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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA JERUSA DE PINHO TAVARES SILVA ESCOLA PLURAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIVERSOS OLHARES, MÚLTIPLOS SENTIDOS Juiz de Fora 2005

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA JERUSA DE PINHO ... · JERUSA DE PINHO TAVARES SILVA ESCOLA PLURAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIVERSOS OLHARES, MÚLTIPLOS SENTIDOS Dissertação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

JERUSA DE PINHO TAVARES SILVA

ESCOLA PLURAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:

DIVERSOS OLHARES, MÚLTIPLOS SENTIDOS

Juiz de Fora

2005

JERUSA DE PINHO TAVARES SILVA

ESCOLA PLURAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:

DIVERSOS OLHARES, MÚLTIPLOS SENTIDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre sob a orientação da Professora Doutora Luciana Pacheco Marques.

Juiz de Fora

2005

TERMO DE APROVAÇÃO

JERUSA DE PINHO TAVARES SILVA

ESCOLA PLURAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIVERSOS OLHARES, MÚLTIPLOS SENTIDOS

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, pela seguinte banca examinadora:

______________________________________________ Profa. Dra. Luciana Pacheco Marques - UFJF

(Orientadora)

_____________________________________________ Profa. Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan - UNICAMP

______________________________________________ Profa. Dra. Déa Lúcia Campos Pernambuco - UFJF

Juiz de Fora, 08 de abril de 2005

AGRADECIMENTOS

Agradecer sempre a Deus.

A Ele que colocou em minha vida pessoas muito especiais.

Especiais como a Lu que nem precisa dar aulas,

apenas ser ela mesma, para nos ensinar a ser GENTE.

Gente de verdade.

Que ri, que chora, que fica p... da vida com tanta injustiça por esse mundo afora.

E que não fica só na indignação.

Faz o que pode, faz a sua parte (e, às vezes, até a parte dos outros)

para deixar o mundo um pouquinho melhor.

Especiais como o meu marido, Sandro

que, com seu jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa,

me incentiva e me faz ver o mundo com mais cor e brilho.

Um brilho que agora trazemos nos olhos,

admirando uma barriga que cresce

carregando, com orgulho, nosso amor em forma de gente!

Especiais como a minha família

que, discretamente, me acompanha e torce pelo meu sucesso.

E como a família Silva que me recebeu com tanto carinho,

especialmente as crianças: Júlia, Mariana, Camila, Víctor e Caio Marcus

que, mesmo não compreendendo os motivos de tantas ausências,

se mantiveram carinhosas e divertidas, alegrando os finais de semana.

Especiais como Gra, Marcela e Sil,

(em ordem alfabética, pra evitar ciúmes!),

minhas colegas de turma e amigas do coração.

Especiais como a Lourdes e a Laura

que me abriram não só sua casa, como seus corações

e se tornaram uma pousada segura e aconchegante em Juiz de Fora.

Especiais como cada um dos professores e demais profissionais entrevistados.

Vozes que, muitas vezes, disseram minhas próprias palavras.

Espelhos nos quais, constantemente, vi refletido meu rosto.

Agradeço, por fim,

Às professoras Doutoras Luciana Pacheco Marques, Maria Teresa Eglér Mantoan, Déa

Lúcia Campos Pernambuco, Dulce Barros de Almeida e Diva Chaves Sarmento,

membros efetivos e suplentes da Banca Examinadora pelas valiosas contribuições que

trouxeram a esse trabalho.

À Prefeitura Municipal de Belo Horizonte,

por me conceder licença remunerada para a realização desta pesquisa.

Aos professores e funcionários

do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora

que me receberam e, direta ou indiretamente, participaram dessa caminhada.

Quando cheguei aqui o que havia estava no fim

E o que estava por vir andava disperso pelo sonho de alguns.

Mas a maioria vivia o seu dia-a-dia

E todos contentes por serem todos assim.

Eles não davam pelo fim

Quanto mais pelo que já assomava mais além

– isto que já começava nos sonhos de alguém.

NEGREIROS, José de Almada. Poesia: Obras Completas. Lisboa: Editorial Estampa, 1971.

RESUMO

Ao longo da presente pesquisa objetivamos compreender os sentidos que

professores, coordenadores e diretores de uma escola comum de cada uma das nove

regionais da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME/BH) vinham

construindo a respeito dos princípios do Programa Escola Plural e da relação destes com

as recentes discussões sobre educação inclusiva. Optamos pelo enfoque na questão da

inserção de crianças com deficiência em classes comuns por ser este um dos temas que,

no contexto pesquisado, mais provocavam o repensar das estruturas escolares. A

pesquisa de campo, realizada entre março de 2003 e novembro de 2004, constituiu-se de

observações e entrevistas coletivas que, posteriormente, foram transcritas e analisadas

com base no aporte teórico-metodológico da Análise de Discurso francesa. Das

reflexões suscitadas pelas diversas temáticas que surgiram a partir das entrevistas,

pudemos, em linhas gerais, concluir que, apesar dos conflitos e dificuldades, a

implantação dos ciclos de formação e a inserção de crianças com deficiência nas classes

comuns impulsionaram alguns professores à revisão de suas práticas e à construção de

estratégias educacionais mais condizentes com as necessidades do aluno em geral,

embora ainda não houvesse sido alcançada uma ampla percepção da diversidade

humana e do fato de que as instituições escolares são, estruturalmente, excludentes e,

por isso, precisariam ser revistas em suas bases, a fim de se tornarem inclusivas.

Concluímos também que, apesar das discussões sobre inclusão estarem sendo

constantemente cooptadas por discursos de caráter regulatório, elas exercem um

importante papel dentro da atual transição paradigmática, desestabilizando os

paradigmas hegemônicos e possibilitando o deslocamento para sentidos de caráter

emancipatório.

Palavras-chave: Escola Plural – Inclusão – Educação Especial

ABSTRACT

Throughout this study the objective was to understand the meanings that

teachers, coordinators and principals at any ordinary school belonging to one of the nine

school districts of the Belo Horizonte Municipal Education Network (RME/BH) had

been developing with respect to the principles of the Programa Escola Plural (Plural

School Program) and the relationship between these principles and the recent

discussions on inclusive education. We opted for the focus on the insertion question of

disabled children in ordinary classes since this is one of the themes which, in the

researched context, most stimulated the reconsideration of the current school structure.

The field research, carried out from March 2003 to November 2004, consisted of

observations and group interviews which were later transferred to written form and

analyzed based on the methodological and theoretical contribution of the French

Discourse Analysis. Of the contemplations given rise to by the several theme questions

that were brought forth from the interviews, we could, in general terms, conclude that in

spite of the conflicts and difficulties, the inplementation of the formation cycles and the

insertion of disabled children in ordinary classes propelled some teachers into revising

their practices and building up educational strategies in greater accordance to the

necessities of the general student, although there had not been reached a broad

perception of the human diversity and of the fact that school institutions are structurally

excluding. On account of that, the school´s structure would need to be reviewed and

revised so that they could then become inclusive. We also concluded that, although the

discussions on inclusion have been constantly co-opted for by discourses with a

regulatory nature, they exert an important role inside the current paradigmatic

transition, destabilizing the hegemonic paradigms and allowing for the displacement

towards meanings with an emancipation nature.

Key words: Escola Plural – Inclusion – Special Education

SUMÁRIO

LISTA DE TABELA ................................................................................. 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................. 11 LISTA DE ANEXOS ................................................................................ 12 APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 13 1 INVESTIGANDO... ................................................................................ 26 1.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS PESQUISADAS................... 33 1.1.1 Escola Municipal Adélia Prado ............................................... 33 1.1.2 Escola Municipal Ana Maria Machado .................................. 36 1.1.3 Escola Municipal Bárbara Heliodora ..................................... 38 1.1.4 Escola Municipal Cecília Meireles .......................................... 40 1.1.5 Escola Municipal Lygia Fagundes Telles ............................... 43 1.1.6 Escola Municipal Maria Adelaide Amaral.............................. 45 1.1.7 Escola Municipal Rachel de Queiroz ...................................... 47 1.1.8 Escola Municipal Ruth Rocha ................................................. 49 1.1.9 Escola Municipal Zélia Gattai ................................................. 52 2 SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA: HISTÓRICO DE UMA

RELAÇÃO ............................................................................................... 55

2.1 FORMAÇÕES DISCURSIVAS EM MOVIMENTO: DA

EXCLUSÃO À INTEGRAÇÃO ................................................................ 60

2.2 FORMAÇÃO DISCURSIVA DA INCLUSÃO: A DIVERSIDADE

EM PERSPECTIVA ................................................................................... 63

2.3 INSERÇÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NA RME/BH .... 66

3 ORIGENS HISTÓRICAS DOS MECANISMOS DE

SELETIVIDADE ESCOLAR ................................................................ 73

3.1 QUANDO A SELETIVIDADE EMPERRA O CURSO DO

DESENVOLVIMENTO ............................................................................. 78

3.1.1 Promoção automática e organização escolar em ciclos de

formação: algumas diferenças .......................................................... 81

3.2 A ESCOLA PLURAL ENQUANTO PROPOSTA DE

INTERVENÇÃO NAS ESTRUTURAS SELETIVAS DO SISTEMA ESCOLAR ..................................................................................................

82

3.2.1 Eixos norteadores da Escola Plural ......................................... 83 3.2.2 Reorganização dos tempos escolares ....................................... 84 3.2.3 Processos de formação plural ................................................. 86 3.2.4 Avaliação na Escola Plural ...................................................... 86 3.3 ESCOLA PLURAL E INCLUSÃO: O QUE OS DISCURSOS

REVELARAM............................................................................................. 88

4 A EXPERIÊNCIA DE BELO HORIZONTE ...................................... 91 4.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ATENDIMENTO

EDUCACIONAL PRESTADO PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA .........................................................

91

4.2 A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA

PLURAL: SENTIDOS EM CONSTRUÇÃO ............................................. 97

4.3 PROJETO PEDAGÓGICO E TRABALHO COLETIVO: LIMITES

E POSSIBILIDADES ................................................................................ 105

4.4 APRENDIZAGEM, DESENVOLVIMENTO E ENTURMAÇÃO ..... 117 4.5 AVALIAÇÃO: ENTRE A EMANCIPAÇÃO E O CONTROLE ........ 133 4.6 ESTRATÉGIAS DE ACOLHIMENTO E INTERVENÇÃO

PEDAGÓGICA ........................................................................................... 144

4.7 PROFESSORES: SEUS SABERES E SUA FORMAÇÃO ................. 153 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 167 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 174 ANEXOS ........................................................................................................ 186

LISTA DE TABELA

Tabela 1 Alunos atendidos por Escolas Municipais de Ensino Especial em Belo Horizonte .....................................................................................

105

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AD Análise de Discurso

APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

B.H. Belo Horizonte

CAPE Centro de Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação

CAPP Curso de Aperfeiçoamento da Prática Pedagógica

CBA Ciclo Básico de Alfabetização

CEE Conselho Estadual de Educação

CNE/CEB Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica

CPP Coordenação de Política Pedagógica

DOEED Departamento de Organização Escolar

DP Discurso Pedagógico

G90 Grupo responsável pelo acompanhamento das escolas da Rede Municipal de Belo Horizonte, composto por profissionais da CPP, do Gabinete, do CAPE e das GERED’s, subdivido entre as nove Regionais de Ensino.

GAME/UFMG Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais

GERED Gerência Regional de Educação

LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

OEA Organização dos Estados Americanos

PBH Prefeitura de Belo Hozizonte

PM 1 Professor Municipal 1 (concursado para atuar na Educação Fundamental)

PUC-Minas Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

QI Quociente Intelectual

RME/BH1 Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte

SMED/BH Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural

Organization

Trad. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

1 Existem variações na nomenclatura da RME/BH. Alguns documentos se referem à mesma como Rede Municipal de Educação, enquanto outros substituem o termo Educação por Ensino. No presente trabalho optamos pelo termo Rede Municipal de Educação, por concebê-lo como mais abrangente.

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A Formulário de pesquisa I – Dados gerais da escola............................ 187 ANEXO B Formulário de pesquisa II – Dados gerais sobre os profissionais

entrevistados ...................................................................................... 189

ANEXO C Formulário de pesquisa III – Dados gerais sobre a relação

escola/comunidade ............................................................................. 190

ANEXO D Regionais do município de Belo Horizonte e escolas visitadas ........ 191 ANEXO E Consentimento informado ................................................................. 192 ANEXO F Termo de compromisso ..................................................................... 193 ANEXO G Questões norteadoras para entrevista semi-estruturada ..................... 194 ANEXO H Resolução 0443 de 25 de abril de 1980 ............................................. 195

APRESENTAÇÃO

A elaboração deste projeto partiu do interesse pessoal, profissional e acadêmico

em torno de um tema que vem adquirindo importância cada vez maior nas discussões

sobre educação e sociedade: a inclusão.

Enquanto professora do ensino fundamental na Rede Municipal de Educação de

Belo Horizonte (RME/BH), Minas Gerais, passei a desenvolver pesquisas sobre este

assunto motivada pelas dificuldades enfrentadas diante do desafio de educar crianças

com deficiência, pela primeira vez matriculadas na escola onde trabalhava.

Apesar dos nove2 anos até então dedicados à formação acadêmica e dos quase

dez anos de experiência no exercício do Magistério, não me sentia apta a propor

alternativas para lidar com crianças que, naquele momento, eram consideradas os

“problemas” da escola.

As disciplinas direcionadas à minha formação enquanto professora, desde o

curso de Magistério até o curso de Pedagogia, enfatizavam o desenvolvimento de um

tipo ideal de aluno. Deste modo, eu – e tantos outros profissionais formados sob esta

mesma lógica – construimos expectativas e estratégias visando a intervenções

pedagógicas junto a um todo supostamente homogêneo de alunos, uma mesmidade de

características bem definidas sobre a qual bastava aplicar uma seqüência adequada de

procedimentos didáticos para obter os resultados previstos.

Em suas análises sobre os cursos de formação de profissionais da educação,

Ferre (2001) constata que ali se lêem textos que produzem sempre a ilusão de

normalidade, além da polarização e da segregação do outro – que não se encaixa nos

padrões teoricamente instituídos – em espaços de perturbação e culpa.

Assim, ao mesmo tempo em que nós, professores, somos formados para lidar

com alunos tidos como iguais, normais e capacitados, oposta e paralelamente

consolidamos a crença de que é necessária uma escola e uma formação profissional

específica ou especializada para lidar com aqueles alunos que são considerados desvios

do padrão: os diferentes, problemáticos, especiais ou anormais.

2 Quatro anos do curso de Magistério, somados a quatro anos do curso de Pedagogia e a um ano de especialização em Psicopedagogia.

Tal crença deve-se ao fato de, entre outras coisas, a sociedade em geral e a

grande maioria das escolas nela inserida ainda serem guiadas por ideais de padronização

e homogeneização que geram atitudes de rejeição diante de indivíduos que se afastam

dos padrões de normalidade legitimados no decorrer de um amplo período histórico

conhecido como modernidade do qual ainda hoje se sentem os efeitos.

A classificação dos indivíduos em “normais” ou “anormais”, sua conseqüente

separação em escolas comuns3 ou escolas especiais e, até mesmo, sua exclusão do

sistema escolar encontra sua principal sustentação neste pensamento moderno, cujos

pressupostos há séculos vêm servindo de justificativa para a institucionalização e para o

afastamento de um enorme contingente de crianças do convívio social e escolar mais

amplo. Para Azevedo (2001, p. 61),

o pensamento moderno tentou enquadrar o mundo dentro de um modelo legal, determinista. [...] Essa forma de pensar não tolera intrusos, não aceita ruídos nem mudanças. [...] Tudo o que não pode ser enquadrado nessa lógica é monstruoso, quimérico, errado, quantidade desprezível, anormal etc e tem que ser expulso, excluído, não-considerado.

Nos últimos anos, entretanto, são cada vez mais comuns os estudos que discutem

e procuram desconstruir tais mecanismos de estigmatização/condenação de certas

diferenças e buscam fornecer novas alternativas de interpretação da realidade,

evidenciando a não existência de justificativas sólidas para a segregação de tantos

sujeitos que vêm sendo mantidos à margem da escola e da sociedade.

Apesar de não haver consenso sobre o assunto, um número crescente de

estudiosos defende o fim dessa dicotomia – escola especial x escola comum – e a

3 Existe, nas obras e documentos consultados, uma certa confusão entre os termos que definem as escolas como regulares ou comuns. De acordo com o Parecer CNE/CEB 11/2000: “o conceito de regular é polivalente e pode se prestar a ambigüidades. Regular é, em primeiro lugar, o que está sub lege, isto é, sob o estabelecido em uma ordem jurídica e conforme a mesma, mas a linguagem cotidiana o expressa no sentido de caminho mais comum. Seu antônimo é irregular e pode ser compreendido como ilegal ou também como descontínuo, mas em termos jurídico-educacionais, regular tem como oposto o termo livre. Neste caso, livres são os estabelecimentos que oferecem educação ou ensino fora da Lei de Diretrizes e Bases. É o caso, por exemplo, de escolas de língua estrangeira” (BRASIL, 2000, grifos nossos). Assim sendo, tanto as escolas especiais quanto as comuns encaixam-se na categoria de escolas regulares. Cientes de tal questão terminológica utilizaremos, em trechos de elaboração própria, o termo escolas comuns para designar aquelas que tradicionalmente atendem crianças consideradas “normais” e o termo escolas especiais para designar a rede escolar paralela, originalmente criada para atender crianças cujas características físicas, sensoriais, psicológicas ou cognitivas eram consideradas inadequadas para atendimento em escolas comuns. Por outro lado, respeitaremos os termos originais, tal como estes apareçam, sempre que houver citação de documentos e/ou entrevistas.

criação de uma escola única, de qualidade, que atenda às necessidades educacionais de

todos.

A flexibilidade e a complexidade de novas formas de pensar, desenvolvidas ao

longo das últimas décadas, podem possibilitar uma maior abertura para o respeito e a

valorização da diversidade humana. Nesse novo contexto, a luta pela concretização de

uma sociedade inclusiva e do ideal democrático de educação para todos é crescente.

Dentro desta nova perspectiva, vêm sendo geradas inúmeras e ricas possibilidades de

interpretação da realidade, menos excludentes e mais flexíveis que as habituais.

Esta vem sendo, por exemplo, uma das facetas do compromisso assumido pela

Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) desde 1994, com a elaboração e

implantação da Proposta4 Escola Plural nos estabelecimentos de ensino público

municipal. Segundo publicação da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

(SMED/BH), o referido projeto político-pedagógico pretende “intervir nas estruturas

excludentes do sistema escolar e na cultura que legitima essas estruturas excludentes e

seletivas” (BELO HORIZONTE, 1994/2002, p. 13).

Para viabilizar as mudanças propostas, o Programa Escola Plural estabelece uma

série de reestruturações na organização das escolas. Entre outras coisas, parte da

implantação dos ciclos de formação, passando pela revisão de procedimentos e critérios

de avaliação da aprendizagem e pela garantia de tempos de formação dos professores

em serviço, na intenção de que as escolas possam vir a exercer cada vez melhor seu

papel na formação humana dos educandos, respeitando sua diversidade.

Além disso, alguns anos após o lançamento do primeiro Caderno (BELO

HORIZONTE, 1994/2002) apresentando às escolas essa nova proposta político-

pedagógica, uma outra publicação da SMED/BH (BELO HORIZONTE, 2000b) afirma

como princípio da Escola Plural assegurar a inclusão escolar de todas as crianças.

Para fins da presente pesquisa, no universo de toda diversidade humana,

voltamos nossa atenção para a questão da inserção de crianças com deficiência em

escolas comuns de ensino fundamental da Rede Municipal de Educação de Belo

4 Segundo Soares (2002, p. 17), o termo proposta foi utilizado pela SMED/BH quando do surgimento da Escola Plural, no final do ano de 1994. Assim que esta foi implantada, em 1995, passou-se a utilizar o termo programa. Entre 1997 e 2000 o termo utilizado passou a ser diretriz político-pedagógica. No presente trabalho, os termos serão utilizados conforme aparecem nos documentos citados. Em trechos de redação própria, utilizaremos o termo Programa, pelo fato de a Escola Plural ser nacionalmente conhecida enquanto um Programa de Governo.

Horizonte/MG. Segundo a SMED/BH (BELO HORIZONTE, 2000b, p. 3), a política

desenvolvida pela Rede “vem contribuindo para o crescimento do número de alunos

com deficiência, incluídos nas escolas municipais."

Gostaríamos de esclarecer que, após inúmeras reflexões, optamos pela utilização

da expressão pessoas com deficiência, considerando que as demais terminologias

apresentam alguns limites. Em primeiro lugar, o uso do termo portador de não nos

pareceu adequado por se associar à idéia de alguém que porta, carrega, conduz ou traz

consigo uma deficiência ou necessidade especial e poderia livrar-se dela. O termo

pessoa deficiente pareceu-nos uma adjetivação limitadora, que rotula e opõe-se

binariamente à idéia de eficiência. A terminologia pessoas com necessidades

educacionais especiais, por sua vez, era muito ampla para os fins desta pesquisa, na

medida em que, de acordo com o Art. 5ª da Resolução CNE/CEB 2/2001 (BRASIL,

2001), engloba tanto educandos que, durante o processo educacional, apresentam

dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de

desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, quanto

dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos,

demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis, além de altas habilidades e

condutas típicas.

Por fim, a expressão pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que explicita

uma característica organicamente instalada no indivíduo – que pode (ou não) exigir

apoios específicos – confere certa relatividade à mesma. Tal expressão, a nosso ver,

abre espaço para a discussão sobre o aspecto relacional de determinadas limitações, que

não existem nos indivíduos em si, mas são produzidas nas relações estabelecidas entre

esses e a sociedade como um todo.

Esse tipo de opção terminológica, assim como tantas outras opções que fizemos,

não está isenta de implicações ideológicas. Problematizar tais aspectos faz parte da

nossa tentativa de desvelar preconceitos e de construir novas alternativas para lidar com

a diversidade.

Estamos, por fim, cientes de que a implantação da Escola Plural, por si só, não

assegura a melhoria de qualidade do ensino das escolas e de que a simples matrícula de

alunos com deficiência em escolas comuns não garante que as mesmas se tornem

inclusivas. Isso porque as reformas educacionais atingem de forma diferenciada a

cultura e o cotidiano de cada instituição e, no interior dessas, cada profissional atribui

sentidos e produz conhecimentos que lhe são próprios.

A partir dessas considerações, apresentamos como objetivo de pesquisa buscar

compreender os sentidos que profissionais de uma escola comum de ensino fundamental

de cada uma das nove regionais administrativas da Rede Municipal de Educação de

Belo Horizonte/MG vinham construindo a respeito do Programa Escola Plural, dos

princípios da educação inclusiva e da relação de ambos com a inserção de crianças com

deficiência nas classes comuns.

A fim de alcançar tal meta selecionamos, inicialmente, produções acadêmicas

que discutissem e buscassem superar mecanismos de estigmatização e pudessem nos

ajudar a analisar os pressupostos que historicamente sustentam práticas de segregação

social e/ou escolar. Nas últimas décadas, tais produções têm sido, consideravelmente,

ampliadas e atualizadas e, ainda que o movimento em prol da sociedade inclusiva seja

recente, a cada dia surgem novas abordagens sobre o assunto, algumas complementares,

outras divergentes.

Encontramos em Santos (2002), e em suas discussões sobre os aspectos

regulatórios e emancipatórios do conhecimento, subsídios para compreender os

mecanismos pelos quais os pressupostos do paradigma da modernidade tornaram-se

hegemônicos. Perpassando todo o nosso trabalho de pesquisa, o autor também

contribuiu para que pudéssemos refletir sobre o atual momento de crise desse paradigma

e sobre as alternativas de ruptura que vêm sendo desenvolvidas.

Em Pessotti (1984), encontramos uma cuidadosa descrição, guiada pela

cronologia, das principais concepções e personagens que geraram teorias e

interpretações sociais sobre a deficiência mental, desde a Antigüidade Clássica até a

segunda metade do séc. XX. Tal estudo auxiliou-nos a compreender a gênese de

diversas noções preconceituosas que, ainda hoje, habitam o imaginário social em torno

das pessoas com deficiência.

Para completar tal reconstituição histórica utilizamos também as contribuições

de Fonseca (1995) que nos fornece uma sinopse das noções que marcaram as relações

estabelecidas entre a sociedade e a deficiência e de como foram perspectivados os

conceitos de inteligência e de cognição através dos tempos.

Goffman (1988), em suas abordagens sobre o conceito de estigma, auxiliou-nos

a examinar atitudes de rejeição e descrédito associadas aos indivíduos que não possuem

determinadas características socialmente aceitas como naturais e comuns. Identificados

por um atributo depreciativo, tais indivíduos, que poderiam ser facilmente recebidos na

relação social cotidiana, deixam de ser considerados criaturas comuns e totais e passam

a ser vistos como diminuídos e defeituosos.

Ainda que não seja diretamente citado ao longo do texto, Foucault (1985, 1996,

2002) – enquanto uma das principais referências utilizadas pelos autores que realizam a

Análise de Discurso – perpassou toda a discussão sobre a questão do poder e da

construção social de mecanismos discursivos de exclusão e inclusão que visam ao

controle dos corpos e a manutenção da ordem estabelecida.

Os textos de C.Marques (1994, 1998, 1999, 2001a, 2001b), por sua vez,

contribuíram para o estudo de mecanismos envolvidos na criação e manutenção de

instituições segregadas de atendimento educacional especial. Embasado em reflexões

sobre a obra de diversos autores, dentre eles Foucault (1985, 2002) e D’Antino (1998),

C.Marques demonstra que a questão da deficiência encerra todo um sentido político-

ideológico encoberto. O autor argumenta, por exemplo, que a verdadeira beneficiada

pela existência de estruturas paralelas de atendimento às pessoas com deficiência é a

sociedade que, em nome da assistência e da preparação para sua inserção, as mantém à

margem do processo social.

A compreensão de conceitos envolvidos na análise dos mecanismos geradores

da segregação foi também buscada nas obras de diversos outros autores, lidas e

debatidas ao longo da disciplina Tópicos especiais em Linguagem, Conhecimento e

Formação de Professores: Escola e Diversidade, ministrada nesta Universidade pela

Profa. Dra. Luciana Pacheco Marques no segundo semestre de 2003. Destacamos, entre

os autores que – explicita ou implicitamente – ofereceram suporte teórico para a

presente pesquisa: Larrosa (1998, 2001), Silva (2000), Ferre (2001), Certeau (2002),

Skliar (2002, 2003) entre outros. Tais autores abordam, de forma variada e, às vezes,

divergente, conceitos como diversidade, diferença, identidade e alteridade, essenciais

para a compreensão das principais questões envolvidas na noção de educação inclusiva.

Para analisar os demais conceitos vinculados ao tema e para aprofundar aspectos

diretamente relacionadas ao cotidiano das instituições escolares, aos professores e à sua

organização em torno do atendimento (ou não) às necessidades educacionais manifestas

pela diversidade de seu alunado, utilizamos, principalmente, as contribuições de

Mantoan (1997, 1998, 1999, 1999/2000, 2000a, 2000b, 2001a, 2001b, 2000, 2002a,

2002b, 2003) e de L.Marques (2001a, 2001b). Possuidoras de vasta experiência em

ensino, pesquisa e extensão na área da educação, as autoras discutem a questão da

inserção de crianças com deficiência em classes comuns e fornecem importantes

contribuições para a problematização e análise de tal processo.

Outros estudos recentes que investigam processos de inserção de crianças com

deficiência em diferentes redes de ensino por todo o Brasil, podem ser citados enquanto

fontes de consulta. Dentre eles, destacamos a pesquisa de Castro (1997) que investigou

o processo de implantação de uma proposta que, desde 1994, visa à inserção de alunos

com deficiência nas escolas comuns da Rede Municipal de Ensino de Natal/RN. Em

nota conclusiva, a autora afirmou que as questões apontadas pelos professores

entrevistados como dificuldades específicas do trabalho escolar junto a crianças com

deficiência eram, na verdade, dificuldades referentes ao ensino de todos os alunos, o que

implicaria em modificações nas condições de trabalho e na formação desses

profissionais.

Os estudos de Ferreira (2002), por sua vez, tiveram por objetivo verificar os

procedimentos adotados por uma instituição de ensino regular da rede pública na cidade

de Juiz de Fora/MG, ao buscar inserir crianças e adolescentes com deficiência em

classes comuns. A título de conclusão, a autora reconheceu os esforços empreendidos

pela escola na construção de um projeto político-pedagógico pautado em princípios de

solidariedade, cooperação, respeito ao educando, trabalho coletivo e revisão das práticas

de sala de aula, mas constatou que, na prática, esses mecanismos não foram suficientes

para promover a inserção de todos os alunos que procuravam a escola até o ano de 2000

quando foi realizada a pesquisa de campo.

A pesquisa de A.Monteiro (2003), realizada em escolas da Região Metropolitana

Belo Horizonte/MG, também abordou a questão da inserção de crianças com deficiência

em classes comuns, tomando como foco de análise a prática pedagógica dos

professores. A partir de suas observações, a autora concluiu que, não obstante as

dificuldades decorrentes das condições objetivas de trabalho, a maioria dos professores

estava mobilizada na busca de alternativas para a inclusão, criando formas para

enfrentar as contradições da prática. Por outro lado, suas tentativas não se apoiavam em

uma proposta educativa consistente e eram elaboradas num contexto onde as políticas

públicas forneciam leis contraditórias que possibilitavam interpretações dúbias e

reforçavam a idéia do ensino segregado.

Já os estudos desenvolvidos por Coelho (2003) focalizaram a Rede Municipal de

Educação de Belo Horizonte/MG, sob a perspectiva da construção de uma política

pública voltada para a inclusão escolar. A autora forneceu-nos, a partir daí, inúmeros

dados sobre o histórico do atendimento prestado às pessoas com deficiência pela

administração municipal e propôs reflexões sobre a consolidação das propostas políticas

nas escolas. Nas considerações finais da pesquisa ficou explícito que, ainda que os

documentos oficiais da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

(SMED/BH) afirmassem os princípios da educação inclusiva como norteadores para a

política educacional adotada, existiam inúmeros obstáculos à sua efetivação. Dentre

esses obstáculos, a autora destacou a manutenção de um sistema paralelo de Educação

Especial e a falta de uma rede de apoio que permitisse uma melhor articulação entre as

escolas e os diferentes níveis administrativos da SMED/BH.

Para melhor compreender a proposta político-pedagógica em vigor no sistema

educacional do município de Belo Horizonte/MG, foco de nossa pesquisa, também

optamos pela realização de um estudo sobre a consolidação do modelo escolar seriado,

contrapondo-o ao dos ciclos de formação, uma proposta alternativa de organização

escolar que, segundo Freitas (2003), tem por objetivo superar as estruturas excludentes

da lógica tradicional. A obra desse autor mostrou-se igualmente importante para a

diferenciação entre os conceitos de ciclos e de promoção automática, já que esses

costumam ser confundidos tanto pelos profissionais das escolas quanto pela população

em geral.

Além desse autor, examinamos o trabalho de Carvalho (2002) que, analisando a

escola sob a perspectiva da cultura organizacional, fez um resgate histórico de diversas

tentativas de reorganização da escola, dentre elas os projetos de implantação dos ciclos

de formação em Belo Horizonte (Escola Plural) e Porto Alegre (Escola Cidadã). Seu

estudo focalizou, por fim, o processo de construção da proposta de ciclos em duas

escolas públicas municipais em Juiz de Fora/MG. Em suas considerações finais, a

autora afirmou que a concretização de tal proposta era marcada por avanços e recuos,

mas que o reconhecimento das potencialidades da ação educativa poderia estar

fortalecendo no grupo dos educadores a consciência sobre a responsabilidade da escola,

enquanto uma organização que se negava a conferir credenciais e a certificar a exclusão

social.

A fim de alcançar a necessária compreensão dos princípios propostos pelo

Programa Escola Plural analisamos ainda documentos produzidos pela SMED/BH

(BELO HORIZONTE, 1994/2002, 1995a/2002, 1995b/2002, 1995c/2002, 1996a/2002,

1996b/2002) e outros dois documentos (BELO HORIZONTE, 2000a, 2000b) que

abordam questões especificamente relativas à educação inclusiva e à inserção de

crianças com deficiência em escolas comuns da RME/BH.

Alguns estudos já desenvolvidos sobre aspectos da implantação e do

desenvolvimento do Programa Escola Plural no cotidiano das escolas foram lidos e

forneceram elementos para um melhor entendimento do mesmo. Dentre estes,

destacamos os trabalhos desenvolvidos por Soares (2001, 2002) que tiveram por

objetivo investigar o processo de apropriação da Escola Plural pelos docentes da Rede

Municipal de Educação de Belo Horizonte/MG, identificando os significados que estes

atribuíam ao Programa, partindo da crença de que mudanças educacionais implicam em

mudanças culturais.

Para empreender suas pesquisas, a autora buscou fundamentar-se em teorias

sobre inovação e mudança educativas e em teorias sobre formação docente. Seu

trabalho também perpassou as discussões sobre avaliação, cultura organizacional e

organização escolar em ciclos de formação. Para concluir, a autora retomou algumas das

principais discussões apresentadas ao longo do texto e afirmou que o movimento vivido

pelo grupo docente pesquisado – ainda que marcado por ambigüidades, incoerências e

dúvidas – indicava rupturas importantes na lógica seriada e a construção de uma nova

concepção de educação, marcada pela ampliação da noção de conhecimento, pela

preocupação com a formação humana e por uma perspectiva de trabalho mais coletivo.

Para as análises sobre os processos de reestruturação do trabalho docente a partir

da implantação do Programa político-pedagógico Escola Plural, principalmente nos

aspectos relativos à avaliação escolar, Dalben (1998), por sua vez, retomou as origens

das práticas avaliativas e as ideologias que as sustentam através dos tempos,

apresentando, posteriormente, a Escola Plural enquanto alternativa para romper com

alguns referenciais excludentes que orientam as ações educacionais.

Entre as notas conclusivas, a autora afirmou que a investigação desenvolvida

permitiu compreender que “mudar a avaliação significa, provavelmente, mudar a

escola” (PERRENOUD apud DALBEN, 1998, p. 195), pois, quando se discute a

avaliação, inevitavelmente se discute a cultura escolar e os significados socialmente

construídos que permitiram a configuração das práticas escolares.

Importante mencionar também a avaliação da implementação do Programa

Escola Plural, realizada em 2000, pelo Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais –

GAME/UFMG, em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte e a Fundação Ford, por

solicitação da SMED/BH. De acordo com o relatório de tal avaliação (DALBEN, 2000),

o Programa gerou muita polêmica por se opor a uma ordem político-pedagógica

tradicional e a referenciais historicamente construídos, tocando em questões essenciais

que iriam requerer modificações de cunho ético e político relativas a novos valores.

Além disto, os pesquisadores identificaram insegurança e insatisfação dos

profissionais das escolas com relação ao processo de implantação do Programa. Para

muitos professores, houve uma imposição legal, agravada pela desorganização

administrativa, de coordenação e de acompanhamento às escolas.

Encontramos, no citado relatório, poucas referências à questão da inserção de

crianças com deficiência em classes comuns de escolas da RME/BH, foco de nossa

pesquisa. Um dos poucos trechos referentes ao assunto, afirmava que

O Projeto Pedagógico desenvolvido pelas escolas como um todo ainda não garante que a Escola Plural seja “inclusiva” – os profissionais não estão preparados para lidar com o aluno diferente. Não existe apoio da SMED para isso e nem infra-estrutura física, no caso dos deficientes (DALBEN, 2000, p. 63, grifo da autora).

Ainda sob o enfoque da Escola Plural, o trabalho de Abreu (2003) analisou, a

partir do campo da Sociologia da Educação, as lógicas subjacentes à relação que

famílias pertencentes às camadas populares estabeleciam com a escola e a escolaridade

dos filhos no contexto de implementação do Programa. O autor percebeu que tais

famílias se posicionavam face à Escola Plural em função da avaliação que faziam do

processo de aquisição de conhecimentos que julgavam fundamentais para que os filhos

pudessem se inserir no mundo contemporâneo e no mercado de trabalho. Assim sendo,

seus valores e condutas se estruturavam de forma preponderante a partir de elementos

que configuravam uma “lógica de eficácia social”.

Com base na consulta aos trabalhos citados, pudemos identificar, enfim, uma

série de conflitos gerados pela implantação e desenvolvimento do Programa na medida

em que, segundo os pesquisadores, seus pressupostos abalaram as estruturas que,

historicamente, servem de base para a educação, exigindo um profundo repensar das

práticas cotidianas. Para além dos conflitos, esses trabalhos também ressaltam

experiências e movimentos inovadores na direção da construção de sentidos

emancipatórios para a educação.

A fim de organizar o presente trabalho de pesquisa e permitir ao leitor

acompanhar nossas reflexões em torno do tema proposto, estruturamos o texto em

quatro capítulos. Logo no primeiro capítulo, apresentamos a metodologia adotada e

caracterizamos o campo de pesquisa. Para subsidiar nossa opção metodológica,

tomamos como principal referência a obra de Orlandi (2001, 2003) sobre Análise de

Discurso (AD) na perspectiva francesa, buscando compreender os sentidos expressos

pelo discurso dos professores entrevistados e estabelecer relações entre esses e o

referencial teórico utilizado.

No segundo capítulo, fornecemos um breve histórico das relações estabelecidas

entre as sociedades ocidentais e as pessoas com deficiência, abordando a movimentação

de formações discursivas – exclusão/segregação, integração, inclusão – em torno das

mesmas e introduzindo, por fim, a análise dos sentidos construídos a partir da inserção

de crianças com deficiência em escolas comuns de ensino fundamental da Rede

Municipal de Educação de Belo Horizonte/MG, cuja proposta pedagógica vinha sendo

orientada pelos princípios do Programa Escola Plural.

Ao longo do terceiro capítulo, abordamos a questão das origens históricas de

alguns dos mecanismos de seletividade que caracterizam a estrutura escolar seriada. Em

seguida, expomos as principais críticas formuladas a essa lógica e introduzimos a

discussão sobre promoção automática e ciclos de formação enquanto alternativas de

reestruturação dos sistemas escolares. Apresentamos, por fim, o Programa Escola Plural

enquanto uma proposta de intervenção nas estruturas excludentes da escola,

relacionando-o às recentes discussões sobre educação inclusiva.

O quarto capítulo é destinado à apresentação da experiência de Belo

Horizonte/MG. Nele expomos um breve histórico sobre o atendimento educacional

prestado às pessoas com deficiência pelo poder público Municipal e introduzimos a

questão da educação de pessoas com deficiência nas escolas regidas pelo Programa

Escola Plural. Nos itens subseqüentes do mesmo capítulo, desenvolvemos reflexões

sobre diversas temáticas que surgiram da análise do discurso dos professores

entrevistados em uma escola de cada uma das nove regionais do Município.

A construção dos textos contendo a análise do discurso dos professores em torno

das estratégias criadas pelas escolas, para intervir, pedagogicamente, no atendimento à

diversidade dos alunos, representou um grande desafio. Procuramos, na medida do

possível, cercar nosso olhar de muito “cuidado, porque a intenção não é melhor

controlar e classificar, mas sim melhor compreender e interagir,” conforme nos alerta

Esteban (2003, p. 32).

Para a abordagem das temáticas em questão, consultamos diversos autores,

alguns diferentes daqueles até então apresentados. Assim, para as discussões sobre a

temática “Projeto político pedagógico e trabalho coletivo: limites e possibilidades”

utilizamos, principalmente, as contribuições de Bussman (1995), Veiga (1995, 2003),

Arroyo (2000a), Alves (2001) e Cabonell (2002). A temática “Aprendizagem,

desenvolvimento e enturmação” foi analisada com base nos estudos de Braga (1995),

Mantoan (1997), Silva (1999/2000), Vygotsky (2001), L.Marques (2001a), Sampaio

(2001, 2002) entre outros. No item “Avaliação: entre a emancipação e o controle”

buscamos compreender os sentidos regulatórios e emancipatórios envolvidos nos

mecanismos avaliativos com o auxílio das discussões suscitadas por Esteban (2000,

2001, 2002, 2003), Soares (2002), Luckesi (2002), Hoffmann (2004) entre outros. Em

“Estratégias de acolhimento e intervenção pedagógica” as discussões foram

desenvolvidas com base nas contribuições de Sampaio (2001), Mantoan (2002b), Santos

(2002) e Skliar (2002). Já o último item, que discute o tema “Professores: seus saberes e

sua formação”, contou com as contribuições teóricas de Tardif (2000, 2002), Arroyo

(2002, 2004), Mazzeu (1998), Certeau (2002), entre outros.

Nas considerações finais, retomamos algumas das principais questões abordadas

ao longo das análises, com a intenção de manter aberto o debate e fomentar novas

investigações.

Enfim, procuramos familiarizar-nos com as discussões sobre diversos temas

relacionados à questão da educação inclusiva, na tentativa de compor uma rede teórica

ampla, que nos permita compreender melhor o atual estágio dos processos educacionais,

a fim de contribuir para a concretização da tão citada – e tão pouco encontrada – escola

de qualidade para todos.

1 INVESTIGANDO...

Reflexões sobre a opção metodológica que melhor atenderia aos nossos

objetivos de pesquisa apontaram a Análise de Discurso (AD) como estratégia mais

adequada, pelo fato de nosso objeto de estudo estar relacionado aos sentidos atribuídos

pelos professores à sua prática pedagógica, expressos por seu discurso.

Sem que haja qualquer pretensão de nos tornarmos analistas de discurso no curto

espaço de tempo destinado à presente pesquisa, encontramos, nos textos de Orlandi

(2001, 2003), indicações de que os sentidos que buscamos compreender não estavam só

nas palavras ou nos textos, mas na relação destes com as condições em que foram

produzidos.

Neste caso, o uso do termo discurso teve como base a noção de linguagem em

interação, considerando que a relação estabelecida entre os interlocutores e sua história,

assim como as condições de produção, são constitutivas da significação do que se diz.

Neste sentido, “a relação com a linguagem não é jamais inocente, não é uma relação

com as evidências” (ORLANDI, 2003, p. 95).

Visando alcançar a compreensão dos diversos processos constitutivos dos

sentidos em um texto, a AD apresenta-se, ao mesmo tempo, como articulação e

superação crítica de três regiões do conhecimento científico: a Lingüística, o Marxismo

e a Psicanálise (ORLANDI, 2003).

Mantendo certa distinção entre o lingüístico e o discursivo, a teoria da Análise

de Discurso considera a língua e suas regras fonológicas, morfológicas e sintáticas

enquanto “condições materiais de base sobre as quais se desenvolvem os processos

discursivos” (ORLANDI, 2001, p. 110), dialogando, sempre que necessário, com as

teorias dos mecanismos sintáxicos e dos processos de enunciação, próprias da

Lingüística.

A Análise de Discurso também pressupõe a determinação histórica dos

processos de significação a partir de noções do materialismo histórico, articulando ainda

a noção de ideologia, cuja principal fonte são os trabalhos de Michel Foucault. Essa área

do conhecimento contribuiu, pois, com a noção de que todo discurso deriva da relação

com uma exterioridade que pode ser chamada de condições de produção. Segundo

Orlandi (2001, p. 218), tais condições de produção incluem “tanto fatores da situação

imediata ou situação de enunciação (contexto de situação, no sentido estrito) como os

fatores do contexto sócio-histórico, ideológico (que é o contexto de situação, no sentido

lato).”

Essas regiões do conhecimento científico também são atravessadas por uma

concepção do sujeito de natureza psicanalítica. Tal princípio relativiza a noção de

sujeito, na medida em que não pressupõe “nem um sujeito absolutamente dono de si,

nem um sujeito totalmente determinado pelo que lhe vem de fora” (ORLANDI, 2001,

p. 189). Tal relativização não é absoluta, visto que o fato de assumirmos papéis e

discursos diferentes quando falamos em situações diferentes, com pessoas diferentes,

não faz com que mudemos completamente nosso discurso nem nos transformemos em

outros, perdendo nossa identidade em cada nova relação de linguagem. O que ocorre,

nas diferentes relações, é uma modulação do nosso discurso e identidade.

Associada à questão da modulação do discurso está a noção de antecipação,

segundo a qual o sujeito tem a capacidade de regular sua argumentação a partir de uma

previsão dos efeitos que ele pensa produzir em seu interlocutor. Esse jogo imaginário

também contribui para a constituição das condições em que o discurso se produz.

Apesar de ser capaz de uma certa modulação e antecipação de seu discurso, o

sujeito – interpelado pela língua, pela história e pela ideologia – tem acesso a apenas

uma parte do que diz. Isso porque “o sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem

acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele” (ORLANDI,

2003, p. 32).

O interdiscurso ou memória discursiva faz parte da produção do discurso.

Através dele, são disponibilizados sentidos já ditos por alguém, formulações feitas e já

esquecidas, que estão na base do dizível e afetam o modo como o sujeito significa em

uma dada situação discursiva. O esquecimento dessas formulações é chamado

esquecimento ideológico e é por meio dele que “temos a ilusão de sermos a origem do

que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos preexistentes” (ORLANDI,

2003, p. 35).

As palavras mudam de sentido de acordo com as posições daqueles que as

empregam, ou seja, seu sentido deriva das formações discursivas em que se inscrevem.

Deste modo, os sentidos sempre são determinados ideologicamente, não existindo

sentidos literais. “Por definição, todos os sentidos são possíveis e, em certas condições

de produção, há a dominância de um deles” (ORLANDI, 2001, p. 144, grifo da autora).

No procedimento de análise faz-se, pois, necessário remeter os textos

disponíveis ao discurso e esclarecer as relações deste com as formações discursivas.

Para a Análise de Discurso, nenhuma formação discursiva deriva diretamente do sujeito,

visto que não são somente as intenções deste que determinam o dizer. Há sempre uma

articulação entre a intenção do sujeito e as convenções sociais.

Vale ressaltar que diversas formações discursivas podem, segundo Orlandi

(2001), atravessar um mesmo texto, organizando se em função de uma formação

discursiva dominante. Toda formação discursiva, por sua vez, se caracteriza pela relação

com a formação ideológica, que pode ser caracterizada como

um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais mas se reportam, mais ou menos diretamente, às posições de classe em conflito umas com as outras. Dessas formações ideológicas, fazem parte, enquanto componentes, uma ou mais formações discursivas interligadas. Segundo essas considerações, a relação entre as condições sócio-históricas e as significações de um texto é constitutiva e não secundária (ORLANDI, 3001, p. 27, grifos da autora).

Levando-se em conta tais mecanismos de funcionamento da linguagem, a AD

pretende, para além das evidências, “ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não

diz, mas que constitui igualmente o sentido de suas palavras” (ORLANDI, 2003, p. 59).

Os analistas de discurso procuram, a partir do dito e de suas condições de produção,

delinear as margens do não-dito que se mostrem relevantes para a situação significativa

em análise.

Nesse sentido, o silêncio – que pode ser fundador, constitutivo ou local –

também significa. De acordo com Orlandi (2003), há todo um espaço de interpretação

entre o dizer e o não dizer no qual o sujeito se move. A análise, baseada nos conceitos

discursivos e em seus procedimentos de análise, busca dar visibilidade a esse espaço.

Recorrendo aos princípios acima expostos, buscamos construir um dispositivo

analítico que nos auxiliasse a compreender os sentidos que os(as) professores(as),

coordenadores(as) pedagógicos(as), diretores(as) e vice-diretores(as) de uma escola de

ensino fundamental de cada uma das nove regionais da Rede Municipal de Educação de

Belo Horizonte/MG atribuíam aos princípios do Programa Escola Plural, à inclusão e à

relação desses com a inserção de crianças com deficiência em classes comuns.

Iniciamos o trabalho de análise pela configuração do corpus discursivo e pela

demarcação de seus limites através de recortes, num movimento constante de ir-e-vir

entre a teoria e o corpus. Dessa forma procuramos, em cada discurso, os gestos de

interpretação, explicitando o modo de produção de sentidos.

Vale ressaltar que, para a Análise de Discurso, não se tomam os textos – ou, no

caso, os relatórios das visitas, as situações de entrevista e suas transcrições ou as

respostas aos formulários – como pontos de partida ou de chegada absolutos. Esses são,

apenas, “uma peça de linguagem de um processo discursivo bem mais abrangente”

(ORLANDI, 2003, p. 72), unidades que individualizam um conjunto de relações

significativas, resultantes de uma complexa articulação linguístico-histórica.

Textos e sujeitos são, necessariamente, marcados pela incompletude, pela

dispersão e pela heterogeneidade, pois são afetados por distintas formações discursivas

e por diferentes posições do sujeito. Assim sendo, o processo de produção de sentidos

está sujeito ao deslize, havendo sempre um “outro” possível que o constitui.

Há, em qualquer discurso, uma constante tensão entre os chamados processos

parafrásticos e os processos polissêmicos. A paráfrase representa tudo aquilo que já foi

dito, que se mantém, a produtividade, o mesmo, resgatado pela memória discursiva.

Regida pelo processo parafrástico, a produtividade nos mantém numa constante

(re)elaboração de variedades do mesmo. Nas palavras de Renato Russo (1986), “sei que,

às vezes, uso palavras repetidas, mas quais são as palavras que nunca são ditas?”

Decorre daí a idéia de que a paráfrase é a matriz do sentido, “pois não há sentido sem

repetição” (ORLANDI, 2003, p. 38).

Por outro lado, o que temos na polissemia é o jogo com o equívoco. Ela desloca

o “mesmo” e aponta para a ruptura de processos de significação, constituindo o espaço

da criatividade. Segundo Orlandi (2001), paráfrase e polissemia são processos

igualmente atuantes e determinantes para o funcionamento da linguagem, pois se não

houvesse possibilidades de o sentido ser múltiplo, não haveria necessidade de dizer.

No caso do discurso pedagógico (DP), objeto de nossas análises, predomina o

que poderíamos chamar de polissemia contida. Nesse tipo de discurso, de caráter

autoritário, a participação dos interlocutores é reduzida e, freqüentemente, eliminada.

Em relação à escola, além da seleção que decide, de antemão, quem está ou não em

condições de fazer parte dela, existe um processo interno que não é o da simples

exclusão, mas de dominação do outro (ORLANDI, 2001).

Para a AD, através do caráter autoritário do discurso pedagógico, o professor

busca manter-se numa posição de poder e autoridade. Nesse sentido, ensinar aparece

como inculcação de questões que, apesar de seu caráter fortuito e ocasional, são

imperativamente assumidas como necessárias e legítimas. Há, pois, um constante jogo

ideológico produzindo a “dissimulação dos efeitos de sentido sob a forma de

informação, de um sentido único, e na ilusão discursiva dos sujeitos de serem a origem

de seus próprios discursos” (ORLANDI, 2001, p. 32).

O fato de estar vinculado à instituição escolar mantém o discurso pedagógico

em seu caráter autoritário e circular, visto que, à medida que assume como modelos

obrigatórios as convenções pelas quais a escola atua, tal discurso se garante,

consolidando a instituição em que se origina e para a qual tende. No espaço escolar,

dizer e saber se equivalem. Assim sendo, “o professor é institucional e idealmente

aquele que possui o saber e está na escola para ensinar; o aluno é aquele que não sabe e

está na escola para aprender” (ORLANDI, 2001, p. 31).

De acordo com Orlandi (2001, p. 35), para promover rompimentos com a

circularidade do discurso autoritário, próprio da instituição escolar, faz-se necessário, de

um lado

questionar os implícitos, os locutores, o conteúdo, a finalidade, o sentido dado ao ensino pelo DP do poder e, de outro, fazer a mesma coisa com o discurso que nós reproduzimos internamente no trabalho pedagógico. Isto é, questionar as condições de produção desses discursos.

As possibilidades de crítica encontram-se, então, na contestação do caráter

informativo e da neutralidade do discurso pedagógico, buscando explicitar suas

contradições e atingir seus efeitos de sentido. Isso porque é através dos implícitos que

informações aparecem como predeterminadas, não deixando espaço para que se

explicitem as articulações necessariamente existentes entre o discurso e o seu contexto

histórico-social.

Foi esse tipo de questionamento que buscamos promover ao longo das análises,

tendo sempre em mente que, enquanto participantes e mantenedores da instituição

escola, estamos igualmente sujeitos à reprodução desse discurso autoritário, ainda que

tenhamos a intenção de problematizar nossa atuação.

Para a construção do presente estudo, durante as visitas às escolas, utilizamos

observações de campo e relatórios, entrevistas coletivas semi-estruturadas – que foram

gravadas e transcritas – além de formulários com informações básicas sobre a escola

(ANEXO A), sobre os profissionais entrevistados (ANEXO B) e sobre a comunidade

atendida (ANEXO C).

Em cada escola pesquisada entrevistamos um número variável de profissionais,

perfazendo um total de trinta e cinco participantes5, dentre eles:

- nove coordenadores(as) pedagógicos;

- vinte e três professores(as) em cuja sala de aula havia, no mínimo, uma

criança com deficiência;

- dois(duas) diretores(as);

- um(a) vice-diretor(a);

Para fins do presente trabalho, deste ponto em diante nomeamos os profissionais

acima especificados de professor(es) e omitimos seu nome verídico, a fim de

resguardar-lhes o anonimato, em conformidade com acordos estabelecidos junto aos

mesmos.

Além disso, nos relatos sobre experiências junto a crianças com deficiência, não

fizemos referências a seus nomes verídicos ou realizamos distinções de gênero.

Optamos pelo masculino e pela caracterização geral do tipo de deficiência descrito pelos

entrevistados. Quando necessário, utilizamos pseudônimos.

A fim de ter acesso a diferentes experiências sociais e organizacionais,

selecionamos uma escola de ensino fundamental em cada uma das nove regiões

administrativas, destacadas em cores diferentes no mapa do município de Belo

Horizonte/MG (ANEXO D). A seleção dessas escolas obedeceu a dois critérios básicos:

a) inserção de, no mínimo, uma criança com deficiência em sala de aula

comum, no turno pesquisado;

b) autorização dos professores para o registro da(s) entrevista(s) em áudio,

visando à posterior transcrição.

5 Este número refere-se aos participantes de entrevistas gravadas e transcritas. As conversas telefônicas e informais, não registradas em meio magnético, não foram contabilizadas.

A abordagem de cada uma das nove escolas ocorreu de forma variável.

Inicialmente, de posse da listagem com nome, telefone e endereço das nove Gerências

Regionais de Educação (GERED) e de suas respectivas escolas, tentamos,

aleatoriamente, um contato telefônico com os(as) diretores(as).

Uma segunda estratégia foi a busca da intermediação do Centro de

Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação (CAPE) para o contato com escolas que

tivessem alguma experiência de trabalho junto a crianças com deficiência. Uma terceira

estratégia foi o contato com profissionais que, até então, atendiam os alunos com

deficiência em salas de recursos vinculadas à Rede Municipal de Educação e com

profissionais que atendiam a estudantes com deficiência motora no Hospital do

Aparelho Locomotor Sarah Kubitschek6 – Belo Horizonte. Através desses contatos

obtivemos inúmeras sugestões de escolas que, além de trabalharem há pelo menos um

ano junto a crianças com deficiência, foram caracterizadas como instituições abertas ao

aperfeiçoamento organizacional visando a um melhor atendimento às necessidades

educacionais de seus alunos.

As visitas às escolas se estenderam de março a novembro de 2004.

Transcrevemos um total aproximado de dezessete horas de entrevistas coletivas que,

associadas às observações registradas nos relatórios de campo, às informações dos

formulários e às teorias que nos ofereceram suporte, constituíram o corpus discursivo

objeto de nossa análise.

A gravação das entrevistas coletivas foi efetuada mediante a assinatura de

consentimento (ANEXO E) pelo(a) diretor(a) ou vice-diretor(a) das escolas envolvidas

e mediante a garantia do nosso compromisso (ANEXO F) de não divulgação das fitas

fora do ambiente acadêmico e de não identificação nominal das instituições escolares ou

dos professores entrevistados nos relatórios de pesquisa.

Em geral, a abordagem das temáticas foi feita na forma de debates e relatos de

experiências em pequenos grupos. No decorrer das entrevistas, procuramos nos manter

numa função mediadora, introduzindo algumas questões norteadoras de interesse para a

pesquisa (ANEXO G), incentivando a participação de todos os envolvidos. Cientes da

6 A Rede Sarah de Hospitais do Aparelho Locomotor é uma rede de hospitais públicos, que presta serviços de ortopedia e de reabilitação. Na ocasião, era constituída por seis unidades hospitalares localizadas em Brasília (DF), Salvador (BA), São Luís (MA), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE) e Rio de Janeiro (RJ). O atendimento pedagógico era realizado por pedagogos hospitalares, professores de artes e de educação física (LOUREIRO, 2002).

impossibilidade de um pesquisador alcançar um completo distanciamento com relação

ao seu objeto de pesquisa, procuramos evitar a manifestação de opiniões pessoais, para

que elas não interferissem, demasiadamente, no discurso dos professores, tendo em vista

que, através do mecanismo de antecipação, os sujeitos tentam prever o sentido que suas

palavras produzirão em seu interlocutor e buscam, segundo Orlandi (2003), regular sua

argumentação e seu modo de dizer, de acordo com o efeito que pensam produzir em seu

ouvinte.

1.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS PESQUISADAS

Nos próximos itens, fizemos uma breve descrição das principais informações

obtidas – através de observações de campo e entrevistas – sobre cada uma das nove

unidades escolares pesquisadas no que tange à sua estrutura física e material, aos

aspectos sócio-econômicos relativos à comunidade e bairros atendidos, às principais

iniciativas em torno da organização do trabalho escolar, em nível de formação inicial e

continuada dos professores entrevistados e, por fim, às características das crianças com

deficiência atendidas no turno pesquisado.

Substituímos o nome verídico de todas as escolas pelo nome próprio de

renomadas escritoras brasileiras, a fim de que lhes fosse resguardado o anonimato.

Optamos ainda por suprimir o nome de projetos elaborados pelos professores e que,

porventura, pudessem contribuir para a identificação das instituições pesquisadas.

1.1.1 Escola Municipal Adélia Prado

Localizada num bairro de classe sócio-econômica média, a Escola Municipal

Adélia Prado contava com serviços de água potável, esgoto, eletricidade, telefones

públicos e particulares, entre outros. A região dispunha de uma ampla variedade de

linhas de transporte coletivo e de um variado comércio de pequeno e grande porte.

Na ocasião da visita, esta escola que havia sido recentemente reformada e

pintada em tons alegres, promovia um trabalho de conscientização dos alunos em torno

da conservação de seus espaços de convivência até então depredados e pichados.

De acordo com o professor entrevistado, há alguns anos os alunos provenientes

do próprio bairro evadiram da Escola Municipal Adélia Prado e passaram a buscar

estabelecimentos particulares de ensino visto que, após a implantação da Escola Plural,

a escola passou a atender aos jovens provenientes de diversas favelas e aglomerados da

cidade. Esse fato mostrou-se de grande relevância para a reconstituição da identidade da

escola e de seus professores.

A distribuição dos professores pelas turmas era feita por disciplinas. No turno

pesquisado, funcionavam dez turmas que atendiam alunos na faixa etária de doze a

quinze anos, além de alguns que ultrapassavam essa faixa. Cinco alunos com deficiência

auditiva estavam matriculados em uma turma comum de oitava série7 e assistiam às

aulas junto com alunos ouvintes, com o apoio de um intérprete de Língua Brasileira de

Sinais (LIBRAS).

Tais alunos foram inseridos em uma turma menor, descrita como mais tranqüila,

objetivando garantir melhor qualidade da atenção a eles dispensada. Segundo relatos,

grande parte dos colegas que estudava junto com alunos com deficiência auditiva

aprendeu a se comunicar com eles por sinais. Aos professores foram oferecidos cursos

de LIBRAS por parte da Prefeitura, em turno oposto ao de trabalho, entretanto, devido à

jornada dupla de trabalho e contando com o apoio constante dos intérpretes, a maioria

dos professores das classes comuns não aderiu a esse tipo de formação.

O professor entrevistado, com formação em nível superior, tinha dez anos de

exercício do magistério, tempo coincidente com sua experiência no trabalho junto a

alunos com deficiência auditiva. Teve, em sua formação continuada, oportunidades de

assistir a palestras, ler livros, freqüentar curso de capacitação oferecido pelo CAPE,

além de conversar com fonoaudiólogos e professores da sala de recursos responsáveis

pelo acompanhamento dos alunos com deficiência auditiva inseridos na escola.

Um coordenador pedagógico era responsável pela organização geral do turno e

pelo atendimento aos professores, pais e alunos. Os professores cumpriam sua carga

horária em sala e, em seus quatro horários de projeto, realizavam planejamentos ou se

revezavam em escalas para substituição de professores faltosos.

Na tentativa de reduzir os conflitos gerados pelas dificuldades em conciliar o

comportamento dos alunos provenientes das favelas e aglomerados às expectativas da

escola, há cerca de três anos havia sido adotada, por todos os professores do turno, a

dinâmica de oficinas pedagógicas oferecidas uma vez por semana, nos dois últimos

7 O uso do termo “série” ao invés de “ano do ciclo” reflete a opção adotada pelos entrevistados.

horários. Todos os professores participavam no horário de tais oficinas, oferecendo

atividades variadas e auxiliando na redistribuição dos alunos em grupos menores. Havia

oficinas de origami, informática, bijuterias, culinária, esportes, xadrez, Português,

Matemática, entre outras.

A distribuição dos alunos pelas oficinas era determinada pelos professores,

objetivando promover a socialização entre estudantes de diferentes turmas da mesma

faixa etária, enquanto os alunos mais fracos são encaminhados prás oficinas de

Português e de Matemática. Quando eles já adquiriram aquele básico que a gente

queria, aí eles vão prás outras oficinas (fala de professor). Segundo relatos, à medida

que estreitavam os laços de convivência durante atividades mais agradáveis e

interessantes, melhorava também a disciplina e o relacionamento entre professores e

alunos no cotidiano das salas de aula.

A enturmação dos estudantes, além de ocorrer pelo princípio da idade

cronológica, obedecia ao critério do domínio de conteúdos. Havia sido adotado o

sistema de progressão continuada da sexta à oitava série, com possibilidade de retenção8

na passagem da oitava série para o segundo grau.

Os alunos com deficiência auditiva provinham de escolas especiais, nas quais

aprenderam LIBRAS antes de serem inseridos em turmas comuns. Na ocasião da

entrevista contavam ainda com um atendimento paralelo feito pelos profissionais da sala

de recursos. Dos cinco alunos matriculados no turno pesquisado, três eram alfabetizados

e, segundo avaliação da escola, dois apresentavam maiores dificuldades no processo de

desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita e necessitavam permanecer mais

tempo na oitava série.

Ainda quanto à organização, uma vez por semana ocorriam as reuniões

pedagógicas, cuja pauta era definida pelos professores junto à coordenação pedagógica

e à direção. Na ocasião da visita, estudos e debates vinham sendo realizados em torno

da construção e redação do projeto político-pedagógico da escola que, segundo relatos,

estava permanentemente em construção.

Por fim, a ênfase de tal projeto era a demanda pela inclusão que envolvia não só

a questão do atendimento a alunos com deficiência, mas, principalmente, àqueles

provenientes das favelas e aglomerados cuja marcante diferença de hábitos e

comportamentos com relação às expectativas da escola vinha gerando uma série de

conflitos.

1.1.2 Escola Municipal Ana Maria Machado

Em dois momentos distintos, a Escola Municipal Ana Maria Machado nos foi

indicada como instituição avançada em termos de flexibilidade, organização coletiva e

experiência no que tangia à inserção de crianças com deficiência em turmas comuns.

A escola estava instalada num prédio novo, construído em estrutura pré-

fabricada, tendo a acessibilidade aos principais espaços garantida por rampas e

banheiros adaptados. A área disponível para recreação era ampla, pois, além do pátio

coberto, onde eram feitas a entrada e as apresentações artísticas, havia uma área

descoberta e uma quadra.

Estava localizada numa rua asfaltada, num bairro residencial de nível sócio-

econômico predominantemente baixo, cuja atividade econômica era, basicamente, o

comércio de pequeno porte. De acordo com levantamento feito pela escola no ano

anterior, cerca de quarenta e sete por cento dos pais ou responsáveis pelos estudantes

estavam desempregados ou trabalhavam no mercado informal. A região era muito bem

servida por diversas linhas de transporte coletivo e tinha água potável, esgoto, rede

elétrica, telefones públicos e particulares.

O prédio ocupava uma extensa área e dispunha de doze salas de aula, biblioteca,

estacionamento, laboratório, cantina, uma pequena lanchonete para comercialização de

merenda, pátio, quadra, uma sala reservada para a instalação de computadores, salas de

audiovisual, de professores, de direção, de coordenação pedagógica, de secretaria, entre

outros espaços.

No turno pesquisado, eram atendidos alunos na faixa etária entre seis e oito anos,

sendo cinco deles com deficiência: um com síndrome de Down, dois com visão

subnormal e outros dois alunos sem laudo definido e que, segundo seus professores,

apresentavam deficiência mental ou múltipla.

Dentre os professores que participaram das entrevistas, um cursou o Normal

Superior e os demais possuíam diploma de curso superior em áreas variadas. O tempo

8 Os profissionais atuantes na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte costumam utilizar o termo “retenção” ao invés de “reprovação”.

de experiência dos mesmos no exercício do Magistério variava de quatro a quinze anos,

enquanto a atuação junto a crianças com deficiência variava de dois meses – caso de um

professor recém-admitido – a três anos.

Entre os dezoito professores lotados na escola foram eleitos dois coordenadores,

responsáveis pela organização pedagógica. Em geral, os professores se organizavam em

quartetos, sendo um professor-referência por turma e um professor itinerante que

passava por três turmas. A distribuição das disciplinas curriculares variava de um

quarteto para outro. Em alguns casos, o professor-itinerante trabalhava com Educação

Artística, enquanto outro trabalhava com projetos variados, envolvendo, por exemplo,

questões ecológicas.

Para a organização das turmas era utilizada a prática dos remanejamentos

efetuados a partir de observações e avaliações que cada professor realizava junto à sua

turma nos primeiros meses de aula. Após a discussão de tais resultados, buscava-se a

reorganização dos alunos em grupos mais “homogêneos”. Quanto às crianças com

deficiência, houve critérios diferentes de acordo com as “limitações” identificadas. No

caso das crianças cuja dificuldade estava restrita à visão subnormal, diante da

expectativa em torno de possível aprendizagem, houve o remanejamento para outra

turma. As crianças cuja dificuldade envolvia a deficiência mental foram mantidas em

suas salas originais, devido à ênfase na questão da socialização com os pares e à baixa

expectativa com relação às suas possibilidades de aprendizagem.

Foram relatadas diversas estratégias para o atendimento paralelo de alunos que,

segundo diagnóstico da escola, apresentavam dificuldades de aprendizagem. Uma delas

era a organização de uma escala de horários para que um psicopedagogo atendesse a

esses alunos, individualmente ou em pequenos grupos, no horário de aula, fora de suas

salas de origem.

Nessa mesma direção, um projeto de intervenção previa a reorganização dos

alunos para o trabalho de alfabetização, duas vezes por semana, durante uma hora.

Neste projeto, os dois coordenadores pedagógicos selecionavam, em cada turma, os

alunos que destoavam da média geral de habilidades e formavam grupos distintos para

atendimento paralelo: um primeiro, composto por alunos que ainda nem conhecem

letras, um outro grupo composto por alunos que já lêem, mas estão em sala de meninos

que não são leitores (falas de professores), enquanto os demais alunos permaneciam em

sala com seus respectivos professores. Existia ainda uma proposta de atendimento às

crianças com deficiência, uma vez por semana, pelo professor de Educação Artística.

Objetivando à reestruturação curricular, os professores se organizavam em

grupos de quatro pessoas, responsáveis pelo estudo, seleção e programação de

conteúdos, atividades e projetos de diversas áreas do conhecimento, posteriormente

expostos e avaliados por todo o coletivo. O encontro dos professores ocorria,

semanalmente, em um de seus horários de planejamento. A meta era trabalhar os

conceitos básicos de cada área através de projetos, propiciando uma participação mais

ativa dos alunos e evitando que a ênfase das intervenções recaísse apenas no Português

e na Matemática.

Dando seqüência a tais planejamentos, antes das reuniões pedagógicas todas as

turmas eram reunidas no pátio da escola e, a cada semana, uma turma apresentava às

demais alguma atividade que tivesse sido realizada em sala. Tal horário também era

destinado a apresentações culturais, gincanas, abertura ou finalização de projetos etc.

Quanto à relação da escola com a comunidade local, havia propostas variadas.

Uma delas era a elaboração de uma cartilha, expondo a proposta pedagógica da escola

aos pais, para que fosse analisada e discutida. Havia também um Centro Cultural,

composto por alguns membros da escola e por uma maioria da comunidade, que

promovia atividades diversas aos finais de semana, como oficinas – de balé, circo,

teatro, capoeira, bordado, bijuteria etc – escolinha de futebol, apresentações culturais,

além de debates mensais sobre temas de interesse da comunidade, finalizados com a

confraternização dos presentes em lanches compartilhados.

1.1.3 Escola Municipal Bárbara Heliodora

A Escola Municipal Bárbara Heliodora estava localizada em uma ampla avenida

asfaltada, no ponto central de um bairro residencial, cujo nível sócio-econômico era

predominantemente baixo, com pequenas áreas de favela. A principal atividade

econômica da região era o comércio e a população local era bem servida de linhas de

ônibus. Contava com cerca de sete estabelecimentos públicos de ensino fundamental,

além de pequenos estabelecimentos particulares de Educação Infantil.

Havia posto de saúde, agência dos Correios, posto policial, telefones públicos e

particulares, serviços de água e eletricidade disponíveis no bairro, mas o esgoto da

escola ainda era armazenado em fossas.

O prédio da escola apresentava-se bem conservado e limpo. No bloco principal

havia salas de aula, de audiovisual, de direção, de secretaria e de coordenação

pedagógica. Num bloco anexo funcionavam outras salas de aula, laboratório,

brinquedoteca e biblioteca. Devido à inserção de crianças com deficiência física, os

banheiros foram adaptados e a quadra da escola havia sido recentemente reformada,

visando à construção de uma rampa para facilitar-lhe o acesso, antes feito por escadas.

Segundo relatos, a realização de atividades ao ar livre em períodos de chuva ou de sol

intenso era prejudicada pelo fato de a quadra e de o pátio serem descobertos, por isso, a

cobertura da quadra foi uma das prioridades estabelecidas para a aplicação de verbas

recebidas pela escola no ano de 2004.

As treze turmas que funcionavam no turno pesquisado atendiam alunos entre

seis e oito anos. Para o atendimento a essa faixa etária era adotado o sistema de um

professor-referência – responsável pelos conteúdos de Português, Matemática, História,

Geografia e Ciências – por turma, além de professores-apoio que transitavam por

diversas salas com atividades de Literatura, Educação Artística e Educação Física.

Durante as entrevistas foram relatadas experiências junto a três alunos com

deficiência, sendo dois com síndrome de Down e um com mielomeningocele. Também

foram relatadas situações, envolvendo alunos de outro turno com deficiência ou com

dificuldades de aprendizagem, agrupados em uma “turma-projeto9”.

Assim como nas escolas anteriores, todos os professores entrevistados possuíam

curso superior na área educacional, sendo que dois deles haviam feito especialização em

Psicopedagogia. Sua experiência variava de quatorze a vinte e oito anos de exercício do

magistério, sendo que a atuação junto a crianças com deficiência variava entre cinco

anos e um ano e meio.

Nessa escola a troca informal de experiências entre colegas de serviço havia sido

apontada enquanto tática emergencial na construção de mecanismos para atendimento

9 A partir do discurso dos professores entrevistados podemos entender por “turma-projeto” ou “turma de projeto” uma modalidade de atendimento adotada nas escolas Rede Municipal de Belo Horizonte com vistas a agrupar alunos com dificuldade, com defasagem de conteúdo [...], que não venceram determinadas etapas (E. M. Zélia Gattai) e não são considerados aptos a serem enturmados junto aos demais alunos de sua idade.

aos alunos com deficiência. Palestras realizadas por profissionais do Hospital do

Aparelho Locomotor Sarah Kubitschek – Belo Horizonte, na própria escola e na sede do

hospital, foram apontadas como a iniciativa que melhor atendeu aos anseios de

formação dos professores ainda que tivessem ocorrido em número reduzido.

A participação no Seminário Internacional Sociedade Inclusiva, promovido pela

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e em seminários sobre

inclusão oferecidos pela Secretaria de Educação, além da leitura de livros e pesquisas

via internet foram outras alternativas de formação citadas. Além dessas, dois

professores afirmaram ter cursado uma disciplina em seus cursos de graduação ou

especialização com enfoque específico na questão da deficiência ou das dificuldades de

aprendizagem.

1.1.4 Escola Municipal Cecília Meireles

De acordo com indicações de profissionais da sala de recursos, na ocasião das

entrevistas, a direção da Escola Municipal Cecília Meireles estava buscando

desenvolver uma proposta pedagógica avançada, fato que, associado à presença de

crianças com deficiência, configurou a instituição enquanto campo adequado para nossa

pesquisa.

Instalada num prédio antigo, recentemente reformado, a escola estava localizada

num bairro residencial, de nível sócio-econômico predominantemente baixo, nos limites

da cidade. O aspecto físico da escola era bastante alegre. Logo na entrada, pequenas

estátuas de animais e personagens de contos de fadas enfeitavam uma área gramada.

Havia uma série de brinquedos de estrutura metálica e de alvenaria, como casinhas e

grandes labirintos para as crianças brincarem. Numa construção de tijolos e grandes

portas de madeira encontrava-se a brinquedoteca, recentemente construída.

Apenas uma linha de transporte coletivo atendia diretamente à população da

região onde estava localizada a escola. O bairro era servido de água potável, esgoto,

eletricidade, telefonia pública e particular. A atividade econômica predominante na

região também era o comércio de pequeno porte. Havia um posto de saúde nas

imediações e a escola contava com patrulhamento regular por parte da guarda municipal

e da polícia militar.

O prédio da escola dispunha de doze salas de aula, todas equipadas com

espelhos, uma caixa de brinquedos e outra de livros de literatura infantil. Durante o

recreio, a biblioteca ficava aberta para que as crianças interessadas pudessem ler ou

assistir a filmes ou a desenhos animados exibidos na TV. Alguns espaços como cantina,

banheiros, pátio, quadra, secretaria, sala de professores, coordenação e direção foram ou

estavam sendo reformados e adaptados para oferecer mais praticidade, conforto e

acessibilidade.

No turno pesquisado, eram atendidos alunos de quatro a oito anos, sendo três

deles com deficiência confirmada por laudos médicos: um com paralisia cerebral que

comprometeu parcialmente a visão, o movimento de um de seus membros superiores e

dos dois inferiores, além da fala; um segundo, com paralisia facial associada à

hiperatividade e um outro com diagnóstico impreciso, apresentando dificuldades na fala

e aparente deficiência mental, associada a surtos psicóticos constantes, controlados à

base de medicação. Foi relatado ainda o exemplo de uma criança com suspeita de

autismo e hiperatividade.

Quanto à formação, um dos professores cursou o Normal Superior, a maioria

deles tinha diploma de graduação e dois deles freqüentaram também curso de

especialização. Sua experiência no exercício do Magistério era bastante diversa,

variando de dez a trinta e dois anos, enquanto a atuação profissional junto a crianças

com deficiência variava de um a doze anos. Além disso, um dos entrevistados relatou

experiência de dois anos e meio de trabalho numa Associação de Pais e Amigos dos

Excepcionais (APAE).

O compromisso da direção da escola com a formação continuada dos professores

foi um dos itens ressaltados pelos entrevistados. De acordo com os relatos, uma vez por

mês, durante a reunião pedagógica, era feito um trabalho de formação através de

debates, estudos em grupo ou palestras, cujo foco principal era alfabetização, integrando

a Educação Infantil ao ensino fundamental. Além disso, era comum a liberação de

professores, coordenadores e da própria direção da escola para participação em cursos

externos. Outro dado interessante era o fato de o diretor e vice-diretor da escola terem

artigos sobre Educação Infantil e alfabetização recentemente publicados em revistas

educacionais.

Havia dezesseis professores lotados na escola e dois coordenadores, sendo que

um deles tinha uma carga horária de duas horas em sala, além da função de substituir

professores faltosos. Ao outro cabia a organização pedagógica da escola, além da

substituição de professores em caso de necessidade. Para tais substituições existia,

ainda, um sistema de escala de revezamento entre os professores.

A prática mais adotada com relação à distribuição dos professores entre as

turmas era a do professor-referência, que trabalhava os conteúdos de Português,

Matemática, Natureza e Sociedade, apoiado por um professor que transitava entre as

turmas com atividades de Educação Artística, Música e Movimento.

Para a enturmação das crianças, no início do ano era utilizado o critério da idade

cronológica, associado à tentativa de reduzir a heterogeneidade das turmas através de

arranjos baseados no domínio das habilidades de leitura e escrita.

Também nesta escola foram relatadas algumas estratégias que objetivavam

reduzir o número de crianças que chegavam ao final do primeiro ciclo sem o domínio

das habilidades de leitura e escrita. A principal delas era o reagrupamento dos alunos,

três vezes por semana. Nestas ocasiões, as idades eram misturadas e os alunos

reorganizados de acordo seu nível de alfabetização.

Com relação às crianças com deficiência, tanto no caso daquela que apresentava

surtos psicóticos – e cuja agitação variava ao longo do dia, de acordo com os ciclos de

efeito da medicação que usava – quanto no caso da outra, com paralisia cerebral, havia

sido elaborado um planejamento paralelo, com atividades a serem executadas dentro e

fora de sala, nos horários de aula, sempre acompanhadas por estagiárias.

As reuniões pedagógicas realizadas na escola seguiam um planejamento mensal

a fim de garantir espaços para formação de professores, para o planejamento das ações

coletivas, para discussão de questões administrativas e pedagógicas e para a preparação

das atividades que eram realizadas no pátio em momentos semanais de socialização,

durante os quais se reuniam as turmas, para assistirem a apresentações diversificadas,

como teatros, músicas, leitura de histórias, entre outras.

A relação da Escola Municipal Cecília Meireles com a comunidade constituía-se

por reuniões para apresentação de professores e entrega de relatórios, bem como por

festas em datas comemorativas, ao longo do ano. Um relativo distanciamento era

justificado pelo fato de grande parte dos alunos residirem em bairros distantes.

Dependiam, por isso, de transporte escolar fornecido pela Prefeitura que os

recolhia em pontos estratégicos espalhados por seus bairros de origem. Mesmo o

transporte dos pais nos dias em que era necessária sua presença na escola era feito

através do ônibus fornecido pela Prefeitura, visto que sua situação financeira dificultava

os deslocamentos independentes.

1.1.5 Escola Municipal Lygia Fagundes Telles

Referências sobre a E. M. Lygia Fagundes Telles nos foram fornecidas por

profissionais da sala de recursos, sob a justificativa de que atendiam a um número

considerável de crianças com deficiência – cerca de seis – no turno pesquisado.

Inicialmente constituído de doze salas de aula, o prédio da escola foi sendo ampliado

aos poucos, atingindo a capacidade para atender a vinte turmas. Devido a tais

ampliações, algumas reformas estavam sendo executadas na ocasião da pesquisa,

visando à readaptação de espaços como cantina, sala de professores, banheiros, pátio e

estacionamento proporcional ao número de alunos e professores. A quadra estava sendo

coberta e pudemos perceber que uma rampa, instalada ao lado dos degraus da escada, na

entrada da escola, tinha passado a fazer parte do cenário há pouco tempo,

provavelmente refletindo as recentes discussões sobre acessibilidade.

A E.M. Lygia Fagundes Telles estava localizada num bairro residencial de nível

sócio-econômico predominantemente baixo, cuja principal atividade econômica era o

comércio de pequeno porte. Nos arredores havia ruas calçadas e, em sua maioria,

asfaltadas. Havia serviços de água, esgoto, eletricidade, telefones públicos e

particulares, um posto de saúde que funcionava no quarteirão da escola e, pelo menos,

três linhas de transporte coletivo que serviam à população do bairro.

Além das vinte salas de aula e dos espaços já mencionados, a escola contava

com biblioteca, parquinho, sala de multimeios com TV e vídeo, horta, salas de direção,

secretaria e coordenação pedagógica, dentre outros ambientes.

Os trinta e dois professores que trabalhavam no turno pesquisado atendiam a

crianças na faixa etária compreendida entre cinco e doze anos, sendo que seis

apresentavam algum tipo de deficiência. Durante a entrevista foram citadas experiências

junto a algumas delas: uma criança com deficiência auditiva, duas com paralisia

cerebral, uma com visão subnormal e uma com síndrome de Down.

Além disso, foram relatados exemplos de alunos que, mesmo não apresentando

“déficits reais”10, desafiavam, diariamente, a competência da escola.

Entre os entrevistados, o exercício do magistério variava de dezoito a trinta anos,

ao passo que a atuação da maioria dos professores junto a crianças com deficiência era

de cerca de cinco anos. Quanto à formação inicial, um dos professores cursava o

Normal Superior, enquanto os demais possuíam diploma de curso superior.

Um dos professores entrevistados citou ainda um curso de especialização que fez

como alternativa para formação continuada. Também foram citados grupos de estudo

anteriormente organizados na escola, troca informal de experiências entre os colegas,

participação em palestras, em seminários promovidos pela PUC-Minas, em cursos

oferecidos pelo CAPE e pelo setor de Coordenação de Política Pedagógica da Secretaria

Municipal de Educação (CPP), além de acesso a orientações fornecidas por relatórios

médicos e por entidades que atendiam externamente as crianças com deficiência, como

a sala de recursos, o Hospital do Aparelho Locomotor Sarah Kubitschek, o Instituto São

Rafael e uma associação de apoio a pessoas com deficiência visual que visitava a escola

uma vez ao mês.

A organização dos professores na E. M. Lygia Fagundes Telles era bem variada,

de acordo com o número de turmas em cada ciclo. No primeiro ciclo havia sido adotada

a prática de um professor-referência por turma, responsável pelos conteúdos do

Português e da Matemática, apoiado por professores que transitavam com conteúdos de

outras disciplinas – como Geo-História e Ciências. No segundo ciclo, a organização era

feita em trios, sendo que um professor trabalhava os conteúdos de Português, outra os

de Matemática e uma terceira os de Geo-história e Ciências, em duas turmas. Havia,

ainda quatro turmas nomeadas de 4ª série pelas quais passavam diversos professores,

cada um com uma disciplina.

A enturmação oficial dos alunos havia sido feita pela idade cronológica e, ao

longo dos últimos dois anos, vinha sendo efetuada uma reenturmação por habilidades

durante uma hora por dia, objetivando à formação de grupos supostamente mais

homogêneos para o trabalho de alfabetização. Assim sendo, de segunda a sexta-feira,

tanto os alunos do primeiro quanto os do segundo ciclo eram reagrupados nos níveis

avaliados como inicial, intermediário 1, intermediário 2 e avançado.

10 De acordo com Mantoan (1997), os déficits reais são aqueles gerados por lesões orgânicas instaladas,

Algumas vezes, a enturmação das crianças com deficiência seguia outros

critérios. Um dos exemplos citados era o de um aluno com doze anos que havia sido

enturmado no início do ciclo junto com alunos de sete e oito anos que estariam no início

do processo de alfabetização.

1.1.6 Escola Municipal Maria Adelaide Amaral

Um minucioso histórico organizado pelo GAME/UFMG (DALBEN, 2000),

relata que a Escola Municipal Maria Adelaide Amaral funcionou por vários anos em

locais provisórios que ofereciam condições precárias, só alcançando a construção do

prédio definitivo por meio de intensa articulação e mobilizações constantes dos

professores e da comunidade local junto à Prefeitura.

Na ocasião de nossas visitas, a escola era cercada por muros altos com cacos de

vidro e arame farpado. Estava situada nas proximidades de um dos aglomerados da

Região Metropolitana de Belo Horizonte, num bairro com alto índice de criminalidade.

Apesar disso, ao contrário da escola que funciona no loteamento ao lado – que sofria

constantes invasões e depredação – o espaço físico da Escola Municipal Maria Adelaide

Amaral apresentava um bom estado de conservação. Tal fato se devia, segundo os

professores entrevistados, à boa relação estabelecida entre a escola e a comunidade

vizinha.

Além das dezesseis salas de aula, a escola contava com uma quadra de esportes e

um ginásio coberto, sala de professores, sala de vídeo, biblioteca com mesas para

leitura, sala com espelhos, banheiros recentemente reformados, salas de direção e

secretaria, uma ampla cantina, parquinho, pomar, área gramada, pátio e estacionamento.

Existiam, na ocasião, quinze turmas em funcionamento no turno pesquisado nas

quais eram atendidos alunos de seis a treze anos. Dois alunos com deficiência haviam

sido inseridos na escola a partir da implantação da política de inclusão na Rede

Municipal, sendo um com visão subnormal e outro com paralisia cerebral.

Os professores entrevistados afirmavam ainda que diversos alunos em situação

de risco social vinham sendo encaminhados à escola por ordem judicial, com base no

princípio da inclusão. Também relataram exemplos de alunos que, segundo avaliação da

enquanto os chamados déficits circunstanciais são gerados por determinantes sociais.

escola, ainda que não apresentassem laudo médico, manifestavam quadros de

hiperatividade, déficit de atenção e dificuldades de aprendizagem.

De acordo com o relatório do GAME (DALBEN, 2000. p. 14), a E. M. Maria

Adelaide Amaral foi apontada como “experiência emergente para a atual Escola Plural”.

Buscando demonstrar empenho no desenvolvimento de ações voltadas para um melhor

atendimento educacional à sua clientela, os professores entrevistados queixavam-se do

descaso do poder público com as dificuldades enfrentadas pela escola, especialmente as

relativas à efetivação da política de inclusão.

Todos os professores entrevistados tinham, no mínimo, um diploma de curso

superior. Sua experiência profissional variava de nove a vinte e dois anos de exercício

do magistério e de um a dois anos de trabalho junto a crianças com deficiência.

Afirmaram ter uma resistência grande por falta de um maior conhecimento, de sentir

um maior apoio nessa questão da inclusão (fala de professor) e localizaram na troca

informal de experiências o principal meio utilizado na obtenção de informações

relativas a esse tema.

Quanto à estrutura pedagógica, dos vinte e dois professores que atuavam no

turno pesquisado, foram eleitos dois coordenadores pedagógicos, responsáveis pela

organização geral da escola e dois eventuais cuja função era a substituição de

professores faltosos. Entre os demais, havia uma articulação variável de acordo com o

ciclo em que exerciam suas atividades. Assim, havia um professor-apoio, responsável

pelas aulas de Educação Física e pelo auxílio em projetos variados para cada três ou

quatro professores-referência. Além desses, dois professores com laudo médico

trabalhavam na biblioteca.

Existiam, na E. M. Maria Adelaide Amaral, duas categorias de reunião

pedagógica. A primeira, com duração de uma hora, ocorria uma vez por semana e

contava com a presença de todo o corpo docente. Durante a realização da pesquisa essa

reunião, além servir para a discussão de assuntos pedagógicos e administrativos, estava

sendo utilizada como espaço de formação dos professores em serviço, com enfoque para

as questões relativas à aprendizagem da leitura e da escrita.

A segunda categoria de reunião, também com duração de uma hora, funcionava

num sistema de escalas, estendido por três dias na semana a fim de propiciar encontros

em pequenos grupos. Essa acontecia em três segmentos: 1) os professores responsáveis

pelas turmas do início do primeiro e do segundo ciclos; 2) os das turmas do meio do

ciclo; e 3) os do final do ciclo.

Quanto à organização das turmas, o turno pesquisado realizava a enturmação

baseada no critério da idade cronológica, entretanto, existia uma proposta de aceleração

voltada para os alunos que, segundo avaliação da escola, tinham dificuldades de

aprendizagem. Esses eram, pois, selecionados e reunidos em uma única turma e

recebiam atendimento paralelo uma vez por semana, nos dois primeiros horários antes

da reunião escalonada.

1.1.7 Escola Municipal Rachel de Queiroz

A Escola Municipal Rachel de Queiroz nos foi indicada por profissionais da sala

de recursos como uma escola que se empenhava na construção de projetos alternativos.

De fato, durante as visitas, foram-nos relatadas diversas ações voltadas para o

envolvimento de professores e comunidade no atendimento às necessidades

educacionais do alunado em geral. Instalada em um prédio novo, construído de acordo

com padrões de acessibilidade, a escola estava localizada num bairro de periferia, com

nível sócio-econômico baixo. As residências ao redor eram simples e a atividade

econômica predominante na região era o comércio de pequeno porte com destaque para

mercearias e bares.

Várias pessoas com quem tive contato fizeram algum comentário relativo às

manifestações constantes de violência nos arredores, principalmente numa área invadida

nas proximidades da escola. De acordo com a mãe de um aluno, essa era uma escola

muito bem conceituada no bairro e não sofria tanto com as depredações, a indisciplina e

o consumo de drogas, comuns a outros estabelecimentos de ensino da região.

O prédio ocupava uma extensa área, com lotes vagos ao redor. Um sistema de

caixas de som instalado nas treze salas de aula facilitava os contatos internos. Logo na

entrada da escola havia uma guarita com porteiro e, ao lado, um estacionamento. Havia

um pátio coberto e outro descoberto, laboratório, quadra, sala de computação – onde

eram realizados cursos para a comunidade – parquinho, cantina, sala de multimeios,

entre outros.

Os alunos atendidos provinham do próprio bairro e de loteamentos clandestinos

nos arredores. O turno pesquisado atendia à faixa etária entre seis e doze anos, sendo

quatro crianças com deficiência: uma com síndrome do Álcool Fetal, duas com paralisia

cerebral – apresentando graus diferentes de comprometimento motor e mental – e uma

quarta criança apresentando uma cardiopatia associada a dificuldades de fala e uma

possível deficiência mental.

A experiência dos professores entrevistados no exercício do Magistério variava

de três a vinte e oito anos, enquanto a experiência profissional junto a crianças com

deficiência variava entre um e nove anos. Todos os entrevistados tinham curso superior,

sendo três deles em Pedagogia, além de um professor com especialização em Psicologia

Educacional.

O grupo responsável pela organização pedagógica da escola contava com

dezenove professores e meio11, um coordenador pedagógico e um supervisor. A

organização e distribuição desses profissionais pelas treze turmas obedecia a critérios

dinâmicos, variáveis de acordo com as atividades e os objetivos pedagógicos definidos

pelo coletivo.

O critério para a enturmação dos alunos era a idade cronológica, entretanto, o

fato de alguns alunos estarem chegando ao segundo ciclo sem o domínio das

habilidades de leitura e escrita levou à elaboração de um projeto de reorganização de

todas as turmas, com duração de uma hora e freqüência de duas vezes por semana.

Durante tal projeto todos os alunos eram reagrupados com base em diagnósticos

relacionados ao nível de alfabetização atingido e realizavam atividades em diversos

espaços da escola.

Nos horários de execução desse projeto e em outros horários ao longo da

semana, ocorria a reenturmação paralela de sete alunos que se encontravam no final do

primeiro ciclo, mas que, segundo avaliação da escola, apresentavam maiores

dificuldades no processo de alfabetização e necessitavam de um atendimento

diferenciado. Tal atendimento era realizado por um professor, no horário de aula, em

ambiente separado dos demais alunos, com duração de uma hora e freqüência total de

cinco vezes por semana.

Outra forma de reagrupamento, desta vez envolvendo todos os professores e

todas as turmas, ocorria uma vez por semana, visando ao desenvolvimento de atividades

11 Pela lógica que regia a Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte – de 1,5 professores para cada turma – às vezes era necessário meio cargo de professor para completar a carga horária das turmas. Em termos práticos, esse “meio” era um professor que comparecia à escola três vezes por semana.

de produção de textos. Organizados em duplas, os professores contavam com o apoio do

coordenador pedagógico e do supervisor que, para completar o número de profissionais

necessários ao bom andamento do projeto, também trabalhavam diretamente nas salas

de aula. Tal projeto era desenvolvido de acordo com a metodologia e os temas definidos

pelos professores durante as reuniões pedagógicas.

Uma outra alternativa para suprir demandas relativas às dificuldades de

aprendizagem era o atendimento paralelo realizado por um professor de Educação

Artística junto às quatro crianças com deficiência matriculadas na escola. Até então,

parecia ser este o professor definido como principal responsável pelo desenvolvimento

desse grupo de crianças, pois, segundo informações obtidas nas entrevistas, a ele eram

direcionados os contatos e as orientações advindas dos profissionais da sala de recursos

que atendiam à escola.

A relação dessa escola com a comunidade parecia bastante estreita e envolvia

uma série de iniciativas, como a eleição de dois pais representantes por turma; a

manutenção de oficinas profissionalizantes, aulas de ginástica e computação para jovens

e adultos do bairro; mutirões para a realização de eventos festivos ou reivindicatórios;

participação de pais em excursões, seminários de avaliação e projetos da escola; além de

disponibilização da quadra da escola para a comunidade nos finais de semana.

Também era prática comum, a realização de seminários de avaliação,

envolvendo todos os segmentos da escola e da comunidade vizinha na reflexão,

apresentação e votação de propostas, além de uma semana de formação de professores,

na qual ocorriam palestras, debates, grupos de estudo etc.

Outros fatores que merecem destaque são a premiação recebida pela escola por

um dos projetos realizados junto aos alunos, a publicação de artigos em revistas

educacionais por dois profissionais da instituição e a preparação de alguns professores

para apresentar aspectos de sua prática pedagógica em um congresso de educação.

1.1.8 Escola Municipal Ruth Rocha

Recebemos diversas indicações sobre a Escola Municipal Ruth Rocha, tanto por

parte de setores da Secretaria Municipal de Educação quanto por parte de profissionais

vinculados ao Hospital do Aparelho Locomotor Sarah Kubitschek – Belo Horizonte,

além de termos tido acesso a um relatório sobre sua experiência junto a alunos com

deficiência auditiva, inseridos em turmas de ouvintes, apresentado, em anos anteriores,

em seminários promovidos pela PUC-Minas.

A escola estava instalada numa ampla e movimentada avenida, num bairro

residencial de classe média, que contava com grande variedade de linhas de transporte

coletivo, além de serviços de água potável, esgoto, eletricidade, telefones públicos e

particulares, agência dos Correios, entre outros. A atividade econômica predominante

na região era o comércio, bastante diversificado, de pequeno e grande porte.

A acessibilidade às suas instalações era prejudicada pelas escadas que

conectavam os andares do prédio. A escola dispunha de dez salas de aula, cantina,

auditório, quadra de esportes, entre outros ambientes. Havia pouca decoração ou

material didático fixado nas paredes, ainda que as salas de aula fossem utilizadas como

“salas-ambiente”12. Nos corredores, havia alguns cartazes confeccionados pelos alunos

sobre temas diversos.

A Escola Municipal Ruth Rocha atendia a um público extremamente

diversificado, proveniente de diversas áreas da cidade. No turno pesquisado, a faixa

etária variava dos onze aos dezessete anos, correspondente ao final do segundo ciclo e

ao quarto ciclo completo – ou segundo grau. Devido às diferenças na dinâmica de

funcionamento desses ciclos, para fins da presente pesquisa enfatizamos a organização

de professores e turmas do segundo ciclo, nas quais estavam inseridas as crianças com

deficiência citadas durante a entrevista.

As experiências relatadas referiam-se a um aluno com paralisia cerebral do tipo

diplegia grave que prejudicou a articulação da fala e dos movimentos dos membros

inferiores e afetou menos os movimentos dos membros superiores. Por não haver

comprometimento na área cognitiva e ser alfabetizado, o aluno era capaz de comunicar-

se através da escrita. Houve relatos sobre o trabalho junto a um aluno com visão

subnormal e sobre a experiência de cerca de sete anos com jovens com deficiência

auditiva inseridos em turmas de ouvintes no turno da noite.

Na ocasião da entrevista tivemos contato com o coordenador pedagógico, o

diretor e os professores responsáveis pelas turmas do segundo ciclo, todos com

formação em nível superior. A organização desses professores era feita por disciplinas,

12 A proposta pedagógica de adoção de “salas-ambiente” pressupõe a criação de espaços – permanentemente dotados de recursos didáticos variados – para cada disciplina ou área do conhecimento. Segundo essa lógica, os alunos trocam de sala a cada intervalo entre as aulas, e não os professores.

com o trânsito das turmas pelas chamadas “salas-ambiente”, de hora em hora. Para a

enturmação dos alunos era utilizado o critério da idade cronológica e, segundo relatos,

os professores faziam questão de que as turmas fossem heterogêneas, prá não ficar a

sala boa e a sala ruim (fala de professor).

A fim de atender alunos avaliados e selecionados por apresentarem maiores

dificuldades no domínio dos conteúdos de Português e/ou Matemática, eram oferecidas

atividades de apoio pedagógico no turno seguinte, uma hora por semana, por

professores que se revezavam.

Entre as atividades extra-turno, também estavam previstos um projeto de

Ciências e uma oficina de teatro. Além disso, os professores relataram o esforço comum

em incentivar os alunos a participar de concursos externos – como os oferecidos pela

Prefeitura – promover excursões e buscar implementar tudo o que é possível, que é

viável da gente trabalhar com os meninos (fala de professor).

Existia a oferta semanal de oficinas que aconteciam às sextas-feiras, para todos

os alunos do segundo ciclo. Tais oficinas, organizadas pelos professores, funcionavam

em períodos de três, quatro ou cinco semanas, variáveis de acordo com a especificidade

das atividades propostas ou com os temas abordados. Eram oferecidas, por exemplo,

oficinas de reciclagem de papel, pipas, fósseis em gesso, caixas de papelão, jogos

pedagógicos de Português ou Matemática, colagem, festa junina, ábacos, entre outros

temas.

Em cada oficina eram disponibilizadas cinco vagas para cada turma, preenchidas

através da inscrição dos alunos, até a formação de grupos de vinte participantes, sob

orientação de um professor. Segundo relatos, os alunos gostam tanto que tem hora que

eles não querem nem trocar mais a oficina, querem repetir, querem fazer mais (fala

de professor). As crianças com deficiência participavam das oficinas junto com os

demais colegas, não tendo sido relatados projetos voltados especificamente para elas.

As reuniões pedagógicas, que ocorriam semanalmente, pareciam ser,

freqüentemente, organizadas por ciclos, reunindo professores, o coordenador

pedagógico e representantes da direção, quando necessário. Na ocasião da entrevista

coletiva não foram abordadas questões relativas às estratégias para a formação de

professores.

Também foi feita a descrição de aspectos relacionados à organização pedagógica

de outros turnos por professores que tinham jornada dupla de trabalho. Nas turmas

comuns do ensino regular em funcionamento no turno da noite, por exemplo, estavam

matriculados diversos alunos com surdez, acompanhados por um intérprete de LIBRAS,

além de um aluno com cegueira total.

Projetos variados eram desenvolvidos junto aos alunos do noturno, enturmados

por níveis de domínio de conteúdo e cuja faixa etária variava dos dezessete aos

cinqüenta anos. Na ocasião da entrevista, estava prevista a implantação de um projeto

de leitura que propiciasse a reenturmação desses alunos por idade, uma vez por semana,

visando a uma maior sintonia de interesses. Foram relatados ainda trabalhos de pesquisa

desenvolvidos pelos alunos, uma vez por semana, sob orientação de professores que

propunham os temas.

Avaliações coletivas da organização escolar eram realizadas anualmente, durante

o Congresso Pedagógico no qual se apresentavam, discutiam e avaliavam propostas para

o funcionamento dos diversos setores da escola. Num desses congressos ficou definido,

por exemplo, a realocação de horas de trabalho excedentes no turno da noite – de acordo

com cálculos baseados na proporção de 1,5 professor por turma – para a criação de

pequenas dobras voltadas para o atendimento extra-turno aos alunos do primeiro turno

que, segundo avaliação da escola, apresentassem dificuldades de aprendizagem.

Quanto à relação da Escola Municipal Ruth Rocha com a comunidade, foi

relatada a preocupação em estreitar laços, uma vez que o público atendido encontrava-

se disperso por diversas áreas da cidade. Para tal, em sábados letivos, eram realizadas

atividades variadas, como oficinas, cursos e festas, além de feiras ocasionais nas quais

eram comercializados itens produzidos e/ou revendidos pelos alunos e seus familiares.

1.1.9 Escola Municipal Zélia Gattai

O contato com a Escola Municipal Zélia Gattai se deu por indicação de

profissionais da sala de recursos, pelo fato de ser uma das escolas que atendia a um

maior número de crianças com deficiência na Regional em que estava localizada.

Em funcionamento há, aproximadamente, dezesseis anos, essa escola estava

situada num bairro residencial, de classe econômica média/baixa. As ruas ao redor eram

asfaltadas e a população local servida por água potável, telefones públicos e

particulares, eletricidade, agência dos Correios, posto de saúde, diversos

estabelecimentos comerciais de pequeno porte e, pelo menos, quatro linhas de

transporte coletivo.

A escola, edificada num terreno acidentado, que obrigou a construção de seus

prédios em vários níveis, unidos por escadas, mostrava-se limpa e muito bem

conservada na ocasião da visita. Logo na entrada havia um amplo pátio utilizado pelas

crianças durante o recreio. Além de abrigar dezoito salas de aula, contava também com

sala de professores, salas de secretaria, direção e coordenação pedagógica, sala de

vídeo, ginásio coberto, quadra descoberta, estacionamento, uma vasta biblioteca

comunitária, uma ampla cantina, parquinho, entre outras instalações.

Os alunos atendidos, cuja faixa etária variava dos cinco aos dez anos, em sua

maioria provinham do próprio bairro e, segundo informação dos professores, faziam uso

do uniforme básico e de Educação Física, compravam merenda na cantina, levavam

dinheiro para participar de excursões, possuíam material escolar de boa qualidade,

freqüentavam clubes e shoppings, tinham telefone em casa etc, o que poderia indicar

situação financeira estável.

A escola atendia cerca de quinze crianças com deficiência, distribuídas em três

turnos. Durante a entrevista nos foram relatadas experiências, envolvendo somente os

alunos atendidos no turno pesquisado que, embora nem sempre tivessem laudos

médicos com informações concretas, eram caracterizados por suspeitas de autismo,

dificuldades de fala, microcefalia, deficiência mental ou deficiência auditiva. Houve

também comentários sobre crianças com dificuldades de aprendizagem, associadas, ou

não, a questões relativas ao comportamento.

Com uma média de dezesseis anos de exercício do Magistério, todos os

professores entrevistados tinham curso superior, sendo que dois deles possuíam ainda

um diploma de especialização. Sua experiência profissional junto a crianças com

deficiência era recente, obtida no trabalho com uma turma-projeto que, no ano anterior,

reunia alunos considerados “especiais” em uma única sala.

Ao fazer uma analogia entre as dificuldades apresentadas pelos alunos atendidos

e as condições financeiras de seu grupo familiar, os professores concluíram que existe

essa relação. Aluno com mais dificuldade pode ver que ele tá no nível sócio-

econômico mais baixo (fala de professor), característica que parecia diferenciá-los

daquelas anteriormente atribuídas à maioria dos alunos atendidos pela escola.

A distribuição dos professores era variável. No primeiro ciclo, normalmente

adotava-se a dinâmica de um professor-referência – responsável pela alfabetização e

pelos conteúdos da Matemática – para cada turma, auxiliado pelo professor-apoio que

transitava em várias salas, desenvolvendo atividades de Educação Física, História,

Ciências e Geografia. Para o trabalho com alunos mais velhos, tal organização era feita

em trios ou quartetos, com um professor para cada disciplina, transitando por um

número variável de turmas. Além dos professores que atendiam às dezoito turmas, havia

dois coordenadores pedagógicos e um supervisor.

Concluída a descrição de cada uma das nove escolas pesquisadas buscamos, no

próximo capítulo, fornecer ao leitor uma breve reconstrução histórica sobre a

convivência estabelecida entre as sociedades ocidentais e as pessoas com deficiência –

desde a Antigüidade Clássica até os dias atuais – e sobre as formações discursivas e

ideológicas que guiavam essas relações. Apresentamos também, no mesmo capítulo, as

recentes discussões sobre a formação discursiva da inclusão e sobre os processos de

inserção de crianças com deficiência em escolas comuns na Rede Municipal de

Educação de Belo Horizonte/MG.

2 SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA: HISTÓRICO DE UMA RELAÇÃO

As concepções e práticas sociais e, paralelamente, as formações discursivas e

ideológicas sobre a questão da deficiência sofreram diversas modificações desde a

Antigüidade até os dias atuais. Podemos, através de uma breve reconstrução histórica,

vislumbrar os contextos nos quais cada nova concepção se estabeleceu – o que não

significa que as anteriores tenham sido completamente superadas ou extintas.

Na obra de Pessotti (1984), obtemos uma cuidadosa descrição dos principais

eventos relacionados à convivência entre as sociedades ocidentais e as pessoas com

deficiência. Segundo o autor, na Antigüidade era comum a eliminação ou abandono de

crianças que apresentassem deficiências físicas, mentais ou quaisquer características que

implicassem dependência econômica e/ou incapacidade para o trabalho. Existem

também registros de abandono à inanição, inclusive, de crianças “normais excedentes”

(PESSOTTI, 1984, p. 4), em nome do equilíbrio demográfico. Predominava, neste

contexto, uma formação ideológica de completa exclusão.

A partir do Cristianismo, a ética cristã passou a reprimir a prática de livrar-se das

pessoas com deficiência via assassínio, pois as mesmas passaram a ser consideradas

filhas de Deus, dotadas de alma. Ao longo da Idade Média, no entanto, a rejeição

permaneceu presente tanto nas perseguições realizadas pela Santa Inquisição contra

indivíduos com deficiência considerados “endemoninhados”, quanto no confinamento

em instituições-prisão a que tais pessoas foram submetidas.

As formações discursivas que predominavam durante o período acima descrito

refletiam uma concepção preformista, segundo a qual a inteligência era divinamente

predestinada13 e preformada, não sofrendo qualquer influência do meio em seu

desenvolvimento.

Da metade do século XVI em diante, grandes mudanças começaram a atingir as

sociedades ocidentais, tanto no aspecto social, quanto científico, político, econômico e

filosófico. Segundo Najmanovich (2001), ao longo de vários séculos, de maneira

desigual e descontínua, desenvolveram-se formas de vida e modos de pensar o mundo

13 Para exemplificar tal fato, Fonseca (1995) afirma que Platão acreditava na inteligência enquanto atributo reservado aos filhos das famílias superiores.

radicalmente diferentes dos encontrados na Idade Média. Esse novo paradigma,

conhecido como modernidade,

é o nome genérico de uma rede complexa de idéias, conceitos, modos de abordagem, perspectivas intelectuais, estilos cognitivos, modalidades de intelecto-ação e atitudes valorativas, sensíveis e perceptivas que caracterizam uma época ampla (NAJMANOVICH, 2001, p. 11).

A transição paradigmática suscitada pela modernidade é considerada,

essencialmente, revolucionária por ter propiciado a superação de noções supersticiosas

– até então baseadas em argumentos teológicos, sobrenaturais e religiosos – por

argumentos pretensamente baseados na razão e na objetividade.

O discurso moderno foi, pois, construído a partir de um conjunto de conceitos e

pressupostos fundados, entre outras coisas, na valorização da racionalidade humana dos

métodos e dos conhecimentos científicos; na noção de progresso linear; nas

possibilidades de ordenação e classificação da realidade inauguradas pela construção,

difusão e imposição de padrões e instrumentos de medida.

A escola que se estabeleceu com base em tais princípios passou a organizar seus

currículos, seus métodos de avaliação, seus procedimentos didáticos, seus tempos e

espaços, almejando a formação padronizada de indivíduos capazes de assimilar os

conteúdos dos programas de ensino em tempos predeterminados, de forma homogênea e

gradual.

Ao instituir padrões de normalidade, a lógica do pensamento moderno contribuiu

ainda para a consolidação de práticas de segregação e exclusão já existentes, conferindo

às mesmas um estatuto de legitimidade.

A partir do século XVII, em pleno desenrolar da modernidade, novas teorias

científicas impulsionaram a superação parcial14 e gradativa das noções preformistas da

inteligência e da deficiência por outras formações discursivas. De acordo com

L.Marques (2001), com o desenvolvimento das ciências biológicas, o preformismo foi

parcialmente substituído por noções predeterministas, para as quais a inteligência não

mais seria atribuída a forças sobrenaturais, mas a determinações biológicas,

geneticamente herdadas e pré-programadas. O nascimento dessa visão, de cunho

organicista, acabou reforçando a crença na inutilidade de ações educativas que visassem

à modificabilidade cognitiva, à medida que se convencionou localizar a origem das

deficiências em disfunções ou lesões irreversíveis do organismo humano.

Tal crença começou a ser questionada no final do século XVII, com a publicação

de um ensaio no qual John Locke introduziu a teoria da tabula rasa, segundo a qual as

idéias e operações da mente resultariam da experiência sensorial. Essa teoria inaugurou

a possibilidade de que a deficiência mental, por exemplo, pudesse ser concebida não

somente como uma lesão irreversível, mas como um possível estágio de carência de

estimulação das operações intelectuais.

Com base em tais noções, alguns estudiosos europeus passaram a atribuir ao

ensino a tarefa de suprir possíveis carências e começaram a empreender esforços

isolados na criação de métodos para a educação de pessoas com deficiência auditiva ou

mental, até então completamente excluídas dos sistemas escolares.

Começaram também a se esboçar, neste contexto, novas formações discursivas

baseadas numa concepção envolvimentalista da inteligência. Tal visão foi fortalecida a

partir de 1801, com a publicação de Mémoire sur les premiers développements de Victor

de l’Aveyron, por Jean Étienne Marie Gaspard Itard, médico chefe do Instituto Imperial

dos Surdos, em Paris. Em Mémoire, Itard narra o processo de desenvolvimento de

Victor, um menino de, aproximadamente, doze anos de idade que vivia longe do contato

humano, na floresta de Aveyron, cuja educação lhe foi confiada após ter sido

encontrado.

Segundo diagnóstico de Philippe Pinel – o mais célebre psiquiatra francês da

época – Víctor era um “idiota essencial como os demais idiotas que conhece”

(PESSOTTI, 1984, p. 36). A oposição de Itard a tal diagnóstico baseou-se na suposição

de que a aparente idiotia do menino pudesse ser produto de insuficiente estimulação

cultural e não de uma deficiência biológica irrecuperável. Durante alguns anos de

intervenção educacional, Itard alcançou notáveis avanços junto ao menino e contribuiu

para desenvolver e divulgar novos sentidos sobre o papel da educação no

desenvolvimento cognitivo e social.

Apesar das reflexões de Locke e dos esforços isolados no sentido de educar

pessoas com deficiência constituírem uma formação discursiva alternativa, predominou,

14 Vale relembrar que o advento de novas formações discursivas não exclui completamente as anteriores.

durante os séculos XVIII e XIX, um consagrado fatalismo genético. A ineducabilidade e

irrecuperabilidade de tais indivíduos eram estigmas dominantes.

Nesse contexto, proliferavam tipologias e classificações, com a elaboração de

quadros clínicos para cada tipo ou grau de deficiência, nos quais estavam presentes,

inclusive, características físicas e estéticas, como aspectos cranianos e fisionômicos,

estrabismo, tiques na face, gagueira etc. De acordo com Fonseca (1995), durante quase

todo o século XIX, a maioria dos indivíduos com deficiência não recebia assistência

educacional e ainda era mantida enclausurada em instituições-prisão, como hospícios,

conventos, manicômios e asilos.

Já no século XX, a Psicologia assumiu um papel de destaque sobre a questão da

deficiência mental, substituindo a hegemonia médica e fazendo com que os testes para

avaliação do quociente intelectual (QI) passassem a ser adotados em larga escala pelos

sistemas escolares como legítimos instrumentos de seleção, classificação, padronização

e segregação dos estudantes. Assim,

de 1900 à década de 70, o movimento da escola pública cria as famigeradas classes de “anormais”, fase que se inicia com a categorização e classificação dos deficientes mentais, que resultam da aplicação da famosa Escala Métrica de Inteligência, criada por Binet e Simon em 1905 (FONSECA, 1995, p. 71).

Segundo Fonseca (1995), a democratização do ensino foi acompanhada pelo

avanço da Psicometria e da categorização da deficiência, culminando na criação da

categoria das dificuldades de aprendizagem, à qual o insucesso escolar foi associado.

Trabalhando na perspectiva da homogeneização, a escola passou a utilizar tais testes

para identificar a diferença e, “uma vez identificada, a diferença é rotulada,

estigmatizada, segregada e tratada como doença. O diferente é dissonante no mundo

harmonioso da sintonia” (GARCIA apud FERRAÇO, 2001, p. 97).

Deste modo, além dos indivíduos com deficiência mental, física ou sensorial –

que já haviam sido expostos ao abandono ou ao assassínio pelas sociedades ocidentais

da Antigüidade e às torturas pela supersticiosa sociedade medieval – estudantes que

recebiam o diagnóstico de dificuldades de aprendizagem passaram a ser igualmente

segregados em classes e escolas especiais, por também desviarem do padrão

estabelecido.

A formação ideológica então predominante era a da exclusão, através da qual

proliferavam as noções de incapacidade produtiva e de inferioridade existencial da

pessoa com deficiência, sustentando diversas justificativas para a institucionalização e

isolamento desses indivíduos da convivência social, eximindo a escola comum, a

família e o poder público da tarefa de educá-los.

Apesar de existirem desde o século XVI, essas instituições para reclusão e/ou

atendimento especializado não foram criticamente examinadas até o início de 1960,

quando Erving Goffman publicou Asylums – tendo por título em português Manicômios,

Prisões e Conventos – que se tornou uma análise clássica das características do que ele

chamou “instituições totais” e de seus efeitos nocivos sobre os indivíduos. A partir das

considerações do autor, o mundo ocidental se viu marcado por movimentos pela

desinstitucionalização que alcançaram extensões variáveis de um país para outro.

Assim, em direção contrária aos movimentos segregacionistas predominantes na

época, assistimos, a partir da década de 70, ao desenvolvimento do conceito de

normalização. Em sua concepção original, este conceito refletia a crença de que

indivíduos com deficiência têm o direito de receber as mesmas condições de vida dos

demais seres humanos. Segundo os defensores de tal proposta, alternativas educacionais

deveriam ser oferecidas de forma gradativa e previamente planejadas, propiciando uma

existência tão próxima aos padrões normais quanto possível.

Dentre os modelos de serviço e estratégias de ação desenvolvidos para

operacionalizar os processos de normalização, um dos mais conhecidos é o da

integração pelo “Sistema de Cascata” (PEREIRA, 1980), entendido como processo

gradual que pressupunha o preparo da pessoa com deficiência para atender às

expectativas da vida social. Tal preparo deveria ser feito por meio do desenvolvimento

de programas de habilitação e de treinamento prévios, com graus progressivos de

inserção desses indivíduos em ambientes cada vez menos segregadores.

O desenvolvimento dessa nova formação ideológica, de cunho integracionista,

não foi capaz de romper com o fato de as escolas brasileiras estarem organizadas nos

moldes do pensamento moderno. A prática usual de se condicionar a integração de um

indivíduo ao seu desenvolvimento cognitivo e à sua capacidade individual de adaptação

às condições oferecidas pelo meio refletia ainda o fato de os currículos, métodos de

avaliação, procedimentos didáticos, tempos e espaços escolares dirigirem-se a alunos

idealizados, aptos a assimilar os conteúdos do programa no tempo predeterminado, de

forma gradual, simultânea, homogênea e disciplinada.

Já nas últimas décadas do século XX, passaram a se desenvolver novas

formações discursivas baseadas numa concepção interacionista de inteligência, segundo

a qual as habilidades mentais, sensoriais e motoras dos indivíduos decorrem da

quantidade e da qualidade das trocas efetuadas entre esses e o meio ambiente. Os

estudos de Piaget, Vygotsky, Ausubel, Feuerstein e outros contribuíram de forma

efetiva para o desenvolvimento de tal concepção.

Com base nas contribuições de tais pesquisadores e no desenvolvimento de

reflexões aprofundadas a respeito da diversidade e dos direitos humanos, novas

perspectivas parecem estar, atualmente, em desenvolvimento. Há indícios de que as

diversas formações ideológicas de cunho excludente e segregacionista, legitimadas pela

modernidade começam a ser gradativamente questionadas, coexistindo com novas

concepções e posturas diante da deficiência.

2.1 FORMAÇÕES DISCURSIVAS EM MOVIMENTO: DA EXCLUSÃO À INTEGRAÇÃO

Com base nos dados históricos até então apresentados, optamos por remeter o

discurso dos professores a três diferentes formações discursivas: 1)

exclusão/segregação, 2) integração – que tem por base o princípio da normalização – e

3) inclusão.

Segregar, do latim segregare significa, entre outras coisas: “pôr de lado; pôr à

margem; separar, marginalizar. [...] Desligar, afastar, isolar” (FERREIRA, 1975, p.

1281). Para fins da presente pesquisa incluiremos, então, nessa formação discursiva,

tanto os discursos que envolvam o abandono ou extermínio – bastante comuns na

Antigüidade e manifestos com menos freqüência nos dias atuais – quanto os discursos

que, apoiados em mecanismos de classificação e hierarquização, próprios do

pensamento moderno, isolam o sujeito com deficiência em espaços especiais, afastados,

localizados fora da suposta mesmidade constituída de indivíduos ditos normais.

Essa criação de identidades especiais é, na concepção de Ferre (2001), uma

forma de nos refugiarmos da perturbação produzida pela presença do outro e de

resguardar a identidade de normal que cada um de nós tem, relegando o outro ao espaço

da anormalidade. Do mesmo modo, referindo-se aos discursos socialmente construídos

a respeito das pessoas com deficiência, foco de nossa pesquisa, C.Marques (1999, p. 73)

afirma que “o anormal constitui, pois, o contraponto necessário para o estabelecimento e

a manutenção do referencial da normalidade”.

A escola, enquanto invenção da modernidade, ainda não admite a diversidade

como característica básica da existência humana. Restringe, assim, o outro para outros

espaços, longe de seu território. Neste mesmo sentido, Ferre (2001) compreende que a

Educação Especial acabou se estabelecendo como território segregado e contribuiu para

legitimar o isolamento do alunado objeto de seus discursos teóricos e práticos em uma

identidade especial, categoria à parte, supostamente igual em sua deficiência e diferente

do alunado majoritário, considerado como eficiente, normal e homogêneo.

Ainda sob o domínio dos pressupostos da modernidade, a formação discursiva

da integração toma o indivíduo com deficiência como “o diferente”, ainda comparando-

o a um padrão. Ferre (2001) ressalta, por exemplo que, embora manifestações em prol

do direito à diferença tenham invadido o discurso pedagógico nos últimos anos, na

prática a educação ainda impõe, a si mesma, o dever de encaixar os indivíduos em

identidades bem definidas pelos cânones da normalidade que marcam aquilo que deve

ser habitual, repetido, reto, em cada um de nós.

De acordo com Silva (2000), a afirmação da identidade e a marcação da

diferença implicam, sempre, operações de incluir e excluir, demarcação de fronteiras,

através de declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence. Tais processos

envolvem uma produção simbólica e discursiva, advêm de relações sociais e não

convivem harmoniosamente, estando em estreita conexão com relações de poder.

Preso a tais moldes, até mesmo o discurso acadêmico que manifesta a intenção

de integrar aqueles que estão à margem do sistema escolar, tende a encaixá-los em uma

série de características fixas que impedem ver a totalidade e riqueza que cada um traz

consigo. Nessa perspectiva, o outro é ainda encarado como “o diferente” e não como um

ser plural, diverso. Assim funciona, por exemplo, o já citado “Sistema de Cascata”

(PEREIRA, 1980), processo que faz parte da formação discursiva da integração e

pressupõe o preparo da pessoa com deficiência para atender às expectativas da vida

social. Em processos de inserção desse tipo, as categorias são mantidas, cada qual em

seu devido lugar e a postura “politicamente correta” que se propõe é a de aceitação e

tolerância para com “os diferentes”. Tal postura não questiona as relações de poder

envolvidas nos processos de produção social das identidades e das diferenças, tomando-

as como dados naturais.

Disso resulta o fato, constatado por Marques e Oliveira (2002, n.p.) a partir da

análise de diversas dissertações e teses sobre os sentidos que vêm sendo veiculados

sobre os processos de inserção de educandos com deficiência em escolas comuns, de

que “embora imbuída do sentido de equiparação de oportunidades, de respeito às

diferenças e de inserção plena dos ‘diferentes’ nos diversos setores da atividade

humana, a integração acabou reduzida ao mérito de alguns ‘capazes’.”

Sob a perspectiva das reflexões suscitadas por Santos (2002, p. 30),

compreendemos, pois, que ainda que o princípio da normalização – que deu origem à

formação discursiva da integração – tenha originalmente buscado suscitar discussões

numa perspectiva emancipatória, as ações implementadas a partir dele foram sendo

cooptadas pelo viés colonialista do conhecimento, através do qual se tem uma

concepção do outro como objeto, passível de ser classificado, manipulado e treinado e,

conseqüentemente, “o não reconhecimento do outro como sujeito.”

Tomadas de tal forma, as práticas de integração acabaram por se converter em

conhecimento-regulação que, através de mecanismos opressores e excludentes, provoca

a desvalorização de formas de ser e de saber diferentes dos padrões hegemonicamente

reconhecidos.

Uma terceira formação discursiva, em desenvolvimento nos últimos anos,

propõe repensar os sujeitos na sua diversidade, sem preocupar-se em destacá-los ou

agrupá-los em termos de diferenças. Ela abarca as denúncias desencadeadas por alguns

movimentos sociais e pela divulgação de estudos críticos que evidenciam as questões de

poder envolvidas nos processos de construção social de mecanismos que sustentam

práticas de segregação de indivíduos da convivência educacional e social mais ampla e

do acesso a bens e serviços.

É sobre as possibilidades de transformação inauguradas por essas novas

perspectivas que refletiremos no próximo item.

2.2 FORMAÇÃO DISCURSIVA DA INCLUSÃO: A DIVERSIDADE EM PERSPECTIVA

Na atualidade15, assistimos a uma lenta movimentação de sentidos através da

qual ideologias excludentes e segregacionistas vêm cedendo lugar à valorização da

diversidade humana e ao direito às diferenças, sem que essas sejam convertidas em

critério para classificação ou hierarquização dos indivíduos. Pretende-se, a partir daí,

“elevar o outro da condição de objecto à condição de sujeito. Esse conhecimento-

reconhecimento é o que designo por solidariedade” (SANTOS, 2002, p. 30).

Não mais fundados em modelos universais idealizados, os discursos passam, aos

poucos, a se constituírem a partir do múltiplo. Neste panorama, ainda incipiente,

começam a ser abertas as possibilidades para a compreensão de que

ser diferente não significa mais ser o oposto do normal, mas apenas “ser diferente”. Este é, com certeza, o dado inovador: o múltiplo como necessário, ou ainda, como o único universal possível, o que deriva em práticas sociais de reconhecimento e respeito pelo outro (MARQUES e MARQUES, 2003, p. 234).

A formação discursiva da inclusão pretende abarcar, portanto, múltiplas

alternativas. Questiona os padrões, subverte as classificações e hierarquizações,

contrapondo-se aos mecanismos que tendem a torná-las “naturais”. Evidencia as

relações de poder e os conflitos constitutivos das relações sociais, até então sufocados e

ignorados. Forçosamente transforma, desestabiliza e desloca fronteiras que demarcam

artificialmente os limites entre os diversos indivíduos.

Neste sentido, diversos autores (MANTOAN, 1998, 2003; L.MARQUES,

2001a/b; C.MARQUES, 2001a; MARQUES e MARQUES, 2003) situam a inclusão

enquanto um novo paradigma, capaz de superar as estruturas excludentes próprias dos

paradigmas anteriores e promover uma ampla reorganização dos sistemas sociais e

educacionais, a fim de que estes se tornem aptos a suprir as necessidades de todos os

indivíduos, quaisquer que sejam suas características.

15 O emprego do vocábulo atualidade é uma opção terminológica em relação ao vocábulo pós-modernidade. Tal escolha deve-se ao fato de entendermos que o momento vivido constitui uma transição entre os valores da modernidade e uma nova era, indeterminada, que se ordenará com base em novos valores.

De acordo com Kuhn (1978), quando os conhecimentos ou procedimentos

próprios de um determinado paradigma não mais atendem às expectativas e em sua

estrutura são detectadas inconsistências graves e profundas, segue-se um estado de crise

e insegurança crescentes que podem conduzir à busca de novas alternativas.

Deste modo, mudanças de paradigmas ocorrem quando novos princípios –

diferentes e incompatíveis com os anteriores – emergem, para superar crises que

debilitam a rigidez dos estereótipos até então vigentes em determinado campo, fazendo

com que estes sejam rejeitados e substituídos. Pode-se dizer, pois, que “o fracasso das

regras existentes é o prelúdio para um busca de novas regras” (KUHN, 1978, p. 95).

A construção de uma educação inclusiva exige que ampliemos nossa capacidade

de lidar com o que ainda nos parece incomensurável16, desconsiderado, diferente. Isso

porque o incomensurável não se encaixa em padrões preestabelecidos, foge às previsões

e subverte as regras dos paradigmas aos quais estamos habituados. O incomensurável

exige flexibilidade e nos desafia a criar alternativas até então inexistentes.

De acordo com Barros (2003, p. 103), um dos caminhos para novas formas de

perceber o outro em sua diferença já vem sendo trilhado através da presença do que nos

parece estranho em espaços sociais histórica e ideologicamente não reservados para ele.

Tal presença “força as amarras, flexibiliza o pensar, faz a rede social vibrar, [...] nos

promete novidades quanto aos nossos próprios limites, nos permite assumir a

ambivalência que nos constitui.”

Dentre toda essa diversidade humana que compõe a sociedade e habita o

cotidiano escolar, desestabilizando a cada instante o ideal de homogeneidade

perseguido, focalizamos, para fins da presente pesquisa, indivíduos com algum tipo de

deficiência física, sensorial ou mental, que vêm sendo inseridos em escolas comuns,

fato que, conforme exemplifica Mantoan (2003, p. 58), tem gerado profundos debates e

críticas contundentes:

Um jovem professor tomou a palavra e me disse: A escola a que a professora está se referindo não é uma utopia? Uma fantasia, ou melhor, a escola ideal [...]? E respondi-lhe: Professor, penso que é exatamente o contrário. Quem está sempre falando e imaginando a escola ideal me parece que é o

16 Incomensurável. [Do lat. Incommensurabile.] Adj. 2 g. 1. Não comensurável; imensurável. 2. Que não tem medida comum com outra grandeza. 3. Enorme, imenso, desmedido. In: FERREIRA, 1975.

senhor e tantos outros que me acham utópica, idealista! Eu falo de um aluno que existe, concretamente. [...] Não tenho alunos ideais; tenho, simplesmente, alunos, [...] pois não conto com padrões e modelos de alunos ‘normais’ que aprendemos a definir nas teorias que estudamos.

Encontramos, na fala de Mantoan (2003), questionamentos dirigidos à

organização educacional vigente que, muitas vezes, se declara incapaz de suprir as

necessidades educacionais desses alunos aos quais denomina “especiais”, como se os

demais constituíssem uma massa comum, homogênea, já bastante conhecida, bem

classificada e ordenada, sem novidades ou características que desafiassem nossa

criatividade: o grupo dos chamados “normais”.

As declarações em torno da dificuldade de atendimento às crianças com

deficiência justificam-se, na maioria das vezes, pela inadequação das estruturas físicas e

materiais das escolas, pelo descaso dos poderes públicos, pelo despreparo dos

professores, pela quantidade de alunos em sala etc.

Não desconhecemos o peso de tais fatores, mas compartilhamos com Mantoan

(2003, p. 49) a crença de que uma das principais barreiras à inclusão reside no fato de as

escolas estarem ainda organizadas para atender a alunos idealizados – aqueles

“normais” sobre os quais nos referimos anteriormente – e que, na realidade, não

existem. A autora acima citada afirma que, com esse perfil organizacional, não é difícil

imaginar o impacto da inclusão na maioria das escolas. “É como se o espaço escolar

fosse de repente invadido e todos os seus domínios fossem tomados de assalto.”

Nesse sentido, após pesquisas junto a diversas escolas, L.Marques (2001a)

constata que, provavelmente, a maioria das escolas que temos hoje não está preparada

para oferecer educação de qualidade para todos, mas para receber somente alunos cuja

capacidade cognitiva permita a eles superar, por si mesmos, possíveis déficits reais ou

circunstanciais.

Adaptando uma expressão cunhada por Werneck (1999), indagamos: Mas afinal,

quem cabe no todos do princípio democrático de educação de qualidade para todos, por

tantas vezes repetido? Se pretendemos responder tal questão com base nos pressupostos

da inclusão, não podemos admitir as exceções que, até então, vêm sendo praticadas.

Assim sendo, do ponto de vista de autores como Mantoan (1997, 1998,

1999/2000, 2000a, 2000b, 2001a, 2003), C.Marques (1998), L.Marques (2001a/b),

Sassaki (2002) entre outros, na perspectiva da inclusão suprime-se a subdivisão dos

sistemas escolares em modalidades de ensino especial e ensino comum, exigindo-se das

escolas comuns que atendam às diferenças sem discriminar e sem trabalhar de forma

segregada com qualquer aluno.

Assim, nenhuma escola pode se dizer inclusiva se não se esforçar para oferecer

os apoios necessários ao atendimento às necessidades educacionais de todos os

educandos – com ou sem deficiência – por mais severos que sejam os obstáculos.

2.3 INSERÇÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA EM ESCOLAS DA RME/BH

Variadas propostas de inserção de crianças com deficiência em escolas comuns,

em diferentes redes escolares por todo o país, foram investigadas por diversos

pesquisadores (CASTRO, 1997; MANTOAN, 2001a/b; FERREIRA, 2002; COELHO,

2003; A.MONTEIRO, 2003 entre muitos outros), cujos estudos vêm contribuindo para

identificar e divulgar as dificuldades encontradas e as estratégias criadas pelos

professores para enfrentá-las.

Com objetivo similar, voltamos nosso interesse para a Rede Municipal de

Educação de Belo Horizonte/MG que teve muitos de seus atuais órgãos e instâncias

responsáveis pelo atendimento às pessoas com deficiência originalmente concebidos

sob a perspectiva integracionista (BELO HORIZONTE, 2000a; COELHO e CRUZ,

2004).

Conforme descrito no item anterior, tal concepção condicionava a inserção dos

indivíduos ao seu treino e capacitação para se adaptarem ao ambiente escolar comum.

Recentes publicações da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte admitem

que “o princípio integrador, no entanto, tem-se revelado insuficiente no sentido de

combater a exclusão social e de promover a igualdade de direitos e oportunidades para

todos” (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 29).

A partir de tais considerações e buscando avançar na “construção de uma

educação pública, plural, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada” (BELO

HORIZONTE, 2001, p. 4), diversas medidas vinham sendo adotadas, dentre elas a

implementação do Programa Escola Plural e, paralelamente a esta, a inserção de

crianças com deficiência em escolas comuns da rede.

Nas entrevistas realizadas com os professores da Rede Municipal de Educação

de Belo Horizonte/MG durante a presente pesquisa, identificamos uma série de sentidos

cotidianamente construídos em torno do conceito de inclusão.

Percebemos que, embora o termo inclusão viesse sendo genericamente utilizado

para nomear diversos processos de inserção de crianças que não tinham acesso às

escolas comuns, as estratégias adotadas no cotidiano dessas instituições e as concepções

que os professores construíam sobre tais processos remetiam esse mesmo termo a

variados sentidos que, por sua vez, se filiavam a diferentes formações discursivas.

Eu sempre tinha trabalhado com crianças de cinco, seis anos, mas nunca tinha trabalhado com inclusão, com nenhum aluno deficiente. (E.M. Bárbara Heliodora) Esses outros meninos dos aglomerados [...] eles estavam sem escola, né? Até que a Prefeitura, quando veio o PT, né? O PT, a política dele é o quê? É a inclusão, né? Então, esses alunos foram trazidos para a escola. (E.M. Adélia Prado)

Assim como outros pesquisadores, pudemos perceber que, no campo

educacional, grande parte das discussões sobre a inclusão ficavam restritas à questão do

aluno deficiente e, em alguns casos, às questões relativas às crianças de periferia –

esses outros meninos dos aglomerados – que, submetidas à vivência na chamada

situação de risco social, possuíam hábitos e valores não condizentes com as expectativas

da escola.

Em geral, o conceito de inclusão aparecia esvaziado de seu conteúdo ético e

político e da noção de “aperfeiçoamento da educação escolar para o benefício de todos

os alunos com e sem deficiência” (Mantoan, 2002b, n.p.). Utilizado como sinônimo de

inserção, referia-se apenas à presença específica de alunos que foram trazidos para a

escola.

Compreendido desta forma, o conceito de inclusão permanecia filiado à

formação discursiva da integração, contribuindo para que se mantivessem em destaque

atributos utilizados como referência para agrupar os indivíduos em categorias

“desviantes” ou “diferentes”.

Ao discutir os processos de democratização do sistema escolar francês, Bourdieu

e Champagne (2002) fornecem-nos importantes elementos para compreendermos

algumas facetas dessa “inclusão” que vinha sendo promovida em grande parte de nossos

estabelecimentos de ensino. Segundo os autores, sujeitos que antes eram precoce e

brutalmente eliminados da escola passaram a ter acesso a um ensino que, apesar de

amplamente aberto a todos, ainda se mantinha, estruturalmente, reservado a alguns. Em

suas palavras,

O processo de eliminação foi diferido e estendido no tempo e, por conseguinte, como que diluído na duração, a instituição é habitada, permanentemente, por excluídos potenciais que introduzem nela as contradições e os conflitos associados a uma escolarização cujo único objetivo é ela mesma (BOURDIEU e CHAMPAGNE, 2002, p. 221).

Assim, por diversas razões, ainda que estivessem fisicamente inseridos em

classes comuns, muitos indivíduos permaneciam ali segregados, sem um atendimento

educacional adequado. Tal situação vinha sendo percebida e relatada por inúmeros

professores que, mesmo cientes e incomodados com o fato, apresentavam dificuldades

em mobilizar-se para reverter a situação.

A questão da inclusão ainda tem muita coisa a ser resolvida, ainda. A inclusão não se dá simplesmente dele ter o direito, dele estar dentro de uma escola de ensino regular, entendeu? (E. M. Rachel de Queiroz) Eu acho que essa inclusão acaba excluindo o menino, no caso do [Lucas], na sala de aula. (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Nos recortes discursivos acima destacados havia um reconhecimento de que a

inclusão não se dá simplesmente de ele ter o direito de estar dentro de uma escola de

ensino regular – ou comum – e de que tem muita coisa a ser resolvida, ainda,

entretanto, ao invés de investirem numa possível modificação e aprimoramento do

sistema escolar para atender a todos, os professores mostravam-se desacreditados.

Deduziam, a partir daí, que, se a inserção na escola comum acaba excluindo o menino

na sala de aula, uma solução seria o retorno à escola especial.

E tem uma que [a professora] tá querendo colocar prá escola especial e, inclusive, tem laudo médico que diz que ela tem que estar na escola especial, que já passou da hora. (E. M. Ana Maria Machado) Mas um menino que tem um problema mais acentuado como a paralisia cerebral eu acho que a escola especial satisfaz muito bem, porque o trabalho lá é todo voltado prá isso, entendeu? (E. M. Rachel de Queiroz)

Deste modo, um primeiro sentido identificado nos discursos foi o de

institucionalização do desvio – tem que estar na escola especial, que já passou da hora

– sob a justificativa de que a escola especial satisfaz muito bem, porque o trabalho lá é

todo voltado prá isso. Recorrendo a características atribuídas ao aluno para fundamentar

sua argumentação – um problema mais acentuado como a paralisia cerebral – tais

discursos permaneciam, pois, vinculados à formação discursiva da segregação.

De acordo com C.Marques (1998, 2001a/b) e D’Antino (1998), a manutenção de

instituições paralelas para suprir às supostas necessidades de pessoas com deficiência

contribui para a perpetuação dos estigmas existentes e torna tais indivíduos cada vez

mais afastados da comunidade em geral, esquivando a sociedade de promover

modificações significativas em suas estruturas.

Eles poderiam estar inseridos dentro da escola normal, né? Entre aspas e poderia estar freqüentando a escola especializada. (E. M. Maria Adelaide Amaral) O menino que era [...] dessa escola de menino especial. Quando ele era incluído na escola normal, ele vinha com um acompanhamento. (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Um processo de deslocamento de sentidos parecia ocorrer à medida que se

admitia que alunos com deficiência com um acompanhamento mantido pela escola

especial poderiam estar inseridos dentro da escola normal, o que situaria os recortes

discursivos numa perspectiva integracionista. O uso recorrente do termo escola normal

em contraposição à noção de escola especializada refletia, no entanto, a manutenção da

estigmatização a partir da marcação da diferença em termos de anormalidade e da

atribuição de uma identidade especial a certos indivíduos.

Eu me sinto excluída enquanto professora de alunos incluídos. (E.M. Bárbara Heliodora) Então, a [Gabriela] é uma aluna de inclusão também que nitidamente você vê. Quem mais que era de inclusão lá? (E.M. Zélia Gattai) A gente viu que não era uma turma de projeto, era uma turma de inclusão. (E.M. Zélia Gattai)

Sem que houvesse uma movimentação do sentido anteriormente exposto, era

comum ocorrer uma espécie de adjetivação dos sujeitos. A aluna de inclusão e os

demais alunos incluídos eram destacados do grupo como um todo e, algumas vezes,

agrupados na chamada turma de inclusão. Assim, conferia-se o adjetivo incluídos a

todos aqueles que, saídos de uma situação mais ampla de exclusão – caracterizada tanto

pela ausência de atendimento, quanto pela segregação em instituição especializada –

fossem inseridos num ambiente de convivência social comum. Através desse

mecanismo de adjetivação, o olhar homogeneizante da modernidade manifestava-se,

produzindo a impressão de que a diferença, que nitidamente você vê, era atributo

exclusivo da aluna de inclusão e não de todas as crianças atendidas pela escola.

Seguindo essa mesma lógica, a diferença – associada ao desajuste, ao desvio ou

à anormalidade – era tomada como a única causa das dificuldades de aprendizagem

sentidas ao longo do processo de escolarização, o que, na lógica da formação discursiva

da integração, levava à busca de alternativas que objetivavam o treinamento e o

desenvolvimento da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio. Continuavam

evitando-se, deste modo, reflexões sobre as formas pelas quais as estruturas dos

sistemas escolares contribuíam para dificultar a aprendizagem.

Por outro lado, um novo deslocamento de sentidos parecia ocorrer à medida que

se admitia que certas estruturas escolares eram inadequadas ao atendimento às

necessidades educacionais de todos os alunos.

Mudou o trabalho, a conduta deles mudou. Então vamos mudar a escola como um todo! [...] Gente, não tá errado esse menino na escola, ele tem que estar aqui. Tem que estar aqui, né? (E. M. Adélia Prado)

Referindo-se às crianças provenientes de regiões das periferias do município de

Belo Horizonte, o recorte discursivo apresentado sugeria que não tá errado esse

menino na escola, ele tem que estar aqui e, a partir de tal constatação, parecia

compreender a necessidade de mudar a escola como um todo a fim de atender às

necessidades dele.

Parecia haver uma aproximação entre o sentido expresso nesse discurso e a

concepção de inclusão explicitada por Mantoan (s.n.t.):

O sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola regular decorre, portanto, das possibilidades de se conseguir progressos significativos desses alunos na escolaridade, por meio da adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes. E só se consegue atingir esse sucesso, quando a escola regular assume que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas resultam em

grande parte do modo como o ensino é ministrado, a aprendizagem é concebida e avaliada. Pois não apenas as deficientes são excluídas, mas também as que são pobres, as que não vão às aulas porque trabalham, as que pertencem a grupos discriminados, as que de tanto repetir, desistiram de estudar.

Na defesa dos direitos de indivíduos e/ou grupos segregados da vivência social

comum, vários setores vêm assumindo a inclusão enquanto um novo paradigma que

pretende romper estruturas excludentes e construir alternativas democráticas e de

qualidade para todos, entretanto, ao longo das entrevistas, diversos discursos

mostraram-se contraditórios na medida em que, expondo iniciativas que julgavam

emancipatórias, acabaram associando-se aos domínios do conhecimento do tipo

regulatório, próprio de formações discursivas excludentes.

Desse modo, o mesmo discurso que declarava a necessidade de mudar a escola

como um todo compreendia, em outro momento, ser preciso a gente estar tentando é,

pelo menos, adaptar esses meninos à escola (E. M. Adélia Prado). Ou seja, o aparente

deslocamento de sentidos em direção a uma formação discursiva inclusiva, que

vislumbramos anteriormente, não se concretizou. Ao invés disso manifestou-se o que

Skliar (2002, p. 213) chamou de “ambição do texto da mesmidade”, que faz com que

tentemos alcançar o outro e escolarizá-lo para que se pareça cada vez mais como o

mesmo, com a nossa suposta normalidade.

De acordo com Mantoan (s.n.t.), “a inclusão é uma inovação, cujo sentido tem

sido muito distorcido.” Pessoalmente, optamos por compreendê-la enquanto um

processo em construção, que assume diferentes sentidos e remete a diferentes formações

discursivas em cada novo contexto. Tomando por referência as discussões suscitadas

por Santos (2002), acreditamos que, à medida que mantiveram como fonte de

reivindicações a reafirmação de um mundo dicotomizado em incluídos e excluídos, as

discussões sobre inclusão ainda não foram capazes de exprimir a diversidade humana

em toda a sua plenitude, o que, no nosso entendimento, permite que seus princípios

sejam cooptados por práticas e discursos regulatórios.

Consideramos os conflitos gerados pelo princípio da inclusão, enquanto parte de

uma transição paradigmática impulsionada por uma série de lutas subparadigmáticas,

cujo principal papel é o de “criar desfamiliarização em relação ao que está estabelecido

e é convencionalmente aceite como normal virtual inevitável necessário” (SANTOS,

2002, p. 16), apontando-lhe as inconsistências e acumulando frustrações, a fim de

“aprofundar a crise do paradigma dominante e acelerar a transição para o paradigma ou

paradigmas emergentes” (SANTOS, 2002, p. 19).

Assistindo aos inúmeros debates, aos conflitos, às possíveis inovações e aos

deslocamentos de sentido gerados pela inserção de crianças com deficiência nos

sistemas escolares comuns, podemos inferir, portanto, que o novo paradigma ainda está

por vir e que os princípios da inclusão nos permitem vislumbrar seus primeiros traços.

No próximo capítulo, além de apresentar as origens de alguns dos mecanismos

excludentes que têm configurado a atuação das escolas na civilização ocidental

moderna, discutimos aspectos relativos a algumas propostas de reorganização que vêm

sendo apresentadas às escolas com o objetivo de questionar-lhes as estruturas e torná-las

mais inclusivas.

2 ORIGENS HISTÓRICAS DOS MECANISMOS DE SELETIVIDADE ESCOLAR

Mecanismos de seletividade e segregação escolar, profundamente arraigados no

imaginário social, são, muitas vezes, tidos como naturais, inevitáveis e, até mesmo,

necessários para a manutenção da ordem nas sociedades modernas. Tais mecanismos

possuem, entretanto, uma origem histórica e servem a uma complexa e sofisticada rede

de controle e ordenação social.

A partir dos estudos de Petitat (1994) sobre a evolução da cultura escolar no

ocidente e apoiados em análises sobre o desenvolvimento e a organização da educação

básica no Brasil podemos identificar alguns elementos que foram sendo historicamente

agregados à forma-escola atualmente predominante.

Para esse autor, a origem das primeiras escolas pode ser localizada em

comunidades urbanas pós Idade Média, dado que a transmissão dos conhecimentos e

das tecnologias na civilização medieval européia era realizada, basicamente, pela

tradição oral e pelo aprendizado corporativo no contato direto entre mestres de ofício e

aprendizes.

Neste período, as poucas escolas elementares latinas existentes eram vinculadas

à Igreja e prestavam-se, inicialmente, à formação religiosa dos futuros monges e padres.

Posteriormente, as mesmas passaram a admitir crianças destinadas à vida laica,

proporcionando-lhes um ensino literário e erudito.

Com a ampliação do desenvolvimento urbano e comercial e com a disseminação

de textos escritos17, a escola elementar religiosa latina passou a atender pouco às

necessidades e exigências de uma parcela crescente da população, dedicada às

atividades comerciais. Surgiu daí a demanda por uma escola elementar moderna que,

nascida à margem das escolas elementares latinas, destinava-se à escolarização do povo

da cidade e do campo.

Em tais escolas ensinavam-se rudimentos de leitura, escrita e aritmética. O

currículo, que também abrangia noções relativas à moeda, ao câmbio e à contabilidade,

era voltado para a resolução de problemas concretos, surgidos na prática comercial.

Ainda segundo Petitat (1994, p. 57), neste contexto o ensino

é ministrado em uma sala única; não é subdividido em séries. O aluno freqüenta este local durante dois ou três anos, de acordo com suas próprias disposições e necessidades. Se demora a apreender os conteúdos, permanecerá mais tempo, mas não será eliminado. A escola não se encerra com a outorga de um título, [...] mas sim é um local em que são dispensados conhecimentos úteis para o comércio e para o futuro aprendizado.

Concluída a escola elementar, uma pequena parcela da população ingressava nas

faculdades de Artes, que se configuravam como opção de continuidade de estudos,

antecipando o papel que viria a ser desempenhado, posteriormente, pelos colégios. Tais

faculdades abrigavam um perfil social mais variado, pois, quando os estudantes não

tinham como pagar as taxas, eram isentados e autorizados a prosseguir o curso.

Além da formação de mestres em Artes, esse nível de ensino preparava para o

ingresso nas faculdades superiores de Teologia, Direito ou Medicina. Estas últimas

evidenciavam um isolamento social marcante, garantindo, por meios indiretos, que

estudantes de origem modesta fossem mantidos à distância dos diplomas superiores

ainda que, em princípio, qualquer pessoa tivesse o direito de adquirir os conhecimentos

e as tecnologias que desejasse.

Algumas observações de Petitat (1994, p. 70) sobre o tempo destinado aos

estudos e o currículo do ensino universitário parecem-nos especialmente interessantes:

Um aspecto que surpreende no processo de seleção é a inexistência de um regulamento que elimine aprendizes ou estudantes com base na excessiva lentidão do aprendizado. Suas vidas não eram regulamentadas através da noção de tempo que hoje nos é familiar. Não existe uma hierarquia estrita dos conteúdos.

No período que se estendeu da Renascença às vésperas da Revolução Industrial,

a criação e a multiplicação dos colégios pelo poder civil, em colaboração com

congregações católicas ou igrejas protestantes, constituiu o fenômeno mais marcante da

história das instituições escolares.

17 Inicialmente, o texto escrito era um instrumento para sistematização e conservação das idéias religiosas, mantido sob poder da Igreja. Em seguida, transformou-se em ferramenta inseparável dos comerciantes e dos que lidavam com as artes jurídicas e médicas.

Por outro lado, alguns colégios derivaram das faculdades de Artes, à medida que

nobres ou eclesiásticos, que até então ofereciam bolsas de estudo para estudantes sem

recursos, passaram a fundar estabelecimentos nos quais os estudantes encontrassem

alojamento e alimentação – os hospitia. Esses alojamentos transformaram-se, por fim,

em estabelecimentos de ensino.

O agrupamento de professores e estudantes em tais locais substituiu a dispersão

dos ensinos individuais e desencadeou a criação de rígidos princípios de controle e

disciplina. Ao mesmo tempo, um contínuo processo de segregação e isolamento social

afastou dos colégios os filhos de camadas mais pobres.

A partir da segunda metade do século XV e durante todo o século XVI, foi

introduzida a graduação sistemática dos conteúdos e a constituição de classes baseadas

no desenvolvimento e na idade dos alunos. Assim, o tempo do estudante, que antes se

dividia em largos períodos adaptáveis ao seu próprio ritmo, passou a ser repartido em

blocos anuais.

Os alunos dispõem de um tempo limitado para assimilar determinadas matérias, para entregar os temas e para apresentar-se aos exames. É o princípio dos prêmios pelo desempenho escolar, das censuras e das recompensas, dos alunos brilhantes e dos preguiçosos. A cada ano, os “bons” são promovidos e os “maus”, rebaixados ou eliminados (PETITAT, 1994, p. 79).

Apropriando-se de tais preceitos, os jesuítas elaboraram o Ratio Studiorum,

documento de referência para a organização das escolas mantidas pela Companhia de

Jesus, enquanto recomendações semelhantes orientavam o funcionamento de outras

escolas católicas e protestantes. Através desses documentos foram disseminadas, pelos

países europeus e suas respectivas colônias, rígidas medidas que pretendiam alcançar

alunos disciplinados e respeitosos da autoridade.

Na Europa e, especialmente, na França, durante os séculos XVI e XVII,

sociedades religiosas e de caridade, reformadores e contra-reformadores deram início ao

dualismo escolar na medida em que ergueram – à parte da escola elementar que

preparava para a entrada no colégio latino – uma escola elementar gratuita para os

pobres, abandonando a iniciação ao latim18 e especializando-se em prover catequese e

rudimentos de alfabetização para o povo.

Apesar do temor relativo a uma suposta ameaça subversiva, representada pela

educação das camadas populares, as escolas elementares gratuitas tiveram um progresso

notável baseado, principalmente, em duas séries de argumentos. Os primeiros, de ordem

moral, objetivavam evitar que os jovens caíssem no vício, no crime ou na imoralidade.

Além desses, argumentos de ordem econômica previam que conhecimentos

rudimentares de leitura, escrita e cálculo colocariam tais estudantes em melhores

condições de trabalhar.

A surpreendente proliferação das escolas elementares gratuitas e as práticas

pedagógicas19 que nelas se desenvolveram constituíram, segundo Petitat (1994, p. 110),

“o verdadeiro início do ensino primário moderno.” Tal progresso foi considerado

excessivo por parte da elite francesa, para a qual o conhecimento das letras não deveria

ser ensinado indiferentemente a qualquer um.

Posteriormente, o desenvolvimento dos Estados-Nações, intensificado nos

séculos XVIII e XIX, fez com que a educação pública passasse a constituir instrumento

primordial de garantia da inculcação “das bases da ordem natural fundamentada na

propriedade” (PETITAT, 1994, p. 144).

Em vários países europeus e, posteriormente, no Brasil, a estatização da

educação, implementada a partir da segunda metade do século XIX, motivou uma série

de reformas do ensino público, com o claro objetivo de homogeneizar, padronizar e

uniformizar a escolarização primária. Deste modo, detalhes da organização escolar

passaram a ser regulamentados pelo Estado:

prescrições sobre o tipo de escolas, localização e provimento, normas para a matrícula e freqüência, sobre os programas de ensino e o método, o material escolar, a forma de fiscalização e controle das escolas, as competências de professores, diretores e funcionários, a escrituração burocrática, a higiene escolar, a disciplina dos alunos,

18 Neste contexto, o conhecimento do latim era essencial para a continuidade dos estudos nos colégios, para o acesso às belas letras e às carreiras eclesiásticas. 19 Um dos principais administradores de escolas elementares gratuitas para o povo foi J.B. de La Salle (França 1651-1719), fundador do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs. Em Conduta das Escolas Cristãs (1838), estabeleceu as bases da escolarização elementar, fixando horários, designando conteúdos a serem ensinados, subdividindo-os em diferentes níveis, definindo os princípios de distribuição dos alunos de acordo com os conhecimentos adquiridos, instituindo as emulações e sanções a serem aplicadas e determinando rígidos princípios de conduta para os professores.

prêmios e punições, o calendário escolar e o emprego do tempo (SOUZA, 1999, n.p.).

No contexto brasileiro, a organização do tempo foi alvo de uma estreita rede de

especificações, visando a sua utilização racional. O calendário escolar, estabelecido em

189220, foi mantido, em diversos aspectos, até os dias atuais. Neste, o início do ano

letivo, que correspondia aos meses de janeiro e fevereiro, representava o início de uma

nova série ou a repetição da anterior.

Ao ano – unidade fundamental do calendário – foram associadas prescrições

sobre a jornada de estudos que então compreendia cinco horas diárias, mediadas por um

período de descanso de meia hora – o recreio. Foi também estipulada a distribuição

diária das lições e dos exercícios, consubstanciando, segundo Souza (1999, n.p.), “a

fragmentação do saber, indicando o quanto aprender de cada matéria e a hierarquia de

valores que cada uma possuía pelo tempo a ela destinado.”

Ainda de acordo com Souza (1999), neste período foi instituído no país o

controle sobre a freqüência por meio da interdição das faltas e atrasos. O ritual da

chamada, executado diariamente, uma ou duas vezes durante a jornada escolar,

compreendia mais um dispositivo disciplinar do tempo.

Já no século XX, mecanismos variados de seleção e segregação foram sendo

incorporados aos rituais de classificação, padronização, uniformização e hierarquização

de conteúdos, métodos, tempos, espaços e aprendizagens, então existentes nos sistemas

escolares ocidentais. Podemos citar como exemplo a criação das “famigeradas classes

de ‘anormais’” (FONSECA, 1995, p. 71), justificada pela classificação dos estudantes

através da aplicação da Escala Métrica de Inteligência, criada por Binet e Simon, em

1905. A criação de tais classes, com base em avaliações pretensamente científicas,

legitimou o isolamento de estudantes considerados incapazes em instituições de ensino

especial.

Ao longo da história, diversas iniciativas contribuíram para que se disseminasse

por todo o mundo ocidental, inclusive pelo Brasil, uma série de práticas pedagógicas

que consolidaram a forma-escola seriada, elitista e excludente que hoje conhecemos,

entretanto, a partir do século XX, severas críticas passaram a ser dirigidas a esse sistema

20 Com exceção do início e término do ano letivo e das férias de inverno o calendário escolar, estabelecido em 1892 pelo Decreto n° 144-B, de 30/12/1892, em ocasião da primeira reforma da instrução

que não mais respondia às demandas sociais e econômicas das comunidades em

desenvolvimento.

3.1 QUANDO A SELETIVIDADE ESCOLAR EMPERRA O CURSO DO DESENVOLVIMENTO

De acordo com Carvalho (2002), questionamentos sobre a concepção seletiva e

elitista de educação básica começaram a surgir, no Brasil, após a intensificação do

processo de urbanização provocado pelo desenvolvimento industrial brasileiro, por volta

da década de 1920. Tal desenvolvimento desencadeou a ampliação da demanda social

por educação.

Em 1920, um recenseamento escolar realizado no Estado de São Paulo revelou

que cerca de 70% das crianças estavam fora da escola. As vagas disponíveis, entretanto,

não supriam a demanda.

A fim de solucionar o problema do acesso ao ensino fundamental, Sampaio

Dória21, com uma motivação essencialmente pragmática, chegou a propor, em 1918,

que fossem promovidos do primeiro para o segundo ano todos os alunos que tivessem

cursado um ano escolar, só podendo os atrasados repetir o ano se não houvesse

candidatos aos lugares que ficariam ocupados. Segundo ele, “tal medida equivale a não

permitir que se negue matrícula aos novos candidatos, só porque vadios ou anormais

teriam de repetir o ano” (ALMEIDA JÚNIOR, 1957).

Na década de 30 intensificaram-se, no Brasil, os debates entre uma ala católica

que, de um lado, defendia o monopólio da Igreja na oferta de serviços educacionais

restritos às elites e um movimento reformador – responsável pelo conhecido Manifesto

dos Pioneiros da Educação Nova – que, de outro lado, defendia o controle da educação

por parte do Estado, a institucionalização e a expansão de uma escola pública, laica,

gratuita e obrigatória.

Paralelamente, organismos internacionais proclamavam a necessidade de

construção de uma rede de ensino elementar capaz de assegurar à população uma

educação que suprisse as demandas da urbanização. Sob tal perspectiva, a United

pública do Estado de São Paulo, permaneceu estável durante as primeiras décadas do século XX e, de certa forma, até os dias atuais (SOUZA, 1999).

Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), em colaboração

com a Organização dos Estados Americanos (OEA) e com o Governo do Peru

promoveu, em 1956, a Conferência Regional Latino-Americana sobre Educação

Primária, Gratuita e Obrigatória, durante a qual foi elaborada uma série de

recomendações, dentre as quais destacamos aquelas apresentadas por Almeida Júnior,

representante do Brasil no referido evento:

[...] que se procure solucionar o grave problema da repetência escolar, – que constitui prejuízo financeiro importante e retira oportunidades educacionais a considerável massa de crianças em idade escolar – mediante: a) a revisão do sistema de promoções na escola primária, com o fim de torná-lo menos seletivo, b) o estudo, com a participação do pessoal docente das escolas primárias, de um regime de promoção baseado na idade cronológica do educando e outros aspectos de valor pedagógico, e aplicá-lo, com caráter experimental, nos primeiros graus da escola (CONFERÊNCIA, 1956, p. 166).

A partir daí, intensificaram-se os debates em torno das possibilidades de adoção,

no cenário brasileiro, de programas de promoção automática já praticados em países

ingleses e norte-americanos. Neste contexto, Almeida Júnior (1957) ponderava que tais

programas não se adequariam ao caso brasileiro sem que uma série de condições

adicionais, já disponíveis nos países de referência, fossem aqui adotadas. Nesta mesma

perspectiva, o sociólogo Luís Pereira afirmava que

Ao que tudo indica, a introdução, em futuro imediato, desta prática no sistema escolar primário brasileiro [...] embora eliminasse as altas percentagens de repetência, não afetaria de modo direto e profundo os fatôres dêste fenômeno. A persistência de tais fatôres, sobretudo as precárias condições de funcionamento escolar, determinaria, então, problemas de outra ordem que não a repetência elevada – problemas mais graves, quem sabe? (PEREIRA, 1958, p. 107)

O psicólogo social, Dante Moreira Leite, alertava, em 1959, para o fato de que a

introdução da promoção automática implicaria uma transformação radical da escola, na

medida em que exigiria a modificação de seus objetivos básicos que, até então, eram de

seletividade, controle e moralização. Ele localizava na crença – ainda bastante difundida

nos sistemas educativos atuais – da necessidade de se trabalhar com classes

21 Diretor geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo responsável pela reforma do ensino paulista, em 1920.

homogêneas, a principal fonte de resistência dos professores à instituição da promoção

automática, ponderando que

quando se instala a promoção automática, esse princípio deixa de ser válido, e os vários grupos, dentro de uma classe, devem receber diferentes tarefas e buscar diferentes níveis de realização. Esta modificação da organização da classe e da aula tem conseqüências muito mais amplas do que se poderia pensar (MOREIRA LEITE, 1959, p. 19).

Moreira Leite (1959, p. 23) também preconizava que tal sistema estaria

“destinado ao completo fracasso, se os seus executores – professores, diretores,

inspetores – não estiverem convencidos de sua necessidade, assim como de suas

limitações.” Note-se, além disso, que, apesar de localizar na promoção automática –

devidamente associada à adequação do currículo ao desenvolvimento da criança – a

solução para a transformação da escola numa instituição eficiente, que atendesse ao

ideal de educação universal, o mesmo autor, ao contrário do que atualmente propõem

alguns educadores, acreditava que a promoção baseada na idade cronológica deveria

englobar somente a uma parcela das crianças, “com exceção, é evidente, das crianças

excepcionais” (MOREIRA LEITE, 1959, p. 18).

De acordo com Carvalho (2002), experiências concretas de organização escolar

baseadas no sistema de promoções automáticas começaram a ser implantadas em

diversos estados no final da década de 1950: Rio Grande do Sul, em 1958; Belo

Horizonte, em 1962; Pernambuco, em 1968; Santa Catarina, em 1969; Juiz de Fora, em

1969, entre outras.

Analisando algumas dessas experiências, extintas por não alcançarem êxito no

prazo esperado, Mainardes (1998, p. 22) afirma que a promoção automática, instituída

sem o devido acompanhamento, acabou agravando o problema da escolarização

primária. Ainda, segundo o autor, alguns pontos frágeis são comuns a todas:

ausência de discussão prévia com os professores, insuficientes estratégias de capacitação docente, o não oferecimento das condições necessárias. Em relação ao trabalho pedagógico, percebe-se, em todas elas, dificuldades dos professores com classes muito heterogêneas, indicando que este aspecto é fundamental, devendo ser levado em conta na implantação de propostas com promoção automática.

Recentemente, uma nova proposta de reestruturação da educação básica,

implantada no sistema de educação do município de Belo Horizonte e em outros

sistemas de ensino do país, fez reacender o debate em torno da relação entre promoção

automática, organização escolar em ciclos de formação humana e qualidade da

educação.

3.1.1 Promoção automática e organização escolar em ciclos de formação: algumas diferenças

Embora alguns autores se refiram à organização escolar em ciclos, atribuindo a

esta os mesmos princípios da promoção automática, Freitas (2003), Zaidan (1999) e

documentos da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (BELO

HORIZONTE, 1994/2002) propõem que se estabeleçam diferenciações entre essas

diversas propostas.

De acordo com Zaidan (1999), algumas iniciativas de organização escolar em

ciclos de quatro anos, como a do Ciclo Básico de Alfabetização (CBA) – que, em 1997,

implantou o regime de progressão continuada em Minas Gerais – não rompem com as

bases do ensino seriado na medida em que dividem o ensino fundamental em dois ciclos

de quatro anos e condicionam a conclusão de cada um deles ao resultado de uma

avaliação. A autora afirma, além disso, que tais medidas têm um cunho,

predominantemente, administrativo que pretende, basicamente, garantir um fluxo

contínuo de alunos por um período mais longo e a eliminação dos altos índices de

retenção nas séries iniciais.

Para Freitas (2003), a estratégia de organizar a escola por ciclos de formação

com base em experiências socialmente significativas para a idade do aluno – como, por

exemplo, nas propostas de Porto Alegre, com a Escola Cidadã e de Belo Horizonte, com

a Escola Plural – difere, profundamente, da estratégia de se agrupar séries com o

propósito de garantir a progressão continuada do aluno, como no caso das políticas que

foram recentemente implantadas nos sistemas de educação de São Paulo e Minas

Gerais. De acordo com o autor,

a primeira [organização por ciclos de formação] exige uma proposta global de redefinição de tempos e espaços da escola, enquanto a segunda [promoção automática] é instrumental – destina-se a viabilizar o fluxo de alunos e tentar melhorar sua aprendizagem com medidas de apoio (reforço, recuperação etc) (FREITAS, 2003, p. 9).

O autor insere, pois, a organização por ciclos numa perspectiva de mudança

mais ampla, ressaltando que sua importância está muito mais ligada a um “longo e

necessário processo de resistência de professores, alunos e pais à lógica excludente e

seletiva da escola” (FREITAS, 2003, p. 36) do que a uma solução pedagógica ou

econômica para o problema do fluxo escolar.

Por fim, alguns autores que refletem sobre o desenvolvimento de práticas

inclusivas nas escolas indicam a implantação dos ciclos de formação como uma solução

que, embora ainda muito incompreendida pelos professores e pais, pode favorecer o

acolhimento a todos os alunos, sem discriminação.

De acordo com a cartilha O acesso de alunos com deficiência às escolas e

classes comuns da rede regular (2004, p. 33),

se dermos mais tempo para que os alunos aprendam, eliminando a seriação e a reprovação nas passagens de um ano para outro, estaremos adequando a aprendizagem ao que é natural e espontâneo no processo de aprender e no desenvolvimento humano, em todos os seus aspectos.

Arroyo (2000, n.p.), por sua vez, afirma que “se queremos uma escola inclusiva,

vamos ter que aprofundar as diversas manifestações, as diversas dimensões da escola

excludente.” Assim, a princípio, espera-se que as reflexões em torno da reorganização

da escola na dinâmica dos ciclos de formação sejam capazes de aprofundar os debates e

evidenciar essas dimensões excludentes a fim de que se construam estratégias para

superá-las.

Vejamos em que bases foram estabelecidos os eixos que constituem o programa

político-pedagógico que, desde 1994, passou a orientar a organização do sistema de

educação no Município de Belo Horizonte.

3.2 A ESCOLA PLURAL ENQUANTO PROPOSTA DE INTERVENÇÃO NAS ESTRUTURAS SELETIVAS DO SISTEMA ESCOLAR

Em um dos primeiros Cadernos Escola Plural (BELO HORIZONTE,

1994/2002) publicados pela SMED/BH com vistas a divulgar o Programa e fornecer

algumas diretrizes para as escolas, seus organizadores afirmam que a estrutura do

sistema escolar atual, constituída há mais de um século, peneira e segrega em nome da

lógica da precedência das séries, da rigidez das avaliações e de uma uniformidade que

não reconhece as diferenças entre os estudantes.

A consolidação desse modelo de escola graduada foi, segundo Sacristán (2001),

uma das primeiras iniciativas da modernidade para ordenar a complexidade provocada

pela variedade evolutiva dos sujeitos, relegando as diferenças – e, conseqüentemente, a

deficiência – para o campo do distúrbio.

Na tentativa de redefinir aspectos significativos da estrutura e organização das

escolas, objetivando uma profunda intervenção nos mecanismos excludentes desse

sistema escolar e na cultura seletiva que os legitima, a Escola Plural organizou-se em

torno de quatro núcleos, aos quais dirigiremos nossa análise.

3.2.1 Eixos norteadores da Escola Plural

De acordo com documentação da SMED/BH (BELO HORIZONTE,

1994/2002), o Programa em questão assumiu, em seus princípios, uma série de ações

inovadoras que vinham sendo desenvolvidas nas escolas da Rede por iniciativa de seus

profissionais. Tais ações apontavam para uma intervenção coletiva mais radical, que

alcançasse a raiz do problema da evasão escolar, da reprovação e da repetência,

garantindo, assim, o direito popular à educação e à cultura.

Pretendia, a partir daí, que dimensões culturais da formação humana – até então

marginalizadas em prol de uma estreita concepção de educação voltada basicamente

para o domínio de habilidades e saberes que visam à inserção no mercado de trabalho –

fossem incorporadas no cotidiano escolar.

O Programa previa também a desconstrução da noção de escola enquanto tempo

de preparação da criança para vivência de direitos no futuro. Propunha que as

instituições educacionais fossem repensadas como tempos e espaços da cidadania e dos

direitos no presente, “sem sacrificar auto-imagens, identidades, ritmos, culturas,

linguagens, representações etc, em nome da preparação para a vida adulta” (BELO

HORIZONTE, 1994/2002, p. 12).

Ainda segundo o Programa, os profissionais da educação – sujeitos centrais das

modificações em curso na Rede Municipal – estavam alargando não só sua concepção

sobre a formação dos alunos, mas sua própria concepção de capacitação profissional.

Reivindicavam ser reconhecidos como sujeitos sócio-culturais, com direito a tempos,

espaços e condições de participação na cultura.

Ao introduzir o núcleo vertebrador que tratava da reorganização dos tempos

escolares, o Programa afirmava que rupturas ou interrupções do processo de

socialização-formação entre sujeitos na mesma idade-ciclo “não são justificáveis por

diferenças de raça, classe, gênero, ritmo de aprendizagem etc.” (BELO HORIZONTE,

1994/2002, p. 17).

3.2.2 Reorganização dos tempos escolares

A organização escolar em ciclos de formação era, como já foi dito, um dos

principais núcleos do programa pedagógico da Escola Plural. O ciclo incorpora uma

concepção de formação global do sujeito, considerando a diversidade e os ritmos

diferenciados no processo educativo e contrapondo-se à noção temporal em vigor na

maioria das escolas.

De acordo com Freitas (2003, p. 55), há uma lógica, historicamente, construída,

cuja função de segregação e dominação já está posta nos sistemas escolares, à qual os

ciclos deverão contrapor-se. “Os ciclos desejam contrariar essa lógica. Aí reside parte

de sua dificuldade: há um preço a ser pago por se contrariar lógicas instituídas.”

Esse modelo temporal tradicional que se organiza em torno de ritmos médios e

de uma suposta simultaneidade na aprendizagem dos conteúdos foi, durante mais de um

século, se cristalizando em calendários, níveis, séries, semestres, bimestres, rituais de

transmissão, avaliação, reprovação e repetência.

Tal organização ignora as diferenças sócio-culturais e os ritmos diferenciados de

aprendizagem, impondo-se sobre alunos e profissionais da educação a partir de um

sistema seletivo e excludente.

A questão do tempo escolar é, pois, crucial para se repensar as práticas de

segregação de diversas crianças, especialmente daquelas que são agrupadas em classes

ou escolas especiais, sob a justificativa de que têm dificuldades de “acompanhar o

tempo da turma”. Sampaio (2001, p. 5) fornece-nos uma interessante reflexão sobre a

rigidez deste tempo escolar institucionalizado:

A criança precisa aprender e a professora precisa ensinar neste tempo homogeneizador e pré-definido para todos. Na medida em que a criança não acompanha o “tempo” da turma, que é o “tempo” imposto pela escola, ela é posta “de lado”. [...] Se o tempo de ensinar/aprender não coincidir com o tempo do relógio, o tempo vivido é considerado tempo perdido (grifos da autora).

A fim de superar tal lógica, o Programa Escola Plural propunha a reorganização

do tempo de escola, de ensino-aprendizagem e de socialização a partir de princípios

temporais mais democráticos. Assim, o tempo escolar passaria a ser organizado em

fluxos mais flexíveis, mais longos e mais atentos às múltiplas dimensões da formação

dos sujeitos sócio-culturais. Os educandos – e não mais o conteúdo – passariam a ser

seu eixo vertebrador.

Neste sentido, a organização da educação básica na Escola Plural era feita em

três ciclos de formação. Ao primeiro ciclo básico correspondia o período característico

da infância que compreendia alunos que estivessem na faixa de idade 6-7; 7-8; 8-9 anos.

O segundo ciclo básico abarcaria alunos que estivessem na faixa de 9-10; 10-11; 11-12

anos, período característico da pré-adolescência. O terceiro ciclo correspondia, por fim,

ao período característico da adolescência, que compreendia a faixa etária de 12-13;13-

14; 14-15 anos.

Ao explicitar os princípios de tal organização, o Caderno Escola Plural:

Proposta político-pedagógica (BELO HORIZONTE, 1994/2002, p. 12) afirmava que

a Rede Municipal de Belo Horizonte não pretende aderir a propostas fáceis de promoção automática, rebaixamento das exigências, empobrecimento dos conteúdos para barateamento dos cursos da educação popular.

Parece-nos importante salientar, no entanto, que, na ocasião da pesquisa, a

confusão em torno das diferenças de significado entre o princípio da organização em

ciclos e da promoção automática – já discutidos no início do presente capítulo – ainda

gerava intensa polêmica e dúvidas sobre as possibilidades reais de oferta por parte da

Escola Plural de uma formação de qualidade à população.

3.2.3 Processos de formação plural

Atrelada ao princípio de organização da educação básica em ciclos estava a

noção de que o conhecimento escolar não pode continuar reduzido à

transmissão/reprodução de conteúdos preestabelecidos.

Na medida em que assumia o desenvolvimento integral dos alunos, o Programa

Escola Plural propunha que o conhecimento escolar fosse construído a partir de uma

visão globalizante, que reconhecesse e refletisse sobre questões de interesse social,

tendo como referência diversos aspectos culturais, até então descolados das disciplinas.

A ampliação da relação entre ensino e aprendizagem pela noção de formação

humana é essencial para a construção de uma educação inclusiva, pois o princípio

difundido no imaginário social mais amplo de que professor é aquele que ensina e aluno

é aquele que aprende determinados conteúdos, num determinado tempo e espaço, parece

dificultar a nós, professores, o desenvolvimento de estratégias para lidar com a

diversidade constituída de alunos que não aprendem os conteúdos determinados no

tempo, espaço e ritmo estipulados.

3.2.4 Avaliação na Escola Plural

A organização escolar baseada em ciclos de formação implica, necessariamente,

um debate bastante intenso sobre os mecanismos de avaliação, envolvendo os

profissionais das escolas e os membros da comunidade escolar.

Uma das publicações da SMED/BH (BELO HORIZONTE, 1996a/2002),

distribuída às escolas, afirmava que a avaliação escolar, enquanto mecanismo

ideológico, vinha sendo usada como instrumento de coerção e controle social, pois, é

através dela que, muitas vezes, a escola justifica a seleção social, a discriminação e até a

segregação de determinados indivíduos.

Segundo Mantoan (2000b, p.2), entretanto, “escola de qualidade não é escola

que reprova, que retém o aluno, que expulsa o que não aprende, que discrimina os que

têm dificuldade, que destrói a auto-estima do aluno,” por isso, na medida em que

proclama a educação como um direito de todos, qualquer programa educacional que se

pretenda democrático precisa questionar essa visão reduzida e equivocada dos processos

de avaliação.

A eliminação da prática de reprovação ao final do ano constituía, no entanto, um

dos principais entraves à aceitação do Programa Escola Plural por parte dos professores

e demais membros da comunidade escolar. Soares (2002, p. 75), ao relatar o trabalho de

pesquisa realizado junto aos professores de uma escola da Rede Municipal de B.H.,

afirmou:

É possível perceber, através destas falas, o peso e a importância da nota e da reprovação na cultura escolar. Sua abolição desestruturou as relações de poder na escola e significou, para os docentes, a perda de referências fundamentais do seu trabalho: avaliar, manter a disciplina, exercer o controle sobre o processo de aprendizagem de seus alunos e alunas.

De acordo com Firme (1994), diversos mitos, construídos em torno da avaliação

e da aprovação escolar, precisam ser desmontados para que se avance no sentido de uma

mudança. Tais mitos, há muito, vêm servindo como justificativa para as práticas de

reprovação, como se essas fossem necessárias para garantir a qualidade do ensino.

Dúvidas a respeito dos procedimentos avaliativos são também levantadas

quando a questão é a inserção de crianças com deficiência em classes comuns do ensino

regular. Os objetivos de sua escolarização e os critérios a serem considerados nos

momentos de avaliação ainda constituem objeto de profundos questionamentos. De

acordo com Arroyo (2000, n.p.), não é fácil mudar a cultura da reprovação, pois as

escolas acabam criando estratégias paralelas para continuar segregando. Assim, “os

mecanismos de avaliação segregativa continuam presentes sutilmente.”

Acreditamos, portanto, que a superação dos mecanismos seletivos que vigoram

nos sistemas escolares demandará intensos debates e profundas modificações,

introduzidas não só na estrutura dos sistemas educacionais mas, principalmente, nos

mecanismos ideológicos que lhe servem de sustentação.

No que tange à democratização do atendimento educacional prestado às crianças

com deficiência, os debates mostravam-se ainda mais acirrados. Ao longo das

entrevistas com os professores das escolas pesquisadas, pudemos reconhecer sentidos

variados atribuídos à Escola Plural, associados à questão da construção da escola

inclusiva, os quais passamos a analisar.

3.3 ESCOLA PLURAL E INCLUSÃO: O QUE OS DISCURSOS NOS REVELARAM

Embora inúmeros sentidos sobre a Escola Plural tenham sido identificados no

discurso dos professores entrevistados, ao longo do presente texto optamos por expor

somente aqueles que nos pareceram melhor contribuir para a compreensão das relações

entre as mudanças suscitadas pelo Programa e os processos de inserção de crianças com

deficiência no cotidiano das escolas.

Eu acho que a assistência, mesmo. A preparação dos professores prá essa mudança. Ela não foi legal, né? Foi uma coisa que foi lançada muito, assim, de uma vez. [...] Isso aí eu acho que até ajuda as pessoas a terem resistência a entender o Projeto, né? (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Assim como diversas outras pesquisas também apontaram (MAINARDES,

1998; DALBEN, 1998, 2000; SOARES, 2002), os professores entrevistados foram

unânimes em censurar o processo de implantação da Escola Plural caracterizando-o,

muitas vezes, como uma bomba [...] um crime com o professor [...] uma falta de valor

(E.M. Ruth Rocha). A falta de assistência oferecida às escolas e a escassa preparação

dos professores prá essa mudança também foram outros itens apontados como

passíveis de críticas.

Ao afirmar que isso até ajuda as pessoas a terem resistência a entender o

projeto, o recorte discursivo apresentado recorria aos fatores citados para tentar explicar

por que tantos professores demonstravam um olhar reducionista e, até mesmo, certo

desinteresse ou desconhecimento dos princípios do Programa.

Mas eu acho que se a gente perguntar quem é que faria, hoje, a opção de voltar para o modelo seriado [...] eu acho que a gente não vai encontrar professor que fala “tenho saudades daquela escola que a gente trabalhava há dez anos atrás”. Eu acho que nós somos, hoje, profissionais muito melhorados. (E. M. Cecília Meireles) Eu avalio que o nosso processo, apesar de ter tido lá seus problemas, suas dificuldades, a escola avançou mais nos últimos, né? [...] Desde a organização, a organização pedagógica, né? Dos tempos, dos espaços, dos alunos, dos professores. [...] O mais importante que eu acho, também, é a cabeça de todo mundo, né? Que muda. As nossas atitudes, os nossos procedimentos, a nossa maneira de encarar o trabalho da gente. (E.M. Ruth Rocha)

Por outro lado, pudemos perceber que, em ambientes onde nos foram relatadas

experiências de organização coletiva em torno de projetos comuns de trabalho, os

discursos tendiam a associar à Escola Plural o mérito de ter auxiliado os professores a se

tornarem profissionais muito melhorados e a repensarem os sentidos da escola.

Avaliavam, assim, que apesar de ter tido lá seus problemas, suas dificuldades,

a escola avançou com relação à estrutura seriada à qual nós, professores, fomos

habituados e da qual ainda não conseguimos nos libertar completamente. Para alguns

grupos, o Programa adquiriu um sentido positivo, de importantes mudanças em nossas

atitudes, os nossos procedimentos, a nossa maneira de encarar o trabalho da gente.

Se fosse na escola sem ser Plural, a nossa escola tradicional, a seriada, a escola de oito anos atrás, esse aluno iria para a última sala. Aliás, ele nem ia estar aqui, né? Porque ele não ia ter acesso à escola. (E. M. Maria Adelaide Amaral) A inclusão, se ela fosse numa escola formatizada, né? Uma escola mais tradicional, já começaria até a barreira por aí. Até pela estruturação, pela não abertura em determinadas situações. A inclusão, talvez, não aconteceria tão mais fluente como acontece através do projeto da Escola Plural. (E.M. Bárbara Heliodora) Eu acho que toda essa discussão de inclusão tem acontecido com a diretriz da Escola Plural que é a inclusão, né? O trabalho de inclusão. Então, assim, eu acho que é com a implementação da Escola Plural que se abre essa possibilidade de inclusão das crianças com necessidades especiais. (E. M. Ana Maria Machado)

Durante as entrevistas, muitos professores associavam à nossa escola

tradicional, a seriada, barreiras ao acesso de crianças com deficiência às classes

comuns. Paralelamente, eram unânimes em afirmar que a implementação da Escola

Plural abre essa possibilidade de inclusão, entretanto, conforme se verá com maiores

detalhes nos itens 4.4 “Aprendizagem, desenvolvimento e enturmação” e 4.5

“Avaliação: entre a emancipação e o controle”, poucos eram os professores que

acreditavam na oferta de um ensino de qualidade sem que houvesse a possibilidade de

retenção dessas crianças quando seu desenvolvimento não correspondesse às

expectativas.

Agora, a questão do ciclo tem que ser muito, também, discutida ainda por causa desses meninos. Acho que eles estão acompanhando os pares de idade, nada mais. Porque o progresso é muito pequeno, né? (E.M. Ruth Rocha)

O problema hoje é que todos estão na escola, mas a escola não está dando conta de atendê-los. Quer dizer, o problema continua, né? (E.M. Ruth Rocha) A questão da retenção que acho que o que pega mais na Escola Plural atualmente é isso, né? Eu acho que ela tem que ser revista. (E. M. Cecília Meireles)

Para a maioria dos entrevistados, à medida que todos estão na escola, mas a

escola não está dando conta de atendê-los, a proposta da organização em ciclos tem

que ser revista. Assim, ainda que os professores vissem na Escola Plural uma

alternativa para a inserção de diversas crianças antes segregadas, diante das dificuldades

em promover o aprimoramento da organização escolar a fim de torná-la mais adequada,

recorriam novamente à retenção, porque o progresso é muito pequeno. Outros

sugeriam, ainda, o retorno das crianças mal atendidas pela escola comum para a escola

especial.

Concluímos, a partir daí, que ainda não havia sido alcançada a percepção de que

a escola é estruturalmente excludente e de que é preciso rever suas bases para favorecer

tanto aos estudantes que, tradicionalmente, fazem parte de sua clientela, quanto às

crianças com deficiência que possam ali ingressar. Não seria, pois, anulando o

incômodo de sua presença através da retenção ou da segregação em escolas especiais

que iríamos esconder o fato de que o problema continua.

No próximo capítulo, além das iniciativas oficiais relativas ao atendimento

educacional às pessoas com deficiência no Município de Belo Horizonte apresentamos,

por temáticas, a análise das observações e entrevistas que realizamos nas escolas

pesquisadas.

4 A EXPERIÊNCIA DE BELO HORIZONTE

4.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ATENDIMENTO EDUCACIONAL PRESTADO PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

No presente item abordamos, especificamente, a questão do atendimento

educacional prestado às pessoas com deficiência pelo poder público Municipal. A fim

de contextualizar tal atendimento, faremos, inicialmente, um rápido resgate histórico

sobre a experiência de Belo Horizonte.

De acordo com publicação da SMED/BH (BELO HORIZONTE, 2000a), o

Município de Belo Horizonte passou a (co-)responsabilizar-se pelo atendimento

educacional às pessoas com deficiência em 1982, por meio de convênios de cooperação

firmados entre a Secretaria Municipal de Educação e instituições especiais da rede

privada. Até então, a oferta desse tipo de atendimento era de responsabilidade exclusiva

de instituições particulares ou estaduais.

Uma correção na data segundo a qual foram iniciados os convênios pode ser

proposta com base na Resolução n. 0443 (ANEXO H) que, em 1980, aprovou o

convênio celebrado entre a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e a APAE.

Por meio de tais acordos, a SMED/BH colocava à disposição das instituições

conveniadas três a cinco professores municipais PM122 – quantidade variável de um

convênio para outro – em troca de um número preestabelecido de vagas para o

atendimento a alunos do primeiro grau da Rede Municipal de Educação cujas

características cognitivas, físicas ou comportamentais dificultassem sua adaptação aos

padrões exigidos pela escola comum. Neste contexto,

a atuação da Secretaria Municipal de Educação caracterizava-se pela adoção de medidas recuperadoras, corretivas ou de adaptação escolar, típicas de uma educação compensatória, marcada pelo enfoque terapêutico e assistencialista (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 14).

De acordo com Coelho (2003, p. 84), não havia critérios definidos para o

encaminhamento desses alunos às instituições, nem divulgação ampla de tal

22 PM1 indica o professor que prestou concurso para trabalhar no ensino fundamental.

possibilidade. “Os pais ou responsáveis pelas crianças é que, quando tinham

conhecimento da oferta de tais serviços, procuravam a SMED/BH para tentar obter o

que se convencionou chamar de bolsa de estudo.”

Sob nova gestão a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

promoveu, entre 1989 e 1992, uma série de modificações no atendimento a educandos

com deficiência. Segundo Coelho (2003), diretrizes da Constituição Federal,

promulgada em 1988, deram novo impulso à política educacional do Município.

Isso porque, à medida que, no item III, do artigo 208, reconhece o ensino

obrigatório e gratuito como direito público subjetivo e institui o “atendimento

educacional especializado dos portadores de deficiência, preferencialmente na rede

regular de ensino” (BRASIL, 1988), a Constituição garante ao cidadão o direito de

exigi-lo às autoridades competentes.

No ano seguinte à Constituição, a Lei Federal n. 7.853, de 24 de outubro de

1989, em seu art. 1º, estabelece “normas gerais que asseguram o pleno exercício dos

direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva

integração social” (BRASIL, 1989) e norteia, no Município de Belo Horizonte, a

elaboração da Lei n. 5.602/89 que institui a matrícula compulsória de alunos com

deficiência física nas escolas municipais (BELO HORIZONTE, 1989a). Através de um

breve exame dos convênios firmados entre a SMED/BH e instituições especiais

particulares como a APAE (BELO HORIZONTE, 1980), percebe-se que, até então,

alunos que apresentassem deficiência física eram também encaminhados ao

atendimento fora das escolas comuns, ainda que tal condição não estivesse associada a

comprometimentos mentais.

Já em 1990, houve uma ampla descentralização da administração municipal com

a criação de nove administrações regionais. Neste contexto foi criado, no interior da

SMED/BH, o Departamento de Organização Escolar (DOEED), no qual passou a existir

o Serviço de Ensino Especial, órgão técnico responsável pela coordenação da Educação

Especial no Município23. No mesmo ano tal Serviço definiu, junto a orientadores e

supervisores educacionais, procedimentos e critérios para diminuir o encaminhamento

indiscriminado de alunos para tratamento e atendimento em escolas especiais.

23 Até então não havia órgãos específicos para a coordenação de serviços de Educação Especial e a administração dos convênios era de competência do Departamento de Assistência ao Educando através do Serviço de Encaminhamento Escolar.

Naquele contexto, a Prefeitura, que ainda não dispunha de estruturas próprias

para atender à demanda de alunos com deficiência, idealizou o chamado Projeto Livre

Trânsito (BELO HORIZONTE, 1989b) que, segundo Coelho (2003, p. 88), “implicava

um compromisso formal no oferecimento de vagas na rede própria de atendimento.”

Em linhas gerais, esse Projeto previa a instalação de Centros de Educação

Especial em cada uma das nove regionais administrativas do Município, com o objetivo

de facilitar a integração dos alunos atendidos às escolas comuns, entretanto, a criação de

tais Centros – não concretizada por depender de dotação orçamentária suplementar – foi

substituída pela implantação de três escolas municipais de Educação Especial.

Em 1990, foi então criada a Escola Municipal de Ensino Especial Centro-Sul,

que passou a funcionar num prédio onde também foram instaladas escolas comuns, com

o objetivo de facilitar o trânsito e a integração dos alunos. A segunda Escola Municipal

de Ensino Especial foi criada em 1991, na Regional Venda Nova, em prédio projetado

com instalações adaptadas e planejamento do espaço, tendo em vista as necessidades

especiais do alunado. Os professores desta escola participaram de cursos em parceria

com a SMED/BH, constituíram grupos de estudos e elaboraram o projeto pedagógico da

instituição. A partir do registro das experiências vividas no cotidiano dessa escola, foi

também editada uma revista anual que, além de relatar a história da criação da

instituição, registrou diversas reflexões e estudos de caso escritos pelos professores

sobre o trabalho junto aos alunos (EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1995, 1996).

Ainda em 1991, a SMED/BH criou o Centro de Aperfeiçoamento de

Profissionais da Educação (CAPE), setor responsável pela formação continuada em

serviço dos educadores municipais. No início, a estrutura organizativa do CAPE incluía

uma Oficina de Educação Especial, posteriormente suprimida e substituída por um

Núcleo de Educação Especial, responsável pelas ações de formação específica no

contexto da Rede Municipal.

Em dezembro de 1992 foi inaugurada, na Regional Oeste, a Escola Municipal de

Ensino Especial Frei Leopoldo que funcionava em uma casa alugada com estrutura

arquitetônica inadequada24 e com professores que não tinham experiência em Educação

Especial e que não tiveram, em sua formação acadêmica e/ou em serviço, oportunidades

de acesso a conhecimentos na área.

A partir de 1992, salas de recursos começaram a ser instaladas nas Regionais

onde não havia escolas especiais. Tal implantação foi regulamentada pela Resolução n.

001/92, com base na Lei Municipal n. 3.908/84 que prevê o emprego de

equipamentos, recursos didáticos e professores especializados para complementar o trabalho realizado com alunos com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais integrados em turma comum do ensino regular nos níveis pré-escolar e ensino fundamental (BELO HORIZONTE, 1984).

Neste contexto, a criação das escolas especiais visava à preparação dos alunos

com deficiência para serem integrados nas escolas comuns, enquanto as salas de

recursos seriam equipamentos de apoio pedagógico para aqueles já integrados.

Na ocasião da pesquisa, a manutenção deste tipo de atendimento paralelo era

ponto polêmico entre os profissionais da educação sendo, por uns, considerada um

mecanismo de sustento da noção de que o atendimento às necessidades de crianças com

deficiência seria responsabilidade de especialistas, desvinculados da escola comum. A

própria SMED/BH admitia que

o contingente de alunos encaminhados refletia a tendência das escolas em considerar a sala de recursos como alternativa para superação do fracasso escolar, uma espécie de ‘tábua de salvação’ para os problemas do ensino regular (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 21, grifo do autor).

Durante a gestão municipal no período 1993-1996 houve uma expansão do

atendimento educacional especializado por meio da ampliação dos contratos da

SMED/BH com instituições da rede privada. O poder público optou, naquele momento,

por contratos de compra de vagas (concessão de bolsas de estudo) e por convênios de

cooperação ou adjunção (um Professor Municipal PM1 para cada oito vagas para alunos

com deficiência) junto a dez instituições especializadas, sob a justificativa de

incapacidade da rede pública para garantir o atendimento à demanda.

Em 1994, o efervescente movimento para a elaboração das diretrizes do

Programa Escola Plural fomentou a criação do setor de Coordenação de Política

Pedagógica (CPP) a fim de viabilizar a articulação de grupos de trabalho e a produção

de material formativo e informativo.

24 Em 1997 a escola foi transferida para um prédio próprio, arquitetonicamente projetado para atender às necessidades de seu alunado.

Ainda sob formato experimental provisório25, autorizado pelo Conselho Estadual

de Educação (CEE), a Escola Plural, enquanto Programa de Governo, começou a ser

apresentada às escolas da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte no final do

ano de 1995.

Ao mesmo tempo em que ocorria a implantação do Programa, a equipe

responsável pelo setor de Educação Especial no CAPE coordenava fóruns de discussão

regionalizados sobre a questão do atendimento educacional às pessoas com deficiência.

Neste contexto, foi criado o Fórum das Escolas Especiais, objetivando à

problematização de questões como a organização e funcionamento destas escolas, a

terminalidade, a formação docente, o cadastro escolar, os critérios adotados para o

encaminhamento de alunos e a interface com outras Secretarias e áreas afins. Esse

fórum foi, posteriormente, redimensionado e ampliado com a participação de outros

setores educacionais, passando a denominar-se Fórum da Educação Especial.

Além desse, a articulação entre trabalhadores da saúde e da educação deu origem

ao Fórum de Atenção à Saúde Mental da Criança e do Adolescente, envolvendo

representantes das nove Regionais do Município. Reunidos, os fóruns regionalizados

passaram a constituir o Interfórum de Saúde Mental, posteriormente denominado Fórum

da Criança e do Adolescente que contava com a participação de trabalhadores da

Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, representantes dos Conselhos Tutelares,

gestores e outros segmentos da população.

Entre 1997 e 2000, novos gestores do sistema de educação do Município

optaram, segundo Coelho (2003, p. 101), por realizar um diagnóstico dos órgãos e

serviços que atuavam junto aos alunos com deficiência. Para tal, foi contratada uma

consultoria específica, visando “avaliar as condições de infra-estrutura, recursos

humanos e programas da SMED/BH, no que se referia à Educação Especial e, além

disso, propor diretrizes para a prevenção, diagnóstico e serviços terapêuticos no

atendimento a alunos com deficiência na RME.”

25 Até 2003, a Escola Plural ainda funcionava em caráter provisório, por não ter sido regulamentada pelo Conselho Municipal de Educação. Apesar disso, a possibilidade da organização escolar em ciclos de formação foi reconhecida, em âmbito nacional, em 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, cujo Art. 23 institui que: “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar” (BRASIL, 1996).

Com base em observações de campo, levantamento de dados, reuniões e

entrevistas envolvendo instituições especiais e comissões compostas por membros dos

diversos órgãos da Educação Especial no Município, os consultores procuraram levar os

profissionais a refletir sobre sua atuação, o que, segundo Coelho (2003), resultou em

inúmeros conflitos e resistências.

Ainda segundo a autora, apesar de todas as críticas às quais foi submetida, tal

consultoria impulsionou “a reestruturação dos organismos que gerenciavam a Educação

Especial na SMED/BH e a adoção de novos rumos na condução da política para o

atendimento a pessoas com deficiência” (COELHO, 2003, p. 104).

Assim, uma vez corrigidas as distorções detectadas nos contratos e convênios

junto às escolas especiais privadas, a SMED/BH passou a priorizar o ingresso de alunos

com deficiência em escolas municipais e estaduais, encaminhando-os para a rede

privada somente quando declarada a impossibilidade de atendimento pela rede pública,

no entanto a assinatura, mesmo que reduzida, de convênios e contratos com instituições

especializadas, somadas à manutenção de escolas municipais de Educação Especial,

ainda constituía uma rede paralela de atendimento que acabava por legitimar e perpetuar

mecanismos de seletividade no sistema educacional. Para exemplificar tais mecanismos,

recorremos ao relato de um professor da Escola Municipal de Ensino Especial de Venda

Nova (EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1996, p. 6), segundo o qual

A Educação Especial tem como campo de trabalho um espaço contraditório, pois enquanto se propõe a integrar a pessoa portadora de deficiência na escola comum, esta, por sua vez, faz o movimento de encaminhar para a escola especial seus alunos que apresentam dificuldades no aprendizado, mesmo sem portar qualquer deficiência, excluindo aqueles que não se adequam à estrutura preestabelecida pelo sistema educacional.

Um dado importante fornecido pela SMED/BH (BELO HORIZONTE, 2000a, p.

18) é o de que, apesar de as escolas de Educação Especial do Município terem sido

criadas com a intenção de cumprir função integradora, a maioria dos alunos que nelas

ingressavam permaneciam nessas escolas por tempo indeterminado. Assim sendo, um

dos maiores desafios com relação a esse tipo de serviço era o de ressignificá-lo na

perspectiva da consolidação da educação inclusiva.

Por outro lado, a implantação do Programa Escola Plural – cujo objetivo era

reverter o percurso de exclusão social de crianças e adolescentes e garantir a oferta de

educação de qualidade para todos – e a difusão dos princípios da educação inclusiva a

partir da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), gerou o aprofundamento dos

debates sobre a manutenção de estruturas isoladas de atendimento especial e incentivou

a construção de estratégias que favorecessem a inserção de alunos com deficiência nas

escolas comuns e em outros espaços sociais não segregados.

Deste modo, escolas comuns da Rede Municipal passaram a ser desafiadas a

atender às crianças com deficiência, condutas típicas e/ou dificuldades de

aprendizagem, até então encaminhadas para atendimento exclusivamente nas escolas

especiais.

Vale ressaltar que a simples matrícula desses alunos nas escolas comuns não

garantia o atendimento adequado à diversidade presente no cotidiano das escolas. Para

tal, eram necessárias alterações na lógica da organização escolar e na prática

pedagógica, o que pressupunha profundas modificações de cunho ético, político,

cultural e ideológico.

4.2 A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA PLURAL: SENTIDOS EM CONSTRUÇÃO

Conforme já exposto, a implantação de serviços de Educação Especial na

Prefeitura de Belo Horizonte foi, inicialmente, realizada sob a lógica da integração que,

no entanto, tem se revelado insuficiente no combate à segregação e na promoção de

igualdade de oportunidades educacionais para todos.

No contexto da Escola Plural, cujos princípios visavam “assegurar o acesso e o

percurso escolar a todos os educandos, construindo uma escola qualitativamente capaz

de responder aos desafios da heterogeneidade” (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 29), o

ingresso, cada vez mais freqüente, de alunos com deficiência às escolas comuns poderia

contribuir para a revisão de práticas, para a formação de novas competências e para a

construção de estratégias de ensino/aprendizagem mais condizentes com as

necessidades do alunado em geral.

Na medida em que estabelecemos como principal objetivo do presente estudo

compreender os sentidos que os professores vinham construindo a respeito do Programa

Escola Plural, dos princípios da educação inclusiva e da relação de ambos com a

inserção de crianças com deficiência nas classes comuns, uma breve exposição sobre as

ações implementadas por parte do Município, visando ao acesso e permanência dessas

crianças nos auxiliou a visualizar parte do contexto que influía nessa construção de

sentidos.

No documento O especial na educação: a experiência de Belo Horizonte,

publicado pela SMED/BH (BELO HORIZONTE, 2000a), encontramos algumas

indicações sobre estratégias oficiais que vinham sendo adotadas. Primeiramente, o

documento anunciava a prática de conferir-se prioridade à matrícula de crianças com

deficiência na Educação Infantil.

Assim, na ocasião das entrevistas, quando eram abertas as inscrições objetivando

ao sorteio de vagas para esse nível de ensino, as crianças, cujos pais haviam informado

sua deficiência no momento da inscrição, tinham sua vaga, automaticamente, reservada.

Justificava-se tal procedimento pela impossibilidade de atender a toda a demanda por

Educação Infantil e pela necessidade de estimulação precoce apresentada pelas crianças

com deficiência26.

Acreditamos que tal estratégia pudesse ser caracterizada como uma política

afirmativa passível de discussão. Numa escola que se pretendia inclusiva – e que, por

isso, deveria oferecer igualdade de oportunidades para todos, sem exceções – priorizar

vagas para o atendimento a crianças com deficiência enquanto as vagas restantes eram

sorteadas entre as demais crianças, era, no mínimo, contraditório.

O citado documento previa também a adequação da rede física das escolas a fim

de reduzir as barreiras arquitetônicas que pudessem dificultar a locomoção de crianças,

professores e demais usuários com deficiência física.

Conforme pudemos verificar na ocasião das visitas realizadas ao longo dos anos

de 2003 e 2004, aplicando verbas próprias – provenientes do Caixa Escolar – ou parte

da verba de Intervenção Pedagógica27, diversas escolas procuravam diminuir barreiras

arquitetônicas, construindo, por exemplo, rampas de acesso aos diferentes níveis do

prédio escolar e reformando espaços como cantinas e banheiros.

26 Vale ressaltar que a Rede promoveu uma grande expansão no número de estabelecimentos de Educação Infantil, abrindo novas vagas para os anos 2004/2005, entretanto, durante a realização da pesquisa, não dispusemos de informações atualizadas sobre as regras para o preenchimento de tais vagas. 27 A liberação da verba de Intervenção Pedagógica, no ano de 2003, era feita após a análise e aprovação, pela equipe responsável pelo acompanhamento das escolas, dos projetos elaborados por cada unidade escolar. Os diretores foram orientados para não utilizar tal verba em reformas, mas exceções eram abertas quando as justificativas apresentadas comprovassem que os benefícios de tais obras seriam pedagogicamente revertidos aos alunos.

O documento da SMED/BH também previa o “investimento na formação dos

educadores e acompanhamento das escolas com o objetivo de promover a inclusão dos

alunos com deficiência nas escolas municipais” (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 30).

Na ocasião das entrevistas, o acompanhamento das escolas e dos processos de

inserção de crianças com deficiência em escolas comuns era feito por equipes regionais,

denominadas G9028. Ao todo, essa equipe contava com cerca de sessenta integrantes,

subdivididos entre as nove regiões administrativas para o acompanhamento das 182

escolas da Rede Municipal, dentre elas, três especificamente voltadas para a Educação

Especial.

Além de compor as equipes de acompanhamento às escolas, os profissionais do

CAPE – órgão responsável pela formação dos professores da Rede – faziam parte de

comissões que coordenavam o Curso de Aperfeiçoamento da Prática Pedagógica

(CAPP) e o Curso de Diretores e Coordenadores, que aconteciam em quartas-feiras

alternadas, de quinze em quinze dias. Alguns membros do CAPE também participavam

da Comissão de Rede de Trocas, Registros, Publicações e Tecnologias.

A Rede de Trocas ocorria, periodicamente, na forma de seminários, para os

quais eram convidados alguns professores da Rede. Envolvia discussões sobre temas

diversos e “configura-se como uma ação que pretende o relato, a reflexão, a análise e o

debate sobre diferentes experiências, os processos vivenciados pelas escolas e a

problematização do ato educativo” (BELO HORIZONTE, 2000a). Em 2003, as

discussões da Rede de Trocas giraram em torno das experiências junto às turmas de

alunos com deficiência auditiva, em andamento em algumas escolas comuns.

De acordo com as análises de Coelho (2003), no entanto, parecia existir um

distanciamento entre os órgãos gestores e as escolas. A relação com a Secretaria de

Educação, que deveria ser intermediada pelos órgãos regionais, setores de formação e

de formulação de estratégias facilitadoras da inclusão, tinham para as escolas a marca da

ausência, conforme também afirmavam os professores por nós entrevistados: Aqui só

faz parte do itinerário quando tem que incluir alguém, tá? É só na chegada (E.M.

Bárbara Heliodora).

28 Nome informalmente dado pela SMED/BH à equipe de profissionais composta por membros da CPP, do Gabinete, das GERED e do CAPE.

Assim, “garante-se o acesso dos alunos às escolas, por encaminhamento da

GERED ou pelo Cadastro; depois, as intervenções passam a ser pontuais em resposta às

dificuldades que as escolas possam apresentar diante dos casos” (COELHO, 2003,

p. 174), prática que vinha sendo alvo de queixas generalizadas por parte das escolas.

O curso é prá uma pessoa. Esse tal de repasse não existe, porque é diferente eu ir lá participar do que ela ir lá, participar e me contar, entendeu? (E. M. Maria Adelaide Amaral) Primeiro, prá você sair da escola, [...] é difícil. Prá que eu vá nesse curso eu tenho que prejudicar ela, porque ela vai ter que ficar com horário integral, entendeu? É uma pessoa a menos na escola. (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Os professores também se mostravam bastante insatisfeitos com a política de

formação profissional em vigor na RME/BH. Entre outras queixas, o fato de serem

oferecidas poucas vagas – o que exigia esse tal de repasse que, por circunstâncias

diversas, costumava não funcionar – e dos cursos serem realizados no horário de

trabalho e fora do ambiente escolar – implicando em uma pessoa a menos na escola –

dificultava, segundo os entrevistados, uma participação mais efetiva. Retomaremos a

discussão dessa questão no item 4.7 “Professores: seus saberes e sua formação”.

Outro ponto previsto no documento da SMED/BH era a “possibilidade de

redução do número de alunos por turma, considerando-se a inclusão de um ou mais

alunos com deficiência na sala de aula, mediante avaliação da escola e equipe

pedagógica da Regional” (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 30).

Ali fica vinte e cinco, mas a outra fica vinte e nove, a outra fica trinta... Quer dizer, tirou o menino dali, mas pôs na outra. (E. M. Rachel de Queiroz)

Em casos como esses, ocorriam acordos internos entre os professores das

próprias escolas. Em geral, turmas que possuíam uma criança com deficiência – cujos

comprometimentos tornassem indispensável a redução do número de alunos – tinham

alguns educandos transferidos para uma outra sala, da mesma escola, todavia, os

professores questionavam as reais vantagens de tal estratégia, visto que o aluno retirado

de uma turma deveria ser transferido para outra, que fica vinte e nove, a outra fica

trinta, podendo gerar prejuízos ao bom andamento do trabalho. Isso porque o número

reduzido de alunos em sala poderia contribuir para o atendimento a todos os alunos e

não apenas àqueles com deficiência.

O documento registrava ainda a “disponibilidade de estagiárias para as escolas

nas quais se avalia a necessidade de apoio pedagógico específico em turmas que

incluem alunos com deficiência” (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 30).

De acordo com a SMED/BH, esses estagiários deveriam atuar no apoio ao

professor e à turma, porém, grande parte das escolas delegava a eles a responsabilidade

exclusiva pelo atendimento educacional – muitas vezes realizado fora da sala de aula –

aos alunos com deficiência que, deste modo, permaneciam segregados do restante da

turma.

Na ocasião da realização da pesquisa, a atuação dos(as) estagiários(as) dentro

das escolas era ainda bastante controversa e diversas dúvidas sobre sua função ainda

não haviam sido esclarecidas, o que discutiremos com mais detalhes no item 4.6

“Estratégias de Acolhimento e Intervenção Pedagógica”.

A “garantia de atendimento extraturno em salas de recursos para alunos com

deficiência auditiva, com paralisia cerebral, deficiência física, sensorial ou mental que

freqüentam turmas comuns do ensino regular”, além do “provimento de materiais e

recursos específicos para as salas de recursos a fim de ampliar e qualificar o

atendimento pedagógico” (BELO HORIZONTE, 2000a, p. 30), eram outras medidas

previstas pela SMED/BH.

Até então reguladas pela Resolução SMED n. 005/96, as salas de recursos ainda

eram serviços de atendimento especial oferecidos “em período não coincidente com a

freqüência do educando na classe regular, em local com equipamentos, materiais e

recursos pedagógicos adequados” (BELO HORIZONTE, 1996c, p. 8).

A maioria destas salas estava instalada em escolas comuns e era coordenada

pelas GERED. Até o ano de 2003, os profissionais das salas de recursos desenvolviam

um atendimento nuclear quando o aluno se deslocava para ser atendido na sala de

recursos; havia também um atendimento itinerante quando os profissionais das salas de

recursos se deslocavam, periodicamente, para as escolas.

A partir de 2004, juntamente com outros órgãos de assistência às escolas, os

profissionais das salas de recursos iniciaram uma reavaliação de suas funções, buscando

melhor sintonizá-las com as discussões sobre educação inclusiva. Na ocasião, os

atendimentos nucleares haviam sido suspensos e, durante inúmeros encontros, buscou-

se a construção de novas diretrizes para esse serviço.

Nas escolas, os professores queixavam-se do fim dos atendimentos nucleares

extraturno e da falta de informações atualizadas sobre o novo perfil das salas de

recursos. Por termos encerrado o período destinado à coleta de dados para a pesquisa,

não tivemos acesso às novas diretrizes.

O documento da SMED/BH também registrava a “disponibilização de

equipamentos e recursos materiais para atender às necessidades educacionais

específicas de alunos com deficiência matriculados em escolas municipais” (BELO

HORIZONTE, 2000a, p. 30).

Ao longo das entrevistas, contudo, diversos professores manifestaram

insatisfação quanto à disponibilização de equipamentos e recursos como mobiliário

escolar adaptado a usuários de cadeira de rodas. Foram-nos relatados casos de alunos

que não freqüentavam as aulas por falta de cadeira de rodas, o que, em linhas gerais,

demonstra a necessidade de maiores investimentos nos setores públicos responsáveis

pelo atendimento a tais demandas.

Apesar disso, alguns projetos estavam em andamento e previam a

disponibilização de recursos aos alunos de escolas públicas. Por informação de uma das

profissionais do CAPE, o Centro de Apoio Pedagógico para o Atendimento às Pessoas

com Deficiência Visual (BELO HORIZONTE, 2003) foi criado através do Decreto

Municipal nº 11.300, de 15 de abril de 2003, tendo como atribuições: garantir recursos

específicos, textos e livros ampliados e em Braille para educandos cegos e com visão

subnormal da rede regular de ensino; adaptar materiais pedagógicos e formar

profissionais qualificados para o atendimento a essa clientela; além de apoiar e

desenvolver ações de conscientização, objetivando à integração social da pessoa cega ou

com visão subnormal. Inaugurado em setembro do mesmo ano, o Centro contava com

financiamento do Governo Federal, mas era administrado pelo Município.

Na ocasião da pesquisa, também estava em andamento um projeto de instalação

de turmas compostas por alunos com deficiência auditiva em escolas comuns da Rede.

Em entrevista, um membro do CAPE, então responsável pelo projeto, afirmou que esse

projeto não previa a inserção dos alunos com deficiência auditiva nas turmas de

ouvintes. Assim, atividades envolvendo conteúdos sistemáticos eram desenvolvidas

dentro das salas compostas apenas por alunos com deficiência auditiva, orientados por

um professor que sabia LIBRAS. A integração com os alunos ouvintes ficava restrita

aos horários de recreio e de outros tipos de atividades coletivas que as escolas

desenvolvessem para esse fim.

O citado projeto também previa a contratação de um instrutor com deficiência

auditiva, presente, desde agosto de 2003, em cada uma das oito escolas que, até então,

participavam do projeto cuja função era trabalhar, em momentos distintos, com os

alunos com deficiência auditiva e seus professores, com os alunos ouvintes e com os

demais professores da escola, ensinando a LIBRAS. Até o momento da entrevista, essas

oito escolas municipais comuns abrigavam número variável de turmas compostas de

oito a quinze alunos com deficiência auditiva.

Apesar da insistência dos profissionais do CAPE em afirmar que tais turmas de

alunos com deficiência auditiva não configuravam uma “classe especial”, não

acreditamos que tal organização pudesse contribuir para a construção de uma escola

inclusiva visto que, ao invés de valorizar e possibilitar a convivência na diversidade,

punha em grande evidência uma diferença específica, mantendo tais indivíduos

separados do restante do grupo.

Duas das escolas por nós visitadas, que participavam de um outro projeto de

inserção de alunos com deficiência auditiva iniciado anteriormente na Rede, tinham

uma organização diferente e contavam com a intervenção de intérpretes de Língua

Brasileira de Sinais (LIBRAS). De acordo com o projeto em andamento nessas escolas,

cinco ou seis alunos com deficiência auditiva eram inseridos em turmas comuns, junto

aos alunos ouvintes. Dispunham de um professor ouvinte e do auxílio de um intérprete

durante as aulas, possibilitando-lhes participar de todas as atividades executadas pelas

turmas.

Então, assim, a gente acaba aprendendo uma série de coisas. [...] E a maioria dos alunos ouvintes aprende LIBRAS. Foram aprendendo. Assim, a grande maioria. (E.M. Adélia Prado)

Segundo nos informaram os professores que atuavam nas turmas comuns onde

havia alunos com deficiência auditiva inseridos tal organização, mesmo que exigisse o

agrupamento desses alunos nas proximidades do intérprete, mantendo ainda um certo

distanciamento com relação ao professor e ao restante da turma, possibilitava uma

interação mais ampla do que a alternativa de agrupá-los e separá-los em salas só para

alunos com deficiência auditiva. Foi-nos relatado que, desse modo, na convivência

diária, a maioria dos alunos ouvintes aprende LIBRAS. Os professores, por sua vez,

ainda que acabassem aprendendo uma série de coisas, pareciam interagir com os

alunos com deficiência auditiva de forma mais restrita já que passavam menos tempo

junto às turmas e podiam contar com a intervenção constante dos intérpretes.

Para o acompanhamento de crianças com comprometimentos motores29 –

incluindo as afetadas por paralisia cerebral – estavam sendo estabelecidas parcerias

entre a SMED/BH e o Hospital do Aparelho Locomotor Sarah Kubitschek – Belo

Horizonte. Pedagogos hospitalares, responsáveis pelos contatos com os professores das

escolas comuns e especiais organizavam seminários no próprio Hospital e faziam o

acompanhamento das crianças ali atendidas, prestando orientações aos familiares e

professores. Em suas visitas às escolas municipais, eram sempre acompanhados por um

profissional do CAPE ou por integrantes do G90.

Tivemos um ganho muito grande com a vinda do pessoal do Sarah Kubitschek. Fomos atendidos num curso lá. [...] Eles dão uma oficina [...] esclarece como lidar com esse tipo de aluno, que nem eu não sabia. (E.M. Bárbara Heliodora) O Sarah tá com uma proposta muito bacana de trabalho. E esses meninos que têm acompanhamento lá eles convidam. Olha, é aberto aos professores mais à comunidade. Eles convidam, a gente procura participar. (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Em diversas ocasiões, os professores entrevistados manifestavam suas

impressões sobre o tipo de assistência oferecida pelos professores hospitalares às

escolas e foram unânimes em afirmar que tiveram um ganho muito grande com a

vinda do pessoal do Sarah Kubitschek que, com uma proposta muito bacana de

trabalho, oferecia cursos, oficinas e estudos de caso nos quais disponibilizavam

informações, modelos de materiais didático-pedagógicos e demais alternativas que

pudessem facilitar a locomoção, a comunicação, o aprendizado e a interação dos alunos.

No que se refere ao atendimento prestado pelas escolas especiais da Rede

Municipal, de acordo informações fornecidas pelo profissional do CAPE, havia uma

preocupação em reavaliar seus objetivos e seu trabalho, buscando uma maior sintonia

29 Para o atendimento às demais deficiências não existiam alternativas específicas na RME/BH.

com os princípios de uma educação inclusiva, por isso, crianças com dificuldades de

aprendizagem, antes encaminhadas para as escolas especiais, estavam sendo

reintegradas às classes comuns, enquanto nas três Escolas de Ensino Especial da Rede

ainda permaneciam os casos tidos como mais severos, diagnosticados como

“deficiências reais”.

Ainda assim, pela tabela abaixo podemos visualizar que, no ano de 2003, era

bastante significativo o número de alunos que permaneciam sendo atendidos por esse

serviço:

Tabela 1 – Alunos atendidos por Escolas Municipais de Ensino Especial em Belo Horizonte

Regional Escola Municipal

Número de alunos

Centro-Sul Escola Municipal de Ensino Especial Santo

Antônio

164

Oeste Escola Municipal de Ensino Especial Frei

Leopoldo

125

Venda Nova Escola Municipal de Ensino Especial de

Venda Nova

216

Fonte: Dados fornecidos em entrevista, por membro do CAPE.

Para além dos discursos oficiais, ao longo dos próximos itens, buscamos

compreender os sentidos que os professores entrevistados vinham atribuindo aos

princípios do Programa Escola Plural e à relação destes com as recentes discussões

sobre educação inclusiva, fomentadas especialmente a partir da inserção de crianças

com deficiência em turmas comuns.

4.3 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E TRABALHO COLETIVO: LIMITES E POSSIBILIDADES

Destacamos a questão da construção, execução e avaliação do projeto político-

pedagógico das escolas – que, inevitavelmente, pressupõe o desenvolvimento de um

trabalho coletivo, além do estreitamento dos laços entre os profissionais que atuam na

escola e entre esta e a comunidade – enquanto uma das temáticas constitutivas em

termos da concretização do ideário de uma escola inclusiva.

Utilizamos como suporte para tais análises, os estudos desenvolvidos por autores

que discutem aspectos relativos à formulação de projetos pelas escolas, em suas

dimensões política e pedagógica (BUSSMANN, 1995; VEIGA, 1995, 2003),

relacionando-os às reflexões em torno da participação de variados atores na gestão de

espaços públicos (ARROYO, 2002; PAOLI e TELLES, 2000). A discussão de tais

temas foi complementada com referências aos princípios da escola inclusiva

(MANTOAN, 2001a; MARQUES e MARQUES, 2003).

Em Pensando e fazendo educação de qualidade, Mantoan (2001a) afirma que

uma das principais condições para uma educação de qualidade aberta à diversidade é a

elaboração autônoma e participativa do projeto político-pedagógico por parte das

escolas.

Em linhas gerais, tal projeto pode ser entendido como a própria organização do

trabalho pedagógico da escola, devendo estar baseado num compromisso definido

coletivamente. Não é um documento, apenas. É um “processo permanente de reflexão e

discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua

intencionalidade” (VEIGA, 1995, p. 13).

Entre os princípios que devem nortear a organização do trabalho da escola

pública, democrática e gratuita e, portanto, seu projeto político-pedagógico, Veiga

(1995) destaca: a) a garantia de igualdade de condições para acesso e permanência na

escola; b) o desafio de propiciar qualidade para todos; c) a gestão democrática em suas

dimensões pedagógica, administrativa e financeira; d) a liberdade e a autonomia dos

sujeitos na criação de regras e orientações; e) a valorização do magistério, relacionada à

formação (inicial e continuada), condições de trabalho (recursos didáticos, recursos

físicos e materiais, dedicação integral à escola, redução do número de alunos na sala de

aula etc), remuneração, entre outros.

O projeto político-pedagógico de uma escola está estreitamente vinculado a um

esforço coletivo de ação-reflexão-ação que vise a rupturas com o instituído para avançar

sempre, já que sua construção não se encerra nem acarreta um resultado ou documento

final.

Em suas análises sobre o tema, Bussmann (1995, p.39) afirma que “para ser

renovador, o projeto pedagógico deve renovar-se constantemente, caso contrário estará

negando-se a si próprio.” Neste sentido, discussões em torno da avaliação e

aperfeiçoamento do trabalho coletivo, envolvendo representantes dos diferentes

segmentos da escola, precisam ser incessantemente estimuladas.

No discurso dos diversos professores entrevistados encontramos múltiplos

sentidos sobre os processos de construção, execução e avaliação dos projetos político-

pedagógicos das escolas, os quais passamos a analisar.

Em linhas gerais é aquelas coisas de toda escola, né? De cidadania, formar cidadão, crítico, atuante, participante... trazer a comunidade prá escola. [...] Manter o esquema que já tem, né? Com as aulas especializadas, sendo que as especializadas ajudando a gente, as referências em projetos mais individuais, né? Deu essa abertura prá gente estar fazendo por conta própria. [...] Cada professor faz. (E.M. Bárbara Heliodora)

Manter o esquema que já tem foi uma das formações discursivas encontradas na

análise do corpus discursivo que, associada às condições de produção do discurso,

remetia ao sentido de não ruptura com o instituído. Segundo Veiga (2003), os projetos

elaborados sob este prisma podem ser compreendidos na perspectiva das inovações em

que predomina o caráter regulatório ou técnico, cuja ênfase está mais voltada para a

dimensão técnico-administrativa, em detrimento das dimensões política e sociocultural.

Ações implementadas dentro dessa lógica não produzem um projeto político-

pedagógico novo, apenas rearticulam o sistema de forma superficial e temporária,

contribuindo para a perpetuação do instituído. A reprodução acrítica de princípios

padronizados ou coisas de toda escola, sem muita consciência de suas implicações para

o sistema educativo, pode conduzir à produção de um mero enunciado de princípios ou

de boas intenções que pouco ou nada contribuem para o processo de qualificação da

escola.

Neste contexto, a inovação “significa assumir o projeto político-pedagógico

como um conjunto de atividades que vão gerar um produto: um documento pronto e

acabado. Nesse caso, deixa-se de lado o processo de produção coletiva” (VEIGA, 2003,

p. 271) reduzindo-se, por exemplo, o trabalho coletivo a projetos mais individuais [...]

prá gente estar fazendo por conta própria.

Demonstrando-se contrário a essa prática do “salve-se-quem-puder” em vigor

em grande parte das escolas, Rubem Alves, em A escola com que sempre sonhei sem

imaginar que pudesse existir, publicado em 2001, enfatiza o fato de a educação

constituir-se uma aventura coletiva de partilha, na qual se faz necessário reforçar os

mecanismos de interação solidária e os procedimentos corporativos que superem o

“arquipélago de solidões” constituído pelo isolamento físico e psicológico no qual

trabalham os docentes. Segundo o autor,

Pensar a educação numa lógica burocrática e corporativa de mera adição, confrontação ou justaposição de “papéis educacionais” (em que cada “parceiro” ou “agente” se manteria acantonado na sua ilha de “autonomia”, só saindo dela em momentos ritualizados para cumprir uma função estatutária ou organizacional) é pensar a educação numa perspectiva profundamente redutora, social e culturalmente perversa (ALVES, 2001, p. 115).

Dando continuidade às nossas análises, também pudemos identificar o sentido de

inovação de caráter, predominantemente, regulatório ou técnico no discurso de

professores que afirmavam ser o projeto político-pedagógico um documento pronto

que, portanto, parecia não se estabelecer enquanto um constante movimento de repensar

a escola.

Projeto político-pedagógico da escola, oficial, que tá pronto, colocado, ele é antigo... ele já está defasado. Ele é antes do projeto da Escola Plural. (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Neste sentido, prevalecia uma visão burocrática, na qual o projeto parecia ser

compreendido enquanto “um documento programático que reúne as principais idéias,

fundamentos, orientações curriculares e organizacionais de uma instituição educativa”

(VEIGA, 2003, p.271) que a gente apresenta à Prefeitura no início de ano, com a

proposta pedagógica pr'aquele ano (E. M. Lygia Fagundes Telles), uma formalidade

muitas vezes cumprida para ser autorizada ou reconhecida pelos órgãos centrais de

gestão do sistema educacional.

Tem que ser um projeto, né? Coletivo. [...] Mas isso ainda não está tão aqui na escola. [...] Ainda não foi escrito, não foi organizado nada. Só tem idéias e necessidades, também. (E. M. Zélia Gattai) É o que nós estamos pelejando prá que aconteça logo. [...] Nós estamos começando a construir o nosso projeto, tamos no início, construindo. (E. M. Zélia Gattai)

Apesar das orientações30 para que elaborassem o projeto político-pedagógico,

nem todas as escolas conseguiam implantar um movimento coletivo de ação-reflexão-

ação que contribuísse para orientar tal elaboração. Percebe-se, no entanto, que os

inúmeros desafios apresentados às escolas – dentre eles o da organização escolar em

ciclos e o da educação inclusiva – estavam influindo em seu cotidiano, no sentido de

“questionar convicções e, fraternalmente, incomodar os acomodados” (ALVES, 2001,

p. 99), fazendo com que os professores começassem a sentir a necessidade de estar

começando a construir e pelejando para se organizar em torno de projetos coletivos,

que transformassem idéias e necessidades em propostas e ações concretas.

O problema hoje é que todos estão na escola, mas a escola não está dando conta de atendê-los. Quer dizer, o problema continua, né? (E. M. Zélia Gattai)

Habituados ao sistema segregativo que, há séculos, mantém fora da escola

grande parcela da população, os professores vinham sendo desafiados a rever suas

concepções e aperfeiçoar seu trabalho para suprir às demandas antes excluídas. Por

abalar as bases da organização escolar, ainda que ocorresse dentro de uma coletividade

interessada na elaboração de um projeto político-pedagógico que, efetivamente,

contribuísse para a melhoria da qualidade da escola, tal processo era marcado por

dúvidas e dissenso, fazendo eclodir variados sentidos quanto à função da escola e sua

atuação junto à comunidade.

Tá existindo uma demanda grande de alunos que tão aí com encaminhamento judicial e, quando o juiz manda é o cumpra-se, né? [...] E a escola tem que dar conta disso! [...] Mas nós queremos estar identificando o papel social dessa escola e [...] nós temos uma resistência grande por falta de um maior conhecimento, de sentir um maior apoio é nessa questão da inclusão. [...] Por que aqui? (E. M. Maria Adelaide Amaral)

No contexto acima apresentado, o projeto político-pedagógico vinha se

constituindo em espaço de questionamento e redefinição de papéis, na medida em que

os educadores se sentiam compelidos a, cada vez mais, exercer funções que acreditavam

não lhes pertencerem.

30 Cf. BRASIL, 1996; BELO HORIZONTE, 2000c.

Buscamos em Arroyo (2002) subsídios para compreender o sentido do discurso

dos professores que, no convívio diário com crianças submetidas à vivência em

situações de risco, procuravam construir sua identidade docente e seu projeto político-

pedagógico. Partindo das noções de infância31 enquanto projeto “humano a ser

realizado”, um “projeto de gente” que pode “chegar a ser alguém”, ou não, o autor

afirma que “as crianças têm o dever de ser e os educadores o dever de dar conta de que

sejam” (ARROYO, 2002, p. 40). Nessa perspectiva, teríamos que aprender a ser

humanos, mas “podemos acertar ou fracassar. Nessa aprendizagem também há sucesso

e fracasso” (idem, p.53).

À medida que a escola se questionava Por que aqui? – indicando a suposição de

que crianças com deficiência ou no chamado risco social deveriam ser atendidas em

outro lugar – mostrava-se dentro de uma noção de infância enquanto um projeto

humano arruinado que, de tão distante dos padrões esperados para uma infância ideal,

parecia necessitar de uma instituição corretiva especializada para endireitar os rumos de

sua humanização para que, depois de normatizada, pudesse ingressar na escola comum.

Um projeto político-pedagógico construído a partir de uma resistência grande baseada

em tais noções, buscaria, portanto, eximir a escola de ter que dar conta disso.

Eu tô aguardando opções. [...] a gente fica muito em cima da mãe, da Prefeitura. (E. M. Maria Adelaide Amaral) Eles já eram da escola desde o pré e vêm nessa luta toda tentando ajudar, tentando encaminhar. (E. M. Zélia Gattai)

Essa postura de ficar aguardando opções vindas de fora ou permanecer

tentando encaminhar para os ditos especialistas as crianças cujas características

agridem o padrão de conduta esperado, foi identificada em diversos contextos onde os

professores se mostravam inseguros, desacreditados das possibilidades de assumir o

31 Adotamos posição divergente com relação à noção de infância na qual Arroyo (2002) baseia suas reflexões, por não acreditarmos em infância enquanto “projeto humano a ser realizado” (p. 40) nem na possibilidade de uma “infância e adolescência não vivida” (p. 201). Baseamo-nos nas reflexões de S.Monteiro (2003) segundo a qual a infância é sempre vivida enquanto período de desenvolvimento biológico, psicológico e social. Assim, a criança é hoje, no seu presente, um ser que participa na construção da história e da cultura de seu tempo, ainda que seja deficiente ou viva em situações denominadas de risco tendo, portanto, direito de usufruir de oportunidades não segregadas de atendimento educacional. Cf. S.Monteiro (2003) sobre as diversas concepções de infância presentes no discurso de profissionais da educação.

atendimento a tais demandas e desarticulados no que tange à construção coletiva de

alternativas.

Ao estendermos nossas reflexões para a análise dos dispositivos legais que

regem a educação em nosso país, verificamos, no entanto, que, de acordo com o art. 205

da Constituição Federal de 1988, a educação é “direito de todos e dever do Estado e da

família”. Nos perguntamos, a partir daí, a que todos é devido o direito público

subjetivo32 de acesso ao ensino fundamental? Respondendo tal questão com base nas

leis e nos princípios da inclusão, não cabem exceções.

Em comunidades educativas onde o trabalho vinha assumindo uma dimensão

predominantemente coletiva e democrática surgiam novas alternativas, contribuindo

para que outros sentidos em torno do projeto político-pedagógico se fizessem presentes.

Então vamos fazer uma coisa prá mexer com todo mundo! É problema de uma professora? Que é uma outra questão. Isso é problema de quem? É de um grupo? É de um professor? Ou é um problema da escola? Que a escola tem que resolver? Aí o grupo definiu que era da escola. Então é competência de todo mundo, é obrigação de todo mundo, né? (E. M. Rachel de Queiroz)

O recorte discursivo em destaque remetia à busca de uma compreensão renovada

das responsabilidades da escola frente às demandas que lhe eram apresentadas.

Deslocando da formação discursiva regulatória ou técnica do projeto político-

pedagógico, os professores pareciam buscar uma articulação em torno de inovações que

os situavam numa formação emancipatória ou edificante que, segundo Veiga (2003,

p. 275), “pressupõe uma ruptura que, acima de tudo, predisponha as pessoas e as

instituições para a indagação e para a emancipação.”

Fazer uma coisa prá mexer com todo mundo poderia ser uma forma de romper

com o isolamento dos diferentes segmentos da instituição educativa, exercitando-lhes a

capacidade de problematizar e compreender as questões que a escola tem que resolver e

enfrentando-as enquanto competência de todo mundo. Sob esta ótica, o projeto se

caracterizaria como

32 Direito público subjetivo é aquele cuja aplicabilidade deve se dar de forma imediata e, se não prestado espontaneamente, exigível judicialmente, conforme o art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96: “o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo” (BRASIL, 1996).

um meio de engajamento coletivo para integrar ações dispersas, criar sinergias no sentido de buscar soluções alternativas para diferentes momentos do trabalho pedagógico-administrativo, desenvolver sentimento de pertença, mobilizar os protagonistas para a explicitação de objetivos comuns definindo o norte das ações a serem desencadeadas, fortalecer a construção de uma coerência comum, mas indispensável, para que a ação coletiva produza seus efeitos (VEIGA, 2003, p. 275).

Neste contexto, apesar de existirem entre o corpo docente e administrativo

posições divergentes e ações que algumas vezes contradiziam os princípios

apresentados, percebemos que o poder articulador do projeto político-pedagógico e a

vigilante atuação da direção e coordenação pedagógica buscavam evitar que tais

divergências enfraquecessem a unidade da instituição ou que se pudesse fugir dos

princípios que a gente acha que são necessários para o andamento da escola (E. M.

Rachel de Queiroz).

Então, assim, dá prá você bancar aquilo ali porque tem uma coisa do coletivo. Então, não tem muito ai-ai-ai, oi-oi-oi, né? É assim, não tá combinando? Não tá legal, volta pro coletivo. Não tá concordando, não? Volta! Faz um argumento contrário. (E. M. Rachel de Queiroz)

Os sentidos que emergiam deste discurso evidenciavam, mais uma vez, uma

aproximação da formação emancipatória ou edificante das inovações que se procurava

implementar, na medida em que resistências, discordâncias e conflitos – comuns e, até

mesmo, constitutivos das organizações humanas – não eram ignorados ou

desconsiderados. O fato de um membro do grupo não tá concordando não chegava,

necessariamente, a ameaçar o projeto educativo em andamento. Ao contrário, a prática

da volta pro coletivo para que se apresentasse um argumento contrário poderia ser uma

estratégia adotada para o fortalecimento do grupo.

De acordo com Veiga (2003), a legitimidade do projeto polítcico-pedagógico

está estreitamente ligada ao grau e ao tipo de participação de todos os envolvidos com o

processo educativo e requer continuidade de ações. Quanto à participação da

comunidade escolar nesse processo, os sentidos que foram identificados nos variados

contextos investigados também podem ser situados nas formações discursivas

regulatória ou técnica e emancipatória ou edificante.

Em linhas gerais é aquelas coisas de toda escola, né? [...] trazer a comunidade prá escola. [...] Fizemos o questionário pros pais, né? Perguntando sobre prioridades da escola. [...] Mas só assim em questões de questionário. De mandar eles responderem. [...] Mandou o bilhete, depois foi referendado na assembléia. (E.M. Bárbara Heliodora) Reunião de final de semestre, bimestre, você pode contar nos dedos. [...] Bilhete é um caso sério porque a maioria é analfabeto, não sabe ler. [...] A gente sabe que é uma comunidade que exige muito da escola, mas que, quando a escola vai exigir deles, não tem retorno. (E. M. Zélia Gattai)

Um primeiro sentido, encontrado no discurso de diversos professores

entrevistados, reduzia a intenção de trazer a comunidade prá escola a enviar

questionário pros pais responderem, a mandar bilhetes, convidando-os para reunião de

final de semestre ou, ainda, convocando-os para assembléias cuja finalidade, muitas

vezes, era apenas cumprir uma exigência legal de que decisões predefinidas pelos

profissionais das escolas fossem referendadas pela comunidade.

Referendar significa, entre outras coisas, “aceitar a responsabilidade de (algo já

aprovado por outrem), concorrendo para que essa coisa se realize” (FERREIRA, 1975,

p. 1203). No cotidiano de grande parte das escolas, o hábito de referendar decisões

parecia apenas formalizar uma pseudoparticipação da comunidade, sem que a mesma se

convertesse em compromisso e interação de ambas as partes na organização do trabalho

pedagógico.

Nos contextos em que o projeto político-pedagógico era construído nesta

perspectiva, era comum estarem associadas críticas e queixas com relação ao pouco

envolvimento dos pais no que se referia à educação das crianças. Retomando as

contribuições de Veiga (2003, p. 269) para o tema, remetemos esse sentido de

pseudoparticipação da comunidade à formação dircursiva regulatória ou técnica, onde

se “deixa de fora quem inova e, portanto, não é afetado por ela.” A interação, em casos

como estes, era substituída por uma relação em que a comunidade exige muito da

escola e a escola, ao pretender exigir deles, não tem retorno.

Arroyo (2002, p. 22) interpreta as reservas que grande parte dos profissionais da

educação têm com relação à participação da comunidade na gestão escolar enquanto

uma forma de autodefesa da categoria contra uma possível descaracterização da

centralidade de sua ação qualificada. Segundo o autor, os professores não se

entusiasmam demasiado com essas “ondas constituintes participativas, que pensam gerir

um campo tão específico à base de uma mobilização difusa” por perceberem que a

educação escolar vem sendo “tratada como uma terra vadia, sem cercas, facilmente

invadida por aventureiros ou por amigos”, gerando descaracterização e

desprofissionalização, seguida da desvalorização do ofício de mestre, da redução de seu

reconhecimento social e de suas condições de trabalho.

Por outro lado, à medida que os educadores superavam esse receio e se

dispunham a reunir diferentes vozes na elaboração de alternativas comuns – cientes de

que, se bem conduzida, tal iniciativa não dispensava a especialidade de sua ação –

novos sentidos pareciam emergir.

Nós temos, de cada sala, dois pais representantes, tá? Esses pais representantes são eleitos na primeira reunião de fevereiro. [...] Então, esses pais nos ajudam em tudo o que a escola precisa de articulação em relação à comunidade, tá? [...] O negócio é chamar. Chama e eles vão e participam. (E. M. Rachel de Queiroz) Vem mesmo e discute de igual prá igual com a gente, sabe? Entende direitinho a linguagem que a escola tá fazendo, sabe dos direitos. (E. M. Rachel de Queiroz) Uma das coisas que a gente vê que já é parte da nossa história, também, faz parte do nosso projeto é o seminário que a gente faz em junho, que é o seminário de avaliação. [...] Aluno, pai, todo mundo avalia todo mundo em todos os aspectos. [...] E a assembléia decide do que foi proposto no passado, se já foi resolvido, né? E as novas demandas. (E. M. Rachel de Queiroz)

Nos recortes discursivos apresentados, a articulação em relação à comunidade

parecia assumir um sentido amplo, de efetiva participação. Neste contexto, não

apareciam manifestações de queixa com relação aos pais visto que esses nos ajudam em

tudo o que a escola precisa de articulação em relação à comunidade. O negócio é

chamar.

Durante as entrevistas, foram apresentadas diversas estratégias de aproximação

que pareciam fazer com que esse chamado tivesse melhor retorno. Entre elas a eleição,

em cada sala de aula, de dois pais representantes que, junto aos profissionais da escola,

articulavam a participação da comunidade na elaboração e execução do seminário de

avaliação; na promoção de atividades esportivas, cursos e oficinas no espaço físico da

escola; nos mutirões para a organização de festas e demais manifestações culturais ou

de caráter reivindicatório; na participação de pais em excursões e projetos da escola; no

planejamento e condução de reuniões de pais, entre outros.

Parece-nos essencial ressaltar, neste ponto, o caráter essencialmente público das

escolas pesquisadas. Segundo Paoli e Telles (2000), para ser caracterizada como

democrática, a gestão desse tipo de espaço exige abertura para a participação e

representação de todos os atores envolvidos. Assim, a presença da comunidade retira do

Estado ou, no caso específico, das instituições escolares, o monopólio exclusivo da

definição de uma agenda de prioridades e demandas, afetando assim a própria

racionalidade do poder até então instituído. Ainda segundo as autoras, o pleno exercício

da cidadania depende dessas formas de participação, “numa construção conflitiva, mas

partilhada, de normas democráticas” (PAOLI e TELLES, 2000, p. 139) que regem os

assuntos públicos.

À medida que os esforços de articulação do coletivo da escola em relação à

comunidade passavam a fazer parte da história das instituições escolares, instaurando-

se um processo contínuo e solidário de reflexão e avaliação sobre as questões da prática

educativa – do que já foi resolvido ou que se constituíam em novas demandas – parecia

haver um deslocamento para a formação discursiva emancipatória ou edificante, num

movimento de superação do sentido regulatório ou técnico.

Sob a ótica emancipatória ou edificante, o projeto político-pedagógico de uma

escola pública deve apresentar, ainda, a característica fundamental de “ser inclusivo e

integrador de todo tipo de alunos, seja qual for sua procedência social, seu ‘nível’,

necessidades e expectativas educativas” (CARBONELL, 2002, p. 81), entretanto, nos

contextos pesquisados, eram ainda bastante incipientes as reflexões e reduzidas as

alternativas no que se referia ao atendimento à diversidade e a formação discursiva que

predominava ainda era a regulatória ou técnica.

Nós estamos abertas a isso, desde que tenha tudo isso. [...] Nós não vamos fazer essa escola, uma escola de inclusão. (E. M. Maria Adelaide Amaral) Se a nossa escola tivesse esse aparto, tudo bem. Não tinha problema nenhum. Mas nós também não temos, né? (E. M. Rachel de Queiroz) Eu batalhei, pedi muito a rampa e fui atendida. Fizemos a nossa parte como escola, como pedagogos. [...] Deveria ter profissionais, pelo menos um psicopedagogo prá estar atendendo essa inclusão, né? (E.M. Bárbara Heliodora)

As condicionantes se e desde que, presentes no discurso de diversos professores,

indicavam um sentido condicional para o atendimento à diversidade. Declarações como

estamos abertas a isso e fizemos a nossa parte eram constantemente acompanhadas por

uma série de condições e pela transferência da responsabilidade – manifestas em

expressões como se a nossa escola tivesse esse aparato ou deveria ter profissionais prá

estar atendendo essa inclusão.

Com base em tais noções, a construção do projeto político-pedagógico

manifestava o sentido de negação das diferenças, especialmente quando se tratava de

crianças com deficiência, foco de nossa pesquisa: não tem nada, a gente não tem uma

discussão específica, ou seja, parecia não fazer parte do projeto coletivo de diversas

escolas a intenção de empreender esforços para construir uma prática inclusiva.

Em termos coletivos não tem nada, não foi conversado, tá? Mas deveria, não é? Porque ela hoje está comigo mas, amanhã, ela não estará comigo, não é assim? Então, todo mundo tem que estar sabendo de tudo, tá? Mas, enfim, o apagar fogo todo dia te impede, né? De você enxergar um pouquinho a mais disso aí. (E. M. Rachel de Queiroz) A gente não tem uma discussão específica de como incluir esses alunos. Isso a gente não tem ainda, não. [...] Nesse momento, a gente tem procurado se articular, né? [...] E eu acho que a gente ainda tem um caminho longo aí, pela frente. [...] A gente tem que estar com eles aqui dentro prá gente ir procurando algumas formas, um meio. (E. M. Ana Maria Machado)

Por outro lado, a necessidade de considerar a questão da diversidade e,

especificamente, da deficiência na construção do projeto político-pedagógico parecia

emergir à medida que os professores consideravam que na própria convivência com as

diferenças, no estar com eles aqui dentro, se abriam as possibilidades para ir

procurando algumas formas, um meio.

Os discursos sinalizavam, além disso, que o apagar fogo todo dia te impede de

enxergar um pouquinho a mais e indicavam a percepção da necessidade de procurar se

articular para que fossem criados, em termos coletivos, espaços para uma discussão

específica de como incluir esses alunos.

A reflexão aparecia, pois, enquanto condição essencial para a implantação de

inovações emancipatórias ou edificantes que pretendessem a construção de uma

educação inclusiva que atendesse o compromisso da escola pública com a educação

para todos. Nas palavras de Veiga (2003, p. 275), “a inovação é produto da reflexão da

realidade interna da instituição referenciada a um contexto social mais amplo.”

Com esse trem de inclusão a coisa tá gritante, mas, igual nós estamos discutindo aqui, esses meninos que não têm laudo que tão na escola, isso sempre existiu. (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Embora os sujeitos entrevistados, muitas vezes, não se dessem conta, seu

discurso indicava a percepção de que a inserção de crianças com deficiência nas escolas

comuns só vinha escancarar e tornar gritante o fato de que a diversidade sempre existiu,

está na escola e em toda e qualquer organização humana, ainda que, durante séculos, a

modernidade tenha ensinado a desconsiderá-la em busca de padrões universais.

Segundo Marques e Marques (2003, p. 234), é a transição do pensamento

hegemônico da modernidade para os novos preceitos da atualidade que abrem uma

infinidade de possibilidades para que se perceba o fato de que “ser diferente não

significa mais ser o oposto do normal, mas apenas ‘ser diferente’. Este é, com certeza, o

dado inovador: o múltiplo como necessário, ou ainda, como o único universal possível,

o que deriva em práticas sociais de reconhecimento e respeito pelo outro.”

Enfrentar a atual conjuntura de transição e quebra de paradigmas marcada por

dúvidas, insegurança e conflitos a partir de nossas “ilhas de solidão”, torna mais penoso

o processo. Por outro lado, nos ambientes em que se investe no fortalecimento do

trabalho coletivo emergem sentidos que apontam para uma formação discursiva

emancipatória ou edificante, onde as estratégias para o trato da diversidade parecem

surgir com mais facilidade, impulsionando um deslocamento da formação regulatória

ou técnica.

Acreditamos que a construção coletiva do projeto político-pedagógico,

considerando o atendimento a todos na sua diversidade, seja um caminho possível para

a construção de uma escola que se pretenda plural e inclusiva.

4.4 APRENDIZAGEM, DESENVOLVIMENTO E ENTURMAÇÃO

No decorrer da pesquisa, outra temática mostrou-se recorrente e, portanto,

bastante relevante para compreendermos as estratégias adotadas pelas escolas para o

atendimento à diversidade. Trata-se das concepções que os professores manifestavam a

respeito dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de seus alunos e que

serviam de base tanto para a enturmação dos mesmos quanto para os demais aspectos de

sua atuação pedagógica cotidiana.

Utilizamos enquanto aporte teórico para a análise dessa temática os estudos de

Braga (1995), Mantoan (1997), Silva (1999/2000), Vygotsky (2001), L.Marques

(2001a), Sampaio (2001, 2002), entre outros autores que discutem as questões

relacionadas ao desenvolvimento e à aprendizagem sob a ótica de diversas teorias

psicológicas.

De acordo com L.Marques (2001a, p. 168), inúmeras concepções de homem e de

seus processos de desenvolvimento emergem no discurso dos professores em seus

componentes verbais e em sua prática pedagógica. Isso porque o discurso pedagógico,

por sua própria natureza, não se funda numa linearidade discursiva. “Ao contrário,

comporta ele toda uma multiplicidade de sentidos, caracterizando-se pela movimentação

dos mesmos.”

Isso significa que um mesmo professor pode iniciar seu discurso, filiando suas

concepções de desenvolvimento e aprendizagem aos pressupostos de uma certa

formação discursiva, deslocando, alternadamente, para outras teorias ou formações

discursivas – seja através da fala, seja através de suas ações – ainda que não saiba

explicitar a quais teorias se filia.

Vale ressaltar que isso ocorre porque “quando nascemos, os discursos já estão

em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós”

(ORLANDI, 2003, p. 35). Quando dizemos algo, não temos acesso ou controle sobre o

modo pelo qual os sentidos se constituíram ao longo da história, nem sobre o modo pelo

qual se (re)produzem em nosso discurso. Apesar de pensar que sabemos o que estamos

dizendo, há sempre um já-dito, constituído de um conjunto de formulações feitas e já

esquecidas que circulam na sociedade e, de certo modo, determinam o que dizemos.

Esse esquecimento é estruturante, ou seja, esquecemos involuntariamente o que já foi

dito para que, ao nos identificarmos com o que dizemos, nos constituamos em sujeitos.

Ao mesmo tempo em que há, no nosso funcionamento discursivo, processos que

fazem com que em todo dizer haja sempre algo que se mantém – a produtividade – há,

por outro lado, espaços de equívoco – a criatividade – que podem gerar rupturas nos

processos de significação e produzir deslocamentos, fazendo irromper sentidos

diferentes.

Segundo Orlandi (2003, p. 38), o que vemos com mais freqüência é a

produtividade que nos mantém num retorno constante ao mesmo espaço dizível,

produzindo a variedade do mesmo. “Para haver criatividade, é preciso um trabalho que

ponha em conflito o já produzido e o que vai se instituir.”

Assim sendo, caso nós, professores, não tenhamos oportunidades de analisar e

conhecer nossas próprias concepções para poder movimentá-las, tenderemos reforçar

em nosso discurso as mesmas noções homogeneizantes, padronizadoras e excludentes

nas quais fomos formados. Tal fato se mostra de fundamental importância quando

estamos diante da análise do discurso de professores atualmente desafiados a construir

alternativas para a inserção de crianças até então afastadas do processo educacional

comum, conforme veremos ao longo do texto.

Teria que ter um psicólogo que atestasse prá gente, por exemplo, que o menino ele tem a idade de doze anos, mas a idade mental dele, né? É de sete, né? Então, eu acho que isso aí até embasaria o nosso trabalho, porque [...] ele não tá ainda com o processo todo formado prá ele conseguir. (E. M. Lygia Fagundes Telles) A capacidade dela não é de uma menina de sete anos. É de uma criança de quatro anos. [...] Ela não vai aprender, não vai nunca conseguir chegar. [...] Às vezes eu até acho que ela precisava ficar com os alunos com capacidade cognitiva igual a ela! (E. M. Cecília Meireles) Então, nós fizemos o que pudemos. [...] Porque a idade cronológica, ela não se compara com a idade cognitiva da criança. Há crianças e há crianças. (E. M. Cecília Meireles) Por que eu sei que alunos que a deficiência é comprovada tem uma brecha na lei, né? Prá que ele realmente fique ou retido, ou fique mais tempo. [...] Porque ele, por exemplo, ele precisaria ficar um pouco mais de tempo com esses alunos de oito, porque ele é mais infantil. (E. M. Ana Maria Machado)

Diante das dificuldades em atender à heterogeneidade encontrada em suas salas

de aula, diversos professores recorriam à noção de que seria necessário ter um

psicólogo que atestasse algum problema localizado no aluno que parecia não aprender,

como a possibilidade de ele não tá ainda com o processo todo formado prá ele

conseguir, absolvendo-os, assim, da responsabilidade por possíveis intervenções.

Um dos sentidos que ainda vigorava era o de que nós, professores, fizemos o que

pudemos, de acordo com os princípios que, habitualmente, vinham sustentando nossa

prática pedagógica. Para os alunos cujas necessidades educacionais não fossem

devidamente atendidas dentro desse esquema, buscamos uma explicação

predeterminista, como a imaturidade de funções supostamente necessárias à

aprendizagem e, a partir daí, encontrarmos uma brecha na lei para que fique ou retido,

ou fique mais tempo, abstendo-nos de promover modificações na dinâmica das

solicitações que promovemos na sala de aula.

Em nível do interdiscurso, essa apropriação do conceito de idade mental,

próprio da psicologia clássica, vem sendo feita, desde muito tempo, para legitimar a

classificação e orientar a enturmação de alunos na lógica do sistema seriado. No mesmo

sentido tal apropriação, em nível do intradiscurso, embasaria o nosso trabalho e

serviria para justificar que determinada criança não vai aprender... não vai nunca

conseguir chegar.

Assim, ainda que atuassem numa Rede cuja orientação político-pedagógica

propunha a organização escolar em ciclos de formação, baseada no princípio da

enturmação entre pares de idade, muitos professores acreditavam que a criança

precisava ficar com os alunos com capacidade cognitiva igual a ela, porque a idade

cronológica não se compara com a idade cognitiva da criança, entretanto, avaliar e

enturmar uma criança pelo critério da idade mental é um procedimento que contraria

não só a proposta da Rede Municipal de Belo Horizonte, como também as pesquisas

realizadas com base nas correntes interacionistas sobre as contribuições que a interação

traz para a potencialização do funcionamento mental.

Destacamos, neste sentido, os estudos de base histórico-cultural de Lev

Semenovich Vygotsky e de seus colaboradores, segundo os quais “as relações entre o

processo de desenvolvimento mental da criança e sua aprendizagem são infinitamente

mais complexas do que se imaginava” (VYGOTSKY, 2001, p. 493) e não podem ser

explicadas com base apenas no conceito de idade mental que já teve seus princípios

diversas vezes abalados.

De acordo com Vygotsky (2001), a dedução, advinda do conceito de idade

mental, de que só haveria condição de iniciar a aprendizagem sobre este ou aquele

objeto após o desenvolvimento ou a maturação de certas funções mentais é

questionável. Se essa premissa fosse verdadeira, então, quanto mais tarde

começássemos o ensino, mais maduras estariam as funções mentais e mais fácil seria a

aprendizagem, entretanto, o autor demonstra a inconsistência de tal crença,

exemplificando que a aprendizagem da fala é mais fácil com um ano e meio de idade do

que com três e a aprendizagem da escrita igualmente mais fácil entre os cinco e os seis

anos do que entre os oito e os nove. Uma outra questão apontada é a de que a

aprendizagem em idade tardia se desenvolve por outros caminhos com apoio em

funções psicológicas diferentes.

Através de uma minuciosa exposição33, relacionando os conceitos de idade

mental, quociente de desenvolvimento mental, aproveitamento absoluto, aproveitamento

relativo, zona de desenvolvimento atual e zona de desenvolvimento imediato, Vygotsky

(2001, p. 509) conclui que mais importante para a escola não é tanto o que a criança já

aprendeu – seu nível de desenvolvimento atual, idade mental ou nível de QI – mas sim

o que ela é capaz de aprender. Propõe, a partir daí, que

Se deixarmos a colocação tradicional da questão de saber se a criança amadureceu ou não para a aprendizagem em determinada idade e passarmos a uma análise mais profunda do desenvolvimento mental da criança na aprendizagem escolar, assumirão outro aspecto todos os problemas da pedologia34 tanto na escola normal quanto na auxiliar35.

A partir de reflexões suscitadas pelo estudo de caso de Alessandro, uma criança

de dez anos com paralisia cerebral coreoatetóide grave – com um quadro de

movimentação involuntária acentuada na região oro-facial, que o fazia salivar,

excessivamente, e o impedia de emitir uma fala compreensível, além de movimentação

involuntária de membros superiores e inferiores – Braga (1995) reforça alguns aspectos

da discussão iniciada por Vygotsky em seus trabalhos, questionando os diagnósticos

emitidos com base apenas em testes psicométricos que, durante muitos anos,

conduziram à definição da criança coreoatetóide como deficiente mental em função de

suas dificuldades de expressão motora e verbal.

33 Cf. VYGOTSKY, 2001, p. 489 – 515. 34 Pedologia. [De ped(o)- + -log(o)- + -ia.] S. f. Estudo natural e integral da criança, sob o aspecto biológico, o antropológico e o psicológico. In: FERREIRA, 1975, p. 1055. 35 Na obra de Vygotsky (2001), o termo escola auxiliar assume o mesmo sentido que para nós tem o termo escola especial.

Ao longo de sua pesquisa, a autora demonstra que, através de interações sociais

adequadas, Alessandro pôde criar rotas isotrópicas36, atingindo funções mentais

superiores e se apropriando da cultura com resultados semelhantes aos de crianças de

sua idade, tendo sido, inclusive, alfabetizado em três meses, sem nunca ter freqüentado

uma escola antes. Braga (1995, p. 188) compreende, pois, que “as dificuldades trazidas

pela deficiência poderiam levar a processos criativos que dariam origem a novos

caminhos, permitindo que muito do que é inerente ao desenvolvimento normal

desaparecesse ou fosse encurtado”.

Uma outra questão que, de certo modo, decorre da acima exposta, refere-se à

expectativa, manifesta no discurso de grande parte dos professores entrevistados, de que

todas as crianças, compondo um “grupo homogêneo”, fossem capazes de acompanhar

a turma.

Prá ele acompanhar a turma é um pouco difícil, né? Ele tem uma defasagem de conteúdo bem grande, né? (E. M. Lygia Fagundes Telles) Quando ele tá no nível que ele consegue acompanhar mais ou menos a sala é mais tranqüilo. (E. M. Lygia Fagundes Telles)

A quase totalidade dos discursos dos professores evidenciava a classificação das

aprendizagens – especialmente das que envolviam as habilidades de leitura e escrita –

em níveis, com base no domínio ou defasagem de conteúdo. A expectativa era a de que

toda criança alcançasse um nível que permitisse acompanhar mais ou menos a sala,

tornando mais tranqüilo para o professor o processo de ensino.

A imagem que nos vem à mente para compreender tal abordagem é a da sala de

aula concebida como uma miniorquestra, cuja harmonia depende de que cada músico,

de posse de seus diferentes instrumentos e tocando em diferentes ritmos, seja capaz de

acompanhar regularmente as indicações do regente.

Reger [Do latim regere.] significa, entre outras coisas, governar, administrar,

dirigir; exercer as funções de professor de; ensinar, lecionar; ter como dependente;

subordinar; dirigir (orquestra, banda ou outro conjunto), marcando o andamento, as

entradas etc (FERREIRA, 1975, p. 1207). O sentido expresso nesses discursos parecia

36 Segundo Braga (1995, p. 64) “o termo isotrópico significa que há uma mudança (um desvio, um contorno), mas a direção e as propriedades são mantidas”.

ser que o processo educativo é mais tranqüilo quando podemos regê-lo, ou seja,

administrá-lo, marcar-lhe o andamento, subordiná-lo às nossas regras.

Essa abordagem, ainda que mais confortável para os processos de ensino, não

favorece a aprendizagem! Conforme os estudos da Psicologia, os processos de

aprendizagem são particulares, singulares, dependem da criança (VYGOTSKY, 2001, p.

445) e não são passíveis de controle por parte do professor ou de qualquer outro agente

externo.

Assim, sempre que tentarmos direcionar, governar, administrar ou marcar o

andamento dos processos de construção do conhecimento, estaremos atrapalhando ao

invés de auxiliar nossos alunos. A partir de tais reflexões, a compreensão de como o

aluno constrói sua aprendizagem torna-se muito mais relevante do que a intenção de

ensiná-lo, até porque o magistério como profissão, segundo Vygotsky (2001, p. 456), é

um fato falso do ponto de vista psicológico visto que, “no fim das contas só a vida

educa e quanto mais amplamente ela irromper na escola mais dinâmico e rico será o

processo educativo.” Nessa perspectiva, um novo papel recai sobre o professor: o de

“tornar-se o organizador do meio social, que é o único fator educativo” (VYGOTSKY,

2001, p. 448).

A obra O mestre ignorante (RANCIÈRE, 2004) que aborda a filosofia

formulada no início do século XIX pelo pedagogo francês Joseph Jacotot também nos

fornece importantes elementos para a reflexão sobre questões envolvendo o

desenvolvimento da inteligência e o papel do professor nos processos educacionais.

De acordo com Jacotot, a lógica do modelo pedagógico em vigor em nossa

sociedade utiliza a diferença como arma branca, para hierarquizar as inteligências e

dicotomizar o mundo em superiores e inferiores. Nesse modelo, o professor explicador

subordina a inteligência dos alunos à sua, por crer em sua inferioridade intelectual.

Com base em uma complexa argumentação, Rancière (2004) demonstra que,

segundo os princípios de Jacotot, a partir do momento em que assume que “há

desigualdade nas manifestações da inteligência, segundo a energia mais ou menos

grande que a vontade comunica à inteligência para descobrir e combinar relações novas,

mas não há hierarquia de capacidade intelectual” (RANCIÈRE, 2004, p. 49, grifos do

autor), o professor pode tornar-se capaz de desenvolver um papel emancipador, através

do qual guia, discretamente, a inteligência do aluno e a faz trabalhar.

Retomando nossas análises do discurso dos professores, vislumbramos um

possível deslocamento de sentidos nas situações em que os entrevistados pareciam

considerar positiva a convivência entre alunos de mesma idade em diferentes etapas de

desenvolvimento.

O critério que a gente tem prá enturmar [...] é a idade. [...] E é uma prática bem legal. Não agrada a todos. [...] Não tem argumento nenhum que derrube em relação, né? É mais tranqüilo prá trabalhar. [...] Agora, isso não pode ser um peso maior prá definir o que a escola precisa, né? (E. M. Rachel de Queiroz)

Ainda que seja uma prática que não agrada a todos, a enturmação por idade

parecia estar possibilitando um repensar das práticas pedagógicas e fazendo com que

alguns professores questionassem a intenção de provocar uma suposta homogeneização

das turmas – onde é mais tranqüilo prá trabalhar – e buscassem novos critérios prá

definir o que a escola precisa. Nessa movimentação, ainda marcada por dúvidas e

conflitos, se abriam possibilidades para o deslocamento de sentidos e para a criatividade

sobre a qual se referia Orlandi (2003).

Outros professores, cujo discurso em parte expressava o reconhecimento da

heterogeneidade presente em suas salas de aula pareciam também se encontrar nesse

espaço de deslocamento de sentidos.

Mesmo quando não tem um menino com deficiência, é impressionante como que é tão heterogêneo que você tem que estar ali, correndo em um, correndo em outro. [...] Então, já tem que ter esse jogo de cintura, os meninos foi só mais uma virgulazinha, nem pesa tanto, porque a gente já tá acostumado com isso. (E. M. Rachel de Queiroz) Porque cada um é cada um, né? E cada um tem sua especificidade e, na maioria das vezes, eu trabalho com... não existe turma homogênea. (E. M. Ana Maria Machado)

A diversidade humana e o fato inegável de que cada um tem sua especificidade

e de que não existe turma homogênea, mesmo quando não tem um menino com

deficiência, era reconhecido pelos professores que, cotidianamente, eram desafiados a

desenvolver esse jogo de cintura.

A própria vivência do ofício docente parecia ter lhes mostrado que, apesar do

nosso olhar reducionista, que insiste em conduzir simultaneamente as aprendizagens,

não existe turma homogênea e a gente já tá acostumado com isso. Ainda assim,

afirmar que a criança com deficiência nem pesa tanto ainda representava dizer que as

manifestações de suas diferenças eram sentidas como peso, como problema, cuja

solução não havia sido alcançada a partir das ferramentas disponíveis.

Assim sendo, identificamos um retorno ao sentido predominante da

homogeneidade e simultaneidade das aprendizagens quando, em outros trechos da

entrevista, os mesmos professores afirmavam, respectivamente, que:

Ela já tá pré-silábica, já indo pro silábico. [...] Ela não fica tão aquém dos outros meninos, não. [...] Acompanha e tudo. (E. M. Rachel de Queiroz) O ano passado eu dava conta de fazer um trabalho mais específico com eles, porque eles estavam muito próximos da turma, que não lia. [...] Agora, esse ano, não. A turma lê. (E. M. Ana Maria Machado)

Com base nos recortes discursivos acima apresentados, compreendemos que

mesmo no discurso que reconhecia como é que é tão heterogêneo o grupo de alunos

com os quais se trabalhava e afirmava já tá acostumado com isso, permanecia a busca

da classificação em níveis – ela já tá pré-silábica, já indo pro silábico, enquanto

mecanismo de comparação da criança com deficiência com um padrão de

desenvolvimento dos outros meninos e uma conseqüente demarcação de um espaço de

anormalidade para ela.

A ampliação da heterogeneidade nas salas de aula, provocada pela adoção da

enturmação por idade, parecia ainda não ter sido acompanhada de uma maior habilidade

das escolas para lidar com ela. Ao detectar esse mesmo fato em suas pesquisas sobre a

adoção de propostas de promoção automática em diversos estados brasileiros,

Mainardes (1998, p. 22) afirma que:

Em relação ao trabalho pedagógico, percebe-se, em todas elas, dificuldades dos professores com classes muito heterogêneas, indicando que este aspecto é fundamental, devendo ser levado em conta na implantação de propostas com promoção automática.

Um fato recorrente, em grande, parte dos discursos sobre desenvolvimento e

aprendizagem e que parecia contribuir para a tentativa de administração de

aprendizagens simultâneas e para o acirramento dessa dicotomização

normalidade/anormalidade eram as apropriações reducionistas que vinham sendo feitas

a partir dos conceitos de desenvolvimento lógico-matemático de Jean Piaget e,

principalmente, das reflexões desenvolvidas por Emília Ferreiro – psicolingüista,

colaboradora de Piaget – sobre a psicogênese da língua escrita.

Porque a minha turma praticamente toda já está lendo, né? Então, ela tá ainda no silábico. (E. M. Ana Maria Machado)

Dizer que uma criança tá ainda no silábico era considerar que, para alcançar a

turma praticamente toda, que já está lendo, faltavam muitas etapas as quais ela já

deveria ter alcançado para atender ao ideal da simultaneidade das aprendizagens. Essa

apropriação dos conceitos da epistemologia piagetiana relativos ao desenvolvimento da

língua escrita, além de ter colaborado para reforçar a percepção de turma como um

bloco cujo desenvolvimento seguiria os mesmos caminhos, num ritmo predeterminado e

normal, contribuía para que se reforçasse certa anormalidade àqueles que manifestassem

diferenças marcantes em seu desenvolvimento.

De acordo com a própria pesquisadora (FERREIRO, 2001, n.p.), num primeiro

momento, houve, no sistema educacional brasileiro, “apenas a troca de rótulos. Os

fracos passaram a ser chamados de pré-silábicos. Os que estavam no meio do processo

eram os silábicos e os que eram fortes foram classificados como alfabéticos.”

Ainda que as bases teóricas dessas e de outras abordagens da Psicologia

reafirmem a heterogeneidade enquanto fator impulsionador do desenvolvimento e a

proposta de organização escolar em ciclos de formação tenha acentuado essa

heterogeneidade nas salas de aula pesquisadas – por agrupar alunos de acordo com sua

faixa etária – parecia não ter havido um rompimento definitivo com a percepção de

turma, essa entidade abstrata que determinava o ritmo e os caminhos os quais todo

aluno deveria acompanhar.

Assumir como lei e transformar em método de ensino as reflexões de Piaget e

Emília Ferreiro, que abordam aspectos particulares de processos como o de construção

do raciocínio lógico matemático ou da linguagem escrita, é próprio de um modo de

olhar informado e direcionado por um paradigma que, arbitrariamente, busca o controle

dos fenômenos e nega a diferença, ignorando-a ou buscando corrigi-la.

De acordo com Sampaio (2001, p. 5), a percepção de mundo sedimentada pelo

paradigma da modernidade acabou fazendo com que as “diferentes formas de perceber,

de pensar, de sentir da criança passem a ser vistas como ausência de saber. Os caminhos

percorridos pelas crianças, na maioria das vezes, desconhecidos para a escola, não são

reconhecidos como possíveis de levar ao aprendizado,” entretanto, a diversidade é

característica essencial de qualquer ser humano e nenhuma lei estabelecida para tentar

explicar-lhe é capaz de abarcá-lo em toda a sua complexidade, pois, mesmo havendo

uma estreita relação entre seu desenvolvimento e as possibilidades de aprendizagem,

cada criança tem uma maneira peculiar de relacionar-se com o mundo e construir seus

conhecimentos.

Herança do positivismo próprio da modernidade, a questão do registro das

aprendizagens era outro tema que ocupava lugar de destaque no discurso dos

professores.

Ele lê a Revista Veja, mas ele não registra. [...] Ele não tem coordenação motora, mas os dedinhos funcionam. Então, ele escreve no computador, perfeitamente. Ele é totalmente alfabético, escreve super... não comete erro ortográfico nenhum. (E. M. Zélia Gattai)

Esse relato sobre um menino diagnosticado como autista, totalmente alfabético,

que não comete erro ortográfico nenhum e estava enturmado em uma “turma-projeto”

porque ele não registra e que, por isso, ficava lendo revistinhas em quadrinhos, para

não ficar completamente ocioso, coloca em grande evidência o reducionismo próprio de

práticas escolares que, herdeiras do pensamento moderno, não só pretendiam que as

aprendizagens dos alunos alcançasseem os mesmos patamares e seguissem o mesmo

trajeto, como exigiam que suas conquistas fossem registradas em instrumentos

avaliativos padronizados, em caracteres bem traçados, que servissem de prova factual,

legível, de preferência, em letra cursiva, e que pudessem ser comparados com um

padrão externo. Os sujeitos e seus corpos “desaparecem do horizonte cognitivo da

modernidade, para deixar apenas uma carapaça de propriedades mensuráveis”

(NAJMANOVICH, 2001, p. 17).

Habituado a tais procedimentos nosso olhar de professor aprendeu, em certos

aspectos, a ignorar os sujeitos, suas particularidades e sua história, sem perceber que

muitas das dificuldades que nossos alunos apresentam são fruto da própria estrutura

escolar. Diante de tal quadro, recorremos novamente a Mantoan (1997, p. 17), quando

afirma ser, fundamentalmente, necessário à escola capacitar-se para “distinguir o que é

da ordem da deficiência em termos de déficits reais, ou seja, de lesão orgânica

devidamente instalada como causa do problema e o que é da ordem do déficit

circunstancial em que intervêm os determinantes sociais”.

Muito mais comuns do que se imagina, os déficits circunstanciais são obstáculos

produzidos e impostos pelo próprio meio social e que geram situações de inadaptação,

afetando a todas as pessoas, não apenas àquelas com deficiência, abalando sua auto-

estima, prejudicando sua autonomia e seu relacionamento social. Um exemplo clássico

é a exigência da escrita em letra cursiva que, tradicionalmente, está relacionada a

situações de fracasso escolar37.

As instituições escolares, portanto, ao invés de contribuir para a criação,

identificação e/ou perpetuação de déficits circunstanciais, podem buscar reduzi-los ou

até eliminá-los. No caso do menino que não tem coordenação motora, mas os dedinhos

funcionam, o uso de números e alfabetos móveis ou na forma de carimbos; de giz de

cera, pincel atômico ou lápis cuja espessura fosse ampliada com fita ou borracha para

facilitar o manuseio; a utilização de uma máquina de escrever ou, até mesmo, de um

computador, poderiam se constituir em práticas alternativas que, talvez, evitassem que

um aluno que tinha tanta vontade de escrever depois parou com a vontade e hoje ele

não está fazendo nada (E. M. Zélia Gattai).

Dando continuidade à análise do discurso dos professores em torno da questão

do desenvolvimento e aprendizagem de seus alunos, destacamos outros recortes

discursivos que, segundo nosso entendimento, expressam e contribuem para que seja

reforçada a dicotomia que institui atributos de normalidade para uns e segrega os que

neles não se encaixam para espaços de anormalidade.

Aí quando a gente pegou, mesmo, a gente viu que não era uma turma de projeto, era uma turma de inclusão. (E. M. Zélia Gattai) Tinha alunos de inclusão, também, mas eram turmas com dificuldade de aprendizagem. (E. M. Zélia Gattai)

A criação de turmas com dificuldade de aprendizagem ou turma de projeto,

prática bastante comum nos sistemas escolares, constituía, em si mesma, a segregação

de alguns alunos mediante o critério de não acompanhamento dos padrões de

desenvolvimento esperados e da crença de que, uma vez agrupados de forma

supostamente homogênea, teriam melhores condições de avançar nas etapas evolutivas

da aquisição de conhecimentos.

37 Cf. Sampaio, 2002, pág. 185.

Os trechos acima evidenciavam que às crianças com deficiência era atribuída

uma estigmatização ainda mais profunda que fazia com que a escola sequer admitisse

concebê-las como público elegível para uma turma de projeto. Para elas, eram, pois,

criados novos rótulos, ainda mais pejorativos, como alunos de inclusão, em uma turma

de inclusão. Segundo C.Marques (1998, p. 106),

é forte o estigma referente às pessoas portadoras de deficiência. Estas, independentemente de suas potencialidades individuais, encontram-se amordaçadas por uma idéia globalizante de incapacidade e invalidez, que compromete tremendamente seu aproveitamento como força de trabalho, da mesma forma que diminui suas possibilidades de realização afetiva, educacional e política.

Além disso, como o rótulo da deficiência arrasta, automaticamente, a idéia de

incapacidade instalada no próprio sujeito, ele era estendido mesmo às crianças nas quais

não havia lesões ou déficits reais, enquanto justificativa para a não aprendizagem.

Agora, com esse trem de inclusão, a coisa tá gritante, mas esses meninos que não têm laudo que estão na escola, isso sempre existiu, né? (E. M. Maria Adelaide Amaral) Não aprende, não acompanha a turma, não tem atestado médico assinado prá falar o que é isso. E a gente não sabe o que fazer. Então, esses acabam com a gente, né? (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Esses meninos que não têm laudo que estão na escola pareciam constituir uma

categoria indefinida que deslizava entre a dificuldade de aprendizagem e a deficiência.

Eram sujeitos com um rótulo de que não aprende, não acompanha a turma e que, por

não terem um atestado médico assinado prá falar o que é isso, acabam com a gente,

desafiando e questionando diariamente nossa competência profissional.

Esse público, ao qual a escola não conseguia atender a partir das estratégias

utilizadas, sempre existiu sem, no entanto, gerar mudanças profundas na estrutura

escolar. Agora, com esse trem de inclusão, a coisa tá gritante e a escola não sabe o

que fazer.

E você sabe até mais ou menos, a experiência mostra quem vai, quem não vai conseguir. Uns vão demorar mais, mas a gente sabe "esse menino é só uma questão de tempo, vamos investir". (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Assim, enquanto não desenvolvia a habilidade de atender às necessidades de

todos, a escola seguia, selecionando quem vai, quem não vai conseguir. Os desafios

que se mostravam grandes demais permaneciam na categoria de “excluídos do interior”

(BOURDIEU e CHAMPAGNE, 1988). Nos casos mais simples, em que é só uma

questão de tempo, vamos investir.

A noção de incapacidade atribuída às crianças com deficiência aliada às

dificuldades relativas à formação e às condições de trabalho do professor, além de se

manifestarem na baixa expectativa e no pouco investimento da escola com relação à

aprendizagem – porque o mínimo que aprender já é uma vantagem (E. M. Ana Maria

Machado) – revelavam-se ainda em outros recortes discursivos.

A professora de Arte, ela pega o grupo e faz um trabalho relacionado à arte, mesmo, à motricidade. Porque eles... essa forma de expressão... eles não sabem cortar, né? Estarem se expressando com papéis, com o próprio corpo. (E. M. Ana Maria Machado)

Algumas escolas adotavam a estratégia de encaminhar crianças com deficiência,

individualmente ou em pequenos grupos, para um atendimento paralelo, caracterizado

pela realização de atividades que, tradicionalmente, tinham menor valor na grade

curricular e eram abordadas informalmente, como a Educação Artística ou os exercícios

voltados para o desenvolvimento psicomotor.

Nesses casos, tais atividades não eram abertas a todos os alunos. Desacreditadas

quanto à sua capacidade para o pensamento abstrato e para o aprendizado das

disciplinas formais, as crianças com deficiência eram reunidas em grupos que, muitas

vezes, as fixam apenas em atividades concretas e de viés artístico ou motor. Por outro

lado, considerados suficientemente prontos para o aprendizado dos conteúdos

curriculares mais abstratos, os alunos que não apresentavam deficiências ou déficits

reais, contraditoriamente, tinham horários reduzidos para usufruir de tais atividades.

A prática da escola regular é conhecimento, certo? [...] E eles, os meninos do ensino espe... de necessidades especiais essa área não predomina. Na maioria, né? São outras questões que têm que ser trabalhadas com eles. A questão da independência, as questões da vida prática que eles têm que saber lidar com isso. (E. M. Rachel de Queiroz)

Essa tradição, herdada da pedagogia das escolas especiais, de basear toda a

aprendizagem da criança com deficiência no método direto38 e no treino da

independência, as questões de vida prática que eles têm que saber lidar, parte da

premissa de que as crianças com deficiência mental têm pouca capacidade para o

pensamento abstrato e para a construção do conhecimento e que, portanto, sua educação

deveria ser reduzida ao treino e à manipulação de objetos concretos, entretanto, além de

não contribuir para a criança superar seus déficits, essas práticas os aprofunda,

“habituando a criança a um pensamento exclusivamente direto e abafando nela os fracos

embriões do pensamento abstrato que, apesar de tudo, existem” (VYGOTSKY, 2001,

p. 481).

Partimos, finalmente, para a análise de como os professores avaliavam o

desenvolvimento dos alunos com deficiência decorrido algum tempo de convivência em

espaços comuns.

[A aluna] cresceu aqui dentro da escola em relação à socialização. [...] Agora, a aprendizagem não avança. (E. M. Ana Maria Machado) Eu estou fazendo é só mesmo essa parte de socialização. [...] Ela vai ver pouquíssima coisa... pouquíssima aprendizagem. A carga que ela vai levar vai ser muito pouco. (E. M. Lygia Fagundes Telles) Ele gritava. Ele não tinha, assim, socialização, sabe? [...] Então, a gente já conseguiu um avanço muito grande com ele, apesar de não ter o conteúdo. Mas, nesse caso conseguiu, nossa, um avanço! Prá quem viu quem chegou e quem tá aqui hoje. (E. M. Adélia Prado)

Sem nenhuma exceção, os professores que recebiam em suas turmas um aluno

com deficiência reconheciam que este cresceu dentro da escola em relação à

socialização. Ao caracterizar tal socialização, destacavam diversos aspectos como:

desenvolvimento da linguagem oral e, às vezes, escrita; aumento da auto-estima da

criança e/ou de seus familiares; melhoria do relacionamento com os colegas; maior

autonomia para locomoção e orientação no espaço físico da escola; redução de

manifestações como gritos, fugas, agitação, agressividade, indisciplina; aumento da

capacidade de controle dos esfíncteres; desenvolvimento no processo de construção da

linguagem escrita; entre outros aspectos, entretanto, como o produto que a escola espera

é ter o conteúdo, grande parte dos entrevistados entendia ter havido pouquíssima

38 Cf. VYGOTSKY, 2001, p. 481.

aprendizagem e que esta não avança, desvalorizando parte indispensável do processo

de desenvolvimento suscitado pela convivência social em um ambiente escolar comum.

Desconsiderava-se, por exemplo, que nessa convivência cotidiana as crianças

aprendiam umas com as outras e com os adultos, atuando de modo variado e

incomensurável na zona de desenvolvimento imediato – ou proximal – umas das outras,

não apenas interferindo, como impulsionando, reciprocamente, tanto o desenvolvimento

das estruturas do pensamento, como dos aspectos físicos, intelectuais, afetivos, morais,

psicológicos e sociais de todos.

Segundo Mantoan (1997), a diversidade de ritmos, estilos de aprendizagem,

procedimentos, atividades de construção do conhecimento e motivações de

aprendizagem, ao invés de obstáculos, constituem fator enriquecedor do

desenvolvimento e precisam ser reconhecidos como tal. O desafio é saber aproveitar-

lhes o potencial educativo ao invés de buscar a homogeneização.

Felizmente, sentidos alternativos se faziam presentes quando os professores

eram desafiados a considerar outros aspectos do desenvolvimento infantil a partir da

convivência na diversidade.

Se eu for lá colocar essa área cognitiva como uma parte do currículo, aí na hora em que eu vou trinchando as outras coisas que a escola se pretende trabalhar como função dela. [...] Talvez, a gente não tenha vencido numa parte do currículo. Então, eu acho que isso que você falou, “ah, o aluno saiu, às vezes, sem habilidade de leitura e escrita”. Mas, [...] assim, de colocá-la como cidadã eu acho que a gente conseguiu, porque ela via os meninos fazerem, não é? [...] Se a gente for colocar como avanço na vida dela é muito grande! (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Relativizar o domínio dos conteúdos curriculares como uma parte do currículo

e valorizar outras coisas que a escola se pretende trabalhar como função dela era um

dos caminhos para que se pudesse assumir a chamada socialização como parte

constitutiva e indissociável do desenvolvimento. Enquanto sujeito histórico e cultural,

todo ser humano se desenvolve a partir da vida em sociedade; a socialização, portanto,

lhe fornece elementos para o desenvolvimento do pensamento e a construção de

conhecimentos sobre o mundo.

Vale ressaltar que o incômodo dos professores diante do não desenvolvimento

dos conceitos científicos por parte de seus alunos é válido, legítimo e precisa, sim, ser

considerado nas reflexões sobre as funções básicas da escola. O que o princípio da

inclusão propõe não é o simples abandono dos conteúdos e o rebaixamento das

exigências. Pretende, ao contrário, que a escola não seja um “empecilho ao aprendizado

das crianças” (SAMPAIO, 2002, p. 183) e que assuma o desafio de buscar formas mais

adequadas de intervenção para que a aprendizagem de todos os alunos aconteça,

relativizando o peso dado ao conteúdo, até então considerado como única aprendizagem

válida.

Para tal, precisa estar ciente, por exemplo, de que na criança cujos déficits reais

ou circunstanciais interferem nas estruturas mentais, o desenvolvimento ocorre de

maneira mais lenta, evidenciando uma certa viscosidade de raciocínio (INHELDER

apud SILVA, 1999/2000), por isso, uma compreensão mais aprofundada de tais

processos poderia auxiliar as escolas a superar a impressão de que a aprendizagem não

avança e solicitar, de forma mais adequada, o desenvolvimento global de seus alunos.

4.5 AVALIAÇÃO: ENTRE A EMANCIPAÇÃO E O CONTROLE

Partindo do princípio de que tanto as estratégias e os instrumentos avaliativos,

quanto as ações implementadas a partir de seus resultados e os discursos que envolvem

a questão da avaliação no ambiente escolar traduzem concepções de sujeito e de sua

aprendizagem, de professor e de sua função, bem como de educação e de suas

finalidades, buscamos compreender, através do discurso dos professores, os sentidos

sobre a avaliação, cotidianamente, realizada na relação educacional.

Interessa-nos, especialmente, os sentidos construídos em torno dos

procedimentos avaliativos adotados a partir da inserção de crianças com deficiência no

cotidiano de salas de aula comuns cujos professores, em geral, se habituaram ao

exercício de um tipo regulatório de avaliação.

Diversos autores que vêm desenvolvendo estudos sobre avaliação educacional

mostraram-se relevantes para a compreensão dos sentidos presentes no discurso dos

professores, dentre eles Dalben (1998, 2000), Esteban (2000, 2001, 2002, 2003), Soares

(2002), Luckesi (2002) e Hoffmann (2004). Além destes estudos, Santos (2002)

permanece contribuindo para identificarmos as formações discursivas nas quais os

sujeitos se situam.

Se ele não alfabetizou no tempo normal, é porque ele tem algum problema que tá interno, né? (E. M. Lygia Fagundes Telles) Tem um menino na sala que você olha pro menino, você vê que ele tem problema! (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Iniciamos nossas análises com recortes discursivos relacionados a

procedimentos avaliativos que ocorrem em situações cotidianas e extrapolam os

mecanismos formais de aferição de resultados. Sob condições histórico-culturais

hegemônicas, que nos enformam – no sentido de “meter na fôrma” (FERREIRA, 1975,

p. 526) – avaliamos, classificamos, produzimos discursos que, informalmente, nos

mantém numa permanente identificação de desvios: Você olha pro menino, você vê que

ele tem problema.

Quando avalia sob essa perspectiva cognitivo-instrumental, cujas metas são a

produtividade e a ordem, localizando naquele que não alfabetizou no tempo normal

algum problema que tá interno, o discurso pedagógico insiste em manter seus pilares,

relegando à categoria de caos e ignorância o que lhe escapa aos padrões. Mantém-se,

assim, circunscrito ao caráter regulatório do conhecimento (SANTOS, 2002).

Esses aqui são meninos com dificuldade de aprendizagem. Agora, entre elas, tem menino com problema. (E. M. Ana Maria Machado) A experiência mostra quem vai, quem não vai conseguir. Uns vão demorar mais, mas a gente sabe: “– Esse menino é só uma questão de tempo, vamos investir". (E. M. Maria Adelaide Amaral)

À medida que nos voltamos para a questão da inserção de crianças com

deficiência – menino com problema – esse caráter regulatório manifestava-se com

maior intensidade e clareza. Pelo que pudemos compreender, a constatação de uma

deficiência reduzia ainda mais a avaliação em termos de possibilidades e limitava o

olhar avaliador para o campo do problema, eximindo a instituição escolar de investir em

quem não vai conseguir alcançar os patamares esperados de produtividade.

Em uma de suas análises sobre esse tipo de avaliação que expõe e classifica não

só os alunos, como a comunidade escolar e os profissionais que, por um ou outro

motivo, não cumprem a rigor o papel esperado, Esteban (2003, p. 33) afirma que:

Jogando luz sobre o que não fazem e anunciando, alto e bom som, suas incapacidades, a avaliação joga para uma zona opaca e silenciosa as questões que podem nos ajudar a compreender e a interagir.

Ressaltando a negação, o que se nega é a própria potência da escola e dos processos emancipatórios que ali se realizam.

Em linhas gerais, os documentos produzidos pela SMED/BH expondo o uso

desejável da prática da avaliação na concepção do Programa Escola Plural

manifestavam a intenção de suscitar e valorizar, entre as chamadas “experiências

emergentes”, em andamento nas escolas da Rede, aquelas que apresentavam esse caráter

emancipatório e apontavam para a necessidade de se repensar o sentido da avaliação em

um projeto educativo que concebesse a escola em sua dimensão plural. Segundo um

desses documentos,

O uso da avaliação que tem sido muito discutido como desejável é aquele relacionado com a utilização das informações que ela proporciona, para a construção de uma prática pedagógica, que contemple as várias dimensões da formação humana. Isso implica, necessariamente, em dar à avaliação um outro papel institucional, substituindo a função controladora pela dimensão formadora (BELO HORIZONTE, 1996b/2002, p. 228).

Para além da utilização das informações que ela proporciona, propomos o

permanente questionamento das próprias informações e dos meios que utilizamos para

alcançá-las. Como discernir se as informações disponibilizadas por nossos instrumentos

de avaliação – dentre eles, nosso olhar – fornecem elementos que contribuem para a

formulação de alternativas emancipatórias, ou se apenas reproduzem a perspectiva

cognitivo-instrumental que geralmente permeia nosso discurso? Como evitar que nossa

avaliação fique restrita à identificação e à segregação de desvios e valorize a

diversidade enquanto característica essencial à existência humana? Será possível

superar essa nossa tendência em contabilizar o desenvolvimento em graus, níveis,

escalas de medidas positivas ou negativas que nos dificultam enxergar o ser humano em

sua complexidade? Essas questões, ainda não respondidas, permeam nossas reflexões ao

longo desse estudo.

De um lado, isso é legal porque dá uma autonomia à escola e a escola que tem consciência do trabalho, fazer um trabalho legal. Mas pode incorrer num outro risco, não é? De você estar ali com um bando de gente que não tem compromisso com as coisas e desandar com a vida do menino, não é? (E. M. Rachel de Queiroz) Essa autoria delega muito mais responsabilidade. [...] Eu fico me vendo há vinte anos atrás, quando você falava: “cinqüenta por cento dessa turma foi reprovada. Mas que professor bacana esse, gente!

Metade da turma dele tomou bomba”. [...] A lógica, hoje, como é que ela é diferente! É todo mundo mais preocupado com o que tá acontecendo nesse processo desse menino que chegou lá e não tá lendo e que a gente tá investindo em cima disso. (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Nos recortes discursivos em destaque, os professores pareciam compreender

que, se as escolas podiam desfrutar de relativa autonomia, essa deveria estar pautada em

compromisso, responsabilidade e consciência para se fazer um trabalho legal.

Por outro lado, ressaltavam que a autonomia, ao mesmo tempo em que abria

espaço para a constituição de uma lógica diferente e de um profissional mais

preocupado com o que tá acontecendo nesse processo desse menino, também estaria

relacionada à noção de risco, na medida em que um bando de gente que não tem

compromisso com as coisas pode desandar com a vida do menino.

Com base numa complexa articulação desses princípios e numa noção seletiva

de qualidade, grande parte dos discursos acabava associando à intenção de fazer um

trabalho legal uma série de mecanismos regulatórios, supostamente capazes de

assegurar o cumprimento do compromisso com a formação de qualidade para todos os

alunos.

Assim, um dos sentidos encontrados, manifesto com bastante freqüência, era o

de avaliação enquanto componente de um processo de triagem, termo associado às

noções de “seleção, escolha, separação” (FERREIRA, 1975, p. 1407).

O professor passa, no final do ano, uma listagem dos alunos, né? E tenta separar os silábicos, os alfabéticos. (E. M. Cecília Meireles) Esqueci como é que chama lá o lugar que faz, antes, a triagem deles [...] quando eles já sabem ler as LIBRAS, aí eles vêm prá cá. (E. M. Adélia Prado) Então, esse ano, a gente achou que o melhor seria o remanejamento. [...] Cada professor encaminha o seu trabalho no mês de fevereiro, né? Do seu jeito, tendo em mente que almeja a avaliação, que almeja o diagnóstico. (E. M. Ana Maria Machado)

A avaliação que tenta separar os silábicos, os alfabéticos, tendo em mente que

o melhor seria o remanejamento situava-se numa lógica que, segundo Esteban (2003,

p. 17), acabava por “fragmentar os alunos e alunas em partes observáveis, que podem

ser quantificadas, medidas, comparadas, classificadas e receber um valor, que é

registrado e que informa a posição dos estudantes na hierarquia da sala de aula, da

escola e da sociedade.”

Tais noções, extremamente arraigadas em nossa prática pedagógica, filiavam-se

a um conhecimento instrumental e regulatório que sustenta nossa “incapacidade de

estabelecer relação com o outro a não ser transformando-o em objeto” (SANTOS, 2002,

p. 83) supostamente previsível e controlável.

Ainda que a legitimidade dessa capacidade de retratar, prever e controlar o

comportamento e o desenvolvimento humanos venha sendo questionada há décadas,

verificamos que, no cotidiano escolar, a superação dessas noções e as possibilidades de

estabelecimento de um diálogo solidário e emancipatório com a heterogeneidade de

nossos alunos ainda se apresentavam utópicas e de difícil realização. Conhecimento

todos têm. Agora, aplicabilidade é difícil (fala de professor). Ainda segundo Esteban

(2003, p. 17),

a prática da avaliação, que pretende medir o conhecimento para classificar os(as) estudantes, apresenta-se como uma dinâmica que isola os sujeitos, dificulta o diálogo, reduz os espaços de solidariedade e de cooperação e estimula a competição. Essa prática exclui do processo ações indispensáveis à aprendizagem de todos, portanto é insuficiente para a professora que deseja ensinar a todos os seus alunos e alunas.

As concepções que os professores tinham sobre a questão do desenvolvimento

humano direcionavam sua prática avaliativa, enformando-os, ou seja, levando-os a se

posicionar numa formação discursiva que legitimava uma série de aspectos na

elaboração e execução de um determinado procedimento de avaliação.

Tô sempre avaliando com atividades individuais, mesmo, igual eu dei hoje. Individual, mesmo. E recolho. (E. M. Cecília Meireles) A mente dele tá funcionando perfeitamente. Bem demais, porque ele é um aluno super crítico. Ele sabe o que tá passando por aí, ele lê uma revista Veja, ele fala sobre o Lula. Ele entende [...] mas, na hora de registrar, não escrevia Lula! (E. M. Zélia Gattai)

Em geral, para o discurso pedagógico, o autêntico desenvolvimento é aquele que

poderia ser registrado por meio de instrumentos de avaliação supostamente objetivos. O

fato de que a mente dele tá funcionando perfeitamente tornava-se irrelevante se, na

hora de registrar, não escrevia Lula. Assim, só eram reconhecidas as atividades

individuais, mesmo, que eu recolho e arquivo como prova. Neste caso, ficavam

relegadas a segundo plano as potencialidades manifestas pelo aluno em atividades

realizadas sob orientação, com ajuda, por indicação e em colaboração39.

De acordo com os estudos de Esteban (2000, 2002), na dinâmica da sala de aula

nós, professores, somos capazes de perceber a diversidade de nossos alunos e, de certo

modo, intuir ou reconhecer que a estabilidade que buscamos nos processos avaliativos é

mera suposição e aproximação que não corresponde ao movimento educacional, sempre

atravessado pela complexidade e imprevisibilidade, entretanto,

Ainda que a sala de aula seja constituída pelo movimento, pela surpresa, pela turbulência, pela desordem, pela diferença, as práticas escolares e os processos ensino/aprendizagem estão estruturados para conduzir à homogeneidade, à convergência, à linearidade, considerados essenciais para uma boa relação pedagógica (ESTEBAN, 2000, p. 3).

Assumindo como meta a intervenção radical nas estruturas excludentes do

sistema escolar, o Programa Escola Plural (BELO HORIZONTE, 1994/2002) pretendia

promover uma série de modificações na organização pedagógica das escolas, afetando,

principalmente, suas estruturas avaliativas. Pesquisadores (DALBEN, 1998, 2000;

SOARES, 2002; ABREU, 2003) que acompanharam o processo de implantação do

Programa identificaram, em diversas ocasiões, manifestações de dúvida e insegurança

tanto por parte dos profissionais das escolas, quanto por parte da comunidade escolar,

de forma geral, diante da eliminação das notas e, principalmente, da reprovação.

De acordo com Soares (2002, p. 75), a abolição das notas e da reprovação

“desestruturou as relações de poder na escola e significou, para os docentes, a perda de

referências fundamentais no seu trabalho: avaliar, manter a disciplina, exercer o

controle sobre o processo de aprendizagem de seus alunos e alunas.” Por outro lado, de

acordo com a mesma autora, ainda que a nova situação tenha gerado perplexidade e

muita resistência, também acabou por mobilizar os profissionais em direção à

construção de novas alternativas.

Mas eu acho que se a gente perguntar quem é que faria, hoje, a opção de voltar para o modelo seriado e tal, eu acredito que a gente não encontra professor que fala “tenho saudade daquela escola que a

39 Cf. item 4.4 “Aprendizagem, desenvolvimento e enturmação” no presente trabalho.

gente trabalhava há dez anos atrás”. Eu acho que nós somos, hoje, profissionais muito melhorados. (E. M. Lygia Fagundes Telles) A escola mudou completamente a sua organização. [...] E, também, o mais importante que eu acho, também, é a cabeça de todo mundo, né? Que muda. As nossas atitudes, os nossos procedimentos. Reavalia tudo. (E.M. Ruth Rocha) Uma das vantagens da Escola Plural é que você tenta avaliar o aluno não prá dar nota, né? Você tenta avaliar prá você ver a partir de onde que você vai caminhar, se você vai ter que voltar, se você pode continuar. (E. M. Cecília Meireles)

Embora, em determinados aspectos, manifestassem ressalvas com relação ao

Programa e ao seu processo de implantação e implementação, grande parte dos

professores considerava que nós somos, hoje, profissionais muito melhorados e não

faria a opção de voltar para o modelo seriado, no qual se avaliava o aluno prá dar

nota. Apontavam, assim, algumas vantagens da Escola Plural e reconheciam a

importância de essa ter propiciado um deslocamento englobando as nossas atitudes, os

nossos procedimentos.

Todavia, consideramos que, enquanto os professores julgavam que a escola

mudou completamente a sua organização poderiam estar dificultando a reflexão,

identificação e possível superação de mecanismos excludentes que, sob aparente

legitimidade, ainda podiam estar permeando sua prática pedagógica.

Em alguns contextos, novos sentidos pareciam emergir das discussões sobre a

adoção de instrumentos de avaliação de caráter mais descritivo e qualitativo – propostos

pelos documentos editados pela SMED/BH, na ocasião da implantação do Programa

Escola Plural – como possíveis alternativas à prática autoritária e seletiva, até então

representada pelas avaliações de caráter quantitativo.

O mais importante prá mim nesse processo pedagógico é o retrato que você tem do seu aluno. Você tem um retrato muito mais completo dele, muito mais real. [...] Então, eu acho que o grande mote dessa produção da escola foi exatamente esse conhecimento que o professor tem do aluno, do ser humano que, inclusive, pode orientar muito o trabalho do professor dentro de sala de aula. (E.M. Ruth Rocha) Eu acho que o mais importante dessa avaliação, dessa ficha é que a gente tem uma visão realmente completa do aluno. (E.M. Ruth Rocha)

Referindo-se às mudanças ocorridas no processo pedagógico das escolas, alguns

discursos indicavam que a avaliação qualitativa, elaborada na forma de fichas

descritivas, poderia contribuir para um conhecimento que o professor tem do aluno, do

ser humano e fornecer elementos que poderiam orientar muito o trabalho do professor

dentro de sala de aula.

Esses mesmos discursos revelavam, no entanto, a manutenção da crença numa

suposta possibilidade de obtermos de um retrato muito mais completo do aluno, muito

mais real, o que ainda poderia ocultar a complexidade e incompletude dos educandos e

contribuir para que fossem mantidos na posição de objetos, sobre os quais se buscaria a

previsibilidade e o controle, mesmo sob uma pretensa procura por um conhecimento do

tipo emancipatório. De acordo com os estudos de Esteban (2003, p. 28),

Mesmo os relatórios descritivos, com freqüência, descrevem o processo do aluno ou aluna em relação ao que era esperado que ele ou ela fizesse; a referência continua sendo o ensino. Sem desconsiderar a potencialidade de transformação que o debate sobre a avaliação qualitativa traz para o cotidiano escolar, no momento em que estamos ela ainda se pauta na classificação.

Nessa mesma direção percebemos, através da leitura de diversos textos, que

mesmo no discurso de alguns autores que defendem a superação da avaliação

classificatória por práticas qualitativas ainda não houve uma ruptura definitiva com o

sentido de padronização e hierarquização das aprendizagens conforme observamos no

trecho abaixo selecionado, o que dificulta a construção de uma prática educativa

pautada em princípios inclusivos:

Com isso, fugiremos ao aspecto classificatório que, sob a forma de verificação, tem atravessado a aferição do aproveitamento escolar. Nesse sentido, ao avaliar, o professor deverá: [...] atribuir uma qualidade a essa configuração da aprendizagem, a partir de um padrão (nível de expectativa) preestabelecido e admitido como válido pela comunidade dos educadores e especialistas dos conteúdos que estejam sendo trabalhados (LUCKESI, 2004, p. 95).

Essas expectativas em torno de padrões de aproveitamento escolar,

proporcionais à idade e ano do ciclo, estão fortemente arraigadas em nosso imaginário e

se mostravam presentes em todos os discursos questionando, pois a eficácia do sistema

de organização em ciclos de formação e a viabilidade dos processos de inserção de

crianças com deficiência no sistema comum de ensino organizados sob tal lógica.

Que profissão uma criança dessa vai ter? Então, quer dizer, a sua função como educadora fica aí frustrada, justamente por isso. Eu

estou formando esse aluno prá vida, prá ele competir no mercado? Claro que não! Ele vai conti... ele vai ser um excluído! Ele não sabe falar, ele não sabe escrever. Ele vai passar pela escola! (E. M. Zélia Gattai) Isso que, a princípio, talvez na melhor das intenções, foi criado como um direito, quando é um caso de um menino que não dá conta de acompanhar passa a ser, assim, um castigo. [...] Não é reprovar o menino. [...] é dar a ele o direito de ter mais um tempo ali. (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Remetendo-se a um contexto global, marcado pela competitividade, pela baixa

escolarização da população em geral, pela má distribuição de renda, pelas altas taxas de

desemprego, enfim, pela segregação em seus mais diversos aspectos, diversos

professores compreendiam que admitir diferenças em torno das possibilidades de

construção de conhecimentos em parte manifestas nas variações de rendimento escolar

dos alunos e, portanto, abandonar os padrões e níveis de expectativa preestabelecidos

configuraria uma perda na qualidade da formação e uma violação de direitos que

poderiam influir decisivamente no futuro dos educandos, o que produzia a sensação de

que a sua função como educadora fica aí frustrada.

Ainda que justa e necessária, tal preocupação em torno da possibilidade de que o

aluno viesse a ser um excluído devido, em parte, a carências em sua formação

acadêmica, nem sempre se traduzia em efetivas melhorias nos processos de ensino.

Relacionando a questão da padronização às discussões sobre inclusão escolar,

Hoffmann (2004, p. 34) afirma que

Inclusão pode representar exclusão sempre que a avaliação for para classificar e não para promover, sempre que as decisões levarem em conta parâmetros comparativos, e não as condições próprias de cada aluno e o princípio de favorecer-lhe oportunidade máxima de aprendizagem, de inserção na sociedade, em igualdade de condições educativas. Essa igualdade nada tem a ver com a visão padronizada da avaliação, como uma exigência de igualar-se aos colegas, de corresponder às exigências de um currículo fixo, ou de um professor. Tem a ver com a exigência de delinear-se concepções de aprendizagem e formar-se profissionais habilitados que promovam condições de escolaridade e educação a todas as crianças e jovens brasileiros em sua diversidade.

Nossas análises indicavam, entretanto que, em geral, o discurso pedagógico

evitava identificar as barreiras à aprendizagem que, possivelmente, pudessem estar

sendo ocasionadas pela própria organização escolar ou pela dinâmica da sala de aula e

restringia ao aluno, à sua deficiência, aos seus familiares ou ao sistema a

responsabilidade pelo que identificava como fracasso.

Parecia que, apesar da preocupação com os processos de exclusão que poderiam

ser vividos por seus alunos no futuro, poucas escolas envolviam-se com a superação dos

processos de exclusão que os alunos viviam dentro da escola ou com a formação dos

professores, habilitando-os a promover condições de escolaridade e de educação a todas

as crianças, conforme nos propõe Hoffman (2004). É como se, para a lógica que regia as

instituições pesquisadas, a vivência e a esperada superação meritocrática dos

mecanismos de segregação escolar preparassem os estudantes para a vivência numa

sociedade essencialmente excludente.

Neste sentido, dar a ele o direito de ter mais um tempo na escola era uma

estratégia apontada como solução mais evidente, como se o longo histórico de

reprovações que marca a história do sistema escolar brasileiro já não nos tivesse dado

suficientes sinais de sua ineficiência. Sinais que, segundo Esteban (2003), são

percebidos pelo próprio professor que

Às vezes, sabe, ou suspeita, que muitas vezes a reprovação não faz o aluno ou aluna aprender, que nem sempre é uma nova oportunidade; mas sabe, também, ou continua suspeitando, que para não classificar e excluir é preciso que muita coisa mude na escola, inclusive em si mesma.

Acreditamos que tais mudanças dificilmente serão implementadas sem que se

estabeleça uma relação de apoio e cooperação mútuos entre os profissionais das escolas,

seus alunos, a comunidade escolar e os órgãos administrativos dos sistemas de ensino.

Isso porque uma educação inclusiva só se estabelece em ambientes cooperativos em que

essas várias instâncias trabalham juntas, compartilhando responsabilidades, avaliando e

refletindo sobre os processos educativos e não em relações nas quais predomina a

culpabilidade recíproca.

Embora nos faltem dados estatísticos, sabemos que, na ocasião da pesquisa, em

grande parte do sistema de educação do Município de Belo Horizonte um significativo

número de alunos concluía o segundo ciclo sem o domínio de habilidades básicas de

leitura e escrita devido a diversos fatores, dentre eles a dificuldade das instituições

escolares em construir um trabalho cooperativo e em produzir modificações

significativas em sua organização pedagógica. Tal fato vinha gerando uma insatisfação

generalizada e contribuía para acirrar os debates sobre a relação entre qualidade do

ensino, rendimento escolar e retenção.

A Escola Plural não impede a retenção. Porém, ela quer que você proponha alternativas prá essa retenção. Você tem que justificar porque da retenção e quais são as suas intenções educativas. Ele vai ficar retido por ficar? Ou ele vai ficar retido aqui para ter um trabalho com ele? (E. M. Maria Adelaide Amaral) A questão da retenção que acho que o que pega mais na Escola Plural atualmente é isso, né? Eu acho que ela tem que ser revista. Ter a possibilidade, mas analisando caso por caso, não é? Que é o que tá começando a acontecer, agora. (E. M. Cecília Meireles)

Em linhas gerais, compreendemos que o que tá começando a acontecer, agora

era uma espécie de retrocesso na estratégia diante dos resultados insatisfatórios

apresentados. Ainda que documentos publicados na ocasião da implantação da Escola

Plural admitissem a possibilidade de “permanência de alunos no Ciclo de idade, por

mais um ano” (BELO HORIZONTE, 1994/2002, p. 22), tal prática vinha sendo, até

então, evitada por orientação dos setores administrativos responsáveis pelo

acompanhamento das escolas, provavelmente na expectativa de que estas conseguissem

desenvolver práticas alternativas mais eficientes que a reprovação.

De fato, ainda que diversas escolas considerassem mais adequado justificar

porque da retenção e quais são as suas intenções educativas ao invés de promover

mudanças efetivas em sua organização, outras vinham buscando instaurar processos

mais amplos de avaliação, envolvendo a instituição e seus participantes.

Aluno, pai, todo mundo avalia todo mundo em todos os aspectos. [...] E organiza esse seminário com debates e, depois, faz a assembléia prá plenária de aprovação. E a assembléia decide do que foi proposto no passado se já foi resolvido, né? E as novas demandas. (E. M. Rachel de Queiroz) Foi tirado do Congresso Pedagógico que a avaliação seria da escola inteira, né? Mas, agora, nesse momento da escola surgiu até um grupo de alunos que está preparando uma avaliação. Eles estão preparando uma avaliação dos professores, do ensino, da escola. Eles estão tendo esse cuidado e, inclusive, construindo junto com alguns professores, com a direção, uma avaliação. (E.M. Ruth Rocha)

Buscando a superação da dimensão unilateral, na qual apenas o aluno é avaliado,

esses discursos revelavam a tentativa de promover um processo mais aberto e

democrático em que todo mundo avalia todo mundo em todos os aspectos, a fim de

identificar do que foi proposto no passado se já foi resolvido e as novas demandas.

Processos como este, evidentemente, são marcados por negociações e conflitos,

por tocarem em antigas estruturas de poder. Difíceis de serem instaurados, expõem não

só as conquistas mas, especialmente, as fraquezas do grupo, embora contribuam para

alcançar a construção de novas forças. Por tudo isso, os processos de avaliação

institucional demandam organização, cuidado e persistência, por parte de um coletivo

engajado no aprimoramento solidário de todos e não no desenvolvimento competitivo

de alguns.

Concluímos, por fim, esse item considerando que os movimentos de reflexão

que envolveram tanto o nosso trabalho como o dos professores entrevistados constituem

indícios de possíveis transformações no modo como pensamos o cotidiano escolar e

nele atuamos. Neste sentido, atribuímos aos processos avaliativos o valioso papel de

desestabilizar velhas certezas, possibilitando a construção de caminhos alternativos para

superar os desafios encontrados.

Como Esteban (2001, p. 14), acreditamos que tais caminhos certamente têm

“desvios, atalhos, pistas erradas, e até alguns retornos que podem fazer com que tudo

volte ao seu início”, causando a impressão de voltar à estaca zero. Ainda assim,

estamos sempre caminhando e nos aprimorando, mesmo que velhos sentidos insistam

em se manifestar em nosso discurso.

4.6 ESTRATÉGIAS DE ACOLHIMENTO E INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

Ao longo de nossas análises, identificamos uma série de indícios que nos

permitiram supor que havia, por parte de diversos professores entrevistados, a

preocupação em garantir um atendimento educacional de qualidade aos seus alunos.

Com o propósito de acolher e intervir pedagogicamente, visando ao atendimento à

diversidade dos mesmos, em cada um dos contextos pesquisados tal preocupação se

traduzia em estratégias e esforços variados. São, justamente, essas estratégias que nos

interessam no presente item.

De acordo com as reflexões de Esteban (2003, p. 32), “muitas vezes, o que dá

sentido às palavras, atos, produções, processos, possibilidades, carências, está

silenciado, nem por isso, ausente. Apenas invisibilizado no discurso e nas práticas.”

Buscamos, pois, compreender os possíveis sentidos envolvidos nos discursos, sempre

tomando como pano de fundo as discussões sobre Escola Plural e inclusão escolar. Para

tal, contamos com as contribuições teóricas de Sampaio (2001), Santos (2002), Skliar

(2002), Mantoan (2002b), entre outros.

Olha, ele já teve oportunidade de ir para uma escola especializada. Só que o pai cobra esse direito dele estar inserido aqui na escola. (E. M. Lygia Fagundes Telles) Tem uma que a [professora] tá querendo colocar prá escola especial. (E. M. Ana Maria Machado)

Diante das dificuldades em elaborar estratégias pedagógicas, para intervir em

favor de todos os educandos, uma primeira iniciativa adotada por algumas escolas era a

de colocar prá escola especial a responsabilidade pelo atendimento ao aluno com

deficiência, permanecendo com o mesmo apenas quando o pai cobra esse direito de ele

estar inserido na escola comum. Iniciativas como essa costumavam vir acompanhadas

de argumentos em torno do bem-estar da criança, todavia, tendemos a concordar com o

ponto de vista de D’Antino (1998) e C.Marques (2001b) de que tais gestos de exclusão

beneficiariam unicamente a manutenção da seletividade da escola, por desobrigá-la de

promover modificações em suas estruturas.

Pelo amor de Deus, como é que é? Olha, eu estou deixando o [aluno com deficiência] sozinho na sala. Eu tô dando revista prá ele porque ele quer fazer! (E. M. Zélia Gattai) Então, eu comecei a dar uma assistência individual prá ela. Coloquei na primeira carteira, toda atividade dela era separada. Então, eu dava a minha aula lá, para os meus alunos, corria na carteira dela, para orientá-la. (E.M. Cecília Meireles)

Pudemos perceber que o principal desafio apresentado aos professores diante da

heterogeneidade das turmas era a elaboração de atividades que propiciassem a

participação e o aproveitamento por parte de todos os alunos, de acordo com suas

possibilidades individuais.

Em geral, tal habilidade ainda não havia sido alcançada, o que, por vezes, fazia

com que o professor ou acabasse deixando o aluno com deficiência sozinho na sala,

adotando medidas paliativas – como dar revista prá ele porque ele quer fazer – ou

tivesse que se desdobrar para dar uma assistência individual através de atividades

separadas e, paralelamente, dar minha aula lá para os meus alunos. Note-se, aliás, que

a criança com deficiência, nesse contexto, era física e discursivamente segregada do

grupo dos meus alunos.

Grande parte dos entrevistados, no entanto, manifestou-se incomodado com

situações como essas, pois, além de aumentarem exaustivamente a carga de atribuições

do professor, pouco contribuíam para o desenvolvimento dos alunos. Em muitos casos,

tal incômodo era acompanhado da expectativa de que apoios externos pudessem

viabilizar uma melhor organização do trabalho.

Ela tá o tempo todo com a estagiária. Eu só passo a atividade. (E. M. Cecília Meireles) Desde o primeiro dia [a estagiária] sabe disso. Ela assumiu esses meninos, mesmo, sabe? (E. M. Maria Adelaide Amaral) Com a chegada do estagiário, eu achei que o melhor lugar prá [criança com deficiência] seria o fundo da sala, porque tem mais espaço. [...] Mas essa disposição não foi boa, porque eles acabaram ficando isolados lá atrás.

Em todos os contextos pesquisados, a presença do(a) estagiário(a) em sala de

aula era apontada enquanto requisito necessário ao trabalho em classes comuns onde

fossem inseridos alunos com deficiência, entretanto, existia uma grande indefinição

quanto ao papel desse(a) personagem no cenário educacional já que, em muitos casos,

ao invés de apoiar o professor em seu trabalho com toda a turma, ele(a) assumiu esses

meninos, mesmo, de tal modo que os alunos com deficiência – e, em alguns casos,

outros consideradas “lentos” – permaneciam o tempo todo com a estagiária, ocupando,

por vezes, o fundo da sala, onde acabaram ficando isolados do grupo.

Alguns recortes discursivos revelaram, por outro lado, que, à medida que as

discussões sobre os princípios da educação inclusiva alcançavam as escolas, seus

professores se viam compelidos a reavaliar suas ações – essa disposição não foi boa – e

a identificar as que eram incompatíveis com uma educação que atendesse a todos.

Essa professora que atende uma vez por semana, ela é psicopedagoga, trabalha em escola especial. Ela tem mais contato, né? Com esse tipo de criança. (E. M. Ana Maria Machado) A sala de recursos dá uma assistência muito boa, né? Tá sempre vindo aqui na escola, sempre tá olhando, sempre tá conversando. Mas eu, particularmente, ainda não tive nenhuma conversa com ela. Eu

tenho visto com a [outra professora] que faz um atendimento mais próximo. Nesse atendimento, apesar de eu ser a professora que está todo dia, mas a [outra professora] faz um atendimento mais específico nessa área, né? Com os meninos. Mas eu, particularmente, ainda não tive, ainda, essa conversa, esse acompanhamento não, tá? Eu ainda não tive, não. Prá mim, nada.Prá mim, não chegou nada, não. Eu ainda não recebi nada, não.

Também nos foi relatado o esforço de algumas escolas em designar um

professor para a realização de um atendimento mais específico com esse tipo de

criança, fora de sala, no horário das aulas. Assim como no caso do atendimento

realizado por estagiários(as), esse professor acabava se tornando a referência quando o

assunto era a criança com deficiência.

Assim sendo, apesar de haver uma professora que está todo dia trabalhando

junto à turma, era a outra que fazia um atendimento mais próximo, que tinha acesso a

essa conversa, esse acompanhamento oferecido às escolas por salas de recursos ou

instituições similares de apoio. Tais procedimentos, além de dificultarem ao professor

da turma comum o acesso às informações disponíveis – prá mim, não chegou nada,

não – fazia com que se perpetuasse, no interior de uma mesma escola, a divisão do

ensino em comum e especial. De acordo com Mantoan (2002b, n.p.),

a presença de professores especialmente destacados para acompanhar o aluno com deficiência nas atividades de sala de aula, servindo como apoio ou mesmo respondendo diretamente pela inserção desse aluno no meio escolar, [...] constitui mais uma barreira à inclusão, pois é uma solução que exclui, que segrega e desqualifica o professor responsável pela turma e que o acomoda, não provocando mudanças na sua maneira de atuar.

Em outros contextos, buscava-se garantir a aprendizagem dos alunos através da

adoção do que nomeamos por “estratégias homogeneizantes”, dentre as quais

destacamos novamente a organização das chamadas “turmas-projeto”.

Na escola tinha a turma-projeto, aquela turma com mais dificuldade prá fazer um trabalho especializado, voltado prá eles. A Prefeitura cortou isso esse ano. Não existe mais. (E.M. Zélia Gattai) Como nós estamos com um pedido na Prefeitura de uma sala projeto, eu senti uma certa pressão prá que essa sala seja aprovada e essa criança [com deficiência] seja inserida nela. (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Eu já escutei essa fala aqui dentro da escola. Uma professora já falou que seria muito mais fácil se juntasse: “_Faz uma turma com dez, com oito, que a professora fica ali por conta". Eu até questionei isso mesmo: _Mas isso aí não é inclusão! Você tá juntando, você tá excluindo os alunos dentro da escola! Aí você tá fazendo uma sala especializada! (E. M. Bárbara Heliodora) A gente não quer ter sempre uma turma-projeto, ninguém quer assumir isso. (E. M. Bárbara Heliodora)

Baseada no princípio de que seria muito mais fácil se juntasse aquela turma

com mais dificuldade prá fazer um trabalho especializado, a adoção de “turmas-

projeto” – normalmente destinadas a um único professor que fica ali por conta – ainda

era planejada por algumas escolas que mantinham um pedido na Prefeitura, mesmo

depois que a Prefeitura cortou isso.

Ao mesmo tempo, tal prática vinha sendo questionada por professores que

pareciam compreender que isso aí não é inclusão uma vez que você tá juntando, você

tá excluindo os alunos dentro da escola! Aí você tá fazendo uma sala especializada!

Outra questão que parecia mobilizar o questionamento da adoção de “turmas-projeto”

era o fato de que ninguém quer assumir isso e, sozinho, responsabilizar-se pelo

atendimento às necessidades de todas as crianças que eram segregadas pelos demais

professores.

[Num determinado dia da semana, uma das professoras] vai ficar com um grupinho fraco, vamos chamar de fraco. Que são os alunos dela e de todas as outras salas do mesmo nível da dela. Menino pré-silábico tá lá. No segundo horário, ela volta prá sala dela e aí outra professora vem ficar com outro grupinho, entendeu? (E. M. Maria Adelaide Amaral) Na primeira hora do dia eles são enturmados. Aí, tanto o primeiro ciclo quanto o segundo, todo mundo da escola entra. Eles são enturmados por habilidade. [...] É a alfabetização e letramento que a gente trabalha nesse horário. Então, tá todo mundo envolvido. (E. M. Lygia Fagundes Telles) Nós temos um projeto de intervenção, que é voltado prá leitura e escrita. Então, duas vezes por semana, [...] os meninos são reorganizados. Então, eu pego, por exemplo, os que ainda nem conhecem letras, a outra coordenadora pega aqueles que já lêem, mas estão em sala de meninos que não são leitores [...] e as professoras de sala ficam com mais um tanto. (E. M. Ana Maria Machado) Esse atendimento a esses alunos, essas dificuldades, né? Específicas de cada aluno, a gente também já tá fazendo através de um projeto de

oficinas, né? Três vezes por semana, e envolve todos os alunos, todos os professores. Uma reenturmação, mesmo, né? Um reagrupamento de alunos [...] por habilidades. [...] porque a gente gostaria muito que os alunos encerrassem o primeiro ciclo todos alfabetizados. (E. M. Cecília Meireles)

Diante da dificuldade de lidar com a heterogeneidade nas/das turmas e

manifestando o desejo de que os alunos encerrassem o primeiro ciclo todos

alfabetizados, a maioria das escolas visitadas adotava como estratégia um

reagrupamento de alunos [...] por habilidades.

Reconhecemos, por um lado, que tais reagrupamentos, ao promoverem o

envolvimento de todos os alunos, todos os professores, num objetivo comum em que

todo mundo da escola entra, pareciam representar um avanço em direção à construção

de um trabalho de caráter mais coletivo, condição necessária tanto à superação do

exercício individualista e solitário da função docente, quanto à construção de uma

organização escolar mais participativa e democrática.

Todavia, acreditamos que a adoção da proximidade nos níveis de domínio das

habilidades de leitura e escrita como único critério de reagrupamento dos alunos

representava não apenas um retorno às bases seletivas do sistema escolar seriado como

também uma forma de perpetuá-las.

Isso porque tal procedimento parecia estar contribuindo para que os professores,

ao invés de buscarem a reflexão e a elaboração de estratégias para lidar com a

diversidade – em cujos parâmetros a diferença é atributo comum a todo e qualquer

aluno – permanecessem recorrendo à homogeneidade como forma mais adequada de

trabalho, na qual a diferença continuava sendo considerada como um distúrbio e

representava o desvio de um grupinho fraco, vamos chamar de fraco.

Ele chamou o menino de burro, sabe? Aí eu fui conversando com ele. [...] Aí ele soltou: “_A minha mãe me chama de burro”. E eu fui percebendo como é que é a história, ele é excluído lá [no grupo familiar] também, né? O emocional tá dançado, mesmo. E daí, tentando trabalhar esse lado de auto-estima deles e tal. Eu tento muito trabalhar, fazer o trabalho em grupo e levar prá sala de aula. Às vezes, eu trabalho uma determinada coisa neles, no atendimento. Pontuação, por exemplo, eu trabalhei antes com eles, né? Falei: “_Olha, na sala eu vou trabalhar com os meninos e vocês vão fazer o favor, porque eu vou perguntar é prá vocês! E aí, foi muito engraçado, porque um dia eu tava trabalhando pontuação, fiz uma parlenda com travessão e falei o nome com eles, e tal. E aí, um ficou,

assim, toda hora, ele passou o recreio me perguntando como é que chama o travessão! [Nos horários de reagrupamento e dos atendimentos em grupo] fica o tempo todo só eles, não tá entrando outros meninos do primeiro ciclo. São só eles, a semana toda. (E. M. Rachel de Queiroz)

Esse recorte discursivo que contém o relato sobre a freqüente separação de um

grupo de alunos dos demais colegas de sua turma – tanto nos horários de reagrupamento

que envolvem toda a escola, quanto em horários específicos de “reforço” destinados

somente a um determinado grupo, fora da sala, nos horários de aula – nos explicitou um

outro aspecto contraditório dessas “estratégias homogeneizantes”.

Apesar da intenção do professor em estar tentando trabalhar esse lado de auto-

estima deles, o fato de mantê-los isolados do grupo – fica o tempo todo só eles, não tá

entrando outros meninos do primeiro ciclo. São só eles, a semana toda –

indiretamente contribuía para que o estigma de burro se cristalizasse e o emocional

continuasse dançado mesmo. No entendimento de Sampaio (2001, p. 5, grifos da

autora), “ser retirado da turma para o grupo de apoio já significa “ser o diferente”, “o

que tem dificuldades” e que precisa voltar à “normalidade”. A estigmatização tem início

nessa indicação”.

Ao manifestar a compreensão de que ele é excluído lá [no grupo familiar]

também, o professor parecia demonstrar a percepção da estigmatização sofrida pelo

aluno na escola. O esforço do garoto que passou o recreio inteiro me perguntando

como é que chama o travessão apresentava-se, assim, como um indício de sua

necessidade em participar de outros agrupamentos, sem precisar ficar restrito a uma sala

onde os colegas seriam “burros” – Ele chamou o menino de burro.

Os dois últimos horários [uma vez por semana] são de oficinas. Eles passam por várias oficinas [...], tem oficina de xadrez, tem oficina de culinária, tem oficina de esportes, tem oficina de bijuterias e tem a oficina de Português e de Matemática. Então, os alunos mais fracos, eles são encaminhados prás oficinas de Português e de Matemática. Quando eles já são capazes de... já adquiriram aquele básico que a gente queria, aí eles vão prás outras oficinas. [...] Só no caso do Português e da Matemática que tem um critério diferente. O resto, não. O resto é mesmo prá socialização, entendeu? (E. M. Adélia Prado)

Em linhas gerais, acreditamos que esse recorte discursivo ainda manifestava um

caráter, predominantemente, regulatório do conhecimento, mantendo uma noção

homogeneizante que classifica alunos mais fracos, encaminhados prás oficinas de

Português e Matemática, para adquirir aquele básico que a gente queria.

Por outro lado, o fato de a escola também adotar oficinas de caráter mais lúdico

– tem oficina de xadrez, tem oficina de culinária, tem oficina de esportes, tem oficina

de bijuterias – poderia representar um possível deslocamento de sentidos, à medida que

se percebesse o valor das mesmas como espaços de interação, aprendizagem e formação

humanas.

Os alunos se inscrevem, são cinco alunos por sala. Então, dá um total de vinte alunos por oficina. [...] Às vezes, a gente faz mais lúdica e, às vezes, Matemática, mesmo. [...] Reciclagem de papel, fazem cartõezinhos com papel reciclado, [...] já tivemos oficinas bem variadas. E eu acho que os alunos participam, realmente. Eles gostam tanto que tem hora que eles não querem nem trocar mais de oficina, querem repetir, querem fazer mais, sabe? (E. M. Ruth Rocha)

Identificamos, no presente recorte, outro possível sentido numa direção

emancipatória. Note-se que, ao invés de serem encaminhados, nesse contexto os

alunos se inscrevem, os alunos participam, realmente. Além disso, disciplinas como

Português e Matemática que, em outros contextos, recebiam uma ênfase quase exclusiva

e pareciam incluídas no currículo sem a desvalorização ou exclusão de outras

possibilidades.

Segundo nosso entendimento, a valorização de algumas disciplinas até então

eliminadas dos currículos escolares pode representar um importante passo para que nos

habituemos a enxergar nos alunos uma série de habilidades que, apesar de fazerem parte

da constituição dos sujeitos, ainda não são consideradas como alternativas de construção

do conhecimento.

Eles ficam todos num canto, no grupo, por causa da intérprete. (E. M. Adélia Prado)

A presença de intérpretes de LIBRAS em salas de aulas comuns onde eram

inseridos alunos com deficiência auditiva foi outra estratégia de intervenção apontada

por algumas escolas. Conforme já comentamos no item 4.2 “A educação de pessoas

com deficiência na Escola Plural: sentidos em construção” do presente trabalho, esse

tipo de organização, ainda que mantivesse todos num canto, no grupo, por causa da

intérprete, nos parecia representar um certo avanço com relação às salas ou escolas

especiais, por proporcionar a todos os alunos e professores a oportunidade de

aprenderem a se comunicarem através da LIBRAS, o que, no futuro, poderia dispensar a

presença dos intérpretes.

Podemos considerar, finalmente, que grande parte das iniciativas de

reorganização dos tempos e espaços nas escolas visitadas ainda estava, de algum modo,

relacionada ao caráter regulatório do conhecimento representado, nestes casos, pelo

controle dos comportamentos e pelas tentativas de promover a padronização do domínio

de conteúdos curriculares restritos. Assim sendo, mesmo que manifestassem a intenção

de alcançar a emancipação dos educandos, tais iniciativas se pautavam,

predominantemente, nas bases do que Skliar (2002, p. 213, grifos do autor) chamaria de

pedagogia do outro como hóspede.

Uma pedagogia que tenta alcançar o outro, capturar o outro, domesticar o outro, dar-lhe voz para que diga sempre o mesmo, exigir-lhe sua inclusão, negar a própria produção de sua exclusão e de sua expulsão, nomeá-lo, confeccioná-lo, dar-lhe um currículo “colorido”, oferecer-lhe um lugar vago, escolarizá-lo cada vez mais para que cada vez mais, possa parecer-se com o mesmo, ser o mesmo.

A superação dessa pedagogia parece depender, pois, da nossa capacidade de

inventar alternativas emancipatórias que não se convertam gradual e insidiosamente em

mais mecanismos de regulação. Segundo Santos (2002, p. 331), o único caminho para

pensar essas alternativas parece ser a exploração, através da reflexão e da imaginação

utópica, “de novas possibilidades humanas e novas formas de vontade e a oposição da

imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo

radicalmente melhor porque vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito”.

No próximo item, nos dedicamos a analisar os espaços de formação que, na

ocasião das entrevistas, vinham sendo oferecidos aos professores para que, individual

ou coletivamente, promovessem a avaliação e aprimoramento de suas concepções e

prática pedagógica.

4.7 PROFESSORES: SEUS SABERES E SUA FORMAÇÃO

Cada diferente teoria da cognição, cada setor político ou econômico, cada

mudança na proposta que orienta os sistemas escolares carrega consigo uma concepção

variável de professor e de seu papel na formação dos educandos. O mesmo ocorre nas

discussões sobre educação inclusiva na medida em que, para que seus princípios se

efetivem, um novo perfil de professor – incompatível com os padrões tradicionais – é

requerido. Assim, as demandas apresentadas a nós, professores, são cada vez mais

amplas, variáveis e, muitas vezes, contraditórias.

Ao longo da presente pesquisa, os professores entrevistados expuseram uma

série de queixas, expectativas e táticas relativas aos processos de formação continuada

que serviam de subsídios para o enfrentamento dos desafios que o cotidiano de trabalho

apresentava, especialmente dos relativos à inserção de crianças com deficiência em

turmas comuns e à efetivação dos princípios da organização escolar em ciclos de

formação.

Valemo-nos, neste ponto, das contribuições de Certeau (2002) para diferenciar

as noções de tática e de estratégia. Segundo o autor, os procedimentos do tipo

estratégico – como os militares e científicos – são organizados pelo postulado de um

poder e permitem a gestão das relações e do tempo, possibilitando a chamada prática

panóptica “a partir de um lugar de onde a vista transforma as forças estranhas em

objetos que se podem observar e medir, controlar portanto e ‘incluir’ na sua visão. Ver

(longe) será igualmente prever, antecipar-se ao tempo pela leitura de um espaço”

(CERTEAU, 2002, p. 100, grifo do autor).

Os procedimentos do tipo tático, no entanto, jogam com o terreno que lhes é

imposto por uma força estranha. Assim, não possuem meios para se manter num lugar

circunscrito ou numa posição recuada que permita a previsão e o controle. Denominada

“a arte do fraco”, a tática é dócil aos azares do tempo, aproveitando e dependendo das

possibilidades oferecidas por um instante. Opera golpe por golpe, lance por lance, sem

base para estocar benefícios ou prever saídas. “Sem lugar próprio, sem visão

globalizante, cega e perspicaz como se fica no corpo a corpo sem distância, comandada

pelos acasos do tempo, a tática é determinada pela ausência de poder” (CERTEAU,

2002, p. 101, grifo do autor).

Com base em tais diferenciações, localizamos os procedimentos de formação

docente desenvolvidos no cotidiano das escolas como sendo do tipo tático, por não

contarem com muito planejamento e previsão, além de estarem sempre dependendo das

possibilidades oferecidas pelas circunstâncias.

Buscamos, a partir daí, a compreensão dos discursos e a análise de algumas

alternativas de formação continuada adotadas pelas escolas a partir das necessidades de

formação de seus professores. Para tal utilizamos, além das reflexões suscitadas por

Certeau (2002), das contribuições teóricas de Mazzeu (1998), Tardif (2000, 2002),

Arroyo (2002, 2004), entre outros autores que abordam a questão da construção do

saber docente e fornecem subsídios para refletir sobre os mecanismos de formação de

professores.

É um conflito muito grande. Não dá prá você falar assim "olha, o profissional tem que se adequar". Mas, se adequar como? Com que condições, com que preparo? (E. M. Zélia Gattai) A gente fica, mesmo, achando que você não usou todos os recursos que você poderia ter usado por falta de conhecimento, né? Então vai dando uma angústia, porque você gostaria de ter feito mais. [...] Então, pode dar certo e pode não dar! E, quando não dá vem a frustração, né? O que eu poderia ter feito? Onde foi que eu errei? (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Convidados a relatar que aspectos de sua prática pedagógica foram alterados a

partir da reorganização escolar em ciclos de formação e da inserção de crianças com

deficiência em suas salas comuns, os professores entrevistados eram unânimes em

manifestar um conflito muito grande gerado pela dificuldade em se adequar e em usar

todos os recursos que poderia ter usado. A falta de conhecimento, de condições, de

experiência e de preparo eram fatores citados como geradores de angústia e frustração

em quem gostaria de ter feito mais.

Aí fica a nossa angústia porque o trabalho da escola, que seria a formação acadêmica, a gente não faz com esses meninos. (E. M. Zélia Gattai) O que a gente não conseguiu ainda e que é o que adoece os professores, o que mata, é dar o conteúdo, entendeu? Ninguém ainda conseguiu estruturar nada que faça eles aprenderem esse conteúdo. (E. M. Adélia Prado)

Os recortes discursivos também revelavam que a principal fonte da nossa

angústia e daquilo que adoece os professores relacionava-se, possivelmente, à redução

do trabalho da escola à formação acadêmica e ao não reconhecimento de todos os

outros aspectos da formação humana que a complexidade da relação educativa abarca.

Assim, à medida que assumimos a postura de “professor explicador” (RANCIÈRE,

2004), reduzindo nossa função a dar o conteúdo e não conseguimos estruturar nada

que faça eles aprenderem esse conteúdo, frustramos as expectativas em nós

depositadas pelo imaginário social e nos sentimos questionados em nossa competência

profissional.

De acordo com Arroyo (2002, p. 161), um dos traços mais inovadores das

propostas educativas, como a da Escola Plural, que pretendeu desviar a ênfase dada ao

conteúdo para a formação humana é, justamente, o de provocar um clima coletivo de

dúvida, no qual nosso ofício é obrigado a transitar em coordenadas inseguras. Segundo

o autor,

São dúvidas sérias, que é bom que aflorem. O que demonstra que os profissionais estão se defrontando com os valores, as concepções que guiavam suas escolhas e decisões no sistema seriado e têm de repensá-las ou superá-las para serem capazes de fazer as novas escolhas postas pela organização escolar centrada nos educandos e seus tempos de desenvolvimento.

Essa falta de certezas sobre o que eu poderia ter feito ou sobre onde foi que eu

errei é, segundo Tardif (2000), comum às profissões que lidam com seres humanos e

que, portanto, não podem contar com tecnologias eficazes e operatórias de previsão e

controle de situações e de comportamentos. O mesmo autor também ressalta que, por

implicar em relações humanas, o trabalho docente suscita conflitos de valores e dilemas

éticos que residem no próprio cerne do discernimento profissional a ser exercido na

prática cotidiana e co-institui essa prática.

Mas o que angustia é, justamente, porque a gente vai muito pela intuição até maternal da gente e tal. A gente não vai por um embasamento científico, né? (E. M. Lygia Fagundes Telles) Eu estou fazendo o que Deus me ilumina, porque eu não sei! A gente vai tateando no escuro! (E.M. Bárbara Heliodora) Nós, professores, não temos esse preparo, até de faculdade, né? Então, a gente tá aprendendo aí é, realmente, tentativa e erro. (E.M. Ruth Rocha)

Tardif (2000, p. 14) afirma ainda que, nos primeiros anos de prática profissional,

e, segundo nosso entendimento, também nas primeiras experiências de trabalho em

situações inusitadas, como as geradas pela recente inserção de crianças com deficiência

em classes comuns, “a maioria dos professores aprende a trabalhar na prática, às

apalpadelas, por tentativa e erro. [...] Essa aprendizagem, freqüentemente difícil e ligada

àquilo que denominamos sobrevivência profissional, quando o professor deve dar

provas de sua capacidade ocasiona a chamada edificação de um saber experencial.”

Esse tipo de saber origina-se, pois, na nossa prática cotidiana, em confronto com as

condições de nossa profissão.

Como herdeiros da modernidade, costumamos acreditar que somente um

preparo, até de faculdade e um embasamento científico supostamente sólido, obtido

através de uma formação prévia, possa a tudo responder. Recentes pesquisas em torno

da questão da formação de professores tendem a afirmar, no entanto, que

os saberes dos professores não são oriundos sobretudo da pesquisa, nem de saberes codificados que poderiam fornecer soluções totalmente prontas para os problemas concretos da ação cotidiana, problemas esses que se apresentam, aliás, com freqüência, como casos únicos e instáveis, tornando assim impossível a aplicação de eventuais técnicas demasiadamente padronizadas (TARDIF, 2002, p. 65).

Ao contrário, a prática profissional exige sempre uma parcela de adaptação a

situações novas, o que impossibilita uma “resolução instrumental do problema”

(SCHÖN, 1983 apud TARDIF, 2000, p. 7), baseada na aplicação de teorias e técnicas

prévias. Assim sendo, por atuarem num processo de trabalho que apresenta um alto grau

de indeterminação, os profissionais da educação precisam contar com suas experiências

pessoais para coordenar seu ambiente de trabalho e construir julgamentos em situações

de ação variáveis e, muitas vezes, imprevisíveis.

Tais situações demandam, pois, a capacidade de reflexão e discernimento para a

“construção do problema” (SCHÖN, 1983 apud TARDIF, 2000, p. 7) a fim de que se

possa não apenas compreendê-lo, mas também organizar e esclarecer os objetivos que

se almejam e os meios adequados para atingi-los.

A partir dessas discussões, pudemos deduzir, enfim, que o saber docente “pode

ser racional sem ser um saber científico, pode ser um saber prático que está ligado à

ação que o professor produz, um saber que não é o da ciência, mas que não deixa de ser

legítimo” (GAUTHIER et al., 1998 apud NUNES, 2001, p. 34).

Eu não posso fazer nada por ela enquanto não tiver uma orientação! (E.M. Bárbara Heliodora)

Eu acho que eu tô muito, assim, muito aquém do que ele precisa, sabe? (E. M. Lygia Fagundes Telles) Agora, cadê o profissional que entende como lidar com esses alunos? (E. M. Zélia Gattai) Eles tinham que colocar profissionais prá estar vindo na escola, prá estar trabalhando com o aluno. (E. M. Cecília Meireles)

Ao legitimar as especializações e a compartimentação do conhecimento como

formas ideais de organização do saber científico, a modernidade também acabou

gerando em nós a noção de que somente especialistas são aptos a lidar com educandos

com deficiência e de que sua presença seria indispensável na escola, prá estar

trabalhando com o aluno.

Buscando melhor compreender os sentidos expressos pelos recortes discursivos

apresentados, recorremos novamente a Tardif (2000) e às suas críticas ao modelo

aplicacionista do conhecimento que, durante muito tempo, tem guiado as práticas de

formação docente. Segundo o autor, esse modelo habituou-nos a conceber a pesquisa, a

formação e a prática como pólos separados e a atribuir cada um deles a diferentes

grupos de agentes: os pesquisadores, os formadores e os professores.

Tal modelo gera uma série de problemas fundamentais, dentre eles a separação

entre os processos de conhecer e de fazer. Sob tal lógica é que concebemos, por

exemplo, que para atuar de forma adequada, devemos primeiro conhecer bem e, em

seguida, aplicar o conhecimento ao fazer. É, pois, a partir de premissas como essas que

acreditamos não ser possível fazer nada [...] enquanto não tiver uma orientação.

Assim sendo, nós, professores de classe comum, histórica e ideologicamente

formados para ensinar conteúdos preestabelecidos, aplicar teorias e métodos e

selecionar os que possuem ou não as características requeridas para serem aprovados,

não fomos habituados a valorizar os conhecimentos que produzimos em nossa prática

docente nem a utilizá-los para suprir às necessidades educacionais de todos os alunos.

Assim, permanecemos, julgando-nos muito aquém do que ele precisa e à espera do

profissional que entende como lidar com esses alunos.

O que você consegue com um você não consegue com outro. Cada caso é um caso. Então, você não pode falar: – “Ah, eu começaria assim”. (E. M. Zélia Gattai)

Eu queria que alguém viesse e falasse assim: – “Gente, é assim que a gente tem que lidar” [...] Não é passar receita, não! Mas é dar subsídios, uns toques prá poder lidar, entendeu? (E. M. Zélia Gattai) Mas, efetivamente, um trabalho, essas dicas que nós precisamos nós não temos não, sabe? (E. M. Maria Adelaide Amaral)

Com muita freqüência, os discursos expressavam noções e expectativas

contraditórias dos professores com relação ao seu trabalho. Se, por um lado, a

experiência profissional lhes revelava que cada caso é um caso – porque todos os seus

alunos e não apenas aqueles com deficiência, são diversos e suas necessidades variáveis

– e que, portanto, você não pode falar: – “Ah, eu começaria assim”; por outro lado,

esperavam que alguém viesse e falasse assim: – “Gente, é assim que a gente tem que

lidar.”

Na mesma direção que nos foi anteriormente apontada por Tardif (2000) em

seus estudos sobre o modelo aplicacionista do conhecimento, Mantoan (s.n.t.) afirma

que diversos professores

introjetaram o papel de praticantes e esperam que os formadores lhes ensinem o que é preciso fazer. [...] Acreditam que os conhecimentos que lhes faltam para ensinar as crianças com deficiência ou dificuldade de aprender por outras incontáveis causas referem-se primordialmente à conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências e que precisam conhecer e saber aplicar métodos e técnicas específicas para a aprendizagem escolar desses alunos.

Outros sentidos envolvendo a relação entre inclusão e formação docente

pareciam ter emergido à medida que os professores reconheciam as possibilidades de

construção de conhecimento ao longo de sua atuação cotidiana junto aos educandos.

Eu acho que a gente fica cobrando muito da gente, porque a gente acha que a gente não sabe. Mas, eu acho que isso é novo é prá todo mundo, né? É uma experiência nova, mesmo. Eu acho que tá todo mundo é buscando caminhos. (E. M. Lygia Fagundes Telles) E só faz, fazendo, né? A gente tem que estar com eles aqui dentro prá gente ir procurando algumas formas, um meio. (E. M. Ana Maria Machado) Então, eu vejo a inclusão, também, como construção, sabe? A gente tá pegando aqui, ali. Vendo aqui, ali. Tá sendo mais aquela coisa, mesmo, da prática. E tentando buscar um pouco de teoria, né? Prá cada caso. (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Nos recortes discursivos em destaque, o fato de os professores atribuírem à

inclusão o sentido de construção para a qual tá todo mundo buscando caminhos,

parecia ter sido uma das maneiras encontradas para reduzir a ansiedade e evitar ficar

cobrando muito da gente, porque a gente acha que a gente não sabe.

Tal sentido poderia, por um lado, estar associado a uma compreensão

reducionista da inclusão, através da qual se adiaria o atendimento às necessidades

educacionais do aluno com deficiência pelo fato de a escola não estar preparada. Por

outro lado, o sentido de inclusão enquanto construção poderia também estar vinculado à

noção de que nenhum de nós está totalmente preparado para qualquer função, muito

menos a educacional, marcada pelo complexo relacionamento entre sujeitos

infinitamente diversos e entre esses e um contexto histórico-cultural em permanente

transformação.

Assim, “vai-se adquirindo a competência quando trabalha-se com o aluno e vai

buscando-se atender a necessidade dele. É preciso que o aluno esteja lá para que se

prepare” (MANTOAN, s.d., p. 1), ou seja, a gente tem que estar com eles aqui dentro

prá gente ir procurando algumas formas, num processo contínuo no qual, a cada dia,

surgem situações diferentes para desafiar nossa competência e nos provocar a

ultrapassar nossas limitações.

Esses saberes experenciais ou práticos adquiridos, mesmo, da prática têm sido

apontados por diversos pesquisadores envolvidos no estudo da questão da formação de

professores como o “núcleo vital do saber docente” (TARDIF, 2002, p. 54) e como

importantes indícios para a compreensão das competências, das habilidades e dos

conhecimentos mobilizados pelos docentes no exercício de sua profissão.

Em suas pesquisas sobre o saber docente, Tardif (2002) afirma que, além dos

saberes experenciais ou práticos – focalizados em nossas análises até o momento – nós,

professores, mobilizamos diversos outros tipos de saberes, heterogêneos e variados, que

provêm de inúmeras fontes e formam um amálgama mais ou menos coerente.

O autor se refere, primeiramente, aos saberes pré-profissionais que

compreendem nossas experiências familiares e escolares. Tais saberes não são inatos,

mas produzidos pela socialização, isto é, “através do processo de imersão dos

indivíduos nos diversos mundos socializados (famílias, grupos, amigos, escolas etc),

nos quais eles constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal e social”

(TARDIF, 2002, p. 71).

Ao longo de nossa carreira docente desenvolvem-se ainda os saberes de origem

profissional, quais sejam: os saberes pedagógicos, constituídos de doutrinas e teorias

pedagógicas produzidas pelas ciências da educação e incorporados, em geral, através da

formação inicial ou contínua; os saberes disciplinares, que envolvem saberes sociais

definidos e selecionados pelas instituições universitárias para compor os diversos

campos do conhecimento, sob a forma de disciplinas (por exemplo, matemática, história

etc), os saberes curriculares, que se apresentam sob a forma de programas escolares

(objetivos, conteúdos, métodos) que nós, professores, aprendemos a aplicar e os saberes

experenciais ou práticos, sobre os quais já comentamos em momentos anteriores.

Em geral nos relacionamos de forma diferente com esses diversos tipos de

saberes, ressignificando-os de acordo com as necessidades de nossa prática cotidiana. A

partir dessas considerações, Tardif (2000, 2002) e outros pesquisadores da mesma linha

fazem uma crítica veemente às concepções vigentes em relação à formação de

professores, geralmente guiadas por uma concepção aplicacionista do conhecimento que

concebem a prática profissional como simples campo de aplicação de teorias elaboradas

fora dela.

Suas pesquisas apontam, pois, os limites dos conhecimentos acadêmicos e da

formação prévia na constituição do saber docente e afirmam a centralidade da

instituição escolar enquanto locus de formação do magistério. Propõem, assim, que as

dimensões da formação, da ação e da pesquisa sejam interligadas e estejam presentes

em nosso contexto de trabalho, numa concepção similar à do “prático reflexivo”,

proposta por Schön apud Tardif (2002), em oposição à visão do professor,

simplesmente, como um prático.

Conceber a formação docente na perspectiva prático-reflexiva significa

transformar nossa prática profissional em um espaço original e, relativamente,

autônomo de aprendizagem e de formação, bem como um espaço de produção de ações

e de saberes inovadores. A formação de um professor “prático reflexivo” exige, pois,

um vaivém constante entre o exercício cotidiano da profissão e a formação teórica, entre

a experiência concreta nas salas de aula e a pesquisa a fim de se evitar a simples

reprodução das práticas existentes e a noção equivocada de que a atividade profissional

representaria uma fonte espontânea de aprendizagem e de conhecimento.

De acordo com Freire (2002, p. 51), nenhuma formação docente pode fazer-se

alheia, de um lado, ao reconhecimento do valor das emoções e da intuição e, por outro,

não resta dúvida de que o importante é não paramos satisfeitos em nível das intuições,

mas submetê-las ao “exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade

ingênua à curiosidade epistemológica.”

Neste ponto, trilhando o caminho das reflexões suscitadas pelos recortes

discursivos e pelo referencial teórico utilizado até o momento, alcançamos uma questão

delicada, proposta por Arroyo (2002, p. 42), que nos serve como introdução de um outro

aspecto relativo à formação dos professores:

Que possibilidades reais têm os mestres de Escola Básica de se desenvolverem, como seres humanos? [...] Que condições lhes são oferecidas para participar, dialogar, estudar, reunir-se, qualificar-se? Para ser pedagogos de seu próprio percurso humano e poder acompanhar o percurso cultural, social, cognitivo da infância e da adolescência?

Tendo essa questão em mente, buscamos refletir sobre as táticas de formação

continuada adotadas pelas escolas a partir das condições de trabalho disponibilizadas

aos professores – pela legislação municipal, pela Escola Plural e pelos gestores

responsáveis pelo apoio às escolas – para que tal formação se efetivasse.

Primeiramente, acreditamos que a dinâmica de organização dos tempos na

escola seja fator determinante para que se possam articular atividades de formação

continuada. A princípio, ao implementar a proporção de 1,5 professores por turma

enquanto critério para definir a quantidade de professores em cada escola, o Programa

Escola Plural possibilitou a ampliação do quadro docente e, conseqüentemente, da carga

horária disponível para estudo e planejamento individuais e coletivos.

De forma variável, a complexa distribuição dessas horas de trabalho e a

demarcação de tempos para a formação continuada eram definidas em cada escola,

através de acordos internos entre os profissionais. De acordo com Soares (2002, p. 141),

“é possível afirmar que a forma de organizar esse tempo, o uso que se faz dele e a

natureza do trabalho que ali se desenvolve expressam, em grande medida, o

entendimento que os professores estão construindo deste aspecto na Escola Plural.”

Vejamos, pois, algumas das principais experiências que nos foram relatadas ao longo

das entrevistas.

Informalmente, a gente troca muita experiência e, assim, eu acho que é uma fonte de conhecimento, sim. Do jeito que nós estamos, minha filha, tudo o que a gente sabe, é lucro. (E. M. Maria Adelaide Amaral) É você sentar, bater um papo, com quem foi professor, passar essas informações. Mas, é uma coisa mais informal. (E. M. Lygia Fagundes Telles)

Alguns entrevistados apontavam o bater um papo e a troca informal de

experiências para passar essas informações como uma fonte de conhecimento e como

a principal e, em certos casos, única tática utilizada no cotidiano da escola. Com base

nas formulações de Vygotsky sobre a questão da zona de desenvolvimento proximal,

Mazzeu (1998, n.p.) considera que o debate entre professores é de vital importância,

uma vez que esses interlocutores podem atuar como mediadores da elaboração do

conhecimento e na consolidação de novos patamares de desenvolvimento intelectual uns

dos outros. O mesmo autor afirma, no entanto, que

Esse resultado não decorre, de modo natural, da interação e do diálogo entre os professores, mas depende do objeto e da forma dessa reflexão e desse diálogo. Se não se toma como ponto de partida da reflexão os problemas essenciais da prática pedagógica, a interação entre professores pode se deteriorar em bate-papo, sem maiores conseqüências para um avanço do trabalho docente.

Segundo Mazzeu (1998), não basta que os professores permaneçam trocando

entre si os chamados conceitos espontâneos, advindos de sua prática cotidiana. Faz-se

necessário que ocorra uma ruptura com tais formas de pensamento e ação através de sua

transformação em conceitos científicos que estariam num nível mais elevado de

pensamento. Sobre essa questão, Vygotsky (2001, p. 539) também afirma que “o

surgimento dos conceitos científicos não se torna possível senão em certo nível de

desenvolvimento dos conceitos espontâneos”.

Compreendemos, pois, que os conceitos científicos devam ser introduzidos nos

momentos em que se pretendem o debate e a problematização sobre e a partir de nossa

prática pedagógica. Assim, podem exercer uma função mediadora, acionando nosso

desenvolvimento mental na superação do nível dos conceitos espontâneos, permitindo a

conscientização sobre os mesmos e a modificação de sua estrutura, ao passo que o

estudo de conceitos científicos, realizado de modo verbal e esquemático como, muitas

vezes, ocorre em palestras e cursos de formação docente, é improdutivo e não gera

rupturas.

Eu tenho três [horários de] projetos que eu fico sozinha, comigo, só. (E. M. Rachel de Queiroz) São quatro [horários de projeto] ao longo da semana. Então, um é grupo de estudos [para a elaboração de projetos e do currículo das disciplinas] e os outros três, é livre. (E. M. Ana Maria Machado) Os outros três horários [de projeto] são divididos entre planejamento, discussão com pequenos grupos, com a coordenação, né? E a gente vai adaptando isso aí. (E. M. Cecília Meireles)

Os “horários de projeto”40 figuram entre os tempos disponíveis aos professores

para a realização de diversas atividades no interior da escola. Na concepção da Escola

Plural, tais tempos deveriam ser especialmente destinados à consolidação do trabalho

coletivo e à formação docente.

Desta forma, incluem-se no tempo remunerado do profissional, as atividades coletivas de formação e aperfeiçoamento – expresso no tempo de projeto que consta da sua jornada de trabalho – bem como na definição do quantitativo de professores por turma que leve em consideração as necessidades de capacitação, seja no plano individual, seja no plano do coletivo da escola (BAPTISTA, 1998).

Os recortes discursivos revelavam que, mesmo os horários de projeto sendo

divididos entre momentos em que eu fico sozinha, comigo, só e momentos de discussão

em pequenos grupos, a descrição das atividades realizadas nas duas situações

evidenciava uma dimensão essencialmente pragmática, marcada pelo atendimento a

demandas operatórias – como elaboração de currículos, confecção de materiais

didáticos ou correção de atividades – e pela resolução de uma infinidade de imprevistos

que surgiam, incessantemente, no cotidiano do trabalho escolar.

40 Em termos legais, a jornada individual de trabalho dos servidores da educação foi definida pela Lei Municipal n. 7.577 de 21 de setembro de 1998 (BELO HORIZONTE, 1998) que, em seu artigo 4º estabelece, para o cargo de professor municipal, 22:30 (vinte e duas e meia) horas semanais de efetivo trabalho escolar. Desse montante, a mesma lei determina que o equivalente a 20% (vinte por cento) – excluído o tempo diário reservado para recreio na escola – seja destinado à realização de atividades coletivas de planejamento e avaliação escolar, que compreendem as tarefas definidas pelo projeto pedagógico da escola e administradas por seu Colegiado, a serem desempenhadas pelo servidor na unidade escolar a que se vincular, salvo se exigida a sua prestação em outro local.

Tal instabilidade – também apontada por Soares (2002) em seu estudo sobre a

organização do tempo docente – exigia, dia após dia, que, se fosse adaptando isso aí, de

acordo com as possibilidades e necessidades mais urgentes, geralmente não associadas à

questão da reflexão e formação continuada.

Tem a biblioteca do professor que já foi feita, também, na sala de professores, com obras teóricas diversas. Você vê gente lendo na escola. (E.M. Bárbara Heliodora)

A exposição de obras teóricas diversas numa biblioteca [...] na sala de

professores era outra alternativa apresentada por uma das escolas, tendo em vista a

formação continuada. Sobre a iniciativa, em si, pouco foi dito ao longo das entrevistas,

o que dificulta compreender os sentidos que os professores vinham atribuindo à mesma.

Por um lado, a consulta e utilização de tal acervo poderiam estar vinculadas,

unicamente, ao esforço e interesse particular de cada professor – você vê gente lendo na

escola – sem constituir-se em atividade de formação para o coletivo. Por outro tal

investimento, se atrelado à concomitante criação de tempos e espaços conjuntos de

leitura e discussão, poderia estar contribuindo para a reflexão e aprimoramento da

prática pedagógica do grupo como um todo.

Nos temos, anualmente [...] uma semana de formação dos professores. E aí, envolve todo mundo outra vez. Então, assim, tem muita coisa legal. O ano passado a gente fez voltado prá dentro da escola. No ano anterior [...] foi ao nível de Regional, sabe? (E. M. Rachel de Queiroz)

Uma outra iniciativa relatada dizia respeito à organização anual de uma semana

de formação dos professores, que envolve todo mundo – inclusive os pais ou

responsáveis pelos alunos – na preparação e participação em palestras, discussões,

grupos de estudos, entre outras atividades, realizadas nas dependências da escola.

Prevista no projeto político-pedagógico, essa estratégia parecia possibilitar a reunião de

dois aspectos importantes para o aprimoramento da prática pedagógica: trabalho

coletivo e formação docente.

A gente procura privilegiar o pedagógico, mesmo. Então, muitas reuniões de estudo, de planejamento, de troca de experiência, né? Avaliação, tomada de decisões. (E. M. Ana Maria Machado)

Vai ter dia que [as professoras, em quartetos] vão sentar juntas prá organizar uma avaliação, Páscoa, essas coisas. E, na sexta, é geral. De quinze em quinze dias, a gente tem um trabalho [com uma consultora] em cima de leitura, escrita, capacitação. E, geralmente, essa reunião é o dia que dá prá direção encontrar com o turno todo. (E. M. Maria Adelaide Amaral) A gente tem um cronograma, né? Uma é encontro de trio. Então, onde as professoras se encontram, prá estar planejando, né? Projetos, atividades, coisas a trabalhar. Outra é formação, que aí é todo mundo. Geralmente, a gente chama alguém prá vir fazer alguma palestra, alguma coisa, assim. Outras vezes, a gente mesmo elabora, né? Recolhe textos, assim, prá gente estar lendo, discutindo, refletindo, né? A outra é reunião pedagógica, mesmo. No caso, administrativa e pedagógica. Têm assuntos que a gente tem que estar discutindo, mesmo, no coletivo, né? Que se refere à escola toda, de modo geral. E o outro, planejamento de oficinas. (E. M. Cecília Meireles)

Na ocasião das entrevistas, cada uma das nove escolas visitadas apresentava

diferentes formas de organização das atividades desenvolvidas nos horários de reunião

pedagógica, mas eram unânimes em apresentá-la como o principal espaço destinado à

organização do trabalho coletivo e à formação de professores.

Em geral, essas reuniões ocupavam as duas últimas horas/aula, às sextas-feiras.

Somente uma das escolas optava por dividi-las em dois dias, sendo um período de uma

hora, às sextas-feiras, para o encontro de todo o grupo com a direção e coordenação

pedagógica e outro período, de uma hora – chamado reunião escalonada ou por

quartetos – para encontros de professores, alternadamente agrupados por ciclos, em dias

variados.

Os recortes discursivos apontavam para o fato de que grande parte das atividades

desenvolvidas nesses horários coletivos – tomada de decisões, planejamento em

grupos, reunião administrativa, organizar uma avaliação, Páscoa, essas coisas –

relaciona-se, novamente, à resolução de questões objetivas, de caráter instrumental ou

burocrático, referentes à organização e ao andamento do trabalho na escola.

Percebemos, no entanto, o esforço empreendido por parte de algumas escolas na

consolidação do horário da reunião pedagógica enquanto espaço de formação

continuada do professor. Uma das alternativas apresentadas neste sentido era a

sistematização de um cronograma mensal, estipulando os assuntos a serem abordados

em cada semana. Para as reuniões destinadas à formação, uma das escolas chama

alguém prá vir fazer alguma palestra, alguma coisa, assim ou, alternadamente, a

própria coordenação pedagógica elabora, né? Recolhe textos, assim, prá gente estar

lendo, discutindo, refletindo.

Uma alternativa diferente, também relacionada à formação docente realizada

durante os horários destinados à reunião pedagógica, era a contratação41 de consultores

para, de quinze em quinze dias, coordenar o estudo de temas escolhidos pelos

professores – como, por exemplo, um trabalho em cima de leitura, escrita – em uma

outra escola.

Neste ponto parece-nos interessante mencionar um fato recente, caracterizado

pela supressão, a partir do ano de 2005, da possibilidade de dispensa de alunos para a

realização de reuniões pedagógicas semanais. Tal procedimento visa ao cumprimento da

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96 que, em seu artigo 34,

determina: “A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas

de trabalho efetivo em sala de aula” (BRASIL, 1996), entretanto, a supressão de tal

horário pode representar, ao menos em curto prazo, a descontinuidade e, até mesmo, a

extinção de uma série de estratégias de organização do trabalho e de formação dos

professores, em andamento até então. Recorremos, a partir daí, a uma questão proposta

por Arroyo (2004, n.p.) em uma de suas reflexões sobre a questão da formação docente.

Quem deforma o profissional da educação? Falamos muito em quem forma, [...] mas é bom falar de quem deforma. [...] Por que tanta teoria sobre a formação do trabalhador não colocou no devido destaque os processos deformadores que acompanham as formas concretas de trabalho?

Diante de todas as dificuldades enfrentadas e de outras tantas estratégias criadas

e recriadas pelas escolas para o atendimento às demandas que lhes são apresentadas, a

questão proposta por Arroyo nos suscita novas interrogações, com as quais encerramos

o presente capítulo: Que outros fatores deformadores estão presentes no cotidiano de

trabalho do professor? Que táticas têm sido elaboradas pelos professores a partir das

recentes modificações efetuadas na organização desse seu trabalho? Que rupturas ou

reinvenções essas modificações estão produzindo? Que possibilidades de atendimento à

diversidade humana vêm sendo gestadas no cotidiano escolar?

41 Algumas consultorias pedagógicas foram contratadas com a utilização da verba de intervenção pedagógica destinada às escolas em 2003.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da complexidade dos temas abordados ao longo da presente pesquisa e

cientes de que há diversos tópicos que merecem ser ainda aprofundados, estruturamos

algumas considerações finais com o intuito de retomar questões que se destacaram e de

manter aberto o espaço para o debate em torno das mesmas.

Inicialmente, seguindo as orientações metodológicas fornecidas pela Análise de

Discurso francesa, através das quais buscamos alcançar uma melhor compreensão dos

sentidos que os professores entrevistados vinham construindo a respeito do Programa

Escola Plural, dos princípios da educação inclusiva e da relação de ambos com a

inserção de crianças com deficiência nas classes comuns, procuramos contextualizar seu

discurso, remetendo-o a diversas formações discursivas e ideológicas que, ao longo dos

séculos, vêm sofrendo modificações e orientando os posicionamentos sociais em torno

da questão da pessoa com deficiência.

A fim de compreender tais discursos recorremos ainda a um breve histórico

sobre a origem de diversos mecanismos de seletividade e segregação escolar,

profundamente arraigados no imaginário social e educacional. Pudemos, assim,

vislumbrar que tais mecanismos possuem uma origem histórica e vêm servindo a uma

sofisticada rede de controle e ordenação social, embora, muitas vezes, sejam vistos

como naturais e necessários ao desenvolvimento e à manutenção da ordem nas

sociedades modernas.

Por meio desse tal histórico, também tivemos acesso às discussões sobre

alternativas de reorganização escolar que, partindo do princípio de que certas estruturas

escolares são inadequadas ao atendimento às necessidades educacionais de todos os

alunos, evidenciam a não existência de justificativas sólidas para a segregação de tantos

indivíduos que vêm sendo privados de um convívio social e escolar mais amplo.

A partir daí, voltamos nossa atenção para a proposta de reestruturação do ensino

em ciclos de formação humana, implantada no sistema de educação do Município de

Belo Horizonte/MG, por meio do Programa Escola Plural. Compreendemos que esse

tipo de organização deve estar muito mais relacionado a um processo de resistência à

lógica excludente e seletiva da escola do que a uma solução pedagógica ou econômica

para o problema do fluxo escolar.

Constatamos que, embora as modificações promovidas pela implantação do

Programa Escola Plural tenham gerado perplexidade e muita resistência, também

mobilizaram os profissionais de algumas escolas em direção à construção de novas

alternativas. Assim sendo, mesmo que manifestando ressalvas com relação a alguns

aspectos do Programa – como falhas em seu processo de implantação e implementação,

por exemplo – grande parte dos professores reconhecia avanços com relação aos

mecanismos de avaliação, à organização dos tempos, à flexibilização dos currículos etc.

Apesar disso, através de observações e da análise das entrevistas identificamos

que ainda não havia, por parte dos professores, uma ampla percepção de que a escola

continua estruturalmente excludente e, por isso, precisa ser revista para se tornar

inclusiva e capaz de atender tanto os estudantes que, tradicionalmente, fazem parte de

sua clientela, quanto as demais crianças que, recentemente, vêm sendo nela inseridas.

Vimos, por exemplo que, em muitas ocasiões, mesmo atribuindo à organização

proposta pela Escola Plural o mérito de favorecer a inserção de crianças antes

segregadas, diversos professores tendiam a recorrer novamente à retenção – ou, até

mesmo, à segregação em instituições especiais – quando os patamares esperados de

comportamento e de domínio dos conteúdos curriculares não eram alcançados.

Por outro lado, à medida que passavam a ser desafiados a atender a crianças com

deficiência, condutas típicas e/ou dificuldades de aprendizagem, até então

encaminhadas para atendimento exclusivamente nas escolas especiais, alguns

professores mostravam-se empenhados na revisão de suas práticas, na criação de novas

competências e na construção de estratégias educacionais mais condizentes com as

necessidades do alunado em geral.

A fim de alcançar a compreensão dos possíveis sentidos associados a essas

estratégias perpassamos diversas temáticas ao longo do texto, recorrendo a um vasto

referencial teórico. Ao discutir, por exemplo, a questão da construção, execução e

avaliação do projeto político-pedagógico das escolas nos deparamos, em alguns

contextos pesquisados, com a noção de manter o esquema que já tem associada à não

ruptura com o instituído.

Com relação à mesma temática pudemos identificar também um sentido,

predominantemente, regulatório ou técnico em discursos que manifestavam a

compreensão de projeto político-pedagógico enquanto um documento de caráter

burocrático que pouco contribuía para o movimento de repensar a escola.

Por outro lado, deslocando-se dessa formação discursiva regulatória ou técnica,

outras escolas propunham um projeto político-pedagógico capaz de mexer com todo

mundo e pareciam buscar uma articulação em torno de inovações de caráter

emancipatório ou edificante, capazes de romper com o isolamento dos diferentes

segmentos da instituição educativa, exercitando-lhes a capacidade de problematizar e

enfrentar as questões educacionais enquanto competência de todo mundo.

À medida que nos voltamos para as análises, envolvendo a articulação entre a

escola e a comunidade, um primeiro sentido, presente no discurso de diversos

professores entrevistados, reduzia tal relação ao cumprimento de exigências legais e

burocráticas. Nos contextos em que o projeto político-pedagógico vinha sendo

construído nesta perspectiva, era comum estarem associadas críticas e queixas com

relação ao pouco envolvimento dos pais no que se refere à educação de seus filhos.

Ao contrário, nas instituições em que os educadores se mostravam dispostos a

articular diferentes vozes na elaboração de alternativas partilhadas, novos sentidos

emergiam em seus discursos e a interação com a comunidade parecia assumir um

significado mais amplo, de efetiva participação e parceria. Em contextos como esses,

diversas estratégias de aproximação foram apresentadas e não localizamos

manifestações de queixa com relação aos pais.

Uma outra temática que emergiu da análise das entrevistas relacionava-se às

concepções que os professores manifestavam a respeito dos processos de aprendizagem

e desenvolvimento de seus alunos e que serviam de base para a enturmação dos

mesmos. No discurso de grande parte dos professores identificamos a expectativa de

que todas as crianças fossem capazes de acompanhar a turma, sendo que a não

aprendizagem de algumas era, muitas vezes, justificada com base em argumentos

predeterministas, como a imaturidade de funções psicológicas.

Percebemos, além disso, que a ampliação da heterogeneidade nas salas de aula,

provocada pela adoção da enturmação por idade e pela inserção de crianças com

deficiência, vinha possibilitando um repensar das práticas pedagógicas e fazendo com

que alguns professores questionassem a intenção de provocar uma suposta

homogeneização das turmas, abrindo possibilidades para o deslocamento de sentidos e

para a criatividade.

Apesar disso, tais reflexões pareciam ainda não ter sido acompanhadas de uma

compreensão ampliada sobre a diversidade humana e um dos principais desafios

enfrentados pelos professores diante da heterogeneidade nas/das turmas ainda era a

elaboração de atividades que propiciassem a participação e o aproveitamento por parte

de todos os alunos, de acordo com suas possibilidades individuais.

Buscando a superação de tal dificuldade, recorriam permanentemente à

classificação das aprendizagens em níveis, através da comparação das crianças com um

padrão de desenvolvimento. Associada a tal classificação, estava a noção de que admitir

diferenças em torno das possibilidades de construção de conhecimentos, em parte

manifestas nas variações de rendimento escolar dos alunos, configuraria uma perda na

qualidade da formação e uma violação de direitos que poderiam influir decisivamente

no futuro dos educandos, entretanto, ainda que justa, tal preocupação pouco se traduzia

em efetivas melhorias nos processos de ensino visando ao atendimento à diversidade.

Manifestando incômodo com relação a não aprendizagem de alguns alunos, a

maioria das escolas adotava o que chamamos de “estratégias homogeneizantes”, como a

organização de “turmas-projeto” e/ou a reenturmação de alunos com base no critério da

proximidade nos níveis de domínio das habilidades de leitura e escrita.

Em alguns contextos, essas “turmas-projeto” vinham sendo questionadas por

professores que pareciam ter compreendido que as mesmas são incompatíveis com os

princípios da inclusão. As práticas de reagrupamento, por sua vez, apesar de

promoverem o envolvimento em direção à construção de um trabalho de caráter mais

coletivo, representavam, segundo nossa compreensão, não apenas um retorno às bases

seletivas do sistema escolar seriado, como também uma forma de perpetuá-las; isso

porque tais procedimentos pareciam estar contribuindo para que, ao invés de buscarem a

reflexão e a elaboração de estratégias para lidar com a diversidade, os professores

permanecessem recorrendo a mecanismos segregacionistas e à homogeneidade como

forma mais adequada de trabalho. Assim sendo, grande parte dessas iniciativas de

reorganização dos tempos e espaços nas escolas ainda estava, de algum modo, atrelada

ao caráter regulatório do conhecimento representado, nestes casos, pelas tentativas de

controle dos comportamentos e de padronização do domínio de conteúdos curriculares

predeterminados.

Pelo que pudemos apreender quanto à questão da avaliação no ambiente escolar,

os professores que receberam em suas turmas alunos com deficiência reconheciam seu

desenvolvimento com relação ao que chamavam socialização, todavia, diante do peso

dado ao domínio dos conteúdos, grande parte deles entendia que esses alunos haviam

alcançado pouquíssima aprendizagem. Desconsiderando as questões relativas ao

desenvolvimento potencial, admitiam como autêntico somente o desenvolvimento que

podia ser registrado por meio de instrumentos de avaliação supostamente objetivos e

padronizados, envolvendo conteúdos específicos e relegavam a segundo plano as

potencialidades e os conhecimentos relativos, manifestos pelos alunos em atividades

realizadas sob orientação, com ajuda, por indicação e em colaboração.

Na temática relacionada à formação dos professores, a troca informal de

experiências era apontada como a principal e, em certos casos, única tática utilizada no

cotidiano das escolas para o aprimoramento da prática pedagógica. Os horários de

reunião pedagógica, por sua vez, eram, unanimemente, apresentados como o principal

espaço destinado à organização do trabalho coletivo e à formação de professores.

A descrição das atividades realizadas tanto nessas reuniões pedagógicas, quanto

nos “horários de projeto” evidenciavam, no entanto, uma dimensão,

predominantemente, pragmática, marcada pelo atendimento a demandas operatórias e

pela resolução de uma infinidade de imprevistos que surgiam, incessantemente, no

cotidiano escolar.

Diante de tal fato, apresentamos a necessidade de transformação da prática

profissional em um espaço de formação constante, a fim de evitar a simples reprodução

das práticas existentes e a noção equivocada de que a atividade profissional

representaria uma fonte espontânea de aprendizagem e de conhecimento.

Nas entrevistas realizadas com os professores de escolas comuns da Rede

Municipal de Educação de Belo Horizonte/MG identificamos ainda uma série de

concepções e estratégias que remetiam o conceito de inclusão a variados sentidos,

filiando-o a diferentes formações discursivas.

Assim como outros pesquisadores, percebemos que grande parte das discussões

sobre a inclusão ficavam restritas à inserção de crianças com deficiência que não tinham

acesso às escolas comuns e, em alguns casos, às questões relativas às crianças de

periferia que, submetidas à vivência na chamada situação de risco social, possuíam

hábitos e valores não condizentes com as expectativas da escola.

Acreditamos que o fato, aparentemente simples, do uso corrente do termo

inclusão estar associado às noções de “colocar dentro, inserir”, poderia estar

contribuindo para o aparecimento de interpretações simplistas, que mantinham o mundo

dicotomizado e focado na “hospedagem” dos chamados excluídos, esvaziando o

conceito de inclusão de seu conteúdo ético e político de reestruturação social e

educacional para o atendimento a todos, em sua diversidade.

Talvez por isso, fosse tão comum ocorrer, por exemplo, a adjetivação dos

sujeitos. A aluna de inclusão e os demais alunos incluídos eram destacados do grupo

como um todo e, algumas vezes, agrupados na chamada turma de inclusão. Através

desse mecanismo de adjetivação, o olhar homogeneizante da modernidade manifestava-

se, produzindo a impressão de que a diferença que nitidamente você vê era atributo

exclusivo da aluna de inclusão e não de todas as crianças atendidas pela escola.

Utilizado como sinônimo de inserção, o conceito de inclusão permanecia, pois,

filiado à formação discursiva da integração, contribuindo para que se mantivessem em

destaque atributos utilizados como referência para agrupar os indivíduos em categorias

“desviantes”, o que dificultava a reflexão em torno dos mecanismos excludentes

próprios das estruturas sociais e escolares.

Um outro sentido encontrado foi o de inclusão enquanto processo em

construção. Por um lado, tal sentido aparecia associado a uma compreensão reducionista

do conceito sempre que utilizado para adiar o atendimento às necessidades educacionais

do aluno com deficiência pelo fato de ainda não haver pré-condições disponíveis.

Esse sentido de construção manifestava-se, por exemplo, quando os professores

reconheciam que a inclusão não se dá simplesmente de ele ter o direito de estar dentro

de uma escola comum e, ao invés de investirem num possível aprimoramento do

sistema escolar para atender a todos, mostravam-se desacreditados e deduziam que, se

as atuais condições de inserção na escola comum não eram adequadas, a solução seria o

retorno à escola especial até que a escola comum estivesse devidamente preparada.

Enfim, a impressão que tivemos, a partir das análises do discurso dos

professores e das iniciativas oficiais foi a de que ainda predomina na Rede Municipal de

Educação de Belo Horizonte/MG o chamado “Sistema de Cascata” (PEREIRA, 1980),

um processo de integração gradual e progressivo, que pressupõe a preparação do aluno

para que, lentamente, alcance níveis mais avançados de convivência em ambientes cada

vez menos segregados.

Acreditamos que, enquanto as discussões na área educacional mantêm suas

reivindicações ainda ancoradas na reafirmação de um mundo dicotomizado em

incluídos e excluídos não favorecem a compreensão da diversidade humana em toda a

sua plenitude o que, no nosso entendimento, vem permitindo que o princípio da inclusão

venha sendo constantemente cooptado por práticas e discursos regulatórios e associado

à formação discursiva integracionista.

Pessoalmente, situamos a inclusão como uma alternativa de caráter

emancipatório, que visa romper com as estruturas excludentes próprias dos paradigmas

anteriores e promover uma ampla reorganização dos sistemas sociais e educacionais, a

fim de que estes se tornem aptos a atender à diversidade de todos os indivíduos.como

enquanto parte de uma transição paradigmática impulsionada por uma série de lutas

subparadigmáticas, cujo principal papel seria o de questionar o que está estabelecido e

é, convencionalmente, aceito como normal, inevitável ou necessário, apontando-lhe as

inconsistências, acumulando frustrações e fazendo com que os estereótipos vigentes

sejam rejeitados e completamente substituídos, possibilitando o advento de novo(s)

paradigma(s).

Assistindo aos inúmeros debates, aos conflitos, às possíveis inovações e aos

deslocamentos de sentido gerados não só pela inserção de crianças com deficiência nos

sistemas escolares comuns, como pelos demais embates sociais que, simultaneamente,

denunciam o não atendimento às necessidades de todos, podemos inferir que o

paradigma da modernidade está sendo desmontado e que os princípios da inclusão nos

permitem vislumbrar os primeiros traços de um novo paradigma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. Desenvolvimento e aprendizagem: deficiência mental sob a ótica das teorias cognitivas. In: EDUCAÇÃO EM FOCO: Revista de Educação. v. 4, n. 2, set./fev. 1999/2000. p. 83-99. Disponível em <http://www.educacaoonline.pro.br/desenvolvimento_e_aprendizagem.asp>. Acesso em: 18 mai. 2004. SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. SKLIAR, Carlos. A educação que se pergunta pelos outros: e se o outro não estivesse aqui? In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (org.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. p. 196-215. (Série cultura, memória e currículo, v. 2). ______. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de Janeiro: DP&A, 2003. SOARES, Cláudia Caldeira. A construção dos significados da Escola Plural no universo docente. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO. 24., 2001, Caxambu. Disponível em: <http://www.anped.org.br/24/T0483765417770.doc>. Acesso em: 31 mai. 2003. ______. Reinventando a escola: os ciclos de formação na Escola Plural. São Paulo: Annablume, 2002. SOUZA, Rosa Fátima de. Tempos de infância, tempos de escola: a ordenação do tempo escolar no ensino público paulista (1892-1933). Educação e Pesquisa, vol. 25, n. 2, p. 127-143, jul./dez. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid= S1517-97021999000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 jan. 2005. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes 2002. ______. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. In: REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. Campinas, SP: Autores Associados Ltda, n. 13, 2000. p. 5-24. UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Genebra, 1994. Disponível em <http://www.mec.gov.br/seesp/legislacao.shtm>. Acesso em: 22 nov. 2000. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou emancipatória? Caderno CEDES, v. 23, n. 61, p. 267-281, dez. 2003.

______. Projeto Político-Pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: ____ (org.). Projeto Político-Pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas, SP: Papirus, 1995. p. 11-35. VYGOTSKY, Lev Semenovich. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Coleção Psicologia e Pedagogia). WERNECK. Cláudia. Sociedade inclusiva: quem cabe no seu todos. Editora WVA, Rio de Janeiro, 1999. ZAIDAN, Samira. Ciclos no Ensino Fundamental: um projeto de inclusão? Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 5, n. 30, p. 50-59, nov./dez. 1999.

ANEXOS

ANEXO A

___________________________________________

FACULDADE DE EDUCAÇÃO TEL. (032)229-3665 FAX( 032) 229-3665

EMAIL: ppge@ faced.ufjf.br

FORMULÁRIO DE PESQUISA – I

Escola Municipal ___________________________________________________________

Localização: ______________________________________________________________

Telefones: ________________________________________________________________

Diretora: _________________________________________________________________

Vice-Diretora: _____________________________________________________________

Acesso: __________________________________________________________________

Regional: _________________________________________________________________

DADOS GERAIS DA ESCOLA

Turno Número de turmas

Faixa etária dos alunos

Número de professores

Número de alunos com deficiência

DADOS SOBRE O ATUAL PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO (P.P.P.) DA ESCOLA:

Em que ano foi elaborado o atual Projeto Político Pedagógico da Escola? Quem coordenou os processos de elaboração do P.P.P? Quem participou da elaboração do P.P.P.? Exemplifique algumas metas, previstas no P.P.P., que já foram alcançadas. ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Exemplifique metas futuras, previstas no P.P.P., que o coletivo da escola busca alcançar. ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

DADOS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR:

Como são, atualmente, distribuídos os professores entre as turmas? Trios? Professores-referência e professores-itinerantes? Cada professor com sua respectiva turma e aulas especializadas como artes, educação física? Salas-ambiente com um professor para cada área do conhecimento? Oficinas temáticas? Outras formas de organização?

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Atualmente, quais são as atribuições da coordenação pedagógica no turno pesquisado?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Outros dados sobre a organização do trabalho escolar que julgar interessantes:

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

DADOS SOBRE O ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA (ASSINALAR): Biblioteca Sala de audiovisual Sala com espelhos Quadra (des) coberta Sala dos professores Playground (parquinho) Banheiro feminino Diretoria Brinquedoteca Banheiro masculino Secretaria Anfiteatro Vestiários Laboratório Sala de Coord. Pedag. Banheiro de professores Sala de computação Sala atendim. Pedag. Oficina de... Pátio Sala de recursos - PBH Horta Depósito de alimentos Almoxarifado Jardim/área gramada Copa Número de salas de aula Estacionamento Cantina Observações:

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

ANEXO B

___________________________________________

FACULDADE DE EDUCAÇÃO TEL. (032)229-3665 FAX( 032) 229-3665

EMAIL: ppge@ faced.ufjf.br

FORMULÁRIO DE PESQUISA – II

Escola Municipal ___________________________________________________________

Localização: ______________________________________________________________

Telefones: ________________________________________________________________

Diretora: _________________________________________________________________

Vice-Diretora: _____________________________________________________________

Acesso: __________________________________________________________________

Regional: _________________________________________________________________

DADOS GERAIS SOBRE OS PROFISSIONAIS ENTREVISTADOS:

Função: ____________________________________ Pseudônimo: ____________

Tempo de experiência no cargo: anos Tempo de experiência no trabalho com crianças com deficiência: anos Graduação acadêmica máxima: Em sua formação inicial ou continuada buscou acesso a informações sobre o atendimento educacional à crianças com deficiência:

Congressos ou Seminários Palestras Cursos de Especialização Vídeos Cursos no CAPE Grupo de estudos Experiência em Escolas

Especiais Pesquisas via internet

Matérias/disciplinas Não buscou acesso a informações

Livros sobre o tema Outros: Ações e/ou mudanças implementadas em sua prática pedagógica visando ao atendimento das necessidades dos alunos: ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Relações que se estabelecem entre a organização escolar em ciclos e a inserção de crianças com deficiência nas escolas comuns (avanços, entraves, possibilidades, dificuldades). ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

ANEXO C

___________________________________________

FACULDADE DE EDUCAÇÃO TEL. (032)229-3665 FAX( 032) 229-3665

EMAIL: ppge@ faced.ufjf.br

FORMULÁRIO DE PESQUISA – III

Escola Municipal ___________________________________________________________

Localização: ______________________________________________________________

Telefones: ________________________________________________________________

Diretora: _________________________________________________________________

Vice-Diretora: _____________________________________________________________

Acesso: __________________________________________________________________

Regional: _________________________________________________________________

DADOS GERAIS SOBRE A RELAÇÃO ESCOLA/COMUNIDADE

Situações/eventos promovidos pela Escola relacionados à interação com a comunidade local. ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

DADOS GERAIS SOBRE O BAIRRO/COMUNIDADE LOCAL

Número de habitantes: Nível sócio-econômico familiar predominante: Principais ocupações dos pais/responsáveis: Atividade econômica predominante no bairro: Estabelecimentos comerciais (quantidade e tipo): Estabelecimentos de educação (quantidade e tipo): Espaços de lazer/recreação (quantidade e tipo): Linhas de ônibus que servem o bairro: Bairro atendido por serviços de: Água e esgoto Posto de Saúde Ruas asfaltadas Eletricidade Posto Policial Ruas calçadas Telefone particular Agência dos Correios Salão de beleza Telefones públicos Igreja/templo/centro Outros:

ANEXO D

REGIONAIS DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE E ESCOLAS VISITADAS

E. M. ANA

E. M. RACHEL DE QUEIROZ

ANEXO E

___________________________________________

FACULDADE DE EDUCAÇÃO TEL. (032)229-3665 FAX( 032) 229-3665

EMAIL: ppge@ faced.ufjf.br

CONSENTIMENTO INFORMADO

Eu, _____________________________________________________________, diretor(a) da Escola Municipal _____________________________________________, após consulta e aprovação dos professores e professoras, autorizo a mestranda Jerusa de Pinho Tavares Silva a realizar entrevistas e observações durante duas ou três reuniões pedagógicas, realizando anotações e gravações em áudio e/ou vídeo das mesmas.

Estou ciente de que os dados coletados em tais observações serão usados como elementos de análise para a dissertação de mestrado da referida mestranda, assim como poderão vir a ser utilizados em futuros trabalhos acadêmicos.

Será resguardado o anonimato dos sujeitos da pesquisa através do uso de pseudônimos para referir-se a eles na redação do relatório final da pesquisa.

Juiz de Fora, ______ de ________________ de 2004.

____________________________________________

- Diretora -

ANEXO F

___________________________________________

FACULDADE DE EDUCAÇÃO TEL. (032)229-3665 FAX( 032) 229-3665

EMAIL: ppge@ faced.ufjf.br

TERMO DE COMPROMISSO

Eu, Jerusa de Pinho Tavares Silva, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, realizarei entrevistas e observações de reuniões pedagógicas da Escola Municipal _____________________________________ durante o ano letivo de 2004, realizando anotações e gravações em áudio e/ou vídeo das referidas reuniões.

Estou ciente de que os dados coletados nessas observações deverão ser utilizados exclusivamente para fins acadêmicos.

Comprometo-me a resguardar o anonimato dos sujeitos da pesquisa através do uso de pseudônimos para referir-me a eles na redação do relatório final da pesquisa.

Juiz de Fora, ______ de ________________ de 2004.

__________________________________________

Jerusa de Pinho Tavares Silva

Mestranda

__________________________________________

Profa. Dra. Luciana Pacheco Marques

Professora Orientadora

ANEXO G

___________________________________________

FACULDADE DE EDUCAÇÃO TEL. (032)229-3665 FAX( 032) 229-3665

EMAIL: ppge@ faced.ufjf.br

QUESTÕES NORTEADORAS DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

O PROGRAMA ESCOLA PLURAL INSERÇÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA PLURAL

O que pôde ser modificado na

organização do trabalho escolar a

partir do Programa Escola Plural no

que se refere aos seguintes aspectos:

� Projeto político-pedagógico

� Trabalho coletivo

� Enturmação de alunos

� Objetivos educacionais

� Organização dos espaços

� Organização dos tempos

� Conteúdos

� Avaliação

� Formação de professores

� Relação escola/comunidade

� Escola Plural e inserção de crianças com

deficiência nas salas de aula comuns:

limites e possibilidades.

� Organização do trabalho escolar,

considerando a inserção de crianças com

deficiência no cotidiano das escolas.

� Posicionamento dos profissionais da

escola diante da inserção de crianças com

deficiência em escolas comuns.

� Táticas e/ou estratégias voltadas para o

atendimento à diversidade.

� Reflexos das discussões sobre inclusão

no P.P.P. da escola.

� Critérios para enturmação.

� Experiências que gostariam de ver

divulgadas.

ANEXO H

Resolução 0443 de 25 de Abril de 1980 APROVA CONVÊNIO QUE ENTRE SI CELEBRAM A PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE E A APAE COM O OBJETIVO DE ATENDER ALUNOS DE 1.º GRAU DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. A Câmara Municipal de Belo Horizonte decreta e promulga a seguinte Resolução: Art. 1º - Fica aprovado convênio que entre si celebram a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e a APAE com o objetivo de atender alunos de 1 grau da Rede Municipal de Ensino, nos seguintes termos: A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte ora designada apenas Prefeitura, neste ato representada pelo Prefeito Municipal, lr. Maurício de Freitas Teixeira Campos, "ad referendum" da Câmara Municipal, de conformidade com o artigo 77 (XIII) da lei complementar n4 03, de 28 de dezembro de 1972, presentes, também, os Srs. Secretário Municipal de Educação, Professor Guilherme Azevedo Lage, Secretário Municipal de Administração, Professor José Antônio Torres, e o Procurador Geral do Município, Dr. Nelly de Morais Silva, e a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais, doravante denominada simplesmente APAE de Belo Horizonte, registrada no Conselho Nacional de Serviço Social sob o n 268.532, C.G.C. 18.21 6.336/ 0001-68, estabelecida na Rua Cristal, 78 - Santa Tereza, representada por sua Presidente, Lucy Spindola Garrido, de acordo com as cláusulas e condições seguintes: CLÁUSULA PRIMEIRA - Do objeto - Será objeto deste Convênio o atendimento de alunos excepcionais do 1º grau da Rede Municipal de Ensino, integrados na sociedade através de assistência médico-psico-pedagógica especializada e preparando-os para o trabalho em oficinas protegidas. CLÁUSULA SEGUNDA - Compete à Prefeitura a) Colocar à disposição da APAE 4 (quatro) Professores Municipais I, com ônus para a Municipalidade para exercerem a atividade de regência de classe. b) Encaminhar à APAE até 40 (quarenta) alunos que apresentarem deficiências físicas ou mentais para tratamento especial, sem ônus para os alunos e Prefeitura. c) Exercer supervisão direta através de visitas, entrevistas e acompanhamento dos trabalhos, bem como a supervisão indireta, mediante análise de relatórios e registros preparados pela APAE. CLÁUSULA TERCEIRA - Compete à APAE a) Receber, nos termos da letra "b" da Cláusula segunda, os alunos indicados. b) Fazer triagem dos alunos indicados através de uma equipe médica psicopedagógica social, se for o caso. c) Apresentar relatório anual contendo quadro de pessoal: plano geral das atividades executadas, registro dos alunos e balanço geral. d) Exercer a direção, a administração e a orientação pedagógica da Escola. CLÁUSULA QUARTA - Da Vigência - O presente Convênio terá duração de 03 (três) anos, a partir da data de sua assinatura, podendo ser renovado se não houver denúncia de nenhuma das partes. CLÁUSULA QUINTA - Do Foro - Fica eleito o foro de Belo Horizonte para dirimir quaisquer questões que se originarem da execução deste Convênio.

Por estarem de pleno acordo com as clausulas e condições acima especificadas, firmam o presente convênio, para um só efeito na presença de testemunhas, para os fins de direito. Belo Horizonte, 07 de dezembro de 1979. O Prefeito de Belo Horizonte (a.) MAURÍCIO DE FREITAS TEIXEIRA CAMPOS. Presidente da APAE (a.) LUCY SPINDOLA GARRIDO. Secretário Municipal de Educação (a.) GUILHERME AZEVEDO LAGE. Secretário Municipal de Administração (a.) JOSÉ ANTÔNIO TORRES. Procurador Geral do Município (a.) - NELLY DE MORAIS SILVA. Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário. Mandamos portanto, a quem o conhecimento e a execução desta pertencer, que a cumpra e a faça cumprir, tão Inteiramente como nela se contém. Belo Horizonte, 25 de abril de 1980. Presidente (a.) TOMAZ EDSON. Secretário (a.) IVONE BORGES BOTELHO. Publicada no "Minas Gerais" de 07 de maio de 1980.