessário à verificação da compatibilidade sangüínea e imunológica e a gravidade da enfermidade), a Central de Notificação da Secretaria de Saúde do Estado selecionará mais de um indivíduo receptor, até o máximo de dez, e os encaminhará ao hospital responsável pela realização do transplante.

§ 1° O hospital, observados outros critérios médicos, determinará o paciente que será o receptor do tecido, órgão ou parte do corpo.

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§ 2° O disposto neste artigo não se aplica à doação em vida entre as pessoas indicadas no § 1° do art. 12 e àquelas que a autorização judicial defina quem é o indivíduo receptor. Art. 23. As despesas hospitalares para a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano serão remuneradas pelos órgãos gestores do Sistema Único de Saúde, de acordo com a tabela de remuneração de procedimentos de assistência à saúde, ainda que o hospital não mantenha convênio ou contrato com o Poder Público.

Art. 24. Quando o tecido, órgão ou parte do corpo humano encontrar-se em hospital privado que embora cadastrado no Ministério da Saúde como habilitado para realização de transplante, não integre o Sistema Único de Saúde, a Central de Notificação providenciará para que a realização do transplante se dê em hospital público ou integrante do Sistema Único de Saúde, se o receptor não for paciente do hospital privado.

Art. 25. Os hospitais públicos e privados somente serão considerados aptos a realizar transplantes, na forma deste decreto, se estiverem cadastrados em órgãos do Sistema Único de Saúde indicados pelo Ministério da Saúde.

Art. 26. O Ministério da Saúde expedirá normas sobre:

I - as exigências e o cadastro em órgão do Sistema Único de Saúde de hospital habilitado a realizar transplantes;

II - as exigências e o cadastro em órgão do Sistema Único de Saúde de laboratório habilitado a realizar exames de compatibilidade sangüínea e imunológica;

III - os requisitos para a comprovação da capacidade técnica do médico mencionada no parágrafo único do art. 4°.

IV - a organização das Centrais de Notificação das Secretarias de Saúde dos Estados. Art. 27. Os hospitais manterão prontuários médicos detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes, que serão mantidos nos arquivos das instituições cadastradas no órgão do Sistema Único de Saúde.

Parágrafo único. Anualmente, as instituições hospitalares encaminharão ao Ministério da Saúde e à Central de Notificação das Secretarias de Saúde do respectivo Estado relatório contendo os nomes dos pacientes, o transplante realizado, a condição do doador e o estado de saúde do receptor, a fim de compor o Sistema Nacional de Informações em Saúde. Art. 28. As entidades públicas e as entidades privadas de pesquisa, bem como as instituições de ensino da área biomédica serão autorizadas a dispor, para fins de pesquisa científica, de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano que não forem utilizados para transplantes em seres humanos, tendo preferência os órgãos e

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entidades públicas. Art. 29. A utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos e pesquisas obedecerá ao disposto na Lei n° 8.501, de 30 de novembro de 1992.

Art. 30. No âmbito do Sistema Único de Saúde funcionarão, vinculados às Centrais de Notificação das Secretarias de Estado da Saúde, bancos de olhos, de ossos e de medula, bem como outros bancos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano.

Art. 31. O Ministério da Saúde providenciará modelo simplificado e padronizado de documento de doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano que será reproduzido e distribuído, gratuitamente, à população, por intermédio dos órgãos gestores do Sistema Único de Saúde e outros por eles autorizados.

§ 1° O documento padronizado não retira a validade de documento fora do padrão fixado pelo Ministério da Saúde, no qual esteja expressa a disposição de doar tecido, órgão ou parte do corpo, com a identificação do doador, desde que o documento contenha a assinatura do doador.

§ 2° A direção do hospital conferirá a assinatura constante do documento fora do padrão oficial, ou do documento padronizado, com a assinatura existente em qualquer documento oficial de identidade do doador falecido.

§ 3° Não sendo possível a conferência de assinaturas, o dirigente do hospital solicitará ao cônjuge, ascendente ou descendente que ateste como legítimo aquele documento, mediante declaração escrita e assinada.

§ 4° A direção do hospital anexará ao prontuário do paciente-receptor o documento mencionado neste artigo.

§ 5° Sendo analfabeto o doador e os membros de sua família, as assinaturas serão substituídas pelas impressões digitais na presença de duas testemunhas alfabetizadas.

§ 6° Se os tecidos, órgãos ou partes do corpo forem utilizados para fins científicos, o documento referido neste artigo ficará arquivado no hospital onde ocorreu o falecimento do doador, devendo uma cópia ser encaminhada à instituição de pesquisa.

§ 7º Se o cônjuge, ascendente ou descendente não se opuser à retirada do tecido, órgão ou parte do corpo do seu familiar, e não houver manifestação de vontade, em vida, do falecido, contrária àquela utilização, o dirigente do hospital exigirá dos familiares documento escrito e assinado com a autorização.

Art. 32. O Ministério da Saúde, no prazo de trinta dias da publicação deste decreto, expedirá instruções para a organização da Central de Notificação e demais atos necessários à execução do presente Decreto.

Art. 33. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

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Brasília, 22 de julho de 1993; 172° da Independência e 105º da República.

ITAMAR FRANCO

Jamil Haddad

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LEI Nº 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997.

Regulamento

Mensagem de veto

Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.

Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde.

"Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

CAPÍTULO II

DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE.

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que

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tratam os arts. 2º, parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.

§ 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema único de Saúde.

§ 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.

Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais.

Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas.

Art. 7º (VETADO)

Parágrafo único. No caso de morte sem assistência médica, de óbito em decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necrópsia.

Art. 8o Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente necropsiado, se verificada a hipótese do parágrafo único do art. 7o, e, em qualquer caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

CAPÍTULO III

DA DISPOSIÇÃO DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO VIVO PARA FINS DE TRANSPLANTE OU TRATAMENTO

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Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

§ 1º (VETADO)

§ 2º (VETADO)

§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.

§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.

§ 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização.

§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.

§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto.

§ 8º O auto-transplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais.

Art. 9o-A É garantido a toda mulher o acesso a informações sobre as possibilidades e os benefícios da doação voluntária de sangue do cordão umbilical e placentário durante o período de consultas pré-natais e no momento da realização do parto. (Incluído pela Lei nº 11.633, de 2007).

CAPITULO IV

DAS DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES

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Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

§ 1o Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

§ 2o A inscrição em lista única de espera não confere ao pretenso receptor ou à sua família direito subjetivo a indenização, se o transplante não se realizar em decorrência de alteração do estado de órgãos, tecidos e partes, que lhe seriam destinados, provocado por acidente ou incidente em seu transporte. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais.

Art. 11. É proibida a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social de anúncio que configure:

a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos, relativa a estas atividades;

b) apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano para pessoa determinada identificada ou não, ressalvado o disposto no parágrafo único;

c) apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em beneficio de particulares.

Parágrafo único. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema único de Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação social, campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da vigência desta Lei e de estímulo à doação de órgãos.

Art. 12. (VETADO)

Art. 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde notificar, às centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnóstico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos.

Parágrafo único. Após a notificação prevista no caput deste artigo, os estabelecimentos de saúde não autorizados a retirar tecidos, órgãos ou partes do corpo

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humano destinados a transplante ou tratamento deverão permitir a imediata remoção do paciente ou franquear suas instalações e fornecer o apoio operacional necessário às equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante, hipótese em que serão ressarcidos na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 11.521, de 2007)

CAPÍTULO V

DAS SANÇÕES PENAIS E ADMIMSTRATIVAS

SEÇÃO I

Dos Crimes

Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa.

§ 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.

§ 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:

I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa

§ 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:

I - Incapacidade para o trabalho;

II - Enfermidade incurável ;

III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V - aborto:

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Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:

Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.

Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação.

Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

Art. 17 Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa.

Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o disposto no art. 11:

Pena - multa, de 100 a 200 dias-multa.

Seção II

Das Sanções Administrativas

Art. 21. No caso dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16 e 17, o estabelecimento de saúde e as equipes médico-cirúrgicas envolvidas poderão ser desautorizadas temporária ou permanentemente pelas autoridades competentes.

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§ 1.º Se a instituição é particular, a autoridade competente poderá multá-la em 200 a 360 dias-multa e, em caso de reincidência, poderá ter suas atividades suspensas temporária ou definitivamente, sem direito a qualquer indenização ou compensação por investimentos realizados.

§ 2.º Se a instituição é particular, é proibida de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas, bem como se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista, pelo prazo de cinco anos.

Art. 22. As instituições que deixarem de manter em arquivo relatórios dos transplantes realizados, conforme o disposto no art. 3.º § 1.º, ou que não enviarem os relatórios mencionados no art. 3.º, § 2.º ao órgão de gestão estadual do Sistema único de Saúde, estão sujeitas a multa, de 100 a 200 dias-multa.

§ 1o Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as notificações previstas no art. 13 desta Lei ou proibir, dificultar ou atrasar as hipóteses definidas em seu parágrafo único. (Redação dada pela Lei nº 11.521, de 2007)

§ 2.º Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de gestão estadual do Sistema Único de Saúde poderá determinar a desautorização temporária ou permanente da instituição.

Art. 23. Sujeita-se às penas do art. 59 da Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, a empresa de comunicação social que veicular anúncio em desacordo com o disposto no art. 11.

CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 24. (VETADO)

Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário, particularmente a Lei n.º 8.489, de 18 de novembro de 1992, e Decreto n.º 879, de 22 de julho de 1993.

Brasília,4 de fevereiro de 1997; 176.º da Independência e 109.º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Nelson A. Jobim

Carlos César de Albuquerque

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LEI No 10.211, DE 23 DE MARÇO DE 2001.

Mensagem de Veto

Conversão da MPv nº 2.083-32, de 2001

Altera dispositivos da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que "dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento".

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os dispositivos adiante indicados, da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 2o .................................................................

"Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde." (NR)

"Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte." (NR)

"Parágrafo único. (VETADO)"

"Art. 8o Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente necropsiado, se verificada a hipótese do parágrafo único do art. 7o, e, em qualquer caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento." (NR)

"Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea.

................................................................." (NR)

"Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento." (NR)

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"§ 1o Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais." (NR)

"§ 2o A inscrição em lista única de espera não confere ao pretenso receptor ou à sua família direito subjetivo a indenização, se o transplante não se realizar em decorrência de alteração do estado de órgãos, tecidos e partes, que lhe seriam destinados, provocado por acidente ou incidente em seu transporte." (NR)

Art. 2o As manifestações de vontade relativas à retirada "post mortem" de tecidos, órgãos e partes, constantes da Carteira de Identidade Civil e da Carteira Nacional de Habilitação, perdem sua validade a partir de 22 de dezembro de 2000.

Art. 3o Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 2.083-32, de 22 de fevereiro de 2001.

Art. 4o Ficam revogados os §§ 1o a 5o do art. 4o da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 23 de março de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Gregori

José Serra

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 24.3.2001 (edição extra)

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Resolução CFM nº 1.480/97

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO que a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, determina em seu artigo 3º que compete ao Conselho Federal de Medicina definir os critérios para diagnóstico de morte encefálica;

CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial;

CONSIDERANDO o ônus psicológico e material causado pelo prolongamento do uso de recursos extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes com parada total e irreversível da atividade encefálica;

CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação para interrupção do emprego desses recursos;

CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios para constatar, de modo indiscutível, a ocorrência de morte;

CONSIDERANDO que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios em crianças menores de 7 dias e prematuros,

RESOLVE:

Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias.

Art. 2º. Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização da morte encefálica deverão ser registrados no "termo de declaração de morte encefálica" anexo a esta Resolução.

Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus itens.

Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa reconhecida.

Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.

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Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo especificado:

a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas

b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas

c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas

d) acima de 2 anos - 6 horas

Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação da morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:

a. ausência de atividade elétrica cerebral ou, b. ausência de atividade metabólica cerebral ou, c. ausência de perfusão sangüínea cerebral.

Art. 7º. Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abaixo especificado:

a. acima de 2 anos – um dos exames citados no Art. 6º, alíneas "a", "b" e "c"; b. de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º, alíneas "a", "b"

e "c". Quando optar-se por eletroencefalograma, serão necessários 2 exames com intervalo de 12 horas entre um e outro;

c. de 2 meses a 1 ano incompleto: 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas entre um e outro;

d. de 7 dias a 2 meses incompletos: 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas entre um e outro.

Art. 8º. O Termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e assinado, e os exames complementares utilizados para diagnóstico da morte encefálica deverão ser arquivados no próprio prontuário do paciente.

Art. 9º. Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da instituição hospitalar, ou quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis legais do paciente, se houver, e à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava internado.

Art. 10º. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação e revoga a Resolução CFM nº 1.346/91.

Brasília, 08 de agosto de 1997. ANTÔNIO HENRIQUE PEDROSA NETO Secretário-Geral

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Ministério da Saúde Gabinete do Ministro

PORTARIA Nº 1.160, DE 29 DE MAIO DE 2006\

Modifica os critérios de distribuição de fígado de doadores cadáveres para transplante, implantando o critério de gravidade de estado clínico do paciente.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, INTERINO, no uso de suas atribuições, e

Considerando a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências;

Considerando o Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997, que regulamenta a Lei supracitada;

Considerando a Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001, que altera dispositivos da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997;

Considerando a Portaria nº 3.407/GM, de 5 de agosto de 1998, que aprova o Regulamento Técnico sobre as atividades de transplante e dispõe sobre a Coordenação Nacional de Transplantes;

Considerando a Portaria nº 541/GM, de 14 de março de 2002, que aprova os critérios para cadastramento de candidatos a receptores de fígado;

Considerando a necessidade de revisar e atualizar os critérios para distribuição de fígados para transplante, resolve:

Art. 1º Modificar os critérios de distribuição de fígado de doadores cadáveres para transplante, implantando o critério de gravidade do estado clínico do paciente.

§ 1º Para aferir essa variável será adotado o sistema MELD -Model for End-stage Liver Disease / PELD Pediatric End-Stage Liver Disease - conforme o constante no Anexo I a esta Portaria.

§ 2º O novo critério entrará em vigência em 30 dias, a partir da publicação desta Portaria, em todo o território nacional.

§ 3º Tanto os pacientes já inscritos quanto os que venham a ser inscritos após a implantação do sistema, estarão sujeitos às novas regras de alocação de órgãos.

Art. 2º Os exames - dosagens séricas de creatinina, bilirrubina total e determinação do RNI (Relação Normatizada Internacional da atividade da protrombina) necessários para o cálculo do MELD, para adultos e adolescentes maiores de 12 anos, e valor de bilirrubina, valor de RNI e valor de albumina - necessários para o cálculo do PELD para

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crianças menores de 12 anos, deverão ser realizados em laboratórios reconhecidos pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC), ou por instituições hospitalares autorizadas pelo Sistema Nacional de Transplantes para realização de transplante hepático.

Parágrafo único. Os diferentes exames necessários para cada cálculo do MELD/PELD devem ser realizados em amostra de uma única coleta de sangue do potencial receptor.

Art. 3º A distribuição de fígado será realizada pelas Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), utilizando o Programa Informatizado de gerenciamento da lista de espera indicado pelo Sistema Nacional de Transplantes (DATASUS SNT 5.0 ou superior), instituído pela Portaria nº 783/GM, de 12 de abril de 2006.

Art. 4º As inscrições no cadastro atual de receptores de fígado em lista de espera, efetuadas antes da publicação desta Portaria, serão mantidas e estarão sujeitas aos novos critérios definidos para alocação dos órgãos ofertados.

Art. 5º É de responsabilidade da equipe de transplante à qual o candidato está vinculado a manutenção ou a exclusão do paciente na lista, de acordo com a evolução da doença e a indicação do procedimento como medida terapêutica.

Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ AGENOR ÁLVARES DA SILVA

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ANEXO B - DISTRIBUIÇÃO

A distribuição de fígados de doadores cadáveres para transplante dar-se-á conforme os critérios estabelecidos abaixo.

1.1. Quanto à Compatibilidade/Identidade ABO

Deverá ser observada a Identidade ABO entre doador e receptor, com exceção dos casos de receptores do grupo B com MELD igual ou superior a 30, que concorrerão também aos

órgãos de doadores do grupo sangüíneo O.1.2. Quanto à compatibilidade anatômica e por faixa etária

Os pacientes em lista, menores de 18 anos, terão preferência na alocação de fígado quando o doador for menor de 18 anos ou pesar menos de 40kg.

1.3. Priorizações

Critérios de Urgência:

a) insuficiência hepática aguda grave - segundo os critérios do Kings College ou Clichy (Anexo II);

b) não-funcionamento primário do enxerto notificado à CNCDO em até 7 dias, após a data do transplante. Essa classificação poderá ser prorrogada por mais 7 dias. Caso não ocorra o transplante dentro desses prazos, o paciente perde a condição de urgência e permanece com o último valor de MELD, observando-se a periodicidade do exame;

c) trombose de artéria hepática notificada à CNCDO em até sete dias, após a data do transplante. Essa classificação poderá ser prorrogada por mais sete dias. Caso não ocorra o transplante dentro desses prazos, o paciente perde a condição de urgência e assume um MELD 40;

d) pacientes anepáticos por trauma; e

e) pacientes anepáticos por não funcionamento primário do enxerto.

1.4. Classificação de gravidade clínica

Serão classificados de acordo com os critérios de gravidade MELD/PELD (Fórmulas - Anexo II) priorizando-se o de maior pontuação e considerando o tempo em lista, conforme o seguinte algoritmo:

a) Para candidatos a receptor com idade igual ou superior a 12 anos - MELD;

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- Pontuação a ser considerada = (cálculo do MELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de espera (data atual - data de inscrição em lista, em dias));

b) Para candidatos a receptor com idade menor de 12 anos -PELD; e

Pontuação a ser considerada = (cálculo do PELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de espera data atual - data de inscrição em lista, em dias).

O valor do PELD será multiplicado por três para efeito de harmonização com os valores MELD, pois a lista é única, tanto para crianças quanto para adultos. Este valor de PELD se chamará "PELD ajustado".

2. Adulto e Adolescente (idade igual ou maior que 12 anos)

2.1. Ficha de inscrição

A ficha de inscrição do adulto, para inscrição em lista de espera pela CNCDO, deve conter, no mínimo, os seguintes dados:

a) nome completo;

b) data de nascimento;

c) peso;

d) altura;

e) endereço completo;

f) telefones para contato;

g) equipe transplantadora;

h) hospital;

i) diagnóstico;

j) informação referente à realização ou não de diálise, e a quantidade de vezes por semana;

l) valor de creatinina sérica, com data do exame;

m) valor do RNI, com data do exame;

n) valor de bilirrubina total sérica, com data do exame; e

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o) valor do sódio sérico, com data do exame.

Obs.: O valor de MELD mínimo aceito para inscrição em lista será seis.

2.2. Situações especiais:

a) Tumor neuroendócrino metastático, irressecável, com tumor primário já retirado, e sem doença extra-hepática detectável;

b) Hepatocarcinoma maior ou igual a dois cm, dentro dos critérios de Milão (Anexo II), com diagnóstico baseado nos critérios de Barcelona (Anexo II) e sem indicação de ressecção;

c) Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) - graus I e II;

d) Síndrome hepatopulmonar - PaO 2 menor que 60mm/Hg em ar ambiente;

e) Hemangioma gigante irressecável com síndrome compartimental, adenomatose múltipla, hemangiomatose ou doença policística;

f) Carcinoma fibrolamelar irressecável e sem doença extra-hepática;

g) Adenomatose múltipla irressecável com presença de complicações; e

h) Doenças metabólicas com indicação de transplante - fibrose cística, glicogenose tipo I e tipo IV, doença policística, deficiência de alfa-1-antitripsina, doença de Wilson, oxalose primária;

i) Para as situações abaixo, o valor mínimo do MELD será de 20:

2.2.1. Caso o paciente, com os diagnósticos descritos acima, não seja transplantado em 3 meses, sua pontuação passa automaticamente para MELD 24; e em 6 meses, para MELD 29.

2.2.2. Indicações não previstas nesta portaria deverão ser encaminhadas à Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes e apreciadas pela Câmara Técnica Nacional para Transplantes Hepáticos, que deverá emitir parecer conclusivo a CNCDO de origem do doente, em no máximo uma semana.

2.2.3. Para que a CNCDO inscreva os pacientes em lista com os diagnósticos abaixo citados é necessário que sejam encaminhados, juntamente com a ficha de inscrição, exames complementares comprobatórios do diagnóstico e do estadiamento da doença:

a) Hepatocarcinoma;

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b) Hemangioma gigante, adenomatose múltipla, hemangiomatose e doença policística com síndrome compartimental;

c) Carcinoma fibrolamelar não ressecável; e

d) Doenças metabólicas com indicação de transplante - fibrose cística, glicogenose tipo I e tipo IV, doença policística, deficiência de alfa-1-antitripsina, doença de Wilson, oxalose primária.

2.2.4. O laudo do exame anatomopatológico do fígado explantado de pacientes transplantados com neoplasia, deverá ser encaminhado, no prazo de ate 30 dias, à CNCDO.

3. Crianças (pacientes menores de 12 anos)

3.1. Ficha de inscrição

A ficha de inscrição da criança, para inscrição em lista de espera pela CNCDO, deve conter, no mínimo, os seguintes dados:

a) nome completo;

b) data de nascimento;

c) peso;

d) altura;

e) endereço completo;

f) telefones para contato;

g) equipe transplantadora;

h) hospital;

i) diagnóstico;

j) valor de albumina, com data do exame;

l) valor de RNI, com data do exame;

m) valor de bilirrubina total sérica, com data do exame; e

n) valor do sódio sérico, com data do exame.

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Obs.: Não há pontuação mínima de PELD para inscrição de pacientes menores de 12 anos, porém, para efeito de cálculo, todos os valores menores de PELD = 1 serão equiparados ao valor 1,0.

3.2. Situações especiais

Para as situações abaixo, o valor mínimo de PELD ajustado será 30:

a) Tumor neuroendócrino metastático, irressecável, com tumor primário já retirado e sem doença extra-hepática detectável;

b) Hepatocarcinoma maior ou igual a 2cm, dentro dos critérios de Milão (Anexo II), com diagnóstico baseado nos critérios de Barcelona (Anexo II) e sem indicação de ressecção;

c) Hepatoblastoma;

d) Síndrome hepatopulmonar - PaO 2 menor que 60mm/Hg em ar ambiente;

e) Hemangioma gigante, adenomatose múltipla, hemangiomatose e doença policística com síndrome compartimental;

f) Carcinoma fibrolamelar irressecável e sem doença extra-hepática; e

g) Doenças metabólicas com indicação de transplante - fibrose cística, glicogenose tipo I e tipo IV, doença policística, deficiência de alfa-1-antitripsina, doença de Wilson, oxalose primária, doença de Crigler-Najjar, doenças relacionadas ao ciclo da uréia, acidemia orgânica, tirosinemia tipo 1, hipercolesterolemia familiar, hemocromatose neonatal, infantil e juvenil, Defeito de oxidação de ácidos graxos, doença do xarope de bordo na urina.

3.2.1. Caso o paciente com os diagnósticos acima descritos não seja transplantado em 30 dias, sua pontuação passa automaticamente para PELD ajustado 35.

3.2.2. Indicações não previstas nesta Portaria neste regulamento técnico deverão ser encaminhadas à Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes e apreciadas pela Câmara Técnica Nacional para Transplantes Hepáticos, que deverá emitir parecer conclusivo a CNCDO de origem do doente, em no máximo uma semana.

3.2.3. Para que a CNCDO inscreva os pacientes em lista com os diagnósticos abaixo citados é necessário que sejam encaminhados, juntamente com a ficha de inscrição, exames complementares comprobatórios do diagnóstico e do estadiamento da doença.

a) Hepatocarcinoma;

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b) Hemangioma gigante, adenomatose múltipla, hemangiomatose e doença policística com síndrome compartimental;

c) Carcinoma fibrolamelar não ressecável; e

d) Doenças metabólicas com indicação de transplante - fibrose cística, glicogenose tipo I e tipo IV, doença policística, deficiência de alfa-1-antitripsina, doença de Wilson, oxalose primaria.

3.2.4. O laudo do exame anatomopatológico do fígado explantado de pacientes transplantados com neoplasia, deverá ser encaminhado, no prazo de ate 30 dias, a CNCDO.

4. Renovação dos exames

Os exames para cálculo do MELD/PELD terão validade definida e devem ser renovados, no mínimo, na freqüência abaixo:

a) MELD até 10 - validade de doze meses, exame colhido nos últimos 30 dias;

b) MELD de 11 a 18 - validade de três meses, exame colhido nos últimos 14 dias;

c) MELD de 19 a 24 - validade de um mês, exame colhido nos últimos sete dias;

d) MELD maior que 25 - validade de sete dias, exame colhido nas últimas 48 horas;

e) PELD até 3 - validade de doze meses, exame colhido nos últimos 30 dias;

f) PELD superior a 3 até 6 validade de três meses, exame colhido nos últimos 14 dias;

g) PELD superior a 6 até 8 - validade de um mês, exame colhido nos últimos 7 dias; e

h) PELD superior a 8 - validade de sete dias, exame colhido nas últimas 48 horas.

4.1. É de responsabilidade da equipe médica de transplante à qual o paciente está vinculado o envio sistemático do resultado dos exames necessários para atender o disposto no artigo 2º, na periodicidade determinada pelo item anterior deste Anexo.

4.2. Caso os exames não sejam renovados no período definido, o paciente receberá a menor pontuação desde sua inscrição, até que sejam enviados os novos exames. Caso o paciente não tenha uma pontuação menor, este receberá o valor de MELD 6 ou PELD 3, até que sejam enviados os novos exames.

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ANEXO C - FÓRMULA DO MELD

MELD = 0,957 x Log e (creatinina mg/dl)

+ 0,378 x Log e (bilirrubina mg/dl)

+ 1,120 x Log e (INR)

+ 0,643

x 10 e arredondar para valor inteiro

- Caso os valores de laboratório sejam menores que 1, arredondar para 1,0.

- A creatinina poderá ter valor máximo de 4,0, caso seja maior que 4,0 considerar 4,0.

Caso a resposta seja sim para a questão da diálise (realiza diálise mais de duas vezes por semana?), o valor da creatinina automaticamente se torna 4,0.

Fórmula do PELD

PELD = 0,480 x Log e (bilirrubina mg/dl)

+ 1,857 x Log e (INR)

- 0,687 x Log e (albumina mg/dl)

+ 0,436 se o paciente tiver até 24 meses de vida

+ 0,667 se o paciente tiver déficit de crescimento menor 2

x 10

- Caso os valores de laboratório sejam menores que 1, arredondar para 1,0.

- Cálculo do valor do déficit de crescimento baseado no gênero, peso e altura.

- Ajustamento do PELD para harmonização com o MELD: multiplicar por 3 e arredondar para valor inteiro.

Critério do Kings College Hospital

a. Indivíduos que ingeriram acetaminofen:

pH do sangue arterial menor de 7,3 (independente do grau de encefalopatia).

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TPT maior que 100 segundos ou INR >6,5 e concentração de creatinina sérica >3,4 mg/dl em pacientes com encefalopatia III ou IV.

b. Sem ingestão de acetaminofen:

TPT maior que 100 segundos ou INR >6,5 (independente do grau de encefalopatia).

- Ou três das seguintes variáveis:

- Idade menor de 10 ou maior de 40 anos.

- Causas: hepatite A ou B, halotano, hepatite de outro tipo, reações farmacológicas idiossincrásicas.

Duração da icterícia maior que 7 dias antes do início da encefalopatia.

- TPT maior que 50 segundos, INR >3,5.

- Concentração sérica de bilirrubina >17,5 mg/dL.

Critério de Clichy

- Se existe encefalopatia, independente do grau.

- Ou se Fator V:

Inferior a 30% em maiores de 30 anos

Inferior a 20% em menores de 30 anos

Critério de Milão

Paciente cirrótico com:

- Nódulo único de até 5 cm de diâmetro, ou

- Até três nódulos de até três centímetros de diâmetro cada.

Ausência de trombose neoplásica do sistema porta.

Critério de Barcelona

- Tumor único menor de 5 cm.

- Até três nódulos, menores de 3 cm.

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- Sem comprometimento vascular.

- Child B o C.

Para pacientes não cirróticos ou Child A compensados, pode-se considerar a ressecção local.

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ANEXO D - Real Decreto 426/1980, de 22 de febrero, por el que se desarrolla la Ley 30/1979, de 27 de octubre, sobre Extracción y Trasplante de Organos.

(BOE 63/1980 de 13-03-1980, pág. 5705)

La Ley 30/1979, de 27 de octubre, encomienda su desarrollo por vía reglamentaria al Gobierno, haciendo especial referencia a las condiciones y requisitos que han de reunir el personal, servicios y centros sanitarios, en orden a la extracción y trasplante de órganos, al procedimiento y comprobaciones para el diagnostico de la muerte cerebral y a las medidas informativas que deben desarrollarse como garantía de la libre y consciente decisión en estas materias y como fomento de la solidaridad humana.

En su virtud, a propuesta del Ministro de Sanidad y Seguridad Social, de conformidad con el dictamen del Consejo de Estado y previa deliberación del Consejo de Ministros en su reunión del día 22 de febrero de 1980,

DISPONGO:

CAPITULO PRIMERO

OBTENCION DE ORGANOS PROCEDENTES DE DONANTES VIVOS PARA SU ULTERIOR INJERTO O IMPLANTACION EN OTRA PERSONA

Artículo 1

La extracción de órganos procedentes de donantes vivos para su ulterior injerto o implantación en otra persona sólo podrá realizarse en los centros sanitarios expresamente autorizados para ello por el Ministerio de Sanidad y Seguridad Social. Deberán reunir las siguientes condiciones y requisitos:

1. Una organización y régimen de funcionamiento interior que permita asegurar la ejecución de las operaciones de extracción y de ulterior injerto o implantación de forma satisfactoria.

2. Quirófanos, sala de recuperación y vigilancia intensiva, sala de aislamiento, laboratorio de bioquímica, inmunología, hematología y bacteriología y las demás instalaciones y material necesario para la correcta realización de las operaciones de trasplantes indicadas en la autorización.

3. El personal médico con las cualificaciones o especializaciones que se determinen en la autorización.

La autorización determinará la persona a quien, además el responsable de la unidad médica en que haya de realizarse el trasplante, corresponde dar la conformidad para cada intervención, previa comprobación de que se cumplen las condiciones y requisitos señalados en los arts. 1º a 5º del presente Real Decreto.

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Artículo 2

La obtención de órganos de un donante vivo, para su ulterior injerto o implantación en otra persona, podrá realizarse si se cumplen los siguientes requisitos;

a) Que el donante sea mayor de edad, goce de plenas facultades mentales y de un estado de salud adecuado para la extracción.

b) Que se trate de un órgano cuya extracción sea compatible con la vida del donante y que no disminuya gravemente su capacidad funcional.

c) Que el donante haya sido previamente informado de las consecuencias de su decisión y otorgue su consentimiento de forma expresa, libre, consciente y desinteresada.

d) Que el destino del órgano extraído sea su trasplante a una persona determinada, con el propósito de mejorar sustancialmente su esperanza o sus condiciones de vida.

e) Y que se garantice el anonimato del receptor, evitando cualquier información que relacione directamente la extracción y el ulterior injerto o implantación.

Artículo 3

El estado de salud física y mental del donante que permita la extracción del órgano deberá ser acreditado por un Médico distinto del o de los que vayan a efectuar la extracción, el cual informará al interesado sobre las consecuencias previsibles de orden somático, psíquico y psicológico y sobre las eventuales repercusiones que la donación puede tener sobre su vida personal, familiar y profesional, así como sobre los beneficios que con el trasplante se espera haya de conseguir el receptor.

El certificado médico correspondiente hará referencia al estado de salud del donante, a la información que le ha sido facilitada, a la respuesta y motivaciones libremente expresadas por el interesado y, en su caso, a cualquier indicio de presión externa sobre el mismo. Asimismo incluirá la relación nominal de los profesionales de cualquier clase que hayan colaborado en tales tareas con el Médico que certifica.

Artículo 4

El consentimiento para la obtención de órganos procedentes de un donante vivo solamente será válido si concurren las condiciones y requisitos señalados en los dos artículos anteriores y se manifiesta, por escrito, ante el Juez encargado del Registro Civil de la localidad de que se trate, tras las explicaciones del Médico que ha de efectuar la extracción y en presencia también del Médico a que se refiere el artículo anterior y de la persona a quien corresponde dar la conformidad para la intervención.

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El documento de cesión del órgano será firmado por el interesado y por los demás asistentes. Cualquiera de ellos podrá oponerse eficazmente a la donación y, por tanto, a la extracción de órganos del donante vivo, aunque se reúnan formalmente todos los requisitos, si albergan duda sobre la manifestación del consentimiento del donante en forma expresa, libre, consciente y pleidnte desinteresada.

Entre la firma de dicho documento y la extracción del órgano deberán transcurrir, al menos, veinticuatro horas. El donante puede revocar su consentimiento en cualquier momento antes de la intervención, sin sujeción a formalidad alguna. Dicha revocación no podrá dar lugar a ningún tipo de indemnización.

Artículo 5

No se podrá percibir compensación alguna por la donación de órganos ni existirá compensación económica alguna para el donante, ni se exigirá al receptor precio alguno por el órgano trasplantado. No obstante, deberá garantizarse al donante vivo la asistencia precisa para su restablecimiento, así como para cubrir cualquier gasto realizado con ocasión de la donación e intervención.

CAPITULO II

EXTRACCION DE ORGANOS U OTRAS PIEZAS ANATOMICAS DE FALLECIDOS

Artículo 6

La extracción de órganos u otras piezas anatómicas de fallecidos sólo podrá realizarse en los centros sanitarios expresamente autorizados para ello por el Ministerio de Sanidad y Seguridad Social. Deberán reunir las siguientes condiciones y requisitos:

1. Una organización y régimen de funcionamiento interior que permita asegurar la ejecución de las operaciones de extracción de forma satisfactoria.

2. El personal médico y los medios técnicos que permitan comprobar la muerte en la forma indicada en el art. 10.

3. Un local de extracción o una sala de operaciones con las condiciones de esterilidad y las instalaciones y material necesario para la correcta realización de las extracciones indicadas en la autorización.

4. El personal médico con las cualificaciones o especializaciones que se determinen en la autorización.

5. Los medios necesarios para la adecuada conservación de los órganos o piezas anatómicas extraídos.

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6. La integración del centro sanitario en un sistema de intercambio que haga posible el trasplante del órgano al receptor más idóneo, según criterios que en cada momento reflejen los más eficaces progresos científicos.

7. El personal y servicios adecuados para la restauración, conservación u otras prácticas de sanidad mortuoria.

La autorización determinará la persona a quien corresponde dar la conformidad para cada intervención, de acuerdo con lo establecido en el art. 11.

Artículo 7

Todos los Centros sanitarios autorizados para la extracción de órganos u otras piezas anatómicas adoptarán las medidas convenientes a fin de garantizar que todos los ciudadanos que en ellos ingresen y sus familiares tengan pleno conocimiento de la regulación sobre donación y extracción de órganos con fines terapéuticos o científicos. La información hará referencia a los principios informantes de la legislación que son los de altruismo y solidaridad humanos y respeto absoluto de la libertad, intimidad, voluntad y creencias de cualquier clase de los interesados.

Artículo 8

La oposición expresa del interesado a que después de la muerte, se realice la extracción de órganos u otras piezas anatómicas del propio cuerpo, podrá hacerse constar en la ficha de entrada en el servicio de admisión del Centro sanitario, en el Registro especial que existirá obligatoriamente en el Centro para este tipo de declaraciones de voluntad, en la autorización o conformidad para la intervención quirúrgica o por cualquier otro medio sin sujeción a formalidad alguna.

La oposición del interesado, así como su conformidad si la desea expresar, podrá referirse a todo tipo y clase de órganos o piezas anatómicas o solamente a algunos de ellos, tales como los que alteran manifiestamente la propia imagen o los que solamente persiguen fines no terapéuticos, científicos o de experimentación. Tal declaración de voluntad será respetada inexcusablemente, cualquiera que sea la forma en que se haya expresado.

Cuando se trate de menores de edad o pacientes con déficit mental, la oposición podrá hacerse constar por quienes ostenten la patria potestad, tutela o representación legal.

Artículo 9

Siempre que se pretenda proceder a la extracción de órganos u otras piezas anatómicas de un fallecido en un Centro sanitario autorizado a estos efectos, el Facultativo a quien corresponda dar la conformidad para la intervención deberá realizar las siguientes comprobaciones:

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•Examen de la ficha de entrada en el servicio de admisión del Centro sanitario.

•Examen del Registro especial existente en dicho Centro para esta finalidad.

•Información sumaria sobre si el interesado hizo patente su voluntad a alguno de los profesionales que le han atendido en el Centro sanitario.

•Examen de la documentación y pertenencias personales que el difunto llevaba consigo.

•Siempre que las circunstancias no lo impidan, se informará a los familiares presentes en el Centro sanitario sobre la necesidad, naturaleza y circunstancias de la extracción, así como de la consiguiente restauración, conservación o prácticas de sanidad mortuoria.

Artículo 10

Los órganos para cuyo trasplante se precisa la viabilidad de los mismos sólo pueden extraerse del cuerpo de la persona fallecida previa comprobación de la muerte cerebral, basada en la constatación y concurrencia, durante treinta minutos, al menos, y la persistencia seis horas después del comienzo del coma, de los siguientes signos:

1. Ausencia de respuesta cerebral, con pérdida absoluta de conciencia.

2. Ausencia de respiración espontánea.

3. Ausencia de reflejos cefálicos, con hipotonía muscular y midriasis.

4. Electroencefalograma «plano», demostrativo de inactividad bioeléctrica cerebral.

Los citados signos no serán suficientes ante situaciones de hipotermia inducida artificialmente o de administración de drogas depresoras del sistema nervioso central.

El certificado de defunción basado en la comprobación de la muerte cerebral será suscrito por tres Médicos, entre los que deberán figurar un Neurólogo o Neurocirujano y el Jefe del Servicio de la unidad médica correspondiente o su sustituto. En aquellos casos en los que esté interviniendo la autoridad judicial, podrá figurar, asimismo, un Médico forense designado por aquélla.

Ninguno de los Facultativos a que se refiere este artículo podrán formar parte del equipo que vaya a proceder a la obtención del órgano o a efectuar el trasplante.

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Artículo 11

Antes de dar la conformidad para la extracción de órganos u otras piezas anatómicas de fallecidos, la persona a quien corresponda darla, según lo determinado en la autorización del Centro, deberá verificar los siguientes extremos:

1. Existencia y vigencia de la autorización del Centro sanitario para realizar la intervención de que se trate.

2. Certificado de defunción, expedido con arreglo a lo establecido en el artículo anterior.

3. Comprobación de que no consta oposición expresa, conforme a lo establecido en los arts. 8º y 9º.

4. Obtención de la autorización del Juez, cuando esté interviniendo en relación con la persona fallecida y la obtención de los órganos no obstaculizare la posible instrucción del sumario.

5. El nombre, apellidos y demás circunstancias de los Médicos que han certificado la defunción y de los que van a realizar la extracción, asegurándose que son distintos.

CAPITULO III

REQUISITOS PARA AUTORIZAR EL INJERTO O IMPLANTACION DE ORGANOS HUMANOS Y GARANTIAS DEL RECEPTOR DE ELLOS

Artículo 12

El responsable de la unidad médica en que haya de realizarse el trasplante, injerto o implantación de un órgano o pieza anatómica humana sólo podrá dar su conformidad si se cumplen los siguientes requisitos:

1. Que existan perspectivas fundadas de mejorar sustancialmente la esperanza o las condiciones de vida del receptor.

2. Que se hayan efectuado, en los casos precisos, los necesarios estudios inmunológicos de histocompatibilidad y los demás que sean procedentes, entre donantes y futuro receptor.

3. Que el receptor, o sus representantes legales, padres o tutores, en caso de pacientes con déficit mental o menores de edad, sean cuidadosamente informados, de acuerdo con su nivel cultural y capacidad de comprensión, por uno de los Médicos del equipo que vaya a realizar la intervención, sobre los estudios inmunológicos de histocompatibilidad y demás pruebas médicas y quirúrgicas realizadas o que vayan a

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realizarse en relación con la intervención, los posibles riesgos y las probabilidades globales de éxito de la misma.

4. Que el receptor exprese por escrito su consentimiento para la realización del trasplante, injerto o implantación, cuando se trate de un adulto jurídicamente responsable de sus actos, o por sus representantes legales, padres o tutores en caso de pacientes con déficit mental o menores de edad.

El documento en que se exprese el consentimiento será también firmado por el Médico que realizó la información y por el responsable de la unidad médica en que vaya a realizarse la intervención, como prueba de su conformidad. El documento quedará archivado en el Centro sanitario, facilitándose una copia al interesado.

En ningún caso se exigirá al receptor precio alguno por el órgano trasplantado, injertado o implantado.

Solamente podrá hacerse o realizarse el trasplante, injerto o implantación en los Centros que reúnan los requisitos exigidos en el artículo primero y los demás que haya señalado la Secretaría de Estado para la Sanidad.

DISPOSICIONES FINALES

Disposición Final Primera

Las extracciones anatómicas efectuadas para la práctica de trasplantes de córnea y otros tejidos tales como huesos, piel y vasos podrán ser realizadas sin demora y en los propios lugares del fallecimiento. Para acreditar éste no será imprescindible constatar los signos de muerte cerebral en la forma establecida en el art. 10.

Las implantaciones de córnea no precisan estudios inmunológicos de histocompatibilidad.

Disposición Final Segunda

El trasplante de médula ósea podrá efectuarse en los lugares adecuados para ello, en los Centros hospitalarios que dispongan de servicios competentes de hematología y de inmunología, que conozcan las técnicas y métodos de supresión de la respuesta inmunológica del receptor y posean dispositivos de aislamiento de los enfermos que aseguren la esterilización adecuada para evitar infecciones intercurrentes

La autorización y la acreditación serán concedidas por el Ministerio de Sanidad y Seguridad Social, previa petición del servicio hospitalario interesado

Los trasplantes de médula ósea se efectuarán y controlarán por el equipo médico correspondiente, tras efectuar las pruebas especiales de histocompatibilidad entre donante y receptor

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Dadas las características biológicas de la médula ósea, los menores de edad pueden ser donantes, previa autorización de sus padres o tutores.

A todos los demás efectos, los trasplantes de médula ósea se asimilan a la utilización terapéutica de sangre o sus derivados.

Disposición Final Tercera

Lo establecido en el presente Real Decreto no será de aplicación a la utilización de la sangre humana y sus derivados. Sin embargo, su reglamentación se inspirará en los principios informadores de la Ley 30/1979, de 27 de octubre.

Disposición Final Cuarta

Corresponderá, a través de la Secretaría de Estado para la Sanidad, al Ministerio de Sanidad y Seguridad Social:

1. Especificar, de acuerdo con lo establecido en este Real Decreto, los requisitos técnicos, las condiciones mínimas y los criterios generales de funcionamiento que deben cumplir los laboratorios, «bancos» de órganos y Centros sanitarios en materia de extracción y trasplante de órganos humanos, así como conferir y revisar periódicamente las autorizaciones y homologaciones correspondientes.

2. Promocionar campañas de educación sanitaria y solidaridad humana en estas materias, determinar las medidas informativas que deben facilitar los Centros sanitarios y precisar el funcionamiento del registro especial que debe existir en los mismos.

3. Promocionar la constitución de organizaciones asistidas por el Ministerio de Sanidad y Seguridad Social y por sus Delegaciones Territoriales, así como fomentar la colaboración con Entidades internacionales para hacer posible el intercambio y rápida circulación de órganos para trasplantes, obtenidos de personas fallecidas, con el fin de encontrar el receptor más idóneo, acordando con los Organismos competentes las facilidades aduaneras y de transporte que sean precisas.

4. Y, en general, adoptar cuantas medidas sean oportunas para el mejor desarrollo y aplicación de lo establecido en la Ley 30/1979, de 27 de octubre (citada).

Disposición Final Quinta

Por Orden del Ministerio de Sanidad y Seguridad Social con la aprobación de la Presidencia del Gobierno, se determinará la composición de una Comisión Asesora de Trasplantes, con participación de los sectores médicos y Asociaciones interesadas, y su funcionamiento, con la misión de informar y recomendar a la Secretaría de Estado para la Sanidad en materias relacionadas con la aplicación del presente Real Decreto.

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Disposición Final Sexta

El Instituto Nacional de la Salud, la Administración Institucional de la Sanidad Nacional y, en general, los hospitales y Centros sanitarios autorizados y acreditados, colaborarán al mejor desarrollo y aplicación de lo establecido en este Real Decreto.

Asimismo, la Secretaría de Estado para la Sanidad establecerá relaciones con los correspondientes órganos y servicios de las Comunidades Autónomas para facilitar una actuación coordinada.

Disposición Final Séptima

Quedan excluidas del ámbito de aplicación del presente Real Decreto las personas que no tengan la nacionalidad española, salvo que realicen manifestación expresa en contrario.

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ANEXO D - FORMULÁRIOS

MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde

Departamento de Atenção Especializada Sistema Nacional de Transplantes

CENTRAL DE NOTIFICAÇÃO, CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS REQUERIMENTO DE CREDENCIAMENTO NO SNT Denominação: _________________________________________________________ Categoria: ( ) Estadual ( ) Regional Endereço: _____________________________________________________________ Bairro: ______________ Cidade: ______________ UF:_____ CEP: _______________ Fones: ________________________ Fax: ___________________________________ E-mail: ________________________________________________________________ Titular Responsável:____________________________________________________ Nº no Conselho:________________________ Cargo:______________________________________________________________ * Em anexo: SIM ITEM ( ) Cópia do ato de instituição ( ) Cópia do ato de nomeação do coordenador da central. ( ) Cópia do estatuto ou estrutura básica ( ) Critérios de distribuição de órgãos e tecidos ( ) Lista de municípios na área de abrangência com as respectivas populações ( ) Termo de cooperação com outros estados da federação, se existente. Observações:________________________________________________________________________________________________________________________________ Ass:__________________________________________________________________ Nome:________________________________________________________________ Coordenação Estadual do SNT Data: ____/_______/______.

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MINISTÉRIO DA SAÚDE SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE

DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO ESPECIALIZADA COORDENAÇÃO GERAL DO SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTE

ANEXO I DE ACORDO COM O ESTABELECIDO PELA PORTARIA Nº 1312/GM/MS, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2000, REFERENTE AO CADASTRAMENTO DE LABORATÓRIOS DE HISTOCOMPATIBILIDADE, ENCAMINHE-SE À SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE/MS, AS INFORMAÇÕES RELACIONADAS NO PROCESSO Nº ______________________________ DEVIDAMENTE INSTRUÍDO E ANALISADO POR ESTA SECRETARIA DE SAÚDE. LABORATÓRIO DE HISTOCOMPATIBILIDADE:_____________________________________ I – SOLICITAÇÃO DE CADASTRAMENTO PARA LABORATÓRIO DE HISTOCOMPATIBILIDADE: 1 – NORMAS GERAIS Exigências gerais para cadastramento: O Laboratório deverá apresentar Licença de Funcionamento emitida pela Coordenadoria de Fiscalização Sanitária da Secretaria de Saúde do estado ou do Distrito Federal. 2 – NORMAS ESPECÍFICAS Serão classificados em dois tipos: TIPO I: Laboratórios com capacidade instalada e técnica apta a realizar procedimentos de histocompatibilidade por meio de sorologia; TIPO II: Laboratórios com capacidade instalada e técnica apta a realizar procedimentos de histocompatibilidade por meio de sorologia e biologia molecular. As exigências quanto à composição da equipe técnica mínima são comuns aos dois Tipos de Laboratório I e II. A qual Tipo de Laboratório de Histocompatibilidade se destina este processo: Laboratório : ( ) Tipo I ( ) Tipo II ESTABELECIMENTO: ______________________________________________________________________ CGC: | _| _| _| _| _| _| _| _| / | _| _| _| _| - | _| _| NATUREZA: CONTRATADO ESTADUAL FEDERAL FILANTRÓPICO MUNICIPAL PRÓPRIO UNIVERSITÁRIO ENDEREÇO________________________________________CEP:_______________MUNICÍPIO:_____________ ESTADO:_____________________________________

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TELEFONE _____________ FAX: _________________________________________ EMAIL:________________________________________________________________ O Laboratório de Histocompatibilidade cumpre, no que lhe cabe, ao disposto na Portaria GM/MS nº 1.312 de 30 de novembro de 2000. ( ) sim ( ) não O Laboratório de Histocompatibilidade apresenta Licença de Funcionamento emitida pela Coordenadoria de Fiscalização Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde. ( ) sim ( ) não n.º da licença: __________________________ prazo de validade: _______________________ 2.1 - Equipe Técnica: - um responsável Técnico - profissional da área da saúde com pós graduação em Imunologia ou Genética ou área correlata à histocompatibilidade com experiência mínima de um ano em laboratórios nacionais ou internacionais de referência, comprovada através de declaração do Diretor Técnico do Laboratório de referência. ( ) sim ( ) não Nome do profissional: _________________________________________________ Registro de classe profissional nº:_________________________________UF____ - equipe técnica de nível superior com treinamento específico em histocompatibilidade humana e compreensão da genética do Sistema HLA , seja com relação à execução seja quanto à interpretação dos resultados. ( ) sim ( ) não Equipe Técnica: Nome: _____________________________Registro de Classe:________UF ____ Nome:_____________ ________________ Registro de Classe:________UF ____ Nome:______________________________ Registro de Classe:________UF ____ Nome:______ _______________________ Registro de Classe:________UF ____ 2.2 – Instalações Físicas: Área Física adequada para o fluxo de exames realizados em termos de espaço, iluminação e ventilação, tanto para o atendimento dos pacientes quanto para a coleta de material biológico e execução dos exames. Temperatura ambiente de 22ºC monitorada ou estufa BOD. ( ) sim ( ) não Disponibilidade de água purificada (tipo miliQ para Biologia Molecular e destilada para uso geral) ( ) sim ( ) não Equipamentos mínimos para Laboratórios Tipo I: - Congelador – 80ºC ( ) sim ( ) não - Balança de Precisão ( ) sim ( ) não - Microscópio ótico ( ) sim ( ) não - Dispensadores de precisão adequados e suficientes com seringas de 1 ul e 5 ul ( ) sim ( ) não - Estufa ( ) sim ( ) não - Geladeira ( ) sim ( ) não Equipamentos mínimos para Laboratórios Tipo II:

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- Congelador – 80ºC ( ) sim ( ) não - Balança de Precisão ( ) sim ( ) não - Microscópio ótico ( ) sim ( ) não - Dispensadores de precisão adequados e suficientes com seringas de 1 ul e 5 ul ( ) sim ( ) não - Estufa ( ) sim ( ) não - Geladeira ( ) sim ( ) não - Termociclador ( ) sim ( ) não - Dispensadores de precisão adequados e suficientes para extração de DNA ( ) sim ( ) não - Amplificação e corrida eletrosférica ( ) sim ( ) não - Fonte e cuba de eletroforese ( ) sim ( ) não - Congelador – 20º C ( ) sim ( ) não - Microcentrífuga ( ) sim ( ) não Área Física para Laboratórios Tipo II: O espaço do setor de Biologia Molecular deve ser definido em três área distintas, alocadas em pelo menos duas salas separadas. 1º) Área I: para preparo de reagentes pré-mix com restrição de trafégo de pessoas e utilização de aventais exclusivos; 2º) Área II: para extração de DNA (pode estar na mesma sala da área I); com restrição de tráfego de pessoas e utilização de aventais exclusivos; 3º) Área III – (sala distinta) para procedimentos de amplificação e pós amplificação do DNA. ( ) sim ( ) não Reagentes são armazenados e utilizados de acordo com especificaçãoes do fabricante e etiquetados com informações pertinentes e adequadas (data de preparo, nome do técnico, validade). ( ) sim ( ) não. Se não, porquê?.......................................................................................................................... Manual do Laboratório com técnicas laboratoriais descritas adequada e detalhadamente ( ) sim ( ) não. Se não, porquê?.......................................................................................................................... Pasta com descrição, data e resultados dos testes de controle de qualidade dos reagentes realizados e adequados ( ) sim ( ) não. Se não, porquê?.......................................................................................................................... Arquivo dos testes e laudos dos resultados por um período mínimo de 5 anos ( ) sim ( ) não. Se não, porquê?.......................................................................................................................... Folhas de leitura dos exames com informaçãoes sobre o paciente e reagentes utilizados e assinados pelo técnico responsável ( ) sim ( ) não Realização de pelo menos 30 tipificaçãoes HLA e 30 provas cruzadas para avaliação pela comissão ( ) sim ( ) não 3 - CONCLUSÃO O Laboratório atende as exigências da Portaria GM/MS nº 1.312 de 30/11/00, para cadastramento de Laboratório de Histocompatibilidade: SIM NÃO 4 – CARIMBO E ASSINATURA DO COORDENADOR DA CNCDO-ESTADUAL ___________________________________

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5-CARIMBO E ASSINATURA DO SECRETÁRIO: _____________________________ 6 - DATA: ______/______/_______ 7 – Vistoria será realizada pelo Sistema Nacional de Transplantes/Ministério da Saúde, podendo, para isto,solicitar a participação de um representante da Associação Brasileira de Histocompatibilidade e um representante da Central de Notificação Captação e Distribuição de Órgãos do Estado. Parecer final da Comissão após vistoria: ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ Representante da Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes/Ministério da Saúde Nome: ____________________________________________________________ Representante da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos Nome: _____________________________________________________________ Representante da Associação Brasileira de Histocompatibilidade Nome: _____________________________________________________________ 8 - DATA: ______/______/_______