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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – FFCH DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA Antonio Mateus de Carvalho Soares Orientador - Prof. Dr. Gey Espinheira Salvador – 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBAFACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – FFCH

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Antonio Mateus de Carvalho SoaresOrientador - Prof. Dr. Gey Espinheira

Salvador – 2006

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 3

Soares, Antonio Mateus de Carvalho.TCC – Trabalho de Final de Curso: Deserdados do Mar e Segregados

na Terra – Território, Identidade e Formas de Sociabilidade.

Soares. – Salvador –Bahia – Brasil : A . M . C. Soares, 2006.1f.Orientador: Prof. Dr. Carlos Geraldo D’André (Gey) Espinheira

Universidade Federal da BahiaFaculdade de Filosofia e Ciências HumanasDepartamento de Sociologia Projeto gráfico (capa) – Antonio Mateus de C. Soares

CDU:CDD:

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – FFCH DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA TCC-TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

DESERDADOS DO MAR E SEGREGADOS NA TERRA: Território, Identidade e Formas de Sociabilidade

Antonio Mateus de Carvalho Soares

Salvador- Bahia-Brasil 2006

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – FFCH DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA TCC-TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

DESERDADOS DO MAR E SEGREGADOS NA TERRA: Território, Identidade e Formas de Sociabilidade

Antonio Mateus de Carvalho Soares

Salvador- Bahia- Brasil 2006

TCC- Trabalho de Conclusão de Curso/ Monografia, sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Geraldo D’ Andréa (Gey) Espinheira, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Sociologia na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 6

Agradecimentos

O TCC – o Trabalho de Conclusão de Curso, ora apresentado, foi iniciado

no 2º. ano de graduação no curso de Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia e

Ciências Humanas da UFBA. Seria egocentrismo de minha parte não compartilhar

esta conquista com todos que se fizeram presentes e se tornaram co-autores

indiretos desta produção acadêmica, desta aventura sociológica iniciada com

visitas ao Subúrbio Ferroviário de Salvador, ao aglomerado de palafita de Novos

Alagados e ao Conjunto Habitacional Nova Primavera.

Desta forma, apresento meus agradecimentos aos que se fizeram

presentes nesta aventura, nesta produção de saber: ao Velho Mago Gey

Espinheira, que me comunicou e comunica, os sentidos da sociologia e os

fazeres do sociólogo; que me inseriu no mundo acadêmico e profissional.

A minha família – pela força que não seca! – pelo estimulo, amor, carinho e

paciência: Florizete de Carvalho (mãe) e Bruno de Carvalho (irmão).

A Universidade Federal da Bahia – UFBA, assim como ao CRH1/UFBA,

pelas possibilidades geradas e pelos ensinamentos construídos. Foram

instituições indispensáveis em minha formação acadêmica.

Aos moradores do Aglomerado de Palafitas de Novos Alagados e do

Conjunto Habitacional Nova Primavera, pela cooperação no desenvolvimento

1 Centro de Recursos Humanos, vinculado a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 7

desta pesquisa. Assim como aos membros do Kilombo Kiôiô, liderado pelo Padre

Pedro.

A Pró-Reitoria de Extensão da UFBA, e a equipe da ACC-Atividade

Curricular em Comunidade, a qual fiz parte como monitor/bolsista de disciplina,

que atuava no Subúrbio Ferroviário de Salvador, possibilitando um convívio maior

com o objeto de estudo.

A equipe da ACC-FCH/455 – Desenvolvimento Comunitário em Plataforma

Adolescentes e jovens diante de dificuldade de auto – sustentação, um estudo de

mobilidade e inserção social. Composta pelos estudantes: Ana Carolina -

Psicologia; Alberto Álvaro - Sociologia; Isabele Duplat - Ciências Sociais; Jackson

Rios – Sociologia; Kueila Bittencourt – Psicologia; Luciana Santos - Ciências

Sociais; Luiza Campos – Direito; Marcela Machado – Direito; Mirella Santos –

Antropologia; Moisés Silva - Ciências Sociais; Paulo Aquino - Ciências Sociais;

Regina Lopes –Sociologia, pelas discussões e análises conjuntas em relação ao

Subúrbio Ferroviário de Salvador.

A equipe ACC/FCH - 463 – Educação Ambiental, Cidadania e Cultura da

Paz. Tendo como participantes: Alberto Álvaro Vasconcelos Leal Neto -

Sociologia; Abílio Cláudio do Nascimento Peixoto - Geografia; André Gama –

Psicologia; Geane Batista dos Santos – Sociologia; Itana Mesquita Melo –

Pedagogia/Sociologia; Liliane Leite da Silva – Ciências Sociais; Maria Aparecida

Alves Santos - Ciências Sociais, pela possibilidade da discussão interdisciplinar e

o amadurecimento em trabalhos de equipe.

A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFBA e ao PIBIC/CNPq,

por ter dado legimitidade acadêmica ao projeto desta pesquisa, com auxílio de

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 8

Bolsa ( 2002-2003), e ajuda de custo em duas viagens para apresentação de

trabalho em congressos.

A Pró-Reitoria de Extensão da UNEB – Universidade do Estado da Bahia,

pelo apoio e financiamento de viagens para a minha participação e apresentação

de trabalhos em eventos importantes pelo Brasil.

Aos companheiros de aventura Alberto Álvaro, Isabele Duplat e a amiga

Regina Trindade Lopes.

Aos professores da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas pela

dedicação na construção do conhecimento, assim como aos pesquisadores do

CRH/UFBA e toda a sua equipe.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 9

Milagre dos Peixes2 Gey Espinheira

(Para Mateus)

2 Memória do Primeiro contato do estudante de Ciências Sociais com o seu campo de pesquisa, que no momento não era nem campo, nem objeto, mas simples cenário de exercício da curiosa observação cotidiana – uma realidade precarizada pelas condições econômicas, mesmo assim, repleta de subjetividades, histórias e solidariedade. Texto narrativo, escrito pelo orientador quatro anos após a discussão entre professor e aluno, sobre o observado.

Depois de muito varejarem entre as palafitas, Mauro gritando peixe, peixe, peixe! Os três homens e ele, ali o único estranho, mas acolhido pelos outros três pesca-dores, na verdade dois pescadores e o terceiro, Mauro, o vendedor de peixes, por-que era o que ele fazia na divisão do trabalho que se estabelecera entre eles, pois soube que os outros dois tinham pescado antes e ali estava a prova do que haviam feito.

Quando Antonio entrou no barco, tendo antes tomando algumas cervejas no bar de Everaldo, lugar onde conheceu os pescadores, os peixes já estavam lá, de mo-do que não participou de nenhuma pescaria, mas da distribuição de peixes, como ele próprio se disse, do milagre dos peixes, porque eram tantos - pequenos, é ver-dade -, mas tantos que se podia pensar em milhares, e se iam, de mão em mão, nas medidas do capacete de Mauro que servia de balde e de vasilhame para cal-cular o valor a ser pago, embora sendo que quase sempre a mesma quantidade de peixes, ali postos com as duas mãos, o preço variava de acordo com o comprador, de modo que em alguns casos - poucos, é verdade - nada se deu em troca, a não ser o muito obrigado, tímido, por trás do sorriso, também tímido, de quem recebeu a dádiva pela mais pura incapacidade de recompensar o trabalho alheio daqueles homens alegres que traziam do mar o que comer.

Faziam, por alguns momentos, uma algazarra, como se fossem muitos e não ape-nas três, ou quatro, porque ele de vez em quando se punha também a falar e se embaralhava nas conversas dos outros, como quando quis observar que a mulher estava dando banho no filho sob a palafita e Elias falava de como Matias, a quem chamava de Mate, bêbado como uma galinha, havia puxado Elsa para dançar e quase a derrubara em cima dos músicos. Mate se ria uivando como se estivesse em convulsão com cólicas abdominais, tais eram os volteios que dava ao corpo quase a entornar a canoa. Mauro, sem descuidar-se dos peixes, de braços quase sempre erguidos como em súplica, ou como se estivesse devolvendo o mar aos peixes, conclamava os moradores a buscar o pescado.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 10

Antonio, à proa, perdia os seus comentários sobre o que lhe parecia estranho, e era tudo absolutamente estranho para ele, ali verdadeiramente como marinheiro de primeira viagem naquele emaranhado de palafitas, de rua em rua dos barracos enfileirados sobre a maré, parando ora aqui, ora ali para deixar em mãos inquietas e trêmulas, capacetes de peixes prateados, alguns ainda nos estertores da asfixia, recebendo dinheiro enrolado, sem sequer o cuidado de verificar o quanto lhe chegava às mãos, porque era sempre o justo e o possível, assim como era também a quantidade de peixe que calculava em cada entrega.

Por uma hora ou mais se fez a viagem a contornar e adentrar as ruas e ruelas de palafitas e ao fim, de volta ao cais do bar, já não havia peixe, senão o cheiro, que era o mesmo de todo lugar, cheiro da maré, daquela maré sobre a qual moravam milhares de pessoas e na qual se chafurdavam em banhos, mergulhos de brinca-deira e na qual jogavam tudo o que não mais precisavam, o que expeliam, inclusi-ve dos próprios corpos e se não fosse o movimento da maré no ir e vir das ondas a renovar as águas, tudo se transformaria em pântano e logo mais se solidificaria na base de tanta merda despejada entre as tábuas das palafitas.

O cheiro era, portanto, um entranhado de coisas com a maresia, de tal modo que tudo ali cheirava ao ar e aos ventos, fossem quais fossem, de modo que de quan-do em vez tudo se limpava e em outros momentos, de calmaria, parecia emanar da águas calmas o odor pestilento, o miasma dos pântanos.

Com os bolsos recheados de notas e com uma estranha habilidade, Mauro fez uma divisão da arrecadação e passou para Mate e para Elias o que considerou ser deles as partes merecidas e eles as receberam sem qualquer averiguação ou pro-testo, como se tudo estivesse previamente estabelecido como justo e as partes de-vidamente repartidas como certas. Vieram as cervejas intercaladas com goles de cachaça, uns curtos e grossos, outros pausados e longos, e ali não estavam apenas os quatro, mas uns quanto mais, já que outros fregueses do fim de tarde já estavam lá e outros ainda chegavam e chegariam, porque como um bar de cais, ali era como um porto para aqueles homens que viviam da maré e na beira dela e não restava o que fazer a não ser ir lá para beber, falar, rir, brigar, zoar uns com os outros, saber das coisas e voltar à casa quando esgotavam de todo a possibilidade de continuar de pé, com alguma serventia.

Que mais fazer? Uns voltaram do trabalho diário de suas ocupações, outros, como eles, tinham acabado de cumprir a faina diária da venda dos peixes; outros, sem ter feito nada por todo o dia, estavam na espera permanente de quem apenas vive para o instante e por não poder ser mais que isso, ali estava a dar continuidade à vida, vivendo do merecimento da generosidade dos afortunados, como os pescadores, que a cada dia, de modo absolutamente certo, ganhavam aquele dinheirinho que permitia comprar a cerveja e a cachaça, a dar garantia do crédito que tinham no bar de Everaldo.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 11

Antonio os olhava com curiosidade e era destacado por eles como um companheiro novo que gostou da aventura de distribuir os peixes. Com o cuidado de não se embriagar e já se sentido para além das forças, Antonio pagou uma rodada e se despediu, não sem protestos, mas como deixou uma margem generosa de bebidas pagas pode se ir deixando todos ocupados com as conversas soltas, as gargalhadas fáceis e as palavras obscenas trocadas como insultos fingidos e provocadores de risadas envolvendo julgamentos maldosos sobre a virilidade de um, sobre a fidelidade de alguma mulher, sobre os chifres de alguém e assim se iam falando, rindo, cuspindo, bebendo enquanto anoitecia e mudava a maré, agora cheia e o vento trazia, arejando a noite, a maresia do mar largo e descansado da paisagem do dia como se a escuridão tivesse deglutido todas as coisas, todas as pessoas e tivesse apenas deixado de fora o cheiro forte de gente e coisas, de maresia, porque ali era tudo maresia, aquela mistura e cheiros no odor único e inconfundível da maré.

Era quase silêncio agora. Os corpos e os corações bêbados e trôpegos, no ritmo das ondas, todos oscilam, falam e se vão com as ondas e sobre elas jogavam, no alto das palafitas, os corpos cansados e exauridos para a ressurreição no nascer do dia, com sol ou chuva, para atender o chamado das águas e da terra, da difícil tarefa de viver.

Salvador – BA. Julho de 2005

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 12

Lista de Abreviaturas

AVIS -Associação Internacional de Voluntários Italianos BID -Banco Interamericano de Desenvolvimento BIRD -Banco Mundial BNH -Banco Nacional da Habitação DCET/UNEB -Departamento de Ciências Exatas e da Terra CAB -Centro Administrativo da Bahia CAIXA -Caixa Econômica Federal CEASA -Centro de Abastecimento da Bahia CEDURB -Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia CEPED -Centro de Pesquisa e de Desenvolvimento CIA -Centro Industrial de Aratu CNPU -Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Políticas Urbanas CONDER -Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia COPEC -Complexo Petroquímico de Camaçari CRH/UFBA -Centro de Recursos Humanos DINURB -Distrito Industrial Urbano FAU/UFBA -Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FFCH/UFBA -Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas FUNDHAP -Fundo de Habitação Popular IBGE -Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PLADURB -Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador PLANHAP -Plano Nacional de Habitação Popular PND -Plano Nacional de Desenvolvimento PNDU -Política Nacional de Desenvolvimento Integrado RMS -Região Metropolitana de Salvador UNEB -Universidade do Estado da Bahia UFBA -Universidade Federal da Bahia

Lista de Figuras

Figura 1 -Mapa de Localização geográfica dos “Deserdados do Mar” e

“Segregados na Terra” Figura 2 -Mapa (Recorte) do Subúrbio Ferroviário de Salvador

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 13

Lista de Tabelas

TABELA 1 -Distribuição de Freqüências e percentuais dos problemas e das

qualidades apresentadas no conjunto habitacional Nova Primavera. TABELA 2 -Distribuição de Freqüências relacionadas à Representação

Comunitária vista pela comunidade

Lista de Fotografias Foto 1 -Visão Panorâmica Conjunto Nova Primavera – 2004 Foto 2 -Visão Frontal da Unidade Habitacional – 2004 Foto 3 -Imagem do Barraco de Palafita – 2003 Foto 4 -Imagem do Barraco de Palafita – 2004 Foto 5 -Visão lateral da Unidade Habitacional no Conj. Nova Primavera –

2004 Foto 6 -Visão Panorâmica Aglomerado de Palafita – 2003 Foto 7 -Visão Panorâmica do Conjunto Nova Primavera – 2004 Foto 8 -A movimentação pelo pescado Foto 9 -A pescaria diária Foto 10 -Embarcação com o pescado Foto 11 -Criança com o alimento do almoço Foto 12 -A distribuição do pescado Foto 13 -Unidade Habitacional no Conjunto Nova Primavera – 2004 Foto 14 - Aglomerado de Palafitas de Novos Alagados Foto 15/16 -Unidades Habitacionais

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 14

Aos que lutam por uma sociedade mais justa, menos perversa e mais humana.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 15

Resumo: O presente trabalho realizado no Subúrbio Ferroviário de Salvador,

especificamente em dois ambientes de segregação social – o aglomerado de

palafitas de Novos Alagados e o Conjunto Habitacional Nova Primavera

[Deserdados do Mar e Segregados em Terra], pretende compreender os

processos de constituição da identidade social e formas de sociabilidade em

grupos que se encontram em estado de precarização urbana e em movimento de

territorialização, desterritorialização e re-territorialização. Deste modo,

evidenciaremos as relações constitutivas da identidade social, partindo de uma

análise das ações interativas do “eu” e do “outro”, chegando nas definições de

identidade individual e coletiva. A partir da referência empírica do grupo

“deserdados” e “segregados”, construiremos compreensões para a identidade

social relacionando-a com práticas sociais, a história do grupo, as memórias e

nostalgias, as lutas, conflitos etc. Como referencial teórico manifestaremos

aproximações entre as noções de habitus de Pierre Bourdieu e de figuration social

de Nobert Elias, buscando uma inteligibilidade para a identidade social com

referencia nestas noções.

Palavra – Chaves: identidade social. grupo urbano. habitus. social figuration. cultura

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 16

Localização: DESERDADOS DO MAR E SEGREGADOS NA TERRA.

FIGURA 1 – Mapa de Localização geográfica dos “Deserdados do Mar” e “ Segregados na Terra”.

Existia uma aproximação geográfica entre o território dos “Deserdados do Mar” (moradores das palafitas), e dos “Segregados na Terra” (habitantes do conjunto habitacional) – ambas são situações habitacionais de uma mesmo grupo que foi geograficamente transferido. Vide mapa 1. Localizando-se na Península de Itapagipe e nela na Enseada do Cabrito, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, à margem na mão direita do fluxo de tráfego norte da Avenida Afrânio Peixoto – conhecida como Avenida Suburbana.

Fonte: PEREIRA, Gilberto Corso. Atlas Digital de Salvador.2000. (CD ROM), Feito alterações pela autora da monografia. Adaptado pelo autor da monografia

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 17

FIGURA 2 – Mapa (recorte) Subúrbio Ferroviário de Salvador.

Localização dos “DESERDADOS DO MAR” e dos “SEGREGADOS NA TERRA”

FONTE: CONDER - 2001

FOTO 01 -Visão Panorâmica Conjunto Nova Primavera - 2004

FOTO 02 – Visão Frontal da Unidade Habitacional - 2003.

Localização do aglomerado de Palafitas de Novos Alagados, em Mangue na Península dos Tainheiros, na Enseada dos Cabritos na Baía de Todos os Santos.

Av/ Afrânio Peixoto ou Av/ Suburbana – que corta o Subúrbio Ferroviário de Salvador. Importante eixo estruturante da cidade de Salvador. Conjunto Habitacional Nova Primavera,

inaugurado em 2002. À distância entre o conjunto habitacional e o aglomerado de palafitas era de aproximadamente 200 m.

FOTO 03 – Imagem de Barracode Palafita, 2003.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 18

"Desconfia do mais trivial, na aparência singelo. E examina, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:não aceite o que é de hábito como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta,de confusão organizada,

de arbitrariedade consciente,de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural,nada deve parecer impossível de mudar.“

BERTOLD BRECHT

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 19

Apresentação

Este trabalho monográfico sobre a constituição das formas de

sociabilidades de um grupo de moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador,

além de ser um produto final da conclusão do curso de Bacharelado em

Sociologia, iniciado em março de 2000, representa uma reflexão em torno de

alguns trabalhos de pesquisa que desenvolvi como aluno de Iniciação Científica

Pibic/CNPq (2002-2004), durante a graduação em Ciências Sociais, junto à linha

de pesquisa: “Cultura, Cidade e Democracia: Sociabilidade, Representações e

Movimentos Sociais”, no Centro de Recursos Humanos da Universidade Federal

da Bahia, coordenada pelo Prof. Dr. Carlos Geraldo D’Andréa (Gey) Espinheira.

O grupo que observei durante este estudo é composto pelos antigos

moradores das palafitas de Novos Alagados3 – os deserdados do mar – que

foram transferidos e atualmente se encontram no Conjunto Nova Primavera – os

segregados na terra. Em um dinâmico processo de mudança, territorialização e

re-territorialização, este grupo constituiu sua identidade social. Durante as

observações e os contatos com o grupo percebi como viviam os moradores das

Palafitas de Novos Alagados: a situação de empobrecimento sócio-econômico; a

vulnerabilidade das vidas expostas em barracos sobre a maré; a solidariedade

entre os vizinhos; as histórias compartilhadas; as formas de vida e a adaptação

naquele “território aquático” e a mudança para a terra firme.

3 Novos Alagados se localiza no Subúrbio Ferroviário de Salvador[...] A metástase de Alagados – aglomerado de palafitas iniciado nos anos 40 do século XX, e que chegou próximo a cem mil habitantes nos anos 70 – constituiu Novos Alagados, com o mesmo aspecto, o mesmo nome, a mesma miséria, onde viveram 11.921 pessoas (IBGE, 1995) em condições subumanas e degradantes em contraste com a beleza natural da enseada e dos bairros do entorno. (SOARES, Antonio & ESPINHEIRA, Gey. In:. Anais NUTAU/USP. 2004)

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 20

Além das estratégias desenvolvidas para viver no aglomerado de palafita,

minha observação acompanhou o processo de transferência dos moradores e de

ocupação do Conjunto Habitacional Nova Primavera4, também localizado no

Subúrbio Ferroviário de Salvador. A cada incursão no local percebia como os

antigos moradores da palafita se contextualizavam no novo território, em um

processo de re-territorialização e de adaptação em um lugar diferente do anterior,

repleto de novas necessidades.

O processo constitutivo da identidade social deste grupo urbano, que antes

era “deserdado do mar” e agora é “segregado na terra” é constante, dinâmico e

com oscilações de inteligibilidades entre o subjetivo e o objetivo, as necessidades

emocionais, sentimentais e materiais etc. As variáveis de constituição são

diversas e as compreensões entre o “eu” e o “outro” se tornam imprescindíveis,

para compreender como se realiza a sociabilidade do grupo.

A partir de uma comparação entre as dinâmicas de cada território – sobre o

mar e sobre a terra – as reflexões nesta monografia se desenvolvem com a

perspectiva de compreender os processos e as formas de sociabilidades

constitutivas da identidade social, dentro de uma estrutura de análise que

contemple a comparação entre os dois territórios (líquido e sólido) seguida de

uma reflexão entre a noção de habitus de Pierre Bourdieu e de Figuration Social

de Nobert Elias.

Objetivando uma organização teórica reflexiva sobre o objeto em questão,

o presente estudo divide-se em quatro capítulos:

4 O Conjunto localiza-se no Subúrbio Ferroviário de Salvador, às margens da Av. Afrânio Peixoto, conhecida como Av. Suburbana. O conjunto foi inaugurado na segunda metade de 2002, com área projetada de 39.762,75 m2, correspondente a 2a.Etapa do Projeto Novos Alagados do Programa Ribeira Azul – acordo firmado entre o Governo do Estado da Bahia, representado pela CONDER – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, o Banco Mundial, a ONG Italiana AVSI – Associação Voluntários para o Serviço Internacional e a Arquidiocese de Salvador.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 21

I – Introdução: Nos leva ao conhecimento do objeto de estudo e sinaliza os

elementos presentes na análise empreendida nos capítulos seguintes. Nesta

seção introdutória também se manifesta a problematização do objeto de estudo,

assim como os referenciais metodológicos e teóricos.

II – Das palafitas aos conjuntos habitacionais (Deserdados do Mar e

Segregados em Terra): Neste capítulo destacamos a origem do aglomerado de

palafita de Novos Alagados; o processo de saída dos moradores e a chegada no

Conjunto Habitacional Nova Primavera, habitado em sua maior parte pela

população provinda da palafita. Este capítulo trabalha também com o contexto

histórico dos grupos; os antecedentes da mudança e a chegada à terra firme; as

práticas e os rituais coletivos, assim como o sentimento de pertença e o

delineamento de uma identidade coletiva mediada pela situação habitacional e

pela luta para a sobrevivência. Mencionamos também o aparecimento das novas

obrigações sociais, que se manifestam como ônus exigido pela “cidade

formalizada”. Assim como as mudanças de estratégias para uma representação

coletiva: problemas, qualidades, conflitos e representação associativa.

III – Além do Mar e da Terra (Território Liquido e Território Sólido): Tece

compreensões sobre os conceitos de território, lugar e territorialidade.

Aproximando as noções de território a de identidade. Este capitulo divide-se em

três momentos: 1- A territorialização como um constitutivo da identidade coletiva;

2- Re-territorialização, desterritorialização e auto-reconhecimento; 3- O EU e o

OUTRO as construções da identidade individual e coletiva.

IV – As noções de habitus e a figuração social na disputa sobre identidade:

Este é o capitulo mais teórico da monografia, pois discute as bases conceituais da

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 22

identidade social e a contextualiza com as noções de “habitus” de Pierre Bourdieu

e de “figuration social” de Nobert Elias.

V – Conclusão: A Tessitura de uma identidade social: Resgata algumas

idéias tratadas no transcorrer do trabalho monográfico e de forma conclusiva

indica a importância das práticas sociais na estruturação das formas de

sociabilidades, assim como na constituição da identidade.

A estruturação deste trabalho obedeceu a preocupação de explicar e

analisar as partes e os elementos constituintes das relações sociais de um grupo

reconstruídas como objeto de estudo. Sua divisão, no entanto, justificada por

necessidades didáticas, tenta demonstrar a trilogia de um trabalho monográfico

preocupado com: metodologia, teoria e empiria.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 23

1 –Introdução

O estudo de título: Deserdados do Mar e Segregados5 na Terra –

Território, Identidade e Formas de Sociabilidade. É um estudo de observação

de grupos sociais, com discussões sobre territorialidade e identidade, o grupo

focalizado no estudo é formado por pessoas que se encontram em estado de

pobreza social absoluta, e que transitam em aglomerados urbanos sem infra-

estruturas formais e desprovidos de serviços. As lutas e as estratégias de

sobrevivências destas pessoas são variáveis na constituição de seus habitus, o

seu respectivo território se produz em simultaneidade com os acordos relacionais

e com as práticas culturais desenvolvidas, que refletem na constituição da

identidade, que se processa sobre o campo:

O “campo” é um recurso metodológico que permite ordenar o real e visualizar a estrutura das relações sociais. Refere-se também à dimensão prática da pesquisa, ou seja, de como encaminhar o processo que envolve a construção e a compreensão do objeto de pesquisa. O campo é, por assim dizer, uma forma de pensar o espaço da ação dos agentes em suas relações histórico-sociais sem a pretensão de se apreender a totalidade absoluta do real e, por outro lado, sem cair no particularismo. Os limites do campo são definidos pelos efeitos exercidos sobre os agentes. O campo deve assim ser pensado como espaço de luta, de transformação e mudança (BOURDIEU, 1989, p 93).

No caso em estudo, as metamorfoses e as diferentes formas de

sociabilidade refletem estratégias de sobrevivência desenvolvidas em ambos

campos– “sobre o mar” e “sobre a terra” – exercendo influência na constituição da

identidade social e coletiva dos sujeitos envolvidos. Desta forma,

problematizamos: Por que a tradição e a história compartilhada exercem

influência na constituição da identidade? Por que a identidade dos grupos sociais

5 Por mais interessante que seja não é nosso objetivo, neste trabalho monográfico, discuti o conceito e as problematizações de segregação.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 24

são dinâmicas? Por que as práticas cotidianas indicam formas de sociabilidades

constituidoras da identidade?

Os questionamentos e as problematizações em torno da constituição da

identidade social, partiram de um entendimento da identidade que se constrói a

partir da relação entre o “eu” e o “outro” e dos diálogos com o “nós”. Neste jogo

dinâmico de inteligibilidades, compreendemos como a transferência de um

território para o outro pode alterar as subjetividades e objetividades de um grupo

social e comprometer a identidade coletiva.

Neste contexto é de bom tom afirmar, que a constituição da identidade

coletiva e seus elos com a identidade individual, há muito tempo objeto de estudo

das ciências humanas, ganha complexibilidade maior no mundo urbano das

múltiplas carências que esvaziam as subjetividades humanas e coisifica os

indivíduos. Assim, manifestaremos compreensões de como se constituiu a

identidade social do grupo de “deserdados do mar” e os efeitos do processo de

mudança de território, analisando as possíveis dimensionalidades sociais: coesão,

conflito, dissolução, jogo de poder e as múltiplas conjugações entre o eu e o

outro; dimensões sociais que marcam as dinâmicas que constroem a identidade

de um indivíduo e de uma coletividade.

Os deserdados, vítimas de um ambiente precarizado, empobrecido e

pertencente à cidade ilegal, foram re-localizados para o Conjunto Habitacional

Nova Primavera, ambiente, considerado legal, formal, higiênico. Na compreensão

deste processo que tem implicações diretas na constituição de formas de

sociabilidades, manifestamos questões relativas aos movimentos de

territorialização, desterritorialização e re-territorialização.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 25

Como um elemento definidor e gerador de relações, a constituição da

identidade se assenta na diferença e na interação. O eu que me define é o

mesmo eu que me aproxima e distancia do outro, o que me torna diferente e

semelhante, o mesmo que me transforma em um ser individual e social. A relação

entre indivíduo e sociedade é de interconexão e existencialidade, sendo

impossível se pensar a sociedade sem ter em mente a noção de relações entre os

indivíduos, pois são neles que a sociedade se expressa em suas múltiplas faces.

A identidade é ambivalente e dinâmica, no instante que se realiza no indivíduo ou

no social ela se desdobra, opõe, sobrepõem e neste processo se constitui. Para

um entendimento plausível de identidade é necessário se levar em consideração

que em ambas dimensões – individual e coletiva – a identidade é uma variável

especificadora imprescindível para nossa inteligibilidade social.

A identidade individual é necessária para a nossa especificação e

reconhecimento no grupo e pelo grupo, pode se afirmar que ela se elabora a partir

de uma soma de conteúdos sociais que estamos imiscuídos desde o nosso

nascimento: família, escola, religião etc. Instituições que participam de nossa

construção identitária e de todo o processo de introjeção das disposições

formadoras do eu, que não se constrói isoladamente. Em concomitância ao

processo de formação da nossa identidade individual, operamos a identidade

coletiva ou social, àquela que se formata a partir do somatório de afinidades

individuais que se constituem através dos atributos de tradição, economia, cultura,

ideologia etc.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 26

Um outro fator importante na auto-elaboração e re-elaboração da

identidade é o desempenho de papéis sociais6, que além de confirmar o

dinamismo da identidade a torna multifacetada em cada situação específica: o

papel de pai, o papel de professor, o papel de marido, o papel de sindicalista etc.

Os múltiplos papéis que ocupamos em uma sociedade exigem de nós ações e

práticas que têm rebatimentos em nosso ser individual e em nossa constituição

identitária. Neste sentido Strauss (1999) elabora uma noção de identidade

dinâmica associada ao desempenho de diferentes papéis articulados a

experiências especificas de vivências em mundos sociais particulares.

Assim, buscamos o entendimento de identidade coletiva ou social a partir

de suas relações com a história de vida, as manifestações culturais, a economia,

a hierarquização social e os contextos específicos de grupo, lançando luz sobre a

referência do grupo constituído no aglomerado de Palafitas de Novos Alagados e

o movimento de transferência para o Conjunto Habitacional Nova Primavera.

Atentando-se para a constituição desta identidade coletiva e seus conflitos

intersociais. No desenvolvimento das compreensões observamos as

convergências e divergências entre as diversas definições de identidade.

Na metodologia, como já se sabe, utilizou-se como alvo de pesquisa o

grupo “deserdado do mar” e posteriormente “segregado na terra”, focalizando

tanto as dimensões humanas dos relacionamentos, como a dimensão física do

espaço. Na pesquisa realizou-se uma análise comparativa entre a situação do

grupo antes da transferência e a situação atual do grupo no Conjunto

Habitacional. Para isso ocorreram diversas visitas nos espaços e

6 No contexto teórico Durkeimiano os papéis sociais ocupados por um indivíduo na sociedade, faz com que ocorra uma reprodução de comportamentos para atender a função de cada papel exercido. Assim temos uma ação “convencionada” ou “esperada” para cada papel social, o que exerce influência na identidade do sujeito.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 27

acompanhamento da adaptação dos moradores. No segundo momento houve a

aplicação de questionários e entrevistas com os moradores, observação e a

escuta flutuante - digamos que fiz uso de uma triangulação de métodos:

observação periódica do objeto; entrevista e questionários. Na aplicação dos

questionários, que se configura como um levantamento sistemático de situações,

observou -se como é o contexto da vida individual e coletiva dos moradores,

assim como a renda, o grau de escolaridade, o número de familiares etc. A

amostra colhida em campo para a elaboração deste estudo foi de 41

questionários, 01 por família.

As entrevistas como ferramentas imprescindíveis para a elaboração da

pesquisa, complementam o questionário do ponto de vista de respostas

qualitativas, foram realizadas 04 entrevistas com pessoas da comunidade.

Utilizou-se também o método da escuta flutuante, da observação participativa

(pesquização), conversas informais e provocações de bate-papos com os

moradores, escutando e escrevendo as informações, os dizeres e falas.

Buscando compreender através de um registro espontâneo as principais

inquietações da comunidade. Além destes instrumentos houve a participação em

discussões coletivas e reuniões formais com os representantes da comunidade.

Por meio dos depoimentos colhidos nas entrevistas captaram-se

representações e dimensões imaginárias e simbólicas das relações sociais do

grupo, privilegiando a investigação e a compreensão de relações de amizade,

trabalho, relações familiares e atividades de lazer, aspectos estudados a partir

das contribuições conceituais e analíticas de Pierre Bourdieu, em particular com

base nos conceitos de habitus e campos, e em segundo momento a noção de

“figuration” de Nobert Elias.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 28

2 – Das palafitas aos conjuntos habitacionais (Deserdados do Mar e Segregados em Terra)

2.1 –Trajeto dos “Deserdados do Mar” – Uma guisa histórica

A formação do aglomerado urbano de Novos Alagados iniciou-se na

década de 1970 como continuidade de uma invasão de proporções ainda

maiores, denominada de Alagados, onde centenas de famílias sem oportunidade

de ocupar espaço em terra firme avançavam sobre a maré e os manguezais da

Baia de Todos os Santos e construíam suas palafitas, sem as mínimas condições

de habitabilidade. Diante do imenso quadro de adversidade urbana na região

metropolitana de Salvador, Novos Alagados, passa a se constituir uma alternativa

de sobrevivência e inserção de centenas de famílias no espaço urbano da cidade,

mesmo que de modo informal.

Segundo Lazarotto (2002), a população de Novos Alagados era constituída

em seus primórdios de pequenos agricultores, expulsos da área ocupada em terra

firme inicialmente, para a execução das obras da Avenida Afrânio Peixoto – Av/

Suburbana – juntamente com migrantes do Recôncavo e do sertão baiano,

FOTO 04 – Imagem de Barraco de Palafita.

[...] A metástase de Alagados – aglomerado de palafitas iniciado nos anos 40 do século XX, e que chegou próximo a cem mil habitantes nos anos 70 – constituiu Novos Alagados, com o mesmo aspecto, o mesmo nome, a mesma miséria, onde viveram 11.921 pessoas (IBGE, 1995) em condições subumanas e degradantes em contraste com a beleza natural da enseada e dos bairros do entorno. (SOARES, Antonio & ESPINHEIRA, Gey. In:. Anais NUTAU/USP. 2004).

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 29

desterrados pela construção da hidroelétrica do Sobradinho e atraídos pelo

trabalho de construção do Centro Industrial de Aratu (CIA) e do Pólo Petroquímico

de Camaçari (COPEC).

Com a intervenção do Programa Ribeira Azul na área de Novos Alagados,

na década de 90 do séc. XX, gradativamente a população do aglomerado de

palafita foi sendo re-localizada para conjuntos habitacionais, inicialmente tivemos

a construção dos conjuntos Araçás I e II, e posteriormente a construção do

Conjunto Nova Primavera, este se localiza nas proximidades da antiga

aglomeração das palafitas de Novos Alagados. Segundo os atuais moradores, há

aproximadamente dez anos a área de Nova Primavera foi invadida por cerca de

300 pessoas provindas das palafitas, que se instalaram e construíram seus

barracos, contudo, não permaneceram na área7.

A invasão não prosperou, pois o terreno era de propriedade particular do

Sr. Tarzan, os sem tetos foram reprimidos, tiveram barracos queimados e alguns

foram presos. Como não houve continuidade da invasão as pessoas voltaram

para as palafitas de Novos Alagados. Os líderes do movimento da invasão foram:

Bitonho, Jaci, Andréa, Valdelice, entre outros.

7 Informação colhida em pesquisa de campo

FOTO 05 – Visão lateral de unidade habitacional no Conjunto Habitacional Nova Primavera - 2004.

[...] O conjunto Nova Primavera, na sua concepção urbanística e arquitetônica, invade um espaço orgânico da cidade com sua arquitetura própria, popular, na forma convencional de construir e ocupar os imóveis. Saltam aos olhos o colorido fantasia dos imóveis, como a imitar as cores do Pelourinho (azuis, rosas, verdes, brancos...) mas, ainda mais, as escadas externas e compartimentos em balanço projetando-se no espaço; tudo isto, em construções de dois pavimentos, impossibilitadas de ampliação do projeto, sobretudo o pavimento superior, ao tempo em que – e distorcendo o projeto – pode-se fazer crescer o “embrião”.(SOARES, Antonio & ESPINHEIRA, Gey. In:. Anais NUTAU/USP. 2004).

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 30

FOTO 6 – Visão Panorâmica do Aglomerado de Palafitas. FOTO 7 – Visão Panorâmica do Conjunto Nova Primavera.

Em 2002, a CONDER, dando continuidade as intervenções do Programa

Ribeira Azul construiu o Conjunto Habitacional na mesma área que antes foi

invadida. O nome Nova Primavera foi dado porque a época da invasão coincidia

com o início da primavera, ficando o nome Nova Primavera.

2.2 –Transferência e mudança

O aglomerado de palafitas e o conjunto habitacional em estudo são

espaços urbanos que mesmo estando próximos geograficamente possuem

diferenças marcantes, a começar pela configuração urbana, em que um é

ambiente sobre a água entulhada e o outro sobre a terra firme. Territórios

geograficamente diferentes que possibilitam o suporte de estilos de vida e de

pactos sociais que também se processam de formas diferenciadas.

A morada em palafita construída sobre a maré na Baía de Todos os Santos

consiste em um artifício habitacional de utilização inadequada do espaço

aquático, que flagra nitidamente a precariedade da política habitacional do Estado

da Bahia; explicita, por outro lado, a pobreza da população desempregada de

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 31

Salvador. A palafita, como engenharia e arquitetura, configura um arranjo

habitacional marcado pela insalubridade, o que nos leva a considerá-la como uma

tipologia habitacional de risco8, em que as possibilidades de ocorrência de

desastres são consideravelmente maiores do que nas moradias estabelecidas

sobre a terra.

Além da suscetibilidade de imersão na maré, a palafita mostra-se frágil

estruturalmente, construída com restos de madeiras, sendo necessário uma

manutenção constante do barraco; além deste aspecto, é uma forma de morar

insalubre e que não protege totalmente seus moradores do frio e da chuva, nem

tampouco das balas perdidas, tão comuns em espaços de grande violência.

[...] Há nove anos morava na maré, na palafita, barraco sobre a água, o nome da rua era Santa Isabel, a casa era pequena, barraco sobre a água, de seis em seis meses agente tinha que trocar a casa, senão ela caia, e quando chovia molhava tudo, os meninos só viviam caindo na maré, eu mesmo tenho duas cicatrizes. Vivíamos com ratos e baratas e com outros bichos que apareciam. A casa que eu morava era um barraco de maderite em cima da água mesmo, quando ventava parecia que a casa ia cair. (Cristiane R. dos Santos, 28 anos, doméstica, antiga moradora de palafita no Aglomerado de Novos Alagados e moradora do Conjunto Nova Primavera) 9 .

As dificuldades deste tipo de moradia são múltiplas, não há qualquer tipo

de infra-estrutura (água encanada, esgoto, etc.). A situação de pobreza é

generalizada, mas a palafita faculta a possibilidade de se alocar sobre a água, já

que o acesso á terra firme é dificultado; constituindo moradia, mesmo insalubre,

ela configura-se como uma alternativa dos que não tem acesso a terrenos

8 Áreas que geram alto risco de segurança aos seus ocupantes (Direito à cidade – SAULE, Nelson) 9 Trecho de entrevista reescrito de forma a se aproximar da fala do entrevistado, com as mesmas repetições e orações informais, tão comuns em conversas de estruturação coloquial [Todos os trechos de entrevistas apresentados neste estudo obedecerão está característica].

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 32

urbanos convencionais ou favelados, para milhares de pessoas que se encontram

desprovidas da condição de viabilização imobiliária formal.

Os moradores das palafitas expressam uma variedade de práticas

cotidianas que refletem o seu ambiente de morada; nessas práticas percebe-se

claramente o envolvimento do morador da palafita com o território da maré:

[...] eu construir este barraco, madeira a madeira, construir do tamanho que estar, nós construímos os barracos, vou sentir saudade do espaço do barraco, que é maior do que o das novas casas [ela se refere à casa do Conjunto Nova Primavera]. Mas eu não posso deixar de falar que aqui no barraco não tem segurança, quando chove agente se molha, a outra casa é mais segura. (Diva Barbosa Machado, 80 anos, moradora de palafita, que resistiu até o último momento a saída do Aglomerado de Palafita.

Em um primeiro olhar, o aglomerado de palafita se manifesta na paisagem

urbana como um território marcado pela “desorganização”, contudo este espaço

dispunha de uma sólida organização própria. Em cada viela, em cada “rua de

tábua”, o grupo de moradores estruturavam suas relações sociais, com códigos e

normas próprias que interligavam os indivíduos formando um grupo

circunstancialmente coeso10.

10 Ver WHYTE, Willian Foote. Sociedade de Esquina – A Estrutura Social de uma área urbana pobre e degrada. Ed. Zahar. Rio de Janeiro, 2005. 392pp.

FOTO 8 – A movimentação pelo pescado FOTO 9 – A pescaria diária

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 33

Os habitantes efetivamente faziam parte daquele ecossistema; este

envolvimento vai além da simples utilização para morada e ganha dimensão de

enraizamento produtivo, no instante em que os moradores utilizam-se daquele

ambiente como meio de obtenção de alimentos para autoconsumo e de pesca e

mariscagem para a comercialização, obtendo com isso rendimentos

Segundo Certeau, (1996, p.82 ), “as práticas são também determinadas

pelo meio em que os indivíduos estão inseridos ”. As relações com o ambiente da

maré elaboram práticas e rituais que se desenvolvem entre os moradores das

palafitas na constituição das identidades e no desenvolvimento do sentimento de

pertença, a exemplo o rito da construção das palafitas (mutirão) e das passarelas

comuns; mas também a pesca, a mariscagem, os banhos de mar, os mergulhos

lúdicos, e os festejos com a chegada da maré de março, formas de sociabilidade

constituidoras de uma identidade coletiva.

FOTO 10 – Embarcação com o pescado FOTO 12 – A distribuição do pescado. FOTO 11 – O almoço do dia.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 34

A transferência dos moradores do aglomerado de palafita – saída do

ambiente aquático (maré) e a chegada no ambiente de terra firme – tem impactos

na existência e na identidade do grupo, os rituais adaptativos e as novas práticas

de vivência que surgiram no cotidiano dos re-localizados para o Conjunto Nova

Primavera, possuem um rebatimento no ethos coletivo do grupo.

Os removidos das palafitas passam a viver

em uma moradia diferente, até certo ponto estranha,

com novos vizinhos e com uma relativa infra-

estrutura; pois, como morador da unidade

habitacional, ele terá acesso a saneamento, luz

elétrica, água, telefone, ruas pavimentadas e

calçadas. Estes benefícios virão acompanhados de

encargos financeiros que antes não tinham, e de um

novo quadro adaptativo que força um conjunto de

mudanças de hábitos. Na dimensão política, os

moradores se mostram insatisfeitos com a atuação

da CONDER – órgão do Governo do Estado, se

percebe nas falas dos moradores uma rejeição em relação ao órgão e aos

funcionários responsáveis pela obra:

Lutei muito para consegui está casa, se fosse pelo pessoal da CONDER estaria lá na maré até hoje. Começaram a tirar todo mundo da maré e me deixaram lá, eu ameacei a CONDER, ou me davam uma casa ou eu iria a uma emissora de televisão dar uma queixa, os meninos [filhos dela] todos cheios de creca, eu disse ou você me tiram daqui ou eu vou denunciar vocês. Antes disso eu morava no bairro Fazenda Grande do Retiro, com minha mãe, mudei para aqui porque meu marido é daqui, mora aqui há 23 anos. Pretendo fica aqui, eu gosto daqui, aqui tá bom, ou bom ou ruim, aqui ta bom, agente não tem condições de fazer uma casa desta, né, o salário que agente ganha não dar nem para agente

FOTO 13 – Unidade Habitacional do Conjunto Nova Primavera. FOTO 14 – Barraco de Palafita de Novos Alagados. (fev.2004). © Antonio Mateus de Carvalho Soares.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 35

viver, todo mundo desempregado. Eu pretendo ficar aqui, eu gostei daqui, ponto de ônibus perto 24h. (Cristiane R. dos Santos, 28 anos, doméstica, antiga moradora de palafita no Aglomerado de Novos Alagados e moradora do Conjunto Nova Primavera).

Ao serem removidos para os conjuntos habitacionais do Governo do

Estado percebe-se uma reordenação de vidas sem uma verdadeira mudança nas

condições sócio econômicas de existência; saindo da moradia sobre água para

morar em embriões sobre a terra, torna-se mais ainda segregados pelos novos

encargos e novos estilos de vidas. A memória nostálgica das relações que

existiam entre as redes de convivência, enquanto morador das palafitas é

gradativamente dissolvida e substituída por novas formas de sociabilidade e de

convivência no conjunto habitacional.

Observa-se a fala de uma moradora, matéria jornal A tarde: “Os barracos

eram construídos por nós e de acordo com nossas necessidades. O embrião não

foi construído por nós. Os embriões são impessoais e mal construídos [...]

(03/2003).

O sentimento de pertença era visível nas relações dos moradores das

palafitas a partir dos múltiplos rituais (construção do aglomerado sobre o

ambiente aquático etc.), traduzindo-se em uma “territorialidade” construída

historicamente; este fator atuava como variável na formatação de um modo de

vida.

No conjunto habitacional os moradores não se sentem totalmente

absorvidos pelo o ambiente em terra firme, pela configuração urbana e pela

arquitetura e ambiente da moradia, todas iguais, pasteurizadas, situação que

pode explicar a rotatividade/renovação de moradores do conjunto habitacional.

[Na aplicação dos questionários, 35% da amostra de 41 famílias, indicam que há

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 36

saída de moradores, que vendem ou alugam suas casas, para saírem do

Conjunto Habitacional].

O desenraízamento com a transferência é percebido nas falas dos

moradores, nas lembranças das histórias de vida e nas memórias nostálgicas das

palafitas; boas e más lembranças são trazidas para o discurso dos entrevistados.

Quando falam do Conjunto Nova Primavera referenciam mais os pontos negativos

do que os positivos. Outro fator perceptível nessas falas refere-se à contradição

em relação a aceitação ou não da unidade habitacional como morada. Há um

consenso de que o embrião possui uma qualidade física superior ao das palafitas.

Eles admitem que o “embrião” – unidade habitacional – possui uma estrutura

melhor, sentem saudades e falta das palafitas, contudo não desejariam voltar a

morar sobre a maré. Mas não estão satisfeitos com os embriões.

Hoje em dia está melhorando as coisas aqui? Sim, está melhor, mas estes pedacinhos de casas que deram para agente me deixou muito decepcionada, eu já recebi minha chave, mais ainda não mudei nada, não tenho vontade de mudar, como vou mudar de casa, eu ando de moletas, aqui já estou adaptada [na palafita], mas eu vou ter que mudar. Olha eu disse para os funcionários da CONDER e digo para quem parecer, esses pedacinhos de casas que estamos recebemos [ela se refere as casas do Conjunto Jardim Nova Primavera], eu na idade que estou, estou indignada. Outra coisa disseram que não podem ampliar estas casas, eu não vou poder levar o material que tenho aqui no barraco para ampliar a outra casa [ ela se refere às madeiras de seu barraco atual], estou muito insatisfeita com estes pedacinhos de casas que não podem ampliar, mas eu já disse vou levar alguns pedaços de paus daqui, que agüentem pregos para eu ampliar a casa. (Diva Barbosa Machado, 80 anos, moradora de palafita, que resistiu até o último momento a saída do Aglomerado de Palafita)

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 37

FOTO 15 /16 – Unidades Habitacionais Conjunto N.Primavera

2.3 – Problemas, qualidades, conflitos e representação associativa: Conjunto Habitacional Jardim Nova Primavera – “Segregados em Terra”

Para uma maior inteligibilidade descritiva em relação ao perfil dos

moradores do Conjunto Habitacional Nova Primavera, informamos sobre alguns

problemas e qualidades apresentadas no conjunto, que de forma indireta indica

variáveis sobre a vida anterior, ou seja, a vida enquanto “Deserdados no Mar”.

Os dados são ilustrativos e apoiados na pesquisa qualitativa realizada, não é

nosso objetivo neste momento um maior aprofundamento nas análises.

Na Tab. 1 os dados compilados foram do Conjunto Jardim Nova

Primavera, demonstram que [87%] da amostra indica a existência de problemas

no conjunto. Na dimensão física os dois principais são: falta de equipamentos de

lazer (jardim e praças) [32%]; e, a falta de equipamentos de necessidades básicas

(saúde e educação) [15%]. Na dimensão social os dois principais problemas

destacados são a violência [20%], seguida pelo tráfico de drogas [3%]. No ranking

construído os principais problemas apresentados são: baixa qualidade construtiva

das moradias [32%]; seguida pela falta de equipamentos de lazer (praças e

jardins) [50%] e falta de equipamentos de necessidades básicas (saúde e

educação) [27%]; e, a violência [75%]. Como principal qualidade a população

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 38

amostral indica a facilidade de acesso aos transportes coletivos [46%]; a boa

vizinhança [36%] e a localização [25%].

Os dados referentes (Tab 2) em relação a existência de uma representação

comunitária no Conjunto Jardim Nova Primavera, indica um sentimento de

representação coletiva em processo de coesão, e com memórias de lutas em

comum.

Tabela – 1 Distribuição de Freqüências e percentuais dos problemas e das qualidades apresentadas no conjunto CONJUNTO HABITACIONAL JARDIM NOVA PRIMAVERA (41)≈100%

1.Sim ≈ 87% 1.Existência de Problema 2.Não ≈ 13% 2. Principais Problemas

1.Dimensão Física – Estrutural

Variáveis: Percentagem (%) 1.1.Qualidade da Arquitetura da Construção ≈ 12% 1.2.Tamanho da Construção ≈ 10% 1.3.Instalações Elétricas/ Hidráulicas ≈ 3% 1.4. Falta de Equipamentos (Praças/Jardins/Lazer) ≈ 32% 1.5. Falta de Equipamentos (Posto de Saúde/ Prédios Escolares)

≈ 15%

1.6. Pavimentação/Saneamento/ Circulação (ruas) ≈ 2% 2.Dimensão Social – Conteúdos e Manifestações Variáveis: 2.1.Violência (assalto; roubo; estupro; assassinato etc.) ≈ 20% 2.2. Tráfico de Drogas ≈ 3% 2.3. Conflito com a Vizinhança ≈ 1% 2.4. Ócio e Falta de Lazer ≈ 1%

2.5. Acidentes automobilísticos (atropelo) ≈ 1% Percentagem Total- 100%

3. Ranking de Problemas

Posição** Problema Percent. Insatisf. (%)

1º. Lugar Baixa Qualid.Constr. ≈ 32% 2º. Lugar Falta de Equip.

(Posto de Saúde; Prédios Esc.) ≈ 27%

3º. Lugar Falta de Equip. (Praça;Jardim;áreas de lazer)

≈ 50%

4º. Lugar Violência ≈ 75%

4. Ranking de Qualidades

Posição Qualidade Percent. Satisf. (%)

1º. Lugar Facilidade Transporte col.

≈ 46%

2º. Lugar Boa vizinhança ≈ 35% 3º. Lugar Localização ≈ 25% (≈) – Equivalência aproximada Fonte – Pesquisa de Campo 2006 A base amostral para este estudo foi de 151 questionários **As variáveis concorreram entre si para as posições (Pro1;Prob2;Prob3;Prod4), assim como em segunda análise as posições (Qual 1; Qual 2; Qual 3); percentagens que equivalem ao maior somatório para respectiva posição, não tendo qualquer relação com a percentagem da posição seguinte, ou seja é uma probabilística percentual baseada na incidência primitiva.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 39

5 Gráfico de Representação Comunitária

Sim

Não

As tabelas e gráficos representam que [81%] da população amostral diz

haver representação comunitária; e, [75%] afirma que há uma verdadeira atuação

da representação comunitária11.

A vida formalizada exigida pela moradia juridicamente legal, formal do

Conjunto Jardim Nova Primavera, mobiliza novas formas de organização

comunitária, que de certa forma se manifestavam na vida dos “Deserdados do

mar”, de forma improvisada refletindo o seu próprio estilo de moradia e de

preenchimento do espaço urbano. Agora insurge uma forma de coesão que se

baseia na luta pela solução dos problemas apresentados no conjunto, remetendo

ao reconhecimento e legitimação de uma representação comunitária formalizada.

O grupo “Segregado na terra”, mesmo ainda na ausência de uma

territorialidade construída historicamente, constituem uma sociabilidade que

também se baseia no enfrentamento de necessidades, contudo as de hoje são

diferentes das de antes. A identidade coletiva que se formata no novo território vai

se adequando aos rigores de uma formalização espacial com implicações

jurídicas, econômicas, higiênicas e até mesmo societária. 11 No Jardim Nova Primavera, a associação não existe oficialmente, ainda se encontra sem registro jurídico, contudo há reuniões e encontros periódicos.

Tabela – 2 Distribuição de Freqüências relacionadas à Representação Comunitária vista pela comunidade CONJUNTO HABITACIONAL JARDIM NOVA PRIMAVERA (41)≈100% EXISTE REPRESENTAÇÃO COMUNITÁRIA? A REPRESENTAÇÃO COMUNITÁRIA

REALIZA TRABALHOS COMUNITÁRIOS? Sim –- 81% Não – 19% Atuante –72% Ñ Atuant - 10% ÑT.Envol.-18% A base amostral para este estudo foi de 151 questionários Fonte- – Pesquisa de Campo 2006

6 Participação na Representação Comunitária

AtuanteÑ AtuanteÑ.T. Envol.

Há representantes comunitários no Conjunto?

Você considera a participação comunitária ?

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 40

3 – Além do Mar e da Terra (Território Liquido e Território Sólido): 3.1 – A territorialização como um constitutivo da identidade coletiva: DESERDADOS DO MAR E SEGREGADOS NA TERRA- I

O canto de pássaros: o pássaro que canta marca assim seu território... Os próprios modos gregos, os ritmos hindus são territoriais, provinciais, regionais. (Gilles Deleuze e Félix Guattari)

A compreensão do território12 aqui desenvolvida é a mesma da elaboração

teórica de Deleuze & Guatarri (1997), na qual a terra deixa de ser terra, e tende a

tornar-se simples solo ou suporte da territorialização e dos conteúdos sociais, um

processo composto de significações elaboradas pelas práticas humanas. O

território é de fato um ato, que afeta os meios e os ritmos que o “territorializa”, um

produto de uma territorialização dos meios e dos ritmos. A territorialização é o ato

do ritmo tornado expressivo, ou dos componentes de meios tornados qualitativos.

Segundo Deleuze & Guattari (p. 128, 1997) o território não só assegura e

regula a coexistência dos membros de uma mesma espécie, separando-os, mas

torna possível a coexistência de um máximo de espécies diferentes num mesmo

meio, especializando-os. Ao mesmo tempo em que membros de uma espécie

compõem personagens rítmicos e que as espécies diversas compõem

paisagens melódicas, as paisagens vão sendo povoados por personagens e

estes vão pertencendo a paisagem.

No caso dos habitantes do aglomerado de palafitas de Novos Alagados,

eles expressam uma variedade de práticas cotidianas que indicam o seu

ambiente de morada – os personagens pertencem a paisagem – ao mesmo

12 A primeira concepção de território foi originalmente elaborada pela Etologia, mas precisamente através dos estudos dos naturalistas do final do século XVIII. O território era então concebido com base no comportamento das espécies animais e vegetais como sua localização, distribuição, domínio e defesa de um espaço imediato. A partir desta abordagem o conceito de território é incorporado à logística estatal e, por conseguinte, às análises geográficas.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 41

instante que produzem uma sociabilidade constituidora de uma identidade coletiva

eles constroem sua territorialidade; nessas práticas percebe-se claramente a

interação do morador da palafita com o território impalpável13 da maré e com o

seu vizinho, efetivamente juntos naquele ecossistema, sistematizador de um

habitus comum. A interação realizada transcende a simples utilização da palafita

para morada e ganha dimensão de enraizamento produtivo e histórico. As

práticas cotidianas dos moradores das palafitas constroem uma territorialidade

que os definem e os unem em uma identidade coletiva que se traduz na luta

cotidiana pela sobrevivência.

As práticas desenvolvidas no território do mar (aglomerado de palafitas),

elaboram dispositivos que são introjetados pelo grupo em ação, o

compartilhamento de necessidades e desejo de mudança reflete no

reconhecimento do individuo no grupo. Para, além disso, os rituais comuns

naquela realidade: construção e manutenção de palafitas, festejos,

comemorações, e até mesmo o jogo de entrigas e fofocas14 etc., são situações

constituidoras de territorialidade e do reconhecimento social.

A territorialidade construída no aglomerado de palafitas estrutura práticas

cotidianas que assenta a identidade social do grupo que se re-elabora 13 No mesmo sentido do “território impalpável” de Alain Corbin, In: O Território do Vazio – A praia e o imaginário Ocidental (1989)

14 Na pesquisa realizada por Nobert Elias e J. Scotson, demonstrada em Os Estabelecidos e Outsiders, um dos assuntos mais interessantes abordados é o que se refere às fofocas, como um eficiente recurso usado para estigmatizar e provar a inferioridade dos habitantes do "loteamento". É desnecessário frisar que a fofoca entra no quadro do "bullying" (podação) que parece ser uma tendência cultural em certos setores da agressiva sociedade anglo-saxônica. [...]Elias pensa que as fofocas, gozações e aleivosias tão disseminadas em Winston Parva espelham muito mais os defeitos de quem as espalha do que os de seus desafetos. São, portanto, imagens sociais calcadas em inconsistências e frustrações dos emitentes e não necessariamente de suas vítimas. Outro dado psicológico detectado pelos autores é o de existir nessas fofocas um componente sádico, "uma funda capacidade de machucar que se reforça pela concordância silenciosa por parte dos atingidos, os quais, mesmo sem o desejar, contribuem para viabilizar a depreciação do grupo a que pertencem".

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 42

constantemente pela constituição de limites de influência entre o eu, o outro e o

grupo, pautadas em significações humanas tais como a cultura, a história, as

práticas cotidianas, as objetividades e subjetividades da identidade social.

No dialético movimento da territorialização que é dinâmico e conflitante,

principalmente quando os agentes deste movimento são vítimas da precarização

de seus direitos humanos, temos implícito as variáveis de desterritorialização e re-

territorialização, que podem implicar em uma alteração da identidade coletiva. A

desterritorialização tem o sentido de perda de território apropriado e vivido em

decorrência de diferentes processos originados de contradições capazes de

desfazerem territórios; ao passo que a re-territorialização refere-se à criação de

novos territórios, seja por meio de reconstrução parcial de velhos territórios, seja

através da recriação de um outro território em um outro lugar tendo rebatimentos

na elaboração da identidade coletiva.

O processo de re-territorialização não significa um retorno aos padrões anteriores a desterritorialização. Constitui antes um movimento de renovação calcado em novos valores. Os constantes movimentos de desterritorialização e re-territorialização correspondem, numa ampla acepção, ao movimento da vida (DELEUZE; GUATTARI, 1996).

Neste sentido, ao analisar o grupo “Deserdados do Mar e Segregados na

Terra” temos um movimento de desterritorialização e re-territorialização com

implicações na constituição da identidade social do grupo. Com a re-localização

dos moradores do aglomerado de palafitas para o Conjunto Habitacional Nova

Primavera, o território dos habitantes da maré é esvaziado de significações, neste

caso a desterritorialização implica uma paulatina perda de identidade grupal e das

práticas ecológicas comuns, pois a re-territorialização no Conjunto Habitacional,

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 43

será preenchida por outras variáveis: casa de alvenaria, equipamentos novos,

vizinhos diferentes, quadro de normas, encargos financeiros etc, que implica em

uma nova dinâmica de re-constituição de práticas grupais. Assim, as relações

que existiam entre as redes de convivência nas palafitas são dissolvidas e

substituídas por um novo estilo de vida e de convivência no conjunto

habitacional.

O espaço da territorialidade como suporte da identidade coletiva comporta

duas dimensões: a acepção de formação social e a produção do espaço. Como

produto de práticas sociais e políticas que se traduzem em uma “solução própria”

para a segregação urbana, o aglomerado de palafitas constituiu um território na

maré que foi desterritorializado com a re-localização de seus moradores.

3.2 – Re-territorialização, desterritorialização e auto-reconhecimento: DESERDADOS DO MAR E SEGREGADOS NA TERRA – II

Os atores sociais antes territorializados no aglomerado de palafitas – “os

deserdados do mar” – auto reconheciam a sua identidade coletiva a partir de suas

práticas cotidianas e de suas relações interativas com o espaço, a sua condição

de segregado urbano estava presente em sua auto-percepção, eles sabiam que

estavam “fora” da sociedade de direito, mas seu auto-reconhecimento, por si só,

não os habilitavam a uma tomada de decisão frente à situação de pauperização e

indignidade. A introjeção do estigma de impotência, no sentido de Erving

Goffman, tinha rebatimento desanimador na constituição das perspectivas de

inclusão social dos moradores de palafitas. A precarização de sua sobrevivência

no mundo urbano, a impossibilidade de serem criadas perspectivas ao longo

prazo, junto à banalização de sua condição de pobreza e de marginalização

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 44

social, faziam com que suas preocupações com a vida fossem apenas de vivê-la

como ela lhes eram apresentada, limitando suas expectativas às necessidades

imediatas de sobrevivência.

A condição de vida dos “deserdados do mar” pode exemplificar a “vida

nua”15, àquela destinada aos que sobram na sociedade de trabalhadores sem

trabalho, na sociedade do direito sem direito. Segundo Agambem (2002), todos os

excluídos na sociedade vigente são considerados, como “homo sacer” sinômino

de uma “vida nua”, desprotegida, uma vida fragilizada em uma sociedade

perversa, na qual a lei existe, mas não prescreve de maneira imparcial.

A identidade coletiva dos “deserdados do mar” se constituía na

socialização de suas práticas e no instante que se davam conta que

compartilhavam de uma mesma situação de precarização da vida. Neste sentido,

percebe-se uma identidade que se reconhece na dimensão do estar no mundo

em uma situação comum. Há comoção quando um indivíduo do grupo é

assassinado ou se encontra enfermo, ou quando uma palafita precisa de reforma.

A identidade coletiva dos “deserdados do mar” é despolitizada, mas possuidora

de subjetividades comuns, de memórias e nostalgias.

Com a re-territorialização dos antes territorializados no mar, temos uma

troca de lugares e a criação de novas percepções, os “deserdados do mar” re-

localizados passam ser os “segregados em terra”, com implicações na

constituição e novo auto-reconhecimento da identidade coletiva. As primeiras

alterações na identidade do grupo se manifestam logo no processo de

transferência, o grupo “deserdado” se sente ameaçado, tem medo da mudança,

da nova ordenação, alguns querem sair da palafita outros não querem, o grupo da

15 Cf. AGAMBEM, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2002.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 45

maré se fragmenta em seus desejos, a identidade coletiva começa a se

deteriorar, a falta de coesão política se manifesta, os desejos se chocam, o

conflito variável constitutiva da identidade, neste momento se manifesta como

uma situação de mal estar, de ruptura. A equipe técnica16 do governo do Estado,

mediadora das discussões de re-localização dos moradores da palafita para o

Conjunto Nova Primavera, dissimulava discursos que contemplavam a mudança,

convenceram uma boa parte dos moradores, e se configurou também como um

agente no processo dialético de elaboração e re-elaboração da identidade coletiva

dos moradores das palafitas de Novos Alagados.

A identidade coletiva dos “deserdados no mar” era assentada em um

território que ao mesmo tempo era parte constituinte das práticas sociais daquele

grupo, com a re-territorialização há um respectivo esvaziamento da identidade

coletiva do grupo da maré, que passará a existir apenas na memória, as palafitas

e seu aglomerado deixam de existir. O grupo espacializado no novo território será

obrigado a desenvolver novas práticas e a conviver com novos vizinhos, com

novas necessidades que rebaterão na constituição de uma nova identidade

coletiva, os conteúdos sociais da identidade passada, serão re-elaborados para a

constituição da nova identidade coletiva dos “segregados em terra”, com novas

variáveis: como exemplo a necessidade de participar ativamente das discussões

do conjunto habitacional, que diferente de antes, possui uma relativa

formalização, o contato com novos vizinhos com novas linguagens exigirá do

“deserdado do mar” um novo tipo de sociabilidade.

16 Cf. SOARES, Antonio Mateus de C. Gestão & Participação em projetos habitacionais populares, Nova Primavera – um estudo de caso. Dissertação de Especialização pela Universidade do Estado da Bahia/ Programa de Pós Graduação em Gestão Pública Municipal. Salvador, 2004.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 46

O espaço público17 e a noção de sociedade civil estarão presentes na nova

configuração urbana, principalmente no momento que se busca a formação de

uma associação para o Conjunto Habitacional. Os “deserdados do mar” agora

“segregados na terra” poderão reclamar por algo que legalmente é reconhecido

pela lei e pela cidade, com a nova morada, ainda precária, temos o

desenvolvimento da noção de sujeito de direito, tendo ressonância na

potencialização da identidade coletiva.

3.3 – O EU e o OUTRO – As construções da identidade individual e coletiva: DESERDADOS DO MAR E SEGREGADOS NA TERRA – III

As conjugações entre o eu e o outro18 constroem a identidade individual e

coletiva de uma pessoa e a coloca em continua re-elaboração no meio social.

Para Strauss19 (1999) não há como isolar identidades individuais de coletivas,

pois elas se constituem reciprocamente nas diferentes formas de sociabilidade.

As identidades coletivas são historicamente elaboradas, atuando nas identidades

individuais como memória permanentemente atualizada.

Na dimensão psicológica podemos considerar que o primeiro ambiente no

qual temos a diferenciação entre o eu e o outro e a constituição da identidade

coletiva, é a família. Segundo Lacan (1981) é na família que o outro surge,

referindo-se ao indivíduo em sua infância – basicamente ao ciúme20 da criança –

17 Entendido como o espaço da constituição do comum; lugar da ação política; lugar da discussão. 18 Cf. Hegel, na dimensão filosófica do eu e do outro, manifesta no livro: Science de la Logique [...] ao reconhecer que há diferenças entre o eu e o outro, afirmando que não existe nada que seja determinado como eu e que seja externo a outro eu, isto é, que não seja também eu. Mas o que importa é que o outro não é o eu e, portanto, não podem ser iguais. O eu e o outro são entes não-iguais, mas se constroem mutuamente. 19 Anselm Strauss chega ao Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, vindo da Virginia, em 1939, com 23 anos, precedendo a chegada de Erving Goffman (1922-1982). 20 Cf.Lacan (1981). O ciúme tem papel importante na sociabilidade e no próprio reconhecimento do homem enquanto ser, porque é quando o indivíduo começa a tomar conhecimento do outro e precisa situar-se,

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 47

quando constata a existência de outros semelhantes na relação doméstica.

Diferente de Lacan (1981), em sua análise da constituição do eu e do outro, a

partir da psicologia infantil, Strauss (1999) analisa a socialização da vida adulta,

como um dos fatores mais importantes na constituição do “self”, ele ainda

apresenta uma visão das transformações da identidade por meio do desempenho

de papéis, que exerce influência na constituição do eu ativo.

Dentro da tentativa de sinalizar uma compreensão teórica de base

psicossocial que contribua para a inteligibilidade da constituição e do

reconhecimento da identidade coletiva, se mostra necessário a referência do

trabalho de Axel Honneth. (2003) – A luta pelo reconhecimento –, que tem como

uma de suas referências o trabalho de George Mead21 (1973) Espiritu, Persona y

Sociedade. A análise de Honneth oferece possibilidades intercompreensivas para

se buscar a fonte motivacional do reconhecimento da identidade coletiva. Ele

propõe uma teoria normativa de base psicossocial para os conflitos sociais, para

tal proposição, Honneth utiliza-se do interacionismo simbólico de George Mead.

Utilizando uma teoria psicossocial próxima das compreensões entre o eu e

o outro de Goffman (1985)22, Mead estabelece que a autoconsciência de um

sujeito só é possível na medida em que este aprende a perceber a sua ação na

perspectiva das pessoas com as quais se relacionam, que ele denomina de outro

generalizado. No reconhecimento mútuo, que pode ser traduzido em uma

saber onde ele está e quem está do outro lado. Isso faz com que o eu seja descoberto concomitantemente com o outro. 21 Mead, George Herbert (1863-1931), filósofo pragmático y psicólogo social estadounidense nacido en South Hadley, Massachusetts. Estudió en varias universidades de Estados Unidos y Europa e impartió clases en la Universidad de Chicago desde 1894 hasta su muerte. Influido por la teoría evolutiva y la naturaleza social de la experiencia y de la conducta, Mead resaltó la emersión del yo y de la mente dentro del orden social. Afirmaba que el yo surge por un proceso social en el que el organismo se cohíbe.

22 Para Goffman (1985) o eu se reflete no outro e se constitui em concomitância, para isso ele cria a analogia da sociedade como um palco onde cada ator faz parte das dramatizações da vida.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 48

afirmação da identidade coletiva, o sujeito aprende suas obrigações para com o

grupo e também seus direitos, aquele que o outro generalizado deverá satisfazer.

O sujeito individualizado internaliza normas morais do outro generalizado e assim,

age em relação aos outros como gostaria que os outros agissem em relação a

ele. G. Mead determina três formas de reconhecimento mútuo: a dedicação

emotiva, o reconhecimento jurídico e o assentimento solidário.

George Mead faz uma diferenciação entre o me, que seria a identidade

prático-moral do individuo e também sua auto-imagem, construída a partir do

outro, e o eu, que seria o âmbito psíquico que precede o me e através do qual o

sujeito cria e reage às normas sociais, o eu seria o âmbito da auto-realização e

da espontaneidade. Para Mead, existiria um atrito entre o eu e o me. O eu força o

sujeito a engajar-se por novas formas de reconhecimento, por ampliação de

direitos e de autonomia para realização pessoal ao mesmo tempo em que o me

sofre quando direitos já estabelecidos não são reconhecidos pelo outro

generalizado.

Além de se apoiar na teoria psicossocial de Mead e nas suas formas de

reconhecimento da identidade, Honneth referencia Hegel quando este afirma que

as formas de reconhecimento vêm do amor, do direito e da solidariedade.

Honneth deriva as formas de reconhecimento recusado, ou seja, o não

reconhecimento da integridade física-corporal, da integridade moral e da

integridade social do sujeito, resultando respectivamente em violação física e

maus-tratos, exclusão de direitos e perda de auto-estima individual tendo

rebatimentos na constituição da identidade. O não reconhecimento nessas

dimensões referenciadas resulta no sentimento de desrespeito, correspondendo a

uma deterioração da estrutura moral do indíviduo, esta entendida como uma fonte

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 49

emotiva e cognitiva das constituições grupais de resistência coletiva nos

enfrentamentos sociais23.

A identidade é formada a partir de forças internas e externas e vive em

constante re-elaboração, o indivíduo se encontra dividido entre o que ele é para si

e para os outros, ou seja, busca o reconhecimento de sua identidade individual

pelo conjunto de elementos com os quais divide o espaço social. O eu24 e o outro

se aproximam em um processo de interação que constrói a identidade individual e

coletiva. Através de um efeito que podemos chamar de reflexo25, o eu se percebe

a partir do outro, pelo outro, mesmo estando em si, neste jogo perceptivo há a

auto-reflexão e as constituições do eu do outro e do nós. Nestas constituições

identitárias, alguns fatores se mostram imprescindíveis: a interação, o conflito e a

diferenciação.

[...] uma interação pode ser definida como toda relação que ocorre em qualquer ocasião, quando num conjunto de indivíduos, uns se encontram na presença imediata de outros. O termo “encontro” também seria apropriado. Um “desempenho” pode ser definido como toda atividade de um determinado participante, em dada ocasião, que sirva para influenciar, de algum modo, qualquer um dos outros participantes. (GOFFMAM,1985, p.23)

A interação é uma dinâmica que se manifesta de diversas maneiras e tem

a sociedade como palco. Sendo assim, a sociedade é compreendida como o

resultado de interações sociais, um produto coletivo, só possível através da ação

e interação – sociabilidade. São nos grupos sociais desta sociedade que a

23 Cf. SOUZA, Carolina B. P. de. Movimentos Sociais no Brasil nas Décadas de 70 e 80. 2005 24 Cf. Goffman (1985) A representação do eu – A noção geral de que fazemos uma representação de nós mesmos para os outros não é nenhuma novidade. O que deveria ser acentuado, para concluir, é que a própria estrutura do eu pode ser considerada segundo o modo como nos arranjamos para executar estas representações na nossa sociedade ( p.230) 25 Em uma dinâmica de reconhecimento e configuração de identidade o eu e o outro se constitui em um processo reflexo – como uma imagem no espelho. Na dinâmica do reconhecimento do eu e da consciência de afinidades diversas com o outro, teremos a constituição da identidade de um grupo social, que se forma pelo contato de grupos de pessoas que possuem situações em comum, que estabelecem interações diretas que permitem a utilização destas experiências análogas.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 50

identidade coletiva se constitui e se cristaliza por afinidades ideológicas ou

necessidades sociais, unidos por disposições internalizadas e elaboradas no

transcorrer da dinâmica social. A noção de interação e mundo social de Strauss

(1999), é compatível ao entendimento de Goffman (1985), assim como ao de

Simmel26 (1983), que ver no indivíduo a relação da unidade básica da vida social,

no instante da socialização27 , na qual ele interage e passa por diferentes tipos de

redes e grupos. A referência nunca é o indivíduo isolado, mas sempre como parte

de uma constelação dinâmica, estabelecendo assim, distintos níveis e dimensões

da realidade na problemática de indivíduo e sociedade.

Como variável da interação entre o eu e o outro temos o conflito, que para

Strauss (1999), é o resultado da proximidade e parte constitutiva de uma

identidade coletiva. O conflito permite a esta identidade uma existência social e

uma posição em relação aos grupos já constituídos – como por exemplo, em

Estabelecidos e Outsiders de Norbert Elias (2000). Enquanto Strauss percebe o

conflito como manifestação da proximidade, o alemão Georg Simmel explicita que

o conflito decorre da existência de fronteiras, sendo que a sociedade se forma a

partir das proximidades, limites e fronteiras. Em ambos contextos o conflito nasce

da noção de diferença que serve como base para entender a própria interação na

constituição da identidade.

26 Cf. Gilberto Velho no prefacio do Livro Espelhos e Máscaras (1999, p. 15) a Escola de Chicago recebeu influência do pensador alemão Georg Simmel (1858-1918). Certamente, foi o autor europeu mais relevante para a discussão que ali se desenvolveu sobre a problemática urbana, e mais ainda, como pioneiro das linhas interacionistas de investigação, fortemente características da tradição da Escola de Chicago. 27 Cf. Simmel (1983) o conceito de “socialização” admite a distinção, tão característica das sociedades humanas, entre “forma” e “conteúdo”, ao tempo em que toma a sociedade como uma idéia que está sempre referida às interações dos indivíduos, sendo que essas interações – a forma – tem por base os impulsos e propósitos humanos, tratados como conteúdos. Esses impulsos e propósitos “em si” não são sociais, ainda que sejam matéria de sociação. “São fatores de sociação apenas quando transformam o mero agregado de indivíduos isolados em formas específicas de ser com e para um outro”.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 51

Permeada pelo processo de interação e variáveis causais de conflito e re-

conhecimento, se constitui a identidade coletiva/social de um grupo, o eu movido

por forças externas e muitas vezes por necessidades internas se constitui no nós

em um processo de interacionismo marcado por interdependências entre a

identidade individual e coletiva. O nós da identidade coletiva, se mostra presente

em diversas configurações grupais que se elaboram tendo como pressuposto

afinidades ideológicas e desejos comuns que estão em processos contínuos: a

exemplo da comunidade acadêmica de uma universidade, por mais divergências

que se possam ter em cada núcleo de pesquisa, o ideal maior de “progresso da

ciência” constitui um denominador comum em sua identidade coletiva; um outro

exemplo poder ser dado em relação a identidade racial e sua afirmação, aceitar-

se negro ou não, pode ser justificado pelo sentimento de pertença que o indivíduo

tem em relação a causa étnica; tanto uma torcida de futebol como um partido

político são constituidores de uma identidade coletiva.

No grupo de habitantes do aglomerado de palafitas de Novos Alagados em

seu processo de re-territorialização para o Conjunto Nova Primavera, percebemos

que uma das variáveis constitutivas de sua identidade social se manifesta pela

luta comum cotidiana, assim como pelas histórias e memórias de vida. Neste

grupo se nota que as diversas formas de sociabilidade – grupo x território x

necessidades – estruturam as práticas coletivas, o desenvolvimento do

sentimento de pertença e o reconhecimento do indivíduo no grupo.

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3.4 –Diagrama de situação teórica – I, II, III

O cruzamento de circunstancias que se instauram com a configuração das

relações sociais constitui uma trama formada por variáveis objetivas e subjetivas

que estão presentes nas práticas e nas formas de sociabilidades do grupo que se

formatam em concomitância com a territorialidade. A chave para a inteligibilidade

é indicada pelas trocas entre o “eu” e o “outro”, que no diagrama ilustrativo situa-

se como pólos dinâmicos e imprescindíveis na constituição da identidade.

Eu + Outro = Pólo dinâmico

Formação Social

Lutas Comuns

Territorialidade

Produção do Espaço

Práticas Sociais “Sociabilidade”

I D E N T I D A D E

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 53

4 – As noções de habitus e figuration social na discussão sobre identidade.

Apesar das diferentes origens, Norbert Elias28 e Pierre Bourdieu29 ,

possuem noções sociológicas que podem ser aproximadas e direcionadas ao

entendimento da constituição da identidade de um grupo social. Utilizando-se do

conceito de habitus e o de figuração social, os autores indicam importantes

proposições sociológicas em relação aos estudos de grupos e conformações de

sociabilidades.

O conceito de habitus se entrecruza com outros conceitos de Bourdieu30,

como o de prática, campo e o de espaço social. A noção de figuração social –

figuration – de Norbert Elias, está presente em Estabelecidos e Outsiders (2000) e

indica a constituição e fortalecimento da identidade de um grupo a partir de outro

considerado inferior31.

Pierre Bourdieu define prática dentro de uma relação social, na qual

acontece a interconexão entre as expectativas coletivas (nós) x as

potencialidades objetivas (eu), estas duas dimensões possibilitam as definições

dominantes da prática e a constituição de ações grupais, que se refletem na

formação da identidade social do indivíduo. Como universo particular às práticas

28 Norbert Elias nasceu na Alemanha, em 1897 e faleceu em Amsterdã em agosto de 1990. Sua importante carreira sociológica começou em 1930, com a nomeação para assistente de Karl Manheim, no Departamento de Sociologia da Universidade de Frankfurt. 29 Pierre Bourdieu (1930 – 2001), pensador francês, um dos mais citados em livros e trabalhos acadêmicos em todo o mundo, segundo o Social Science Citation Index. Foi diretor na École des Hautes Études en Sciences Sociales Normale Supérieure e Chefe de Departamento de Sociologia do Collége de France, a mais alta instituição francesa de ensino. Pierre Bourdieu, teve afinidades com a Escola de Frankfurt, no instante que esta fazia uma crítica da cultura a partir de dados particulares como índice de um universo, este autor preferia as experiências ordinárias os objetos bem circunscritos. Desta forma, as noções sociológicas de Pierre Bourdieu se aproximam das de Nobert Elias, em Estabelecidos e Outsiders, um estudo de comunidade de cunho empírico e bem localizado, partindo da micro-teoria. 31 Em Os Estabelecidos e Outsiders, percebe-se que a auto-imagem do grupo estabelecido é legitimada em concomitância com o processo de estigmatização e rebaixamento social do grupo de imigrantes – os outsiders. As relações de poder que se estabelecem entre os dois grupos, ganham força através das tensões e conflitos, configurando como variável de constituição e re-conhecimento do grupo, existindo uma dinâmica de afirmação pela contradição o “bom” e o “ruim” o “forte” e o “fraco”.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 54

tem no campo seu ambiente de atuação, espaço de ações específicas, o campo

parte de uma configuração de relações socialmente distribuídas, pelas formas de

distribuição do capital: econômico, cultural e simbólico. As relações existentes no

interior de cada campo definem-se objetivamente, independentemente da

consciência humana. Na estrutura objetiva do campo, observamos a hierarquia de

posições, tradições, instituições e histórias. Assim, os indivíduos adquirem um

conjunto de disposições que lhes permitem agir de acordo com as possibilidades

existentes no interior dessa estrutura objetiva, desenvolvendo o habitus, que

funciona como uma força conservadora no interior da ordem social.

Segundo Pierre Bourdieu o espaço social é uma conjugação de campo e

universos de práticas que se ajustam de acordo à dinâmica social, neste processo

de movimento e reinvenção estão presentes agentes e instituições reguladas

pelas dependências entre o espaço social e o capital econômico e cultural. A

partir deste processo o autor demonstra que o habitus32 se constitui pelas

disposições adquiridas nas experiências, que variam de acordo aos lugares e aos

momentos, disposições tanto criadas como criadoras, tanto incorporadas

socialmente como ativas do agente social. Embora desprovidas da escolha

consciente o habitus formata-se com o movimento da interação e socialização dos

agentes, nos quais os processos das instituições que constituem e definem

nossas identidades: família, escola, igreja etc.

[...] o habitus é um conjunto de disposições adquiridas que funcionam em estado prático como categorias de percepção e de

32 Bourdieu introduz este conceito (de habitus) ao tentar compreender, através de suas análises da consciência temporal, as condições de aquisição do habitus econômico capitalista em pessoas formadas em um cosmos pré – capitalista. Ele admite que a noção de habitus foi objeto de inumeráveis usos anteriores, por autores como Hegel, Husserl, Weber, Durkheim, Mauss, que se inspiram, senão em uma mesma intenção teórica, mas em uma mesma intenção de busca: as disposições adquiridas, socialmente constitutivas, geradoras das práticas dos agentes.

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apreciação ou como princípios de classificação ao mesmo tempo princípios organizadores da ação [...] o habitus produz estratégias que, por mais que não sejam o produto de uma tendência consciente de fins explicitamente apresentados sobre a base de um conhecimento adequado das condições objetivas, nem de uma determinação mecânica pelas causas, são objetivamente ajustadas à situação. (BOURDIEU, 1989, p. 23 e 26)

O habitus é um conceito que reúne determinações inconscientes

subjetivas, assim como, sistemas de percepção e de apreciação socialmente

constituídos, que incluem as capacidades ativas, criadoras e inventivas do

agente. O habitus é a presença da estrutura na dimensão das relações sociais,

uma presença que se deixa moldar pelas interações dos indivíduos, em suas

ações simbólicas e concretas. Desta forma, o habitus se constitui simultâneo e

inconscientemente ao participar da construção do eu e do outro, e da identidade

coletiva que compartilha das mesmas disposições internalizadas e externalizadas

formadoras do habitus.

Enquanto Pierre Bourdieu construiu a noção de habitus, Norbert Elias,

desenvolveu a noção de figuration, uma categoria de análise sociológica que se

desenvolve a partir do estudo de uma comunidade, no qual os conflitos entre dois

grupos sociais marcam a constituição e o fortalecimento de suas identidades, em

um esquema de figuração social que se constitui a partir dos arranjos societários

de cada grupo – o estabelecido (superior/coeso) e o outsider (inferior/ anômico).

Na constituição de ambas identidades percebemos um jogo que se processa a

partir de relações de poder, hierarquização, preconceitos e estigmas. Os

estabelecidos se auto-percebem como os "bons", mais poderosos e melhores,

uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição,

autoridade e influência, fundando o seu poder no fato de serem um modelo moral

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 56

para os outros. Em contrapartida os outsiders, os não membros da "boa

sociedade", trata-se de um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por

laços sociais menos intensos do que aqueles que unem o outro grupo. Os

estabelecidos fundavam a sua distinção e o seu poder em um princípio de

antigüidade, encarnando os valores da tradição e pertencimento que atuam como

fortes variáveis de coesão e constituição de uma identidade social. Os outsiders

viviam estigmatizados por todos os atributos associados a anomia, como a

delinqüência, a violência e a desintegração.

As categorias Estabelecidos e Outsiders se definem na relação que as

nega e que as constitui como identidades sociais. Os indivíduos que fazem parte

de ambas estão ao mesmo tempo separados e unidos por um laço tenso e

desigual de interdependência. O conflito entre os grupos configurava-se como

uma das manifestações presentes no jogo da interdependência. Desta forma

podemos retomar os conceitos de conflito de Strauss e Simmel, enquanto o

primeiro percebe o conflito como manifestação da proximidade, o segundo analisa

o conflito como decorrência da existência de fronteiras, sendo que as identidades

sociais podem se utilizar destes conflitos como elementos constituidores, pois os

estranhamentos gerados pelo conflito resultam em reconhecimento e auto-

conhecimento.

No caso dos Estabelecidos e Outsiders, percebemos que o conflito social

se constitui a partir das duas dimensões: proximidade, pois são grupos que

moram em zonas vizinhas; e fronteiras que se expressam pela desigualdade

social e econômica que estabelece o afastamento dos grupos. Além de

territorializados em espaços circunscritos, que ganha rótulos e identidades

próprias de um conflito entre grupos que se rivalizam: zona 1 (superestimado/

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valorizado) e zona 3 ( depreciado / estigmatizado) 33, os estabelecidos e

outsiders, se relacionam em uma ambivalência de distanciamento e

aproximação34.

A identidade dos estabelecidos se constitui a partir da coesão do grupo e

da partilha de valores e costumes comuns, que cooperam para a construção de

sua superioridade social e moral, a partir de sua auto-percepção, reconhecimento,

pertencimento, que são elementos da dimensão da vida social constituidores de

identificação. Ao constituir a sua identidade social, a partir de disposições

objetivas e subjetivas que formatam a unidade grupal, os estabelecidos se

impõem como um grupo forte e detentor do poder.

No jogo de relações que marcam os laços de dependência, entre os

estabelecidos e outsiders, como medida de segurança o grupo coeso estigmatiza

o grupo outsiders, fazendo com que este introjete o sentimento de inferioridade,

desorganização e submissão grupal. Há um fenômeno simultâneo na constituição

da identidade destes grupos, o “grupo forte” estabiliza sua identidade no instante

que desestabiliza a do “grupo fraco”, este ao introjetar o estigma de coletividade

33 No estudo realizado (In: Estabelecidos e Outsiders) por Nobert Elias e J. Scotson, no Povoado de Wiston Parva, a zona 1“aldeia” – fundada entre 1920 e 1930, era composta pela classe média, pelo grupo tido como superior –os Estabelecidos. A zona 2 era constituída por uma classe social estabilizada e intermediaria, compartilhavam os mesmos ‘habitus’ da zona 1. Enquanto a zona 3 “beco dos ratos”– área mais recente da cidade, compostas por operários, em grande parte imigrantes, habitada pelos Outsiders. 34 A relação de distanciamento e aproximação aqui referida possui conotação similar ao entendimento de Georg Simmel. (WAIZBORT, L. 2000, p. 138) Proximidade e distância são categorias não só recorrentes em Simmel, mas fundamentais em seu pensamento. Devido ao seu grande potencial analógico, elas são freqüentemente mobilizadas para dar conta do caráter processual da realidade, seja ela individual ou supraindividual. Em se tratando de cidade, observa-se esta ambivalência na proximidade espacial entre a pobreza e a riqueza, próximas no espaço geográfico, contudo, distantes sócio economicamente.

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anômica35, se vulnerabiliza, não conseguindo se impor no conflito e contra-

estigmatizar o outro grupo.

O contexto descrito de Estabelecidos e Outsiders serve como legitimador

da noção de figuração social de Norbert Elias36, que pode ser entendida como

uma constelação de fatores e valores, objetivados e subjetivados, construídos e

reconstruídos que possibilita a coesão e estabilidade de um grupo, como

instrumentos desta figuração temos as instituições sociais, exercendo um papel

de grande importância no fortalecimento da identidade do grupo, que são:

escolas, igrejas, clubes e conselhos. Estas instituições são pólos de poder que

constituem os esquemas de relações de um grupo. A figuration não é apenas uma

representação, é uma construção que se configura a partir da interação e relação

de elementos, é uma forma social que dá inteligibilidade ao próprio movimento de

constituição social. As identidades grupais são resultantes de figurações sociais

que se estruturam a partir da interação entre seus elementos constitutivos,

detentores de uma forma específica de sociabilidade.

A figuração social assim como o habitus são resultantes de uma dinâmica

acumulativa de disposições e esquemas objetivados e subjetivados, influenciados

por agentes e instituições sociais que se referenciam na tradição, nos valores

culturais e econômicos, na história e no compartilhamento de normas. Ambas

35 Do ponto de vista dos outsiders, o resultado da estigmatização - além da interiorização do preconceito, que traz reflexos para a auto-imagem do grupo - pode ser também um preconceito contra os estabelecidos. Mas, na medida em que não possuem poder para estigmatizar o outro grupo, podem transformar a estigmatização em atos de violência.

36 Embora, Nobert Elias raramente faça referências a outros autores, na sua teoria das relações de poder e de figuração social, pode se reconhecer um diálogo com Hegel (a questão do reconhecimento na dialética do senhor e do escravo), Simmel (os conflitos como vínculos de tensão e desigualdade sociologicamente positivas), Weber (o problema da legitimidade nas formas de dominação), Durkheim (a noção de coesão e a idéia de que as relações sociais podem ser de intensidade variável).

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 59

categorias aproximam os indivíduos e podem explicar a construção da identidade

coletiva e social de um grupo, principalmente quando consideramos que os

indivíduos que compartilham de uma mesma identidade coletiva, estariam unidos

por um tecido de coesão e sociabilidade constituído por elementos que podem ser

encontrados tanto na elaboração do habitus como na figuration.

A relação e a interação estão presentes na maioria dos conceitos de

Bourdieu e na sua própria noção de habitus, destacando que as propriedades de

um grupo qualquer não são intrínsecas, ao contrário, são propriedades

relacionais, que só existem em relação a outras propriedades, podemos

relacionar este pensamento com o mesmo da constituição da identidade social no

esquema das propriedades do eu que se constituem em concomitância com as

propriedades do outro, em uma ação dinâmica e constituidora do nós e da

identidade social.

A noção de habitus enquanto social incorporado e, portanto

individualizado, pode ser aproximado à noção de figuração de Norbert Elias,

constituintes da identidade social e facilitadores de um diálogo sobre a construção

do “eu” a partir do “nós” principalmente ao perceber que esta construção deriva-se

de um trabalho coletivo de socialização, em que tanto o “eu” quanto o “nós” são

responsáveis.

[...] a relação entre o agente e o mundo fica explicada pela influência recíproca de um e de outro: nem tanto o agente, nem tanto o mundo; “o habitus mantém com o mundo social de que é produto uma verdadeira cumplicidade ontológica, princípio de um conhecimento sem consciência, de uma intencionalidade sem intensão. (BOURDIEU,1988, p. 24)

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 60

O conceito de habitus e de espaço social de Bourdieu, nos faz pensar na

internalização das diferenças através das disposições subjetivas e objetivas

construídas socialmente e indicadoras de uma identidade que se forma através

das distinções, assim como o faz Norbert Elias ao analisar a dualidade entre

grupos em conflito37. Além da questão relacionada à diferença, estes autores se

aproximam ao teorizar sobre os processos sociais de dominação, destacando o

poder da tradição, da cultura e dos valores introjetados e constituidores de uma

força dominadora38 que diferencia, subestima, inferioriza ao mesmo tempo em

que mantêm a interdependência entre os grupos.

Norbert Elias trabalha com a variável da auto – imagem coletiva, que na

constituição da identidade social exerce influência na coesão e na legitimação do

grupo. Em Os Estabelecidos e Outsiders, exemplo clássico de sua noção de

figuração social, a relação entre os dois grupos passam necessariamente pela

questão da imagem que cada um tem de si mesmo e da importância da

preservação dessa imagem, que pode ser resguardada ou afirmada por

intermédio da inferiorização de um grupo (diferenciação/conflito) e superiorização

do outro.

A auto-imagem de um grupo diz algo sobre o próprio grupo, quanto maior a

segurança de um grupo em relação a si, menor a discrepância entre a imagem e

a realidade e menor será a necessidade de estigmatizar outros grupos. Na falta

de certeza em relação à auto-imagem e ao pertencimento do próprio grupo, tudo

37 O conflito teria o objetivo de ampliar os reconhecimentos entre os indivíduos e grupos, antecipar uma sociedade onde determinada relação de desrespeito e não reconhecimento recíproco não exista. O conflito social sucinta a luta por reconhecimento identitário, uma luta por ampliação de direitos, que visaria uma maior possibilidade de auto realização do individuo em sociedade. 38 Em Pierre Bourdieu as preposições sobre dominação se mostram presentes no livro A Dominação Masculina, e em Norbert Elias, em Os estabelecidos e os Outsiders.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 61

que de algum modo fosse diferente poderia gerar uma sensação de ameaça e

risco à coesão da identidade coletiva. A “reflexividade” que está presente na

elaboração desta auto imagem exerce importância na construção da identidade

do grupo.

Um aspecto importante no grupo em estudo é que ainda não há uma

manifestação dualizada entre grupo antigo estabelecido e grupo mais recente

outsiders, mas há uma constelação de formas e conteúdos sociais comuns que se

projetam na sociabilidade constitutiva de uma identidade coletiva, as relações de

poder e hierarquização social, existem dentro do grupo, como existe em qualquer

dimensão da sociedade, mas o conflito39 social será pela busca de um desejo

comum, no caso do “segregados na terra”: a infra-estrutura de serviços do

conjunto, a segurança, o saneamento, o acabamento das unidades habitacionais

que não foram realizados etc.

39 Um outro aspecto conflitivo se manifesta no momento em que o grupo “segregado na terra” cria sua própria associação de moradores, estabelecendo uma rivalização com outras associações de bairros adjacentes, o que parece normal quando se trata de grupos sociais precarizados pela condição social e movidos apenas pelo objetivo de reinvidicações imediatas de benfeitoras para seu bairro.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 62

5- Conclusão – A Tessitura de uma identidade social

A tessitura da identidade social é inacabada, nunca chegaremos a uma

coesão total de variáveis identitárias até porque sua constituição é fruto de uma

interação constante que envolve formas especificas de sociabilidade,

entrecruzadas com histórias de vida, manifestações coletivas e todas as

interligações e relações que o momento sociopolítico permite. Tanto a identidade

individual como a social, são resultantes de processos interativos que se

elaboram e re-elaboram no transcorrer da vida. A identidade é um processo

contínuo e mutável, o reconhecimento da nossa identidade e da identidade de um

grupo envolve diversas dimensões de nossa existencialidade: sentimentos,

pertencimento, auto-estima, status, auto-imagem etc. Como uma categoria

definidora à identidade marca a nossa presença no mundo social, tanto na esfera,

burocrática das responsabilidades sociais, como na psicológica da aceitação do

eu e do outro.

Nas principais concepções que foram expostas neste trabalho as variáveis

de conflito, proximidade, afastamento, fronteiras e principalmente a interação

social estavam presentes em suas elaborações teóricas. Rejeitando alguns

pressupostos desenvolvidos por estruturalistas, em que os atores sociais são

considerados como simples marionetes, regulados por leis mecânicas,

funcionando dentro de um modelo, a partir de uma estrutura, o pensamento de

Pierre Bourdieu converge à crítica de Anselm Strauss (1999) que afirma a intima

associação entre estrutura social e interação dos indivíduos, na qual um elemento

influência o outro.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 63

Na conjecturação de uma identidade coletiva as dimensões objetivas e

subjetivas estarão presentes e serão estruturadas pelas práticas sociais que em

diferentes territórios são conduzidas por um conjunto de regras, normas e

disposições instituídas pelo sistema de representações vigentes no grupo.

Códigos distintos para cada segmento social fazem a densidade subjetiva de um

espaço ser maior ou menor. Estes códigos e signos são construídos pelo próprio

grupo, e na medida que a trama socio-territorial torna-se difusa mais códigos vão

sendo incorporados em uma constante que se orienta pelo tipo de relação

travada.

Como forma social de reconhecimento, a sociabilidade dinamiza o jogo das

relações sociais e viabiliza a formatação de tramas e contextos constitutivos da

identidade. Neste esquema a auto-imagem, os valores produzidos, o status e uma

série de variáveis que possuem base psicossocial se operacionalizam através das

formas de sociabilidade, que são imprescindíveis na tessitura da especificação de

um grupo.

Na análise dos “Deserdados do Mar e Segregados na Terra”, evidenciamos

a importância do movimento de territorialização na constituição da identidade de

um grupo, os rituais, a história a própria luta pela sobrevivência, cooperam na

elaboração das disposições subjetivas e objetivas que indicam o habitus. O

exemplo dos “deserdados do mar” e suas práticas sociais se figuram em uma

constelação de arranjos constituídos de códigos e signos que definem e

especificam o grupo. A identidade do “sujeito segregado na terra” forma-se no

processo de luta e através das estratégias comuns que dão suporte as suas

práticas.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 64

A focalização nas relações do grupo e a análise imbricada das duas

dimensões de habitat permitiam ir além dos limites impostos pelo conceito de

assimilação cultural, e busca através das relações sociais desenvolvida pelo

grupo “Deserdado do Mar e Segregado na Terra”, a inteligibilidade sobre suas

formas de sociabilidades, conflitos e práticas, assim como o assentamento destas

práticas em um território. A pluralidade das práticas comuns nos oferece

elementos para pensar e justificar a dinâmica das constituições identitárias.

Podemos sinalizar também que o sucesso ou o fracasso da constituição da

identidade social do grupo está associado à adequação ou não do habitus, da

figuration e dos campos em que atuam.

O estudo conduz afirmar que o processo de reposicionamento dos

“Deserdados do Mar” na terra firme tem reflexos multilaterais na vida dos

transferidos, a nova moradia ascende uma expectativa de mudança por completa

da vida que logo é suprimida pelas novas necessidades do ambiente formalizado.

A vida nova, a casa de alvenaria em terra firme simula um novo espírito de

percepção da vida, contudo não implica em um distanciamento ou a uma ruptura

completa com o ambiente liquído da maré.

A trajetória desta pesquisa monográfica aponta que a criação e recriação

contínua e desigual de relações de sociabilidade são constituintes de

reconhecimentos coletivos, as práticas cotidianas e as necessidades objetivas

comuns constroem e reconstroem relações marcadas pelas trocas simbólicas

que se retroalimentam.

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 65

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 68

Perfil dos Entrevistados no Conjunto Jardim Nova Primavera

1- Sra. DENIS ROSÁRIO (Secretária Executiva do Quilombo Kiôio, entidade social credenciada a Pastoral Católica e a Paróquia São Brás – Subúrbio Ferroviário de Salvador); 33 anos, a entrevistada já foi moradora de palafitas no aglomerado de Novos Alagados.

2- Sra. MARIA GOMES DO CARMO (Vendedora de Artesanato) 47anos, foi moradora de barraco no bairro de Boiadeiro, adjacente ao Conjunto Nova Primavera, onde atualmente mora.

3- Sra.CRISTIANE RIBEIRO DOS SANTOS (Doméstica) 28 anos, antiga moradora de palafita no Aglomerado de Novos Alagados e moradora do Conjunto Nova Primavera.

4- Sra. DIVA BARBOSA MACHADO (Aposentada) 80 anos, uma das moradoras mais antigas da área de Novos Alagados, resistiu até o último momento a saída do Aglomerado de Palafita

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Entrevistas no Conjunto Jardim Nova Primavera Entrevistado (a) – Denis Rosário, 33 anos – Secretária Executiva do Quilombo Kiôio, entidade social credenciada a Pastoral Católica e a Paróquia São Brás – Subúrbio Ferroviário de Salvador; a entrevistada já foi moradora de palafitas no aglomerado de Novos Alagados. Entrevistador – Antonio Mateus de Carvalho Soares Local – No Conjunto Habitacional Jardim Nova Primavera – Na casa da entrevistada – Salvador- Ba. Data – (10/10/2004) Transcrição – (03/04/2006) 1– Seu nome e há quanto tempo mora aqui?

Me chamo Denis Rosário, moro em Novos Alagados há 10 anos, antes eu morava em Morro de São Paulo, minha família resolveu vir para cá pois lá não havia condições de estudo, não tinha muitas escolas, por esse motivo nos mudamos.

2–Você morou em palafitas?

Inicialmente eu morei em Palafita, que são aquelas casas na água, mas depois meu pai que era Marinheiro, agora aposentado, conseguiu juntar um dinheirinho e comprou uma casa, aqui perto mesmo. Lá em Morro de São Paulo, a vida era mais difícil, não havia condições de desenvolvimento, ainda não tinha o turismo como têm hoje.

3– Você ainda mora com sua família, não pretende quando casar mudar daqui?

Ainda moro com minha família, não pretendo mudar daqui não, atualmente temos um nível de vida melhor, agora eu estou na universidade, e pretendo ficar aqui, continuar trabalhando aqui.

4– Fale-me um pouco sobre o seu trabalho aqui?

Sim, o trabalho aqui pertence à Igreja Católica, Paróquia de São Brás, e é um projeto de promoção humana, porque a maioria das mulheres daqui, são sozinhas não têm marido, então desenvolvemos este projeto especialmente para mulheres, temos cerca de 300 mães cadastradas, o requisito é que elas sejam mães, e tenham mais de 1 filho, as mulheres aqui tem muitos filhos, temos famílias que chegam a 10 a 14 pessoas em uma casa, ai nós cadastramos estas mães, são dividas em grupos, aqui elas recebem toda a orientação, saúde, também cursos educacionais e profissionalizantes e também damos uma assistência médica, temos três médicos voluntários,damos uma ajuda em alimentação e no que está mãe precisar, estamos aqui. Além destas palestras de saúde, temos palestras de promoção humana, dignidade, porque a maioria destas mães quando elas entram aqui, estavam ai jogadas, sem nenhuma noção de higiene, saúde, quanto elas entram aqui essas pessoas são cruas, marcadas pela violência, muita fome, um problema aqui é a fome, praticamente todas eram moradoras, de palafitas, hoje, não tem mais palafitas, mas a pobreza continua igual. Então nós acolhemos essas mulheres e vamos desenvolvendo, ao ponto de muitas delas está abrindo seu próprio negócio, fruto dos próprios cursos que são dados aqui, a exemplo dos cursos de produtos de limpeza. Muitas das mulheres que fizeram os cursos, começam a produzir, o projeto empresta o dinheiro para elas montarem o negócio, ai elas vão pagando em pequenas parcelas, depois continuam.

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5 –São vocês que emprestam o dinheiro para elas?

Sim, nós emprestamos o dinheiro para elas comprarem todo o material que elas precisam, elas se comprometem a pagar, e todas que tomaram o dinheiro até hoje sempre pagaram, elas pagam da maneira que elas podem, não determinamos o valor. E agora não estão passando fome, como antes, muitas que não conseguiam comprar nenhum gás para cozinhar, agora não passam por este sufoco.

6– Você fala das mulheres cruas, e a idéia de higiene, coisa assim, é porque elas nunca foram à escola?

A maioria interrompeu os estudos, outras nem foram, muitas são vítimas da violência família porque os companheiros batem muito, elas apanham, muitas são vítimas da violência sexual, muitas são mulheres de bandidos de traficantes, muitas os filhos estão morrendo por causa do tráfico. Então são mulheres assim, que ninguém ligavam para elas, é verdade, não tinha o consolo de uma crença, e aqui também tem o lado espiritual, elas começam a freqüentar as missas

7 – Tem muito tráfico de drogas aqui?

Sim, a área aqui é de tráfico de drogas.

8– Você falou da violência e tem muita violência aqui? Sim, tem muita violência principalmente à violência em casa, aqui tem muitos casos de mulheres que apanham muito dos maridos e temos casos que somos obrigados a socorrer. E, levar essas mulheres ao hospital.

9 – E por que elas continuam com seus maridos, não tem outra opção?

Sim, elas não têm emprego, não sabem ler [...] e os maridos batem nelas por causa da bebida, não põem nada em casa e só participam mesmo da fabricação dos filhos, está é a verdade. E quando chegam em casa, é batendo na família, quando não nas mulheres, são nos filhos, temos muitos casos destes aqui.

10 – Estas mulheres que você se referiu quando põe seu negocio, seu comércio, elas continuam aqui ou mudam de bairro?

Elas pensam melhorar de vida, mas querem permanecer aqui, a maioria antes moravam nas palafitas, ganharam estas casas do Conjunto Nova Primavera, agora elas têm uma pequena estrutura para vender, mas não há condição de sair para outro lugar, o que elas ganham com estes negócios, não dá para elas saírem daqui, só dá para sobreviver, para elas não passarem fome.

11– E neste projeto, vocês possibilitam um melhor futuro para as crianças?

Sim, aqui no Subúrbio, para a sociedade só se produz marginal todo mundo acha que quem mora no Subúrbio é marginal, mas muitos jovens aqui estão ingressando nas faculdades, que é uma grande prova que isto aqui está mudando.

12 – Quando estes jovens terminam a faculdades eles ficam aqui, ou eles vão para outro lugar?

Eles continuam permanecendo aqui, tem muitos que trabalham aqui mesmo e outros mesmo trabalhando em outros lugares, continuam aqui.

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13 – Se aqui tem tanta violência, tem tantos problemas, se você tem a opção de mudar de lugar, porque não mudar?

A violência está em todo lugar, eles ficam aqui porque querem mudar o lugar que eles nasceram e continuam morando, buscando a melhoria neste lugar. E melhorar significa prevenir que os jovens entrem no tráfico. Aqui mesmo na paróquia tem um curso pré-vestibular gratuito, é uma chance que este jovem que sempre estudou em escola pública possa se preparar para entrar em uma faculdade. 14 – Isso significa que tem um sentido comunitário aqui?

Sim, tem bastante o sentimento comunitário.

15 – Só há este trabalho comunitário aqui?

Não, há uma série de trabalhos, tem centros educativos que preparam também os jovens, há a Sociedade 1º. de Maio, então podemos dizer que há um conjunto de entidades que trabalham em projetos sociais aqui. 16– E o governo do Estado está fazendo alguma coisa? Olha, especialmente em nosso projeto não, eles têm vários trabalhos. Agora tiraram as palafitas e deram estas casas [Conjunto Viver Melhor], houve uma melhora? Sim! Mas quem passava fome nas palafitas continuam passando nas novas casas sólidas. 17 – Isso por que não têm suficientes empregos? Sim, não têm emprego, e quando tem, as pessoas não estão plenamente preparadas para ele. Entrevistado (a) – Maria Gomes do Carmo, 47 anos – Vendedora de Artesanato (ela mesmo fábrica as flores com sabonete e vende nos finais de semana em bares da cidade); foi moradora de barraco no bairro de Boiadeiro, adjacente ao Conjunto Nova Primavera, onde atualmente mora; mãe solteira, desempregada. Entrevistador – Antonio Mateus de Carvalho Soares Local – No Conjunto Habitacional Jardim Nova Primavera – Na casa da entrevistada – Salvador- Ba. Data – (10/10/2004) Transcrição – (05/04/2006) 1 – Como a Sra. se chama? Me chamo Maria Gomes do Carmo 2 – Onde a Sra. morava antes de chegar aqui? Eu estava morando na rua 1. de novembro, rua 15 E, bairro de boiadeiro, aqui mesmo no Subúrbio Ferroviário de Salvador 3 – Em que tipo de casa a Sra. morava? Casa de bloco, mas sem ferro, cheguei neste endereço em 1989

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4 – Antes deste endereço a Sra. morava onde? Morava na rua 2 de Outubro, no. 121 E, na Regis Pacheco, mas era uma rua muito ruim também, essa rua fica no fundo da delegacia furtos e roubos, ali perto da Baixa Fiscal. 5 – A casa era igual a de antes? A casa era igual à outra, de bloco, mas não tinha ferro, em uma péssima condição de moradia também, não tinha esgoto, era ruim, péssimo. 6 – A Sra. é daqui de Salvador mesmo? Sim, sou, nascida e criada aqui em Salvador. 7 – E seus pais, onde eles moravam?

Meus pais são do interior, mas vieram para aqui também, mas já são finados, eles vieram causa da pobreza, a roça não estava dando mais para manter a família, ai eles vieram para Salvador. Minha mãe sempre contava que quando a roça acabou eles vieram. 8 – Como eram as condições de vida quando você era jovem? Rapaz, minhas condições de vida, sempre foi trabalho, até hoje, eu não sei contar uma condição de vida tranqüila assim, sem muito trabalho, trabalho árduo, sempre trabalhei arduamente. 9 – A senhora passava fome quando era jovem? Tive, tive várias crises, lá em casa minha mãe pobre, foi morar com meu padrasto, entramos em crise minha mãe foi vender em tabuleiro na rua, foram várias crises. Nunca tive regalias não! 10 – Quantos irmão tem? Tenho sete irmãos. 11 – Como foi quando você mudou para aqui? Eu mudei para aqui [Conjunto Nova Primavera], foi através da CONDER, ai eu fiquei sabendo, as casa de minha rua como eram muitos ruins e a ser demolidas e as pessoas iriam vir para o conjunto, me ofereceram R$ 3.000 mil reais, mas eu preferi a casa no lugar do dinheiro. 12 – A Sra. mora com quantas pessoas aqui? Só eu e meu filho 13 – A sra. está contente com a nova casa? Me sinto bem nesta casa, aqui são dois quartos eu fico a vontade no meu quarto e ele fica a vontade no quarto dele, a casa que eu morava antes era um vão só, agora há dois tanques de água no meu quarto aqui, um tanque para a casa de baixo e um tanque para minha casa. Nesta sala eu fico a vontade para fazer os meus artesanatos.

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14 – Qual o tipo de artesanato a Sra. faz? Faço flores de sabonete, rosinhas de sabonete. 15 – A Sra. ganha muito dinheiro com isto? Dá para passar né, dá para pagar luz, água. 16 – E o seu filho trabalha? Não, ele estuda, eu que trabalho arduamente todos os dias, todos os dias mesmo. 17 – E o seu filho estuda para fazer o que no futuro? Ele tem sonho de ser marinheiro, está se esforçando para estudar, o exercito ele não quer não, mas a marinha ele quer, eu tenho a fé em Deus, eu sou cristã né, que ele irá conseguir realizar o sonho dele. 18 – Você fez algum curso para aprender fazer o artesanato? Não eu aprendi olhando, aprendi sozinha, ralo o sabonete, faço a massinha e toco o pau a fazer. 19 – E a vida aqui no bairro é tranqüilo? Sim, é tranqüilo, só teve alguns problemas no início causa das casas, as pessoas queriam as casas da frente, a minha vizinha queria que eu trocasse a minha casa com a do irmão dela, mas eu não quis. Queria colocar bar aqui, mas eu não quis, houve muita discórdia nos sorteios das casas, mas só isso. Graças a Deus, mas disse que teve uma briga ai estes dias, causa de um terreno, um tal de um beco, uma mulher queria tomar o beco da vizinha, só isso. 20 – Você gostaria de ficar toda a sua vida neste conjunto habitacional ou gostaria de mudar? Gostaria de mudar porque as coisas aqui são muito difíceis, aqui não tem supermercado, não tem farmácia perto, você sabe eu faço estas coisas de artesanato, às vezes não encontro sabonete rosa para comprar, tenho que caminhar muito para encontrar o sabonete no Supermercado Bom Preço, lá em cima no bairro de Plataforma, tenho que subir essa ladeira, ou ir na Feira de São Joaquim, ou de ônibus para a Calçada ou Terminal da França. Eu que durmo tarde, acordo com os pés inchados de tanto andar. 21 – E o seu filho gosta daqui? Não, ele detesta aqui, também tem vontade de mudar. O meu filho aqueixa de amizade, os jovens aqui não fazem amizade, aqui os jovens não sabem ser amigos, muita droga, muita amizade. Ele se aqueixa, fala - Oh! Mãe eu queria morar em um lugar, assim que tivesse amigos para passear, para jogar bola, bater papo, sem está onda que rola aqui. Olha, você acredita que eu tive uma vizinha para bater papo, só quando eu morei no Uruguai, desde que vir morar aqui nesta área na Suburbana, pouca intimidade, um bom dia, uma boa tarde, você acredita que a maioria das mães de famílias aqui são fofoqueiras, é encrenqueira e a pessoa tem que sair de baixo, agente se senti mal em um lugar assim né !

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22 – Mudar para onde? Aqui no Subúrbio mesmo, mudar para o bairro de Paripe, eu vendo rosa lá, lá tem diversos supermercados, tá ótimo ali tem abastecimento, tem feirinha. 23 – Você se senti mal porque não pode oferecer algo melhor para seu filho? Se eu sinto culpa! Tenho, sinto culpa sim, eu já pensei, mas sempre explico para ele, o que posso fazer como pobre eu faço, eu sempre explico a ele, para ele ter paciência, para ele não roubar, para não ser preso, ter paciência um dia ele chega lá com os estudos dele, e realizar os sonhos deles. 24 – A Sra. tem sorte de ter somente um filho? É verdade, tive essa sorte, na verdade tive quatro mais morreu três, eu tive juízo de não ter tido mais, eu sempre imaginava em encontrar uma pessoa para morar e mal tratar ele, eu vi muitas amigas minhas tentando, ah! não deu certo com este homem, arranja outro e um vanbora fazer filhos. É eu só tive esse e agora, pior, eu sou cristão, na minha igreja, não pode de jeito nenhum, sexo, sem casamento, e eu há muitos anos que não tenho marido, graças a Deus!!! melhor para mim, porque sei que não correrei risco nenhum de gravidez. 25 – E os seus outros filhos do que morreram? O primeiro foi de bronco-pneumonia, tinha dois meses e sete dias, era uma menina; o segundo também foi bronco-pneumonia, tinha um ano e quatro meses, e o terceiro eu fiz um aborto. Vida do mundo miserável, eu digo a você hoje eu gosto de ser uma cristã, porque eu não vou mais fazer farra, naquela época arranja uma paquerinha para tomar uma cervejinha, daqui a pouca um motelzinho, gravidez inesperada, neguinho caindo fora, viu, e ai vanbora problema, mas hoje eu estou livre disso, só tenho a agradecer a Deus. Esse aborto que eu fiz mesmo, foi um paquera, né, eu com 25 anos, ele com 25 anos, eu gata, ele gato e ai pronto, quando foi na hora “h” da gravidez o homem pulou fora, dizendo que o filho não era dele, e como o filho seria dele, só estávamos juntos há três dias, coisa e tal. Entrevistado (a) – Cristiane Ribeiro dos Santos, 28 anos, doméstica, antiga moradora de palafita no Aglomerado de Novos Alagados e moradora do Conjunto Nova Primavera. Entrevistador – Antonio Mateus de Carvalho Soares Local – No Conjunto Habitacional Jardim Nova Primavera – Na casa da entrevistada – Salvador- Ba. Data – (10/10/2004) Transcrição – (05/04/2006) 1 – Como a Sra. se chama? Me chamo Cristiane Ribeiro dos Santos 2 – Há quanto tempo a Sra. mora aqui? Um ano e três meses

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3– Onde a Sra. morava antes de chegar aqui? Há nove anos morava na maré, na palafita, barraco sobre a água, o nome da rua era Santa Isabel, a casa era pequena, barraco sobre a água e de seis em seis meses, agente tinha que trocar a casa, senão ela caia, e quanto chovia molhava tudo, os meninos só viviam caindo na maré, eu mesmo tenho duas cicatrizes. Vivíamos com ratos e baratas e com outros bichos que apareciam. A casa que eu morava era um barraco de maderite em cima da água mesmo, quando ventava parecia que a casa ia cair. 4 – Você morou 9 (nove) anos na palafita e antes, você morava onde? Morei nove anos e lutei muito para consegui está casa hoje, se fosse pelo pessoal da CONDER estaria lá na maré até hoje. Começaram a tirar todo mundo da maré e me deixaram lá, eu ameacei a CONDER, ou me davam uma casa ou eu iria a uma emissora de televisão dar uma queixa, os meninos [filhos dela] todos cheios de creca, eu disse ou você me tiram daqui ou eu vou denunciar vocês. Antes disso eu morava no bairro Fazenda Grande do Retiro, com minha mãe, mudei para aqui porque meu marido é daqui, mora aqui a 23 anos. 5 – Você está trabalhando? O que gostaria de fazer? Não pretendo trabalhar mais, ninguém dá oportunidade, gostaria de fazer qualquer coisa na vida, desde quando ganhasse um dinheiro, para rebocar a casa, ajudar a manter o filho na escola, tudo é muito caro, então tem que ajuda o marido. 6 – O que seu marido faz? Meu marido é vendedor ambulante, vende chocolate para viver, ele tira uns R$ 80,00 por mês, depende pois se estiver chovendo ninguém vai comprar chocolate. Destes R$ 80,00, temos que está tirando o rango da semana, gastamos R$ 20,00 ou R$ 30,00 e fora a água e a luz, e estão querendo que agente pague a casa 10% do salário minino, para agente pegar o documento da casa, temos que pagar, ou paga ou então não pega, agente está lutando para não pagar, pois onde agente morava agente não pagava nada. Agente não pediu, eles que quiseram mudar agente de lá, se agente não tem trabalho nem nada, disseram ai [o pessoal da CONDER] que iriam dar trabalho agente, tipo cooperativa, para ajudar os moradores, mas até hoje não saiu nada, e ai como agente vai fazer? Pense ai uma pessoa que é desempregada, paga água, luz, e ainda 10% do salário para pagar casa. 7 – Você pretende ficar aqui? Pretendo, eu gosto daqui, aqui tá bom, ou bom ou ruim, aqui tá bom, agente não tem condições de fazer uma casa desta, né, o salário que agente ganha não dar nem para agente viver, todo mundo desempregado. Eu pretendo ficar aqui, eu gostei daqui, ponto de ônibus perto 24h. 8– Você é daqui de Salvador? Sou daqui de Salvador mesmo, nasci aqui. 9– E seus pais são daqui de Salvador? São do interior e vieram para aqui trabalhar.

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10– O que espera para seus filhos? Espero para meus filhos que eles estudem, e tenha um futuro bom, que Lula dê os trabalhos que ele prometeu, e que a educação mude, está muito ruim a educação do estado, eu estudo no noturno e faltam professores, se antes não prestava hoje está pior ainda. 11 – Por que estuda ainda? Para tentar melhorar de vida, concluir o 2º. Grau para poder arranjar um emprego, em tudo que você vá fazer hoje, exige o 2º. Grau. Entrevistado (a) – Diva Barbosa Machado, 80 anos, moradora de palafita, que resistiu até o último momento a saída do Aglomerado de Palafita. Entrevistador – Antonio Mateus de Carvalho Soares Local – No Aglomerado de Palafita de Novos Alagados – No barraco da entrevistada – Salvador- Ba. Data – (10/10/2004) Transcrição – (05/04/2006) 1 – Há quanto tempo a Sra. mora aqui? Tenho 25 anos morando nesta área, antes morava também na maré, mas não era aqui, era no Uruguai. 2– Como era a casa que a Sra, morava antes? Era, era igual a esta, um barraco de entulho sobre a água, mas eu vendi a casa para um rapaz e fui morar com minha filha, mas não me dei bem, agente quando chega a uma certa idade tem que morar sozinha. Ai eu conseguir uma lama perto do barraco de minha filha ai eu resolvi construir um barraco e morei mais ou menos de 10 a 12 anos, até vir para este aqui. 3 – A Sra. é de Salvador mesmo? Não sou de São Gonçalo dos Campos [interior do Estado], agora somando todo o tempo que estou aqui tem uns 45 anos. 4 – Porque a Sra. veio para aqui? Lá em São Gonçalo dos Campos não tinha condições de eu criar minhas filhas, ai vir para aqui trabalhar de doméstica, lavei roupa na casa de família, paguei meu INPSS, me enchi de doença não sei como, e hoje sou aposentada. Não pude mais trabalhar, fiz três operações, ai aposentei, mas antes de lavar roupa eu trabalhava em Trapiche de Fumo. Mas quanto eu cheguei aqui em Salvador, fui morar em um barraco alugado no bairro da liberdade, como não tinha como pagar o aluguel, me falaram destes barracos de palafitas aqui ai eu fui morar primeiro nos barracos de palafitas do [aglomerado] do Uruguai e depois vir para aqui, [aglomerado de palafita de Novos Alagados], ai foi onde eu acabei de criar as minhas filhas com lavagem de roupa.

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5– A Sra. não tem marido? Não, não tenho, há uns 33 anos estou sozinha, depois que meu marido morreu não arranjei outro, não me casei depois, não quis mais saber de homem. Criei minhas filhas sozinhas graças a Deus, foram cinco filhas criadas, tinha um rapaz, mas ele morreu. 6– Quando a Sra. veio morar em Salvador não tinha medo? Medo eu nunca tive, mas eu não tinha mesmo era ordenado, não tinha emprego, sair de São Gonçalo, deixei minhas filhas lá com vizinhos e parentes e vir sozinha para aqui. Quando eu cheguei aqui o trabalho que eu vir acertada, não era para fazer só uma coisa, mas um monte de coisas, lavar roupas, cuidar de crianças, arrumar casa. Minha conterrânea me trouxe para aqui e me explorou. Eu não tinha nem tempo para procurar uma pessoa para escrever cartas para eu mandar para minhas filhas. 7 – Por que veio para Salvador? Por que não foi para outro lugar? Eu até pensei em ir para o Rio de Janeiro, arrumei até as malas, mas depois pensei lá eu não conhecia ninguém, e o Rio de Janeiro era mais difícil para eu me comunicar com minhas filhas. 8 – A Sra. mora neste lugar há 25 anos, como era antes? Moro nesta área há uns 25 anos, no início não tinha luz, não tinha energia, não tinha água, não tinha nada, era uma sede, agente comia pão seco com café, isso no governo de Antonio Balbino, eu me lembro. Aqui não tinha água, mas depois com a fundação da Sociedade 1º. de maio [associação que existe até hoje no bairro], que muito ajudou está comunidade da maré. 9 – Tinha banheiro na sua casa? Não tinha, e ainda não tem, há tinha muitos mosquitos que mordiam muita gente. 10 – Hoje em dia está melhorando as coisas aqui? Sim, está melhor, mas estes pedacinhos de casas que deram para agente me deixou muito decepcionada, eu já recebi minha chave, mais ainda não mudei nada, não tenho vontade de mudar, como vou mudar de casa, eu ando de moletas, aqui já estou adaptada, mas eu vou ter que mudar. Olha eu disse para os funcionários da CONDER e digo para quem parecer, esses pedacinhos de casas que estamos recebemos [ela se refere as casas do Conjunto Jardim Nova Primavera], eu na idade que estou, estou indignada. Outra coisa disseram que não podem ampliar estas casas, eu não vou poder levar o material que tenho aqui no barraco para ampliar a outra casa [ ela se refere às madeiras de seu barraco atual], estou muito insatisfeita com estes pedacinhos de casas que não, podem ampliar, mas eu já disse vou levar alguns pedaços de paus daqui, que agüentem pregos para eu ampliar a casa. 11 – A Sra. vai ter que pagar alguma taxa pela nova casa? Eu ouvir dizer lá na Associação 1º. de Maio que iríamos pagar uma taxa, que tem como base o salário mínimo, mas eu não vir ninguém pagar ainda.

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12 – A Sra. tem condições de pagar está taxa? Eu não tenho condições de pagar está taxa, minha aposentadoria é só dá para comprar remédios. 13– A Sra.vai sentir saudade da palafita? Sim, pois eu construir este barraco, madeira a madeira, construir do tamanho que estar, nós construímos os barracos, vou sentir saudade do espaço do barraco, que é maior do que o das novas casas [ela se refere à casa do Conjunto Jardim Nova Primavera]. Mas eu não posso deixar de falar que aqui no barraco não tem segurança, quando chove agente se molha, a outra casa é mais segura. 14 – Suas filhas moram onde? Um mora aqui do lado, duas moram no [bairro do] Uruguai, e uma em Mussurunga. As casas delas são de construção, elas trabalham lavando roupas e fazendo faxinas e assim levam a vida. 15 – Como está a situação de sua água e sua energia elétrica? Olha aqui tudo é gato [ligação clandestina] 16 – Qual sua religião? Minha religião era católica, agora sou Testemunha de Jeová.

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Modelo do Questionário aplicado com os moradores Nº da entrevista: ___________Nome do entrevistado: _____________________________

Endereço:________________________________________________________________

01 – SEXO: ( ) Mas ( ) Fem 02 – IDADE: _________ 03 –ORIGEM: ( ) Interior do Estado ( ) Palafita em Salvador ( ) Outra área de Salvador Onde?______________ 04 – SITUAÇÃO CONJUGAL: ( ) Casado ( ) Solteito ( ) Separado/ Divorciado ( ) Amaziado/Ajuntado 05 – NÚMERO DE DEPENDENTES RESIDENTES EM CASA: ( ) Nenhum ( ) Menos de 3 dependentes ( ) Entre 3 e 5 dependentes ( ) Mais de cinco dependentes 06 – SITUAÇÃO ECONÔMICA DO CHEFE DA FAMÍLIA: ( ) Empregado ( ) Desempregado Função exercida? ____________ ( ) Biscate ( ) Comerciante _______________ ( ) Pensão/Aposentadoria 07 – RENDA FAMILIAR: ( ) Menos de 01 salário mínimo ( ) Entre 01 e 02 salários mínimos ( ) Entre 02 e 05 salários mínimos ( ) Mais de 05 salários mínimos ( ) Nenhuma renda 08 – MAIOR ESCOLARIDADE DE ALGUM MEMBRO DA FAMILIA: ( ) Ensino Fundamental incompleto ( ) Ensino Médio incompleto ( ) Ensino superior incompleto ( ) Ensino Fundamental completo ( ) Ensino Médio completo ( ) Ensino superior completo ( ) Curso técnico ( ) Não alfabetizado 09 – TEMPO DE MORADIA NO CONJUNTO: ( ) Alguns meses ( ) 01 ano ( ) 01 ano e alguns meses ( ) 02 anos ( ) 05 anos ( ) Desde a inauguração 10 – RELAÇÃO COM A UNIDADE HABITACIONAL: ( ) Proprietário desde a inauguração ( ) Proprietário por compra em mãos de terceiros ( ) Locatário ( ) Empréstimo ( ) Ocupado sem autorização prévia 11 – SITUAÇÃO DO PAGAMENTO DA UNIDADE HABITACIONAL: ( ) Quitada ( ) Em amortização ( ) Em atraso ( ) Outros________________ ( ) Não sabe 12 – QUANTOS CÔMODOS TÊM SUA MORADIA ATUAL? ( Especificar ) ( ) Entre 1 e 3 ( ) Possui 03 cômodos ( ) Possui 04 cômodos ( ) Possui 05 cômodos ( ) Entre 05 e 08 cômodos ( ) Mais de 08 cômodos 13 – O SR.(A) FEZ ALGUMA ALTERAÇÃO NO IMÓVEL (MUDANÇA NA PLANTA ORIGINAL? (MÚLTIPLA ESCOLHA)

( ) 1. Sim. Quais? ( ) 1. Eliminação de paredes internas ( ) 2. Construção de paredes internas ( ) 3. Ampliação da moradia, anexada a casa ( ) 4. Ampliação da moradia, separada da casa ( ) 5. Acabamento (louças e metais) ( ) 6. Revestimento (pisos e paredes) ( ) 7. Muro e Grade ( ) 8. Outros. Quais?____________________

( ) 2. Não 14. SUA MORADIA É UTILIZADA PARA: (MÚLTIPLA ESCOLHA)

( ) 1. Uso exclusivo residencial ( ) 2. Geração de renda: comércio, produção, prestação de serviços. Qual?__________________ ( ) 3. Práticas religiosas (cultos, missas) ( ) 4. Associativismo (reuniões comunitárias) ( ) 5. Aluguel de cômodo ou cama ( ) 6. Outros. Quais?:_______________________

15. PARA AS NECESSIDADES DE SUA FAMÍLIA O SR.(A) CONSIDERA QUE O TAMANHO (DIMENSÃO) DA UNIDADE HABITACIONAL ENTREGUE A SUA FAMÍLIA É:

( ) 1. Mais que suficiente ( ) 2. Suficiente ( ) 3. Pequena ( ) 4. Muito pequena 16. A SUA MORADIA É LIGADA A REDE DE ÁGUA?

( ) 1. Sim, com medidor individual ( ) 2. Sim, com medidor coletivo

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 80

( ) 3. Sim, ligação direta na rede ( ) 4. Não 17. SUA MORADIA É LIGADA À REDE DE ENERGIA ELÉTRICA? ( ) 1. Sim:( ) 1. Sim, medidor individual ( ) 2. Sim,medidor coletivo( ) 3. Sim, empréstimo do vizinho ( ) 4. Sim, ligação direta ao poste de luz ( ) Não 18. O SR. (A) SABE QUAL O VALOR TOTAL DO IMÓVEL?

( ) 1. Valor: R$___________ ( ) 2. Não sabe 19. AS PRESTAÇÕES SÃO PAGAS:

( ) 1. No nome do morador-mutuário ( ) 2. Em nome do antigo proprietário/mutuário ( ) 3. As prestações não são pagas

20. O SR.(A) SABE DE ONDE VIERAM OS RECURSOS PARA A OBRA? (MÚLTIPLA ESCOLHA)

( ) 1. Órgão público municipal ( ) 2. Órgão público estadual ( ) 3. Caixa Econômica Federal ( ) 4. Empreiteira/construtora ( ) 5. Outros. Quais?:________________ ( ) 6. Não sabe

21. NA SUA OPINIÃO, QUAIS OS TRÊS PRINCIPAIS PROBLEMAS QUE AFETAM A SUA MORADIA? 1. Primeiro problema: Nº_____2. Segundo problema: Nº_____3. Terceiro problema: Nº_____ Indique os problemas: ( ) 1. Problemas nas instalações elétricas ( ) 14. Enchentes ( ) 2. Problemas nas instalações hidráulicas ( ) 15. Falta ou precariedade de transporte ( ) 3. Problemas de umidade e de infiltração de água ( ) 16. Falta de escolas ( ) 4. Qualidade da construção ( ) 17. Falta de equipamentos de saúde ( ) 5. Tamanho da moradia ( ) 18. Falta de equipamentos de esporte (quadras, campo de

futebol, etc.) ( ) 6. Valor da prestação ( ) 19. Falta de praças ( ) 7. Problemas com a vizinhança ( ) 20. Falta de manutenção de equipamentos coletivos

(bancos, prédios públicos, etc.) ( ) 8. Falta de parquinho para as crianças (playground) ( ) 21. Falta de comércio ( ) 9. Falta de água ( ) 22. Violência e falta de Segurança ( ) 10. Esgoto (rede e tratamento) ( ) 23. Atropelamento ( ) 11. Lixo e destinação inadequada ( ) 24. Mudança freqüente dos moradores ( ) 12. Pavimentação precária (asfalto, paralelepípedo...) ( ) 25. Não existem problemas ( ) 13. Falta ou precariedade de iluminação 22. O SR. (A) TEM CONHECIMENTO DA SAÍDA DE MORADORES DESTE CONJUNTO HABITACIONAL?

( ) 1. Sim. Porquê? (múltipla escolha) ( ) 1. Falta de condições de pagamento das prestações ( ) 2. Problemas familiares ( ) 3. Estruturas das unidades habitacionais ( ) 4. Falta de Adaptação ( ) 5. Outros. Quais:__________ ( ) 6. Não

23. NO CASO DE SUA MORADIA APRESENTAR PROBLEMAS DE CONSTRUÇÃO SR. (A) SABE COMO PROCEDER? ( ) 1. Sim Como? ______________________________ ( ) 2. Não 24. O SR. (A) RECEBEU CÓPIA DA PLANTA DA SUA MORADIA? ( ) 1. Sim ( ) 2. Não ( ) 3. Não Sabe 25. NA SUA OPINIÃO, QUAIS AS MAIORES QUALIDADES DA SUA MORADIA? 1. ______________________________________________________________________ 2. ______________________________________________________________________. 26. NA SUA OPINIÃO O FATO DE POSSUIR ESTE IMÓVEL SIGNIFICAR PARA VC. E SUA FAMÍLIA ( ) 1. Ótimo ( ) 2. Bom ( ) 3. Regular ( ) 4. Ruim 27. COMO ADQUIRIU A UNIDADE HABITACIONAL: ( ) Através de cadastro no programa ( ) Repasse da unidade habitacional ( ) Compra de terceiro ( ) Troca de moradias ( ) Re- qualificação ( ) Não se aplica 28. COMO AVALIA O CONJUNTO HABITACIONAL: ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( ) Péssimo 29. EXISTE REPRESENTAÇAO ASSOCIATIVA NO CONJUNTO: ( ) Sim ( )Oficial ( ) Ñ oficial Qual?______________ ( ) Não 30. EM RELAÇÃO A ASSOCIAÇÃO DO SEU CONJUNTO HABITACIONAL VC.PODE AFIRMAR: ( ) Existe mais não atua ( ) Existe e é atuante ( ) Não existe ( ) Existe mas não tenho envolvimento

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Anexo Álbum de Fotografias:

“Deserdados do Mar” – (2003/2004)

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 82

“Território da Maré”

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 83

“Deserdados do Mar” – Diversas

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 84

“Segregados na Terra” – 2004

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 85

Nova Territorialização

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Monografia: Deserdados do Mar e Segregados na Terra 86

“Segregados na Terra”- Forma Física e Conteúdos Humanos – O conjunto habitacional como território de

novas práticas e de novas formas de sociabilidade