124
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: CONFLITOS, LIMITES E POSSIBILIDADES CUIABÁ-MT 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EDINALDO GOMES DE SOUSA

EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: CONFLITOS,

LIMITES E POSSIBILIDADES

CUIABÁ-MT

2011

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EDINALDO GOMES DE SOUSA

EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: CONFLITOS,

LIMITES E POSSIBILIDADES

CUIABÁ-MT

2011

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

iii

EDINALDO GOMES DE SOUSA

EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: CONFLITOS,

LIMITES E POSSIBILIDADES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Educação na

Área de Concentração Educação, Cultura e

Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos

Sociais, Política e Educação Popular.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos

Cuiabá-MT

2011

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

S725e

Sousa, Edinaldo Gomes de.

Educação popular na escola pública: conflitos, limites e

possibilidades. / Edinaldo Gomes de Sousa. -- Cuiabá (MT): Instituto de

Educação/IE, 2011.

123 f.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de

Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós - Graduação

em Educação. Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos.

Inclui bibliografia.

1. Educação popular. 2. Escola pública. 3. Profissional docente -

Práticas pedagógicas. I. Título.

CDU: 374

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

iv

DISSERTAÇÃOAPRESENTADA À

COORDENAÇÃODOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA

UFMT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Educação na

Área de Concentração Educação, Cultura e

Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos

Sociais, Política e Educação Popular.

Aprovado em 13 de Maio de 2011

Professores Componentes da Banca examinadora

_______________________________________

Prof. Dr. Percival Tavares da Silva

Examinador Externo

___________________________________

Profª. Drª. Suely Dulce Castilho

Examinadora Interna

___________________________________

Prof. Dr. Luiz Augusto Passos

Orientador

____________________________________

Prof. Dr. Edson Caetano

Suplente

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

v

DEDICATÓRIA

A você Jhéssica, meu anjinho lindo, que mesmo

fisicamente não estando mais conosco, sinto que

esteve sempre ao meu lado.

Aos meus pais pelo exemplo de vida e pelo amor incondicional dedicado a mim e aos

meus irmãos.

Aos meus grandes amores Kelli, minha esposa amada e a Geovana, minha filhinha

querida por proporcionar os melhores momentos da minha vida.

Aos meus queridos irmãos: Corrinha, Lucinha, Naldo, Altaíde, Sandra, Maria, Maicon e

Rick pelo amor que nos une.

Aos meus queridos sobrinhos: Érica, Jhéssica, Vinícius, Carol, Felipe, Beatriz, Júlia e

Bruninha por encher nossos lares de alegrias.

Aos meus cunhados, Inocêncio, Edjarde pela relação de amizade e apoio, especialmente

ao Patrick que durante todo o período da pesquisa foi um grande parceiro com o qual

aprendi muito.

Aos meus grandes amigos Roseval, Irmã Wilma, Frei Roberto, Alessandro, Paulo

Roberto e Edvan, pelos sonhos vividos juntos e pelo acreditar numa sociedade mais

justa e fraterna.

A ti que é mais que um professor, mais que

um orientador. É um grande amigo, um

grande irmão, um grande amor... Tu LUIZ

que é Luz em nossas vidas. Que nos dar a

certeza da tua presença, mesmo estando

ausente. Pois teu amor, em alguns

momentos, a gente não ver, mas a todo

instante a gente sente. Tu AUGUSTO que

dá gosto, dar sabor e alegria encoraja

nossa teimosia em sempre acreditar que só

depende de nós para hoje ser um novo dia.

Tu PASSOS que é nossos passos, nessa

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

vi

grande imensidão, uma boniteza de

educação, juntos construiremos.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

vii

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Ezequiel Borges de Campos, promotor de justiça, a quem não só eu, mas como

toda a minha família, seremos eternamente gratos, Sem a sua generosidade e a

oportunidade dada a mim, nada disso seria possível.

A dona Benedita, minha mãe de coração, por ter me acolhido e me amado como filho.

Aos meus irmãos de coração: Juju, Carmo, Nide, Teté, Joilson, Ailton, Luiz Carlos e

Dilsinho, pela relação de amizade, respeito e carinho.

A professora Raimunda, minha primeira professora, que pacientemente me fez descobrir

as primeiras letras, formar as primeiras palavras e descobrir um mundo novo.

Ao professor Gino e a professora Wilma, fonte de inspiração durante toda a minha

graduação e atuação como educador.

Aos meus amigos de mestrado, especialmente, a querida amiga Neide, pelo

companheirismo, pela ajuda, pelo respeito e pela amizade sincera.

A professora Suely Dulce, educadora amorosa, cujas contribuições foram de

fundamental importância para a minha pesq uisa.

Ao professor Percival Tavares, educador amoroso e justo, um presente de Deus para a

minha pesquisa, cujas contribuições não se limitaram ao olhar acadêmico.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

viii

RESUMO

SOUSA, Edinaldo Gomes de. Educação popular na escola pública: conflitos, limites e

possibilidades. Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos. Mato Grosso: UFMT. 2011.

Dissertação.

As escolas públicas, especialmente as que ofertam a educação básica, são freqüentadas na sua maioria

absoluta, por educandos das classes populares, porém, o modelo de educação ofertada pelo estado não

atende seus interesses, seus sonhos e suas perspectivas. Este trabalho aborda os conflitos, os limites e as

possibilidades de uma educação pública que atenda aos interesses das classes populares. Os sujeitos desta

pesquisa são educadores e educandos de uma escola pública de Cuiabá, que oferta e educação de jovens e

adultos. Para um resultado mais próximo possível da realidade, optei pela pesquisa qualitativa, com um

caráter do tipo etnográfico, numa perspectiva crítica-dialética. Como procedimentos metodológicos foram

adotados registros de áudio, questionários, entrevistas pré-elaboradas, filmagens, relatos e observações. A

fundamentação teórica do estudo se deu, sobretudo, nos estudos de educadores como Paulo Freire, Moacir

Gadotti, Carlos Alberto Torres, Carlos Brandão, Celso de Rui Beisiegel, entre outros. Os resultados se

revelam na análise dos dados que, apesar dos conflitos, a realidade atual, exige um novo olhar para uma

educação pública que venha de encontro aos interesses das classes populares. Os resultados anunciam

ainda, as possibilidades de a educação popular ser praticada no âmbito das escolas públicas.

Palavras-chave: Educação Popular, Educador Popular, Autonomia,

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

ix

ABSTRACT

SOUSA, Edinaldo Gomes de. Educação popular na escola pública: conflitos, limites e

possibilidades. Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos. Mato Grosso: UFMT. 2011.

Dissertação.

The public schools, especially the ones offering basic education, are frequented, mostly, by students from

low social classes. However, the educational model adopted by the stated does not meet their interests,

their dreams and their perspectives. This work is centered in these conflicts, the limits and possibilities of

a public education capable of attend the need of mass classes. The subjects of this research are educators

and students of a Cuiabá’s public school dealing with youth and adults education. For a result as close as

possible of the reality, I choose a qualitative method, with ethnographic, in critical-dialectical perspective.

As methodological proceedings we adopted audio records, questionnaire, pre-elaborated interviews, video

recordings, reports and observations. The theoretical foundations are based, mostly, in the research of

educator like Paulo Freire, Moacir Gadotti, Carlos Alberto Torres, Carlos Brandão, Celso de Rui

Beisiegel among others. The results revealed in the data analysis show that, even with these conflicts, the

actual reality demands a new behavior when dealing with public education, especially to offer mass

classes what they really want. The results still show the possibilities of a popular education committed in

the public schools universe.

Palavras-chave: Popular education, Popular educator, Autonomy,

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

x

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12

CAPÍTULO I ................................................................................................................. 18

1. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA ................................................................. 18

1.1 Os percursos metodológicos ................................................................................... 18

1.2 Aporte metodológico ............................................................................................... 20

1.3 Fundamentação teórica ............................................................................................ 24

1.4 Os sujeitos ................................................................................................................ 25

1.4 A escola ................................................................................................................... 28

1.5 Os instrumentos utilizados ....................................................................................... 31

1.6 Objetivos .................................................................................................................. 31

1.6.1 Objetivo geral ....................................................................................................... 31

1.6.2 Objetivos específicos ............................................................................................ 31

CAPÍTULO II ................................................................................................................ 33

2. EDUCAÇÃO POPULAR: HISTÓRIA E PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO

LIBERTADORA ........................................................................................................... 33

2.1 Educação: Educações .............................................................................................. 33

2.2 Popular ..................................................................................................................... 37

2.3 Educação popular: Contexto histórico ..................................................................... 38

2.4 A Educação Popular Hoje: Um projeto de emancipação ........................................ 41

2.5 Educação Popular na atualidade: desafios, sonhos e perspectivas .......................... 46

2.6 De professor a educador .......................................................................................... 49

2.7 Educador popular: um semeador de sonhos ............................................................ 51

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

xi

2.8 Educador-educando: uma relação que se confunde ................................................ 57

CAPÍTULO III .............................................................................................................. 60

3 EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: UM DIÁLOGO

NECESSÁRIO................................................................................................................ 60

3.1 Educação popular na escola pública: disputar espaço ou cruzar os braços? ........... 62

3.2 Escola pública popular ............................................................................................. 67

CAPÍTULO IV .............................................................................................................. 76

4. AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE EDUCADORES POPULARES NUMA

ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ ............................................................................... 76

4.1 A fala dos educadores .............................................................................................. 76

4.2 Um olhar sobre as práticas pedagógicas dos educadores ........................................ 85

4.3 Educandos: um reencontro consigo mesmo ............................................................ 96

4.4 Educandos: um sonho adormecido ........................................................................ 100

4.5 Educandos: a escola que queremos ....................................................................... 103

4.6 Educandos: a relação educador-educando ............................................................. 107

4.7 Educandos: os impactos positivos dessa relação em suas vidas ........................... 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 120

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

12

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se inscreve na Linha do Mestrado em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso, “Movimentos Sociais, Política e Educação Popular”, vinculada

ao Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e Educação - GPMSE/UFMT, no qual se

propôs a investigar a atuação de educadores populares numa escola pública de Cuiabá,

que oferta e modalidade EJA (educação de jovens e adultos), discorrer sobre os

conflitos existentes entre esses educadores, a escola, o estado e a comunidade escolar.

Enfatizar os impactos positivos dessas práticas na vida dos educandos fazendo uma

abordagem de como se dá a relação educador-educando na comunidade escolar

pesquisada.

A minha hipótese de trabalho foi que apesar dos limites a educação popular deve

ser dialogada e praticada nas escolas públicas. Para confirmar esta hipótese entrevistei

quatro educadores de uma escola estadual que oferta a modalidade de educação de

jovens e adultos em Cuiabá. O pedagogo S, que atua no primeiro segmento do ensino

fundamental no período matutino, a pedagoga G, que atua no primeiro segmento do

ensino fundamental no período vespertino, a pedagoga M, que atua no segundo

segmento do ensino fundamental do período noturno e a educadora W, que é diretora da

escola. Além de seis educandos do primeiro e segundo segmentos do ensino

fundamental. As informações prestadas pelos sujeitos pesquisados foi parte fundamental

para a conclusão desta pesquisa.

O interesse pela pesquisa surge da minha condição de educador de jovens e

adultos, e mais ainda por me identificar como educador popular, que durante a minha

atuação como educador na escola pesquisada observei ações pedagógicas que se

aproximam da educação popular. Essas práticas independem da negação ou da

imposição do Estado, são pura teimosia de educadores que compreendem a educação

como prática de liberdade.

Minha curiosidade em realizar esta investigação aumenta na medida em que

percebo diálogos e comentários de educandos a respeito de alguns educadores “não é a

toa que o professor S, foi o que mais ganhou presente no dia dos professores, ele é um

professor que gosta da gente”, afirma uma das educandas pesquisada. Diálogos como

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

13

esse me chamaram atenção, pois de acordo com as falas dos educandos não me parecia

se tratar de um educador “bonzinho”, mas sim de alguém que apesar dos conhecimentos

científicos, concebia seus educandos como sujeitos únicos que precisam ser

compreendidos para poder compreender-se.

Perceber essas práticas “isoladas” como potenciais ferramentas de mobilização

na educação, fortalece o sonho e o desejo daqueles que acreditam que a Educação

Popular possa ocupar seu espaço na escola pública, e que essas práticas são

fundamentais para que tenhamos no âmbito público uma educação que possibilite os

sujeitos saírem da condição de oprimidos.

Para a concretização de uma prática administrativa e pedagógica verdadeiramente

comprometida com a formação humana e sua autonomia é necessário que o processo

ensino-aprendizagem, seja coerente com o seu papel na socialização dos sujeitos,

agregando elementos e valores que os levem à emancipação e à afirmação da sua

identidade cultural, com o exercício de uma cidadania democrática.

Nesse contexto permeado pelas vivências culturais dos educandos nota-se uma

relação muito próxima dos educandos/educadores e educadores/educandos. A

participação no processo educativo; as diferenças de gerações e os debates por eles

produzidos; a presença e participação de educandos com necessidades especiais, física e

auditiva por exemplo. Essa relação de saberes diferentes faz com que o grupo

pesquisado tenha grande participação na produção do conhecimento junto aos demais

educandos, através de suas experiências de vida.

No primeiro capítulo abordo os caminhos metodológicos percorridos,

discorrendo sobre os sonhos e desejos da pesquisa e a relação construída com os

sujeitos. Faço uma apresentação dos autores estudados cujas obras me orientaram na

obtenção de dados científicos que levaram a realização desta pesquisa. Apresento ainda

os sujeitos – educadores e educandos – a participação dos educadores no desenvolver

desta pesquisa com informações me proporcionou fazer uma análise mais criteriosa e

mais próxima possível dos objetivos que busquei no desenvolver desta pesquisa, os

sujeitos educadores que compartilharam comigo suas angústias, seus medos e seus

limites, como também, seus sonhos, suas utopias. Apresento os sujeitos educandos, a

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

14

partir de sua realidade fazendo um levantamento sobre os aspectos sócio-econômico e

cultural, suas perspectivas e sonhos dentro e fora do contexto escolar.

Ainda no primeiro capítulo apresento a metodologia escolhida e utilizada, isto é,

a pesquisa qualitativa do tipo etnográfica. A opção por essa metodologia deu-se em

função da relação em que ela proporciona entre sujeito pesquisador e sujeitos

pesquisados. Aqui, os sujeitos não podem ser reduzidos a condição de meros objetos e

dessa forma, a pesquisa torna-se um ato de educar, exigindo que a relação entre

pesquisador e sujeitos pesquisados seja uma relação de igualdade em ambientes

diferentes.

Discorro sobre a comunidade escolar pesquisada, fazendo um levantamento do

seu histórico e perfil, sua estrutura física e humana, colhendo informações através do

seu PPP (projeto político pedagógico) e as transformações que a escola vem realizando

a fim de atender às necessidades dos educandos. Ao finalizar este capítulo descrevo

sobre os recursos utilizados para obtenção dos dados bem como, além do processo de

análise dos dados adquiridos.

No segundo capítulo faço uma breve abordagem sobre o conceito de educação

nas suas diversas variáveis. Ressalto que não aprofundarei nesses conceitos, pois meu

interesse é dialogar sobre a educação popular numa perspectiva freiriana. Enquanto a

classe dominante defende uma educação reprodutora de um sistema excludente e

opressora como mecanismo de perpetuar sua forma de vida, as classes populares, por

sua vez, defendem uma educação que promova as liberdades e que possibilite os

sujeitos saírem da condição de oprimidos para sujeitos livres. Nesse breve histórico, me

referencio nos autores que defendem uma educação libertadora.

Para que haja uma compreensão melhor sobre a Educação Popular, além do

conceito de educação, disserto, também, sobre o termo popular, que acredito ser

necessária essa abordagem em função de suas termologias que ao final nos dará um

maior entendimento sobre o objeto pesquisado. Nessa perspectiva, abordo sobre as

definições entre classes dominantes e das classes dominadas. A primeira acredita que o

termo educação popular está associado ao povo e a população do país, sobretudo, que o

termo se relaciona com povão, pobreza e às camadas pobres da sociedade. Já a segunda,

acredita que este termo apresenta duas perspectivas que se confronta, uma exclui, onde

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

15

os ricos por vontade não se misturam com os pobres, outra inclui, os pobres se

reconhecem como grupo social e se relaciona, como afirma João Bosco Guedes Pinto

(1986).

A descrição que faço sobre educação popular não encerra, nem poderia encerrar

a discussão, ao mesmo tempo em que o termo apresenta algumas definições, apresenta,

maior ainda, indefinições. Os autores pesquisados me possibilitaram chegar a uma

conclusão mais próxima possível da realidade, me permitindo um olhar mais detalhado

sobre a educação popular.

Após as leituras das definições sobre os termos educação e popular, passo a

dialogar sobre a Educação Popular, faço uma leitura histórica, abordando sua política,

suas práticas e seus principais autores. O diálogo que propus fazer é sobre uma

educação popular à luz dos pensamentos e práticas de Paulo Freire.

No terceiro capítulo discorro sobre os conflitos, os limites e as possibilidades de

se fazer educação popular nas escolas públicas. Para tal, recorro a alguns educadores

que nortearão esta pesquisa, como por exemplo, Paulo Freire (1969, 1977, 1979, 1982,

1983, 1996), Moacir Gadotti (2000, 2001, 2002, 2003), Carlos Alberto Torres (2000,

2001, 2002), Celso de Rui Beisiegel (2000, 2001, 2002, 2003), Carlos Rodrigues

Brandão (2000, 2001, 2002), João Francisco de Souza (1998), João Bosco Guedes Pinto

(1986), Ana Maria do Vale (1996).

Nessa discussão, os autores alertam para um aparelhamento que o estado tentará

impor, mas que em face do novo momento vivido onde vários governos populares

assumem o poder e nos outros também, a educação popular pode e deve ser discutida e

praticada no âmbito das escolas públicas. Afinal, são as classes populares que

frequentam as escolas públicas e são com elas e para elas que essa escola deverá dirigir

políticas públicas educacionais que atendam suas necessidades. A escola pública como

se apresenta hoje, reproduz a pedagogia das classes dominantes numa escola

frequentada basicamente pelas classes populares.

Discorro, ainda, sobre a educação popular na atualidade e os desafios, sonhos,

limites e utopias de um pensamento e práticas de uma educação libertadora. Através de

experiências já vividas, como é o caso de Paulo Freire quando esteve à frente da

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

16

secretaria de educação da cidade de São Paulo, busco apresentar através dos diálogos

construídos com os autores, mas principalmente com os sujeitos pesquisados, a

possibilidade real de uma educação popular na escola pública.

Ao final deste capítulo, faço uma breve leitura sobre a atuação dos educadores

populares nas escolas públicas. Educadores e educadoras que apesar da imposição

positivista de um estado elitista e de uma escola de reprodução, teimam em acreditar

numa educação que liberta e numa escola que compreenda o educando nas suas

necessidades e especificidades.

No quarto capítulo faço uma abordagem sobre as práticas pedagógicas de alguns

educadores numa escola pública que oferta a modalidade EJA. Faço uma abordagem

sobre a relação entre os educadores, educandos, escola e estado. Procuro neste capítulo,

desvelar as práticas da educação popular no interior de uma escola pública, mesmo que

oficialmente não seja reconhecida, e que tem trazido mudanças significativas na vida

dos educandos, conforme depoimentos dos mesmos.

A observação possibilitou uma análise sobre as metodologias utilizadas pelos

educadores. Os procedimentos usados na construção de novos saberes e na reconstrução

dos saberes já existentes. Esse momento foi importante também para investigar os temas

abordados pelos educadores, relacionando o que se discutia em sala de aula com a vida

cotidiana dos educandos.

Além das entrevistas e do fazer pedagógico dos educadores, neste capítulo, trago

também, as narrativas dos educandos, onde os mesmos relatam os motivos por não

frequentar a escola em “idade apropriada”, os motivos que lhes despertaram interesse

em iniciar ou reiniciar seus estudos. Os mesmos relatam ainda, o perfil do educador que

estavam em seu imaginário e o perfil encontrado na sala de aula.

As entrevistas com os educandos ocorreram em vários momentos, na sala de

aula, nos intervalos, ao sair da escola, no trajeto da escola para sua casa e em momentos

comemorativos. Durante as entrevistas fugi em vários momentos da formalidade para

que as informações obtidas fossem a mais próxima possível da realidade vivida pelos

sujeitos pesquisados.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

17

A riqueza das informações prestadas pelos educandos se percebe nos seus

depoimentos. Neles resgatam sua história de vida, muitas vezes, sem conter as emoções.

E ali, sujeito pesquisado e sujeito pesquisador, constroem uma relação séria, onde a

emoção, o carinho e a generosidade não impedem de juntos buscarem os objetivos

propostos.

Por fim, nas considerações finais recorro sobre os objetivos propostos, sobre a

Educação Popular buscando relacioná-la com as falas dos sujeitos. Procuro destacar a

importância da Educação Popular como forma de promover a autonomia e a

emancipação dos sujeitos.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

18

CAPÍTULO I

1. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

1.1 Os percursos metodológicos

A tarefa do pesquisador/educador não é a de “fazer a cabeça” do povo,

trazendo do exterior a consciência “lúdica e crítica”, o esquema de análise

“realmente científico” ou a linha “justa e correta” do ponto de vista tático e

estratégico. A pesquisa como itinerário político-pedagógico não deve ser a

oportunidade para o pesquisador fazer seu discurso, impor suas ideias,

conduzir o grupo à posição que ele estima correta. [...] Motivar e

instrumentar grupos populares para que assumam sua experiência

quotidiana de vida e de trabalho como fonte de conhecimento e de ação de

transformação acreditamos ser o objetivo da pesquisa social e da ação

educativa numa perspectiva libertadora. (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 1985, p.

33)

A proposta de realizar uma pesquisa em educação, especialmente sobre a

educação popular, é regada de um profundo sentimento amoroso que estimula minha

curiosidade em compreender as práticas educacionais de homens e mulheres que

teimam em acreditar numa educação regada de rebeldia e boniteza como uma

ferramenta de promoção das liberdades e das diferenças. Igualmente, a tantos

educadores e educadoras que no interior das escolas, sobretudo, das escolas públicas

lutam por uma educação que promova a paz, o respeito e a tolerância entre os sujeitos,

estão anonimamente, angustiados, mas esperançosos que a escola pública seja de fato

voltada aos interesses de quem dela participa: as classes populares.

A opção em desenvolver esta pesquisa vem de encontro com aquilo que me

identifico, acredito e defendo que é uma educação pública voltada aos interesses e as

necessidades das classes populares. Uma educação que rompa com todo o tipo de

opressão, crueldade e feiúra, que compreenda o ser humano como sujeitos de direitos,

respeitando-os e os convidando para a transformação da sociedade. Como diz Rubem

Alves: “o educador é um fundador de mundos, é um mediador de sonhos é um pastor de

projetos”.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

19

As indagações, as dúvidas e as incertezas (não de não acreditar, mas do caminho

a ser percorrido) foram inúmeras e nos acompanharam por todo o período de realização

deste trabalho. Ora o cansaço, ora a incompreensão, ora a angústia que aperta o peito

pelas cobranças da academia. As pontuações exigidas. As produções. Isso. Aquilo...

Mas o desejo e a paixão pelo trabalho me animaram a continuar o diálogo regado de

entusiasmo pela possibilidade da educação popular ser uma opção coletiva dos

educadores.

Ao finalizar esta pesquisa, quero olhar para trás e perceber que além de

organizar meus pensamentos e práticas críticas, este trabalho possa, também, servir

como ferramenta para que educadores, educandos e sociedade fomentem diálogos sobre

as possibilidades de se praticar a educação popular nas escolas públicas.

Com os educandos busquei conhecer os motivos que os levaram a não frequentar

a escola quando crianças, aproveitando para fazer uma abordagem sobre os espaços

vividos por eles na infância e que posteriormente os têm motivado a buscar a escola. Os

educandos traçam o perfil do professor “ideal” e fazem uma comparação com o

professor que eles encontraram na escola. Abordo, segundo os educandos, que tipo de

educação atenderia suas expectativas, o papel da escola e a relação construída com seus

educadores.

Segundo Oliveira; Oliveira (1985),

O pesquisador deve esforçar-se para ir sendo, pouco a pouco, aceito pelo

grupo. Mas ele precisa ser aceito como realmente é, ou seja, como alguém

que vem de fora, que se dispõe a realizar, com o grupo, um estudo que pode

lhe ser útil, mas que, num determinado momento, irá embora. (OLIVEIRA e

OLIVEIRA,1985, p. 27).

Após os primeiros contatos, como pesquisador, percebo que as práticas

pedagógicas dos educadores pesquisados estão muito próximas das práticas da educação

popular. Os educadores rompem com uma metodologia mecanicista e assumem uma

posição problematizadora reconhecendo seus educandos como sujeitos históricos. Com

os educandos a surpresa não foi diferente, pois os mesmos buscavam encontrar uma

escola acolhedora, uma educação que os fizesse sentirem-se felizes e professores que

pudessem entendê-los nas suas especificidades e que essa relação de amizade e respeito

pudesse ultrapassar os muros escolares.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

20

Apesar de alguns questionamentos pré-definidos. As entrevistas se dão em

momentos diferentes, na sala de aula, nos intervalos, nas atividades extraclasses, nos

momentos de lazer e também no ambiente familiar. Eles falavam, queriam ser ouvidos,

davam opinião com propriedade de quem carregava consigo uma infinidade de saberes.

Com o passar do tempo, eu me via ali, rodeado de especialistas na arte da

sobrevivência. A cada entrevista percebia que aqueles sujeitos que mal escrevia o nome,

eram verdadeiros mestres da esperança, da teimosia e da fé. Cada etapa percorrida

percebia que esses doutores já tinham escrito e defendido uma tese: sua própria história.

1.2 Aporte Metodológico

O desenvolvimento desta pesquisa se deu através da pesquisa qualitativa do tipo

etnográfica pela relação que se dá entre sujeito pesquisador e sujeitos pesquisados, para

compreender melhor a pesquisa qualitativa, recorri entre outros autores, a Zago,

Carvalho e Vilela (2003), Ludke e André (1986), Bogdan e Biklen (1994), Fazenda

(1991), objetivava assim, maior proximidade possível com a realidade dos sujeitos

pesquisados.

A investigação qualitativa é uma ferramenta que tem auxiliado pesquisadores,

sobretudo, em educação, a se aproximarem ao máximo das experiências e da realidade

social em que se encontram os sujeitos pesquisados. Compreendendo-os como sujeitos

históricos inseridos num meio social.

Segundo Ludke e André (1986),

A pesquisa qualitativa procura dar respostas aos aspectos da realidade que

não podem ser quantificados. Trabalha com o universo de significados,

motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. (LUDKE e ANDRÉ, 1986,

p. 20).

Para as autoras, ao iniciar uma pesquisa qualitativa, o pesquisador deverá ficar

atento ao surgimento de novos elementos que poderão exigir a compreensão de novos

olhares sobre os rumos da pesquisa. Para compreender melhor, nessa perspectiva, os

autores alertam que, “[...] Então a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas,

não havendo uma única que seja a mais verdadeira” (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p. 20).

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

21

As mesmas autoras, ainda afirmam que “a pesquisa qualitativa tem o ambiente

natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal

instrumento”. (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p. 19).

A pesquisa qualitativa busca a maior proximidade possível dos objetos e dos

sujeitos pesquisados com o intuito de compreender melhor os problemas pesquisados.

Esse tipo de metodologia exige do pesquisador que não se limite a descrições dos

objetos e dos sujeitos observados, mas que a participação dos sujeitos como

protagonistas através de suas concepções de mundo, sejam igualmente valorizados.

Nessa perspectiva recorri também, a Ivani Fazenda (1991), que dialogando sobre

a formação do pesquisador afirma que,

A formação do pesquisador, desde cedo, precisaria desenvolver o compromisso

por ir além – além do que os livros já falam, além das possibilidades que lhes

são oferecidas, além dos problemas mais conhecidos. (FAZENDA, p. 1991, p.

19).

A autora deixa claro que o pesquisador não deverá se limitar às regras impostas,

pré-estabelecidas. O pesquisador deverá sempre está carregado de curiosidades, olhar

além do que os olhos vêem ter a sensibilidade para perceber que em muitos casos, as

ferramentas e os meios oferecidos por si só não são suficientes para a obtenção

necessária do resultado que mais se aproxime da realidade do meio pesquisado.

Ao abordar o processo de dados qualitativos, Fazenda (1991), diz que o mesmo é

extremamente complexo, envolvendo procedimentos e decisões que não se limitam a

um conjunto de regras a serem seguidas. (FAZENDA, 1991, p. 44). Nesse sentido a

autora afirma que na verdade o que há são sugestões, não regras meramente impostas,

que tire do pesquisador essa autonomia sobre os dados a serem analisados e que tais

sugestões servem como possíveis caminhos para que o pesquisador seja auxiliado no

proceder das suas análises.

Uma das características da pesquisa qualitativa, para Zago; Carvalho; Vilela

(2003) “[...] é permitir a construção da problemática de estudo durante o seu

desenvolvimento e nas suas diferentes etapas [...]” (p. 295). Ao fazer essa afirmação, os

autores, questionam as entrevistas cujas estruturas não permitem que as questões não

sofram alterações mesmo que a situação exija. Para isso, os autores defendem as

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

22

entrevistas compreensivas que de acordo com o direcionamento que se quer dar à

investigação, não haveria prejuízo, pelo contrário, em fazer alterações para obter o

resultado esperado.

Ao concluírem seus entendimentos sobre as entrevistas Ludke e Andre (1986)

defendem que,

[...] A entrevista expressa realidades, sentimentos e cumplicidades que um

instrumento com respostas estandardizadas poderia ocultar, evidenciando a

infundada neutralidade científica daquele que pesquisa. (LUDKE e ANDRÉ,

1986, p. 20).

Diante dessas afirmações, fico mais tranquilo com relação ao desenvolvimento

e à forma com a qual apliquei as entrevistas, pois em vários momentos, tive que

“abandonar” aquilo que tinha planejado e iniciar um diálogo conforme o momento

exigia. Com isso, acredito ter me aproximado mais da realidade dos sujeitos buscando

compreender seu cotidiano.

Ao me deparar com os dados obtidos o pesquisador qualitativo precisa se despir

dos seus conceitos e pré conceitos e fazer uma análise mais densa, mais detalhada, a fim

de que sua função não se limite a dar opiniões sobre determinado assunto, mas sim, em

conjunto com os sujeitos possa construir e promover novos conhecimentos.

Não se pode negar, porém, que ao iniciar uma investigação sobre determinado

assunto, objeto ou grupo, o pesquisador não começa do nada. Ele já possui uma

estratégia para obter os resultados esperados. O que quero dizer, é que essa estratégia

não poderá ser imexível. Que deverá terminar como iniciou, que não tenha abertura para

as mudanças que a relação exija. Que o pesquisador não deverá se pautar em hipóteses e

suposições. Quem determinará a necessidade dessa mobilidade será a relação construída

no decorrer do próprio estudo.

Com isso, não quero, nem poderia, negar que os pesquisadores, possuem um

plano de trabalho baseado em hipóteses pré- estabelecidas sobre os objetos e os sujeitos

pesquisados. Nem tampouco, quero negar a existência de um plano, até porque essas

hipóteses servirão de parâmetros para iniciar sua pesquisa. Ou seja, ao optar pela

pesquisa qualitativa, o pesquisador deverá ter a clareza de que este tipo de investigação

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

23

exige um plano flexível que possa incorporar novos elementos e novos olhares de

acordo com as necessidades apresentadas.

Nessa perspectiva as interações entre sujeito que pesquisa com os sujeitos

pesquisados se dá através de uma relação horizontal. Ambos são diferentes porque vêm

de lugares sociais diferentes. Possuem saberes distinto e viveram experiências

desiguais, porém, isso não significa que o sujeito pesquisador seja superior ao sujeito

pesquisado. Assim como o primeiro ensina e aprende com aquele que está na condição

de pesquisado, este também aprende com aquele que está na condição de pesquisador.

A opção pelo tipo etnográfico se dá em função da relação construída com os

sujeitos, onde não se impôs uma técnica nem um padrão determinado a ser seguido, mas

sim, foi se construindo e se de desenvolvendo a pesquisa a partir dos elementos

dialogados no contexto social em que os sujeitos estavam inseridos.

Segundo André (1995), um trabalho só pode ser caracterizado como do tipo

etnográfico em educação quando,

[...] Em primeiro lugar ele faz uso das técnicas que tradicionalmente são

associadas à etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista

intensiva e a análise de documentos. (ANDRÉ, 1995, p. 28)

Para uma compreensão melhor de cada uma dessas técnicas, André (1995), faz

uma abordagem sobre cada uma,

A observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o

pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada,

afetando-a e sendo por ela afetada. A entrevista tem a finalidade de aprofundar

as questões e esclarecer os problemas estudos. Os documentos são usados no

sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais

profundas e completar as informações coletadas através de outras fontes.

(ANDRÉ, 1995, p.28)

Nesse sentido, o pesquisador não se prenderá a padrões rígidos anteriormente

estabelecidos, mas deverá ter a sensibilidade que aquilo que ele propôs, poderá ser

modificada, sempre que a realidade do contexto pesquisado exigir, a fim de atingir

resultados mais próximos da realidade pesquisada.

A relação de interação entre sujeitos pesquisados e pesquisador e o próprio

objeto estudado é anterior ao início dos trabalhos de pesquisa, como continuará após o

término dos trabalhos concluídos. As entrevistas foram fontes importantes para o

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

24

aprofundamento e, sobretudo, chegar a um resultado que de fato correspondesse a

realidade dos sujeitos e do objetivo pesquisados.

Segundo André (1995), uma das características da pesquisa do tipo etnográfica é

a pesquisa de campo, onde o pesquisador mantendo um contato direto com os sujeitos e

os objetos pesquisados, não tem a pretensão de modificar o ambiente, mas sim, que as

pessoas, os eventos e as situações sejam observados em sua manifestação natural.

De acordo com Geertz, (1989), a pesquisa etnográfica não deve e nem pode ser

reduzida a um simples mapeamento, estabelecer relações, nem tampouco somente

transcrever textos, caso isso ocorra a mesma deixa de ser etnográfica. Deverá o

etnógrafo fazer uma abordagem crítica procurando identificar as relações sociais em que

os sujeitos se inserem.

Nestes procedimentos de coletas de dados do pesquisador, os sujeitos

pesquisados não podem ser reduzidos à condição de meros objetos. Mais do que um

processo vertical de obtenção de informação, a relação do sujeito pesquisador com o

sujeito pesquisado se torna um ato educativo.

Segundo Freire, “[...] a pesquisa como ato de conhecimento, tem como sujeitos

cognoscentes, de um lado, os pesquisadores; de outro os grupos populares e, como

objeto a ser desvelada, a realidade concreta”. (FREIRE, 1983, p. 36)

[...] Deste modo, fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos

populares. Voltando à área para por em prática os resultados da pesquisa não

estou somente educando ou sendo educado: estou pesquisando outra vez.

(FREIRE, 1983, p. 36).

Para Freire, o que ocorre, é que muitos pesquisadores ao concluírem seus

trabalhos não retornam aos sujeitos e ao objeto pesquisados para debater os resultados e

pô-los em prática. No entanto, esse processo de dialogar os resultados da pesquisa com

os sujeitos que fizeram parte dela é um processo educativo, onde os sujeitos ao se

educarem em comunhão estão construindo uma nova pesquisa.

As entrevistas foram realizadas com educadores e educandos da comunidade

escolar CEJA professor Antônio Cesário de Figueiredo Neto, dos períodos matutino,

vespertino e noturno. Após a coleta de dados, através dos referenciais aqui

apresentados, foi possível compreender as práticas pedagógicas aplicadas por esses

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

25

educadores na referida comunidade escolar, dialogando sobre os impactos positivos na

vida dos educandos e educadores dessa comunidade.

1.3 Fundamentação Teórica

No processo de construção do conhecimento nos contextos da educação formal,

a pedagogia libertadora reafirma a necessidade de participação, problematização. Em

relação à concepção epistemológica freireana afirma Zitkoski (2003, p.118), que: “[...] o

conhecimento é construção coletiva mediada dialogicamente, que deve articular

dialeticamente a experiência de vida prática com a sistematização rigorosa e crítica”.

Segundo Gadotti (1979), a educação de jovens e adultos deve ser sempre uma

educação multicultural, desenvolvendo conhecimentos prévios e fazendo sempre a

integração na diversidade cultural, a qual leva o educador a conhecer bem o seu campo

de trabalho, pois assim terá o conhecimento necessário para desenvolver projetos

relacionados à educação com qualidade.

A epistemologia freireana é revolucionária constituindo-se na unidade dialética

entre ação-reflexão-ação (práxis), que requer testemunho da ação (coerência). O sentido

revolucionário de conscientização constitui-se em processo educativo e epistemológico

na libertação do ser humano das amarras que o oprimem e da visão ingênua do mundo

que o cerca. Consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. O

desenvolvimento da consciência crítica se dá pela educação problematizadora-

libertadora, num processo dialético-dialógico da busca permanente de reelaboração do

conhecimento e da transformação ético-política da realidade histórico cultural.

Assim buscamos compreender como a metodologia do CEJA professor Antônio

Cesário de Figueiredo Neto, numa perspectiva freireana, tem contribuído positivamente

na produção e promoção da autonomia dos educandos, ultrapassando os limites físicos

da escola e tendo um impacto na vida social, familiar a profissional dos seus educando.

1.4 Os Sujeitos

Os sujeitos desta pesquisa foram educadores e educandos do Centro Educacional

de Jovens e Adultos professor Antônio Cesário de Figueiredo Neto. Os educadores

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

26

foram: um pedagogo do primeiro segmento do ensino fundamental do período matutino,

uma pedagoga do primeiro segmento do ensino fundamental do período vespertino, uma

pedagoga do segundo segmento do ensino fundamental do período noturno, além de

uma educadora que está como diretora da escola. A opção por estes educadores se deu

em função das informações colhidas anteriormente sobre a ação pedagógica

desenvolvida por eles e a aprovação dos educandos em relação ao processo de ensino-

aprendizagem desenvolvida por seus educadores. Não poderia, deixar de apresentar um

breve currículo dos educadores que contribuíram com a pesquisa:

Educadora G, 42 anos, pedagoga, casada, mãe de dois filhos, professora interina,

especialista em educação de jovens e adultos. Com 12 anos de idade teve as primeiras

experiências como educadora, alfabetizando outras crianças e adultos da sua

comunidade. Sempre foi envolvida com projetos educativos. Atualmente trabalha com o

ensino médio no período matutino.

Educador S, 43 anos, pedagogo, solteiro, professor interino, especialista em

educação de jovens e adultos, oriundo de família circense, sua família era proprietária

de um circo, onde ele exercia a função de malabarista. Durante sua infância e

adolescência mudava constantemente de escola. Teve suas primeiras experiências como

educador no circo, onde quem aprendia um pouco ensinava os demais. Defensor dos

direitos humanos, suas principais fontes de pesquisas são autores que abordam uma

educação sob os pensamentos de Paulo Freire. Atualmente trabalha com o primeiro

segmento do ensino fundamental no período matutino.

Educadora M, 60 anos, pedagoga, professora efetiva, militante política de esquerda,

participou de movimentos contra a ditadura. Sua formação em educação popular se deu

por iniciativa própria, pesquisando e estudando autores da educação popular.

Desenvolve projetos de valorização das pessoas na escola estadual pesquisada.

Educadora W, 48 anos, geógrafa, professora efetiva, mestre em geografia,

doutoranda em educação, foi aluna da escola que hoje é diretora. Militante estudantil

(UBES) e militante política. Oriunda da escola pública, participou na construção do

Grêmio estudantil da Escola Cesário Neto, diretora do Centro Acadêmico de Geografia

da UFMT. Participou da Pró-Constituinte Universitária. Foi diretora do Sintep-MT.

Participou de lutas pela implantação da hora atividade aos professores e pela Gestão

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

27

Democrática nas escolas. Esteve em São Paulo, na elaboração do MOVA, onde

participou de vários módulos com Paulo Freire. Está há 29 anos na rede pública de

ensino.

Foram, ainda, sujeitos desta pesquisa: dois educandos do primeiro segmento do

ensino fundamental do período matutino, dois educandos do primeiro segmento do

ensino fundamental do período vespertino e dois educandos do segundo segmento do

ensino fundamental do período noturno. Apresento, também, um breve currículo dos

educandos:

Educanda “A”, 50 anos, aposentada (acidente de trabalho), quando criança foi

entregue a uma família que supostamente iria “educá-la”, desde os cinco anos de idade

servia de doméstica para essa família, nunca teve oportunidade de estudar, foi

abandonada na adolescência tendo que sobreviver às duras penas, trabalhou como bóia-

fria, lavadeira, doméstica e operária, com 25 anos de idade sofreu um acidente de

trabalho e teve as duas mãos amputadas, hoje é aposentada, mas continua fazendo

‘bicos’ para aumentar a renda. Começou a estudar em 2008. Estuda no primeiro

segmento do ensino fundamental no período matutino.

Educanda “M”, 41 anos, doméstica, sempre quis estudar, mas foi ‘obrigada’ a

trabalhar desde criança, o pai não permitia que estudasse, pois para este mulher não

precisava estudar. Casada, mãe de três filhos, foram eles que a incentivaram a estudar.

Casou-se muito jovem e o marido não a permitia estudar, tinha que cuidar dos filhos.

Trabalha de doméstica. Começou estudar em 2009, está no primeiro segmento do

ensino fundamental do período matutino.

Educando “L”, 36 anos, cabeleireiro, casado, nasceu no sítio, sua família trabalhava

nas fazendas, desde a sua adolescência, sempre trabalhou próximo de 14 horas por dia.

Cabeleireiro profissional, já viajou à Europa (Inglaterra, Holanda e Portugal) para

aperfeiçoamento profissional. Em função de não saber ler e escrever começa a aparecer

dificuldades no trabalho, busca a escola como meio de lhe garantir melhor condições de

trabalho. Ao iniciar seus estudos descobre um novo mundo. Estuda no segundo

segmento do ensino fundamental no período noturno.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

28

Educanda “C”, 60 anos, doméstica, mora com filhos, nascida na roça, desde criança

assume os afazeres domésticos e depois começa ajudar os pais na roça. Nunca pode

estudar. O pai tinha problemas com alcoolismo e não permitia os filhos estudarem.

Quando chega a fase adulta vem para a cidade e logo se casa e tem filhos. Em 2007, seu

filho mais velho, formado em medicina vai ao Rio de Janeiro para residência médica e é

assassinado, meses depois, sua filha caçula é assassinada dentro de casa. Dona “C” entra

em depressão. Em 2009, busca a escola como refúgio. Não parou mais de estudar.

Educando “P”, 38 anos, padeiro, iniciou seus estudos aos 37 anos de idade, quando

criança sempre morou na roça, teve que trabalhar desde os seis anos de idade.

Trabalhando sempre como braçal, há três anos começou a trabalhar com padaria. Pai de

cinco filhos, hoje estuda para, segundo ele, “melhorar de vida”.

Educando “I”, 61 anos, microempresário, proprietário de um salão de beleza onde

trabalha ele e a esposa, pai de três filhos. Nasceu no sertão nordestino, o pai trabalhava

como vaqueiro, a escola era muito longe. Com 21 anos de idade saiu da casa dos pais.

Trabalhou em todas as regiões do Brasil com terraplanagem. Ao chegar em Cuiabá

começa a trabalhar como feirante, um amigo o convida a ser corretor de imóveis, vindo

a aprender a assinar o nome. Apesar de ser analfabeto conseguiu o registro no CRECI,

trabalhou como policial civil e foi chefe de um posto do juizado da infância durante

dezesseis anos. Começou a estudar em 2008. Já sabe ler e escrever, hoje se sente mais

feliz e mais confiante em assumir compromissos em função de não ser mais analfabeto.

Ao iniciar esta pesquisa fui apresentado às turmas nas quais iria fazer minhas

observações e entrevistas, fiquei por alguns minutos explicando sobre o trabalho e

respondendo algumas perguntas que as turmas me fizeram. Inicialmente nossos diálogos

se deram de forma mais informal possível sem questionários nem gravadores, durante

os intervalos das aulas, na hora do lanche, na chegada, na saída e fora da escola. Após a

construção dessa relação, os sujeitos optaram por assumir suas identidades, usando o

primeiro nome e excluindo nomes fictícios ou abreviações.

1.5 A escola

O Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) professor Antônio Cesário

de Figueiredo Neto encontra-se localizado na região central de Cuiabá, no bairro

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

29

Bandeirante, na Rua Francisco de Siqueira, s/n. Tal localização facilita o ingresso de

educandos de diversos bairros de Cuiabá e Várzea Grande, pois parte dos educandos

trabalham na região central de Cuiabá, após os términos diários de suas atividades

profissionais a referida escola recebe essa demanda de trabalhadores e trabalhadoras que

buscam concluir seus estudos. Até o ano de 2008 ofertava o ensino médio regular,

passando a ofertar a modalidade de Educação de Jovens e Adultos no segundo semestre

de 2008.

Outro fator que contribui também são as linhas de ônibus que passam próximo à

Escola. De qualquer bairro de Cuiabá e Várzea Grande existem linhas de transportes

coletivos que facilitam o acesso dos educandos ao Centro de Educação de Jovens e

Adultos “professor Cesário Neto”.

A Escola conta hoje com aproximadamente três mil educandos nos três períodos,

tendo uma rotatividade intensa de educandos em virtude de parte de serem trabalhadores

e trabalhadoras assalariadas acabam migrando ou trabalhando num período que o

impeça de continuar frequentando a sala de aula.

A referida escola é uma referência na modalidade de Educação de Jovens e

Adultos em Mato Grosso, com uma estrutura física que atende a demanda, está

estruturado com 26 salas de aulas climatizadas, um auditório com capacidade para 200

pessoas, uma sala de multmeio com computadores, datas-show, telões, notebooks e

aparelhagens de som. A escola, ainda conta com laboratórios de informática,

matemática, biologia e de artes, sendo que mais três laboratórios estão em construção a

fim de atender todas as áreas de conhecimento. Além do mais, conta com um amplo

espaço para atividades culturais localizada na parte central da escola, o refeitório conta

com mesas coletivas e cadeiras coletivas, seus espaços internos são decorados com

jardins, preparados pela própria comunidade escolar.

Encontramos no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola sobre seu conceito

de educando,

[...] dentro do novo enfoque o aluno passa de um mero receptor de

informações para construtor do conhecimento. Em outras palavras, o

conhecimento se constitui nas relações que cada sujeito estabelece, frente a

uma interpretação que o professor faz de um saber construído e aceito

socialmente. Assim, o processo de aprendizagem é de dentro para fora, isto é,

o próprio aluno que, a partir de sua experiência de vida, do universo

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

30

simbólico já construído socialmente e reconstruído individualmente, fará uma

interpretação, do “saber oficial”, interpretação essa que deverá ser

compartilhada com outros membros da sociedade.

O CEJA prof. Cesário Neto atende educandos e educandas de perfis bem

diversificados, sobretudo, no aspecto sócio-econômico e cultural. Parte significativa dos

educandos são jovens e adultos trabalhadores que não tiveram acesso à escolarização

em “idade apropriada” e que hoje, por exigência do mercado de trabalho, buscam a

escola como meio de se inserirem no mercado de trabalho. Mas existem aqueles que

buscam a escola para reparar uma falha acontecida quando criança, a exclusão do direito

de estudar. Para esses como para os demais, a referida escola torna-se um ambiente

onde os mesmos encontram apoio para a produção do seu conhecimento.

Segundo o Projeto Político Pedagógico da Escola, destacam-se alguns dados

sobre os educandos:

Para 59% dos educandos a renda familiar não ultrapassa 02 (dois) salários

mínimos. Percebe-se a associação da baixa escolaridade com a falta de oportunidade de

frequência na escola. A maioria dos educandos iniciou sua vida laboral muito cedo,

afastando com isso, dificultando assim, frequentar a sala de aula.

A pesquisa verificou ainda que 65% dos pais são analfabetos, lêem muito pouco,

nunca foram à escola ou não completaram o ensino fundamental. Enquanto que de outro

lado, 15% dos pais completaram o ensino fundamental e médio e 10% concluíram o

ensino superior.

O CEJA professor Cesário Neto, constou que a sua demanda 70% são educandas

e 30% são educandos que vem de 60 (sessenta) bairros de Cuiabá e Várzea Grande. As

idades dos educandos variam dos 14 (catorze) aos 80 (oitenta) anos de idade.

A população atendida pelo CEJA professor Cesário Neto são, na sua maioria,

sujeitos que foram excluídos do direito de estudar quando eram crianças, pois os

mesmos tinham que trabalhar desde muito cedo para ajudar no sustento da família. Não

quero dizer aqui, que todos passaram por esse problema, mas que ao analisar os

documentos e as entrevistas apresentadas percebei que pelo menos no grupo acima dos

19 anos de idade a necessidade de trabalhar sempre foi um entrave para seu egresso na

escola.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

31

De acordo com o PPP da Escola, o público frequentador do CEJA constitui-se

em sua maioria por jovens e adultos de baixo poder aquisitivo. Seus comportamentos,

seja nos limites internos da escola ou fora dela são bem variados. Há um grupo que se

destaca pelo interesse demonstrado nos assuntos dialogados na sala de aula, assim como

aqueles que não demonstram nenhum interesse pelo que está sendo discutido. Para o

referido documento, o maior desinteresse está relacionado ao grupo cujos componentes

estão com idade abaixo dos 21 anos de idade.

Os educandos do Centro de Educação de Jovens e adultos professor Antônio

Cesário de Figueiredo Neto são na sua maioria trabalhadores formais e informais. Cuja

localização central da escola contribui para a imensa procura dos educandos tornando-se

uma referência no atendimento a jovens e adultos. Os educandos do CEJA Cesário

Neto, ainda são muitos diversificados em idade, grupos sociais, culturais, portadores de

necessidades especiais e opção sexual. Muitos moradores da periferia de Cuiabá e

Várzea Grande. Seus interesses pelo estudo são diversos, desde saber pegar um ônibus,

e contar uma historinha para o neto dormir até chegar a uma universidade.

1.6 Instrumentos utilizados

Os recursos utilizados para a realização das entrevistas foram em dado momento

aparelho eletrônico, como gravador de voz, já que a maioria dos sujeitos ainda terem

dificuldades na escrita.

Para Pádua,

A questão dos procedimentos é uma questão instrumental, portanto se refere

à prática do pesquisar como um conjunto de técnicas que permitem o

desenvolvimento desta atividade nos diferentes momentos do seu processo.

(PÁDUA, 1997, p. 30)

Além das entrevistas, as observações não se limitaram à sala de aula ou ao

ambiente escolar. Essas observações aproximam o pesquisador das ações cotidianas dos

sujeitos fazendo com que os resultados estejam o mais próximo da realidade do sujeito

pesquisado. Após transcrever os diálogos entre pesquisador e sujeito pesquisado as

respostas foram apresentadas aos mesmos para que confirmassem as informações

contidas nos cadernos de perguntas assim pudessem ser enfim, passadas à dissertação.

1.7- Objetivos

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

32

1.7.1 Objetivo geral

Compreender os limites, os conflitos e as possibilidades das práticas

pedagógicas de educadores populares numa escola pública de Cuiabá. Abordando as

relações entre educadores e educação popular com a comunidade escolar e o poder

público.

1.7.2 Objetivos específicos

Identificar a metodologia utilizada pelos educadores em sala de aula;

Analisar como se dá as relações entre educadores e educandos, educadore

e escola, educadores e poder público;

Identificar os impactos das práticas educativas dos educadores na vida

dos educandos;

Perceber as possibilidades da implantação da educação popular nas

escolas públicas.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

33

CAPÍTULO II

2. EDUCAÇÃO POPULAR: HISTÓRIA E PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO

LIBERTADORA

2.1 Educação: educações

A educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a

educação pode. Se a educação não é a chave das

transformações sociais, não é também reprodutora da

ideologia dominante. O que quero dizer é que a educação nem

é uma força imbatível a serviço da transformação da

sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a

perpetuação do “statu quo” porque o dominante o decrete.

(PAULO FREIRE)

Ao fazer uma abordagem sobre educação minha pretensão não é trazer uma

infinidade de definições, mas buscar nos autores que compreendem a educação como

uma ferramenta de libertação e um mecanismo de transformação social, uma definição

que atenda às necessidades das classes populares, pois a educação positivista,

reprodutora, elitista e excludente seus defensores o fazem a todo o instantes nos

diversos espaços, principalmente, nos públicos e estatais.

Começo este capítulo, como todos os demais, iniciando com Paulo Freire, que

acredita que, “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode

temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de

ser uma farsa”. (FREIRE, 1996, p.110).

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

34

Freire (1996), compreende a educação como uma ferramenta de intervenção nas

estruturas sociais postas,

Quando falo em educação como intervenção me refiro à que aspira a

mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações

humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde,

quanto a que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a História

e manter a ordem injusta. (FREIRE, 1996, p.110)

Apesar das concepções diferentes da educação, a qual nos propusemos a

dialogar é a educação que proporcione as pessoas mecanismos para sua autonomia,

como Freire, acredito que para atender às classes populares, somente uma educação

construída a partir da sua realidade, a fim de atender seus interesses, perspectivas e

sonhos.

Segundo o educador Álvaro Vieira Pinto (2007), “A educação é o processo pela

qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses.

(PINTO, 2007, p. 29). Daí se conclui que a educação é uma ferramenta em disputa,

onde o grupo dominante a utiliza para reproduzir seus interesses e permanecer no topo

da pirâmide. Por outro lado, as classes populares, se organizam e lutam para que uma

educação que atenda seus interesses seja ofertada.

Pinto, (2007), afirmando que em função do indivíduo não viver isolado, educar,

ser educado e educar-se é um ato que ocorre permanentemente em todas as sociedades,

desde as primitivas, às atuais e que ocorrerá também nas sociedades futuras.

Não existe sociedade sem educação, ainda que nas formas primitivas possa

faltar a educação formalizada, institucionalizada (que aí é representa pelos

ritos sociais). Por consequência, nenhum membro da comunidade é

absolutamente ignorante, do contrário não poderia viver. (PINTO, 2007, p.

38)

Entendo que o autor ao provocar esse diálogo, faz uma alerta quanto aos

interesses das classes dominantes, que compreendem a educação apenas como

transmissão de conhecimento “[...] tem todo interesse em reproduzir-se nas gerações

sucessivas. [...] (PINTO, 2007, p. 38). Para alcançar seus objetivos as classes

dominantes tentarão transmitir às atuais e às futuras gerações seus valores e seus atos

como sendo os valores verdadeiros.

Para Gadotti (2003),

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

35

A educação é uma obra transformadora, criadora. Ora, para criar é

necessário mudar, perturbar, modificar a ordem existente. Fazer progredir

alguém significa modificá-lo. Por isso, a educação é um ato de desobediência

e de desordem. Desordem em relação à ordem dada, uma pré-ordem. Uma

educação autêntica re-ordena. É por essa razão que ela perturba, incomoda.

(GADOTTI, 2003, p. 89)

Como Gadotti, acredito numa educação autêntica que rompa com os velhos

ditames de uma educação que serve aos interesses de uma elite raivosa que, em muitos

momentos transvestidas em pele de cordeiro, tenta a qualquer custo se perpetuar no

poder. Essa educação autêntica é feita por pessoas e com as pessoas, através de muita

luta. O que quero dizer com isso, é que de nada adiante só querer, só pensar, só

imaginar, é necessário que educadores e educadoras comprometidos com essa educação

assumam a condição de sujeitos dessa transformação.

Para conceituar educação, Brandão toma como exemplo, um acordo de paz

selado entre uns índios estadunidenses e os governos dos estados da Virgínia e

Maryland, cujos governos fizeram um convite aos membros da tribo para que

frequentassem a educação dos brancos, eis que os índios responderam:

Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós

e agradecemos de todo o coração. Mas, aqueles que são sábios reconhecem

que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os

senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é

a mesma que a nossa... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados

nas escolas do norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles

voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta

e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado,

matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam nossa língua muito mal.

Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como

caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela

vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão

oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus

jovens, que lhes ensinaremos tudo que sabemos e faremos, deles, homens.

Brandão (1995) nos convida a uma reflexão sobre os vários tipos de educação

existentes e seus interesses. Enquanto para uns a educação serve como ferramenta de

dominação, crueldade e exploração, para outros a educação é uma ferramenta poderosa

de libertação e transformação social. Dessa forma, para atender as necessidades dos

grupos e classes a educação é direcionada para determinado fim. Para a tribo a educação

necessária era a de formar guerreiros que atendesse os interesses da tribo, para os

governos, o interesse era criar burocratas e entendiam que a educação tinha esse

objetivo.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

36

Ao fazermos um paralelo com os dias atuais (não tão atuais), a educação que

interessa à classe dominante é uma educação de reprodução de um sistema dominante

onde os sujeitos aprendam somente o necessário para atender uma necessidade do

mercado. De outro lado, há aqueles que defendem uma educação que atenda ás

necessidades das classes populares, que possa compreendê-las como seres históricos, a

fim de construírem uma sociedade mais justa, fraterna e democrática. Não podemos

esquecer como acontece com todas as práticas sociais, há na educação interesses

políticos, gerando com isso, disputas fora e dentro da própria educação.

Segundo Brandão,

A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos

sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a

sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de

acordo com as imagens que se tem de uns e outros [...] mas na prática, a

mesma educação que ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o

contrário do que se pensa que faz, ou do que inventa que pode fazer

(BRANDÃO, 1995, p. 12)

João Bosco Guedes Pinto ao falar sobre educação, afirma que,

Quando a educação conota um processo real, o significado do termo estará

marcado pela contradição: em uma sociedade de classes há um processo

dominante de educação, que não é outra coisa senão uma forma de

dominação de classe, de uma classe sobre as demais. (PINTO, 1984, p.103)

Nesse contexto, numa sociedade capitalista a educação tem como finalidade a

transmissão e a reprodução dos seus conhecimentos e de sua estruturação de poder e

domínio de uma classe dominante sobre as demais com o propósito de se perpetuar

como classe dominante. Por outro lado, as classes subalternas também se organizam

pedagogicamente de formas variadas, resistindo à educação dominante, organizando

mecanismo que cujo processo educativo valoriza seus conhecimentos e que buscam

atender suas perspectivas.

Segundo Shor (2000), a educação deverá ser uma ferramenta de integração entre

as pessoas, sobretudo, entre alunos e professores que construindo uma relação dialética,

começam a recriar e reinventar, descobrir e redescobrir novos conhecimentos “A

educação deve ser integradora – integrando os estudantes e os professores numa criação

e recriação do conhecimento comumente partilhadas”. (SHOR, 2000, p. 19)

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

37

Esse conhecimento não deve se limitar somente à sala de aula, como também,

não deverá ficar restrito aos espaços escolares,

O conhecimento, atualmente, é produzido longe das salas de aula, por

pesquisadores, acadêmicos, escritores de livros didáticos e comissões oficiais

de currículo, mas não é criado e recriado pelos estudantes e pelo professor na

sala de aula. (SHOR, 2000, p.19)

Nesse sentido, a educação que estamos discutindo, é uma educação que defenda

a vida e promova as liberdades, uma educação que rompe com os currículos oficiais e

propõe uma ruptura com uma educação opressora. Uma ruptura pacífica, mas que não

se omite. Uma educação onde a escola não sirva para comercializar ideias de uma classe

opressora, dominante, mas uma escola que desenvolva o pensamento crítica e faça sua

opção pelas lutas, pelas necessidades e pelos sonhos das classes populares.

2.2 Popular

Para que possamos chegar a um resultado mais preciso sobre educação popular e

suas práticas libertadoras são necessárias que discorramos brevemente sobre o termo

popular que para João Bosco Guedes Pinto (1986) “Popular em uma primeira acepção

genética significa o que é característico do povo, que dele se origina e pertence a ele”.

Nesse sentido, ainda de acordo com o autor acima citado,

Desde a perspectiva da classe dominante, povo, além de significados muito

gerais, tais como “a população do país”, “o povo brasileiro”, conota as capas

mais baixas da população (em renda, em ocupação, em cultura, dando-se-lhe

quase sempre nuanças pejorativas. Nesse sentido ele já contém pré-noções de

diferenças e exclusão mútuas, conotando principalmente a pobreza (PINTO,

1986, p.87)

O mesmo autor, conclui,

Desde a perspectiva da classe dominada, o termo povo se identifica com os

pobres (versus os ricos), os trabalhadores do campo e da cidade, os que não

tem bens materiais; às vezes os explorados. Já é possível ver como o termo

povo (e o adjetivo popular) é tomado desde duas perspectivas que se opõe:

exclusão de um lado (os ricos se excluem do povo, do Zé-Povinho, ou do

povão) e inclusão (os pobres somos nós)”. (PINTO, 1986, p. 87).

O termo popular possui empregos diversos e emblemáticos, apresentando alto

teor de indefinição, ao mesmo tempo em que é uma ferramenta poderosa para desvendar

que existe algo não popular, conforme Vale, “o popular oportunizaria desvendar o que a

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

38

classe dominante tanto teme – as classes sociais, pois se existe algo popular significa já

admitir a existência de algo não popular, portanto, pertencente a uma outra classe social

– a elite” (Vale, 1996)

Popular, no entanto, não significa apenas uma ideia democrática ou algo que

venha de encontro com pobreza e miséria do povo, do povão, mas devemos

compreender o popular como um reconhecimento das lutas travadas pelas classes

populares na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, para Ana Maria do

Vale (1996),

Popular é uma concepção de vida e da história que as classes populares

constroem no interior das sociedades democráticas, estando, necessariamente,

ligado à questão da qualidade de vida das pessoas. (VALE, 1996, p.55/56)

Nos inúmeros olhares sobre o termo popular, encontramos uma infinidade de

conceitos relativizando o termo, camadas sociais, educadores, intelectuais vão definindo

de acordo com suas concepções. Meu olhar é também um olhar a partir das classes

populares, não poderia ser diferente, pois sou parte e me identifico como tal, sou parte,

portanto, comungo do conceito defendido por Vale, no qual afirma que o termo popular

pode ser compreendida como união, unidade, nacionalidade, como diversidade, divisão

de classes, conflitos, contradições (Vale, 1996, p. 56).

2.3 Educação Popular: contexto histórico

Brandão (1984), ao dialogar sobre a Educação Popular nos convida a um

“passeio” sobre como, ao longo dos tempos, o ser humano vem tecendo esses saberes e

nos levando a compreensão de que muito antes do termo educação e mais distante ainda

o termo educação popular se com saber e consciência desse saber como uma ação

específica do ser humano:

Quando um remoto antropóide, um ascendente muito próximo do primeiro

homem, emergiu a vida, ele já possuía alguns traços corporais que o

tornariam diferentes de todos os outros seres vivos [...] tinham sinais no

corpo que transformariam o ato de saber, que diferencialmente se distribui a

tudo que é vivo, no ato de saber simbólico. Que tornariam o conhecimento

que qualquer ser vivo tem para viver, na consciência do saber, que é o

começo da possibilidade de os seres vivos aprenderem não apenas

diretamente do e com o seu meio natural, naturalmente, mas uns com os

outros e uns entre os outros [...] (BRANDÃO, 1984, p. 14,15)

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

39

Essa relação que mais tarde será conceituada de educação sofrerá transformações

profundas para atender interesses diversos. Ao fazer uma leitura dessa relação, ainda

que com um olhar leigo, podemos perceber que as primeiras relações de produção de

novos conhecimentos se dão em função da melhoria de vida dos indivíduos que

compartilhando saberes adquiridos vão se transformar em ações que os possibilitem

viver melhor.

Brandão (1984), alerta para a interpretação de alguns educadores e cientistas

sociais sobre as origens da educação popular no Brasil. Mostra, por exemplo, como

Fernando Azevedo associa a educação dos jesuítas no Brasil Colônia como educação

popular,

Atraindo os meninos índios às suas casas ou indo-lhes ao encontro nas

aldeias; associando numa mesma comunidade escolar, filhos de nativos e de

reinos – brancos, índios e mestiços – e procurando na educação dos filhos

conquistar e reeducar os pais, os jesuítas não estavam servindo apenas à obra

da catequese, mas lançavam as bases da educação popular (AZEVEDO, A

Cultura Brasileira, p. 15 apud BRANDÃO, 1984, p. 27 e 28)

Para Paiva (1987), fazer um retrospecto da educação popular, não quer dizer,

com isso, se limitar a um olhar cronológico e histórico do seu percurso, mas sim

desmistificar o conceito de que as classes populares não se moviam em busca de uma

educação que atendesse suas expectativas, ao observar as primeiras manifestações das

diversas linhas de interpretações do fenômeno educacional.

No entanto, Paiva (1987) afirma que no período colonial a educação popular era

praticamente inexistente, destacando a educação jesuítica como ações da Educação

Popular. O que nos move a questionar é como ficou então a ação dos índios? Dos

negros? Dos brancos pobres? Será que os movimentos de resistência e de lutas por uma

educação que atendesse as necessidades do povo, nesse período, não tiveram presente

na história do Brasil? Podemos observar em Brandão (1984) quando fala que a história

contada pelos “vencedores”:

É assim que se costuma contar as histórias da História do Brasil. As pessoas

do povo, nossos índios, negros e brancos pobres, ausentes do trabalho

coletivo de fazer a história, a não ser quando servem exemplarmente ao

senhor branco, como Henrique Dias, ou quando também exemplarmente se

revoltam contra seu poder, como Zumbi ou Antônio Conselheiro, são massas

anônimas de “gentes”, tribos e grupos [...] (BRANDÃO, 1984, p. 40)

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

40

O massacre que a elite brasileira vem submetendo as classes populares, a fim de

manter seus objetivos, não poderia ser diferente, ao cultivar a ideia de que os indivíduos

dessas classes populares nunca se interessaram pela educação de seus filhos e que tal

situação era em face ao desinteresse desses grupos. Para Brandão (1984), tal ideia é uma

inverdade, pois: “ao contrário, tanto a consulta atenta a documentos do passado quanto a

observação do que acontece hoje em dia entre pais de crianças em idade escolar

apontam o mesmo interesse pela escola e, não raro, o mesmo empenho em cobrar do

governo o ensino necessário” (BRANDÃO, 1984, p. 40/41).

Para Brandão (1984), ainda nas décadas iniciais do século passado há registros

de interesses familiares e comunitários pela educação, histórias veladas pelos

“contadores” da história do Brasil.

Episódios da face oculta da participação de camponeses assalariados do

campo e da periferia das cidades pela educação de seus filhos. O que se

poderia chamar aqui de momentos de mobilização popular em favor da

escola pública, é alguma coisas que, silenciosa, mas presente, no passado,

retorna por toda parte, entre movimentos populares e associações de bairros,

de moradores, de mulheres [...] (BRANDÃO, 1984, p. 40)

Há interesse dos grupos dominantes em deixar oculta a participação do povo nas

manifestações populares, passando a imagem de que as classes populares se

“contentam” com o que está posto. Excluir esse histórico, essa identidade é negar que

desde o início da sociedade brasileira as classes populares, mesmo com suas limitações

nunca deixaram de acreditar e de lutar por uma educação que promovesse que atendesse

seus interesses. Passar a impressão de que os pais indígenas, os pais negros, os pais

brancos pobres não se preocupavam com a formação intelectual (no sentido de

crescimento pessoal e profissional) dos filhos é negar uma história de lutas e

resistências que as classes populares brasileiras sempre travaram com um grupo que

domina e oprime.

O educador Moacir Gadotti (1987), discorrendo sobre o pensamento pedagógico

brasileiro, afirma que,

A educação popular é um processo sistemático de participação na formação,

fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos

populares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber

orgânico, ou seja, do saber da comunidade ao saber de classe na comunidade.

(GADOTTI, 1987, p. 44).

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

41

Segundo Gadotti (1987), nessa concepção a educação popular é uma ferramenta

de formação crítica produzida, organizada, dirigida pelas classes populares, com as

classes populares e para as classes populares. Essa educação que compreende o homem

como sujeito histórico é necessária em todos os espaços sociais em que se encontram as

camadas populares. Seja na fábrica, na roça, na saúde, no trabalho braçal, seja no

trabalho intelectual.

Contrária a essa educação há a educação que Gadotti (1987), classifica como a

“educação dominante” cujos interesses são justamente contrários àquilo que defende a

educação popular.

Por outro lado, a “educação dominante do sistema dominante” consiste em

“programas de instrumentalização e capacitação de pessoas e grupos

populares, sob controle externo”, visando “produzir a passagem dos modos

populares de saber tradicional para modelos de saber modernizado, segundo

os valores dos pólos dominantes da sociedade. Em última instância, a

educação do sistema conduz à “reprodução do poder dominante”.

(GADOTTI, 1987, p. 44).

O educador Carlos Alberto Torres (1997), traz uma abordagem muito rica sobre

a educação popular,

A expressão educação popular foi inicialmente empregada na América

Latina nos meados do século XX para designar o ensino público, ou seja,

ensino compulsório e gratuito para todos. No início dos anos 60, a educação

popular foi associada a facções radicais da esquerda latino-americana e

especialmente ao trabalho de Freire no Brasil. (TORRES, 1997, p. 133)

A educação popular que nas três últimas décadas, foi empregada na América

Latina por governos liberais para definir o modelo de educação pública, segundo Torres

(1997), nessa perspectiva, as escolas eram consideradas instrumentos para a promoção e

integração social e nacional das massas. No entanto, a educação que compreende o

educando como um sujeito histórico e os projetos contemporâneos de educação popular

se relacionam com as experiências iniciadas por Freire no início dos anos de 1960.

Desde as primeiras experiências educacionais formais com os jesuítas a

educação no Brasil sempre foi (e é) utilizada como uma ferramenta de opressão, de

dominação, de alienação, de submissão, ora a um Deus escolhido por um determinado

grupo, ora à Coroa, ora ao Estado, ora a ambos.

2.4 Educação Popular: um projeto de emancipação.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

42

Freire (1978), fazendo uma leitura sobre a sociedade brasileira, deixa claro a

necessidades de soluções aos graves problemas que recaíam sobre a sociedade

brasileira, e esses problemas não se resolveriam por práticas assistencialistas destinadas

às classes populares do campo e da cidade,

Mas, por uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa,

propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas

responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da época de

transição. Uma educação que lhe propiciasse a reflexão sobre seu próprio

poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no

desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que

decorreria sua capacidade de opção. Educação que levasse em consideração

os vários graus de poder de captação do homem brasileiro da mais alta

importância no sentido de sua humanização. (FREIRE, 1978, p. 59)

É nessa perspectiva que esta pesquisa se desenvolve, uma educação que

possibilite aos educandos uma profunda reflexão sobre suas potencialidades, desejos e

sonhos. Uma educação que possibilite a construção de caminhos para a superação da

condição de sujeito oprimido. Despertando sua criticidade diante das injustiças e da

opressão às classes populares.

Uma educação que não possibilite essa relação do educando com o saber, do

educando com ele mesmo, do educando com o educador, do educando com o mundo é

uma educação estéril, que pretende continuar reproduzindo aquilo que está posto, onde

as classes dominantes continuarão mantendo seu domínio sobre o povo pobre que

continuará oprimido. “não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão

popular do que uma educação que não jogue o educando às experiências do debate e da

análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação”.

(FREIRE, 1978, p. 93).

A educação popular não tem um significado universal, nem poderia ter, portanto,

esta pesquisa se desenvolve sobre a perspectiva freiriana de educação,

Na perspectiva freiriana, o objetivo é aliar educação a um projeto histórico de

emancipação social: as práticas educacionais deveriam estar relacionadas a

uma teoria de conhecimento. Consequentemente, a educação aparece como

ato de conhecer e não como uma simples transmissão de conhecimento ou

bagagem cultural da sociedade. (TORRES, 1997, p. 70)

Portanto, a educação popular que nos referimos nasce com as lutas populares,

mobilizando movimentos sociais, partidos políticos, que lutavam contra a miséria e a

opressão política, econômica e social das camadas populares. Educação Popular surge

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

43

como ferramenta para dar voz à indignação e ao desespero moral do pobre, do oprimido,

do indígena, do camponês, da mulher, do afro-americano, do analfabeto e do

trabalhador industrial.

Para falar de uma educação popular à luz dos pensamentos de Paulo Freire é

necessário que essas práticas sejam regadas de amor à vida, insistir nas utopias e

acreditar que a educação popular é uma ferramenta que contribui para a construção de

uma sociedade mais justa e fraterna. Nessa compreensão é preciso que os educadores se

encham de alegrias, esperança e teimosia, construindo com seus educandos uma relação

alicerçada na integridade, no respeito e na beleza do acreditar numa educação que

atenda aos interesses das classes populares.

A Educação Popular surge como político-pedagógica para confrontar-se com

os projetos educativos estatais que não representavam e até afetavam os

interesses populares. (GADOTTI e TORRES, 1992, p. 8)

Para Freire (2002) a Educação Popular se constitui como uma ferramenta de luta

contra a opressão de um sistema econômico desumano que ver nas pessoas apenas uma

força de trabalho para expandirem seus domínios e suas riquezas. A educação popular é

uma ferramenta de luta contra o capitalismo que produz a fome, a pobreza e a violência.

Contra o tradicionalismo, a impunidade, o cinismo, a apatia e a desesperança. A

Educação Popular trabalha o sujeito para sua afirmação como sujeito emancipado,

autônomo e livre.

Na Educação Popular, os saberes populares são a matéria-prima na produção e

na construção de novos conhecimentos, onde a relação educador e educando se

confundem, e que esses conhecimentos são utilizados para a transformação do saber

popular num saber de transformação (PINTO, 1986, p.100).

Encontramos em João Bosco Guedes Pinto (1986) que a Educação Popular é

uma ferramenta poderosa de transformação de pensamentos e atitudes que deverá ser

entendida como um processo de transformação social, que perpassa as mudanças

individuais dirigindo-se as transformações coletivas buscando a emancipação dos

sujeitos para uma transformação da sociedade.

Poder-se-ia então conceituar Educação Popular como uma prática pedagógica

que visa, em um primeiro momento, à transformação dos conteúdos da

consciência e, em um segundo, à modificação da conduta pela ação. No que

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

44

toca ao primeiro momento, sendo a realidade social o objeto desta prática, é

fundamental modificar-se (reconstruir-se?) [...] desnudando todas as formas

de exploração do trabalho. Num segundo momento, visa-se ao surgimento e

ao afiançamento de uma conduta coletiva (ação organizada), ao redor dos

reais interesses da classe trabalhadora, enquanto superação dos interesses

particulares e individuais. (PINTO, 1986, p. 99)

A Educação Popular, diferente dos demais conceitos de educação, não se esgota

numa relação interpessoal ou individual entre educador e educando. Para que haja as

transformações (sociais) necessárias é preciso à ação coletiva que direcione ao

rompimento desse processo de exclusão das classes populares as riquezas (materiais,

culturais, intelectuais) produzidas.

A Educação Popular não é só produção de conhecimentos, como diz Pinto

(1986), enquanto pratica requer a transformação da realidade, isso nos leva a acreditar

que a Educação Popular é antes de tudo uma prática social que gera novos

conhecimentos. Assumindo, também, sua condição política:

Por político não entendemos só o partidário: este não esgota o político, sem se

pode reduzir o político ao partidário e ainda menos o eleitoral [...] numa

sociedade de classes, o político se relaciona com interesses objetivos de

classes, interesses em luta, em oposição. E na sociedade capitalista o político

se liga essencialmente à luta entre o capital e o trabalho [...] (PINTO, 1986, p.

98)

Ao afirmar que toda prática educativa é política, entendemos que essa prática

não pertence somente às classes populares com o objetivo de libertar e transformar a

realidade social, e transformar sujeito. Mas, que é também usada como prática política

das classes dominante com o intuito de omitir, oprimir e reproduzir seus interesses.

Para que a prática da Educação Popular se concretize é necessária que a

participação do povo não seja uma participação acessória (isso não seria Educação

Popular), mas que o homem assuma o controle sobre suas necessidades, não se

limitando essa participação em momentos específicos, mas em todos os momentos onde

a Educação seja um processo coletivo para as transformações necessárias.

A Educação Popular compreende o ser humano como sujeito inserido no meio

em que vive e com isso suas ações se estendem na defesa dos direitos humanos, nas

organizações dos trabalhadores artesanais, no sofrimento e no desespero dos

desempregados nas periferias urbanas, nas ações religiosas libertadoras, a Educação

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

45

Popular se encontra na indignação contra todos os atos de injustiças e de opressão a

todos os povos.

Para Brandão (1986), a Educação Popular é uma Educação comprometida com o

saber da comunidade e com a realização dos direitos dos sujeitos. Valorizar os saberes

populares, sem com isso, cair no achismo e/ou no espontaneísmo. Mas que o processo

de aprendizagem é compreendido como ato conhecimento e transformações sociais,

através do diálogo diferentemente da educação tradicional que é uma educação imposta.

Onde o professor é aquele que sabe e o aluno o que não sabe.

Portanto, para Brandão, a Educação popular visa à formação dos sujeitos com

conhecimento e consciência cidadã. Essa construção se dá através das participações nas

organizações do trabalho no campo político a fim de se constituir a afirmação dos

indivíduos na condição de sujeitos autônomos e emancipados.

Foi justamente no seio dos movimentos populares que surgiram as primeiras

ideias de uma educação que atendesse as necessidades das classes populares que até

então, eram excluídas de um ensino que as concebesse como sujeitos históricos. Mas de

acordo com pesquisas, somente após a Primeira Guerra Mundial é que de fato se iniciou

uma ampla discussão para a efetivação de uma educação popular que viesse a reduzir os

alarmantes índices de analfabetismo no Brasil.

Encontramos vários autores que pesquisaram sobre a Educação Popular, já nesse

período, contribuindo na elaboração e construção das ideias e ações de uma Educação

Popular. Mas, é em Paulo Freire, através de seus escritos e ações que se trazem uma

nova perspectiva de uma Educação Popular. Constrói-se pela primeira vez, uma

perspectiva em que realmente há possibilidades e transformações a partir da base onde

nasce a Educação Popular enquanto Educação do povo e com o povo, onde o saber

popular se fortalece em uma tentativa de transformação da ordem social dominante.

Para Brandão,

A educação através da qual ele o sujeito não se veja apenas como um

anônimo sujeito da cultura brasileira, mas como um sujeito coletivo de

transformação da história e da cultura do país. (BRANDÃO, 1984, p.103)

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

46

Uma das características própria da educação popular é a valorização e

problematização desses saberes, articulando os saberes eruditos e os saberes populares.

Para contrariar essa dicotomia numa sociedade extremamente desigual que surge a

Educação Popular, objetivando a transformação social, comprometida e participativa

voltada às classes populares atendendo aos seus interesses.

A educação, hoje, ofertada as pessoas das classes populares, é uma educação que

não atende suas expectativas, que não as reconhece como sujeitos históricos, nem

tampouco, realiza seus sonhos. Essa educação imposta às classes populares interessa a

quem? Segundo Arroyo (1997), “a negação do saber interessou sempre à burguesia que

vem submetendo o operariado ao máximo de exploração e de empobrecimento”

(ARROYO, 1997, p. 12).

Segundo Arroyo (1997) a educação posta, não está para os interesses das classes

populares, onde pais e mães se sacrificam para que seus filhos permaneçam o máximo

possível na sala de aula e jovens e adultos trabalhadores, após longas jornadas de

trabalho buscam os períodos noturnos para obterem mais conhecimentos, geralmente,

para atender uma necessidade do mercado capitalista. Ainda sobre essa educação o

mesmo autor conclui: “Interessou ao Estado excludente que prefere súditos ignorantes e

submissos” (ARROYO, 1997, p. 12).

Para que os interesses das classes populares sejam de fato atendidos é necessário

romper com as velhas fórmulas pedagógicas e sua organização escolar,

Não será possível ensinar para a participação, desalienação e libertação de

classes com os mesmos livros didáticos, a mesma estrutura e a mesma

relação pedagógica com que se ensinaram a ignorância e a submissão de

classe. (ARROYO, 1997, p. 20)

Não podemos, também, cair na ingenuidade. Achar que por ser uma educação

onde “todos” têm acesso, é uma educação que atenda às necessidades das classes

populares. A educação a qual me refiro não pode ser uma saída conveniente, que traga

momentos de satisfação ao pobre, que o acomode. Pelo contrário, que essa educação

possa ser um mecanismo de luta em favor da vida, da tolerância e da autonomia dos

sujeitos. Que rompa com opressão às classes populares. E isso, não se dará sem lutas.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

47

Gadotti, afirma que “a educação dominante talvez ensine a ler, mas contribui

muito pouco para a leitura e a compreensão da realidade, da história, da vida”.

(GADOTTI, 2003, p. 40). A educação que discutimos, propõe ir além das aparências,

que o educando seja estimulado a decifrar o mundo e sua dinâmica, ir além do ler e

escrever. Para isso, é preciso lutar sempre contra uma educação opressora, alienante,

que é oferecida às classes populares como se fosse sua única verdade.

2.5 A educação popular na atualidade: desafios, sonhos e perspectivas

A educação popular que dialogamos nesta pesquisa, alicerçada nas práticas

políticas de Paulo Freire, vem passando por transformações – não poderia ser diferente

– nas últimas décadas. Sua aproximação política que inicialmente se dera com o

Movimento de Cultura popular e setores progressistas da Igreja Católica se aproximam

de novas forças políticas, como é o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem

Terra, conforme Varraber (1998). Sua caracterização se dá pela vinculação com grupos

populares marcados ao longo da história por variadas formas de discriminação e

exclusão social, “Trata-se assim, de uma educação que têm se ocupado dos “pobres” e,

como diria Freire, dos “oprimidos” (VARRABER, 1998, p. 10).

Nesse sentido, João Francisco de Souza, descreve que,

Os desafios são enormes, mas extraordinárias são as possibilidades abertas

pelos novos cenários. Tanto de ordem epistemológica quanto político-

pedagógica. Mas também didáticas. (SOUZA, 1998, p. 17).

De acordo com Souza (1998), esses desafios tendem a um aprofundamento nas

dimensões, sobretudo, na formação do educador, abordando a educação popular e a

pedagogia, a educação popular e a escola pública, além da questão da aprendizagem.

Gostaríamos de discorrer sobre esses desafios focando principalmente a escola pública,

onde atuam uma infinidade de educadores que não querem mais sentir-se isolados,

procurando romper essa dicotomia entre educação popular e escola pública.

Ao mesmo tempo em que a educação popular não se restringe aos espaços

escolares, também não pode fugir dele. A educação popular que não se limita à escola,

que está nos espaços públicos e estatais em busca de se alcançar esse fim. Também,

lutam e defende os espaços escolares como espaço de disputa. Compreender a Educação

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

48

popular como uma ferramenta educacional poderosa que no aspecto organizativo e nas

transformações sociais e pessoais, ela não pode ser separada do espaço escolar e para

isso, a preocupação com a qualidade no ensino que venha de encontro com as

perspectivas das classes populares.

Entre os desafios atuais da educação popular está a escola pública

principalmente pelo fato dela ter ficado ausente nas discussões entre educadores por

mais de duas décadas. Apesar dessa ausência, educadores populares, ainda que

isoladamente, nunca deixaram de acreditar numa escola pública de qualidade, qualidade

essa, numa perspectiva libertadora.

São dezenas, centenas, milhares, quem sabe, de educadores que no interior da

escola pública estão desenvolvendo práticas da educação popular e movimentando-se

para que esse espaço público estatal venha atender às classes populares, como relata o

educador Sandro (um dos sujeitos desta pesquisa) “desde que me assumi como

educador popular defendo a necessidade da educação popular na escola pública”.

Não podemos também, pensar que enquanto educadores e educadoras

comprometidos com uma educação libertadora que proporcione mecanismos para que

os sujeitos em comunhão construam sua autonomia, existem, também, aqueles que a

serviço do sistema se travestem de educadores populares e trabalham em função da

manutenção dos interesses da classe dominante.

Sobre isso, o educador Frei Betto, nos alerta,

Em nome da educação popular, há muita educação bancária por aí, que se

justifica pela eficácia, pela pressa, porque não dá tempo de se aplicar a

metodologia correta. (BETTO, 1994, p. 31)

Não é difícil encontrarmos organizações que se dizem defensores dos direitos

das classes populares, mas que na verdade servem aos interesses da ordem posta.

Professores que se dizem libertários, mas que continuam se relacionando com seus

educandos de forma vertical não contribuindo para a implantação de uma educação e

uma escola que atenda suas necessidades.

Enquanto a escola pública popular é esse lugar de descobertas, redescobertas,

acolhedora, local onde as barreiras são quebradas e as liberdades construídas a escola

tradicional, conforme Freinet (1969),

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

49

[...] funciona como um meio fechado, e só muito recentemente o professor foi

autorizado a aventurar-se acidentalmente no jardim, até a margem do ribeiro

e aos campos para aí procurar alguma pitada de vida que volta depressa a

vomitar, mais do que assimilar, entre as quatro paredes da escola. Este cioso

isolamento é inelutável consequência de todo o sistema educacional que

condenamos. (FREINET, 1969, p. 106)

O Estado que em alguns momentos, através de muita pressão, apresenta alguns

projetos, dando “liberdade” aos professores para se aventurar, Freinet (1969), desde que

essa aventura não ameace seus domínios e seus valores. O que não ajuda em nada o

projeto de implantação de uma educação que atenda aos interesses das classes

populares. São medidas estratégicas para a perpetuação do modo de vida das classes

dominantes.

2.6 De professor a educador

Para Freire (2000), “ser um professor tornou-se uma realidade, para mim, depois

que comecei a lecionar. Tornou-se uma vocação, para mim, depois que comecei a fazê-

lo”. (FREIRE, 2000, p. 38). A educação deve ser experimentada e através desses

experimentos o professor, corre o “risco” de se descobrir como educador a partir do

momento em que começar a viver essas experiências.

Tanto para Freire, como para Shor, as primeiras experiências como professor

não tinham, de imediato, práticas libertadora. Freire, que iniciou dando aula ainda muito

jovem, com a necessidade de ganhar algum dinheiro para ajudar a sobrevivência da

família, ensinando gramática portuguesa. Não demorando muito para descobrir sua

vocação, descobrindo-se como um educador libertador. Shor, que começa a dar aulas

seguindo uma metodologia que apresentava as regras da gramática e buscava resultados

“corretos”, sobretudo, na arte de escrever. Incomodado com esse fim, Shor, se rebela, se

entusiasma, experimenta, reflete e desperta o educador que estava adormecido em si.

Ensinando, descobri que era capaz de ensinar e que gostava muito disso.

Comecei a sonhar cada vez mais em ser um professor. Aprendi como ensinar,

na medida em que mais amava ensinar e mais estudava a respeito. (FREIRE,

2000, p. 27)

Com isso, quero dizer, que em muitos momentos, vários professores que hoje

desenvolvem suas atividades nas escolas públicas, tem um educador adormecido dentro

de si. Muitos, que usados pelos grupos dominantes, acreditam estar fazendo um trabalho

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

50

libertador, mas que por falta de conhecimento, contribuem para a reprodução do sistema

atual e a opressão das classes populares.

Segundo Ira Shor (2000), a formação do professor, ainda é um grande problema,

pois limita seus experimentos e sua curiosidade. Modelos de formação que não atende

às necessidades dos educandos que os professores atenderão. Geralmente, professores

originários das classes populares, que continuando recebendo uma educação excludente,

continuarão na condição de sujeitos oprimidos, castrando a possibilidade de se

reconhecerem e serem reconhecidos como sujeitos históricos inseridos no meio social.

Os professores têm poucas oportunidades de ver salas de aula libertadoras.

Os programas de formação de professores são quase sempre tradicionais e as

escolas que eles frequentam não estimulam a experimentação. Assim, o

problema dos modelos é a primeira questão que os professores levantam.

(SHOR, 2000, p. 27)

Para Freire e Shor (2000), todo esse processo prejudica a transformação de

simples professores, a serviço da transmissão de conhecimentos em educadores

libertadores. A importância da compreensão do contexto social para distinguir os

objetivos de uma educação opressora e uma educação libertadora é um elemento

fundamental nessa transformação.

Para que os professores se transformem, precisamos, antes de mais nada,

entender o contexto social do ensino, e então perguntar como é que esse

contexto distingue a educação libertadora dos métodos tradicionais.

(FREIRE, 2000, p. 45-46)

O educador no qual nos referimos, é esse sujeito questionador, teimoso, rebelde,

que mesmo “desorganizado”, insiste na mudança, pessoal e coletiva. Que a educação

deva ser ofertada às camadas populares a fim de que correspondam às suas expectativas.

E que a escola seja esse ambiente de aprendizado mútuo, respeitando e aprendendo a

conviver com as diferenças e os diferentes.

Professores, tem muitos, como diz o educador Rubem Alves (1983), mas

educador, não se vê tantos. Essa diferença entre professor e educador é comentada da

seguinte forma: [...] “Professores, há aos milhares, mas professor é profissão, não é algo

que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação.

E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança” (ALVES, 1983, p.

11).

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

51

Nessa perspectiva, Alves (1983), insiste na figura do professor e do educador

diante dos compromissos com o aprendizado. Enquanto que a figura do professor,

pouco importa, pois o importante é o conteúdo a ser “aprendido” qualquer um pode

ensinar sobre determinado assunto, o professor é um objeto descartável. O educador tem

uma identidade, tem história, sujeitos inseridos num contexto histórico, quem tem

compromisso com as gentes, que tem sentimentos, que se envolve e se relaciona com as

pessoas e com o mundo.

Segundo Alves (1983), o educador é um sujeito que,

[...] habita um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as

pessoas se definem por suas visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos.

O professor, ao contrário, é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e

pelas empresas. É uma entidade gerenciada, administrada segundo a sua

excelência funcional, excelência esta que é sempre julgada a partir dos

interesses do sistema. (ALVES, 1983, p. 14)

Ao fazer essa abordagem, pretendo fomentar a discussão sobre a atuação do

professor, simplesmente, e do professor educador. Como já dissemos anteriormente, o

educador não deve cair no espontaneísmo, pelo contrário, deve e preocupar com sua

formação para que o atendimento aos educandos esteja à altura de suas expectativas.

Tanto a educação popular, como o educador popular, devem estar amparados no saber

erudito, sem com isso, diminuir as práticas e os saberes populares.

Diante dos depoimentos e dos escritos dos autores aqui estudados, algumas

indagações nos perseguem: Existe um momento específico para o despertar? Quando

sair da condição de professor e tornar-se um educador libertador? Como preparar o

educador? Onde estão os educadores? Como organizá-los? É preciso? É possível?

Essas indagações, creio que persistirão. Concluo esta parte com a poesia do

educador Rubem Alves, que insiste que “basta que os chamemos do seu sono, por um

ato de amor e coragem. E talvez acordados, repetirão o milagre da instauração de novos

mundos”. (ALVES, 1983, p. 26). Esse chamado é feito a todos aqueles educadores que

se cansaram de apanhar, que se sentem angustiados pela “impotência” de suas ações e

de suas atuações. Aos educadores que de tanto serem massacrados, foram obrigados ao

convencional. Educadores existem, milhares? Centenas? Alguns? Mais que quantidade,

há qualidade.

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

52

2.7 Educador popular: um semeador de sonhos

Somos alguns, companheiros, e somos desiguais. Há nomes

diversos para nós: cientistas, estudantes, professores a quem

interessam a consciência do povo e da cultura popular. Mas

são poucos aqueles a quem o interesse obriga ao compromisso.

Há o “pesquisador da cultura”, caçador de borboletas, das

coisas que o povo vive, pensa e faz. Há o professor calçado de

bons propósitos. Ela vai à roça e à favela: educa, alfabetiza,

ajuda, participa da vida do povo do lado de fora das lutas

populares. É um bom caçador de palavras e crê que elas

podem sozinhas mudar o mundo.

Há também o educador-militante, o educador popular que

arranca do seu trabalho uma arma a mais na linha de frente

da prática política dos subalternos. Ele não caça nada. Luta a

seu modo a luta necessária.

Esta fala acesa sobre a educação do povo é dirigida a todos

três e é dedicada ao que menos precisa dela porque já

aprendeu a passar de caçador à militante.

Carlos Rodrigues Brandão

Ao trazer a discussão sobre o educador e a educadora popular, não quero com

isso, traçar um perfil do educador ideal, mas fomentar o diálogo de que o educador é

uma peça fundamental na construção de uma educação e de uma escola que compreenda

o educando como um sujeito histórico em busca de uma vida mais feliz.

Freire (1996), nos faz um convite à reflexão sobre a nossa formação, para ele,

permanente. A atenção do educador deverá ser maior ainda quando essa formação se der

por interesse do poder público ou das classes dominantes que tendem a ofertar subsídios

que garanta a reprodução de seus domínios.

Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo a

aceitar que o formulador é o sujeito em relação a quem me considero o

objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me

considero um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados

pelos sujeitos que sabe e que são a mim transferidos. Nessa forma de

compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora, terei a

possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro

objeto do meu ato formador. (FREIRE, 1996, p.22-23)

O educador deve ter consigo desde o início do seu processo de formação a

consciência de quem ensina também aprende, de que sua ação não será transmitir

conhecimento ou conteúdos, mas possibilitar ao educando produzir e promover seus

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

53

próprios conhecimentos. O educador popular deverá compreender que ao ensinar, ele

também aprende.

Ensinar é mais difícil que aprender, porque ensinar quer dizer deixar

aprender. [...] o mestre que ensina ultrapassa os alunos que aprendem

somente nisto: que ele deve aprender ainda muito mais do que eles, porque

deve aprender e deixar aprender.( HEIDDEGGER, p. 89 apud BUZZI, 1988,

p. 197)

A preocupação do educador com sua formação deverá ser contínua, “o professor

que não leva a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura

de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de suas classe”, Freire

(1996). Isso prova, que a educação popular, contrário ao que afirmam algumas pessoas

que não leram sobre o tema, nem tampouco, sobre Paulo Freire, de que a educação

popular se utiliza uma metodologia espontânea.

Para Freire (1996), “ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo

socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível

ensinar. (FREIRE, 1996, p. 24-24). O educador popular, na sua teimosia de lutar em

defesa da vida e por uma sociedade justa, deverá ser um incentivador das curiosidades e

do desejo de descobrir e redescobrir novos mundos.

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática

docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua

insubmissão [...] E essas condições implicam ou exigem a presença de

educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente

curiosos, humildes e persistentes. (FREIRE, 1996, p.22-23)

A escola e a educação não são sozinhas, a solução de todos os problemas, nem

que sozinhas transformarão a sociedade, mas também, não podemos deixar de

reconhecê-las como ferramentas poderosas na construção e na transformação dessa

realidade. Para o educador Rubem Alves, o educador comprometido com as liberdades,

tem esse papel fundamental, de ser esse motivador de sonhos, esse pastor de projetos.

A formação científica não deve, porém, está desassociada a generosidade e o

respeito ao educando, “Há professores e professoras cientificamente preparados, mas

autoritário a toda prova”. (FREIRE, 1996, p. 92). Por outro lado, Freire também, alerta

para o educador que se limita aas relações ‘amigáveis’ com os educandos sem se

preocupar com sua formação, “o que quero dizer é que a incompetência profissional

desqualifica a autoridade do professor”. (FREIRE, 1996, p. 92).

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

54

Adverte Freire (1996) que a formação do educador não poderá se limitar a

técnicas e a repetições mecânicas. Que o educador deverá romper com esse tipo de

formação e exigir que a formação exigida compreenda o educando nas especificidades

dos sentimentos, das alegrias, dos medos e da teimosia com que as classes populares

insistem em construir uma sociedade bonita de se viver. A formação do educador deverá

compreender os sentimentos e os desejos onde a insegurança é superada pela segurança,

onde o medo, vai gerando coragem e a desesperança seja superada pela esperança de

uma sociedade melhor.

O educador popular tem que se assumir como militante político, não

necessariamente partidário, mas, também, poderia ser. Pois, penso que é necessário se

opor a qualquer tipo de ação que destrua as condições favoráveis de um espaço

adequado, limpo, higienizado para a sua prática pedagógica. Romper com a

mesquinharia e as sobras destinadas às escolas públicas que atendem as classes

populares.

Daí a importância do exemplo que o professor ofereça de sua lucidez e de seu

engajamento na peleja em defesa de seus direitos, bem como na exigência

das condições para o exercício de seus deveres. O professor tem o dever de

dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições

favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais se move menos

eficazmente no espaço pedagógico [...] o desrespeito a este espaço é uma

ofensa aos educandos, aos educadores e à prática pedagógica. (FREIRE,

1996, p.66)

A ação política do educador, acompanhado das ações em defesa de uma

educação que liberta, preocupados e amorosos com seus educandos, ajudando-os a

superar a condição de sujeito oprimido para sujeito liberto, deverá também, mobilizar

forças em favor do educador, lutando por melhorias nas condições de trabalho e por

salário de qualidade, além disso, sua ação contribui para que os espaços físicos da

escola, sejam espaços aconchegantes e acolhedores.

Esses três pontos estão interligados, um não foge do outro, e na medida em que

inicia uma discussão, as demais o acompanharão. Isso, contudo, não quer dizer que o

professor seja o salvador da pátria, que pode tudo, mas que reconhecendo seus limites

possa construir, sobretudo, nas escolas públicas onde os educandos, na sua maioria, são

de classes populares, mas sua pedagogia atende aos interesses das classes dominantes,

mecanismos para essa escola possa vir a ser uma escola pública popular.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

55

Contudo, por a educação ser diretiva, a atuação do educador popular exige

comprometimento político de mudanças e transformações. Acreditar que as mudanças

são possíveis e que as transformações sociais e comportamentais se darão com uma

atuação séria, honesta e justa. Essas ações, não poderão se desenvolver sem uma

formação crítica e técnica do educador, nem tampouco, se desenvolver pautada em

ações ingênuas, espontâneas e simplistas.

Para Freire (1996), o educador deverá ser um “sujeito de opções”, não podendo

o professor passar despercebido pelos seus alunos, revelando-se sua “capacidade de

analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper”, sobretudo, o

educador deverá deixar claro aos educandos, através de suas ações, “sua capacidade de

fazer justiça, de não falhar a verdade. De ser ético” (FREIRE, 1996, p. 98). Diante

disso, o educador deverá ter uma atuação coerente entre o que diz e aquilo que faz, com

isso, não poderá o educador dicotomizar teoria e prática.

O educador, portanto, independentemente de sua opção, não passará

despercebido pelos seus educandos. De qualquer forma, sua marca ficará. Caberá a

mim, como educador optar de qual maneira gostaria de ser lembrado.

O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o

professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das

gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas,

frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelos alunos sem deixar

sua marca. (FREIRE, 1996, p. 66)

O educador, portanto, independentemente de sua opção, não passará

despercebido pelos seus educandos. De qualquer forma, sua marca ficará. Caberá a

mim, como educador optar de qual maneira gostaria de ser lembrado.

Num diálogo abordado pelo professor Neidson Rodrigues (1996), sobre o

educador necessário, o mesmo afirma que “não há como o educador começar as ser

educador na hora que bate o ponto e deixar de sê-lo na hora em que o relógio indica o

fim do expediente. (RODRIGUES, 1996, p. 65). Isso, nos leva a crer que a opção de ser

educador é uma opção política de quem acredita de que suas ações poderão contribuir

na construção de um mundo melhor, que a relação construída com os educandos, com a

escola e com a educação é uma relação levada consigo, sem prazo para começar ou

terminar. É uma relação constante e contínua.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

56

Do educador se exige uma constante ocupação com o ato educativo. Ele tem

de ser. É uma questão de ser e não uma questão de situação. Exige-se,

portanto, um crescimento dessa consciência política, que se obtém no próprio

processo político do trabalho. (RODRIGUES, 1996, p. 66)

O educador tem a obrigação de compreender a importância social do seu

trabalho. Ter a consciência de que suas ações isoladas, por si só, não transformarão o

mundo, mas que são elementos importantes que contribuem na formação e nas

transformações da realidade em que os sujeitos se inserem. Para isso, é importante que

esteja sempre envolvido com a realidade dos educandos, buscando sempre uma melhor

preparação para atender e compreender as necessidades daqueles que buscam no

educador um ponto de referência.

Segundo Arroyo (2004), “Toda inovação educativa tem de começar por rever

nosso olhar sobre os alunos”, com isso, compreendê-los nas suas especificidades,

entendê-los como seres inseridos num meio social, de gosto diferente, de cultura

diferente, de sonhos diferentes, “Em grande parte nos imaginamos ser o que

imaginamos que nossos alunos são. (ARROYO, 2004, p.56). Arroyo propõe que na

medida em que nos comprometemos em humanizar nosso olhar docente, a nossa prática

docente se tona melhor.

A partir do momento em que o educador, através de um olhar docente

comprometido com uma educação que busca as liberdades, descobre o educandos é

inevitável planejar ações que vai atendê-los a partir de seus sonhos, com isso, o

educador estará cada vez mais motivado na sua formação e preparação técnica para

atender seus educandos.

Reeducar nosso olhar, nossa sensibilidade para com os educandos e as

educandas pode ser de extrema relevância na formação de um docente-

educador. Pode mudar práticas e concepções, posturas e até planos de aula,

de maneira tão radical que sejamos instigados (as) a aprender mais, a ler

mais, a estudar como coletivos novas teorias, novas metodologias ou novas

didáticas. (ARROYO, 2004, p. 62).

Nossa opção como educador é uma opção radical em defesa da autonomia e da

liberdade do sujeito, sem que para isso, percamos a nossa ternura e a nossa generosidade

por aqueles que pensam diferentes, “O homem radical na sua opção, não nega o direito

ao outro de optar” (FREIRE, 1978, p. 50). Nessa perspectiva, o educador deverá

defender sua posição através do diálogo, deixando claro, que apesar do respeito ao

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

57

pensar diferente, sua opção será defendida. Não poupando esforços para que ela seja

uma opção coletiva.

Para este pesquisador, o educador popular está nessa figura de homem radical

em que Freire se refere. Que precisa a todo o momento confrontar com imposições de

uma educação reprodutora e uma escola excludente. Esses confrontos se dão em todos

os espaços, sobretudo, dentro da própria escola e contra muitos professores. O educador

deverá através de um diálogo horizontal buscar convencer da importância da sua opção,

respeitando as ideias contrárias ao mesmo tempo em que exige respeito aquilo que

acredita e defende.

Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu

acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo. Tenta

convencer e converter, e não esmagar seu oponente. Tem o dever, contudo,

por uma questão mesma de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam

impor silêncio. (FREIRE, 1978, p. 50).

Gadotti (2003), abordando o papel do educador diante de uma sociedade de

conflitos, nos faz um convite à refletir sobre a atuação desse novo educador que “não

fica indiferente ao que se passa na sociedade” (GADOTTI, 2003, p. 82). Sua atuação

ultrapassa os limites escolares, denunciando à sociedade a necessidade de romper com a

educação posta e imposta, diferentemente do educador tradicional que não se envolve

com as necessidades das classes populares, a quem geralmente, ensina.

Enfim, ao novo educador compete refazer a educação, reinventá-la, criar as

condições objetivas para que uma educação democrática seja possível, criar

uma alternativa pedagógica que favoreça o aparecimento de um novo tipo de

pessoas, solidárias, preocupadas em superar o individualismo criado pela

exploração capitalista do trabalho, preocupadas com um novo projeto social e

político que construa uma sociedade mais justa, mais igualitária. Esse novo

projeto, essa nova alternativa não poderá ser elaborada nos gabinetes dos

burocratas da educação. Não virá sobre forma de uma Lei ou de uma

reforma. Se ela for possível amanhã é somente porque hoje ela está sendo

pensada pelos educadores, juntos, trabalhando coletivamente, se reeducando.

Essa reeducação dos educadores já começou. Ela é possível e necessária.

(GADOTTI, 2003, p. 82)

O educador popular é esse sujeito que ama e é feliz. Que sente medo, mas não

desiste. Que chora, mas que sorri muito mais. Que respeita e exige respeito. O educador

popular é esse sujeito não tem medo de amar as pessoas. Que denuncia as injustiças e

defende as liberdades. O educador popular é esse sujeito que acredita, que sonha... Que

se envolve.

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

58

2.8 Educador-educando: uma relação que se confunde

Há uma relação entre alegria necessária à atividade educativa e a

esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podemos aprender,

ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos a

nossa alegria. (FREIRE, 1996, p. 66)

Para Freire, “no fundo, o essencial nas relações entre educador e educado [...] é a

reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia”. (FREIRE, 1996, p. 94)

Nessa perspectiva, o educador antes de ser educador, é gente. E compreendendo essa

condição se assume como educador que valoriza, acima de tudo, a vida. Redescobrindo

o que já se sabe, respeitando aos outros e a si mesmo.

A relação de respeito e liberdade construída com o educando é uma das

características do educador popular, sobre essa relação, disserta Freire,

O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas,

em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem

eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico. (FREIRE,

1996, p. 92)

Acreditar na relação onde a autoridade – e não autoritarismo – do educador e na

liberdade do educando se complete formando um espaço pedagógico possibilitando a

realização de ações democráticas. O educador autoritário, mandonista – no sentido

freireano do termo, rígido, acaba prejudicando o aluno, impedindo-o que revele o gosto

de aventurar-se, inibindo a criatividade dos educandos. O educador que age dessa forma

esquece que é exercitando a liberdade que o aluno ficará livre para assumir a

responsabilidade de suas ações.

Talvez, a liberdade, seja um dos pontos que deverá ser mais entendida pelo

educador. O grande “problema” posto aos educadores de opção democrática é como

trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida

eticamente pela liberdade. Para Freire (1996) a liberdade amadurece. Apostar na

liberdade é uma qualidade dos educadores de opção e ação democrática, sem temer por

isso, ser criticado. Quando o educador garante a liberdade ao educando ele exercita sua

autoridade. Assumir a liberdade criticamente é assumir as responsabilidades de suas

decisões.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

59

A construção dessa relação, onde ensinar e aprender caminha horizontalmente,

ao contrário do que alguns defendem, não prejudica na hora da avaliação, pelo

contrário, por manter uma relação de respeito e honestidade, terei mais liberdade de

dialogar, dizer sim, dizer não, dizer talvez, ou ainda dizer, depende de nós. Terei mais

autoridade para fazer com que juntos, a busca dos seus sonhos possa se realizar. E a

construção e a reconstrução dos velhos e novos saberes seja uma busca regada de

alegrias e esperança.

Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender

participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica,

gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deva achar-se de

mãos dadas com a decência e com a serenidade. (FREIRE, 1996, p. 24)

Manter a autenticidade dessa relação é importante para que o educando possa

encontrar no educador alguém que o respeite, que o escute e que o ajude na construção

desse novo hoje. Para freire, “[...] quanto mais solidariedade entre o educador e o

educando [...] tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na

escola. (FREIRE, 1996, p. 24). Uma relação assim, constituirá uma escola melhor e o

aprendizado será bem mais prazeroso.

Na relação com o educando o educador popular, é possuído de um sentimento de

querer bem aos educandos, sem com isso, seja obrigado – nem poderia ser – a querer

bem a todos os alunos de maneira igual. O educador não pode temer a afetividade o que

não pode é deixar que essa afetividade interfira no cumprimento ético nem no exercício

de sua autoridade.

O querer bem que Freire (1996) se refere está ligado a alegria de viver, de

permitir, de acreditar, de lutar pelo respeito à educação, aos educandos, as pessoas.

Querer bem é acreditar e praticar a educação com afetividade, alegria, capacidade

científica, domínio técnico a serviço da mudança. O trabalho do professor é um trabalho

realizado com gente. Gente que está continuamente em busca de crescimento,

reorientando-se, gente que tem seus valores, gente que busca na educadora e no

educador uma oportunidade de encontrar e se reconhecer como sujeito histórico.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

60

CAPÍTULO III

3. EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: UM DIÁLOGO

NECESSÁRIO

A decisão em pesquisar a educação popular na escola pública é acompanhada de

um verdadeiro, não ingênuo, sentimento em ver os espaços públicos estatais sendo

popularizados. Acredito que o estado burguês e suas classes dominantes, nunca

aceitaram, não aceitam e jamais aceitarão essa interferência em seus domínios. Mas,

acredito que nos espaços construídos através de muitas lutas e incansáveis batalhas,

devam ser ocupados pelas classes populares, a fim de que seus interesses sejam

defendidos.

Contudo, não esperemos que a ocupação desses espaços seja feitas sem

confrontos de que a classe dominante aceite “pacificamente” que as classes populares

assumam o comando de suas próprias necessidades. Porém, não podemos, sobretudo, os

educadores populares, é adiar ou simplesmente fugir desse confronto.

Aos educadores populares cabe fomentar esse diálogo, encarar os desafios e os

riscos em acreditar e lutar por uma sociedade melhor. Construir meios para que a escola

pública se torne um dos espaços para que homens e mulheres das classes populares se

reconheçam e sejam reconhecidas como sujeitos históricos possibilitando a promoção

de sua autonomia. Como Freire (1978), esperançoso na construção de uma sociedade

bonita e justa, nos alerta,

Nunca pensou, contudo, que o autor, ingenuamente, que a defesa e a prática

de uma educação assim, que respeitasse no homem a sua ontológica vocação

de ser sujeito, pudesse ser aceita por aquelas forças, cujo interesse básico

estava na alienação do homem e da sociedade brasileira. (FREIRE, 1978, p.

36)

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

61

A escola deve ser um ambiente de rebeldia, de sonhos, de esperança, de utopias.

De se rebelar contra as injustiças, contra o preconceito, contra a corrupção, contra a

intolerância, contra a opressão, contra a servidão. De sonhar com as possibilidades reais

de se construir uma sociedade de paz, de respeito, de justiça e amor. De brotar nas

pessoas a esperança de que é possível viver em paz com as diferenças e com os

diferentes. A escola deverá, também, servir de espaço para esses diálogos, para

rejuvenescer nossas utopias.

Ao nos questionarmos as quais camadas sociais as escolas públicas, creches,

ensino fundamental e médio, atende, a resposta é imediata: as classes populares.

Seguindo o raciocínio, continuamos a nos questionar: por que a educação dirigida às

classes populares não é uma educação que atenda seus interesses? A resposta nos parece

mais óbvia ainda, as classes dominantes, que vem se perpetuando no poder, não

admitem uma educação se não aquela que atenda seus interesses que obviamente é

totalmente contrária aos interesses das classes populares.

Esses espaços públicos e estatais - especificamente a escola, que em muitos

casos são ocupados por educadores populares -, devem ser reconhecidos como espaços

que atenderão, sobretudo, aos interesses das classes populares. Essa parcela da

sociedade que se utiliza desses espaços deverá ser opção individual e coletiva dos

educadores comprometidos com uma que promova a paz, a liberdade e a tolerância, em

uma entrevista dada a educadora Rosa Maria Torres, Freire diz,

Creio que em toda sociedade há espaços políticos e sociais para trabalhar do

ponto de vista do interesse das classes populares, através de projetos, ainda

que mínimos, de educação popular. Creio que a questão que se levanta para

educadores enquanto políticos e políticos enquanto educadores é que é

precisamente reconhecer que existem espaços dentro da sociedade que

podem ser preenchidos politicamente num esforço de educação popular.

(FREIRE, 2002, p. 74).

Como Freire, acredito que esperar essa “revolução” onde o estado burguês por si

só, ou não, se transforme em estado democrático para poder desenvolver trabalho da

educação popular é um erro de pensamento e principalmente de atitude. Na verdade, as

práticas da educação popular nos mais diversos espaços contribuirão para a

transformação das pessoas e da sociedade. E mesmo nas escolas onde a ideologia e as

práticas dominantes prevalecem essas práticas, é possível e segundo Freire, deve-se

iniciar os trabalhos da educação popular.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

62

Apesar das classes dominantes exigirem uma educação que atenda

especificamente seus interesses, uma educação sistemática cuja tarefa é reproduzir a

ideologia dominante, os educadores e as educadoras populares tem a tarefa de

compreender que o papel da escola não se esgota com a defesa desses interesses.

Nessa perspectiva a tarefa dos educadores populares é contradizer esses

interesses para Freire (2002) “E isto, numa sociedade burguesa, só pode ser assumido e

desenvolvido por aqueles que se opõe à preservação do estado burguês”. Ainda, sobre

esse contexto da educação popular inserida, não por vontade do estado, Freire nos

incentiva a correr o risco que seguros de que a educação pública ofertada às classes

populares seja de fato uma educação que atenda seus interesses e suas necessidades.

Freire conclui,

Daí, que mesmo em sociedades que não se fez uma revolução – como é o

caso da sociedade brasileira – dentro do espaço escolar existe a possibilidade

de assumir o papel de desmistificar a reprodução ideológica. Esta tarefa,

evidentemente, tem de ser assumida com riscos pelos educadores e

educadoras que sonham com a nova sociedade. (FREIRE, 2002, p. 74).

Correr risco é algo que caminha lado a lado com quem sonha e luta com uma

sociedade melhor mais justa e fraterna. Seguir os passos de Freire, viver seus sonhos e

contribuir com sua prática é algo que educadores e educadoras populares carregam

consigo na esperança de um mundo melhor, onde a vida seja celebrada, todos os dias.

Freire nos convida a correr riscos. Riscos de não esperar. É preciso que

assumamos hoje, no ambiente em que estamos que a educação popular é a que

corresponde às expectativas das classes populares. E não aceitar que a escola pública

seja utilizada, sem que haja, um ‘intenso combate’ para continuar reproduzindo a

ideologia dominante. Estrategicamente, os espaços políticos nas escolas públicas

deverão ser preenchidos por educadores populares que conscientes da sua missão

compreenderão esses espaços como ambientes democráticos de diálogos e confrontos,

utilizados para desmistificar a ideologia dominante.

3.1 Educação popular na escola pública: disputar espaços ou cruzar os braços?

Quando nos propusemos a fazer uma discussão sobre a educação popular na

escola pública, tal desejo representa “um esforço de que seja possível inserir o popular

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

63

no público, de tornar público, o estatal” (GADOTTI e TORRES, 1992, p. 12). Não

acreditamos, porém, que seja uma tarefa fácil ou que o estado burguês docilmente adote

políticas da educação popular nas escolas públicas, mas que ocupando os espaços, possa

haver uma interferência maior na caminhada para as transformações sociais que

interessam as classes populares.

O professor João Bosco Guedes Pinto (1986), ao discorrer sobre a educação

popular no âmbito da escola pública como está posta, afirma que,

As práticas do Estado e da Educação Popular, pelos objetivos que se

propõem, caminham em sentidos irremediavelmente opostos; a do Estado, no

sentido dos interesses da acumulação capitalista; a da Educação Popular na

busca dos interesses da classe trabalhadora. Sendo tal incompatibilidade

radical, impõe-se reconhecer que o Estado capitalista jamais poderá aceitar

como seus objetivos da Educação Popular [...]. (PINTO, 1986, p. 106).

De acordo com João Bosco Guedes Pinto, é preciso que os educadores

comprometidos com uma prática da Educação Popular se mantenham em vigilância

constante sempre que o Estado se propor nas realizações de projetos ou atividades da

Educação Popular.

Segundo ele, são desejos e práticas totalmente opostos, e que devemos

desconfiar da boa vontade do Estado em fazer qualquer tipo de investimento que

proporcione à classe trabalhadora a possibilidade da sua autonomia. Na verdade, pelo

que se tem visto até agora, é o desejo do estado burguês é trabalhar para confundir as

classes trabalhadoras, sobretudo as mais carentes, criando e fortalecendo sistemas de

clientelismo com efeitos nefastos na organização política daquelas classes.

Fica claro que na concepção do Estado posto como está não existe a

possibilidade da Educação Popular ser aceita e desenvolvida nas escolas públicas,

mesmo que atuem no Estado educadores comprometidos com a Educação Popular, sua

atuação está diretamente ligada às “determinações” do Estado. Será? O Estado

capitalista só vai continuar existindo enquanto suas forças reprodutoras se cristalizam

no poder e seria ingenuidade nossa acreditar que o Estado como está posto viesse

abreviar a luta das classes trabalhadoras.

Ao concordar com as ideias de João Bosco, não podemos nos limitar a um

pensamento único do estado, vê-lo somente como estar posto, mas sim, de que desde o

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

64

surgimento da educação popular da qual nos propusemos a dialogar, o Estado tem

passado por algumas transformações e em determinados momentos históricos, houve

governos de esquerda que mantiveram um diálogo mais próximo com as práticas da

educação popular. Por tanto, não dá mais para ficarmos disseminando a ideia de que a

educação popular somente alcança seus ideais fora das instituições, sobretudo, públicas.

O quê fazer então? A cada dia que passa o Estado capitalista para se manter

como tal, implanta programas, atividades, cursos que preparam o ser humano para servir

de peça numa engrenagem cruel e severa. Os meios de comunicação, as instituições de

ensinos, os professores que a cada momento tentam maquiar o sistema capitalista,

passando a imagem de sistema justo e necessário para que as pessoas tenham melhor

qualidade de vida. Parece-me uma longa caminhada, não deveria ser diferente. Como

fazer para transformar diante de uma realidade que todos os outros caminhos mostram

que a mudança não é importante?

Brandão (1986) nos convida a uma reflexão sobre as relações do estado e a

educação, aqui chamada por ele Educação dos Subalternos, permitindo compreender

que essa relação precisa ter olhares diferenciados no momento em que a fazemos.

Uma reflexão sobre as relações entre o Estado e a sociedade civil no que

respeita à educação de subalternos precisa ser revista. Anos de governo

autoritário no país tornaram frequente uma oposição entre modelos oficiais,

os do Estado, e modelos alternativos, os de setores avançados ou

esquerdizantes da sociedade civil. [...] Para dar conta de oposições às vezes

difíceis de compreender, há quem faça o seguinte: 1º) estabeleça uma

modalidade emergente de educação dirigida às classes populares; 2º)

estabeleça uma oposição entre o modelo proposto e um outro, ou outros,

anteriores, ultrapassados ou destinados à pura e simples manipulação de

comunidades de camponeses, operários e outras categorias de oprimidos.

(BRANDÃO, 1986, p. 179)

Carlos Rodrigues Brandão chama a atenção para a educação não-formal,

proposta pelo Estado com o único objetivo de moldar os trabalhadores para uma função

específica no mercado de trabalho. Sua formação é essencialmente técnica para atender

uma demanda do mercado capitalista. Ocorre, porém, que esse modelo de educação não

é ofertada só pelo Estado, inúmeras agências dominantes, travestida de preocupação em

melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e também por agências denominadas

populares que atrelada ás agências patronais ou estatal utilizam do gozo moral com os

trabalhadores para tentar a domesticação e controle das camadas sociais.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

65

Essas agências que citamos ignoram qualquer instrumento de dimensão

pedagógica, seus objetivos é trabalhar a individualidade dos sujeitos ofertando a eles a

formação pessoal de cunho profissional visando colocá-lo como um sujeito consumista,

sua capacitação não passa da aprendizagem de um ofício, geralmente, que o mercado

necessite naquele momento. Esses modelos de educação em nada se voltam à formação

ou organização de qualquer tipo de base popular, sua formação é essencialmente voltada

ao mercado de trabalho.

Novamente, recorrendo a Godotti e Torres (1992), no desejo de inserir a

educação popular nas escolas públicas a fim de que seja uma opção coletiva. Onde os

espaços existentes possam ser preenchidos por educadores comprometidos com uma

educação que atenda aos interesses das classes populares. Segundo eles, uma educação

pública popular pretende expandir o controle dos espaços estatais, mediante os

mecanismos de representação estabelecidos nas democracias liberais.

Isso por si só, não garante a transformação do Estado, pois mesmo dando essas

aberturas minúsculas, o Estado tende a mascarar uma face de dominação e alienação,

preocupando-se em manter a reprodução dos seus domínios, sobre tudo, através da

Escola. Essas práticas seriam insuficientes, principalmente para transformar a Escola.

Tais relações seriam conflituosas, mas que poderia contribuir para fomentar a discussão

da educação popular na escola pública.

Nessa relação Gadotti e Torres (1992), buscam definir como deveria ser essa

“parceria” afirmando que:

De um lado, convidando essas organizações e movimentos populares a

dialogar e a realizar ações em parceria. Consequentemente, as melhores

alternativas dessas vinculações dar-se-ão quando o Estado for ocupado por

partidos políticos que já tenham vinculações efetivas com os movimentos

sociais. É indispensável que o Estado assuma nova realidade mínima dos

novos modelos educativos que se dispõem a iniciar de comum acordo com os

movimentos sociais, destinando os recursos financeiros para esta tarefa. Os

movimentos sociais oferecem, então, seu dinamismo anti-burocrático, para

contrabalançar as tendências e inércias burocráticas que, do todo aparato

administrativo possui, sobretudo quando nunca foi submetido ao controle

popular. Os economistas populares oferecem toda uma energia zelosa, efetiva

e inclusive anônima, de milhares de militantes comprometidos com os

projetos de transformação social. [...] Enfim, transformaria a realidade

burocrática e corporativa do ensino escolar ao incluir a história, a cultura,

conhecimentos e mecanismos de solidariedade social dos historicamente

excluídos. (GADOTTI e TORRES, 1992, p. 12 e 13).

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

66

Não poderemos cercear os educadores e as educadoras comprometidas com a

Educação Popular dessa discussão. Não queremos com isso, cair na ingenuidade de que

essa será uma relação sem conflitos, mesmo por que não há relações sem conflitos, não

podemos achar ainda, que o Estado burguês aceite fazer tais investimentos em ideais

que buscam transformar o estado. Ao mesmo tempo em que queremos transformar o

Estado é preciso que os espaços sejam preenchidos, e só buscamos preenchê-los se

acreditamos nessa transformação. Transformar o estado burguês um Estado popular, e

democrático e de direito, através das ações populares.

Enquanto alguns defendem a ideia de que não é possível a implantação da

Educação Popular nas escolas públicas, Gadotti (1991) escreve que tal afirmação é não

acreditar que possa haver um Estado Democrático e que essa tendência de Educação

Popular que ultrapassa o nível das comunidades de bairro para influenciar nos sistemas

educacionais públicos, através das ações de educadores e educadoras comprometidas é

uma tendência que pode se firmar com os governos democráticos e com a conquista de

fatias importantes de poder por partidos populares.

Discutir a relação entre Estado e Educação Popular, em um primeiro momento

assusta, a princípio dá a impressão de que estamos fazendo uma defesa do estado tal

como está, o que não é verdade. Sabemos que essa é uma relação conflituosa, mas que

nesse conflito as forças populares possam se sobressair, pois as transformações de

constroem com a vontade política de um povo e não com teorias positivistas.

Gaddoti (1992) afirma que recolocar o papel do estado com base de discussão de

qualquer proposta de educação popular progressista na América Latina lhe parece

sumamente importante. Questionando qual é o papel do estado, uma vez que não é pai,

nem patrão, sobre essas dúvidas ele diz:

Essa não é uma questão que pode ser encarada de forma abstrata, pois este

papel está em tensão permanente. É preciso partir da realidade concreta e

contraditória de nossos estados e como eles se reconduzem em seus diversos

poderes (União, Estados e Municípios) e aparelhos (repressivos, ideológicos,

etc). Há estágios diferentes, momentos diferentes. (GADOTTI, 1992, p. 64)

Não vejo essa preocupação do educador Moacir Gaddoti, como um amaciamento

do Estado, ou vê-lo como cordeiro, bonzinho. Mas entendo que ocupar os espaços

públicos contribuirá para que a luta por uma Educação Popular Pública tome força e se

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

67

propague entre aqueles que acreditam numa Educação das Liberdades e aqueles que não

acreditam, educadoras e educadores, ao passo em que conviver com a boniteza que é a

Educação Popular também se apaixonarão por ela e os espaços públicos, sobretudo a

ESCOLA, a cada dia mis ocupadas pelos educadores e educadoras comprometidos com

as mudanças.

Continuando o diálogo, Gadotti, sobre Educação popular e o Estado, diz que é

preciso uma análise concreta colocando de um lado o patamar de consciência e

organização da sociedade civil que buscam se fortalecer como grupos orgânicos, no

sentido de lutas e conquistas, e do outro lado, o grau de vontade política dos

governantes, sobre essa relação discorre,

De um lado o Estado capitalista visa pulverizar a ação dos movimentos

sociais populares, limitando-lhes seu âmbito, reduzindo-os frequentemente a

reivindicações econômicas corporativistas, despolitizando os movimentos.

De outro lado, os movimentos organizados da sociedade, estruturados em

sindicatos, associações, conselhos, etc., têm consciência de que sua

participação nas iniciativas do estado tem sido apenas na medida em que esta

não negue a sua autonomia, a sua independência tanto em relação ao Estado

quanto aos patrões e os partidos. A autonomia é condição de sua própria

sobrevivência e fortalecimento. (GADOTTI, 1992, p. 66)

Algumas dúvidas aumentam a cada momento em que aprofundamos nessa

temática. Ausentar-se das discussões, de rediscutir o Estado seria a melhor saída? Isolar-

se, isentar o Estado dos investimentos seria o correto? Acreditamos na possibilidade da

transformação do Estado? De acordo com a direção do Estado, daria para discutir a

Educação Popular? Deveremos continuar demonizando o estado sem apontar a

possibilidade de mudança? É possível a educadora e o educador popular dentro da

estrutura do estado burguês desenvolver suas atividades libertadoras? São algumas

indagações que estão enraizadas em minha curiosidade e a cada momento aumentam

meu desejo de continuar este diálogo.

3.2 Escola Pública Popular

O diálogo sobre a escola pública popular parte principalmente das ideias de

cinco autores que fomentam essa discussão: Paulo Freire, Celso de Rui Beisiegel,

Moacir Gadotti, Ana Maria do Vale e Carlos Alberto Torres. As experiências vividas

pelos autores contribuem para dinamizar esta discussão.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

68

Segundo o educador Carlos Alberto Torres (1997), afirma que a primeira

discussão sobre a escola pública popular no Brasil surge com a necessidade de superar

vários graves problemas educacionais que era desde o acesso, a permanência, bem

como, a qualidade do ensino. Nesse sentido Torres conclui que,

A discussão sobre a escola pública popular no Brasil inicia-se, então, pelo

reconhecimento de graves problemas em relação à igualdade de

oportunidades educacionais em termos de acesso, permanência e qualidade.

(TORRES, 1997, p. 70).

Para Torres (1997), a escola pública popular é um conceito que une educação e

hegemonia no Brasil. Onde seus defensores elevam suas críticas ao baixo nível da

qualidade do ensino público além de suas práticas autoritárias. Para aqueles que

defendem essa escola o planejamento das políticas educacionais devem ser elaboradas

pelas classes populares, pois a elas é destinada essa escola que deverá ter em sua

administração um modelo de gestão democrática.

[...] A administração democrática das escolas é uma outra característica

central da escola pública popular. Esse objetivo, que demanda autonomia no

planejamento, no gerenciamento e no controle das operações escolares, com

inputs dos alunos, pais, Movimentos Sociais, professores, diretores e

representantes do Estado, implica uma forte crítica ao planejamento

tecnocrata e à noção de habilidade técnica destituída de qualquer controle

democrático. (TORRES, 1997, p. 70).

A proposta das escolas públicas populares é que todas as decisões sejam

tomadas em conjunto com toda a comunidade escolar e os atores que a compõe,

inclusive o Estado. Que as políticas educacionais dirigidas às classes populares sejam

políticas que atendam seus interesses, suas perspectivas e seus sonhos. Que se disponha

a atender os educandos de acordo com suas necessidades e com o tempo disponível para

participar das construções e das decisões da escola.

Segundo Torres, (1997), a escola pública popular é um conceito que une

educação e hegemonia no Brasil. Além disso,

Seus defensores criticam o ensino público pela baixa qualidade e pelo

autoritarismo. Atrelam sua reforma ao controle do planejamento e da

implementação educacionais pelas forças populares, ou seja, grupos

comunitários ou Movimentos Sociais. (TORRES, 1997, p. 70).

Para a construção da escola popular pública é necessário um amplo diagnóstico

nas suas estruturas físicas, didáticas e humanas, como poderemos falar de uma escola

acolhedora e atraente se todas as suas estruturas físicas estão comprometidas? Se o

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

69

material didático e pedagógico estão servindo aos interesses da classe dominante?

Como conceber uma escola popular se não valoriza os educadores? Se não compromete

a comunidade escolar?

É preciso superar essas precariedades juntamente com todos: educadoras e

educadores, educandas e educandos, comunidade escolar e poder público. Para que

superando esses obstáculos a escola deixe de ser tradicional, tecnicista, conservadora,

para que se torne uma escola,

Cujos traços principais são os da alegria, da seriedade na apropriação e

recriação dos conhecimentos, da solidariedade de classe e da amorosidade, da

curiosidade e da pergunta, que consideramos valores progressistas

(GADOTTI, 1992, p. 73).

Diante disso, a relação que se manterá entre educando e escola, não se resumirá

apenas ao direito ao acesso. É preciso garantir uma relação justa, honesta, séria que

possibilite a construção e a promoção de novos conhecimentos.

A autonomia é um dos fatores principais nas discussões sobre a escola pública

popular, devendo a mesma constituir uma gestão democrática, criando Conselhos

populares, democraticamente eleitos e com caráter deliberativo em todos os níveis,

Gadotti (1992), coma finalidade de fiscalizar a efetivação e o cumprimento das leis,

devendo diferenciar-se dos burocráticos conselhos de educação, promovendo uma

educação com caráter popular, descentralizando a educação, promovendo suas

concepções críticas tornando a escola popular criativa, acolhedora e atraente. Cabe,

nesse processo, ao Estado garantir recursos matérias, financeiros e humanos para a

garantia da execução dessas ações, contudo, todos esses recursos deverão ser

controlados, dirigidos e investidos pela base.

Segundo Gadotti (1992) somente “uma escola pública autônoma tem maiores

chances de garantir a qualidade de ensino do que uma escola obediente, submissa e

burocratizada”. (GADOTTI, 1992, p. 74). A escola pública, hoje, assumindo esse papel

burocrático – que para atender aos interesses das classes dominantes, não seria diferente

-, leva a escola a um grau de abandono e desinteresse da sociedade em participar da vida

escolar. Vale lembrar, que esse “desinteresse” é um desinteresse programado e

instituído pelo Estado, que começará a romper esse ciclo a partir das ações da Educação

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

70

Popular, que para efetivamente serem escolas populares deverão ter toda a autonomia

para a execução de suas ações.

Autonomia não significa abandono. Significa o estado possibilitar os recursos

materiais e humanos para que a escola possa realmente fazer uma escola

democrática, e não optar pela miséria. Escola popular não significa escola

pobre e abandonada. (GADOTTI, 1992, p. 74)

Não podemos nós educadores comprometidos com uma educação que promove

a liberdade, a paz, a tolerância e o respeito às diferenças, conceber a Educação e a

Escola Popular como algo sem estrutura, sem conhecimentos, sem autoridade –

diferente de autoritarismo -, algo espontâneo ou simplista. Pelo contrário, os educadores

e as educadoras populares deverão preocupar-se com sua formação, como afirma Paulo

Freire (1996) que o educador que não se preocupa com sua formação e qualificação

profissional, não tem autoridade para coordenar a sala de aula.

A escola pública popular de construir e manter a autonomia na sua direção e

planejamento para que os interesses das classes populares sejam garantidos, a fim de

romper com o ciclo de dominação que tem se perpetuado na educação pública, Torres

(1997), faz a seguinte observação quanto a esses objetivos:

A administração democrática das escolas é uma outra característica central da

escola pública popular. Esse objetivo, que demanda autonomia no

planejamento, no gerenciamento e no controle das operações escolares, com

inputs dos alunos, dos pais, Movimentos Sociais, professores, diretores e

representantes do estado, implica em uma forte crítica ao planejamento

tecnocrata e à noção de habilidade técnica destituída de qualquer controle

democrático. (TORRES, 1997, p. 70)

A escola pública popular deverá oferecer as ferramentas necessárias para a

produção e o desenvolvimento de novos conhecimentos, como também, proporcionar

meios para aprimorar os saberes já existentes. É preciso uma formação política sólida e

uma atuação que vise à superação do corporativismo que promove a dicotomia entre

educação e as questões sociais. É preciso entender que a educação está diretamente

ligada às questões sociais de qualquer nação, as questões das concentrações de renda e

de terras, que aprofundam mais a miséria e as disparidades econômicas e sociais. Não

poderia deixar de está também ligada à política, a violência, a marginalidade, a

corrupção, entre outras coisas.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

71

Gadotti (1992) defende uma escola voltada aos interesses e as expectativas das

classes populares, que sua oferta seja em tempo integral para educadores e educandos,

construindo um espaço de trabalho e lazer, criando uma relação desde cedo, do

educando com o trabalho manual a fim de romper com a dicotomia entre o trabalho

manual e intelectual.

Nessa perspectiva, a Escola Popular Pública deverá dá uma atenção especial aos

estudantes trabalhadores, pois para atender as perspectivas desse público, que deveria

haver uma alternância entre estudo e trabalho, nesse caso, seria preciso a redução da

jornada de trabalho para o educando que esteja no mercado de trabalho, pois, seria

desumano a pessoa passar entre dez horas trabalhando e após essa jornada ainda se

dispor a passar cerca de mais quatro horas num banco escolar.

Para Gadotti (1992), essa Escola

[...] não deverá ser confundida com uma escola uniformizada, formando

cabeças em série; deverá ser o local de um sadio pluralismo de ideias, uma

escola moderna; uma escola alegre, competente, científica, séria,

democrática, crítica e comprometida com a mudança; uma escola

mobilizadora, centro irradiador de cultura popular, à disposição de toda

comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la[...] (GADOTTI, 1992,

p. 75)

Não se pode conceber a escola popular nos moldes da escola tradicional que não

tem o compromisso das mudanças necessárias para atender as necessidades e as

perspectivas populares, pois os saberes adquiridos na escola servirão de ferramentas

para que as classes populares através de uma formação política sólida e crítica possam

se fortalecer na luta pela transformação. É preciso sustentar a concepção libertadora da

educação para a construção de um projeto novo, histórico e de emancipação dos

sujeitos.

Repensar a função da educação e da escola sem cair num idealismo ingênuo se

faz necessário em função do momento vivido, acreditar nas possibilidades reais dessas

práticas nas escolas públicas, mas também, levar em consideração as condições reais

vividas pela educação popular, pelos movimentos sociais populares e, sobretudo, pela

necessidade de se construir um caráter educativo que proporcione a comunidade escolar

e a sociedade um diálogo democrático e justo que responda às expectativas das classes

populares.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

72

Dialogar sobre as possibilidades reais da Educação Popular nas escolas públicas,

tal iniciativa parte de um desejo, de um sonho, de uma utopia de se acreditar na

transformação do estado burguês em um Estado popular (que atenda os desejos e as

expectativas das classes populares e trabalhadoras, dos pobres, dos nativos, das

minorias – que são maioria). Os espaços públicos, e aqui me refiro primeiro aos espaços

educacionais, ocupados por educadoras e educadores comprometidos com as

transformações que atenda aos desejos e perspectivas das classes populares, poderão

surgir como pilares nessas transformações.

A ausência por um longo período dessas reflexões educacionais, sobretudo a

escola pública, tem causando muita ansiedade em muitos educadores que através de

suas práticas tem percebido a necessidade de se fazer, de trazer para o debate essa

possibilidade e que essa discussão é inevitável e necessária, Souza (1998) afirma que,

De qualquer modo, parece, hoje, ser consenso a necessidade da intervenção e

do potenciamento dessa intervenção dos educadores populares no âmbito da

educação escolar, sobretudo da escola pública [...] (SOUZA, 1998, p. 22).

Apesar de a escola burguesa ter se perpetuado ao longo da nossa história, não

poderemos deixar de reconhecer, que mesmo sob os ditames da escola positivista que

hoje se encontra, Educadoras e Educadores populares, desenvolvem ações da Educação

Popular no seio dessas escolas. Digo, por experiências próprias, que essas educadoras e

educadores populares, não pretendem se isolar, abandonar a escola pública, mas sim,

transformá-la.

Para Gadotti (1992), a Educação Popular cometeu alguns erros, não sabendo

explorar de forma adequada as contradições do Estado, que poderia ter se apropriado em

alguns momentos de mecanismos que pudessem se fortalecer para o controle público

em face aos objetivos concretos da Educação Popular.

Minha tese é de que a Educação Popular na América Latina não soube

explorar adequadamente essas contradições do Estado, em alguns casos

opondo-se mecanicamente a ele, em outros, isolando-se perdendo sua força.

Por isso, ao mesmo tempo, coloco também em questão uma educação

popular que não reconhece as contradições do Estado ou não luta pela sua

transformação concreta. A educação popular implica não só a formação

consciente do cidadão – sua função conscientizadora. Só o controle político

da sociedade civil, altamente organizada, sobre o Estado, pode garantir as

conquistas democráticas e o socialismo, o qual também pressupõe as

conquistas democráticas como pluralismo político e o Estado de direito.

(GADOTTI, 1992, P. 65)

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

73

Por isso, as ações que hoje as educadoras e os educadores populares,

desenvolvem nas escolas públicas, ainda que não seja “oficial” e nem poderia ser (na

ótica do estado hoje), faz com que as ideias de uma educação que atenda aos anseios e

as expectativas das classes populares sejam desenvolvidas nas escolas púbicas, entendo

público, como sendo do povo. E são essas ações que em alguns casos isolados, vão se

multiplicando, se organizando, se fortalecendo para que os espaços públicos sejam

ocupados por aqueles comprometidos com uma educação que liberta.

Para dialogarmos um pouco mais sobre Educação Popular na Escola Pública,

mais uma vez, recorreremos ao Educador Moacir Gadotti e a experiência que teve na

Secretaria de Educação e Cidadania da cidade de São Paulo. Apesar dos investimentos

públicos a escola deverá ter sua autonomia para gerir esses recursos e desenvolver suas

atividades não perdendo suas utopias, seus sonhos e na transformação da sociedade:

“[...] uma escola cuja boniteza se manifeste na possibilidade da transformação do sujeito

social”. (GADOTTI, 1992, p. 73). Os investimentos públicos na Educação Popular (que

se torna pública) não deverá submeter à escola a submissão (o que deixaria de ser

Educação Popular).

Ana Maria do Vale (1996), traz um rico diálogo sobre a educação popular na

escola pública, abordando desde as lutas populares à prática da educação popular na

escola pública, contribuindo na discussão desse tema. Apesar da imposição da escola

burguesa que oferta às classes populares o “conhecimento” para uma função específica

que atende aos interesses do mercado capitalista, nesse contexto, Vale (1996), afirma

que:

O saber adquirido pelas camadas populares paradoxalmente possibilita-lhes

enxergarem o mundo de uma forma diferente, questionadora e crítica do

próprio domínio burguês. Aguça-se com isso a luta de classes no interior da

escola. A prática escolar, ao apresentar-se enquanto função reprodutora,

contraditoriamente possibilita transformações, e essas transformações passam

necessariamente pela esfera do saber. A natureza do saber que é transmitido

pela escola denuncia o potencial político e valorativo frente à sociedade de

classes, justificando, inclusive, o embate no seu interior pela disputa desse

saber. (VALE, 1996, p. 18)

Os saberes acumulados das classes populares, trazidos às escolas, contribuem

para que educador partindo dessas contradições, fomente um diálogo sobre como a

educação tem contribuído para promover a liberdade ou a opressão dos sujeitos e que os

espaços escolares são locais de disputas, de um lado um grupo querendo perpetuar-se no

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

74

poder e reproduzindo seu sistema elitista e excludente, através de uma educação injusta

e reprodutora, de outro lado, educadores e educandos que lutam e sonham com uma

educação que promova a paz, as liberdades e a emancipação dos sujeitos.

Esperar pela “bondade” do Estado em ofertar uma educação que promova a

autonomia dos sujeitos, é uma atitude ingênua, como também seria ingênuo acreditar

que a implantação de uma educação popular nas escolas públicas só seria possível após

uma revolução radical da sociedade. As ações pedagógicas de uma educação popular

deverão ter início pelos educadores populares, ocupando os espaços públicos e

apresentando esse jeito de aprender e ensinar como alternativa para atender os interesses

populares.

Identificar-me como educador popular, me organizar enquanto grupo, é essencial

para o fortalecimento dessas ideias e práticas, não esperar que o Estado travestido de

cordeiro, convoque os professores, como tem feito ao longo da história,

[...] é certo que as primeiras Conferências surgiram não por iniciativa de

educadores, mas por iniciativa do próprio Estado, na tentativa de cooptar

novos ideais, “testar” a aceitação de algumas medidas, “cooptar” quadros

dirigentes e, finalmente “desmobilizar” possíveis organizações dos

educadores, principalmente de professores de escolas públicas (VALE, 1996,

p. 21).

As críticas que a autora tece sobre essas práticas são que dessa forma as decisões

são tomadas em ordem vertical, ditadas por um Estado que tem compromisso com a

classe dominante e sem o mínimo interesse em ofertar uma educação que contrarie

aquilo que ele defende.

Apesar de muitos professores, parecer acreditar que as mudanças não são

possíveis, voltamos a afirmar que ações bonitas de educadores nas escolas públicas,

ainda que solitárias, não reconhecidas e valorizadas pela academia e pela sociedade, são

“pingos” de esperança para esses professores, hoje desacreditados possam desperta-se e

ajudar a construir um novo momento, [...] O que deve mudar é a postura e não as

pessoas (GADOTTI, 1986, p. 442).

Finalizando seu diálogo sobre a escola pública popular o professor Carlos

Alberto Torres (1997), descreve seus grandes desafios, atuar com as classes populares

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

75

pela defesa de uma educação de qualidade que compreenda, partindo da sua realidade a

criança, o jovem, os adultos e os idosos das classes populares.

[...] a escola pública popular, tenta desafiar a necessidade da privatização

cada vez maior dos serviços públicos, lutando, em vez de disso, por um maior

investimento no ensino público e pela democratização do acesso,

relacionando ao mesmo tempo a eficácia escolar às necessidades

educacionais e sociais de crianças e jovens das classes populares. Finalmente,

ao unir o ensino público aos movimentos populares, esse projeto enfatiza o

controle democrático – em oposição ao controle autoritário ou tecnocrata –

dos recursos educacionais, do planejamento e da gestão (democratização da

gestão). (TORRES, 1997, p. 72).

De acordo com os autores pesquisados a educação popular é o modelo de

educação que atende às necessidades dos meninos e das meninas, dos homens e das

mulheres que hoje buscam a escola pública. A união do ensino público com as classes

populares não se dará sem conflitos, mas com possibilidades reais de se construir o

controle democrático dos recursos educacionais, dessa forma, se opor ao controle do

popular e do público pelas classes dominantes.

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

76

CAPÍTULO IV

4. AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE DUCADORES POPULARES NUMA

ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ

4.1 A fala dos educadores

Nos diálogos construídos com os educadores, suas falas foram fontes

importantes na construção das concepções sobre a atuação do educador na escola

pública. Este espaço foi destinado para que os educadores contribuíssem com seus

conhecimentos teóricos, abordando temas como sua concepção da função da educação e

da escola, como se dá sua atuação, sua formação e perspectivas que os mesmos têm com

a educação que eles acreditam e defendem que de acordo com suas práticas, é uma

educação que proporciona a liberdade e a emancipação.

Ao iniciar meu diálogo com a educadora M, a mesma fez questão de começar

falando sobre sua vida, sua luta e sonhos, durante mais de quarenta anos como

educadora, a maior parte dela, na escola pública. Seus depoimentos sempre foram

regados de alegrias e tristezas, “as vezes eu olho para trás e vejo como nós educadores,

sofremos, em função da opção que fazemos” (educadora M, 60 anos).

Este ano estou me aposentando, e levo comigo certa tristeza, tristeza por ter

atuado mais de trinta anos na sala de aula e a educação que nós acreditamos

não ter sido uma opção para maioria os educadores. Foi duro ter que atuar

isoladamente, falar de Paulo Freire, falar de emancipação, falar de autonomia

foi sempre uma opção pessoal e não coletiva. Encontramos resistência na

própria escola. (educadora M, 60 anos)

E acrescenta,

Levo comigo a certeza dos meus ideais, que acredito que um dia a sociedade

vai despertar para a grandeza e a importância que a educação popular pode

trazer às pessoas. Acredito que como eu resisti, existam dezenas, centenas de

educadores que estão no interior das escolas atuando como educadores

populares que sonham e acreditam numa educação que atenda aos interesses

das classes populares (educadora M, 60).

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

77

Durante suas falas a educadora visivelmente se emociona, durante esse nosso

diálogo à medida que ela responde minhas perguntas, seus olhos fazem uma busca de

cada canto da escola, parecendo encontrar ali, as respostas para as minhas indagações.

Pausadamente, com a calma de quem dedicou sua vida às práticas de uma educação

libertadora, de quem amou cada sujeito como sujeitos únicos, expressa em cada palavra

seu amor pela educação e pelas gentes.

Como a educadora M, acredito que inúmeros educadores e educadoras populares

estão no interior de tantas outras escolas públicas atuando de forma “isolada”, mas

crentes no sonho de uma escola popular pública que venha atender aos interesses da

comunidade escolar, sobretudo, das classes populares que são os grandes frequentadores

das escolas públicas.

A partir dessas ações, desses educadores populares algumas indagações me

incomodam: É possível ser educador popular na escola pública? Eu sendo um educador

popular, deixarei de ser apenas por ser um servidor público? Por que a academia não

reconhece esses práticas e esses educadores? São algumas inquietações que nos move

sobre o tema.

Questionada se era possível um educador popular dar aulas em uma escola

pública, que oferta uma educação que interessa a classe dominante, ao passo em que a

mesma me respondeu que “não é porque estou numa escola burguesa que serei igual,

minha opção é uma opção de vida, é claro que você não pode achar que pode tudo, mas

eu nunca deixei de ser educadora popular por trabalhar na escola pública” (educadora

M). Segundo a educadora,

Tem professor que espera um milagre acontecer, espera que primeiramente a

sociedade se transforme para poderem atuar como educadores, eu não. Se

depender desse milagre, jamais teremos uma educação e muito menos uma

escola popular. (educadora M, 60 anos).

Encontramos em Freire (1996), de que não podemos esperar uma revolução da

sociedade capitalista para uma sociedade socialista para podermos atuar como

educadores libertadores. Muito menos esperar que o Estado burguês com seus interesses

excludentes, se sensibilize e aceite pacificamente a atuação de educadores que colocarão

em riscos suas verdades e seus domínios.

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

78

A educadora M, se sente muito à vontade para falar da sua relação com seus

educandos, além do seu depoimento pude perceber essa relação de respeito, carinho e

amizade quando estive observando suas aulas. Essa relação, conforme observada

constatei ser uma relação sólida e de confiança mútua, demonstrando seriedade na

liberdade construída e essa relação não se limitava aos espaços escolares.

Essa relação, como a educadora mesmo define “é uma relação de quem gosta de

gente, de quem é apaixonada pelas pessoas” (educadora M)

A relação que mantenho com meus educandos é uma relação de quem quer

bem ao ser humano, não me importa o sexo, a cor, a idade, o que me importa

é que é um ser humano que tem sentimentos, que sente dor, quem tem medo,

que tem sonhos e que quer ser amado, então, eu simplesmente os amo. Esse

amor, não é um sentimento frio, que os ver como coitadinhos, mas sim, que

os reconhece como sujeitos explorados e oprimidos e esse amor, não impede

que eu cobre deles que supere o senso comum que está sendo a verdade deles

(Educadora M, 60 anos)

Sobre essa relação Freire (1996), explica que,

A minha abertura ao querer bem significa a minha disponibilidade à alegria

de viver. Justa a alegria de viver, que, assumida plenamente, não permite que

me transforme num ser “adocicado” nem tampouco num ser arestoso e

amargo (FREIRE, 1996, p. 141)

Nos momentos em que dialogávamos, senti que a educadora, queria aproveitar o

máximo para falar, parecia-me que a mesma, após tantos anos ouvindo, queria ser

ouvida, após uma vida dedicada a compreender, queria ser compreendida e que via em

nossos diálogos uma oportunidade de falar sobre o seu sonho “não realizado” da

educação popular ser uma opção coletiva dos educadores que atuam nas escolas

públicas.

A educadora demonstrava em suas palavras um sentimento de tristeza por não

ter conseguido ver nas escolas públicas a educação que ela acredita, mas ao mesmo

tempo em que deixava esse sentimento a mostra, a docilidade de suas palavras e o brilho

nos olhos exalava alegrias e felicidades em ter dignamente cumprido sua missão de

educadora comprometida com uma educação que promove as liberdades e a paz entre as

pessoas.

Outro educador sujeito desta pesquisa que deu uma contribuição muito bonita é

o pedagogo S, que vem atuando há mais de três anos junto aos educandos da

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

79

modalidade EJA na turma de primeiro segmento do ensino fundamental. Sua atuação

me chamou muito atenção em face da proximidade com o método Paulo Freire, e ao

falar sobre educação, escola e educando, trata os assuntos com muito carinho, respeito e

compromisso.

Questionado sobre a função da educação o mesmo diz que “dependendo do seu

interesse a educação tanto liberta como aprisiona” (Educador S) e continua,

Dependendo no ponto de vista e do interesse a educação liberta ou aprisiona,

emancipa ou oprime, prega a paz e justiça ou faz reproduz um sistema

injusto, cruel ou desigual. Por isso, não basta só ter educação, é preciso ter

uma educação comprometida com as transformações sociais, comprometida

com os sujeitos, com os interesses do povo. (Educador S, 43 anos )

Questionado sobre como atua um educador libertador numa escola que reproduz

os interesses das classes dominantes, o mesmo afirma que “quando se faz essa opção, já

sabe o que vem pela frente, críticas e perseguições. Mas para as classes populares

sempre foi assim e é preciso denunciar, gritar, se indignar para que as transformações

aconteçam”. Para ele, é preciso aproveitar os espaços para debate para defender as

práticas da educação popular. É preciso, segundo ele, mostrar aos educandos de classes

populares que os mesmos estão recebendo uma educação que está na contra mão dos

seus interesses.

Para ele, a educação popular parece algo longe de se alcançar, não por que

educadores não queiram, mas pelas definições que alguns autores tecem sobre o tema

“existe coisas bonitas que a gente faz, em alguns momentos, pode até parecer

ingenuidade, mas a gente faz de coração e isso melhora a vida das pessoas”. Com isso, o

educador S, quer dizer que na educação popular existe uma regra: ou é isso ou não é.

Confessando certo incômodo sobre a “arrogância acadêmica” sobre o que eles fazem é

educação popular ou não.

Segundo o educador S, as práticas da educação popular são limitadas a ações

isoladas de alguns educadores. Por conta própria enfrentam os conflitos reconhecem os

limites, no entanto, acreditam na possibilidade de uma educação de possibilidades que

atendam os sonhos das classes populares.

Aqui são mais de cinquenta professores, não mais que cinco sabem sobre a

educação popular, e se você for falar com eles sobre o que de fato é a

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

80

educação popular, a maioria vai gostar, vai querer saber mais e tenho certeza

que convenceríamos a maioria deles (Educador S, 43 anos)

Para o educador S, a “recusa” de muitos educadores e educandos com a

educação popular é a falta de conhecimento. Para ele é preciso educadores e educadores

se rebelarem contra essa ideia.

Eu percebo que a grande recusa da educação popular na escola pública por

parte dos professores e alunos é a falta de conhecimento, as classes

dominantes fazem um trabalho tão intenso de opressão que nos fazem sentir

culpados pela nossa própria miséria. E isso, acaba tomando força junto aos

professores e alunos, às vezes acho que estou remando contra a maré

(Educador S, 43 anos)

Talvez seja preciso remar mesmo contra a maré. Uma maré que se inicia numa

ordem vertical impondo às classes populares mordaças e algemas com o objetivo de que

as mesmas continuem na sua condição de objeto que servem para manter uma ordem

posta por uma elite dominante.

Sobre a relação com os educandos o mesmo relata que para se manter uma

relação harmoniosa numa sala de aula, onde há diferenças de idade, religião, opção

sexual, tem que ter muita paciência para se construir uma relação de respeito, pois todos

estão ali, acreditando que a sua verdade é a verdade absoluta e que até desconstruir

alguns conceitos e construir outros leva certo tempo.

A primeira coisa que converso com os meus educandos é que precisamos

respeitar e as diferenças, o segundo passo é conviver com essas diferenças o

que é mais complicado. [...] Com o passar do tempo esses laços de amizades

vão crescendo e a gente começa a entender melhor e respeitar os outros [...]

eu tenho o número do telefone de todos os meus educandos, a gente se fala

muito fora da escola, convites para almoço e festinhas não faltam, a partir do

momento em que a gente vai estreitando as nossas relações a confiança

aumenta, aumentando a confiança o aprendizado melhora. (Educador S, 43

anos).

No decorrer dos diálogos construídos com o educador pesquisado e seus

educandos, além das observações feitas, foi possível constatar a veracidade dessa

relação, os educandos se dirigiam ao educador com muito carinho e respeito – jamais

com medo ou inferioridade – e essa relação se fortalece ao momento em que os laços de

confiança aumentam.

O educador S, convicto de suas teimosias afirma que “a educação estar a serviço

da felicidade das pessoas e não a serviço de grupos econômicos” (Educador S). Para ele,

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

81

sua atuação independe da posição do estado. E que tem aproveitado essa relação, para

denunciar a seus educandos a educação ofertada a eles. Para ele, essas atuações,

indiretamente, têm contribuído para o surgimento de políticas públicas educacionais que

começam a atender os educandos a partir de suas necessidades.

Ao nos dirigirmos para o final do nosso diálogo, o educador afirma que reduzir

a educação ao ambiente escolar, é um erro e uma ideia de quem ver a educação como

uma transmissão de conhecimento, não como uma ferramenta que liberta e para que isso

aconteça o educador tem que ter disponibilidade para dar maior atenção aos educandos,

conhecê-los e aproximar-se mais deles, independentemente da faixa etária.

E ao final, descreve, segundo seu entendimento, como deveria ser o trabalho do

educador,

Às vezes fica muito difícil você manter contato com o aluno somente na

escola, as coisas não avançam, penso que o educador deveria trabalhar

somente um período e o outro seria para a formação e para conhecer melhor

seus educandos, quem sabe conhecendo seus sonhos e suas perspectivas

poderíamos oferecer uma educação que atendesse seus interesses (Educador

S, 43 anos)

Encontrei no educador S, um sujeito de possibilidades, como diria Freire,

entusiasmado com a educação e esperançoso com um mundo melhor. Mas, como a

educadora M, também S, carrega consigo grandes angústias de ver que suas ideias e

suas vontades andam em ritmo mais acelerado do que as mudanças que ele gostaria que

ocorressem.

Com a educadora G, que trabalha no período vespertino, ao iniciar nossos

diálogos, indaguei sobre sua visão de escola e de educação que hoje é ofertada. Para ela,

“a educação hoje oferecida pelo estado é uma educação que não atende às necessidades

dos alunos” e continua,

Acredito que a escola deveria estar sempre disponível aos alunos. Não seria

legal se a escola oferecesse aulas nos finais de semana? Ou através da

internet? Ou quem sabe atender os alunos a partir dos seus sonhos? Dos

conhecimentos que se propõem em construir e reconstruir? Mas não, ao

contrário, oferecemos uma educação que através da escola exclui uma

infinidade de gente. Ou você aprende aquilo que o estado determina ou você

está fora do processo. (Educadora G, 42 anos)

Segundo a educadora, sua metodologia de ensino é “inspirada” em Paulo Freire.

Mostra-se incomodada com a “opção” feita pela maioria dos educadores em continuar

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

82

trabalhando uma educação que privilegia aos interesses das classes dominantes em

detrimento aos interesses das classes populares.

A educadora percebe que suas ações pedagógicas têm despertado nos educandos

“o gosto pela crítica, sinto que eles estão só esperando alguém motivá-los para que eles

se reconheçam como sujeitos” (Educadora G, 42 anos,).

Para ela, o fato do educando, por si só, estarem em busca de uma escola com o

objetivo de melhorarem de vida já é um sinal de querer romper com a situação em que

se encontram. E aproveitar esse desejo para mostrar-lhes que além de ler e escrever

existe um mundo muito melhor a ser buscado é um dos grandes desafios dos

educadores.

Enquanto esses alunos buscam sua autonomia, com investimentos próprios,

tendo que enfrentar vários obstáculos como a idade, o trabalho, a falta de

apoio, o cansaço e muitas vezes o preconceito, a educação ofertada busca

mantê-los na condição de objetos. (Educadora G, 42 anos)

De acordo com as declarações da educadora G, o modelo atual de educação está

em crise e que é o momento de aproveitar essa insatisfação dos educandos e da

sociedade para propor um modelo que atenda os interesses das classes populares.

Eu penso que vai chegar um momento em que não dará mais para suportar

esse modelo de educação. Você olha para os alunos e percebe a insatisfação,

o desânimo, e a falta de interesse deles virem para a escola. Tudo isso, em

função de uma educação e de uma escola que não trás motivação aos alunos,

com isso, o professor também fica desmotivado. E assim, muitas vezes os

professores fingem que ensinam e os alunos fingem que estudam. Acho que

os professores deveriam aproveitar esse momento é se mobilizarem para a

implantação de uma educação de verdade. (Educadora G, 42 anos)

Nos diálogos construídos com a educadora, pude perceber sua insatisfação, mas

ao mesmo tempo, percebi que apesar da sua vontade em discutir a educação popular

como uma possibilidade na escola pública, falta algo que a contagie ainda mais. Que

possa fazer uma defesa em todos os cantos e em todos os espaços em que esteja. Falta

algo para que ela se sinta mais à vontade para defender suas ideias. Despertar do sono

profundo. Acredito que a educadora se sinta como tantos outros, isolada na defesa desse

sonho.

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

83

A educadora W, que atualmente é diretora da escola pesquisada, inicialmente,

fala de como se dá a relação com o estado, uma vez que seus interesses e sua visão de

educação e escola são totalmente antagônicos aos do estado,

Em função dos meus interesses serem bem diferente dos interesses do Estado,

nossa relação, em vários momentos, tem sido conflituosa. Mas o que eu não

posso e permitir que a confiança depositada em mim e que a oportunidade

que tenho de brigar por uma escola democrática seja sufocada por interesses

das classes dominantes. (Educadora W, 45 anos).

Segundo a educadora quando se faz a opção pela defesa de uma escola

democrática, numa sociedade capitalista, essa opção precisa ser regada de um profundo

querer bem as pessoas. É uma tarefa que exige do educador amor pela vida e pelas

pessoas. Exige compromisso com a liberdade e com a tolerância. Para ela, “essa opção é

um risco que se corre em ficar sozinho, nessa longa caminhada”. Mas, é também, é uma

possibilidade de encontrar, nesse caminho, uma infinidade de pessoas que estavam

esperando esta oportunidade de dar as mãos e caminharem juntas.

Questionada sobre como se dá se trabalho com os professores na escola em que

coordena, a educadora diz que seu trabalho é dialogar com os professores tentando

convencê-los da importância da educação popular, mas reconhece que parte dos

professores resiste à ideia, e pior, a combatem. Para W, é nos professores mais jovens

que tem encontrado esse apoio, pois são eles que demonstram uma maior vontade de

mudanças.

O que mais me dói é ver tantos professores que se recusam a defender uma

educação e uma escola que compreenda as pessoas como sujeitos livres. Minha

grande esperança são esses novos professores que me aparecem cheios de

entusiasmos e empolgados com a possibilidade mudanças. Não quero dizer

com isso, que não haja professores mais antigos que não tenham esse

compromisso, mas parece estar na juventude esse desejo de mudança.

(educadora W, 45 anos).

Durante nossos diálogos que se deram em momentos e locais diferentes,

questiono a educadora sobre ela acreditar que existe alguma possibilidade da educação

popular ser uma opção coletiva e ser implantada nas escolas públicas. A educadora,

após um período com o olhar distante me responde:

Sinceramente, eu acredito! Aqui na nossa escola, todos os educandos - e

educadores - são de classes populares, são pessoas que durante toda sua vida

foram marginalizados, foram lhes negado direitos. Direitos da alegria, da

comida, de dizer sim, de dizer não. Agora eu pergunto: Se nossos educandos

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

84

são de classes populares, por que uma educação que não defende seus

interesses? Claro que a resposta nós sabemos. (educadora W, 45 anos).

De acordo com a educadora pesquisada, para que tenhamos uma educação e uma

escola popular, mesmo numa sociedade capitalista como é a brasileira, é preciso

acreditar. E que esse acreditar não se reduza a discursos românticos ou a simples

ingenuidade. Esse acreditar deve vir dosado de rebeldia onde homens e mulheres

comprometidos com uma sociedade justa e fraterna se apresentem na construção desse

novo mundo.

No decorrer deste trabalho pude acompanhar a educadora em vários encontros

com os demais professores, sala do educador, reunião administrativa, formação

continuada, reunião de pais e mestres, e em todos os momentos, ela tem demonstrado

empenho em fazer do espaço escolar um ambiente acolhedor e agradável a seus

educandos. Inúmeras foram às vezes em que a educadora falava aos professores a

importância dos educadores nesse processo de rompimento com as normas impostas por

um sistema elitista às classes populares.

Saindo dos encontros, ao mesmo tempo em que a educadora, sentia grandes

alegrias em ver que seu testemunho tinha chamado a atenção de alguns, também não

escondia a tristeza em saber que muitos resistem a essas ideias, educadores e educandos.

Da classe dominante a gente já espera essa resposta, sabe que os interesses são

antagônicos, porém, o que dói e a ver professores e alunos, logo eles que

também são oprimidos, resistindo a um modelo de educação cuja finalidade é

atender seus interesses. (Educadora W, 45 anos).

A classe dominante faz muito bem seu papel. Ao longo da história ela tem

articulado um processo muito intenso no “convencimento” das classes populares. Fazem

com que acreditem que a vida é assim mesmo, que a verdade é das classes dominantes.

E o caminho mais fácil é infiltrando pessoas que defendam suas ideias junto às classes

populares.

W, observa que para que haja mudanças, especialmente nos espaços escolares, é

preciso ocupar esses espaços que forma de expressão,

Nós temos que entender que muita coisa mudou, que a situação política do

país é outra, por isso, precisamos avançar. É claro que a classe dominante

estará sempre defendendo, com todas as forças, os seus interesses, que são

totalmente contrários aos interesses das classes populares. Mas precisamos

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

85

fazer a educação popular no espaço que atuamos, independentemente do que

o Estado impõe. (Educadora W, 45 anos).

Apesar das dificuldades e dos conflitos, a educadora jamais pensou em desistir

da luta, “Quantas vezes você olha para o lado e não ver ninguém bate um desespero,

mas a vontade de continuar e a certeza de que é possível, é bem maior” (Educadora W,

45 anos). De acordo com a educadora, poderíamos fazer a seguinte pergunta: onde está

todo mundo? Onde estão os educadores comprometidos com uma educação libertadora?

Com certeza, espalhados por aí, nos quatro cantos desse imenso planeta.

Notei que todos os educadores sujeitos desta pesquisa, se sentem “isolados”, sem

um amparo que os fortaleça e os incentive a continuar a luta. Diante disso, não seria

interessante os educadores se aproximarem, se organizarem e lutarem juntos? Quantos

educadores que hoje, desenvolvem suas atividades no interior das escolas públicas, e

que gozam de respeito e carinho dos seus educandos? O que nos falta?

Esses quatro educadores que foram sujeitos desta pesquisa, que são diferentes,

têm muito em comum e o principal deles é acreditar na possibilidade da escola pública

atender as necessidades de quem ela presta seus serviços: as classes populares. Que o

educador possa ser esse sujeito de possibilidades que construa e mantenha uma relação

de respeito, de carinho, de tolerância e de compreensão com seus educandos. Onde os

saberes trazidos da vida para a escola não sejam ignorados, mas sim reconstruídos, a

partir de suas experiências acumuladas. Que a escola seja um ambiente de alegrias, de

companheirismo, de liberdades e de tolerância. Enfim, que a educação sirva, acima de

tudo, para trazer felicidades, trazer liberdade e promover a autonomia desses sujeitos.

4.2 Um olhar sobre as práticas pedagógicas dos educadores

As observações que fiz junto aos sujeitos não se limitaram à sala de aula. Nossos

diálogos se deram em momentos variados, como por exemplo, nas salas de aula, nos

intervalos, na entrada e na saída da escola, além de outros momentos. Passarei a relatar

três aulas que mais me chamaram atenção. Inicio com uma aula, denominada pelo

processo escolar como Turma de Origem, com o educador S, em seguida descrevo uma

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

86

aula de Oficina Pedagógica (OP), com a educadora M, e finalizarei com uma Aula

Cultural (AC) com a educadora G.

Chegamos à sala de aula às 07h00, onde já se encontravam alguns educandos,

todos foram cumprimentados pessoalmente pelo educador e na medida em que iam

chegando todos se dirigiam ao educador para cumprimentá-lo. Os educandos ao

chegarem à sala de aula sempre traziam consigo algum assunto, saúde, violência,

família, entre outros.

As 07h30 o educador inicia a aula preparada, inicialmente com uma mensagem

ao qual foi denominada pelo grupo como “momento de sabedoria”, após a leitura da

mensagem que falava sobre as “gratuidades de Deus”, abre-se o momento para as

discussões.

As falas a seguir seguem de acordo com o entendimento de cada educando,

observando, suas falas sempre carregadas de senso comum.

- a gente reclama da vida enquanto tem tanta gente passando fome – diz uma

educanda.

- a gente tem que agradecer a Deus por ter saúde e um dinheirinho para

comprar o que comer. Afirma outro.

- Deus dá tudo de graça pra gente, ar, sol, água, terra e tem gente que não

agradece. Fala um educando que se encontra no fundo da sala.

Neste momento o educador começa a fazer algumas indagações:

- Se Deus nos dá tudo de graça, por que tem tanta gente passando fome? Por

que tem tanta gente sem água? Por que tem tanta gente sem terra? Por que tem tanta

gente sem ter onde morar?

Há um silêncio na sala de aula. O educador começa a incentivá-los à discussão,

momento em que uma educanda interrompe o silêncio e diz:

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

87

- Água de graça? Terra de graça? Tá bom! Se eu não pagar minha água vão lá

e cortam, essas coisas que servem para dar vida às pessoas viraram foi um comércio. E

conclui: Deus deve estar muito decepcionado.

Novamente o debate toma conta da sala de aula, aqueles que opinaram sobre a

gratuidade, começavam a pensar diferente, o educador começa a explicar sobre as

mentiras que a educação até então lhes tinham ensinado, e o debate continua;

- professor, eu acho que tem gente que vive enriquecendo através da miséria dos

outros, esses dias professor nós fizemos um comparação entre o que eu ganho com o

que ganha o Ronaldinho Gaúcho, eu vou ter que trabalhar sessenta anos para ganhar o

que ele ganha em uma semana, eu acho que é muita injustiça, desse jeito o pobre vai

continuar padecendo. Disse uma educanda.

- Nossa professor! A gente acha que sabe né? Mas na verdade nós só estamos

falando o que os poderosos querem que a gente fale. Disse outro educando. Surge mais

um comentário,

- É por isso que os governantes não querem que os pobres vão à escola, pois

aqui a gente fica sabendo de um monte de coisas que eles dizem, mas que na verdade é

tudo mentira. Conclui outra educanda.

Percebo que nestes momentos de discussões na sala de aula, todos os educandos,

motivados pelo educador, expressam suas opiniões, e o que penso ser mais importante,

eles descobrem que parte daquilo que lhes ensinaram, foram meios de fazer com que

permanecessem na condição de objetos.

Num momento seguinte, o educador me fala que acredita que esse é um dos

momentos mais ricos da aula, pois segundo ele,

É onde aproveito para provocá-los: eles têm esse conhecimento crítico, mas como nunca

foram ouvidos e compreendidos eles acabam caindo no senso comum, acredito eu, que

até para agradar. Mas é através dos conhecimentos deles, que avançaremos para

ultrapassar o senso comum. (Educador S, 43 anos)

O momento a seguir, o educador inicia o momento de letração, nessa aula,

apresentou as palavras temas: Carteira de Trabalho

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

88

C.T.P.S (Carteira de Trabalho e Previdência Social)

O educador apresenta aos educandos um breve histórico sobre a Carteira de

Trabalho, falando da sua importância e da sua garantia aos trabalhadores do país. No

momento em que surgem as explicações sobre a carteira de trabalho a atenção toma

conta dos educandos, noto que o tema prende muito a atenção da sala.

Na oportunidade foi feito um levantamento na sala de aula quem trabalhava com

carteira de trabalho assinada. O educador situou os educandos sobre o tema, após essas

explicações é passado um texto que será utilizado posteriormente para alfabetização:

A carteira de trabalho e previdência social é um documento obrigatório para

quem venha a prestar algum tipo de serviço profissional no Brasil. A carteira de

trabalho comprova dados sobre a vida funcional do trabalhador.

O educador me explica que o eixo do trimestre é TRABALHO e que tem

trabalhado sempre palavras que tenham haver com a realidade dos educandos, que são

trabalhadores e “como eles já vem com muitos conhecimentos, além da alfabetização

importante que eles compreendam o meio social em que estão inseridos”. (Educador S,

43 anos).

Para o educador o primeiro momento é para letração, que compreendo como a

decodificação dos códigos linguísticos e o reconhecimento das letras e suas famílias. Já

o segundo momento ele vai trabalhar a alfabetização, que compreendo como além desse

reconhecimento é compreender sua utilização. Desse texto ele retira algumas famílias

silábicas, nessa aula ele usou a família do:

Tra – Tre – Tri – Tro – Tru

Pra – Pre – Pri – Pro – Pru

Bra – Bre – Bri – Broi – Bru

A – E – I – O – U

Ao me deparar com a metodologia apresentado pelo educador não teve como

não relacionar ao método Paulo Freire em que usaremos como exemplo, encontrado na

sua obra Educação como prática de liberdade (1969), que assim apresenta:

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

89

- Apresenta a palavra geradora “TIJOLO” inserido na representação de uma

situação concreta: homens trabalhando numa construção;

- Escreve-se simplesmente a palavra: TIJOLO;

- Escreve-se a mesma palavra em sílabas separadas: TI – JO – LO

- Apresenta-se a “família fonêmica” da primeira sílaba: TA – TE – TI – TO –

TU;

- Apresenta-se a “família fonêmica” da primeira sílaba: JA – JE – JI – JO – JU;

- Apresenta-se a “família fonêmica” da segunda sílaba: LA – LE – LI – LO –

LU;

- Apresentam-se as famílias fonêmicas da palavra em que está sendo

decodificada: TA – TE – TI – TO – TU; JA – JE – JI – JO – JU; LA – LE – LI – LO –

LU;

- Apresentam-se as vogais: A – E – I – O – U

A semelhança que se encontra na metodologia desses educadores com o método

Paulo Freire vai além da alfabetização, é muito mais que decifrar códigos. Percebemos a

ação política e social. Essas ações pedagógicas, ainda que isoladas, ainda que tímidas,

precisam ser descobertas, divulgadas e comemoradas.

Por volta das 08h00 chega um educando de aproximadamente 50 anos de idade,

com uma proteção no joelho, se desculpando com o educador pelo atraso, informando

que quase não vinha na aula em função do patrão não o ter liberado na hora combinada.

A aula segue em ritmo animador, o educador vai à carteira de cada um tomar a leitura

do texto, alguns têm muita dificuldade em escrever e formar palavras.

As 08h30 o educador libera a turma para o intervalo, alguns preferem ficar na

sala de aula, o educador nesse período aproveita para conversar particularmente com

alguns educandos,

Dificilmente, no intervalo eu vou para a sala dos professores, lá, é só

reclamação. Eu prefiro continuar com os meus educandos, lanchar com eles,

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

90

falar “besteira”, cantar, contar segredos ou simplesmente observá-los.

(Educador S, 43 anos)

Retornando do intervalo alguns educandos sempre aproveitam para iniciar

assuntos relacionados ao seu cotidiano, com isso, o educador dispensa mais alguns

minutos para atender essas curiosidades, em seguida, sem inibir a curiosidade dos seus

educandos, retoma as atividades.

Sobre como lidar com uma turma heterogênea o educador informa não ter

problemas, pois a atuação de um educador comprometido com as liberdades deve passar

por compreender o educando como sujeitos únicos, não ter medo de se envolver e se

deixar envolver por eles “o educador tem que ter a sensibilidade de enxergar essas

diferenças e contribuir para que cada um, de acordo com seu tempo, realize seus

sonhos”. (Educador S, 43 anos). Continua,

Sobretudo na educação de jovens e adultos, onde temos numa mesma sala

educandos de 14 a 70 anos de idade, além disso, com sonhos diferentes,

enquanto alguns buscam apenas aprender a ler um livrinho para o neto, outros

querem sentir-se mais independente, mais livres; enquanto tem aqueles que são

obrigados pelos pais ou pela justiça, há aqueles que buscam emprego melhor,

ou um emprego; enquanto alguns buscam realizar esse sonho de criança

adormecido, outros buscam chegar à universidade. (Educador S, 43 anos)

Ao concluir as atividades dessa aula, o educador perguntou à turma sobre a aula

como entraram na aula e como estão saindo. Após resposta de todos os educandos, pude

perceber o elevado grau de satisfação nesse novo aprendizado. Passarei a relatar

algumas opiniões:

- professor, a gente se pega a pensar o quanto a gente é enganado por não ter

‘conhecimento’, a gente acha que o direito é só o salário, a agora a gente percebe que

nós temos muitos direitos, mas por não conhecer, a gente acaba penando, sendo

enganado. Disse um dos educandos.

- Essa aula, foi uma das mais importantes pra mim, porque mesmo que as

pessoas não sabem ler ela tem que saber que tem direito. Declara uma educanda que

diz ter descoberto um mundo novo.

- Professor, esses dias eu vi um homem na TV falar que a gente passa o ano

todo vendo uma coisa na escola e nunca vai usar, tem coisa que a gente ver uma vez e

vai usar para o resto da vida. Ele tem razão mesmo, pois aqui a gente aprende muito

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

91

aquilo que a gente usa na nossa vida. Fala outra educanda após ser questionada pelo

educador.

Alguns educandos, antes do término da aula, pedindo licença ao educador, para

se retirarem, pois parte deles, tem que entrar no trabalho, outros tem os fazeres

domésticos, ou outros assuntos relacionados à saúde e à família.

Após a aula perguntei ao Educador S, sobre esse tempo das 07h00 as 07h30,

momento este deixado para os bate papos, questionei sobre a importância desse

momento, ao passo em que me respondeu:

Eu não posso chegar aqui e já ir direto para a disciplina, deixo esse momento

para que possam falar de si, desabafar, contar um pouco de suas vidas, esse

momento, eles sempre tem algo a ensinar aos outros e para mim. Penso que

este momento é tão importante quanto o momento da aula, na verdade essa já é

uma aula, pois aprendemos muito nesses bate papos. (Educador S, 43 anos)

O educador sempre amoroso com os educandos construiu uma relação regada de

respeito, carinho e confiança, recebendo a todos com gestos afetuosos fortalecendo uma

relação séria e justa. Essa relação não se limita ao espaço escolar, o educador tem o

telefone de todos os educandos e os educandos o telefone do educador e sempre que há

algum problema os mesmos mantêm contatos via telefone justificando a ausência.

Quando eu percebo que algum educando está faltando muito, primeiramente eu

peço informação na sala de aula, depois eu ligo pessoalmente para saber o que

está acontecendo, às vezes estou lá em casa, de repente o telefone toca é um

dos meus educandos me convidando para alguma coisa, para um almoço, uma

festinha, um bozó. E assim, a gente vai mantendo essa relação. (Educador S, 43

anos)

Durante as suas aulas, eu nunca percebi que o educador mudasse sua maneira de

ser, fazer algo para “impressionar” o pesquisador. Sempre da mesma maneira de ser

seguia sua aulas, muitas vezes, me senti, como se não estivesse sendo visto ali na sala

de aula. Desde o início da aula ao término, o educador e os educandos mantiveram essa

relação séria e muito alegre.

A próxima aula observada foi uma aula denominada Oficina Pedagógica,

realizada nas terças feiras, dia designado pela escola para que ocorram as referidas

aulas. Nesse dia, a oficina pedagógica foi sobre corte de cabelo. Na turma há um

cabeleireiro profissional, que em função da sua atividade já esteve viajando para os

estados Unidos e países da Europa para fazer cursos e aprimorar seus conhecimentos.

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

92

Nessa aula, acompanhei da turma da educadora M, a mesma faz a abertura da

aula, falando sobre diversas profissões e a importância social de cada uma delas.

Todos nós aqui presentes temos, já tivemos ou teremos uma profissão, e todas

elas contribuem para o desenvolvimento do país. Utilizar nossas atividades

profissionais sempre para promover o bem e a harmonia entre as pessoas

deveria ser uma atitude de todas as pessoas. (Educadora M, 60 anos)

Após um breve histórico sobre algumas profissões a educadora fala sobre a

profissão que naquele dia estará sendo apresentada na prática: a de cabeleireiro. A

educadora apresenta o educando-educador daquela aula que pede que o mesmo fale um

pouco sobre sua profissão.

Ele inicia sua aula explicando sobre os tipos de cabelos, como tratá-los, os

cuidados necessários. “Algumas pessoas acham que o cabelo é só uma questão de

estética, mas não é só isso, o cabelo é uma marca pessoal, é uma identidade”, diz o

educando-educador.

Após o momento teórico o educando-educador, começou a fazer demonstrações

práticas fazendo corte de cabelos das pessoas que participavam da oficina. As técnicas

demonstradas através de cortes, penteados, tratamentos enchiam de curiosidades os

demais. A turma da educadora M, convidou outras turmas a participarem da oficina,

além destes, foram convidados também a participar a direção e coordenação da escola.

Para a educadora:

Essas aulas são as que mais chamam a atenção dos educandos, os que ensinam

sentem-se orgulhosos por mostrar suas habilidades e perceber que de alguma

forma também é professor, pois está ensinando técnicas do que fazem aos

demais colegas. Aos que aprendem sentem-se felizes por saber que pessoas

como eles, que apesar da pouca leitura, tem sempre algo a ensinar e de alguma

forma são educadores também. (Educadora M, 60 anos).

Um dado momento, a educadora abre espaço para que os educandos falem de

suas profissões, salários, direitos, e grau de satisfação com a profissão. Uma educanda

fala:

- Professora eu saio de casa cinco e meia da manhã e só volto depois das dez da

noite, é assim de segunda a sexta, sábado trabalho até meio dia, ganho um salário

mínimo, sou doméstica, eu estou aqui de teimosa, por acreditar que estudar vale à

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

93

pena, mas é muito difícil a gente aguentar essa correria, pois em casa também tem

cobrança do marido e dos filhos que já sofrem com nossa falta o dia todo.

Para o educando-educador, [...] eu estou muito feliz com minha profissão, faço o

que gosto e a remuneração não é ruim. Eu fui discriminado muitas vezes por não saber

ler e acabei perdendo muitas oportunidades, mas não é só isso, a gente perde a auto-

estima, a confiança, que só comecei a recuperar agora.

A aula segue sempre animada e séria, onde o educando vira educador enquanto o

educador vira educando e nessa relação se constitui laços de fraternos de amizades,

admiração e respeito.

Pude perceber, sobretudo, no educando-educador a satisfação em estar

desenvolvendo esse papel, a todo o momento ele indagava a educadora sob como

proceder, apesar de estar à frente dessa aula, notamos que o educando sempre pedia

auxílio da educadora que estava próxima para que pudesse contribuir com o mesmo

sempre que precisasse.

Perguntado sobre a importância de estar ali falando e demonstrando na prática

sua profissão o educando responde:

Para mim um momento muito importante, porque nesse momento eu me sinto

um professor, eu posso não ler nem escrever muito bem, mas existe outras

coisas que a gente se destaca, e eu me sinto valorizado estar aqui na escola

dando uma aula, eu me sinto feliz. E continua: estou aqui porque sei que a

educação é muito importante, acredito se eu tivesse leitura as minhas chances

seriam bem maiores e aqui encontrei uma escola muito boa que valoriza os

alunos e principalmente os professores que estão sempre incentivando a gente.

(L, 36 anos)

Essas aulas (oficinas) são bastante dinâmicas e assíduas e geralmente outras

turmas são convidadas a participarem dessas aulas. Os educadores ficam dando suporte

aos educandos, mas as ações concretas são sempre dos educandos que demonstrando

suas habilidades.

As quintas feiras são destinadas às aulas culturais, que geralmente são palestras

sobre temas atuais. Acompanhei algumas turmas, incluindo as do educador S, da

educadora G, e da educadora M, que ocorreu no auditório da escola. O palestrante

dialogava sobre cultura e a identidade de um povo, o tema foi abordado com muita

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

94

propriedade pelo palestrante e que após sua apresentação abriu espaços para que os

educandos se manifestassem.

Pude perceber, nesta aula, que a participação dos educandos era tímida e as

indagações eram geralmente muito reduzidas. Questionando um dos educandos sobre a

pouca participação eis que ele me responde: “é que a gente não sabe muito bem o

sistema dele, e a gente acaba ficando com receio de falar alguma coisa que ele não

goste”.

Na aula seguinte a educadora retoma o tema, apresentando uma maneira bem

dinâmica de discutir identidade de cada um. Ela escreve aleatoriamente na lousa os

nomes de todos que estão na sala de aula e posteriormente pede que os educandos

coloquem os nomes em ordem alfabética. Os nomes foram:

Vera, - Maria das Graças – Jacinto – Edinho – Glória – Cristina – Juliano – Karoline

– Marilene – Adilson – Francieli – Laura – Sandra – Tiago – Maria Lúcia – Marilene –

Karol - Miriam

Perguntada sobre o sentido e a importância dessa aula a educadora me informa

que,

O intuito dessa atividade é valorizar a identidade de cada educando, após

colocarmos os nomes em ordem alfabética nós vamos trabalhar sua história e

através do trabalho exercido por eles, vamos descobrir que contribuíram para a

construção e organização da sociedade. (Educadora G, 42 anos)

No meio da aula uma educanda entrega um presente a educadora, pelo dia dos

professores, ao momento em que mais uma educanda entra se explicando:

- Desculpa o atraso professora (era 14h10, a aula inicia às 13h00), é que hoje eu

tive que ficar mais de uma hora a mais no serviço, não tive como chegar a tempo. Dez

minutos depois entra mais uma educanda, acompanhada de sua filha dizendo:

- Professora hoje eu saí para pagar umas continhas e acabei atrasando, mas eu

não poderia deixar de dar pelo menos uma passadinha, pois me sinto muito bem aqui.

A educadora sempre atenciosa com os educandos, explica que os mesmos

deverão aproveitar o máximo quando estão na escola para que possam aprender um

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

95

pouquinho mais. Em seguida uma educanda de aproximadamente sessenta anos de

idade comentando com os colegas: “hoje, não ia vir na escola, porque meu carro

quebrou, meu filho me disse para vir de ônibus, pois quando eles estudavam eu não

permitia que eles faltasse às aulas, agora eles ficam ‘pegando no meu pé’ para eu não

faltar aula”. E a aula segue nesse ritmo, sempre aparece um assunto que alguém inicia e

logo chama à atenção dos demais educandos. A educadora não deixa nenhum assunto

sem um comentário ou uma reflexão e em seguida continua as tarefas programadas.

Percebi também a proximidade das ações entre os pedagogos que atuam nessa

escola, questionando sobre se sua atuação tinha algo a ver com determinações prévias

da secretaria de educação ao qual prontamente me falaram que suas ações são frutos de

suas convicções, apesar da escola, através do seu PPP cobrar ações que vise à

valorização dos educandos abordando temas que contribuam com a sua autonomia.

Ao passo em que a educadora passa para a letração, após fazer um resgate

histórico dos educandos, origem, trabalho, família, naturalidade, grupo social e

principalmente a importância que os mesmos têm para a história do país, a educadora

trabalha as família silábicas, tomando como exemplo, a história de vida de uma de suas

educandas:

MARIA

Maria nasceu no dia 10/10/1945, na cidade de Poconé, no estado de Mato

Grosso, chegou a Cuiabá em 10/10/1950, com cinco anos de idade, começou a

trabalhar desde os seis anos de idade e nunca teve a oportunidade de estudar.

Hoje, tem 65 anos, é casada, aposentada, tem seis filhos, dezenove netos e três

bisnetos. Está estudando na escola Cesário Neto e pretende continuar estudando.

Apesar de ter passado por muitas dificuldades na vida é uma pessoa muito feliz.

Após fazer essa breve leitura histórica dos educandos, desenvolvendo a letração

a educadora inicia começa a alfabetização:

MARIA

MA – RI – A

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

96

MA – ME – MI – MO – MU

RA – RE – RI – RO – RU

A – E – I - O – U

Alguns educandos, ainda encontram grandes dificuldades na escrita, a educadora

vai à carteira de cada um explicando, pegando na mão deles ajudando-os nos exercícios.

Dado momento um educando solto um grito de alegria: “professora... professora, eu já

terminei, eu consegui fazer tudo (ele rir bastante) olha aqui professora, olha o meu

caderno”.

Uma característica dessa turma é a cordialidade entre ambos, se ajudam, brincam

e conversam muito. Eles demonstram um respeito e uma admiração muito grande pela

educadora.

Ao finalizar a aula a educadora se despede reforçando o convite para a aula

seguinte e na medida em que os educandos vão saindo despendem-se da educadora

sempre com gestos carinhosos.

4.3 Educandos: um reencontro consigo mesmo

Passo a relatar a seguir, alguns depoimentos dos educandos pesquisados sobre os

motivos que fizeram com que os mesmos não estudassem em “idade apropriada”. Todos

os educandos pesquisados são trabalhadores adultos, que durante a sua infância, sua

adolescência e parte da juventude foram excluídos do direito de estudar. Ao iniciarmos

nossos diálogos, pude notar a melancolia em seus olhos quando relembram sua infância,

cujas bonecas eram as irmãs mais novas e os carrinhos eram os cabos da enxada e da

foice.

[...] a gente vivia no mato, nas fazendas dos outros, lá não tinha escola, a

escola era a enxada e o machado [...] desde muito pequeno a gente tinha que

trabalhar para poder ajudar a família a sobreviver. (L, 36 anos)

A realidade que batia à porta da maioria dos educandos pesquisados era de

pobreza, em alguns casos, de extrema pobreza, onde desde a mais tenra idade, eram

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

97

obrigados a trabalhar na roça para ajudar na sobrevivência da família. Desde crianças

eram treinados a servir um sistema, aos interesses das classes dominantes.

A realidade que exclui é a mesma que trabalha o sujeito para a

reprodução do sistema, do pensamento determinado, das vontades divinas cujas

realidades são verdadeiras e não se pode alterá-las. Freire (1968) contrapõe essas ideias,

afirmando que a educação deverá servir como uma ferramenta importante para que o

sujeito mediado pelo mundo possa produzir e desenvolver conhecimentos construindo a

sua emancipação e a sua liberdade.

A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática de

dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado

do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade

ausente dos homens. (FREIRE, 1968, p. 70)

De acordo com os depoimentos, notamos que os sujeitos, apesar do desejo de

criança em frequentarem a sala de aula, encaram essa exclusão como uma determinação

divina, onde seus pais é que não queriam colocá-los na escola,

Eu fui criada num sítio [...] meu pai nunca me colocou na escola, sabe! [...]

eu nunca entendi os motivos, e também naquele tempo os filhos não

respondiam os pais se os pais dissessem uma coisa era quilo e pronto [...] eu

nunca tinha ido à escola. Naquele tempo as pessoas só se preocupavam em

trabalhar e quando os filhos cresciam um pouquinho já ia para a lida [...]. (M,

41 anos).

Na percepção dos sujeitos entrevistados o fato de não ter tido a oportunidade de

estudar é sempre atribuída, primeiramente aos seus pais e posteriormente ao trabalho.

Para eles, antes de frequentarem a escola, não existia nenhuma relação da sua exclusão

com um sistema político do país. Essa visão será rompida gradativamente após

iniciarem suas vidas escolares, com a contribuição de seus educadores.

Os educandos, de uma maneira “natural” reproduzem concepções de sua

trajetória de vida, sem perceber que são vítimas de um sistema excludente e elitista,

fruto de complexas relações históricas e políticas.

Freire (1995) insiste na superação deste senso comum a partir dele e não o

desprezando, através de uma educação que promova a liberdade, inserindo nos grupos

populares o movimento de superação deste saber por um conhecimento crítico em torno

do mundo em que os sujeitos se relacionam.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

98

[...] a minha infância eu tirei ela toda trabalhando [...] a gente precisava

trabalhar desde muito pequeno para ajudar no sustento da família [...] escola

mesmo! Isso não era coisa para pobre não [...] os pais achavam melhor a

gente ir pra lida [...] (I, 60 anos).

Este depoimento demonstra um grande problema que vem se arrastando há

séculos, em virtude da omissão e negligência do Poder Público à necessidade que as

famílias brasileiras têm de “obrigar” seus filhos a trabalharem desde a mais tenra idade

o que tem contribuído para aumentar de forma significativa para o analfabetismo e a

exclusão do direito à educação das classes populares.

A reprodução dessa ideologia era feita pelos sujeitos de forma “natural” onde os

mesmos “acreditavam” não poder fazer nada, já que os mesmos receberam uma herança

dos pais que era continuar reproduzindo esses pensamentos impostos a eles ao longo de

suas vidas. “A gente já sabia que estudo não era para pobre, por isso que a gente não

ligava para estudo”. (P, 38 anos)

Ainda, na impossibilidade de frequentar a escola em idade apropriada os sujeitos

da pesquisa destacam o fator família e a necessidade do trabalho,

Quando era criança fui dada a uma família que tinha melhores

condições para cuidar de mim. Na verdade eu é que cuidei deles, pois

desde cedo, eu cuidava dos filhos dessa família, enquanto eles iam

para a escola eu ficava trabalhando em casa, por isso que não estudei

quando era criança. (A, 50 anos).

Como se percebe nesse depoimento à criança desde cedo já era “treinada” a

assumir responsabilidade de gente adulta. E a própria criança, apesar da vontade de ter

uma vida de criança, sentia-se responsável pelos fazeres profissional e tendem a uma

“acomodação”, mesmo que imposta. Pois as mesmas viam seu futuro no presente dos

pais.

Vale ressaltar, que o ambiente em que os sujeitos pesquisados eram inseridos

fazia com que os mesmos tivessem essa impressão, pois ao longo de suas vidas foram

“ensinados”, “treinados” a pensar e agir de acordo como o que a classe dominante

queria.

Freire (1968), sobre o meio rural, origem de todos os sujeitos pesquisados, fala

sobre o poder do senhor da terra:

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

99

[...] Nos campos, sobretudo, se observa a força mágica do poder do senhor. É

preciso que comecem a ver exemplos de vulnerabilidade do opressor para

que, em si, vá operando-se convicção oposta à anterior. Enquanto isso não se

verifica, continuarão abatidos, medrosos, esmagados. (FREIRE, 1970, p. 51)

Em todos os depoimentos prestados pelos sujeitos pesquisados, jamais deixaram

de sonhar, mesmo que sozinhos, sem contar a ninguém. Apesar da imposição de um

sistema perverso que em todo momento diziam-lhes que a escola era um direito que não

lhes pertenciam, jamais deixaram de acreditar que um dia pudesse realizar esse sonho.

O sonho de criança permaneceu vivo. Apesar de terem sua infância roubada,

diante de um conjunto de imposições obrigando-os a assumirem tarefas de pessoas

adultas. Era preciso deixar adormecido o sonho da descoberta desse novo mundo, onde

tornariam mais livres e mais felizes.

Nota-se o processo excludente em que os sujeitos foram submetidos e obrigados

a trabalharem desde os primeiros anos de vida para o complemento das despesas

familiares. Não existe, nesses casos, a opção de se ausentar da sala de aula, pelo

contrário, houve um processo severo de uma ideologia dominante cuja sua existência se

baseia na reprodução desse sistema.

Naquele tempo a escola não vinha em primeiro lugar na vida das pessoas não

[...] eu passei um tempinho numa escola, mas mal aprendi a assinar o nome

[...] naquele tempo os pais da gente não davam força para os filhos estudarem

não [...] a gente vivia trabalhando [...] não era nem maldade dos pais, mas é

que naquele tempo era assim mesmo, pobre não precisava estudar porque não

ia sair da roça mesmo [...] então por isso que eu não estudei. (C. 60 anos).

Esse sentimento de que os pais “não se esforçavam” para que os filhos pudessem

estudar é compartilhado entre alguns sujeitos pesquisados. Esse sentimento era mais

acentuado quando os mesmos eram crianças. Essa concepção começa a ser rompida

com um novo olhar que os mesmos descobriram após os educadores iniciarem um

processo de superação do senso comum.

Percebe-se nesse nesses depoimentos que os sujeitos não conseguem, em função

das “instruções” recebidas de que seus pais também foram vítimas desse modelo e que

os mesmos inseridos nesse contexto defendiam aquilo que lhes foram ensinados. “As

vezes eu penso que os pais não se interessavam em colocar os filhos para estudar[...] era

só trabalho.” (M, 41 anos).

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

100

Um sentimento de dúvida é percebido quando alguns dos sujeitos “culpam” os

pais pelo fato de não terem estudado na idade apropriada, percebe-se que os sujeitos,

acreditavam que apesar das dificuldades os pais poderiam colocar os filhos para estudar.

Fato este que fez com que todos os sujeitos pesquisados incentivassem seus filhos a

estudarem, para segundo eles, não passarem as dificuldades que os mesmos

encontraram na vida.

Além da “naturalidade” de que lhes foram ensinados de que filho de analfabeto

será analfabeto, filho do roceiro, roceiro será e filho de doutor será doutor, ainda lhes

ensinaram que essa era, sobretudo, uma vontade divina. Era vontade de Deus.

4.4 Educandos: Um sonho adormecido

Desde criança eu

sempre sonhei

em aprender a

ler, eu sempre

pedia a Deus que

antes de morrer

eu queria ler

uma revista, uma

receita, uma

notícia, um

romance... esse

era meu maior

sonho.. E foi

para realizar

esse sonho que

quis estudar

(Sujeito da

pesquisa)

Aqui, iniciaremos um diálogo sobre os motivos, os desejos, as perspectivas e

sonhos que fizeram com que esse grupo social, após décadas sendo impedidos de

estudarem, resolve quebrar essas barreiras e como crianças sonhadoras sentarem-se

numa carteira escolar. Encontramos nos sonhos de Paulo Freire de que os sonhos são

projetos pelo que se luta e cujo percurso é cheio de obstáculos e a realização desses

sonhos não é uma tarefa fácil. Para a realização desses sonhos, implicam em avanços,

recuos, paciência, impaciência e luta. Muita luta!

Para que os sujeitos possam desconstruir os conceitos sobre a educação que lhes

foram transmitidos é um longo processo, mas que essa luta possa começar agora.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

101

Principalmente através das educadoras e dos educadores comprometidos com uma

Educação Libertadora que se relacionam com esses sujeitos. A força de vontade e a

determinação é uma das qualidades visível nos sujeitos pesquisados, pois os mesmos

além de enfrentarem dificuldades que lhes foram impostas pela idade, ainda fazem

investimentos próprios para que possam realizar um sonho de criança.

Os sonhos que os sujeitos carregam consigo é fruto de um desejo infantil, que

durante tempos adormeceu, mas que não morreu,

A realização desse sonho, para eles, é a possibilidade de serem compreendidos

como sujeitos “independentes” que a partir do processo de alfabetização começaram a

desenvolver atividades que para alguns são tão simples, mas que para eles, até então, era

algo distante de ser alcançado.

Eu comecei a estudar para poder fazer minhas continhas de água, de luz,

pegar ônibus, eu queria deixar minha cegueira. É muito ruim a gente olhar

para uma escrita e não entender nada. Eu me sentia cega, quando eu via as

pessoas lenda e escrevendo, isso me doía muito, por não poder fazer o

mesmo. [...]. (M, 41 anos.)

A partir do momento em que os sujeitos decidem partir para a conquista desses

novos saberes, os mesmos são conscientes das dificuldades que encontrarão, alguns

encontrariam dificuldades na própria família, que viam sua participação na escola como

perca de tempo. Mas que as dificuldades maiores seriam na sociedade que regadas de

preconceito não entendiam o que eles estariam fazendo ali já que para o mercado de

trabalho parte deles, já não tinham nenhum interesse.

Os motivos pelos quais os sujeitos procuraram a escola são diversos: sonhos de

criança, sentir-se “útil”, entender melhor as coisas, pegar ônibus com mais segurança, ir

ao banco. Mas, também há aqueles que procuram apoio no campo emocional.

Eu vim para a escola porque eu estava em depressão por causa da morte de

dois filhos [...] eu tinha um filho que estava fazendo estágio para ser médico

no Rio de Janeiro e o mataram. Depois, aqui mesmo em Cuiabá, mataram a

minha filha caçula (ela começa a chorar). Eu estava totalmente sem rumo e

precisava encontrar uma ocupação para minha cabeça. Foi quando eu resolvi

vim para a escola, mas como um refúgio do que para aprender alguma coisa.

Depois que comecei a estudar fiz novos amigos, a nossa professora é muito

boa, e fui ficando mais contente. A escola me ajudou a sair da depressão e

ainda, estou aprendendo um pouquinho mais [...] (C, 60 anos,)

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

102

Este, talvez tenha sido o depoimento mais emocionante que registrei, pois a

melancolia nos olhos da dona C, ainda era visível. Seu sorriso era um misto de

esperança e dor. Sua fala, vinda do coração ora cheia de entusiasmo, ora acompanhada

de uma tristeza profunda de quem perdera partes de si. Nas nossas despedidas, sentia

nos seus abraços sentia uma sensação de alegria, mas ao mesmo tempo uma sensação de

dor de uma mãe que se apegara numa relação de alegria construída no ambiente escolar

para minimizar sua dor.

Quando retomo a questão do sonho, sonho de criança, quero com isso, deixar

claro, que esse sonho os sujeitos trouxeram consigo e permaneceu vivo por todo esse

tempo, não raro eram as vezes em que os sujeitos se pegavam sonhando. Sonhavam

quando dormiam, mas principalmente sonhavam acordados e foi justamente nessa

condição que os sujeitos buscavam a realização desse sonho.

Os motivos que me fizeram voltar a estudar é que conhecer um pouquinho

mais é muito bom. Porque é muito ruim para gente não souber a leitura de um

ônibus a gente fica “embananado” e tem que depender dos outros para poder

pegar o ônibus, também se não souber fazer leituras de placas de hospitais

que o idoso precisa tanto não é mesmo? A gente fica dependendo muito dos

outros e nem sempre os outros estão bem para ajudar a gente. Então foi isso

que me fez voltar a estudar, pra eu poder viver melhor sem depender dos

outros. (I, 61 anos)

Ao conversar com os sujeitos, se percebe que os mesmos sempre caregaram

consigo a certeza de que em algum momento de suas vidas a chance de freqüentarem a

escola apareceria. Seja para realizar um sonho de criança, seja pela necessidade de

sobrevivência. Mas cedo ou mais tarde a vida exigiria isso deles.

Eu comecei a estudar por necessidade, fui ameaçado de perder o emprego se

eu não soubesse ler e escrever. A gente se sente diminuído, sem valor, se a

gente não tem estudo. Eu nuca tive esperança de estudar não! Porque eu sabia

que estudo não é para gente pobre não. Mas depois que eu comecei percebi

que eu estava errado. Estudar é muito bom. (P, 38 anos).

Segundo a educanda A, que durante sua infância teve que sobreviver com adulta,

afirma que “quando eu via os filhos da patroa indo para a escola eu me imagina indo

também”. Esse sentimento, acredito eu, fez com que esse sonho de criança

permanecesse vivo por quase 50 anos.

Eu me lembro muito bem de quando eu comecei a estudar, eu parecia uma

menina, animada, toda ‘besta’. Mas, eu realizei o meu sonho. Depois de

velha é que eu tive a chance de estudar. E hoje, estou mais animada que

sempre e agora que eu comecei quero ir até o fim. (A, 50 anos).

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

103

Ao concluir essa parte das entrevistas pude perceber que os sujeitos pesquisados

não começaram ou recomeçaram a estudar por acaso, do nada. Os motivos apresentados

foram sempre de busca pela liberdade, pela independência e pela felicidade como os

mesmo declaram. A liberdade buscada por eles é a liberdade de poder ir e vir com mais

segurança, de serem vistos e compreendidos como sujeitos que regados de saberes.

Quando os sujeitos buscam a liberdade é justamente não precisar da ajuda de terceiros

para fazeres cotidianos, ir ao médico, ir ao banco, pegar ônibus, ler e escrever. Isso lhes

trará a felicidade, felicidade de ver tudo isso acontecendo.

4.5 Educandos: a escola que queremos

Os sujeitos pesquisados após longo período excluídos do direito de frequentarem

a sala de aula se enchem de coragem, quebram primeiramente um paradigma pessoal de

que a escola não é ambiente para eles, vindo posteriormente quebrar outras inúmeras

barreiras sociais impostas ao longo de suas vidas para poderem frequentar a sala de

aula.

No entanto, numa sociedade capitalista, a escola é compreendida como um

espaço cuja função é a reprodução de um sistema que visa a manutenção do status quo

de um pequeno grupo que detém o controle econômico e político.

Segundo D’Alencar (1998), a busca pelo saber escolar, dependendo do grupo

social e etário, são buscas diferenciadas,

De um lado [...] um sujeito que busca um diploma, que deseja acumular

conhecimento; no modelo pedagógico para alcançar esses objetivos tem

predominado o estímulo à competição, apesar das críticas, (notas, provas,

frequência, cumprimento de um conteúdo previamente estabelecido,

diplomas, certificados). De outro lado, um sujeito que não está preocupado

com o diploma, mas com o conhecimento que lhe ajude a compreender e

viver melhor o momento e o lugar em que se encontra. Nesse caso, a relação

não dependerá de nota, de prova, a aprendizagem buscada pelos idosos é de

complementaridade, de interação, de emancipação, de prazer.

(D’ALENCAR, 1998 p. 36).

Para D’Alencar (1998), a escola foi preparada para atender a exigência de

mercado, preparar os sujeitos para exercerem uma função diante do mercado de

trabalho. Logo, para eles, a escola é um direito que não lhes pertencem e quando surge

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

104

esse público que busca a escola para a promoção de sua autonomia como sujeito

emancipado ela encontra dificuldade em desenvolver esse trabalho.

[...] a busca é sempre por coisas melhores na vida da gente [...] aprender a ler

e a escrever a gente se sente mais valorizado [...] é muito ruim a gente olhar

para uma escrita e não entender nada [...] aqui na escola eu acredito que vou

aprender coisas novas que vão me ajudar na minha vida [...] quando a gente

aprende a gente fica mais feliz [...]. (M, 41 anos)

Para alguns a felicidade passa pela satisfação profissional e financeira,

afirmando que a escola contribui com essas conquistas. Para outros, só o fato de poder

conversar, ser ouvido, aprender escrever e ler o nome, são elementos que os fazem

felizes, independentemente das questões financeiras e profissionais.

A educação como processo de libertação e promoção da autonomia do sujeito

Freire (1996), nos convida a sair da condição de oprimido para a condição de sujeito da

própria história no contexto em que se insere.

[...] uma alfabetização de adulto que em lugar de propor a discussão da

realidade nacional e de suas dificuldades, em lugar de colocar o problema da

participação política do povo na reinvenção da sua sociedade, estivesse

girando em volta dos ba-be-bi-bo-bu, a que juntasse falsos discursos sobre o

país – como tem sido tão comum em tantas campanhas -, estaria contribuindo

para que o povo fosse puramente representado na história [...] FREIRE,1983,

p. 49).

Romper barreiras impostas pelo sistema opressor e construir sua história como

sujeito da sua própria autonomia. Sair da condição de sujeito oprimido e dependente é

um caminho longo a ser percorrido. Os sujeitos pesquisados demonstram insatisfação

com a condição de oprimido, mas não se “revoltam” com tal condição, os caminhos

percorridos pelos mesmos e pelas mesmas para sair dessa condição é a Educação

através de uma atuação gradativa, pacífica que lhes garantirão a tão sonhada condição

de sujeitos livres.

Segundo Freire, a Educação como instrumento de promoção da autonomia

deverá proporcionar aos sujeitos muito mais que aprender a ler e a escrever para ter um

bom emprego e que essa ideia revela a incapacidade de percepção do analfabetismo em

suas implicações políticas e sociais, de que resulta a sua redução a algo estritamente

linguístico.

Olha... (pausa) eu sei que não dá mais para recuperar o tempo perdido, mas

dá para não perder o pouco tempo de vida que ainda resta pra gente [...] eu

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

105

quero aqui aproveitar para ser mais feliz [...] relembrar coisas dos tempos de

crianças que eu ouvia falar [...] eu não vim aqui pra arrumar emprego, pra

ganhar dinheiro [...] eu vim aqui em busca de me tornar mais feliz [...] (I, 61

anos)

Apesar de acreditarem, caso tivesse tido acesso à educação em idade apropriada,

estar em uma posição social mais “confortável” e terem enfrentado menos dificuldades

na arte de sobreviver, ainda está vivo em suas memórias o desejo de criança que após

longos anos de sua vida sentem-se realizar agora.

A busca pela LIBERDADE, liberdade de enxergar com os próprios olhos, de

poder pegar um ônibus, de ler anúncios, nomes de ruas, livros, revistas, de arrumar um

emprego melhor. A liberdade de não depender dos outros para essas necessidades e pela

FELICIDADE de poder realizar um sonho adormecido durante longos anos é o que

mais se tem percebido nesse grupo pesquisado.

É através da Educação que os mesmos se sentirão inseridos na sociedade como

sujeito atuante no meio em que vive, reconhecendo seus saberes e sua contribuição dada

à sociedade. Para isso, a Educação deverá ter o objetivo de trazer um sujeito à condição

de autônomo.

Segundo os sujeitos deste trabalho a Educação poderá lhes possibilitar a

valorização e uma atuação mais participativa no meio em que vivem. Sentirem-se

sujeitos socialmente competentes, manter a cidadania, promover a qualidade de vida

para a manutenção de uma velhice bem sucedida.

Para Charlot (1997) quando o sujeito busca adquirir novos saberes, ele busca ter

um melhor domínio do mundo no qual ele vive estabelecendo com ele um tipo de

relação,

Adquirir saber permite assegurar-se um certo domínio do mundo no qual se

vive, comunicar-se com outros seres e partilhar o mundo com eles, viver

certas experiências e, assim, tornar-se maior, mais seguro de si, mais

independente [...] procurar o saber é instalar-se num certo tipo de relação

com o mundo [...]. Assim, a definição do homem enquanto sujeito de saber se

confronta à pluralidade das relações em que ele mantém com o mundo.

(CHARLOT, 1997, p. 60)

Manter essa relação com mundo, se reconhecer e ser reconhecido como parte

dele, tem sido uma condição que os sujeitos pesquisados não se percebiam.

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

106

Eu vim em busca da felicidade me tornar mais independente, de não se sentir

enganado e humilhado por pessoas que acabam tirando vantagem em cima da

gente por se achar mais inteligentes [...] Quero ver o mundo com os meus

olhos e não ficar esperando para que os outros lhe diga o que fazer e como

fazer [...] Acho que assim me tornarei uma pessoa mais feliz. (A, 50 anos)

Os sujeitos pesquisados, apesar de terem sido excluídos do direito à educação

durante parte de suas vidas, hoje, têm essa visão da educação como ato de liberdade,

pois os mesmos buscam na escola essa possibilidade de poder sentir-se inseridos no

meio em que vivem, tornando-se sujeitos libertos e independentes.

Vim para a escola eu buscava descobrir coisas novas. Quero também, poder

achar meus filhos nas tarefas de casa, ler histórias com eles. Quero que eles

tenham orgulho de ter um pai que não passe vergonha por não saber ler e

escrever. Mas isso também é por mim, pois acho que a pessoa que tem esses

conhecimentos pode ser mais contente, mais feliz. Quero poder ver minhas

contas, pegar meu ônibus, enfim, coisas simples para alguns, mas que para

mim é muito difícil. (I, 61 anos)

Para Freire (1981), a alfabetização tem que ultrapassar o conceito de

simplesmente decifrar códigos, a educação, segundo o autor tem que possibilitar o

sujeito a compreender o meio em que se insere. Tornando-os sujeitos autônomos e

livres.

A alfabetização, assim, se reduz ao ato mecânico de “depositar” palavras,

sílabas e letras nos alfabetizandos. Este ‘depósito’ é suficiente para que os

alfabetizandos comecem a ‘afirmar-se’, uma vez que, em tal visão, se

empresta à palavra um sentido mágico. (FREIRE, 1981, p. 11)

A busca dos sujeitos da pesquisa não se limita a decifrar esses códigos,

conforme Freire, eles e elas buscam se auto-afirmar como sujeitos inseridos no contexto

social e político do meio em que vivem, podendo assim, serem vistos não como um

pessoa que precisa ser respeitada como contribuem para a construção da sociedade em

que vivem.

Eu busquei primeiro, um motivo para eu poder voltar a viver em paz [...] eu

busquei ajuda para sair da depressão esse era o meu maior desejo depois que

eu consegui encontrar essa ajuda eu percebi que a educação poderia me

ajudar ainda mais [...] a melhorar meu relacionamento em casa, a fazer mais

amizades, aprender coisas novas, ler, escrever, a acreditar em mim mesma.

(C, 60 anos)

Para os sujeitos pesquisados a Educação e a Escola têm um significado mais

amplo do que a própria Escola atual propõe, a busca por melhorar a qualidade de vida

interior também é vista como um dos grandes objetivos dos sujeitos, ultrapassarem

problemas psicológicos, sentirem-se queridos e querer bem, melhorar a auto-estima e

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

107

sentir-se valorizado como sujeitos que são e não como sujeitos que em virtude da idade

precisam de “cuidados”.

Eu busco em primeiro lugar a minha liberdade [...] durante a minha vida toda

eu sempre dependi dos outros até mesmo para sobreviver, eu tive que usar da

minha vivência para sobreviver [...] eu dependia de tudo, para pegar ônibus,

para escrever um relatório, uma carta, e ainda mais que as coisas estão

sempre progredindo, a gente precisa buscar meios para não ficar dependendo

dos outros [...] é isso que eu busco aqui, uma chance que eu não tive quando

eu era criança. (P, 38 anos)

A busca pela independência do sujeito é um dos principais, se não o principal,

objetivo que os mesmos carregam consigo, apesar do malabarismo que tinham que fazer

para sobreviver com um mínimo de dignidade os sujeitos querem sentirem-se livres

para opinar, escolher e decidir.

Para Freire (1989) quando o sujeito busca a educação como uma das ferramentas

para a promoção da sua autonomia o autor afirma que: “É preciso ler o mundo, mas,

sobretudo, ‘escrever’ ou ‘reescrever’ o mundo, quer dizer, transformá-lo. (GADOTTI,

FREIRE e GUIMARÃES, 1989, p. 114)

4.6 Educandos: a relação Educador-educando

A gente quer um professor que além de entender bem os assuntos, também

nos trate bem a gente, que seja educado, que dê atenção e que goste da gente

[...] se o professor respeitar os alunos os alunos também vão respeitar eles e

não vão desistir de estudar. (I, 61 anos)

A relação com os educadores definida pelos sujeitos desta pesquisa é uma

relação de admiração, respeito, afetividade onde os mesmos além do conhecimento

técnico, científico encontram também, compreensão, carinho, afeto e apoio nas suas

ações.

Freire (1996), define como necessária uma relação honesta e justa educador-

educando e educando como uma relação que se confunde, devendo o educador querer

bem aos seus educandos, não se obrigando a querer bem a todos de forma igual, mas

compreendendo os educandos como seres únicos dotados de suas particularidades e de

suas necessidades como sujeito da sua própria história.

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

108

[...] como professor [...] preciso estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes

à coragem de querer bem aos educandos e a própria prática educativa de que

participo [...] essa abertura de querer bem [...] significa, de fato, de que a

afetividade não me assusta [...] (FREIRE, 1996, p. 141)

No mesmo autor, ainda encontramos:

[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é

educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.

Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em

que os “argumentos de autoridade já não valem [...] (FREIRE, 2003, p. 68)

Os sujeitos pesquisados mantêm essa relação de admiração com seus educadores

e suas educadoras. Os mesmos encontram em suas educadoras e seus educadores parte

do apoio necessário para que os mesmos continuem em busca da realização de seus

sonhos como podemos acompanhar nos depoimentos a seguir:

[...] tanto os professores quanto as professoras, acredito que devam se

preocupar com o bem estar dos alunos eles deve ajudar os alunos a

progredirem e se respeitarem. Como os professores são bem instruídos eles

devem ajudar os alunos, em alguns casos, até mais que os pais que não tem

conhecimentos de muitas coisas. (L, 41 anos)

A concepção que esses sujeitos têm do educador é de um sujeito preparado para

ultrapassar os limites geográficos da Escola e manter uma relação de respeito

compreendendo o educando com um sujeito inacabado e dotado de saberes construídos

ao longo de suas experiências de vidas o educador, com isso, faz com que o educando se

sinta querido por ele e essa relação tende a prender mais a atenção do educando fazendo

com que os mesmos se dediquem ao convívio junto à comunidade escolar.

[...] Eu sempre achei que o professor deve ser bastante atencioso, conversar,

se preocupar com os alunos. Que ele não deve ser pessoas frias, que não

goste dos alunos, porque se não a gente não aprende [...] Já pensou a gente de

idade que nunca foi na escola e chega aqui e o professor é mal humorado?

Ignorante? A gente desiste né? (C, 60 anos).

Para Morales (2001), na relação com o educando não basta o educador ser se

prender ao conhecimento erudito, é preciso que o educando perceba que essa relação

seja uma relação concreta onde o os indivíduos seja compreendidos como sujeitos

históricos inseridos no meio em que vivem. É essencialmente importante esse olhar que

o educando terá sobre o educador, pois esse olhar pode influir naquele que queremos

construir e desconstruir.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

109

Essa relação faz com que o educando, ao tempo em que aprende também ensina

tal como o educador que ao ensinar também aprende. O educador ao valorizar as

práticas do educando é uma forma de reconhecer o mesmo como sujeito que ao mesmo

tempo em que o educando carece de ajuda, ao mesmo tempo, através de suas práticas e

de seus saberes também ajuda.

Para Freire (2002) o professor não pode “matar” a curiosidade, a inquietude e a

vontade do descobrir ao mesmo tempo em que o educador problematizador não deve

limitar a liberdade do educando.

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético,

a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua

prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que

“ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima,

tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de

propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar

respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os

princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. (FREIRE, 2002, p.

66).

Encontramos em Rubem Alves que a educadora e o educador tem, entre outras, a

função de estimular e despertar nos educandos a curiosidade, para que partindo dessa

curiosidade possa se construir e descobrir novos conhecimentos. A curiosidade deverá

ser estimulada a todo o momento como mecanismo de descoberta, tal ação é

desestimulada aos educandos em virtude de alguns sujeitos carregarem consigo o velho

ditado de que é melhor ficar calado do que falar besteira. Para o educador

comprometido com uma educação que liberta, essa visão deve ser desconstruída para

que através de sua curiosidade os educandos possam fazer novas descobertas.

[...] O professor tem que dar exemplo [...] Tem que ser educado, sorridente,

que permite a gente fala das nossas vidas [...] Quando perceber que o aluno

não está muito bem tentar ajudar o aluno nos problemas [...] O professor tem

que ser assim, um amigo do aluno, amigo verdadeiro. Isso deixa a gente

muito satisfeito [...]. (P, 38 anos)

Os educadores que trabalham, sobretudo, com esse público devem compreender

que os seres humanos não são seres vazios, que os mesmos acumularam conhecimentos

que se difere daquelas muitas vezes propostas por uma educação tradicionalista e que

romper esse paradigma é uma atitude de educadores comprometidos com uma educação

que promova o sujeito para a construção de sua emancipação.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

110

Para os sujeitos pesquisados, os educadores deverão ter essa concepção, pois os

mesmos utilizam de metodologias que privilegia o diálogo e os saberes diferentes.

Eu acho que a gente tem que aprender as matérias bem direitinhas [...] Mas

acho também que o professor deve falar das coisas que a gente vive, da

família, do bairro, da violência... Porque a gente que nunca foi na escola às

vezes não entende muito bem algumas coisas, mas se o professor falar dessas

coisas a gente tem vivência pode até dar muitos exemplos. Eu gosto de

professor assim, que conversa de tudo e respeito os nossos entendimentos

[...]. (C, 60 anos)

Nessa relação encontramos em Freire,

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a

libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres

“vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se numa

consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos

homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência

intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da

problematização dos homens em suas relações com o mundo. (FREIRE,

2004, p.67).

Compreender a Educação como ato verdadeiro de liberdade, ainda é algo que

precisa ser construído pelos educadores que não concebem a Educação como depósitos

de conteúdos e esse processo se dará com a ação e atuação dos educadores/educandos e

dos educandos/educadores.

Ao perceberem essa relação que a educadora e o educador mantém com seus

educandos, os sujeitos encorajam-se e assumem a educação como uma ferramenta que

promove a paz e a liberdade dos sujeitos. Diferentemente do que acreditavam que a

educação nada mais era do que uma ferramenta para ascensão social.

Para Freire (apud GADOTTI, 1991), todas as indagações dos educandos deverão

ser profundamente analisadas como forma de respeito à inquietude e a curiosidade do

sujeito, mesmo discordando do ponto de vista apresentado deverá o educador,

oportunizar e incentivar o educando a defender seu ponto, demonstrando assim,

profundo respeito pelo educador. [...] O professor deve ser exemplo [...] Você não

acha? (A, 50 anos).

Ao demonstrar essas atitudes as educadoras e os educadores conquistam a

confiança de seus educandos e constroem uma relação sólida que ultrapassa os limites

escolares possibilitando aos a construção de sua autonomia fazendo com que os mesmos

percebam como sujeitos.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

111

Para Freire (1996) a autonomia do se constrói no fazer e o educador e a

educadora que se assumem como profissionais problematizadores não podem inibir essa

curiosidade e esses saberes que o educando construiu ao longo da vida. “Ninguém é

autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se construindo na experiência

de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas [...]” (FREIRE, 1996, p. 107).

Nota-se o desejo dos educandos numa relação justa séria, humilde e generosa

(FREIRE, 1996) para que eles possam assumir eticamente o gosto pelo aprender e pelo

ensinar, construindo uma relação horizontal onde não haja aquele que sabe tudo e

aquele que nada sabe, mas sim onde os saberes se somam e se completam. Essa relação

possibilita a reinvenção do ser humano na aprendizagem e na produção e promoção da

sua autonomia.

O professor tem que ser bem preparado para ensinar os alunos [...] porque se

o professor não é bem preparado ele vai preparar mal os alunos [...] mas

também deve ser bem educado e ser humilde também, não tratar mal os

alunos. (L, 41 anos)

Apesar das educandas e dos educandos estarem iniciando, ou terem pouco tempo

do convívio escolar eles se preocupam e percebem a formação e o comprometimento

profissional das educadoras e dos educadores. A busca dos sujeitos pela Educação se

completa numa relação justa, de respeito, companheirismo e de comprometimento com

os educadores que para os educandos é essencial para a promoção da sua liberdade.

Para Freire (1996), o professor que tem compromisso com uma educação

libertadora e que promove a paz, tem por obrigação levar a sério sua formação

profissional para que munido de conhecimentos e preparação profissional possa

contribuir para a formação de sujeitos emancipados.

Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O

professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se

esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as

atividades de sua classe. (FREIRE, 1996, p. 92)

A busca que os sujeitos pesquisados se dispuseram a encontrar, pelo que se ver,

é um educador problematizador que não se limite ao conhecimento científico nem

tampouco, as matrizes curriculares determinados pelas secretarias de educação. Um

educador que possibilite a promoção da liberdade, do respeito e da convivência com as

diferenças.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

112

O professor deve ensinar com simplicidade, não precisa ficar gritando,

brigando, se ele ensinar bem os alunos presta atenção! É tão bom a gente

sentir que o professor conhece bem o assunto [...] (I, 61 anos)

Apesar dos educandos, como se vê, exigem que seus educadores sejam pessoas

que se preocupem com a formação, que não fiquem no espontaneísmo nem no achismo,

é preciso estar preparado para assumir a sala de aula.

Nessa perspectiva, a arrogância intelectual não cabe na educação libertadora,

sobretudo, nesse grupo que com investimentos próprios buscam novos saberes, buscam

romper com décadas de opressão e exclusão. Esse perfil e essa relação com os sujeitos

desta pesquisa buscam em seus educadores em relação séria, justa e respeitosa. Sentir-se

respeitados pelos seus educadores como sujeitos históricos, perceber em seus

educadores a autoridade construída numa relação de liberdade com seus educandos.

4.7 Educandos: os impactos positivos dessa relação em suas vidas

Após falarem sobre os motivos que não estudaram quando crianças, sobre o que

os motivaram a estudar agora, do tipo de escola que atenderia suas necessidades e da

relação com os educadores, gostaríamos de saber sobre os resultados dessa relação.

Quais mudanças ocorreram em suas vidas. E foi nessa perspectivas que ao levantarmos

essa questão, obtivemos resposta que enchem de alegrias qualquer educador

comprometido com uma educação libertadora.

Depois que comecei a estudar já mudou muitas coisas, hoje eu consigo

entender muitas coisas que eu não entendia. Muitas coisas eu que pensava

que era a vontade de Deus e que a culpa era minha, sei que não é. Que tem

gente sempre querendo levar vantagem. Eu passei minha infância toda

acreditando que a vida era assim mesmo, que pobre tinha que viver sofrendo,

hoje sei, que na verdade não é bem assim e que a gente tem sempre que

buscar os direitos. Eu tenho muita dificuldade em aprender a ler e escrever,

pois na hora de juntar as letras eu me enrolo toda, mas eu estou aprendendo

coisas que me ajudam muito. (A, 50 anos)

Quando iniciamos nosso trabalho e começamos a perceber as conquistas dos

educandos, ler o nome, pegar um ônibus, escrever uma frase, ainda que com

pouquíssimas palavras nos enche de alegria e compreendemos tal processo como parte

da sua autonomia. Isso parece ser tão pouco, mas para eles, a cada código decifrado, a

cada palavra montada são momentos jubilosos, alguns chegam a se exaltar na sala de

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

113

aula. E a curiosidade aumenta, e o desejo fica mais estimulado, e o sonho fica mais

próximo de se realizar.

Em uma das minhas conversas com a educando L, o mesmo me disse que:

Depois que eu comecei a estudar, descobri um mundo novo, eu percebi quantas

mentiras me falaram até agora, como eu fui enganado, nosso professor, me

ajudou a ver as coisas de uma forma mais verdadeira, eu agora, me sinto mais

seguro e não caio mais em qualquer mentira. (L, 36 anos).

A satisfação com que os educandos falam de seus educadores é algo contagiante.

O que leva a crer que a ação pedagógica dos educadores pesquisados proporcionam aos

mesmos mecanismos para a produção de sua emancipação.

Querer definir o grau de emancipação dos educandos a partir das ações do

educador me parece um pouco pretensioso principalmente nesse pouco tempo de

convivência escolar. “Para quem não sabia nada e hoje já sabe assinar o nome, já é

uma grande coisa” (P, 38 anos). Para eles, poder pegar um ônibus sem ter que pedir

ajuda a outro, é um ato grandioso de liberdade, poder assinar e reconhecer o nome é um

ato que lhes trás prazer e independência. Mas, os conhecimentos produzidos na escola,

não se restringem a esses atos de liberdades, o aumento da consciência crítica, a postura

política o reconhecimento de si mesmo como sujeito histórico.

Eu era muito boba, as pessoas me enrolavam por tudo, eu sempre achava que

eles estavam certos e eu errada. Depois que eu comecei a estudar pude

perceber que eu era uma cidadã que tinha meus direitos. Eu tinha um patrão

que era juiz de direito, trabalhei como doméstica e ele não pagou meus

direitos, eu levei ele na justiça. Eu jamais pensei que teria coragem de fazer

isso, foi aqui na escola que descobrir que tinha meus direitos e deveria lutar

por eles. (M, 41 anos)

Os resultados positivos na vida dos educandos são diversos e na medida em que

esses sonhos vão se realizando, seus sonhos tomam proporções maiores, suas

curiosidades vão aumentando e a descoberta de novos saberes aumenta o desejo de

novas descobertas. Segundo uma das educandas pesquisadas a maior mudaça que houve

em sua vida foi poder sair de um problema psicológico que a fazia sofrer muito, “Eu

vim para a escola porque estava com depressão, agora que superei, quero continuar

estudando”. (C, 60 anos).

Para I, que durante longos anos de sua vida, teve interpretar um personagem para

sobreviver afirma que,

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

114

Finalmente, depois de muitos anos posso dizer que eu realmente existo, pois

não precisa mais inventar mentiras, dizer que sou aquilo que não sou. Então

eu acho que a escola me deu uma identidade. Tenho mais segurança, eu sou

mais feliz. (I, 61 anos)

Os sujeitos sonham e buscam realizar esses sonhos, reconhecer e assinar o nome,

pegar um ônibus, ler uma historinha para o neto, arrumar um emprego melhor, cursar

uma faculdade, se reconhecer como sujeito histórico, são sonhos que o educador deverá

ajudar o educando a construir. Dos mais “simples” ao mais ao mais “avançado” são

processos educativos que os levarão a sua autonomia.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

115

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir esta pesquisa, penso que além dos conhecimentos científicos e uma

certificação acadêmica, contribui para me tornar um sujeito mais amoroso, mais

tolerante, mais compreensivo e mais generoso. Minha relação com meus autores, a

quem dedico especial carinho, me mostraram caminhos, ideias e rumos diferentes,

através de suas obras e suas ações. Apesar de em dados momentos, estarmos em tempos

e sociedades diferentes, suas contribuições foram fundamentais para a defesa científica

desta pesquisa.

Por quantas vezes, me peguei no desespero das exigências acadêmicas, artigos,

publicações, seminários, pontuações. Era preciso cumprir as exigências que tanto

criticamos. Muitas vezes as angústias tomavam conta de mim, enquanto a academia me

“torturava”, meu orientador, meus autores e os sujeitos pesquisados, me acalentavam,

me entendiam e construíam comigo uma relação de confiança onde ao final, o

importante seria, concluir esta pesquisa, gozando de saúde e alegrias. Sem com isso,

deixar de se preocupar com um rigor científico, a construção de novos saberes e a

reconstrução de saberes já existentes, onde juntos, pudéssemos sonhar com uma nova

sociedade.

Fazendo uma leitura dos currículos dos meus autores, pude perceber seu

comprometimento com uma educação libertadora, promovendo um diálogo no sentido

de criar possibilidades em romper com uma educação imposta por uma elite que vêem

nas pessoas das classes populares, objetos cuja finalidade é ser apenas mais uma peça

para atender uma exigência do mercado capitalista.

Segundo os autores pesquisados, especificamente sobre a educação popular na

escola pública, concluí que existe um desejo de ver os espaços públicos estatais

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

116

tornarem-se populares, sobretudo, as escolas, onde a educação ofertada está a serviço

das classes dominantes, apesar da maioria absoluta dos educandos que recebem essa

educação são oriundos das classes populares. Contudo, se mantendo esse modelo, as

classes populares continuarão na condição de classes oprimidas, servindo de sustentação

para que as classes dominantes continuem se perpetuando no poder, reproduzindo seu

modo de vida como se fosse a única, a soberana, a verdadeira.

A proposta de dialogar sobre a educação popular na escola pública é acreditar

que o Estado possa ser diferente como hoje se apresenta. É acreditar que só haverá

mudanças nas estruturas sociais através de mobilizações, organizações e lutas populares.

De que é possível a transformação desse estado elitista, excludente e opressor, para um

estado que assuma seu papel de distribuir as riquezas produzidas entre sua gente. Para

isso, os conflitos são inevitáveis.

A luta por uma educação popular pública não é um desejo recente, são desejos

carregados há tempo por educadores e educadoras que entendem que os espaços

públicos estatais devem promover ações que visem a liberdade e a felicidades das

pessoas. Quando Freire nos afirma que é necessário promover a educação popular na

escola pública, entendemos que é justamente por acreditar na possibilidade da

implantação de um estado popular e democrático que sirva aos interesses das classes

populares.

A educação e o educador sozinhos não “mudam” o mundo, mas há uma grande

esperança de que educadores comprometidos com uma educação libertadora possam

fomentar esses diálogos com a sociedade. Há uma grande esperança de que os

educadores e as educadoras possam incentivar a rebeldia, provocar a curiosidade a fim

de possibilitar aos educandos a descoberta de uma sociedade melhor, onde as pessoas

possam ter o direito de optar.

Acredito que a parte mais rica desta e de qualquer pesquisa de campo, é o

contato com os sujeitos pesquisados. Os depoimentos dos educadores foi uma lição de

vida. Percebi que seus desejos e suas vontades são sinceros. Que há uma grande

frustração em perceber que o tempo passa mais depressa do que as transformações que

os mesmos gostariam de viver.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

117

Percebi que muitos educadores por necessidade acabam se tornando

convencionais, muitos abandonam a luta pelo caminho, alguns resistem. A realidade é

mais difícil que imaginamos. Como disse um dos educadores pesquisados, ser professor

é fácil, difícil mesmo é ser educador. E driblando suas próprias limitações, resistem e

muitas vezes jogados à própria sorte, acabam adormecendo, esperando um convite para

acordar desse sono e continuar a luta.

Para os educadores pesquisados é necessário um rompimento com o modelo

atual de educação. Romper com esse modelo que reduz o ser humano a meros objetos,

para que assim, a educação oferecida às classes populares se torne um modelo que os

reconheçam e se reconheçam como sujeitos autônomos. Acreditando nessa

possibilidade, os educadores regados de desejos utópicos se atrevem a dialogar com

seus educandos partindo de suas realidades para a superação dessas “verdades”

impostas pelo sistema educacional dominante.

Através dos dados foi possível também constatar que os educadores vem

atuando de forma a promover a autonomia dos sujeitos independentemente do que

determina o estado, as dificuldades encontrada são imensas, mas que não se cansam de

acreditar numa educação popular comprometida com as liberdades, ocupem os espaços

públicos e se torne uma opção coletiva.

Os resultados obtidos através dos diálogos construídos com os educadores nos

mostram que suas práticas surgem com um acreditar em uma educação que ultrapasse

os muros escolares e que sirva para atender as perspectiva das classes populares. E que

tais ações são possíveis, pois educadores e educadoras, independentemente dos ditames

do estado, atuam de forma que possibilite o educando a produzir sua autonomia.

Quando nos deparamos com essas práticas na escola pública, voltamos a nos

questionar: Por que não? Por que não ocupar esses espaços? Com isso, não queremos

dizer que não haverá resistência, recusa, ataques. Esperar o quê? Esperar por quem? Se

estamos, nós, educadores populares, inseridos no público.

Nosso contato com esses educadores populares “perdidos” numa escola pública,

isolados das discussões da educação popular, agem sozinhos, munidos de um desejo

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

118

próprio que é uma educação que compreenda o educando como um sujeito que tem

história, que fez e que faz história.

Quando o educador Sandro diz que, “é preciso se assumir como educador

popular, é preciso levar essa discussão pata dentro das escolas, só assim, poderemos,

quem sabe, mostrar as pessoas que a educação popular é um bem para a sociedade”,

entendemos que não podemos cercear a população, educandos e educadores dessa

discussão e que esses diálogos não se restrinja a uma parcela minúscula de intelectuais

universitários, mas que possa ser discutido com toda a comunidade escolar.

Posso concluir, ainda, que suas ações libertadoras têm contribuído com a

produção de novos saberes e a reconstrução de saberes já existentes. Onde a relação

construída entre educador e educando foi fator determinante para que os educados se

reconhecessem como sujeitos.

Durante o desta pesquisa, sobretudo, na relação construída entre sujeitos

pesquisados e sujeito pesquisador, posso afirmar que apesar da tristeza que os

educadores carregam consigo apesar de que na maioria das vezes suas ideias, seus

sonhos e suas ações são ignorados e debochados, apesar do isolamento, das

perseguições, não se cansam de acreditar que a perpetuação dessa educação posta, é

condenar às pessoas das classes populares à condição de objeto.

Ao encerrar meu diálogo com os educadores que foram sujeitos desta pesquisa

posso concluir que a educação popular na escola pública é uma possibilidade real, não

deixando de reconhecer seus limites e certo de que haver intensos conflitos, pois as

classes dominantes utilizarão de artifícios a fim de enfraquecer aqueles que desafiam

suas ordens. Mas, as possibilidades existem e se fortalecem na medida em que nós,

educadores, começarmos a fomentar as discussões que a sociedade.

Quanto mais me aprofundo nos autores estudados, mais me convenço de que a

educação popular na escola pública deixará de ser uma opção de poucos para se tornar

uma opção de muitos. Uma opção coletiva que começará a se concretizar a partir do

momento em que nossas ações, muitas vezes, isoladas passam contaminar mais e mais

educadores que continuam sonhando. Continuam acreditando.

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

119

Com os educandos sujeitos desta pesquisa, a relação construída foi também,

regada de um verdadeiro sentimento de respeito e lealdade. Com o início dos nossos

diálogos que se davam em lugares distintos: na sala de aula, nos intervalos, na entrada e

na saída, no caminho da escola para a casa e também no ambiente familiar dos

educandos, pude perceber o quanto esses sujeitos foram excluídos dos seus direitos

fundamentais.

Esses sujeitos que durante toda a sua vida foram vistos como objetos ou como

“sujeitos inferiores”, demonstram uma alegria enorme de viver. Desde crianças quando

lhes roubaram a infância e os fizeram homens e mulheres precocemente, guardaram

consigo o sonho de estudar, de se relacionar, de ser ouvido, de ser respeitado. Com isso,

não quero dizer que o respeito esteja condicionado à educação, à escolaridade. Mas

garantir os sujeitos o direito de optar. O que lhes foram negados por toda sua vida.

A alegria dos sujeitos em falar sobre o (re) início da vida escolar é algo

contagiante. A sensação de liberdade que os mesmos relatam é algo que para nós é tão

simples e talvez até passe despercebido. Pegar um ônibus, ler uma historinha para o

neto, assinar o nome. Para os sujeitos esses são sinônimos de liberdade e que após

conseguirem tais “façanhas”, os mesmos sentem-se mais felizes. Portanto, a educação

lhes traz felicidades.

De acordo com os sujeitos educandos, a relação construída com o educador é

algo fundamental para um bom aprendizado. Esse busca por um educador que lhes dê

atenção, que respeite suas origens e que construa com eles novos conhecimentos são

características dos educadores populares. Quando os mesmo dizem que buscam na

educação meios para serem mais felizes, para buscarem sua liberdade e dessa forma,

viver melhor com as outras pessoas, eles estão, no fundo, defendendo uma educação que

atenda seus interesses. Isso me leva a crer que os mesmos, mesmo sem ter essa

intenção, estão defendendo a educação popular.

Após as análises dos dados obtidos através das referências bibliográficas, mas

principalmente das práticas dos educadores e educandos pesquisados tive a

oportunidade de perceber a bonitezas praticadas por educadores e educadoras

comprometidos com uma educação que possibilita as liberdades. Onde educador e

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

120

educando, possam construir uma relação horizontal, regada de respeito, admiração e

generosidade.

Com os educandos não foi diferente, os resultados apontam que a maioria aprova

as práticas educacionais desses educadores e que essas práticas têm gerado impactos

positivos em suas vidas, desde sua auto-estima, sua saúde ao seu reconhecimento como

sujeito crítico e emancipado.

Recordo-me que num seminário de educação, na Universidade Federal de Mato

Grosso, num debate sobre a educação popular um dos participantes me questionava se

era real essa possibilidade, já adiantando que não acreditava nessa hipótese, pois, ao

“institucionalizar” a educação popular ela deixa de ser, pois segundo ele, tanto a

educação popular como o educador popular ao fazerem parte das instituições públicas

ambos se tornam corruptos.

Volto a afirmar que acredito, sobretudo, após os resultados desta pesquisa que

essa possibilidade é real. Eu acredito na honestidade e na decência das pessoas, os

espaços públicos corrompem corruptos, não corrompem pessoas honestas e que o estado

deve servir no sentido de diminuir as desigualdades e ofertar as pessoas, sobretudo, os

que ao longo dos tempos foram excluídos das riquezas (material, cultural, intelectual)

produzidas.

Ao finalizarmos, esperamos e acreditamos que este trabalho possa contribuir

para fomentar essas discussões e apresentar a educação popular a todos os professores,

para conhecendo a boniteza dessas práticas possam tornar-se educadores

comprometidos com a vida.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

121

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROYO, Miguel. A Educação de Jovens e Adultos em tempo de exclusão.

Alfabetização e Cidadania. São Paulo: Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil

(RAAAB), n. 11, abril 2001.

ARROYO, Miguel G (org.), Da escola carente à escola possível. São Paulo: Edições

Loyola, 1997.

BEISIEGEL, Celso de Rui. Ensino público e educação popular. In: PAIVA, Vanilda

(org.). Perspectiva e dilemas da educação popular. Rio de Janeiro: Graal , 1981.

BEISIEGEL, Celso de Rui. Considerações sobre a política da união para a educação

de jovens e adultos analfabetos. Revista Brasileira da Educação. São Paulo, jan/mar

1999.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação popular. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação popular. São Paulo: Brasiliense,

2006.

BRANDÃO, Carlos R. (org.). O educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal , 1981

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Lutar com a palavra: escrito sobre o trabalho do

educador. 2. ed. Rio de janeiro: Edições Graal, 1985.

BRASIL, MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 1996.

___________ PlanO Nacional de Educação.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

122

___________ Parecer nº 699/71

CARNEIRO, Moaci Alves, LDB Fácil: Leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo.

Petrópolis: Vozes, 1998.

DAMKE, Ilda Righi. O processo do conhecimento na pedagogia da libertação: as

ideias de Freire, Fiori e Dussel. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

FREINET, Celestin. Por uma escola do povo. Lisboa: Presença, 1969.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7

ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

FREIRE, Paulo. Política e Educação. 4. ed. São Paulo, Cortez, 2000.

FREIRE, Paulo. Professora sim tia não. São Paulo: Olho D’água, 2000.

FREIRE, Paulo. Cartas a Guiné-Bissau: registro de uma experiência em processo. São

Paulo: Paz e Terra, 1977.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1982.

FREIRE, Ana Maria Araújo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Paulo Freire: UNESP,

2001.

FREIRE, Paulo; BETTO, Frei. Essa escola chamada vida. 8. ed. São Paulo: Ática,

1994.

GADOTTI, Moacir. Educação de Adultos. Teoria, prática e proposta. Cortez, São

Paulo, 1997.

GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 13. Ed.

São Paulo: Cortez, 2003.

GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Editora Ática, 2002.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDINALDO GOMES DE SOUSA EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA

123

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

SAVIANE, Dermeval. Escola e Democracia: teoria da educação, curvatura da vara.

Campinas, SP: Autores associados, 1997.

SHOR, Ira; FREIRE, Paulo. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 8. ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 2000.

ZAGO. Nadir. Processos de escolarização nos meios populares: As contradições da

obrigatoriedade escolar. In: NOGUEIRA, Maria Alice e ROMANELLI, Geraldo &

ZAGO, Nadir. Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e

populares. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes da refundamentação em educação popular. São

Paulo: Ed. URI, 2000.