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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS MG INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA (ICN) MAYARA FONTES DANTAS IMPACTOS DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NA ESTRUTURA AGRÁRIA SULMINEIRA NA MICRORREGIÃO DE ALFENAS MG ALFENAS/MG 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS – MG IMPACTOS DA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS – MG

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA (ICN)

MAYARA FONTES DANTAS

IMPACTOS DA MODERNIZAÇÃO DA

AGRICULTURA NA ESTRUTURA AGRÁRIA

SULMINEIRA NA MICRORREGIÃO DE

ALFENAS – MG

ALFENAS/MG

2011

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MAYARA FONTES DANTAS

IMPACTOS DA MODERNIZAÇÃO DA

AGRICULTURA NA ESTRUTURA AGRÁRIA

SULMINEIRA NA MICRORREGIÃO DE ALFENAS –

MG

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte dos

requisitos para a aprovação na disciplina de Trabalho de

Conclusão de Curso II e obtençãodo título de Bacharel em

Geografia pela Universidade Federal de Alfenas – MG, sob

orientação do Professor Doutor Flamarion Dutra Alves.

ALFENAS/MG

2011

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MAYARA FONTES DANTAS

Impactos da modernização da agricultura na estrutura

agrária Sulmineira na Microrregião de Alfenas – MG.

A Banca examinadora abaixo-assinada aprova o Trabalho

de Conclusão de Curso apresentado como parte dos

requisitos para aprovação na disciplina de Trabalho de

Conclusão de Curso II e obtenção do título de Bacharel em

Geografia pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-

MG).

Prof. Dr. Flamarion Dutra Alves.

Universidade Federal de Alfenas. Assinatura:

Prof.ª Dr.ª Ana Rute do Vale.

Universidade Federal de Alfenas. Assinatura:

Prof.ª Dr.ªMichele Lindner.

Universidade Federal de Alfenas. Assinatura:

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Dedico este trabalho a Deus, meus familiares, em especial

minha mãe, amigos e colegas do curso de Geografia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por me dar a oportunidade de estudar em excelentes escolas

e em uma excelente faculdade, como a Universidade Federal de Alfenas

A minha querida e eterna companheira mãe, Sonia Fontes, por me proporcionar uma ótima

educação e me apoiar em todos os momentos difíceis desta trajetória. Pequenas serão as

palavras para agradecer a pessoa mais importante de minha vida. Agradeço meus familiares,

amigos, em especial os que conviveram comigo durante esses quatro anos, as meninas da

minha República Geólatras, Ana Luiza, Ana Lia, Ana Paula, Camila, Diely e Mária, e

agregados como minha querida irmã de coração Luciana, Laura, Carla, Christiany, Nathalia,

Sara, Isis, Bia, César, Coquinho e Giane pelos bons e felizes momentos de descontração e

estudos, jamais me esquecerei de muitas histórias e acontecimentos que compartilhei com

vocês. Aos meus amigos e irmãos da República Belisca Égua, Ayrton, Luis Gustavo e Pedrão

a qual foi a minha segunda casa durante esses anos. Aos meus amigos da Republica Bala

Chita, André, Daniel e Leonardo, pelos momentos de companheirismo, estudos e risos.

Agradeço em especial ao meu Professor Doutor Orientador Flamarion Dutra Alves, pelo

carinho e paciência que teve comigo durante a realização deste trabalho, e principalmente por

transmitir seus saberes e conhecimentos.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS – MG IMPACTOS DA

RESUMO

Na medida em que a concentração de terras e a questão agrária vêm se tornando assuntos

pertinentes nas ciências humanas para explicar o desenvolvimento das sociedades, o estudo da

evolução do setor agropecuário nos da suporte para entendermos a dinâmica e o desenho

territorial do campo brasileiro.

Desse modo, a história da dinâmica agropecuária brasileira deve ser compreendida através dos

novos paradigmas da produção de alimentos, ou seja, explicar o sistema de produção

denominado Complexo Rural, no qual todo processo produtivo se fazia dentro da propriedade

rural, com pouca interferência/trocas com outros setores da economia e com baixos índices

tecnológicos, passando para a constituição do Complexo Agroindustrial, dando outro caráter

para o espaço agrário brasileiro com a presença de altas tecnologias no processo produtivo,

participação de outros setores da economia na lógica produtiva. O estágio atual do setor

agropecuário, caracterizado pelo Agronegócio marca a interligação dos três setores

econômicos entre agricultura – indústria – serviços.

No caso da região Sulmineira torna-se necessário entender a dinâmica da estrutura fundiária e

como os modelos de produção, interferiram na distribuição socioespacial entre agricultores

familiares e empresas rurais destinadas ao agronegócio. Verificar as culturas agropecuárias

presentes, na região, dando ênfase a produção cafeeira, e de que maneira são desenvolvidas

possibilitando a caracterização dos modelos empregados na Microrregião de Alfenas.

Palavras–chave: questão agrária, Complexo Rural/Complexo Agroindustrial, estrutura

fundiária.

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ABSTRACT

To the extent that the concentration of land and agrarian issues are becoming grelevant in the

social sciences to explain the development of societies, the study of the evolution of the

agricultural sector in the support to understand the dynamics and territorial design of the

Brazillian countryside.

Thus, the dynamic history of Brazilian agriculture is to be understood the new paradigms of

food production, in the other words, to explain the production system called Rural Complex,

in which the entire manufacturing process was done within the farm, with little

interference/exchanges with other sector of the economy and with low technology, moving to

the constitution of the Agroindustrial Complex, giving another character to the Brazilian

agrarian space in the presence of high technologies in production, involvement of other

sectors of the economy in productive logic. The current stage of the agricultural sector,

characterized by Agribusiness marks the interconnection of the three economic sectors of

agriculture – industry – services.

In the region Sulmineira case, it become necessary to understand the dynamics of land

ownership and how the production models, interfered in the distribution of socio-family

farmers and rural enterprises intend for agribusiness. Check these agricultural crops in the

region, with emphasis on coffe production, and how they are developed allowing the

characterization of the models used in micro–Alfenas.

Keywords: agrarian question, Rural Complex/Agroindustrial Complex, land structure.

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SUMÁRIO

1 - INTRODUÇÃO...................................................................................................................9

2 METODOLOGIA...............................................................................................................11

3 - ELEMENTOS TEÓRICOS..............................................................................................13

3.1 - MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E REVOLUÇÃO

VERDE.....................................................................................................................................13

3.2 - ESTRUTURA AGRÁRIA, A COMMODITY CAFÉ E O

COOPERATIVISMO...............................................................................................................17

3.3 - FAZENDA IPANEMA: REFERÊNCIA EM PRODUÇÃO DE CAFÉ NA

MICRORREGIÃO...................................................................................................................21

3.4- AGRICULTURA FAMILIAR E

DESENVOLVIMENTO...........................................................................................................23

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................29

5 - REFERÊNCIAS.................................................................................................................33

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1 - INTRODUÇÃO

O agronegócio do café destaca na economia brasileira, representando um setor

importante para o desenvolvimento do país. Essa atividade representa uma notável fonte de

arrecadação de impostos para diversas regiões brasileiras. O estado de Minas Gerais, maior

produtor nacional, responsável por 45,5% da produção brasileira, tem a economia de grande

parte de seus municípios baseada no agronegócio do café, podendo ser considerado como um

fator de desenvolvimento regional. Dentro desse contexto a Região Sul do estado mantém a

liderança na produção de café, responsável por aproximadamente 50% da produção total do

estado.

Nesse sentido, a Microrregião de Alfenas está inserida na lógica produtiva do café

apresentando características que dão suporte a essa prática, com a presença de cooperativas de

agricultores, fazendas modernas consideradas referências em produtividade e tecnologia. Esta

microrregião é dividida em doze municípios, sendo eles Alfenas, Alterosa, Areado, Carmo do

Rio Claro, Carvalhópolis, Conceição da Aparecida, Divisa Nova, Fama, Machado, Paraguaçu,

Poço Fundo e Serrania ( Figura 1).

Possui uma área total de 4.991,6 Km², sua população residente, de acordo com o

ultimo censo (2007) é de 218.752, sendo 78.53% considerada urbana e 21.47% rural. O

produto interno bruto (PIB) per capita da microrregião é equivalente a R$ 124.799,83, sendo

R$ 13.435,55 o PIB de Alfenas, R$7.365,47 o de Alterosa, R$8.077,57 o de Areado,

R$12.109,58 o de Carmo do Rio Claro, R$8.461,64 o de Carvalhópolis, R$11.642,95 o de

conceição da Aparecida, R$8.003,14 o de Divisa Nova, R$11.918,52 o de Fama, R$15.861,07

o de Machado, R$ 10.499,39 o de Paraguaçu, R$ 7.853,01 o de Poço Fundo e R$ 9.580,94 o

de Serrania.

Dessa forma, a pesquisa trata do diagnóstico da organização referente à estrutura

fundiária na Microrregião de Alfenas, como o espaço rural e a agricultura familiar estão

configurados em torno do complexo cafeeiro, ou seja, a distribuição das classes agrárias e os

processos organizados territorialmente.

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Figura 1 - Mapa de localização da Microrregião de Alfenas no Estado de Minas Gerais.

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2 - METODOLOGIA

O desenvolvimento da pesquisa parte dos questionamentos acerca da organização

agrária da Microrregião de Alfenas, para responder as questões relativas ao numero de

estabelecimentos, área ocupada, tipos de culturas, forma de ocupação e outros aspectos

referentes à questão agrária foi utilizado o Banco de Dados Agregados do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística, pois contém informações dos Censos Agropecuários e Censos

Demográficos.

Dessa forma a pesquisa foi desenvolvida em etapas:

Na primeira parte da pesquisa foram resgatados temas que fundamentam a discussão

sobre a questão agrária brasileira, como a modernização da agricultura, complexo rural e

complexo agroindustrial, agronegócio, estrutura fundiária, aliando estes conceitos com a

distribuição espacial.

Na fase seguinte da pesquisa, foram realizadas coletas de dados secundários sobre

população, Produto Interno Bruto, estrutura fundiária, produção do café e outras atividades

econômicas disponíveis nos sites do IBGE, INCRA e EMATER.

Site: www.sidra.ibge.gov.br (banco de dados agregados) nesse site constam

informações disponíveis referentes á dados populacionais, contas nacionais e agropecuários

em diferentes escalas de analise, como unidade da federação, mesorregião, microrregião e

município.

Para a classificação da estrutura fundiária foi utilizado a metodologias do Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária, a qual considera o numero de módulos fiscais,

como variável chave, assim na microrregião de Alfenas, predomina o módulo fiscal é de 26

hectares (Quadro 1):

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Minifúndio: menor que 1 módulo – até 26 ha

Pequena propriedade: de 1 á 4 modulo : 26 à 103 ha.

Média propriedade: de 4 á 16 : 104 à 415 ha.

Grande propriedade: acima de 16 módulos, a partir de 416 ha.

Quadro 1 – Módulos Fiscais na microrregião de Alfenas-MG.

Município Número de hectares por módulo fiscal

Alfenas 26

Alterosa 26 Areado 26 Carmo do Rio Claro 26

Carvalhópolis 30

Conceição da Aparecida 26 Divisa Nova 26 Fama 26

Machado 26 Paraguaçu 26 Poço Fundo 30

Serrania 26 Fonte: INCRA, 2011.

Por fim foram discutidos os dados obtidos com referencial teórico demonstrando a

organização socioespacial do espaço agrário da microrregião de Alfenas.

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3 - ELEMENTOS TEÓRICOS DA QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA

3.1 - Modernização da agricultura e Revolução Verde

O processo de modernização do campo no Brasil teve início na década de 1960,

concentrando-se nas regiões Sul e Sudeste, expandindo-se para as demais regiões a partir da

década de 1970. Este processo teve como consequência um novo modelo econômico

brasileiro que alterou o denominado modelo de substituição de importações, devido à

industrialização nacional e a consequente modernização do sistema agrário e a formação do

Complexo Agroindustrial. Esse processo de modernização na agricultura é entendido por José

Graziano da Silva (1993):

A formação dos complexos agroindustriais (CAIs) nos anos 70 se deu a partir da

integração intersetorial entre três elementos básicos : as indústrias, que produzem

para a agricultura, a agricultura (moderna) propriamente dita e as agroindústrias

processadoras, todas premiadas com fortes incentivos de políticas governamentais específicos (fundos de financiamento para determinadas atividades agroindustriais,

programas de apoio a certos produtores agrícolas crédito para aquisição de

máquinas, equipamentos e insumos modernos, etc.). (SILVA, 1993, p.2)

Este processo de modernização e transformação da agricultura brasileira ocorreu de

maneira muito rápida. A agricultura de hoje, torna-se diferente da agricultura das décadasde

1950 a 1970, podemos dizer que há diversas formas de agriculturas no Brasil, seja pela

diferenciação regional ou pelo tipo de inserção do produto, ou ainda pelo tipo de articulação

entre os capitais que se fazem dentro dessa agricultura. Nota-sea transformação da agricultura

brasileira, passando do chamado Complexo Rural, que possuía níveis de consumo interno de

produção e subsistência, para o Complexo Agroindustrial (CAI), dotado de trocas inter-

setoriais e altos níveis tecnológicos (Figura 2).

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Figura 2 - Processo de Modernização da Agricultura. D1: Departamento produtor de bens de capital e insumos para a agricultura.

Fonte: Graziano da Silva (1998).

Muitas foram às mudanças ocorridas no campo brasileiro, segundo Graziano Silva

(2002, p. 138) “é como se aquilo que era anteriormente agricultura fosse num primeiro

momento se subdividindo, se repartindo, se desestruturando”, ou seja, a divisão do trabalho e

a especialização produtiva serão inseridas nesse novo paradigma agrário.

Embora o CAI não tenha se constituído em todas atividades agrícolas e em todo o

território brasileiro, não se pode analisar a agricultura brasileira sem levá-lo em consideração.

Para explicar o processo produtivo devem-se analisar os três segmentos que o compõem:

indústria a montante, agricultura e indústria a jusante. A indústria a montante é a fornecedora

de bens de capital e insumos para a agricultura e a indústria a jusante é a processadora de

matéria-prima agrícola, denominada de agroindústria.

Um período de fundamental importância e transformação na história da agricultura

denomina-se Revolução Verde. Este período inicia-se no final da década de 1960, e refere-se

ao avanço do setor industrial-agrícola e das pesquisas nas áreas químicas, genéticas e

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mecânicas. A Revolução Verde fundamentava-se na melhoria e aumento da produtividade

agrícola, por meio da substituição de técnicas tradicionais por um conjunto de técnicas mais

modernas, abrangendo desde fertilizantes, variedades geneticamente melhoradas, agrotóxicos

e motomecanização (GRAZIANO DA SILVA, 1998).

A respeito da modernização da agricultura, Brum (1987, p.44) define o processo

chamado Revolução Verde:

Revolução Verde foi um programa que tinha como objetivo explícito contribuir para

o aumento da produção e da produtividade agrícola no mundo, através do

desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a criação e

multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes solos e climas e

resistentes às doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de técnicas

agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes. (BRUM, 1987, p.44)

Com a integração indústria e agricultura no período de 1960 – 1980 no território

brasileiro, organizaram-se empresas e grupos econômicos que influenciaram decisivamente a

dinâmica das atividades agrárias, com profundas repercussões em suas estruturas. Mas na

própria agricultura surgem empresas e grupos econômicos, com suas congêneres industriais,

fazem parte do poder econômico com interesses nas atividades agrárias. (MÜLLER, 1989).

A modernização da agricultura alterou outros setores da sociedade, tendo impactos não

só econômicos, mas sociais, culturais e ambientais. A respeito disso, Balsan (2006) analisou

essa questão afirmando que a expansão da agricultura moderna ocorre concomitante a

constituição do complexo agroindustrial, modernizando a base técnica dos meios de produção,

alterando as formas de produção agrícola e gerando efeitos sobre o meio ambiente. As

transformações ocorridas no campo, porém, são heterogêneas, pois as políticas de

desenvolvimento rural, baseadas na modernização agrícola são permeadas de desigualdades e

privilégios.

Nesse sentido, as contradições no campo brasileiro persistem desde o início de sua

ocupação como lembra Romeiro (2002):

As características de mais de quatro séculos de desenvolvimento agropecuário no Brasil podem ser assim resumidas: de um lado, grande sucesso comercial das

culturas de exportação e, de outro, escassez relativa de gêneros alimentícios,

exploração predatória da natureza, escravização da mão-de-obra, seguidas de

precárias condições de acesso a terra e de emprego, escassez relativa de alimentos e

excedente estrutural de mão- de-obra, num pais com a maior área agrícola potencial

do planeta(ROMEIRO, 2002, p.118).

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Sob o prisma sistêmico da modernização da agricultura, Jalcione Almeida (1997,

p.39) revela que esse processo é incorporado por um conteúdo ideológico, denotando quatro

elementos ou noções: a noção de crescimento, ou seja, a ideia de desenvolvimento econômico

e político; a noção de abertura técnica, econômica e cultural, com o consequente aumento da

heteronomia; a noção de especialização, associada ao triplo movimento de especialização da

produção, da dependência à montante e à jusante da produção agrícola e a inter-relação com a

sociedade global; e o aparecimento de um tipo de agricultor, individualista, competitivo e

questionando a concepção orgânica de vida social da mentalidade tradicional.

Ainda em uma perspectiva sistêmica Teixeira (2005), afirma que o conceito de

modernização da agricultura pode ser encarado sobre duas perspectivas, uma que considera

apenas as modificações nas bases técnicas, e outra que leva em conta todo o processo

produtivo. No primeiro caso, considera-se modernizada a produção agrícola que faz uso

intensivo de equipamentos e técnicas, tais como máquinas e insumos modernos, objetivando

maior rendimento no processo produtivo. Sendo assim a modernização da agricultura é

sinônimo de mecanização e tecnificação. A segunda perspectiva considera o conceito de

modernização,não apenas restrito aos equipamentos usados e sim, deve-se levar em

consideração todos os processos de modificações ocorridos nas relações sociais de produção.

A modernização possui caráter excludente e não está presente em todos os níveis da

agricultura brasileira, conforme ressalta Balsan (2006, p. 125):

Pensar sobre as tendências do “novo mundo rural” requer que se volte a olhar para

esta realidade que, ao mesmo tempo em que tem colocado uma classe da sociedade

com o que há de mais moderno na agricultura e pecuária, contraditoriamente, deixa

outra, como os agricultores familiares, ou seja, a maioria dos produtores rurais, cada

vez mais distante de tais inovações.

A modernização da agricultura no Brasil, por ter sido progressiva e pontual,

possibilitou diferenças estruturais no espaço rural, principalmente de produção. Diante disto,

Gerardi (1980) apud Balsan (2006, p.128) afirma que:

O conceito de modernização é relativo e adquire expressão espacial e temporal:

espacial porque distingue agricultores em graus variados de modernização, e

temporal porque a mesma agricultura pode evoluir de tradicional à moderna, no

decorre do tempo. Entretanto, o novo padrão de desenvolvimento econômico tem

demonstrado exclusão do homem do campo da geração de emprego, diminuição da

renda, entre outros, ocasionando consequentemente, desordem no espaço rural,

decorrente da competitividade do capitalismo. (BALSAN, 2006, p.128)..

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Dessa forma, a modernização da agricultura colaborou para o aprofundamento das

desigualdades socioeconômicas, ampliação da concentração de terras e favorecimento das

políticas direcionadas ao agronegócio em detrimento a pequena unidade rural, de base

familiar com ênfase na produção para o consumo urbano e subsistência.

3.2 – Estrutura agrária, a commodity café e o cooperativismo

A atual estrutura agrária brasileira é decorrente do processo de ocupação territorial

ocorrido desde o século XVI ao XIX, com a formação das capitanias hereditárias e sistema de

distribuição de terras (sesmarias). Diante disto, Teixeira (2005) afirma que o quadro que se

forma no campo brasileiro é de uma estrutura fundiária altamente pautada na concentração de

terras nas mãos de uma minoria, com uma produção voltada para a exportação e servindo

como matéria prima para as indústrias, em detrimento da produção de alimentos para o

mercado interno e a consequente marginalização dos pequenos produtores rurais.

Assim, Guimarães (1979, p.331) enfatiza a acentuação da dualidade do processo

evolutivo que se verifica na agricultura brasileira: “(...) enormes e cada vez mais profundas

desigualdades existentes entre a grande e a pequena exploração agrária, e entre a agricultura

de abastecimento interno e a agricultura de exportação”.

Dessa forma, a modernização no campo brasileiro enfatizou as desigualdades

socioeconômicas existentes, ampliando a concentração de terras e a disparidade tecnológica

entre pequenos produtores rurais e os detentores do complexo agroindustrial, assim Balsan

(2006) afirma:

(...) a capacidade de sobrevivência dos pequenos produtores passa a ser determinada

pela competição intercapitalista dos mercados de produtos e insumos, na qual grande

parte se vê obrigada a abandonar a corrida, confirmando assim, o caráter excludente

da modernização no campo. A estratégia da modernização conservadora diante da inovação tecnológica salientou

as características do “modelo” agrícola brasileiro, capitalista, dependente,

concentrador, dominador, exportador e excludente. Com a modernização capitalista

e com o processo de globalização da economia, cresceu a instabilidade do emprego

no campo, onde pequenos produtores, face à insuficiência dos seus meios de

produção, necessitaram vender sazonalmente sua força de trabalho em outros

estabelecimentos agrícolas (BALSAN, 2006, p. 137).

Os reflexos dos movimentos da lógica da economia mundial são observados em todos

os setores econômicos. A rapidez, organização e a competência de assimilação e adequação a

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está realidade pelas empresas constituem um diferencial que pode determinar a sua

evolução ou exclusão do mercado capitalista.

O sistema de produção agrícola não representa exceção a essa regra, pelo contrário, no

que tange a produção agrícola moderna, ordens e demandas externas passaram a determinar o

comportamento dos agentes produtivos locais, impondo-lhes receituários técnicos e

normativos capazes de lhes conferir – ao menos para alguns – maior participação e

competitividade no âmbito dos respectivos circuitos espaciais da produção (SANTOS, 1986;

1988; SANTOS; SILVEIRA, 2001).

Sendo assim, com a criação dos complexos agroindustriais, e consequentemente do

agronegócio, definido como o conjunto de todas as operações que envolvem a produção e

distribuição dos insumos rurais; as operações de produção nas fazendas, estocagem,

processamento e distribuição de produtos agrícolas e itens produzidos, novas exigências e

demandas mercadológicas surgem, fazendo com que alguns produtos tornem-se de

fundamental importância para a economia agrícola, estes produtos, muitas vezes voltados para

o mercado externo, denominando-se de commodities podendo ser definido como mercadorias,

principalmente minérios e gêneros agrícolas, que são produzidos em larga escala e

comercializados em nível mundial.

As commodities são negociadas em bolsas mercadorias, portanto seus preços são

definidos em nível global, pelo mercado internacional, como é o caso do café na Microrregião

de Alfenas – Minas Gerais, ou seja, a região especializada nessa atividade fica vulnerável as

instabilidades externas e as demandas do mercado interno e externo. Em momentos de crises a

região especializada (“competitiva”) não tem alternativas para os atores envolvidos na lógica

da monocultura-agronegócio, dessa forma a diversificação é uma alternativa para os períodos

de instabilidade financeira e econômica.

Mesmo assim, o café representa uma atividade dinâmica envolvendo vários segmentos

da sociedade, tanto setores públicos como privados, denotando uma importância histórica para

a economia regional:

O Sul de Minas, no decorrer do século XX, se consolidou como a principal região

produtora de café do Brasil. Para atender às demandas desta produção,

incorporoudiversos sistemas técnicos e normativos capazes de tornar eficiente a

logística daprodução cafeeira, isto é, atribuir fluidez ao território. A eficiência logística, imperativo daespecialização regional produtiva, decorre de um conjunto de

competências infraestruturais (transportes, armazéns, terminais intermodais, portos

secos, centros de distribuição), institucionais (normas, concessões, parcerias

público-privadas, agências reguladoras, tributação) e estratégicas/operacionais

(prestadores de serviços ou operadores logísticos especializados), que visam conferir

fluidez e competitividade aos agentes produtivos e ao circuito espacial produtivo.

(CARVALHO, 2011, p. 2).

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O Sul de Minas é uma região tradicional na produção do café e configura-se como a

principal produtora do estado. A forte concentração da produção cafeeira se torna uma

realidade, o que gera condições para o aumento da produção e da produtividade elevando a

competitividade de alguns lugares e regiões para um determinado tipo de produção, como por

exemplo, a agricultura orgânica. A produção orgânica de café no Brasil começou no

município de Machado no Sul de Minas em 1990. Com a extinção do Instituto Brasileiro de

Café (IBC), o Estado extinguiu a política de garantia de preço e compra das safras. Tal

política inibia a competitividade entre os produtores, primando pela quantidade em detrimento

da qualidade dos grãos ofertados.

Com o fim do IBC, o mercado de café foi “desregulamentado”, fazendo com que os

produtores começassem a se organizar em torno de cooperativas e associações regionais,

buscando uma melhoria na qualidade e diferenciação dos produtos. Dessa forma, diferentes

agentes econômicos começaram a se mobilizar num movimento de valorização da qualidade

da bebida. Dentre as iniciativas tomadas para diferenciar o café commodity destaca-se a

produção de café orgânico. Agricultura orgânica nada mais é do que praticas de cultivo com

controle biológico de pragas eliminando o uso de fertilizantes solúveis, agrotóxicos,

hormônios ou sementes modificadas substituídos por subprodutos da reciclagem de matéria

orgânica vegetal e animal, utilizando, biofertilizantes, dejetos de animais, polpa e casca de

alimentos, compostos, húmus de minhoca e etc. São produtos que provêm de um sistema de

cultivo baseado no respeito e preservação dos recursos naturais, considerando também os

aspectos econômicos e sociais da produção. Ao contrário do café convencional o café

orgânico obtém um preço diferenciado, deixando de se configurar como uma commodity,

cujos valores são cotados na bolsa de mercados futuros.

Podemos afirmar que a produção de café orgânico, alicerçada numa prática que

preserva o ambiente e a cultura local, pode se configurar como uma alternativa e uma forma

de defesa dos pequenos produtores às oscilações e ao controle externo da produção,

diminuindo, assim, a vulnerabilidade territorial, ou seja, a falta de autonomia na regulação de

sua produção.

Cada vez mais pequenos produtores cooperados buscam alternativas para evitarem a

vulnerabilidade como também para conseguirem se inserir no mercado agrícola juntamente

com os grandes produtores que compõem o cenário da estrutura fundiária nacional.

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O cooperativismo torna-se um instrumento popular de desenvolvimento local

sustentável, articulando iniciativas sociais e econômicas que ampliem as oportunidades de

trabalho, treinamentos, distribuição de renda e melhoria de qualidade de vida de toda à

comunidade (SOUZA, 2006). Sendo assim as cooperativas de base familiar focalizam a

organização e a inclusão socioeconômica dos seus cooperados imbuída do princípio de

participação ativa de todos os membros, dando aos pequenos produtores o direito de tomada

de decisão e gestão de toda estrutura cooperativa, sem a perpetuação de dirigentes. Um

exemplo aplicado deste caso na microrregião é a da cooperativa COOPFAM (Cooperativa dos

Agricultores Familiares de Poço Fundo–MG), localizada no município de Poço Fundo,

podendo ser considerada referência em agricultura orgânica, solidária e agroecológica. A

Cooperativa possui 246 famílias de pequenos cafeicultores associadas e desenvolve diversos

programas de incentivo à produção de café orgânico e ajuda social. Realiza também a

produção de café convencional, de maneira sustentável e com total respeito ao meio ambiente

assim como a produção de café orgânico (http://www.coopfam.com.br/).

A partir da segunda metade do século XX, dentro do paradigma da Revolução Verde

com a formação dos complexos agroindustriais desenvolve-se novos cultivares e técnicas de

cultivo baseadas na ampliação da produtividade (SILVA, 1994). Além de ocorrer o aumento

da produtividade e da integração da produção com as empresas produtoras de bens de capital

a montante e de torrefação e moagem a jusante, a modernização da cafeicultura caracteriza-se

também pelo deslocamento das áreas produtivas, deixando os estados de São Paulo e Paraná e

migrando para Minas Gerais, principalmente para o Sul de Minas, além da expansão para as

áreas de fronteira agrícola.

O Estado promoveu a racionalização e a reestruturação da produção, através de uma

série de políticas: fornecimento de crédito subsidiado para custeio e investimento a produtores

e agroindústrias, assistência técnica, apoio às cooperativas e associações de produtores e a

introdução de novas variedades.

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3.3 - Fazenda Ipanema: referência em produção de café na Microrregião de Alfenas

O estado de Minas Gerais, sendo o principal e maior produtor nacional de café,

beneficiou na safra de 2010, cerca de 23.944.433 de sacas, o que corresponde a 53% do total

do café produzido no país (ABIC, 2011). A produção deste grão é procedente de pequenas

propriedades e médias propriedades. Entretanto, algumas das principais e maiores fazendas

produtoras do país se localizam nesta microrregião, sendo o caso das fazendas do grupo

Ipanema Coffees. Criado em 1969 com a aquisição de uma fazenda de 230 ha no município de

Alfenas, atualmente a empresa possui uma área total de mais de 7000 ha.

A empresa torna – se conhecida por adotar novas tecnologias e consequentemente

aumentar a produtividade dando inicio as atividades de exportação. A empresa possui cinco

unidades de negócios, sendo as Fazendas Conquista, Conquistinha e Capoeirinha as que se

localizam na Microrregião de Alfenas, no município de Alfenas. A Fazenda Conquista (figura

3) possui 1800 ha. sendo considerada uma das maiores fazendas em área contínua do mundo,

dedica 79% ao plantio de café e 21% a áreas de preservação e reserva florestal. A Fazenda

Conquistinha, anexa a Fazenda Conquista possui 86 ha. , sendo 100% da sua área dedicada à

produção de eucalipto (Projeto Ipê Amarelo), garantindo todo o combustível natural

necessário para o processo de secagem do café, durante toda a safra. A Fazenda Capoeirinha

(figura 4) foi a primeira das propriedades adquiridas pela Ipanema, em 1969. Possui 2.200 ha.

de terra em que 70% são dedicados a produção de café e 30% reservados para áreas de

proteção e preservação ambiental. Referente a esses dados notamos duas contraditórias

perspectivas. A primeira refere-se à notável importância desta empresa tanto para o país

quanto para a microrregião em produção de café. Já a segunda perspectiva é a que demostra o

caráter concentrador da estrutura agrária da microrregião, pois se tratam de fazendas que

ocupam uma grande área.

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Figura 3 – Fazenda Conquista.

Fonte: www.ipanemacoffees.com/

Figura 4 – Fazenda Capoeirinha.

Fonte: www.ipanemacoffees.com/

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3.4 – Agricultura Familiar e desenvolvimento

A transição do complexo rural para o complexo industrial não resultou em muitos

resultados positivos para o meio socioeconômico no campo, pois possibilitou aos grandes

produtores, uma maior concentraçãode terras e capitais e aos pequenos, uma redução no

número de produtores, intensificando a desigualdade social, a pobreza, a exclusão da classe, o

êxodo rural, o desemprego, entre outros.

Segundo Soto (2002) observa-se que as transformações ocorridas na agricultura, não

se deram apenas na base tecnológica, mas também nas relações capitalistas. Para o autor o

processo de transformação na agricultura nacional resume-se na passagem do complexo rural

para o complexo agroindustrial, na manifestação de um mercado interno e na industrialização

agrícola.

Tais mudanças no padrão tecnológico afetaram as pequenas propriedades

transformando as relações de trabalho e produção na agricultura familiar.

Soto (2002, p.43) aponta que o “centro das transformações na agricultura brasileira foi

o aumento do caráter capitalista das empresas agrárias, cujo desenvolvimento teve por

tendência central a capitalização, a tecnificação e a proletarização”, ou seja, o enfoque

tecnológico e referente a política de créditos foi direcionado aos grandes empresários rurais,

multinacionais, grandes agroindústrias em oposição ao pequeno produtor rural.

No Brasil, a estrutura agrária apresenta um padrão desigual entre o número de grandes

propriedades e área ocupada comparada ao número de pequenas propriedades e sua área

ocupada.

Tabela 1 – Número de imóveis rurais e área ocupada no Brasil.

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A utilização de novos padrões tecnológicos é responsável pela exclusão de

trabalhadores do processo produtivo além de reduzir também o numero de agricultores,

principalmente aqueles que exercem a pequena produção familiar.

O termo agricultura familiar não é propriamente novo, mas seu uso é relativamente

recente. De acordo com Abramovay (1997), encontram-se na literatura, diversos estudos em

que o termo agricultura familiar é tratado de forma indistinta, sendo associado, vinculado a

“agricultura de baixa renda”, “pequena produção” e “agricultura de subsistência”.

Nos últimos anos, a agricultura familiar brasileira vem ganhando espaços em diversas

linhas de pesquisas. Segundo Ploeg (2009, p.15), as abordagens sobre a classe, apresentam-se

organizadas de forma coerente, combinando “uma base teórica sólida, um enfoque empírico

amplo e metodologicamente bem estruturado e, por fim, um forte envolvimento em processos

de transformação”.

Este ramo da agricultura vem ganhando outros contornos e posições no contexto

socioeconômico do país, sendo considerada a principal geradora de oportunidades de trabalho

no campo, bem como de desenvolvimento econômico local e regional.

Estudos como o de Carneiro (1992); Abramovay (1997) e outros trabalham o tema,

procurando relaciona-lo aos acontecimentos recentes sobre a transformação da agricultura em

diversas regiões onde essa categoria se pauta com noções ainda de campesinato e agricultura

camponesa.

Dessa forma, a fim de entender as transformações percorridas pela agricultura familiar

até chegar aos dias de hoje, deve-se buscar algumas referências a respeito das considerações

feitas desde os tempos passados sobre o desenvolvimento do capitalismo no campo, para se

entender como se iniciou o processo e de que forma influenciou o comportamento da família

rural. Neste aspecto, o ideal é começar pelos escritos de Marx e seus seguidores sobre os

paradigmas do capitalismo agrário e, em seguida sobre outras correntes do pensamento.

Para Abramovay (1992) há um paradigma, no contexto da comunidade cientifica

marxista, a partir do momento em que marxistas, não conseguem mais explicar a validade das

teorias, dos métodos e objetos que selecionaram para a busca da pesquisa empírica.

Transferindo este fato para o capitalismo agrário, identifica-se que o paradigma começa a

partir dos poucos entendimentos que se tem sobre o conceito de agricultura familiar, a

começar pela associação que se faz entre esta e a “pequena produção”, “produção de renda

baixa” e “agricultura camponesa”.

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O autor, em um de seus escritos, compara a agricultura familiar com o pensamento

marxista ao dizer que esta classe nas considerações de Marx é como uma “simples batata

dentro de um saco”. Isto significa que trata-se de um setor que não tem lugar certo na

estrutura de classes, como por exemplo, a burguesia e o proletariado, classes que formam as

leis básicas de desenvolvimento do capitalismo.

Para os marxistas, a agricultura camponesa está fadada à eliminação social, por não se

enquadrar em nenhuma categoria. Trata-se de uma classe em que as atividades produtivas

desenvolvidas responsáveis por sua reprodução não tem um estatuto de trabalho social.

Portanto, não gera capital, apenas produz para sua subsistência, nunca podendo se fortalecer.

Abramovay (1990), ao comparar os paradigmas marxistas com os estudos de

Chayanov e Tepicht, identifica o contrário, em vez de diferenciação do campesinato na

sociedade capitalista, encontra-se a identidade social da agricultura camponesa por meio da

integração vertical ( relação entre agricultura e indústria). Para o autor, a penetração do

capitalismo na agricultura familiar se deu a partir desta integração.

“[...] através destas conexões, cada pequeno empreendimento camponês torna-se

parteorgânica da economia mundial, experimenta os efeitos da vida econômica geral

domundo, dirige-se poderosamente, em sua organização, pela demanda do mundoeconômico capitalista [...]” (ABRAMOVAY, 1992, p. 69).

Mudança na estrutura interna da agricultura trouxe efeitos contraditórios aos

pensamentos marxistas. Realmente a extinção do campesinato acontece, mas sobre outros

fundamentos, ou seja, a partir da integração de seu modo de produção, estimulado pela

modernização da atividade produtiva padronizada, por processos de compra e/ou venda de

produtos agrícolas modificados, transporte e produção de máquinas e insumos necessários à

agropecuária.

Alguns autores, visando encontrar uma definição para o termo agricultura familiar,

consegue somente caracterizar esta classe ao invés de defini-la.

De acordo com Altafin (2007), a FAO (Foodand Agriculture Organization of the

United Nations) e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) três

características básicas definem o significado de agricultura familiar: a) a gestão da unidade

produtiva e os investimentos nela realizados são feitos por indivíduos que mantém entre si

laços de sangue ou casamento; b) a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos

membros da família; e c) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra)

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pertence à família e é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de

falecimento ou aposentadoria dos responsáveis pela unidade produtiva.

Este conceito foi formalizado pela Lei 11.326, de 24 de julho de 2006:

“Agricultura familiar e empreendimento familiar rural é aquele que pratica atividade

no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I – não detenha, a

qualquer título, área maior do que 4(quatro) módulos fiscais; II – utilize predominantemente

mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou

empreendimento; III – tenha renda familiar predominantemente originada de atividades

econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV – dirija seu

estabelecimento ou empreendimento com sua família [...]

Na Microrregião de Alfenas a agricultura familiar apresenta uma relevante

importância, pois no que se refere ao número de estabelecimentos agropecuários que utilizam

dessa prática temos 8.142 unidades contra 2.040 unidades que não praticam a agricultura

familiar. (IBGE – Censo Agropecuário).

Referente ao comportamento desta classe, autores afirmam que tal comportamento

encontra-se associado as variáveis do ambiente, sendo assim a exploração agrícola dependerá

da disponibilidade de terra e do padrão tecnológico disponível.

Existem diversos paradigmas que permeiam o campo da agricultura familiar, a

começar pelos agentes responsáveis em desenvolver políticas públicas direcionadas para este

setor, que julgam tratar de uma classe composta de “agricultores improdutivos”. Entre tanto,

engana-se quem pensa sobre este prisma, uma vez que este setor assume um papel

inquestionável no desenvolvimento socioeconômico do país.

A questão agrária é entendida atualmente a partir de duas concepções sobre o destino

da produção e vida no campo e que refletem diferentes paradigmas. Diferentes conceituações

são utilizadas para designar o agronegócio e o campesinato. Referente a agronegócio

encontramos termos como agricultura capitalista, modelo agrícola predominante e modelo

agrícola neoliberal. Para a agricultura camponesa utilizam-se os termos, agricultura familiar,

sendo correlatos sistemas como agricultura alternativa e agroecologia. Muitas são as

diferenças entre esses modelos. Desmarrais (2007) apresenta um quadro que sintetiza tais

diferenças entre campesinato e agronegócio. (Quadro 2)

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Quadro 2 – Diferenças entre agronegócio e campesinato

Agronegócio* Campesinato**

Centralização Descentralização

controle centralizado da produção,

processamento e mercado; produção concentrada, estabelecimentos

agrícolas maiores e em menor número, o

que acarreta um menor número de

agricultores e de comunidades rurais.

maior ênfase na produção, processamento e mercado

locais/regionais; produção pulverizada (maior número de

estabelecimentos e agricultores), controle

da terra, recursos e capital.

Dependência Independência

abordagem científica e tecnológica para

produção; dependência de experts; dependência de fontes externas de energia,

insumos e credito; dependência de mercados muito distantes.

unidades de produção menores, menor

dependência de insumos, fontes externas de

conhecimento, energia e crédito; maior auto-suficiência individual e da

comunidade; ênfase prioritária em valores,

conhecimentos e habilidades pessoais.

Competitivo Comunitário

competitividade e interesse próprio; agricultura é considerada um negócio; ênfase na eficiência, flexibilidade,

quantidade e crescimento da margem de

lucro.

maior cooperação; agricultura é considerada um modo de vida

e um negócio; ênfase em uma abordagem holística da

produção, otimizando todas as partes do

agroecossistema.

Domínio da natureza Harmonia com a natureza

o ser humano é separado e superior à

natureza; a natureza consiste principalmente em

recursos a serem utilizados para o

crescimento econômico; imposição das estruturas e sistemas do

tempo humano aos ciclos naturais; produtividade maximizada através de

insumos industrializados e modificações

científicas; apropriação de processos naturais por

meios científicos e substituição de produtos naturais pelos industriais.

o ser humano é parte e dependente da

natureza; a natureza provê recursos e também é

valorizada para o próprio bem; trabalha com uma abordagem ecológica/de

ambiente fechado – desenvolvendo um

sistema diferenciado e balanceado; incorpora mais produtos e processos

naturais; usa métodos culturais para cuidar do solo.

Especialização Diversidade

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Fonte: Desmarrais, 2007, p.69-70

base genética limitada utilizada na

produção; predominância da monocultura; separação entre agricultura e pecuária; sistemas de produção padronizados; predominância de uma abordagem

científica especializada.

ampla base genética;incorporação da

policultura, rotações complexas; integração entre agricultura e pecuária; heterogeneide de sistemas agrícolas; interdisciplinaridade (ciências naturais

e sociais), sistema participativo

(inclusão de agricultores).

Exploração Abdicação

ênfase nos resultados de curto prazo em

detrimento a conseqüências ambiental e

social de longo prazo; dependência de recursos não

renováveis; consumismo impulsiona o crescimento

econômico; hegemonia do conhecimento científico

e da abordagem industrial sobre

conhecimento e cultura

indígenas/locais.

custo total contabilizado; resultados de curto prazo igualmente

importantes; amplo uso de recursos renováveis e

conservação de recursos não

renováveis; consumo sustentável, estilo de vida

mais simples; acesso eqüitativo a necessidades

básicas; reconhecimento e incorporação de

outros conhecimentos e práticas

permitindo uma base de conhecimento

mais homogênea.

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29

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização deste estudo pode-se notar que a agricultura familiar e o agronegócio

convivem nesta mesma microrregião, apresentando lógicas capitalistas distintas.

O estado de Minas Gerais, maior produtor nacional, responsável por 45,5% da

produção brasileira, tem a economia de grande parte de seus municípios baseada no

agronegócio do café, podendo ser considerado como um fator de desenvolvimento regional.

Dentro desse contexto a região sul do estado mantém a liderança na produção de café,

responsável por aproximadamente 50% da produção total do estado. Sendo assim, 6.425 dos

estabelecimentos desta microrregião plantam café, 100.578 toneladas de café foram

produzidos no ano de 2006 e este produto commodity é responsável por R$396.205.000,00

arrecadados na Microrregião de Alfenas.

Como podemos notar a tabela 2 e gráfico 1, a microrregião apresenta um quadro

desigual e concentrador.

Tabela 2 – Organização da estrutura fundiária na microrregião de Alfenas – MG, 2006.

Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006.

Observa-se que referente as categorias de minifúndio e pequena propriedade há uma

relação de 93,67% dos estabelecimentos ocupam uma área de 49%, já os estabelecimentos

referentes a média e grande propriedade a relação é de 5,92% dos estabelecimentos ocupam

praticamente 50% da área total da Microrregião de Alfenas, conforme pode ser visto no

gráfico 1.

Grupos de área total

Número de estabelecimentos

agropecuários (Unidades)

Número de estabelecimen

tos agropecuários (Percentual)

Área dos estabelecim

entos agropecuári

os (Hectares)

Área dos estabelecimentos

agropecuários (Percentual)

de 0 a 2 ha. 1149 11,27 1172 0,38

de 3 a 5 ha. 2396 23,53 8284 2,73

de 6 a 20 ha. 3634 35,69 39705 13,07

de 21 a 100 ha . 2361 23,18 99719 32,82

de 101 a 500 ha 555 5,45 106810 35,15

de 501 a 1000 ha. 32 0,31 21451 7,06

de 1001 a 2.500ha. 15 0,15 22045 7,26

de 2501 ha. e mais 1 0,01 X X

Produtor sem área 39 0,38 0 0

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Gráfico 1 – Organização da estrutura fundiária na Microrregião de Alfenas – MG, 2006

Outro dado importante que consta nesta tabela é o numero de produtor sem área que

chega a 0,38% em comparação a categoria de números de estabelecimentos agropecuários de

501 a 1000 ha. que totaliza 0,31%, ou seja o numero de produtor sem área é maior do que o

numero de estabelecimentos considerados grandes propriedades. A partir desses dados

podemos demonstrar o caráter contraditório e concentrador dos estabelecimentos

agropecuários na microrregião estudada, pois, como já dito anteriormente predomina-se o

módulo fiscal de até 26 ha, ou seja, os estabelecimento considerados minifúndios e estes

ocupam uma área inferior aos demais estabelecimentos, que são as grandes propriedades e

possuem números de estabelecimentos baixos.

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Tabela 3 – Número de estabelecimentos por grupo de área total.

Número de estabelecimentos por grupos de área total e condição legal das terras Microrregião Geográfica = Alfenas – MG

Ano = 1995 Grupos de área total Total

8.797 1 a 5 ha.

1857

5 a 20 ha. 3114 20 a 100 ha.

2979

100 a 500 ha. 803 500 a 2000 42 2.000 a 10.000

2

10.000 a 100.000

-- Fonte: IBGE - Censo Agropecuário

Nesta área de estudo notamos uma forte presença da agricultura familiar que referente

ao número de estabelecimentos agropecuários corresponde a 8.142 unidades, já o numero de

estabelecimentos que não praticam a agricultura familiar é de 2.040. Este tipo de agricultura é

praticado em unidades consideradas pequenas propriedades ou minifúndios, sendo essa

propriedade com menor tamanho de área e maior número de estabelecimentos, mais uma vez

mostrando o caráter heterogêneo, concentrador e excludente do meio rural nesta microrregião.

A microrregião estudada encontra-se inserida na mesorregião sul/sudoeste de Minas,

onde 70,9% das propriedades cafeeiras estão entre aquelas com tamanho de até 10 hectares,

ou seja, consideradas minifúndios. As fazendas entre 10 e 50 hectares, correspondem a

24,9% das propriedades produtoras de café, com uma área total de 150 mil hectares. As

maiores propriedades acima de 50 ha. representam 4,2% da produção e correspondem a uma

área de 106,4mil hectares, esse quadro também se aplica a categoria da Microrregião de

Alfenas (tabela 3 - gráfico 2) e a estrutura agrária brasileira.

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Gráfico 2 – Número de estabelecimentos/área

Cada vez mais a concentração de terra é uma das características do capitalismo no

campo que agrava a questão agrária. Se assumirmos que o ideário de propriedade coletiva da

terra é uma possibilidade muito remota na atual conjuntura política do país, deve-sepelo

menos tentar amenizar esta concentração para que mesmo com a permanência da propriedade

privada, o uso da terra seja mais democrático e menos explorador. Além de priorizar os

interesses econômicos individuais em detrimento dos interesses coletivos, a concentração de

terra, seja para fins especulativos ou para a apropriação da renda da terra pela produção

capitalista, impede que uma grande contingente populacional tenha acesso à terra para viver e

produzir. Sendo assim, a distribuição mais igualitária da terra torna-se mais coerente com os

interesses coletivos, tanto pela melhoria das condições de vida da população, que teria acesso

à terra, quanto pela produção de alimentos de forma socialmente mais adequada. Portanto a

concentração fundiária é a base fundamental dos problemas da questão agrária brasileira e

devido a este fato, capital e campesinato disputam a terra como território e a sua concentração

ou distribuição é um indicador da gravidade da questão agrária brasileira.

1857

3114 2979

803

42 2 0 0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

1 a 5 ha. 5 a 20 ha. 20 a 100ha.

100 a 500ha.

500 a2.000 ha.

2.000 a10.000 ha.

10.000 a100.000

ha.

Número de estabelecimentos por grupo de área total

Série 1

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5 - REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R. Agricultura Familiar e Uso do Solo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.

11, n. 2, p. 73-78, 1997.

ALTAFIN, I. G. Reflexões sobre o Conceito de Agricultura Familiar. 2007 (Brochura de circulação restrita).

BALSAN, R. Impactos decorrentes da modernização da agricultura brasileira. Campo-

território, Revista Geografia Agrária, 2006.

CALIXTO, J. T. Modernização da agricultura no Brasil: Impactos econômicos, sociais e

ambientais. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Três

Lagoas Três Lagoas-MS, V 2 – n.º 2 – ano 2, Setembro de 2005 2005.

CARVALHO, E.T. Caminhos do café. Circulação corporativa e logística da produção cafeeira

no Sul de Minas Gerais. Campinas – SP 2011.

GRAZIANO DA SILVA .J. A industrialização e a Urbanização da Agricultura Brasileira.

São Paulo: Perspectiva, 1993.

GRAZIANO DA SILVA .J. A questão agrária hoje – terceira edição, Editora da

Universidade do Rio Grande do Sul, 2002.

GRAZIANO NETO, F. A questão agrária e ecologia: crítica da moderna agricultura.

São Paulo: Brasiliense, 1982.

OLIVEIRA. Região competitiva e vulnerabilidade. A produção de café orgânico como uma

alternativa a vulnerabilidade territorial do Sul de Minas. 2010

SOTO, W. H. G. A Produção do Conhecimento sobre o Mundo Rural no Brasil:

Ascontribuições de José de Souza Martins e José Graziano da Silva. Santa Cruz do Sul: Edunisc,

2002.