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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FLAVIA KAROLINA CAMPOS
A LINGUAGEM CORPORAL EM ESPAÇOS ACADÊMICOS: UM ESTUDO
SOBRE O COMPORTAMENTO ETOLÓGICO DE LICENCIANDOS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA E DE PEDAGOGIA DA UFMT
CUIABÁ-MT
2011
FLAVIA KAROLINA CAMPOS
A LINGUAGEM CORPORAL EM ESPAÇOS ACADÊMICOS: UM ESTUDO
SOBRE O COMPORTAMENTO ETOLÓGICO DE LICENCIANDOS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA E DE PEDAGOGIA DA UFMT
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal
de Mato Grosso como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Educação na Área de
Educação, Linha de Pesquisa: Culturas Escolares
e Linguagens.
Orientador: Profº. Dr. Cleomar Ferreira Gomes.
CUIABÁ-MT
2011
FLAVIA KAROLINA CAMPOS
_____________________________________
Profª. Dra. Maria do Rosário Silveira Porto
Examinador Externo
___________________________________________
Profª. Drª. Maria da Anuciação Pinheiro Barros Neta
Examinador Interno
____________________________
Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes
Orientador
_____________________________
Silas Borges Monteiro
Suplente
Aprovado em___________
Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação – Av. Fernando Corrêa da Costa, S/nº,
Coxipó. CEP: 78060-900, Cuiabá- MT, Brasil. Fone: (65)3615-8431 / Fax: (65)3615-8429
E-mail: [email protected]
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
Aos acadêmicos de Educação Física e de Pedagogia
da UFMT, à etologia emprestada para realização do
estudo de sua corporeidade.
AGRADECIMENTOS
À CAPES por ter disponibilizado a bolsa e permitido a realização dos estudos, durante
esses dois anos de dedicação à pesquisa.
À Secretaria do PPGE, em especial à Luisa, Mariana e Jeison, por ter me atendido com
doçura e eficiência, nas horas de “socorro”.
A Cleomar F. Gomes, pela doação do saber e por despertar o meu interesse pelo tema,
me emprestando paciência, confiança e competência para a realização desse estudo.
À banca Examinadora, na pessoa dos doutores: Maria do Rosário Silveira Porto, Maria
da Anunciação Pinheiro Barros Neta, que apresentaram sugestões valiosas para o
enriquecimento do trabalho.
À minha MÃE, pelas orações e seu amor, ingredientes que me fizeram acreditar em
mim mesma.
Aos amigos por ter me escutado nas horas mais difíceis: Luciane, Cínara, Eliane,
Cidinha, Cristiane a França Alice e, em especial à Larissa por emprestar seu gravador
para a realização das entrevistas e a todos aqueles que me acompanharam nessa jornada.
Aos professores, Silas, Ozerina, Tânia, Edson, Cancionila e Daniela Freire, por
emprestar seu saber.
Resumo
A proposta desse estudo visa interpretar os diferentes tipos de comportamentos que os
licenciandos de Educação Física e de Pedagogia da UFMT produzem quando
agrupados, em duplas ou individualmente circulam vivendo e con/vivendo em seu
cotidiano escolar. As marcas que esses diferentes tipos de comportamento apresentam
revelam uma corporeidade que está condicionalmente ligada ao ambiente em que a
circunscreve como a sala de aula, os corredores, as pistas de esportes e de práticas de
ensino-aprendizagem. Para respaldar o olhar diante da temática em questão utilizei de
uma metodologia que privilegia a imagem de movimentos gestuais, posturas dos
observados que fazem com que essas marcas nos mostrem uma comunicação não
verbal. Para o desenvolvimento deste trabalho utilizei de uma pesquisa munida de
observações sistemáticas e assistemáticas, além de um roteiro de entrevistas, quando em
campo foi possível utilizar um gravador e uma câmera fotográfica para registro de
imagens e de falas. No ato extravagante de se vestir, na expressão de rostos, na figura de
corpos pintados, furados, escarificados, na “insatisfação/satisfação” da compleição
corporal, na fadiga renitente das tarefas das práticas de ensino, e das lições de didáticas
de seu métier, no isolamento individual em agrupamentos que superlotam as salas, as
quadras, os corredores... essa corporeidade “vai se ajeitando no jeito que pode”, para ser
fiel a uma expressão de Le Breton. Apesar de alguns acadêmicos apresentarem
diferenças visíveis quanto à situação financeira e diferença de idade, “lado A e lado B”
para diferenciar a classe social e etária: “pobrinhos”, “riquinhos”, “velhinhos”, no modo
de ir e vir, no modo de ser, vestir, falar, ler, se divertir e ocupar esses espaços, eles se
assemelham em seu comportamento etológico. O trabalho pôde ver que somos todos
parecidos para produzir uma acomodação necessária no trato de pertencer a um
determinado grupo social ou a uma “tribo”. Esse tribalismo refere-se a uma vontade de
“estar junto” como prefere o sociólogo francês Michel Maffesoli.
Palavras-chave: Educação Física. Pedagogia. Comportamento Etológico.
Resumen
El propósito deste estudio visa la interpretación de los distintos tipos de
comportamiento que los licenciados de Educación Física y de Pedagogia producen
cuando agrupados, o mismo individualmente, vivendo e con/viviendo en su quotidiano
escolar. Las marcas que estas clases de comportamiento presentan una corporeidad que
está condicionalmente ligada al ambiente que las circunscreve, como las clases de aula,
los pasillos, las pistas de deportes y de práticas de enseñanza-aprendizage. Para apoiar
la visión delante del tema en questión, utilizé de una metodologia que privilegia el
image de movimientos gestuales, las posturas de los observados, que hacen con que eses
señales nos muestren una comunicación no-verbal. Para el desarrollo de este trabajo, he
utilizado de um estudio munido de observaciones sistemáticas e assistemáticas.
Además de un plan de entrevistas, cuando en campo, fue possible utilizar una
grabadora y una cámara fotográfica, para registro de images y hablas. En el acto
extravagante de vestirse, en la expresión de rostros, en la image de cuerpos
coloreados, agujeados, molestados en la insatisfacción /satisfacción de la constitución
corporal, en el cansancio renitente de las tareas de las prácticas de la enseñansa y de
las lecciones didácticas de su “métier” , en el isolamiento individual, en
agrupamientos que llenan las aulas, las cuadras deportivas... esa corporeidad vá
“arreglandose de la manera que puede”, para ser fieles a una expresión de Le Breton.
Apesar de algunos académicos presentaren diferencias visibles cuanto a la situación
financiera y diferencia de edad, lado A y lado B , para diferenciar da clase social y
etária: “pobrecitos”, “riquitos”, “los viejos” en la manera de ir y de venir, en la manera
de ser, vestir, hablar, leer, divertirse y llenar este espacio, ellos se parecen en su
comportamiento etológico. Este estudio, portanto, pudo demonstrar que todos somos
iguales en la produción de una acomodación necesaria en el hecho de pertenecer a un
determinado grupo social o a una tribo. Esse tribalismo referese a uma gana de “estar
junto”, como él prefiere el sociólogo francés Michel Maffesoli.
Palabras-clave: Educación Física. Pedagogia. Comportamiento Etológico.
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................... 10
Capitulo Teórico 18
1.1 O lido e o ouvido sobre o comportamento etológico 19
1.2 Comportamento simbionte: as trocas e o toque proxêmico numa sociedade
individual
29
1.3 o corpo no espectro tribal dos tempos atuais e a noção de costume 40
Metodologia
50
Da metodologia: O caminho percorrido
2. Método
2.1 Lócus
2.2 Dos sujeitos
2.3 Das entrevistas
2.4 Das análises dos dados
51
51
51
56
59
63
3 Categoria de Análise I: Observações das aulas de Pedagogia e Educação
Física da UFMT
3.1.1 Durante as aulas
3.1.2 Lanches, estética, trabalho e brincadeiras: a fronteira entre o prescrito e o
proscrito
3.2 Categoria de Analise II: Comunicação Verbal X Comunicação Não-Verbal
3.2.1 Piadinhas, conversinhas e outros deboches
3.2.2 Das Apresentações dos trabalhos
3.2.3 Da aula à cantina: como se comporta fora da sala de aula
3.2.4 No estágio
3.2.5 Do rito da Avaliação ao rito da Formatura
67
68
80
94
95
98
102
106
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS 115
REFERÊNCIAS 123
ANEXOS
Instrumentos de Coleta de Dados Solicitação
127
128
Roteiro de entrevista – Alunos Pedagogia/ Educação Física – UFMT 129
Recorte das falas dos Entrevistados 130
10
INTRODUÇÃO
Un vrai collectif est un ensemble de gens décidés
à se taire sur la même chose. (Daniel Sibony,
Perversions – Dictionnaire inattendu des
citations).1
pesquisa se inscreve no terreno sócio-antropológico do “Comportamento
Humano”, que utiliza dois grupos de sujeitos: alunos de Pedagogia e de
Educação Física da UFMT, no tocante a aspectos ligados a sua corporeidade.
Particularmente aqueles que investigam o ambiente que os circunscrevem, pode nos
dizer sobre a forma de se relacionar com as outras pessoas: no vestir, divertir, alimentar,
exercitar, entre outras modalidades de se comportar, e da influência que acabam
produzindo os signos que revelam o pertencimento dessa ou daquela cultura.
O termo corporeidade é noção que tomamos de empréstimo aos lingüistas e
etnólogos para dizer de expressão não-verbal do corpo, e do uso que o corpo faz do
espaço e do tempo que ocupa. As áreas de Educação Física e Pedagogia englobam, em
seus estudos, o homem de forma peculiar. A abordagem do homem nestas áreas se
assemelham em analisá-lo em “movimentos”, na Educação física; estudar suas
estruturas e funcionamento, e na Pedagogia a relação com o meio. Porém, um dos
aspectos que as relacionam em diferentes contextos é a sua “etologia” com enfoques
diversificados ao seu conceito.
1 “Um verdadeiro coletivo é um conjunto de indivíduos decididos a se calar sobre a mesma coisa” (Daniel
Sibony – Perversions Dicionário inédito de citações).
A
11
O presente trabalho resulta do grupo de estudos “Gepecol”, “Corporeidade e
Ludicidade”, ligado à linha de pesquisa “Culturas Escolares e Linguagem, do Programa
de Pós-Graduação em Educação, do Instituto de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso.
Enquanto participante na qualidade de aluna ouvinte da disciplina “Abordagens
Sócio-Antropológicas e do esporte” da Educação Física da Universidade Federal de
Mato Grosso no ano de 2008 tomei contato com o estudo da corporeidade. Nas aulas,
sem repetições de movimentos, sem negar o lúdico e sem inibir a criatividade e a
animação dos alunos, esses encontros possibilitaram identificar uma autoconfiança, para
a abordagem com o objeto que escolhi estudar. Acho pertinente supor que o objeto
também me escolheu num encontro dialético entre o interesse do pesquisador e a pulsão
do objeto escolhido. É preciso incluir que essa escolha se justifica por desde muito cedo
eu ter uma relação curiosa sobre o que pode (prescrito) e o que não pode (proscrito) no
trato com as linguagens do corpo. Julgo auspicioso então trazer um pequeno episódio
que demarca a entrada nesse tema de estudo.
O primeiro contato da criança com a escola tem muito significado para ela.
Faz uma fissura em sua vida familiar que é feito de afetos e castigos.
Carregará por toda a trajetória escolar que lá será a sua segunda casa, porque
é assim que os pais lá nos entregam e é assim que a professora nos recebe. A
criança precisa se sentir à vontade, tomando os lugares em que passarem:
“as instituições” como sua terceira, quarta, quinta casa. Na minha primeira
escola eu me sentia muito livre. Em casa eu fora educada presa a todo tipo
de proibições. Na escola era uma casa sem proibições e me recordo que a
primeira vez que ouvi uma colega gritar um palavrão, ninguém a agrediu,
nenhum adulto apareceu para repreendê-la. Isso me soou incrível aos meus
ouvidos. Sozinha naquele pátio enorme, eu quis repetir o feito. Olhei para
um lado e para o outro e gritei “cu!”, Esse foi o meu segundo palavrão,
porque o primeiro: “desgraça” eu disse em casa quando comecei a falar.
Apanhei na boca para nunca mais pronunciar essa palavra que significa
“azar, desdita, infelicidade e falta de graça”, mas que ao julgo de minha avó
materna, “carrasca” era um terrível palavrão. À segunda vez, no pátio da
escola, pude dizer e ninguém me proibiu ou se quer me agrediu. Então disse
em alto e bom tom: “cuuuuu”. Voltei para a sala toda orgulhosa me sentindo
poderosa diante dos meus colegas que não tinham pronunciado uma palavra
tão feia. Pode parecer estranho, mas foi a partir desse evento que comecei a
me senti dona do meu próprio corpo. Livre em minha segunda casa, onde as
proibições eram totalmente diferentes de minha primeira casa, e daí por
diante eu poderia dizer algumas palavras como “cu” que é uma palavra tão
pequenina e que dependendo do jeito que se pronuncia, não podemos
considerá-la como proscrita, apesar, que dentro de minha casa, aos olhos dos
adultos, assim cresci com essas interdições de linguagem até me sentir livre
dentro das escolas, as outras casas, por onde andei.
12
A etologia humana constitui-se, portanto, como uma disciplina da biologia que
visa estudar o comportamento, tanto intra-específico, ou seja, o comportamento de uma
espécie no seu meio ambiente, a partir da observação e análise das diversas facetas da
vida dos indivíduos da espécie (sobrevivência, reprodução, comportamento
territórial...); quanto ao comportamento interespecífico, isto é, a relação entre as
espécies no meio ambiente que têm em comum para compartilhar. O ser humano está
sempre recebendo estímulos do ambiente em que vive e interage, seu comportamento,
ou seja, suas respostas a esses estímulos variam muito de acordo com cada indivíduo.
Nesse sentido, propomos um estudo de comportamentos que essa corporeidade
apresenta mais apropriadamente ao conceito de Marcel Mauss (2008, p. 420) quando
define movimentos corporais como “técnica corporal”. Para esse autor “as maneiras
como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de
seus corpos” e ainda que sejam transmitidas através da educação e que são atos
tradicionais, diferenciando-se assim dos animais provavelmente pela sua transmissão
oral.
Os objetivos dessa pesquisa são os de: 1) Interpretar os diferentes tipos de
comportamento que essa corporeidade produz, em agrupamentos, em duplas ou de
modo individual quando esses sujeitos circulam, fazendo viver e con/viver nesses
espaços que preenchem o seu cotidiano.
2) Observar suas posturas nos locais onde foram investigados, especificamente
nos movimentos de sentar, andar, agrupar-se, comer, falar sobre quais assuntos, sua
vestimenta, seus adornos, suas expressões de rosto, como se exercitam, sobre o que
sonham, suas formas de parelha, como namoram, enfim sobre esses padrões de
comportamento que perduram no processo de humanização.
3) Comparar os grupos de sujeitos quanto aos comportamentos prescritos e
proscritos, a cultura dos grupos, a realidade de cada ambiente a simbologia das próteses
e outros elementos se houver
Para efetivar um trabalho de natureza qualitativa, adotamos a idéia da biologia
evolutiva de que o homem, de animal natural se tornou cultural. No dizer de Richard
Dawkins (2007, p. 466) “o nosso cérebro evoluiu para ajudar nosso corpo a se virar no
mundo, na escala em que esse corpo funciona”. Essa é uma regra da etologia humana.
Esse comportamento sofre influências de fatores externos como bem assimilou Gomes
(2008) em uma recente pesquisa com sujeitos na cidade de Cuiabá. O clima quente-
úmido dessa cidade observou o pesquisador, “obriga a empurrar as pessoas para fora de
13
suas casas”. Parece contraditório dizer, mas é justamente este comportamento putativo
que produz uma socialização quase compulsória com as pessoas desse local. Outros
fatores são atinentes a qualquer grupo social: como o ambiente físico, a luta pela
sobrevivência, as condições financeiras, a fluidez desses tempos “pós-modernos”, a
flutuação dos valores morais, a fragilidade das relações interpessoais, entre outras
expressões evidentes no trabalho de Zygmunt Bauman.
O relacionamento interpessoal depende de fatores complexos que determinam a
ação do grupo sobre o indivíduo, como também do indivíduo sobre o grupo. Supomos
que ao eleger como objeto de pesquisa o comportamento humano e seus aspectos
intrínsecos ― atitudes, crenças e relacionamentos, escolhas, manifestos por diferentes
grupos que compõem uma mesma sociedade, seja possível contribuir para a diversidade
que este estudo se refere. Estudar alunos de Educação Física e de Pedagogia pode vir a
ser um instrumento importante para ver esses sujeitos no trabalho com a educação
escolar que esses acadêmicos possam vir a ter no futuro de seu exercício profissional
com suas crianças e jovens nas escolas de cada um.
Para a construção dessa pesquisa serviram de referências os estudos de Konrad
Lorenz, (1986), Marcel Mauss (2008) David Le Breton (2006) e Edward Hall (1981).
Numa pesquisa de natureza sócio-antropológica, nos moldes que essa pesquisa
se afina, as indagações emergiram no decorrer do trabalho de campo, muitas vezes das
notas decorrentes da observação participante. Entretanto, algumas, questões
preliminarmente, moveram e orientaram a pesquisa, com a observação insistente,
ganhando contornos mais vivos, à medida que a observação e o registro dos dados
vinham avançando. Foi possível notar que as pessoas de um modo em geral se
comportam, assumindo movimentos com gestos estereotipados (sentam no mesmo
lugar, se alimentam da mesma comida, estão sempre nos mesmos grupos, se repetem
nas mesmas posturas, se advogam as mesmas crenças). O que marca as técnicas
corporais e de que forma podemos identificá-las dos licenciandos de Educação Física e
Pedagogia? No capitulo das análises de dados podemos ver o quanto as “Técnicas
corporais” fazem parte das aulas de Educação Física e de Pedagogia da UFMT, tornam
necessárias aos sujeitos, desde os aspectos biológicos, sociais, psicológicos e históricos.
Evitam as aulas com repetições de movimentos, por exemplo: as aulas de danças, GRD,
estágios...
Há uma comunicação verbal ou não verbal para identificar essa corporeidade? A
comunicação aparece nas mensagens dos sujeitos, atraem a atenção do Professor e dos
14
colegas, talvez a intenção seja a de prolongar a comunicação, parecem sempre estar em
sintonia com os grupos, nos anexos podemos ver o quanto há uma necessidade de se
comunicar entre os mesmos, a partir dos recortes das falas dos entrevistados. As
estratégias de ensino aprendizagem podem ter variedades com estímulos verbais e não
verbais, visuais e táteis, com ênfase na diversidade das técnicas e procedimentos que
possam surgir ao longo das aulas. As capacidades motoras, não devem ser julgadas, mas
sim, a qualidade e a intenção corporal dos movimentos de cada sujeito são vistas
atentamente por cada indivíduo.
Os fatores econômicos, culturais, sociais interferem no comportamento de ser de
cada grupo? Os alunos tendem a se dividir por grupos como veremos nas analises de
dados as famosas “panelinhas”, quando classificam por “Burguesia e Proletariados”,
“Lado A e lado B”.
Essas são algumas interpretações com o intento de verificar o comportamento
dos licenciandos, tais como: sala/aula, pátio, pista de corrida, corredores, cantina,
eventos... demais locais onde há uma grande circulação desses sujeitos, se constituem
numa ferramenta precisa da pesquisa se juntado as outras formas de coleta dos dados.
Para o desenvolvimento deste trabalho serviu de lócus a Universidade Federal de
Mato Grosso, as salas de aula de Educação Física e de Pedagogia, cantinas e corredores,
pista de corrida, quadra poliesportiva, escolas municipais onde realizaram estágios.
utilizamos de uma pesquisa munida de observações sistemáticas e assistemáticas, além
de um roteiro de entrevistas, quando em campo foi possível utilizar um gravador e uma
câmera digital para registro de imagens e de falas um caderno de campo.
As entrevistas foram realizadas com os sujeitos da Faculdade de Educação
Física, escolhi dois alunos de cada turma desde o primeiro semestre até o oitavo, para a
realização das entrevistas sendo oito homens e nove mulheres. No curso de Pedagogia
também escolhi duas alunas de cada turma, desde o primeiro ano até o quarto, para
realizar as entrevistas, sendo o universo feminino, entrevistei 10 mulheres, foi possível
também ver as falas registradas dos entrevistados no capitulo metodológico deste
trabalho, preservando, assim suas identidades como no exemplo: (A.C.G./F – PED – 20
anos). As iniciais significando o nome, Pedagogia (PED) e/ou Educação Física (EDF)
se referindo ao Curso e 20 anos à idade ou à faixa etária.
A fala de uma entrevistada abaixo, no tocante ao que é permitido (prescrito) e o
que é interdito (proscrito) em sala de aula, mostra como vamos utilizar essas falas no
dercurso das analises:
15
“(...)... Bom, você pode prestar atenção, é lógico, né? que é o primeiro,
pode fazer perguntas para os professores, tirar dúvida, você pode fazer
um questionamento também se é... ou se é a favor ou se é contra ou
que tá sendo lecionado”. (I.V.A./F – PED – 26 anos)
Foi também perguntada a outra entrevistada, sobre o que não pode fazer dentro
da sala de aula e a preocupação com a comunicação verbal é sempre visível em quase
todas as falas dos entrevistados conforme veremos abaixo:
“... Bom eu acredito que é muita conversa com os colegas quando
professor está explicando a matéria”. (R.E.G./F – PED – 32 anos)
Os dados observacionais poderão ser enriquecidos com outras categorias, a partir
do desenrolar da pesquisa, resultantes de imagens e filmagens. Entretanto, as
informações mais ricas foram colhidas em campo. Com a teoria de Marcel Mauss
(2008, p. 416), “o comportamento humano não se faz somente por uma consciência
individual, se não também pela mentalidade coletiva”.
Com base no que afirma esse autor, o homem tende a agir de forma similar ao
seu grupo seja qual ele for, para ser aceito. Interpretando Mauss, é provável que aquilo
que os entrevistados disseram, se referindo ao comportamento prescrito e proscrito,
dentro de sala de aula, por exemplo, pode ser esse comportamento o mais usual e aceito
pelo grupo. Em contrapartida, de uma perspectiva localista, como apontada por Geertz
em seu livro a Interpretação das culturas, só é possível “interpretar” a cultura do outro a
partir do convívio com suas singularidades. Para esse autor não existe distância entre
um ato técnico de um ato religioso mágico. Se comportar em uma sala de aula ou em
uma pista de esportes, ou ainda em um campo para práticas de aprendizagens escolares,
tem muito a ver com as normas estabelecidas para esses ambientes. A proscrição deve
ser entendida como um ato iconoclasta, denunciada, enquanto que a prescrição como
um ato de celebração, portanto, recomendada. Em outras palavras, o que esses
“sujeitos” disseram, se traduz como o dito popular: “o que é bom, se recomenda, o que é
ruim, se denuncia”.
Esse comportamento dispensa qualquer consideração que tenha um viés
econômico como tendo um papel decisivo no comportamento de ser de cada grupo,
Nunca é demasiado repetir: “antes de serem culturais, os homens como os animais são
mais naturais do que possam imaginar”, e essa (natureza) de cada grupo se guia por
16
estereótipos extrapolam as funções acadêmicas, profissionais e sociais de cada curso. Os
pedagogos, de maioria feminina, têm uma espécie de “futuro” na “ensinagem” que terá
na escola formal seu destino. Enquanto que os acadêmicos de Educação Física, por ser
um grupo heterogêneo e mais jovem, almejam outras paragens: academias de ginástica,
pistas esportivas, treinamento de esforço físico... atividades apropriadas para “corpos
esculpidos‟, como disse um aluno da Educação Física.
Muitas informações veiculadas pelos mass media chegam ao jovem e ao adulto
de forma fragmentada e são manipuladas por interesses econômicos e valores
ideológicos, buscando seduzi-los. A Educação Física não pode fugir e nem se alienar a
essa realidade, pois é impossível negar a força que a indústria do esporte, da estética e
lazer exerce nos comportamentos juvenis.
Nesse sentido a pesquisa, de caráter etnográfico prioriza leituras sobre a temática
da corporeidade e do comportamento etológico, em especial direcionado a esses dois
grupos de sujeitos.
Aqui, por eleição, trabalhamos apenas uma categoria dos grupos de acadêmicos,
sujeitos que se fizeram para a pesquisa ― o proscrito e o prescrito. Nem precisa falar da
solicitude desses “alunos” que se prontificaram e essa disposição já valeria os créditos
de uma dedicatória no trabalho final, mas interpretar comportamentos de qualquer
“tribo” como diria o Michel Maffesolli, já é uma tarefa bem de nossos tempos.
Pelas entrevistas foi possível observar o comportamento desses dois grupos, a
partir dos relacionamentos com os colegas de sala especificamente, com os alunos de
Educação Física e de Pedagogia da UFMT, que seus sujeitos deixam escapar pelas suas
falas, eles têm muito a dizer de sua etologia que se ajeita do jeito que pode. Basta
apenas parar para ouvi-los naquilo que eles têm a dizer, quando perguntamos quais são
seus sonhos? Eles tende a nos responder:
“tô , eu gosto do curso, eu fiquei descontente com algumas
coisas que aconteceu aqui coisas de direção e tal. com o curso
em si é o que eu queria fazer e realmente eu gosto. trabalhar, eu
já trabalho mais eu gostaria mesmo dar aula de personal, fazer
uma especialização voltada para essa área, mais não voltada
para a estética mais o personal voltado para a saúde para a
qualidade de vida para o meu aluno, um idoso, uma criança”.
(D.E.B/F – EDF – 24 anos)
17
“muuuiiito, apaixonada. Dar aula para criançinha (forma
apaixonada, expressa pela entrevistada: Quiançinha)”... (A.R.I/F
– EDF – 26 anos)
“há eu diria que Planos, muitos planos juntas, conversamos o
que a gente pensa da vida, como a gente quer está daqui a algum
tempo ou nossas dificuldades, a gente ajuda muito uma a outra.
Com certeza. Mestrado doutorado talvez, meu foco é escola
mais talvez eu não chegue a fazer um doutorado”. (E.L.I/F –
PED – 19 anos)
Estou é tudo o que eu queria, apesar de ter mtas coisas ...mais eu
quero ser educadora. Olha eu entrei aqui porque eu quero a sala
de aula, meu objetivo agora é tentar o mestrado futuramente o
doutorado caso eu não consiga eu vou pra sala de aula. (N.A.I/ –
PED – 23 anos)
Os dados revelam que, com esses meninos, meninas, senhoras e senhores que se
matriculam, nestes dois cursos de licenciaturas, se assemelham e também se divergem
no jeito de ser, de sonhar, de se comportar nos espaços que ocupam, como veremos no
decorrer do trabalho.
18
CAPÍTULO TEÓRICO
19
1.1 O lido e o ouvido sobre o comportamento etológico
Este estudo tem como objeto de investigação o “comportamento humano”, a
partir da vivência/convivência diária de dois grupos de sujeitos: (alunos de Pedagogia e
de Educação Física da Universidade Federal de Mato Grosso), no exercício de sua
formação acadêmica, para ver como eles se comportam nos espaços em que ocupam.
O antropólogo social Marcel Mauss (2003) um dos teóricos que estimula essa
pesquisa, gosta de repetir, a partir do que seria para ele “a teoria da técnica do corpo”
que em toda sociedade, “todos sabem e devem saber ou aprender aquilo que devem
fazer para lidar com seus corpos” (id., p. 420). Em todas as condições. Naturalmente, a
vida social não é isenta de “estupidez” e de “anormalidades”.
Essa “estupidez” que fala (id., 2003, p. 420) pode ser notada nas falas, na
comunicação verbal e não verbal e na própria expressão de ser de cada sujeito. Por
exemplo, usar uma vestimenta e um calçado que não oferecem conforto; adotar uma
postura corporal que produza um incômodo na coluna vertebral; ingerir drogas
(anabolizantes) alcalóides e álcool para rotas de fugas psicológicas, ou, ainda, se
“entupir” de alimentos gordurosos levando-se a bloquear veias e artérias... pode estar aí
o exercício dessa “estupidez”. Só isso já bastaria para dizer de como temos, ao longo do
processo de nossa humanização, prestado pouca atenção no corpo. Isso pode vir a ser
um assunto de cunho educativo se bem vinculado, discutido e interpretado nas escolas,
que acabam se prestando de lócus privilegiado, porque não dizer “natural” das pesquisas
dos programas em ciências humanas.
Segundo Edward Hall (1981, p. 158), as populações mundiais estão se
amontoando nas cidades e nesses amontoamentos as necessidades de espaço das pessoas
são concebidas “simplesmente em função dos limites de seus corpos”. Com Hall
ficamos à vontade, então, de posse de um referencial teórico-metodológico para lançar
olhar para homens, mulheres, jovens e crianças, em seus ajuntamentos, em micros
espaços urbanos e percebê-los como “animais” em busca de um melhor assento, de uma
posição segura na labuta de ir e vir, de freqüentar esses espaços para garantir a sua
territorialidade.
No dizer de Hall (1986, p. 14), a territorialidade pode ser entendida como “o
comportamento mediante o qual um ser vivo declara caracteristicamente suas pretensões
20
a uma extensão de espaço, que defende contra os membros de sua própria espécie”.
Talvez seja aquilo que os alunos fazem em sala, quando protegem seus espaços, passam
a sentar sempre no mesmo lugar, defendendo assim o seu “pequeno” território
“estendido” pela sua carteira? É possível ver essa “privatização” do espaço, pelas falas
de alguns sujeitos quando perguntados por que eles sentam sempre no mesmo lugar.
Assim uma aluna da Educação Física responde: “Eu sento sempre no mesmo lugar, mas
sempre perto das pessoas que eu convivo, porque fica mais fácil o convívio com quem
você conhece...” (M.I.R./F – EDF – 26 anos). Outro colega diz: “sento sempre perto de
meus colegas, por questões de afinidade” (C.R.I./M – EDF – 22 anos).
Sentar no “mesmo lugar” e perto dos colegas como garantia de “convivência” e
“afinidade”, pode caracterizar com os sujeitos aquilo que Hall (id., p. 14) define como
sendo a “extensão de espaço, que defende contra os membros de sua própria espécie”.
Pode-se supor, também, embora os alunos não tenham dito claramente sobre essa
garantia do “espaço”, mas estar sempre no mesmo lugar suscita, com esse
comportamento de repetição, outras características da territorialidade: a segurança de
quem senta na frente garante mais atenção à explicação do conteúdo, pois se está mais
próximo do professor, de suas mídias e da matéria, além de lhe conferir status de aluno
interessado, o que nem sempre acontece quando se senta atrás.
Estar no fundo, com esse desenho de sala de aula que temos nas escolas, pode
dar à turma do “fundão” uma visão panorâmica da sala, promove a conversa “paralela”,
e o “toque” de peles, além de ficar mais perto da saída à toalete. Não importa o lugar
que se prefira no espaço da sala, mas sentando no fundo ou na frente vai comunicar essa
“pretensão” que nos fala Hall. Há uma mensagem dessa etologia, pelas características
que o próprio espaço transmite, pela extensão de espaço contra e com os membros de
sua própria espécie.
Com base no que nos lembra Montagu (1988, p. 19) “as comunicações que
transmitimos por meio do toque constituem o mais poderoso meio de criar
relacionamentos humanos, como fundamento da experiência”. As emoções se produzem
nos relacionamentos dos corpos. Há uma socialização que se efetiva, tanto num grupo
(Educação Física), como no outro (Pedagogia) quando tendem a se aproximar, a sentar
juntos, a se abraçar nos intervalos, a se agrupar para os trabalhos em grupo e a formar as
“panelinhas”, a combinar a carona da volta para casa, a se fantasiar para as festas. Nessa
hora, pelo toque das mãos e de toda a pele corporal, o estar-junto “comunitário”
superestima o espírito de “identidade”, característica primordial desses tempos líquido-
21
modernos, como insiste Bauman (2003). As emoções podem vir a ser o primeiro
mecanismo de comunicação, ligação ou repulsão no meio humano e físico nessas
megalópoles de hoje em dia.
Para o David Le Breton (2009), um sociólogo do corpo, em sua obra sobre A
antropologia das emoções, dedica um subtítulo sobre a necessidade do outro. A partir
da leitura da obra Les enfants sauvages de Malson, induz que essas experiências com
crianças selvagens, na relação que se instala com o outro amplia a relação com o
mundo. (2009, p. 30). Para ele o outro é a estrutura que organiza a ordem de significado
do mundo, e, portanto, “nunca estamos sozinhos em nosso próprio corpo”. (id., p. 37).
Para esse autor, é justamente a “educação”, com seus processos de transmissão que “vai
modelar as relações com o outro, portanto com o mundo” (id., p. 35). Além de
promover um acesso à linguagem que aos poucos vai moldando as mais íntimas
aplicações de ser corpo.
Se as emoções, que trabalham com fenômenos psicológicos de aversão, dor,
afeto, segurança, conforto, ampliçao... vai deixando nossos corpos agir
“primitivamente” nos tempos atuais como muitos preferem chamar de pós-
modernidade. Nesse sentido contribui para refletir a falta de toque que a sociedade tem
sofrido. É visível nos consultórios, quando cada indivíduo assenta em sua poltrona, seu
próprio “território” a folhear sua revista, ou nos elevadores, quando as pessoas se
posicionam sempre de cabeça abaixada e não trocam palavras como se houvesse uma
regra de evitamento a ser cumprida dentro desse minúsculo lugar. Como vemos no
comportamento das grandes cidades, as crianças ao nascerem ganham quartos e
encontramos também nas falas dos pais quando chamam a atenção de seus filhos,
mandando-os “para o seu quarto”, tornando uma família com indivíduos
individualizados.
A teoria da técnica do corpo a que Marcel Mauss (2003, p. 401) dizia ser
possível fazer a partir de um estudo, de uma exposição e da descrição pura e simples das
“técnicas corporais”, parece ter eco na descrição que essa pesquisa faz com a
congruência que pude coletar através da observação, das imagens e das falas que
revelam como esses sujeitos vivem e convivem enquanto se comportam em seu habitat
escolar de formação.
Os movimentos corporais que toda sociedade “adota” para seu corpo, Mauss
chamou de “técnicas corporais” e propôs uma divisão em categorias a partir de alguns
aspectos, que variam entre os sexos (sociedade dos homens e sociedades das mulheres);
22
e por idades. Por idade ele se refere às crianças se agacham com facilidade. Depois vêm
as técnicas do corpo em relação ao movimento, dos resultados e de um adestramento.
Quanto à biografia normal de um indivíduo ele enumera as técnicas da infância, criação
e alimentação da criança, técnicas da adolescência, que em certas sociedades não há
escolas para as meninas, e por fim a técnica da idade adulta que subdivide em técnica do
sono; da vigília (repouso); da atividade que compreende o movimento: corrida, dança,
salto, escalar, descida, nado, movimentos de força, lançar, segurar; dos cuidados com o
corpo que inclui esfregar, lavar e ensaboar, cuidados da boca e higiene das necessidades
naturais; as técnicas do consumo que inclui a comida, ausência ou uso da faca, a bebida;
as técnicas da reprodução (nada mais técnico que as posições sexuais) e as técnicas de
parto) e por fim as técnicas de medicação. Esses atos são mais ou menos habituais e
mais ou menos antigos na vida dos indivíduos e perduram até hoje e veremos algumas
dessas técnicas nas análises.
Segundo Mauss (2003, p. 416), “os movimentos do corpo contribuem para a
transmissão social do sentido”. Ajuda a viver o corpo, além de revelar a importância de
cuidar dele, assim como dizem fazer os alunos dessas duas licenciaturas: Pedagogia e
Educação Física, seja na forma de pisar, andar, na respiração, balanceio dos punhos ao
escrever, dos cotovelos, extensão das pernas, através do movimento do corpo inteiro.
Segundo Gomes, no seminário de Educação 2008, nos mostra como o processo
de civilização tem haver com o processo de aculturação em que o homem só pode
civilizar-se, se ele puder aculturar-se. E nos faz uma pergunta: “O que é civilizar-se?”
Para ele “Civilizar-se é deixar sua animalidade que traz desde seu „estágio placentário‟
de animal, que age por instinto, para manter sua sobrevivência e passa a civilizar-se,
para aprender a morar na cidade”.
A etologia humana, cunhada por Lorenz, a partir da etologia animal nos explica
que o comportamento do homem, seguindo uma abordagem sócio-antropológica, parte
sempre de sua primeira regra ontológica, a de que “o homem é um bicho natural que se
torna cultural”. Interpretando Lorenz é o mesmo que dizer o homem é um animal que se
torna civilizado.
Nesse sentido, a teoria de Lorenz, (1986, p. 19), nos possibilita uma reflexão de
como somos parecidos com os animais, tanto em nosso comportamento etológico como
em nossa semelhança física. A civilização, a cultura, o mal-estar da cultura, são objetos
de preocupação quando falamos de comportamento humano nos tempos atuais. Essa
metáfora do “mal-estar”, enquanto fenômeno de estudo, de Freud a Bauman tem a ver
23
com uma “síndrome de ubiqüidade”. Isto é, está em todos os espaços sociais, portanto a
escola, as universidades enquanto lugares sociais são espaços “comuns” que não se
eximem dessa preocupação.
Alguns antropólogos e etólogos estudaram a evolução, o desenvolvimento
físico, cultural de cada indivíduo e de espécies. (LORENZ, 1986, p. 7), conhecido como
“o pai da etologia”, como o denominava seu mestre Julian S. Huxley, realizava seus
estudos observando peixes, aves e gansos que, desde criança, o fascinavam. O contato
com os animais e com os seres humanos, onde o levou a aprofundar cada vez mais as
investigações sobre a “psicologia dos animais” estimulou-o para o estudo da etologia
conforme pode nos mostrar todo esse processo estudado por ele que é a ciência do
comportamento, envolvendo instintos tradições, hereditariedades, mutações e rituais.
Do ponto de vista físico e do comportamento social, as características dos
animais são bem próximas das características humanas incluindo todos os sentidos:
visão, audição, olfato, tato, e paladar. São eles que propiciam o nosso relacionamento
com o ambiente. São eles que compreendem esse móvel biológico a que chamamos de
corpo. São eles que nos põem em contato com os outros e com os espaços: bio, físico,
psíquico e social. Assim pode-se concluir pela fala do aluno de Educação Física quando
perguntado, qual a disciplina que trabalha com o corpo todo que você mais gosta?:
“Eu gostei muito de ginástica geral no primeiro semestre,
assim... trabalhou bastante com o corpo. Foi bem interessante a
sensibilidade. Tudo”. (G.A.L./M – EDF – 32 anos)
Essa sensibilidade, a que se refere o entrevistado, está ligada aos sentidos, o
nosso corpo percebe o que está ao nosso redor, e isso nos ajuda a sobreviver e a integrar
com o ambiente em que vivemos. Com o perdão da tautologia que a explicação carrega,
através do tato, quando tocamos em alguma coisa, permite que sintamos a natureza
desse objeto tocado, além de precisar o seu julgamento: se quente ou frio, se rígido ou
flexível, se fragrante ou fétido. Talvez seja pela “tatilidade” que essa disciplina
disponibiliza que faz com que os alunos tenham prazer assistir a essa aula. Pela audição,
captamos e ouvimos modulações de ruídos. Pela visão, vemos as pessoas, observamos
silhuetas, as formas e sua cor. Pelo olfato, identificamos os odores. E pelo paladar,
sentimos as coisas comíveis, o sabor do mundo. Os sentidos funcionam o tempo todo
como eficientes mensageiros daquilo que pode ser “tatilizado” em nossa existência.
24
As ligações motoras desenvolvidas no percurso do homem estão ligadas ao
cérebro que desenvolvem a possibilidade de descobertas. Esse achado antropológico foi
bem desenhado com a descoberta da ferramenta no filme “2001, Uma Odisséia no
Espaço”, de Stanley Kubrick (1968). Como nos parece supor pela lente de Kubrick, os
movimentos dos Homo sapiens mostram uma disputa pela territorialidade e a afirmação
do bando que se deslocam para a descoberta da ferramenta, a partir de um fêmur de uma
carcaça de zebra. Pela via da linguagem não-verbal esse movimento sugere uma
comunicação entre as rubricas estudadas por (GOMES, 2009, p. 113) que organiza a
nossa ontogênese e filogênese: ludens-sapiens-faber-demens. Com o desenvolvimento
de novas técnicas corporais, algumas atividades de perduração, como veremos a seguir,
vêm sofrendo alterações corporais importantes:
Andar: as pessoas das “megalópoles” termo usado por Maffesoli (2006, p. 95)
parecem estar sempre com pressa. Uma observação que fiz durante minha
estada na cidade do Rio de Janeiro para realizar estudos pertinentes à pesquisa
nos mostra que as pessoas andam para seus determinados destinos com suas
cabeças voltadas para o chão, parecem estar sempre insatisfeitas com alguma
coisa.
Falar: seja a comunicação verbal ou não verbal, o corpo humano usa de
sofisticada linguagem, seja no cansaço, na respiração, nas pulsações, nas
indisposições corporais. Há fala pelos gestos, pelos movimentos, pelos
silêncios.
Copular: há notícias dos sujeitos que hoje eles são mais livres para falar,
programar-se e fazer o sexo sem nenhum compromisso social, inclusive. O
kama sutra ainda é bastante conhecido entre eles.
Vestir: são as cores, os tamanhos das roupas que irão influenciar na sociedade o
qual está inserida. Os alunos da educação física vestem roupas mais leves para
poder realizar seus exercícios seja eles na quadra, na pista de corrida ou em sala
de aula.
Sentar: com os avanços tecnológicos da sociedade moderna passamos a maior
parte do tempo, sentados. A cadeira da sala de aula produz escoliose, à frente
dos computadores, das TVs e games, também nos traz problemas de postura.
Assim, conforme Le Breton (2003, p. 21) “a sociedade urbanizada torna-se uma
sociedade sentada”. O que para Bauman (2008, p. 62) essa sociedade moderna
existe em sua atividade de “individualizar-se”.
Comer: com o advento da tecnologia a alimentação tornou-se mais disponível,
portanto, com as pessoas comendo mais, promove mais obesidade. É provável
que os Neandertais tivessem dificuldades para obter comida.
25
Mediante as rubricas humanas que nos “põem de pé”, pela experiência corporal
apresentada pelos sujeitos da pesquisa, nos coloca frente a uma questão paradoxal: o
sentar-se, se tomado como um movimento de perduração pode ter tido, na invenção do
utensílio cadeira, duas condutas de sentidos e significados opostos ― a mesma cadeira
que nos acomoda também nos desestrutura, causando-nos um problema de postura. A
escoliose, que a própria palavra explica, é um desvio de coluna adquirido nos bancos
escolares.
A cópula que realiza o processo, pelo qual alguns indivíduos deixam
descendentes ou cópia de seus genes, no “mistério da reprodução”, também pode trazer
a desgraça se contaminação com doenças sexualmente transmissíveis (DST) atingir seu
objetivo. Isto é, o mesmo ato que pode trazer a uma nova vida, pode também nos levar à
morte. E, assim é com o alimento que comemos que nos dignifica, traduz a nossa face
de um deus criador, mantém a nossa existência em equilíbrio, mas também pode nos
tornar obesos, hipertensos, diabéticos; a caminhada e a corrida que nos proporcionam
esse wellness pós-moderno, para ficar em paz com o modismo do termo, se feitos de
forma errada sem calçados e vestimentas apropriados em lugares e horários não
favoráveis, nos causam problemas em nossa estrutura: pele, luxações, tendinites,
contraturas, torções, estiramentos musculares, desidratação entre outros.
Algumas dessas técnicas só são solicitadas raramente no cotidiano, através de
atividades físicas para a manutenção da saúde. Para o etologista Konrad Lorenz (1986,
p. 19) falando em termos de responsabilidade humana em pé de igualdade com sua
responsabilidade científica diz “que se o naturalista percebe os perigos em que se encontram os
seres humanos como tais, cabe ao filósofo alertar à humanidade e os seres humanos contra esses
perigos”. Essa tarefa é de todos nós que lidamos com as ciências do gênero social e humano:
antropólogos, sociólogos, psicólogos e pedagogos, todos estamos convidados. Desse modo,
estudar o comportamento, a partir das mensagens que os corpos dos sujeitos (pedagogos e
fisiculturistas) emitem pode vir a servir de um “manual” que nos estimulem a pensar em nosso
próprio corpo em relação a mim, ao outro e ao mundo em que habito.
Hoje os perigos da desumanização são os mais imediatos, ao lado dos perigos de
ser destruído o meio ambiente “no qual e do qual vive” o homem. Lorenz (1986, p. 20)
já se preocupava com o futuro, com os avanços tecnológicos e com a evolução cultural e
que iríamos deixar para trás a evolução filogenética, com isso ocorre o extermínio do
meio-ambiente: o homo violens, e a “decadência” da cultura, pois os dois caminham
juntos e analisa as razões do declínio da nossa civilização e da cultura ocidental.
26
Segundo Lorenz (1986, p. 117), “perderam-se os valores culturais característicos
do ser humano”, para que se recupere, a sociedade irá sofrer uma transformação radical,
na qual cabe aos jovens a responsabilidade da ação re-construtiva a responsabilidade de
conscientizá-los dos desvarios, levando em consideração os valores, as crenças, os
mitos e as exigências ditados pelos interesses sócio-culturais de cada sociedade. É
necessário re-valorar as nossas características humanas, a começar pelo respeito à vida.
Mediante o desenvolvimento cultural da humanidade se processa a passos cada
vez mais acelerados e atingiu na atualidade uma velocidade tal, que podemos dizer, sem
receio de exagero; será que, quanto mais nos aceleramos com essa ânsia de progresso,
passamos a ser insensíveis e fracos que não reagimos mais à profunda ignorância e
violência que nós mesmos produzimos?
Muitas pessoas são conscientes dos perigos trazidos à tona pelo
desenvolvimento tecnológico da humanidade, ainda assim há também
inúmeras outras cujo pensamento tecnomorfo as deixa convictas de que
qualquer desenvolvimento traz consigo, necessariamente, novos valores.
(LORENZ 1986, p. 19-21)
O pensamento tecnomorfo lembrado por esse autor procedido quanto ao
emaranhado causal de uma cadeia de eventos bem definida, pode caracterizar-se por três
atos: a definição de um objeto, passando-se por sobre o fluxo temporal como na
antecipação de algo futuro; a escolha dos meios a partir do objetivo definido, escolha
essa, portanto de certo modo retroativa; e a realização do objetivo através da seqüência
causal dos meios escolhidos (Nicolai Hartmann, apud Lorenz, 1986, p. 23).
Não nos resta dúvida de que o conhecimento humano influi no curso da
história da humanidade, e se levarmos em conta que justamente o acréscimo do
conhecimento humano é totalmente imprevisível, então o futuro curso da história
também é imprevisível. Seja ele um cérebro humano ou um computador eletrônico,
podem jamais prever os seus próprios resultados.
De acordo com a trilha evolutiva do mundo dos organismos, não pode estar
predestinada nem predeterminada desde a origem da vida. O famoso aforismo de Bem
Akiba, “de que tudo já existiu antes”, é o contrário do que constitui a verdade histórica:
“nada já existiu antes” (apud Lorenz, 1986, p. 25). Se nada existiu antes, de onde vem a
nossa existência?
O autor, David Le Breton, que tem o estudo sobre a corporeidade, trabalha o
corpo singular, múltiplo, ferido, esfacelado, como ele gosta de repetir, o corpo como
27
obra de arte em perigo. É um sociólogo do corpo e para quem o corpo não é só um
estado primitivo onde deposita doenças e nem só um espaço em que se arquiva, se
anexa e se agrega pontos de cultura mais também o corpo é um cenário um espaço onde
se anexa em forma de prótese os símbolos que o homem é capaz de criar, inclusive o
corpo como metáfora, não é só um corpo múltiplo, singular, esfacelado, tem todo tipo
de corpo que está em constante mudança. Então se a gente pensar que o corpo é um
corpo natural, cultural é diretamente simbólico na sua existência e na sua negação.
Para Le Breton (2006, p. 24), “o corpo não existe, não se vê corpos, o que se vê
são homens e mulheres”. Para a medicina “nós temos um corpo” para ser medicado,
para ser tratado, e na fenomenologia de Merleau Ponty (internet, wekpédia 9 de
setembro de 2010), “nós somos um corpo”, para pensar, falar, sentir... Essas metáforas
nos deixam dúvidas para querer entender se o corpo não existe, se nós temos um corpo,
ou se nós somos um corpo. “Se nada existiu antes”, como nos diz Lorenz, o que existe
hoje? É na observação da pesquisa que pude ver o quanto o corpo é importante em
nossa existência.
Depois de uma aula “cansativa”, depois de exaustiva repetição de exercícios
físicos + mentais, qual a mensagem que advêm desses meninos e meninas na quadra de
esportes e numa sala de aula? Talvez os gestos que eles apresentam traduzem
comportamentos de sujeitos que mostram que o corpo + espírito necessitam de
descanso, para voltar a se movimentar, como veremos nas imagens abaixo:
Fig. 1. (EDF – UFMT) Fig. 2. (EDF – UFMT)
28
Fig 3. (PED – UFMT) Fig. 4. (PED – UFMT)
O corpo, a partir dessas imagens, parece insatisfeito, cansado, enquanto todos os
alunos estão de pé ouvindo o professor o aluno (E.L.C./M – EDF – 24 anos) se encontra
deitado ouvindo atentamente, e não podemos esquecer que através da linguagem não
verbal o nosso corpo nos diz a todo tempo se está satisfeito ou não com suas
realizações. Ficamos livres de qualquer julgamento para não dizer de insatisfação, mas
sim de fadiga.
Como veremos noutras atividades de perduração com outras mensagens
corporais:
agrupar-se, para Michel Maffesoli (2006, p. 37) o termo “desindividualização”
nos mostra a necessidade que temos de ter contato com o outro de viver na
coletividade, de sentir e ser aceito pelo outro. Por mais que os mecanismos
tecnológicos nos impelem para um individualismo, haverá espaços, esses
sujeitos nos mostram que uma vida em coletividade é o que dá “sentido a nossa
existência”, dito com essas palavras pela maioria de nossos sujeitos.
caminhar, correr... Consoante Mauss (2008, p. 420) são “técnicas corporais”,
vivenciadas pelos alunos de Pedagogia e Educação Física, não só nos espaços
apropriados como na pista do campus ou nas quadras poliesportivas, mas a
corrida para pegar o ônibus na vinda ou na volta para suas casas, a caminhada
feita até o refeitório, nos corredores para fazer cópias dos textos, a caminhada
até à cantina... os alunos vão se “ajeitando do jeito que podem” e usam a
ferramenta que estimula a aquisição de novos padrões de comportamento que
perduram em nosso processo de humanização... os aparelhos sofisticados são
bem conhecidos são conhecidos nas academias de ginásticas, visto no estágio da
Educação Física.
Segundo Le Breton (2006, p. 17) “as qualidades do homem são deduzidas da
feição do rosto ou das formas do corpo”. Ele é percebido como a evidente origem moral
da aparência física. O corpo torna-se descrição da pessoa, testemunha de defesa usual
daquele que encarna. O homem não é o produto do corpo, produz ele mesmo as
qualidades do corpo na interação com os outros e na imersão no campo simbólico. A
29
corporeidade é socialmente construída, mesmo anexada em seus valores, em sua moral e
em seus mitos.
Consoante as mudanças de curso são às vezes explicáveis por “invenções” ou
novas “descobertas”. A educação é um instrumento privilegiado, assim como o sentido
dos direitos humanos, através das invenções/descobertas, como ação/reflexão da vida
humana, que se distingue das demais formas de vida. Na evolução, são diferentes
espécies que se desenvolvem e tem diferentes respostas do meio ambiente, como forma
de sobreviverem. Os seres humanos criam sistemas de cultura, desenvolvem sua
racionalidade, a linguagem verbal, há um aprimoramento tecnológico, desenvolvem
sentimentos, poder de posses, consciência, domesticação e passividade que diversificam
entre si as cosmologias, através de estudos biológicos expressos em suas características
corporais. Assim como os animais, a metáfora do camaleão é um exemplo em que o
animal é capaz de se adaptar de diversas formas e cores no tempo exato, para sua
sobrevivência.
Conforme Lorenz (1986, p. 37) “Os caminhos da evolução são claramente
determinados pelo acaso, a uma igualmente determinada mutação a recompensa de uma
vantagem na seleção natural”. Se de fato a Etologia enquanto ciência do comportamento
estiver certa em seu aforismo, não é de se desperdiçar a sua deixa: “os homens como
animais, antes de serem culturais, são mais naturais do que possam supor”.
1.3 Comportamento simbionte: as trocas e o toque proxêmico numa sociedade
individual
Olhar os corpos de meus sujeitos e tentar entender sua mensagem, quando na
vivência diária de sua formação, com base na expressão “evolução demolidora” de
Lorenz (1986, p. 43) seria talvez a mais apropriada, uma evolução autodestrutiva que é
tão específica para o autor quando denomina de sacculinização, a partir de um de seus
exemplos mais impressionantes.
Pude ouvir e ver como eles se ajeitam, (essas interpretações serão melhor
alongadas na seção de análise dos dados) quanto aos mecanismos estratégicos de
sobrevivência neste espaço de formação. Como por exemplo, pude ver e ouvir alunos
que fazem alianças interesseiras com colegas mais inteligentes (nerds) ou mais
30
abastados (riquinhos); há outros que se mostram solícitos para auferir alguma vantagem;
há outros que fingem estar em desvantagens, numa espécie de “trade-off energético” ,
conforme os estudos de Wrangham (2010, p. 91) com preguiça de pensar, oferecem
força em troca de cérebro.
Esse mapa de comportamentos, expresso por nossos sujeitos se assemelham à
sacculinização, identificada por Lorenz, baseando no exemplo do ser vivo em que o
processo de evolução autodestrutivo se passa de maneira particularmente nítida e
observável.
O caranguejo sacculina carcini é provavelmente um descendente da
subclasse dos copépodes, o caranguejo de seis pernas, cuja programação lhe
permite identificar e procurar um possível hospedeiro, o siri praieiro
encontrando o hospedeiro, com muita perícia o caranguejinho se fixa bem na
fresta entre a couraça capopeitoral e a couraça caudal, e aí se enraíza.
Infiltrando pelo corpo do hospedeiro, perfurando-o assim como o micelo de
um cogumelo perfura o solo que o alimenta. (Lorenz, 1986, p. 43 - 44)
Os simbiontes em que aparecem alguns fenômenos da evolução autodestrutiva
são, por exemplo, muitos dos nossos animais domésticos, que pouco a pouco foram
perdendo todas aquelas adaptações especializadas que haviam sido imprescindíveis para
que seus ancestrais pudessem sobreviver na selva. Todos somente ganharam algo em
relação àquelas características que são do interesse do homem e sobre as quais,
consciente ou inconsciente, este exerceu pressões de seleção. A esse processo Lorenz
(1986, p. 44) denomina de “domesticação”.
De acordo com nosso senso estético, atribuímos valores negativos à maioria
dos fenômenos aparentes da domesticação, que, segundo (Julian Huxley apud, Lorenz,
1986, p. 44), falava da “vulgarização”. O homem exerceu duras pressões seletivas sobre
uma forma selvagem que já de início se apresentava socialmente bem organizada, o que
vale para os cavalos sob o ponto de vista estético é igualmente válido para os cães sob o
ponto de vista do comportamento social, capacidade de amar, lealdade, coragem,
valentia, obediência, entre outros predicados.
Para o Homem, segundo Lorenz (1986, p. 56) “A vida do espírito humano é uma
vida super-individual, e à concretização individualmente experimentada do espírito
humano comum a todos os indivíduos chamamos de cultura”. O corpo e o espírito
humano são partes fundamentais do processo transformador das emoções,
conseqüentemente, de nosso processo evolutivo.
31
Não paramos para pensar em nosso corpo. Para Le Breton (2003, p. 34) “há um
“ódio social” que se converte em um “ódio do corpo”. Preocupamo-nos somente com a
estética: o silicone, o botox, as plásticas, a lipoaspiração que constituem a sua melhor
ocupação. Estamos sempre anexando uma prótese, como sugere esse autor da
“sociologia do corpo”, num mundo que celebra essas mudanças, fazendo perder a forma
corporal.
Seja no ato extravagante de vestir, na expressão de rostos escarificados, na
insatisfação esférica do corpo, no desconforto dos poluentes sonoros, na fadiga
imagética, no isolamento individual das ágoras superlotadas... Essa corporeidade vai
“gritando”, se ajeitando no jeito que pode, feito uma crisálida a caminho de sua imago.
O termo “Sociedade Individualizada”, adotado pelo sociólogo anglo-polonês
Zygmunt Bauman (2009) que traz em seu livro sob o mesmo título, pode nos ajudar a
interpretar melhor essa conduta, como já dissemos no início da escrita desta seção. A
falta de toque de pele entre as pessoas pode ser vista em nossos dias dentro de apertados
elevadores, de barcas superlotadas, metrôs enfurecidos, impróprios para o transporte em
horário de rush, em condomínios das grandes cidades, em filas de bancos, em salas de
consultórios, em casas de show e nos cursos de licenciaturas pesquisados. É através do
toque, isto é, da tatilidade que quer dizer faculdade de tocar com todos os órgãos dos
sentidos, esse estudo pode ajudar a entender porque é que as pessoas estão cada vez
mais “individualizadas”, para ser caro à metáfora baumaniana.
Pelo que pude observar esses sujeitos, tanto de um grupo como do outro,
exercitam o toque somente nos micros-grupos (panelas), organizados por uma simbiose,
mas que por qualquer outro mecanismo organizador, como os parasitas, por exemplo. É
nessas horas que sou tentada a supor que nós somos iguais aos chimpanzés de
Wrangham (2010) e aos gansos de Lorenz (1986). Vivendo e convivendo com a briga
do território, privatizando o espaço público.
Abarrotados de pessoas, esses espaços ditam uma corporeidade e, afina uma
“técnica corporal”, lembrando a expressão de Marcel Mauss (2008, p. 421), que elimina
qualquer possibilidade de toque, qualquer experiência de pele. Com isso vivemos em
uma sociedade individualizada e que nos tornamos mais individuais.
Tomando por base a velocidade evolutiva de nossa civilização resulta em que
cada geração se torne cada vez mais diferente da que lhe antecede: “a geração dos filhos
difere mais da geração dos pais do que esta da geração das avós” (Lorenz, 1986, p. 60).
Enquanto as gerações, entre todos os povos civilizados, se tornam cada vez mais
32
diferentes das anteriores e delas se afastam, tornando-as mais estranhas, no mundo
inteiro os indivíduos de uma mesma geração se tornam cada vez mais semelhantes entre
si. Assim na involução esmerada por Lorenz, na medida que cresce a cultura em seus
aspectos filogenéticos, também cresce o evitamento corporal da espécie humana.
A partir da rubrica Homo ludens, podemos tratar dos processos da evolução
criativa, que precisam ser também abordados os processos que se desenrolam no interior
do cérebro humano e ao nível coletivo, social, no espírito humano. “Os processos
criativos que se passam no homem, e somente no homem, constitue-se ao mesmo tempo
um jogo, uma brincadeira. Tomando emprestado de Friedrich Schiller, o poeta-filósofo
alemão do século 18, seu famoso aforismo “o homem só completa a sua humanidade
quando é capaz de brincar” Lorenz, (p. 63). Expõem pela potência do homo ludens as
pistas que amenizam esses evitamentos sociais.
São as crianças, que em uma determinada fase descobrem que podem repetir
seus atos assim como os animais domesticados como a exemplo dos gatos e cachorros e,
também os bebês, que ao nascer necessita de uma comunicação para se alimentar
através do choro, sentindo fome, ele chora e ganha o leite, porém todos per-seguem um
mesmo comportamento lúdico. Processos semelhantes a este provavelmente se
desenrolaram quando da especulação de qualquer nova ferramenta. Esse evento se
repete pelas linguagens (verbal e não verbal), tão visíveis nos acadêmicos, nas
realizações de provas práticas (alunos brincam com bolas, dardos, pesos) e em
momentos de aulas e quando levam seus filhos para a sala de aula.
Mediantes as linguagens usadas em bairros, em guetos. (não são linguagens
formais mais uma comunicação corporal), indícios mostram que a linguagem está
evoluindo culturalmente. É um vetor da cultura, que identifica grupos dentro da
sociedade. Como fazem os sujeitos da pesquisa, formando seus grupos, de “pobrinhos”,
“riquinhos”, “lado A”, “lado B” como veremos nas categorias de análise. Para Lorenz a
partir do ponto de vista da epistemologia evolutiva, somente uma das três é cabível. A
primeira é a da causalidade recíproca ou da interação correspondente às experiências
vivenciadas; a segunda teoria, a do paralelismo psicofísico, de duas cadeias de eventos,
que fundamentalmente não apresentam inter-relacionamento lógico. Particularmente dos
que se referem à fisiologia do cérebro e do sistema nervoso, nem minimamente nos
aproximaram da compreensão do problema do corpo e da alma e que se desenrolam de
maneira totalmente inconsciente; o terceiro posicionamento das três hipóteses para o
problema do corpo e da alma, que pode ser o único adotado pelo epistemólogo
33
evolutivo, consiste na suposição de que o corpo e a alma, eventos fisiológicos e
emocionais, sejam simplesmente a mesma coisa real e verdadeira em si mesma, da qual
tomamos conhecimento por dois modos de conscientização diferentes e independentes
entre si.
Consoante as normas comportamentais, guiadas como são pelas emoções, sejam
teleonômicas. O entusiasmo e a lealdade aos amigos são considerados características
merecedoras de elogios, assim como o amor materno é considerado nobre, a inveja pelo
alimento é considerada desprezível, apesar de que também estas duas últimas formas
comportamentais humanas pertencem ao etograma que é o registro detalhado do
comportamento de um animal, dos instintos bem preservados do homem.
Esse autor considera que a rubrica Homo ludens tem a capacidade de criar
harmonias que jamais antes existiram, e tem também a capacidade de percebê-las.
Percepção é uma atividade do homem, na arte humana há sem dúvida muitas coisas
belas, cuja existência não é teleonômica no sentido da definição de teleonomia, no
sentido biológico, elegido pelo autor.
Contudo a sensação de harmonias é uma realização daquela organização dos
nossos órgãos sensores e estruturas cerebrais que conhecemos como percepção de uma
Gestalt, percepção de uma imagem.
A própria cultura criou normas comportamentais humanas que, de certa maneira,
podem servir como um substituto para as programações comportamentais humanas
inatas, funcionando como fatores estabilizantes e conservadores, e opondo-se desta
maneira a um desenvolvimento demasiadamente precipitado. Para Kant, “os
comportamentos são formados a partir da previsão de suas conseqüências” (apud.
Lorenz, 1986, p. 118). Segundo o autor:
“O homem é bom para a sua sociedade. Os mandamentos bíblicos e as
proibições sociais, surgidos ao longo do nosso desenvolvimento cultural,
obrigam-nos constantemente a violentar as nossas programações
comportamentais inatas; nos contatos com os demais membros da sociedade,
cada um de nós se acha constantemente preso na camisa-de-força das normas
comportamentais e culturais” (LORENZ, 1986, p. 119).
Desse modo explica o autor que quanto mais uma cultura se desenvolve, tanto
maior é a lacuna entre as tendências naturais humanas e as exigências culturais.
Já definimos anteriormente o “espírito humano” como o fenômeno coletivo do
que os homens conhecem, sabem fazer e desejam, em conseqüência do seu raciocínio
abstrato e conceitual bem como de sua linguagem provida de sintaxe.
34
O espírito humano criou um sistema tal que, mesmo sendo complexo ao
extremo como é não tem a mínima condição de fornecer uma visão global de suas
próprias complicações. Bem como a super organização, ameaçam levar ao
empobrecimento do espírito humano e também à perda de direitos humanos essenciais.
As ameaças que as espécies humanas estão prestes a serem extintas, não seria
uma extinção e sim a “destruição” de suas características específicas, das características
que nos tornam seres humanos e não apenas animais pertencentes à espécie humana.
Ainda assim o indivíduo se sente feliz e satisfeito, visto que desde o berço foi
condicionado mediante uma doutrinação bem testada para tal, sendo-lhe a satisfação e a
felicidade proporcionadas adicionalmente por meios psicofarmacológicos.
O espírito humano marginalizou totalmente os efeitos da seleção, deixando-a
inócua, através do expediente de eliminar, quase de todo e qualquer a interferência
antagônica do meio ambiente, seus predadores, o clima, as doenças infecciosas...
A Fenomenologia das valorações humanas, muitas das normas
comportamentais inatas e também tradicionais humanas, que ainda há um tempo
historicamente bastante recente, constituíam programações bem adequadas do
comportamento social e econômico, contribuem hoje para a decadência e para a
destruição da humanidade.
Segundo Lorenz, (1986, p. 43) “O que resta de uma seleção efetiva caminha no
sentimento cultural, possa apresentar efeitos contrários aos da sacculinização genética”.
Há bons motivos para a suposição de que a evolução cultural “ascendente” depende de
modo essencialmente semelhante ao caso da evolução filogenética, de que aquele jogo
de causas e efeitos recíprocos, o qual constitui obviamente a pressuposição para a
existência de um desenvolvimento criativo de orientação “ascendente” se desenrole
entre culturas distintas. Com o desenvolvimento ultra-rápido e acelerado de uma cultura
dominada pela tecnologia traz “embutida” a conseqüência imediata de que
freqüentemente a falta de visão mais ampla leva à opção por um caminho sem retorno
possível. A partir dos estudos de Lorenz, esses mecanismos tecnomorfos levam o
homem a se distanciar da “experiência” que nos fala Larrosa, quando trocamos as
“informações” no lugar das “experiências”. Se isto for verdade, assim como um simples
software da máquina de calcular elimina minha experiência matemática com o cálculo,
o uso de máquinas nos esportes e nas salas de aulas, elimina também o meu contato com
a experiência corporal que só se pode fazer pelas vias do toque.
35
“A humanidade, que pensa e age de modo tecnomorfo e cientificista
desaprenderam, como tratar com seres vivos. Se tudo o que tem alguma coisa
a ver com sensações e emoções é considerado ilusório, se há uma orientação
no sentido de se buscar uma psicologia sem alma, então, conseqüentemente,
também não se há de sentir dó de um bebê humano que, deixado sozinho
num quarto escuro, grita desesperadamente por socorro. Qualquer filhote
animal de uma espécie de atividade diurna, que ainda depende dos cuidados
maternos e paternos, fica exposto à morte praticamente certa se na escuridão
mais profunda perder a sua família. Usando assim a totalidade de suas
energias nervosas e musculares disponíveis para emitir para todos os lados os
seus pedidos de socorro” (LORENZ, 1986, p. 165).
A fenomenologia das valorações humanas, como o prazer que se sente pelo
crescimento, pelo funcionamento, lhe reforçam tal convicção. Nós, enquanto civilização
humana, nos tornamos cada vez menos capazes de suportar a dor e o sofrimento.
Enquanto a verdadeira alegria se torna inatingível pela auto-piedade com que as pessoas
evitam o desgosto a dor e o sofrimento. Podemos ver através da imagem abaixo o
sofrimento desses alunos no sol quente enquanto assistem a aula de atletismo:
Fig. 5 – Aula na pista de atletismo das 11h às 12h. (Educação Física)
Ao observar a aula na pista de corrida, pude perceber o quanto os corpos desses
alunos estavam insatisfeitos, através do cansaço, a procura por um ambiente fresco
necessitados de água, procurando por sombra, pois o clima quente da cidade faz com
que o indivíduo sinta dor, passando por um sofrimento corporal.
O “gozo”, na melhor das hipóteses, ainda pode ser adquirido sem que por ele se
pague o preço honesto de um trabalho durante amargas semanas, mas não a “alegria”,
36
lampejo dos deuses. A incapacidade é causa do tédio e, por conseguinte, da grande
necessidade de “lazer” ou de diversões que tantas pessoas hoje têm. Deixar se divertir
passivamente constitui bem o contrário do jogo, que é a essência da atividade criativa
sem a qual não pode subsistir a verdadeira humanidade (Lorenz, 1986, p. 175).
O desenvolvimento intelectual humano oprime a alma humana, têm efeitos
particularmente nítidos e eficazes em tornar maiores às dificuldades a serem enfrentadas
pela juventude. Dificuldades na aceitação em receber as tradições do estresse social, as
restrições impostas pela super-organização e a especialização tornada obrigatória pela
subdivisão das tarefas, que contribui para minorar o prazer que pessoas jovens ainda
possam ter pela vida.
Para que uma tradição possa ser corretamente transmitida de geração em
geração, é necessário que esta possa identificar-se com aquela. Depende de quão fortes
sejam os elos que unem pessoas da geração mais jovem a mais velha, a extensão das
mudanças que ocorrem na cultura em causa no curso do período de vida de cada
geração. O contato e o afeto entre as gerações estão regredindo, e lamentavelmente
vemos “bons” motivos para este triste processo. Em todos os tempos os jovens já se
revoltaram contra a geração que lhes antecedeu, hoje, porém, tem-se a nítida impressão
de que foi atingido aquele ponto mais perigoso, crítico, em que a geração dos jovens se
posiciona diante da geração de seus pais como se estes constituíssem um grupo étnico
inimigo.
Já a evolução não consiste só em mudanças, mas em adaptações que requer
equilíbrio entre a estrutura fundamental da espécie e as novas informações recebidas do
ambiente. É preciso o equilíbrio, e Konrad Lorenz, ressalta que “a humanidade já
perdeu”. Pelo que pude ver com os sujeitos dessa pesquisa, as alianças que se formam
têm uma orientação diversa do afeto. A moeda de troca que precifica esses laços é
traduzida por um “ficar com o colega” substituindo o romance de outrora; ser amigo
para ganhar uma carona ou facilitar os trabalhos em grupo. É muito raro acontecer de se
criar laços de amizades duradouras durante o período de formação escolar.
Não se considera mais um processo de evolução, mas “a demolição do homem”
que consiste em abandonar velozmente todas as informações armazenadas ao longo dos
tempos, até mesmo universais e históricas e assimilar com rapidez e igualdade
quaisquer novas informações que podem danificar a máquina humana. O homem arrisca
diferenciar a espécie humana dos demais seres vivos, e mais que a crise cultural ou
ecológica é uma crise da animalidade do homem.
37
Eduard Hall, um teórico que nos ajuda a pensar nesse processo de ajuntamento
social, naquilo que ele chama de proxêmica. A proxêmica se deriva da palavra grega
proxemia que significa o uso que as pessoas fazem do corpo nos espaços que ocupam.
Com Lorenz aprendemos sobre a territorialidade uma das coisas mais importantes da
etologia; sobre o uso do espaço, nos guiaremos pelos estudos de Eduard Hall com a sua
proxêmica.
A proxemia remete, essencialmente, ao surgimento de uma sucessão de nós, que
constituem a própria substancia de toda a sociedade. A constituição dos micro-grupos,
das tribos que pontuam a espacialidade se faz a partir do sentimento de pertença, em
função de uma ética específica e no quadro de uma rede de comunicação.
Para Montagu, com a noção de tatilidade, de pele de contato, não existe
comportamento sem pele, sem toque e outros que ajuda a pensar como uma educação do
corpo como um comportamento corporal e como podemos servir desses corpos, temos
prestado muito pouca atenção no corpo que temos. Sobretudo falamos sobre o meio
ambiente especial quando o primeiro ambiente que a gente tem notícia é o nosso corpo.
Segundo Roy Porter in Peter Burke (p. 292), em seus escritos sobre a história do
corpo ajuda a entender que até pouco tempo, o corpo que tem sido, em geral
negligenciado, não sendo difícil se perceber o porquê. Em seus caminhos diferentes e
por razões diferentes, elevaram a mente ou a alma e denegriram o corpo, assim nos faz
lembrar aquilo que David Le Breton (2006, p. 24), “o corpo não existe, o que existe são
homens e mulheres”.
Como disse anteriormente mais que nos faz entender que a estética do corpo esta
inserida em nosso dia-a-dia impregnada em nosso corpo que é a via régia de nossa
existência, me faz pensar (Burke in et al Sterne 1994, p. 292) naquilo que nos diz sobre
“os homens são seus corpos”, tentando demolir as velhas hierarquias culturais que
privilegiam a mente sobre o corpo, assim como a história das idéias, e no rumo da
exploração da cultura material, da qual faz parte a história do corpo.
A antropologia cultural, tanto na teoria quanto na prática, disponibilizou aos
historiadores as linguagens para a discussão dos significados simbólicos do corpo, os
historiadores a tratarem o corpo como a encruzilhada entre o ego e a sociedade, durante
a última geração nos impôs as rígidas estatísticas vitais de “nascimento, cópula e
morte”.
Muitos estudiosos advertiram de que seria simplista demais assumir que o corpo
humano existiu eternamente como um objeto natural não problemático com necessidade
38
e desejos universais, afetado de maneiras variadas pela cultura e pela sociedade,
reprimido em uma época e liberado em outra. Proporcionar ao velho dualismo
mente/corpo uma nova vida, tentando-se estudar a história (biológica) do corpo
independente das considerações (culturais) da experiência e da expressão na linguagem
e na ideologia, pode constituir uma falácia. Para o autor devemos enxergar o corpo
como ele tem sido vivenciado e expresso no interior de sistemas culturais e particulares,
tanto privado quanto públicos.
Se os corpos estão presentes para nós, apenas por meio da percepção que temos
deles, então a história dos corpos devendo assim incorporar a historia de suas
percepções, pode nos ajudar a entender como os corpos se corporificam, não só a partir
da expressão dos mecanismos de perduração (comer, sentar, dormir, copular) mas,
também pela complexificação no uso que fazem no comportamento proxêmico, quando
o corpo de um parece sempre “desconfiar” do corpo do outro. Vivendo e convivendo
esses sujeitos, anexam senhas para se proteger e para se comunicar uns com os outros.
O autor nos ajuda a compreender que a antecipação e a generalização do corpo,
que foi um dia um objeto público, tornou-se privado ― com efeito, o local da vergonha
narcisista ― no interior da cultura burguesa. Na verdade, declara ele, o corpo
“desapareceu” completamente como um instrumento de erotismo, sendo substituído
pelo livro. Temos os exemplos hoje o Kama Sutra conhecido no mundo inteiro e é um
antigo texto indiano sobre o comportamento sexual humano e não só pelo livro e sim
pela mídia, pelas máquinas substituindo assim o homem pela máquina
David Le Breton (2003, p. 185), nos faz pensar numa pergunta retórica, se é que
posso dizer que é simples “sou um homem ou uma máquina?”. Essa é a sua
preocupação que tem desse corpo que está constantemente no rascunho.
Le Breton, chama de “(Re)escrevendo o Corpo”, quando enfatiza o modo como
o corpo deve ser encarado, não como um objeto de “carne e osso”, mas como uma
“construção simbólica”. Esses autor (2003), em sua obra Adeus ao corpo nos diz que
muitos de nós damos um “adeus ao corpo”, essa metáfora nos mostra uma visão de
presente, anuncia um futuro entre o real e o simbólico em que esse “adeus que damos ao
corpo” nos modifica a todo momento tratando como um objeto anexando próteses em
tudo. E para captar como queremos ser lembrados usamos a mídia, os retratos que nos
mostram como ficamos embonecados em nosso melhor aspecto.
A mente e ao corpo tem sido designados atributos e conotações distintos. A
mente é canonicamente superior a matéria. Em uma pesquisa realizada no shopping
39
“Três Américas”, na cidade de Cuiabá, como parte de um relato para saber como se da
esse comportamento em espaços de grande circulação. Pude entrevistar uma jovem
adepta da Igreja messiânica japonesa, sobre a percepção corporal, eles incluem a prática
do Johei ela se pronuncia:
“JOHEI – significa (canalização de energia pela palma da mão)
Imposição das mãos na cabeça de um amigo para passar energia
positiva”. (C.A.P/F – 26 anos).
É essa canalização de energia que faz com que o indivíduo tenha contato com
os “cosmos com um ser superior” como nos disse Mont‟Alverne Agosto de 2010, em
uma palestra na UFF, que esse corpo que nos faz viver aos modos de Morin é que nos
faz “pensar, sentir e agir”.
Ontologicamente, por isso, a mente, o desejo, a consciência ou o ego tem sido
indicados como os guardiães e governantes do corpo, e o corpo deve ser seu criado.
Para Roy Porter (1994, p. 303) em aspectos mais importantes, esta subordinação
hierárquica do corpo à mente, sistematicamente degrada o corpo; seus apetites e desejos
são encarados como cegos, obstinados, anárquicos ou (no cristianismo) radicalmente
pecaminoso, ou seja, profano, pode ser encarado como a prisão da alma. Por isso o
corpo facilmente ofende, cometendo o mal ou atos criminosos. Devido a sua verdadeira
natureza “imperfeito e bestial” ele pode ser francamente desculpado pela sua “fraqueza
da carne”. Para ele as relações mente/corpo não são “inatas”, mas dependentes da
cultura. Entre o corpo e a mente, o corpo e a alma, a classe, as circunstâncias e a cultura,
e as sociedades com freqüência possuem uma pluralidade de significados.
Porter (1983, p. 310), a citar Norbert Elias, em seu estudo sobre o processo
civilizador, destaca os aspectos de controle do corpo ― corpos limpos, hábitos limpos,
conversa limpa, mentes limpas... Não deixando assim o corpo agir somente com seu
inconsciente mais ter o controle deixando o ego ser responsável por suas atitudes
desenvolvidas. Ainda hoje esse controle é ocupação privilegiada das instituições sociais.
Da família à escola vai se “lavando” os corpos das crianças, limpando da linguagem o
palavrão; tirando da natureza do corpo os contatos com as secreções, (muco nasal,
flatulências, arrotos, menstruação...); exorcizando da alma qualquer ligação com os
desejos corporais, porque seriam profanos.
40
1.3 O corpo no espectro tribal dos tempos atuais e a noção de costume
Com Maffesoli ficamos mais à vontade para falar da pós-modernidade que adota
o aspecto emocional, e resgata uma sensibilidade entre as novas gerações. O autor
propõe um novo paradigma que venha substituir o paradigma do individualismo na
compreensão da sociedade contemporânea, pois, está “baseado na necessidade de
solidariedade e de proteção que caracterizam o conjunto social”. (2006, p. 37)
A visão de corpo pela metáfora “tribo”, para Maffesoli, (id., p. 37) nos permite
dar conta do processo de desindividualização e do papel de cada pessoa, que aqui
reconhece a idéia da “persona”, da máscara que pode ser mutável e que integra,
sobretudo, numa variedade de cenas, de situações que só valem porque são
representadas dentro de uma tribo.
Se para Bauman existe essa “fluidez” desse tempo atual que faz com que essas
novas tribos se juntam, se mesclam e se desfazem rapidamente, olhar os alunos de
Pedagogia e de Educação Física, foi-me possível notá-los quando se juntam para
estudar, para festas e para matar o tempo da vida social, formando assim seus grupos
dentro e fora da sala de aula, como suas famosas “panelinhas” (termo referido na
entrevista com os sujeitos).
Maffesoli chama essa multiplicidade de “paradigma estético”, no sentido de
vivenciar ou de sentir em comum. Só se existe na relação com o outro. E assim nos fala
“que não se trata só da história que construo, associado a outros indivíduos racionais,
mas de um mito do qual participo”. Esses mitos podem ser os heróis, santos, figuras
emblemáticas, ideal-tipos, mais são apenas “formas” vazias, que permitem a qualquer
um reconhecer-se com os outros. Assim as figuras míticas, os tipos sociais permitem
uma “estética” comum e que servem de receptáculo à expressão do nós. A coisa mais
comum para esses sujeitos é vê-los falar sobre resultados de jogos de futebol a partir dos
ícones de cada time, do moçinho ou do vilão de sua novela preferida porque tem no
núcleo da conversa a presença emblemática de seu galã predileto, aquele que está na
moda.
Conforme o princípio de individuação, de separação, estes, pelo contrário, são
dominados pela indiferenciação, pelo perder-se em um sujeito coletivo, o que ele chama
de (2006, p. 38), “neotribalismo” e, para o autor a sociedade é constituída por diversos
“tribalismos”, que são eles: esportivos, hedonistas, religiosos, musicais, tecnológicos,
41
sendo uma “comunidade emocional” ou “nebulosa afetiva” (p. 39) que vai exprimir-se
numa sucessão de ambiências, de sentimentos, de emoções típicas da sociedade
moderna, consoante o éthos dessa comunidade. (Segundo o dicionário Houaiss: éthos
significa um conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do
comportamento (instituições, afazeres...) e da cultura (valores, idéias ou crenças),
característicos de uma determinada coletividade, época ou região, de foro comunitário.
O tribalismo refere-se, a uma vontade de “estar-junto”, onde o que importa é o
compartilhamento de emoções em comum. Essa sensibilidade coletiva por um lado, está
ligada ao espaço próximo, por outro, transcende o próprio grupo e o situa numa
“linhagem” que se pode compreender, seja stricto sensu, seja em uma perspectiva
imaginária. Nas palavras do autor, é possível ver isso nesses espaços acadêmicos, como
os alunos tanto de um curso como de outro produzem nessa proximidade corporal uma
ambiência própria do grupo, nas palavras de Maffesoli da “tribo”.
A comunidade é uma abertura para o processo de integração cujo, o fundamento
do grupo é um sentimento de pertencimento experimentado pelas tribos, cuja motivação
baseia-se em qualquer espécie, emocional ou afetiva. Essa “cultura do sentimento”
conforme o autor tem como única preocupação o presente vivido coletivamente. Os
alunos formam essa coletividade esse conjunto social, nas atividades em sala, no
refeitório, nos pontos de ônibus, nos estágios e ao voltar para suas casas.
O conjunto social que fala Maffesoli possui um forte componente de sentimentos
vividos em comum. Por exemplo: “o rito funeral, perante a morte de uma pessoa, são
„obrigações morais‟ as manifestações de tristeza individual, os gritos, berros, os choros,
os cantos são necessários e somente o grupo poderá entendê-los”. Tanto a Pedagogia
quanto a Educação Física vivem e convivem esse sentimento em comum.
A estética se exprime em seus diferentes grupos, nos ritos de comer, beber,
descansar, chorar, brigar, lavorar... A ética é a insistência da estética naquilo que ela se
repete na forma de falar, vestir, se produzir e na maneira de pensar, de cada sujeito
representado no/pelo grupo. Os sujeitos de tanto conviverem juntos acabam por unificar
o discurso sobre o que pensam sobre o que podem acreditar a comunidade emocional da
sala, da panelinha. É habitual colegas defenderem colegas porque são da mesma tribo
(riquinhos, nerds, pobrinhos, jogadores de truco...)
Se a comunidade emocional é instável, aberta, o que pode torná-la, sob muitos
aspectos, com relação à moral estabelecida, Maffesoli explica com seus aspectos
extremos: a máfia, as associações de ladrões. Mas, com freqüência, esquecemos que no
42
meio dos negócios impera uma conformidade semelhante, da mesma forma no meio
intelectual, e poderíamos multiplicar os exemplos à vontade. Para ele a persistência de
um éthos de grupo é, muitas vezes, considerada um arcaísmo em vias de extinção.
Na perspectiva “formista” (p. 46), a comunidade vai se caracterizar menos por
um projeto (pro-jectum) voltado para o futuro do que pela efetuação in actu da pulsão
de estar-junto. Vemos nas expressões do cotidiano, o calor humano, cerrar fileiras, fazer
uma corrente para frente, podemos pensar que talvez esteja aí o fundamento mais
simples da ética comunitária. A proximidade (promiscuidade), porque existe a partilha e
a ética de um mesmo território seja “real” ou “simbólico” (p. 46), que vemos nascer à
idéia comunitária e a ética que é o seu corolário.
Para retomar a oposição clássica, pode-se dizer que a sociedade está voltada para
a história futura. A comunidade esgota sua energia na própria criação, ou “recreação”
(p. 47), permitindo estabelecer um laço entre a ética comunitária e a solidariedade. Um
dos aspectos marcantes dessa ligação é o desenvolvimento do ritual que nós vemos em
nossas comunidades, as festas, os gestos rotineiros, ou cotidianos, o ritual lembra à
comunidade que ela é um “corpo”, A função é de reafirmar o sentimento que um dado
grupo tem de si mesmo.
Quando o autor se refere ao ritual ratifica que este serve de anamnese à
solidariedade que “implica a mobilização da comunidade”. O ritual, na sua
repetitividade, é o indício mais seguro desse esgotamento e assegura a perdurância do
grupo na atenção que se volta àquilo que une. Há uma união explícita nos rituais de
chegada, nos dias de avaliação, nos enfretamentos das tarefas das aulas de estágios,
porque não para a festa. Esses rituais se repetem, para dizer com o autor, aquilo que a
tribo usa para “enfrentar em conjunto, de maneira quase animal”, a renitência das duras
tarefas. Viver a vida cotidiana poderá ser o resultado de um sentimento coletivo que
ocupa um lugar privilegiado na vida social. É essa sensibilidade comum que favorece
um éthos centrado na proximidade.
São os valores tribais que, em certos momentos caracterizam uma época. Esses
valores podem cristalizar por atacado o que em seguida vai difractar no conjunto do
corpo social. O momento tribal pode ser comparado ao período de gestação: alguma
coisa é aperfeiçoada, provada, experimentada, antes de decolar para uma expansão
maior. Segundo a expressão de W. Benjamin a vida cotidiana poderia ser “o concreto
mais extremo” (p. 52) que permite compreender que o vivido e a experiência partilhados
43
podem ser o fogo depurado do processo alquímico onde nascem e crescem os valores
sociais.
Segundo o autor a ética é o cimento que fará com que diversos elementos de um
conjunto formem um todo, assim temos as emoções, e aos sentimentos coletivos e a
partir daí se ajustem ao meio natural, como fazem os sujeitos pesquisados. Algumas
manifestações dessa ética corriqueira, por que, como expressão da sensibilidade
coletiva, ela nos introduz, na vida dessas tribos que na massa constituem a sociedade
contemporânea.
O Costume remete ao banal, à vida de todos os dias, ao que segundo G. Simmel
é “uma das formas mais típicas da vida social” (p. 53). Trata-se quase de um código
genético que limita e delimita a maneira de estar com os outros muito mais do que
poderia fazê-lo a situação econômica ou política. É nesse sentido que, depois da estética
(o sentir em comum) e da ética (o laço coletivo) o costume é, seguramente uma boa
maneira de caracterizar a vida cotidiana dos grupos contemporâneos, a propósito de
“nossos” sujeitos aqui estudados.
A ética que cimenta a vida social dos grupos pode ser vista pelos sujeitos. Assim
que chegam nas sala eles se cumprimentam com aperto de mão, abraços e e outros
toques de sua proxemia de eleição. Além dos ritos de chegada esses contatos físicos são
feitos também nas aulas práticas quando precisam movimentar seus corpos, se esticarem
e retorcerem. Necessitando da ajuda do outro habitualmente vão encurtando a distancia
entre os corpos.
A palavra costume cabe aqui, com sua acepção mais ampla, e próxima da sua
etimologia (consuetudo): o conjunto dos usos comuns que permite a um conjunto social
reconhecer-se como aquilo que é. Trata-se de um laço misterioso, que não é formalizado
e verbalizado, como tal, senão acessória e raramente (os tratados de etiqueta ou de boas
maneiras por exemplo).
A duplicidade, o ardil, o querer-viver se exprimem por meio de uma
multiplicidade de rituais, de situações, de gestuais, de experiências, que delimitam um
espaço de liberdade. A cotidianidade se fundamenta em uma série de liberdades
intersticiais e relativas. a hora do cafezinho , dos telefonemas, da ida à cantina ou para
até mesmo um jogo subito de cartas ― o truco na educação física ―, marcam ou
ritualizam o que aqui chamamos de costume. Os costumes têm essa função: é para a
vida quotidana aquilo que o ritual é para a vida religiosa stricto sensu.
44
O gosto e a sensibilidade, fazendo parte do universo de subjetividades que
constitui esta “conquista do presente”, podem ser entendidos como elementos
constitutivos deste "cimento" que aglutina os indivíduos em grupos, especialmente na
cidade.
A sensibilidade não mais se inscreve em uma racionalidade orientada e
teleológica, mais é vivida no presente, e se inscreve em um espaço dado hic et nunc
(aqui agora) dessa maneira “faz cultura” (p. 58) no cotidiano.
É a compreensão do costume como fato cultural que pode permitir uma
apreciação da vitalidade das tribos metropolitanas. É dessas tribos que surge essa aura
“a cultura informal” na qual volens nolens (p. 58) estamos imersos e que remete a
proxemia. Por exemplo as redes de amizades, a religação é vivida, sem qualquer
projeção, seja qual for. As redes de amizades são pontuais, com auxilio da tecnologia
formam os reagrupamentos.
Alguns encadeamentos proxêmicos não deixa de apresentar efeitos secundários,
como por exemplo a ajuda mútua é o resultado de uma antiga sabedoria, uma sabedoria
popular, na qual é bom acreditar, e que sabe, que em todos os sentidos do termo, a vida
é dura para os pobres... O dinheiro é dificil de ganhar, entre próximos, se devem ajudar
e dar assistência. Há uma ligação ínitima entre a proxemia e a solidariedade que
privilegia o corpo coletivo.
O costume, como expressão da sensibilidade coletiva, permite, o stricto sensu,
um ex-tase no cotidiano, beber junto, jogar conversa fora, falar dos assuntos banais que
pontuam a vida de todo dia provocam o “sair de si” (p. 61) e, por interese médio disso
criam a aura específica que serve de cimento para o tribalismo. O dionisíaco remete à
promiscuidade sexual e a outras esfervescências afetuais ou festivas, mas também
permite compreender a elaboração das opiniões comuns, das crenças coletivas ou da
doxa comum. Na fala a seguir, podemos ver esse comportamento festivo quando
perguntado ao entrevistado, sobre o que eles conversam na sala, nos intervalos e fora da
universidade:
“Ah! Geralmente a gente fala de um aluno, ou outro assim que a gente
fez alguma coisa engraçada na sala, e a gente vai pagá (tirar sarro do
colega) dele no outro dia assim, a gente comenta sobre isso entendeu?
E fora da universidade é mais a vida cotidiana é mais o que vai ser
feito, vamos supor – hoje vai ser final de semana assim, e prolongado,
aí a gente vai fazer uma “festinha”, falamos como vai ser a cota que
45
vai dá de festa e progride com relação a isso”. (V.I.L./ M – EDF – 22
anos)
É nesse momento festivo que os alunos se encontram, se juntam para formar
suas “tribos” de afinidades, ou numa linguagem atual, suas “redes” de interesses.
Ao desenvolvimento teconológico, o crescimento das tribos urbanas favoreça
uma “palabre informatizada” que retome os rituais da antiga Ágora. É preciso obsevar a
multiplicação das televisões ou das rádios locais que não favorece sensibilidade, com
isso não diminui a importância concedida ao costume. Esse costume produz
sociabilidade para uma comunidade dada. Os bairros viverão, talvez muito pouco
distantes dos que animavam as tribos ou os clãs que constituíam sociedades tradicionais.
Segundo Maffesoli (p.65), após o período do “desencantamento do mundo”,
agora há um verdadeiro reencantamento do mundo cuja lógica é tentar traçar. Com as
massas que funcionam em tribos que se agregam em massas tendo como cimento
principal uma emoção ou uma senisbilidade vivida em comum.
É nessa perspectiva esquemática que convém apreciar a apreensão do vitalismo:
o fato de que nele a vida se faz muito mais presente que o nada. Ao invés da separação,
da alienação e da atitude crítica que a exprime, importa agora analisar a afirmação da
vida, o querer viver societal, que mesmo de maneira relatividsta serve de suporte à vida
cotidiana vista de perto.
Sabemos que uma e outra, entretanto, apóiam-se no primado da experiência, em
um vitalismo profundo e em uma visão mais ou menos explícita da organicidade dos
diversos elementos do cosmos. “Para conseguir as múltiplas explosões de vitalismo que
caracterizam todos esses grupos ou tribos, em imediato, dos múltiplos aspectos de sua
existência coletiva”. (p. 71)
A religião, aqui, é aquilo que liga. Porque existe o ombro a ombro, a
proximidade física. E ao chamar de Religião, aquilo que nos une a uma comunidade,
que é da ordem da fé, de algo que é matriz comum, que serve de suporte para o estar
junto. O gesto, na biblioteca com os livros, na quadra com a bola, na cantina para a
parada do café, no pátio com o jogar-conversa-fora faz essa religação de uma vida em
comum, dos sujeitos pesquisados.
Parece ser a multiplicação dos pequenos grupos de redes existenciais. Espécie de
tribalismo que se baseia, ao mesmo tempo, no espírito de religação, “re-ligare” e no
46
localismo “proxemia, natureza”. Assim como “as meninas da Pedagogia” que estão
sempre juntas, algumas têm uma ligação fora da universidade.
É essa proximidade que dá todo o seu sentido ao que se chama o “divino social”
(p. 84), este não tem nada a ver com uma qualquer dogmática ou inscrição institucional.
Assim como os deuses dos Lares, causa e efeito do ajuntamento familiar, o divino de
que falamos permite recriar nas inumanas e frias metrópoles os cenáculos onde nos
mantemos aquecidos, os espaços da socialidade. As grandes cidades transformam-se em
campos onde os bairros, os guetos, as paróquias, os territórios e as diversas tribos que os
habitam substituíram as aldeias, lugarejos, comunas e cantões de antigamente, assim
como fazem os sujeitos.
Segundo o autor, “manter-se aquecido” (idem p. 85), é uma maneira de
aclimatar-se ou de domesticar um meio ambiente que, sem isto, seria ameaçador.
Pesquisas empíricas no meio urbano destacam muito bem esses fenômenos.
A desumanização real da vida urbana produz agrupamentos específicos com a
finalidade de compartilhar a paixão e os sentimentos. Não podemos esquecer que os
valores dionisíacos referentes ao sexo e aos sentimentos religiosos, que nos parecem tão
atuais, são ambos as modulações da paixão. O divino social tem a função de adaptação,
de conservação e encontramos nas explosões de revolta. Na verdade, a religião
compreendida dessa forma é a matriz de toda vida social. Permite explicar a perdurância
das sociedades através das histórias humanas.
A religião popular é realmente um conjunto simbólico que permite e fortalece a
manutenção do laço social. Uma igreja não se mantém sem fiéis, assim como “as
escolas não se mantém sem alunos” (grifo meu). O éthos comunitário designado pelo
primeiro conjunto de expressões remete a uma subjetividade comum, a uma paixão
partilhada, enquanto tudo o que diz respeito à sociedade é essencialmente racional. Uma
comunidade pode se orientar para uma certa racionalidade ou finalidade, um
grupamento familiar é como uma comunidade e, por outro lado, explorado, sentido
como uma “associação” (p. 110), pelos seus membros. Além da religião e da
comunidade, existe uma outra noção relevante, que é a do povo.
Poderia nos explicar a perdurância das sociedades que sustentam através dos
séculos. Querer viver o coletivo que requer uma atenção mais aguda por parte do
observador social. A identidade do ponto de vista sociológico é apenas um estado de
coisas relativo e flutuante. Fica entendido que a “identidade” (p. 117) diz respeito tanto
ao indivíduo quanto ao agrupamento no qual este se situa: é na medida em que existe
47
uma identidade individual que vamos encontrar uma identidade nacional. A identidade
em suas diversas modulações consiste, antes de tudo, na aceitação de ser alguma coisa
determinada, ser isto ou aquilo; processo que em geral, sobrevém tardiamente no devir
humano ou social.
A multiplicidade das experiências e dos valores, tudo aquilo que caracteriza a
juventude dos homens e das sociedades. Cria-se uma alma coletiva, na qual as atitudes,
as identidades e as individualidades se apagam. Cada um participa desse “nós global”
(p. 118). Ao contrário do político que, paradoxalmente, se apóia no “eu” e no distante, a
massa é feita de “nós” e de proximidade. A comunidade “esfervecente” pode ser, ao
mesmo tempo, evanescência individual e reapropriação da pessoa.
O indivíduo é livre, ele contrata e se inscreve em relações igualitárias. Podemos
dizer que o indivíduo tem uma função, e a pessoa, um papel, as formas de agregação
podem privilegiar seja o político, seja o termo usado por Maffesoli que ele chama de
socialidade. A analogia que poderíamos fazer com as pessoas, mas também com os
móveis, as roupas, os apartamentos, como esse princípio de similitude, que está na base
do “nós”, do povo, da massa, é um intermediário entre o mundo natural e o mundo
social. Não há mais separação entre o cosmos e o social, nem tampouco no interior do
todo social. Estamos na presença do que se pode chamar aculturalização da natureza, e a
naturalização da cultura.
Nunca estamos sozinhos, pois sentimos sempre em nós uma porção de pessoas,
através das memórias ou as lembranças coletivas, sejam elas públicas, privadas, ou
familiares, que fazem de um bairro, de uma cidade, lugares onde vidas se sedimentam,
transformando-os em lugares habitáveis, permite estabelecer um feedback entre o grupo
e a pessoa. E para além da monumentalidade urbana ou rural (palácio, igreja,
monumentos diversos), esse feedback se exprime em todas as cerimônias de
comemoração. Segundo Maffesoli (p. 121), “só existimos como corpo”.
O autor nos diz o que “é certo que a base de tudo isso é a situação de face a
face”, ou pelo olhar, existe sempre algo de sensível na relação de sintonia. Aquilo que
Montagu (1989) nos chama a atenção no título do livro, “Tocar, o significado humano
da pele”. Ainda insiste o autor falar da “materialidade” do estar-junto; o vaivém da
massa-tribo é a sua ilustração (p. 131). O vaivém massas-tribo, trata-se antes de ir-e-vir
de um grupo a outro do que da agregação a um bando, a uma família, a uma
comunidade. Ao contrário da estabilidade induzida pelo tribalismo clássico, o
48
neotribalismo é caracterizado pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão.
Um exemplo é o espetáculo da rua nas megalópoles modernas.
A estética é um meio de experimentar, de sentir em comum e é, também, um
meio de reconhecer-se. O culto do corpo, os jogos da aparência só valem porque se
inscrevem em uma cena ampla onde cada um é ao mesmo tempo ator e espectador. O
estar junto permite tocar-se, todos os prazeres populares são prazeres de multidão ou de
grupo.
“Existem momentos abstratos, teóricos, puramente racionais, e outros em
que a cultura, no seu sentido mais amplo, é feita de participação e de
„tactilidade‟. O retorno da imagem e do sensível, em nossas sociedades,
remete certamente a uma lógica do tocar”. (MAFFESOLI, 2006, p. 134)
Os ritos de massas e ritos tribais são perceptíveis nos diversos ajuntamentos
esportivos, que pelo viés do processo mediático, assumem a importância que todos
conhecemos e encontramos no consumo das grandes lojas de departamentos, dos
hipermercados, dos centros comerciais que é certo, vendem produtos, mas antes de tudo
destilam simbolismo, quer dizer, a impressão de pertencer a uma espécie comum. São
essas séries de reconhecimentos, de pessoas e de lugares que fazem desse caldo de
signos de cultura um conjunto bem ordenado.
Essa territorialização acontece em diferentes partes das praias brasileiras, são em
lugares distintos de encontro, conforme o grupo a que se pertence. Existe um constante
movimento de vaivém entre as tribos e a massa, que se inscreve em um conjunto que
tem medo do vazio. Isso acontece nas ruas, nas praias, na musica, nas lojas, em
inúmeras ruas de pedestres, é uma ambiência que talvez lembre o ruído permanente, a
agitação desordenada das cidades mediterrâneas e orientais. O autor tenta nos mostrar
que eles se apóiam em uma lógica tribal, que não pode existir-se não inserida na massa,
através do encadeamento da rede. Todas essas coisas se contrapõem à seriedade, ao
individualismo, à separação. Será importante ficar atento as atitudes grupais que têm
tendência a se desenvolver em nossas sociedades.
O termo laço que vimos anteriormente, se designa ao laço familiar, de amizade e
deve ser compreendido em sua acepção mais estrita, isto é, a da necessidade, aquilo que
a associação mutualista medieval enumerava sob a rubrica “obrigação” (p. 227). De
fato existe um reconhecimento desses grupos uns pelos outros. As diversas tribos
urbanas fazem cidades. Porque são diferentes e às vezes até mesmo opostas. A vida
social é como uma cena onde, por um momento, se operam cristalizações.
49
No quadro de uma sociedade complexa, cada um vive uma série de experiências
que não tem sentido se não dentro do contexto global. Participando de uma
multiplicidade de tribos, as quais se situam umas com relação às outras, cada pessoa
poderá viver sua pluralidade intríseca; suas diferentes mascaras se ordenando de
maneira mais ou menos conflitual, e ajustando-se com as outras que a circundam.
Obriga a repensar a misteriosa relação que une o “lugar” e o “nós”.
A “cultura corporal de movimento”, termo muito usado na área da Educação
Física, caracteriza-se, entre outras coisas, pela diversidade de práticas, manifestações e
modalidades. Muitas informações da mídia que chegam ao jovem e ao adulto de forma
fragmentada são manipuladas por interesses econômicos e valores ideológicos,
buscando seduzi-los. A Educação Física não pode fugir nem se alienar a essa realidade,
pois é impossível negar a força que a indústria do lazer exerce nos comportamentos e
atitudes.
Para tanto, a formulação desse estudo se baseia fundamentalmente na
necessidade de aprofundar os conhecimentos relacionados às tendências que norteiam a
prática pedagógica da Educação Física, especialmente, o comportamento humano,
ligado e aquilo que se prega sobre o didatismo nos cursos de Pedagogia, aqui os dois
núcleos espaciais que serviram de estudo.
50
METODOLOGIA
51
Da metodologia: o caminho percorrido
2. Método:
Esta seção do trabalho é onde descrevo os passos da levada a campo com as
técnicas, as observações e as interpretações dos dados coletados. A pesquisa de caráter
qualitativo, nos moldes de uma etnografia, conforme assevera Cleomar Gomes (2001, p.
46) no Capitulo Metodológico de sua tese de doutoramento “é um método de imersão
no espaço de vivência do grupo estudado, onde o pesquisador participa pelo menos
superficialmente do contexto local, podendo observar as interações que se dão nesse
contexto”. Esse método de investigação prioriza o levantamento de leituras sobre a
temática corporeidade e, sobre o comportamento etológico, em particular, àquelas que
se direcionam à análise e interpretação dos dois grupos de sujeitos, a saber, alunos de
Pedagogia e de Educação Física da Universidade Federal de Mato Grosso.
Foi de muito proveito um olhar sobre suas percepções corporais no labor
acadêmico, no cotidiano de seus cursos, sobremaneira, aquele que não tirava de foco o
comportamento etológico desses sujeitos no ato de ser um “humano” social.
Como instrumentos para a coleta dessas informações, me equipei com máquina
fotográfica, com um roteiro de entrevista, com um gravador e de filmagens, embora
estas foram imprecisas na hora de sua utilização. Utilizei também como heurísticas as
observações sistemáticas e assistemáticas que muito me foram úteis no percurso da
investigação.
2.1 Lócus
A pesquisa foi realizada na Universidade Federal de Mato Grosso, situada em
Cuiabá, no bairro Boa Esperança com os cursos de Educação Física e de Pedagogia. O
propósito foi o de observar como esses grupos de alunos se comportam, agregando a
esse comportamento alguns aspectos que compõem os elementos complexos dessa
etologia. Como se enxergam no espaço que ocupam; como se vêem enquanto corpo
nesse lócus escolar; o que esperam com a formação no curso que escolheram. Para isso
foi importante vê-los nos simples movimentos de se sentarem, vestir, falar, o que
comem na hora do intervalo, no que dão importância, como e o quê aprendem, sobre o
52
que eles conversam. Assim, as categorias se juntam pelo aquilo que vi, escutei e
fotografei e, que, portanto, apresentarão como resultados nas análises, no decorrer do
texto. A seguir essas imagens dão uma visão do lócus pesquisado:
Fig. 6. Instituto de Educação (IE – UFMT)
Fig. 7. Instituto de Educação (IE – UFMT)
53
Fig. 8. Cantina Instituto de Educação (IE– UFMT)
Fig. 9. Faculdade de Educação Física (EDF – UFMT)
54
Fig. 10. Quadra Poliesportiva (EDF– UFMT)
Fig. 11. Pista de esporte (EDF – UFMT)
Supus que observar as condições em que a instituição se encontra em relação às
salas e suas instalações: se são salubres, se têm ar condicionado e cadeiras confortáveis,
e outras disposições, tanto para os alunos como para seus professores, na Pedagogia
como na Educação Física, pudessem dizer de alguma interferência no comportamento
desses sujeitos. Em 2009 a sala do segundo semestre de Educação Física estava com
problema no teto, e isso incomodava alunos e professores com problemas de
55
infiltrações, com risco de acidente na instalação elétrica, porém em 2010 o problema foi
resolvido. As salas da pedagogia não tinham uma boa iluminação, em 2010, o problema
também foi resolvido.
O que me chama atenção, pode não parecer, mas os problemas ligados à
instalação de uma sala de aula, ou da reforma na piscina que prejudica o aprendizado da
natação, ou a falta de um equipamento de retroprojetagem de slides, assim como em
toda a universidade pública brasileira, como veremos nas imagens, pode fazer eco no
comportamento dos alunos que lá estão.
Os corredores, pista, quadra, refeitório e banheiros, apresentam condições de
higiene, todos os corredores têm lixeiras, a pista de caminhada e de exercícios, o
refeitório... todos estão sempre limpos, as senhoras que cuidam da universidade deixam
o ambiente agradável. Os próprios alunos cuidam bem da quadra poliesportiva, não
usando salto que possa estragar o piso, que foi reformado há pouco tempo, guardam os
materiais utilizados nas aulas práticas, não riscam as carteiras e paredes, conservando o
ambiente sempre limpo e agradável, como veremos na imagem a seguir:
Fig. 12. Os alunos guardam os materiais utilizados nas aulas práticas e conservam no ambiente
limpo (EDF – UFMT)
56
2.2 Dos sujeitos
Ao pesquisar com o olhar etnográfico, colhi o máximo de informação a respeito
do comportamento em seu cotidiano durante o período em que os alunos de Pedagogia e
de Educação Física se encontravam na universidade (UFMT), desde sua chegada até o
encerramento do mesmo.
Os caminhos percorridos para a coleta de dados foram semelhantes para os dois
cursos, o que pode ser considerado como um procedimento da pesquisa, assim, no
primeiro semestre foram coletadas as observações, sistemáticas e assistemáticas relativo
ao ambiente e ao comportamento dos indivíduos pesquisados. No segundo semestre
acompanhei as aulas externas dos alunos de Educação Física que eram realizadas nas
quadras poliesportivas e na pista de corrida da instituição. No curso de Pedagogia, além
das aulas em sala, pude acompanhar, também, as alunas em seu estágio “observacional”
na escola municipal de Cuiabá, “Antônio Ferreira Valentim” situada no bairro
“Barbado”.
O primeiro contato com o lócus foi, preferencialmente, mediado pelos
professores que disponibilizaram a minha entrada em suas aulas, após apresentar uma
solicitação de entrada no campo que segue o documento em anexo. Não tive sucesso
com todos os professores, que não permitiram a minha entrada em algumas aulas.
Algumas observações puderam ser feitas no primeiro semestre, que se juntaram às
observações + as entrevistas que foram realizadas no segundo semestre.
Os alunos de Educação Física se mostraram com expressiva boa vontade, a
ponto de a maioria querer participar da pesquisa, me concedendo entrevistas, mas como
seria inviável pelo volume de dados, elegi dois alunos de cada turma, que no curso é
divido por semestres, como veremos nas análises sobre a “conversa paralela”, que
segundo esses sujeitos: “incomoda o andamento da aula” (K.A.T./F – EDF – 20 anos).
Não era vantagem para a pesquisa a interferência dos professores, para dizer o que
seria observado, portanto, foram dados que não foram relevantes para o estudo, o que
era importante nesse momento eram as falas dos alunos.
A espera fora da sala de aula foi de grande valia para que eu pudesse coletar mais
dados para a pesquisa, nos corredores, nas cantinas, na sala dos professores, na sala de
informática, no ponto de ônibus em outros ambientes de circulação desses sujeitos. Um
trabalho do tipo etnográfico sempre tem a chance, pelo que aprendi, de sair do lócus
privilegiado da observação e ainda assim encontrar informações importantes que
57
dissesse algo a respeito do objeto em pauta, no caso, o comportamento etológico desses
alunos.
Tudo o que coletei nos dois cursos, (Pedagogia e Educação Física) foi registrado
em gravador, em filmagens, e em um caderno de campo. As alunas da Pedagogia foram
arredias ao fazer suas imagens, sempre se esquivando da máquina de fotografia, Tive
muita dificuldade para a escolha da imagem que captasse aquele ângulo desejável e que
pudesse trazer, no detalhe, no contorno da foto, a mensagem, isto é, a informação
etnográfica para se juntar à minha observação e ao registro das falas desses sujeitos,
aquilo que alguns teóricos consideram como dados da “triangulação”.
Para enxergar o comportamento desses alunos supomos que ao trazer num
quadro o gabarito de gestos, atitudes, e os modos de ser desses sujeitos, chamamos de
prescrição e proscrição, para melhor compreendê-los em seu cotidiano da sala de aula,
dos espaços para as práticas esportivas e dos ambientes ocupados por sua proxemia,
aquilo que é permitido, aceito como norma, como ordinário ― sagrado, e aquilo que
deve ser admoestado, interdito, esconjurado e proibido ― profano.
COMPORTAMENTOS PRESCRITOS E PROSCRITOS
Prescritos Proscritos
Pedagogia (Sala de aula/Fora da sala)
Silêncio, atenção, postura formal, desligar
aparelhos eletrônicos. Respeitar o
professor. Prestar atenção nas aulas.
Conversar, atender ao celular, sentar-se
desleixadamente, usar roupas vulgares,
cochilar, não soltar flatulências. Falar alto,
dormir em sala, comer dentro da sala, tirar
a roupa, agredir fisicamente/verbalmente
o colega, vestir-se de forma inadequada.
Dar faniquitos para chamar atenção.
Ed. Física (Sala de aula /Fora da sala)
Fazer perguntas, argumentar, ficar em
silêncio, sentar de forma adequada, ter um
bom comportamento
Jogar papel no colega, Fumar, fazer piada
com a/o professor, peidar (chulo), xingar ,
bater, gritar, arrastar a carteira, bater a
porta, usar o celular, revistas de fofoca,
namorar/copular, rabiscar a cadeira/parede
Nas entrevistas coletadas, as categorias Proscrito e Prescrito ajudam a enxergar
no espaço dessa instituição o que é sagrado e profano; aquilo que pode e o que não
pode, conforme o comportamento desses sujeitos pode mostrar. Um dado importante é
que toda vez que é perguntado sobre o que é interdito eles, tanto de um grupo como do
o outro, tendem, num primeiro plano se referirem “a ficar nu”. Tirar a roupa em público
58
dá a, eles pelo tom da resposta, pela expressão facial com que “encaram” a pergunta,
uma sensação de desconforto corporal. Eis que surge uma preocupação exacerbada
desse “bicho” homem, que em seu processo de civilização, tendo que se cobrir com
vestimenta, voltar a ficar nu (homem é naturalmente nu), traz com a questão um
problema ontológico. Talvez esses meninos tenham algo a dizer sobre esse corpo nu,
como nos mostram as falas a seguir:
“tudo é permitido, só não pode ficar pelado. Ficar pelado é
terrível só de pensar”. (E.L.T./M – EDF – 19 anos)
“desviar a atenção do professor, que tá tentando explicar...
coisas assim (risos), que vêm na cabeça, coisas absurdas como
de repente tirar a roupa (risos) não pode. (V.A.L./M – EDF– 32
anos)
O homem tende a agir de forma similar ao seu grupo seja qual ele for. Para ser
aceito, traz ao indivíduo um bem-estar, no sentido de “vivenciar ou de sentir em
comum” como prefere acentuar Michel Maffesoli (2006, p. 37). E, através dessas
contribuições da prescrição e proscrição, a meu ver, é que consiste na aplicação da
perspectiva etológica do comportamento humano. Com base na teoria de Marcel Mauss
(2008, 416), o comportamento humano não se faz somente por uma consciência
individual, se não também pela “mentalidade coletiva”. Os grupos quando tendem a se
comportar de forma semelhante acabam produzindo “símbolos”, através de sua
corporeidade.
E através desses “símbolos” produzidos que cada grupo tendem a nos mostrar
sua etologia como veremos nas categorias quando é perguntado o que é permitido
(Prescrito), fazer em sala de aula? E o que é interdito (Proscrito)? Eles nos respondem
como veremos a seguir:
“com certeza conversar não é uma delas né? Ficar quieta, prestar
atenção, copiar do quadro, anotar o que o professor fala. Não é
permitido conversar e atrapalhar o bom andamento das aulas”.
(R.I.T./F – EDF – 20 anos).
“pelo professor, a gente tem que ficar quieto e prestar atenção
no que ele está falando, geralmente a gente conversa um
pouquinho, brinca, ri, para distrair, se não cansa, se ficar muito
tempo parado. Prescrito? é atender o celular, comer dentro da
sala, dependendo do professor”. (C.R.I./M – EDF – 22 anos)
A Educação Física e a Pedagogia têm uma etologia semelhante até mesmo nos
atos de proscrição, talvez seja esse modus vivendi revelado pelo comportamento
59
individual que “cimenta” as atitudes do grupo ou do “comportamento tribal” como
pontua Maffesoli.
“eu acredito que é tudo o que é referente à aula. Tudo que
atrapalha o andamento da aula, ficar falando enquanto o colega
está apresentando um trabalho, seminário. A conversa atrapalha
o andamento da aula”. (R.E.G/F – PED – 23 anos).
“há, o aluno, é... ele pode expressar sua opinião escutar o que o
outro fala, respeita. Uma coisa assim não pode. mais pelo que
nós do quarto ano, nós adulto em sala de aula, sabemos que a
conversa paralela atrapalha tanto a gente quanto aos colegas”.
(C.E.L/F – PED – 30 anos).
Ao olhar para esses alunos e vê-los nesses micros-espaços, de prescrição e
proscrição, através de uma linguagem corporal, acrescida de informações com as
entrevistas, talvez o que esses corpos tinham num comportamento etológico é muito
mais animal do que cultural, como veremos nas análises dos dados coletados em campo.
As coisas não “naturalizam” por si só, mas é o olhar para nossa cultura que nos obriga a
ver este mundo, a representá-lo com nossa existência na linguagem de nossa etologia.
Ao acompanhar as aulas de Educação Física como aluna “ouvinte” em 2008,
observei os conteúdos trabalhados com a disciplina “Abordagens sócio-antropológicas
da Educação Física”, e assim entender todo o processo antropológico que a Ementa
discutia em sala sobre a “antropologia educacional”.
Esse contato com a disciplina foi o sprint que despertou o interesse em encontrar
ali um veio de pesquisa sobre o corpo ― um objeto que desperta interesse entre os
estudiosos de distintas áreas de conhecimento. Todos têm essa “máquina maravilhosa”
conforme gosta de pontuar Le Breton (2006), mas poucos se preocupam com ela numa
questão geral. O que vemos é uma preocupação do corpo do ponto de vista material, se
é que posso assim, dizer. Atento a esses aspectos, assim, meu olhar se dirigiu aos
estudos do comportamento etológico dos sujeitos dessa pesquisa, através das
observações, entrevistas e imagens coletadas em campo, conforme podem ser checadas
no capítulo de dados.
2.3 Das entrevistas
As entrevistas foram realizadas, se orientando pela distinção entre “gênero”,
“idade”, “classe social”... que permitiram um olhar diferente sobre o objeto em questão
60
o “comportamento humano”. A seguir mostrarei como serão chamados os entrevistados
no decorrer da pesquisa, com uma sigla referente aos nome-gênero-curso-idade,
mantendo a privacidade da identidade de cada sujeito, como segue o quadro abaixo:
EDUCAÇÃO FÍSICA – UFMT
Nome Sexo Curso Idade
C.L.E. M EDF 33 anos
E.L.T. M EDF 19 anos
V.A.L. M EDF 32 anos
P.A.O. F EDF 25 anos
K.A.T. F EDF 20 anos
M.I.R. F EDF 22 anos
V.I.L. M EDF 22 anos
C.R.I. M EDF 22 anos
R.I.T. F EDF 20 anos
A.R.I. F EDF 26 anos
J.O.E. M EDF 22 anos
K.A.T. F EDF 19 anos
D.O.U. M EDF 24 anos
D.E.B. F EDF 24 anos
C.A.M. F EDF 21 anos
T.U.L. M EDF 20 anos
J.O.A. M EDF 25 anos
J.E.S. F EDF 21 anos
PEDAGOGIA – UFMT
Nome Sexo Curso Idade
E.V.E. F PED 24 anos
M.A.R. F PED 17 anos
I.V.A. F PED 26 anos
E.L.I. F PED 19 anos
R.E.G. F PED 32 anos
C.A.R. F PED 22 anos
C.E.L. F PED 30 anos
R.E.G. F PED 23 anos
N.A.I. F PED 23 anos
R.O.S. F PED 20 anos
No curso de Pedagogia, que em sua maioria é dominado pelo universo feminino
e com idades diferenciadas, foram colhidos os seguintes dados do gênero (sexo) e a
61
idade, respectivamente. Da Pedagogia, dez mulheres responderam às questões. Os
alunos da Educação Física, foram entrevistados, sendo nove rapazes e nove moças. Vou
ousar a usar o termo rapazes e moças, sem a intenção de ofender ninguém, mas como a
faixa etária, em média, abaixo dos 30 anos, posso, sem susto considerá-los como moças
e rapazes. Há uma mistura de grupos (rapazes e moças) e há uma liberdade em
responder as perguntas sem intervenções dos demais.
O roteiro foi criado, com intuito de complementar e desvendar as inquietações,
orientando, assim, os entrevistados que não fugissem da temática. As entrevistas não
tiveram uma duração programada, eram feitas no final de cada aula, ou quando os
alunos se encontravam nos corredores, na troca de uma aula e outra, comportamento
habitual que facilitou encontrar esses sujeitos nos corredores, durante as aulas. O roteiro
de entrevista foi igual para os dois grupos, com respostas semelhantes em alguns
momentos, indicando um comportamento similar, entre eles.
A Pesquisa de campo teve a duração de dois anos, com algumas restrições para a
coleta dos dados, por motivos de reforma dos espaços, como piscina e sala de aula. A
partir da coleta de dados e pelas observações in loco pude observar uma preocupação
exarcebada com a aparência. As mulheres, com os cabelos, rosto, pele. Os homens, com
os gestos, suas marcas corporais (tatuagem) e suas posturas perante o grupo, como nos
mostra as imagens abaixo:
Fig. 13. Tatuagem no braço feminino (PED – UFMT) Fig. 14. Mexendo no cabelo (PED – UFMT)
62
Fig. 15. Rococó no cabelo e nos pés (PED – UFMT) Fig. 16. Postura das pernas (PED – UFMT)
Fig. 17. Tatuagem no braço (EDF – UFMT) Fig. 18. Rococó no cabelo (EDF – UFMT)
63
Fig. 19. Postura de pernas cruzadas (EDF – UFMT) Fig. 20. Mexendo no cabelo (EDF – UFMT)
O trabalho aqui proposto como uma tentativa de enxergar as diferenças entre
uma cultura e outra, entre um grupo e outro, sem considerar a vida econômica ou as
relações sendo um papel decisivo no comportamento de ser de cada grupo.
É importante também observar, na etologia desses alunos, suas próteses que eles
anexam em seus corpos. Não só aquelas que são para reparar um problema, um desvio,
uma perda, com a degeneração do corpo como os óculos, a dentadura, os coletes para
segurar a coluna, mas há também as próteses estéticas que só podem ser orientadas a
partir de uma demanda estético-simbólica. Na pergunta “Porque que eu me tatuo?” Isso
é um símbolo para o sujeito, talvez não se tenha a necessidade de tatuar para viver, mas
como diz Mauss, o que os homens fazem com seus corpos tem também uma orientação
mítica, simbólica e religiosa. Do Pircing no umbigo e nas orelhas, do hastafare no
cabelo, às unhas postiças, ao esmalte do dedão do pé, essas próteses estéticas têm uma
demanda mítico-simbólica que orienta cada “tribo”.
2.4 Das análises dos dados
Os dados foram tratados a partir das observações e entrevistas coletadas em
campo. Foram colhidos os seguintes dados na prescrição e proscrição: 11 alunos
disseram que o que é permitido: é “prestar atenção”, e 3 disseram que, “há uma
preocupação em ficar nu”. Na Pedagogia somente 2 alunas disseram que a prescrição
está em “prestar atenção” e o foco central do restante das alunas está em dizer que a
“conversa paralela”, atrapalha o andamento da aula. As entrevistas se encontram no
decorrer do capitulo das análises de dados, que foram feitas a partir do comportamento
64
de cada sujeito, em suas brincadeiras, jogos, conversas nos corredores, cantinas, e a
partir daí, vi o quanto se parecem em sua etologia.
As observações sistemáticas e assistemáticas, e um roteiro de entrevistas com
esses sujeitos que se mostraram com boa vontade foi necessário para fornecer as
informações a respeito das questões categorizadas, conforme segue em anexo. Faço um
resumo do que se pode retirar de suas falas e das observações ao perguntar sobre “como
que você se percebe enquanto corpo?” Essa Questão fora sugerida pela professora
doutora Maria do Rosário Silveira Porto, que consta de seu parecer do Exame de
Qualificação dessa pesquisa e que foi por mim acatada.
Foi enviado por e-mail, para aqueles alunos, que puderam, me responder, sendo
três da Educação Física, dois rapazes e uma moça, e apenas uma aluna da Pedagogia,
para que pudesse nos responder essas indagações:
“De forma agradável, com uma auto-avaliação construtiva,
pensando quase sempre além da forma estética, visando
melhorar a qualidade de vida tendo como recompensa um corpo
mais bonito e saudável”. (K.A.T./F –EDF – 19 anos).
“Sarado! malhadaço sou um exemplo a ser seguido! quero muito
continuar me cuidando dando exemplos para os meus alunos”.
(D.O.U./M – EDF – 24 anos).
“Que pergunta esquisita (...) nunca parei pra perceber, mas...
vamos lá... Enquanto corpo, eu me sinto parte de algo maior, e
vejo que a minha presença é notável, quanto a tudo aquilo que
almejo, ou que faço parte. Ainda que muitos não acreditem nos
seus potenciais, só precisam saber que apenas um gesto,
expressão ou uma palavra podem mudar o mundo”. (L.U.C./M –
EDF – 26 anos).
“Enquanto corpo me percebo ligada a todo um conjunto de
outros elementos e fatores, não sendo apenas matéria, mas sim
um ser que apesar do corpo tem uma mente e tudo se liga. Para
mim não há corpo (matéria) sem tudo o mais”. (R.E.G./F – PED
– 23 anos).
É possível ver pelas falas o quanto esses sujeitos da Educação Física se
preocupam com o corpo, tentando deixá-los “sarados” como vimos na fala de um dos
entrevistados. É também possível enxergar essa preocupação com seus corpos, visando
um ideal de beleza imposto pela sociedade a qual pertence. E quando lhes são
perguntados quais são seus sonhos? Há sempre uma resposta em ter uma “academia
diferenciada” (R.I.T./F – EDF –19 anos).
65
Talvez, seja essa preocupação em deixar seus “corpos necessariamente
perfeitos”, Le Breton (2003, p. 118), está relacionada também com a escolha do curso.
66
ANÁLISE DOS DADOS
67
3 Categoria de Análise I: Observações das aulas de Pedagogia e Educação Física
da UFMT
Ao identificar o elemento homem em seu comportamento, é possível associá-lo
aos estudos de Konrad Lorenz (1987, p. 8), que em seus estudos o comparou à etologia
dos gansos, aves e peixes, descrevendo-o numa semiologia de seus instintos e tradições,
hereditariedade, mutações e rituais.
Os laboratórios tendem a estudar os primatas, ratos, humanos, a partir de sua
etologia em campo, através do seu habitat nativo. Quando em laboratórios, os
pesquisadores tendem a observar esses comportamentos sob um alto controle com
possibilidades de registros por vários meios: “câmera de filmar, gravadores, janelas,
espelhos e outros experimentos”.
Em campo, isto é, no lócus desta pesquisa, foi possível observar a etologia dos
acadêmicos de Pedagogia e de Educação Física da UFMT, onde utilizei os seguintes
instrumentos de coleta: câmera de filmar, gravador, máquina fotográfica e um caderno
de campo.
Vivendo e convivendo no período de dois anos com esses sujeitos, pude vê-los
em seus agrupamentos para estudos, brincadeiras e em outros papéis, como se
modificam em sua estética corporal, a ponto de dizer que “os processos criativos
expressos pelo homem, e somente pelo homem, constituem um jogo, uma brincadeira,
diferente da funcionalidade que caracteriza o cotidiano dos animais”, conforme afirma
Lorenz (1986, p. 63). Ligando-se a esse autor, talvez seja possível juntar-se aquilo que
Geertz (1989, p. 143), revela em seu livro sobre a interpretação das culturas quando diz
que cada indivíduo é através do seu comportamento e do seu éthos. Para o autor “o
éthos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético
e sua disposição; é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a
vida reflete.”
É com essa orientação que esse estudo se destina, isto é, ver esses sujeitos em
sala de aula, em pátios, em espaços ociosos de aulas vagas, em pistas para práticas
esportivas, em estágios para aula de campo, em cantinas para lanches, em rodas para
assuntos de uma vida sem importância, em grupinhos sobre a vida prosaica, em troças
para jogar conversa fora... A partir das observações desses grupos, cada indivíduo ou
cada grupo, pelo seu comportamento, tem a nos dizer, através da linguagem verbal e
não verbal, mais a dizer por sua vontade do que pela obrigação de estar nesses
68
ambientes. Esse êthos como labora o poeta Schiller (2002, p. 27) em uma de suas cartas
sobre a educação estética do homem, nos diz sobre a vontade do homem que deve
sobrepor a qualquer imposição ou dever. É isso que deixa transparecer na etologia
desses sujeitos como veremos a seguir. Eles se comportam muito mais pela força de sua
natureza, do que pela imposição normativa da cultura.
3.1.1 Durante as aulas
Neste primeiro momento de descrição etnográfica, faço observação aos dois
grupos de sujeitos, como eles se comportam nos espaços que ocupam: na forma de se
vestir, falar, andar, se agrupar, na expressão do rosto, na postura corporal.
No segundo módulo da disciplina “Práticas no Ensino”, do curso de Pedagogia
as “alunas” assistem às aulas em agrupamentos, estão sempre nos corredores, na
cantina, cada uma em seu “grupo” correspondente, conversam, trabalham e brincam
como nos mostram as imagens abaixo:
Fig. 21. Sentam sempre em grupos (PED – UFMT)
69
Fig. 22 – Estão sempre agrupadas (PED – UFMT)
Fig. 23 – Brincando com os aparelhos de celular (PED – UFMT)
As meninas de cada “grupo” tendem a se comportar de forma estereotipada. Em
algumas aulas se comportam de uma forma participativa, em outras, nos mostram cenas
de brincar com seus aparelhos de celular, com mãos acariciando o próprio corpo,
cabelos; sempre se movimentando, falam sobre unhas, cores de esmaltes, Orkut dos
professores, sobre suas fotos, familiares, dinheiro para xerocopia dos textos e, pelo que
70
pude assistir são nesses momentos que mostram toda a pregnância de sua etologia do
agrupamento.
Ao observar as aulas de Educação Física, do 2°. Semestre, pude ver há uma
semelhança entre os dois cursos. Os alunos, em seus “grupos”, brincam de pegar, de
tocar o outro com limites para correr. Usando sua imaginação simbólica, a quadra de
esportes (sala de aula da Educação Física) faz a vez, neste momento, de sala de aula.
Utilizam também como espaço para brincadeiras, quando me foi possível observar que
enquanto um aluno ficava no centro da quadra ele tinha a prerrogativa de escolher quem
iria correr e quem iria tocar o colega escolhido, quer através de sua vestimenta: (calça
cotton, calça jeans, tênis branco ou preto). Essa atividade lúdica, seguindo a lógica
daquilo que Huizinga (1990, p.16) traduz como jogo é uma atividade em que predomina
a alegria, e contribui para a “promoção e a formação de grupos sociais com tendência a
rodearem-se de segredos e a sublinharem suas diferenças em relação ao resto do mundo
por meio de disfarces ou outros meios semelhantes”.
Nessas aulas de Educação Física, a partir da fartura de movimentos, expressos
com essa etologia, pude compreender aquilo Marcel Mauss (2008, p. 401), na tarefa de
pensar sobre “uma teoria da técnica do corpo”, cunhou de “técnicas corporais”. Com as
palavras do próprio autor ele entende que essa “expressão” poderia dizer melhor sobre
“as maneiras pelas quais os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma
tradicional, sabem servir-se de seus corpos”. É possível entender com a palavra
“tradicional”, a que Mauss se refere, porque a maioria dos movimentos que vi nos
pátios, nas salas, nas pistas de esportes, nos agrupamentos para assuntos sem
importância... se constituem de gestos repetidos pelas gerações sucessivas e que,
portanto, são repassados pela “tradição”.
Quando esses meninos se juntam para brincar de correr para pegar o outro, pode
estar lá a “técnica corporal” neandertaleza da corrida necessária para a caça; quando
eles se agrupam para os assuntos sem importância pode estar aí nesses ajuntamentos
triviais, “a ação fática dos ritos utilizados como instrumentos para entrar em contato o
outro”, a que se refere Rivière (1996, p.97); quando eles se juntam para perseguir algum
colega, pode estar aqui aquilo que Willy Haas (in W. BENJAMIN, 1984, p. 74) tratou
como “a teoria gesltáltica do gesto lúdico”; quando eles asseguram um dardo para
lançar ou um lápis para escrever, pode estar aqui o salto tecnológico do Homo
habilinos, a que se refere R. Wrangham (2010, p. 95).
71
Interpretando Benjamin, antes que a nossa análise desses gestos se resolva pelo
arrebatamento da existência que é preciso para a caça, da rede que cria com os afetos,
no caso da trivialidade das troças escolares, do ritmo frenético das brincadeiras infanto-
juvenis e, no salto tecnológico com a chegada da ferramenta, “é provável que já
tenhamos vivenciado essa experiência desde muito cedo” (id. p. 74). Através dos ritmos
primordiais que se manifestam nesses jogos, nesses encontros casuais e nos usos desses
objetos, é “exatamente” aí, “através desses ritmos que nos tornamos senhores de nós
mesmos”.
Desse modo, as escolhas pela cor das roupas, pela forma como está amarrado os
tênis, se usam piercings ou tatuagem, se aquele colega pertence ao meu grupo ou a
minha “tribo”, para ser cara a Michel Maffesoli (2008, p. 37), de estima servem de
motivos para uma técnica de fazer com que o corpo se movimenta em sua forma mais
variada, e seja também através do movimento corporal que o professor consegue ver e
julgar a cada aluno em seu ambiente, no momento em que avalia a precisão do gesto
técnico, no caso dos esportes ou nas lições de didática como a futura pedagoga
manipula uma retroprojetagem.
Quando conversam, no decorrer das aulas, os assuntos são sobre os exercícios
feitos. Quando não tem aula os alunos tendem a procurar por uma brincadeira para
movimentar seus corpos ou para passar o tempo. A fala de um sujeito a seguir mostra
como se dá essa opção nos momentos de intervalo:
“Socialização! Converso com os colegas e basicamente de
vez em quando vamos para quadra, faz um tipo de
atividade para passar o tempo”. (V.G.J./M – EDF – 32
anos).
A facilidade de movimentar e equilibrar seus corpos durante as aulas e nos
intervalos parece tornar esses meninos mais flexíveis, estejam em sala, na quadra
poliesportiva, quando eles tendem a trabalhar em pequenos grupos, de meninas e de
meninos. Conforme pude constatar algumas meninas tentam se misturar nos grupos dos
meninos, outras dizem que os meninos têm mais força e, portanto, não as deixam caírem
no chão. Outras preferem fazer com as meninas por questão de afinidade e leveza,
prevalecendo assim o toque corporal sem pudor. Nessa perspectiva, o comportamento
de cada sujeito é livre para jogar como quiser, sem a exigência formal de obtenção de
rendimentos ou performances.
72
Com um estudo sobre os ritos, Claude Rivière, assim se declara:
“Os ritos devem ser sempre considerados como conjunto de condutas
individuais ou coletivas, relativamente codificadas, com um suporte corporal
(verbal, gestual, ou de postura), com caráter mais ou menos repetitivo e forte
carga simbólica para seus atores e, habitualmente, para suas testemunhas,
baseadas em uma adesão mental, eventualmente não conscientizada, a
valores relativos a escolhas sociais julgadas importantes e cuja eficácia
esperada não depende de uma lógica puramente empírica que se esgotaria na
instrumentalidade técnica do elo causa-efeito”. (RIVIÈRE, 1996, p.30)
Com base no que foi observado durante esses dois anos, é possível dizer que há
uma forma recorrente nas aulas práticas desses sujeitos. Predomina, assim, no rito diário
dessas aulas um ritmo e um equilíbrio envolvendo dinâmicas corporais, e uma
diversificação crescente dos movimentos, que mediante as repetições rítmicas é possível
ver uma ritualização de gestos e sua constituição do espaço operacional, como veremos
a seguir:
Fig. 24 – Imagem sobre o equilíbrio corporal (EDF – UFMT)
73
Fig. 25 – Em grupo de três: equilíbrio sobre o corpo (EDF – UFMT)
Fig. 26 – Equilíbrio corporal usando dois colegas (EDF – UFMT)
Rivière, em sua obra Os ritos profanos, nos lembra que do berço ao túmulo o
indivíduo se submete a cerimônias que ele denomina de “ritos de passagem” que o
ajudam a passar de um estado a outro, de uma idade a outra como os ritos de
“nascimento iniciação, casamento e morte” (1996, p. 42).
Nesses encontros para as aulas na quadra, há sempre aquele aluno que não
participa por motivo de dor, que seu corpo produz naturalmente com a repetição dos
exercícios ou no caso das meninas quando estão “menstruadas”. Quando isso acontece
74
eles ficam de longe, observando e conversando com os colegas, também
impossibilitados pelos mesmos motivos. Às vezes se aproximam de mim e falam sobre
a aula, sobre os movimentos, sobre concurso que farão para entrar na polícia, e logo
voltam ao assunto da aula, sem deixar se despertar para qualquer outra coisa que chame
a atenção do professor.
Fig. 27 – Aluna não participa da aula por causa de cólica menstrual (EDF – UFMT)
É provável que essas experiências, que os fazem se ausentar das aulas práticas
pode torná-los sensíveis com o corpo de seus alunos, quando estiverem no comando
d‟alguma turma que virão no curso de sua profissão de professor de crianças e jovens.
Sentir o seu próprio corpo e, aprender a conhecer os sinais de advertência que ele emite
pode ser uma experiência positiva quando nas aulas poderão reconhecer e saberá lidar
com o corpo do aluno que passará a maior parte do tempo sentados, de pé, cansado,
alegre, triste... Enfim, o corpo que de alguma forma tende a falar, poderá emitir um sinal
de satisfação ou de desagrado, o que nos faz lembrar de Rivière (1996, p.183), quando
diz que “não há ritualização da vida cotidiana sem ritualização das modalidades
corporais”.
Numa aula do 3°. Semestre de Educação Física, os alunos tendem a ficar
sentados ouvindo o professor falar sobre “a lista do Ensino Fundamental”, conteúdo da
aula em pauta. O professor ao fazer algumas perguntas, a respeito de teoria e prática,
tentou fazer com que os alunos pensassem sobre o assunto. Talvez os alunos nesse
75
momento, sentissem seus corpos cansados, pois bocejavam muito, e alguns até saiam da
sala para tomar água e ir ao banheiro, e logo voltavam. Segundo Rivière (1996, p. 183),
“Pela familiaridade dos sinais, os ritos esconjuram o que há de perturbador em nosso
próprio corpo”. Nas entrevistas os alunos aproveitaram para falar sobre o método do
professor, criticando-o e assim justificando o seu desconforto e, portanto, a sua não-
participação. A fala a seguir mostra esse julgamento:
“esse professor é assim... se não consegue ligar o data-show não
tem aula”. (J.O.E./M – EDF – 22 anos)
Quando sentados para as aulas nas salas, os alunos se posicionam das mais
variadas formas: com pernas cruzadas, com os pés na carteira, como se tirassem um
cochilo, deixando seus corpos bem à vontade. Na disciplina do professor D, sobre
“didática pedagógica”, os alunos continuavam a ouvir com os braços cruzados o tempo
todo. No decorrer da aula, alguns alunos dão tapinhas no rosto para acordar, sugerindo
com esse gesto que o assunto da aula estava “enfadonho”. Sou tentada a dizer que esse é
um comportamento habitual no curso de Educação Física, porque esses alunos, quando
se trata de aula teórica, deixam evidente que são mais animados para aulas práticas. Os
corpos desses alunos parecem querer dizer que há um visível cansaço para esses
momentos de sala de aula. Nestas horas, há sempre uma sede súbita e uma vontade de
visitar a toalete. Uma fala a seguir traduz esse incômodo corporal:
“geralmente se a aula fica muito ou bastante... chata a gente
acaba conversando entre os alunos sobre o assunto que está
sendo trabalhado, ou saio da sala discretamente porque a aula
fica muito cansativa”. (D.E.B./F– EDF – 24 anos)
As vestimentas de alguns alunos em seu dia-a-dia são leves, outros preferem o
jeans, que é um tecido mais pesado, e não me parece apropriado para as aulas de
Educação física, que sugere o tempo todo, “a movimentação dos corpos”. As formas de
calçar são bem variadas, usam tênis, sandálias do gênero havaianas, rasteiras, chinelos,
deixando os saltos apenas para os eventos formais como em colação de grau e em bailes
de formatura. As imagens, a seguir, mostram essa etologia da indumentária e dos
calçados desses alunos:
76
Fig. 28 – Forma de se calçar “Chinelo” (EDF– UFMT)
Fig. 29 – Forma de se calçar “Tênis” (EDF – UFMT)
As alunas de Pedagogia também têm a sua mais variada forma de calçar,
predominando o salto e as rasteirinhas no dia-a-dia. Além da semelhança, no modo de
se vestirem e calçarem, embora sendo de cursos diferentes, é provável que no caso do
vestuário e calçados desses acadêmicos, há uma determinação geográfica que orienta
essa escolha. Não podemos nos esquecer que estamos numa região do país de clima
muito quente e úmido, o que favorece o uso desse tipo de roupa e calçados. As imagens
a seguir ratificam esse despojamento corporal.
77
Fig. 30 – Forma de se calçar “saltos” (PED – UFMT)
Fig. 31 – Forma de se calçar “rasteirinhas” (PED – UFMT)
78
Fig. 32 – Forma de se calçar “sapatilhas” (PED – UFMT)
Um aspecto que me chamou a atenção diz respeito à chegada dos alunos para as
aulas. Comportamento mais comum entre os alunos da Educação Física que da
Pedagogia. Talvez porque na Educação Física, as aulas começam mais cedo, às 7h da
manhã. É nessa hora, pelo que pude observar, alguns alunos aproveitam esse tempo que
antecede à aula, para pôr a fofoca em dia. Não vi muito aluno com livro aberto,
antecipando a matéria, nem vi grupos reunidos para revisar conteúdos ou antecipar o
assunto das aulas. Esses encontros, repito, são mais usados por eles, para fazer o “estar-
junto” como nos lembra Maffesoli em O tempo das tribos (2006), ou para a “celebração
fática da vida sem importância”, aludindo Rivière em seus Os ritos profanos (1996).
À minha observação, a fofoca parece eficaz como motivo que estimula a
conversa entre os alunos e que dignifica esses grupos. Outros aproveitam o tempo para
desenhar no quadro. Assim, debochando do próprio desenho, enquanto esperam seus
colegas, vão preenchendo o tempo, quando epifaniza com esses “pequenos nadas”,
como lembra Maffesoli. Ao terminar suas imagens, sentam perto da lousa para dizer o
que representam para cada colega “homenageado” se é que posso, assim, dizer. À
medida que os colegas chegam, vão se aproximando para brincar juntos e ficam ali até o
79
professor entrar em sala, deixando assim seus colegas mais descontraídos e alegres. As
imagens, a seguir, em uma sala da Faculdade de Educação Física, mostram como se dão
essas brincadeiras:
Fig. 33 – Alunos brincando de desenhar na lousa (EDF – UFMT)
Fig. 34 – Alunos brincando na lousa (EDF – UFMT)
80
Fig. 35 – Alunos brincando na lousa – EDF – UFMT
3.1.2 Lanches, estética, trabalho e brincadeiras: a fronteira entre o prescrito e o
proscrito
Essa seção do estudo tenta, numa espécie de resumo, fazer uma fusão das
distintas funções a que se presta a sala de aula. Quando se pensa que lá é um espaço
“sagrado”, exclusivo do conhecimento, os alunos, tanto de um curso como de outro
ritualizam, no cotidiano desse espaço, fazendo abrigar outras funções que extrapolam o
ato do ensino, como se profanassem em atitudes proscritas, incluindo nesse espaço
assuntos de um outro ateliê. Lá também é lugar para lanches, faz a vez de instituto de
beleza, serve de balcão de negócios para vender bugigangas, reunião de grupos de
estudos e serve, ainda, como palco para jogos de cartas.
O rito, portanto, na sala de aula, à alusão do que nos ensina Rivière (1996, p.
242) pode ser encontrado no dia-a-dia onde se realiza outras necessidades. “Comer para
viver é uma evidência que remete a uma necessidade biológica e ao meio de subsistir do
81
ponto de vista corporal”, mas não é só disso que é feito o homem. Rivière (id, 242) nos
lembra que “na realidade, não é somente o corpo, mas toda a pessoa que, ao comer, se
constrói uma pessoa socializada por aprendizagem repetitiva das refeições ingeridas
durante toda a infância em companhia de várias pessoas”.
As alunas de Pedagogia, parece nos lembrar dessa lição, quando trazem para a
sala de aula lanches de suas casas, além dos biscoitos, sacola de mangas (ver figura 16),
balas, bombons e outras guloseimas para se alimentarem. Esse comportamento ratifica a
teoria que Mauss (2008, p. 401) insiste em repetir sobre as maneiras pelas quais os
homens (...) de uma forma “tradicional”, sabem servir-se de seus corpos. A palavra
“tradicional”, aqui enfatiza a lembrança da escola que tivemos na infância, assim como
esses acadêmicos, mas que insistimos com esse comportamento de fazer da sala de aula
uma extensão de nossa socialidade. Nas palavras de Maffesoli (2005, p. 82) essa atitude
faz renascer uma nova concepção de tempo, usando ócio do (intervalo), quando se
privilegia uma “disponibilidade social” capaz de associar lazer, criação e o prazer de
estar-junto, tudo o que pode ser resumido com a noção de “socialidade”.
Aquelas que parecem ter mais dinheiro vão à cantina, e há, ainda, outras que
não comem no intervalo, mas que preferem utilizar esse tempo para pôr a prosa em dia
ou vender suas bugigangas e cuidar de seus bebês. É nesse momento que as meninas
brincam, conversam, negociam se socializam. A figura a seguir mostra essa
socialização:
Fig. 36 – hora das mangas para o lanche e para cuidar do Bebê (PED – UFMT)
82
O uso da voz e do corpo, entre outros mecanismos, traduz uma narrativa que
pode irritar ou ser prazeroso para os mesmos. Os aparelhos de celular, de algumas
alunas tocam o tempo todo em sala de aula, acaba por estorvar o tempo que seria do
trabalho. Podemos ver na fala de uma entrevistada, o quanto incomoda essa
“competição” (grifo meu) entre barulho de celular, voz do professor e conversas
paralelas das colegas... tudo ao mesmo tempo. A fala de uma aluna do 4°. Ano de
Pedagogia enfatiza essa proscrição:
“Vai depender muito de cada professor, porque tem professor que tem
direitos maiores. Não chegar atrasado, atender celular em sala de aula,
isso incomoda muito.” (C.A.R./F – PED – 22 anos).
A preocupação com os cabelos são constantes, como vimos na imagem da
introdução deste trabalho, prendem, soltam, enrolam, arrumam e brincam, mas sem
deixar de prestar a atenção na aula. Brincam também com um bebê, filho de uma das
alunas do segundo semestre, que a cada momento vai trocando de braços ou posto no
chão, como se fosse a coisa mais natural para uma sala de aula. Isso pode ser visto na
imagem a seguir:
Fig. 37 – Apresentam trabalho de grupo com o bebê no colo (PED – UFMT)
83
Fig. 38 – Bebê passa de mão em mão (PED – UFMT)
Fig. 39 – Bebê brinca no chão, com uma garrafa e faz barulho o tempo todo (PED – UFMT)
84
Fig. 40 – aluna brinca com o bebê durante o intervalo (PED – UFMT)
O fato de algumas alunas levarem seus bebês para a sala, como se fosse natural,
a maioria das alunas ressente dessa atitude, que alguns consideram como uma “invasão”
e até mesmo como um gesto profano. As imagens se completam com aquilo que as
alunas nos dizem nas entrevistas como um incômodo que estorva escutar barulho de
choro de criança na alheia:
“eu acredito que uma coisa que às vezes incomoda, é o
fato de muitas mães levarem seus filhos pra sala de aula.
Acontece de três ou quatro, mães levarem seus filhos no
mesmo dia, então isso atrapalha muito a aula, e todo
mundo fica focado só nas crianças, né?” (N.A.I./F – PED
– 23 anos).
Estudar a etologia desses alunos e vê-los em seus aspectos distintos convém
acrescentar, conforme nos diz Rivière (1996, p. 66) que “em uma mesma cultura, os
ritos são comportamentos esporádicos [...] muitas vezes, caracterizam somente alguns
membros, enquanto o rito animal repetitivo caracteriza toda a espécie”. Levar uma
criança para o espaço da sala de aula pode ser um comportamento guiado pelo
“sacrifício” da maternidade, que, segundo suas mães “não tem com quem deixá-los”,
acaba sobrecarregando o ambiente instrucional da sala da aula. E, assim, é a vida do
homem, ancorada em seu corpo, como diz Le Breton (2003, p. 44) “fazendo desse corpo
o lugar onde o mundo é questionado”. A todo o tempo a natureza e a cultura tentam essa
85
acomodação. O bebê com seus ruídos e preocupações, por mais que incomode o rito
sagrado da aula, acaba sendo adotado por todas as alunas, para satisfazer a “espécie
mãe”.
As alunas também falam sobre o estágio que irão cumprir numa escola situada
no bairro da periferia, e sobre o trabalho do livro didático, algumas voltam atrasadas do
intervalo e entram na sala sem o professor perceber. Ao observar suas posturas e
vestimentas é possível notar que algumas, mesmo estando uniformizadas, procuram
enfeitar o uniforme com fitas, laços e cortes no tecido, como se customizando sua roupa
se diferencia uma das outras. Interpretando Rivière, essa tentativa de se apresentar
diferente do outro é uma marca do ser humano. Há uma lição nos ritos escolares quando
crianças, mesmo de tenra idade, acrescentam um adesivo, uma cor, um broche em seu
uniforme. A mensagem educativa é: “eu sou diferente de você!” Para Rivière:
“há muitas tentativas empreendidas no sentido de modificar as aparências e
os cuidados prestados ao corpo que vão da higiene à massagem e cirurgia
estética, assim como as formas de inscrições corporais tais como a tatuagem
ou as escarificações. No momento em que as práticas evoluem, a ritualidade
também é modificada” (RIVIÈRE, 1996, p. 190-191).
As imagens dos corpos modificados com tatuagens e customizações das roupas
são vistas nas imagens abaixo:
Fig. 41 – pulseiras e tatuagens (PED – UFMT)
86
Fig. 42 – tatuagem de anjo nas costas (PED – UFMT)
Fig. 43 – muitas pulseiras (PED – UFMT)
87
Fig. 44 – customização do uniforme (PED – UFMT)
Fig. 45 – tiaras no cabelo e rococós nas mangas do uniforme (PED – UFMT)
A forma de sentar na sala é uma marca que tem a dizer sobre o éthos de cada
grupo de sujeitos. Tanto num curso, como no outro eles se diferenciam pela maneira
como se sentam para as aulas. Sentar com pernas cruzadas é mais freqüente no curso de
Pedagogia, enquanto que sentar bem à vontade com as pernas abertas e como se
estivessem espreguiçando compõe o modus faciendi dos alunos de Educação Física.
Vale a pena lembrar a experiência relatada por Marcel Maus (2008, p. 404), quando se
refere aos modos de andar das jovens americanas, graças à influência do cinema, que
mais tarde iria disseminar na cultura das jovens francesas.
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Se bem entendi Mauss, cada cultura constitui, a partir de sua maneira de andar,
de balançar os braços na caminhada, de carregar um volume, de empunhar as mãos,
aquilo que ele considera como uma “idiossincrasia social”, produzida no interior do
grupo, no cerne da cultura desse grupo. Desse modo é possível reconhecer um aluno de
Educação Física pelo seu andar despojado ou pelo seu jeito de sentar com as pernas
abertas, assim como, de longe, é possível identificar uma aluna de Pedagogia, pelo jeito
como carrega o seu material, sempre junto ao corpo, enquanto os de Educação Física os
carregam nas costas. Essa etologia, segundo Mauss, depende de arranjos e mecanismos
psíquicos, mais que puramente individuais.
Durante as aulas, algumas alunas imitam a atriz Dira Paes, que na novela
“Caminho das Índias”, exibida pela Rede Globo, sua personagem “Norminha” quando
anda mexe em seus cabelos e balança o corpo com meneios simulando um erotismo a
chamar a atenção dos homens. Essas alunas quando andam pela sala simulando ser a
“Norminha”, mas logo que saem da personagem, voltam para o conteúdo sobre “a
questão do método”. Talvez seja para exercer a necessidade que o corpo tem de se
movimentar de alguma forma ou para distrair ou ainda, como diria Maffesoli (2005, p.
80), o faz para esticar o seu tempo de lazer no espaço do trabalho, “para vencer o tédio.”
Além desses mecanismos de estender o tempo de distração, enquanto em grupos
aproveitam para mexer no cabelo da colega, fazem perguntas triviais à professora e,
falando sobre a linguagem, conteúdo em pauta, surge o seguinte diálogo entre duas
alunas, quando uma delas pergunta:
“E se uma criança perguntar: „professora porque a árvore
da fruta, uva, não chama uveira. E porque é parreira? A
árvore da fruta banana é bananeira?” (M.C./F – PED – 24
anos).
Outra aluna responde:
“Porque a língua portuguesa... a gramática diz que é
parreira” (A.T./F – PED – 26 anos)
Com esse comportamento “pueril”, saem da sala correndo antes da aula acabar.
Sem dar continuidade a esse diálogo, algumas alunas, exercem sua “preguiça” de deitar
na cadeira no fundo da sala, porque, talvez seus corpos estejam mesmo muito cansados.
Outras aproveitam para dançar dentro da sala como se fossem bailarinas. Para chamar a
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atenção das colegas enquanto a professora está virada de costas, atendendo outra aluna,
mas logo se refazem da brincadeira para que a professora não chame sua atenção. Uma
pergunta me fez interpelar: “por que elas não aproveitaram a curiosidade da criança
imaginária que surge na fala de (M.C)?” São esses projetos de “pedagogas” que vão
assumir as salas de aulas para crianças logo que se formarem. As imagens a seguir
mostram como a aula parece enfadonha para algumas alunas:
Fig. 46 – Aluna no fundo da sala, deitada na cadeira (PED – UFMT)
Fig. 47 – professora explicando a matéria enquanto a aluna deita na carteira (PED – UFMT)
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Outro aspecto que chama atenção, no quesito trivialidade, é o fato de as alunas
falarem sobre presilhas de cabelo que custa “super barato”, outras do grupo vizinho
conversam sobre o “dinheiro que perdeu”. Preocupam-se com as roupas que irão vestir
para dar aula no estágio e tiram dúvidas com a professora que está em sala, explicando
como devem se vestir. A professora intercede dizendo “que devem se vestir
adequadamente, porque o professor serve de exemplo para as crianças”; dá exemplos de
como não se vestir para ir a uma sala de aula: “nada de umbigo de fora”, “barriga”, e
“cofrinho à mostra”, “costas nuas”, etc. A imagem a seguir mostra uma aluna passeando
pela sala com as costas desnudas. Parece que o recado da professora encontrou eco na
indumentária dessa aluna:
Fig. 48 – aluna com costa desnuda passeia pela sala (PED – UFMT)
A professora continua a homilia dizendo que “não é preciso ir de terno mais vestir uma
roupa adequada, é necessário, não somente para professor mais para qualquer
profissão”. Uma das alunas aproveita o momento e interrompe a explicação dizendo:
Menos para uma profissão né professora? E essa profissão
só atua à noite (R.O.S./F – PED – 22 anos).
91
Ao fazer essa pergunta, realiza outra, antes mesmo que a professora pudesse
responder, porque querem saber se: “irá demorar para fazer a chamada”. E assim
termina essa aula deixando essas questões para uma próxima. No dia seguinte as
meninas não se lembram da questão feita e a aula é dada normalmente.
No curso de Educação Física, não há intervalo ou “recreio”. Os alunos se
divertem quando não tem aula. A hora do lanche ocorre no vestíbulo que dá acesso às
salas de aula. Lá, como um lugar sagrado se encontram todos os dias, com uma senhora
chamada “Madalena” e seu carrinho de sorvetes. Às vezes aparece alguém de bicicleta
vendendo salgados, outras vezes são algumas alunas que trazem o que vender para tirar
algum trocado, que segundo, pude saber, serviria para a festa da formatura. Isso ocorreu
durante o ano de 2009, pois em 2010, foi inaugurada uma cantina dentro do ginásio, que
passou a garantir o breakfast desses alunos. Agora eles podem variar nos salgados,
tomar sucos, comprar água, e quando não tem aula eles aproveitam as mesas da cantina,
para ouvir música; brincar com seus laptops; jogar baralho, especialmente, o Jogo de
Truco; conversar sobre futilidades; matar o tempo; namorar e intensificar os ritos de sua
vida social. Na entrevista ao perguntar se os alunos conversam muito em sala de aula? E
em que situação? Um aluno assim me responde:
“Não... não, eu procuro prestar atenção (V.A.L./M – EDF
– 32 anos).
Outro tinha a resposta um pouco diferente, no que posso considerá-los, como mais
verdadeiros:
“Se a aula estiver desinteressante eu converso” (K. A.T/F
–EDF – 19 anos).
Essa inquietação dos alunos de participar, de prestar atenção é “sagrada” dentro
da sala de aula, onde os rituais orientam e conduzem esse comportamento denotam uma
etologia prescrita. A partir das observações pude notar que esse silêncio, que essa
participação e a atenção durante as aulas nem sempre são possíveis de acontecer.
Portanto, insisto com outras perguntas sobre o comportamento prescrito a dois
entrevistados que assim se expressam:
“Prestar atenção... fazer perguntas, participar da aula, escutar
comentários que sejam pertinentes à matéria... é isso. O que é
proscrito é distrair a aula, chamar a atenção pra si, ficar
92
conversando coisas que não tem a ver com a matéria, né? Desviar a
atenção do professor que tá tentando explicar e coisas assim (risos)
que vêm na cabeça: coisas absurdas como de repente tirar a roupa,
assim... (risos) não pode...” (V.A.L./M –EDF – 32 anos). “Atenção e anotar tudo que o professor fala... Isso é o prescrito,
entendeu? (...) a conversa, a falta de atenção, assim, porque isso...
vem dizer que atrapalha o professor.” (V.I. L./M – EDF – 22 anos)
Falar do que é prescrito e proscrito, desvela o que é sagrado e profano, dentro
da sala de aula, essas categorias fazem com que os alunos pensam em seu próprio
comportamento para responder tudo àquilo que ele é, foi e não foi como sujeito, durante
as aulas. Com esses dados, os dois grupos de acadêmicos podem nos dar pistas, nos
revelar como irão se comportar diante de sua formação que está em desenvolvimento?
Pude observar que na Faculdade de Educação Física, os alunos não comem
dentro da sala de aula. Parecem ser mais disciplinados que as alunas de Pedagogia,
nesse quesito de se alimentarem dentro da sala. Seria porque o cuidado com o corpo
“sarado” é patente nesse grupo? Ou haveria uma proibição da própria Faculdade? À
primeira vista, ao reparar seus bíceps, quadríceps e peitorais, me parece que sim.
Quando não tem aula os alunos da Educação Física aproveitam também para jogar
truco. Pelo que observei esse é o jogo preferido desse grupo.
Uma cena muito curiosa chamou minha atenção que fui tentada a fazer seu
registro (ver figuras 29, 30 e 31). No meio de uma aula, em que o tema em questão
versava sobre “brincadeiras infantis”, da disciplina “Teoria e Prática do Jogo”, um
grupo de meninos, enquanto esperam a sua vez de voltar ao círculo principal, se
agrupam no interior deste círculo para jogar Truco. Esse gesto que mais parece uma
atitude “profana” nos remete àquela idéia que Huizinga (1990, p. 11) tem como
característica fundamental de todo jogo: “o fato de ser livre, de ser ele próprio
liberdade”. Brincar de Truco no interior de uma aula é subsumir a “evasão” ― o jogo de
Truco ― à vida “vida real” ― a aula propriamente dita. E isso para Huizinga se encerra
na segunda característica do jogo, o nascimento do “faz-de-conta”.
93
Fig. 49 – alunos jogam truco no círculo na hora da aula (EDF – UFMT)
Fig. 50 – alunos jogam truco no círculo na hora da aula (EDF – UFMT)
94
Fig. 51 – alunos jogam truco no círculo na hora da aula (EDF – UFMT)
Os alunos se organizam nesse amontoamento e conseguem brincar e prestar
atenção no que o professor tende a dizer, assim como as alunas de pedagogia brincam e
dançam em sala, enquanto segue a explicação da professora. Segundo Rivière (1996, p.
200) “a dança enquanto tal faz parte do campo do lazer”, elas se assemelham em seu
comportamento com gestos estereotipados.
3.2 Categoria de Analise II: Comunicação verbal X Comunicação não-verbal
Nesse segundo momento, de descrição etnográfica, pude observar que os
sujeitos não se comunicam somente por uma linguagem não verbal, e segundo (HALL,
1981, p. 153) “da comunicação não verbal, uma boa parte se transforma em gestos e
posição dos corpos”. Essa linguagem verbal que aparece o tempo todo, nas falas de cada
sujeito, parece que quer nos revelar alguma coisa, sobre sua etologia, e segundo o autor,
(id. p. 180), “cada pequeno centro tem efetivamente sua própria via de comunicação”.
Talvez a comunicação não verbal desempenhe várias funções que ajudam o indivíduo a
se comunicar, por isso esses sujeitos falam o tempo todo, como expressam em suas falas
95
e reforçam a verbalização uma das outras. Ao perguntar a esses sujeitos, se conversam
muito em sala de aula, e em que situação? Assim se expressam:
“dizem os professores que eu converso bastante...” (E.L.T/M –
EDF – 19 anos).
“às vezes, é necessário quando o professor explana sobre
alguma situação e você já viveu aquela situação. É impossível
deixar de comentar. (M. I.R/F – EDF – 22 anos)
“quando a aula do professor tá chata, eu converso bastante”
(C.R. I/M – EDF – 22 anos).
“eu converso bastante, olha se tem assunto... eu preciso falar,
assim qualquer horário eu to conversando (R.I.T/F – EDF – 20
anos).
“Pouco, hã... essa conversa, como seria? Então eu converso
muito. Eu falo bastante com os amigos e com os professores até
demais. (C.A.R/F – PED – 22 anos).
Ao se comunicarem, os sujeitos se interagem e compartilham mensagens, sejam
elas sobre o conteúdo dado ou uma venda de produtos como vimos anteriormente,
trocam idéias, sentimentos e emoções, como nos revela esta pesquisa, talvez esse
comportamento possa ser importante para sua formação e até mesmo para o
desempenho de suas atividades.
3.2.1 Piadinhas, conversinhas e outros deboches
Chamou-me a atenção uma característica desses sujeitos. O fato de eles
tenderem a levar os assuntos da matéria, em brincadeiras. É preciso um pulso forte dos
professores, porque na etologia desses meninos e meninas, falando em sua maioria, fica
a impressão de que ainda não ascenderam ao nível de um terceiro grau. Esse
“comportamento infantil” (grifo meu) me conduz a lembrar da conferência proferida
pelo psicanalista gaúcho José Outeiral (2009) no Educere, realizado na PUC de
Curitiba. À alegoria da obra freudiana O mal-estar da civilização, o referido professor
96
se propõe com um título provocativo, tratar de “O mal-estar na escola” nos tempos
atuais.
Nesta época de hoje em que ele prefere chamar de “alta modernidade”, há um
“ego ideal” que quer ser trocado por um “ideal de ego”. A consciência está apertada
pela realidade. No texto auspicioso ele enumera a guisa de um diagnóstico, pontos sobre
esse “mal-estar”, incrustados em alguns fenômenos:
1) O “Adultescente”, elemento híbrido feito de adolescente + adulto, que vai
dar no kid‟adulto, ex.: uma senhora quarentona com tênis cor de rosa, com
chuchinha no cabelo e com camiseta da Minnie, assumindo uma sala de aula.
2) que escola realize o papel da educação é preciso realizar o
sonho/desejo/utopia. 3) O Brincar (prazer, alegria de aprender/ensinar) Há
uma desivenção do brincar. A Brincadeira ficou presa na Idade Média. 4) O
Pensar é uma atividade transgressora. Pensar assusta o próprio pensador. 5) O
Adulto: devemos preservar o mundo adulto para “lutar o bom combate, na
luta entre o bem e o mal”. 6) O Extra-muro: o mal-estar se revela quando
recebe alunos alienados da realidade acadêmica, que não gosta de ler livros.
(OUTEIRAL, J. EDUCERE, PUC – Curitiba, 2009)
Numa sala do curso de Pedagogia, ao começar a aula com histórias infantis, a
professora espirra e em seguida faz um comentário dizendo que “a gripe não passou
ainda”. Uma aluna com voz alta e bom som interpela: ― “Suína, professora?” A sala
faz um silêncio pelo constrangimento, sentido pela falta de respeito com a professora B,
que depois de um longo suspiro responde à “mal-educada” aluna: “não, não é suína” e
volta a sua explicação. Todos riem, enquanto a aula continua, ouvem-se resmungos e
tosse de criança pela sala enquanto a história “O pote vazio” é contada e a aula
continua.
A brincadeira a que o professor se refere, certamente não é esta de registrar uma
falta de respeito com o professor ou com o colega. A brincadeira que ele reclama, tem
que preencher os pátios, tem que estar em encontros oportunos, distintos desses da hora
de uma séria explicação. Algumas observações mostram como essas alunas (quase
professoras) têm uma habilidade para brincar na hora da aula, quando deveriam prestar
atenção:
Muitas alunas chegam atrasadas, e é possível ouvir conversa, da
“turma no fundo da sala”, que falam o tempo todo, sobre a
apresentação dos trabalhos: “que não leram o livro para apresentar”,
enquanto a professora conta a historinha, outras alunas lêem histórias
de outros livros distribuídos em sala, eis que surge um assovio para
brincar com o bebê que se encontrava quieto em seu carrinho. O
assunto referente ao trabalho surge de como as crianças devem tratar
97
os professores “tia” ou “professor” e surgem varias histórias de mães,
pais e professores também, enquanto isso acaba a aula e todas saem da
sala ficando algumas alunas em sala. Surge uma pergunta do fundo da
sala para a professora ― o que é antropomorfizado? A professora B
escreve no quadro a palavra com letras bem grandes ― É quando
damos voz humana a quem não é humano, por exemplo, um animal,
um objeto. Enquanto essa professora explica que os professores, não
importa o gênero (homens e mulheres) não devem ser agressivos com
seus alunos. Uma aluna muda o rumo do assunto, invocando a
professora a falar sobre a relação sexual e pergunta ― E na hora H,
professora? Todas as suas colegas começam a dar gargalhadas. A
professora sem se deixar perder não se importa com a “brincadeira” da
aluna e continua com sua aula.
São freqüentes as conversas do tipo “paralelas” no curso de Educação Física,
assim, como no curso de Pedagogia. É preciso que o professor solicite a atenção dos
alunos, pedindo que fiquem na sala somente aqueles que “queiram aprender”, que
tenham “boa vontade”. Há um gasto de energia desnecessário, como se estivessem
lidando com alunos do Ensino Básico. É notável um casal de namorados trocarem
carícias e informações o tempo todo além de debocharem de algum assunto que requeira
atenção. Esse comportamento “infantil” acentua um “costume” que elimina a fronteira
entre o que se considera “sagrado” e “profano”, ou comportamento proscrito e prescrito
dentro da sala de aula.
Há também aqueles professores que fazem e permitem a brincadeira na sala,
naqueles intervalos entre uma aula e outra e, mesmo durante a aula quando quer chamar
atenção sobre um assunto mais prosaico, sem deixar de ser científico, conforme pontua
o professor. Veja esse episódio numa aula de antropologia no curso de Educação Física
sobre organização espacial, lateralidade e outros aspectos da corporeidade humana:
Quando a discussão descamba para a “guerra dos sexos”, por
exemplo, o professor pergunta ― o que é o que é? Quanto maior, mais
a mulher gosta? (O professor se referia a uma vaga de estacionamento,
supondo que as mulheres têm maiores problemas quando se trata de
percepção espacial ampla. Completa ele dizendo, quase afirmando,
com a licença da ciência que nós mulheres temos mais habilidade para
se situar numa geografia restrita, enquanto os homens são mais
habilidosos com o macro). Uma das alunas distorce o assunto dizendo
que tem uns que as mulheres não gostam não, por exemplo, o de seu
colega H, um jovem de 23 anos, dizendo que é muito grande! A sala
toda ri do colega e em seguida o professor lhe retorna à colega
inquirindo como ela sabe que é muito grande? Ela responde dizendo
que deu de perceber na aula de Natação, e todos aproveitam o
98
momento de descontração, quando o professor aproveita para falar
sobre o corpo e suas reações quando entra em contato com a água
muito fria. Com isso a aula continua e todos ficam muito interessados
no assunto da corporeidade. Se o professor não tivesse habilidade para
aproveitar esses eventos e encaminhar o assunto da aula para alguma
coisa aproveitável, o “proscrito” teria tomado conta do “prescrito”.
Um dos grupos da Educação Física conversa sobre dança o tempo todo em sala
de aula, parecem não prestar atenção no que é ensinado. Mas podemos ver pelas falas
desses entrevistados, como disse anteriormente, que se tiver algo para falar, não vão
esperar, falam o que pensam, é uma necessidade natural do corpo o ato de exercerem a
fala. O contato com o outro, a necessidade de estar-junto, no exercício dessa proxemia,
o poder ser “fático”, estimula a conversa, mesmo nas horas em que deveriam ficar
calados, conforme manda os ritos de uma escolarização mais ortodoxa. É provável que
tenhamos que pensar noutra estratégia de conduzir as aulas, mesmo que pensamos como
adultos num trabalho com adultos, no caso do ensino superior.
3.2.2 Das Apresentações dos trabalhos
Numa sala de Pedagogia, durante as exibições de Trabalhos, os conhecidos
“seminários”, enquanto um grupo apresenta seu trabalho, elas começam a brincar com
seu corpo empurrando uma colega contra o outra pelas nádegas, vestem blusas de frio e
mostram uma para a outra. Enquanto a professora fala, um grupo tagarela sobre
instrumentos musicais, a professora chama a atenção e diz para as meninas que os
instrumentos sexuais só mais tarde... Elas riem muito, pois estavam falando sobre esse
assunto mesmo e tentam esconder dizendo que é sobre harpa e violino e continuam
rindo muito. Enquanto estão na frente apresentam e sentem muito nervosismo, brincam
com as mãos, dançam sozinhas e voltando, assim para sua postura ereta.
O 4°. Ano de Pedagogia aparenta ter uma postura mais séria para apresentação
de trabalho fazendo interpretações dos textos literários, conforme nos mostra a imagem
abaixo. Esse comportamento, pelo que pude notar, se deve ao fato de que essas alunas
estão mais perto do exercício da profissão. No ano seguinte já deverão assumir uma sala
ou outro posto de trabalho. Essa foi uma constatação categórica, na interpretação da
etologia desses sujeitos: quanto mais maduros, mais empenhados e interessados nas
aulas, e, isso serve para os dois grupos de sujeitos analisados, denotando um
99
comportamento congruente com o nível da turma. Ao contrário, nos primeiros
semestres, na Educação Física e, no primeiro ano de Pedagogia, os alunos se
comportam como se ainda estivessem no 2°. Grau de ensino. Saem muito da sala, não
prestam muita atenção ao conteúdo tratado, tem uma necessidade de conversar “fora” de
hora, não respeitam a figura do professor, além de demonstrarem não saber se é esta
profissão que querem desempenhar no futuro. Eles, lembrando Michel Maffesoli, vivem
um “presenteismo”, celebrando o hic et nunc de seu tempo, sem nenhuma perspectiva
de futuro.
A imagem abaixo mostra como as alunas do 4°. Ano se empenham na
apresentação dos trabalhos, enchendo de orgulho a sua professora, quando trazem a
história simbólica para o seu mundo real, para apresentar às colegas de uma forma mais
lúdica, vivenciando os personagens das histórias em quadrinhos, mostrando para os
colegas como serão em sua futura profissão:
Fig. 52. Preparação para apresentação de trabalho,
Contos de Monteiro Lobato (Pedagogia)
Os alunos de Educação Física apresentam seus trabalhos de uma tarefa
etnográfica, que segundo a ementa da disciplina “Abordagens sócio-antropológicas da
100
Educação Física”, pude ver distribui os alunos em duplas, no máximo em trios para
saírem a campo e coletar informações a partir de um protocolo de pontos a observar,
junto a um roteiro de questões, discutidos com os alunos. Antes de sair a campo eles
devem fazer a escolha do lócus que pode ser boîtes, escolas, praças, shopping, exército,
lugares de shows, parques temáticos como o da “Mãe Bonifácia”, clubes, ginásio de
esportes, feiras, shopping Center, shop popular, oficina mecânica, supermercados,
hospitais.
O professor da disciplina motiva os alunos a apresentarem e a falarem desse
trabalho realizado por eles, mostrando e ensinando assim como é feito uma pesquisa do
tipo etnográfica. Mesmo estando ainda no 2° Semestre do curso, pude observar a
satisfação na fala e na expressão dos rostos de cada sujeito, ao apresentarem suas
pesquisas. O comportamento em sala surpreende. Os alunos comentam sobre seus
respectivos trabalhos, enquanto no canto da sala um casal de namorados aproveita para
brincar, conversar, morder a mão de sua parceira, talvez esse seja um comportamento
natural e semelhante ao dos animais quando brincam com seus parceiros como nos
lembra Lorenz. Mas esse comportamento isolado não é capaz de tirar o brilho das
apresentações dos colegas, tanto que esse evento passa despercebido do professor e dos
colegas.
Alguns trabalhos mostram a expressão corporal quando o corpo pode se exibir
de uma forma diferente: seja com movimentos da dança ou sentado, de pé, ou em
movimento, por exemplo, na boîte, ou na universidade, no caminhar, ou correr do dia-a-
dia, são nos espaços pesquisados que vamos ver como se comporta a sociedade a qual
fazemos parte. O que chama atenção durante as apresentações dos alunos é que alguns
como o caso do (C.R.I./M – EDF – 22 anos), não quis falar em sua apresentação.
Mostrando uma atitude tímida, natural, eu diria para quem está começando na carreira
de professor. O corpo mostra pelos gestos, mas que pelas palavras, toda a reação do
neófito. No decorrer da apresentação o aluno (M.A.R./M – EDF – 24 anos) esboça uma
postura de constrangimento: sua muito põe as mãos na nuca, cruza os braços o tempo
todo e se movimenta pouco, além de carregar nas gírias. Esse vício de linguagem é
muito comum nesta faixa etária e própria dos alunos da Educação Física. Expressões
como “tipo assim”, “né?”, “tá ligado?”, Véio‟, “só...”, “Maluco”... Parecem ser uma
linguagem preferencial entre os sujeitos desse grupo, mais que as alunas da Pedagogia.
Ao pesquisar em alguns locais da cidade, conforme pedia a tarefa, os alunos
apresentam o que conseguiram registrar nesses loci. O aluno (S.A.N./M – EDF – 26
101
anos) durante a apresentação de seu trabalho não sabia o que significava a palavra
“adorno” (a forma de se enfeitar, de se arrumar) e isso deixou ele meio constrangido
quando perguntado por algum colega que queria pôr em prova o seu conhecimento. É
típico do grupo de acadêmicos, durante essas apresentações alguns colegas fazerem
perguntas descabidas para deixar o colega “seminarista” em maus lençóis. Sabendo que
o “colega-professor” não se preparou bem para o seminário e gozando da prelibação de
ser um expectador, faz perguntas que o colega não vai dar conta de responder. Pela
observação atenta, esse rito de constranger o colega, durante as apresentações, é mais
comum quando se tratar de um colega pertence ao seu micro grupo de pertença. É uma
ética, mais de deferência do que de deboche puro e simples. Há já anunciado no
“sofrimento” do colega seminarista uma revanche tácita: “vai ter troco!”
A imagem a seguir mostra a apresentação de trabalho dos alunos de Educação
Física:
Fig. 53 – Apresentação de trabalho – EDF – UFMT
Ao fazer a pesquisa, no ato da entrevista, o significado de “adorno” o aluno disse
que seu entrevistado de uma oficina mecânica fez piadinhas com as respostas, o aluno
ficou muito irritado querendo dar uma má resposta, mas que conseguiu se controlar. Foi
possível anotar duas piadinhas contadas pelo aluno, produto da resposta de seu
entrevistado. Perguntando a um mecânico “como eles se sentariam no seu dia-a-dia?” A
102
resposta do entrevistado foi: “Com a bunda!”, e, mais uma vez o aluno tenta fazer outra
pergunta: “de que maneira vocês andam?” o entrevistado respondeu “com as pernas!”.
O aluno fez com que toda a sala se divertisse com essa situação encontrada em sua
pesquisa. Essa alegria produzida pelo episódio contado pelo “seminarista” estimulou a
turma a prestar mais atenção, o que reverteu em maior entusiasmo, denotando uma
expressiva satisfação por ter cumprido sua missão.
3.2.3 Da aula à cantina: como se comporta fora da sala de aula
Ao observar as alunas de Pedagogia, pude ver em que elas ficavam fora da sala
de aula somente nos pequenos intervalos, desfrutando dos lanches da cantina, sentadas
nos corredores, conversando sobre seus filhos, sobre concursos, com suas amigas,
quando outras aproveitam o tempo para comer e se distraem da forma que podem. Outra
observação é que essas meninas estão sempre em grupos, aproveitam esse momento de
intervalo para tirar xerox, outras meninas aproveitam o tempo para fazer seus trabalhos
em cartolinas, colam imagens, e aproveitam as poltronas dispostas nos corredores do 2°.
Andar do prédio.
Os alunos, do 1°. Semestre de Educação Física, aproveitam o “fora da sala” para
conhecer a pista de Atletismo da UFMT, o almoxarifado, onde estão os parelhos de
esportes, e outras dependências, já que o Curso de Educação Física tem muito material e
isso é motivo de curiosidade para os alunos novos. Com as aulas na pista julguei um
pouco impróprio para essa aula, porque com o clima de nossa cidade o horário de 11h às
12h, quando o sol tende a ser muito quente. É comum alguns alunos se esconderem
atrás de outros colegas, aproveitam todos os materiais, mochilas e pastas se protegerem
do sol. As imagens a seguir mostram como se dá esse desconforto:
103
Fig. 54 – Aula na pista de Atletismo das 11h às 12h (Educação Física)
Fig. 55 – Aula na pista de atletismo das 11h às 12h (Educação Física)
104
Fig. 56 – Aula na pista de atletismo das 11h às 12h. (Educação Física)
Fig. 57 – Aula na pista de atletismo das 11h às 12h (Educação Física)
Enquanto o professor explica o que significava cada ponto da pista se é que
posso dizer assim, alguns alunos ficavam olhando para a paisagem outros já prestavam
atenção, e outros alunos preferiram ficar mais atrás para se protegerem do sol em uma
105
árvore que estava um pouco mais atrás, como nos mostra a imagem 57, onde o professor
I pára e explica sobre a técnica do Salto.
Fazendo uma brincadeira na pista, de nome “Nunca três”, os alunos quebram a
“corrente”, fazendo assim a brincadeira, individual, de dupla para trabalhar a aspectos
da corporeidade, fazendo com que eles aprendessem a trabalhar como futuros
professores. O objetivo dessa atividade se é que posso chamá-la de brincadeira, é que os
alunos fiquem sempre em estado de alerta para praticar os movimentos adequados. Essa
atividade, de nome Pega-pega, faz eles trabalharem muito com o corpo, principalmente
os joelhos e tornozelos, enfim com o movimento corporal, alguns mostravam agilidade,
condições física, com corpos mostrando ter equilíbrio para a realização dessa atividade.
Os movimentos são mais flexíveis na infância, como prefere Mauss (2008), “as
crianças tem mais facilidade de agachar do que nós adultos”, desde as séries iniciais é
trabalhado o movimento corporal, de uma forma lúdica para que a criança tenha
coordenação motora e equilíbrio, portanto é importante trabalhar o Pega-pega para
fortalecer a musculatura e as articulações. Isso me levar ver que o professor de
Educação Física parece se preocupar o tempo todo com condicionamento físico dos
alunos, o que com as “Pedagogas”, o aprendizado da criança e com sua habilidade
motor, pelo que puder registrar, há uma maior preocupação nas atividades que
envolvem as “mãos”.
Uma aluna de Educação Física preferiu não participar da brincadeira, ficando
fora da pista e sentada na arquibancada, ficando ali poucos minutos, me parecia está
insatisfeita com o calor. O professor pediu para que a aluna anotasse as observações das
aulas, mesmo com essa condição a aluna não aceitou ficar no sol, nem para pegar as
informações ela prefere não assistir a aula. Ao terminar de conhecer toda a pista os
alunos sentaram perto do professor na arquibancada, para fazer observações e um
relatório para e entregar ao professor I, a aluna (T.A.L./F – EDF – 24 anos), estava
doente e com febre, portanto, não caminhou na pista, preferindo ficar sentada na
arquibancada fazendo as anotações.
Outro aluno (R.O.G./M – EDF – 23 anos) também ficou sentado na
arquibancada porque estava de sandálias, portanto, o professor não deu autorização para
fazer essa aula e pediu para que o aluno entregasse somente um relatório. A aluna
(U.I.N./F – EDF – 20 anos) chegou atrasada, e quis participar dizendo “eu gosto de
participar professor”, e entrou na brincadeira, estava com uma vestimenta preta e leve
106
bem solta em seu corpo. Não foi possível observar os alunos, na aula de natação porque
a piscina se encontra no período de reforma.
3.2.4 No estágio
Ao acompanhar as alunas (R.C./F – 32 anos e I.A./F – 26 anos) na escola
“Antonio Ferreira Valentim” em seu estágio pude notar que as meninas ficavam sempre
sentadas fazendo suas observações e anotavam também a fala da professora, além de
fazer comentários sobre um aluno “especial” que queria ficar de pé o tempo todo, a
aluna (R.E.G./F – PED – 32 anos) se expressa cochicha para sua colega (I.V.A./F –
PED – 26 anos) ― “Tadinho ele só fica de pé escrevendo no quadro”. Sua colega
(I.V.A./F – PED – 28 anos) responde: “Deixa ele, ele é especial da cabeça, não do
corpo”. As duas riem baixinho para não chamar a atenção das crianças.
Durante uma semana as alunas puderam exercer seu estágio contando histórias, e
observando o método do professor. As histórias eram de livros escolhidos em sala de
aula pela sua professora orientadora, como: “Guilherme Augusto Araújo Fernandes”.
Após contar essa história a turma da primeira série ficou muito agitada. As alunas
olharam uma para a outra e tentaram acalmar as crianças com sua fala, e mostraram
obras de Arte levadas por elas também, para serem trabalhadas, mas tudo que elas
faziam deixavam as crianças muito agitadas. Nesse momento, a professora da turma,
teve que intervir e chamou a atenção dessas crianças. O que pude perceber foi uma
imperícia, própria de começa na lida de ser professor:
107
Fig. 58. Estágio (observação das alunas de PED)
Fig. 59. Alunas contam história para os alunos (PED)
108
Fig. 60. Alunos brincando no parquinho sob a observação das estagiárias (PED)
As futuras professoras ficavam sempre em dupla no canto do corredor paradas e
observando como os alunos entravam em sala, em seguida elas sentavam nos fundos da
sala para fazer suas observações. Sentadas em um banco de madeira, anotavam tudo o
que viam, até mesmo quando as crianças estavam brincando no parquinho, tiravam
fotos e falavam sobre a alfabetização, sobre os cadernos dos alunos e tiravam fotos das
crianças.
A forma de se sentar, sempre com suas pernas cruzadas, imprime uma marca
etológica dessas alunas. Estando num ambiente muito quente, numa sala com quatro
ventiladores de teto fazendo barulho mais os gritos das crianças de dentro da sala, ainda
podiam contar com os grunhidos de uma serralheria. Esse primeiro contato com a
realidade da sala de aula não trouxe muita satisfação às alunas. Podemos observar em
pelas falas que se seguem que quando perguntei se estavam contentes com o curso que
escolheram, as respostas pareciam querer mudar o seu próprio conceito de ser aluna,
fazendo pensar que o trabalho de um professor para essa realidade se assemelha ao
trabalho de um herói, à alegoria de uma batalha.
“Tô... quer dizer tava até ontem (...) até... segunda feira (...)
antes de entrar na sala de aula (risos) de uma escola pública, e
na minha percepção eu acho que... um desrespeito com o
professor em sala de aula, mais foi bom pra mim né? porque eu
criticava muito eles, são uma sala com 27 alunos e uma
professora de... só uma professora né, e no caso ela não é
109
pedagoga, ela só... tem capacitação em alfabetização e ainda
uma criança especial pra mim eu acho que é o fim da picada
entendeu”. (I.S.C./F – PED – 26 anos)
Outras se disseram interessadas em outras empreitadas, como a de montar a sua própria
escola e a de fazer uma carreira acadêmica.
“Eu estou. Há eu sonho é... eu sonho em fazer, pós-graduação,
mestrado, num curso de educação, doutorado. Eu sei que tenho e
acredito que tenho muita dificuldade, mas a gente não consegue
nada sem ter dificuldades” (R.E.G./F – PED – 26 anos)
Olha, tô, eu gosto muito do curso, apesar de alguns momentos a
gente achar que falta valorização, às vezes eu fico assim será
que eu deveria ter feito isso mesmo mais é o que eu gosto. Fazer
o mestrado, continuar meus estudos, doutorado, continuar nessa
área, mas principalmente para pesquisa, voltado para a saúde.
Eu tenho um sonho em montar uma escola de artes (risos).
(C.A.M./F – EDF –21 anos)
Atuar na área, com crianças, jovens, sei lá, empresa
independente disso, atuar na área e dar o meu melhor e tentar
passar tudo que eu aprendi aqui para as pessoas, eu tento pegar o
meu curso e tento passar para as pessoas princípio de valores
que hoje em dia não se tem, a gente vê uma juventude uma
nação que tá perdendo moral, sentido de valores, são princípios
fundamentais pra gente e tá muito imoral. (J.O.E./M – EDF – 22
anos)
A satisfação e a insatisfação me parecem que se encerra num paradoxo. O prazer
e o desespero nas falas desses sujeitos até mesmo em seu primeiro contato com a sala de
aula faz num só tempo sonhar e entrar em desespero. Talvez isso faça com que esses
sujeitos re-pensem e os façam falar sobre a sua própria profissão.
Os alunos de Educação Física, quando realizam seus estágios dentro do campus
da UFMT, levam os alunos de uma escola para o campo de futebol. Antes de “entrar em
campo” os futuros professores, conversam com seus alunos, e há uma distração desses
meninos que pulam e brincam o tempo todo. Esses futuros professores chamam sua
atenção o tempo todo, e realizam a aula assim como as alunas de pedagogia com uma
cota suportável de paciência.
Dentro destes diferentes grupos foi possível fazer um recorte das falas dos
entrevistados, através de um questionário de perguntas e respostas, para melhor
esclarecer as informações que pode ser retiradas através das observações e ver o quanto
os alunos de Pedagogia e Educação Física se parecem em seu comportamento como foi
110
apresentado no decorrer da pesquisa. Eles têm mais de semelhança no seu
comportamento, num plano geral, do que diferenças.
3.2.5 Do rito da Avaliação ao rito da Formatura
As alunas de Pedagogia fazem provas individuais, sem consulta, outras vezes
com consulta, assim como os alunos de Educação Física, em suas avaliações, fazem
prova individual e com consulta. Ao realizar a prova com consulta alguns alunos tentam
colar, ou melhor, dizendo, como eles gostam de dizer com um eufemismo valioso:
“trocar informações com os colegas”, porque sempre se aprende alguma coisa. Alguns
grupos chegam atrasados, porque estavam tirando cópias da matéria para fazer a prova.
Pude ver que tanto num grupo quanto no outro é um procedimento “natural” esses
acadêmicos, mais com os meninos da Educação Física tirarem cópias no dia, horas antes
de começar a prova. Eles também, assim, se parecem. Por esse comportamento
renitente, foi possível notar em todos os semestres, que eles não lêem o texto antes, e
deixam sempre para fazer suas cópias e tirar as dúvidas na hora da prova. É justamente
nessas horas que os alunos nerds sofrem muito assédio.
Algumas alunas da pedagogia conseguem colar, ou como disse anteriormente
conforme os alunos de Educação Física, “trocam informações com os colegas”.
Algumas alunas tentam fazer o que sabe, no início das aulas que antecede às provas,
mas ficam bem agitadas diante da organização para realizar a prova.
Na etologia da carteira da sala há um comportamento que os acompanham desde
as tenras idades. É o fato de essas carteiras estarem sempre numa arrumação enfileirada.
Esse modo de sentar parece mais natural do que cultural nas escolas, tanto que nos dois
cursos investigados a posição das carteiras é congruente nas duas turmas, fazendo
parecer que esse sentar enfileirado determina um modus faciendi de ser escolar. Esse
sentar enfileirado que os alunos adotam para fazerem suas avaliações, à alusão da teoria
de Mauss (2008), tanto na Pedagogia quanto na Educação Física, descreve uma “técnica
corporal”, para os alunos e os professores ser e estar dentro de uma sala de aula.
O aluno desenvolve a técnica de sentar, (com pernas cruzadas, deitado nas
carteiras, sentado normal com sua coluna ereta, outros preferem descansar seus pés nas
carteiras do colega da frente, descansam seus pés no chão, assim vão se ajeitando do
jeito que podem e na forma que seus corpos se sentem mais aconchegados em seu
111
ambiente habitual). Na técnica de colar, (olham por baixo dos cabelos dos colegas,
conseguem virar o corpo, sem que o professor note a sua virada, levantam para fazer
perguntas ao professor e na volta a sua carteira dão uma “espiadinha” na prova do
colega). Há a técnica de se espreguiçar, (se levantam e esticam todo o corpo, outros
conseguem alongar somente os dedos, alongam as pernas que ficam muito tempo
dobradas, fazem alongamentos com suas cabeças, voltando-a para cima, para baixo,
para o lados, fazendo com que todo o corpo seja alongado). Há a técnica de bocejar,
(alguns alunos têm a técnica de pôr a mão na boca, outros viram para os colegas para
bocejar, talvez seja para fazer com que o colega se distraia um pouco e volte fazer a sua
prova, mais descontraído). A técnica de trabalhar em grupo e até mesmo de ficar
sozinho, de emprestar o grampeador ou a borracha, para dar uma olhadinha na prova do
outro, ou ter a técnica de chegar atrasado para não fazer a prova individual. Para ter toda
essa manha, ou melhor, desenvolver essa sofisticada “técnica”, basta ser um aluno.
No final do ano de 2009 e 2010, acompanhei também a formatura do quarto ano
de Pedagogia em suas festinhas, em alguns ritos de despedida, como a “Aula da
Saudade”, onde fizeram descerramento de placa e baile de formatura, também
customizaram suas camisetas assim como vimos na customização dos uniformes das
meninas, nas imagens, 43- 44 e 45 dessa pesquisa.
As meninas se divertem muito com esse momento tão esperado, quando elas
fazem faixas para mostrar quem é a mais bela, a mais inteligente, entre outros
predicados pessoais. Nessa hora elas enfeitam a sala de comemoração com uma cor que
predomina no que pude observar durante esses dois anos em turmas diferentes, a cor
vermelha, talvez seja a cor preferida dessas alunas, por simbolizar o universo feminino?
112
Fig..61.Preparação para formatura (PED – UFMT).
Fig. 62 Se agrupam para fotografar – aula da saudade (PED – UFMT).
Nas aulas de ginástica laboral os alunos fazem os exercícios conforme a
professora G ensina. Eles se esticam ao som de uma música, a professora deixa sempre
que um aluno conduza esses movimentos, talvez eles já estejam treinando para atuar em
sala como futuros professores. Nas imagens abaixo podemos ver que esses alunos
vestem roupas leves, confortáveis para realizar essa aula, que exerce a função de
movimentar o corpo.
113
Ao terminar a aula todos os alunos se reúnem para fotografar para sua formatura,
alguns alunos aproveitam o momento para tirar dúvidas com a professora sobre a aula
dada, e aproveitam o momento que estão com roupas leves para fazerem suas fotos para
a formatura, realizam os bailes de formatura, usam saltos e roupas de festa deixando de
lado toda a antiga vestimenta apertada, pois agora o rito manda que sejam formais.
Fig. 63. Aula de ginástica Laboral (Educação Física)
Após a aula os alunos se divertem, conversam, e logo em seguida se agrupam
para fotografar sem se preocupar com o suor e o cheiro forte que predomina nos corpos
de um aluno de Educação Física.
Fig. 64 – Se agrupam para fotografar (formatura) – Educação Física
114
Além de se agruparem para fotografar, também trabalham em congressos dentro
da instituição e fora dela, apresentando seus trabalhos, participando de grupos de
estudos a exemplo do GEPECOL ― Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Corporeidade
e a Ludicidade ―, sob a orientação dos professores, assim como as alunas de pedagogia
que participam de grupos de estudos como o PET, e através desses grupos podemos
observar a inquietação que esses alunos têm para descobrir um novo conhecimento e
através dos grupos de estudos, eles são remunerados para que possam assim ter um
crescimento intelectual, tendo oportunidade mais tarde de entrar num grupo de estudo e
pesquisa stricto sensu.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as vozes ouvidas, imagens e observações, como nos mostram nas
análises dessa pesquisa, com alunos de Pedagogia e de Educação Física, em sala, nos
corredores, cantinas, pista de Atletismo, quadra poliesportiva, e na forma de sentar,
andar, caminhar, se vestir, se alimentar, falar dos acadêmicos da “Universidade Federal
de Mato Grosso”, conduziram a alguns esclarecimentos ou pontos em que comungam,
uma etologia no lócus onde realizou-se essa pesquisa.
O primeiro esclarecimento foi que os acadêmicos se assemelham em seu
comportamento. A Educação Física e a Pedagogia têm uma etologia semelhante mesmo
nas atitudes de proscrição. Talvez seja esse modus vivendi revelado pelo comportamento
individual que “cimenta” as atividades do grupo ou de seu “comportamento tribal”
como assevera o sociólogo francês Michel Maffesoli.
Os acadêmicos de um modo em geral se comportam, assumindo movimentos
com gestos estereotipados, muito específicos de cada situação dentro e fora da sala de
aula, que acabam orientando as suas atitudes, tão próximo daquilo que Montagu (1988)
pontuava sobre a utilização exagerada da comunicação verbal, chegando inclusive a
excluir de nossa experiência o universo da comunicação não verbal, para o nosso
acentuado empobrecimento. Para esse autor há na “ocidentalização do corpo” (grifo
nosso), uma inexistência de toque, ou seja, de uma comunicação que exclui palavras.
Essa falta de pele, a que ele se refere o autor, pôde ser visto nos encontros de pesquisa
quando os alunos tendem a sentar-se sempre no mesmo lugar, distanciando dos demais
colegas que se isolam em suas respectivas “panelinhas”.
O segundo esclarecimento, decorrente do primeiro se refere às “amizades” que
se formam dentro da sala de aula. Embora não sejam continuadas numa vida social, fora
da “academia”, mesmo assim, mantêm-se em exercícios feitos sempre com os mesmos
colegas, e que se refinam com o toque corporal entre gêneros. Esses laços celebram uma
corporeidade e afinam uma “técnica corporal”, para ser caro à expressão de Marcel
Mauss. A ausência de pele, uma marca das grandes metrópoles, no plano micro-social
da sala de aula ou no interior dos grupos, na possibilidade de toque, se releva pela
experiência de pele, pela finura do tato.
117
A realidade veio mostrar que os sujeitos, observados são muito parecidos, em
sua forma de sentar, na expressão do rosto, no emprego das falas, na familiaridade das
expressões lingüísticas e corporais, como os apertos de mãos que trocam nos mostram
como são “tribais” em sua etologia. Este é o terceiro esclarecimento.
Pude ver também que tanto num grupo quanto no outro é um procedimento
“natural” desses acadêmicos, mais com os “alunos” da Educação Física tirarem as
cópias da matéria no dia, horas antes de começar a prova. Eles também, assim, se
parecem, pela escassez de tempo que dedicam ao estudo. Eles estão sempre em atraso
com o conteúdo. Alguns me confirmaram que sua agenda de tarefas está sempre
“transbordando” do tanto de “coisa que tem pra guardar”, e este pode ser o quarto ponto
em comum.
O quinto ponto em comum é o de que há uma divisão de grupos muito fechados,
formando suas “panelas”, entre uma licenciatura e outra. O corpo mostra que a cultura
molda um êthos nas pessoas desde o modo de se vestir até a maneira de se comportar
diante de uma determinada situação, que é normalmente influenciado pelo ambiente que
se ocupa, pela classe social ou pela “tribo”, para lembrar um termo usado por Michel
Mafessoli.
Os dados da pesquisa nos revelam com as informações coletadas, a partir de
imagens e conversas com os acadêmicos, que apesar de alguns apresentarem diferenças,
resultantes de sua situação financeira, no modo de ir e vir, de ser, vestir, falar, ler, se
divertir e ocupar esses lugares, eles se assemelham em quase tudo. Há um “corpo
social” tangível no modo de eles se comportarem em público. Eles se parecem em seus
assuntos cotidianos para discutirem sobre futebol, aulas, concursos, mulheres, sexo,
política, violência urbana, dinheiro, temas que monopolizam a conversa para os
“machos” e moda, namorado, novelas, futilidades, trabalho, shopping center, filhos, são
a predileção das “fêmeas”, conforme vimos nas análises.
Um apego à “territorialidade”, no uso que o “animal” faz do espaço público,
tornando-o “privado”, pode ser o sexto ponto de esclarecimento: é muito comum aquele
aluno sentar naquela carteira, naquele canto esquerdo da sala, o ano todo. Quanto aos
locais de descanso, como a cantina, os corredores, o estudo pôde mostrar que os
indivíduos de vários estilos e tribos procuram brincar, jogar Truco, como uma forma de
lazer, conforme pode ser visto pelas falas de dois sujeitos, que aqui enxergam no
Intervalo ― o antigo Recreio ―, o espaço-tempo em que o Homo ludens explora a sua
necessidade de brincar: “jogo truco, copio matéria que não tenho, converso com os
118
amigos, como na cantina”. (C.R.I./M – EDF – 22 anos) e “como, jogo Vôlei, ajudo os
colegas a jogarem, jogo Truco”. (K.A.T./F – EDF – 19 anos).
Há nesses ambientes um entrosamento entre amigos que faz “quebrar” aquela
vida rotineira, aliviando o estresse cotidiano, num lugar que parece ser mais agradável
que a sala de aula. As respostas dalguns entrevistados reiteram aquilo que eles têm
vivido. Esses sujeitos só se completam mesmo quando se divertem? Para repetir com o
poeta Schiller em seu famoso aforismo: “o homem só se completa quando brinca”.
Outro aspecto do comportamento desses alunos observados está no sentido de
que esses sujeitos ficam mais à vontade no seu modo de ser e de estar no campus. Há
uma aura de contentamento e um despojamento no modo de vestir e de falar dos mais
variados assuntos. Esse pode se constituir no sétimo ponto em comum. Outros aspectos
sobre as análises como se vestem, se alimentam, se calçam, se namoram, se deslocam...
neste meio, servem de diapasão não apenas como detalhes, mas podem nos servir para
perceber que nosso corpo é regido por regras sociais que são obrigadas a cumprir. Há
uma comunicação não verbal que fala o tempo todo. Seja no ato de vestir, na expressão
dura do rosto, na insatisfação durante as aulas, no desconforto da poluição sonora, no
isolamento individual, essa corporeidade vai gritando, se ajeitando no jeito que pode.
Com base na teoria de Marcel Mauss (1974), o comportamento humano não se
faz somente por uma consciência individual, se não também pela mentalidade coletiva.
O homem tende a agir de forma similar ao seu grupo seja qual ele for, para ser aceito. E
ser aceito por algum grupo traz ao indivíduo um bem-estar, de maneira que o exterior
reflete no interior. Cada ambiente dessas duas licenciaturas forma uma idiossincrasia
social, com no uso das técnicas corporais. É através destas técnicas que podemos
identificar de qual ambiente o indivíduo pertence. Os fatores econômicos, culturais,
sociais entre outros têm um papel decisivo no comportamento de ser de cada grupo.
Antes de serem culturais, os homens como os animais são mais naturais do que possam
imaginar.
As considerações que apresento, nesta saída do “campo”, são feitas,
primeiramente, a propósito de seu caráter não finalizante. Ao vivenciar com esses
sujeitos da pesquisa durante esses dois anos, no campo da Universidade Federal de
Mato Grosso e de ter esses teóricos como interlocutores sobre a temática tratada. Com
Maffesoli me dei conta de que o estar-junto, o viver em coletividade só se dá quando
esses indivíduos vivem e convivem nesses espaços que é a sala de aula, os corredores,
as cantinas, as pistas esportivas, os espaços para vazão de sua ludicidade, os cantinhos
119
para o namoro e alimentação. O estudo aqui relatado passa a ser de agora em diante não
mais que um instrumento de trabalho a servir de base para as reflexões sobre e para as
práticas do comportamento etológico na UFMT dessas duas licenciaturas de Educação
Física e de Pedagogia.
É com essa orientação que esse estudo se destina, isto é, ver esses sujeitos em
sala de aula, em pátios, em espaços ociosos de aulas vagas, em pistas para práticas
esportivas, em estágios para aula de campo, em cantinas para lanches, em rodas para
assuntos de uma vida sem importância, em grupinhos sobre a vida prosaica, em troças
para jogar conversa fora...
Como mensagem educativa, mais que uma proposição resultante da pesquisa
feita, a partir das observações desses grupos, cada indivíduo ou cada grupo, pelo seu
comportamento, tem a nos dizer, através da linguagem verbal e não verbal, mais a dizer
pela sua vontade do que pela obrigação de estar nesses ambientes. Esse êthos como
labora o poeta Schiller (2002, p. 27) em uma de suas cartas sobre a educação estética do
homem, nos diz sobre a vontade do homem que deve sobrepor a qualquer imposição ou
dever. É isso que deixa transparecer na etologia desses sujeitos como veremos a seguir.
Eles se comportam muito mais pela força de sua natureza, do que pela imposição
normativa da cultura.
Dentro destes dois grupos foi possível fazer um recorte das falas dos
entrevistados, através de um questionário de perguntas e respostas, para melhor
esclarecer as informações que pode ser retiradas através das observações e ver o quanto
os alunos de Pedagogia e Educação Física se parecem em seu comportamento como foi
apresentado no decorrer da pesquisa. Eles têm mais de semelhança no seu
comportamento, num plano geral, do que diferenças.
É provável que tenhamos que pensar noutra estratégia de conduzir as aulas,
mesmo que pensamos como adultos num trabalho com adultos, no caso do ensino
superior. Se essa etologia é boa ou ruim as evidências científicas não podem afirmar,
mas pode quem sabe, ajudar esses sujeitos como futuros professores a serem mais
tolerantes em sua conduta social.
Respondendo às questões de investigação deste trabalho, congruentes que são
com o estudo da corporeidade, as aulas e os encontros com os sujeitos que serviram de
laboratório para as observações da pesquisa puderam exibir situações em que achei por
bem traduzi-las em proposições, que aqui denomino de “mensagens educativas”. Uma
riqueza de movimentos, sem negar o Homo ludens e, sem inibir a criatividade e a
120
animação dos alunos, assim, pôde registrar com seus professores as situações que
possibilitaram à autoconfiança, a auto-estima, a autonomia e o talento para a abordagem
crítica dos alunos. Segue aqui as “mensagens educativas” que em outras pesquisas
teriam o nome de proposição.
Como descrever esses sujeitos? Por serem indivíduos de faixa etária diferentes,
origem social diferente, aspirações profissionais distintas (uns querem ser treinadores
esportivos, fisiculturistas ou professores, outras querem ser gestoras escolares,
professoras ou supervisoras), mesmo assim, apresentam uma semelhança no modo de
ser e estar quando ocupam esses espaços que têm em comum. Nós como professores
universitários como trataremos esses sujeitos, em sua maioria, saindo da adolescência?
Segue aqui alguns pontos propositivos, que servirão de “mensagem educativa”.
Primeiro, se os alunos se assemelham no modo de se comportarem, que o
professor se torne mais tolerante, tirando proveito dessa etologia acadêmica. Eles estão
dizendo, a partir de uma linguagem silenciosa que preferem ser mais “naturais” no
ambiente escolar, tão cheio de normas e exigências, que sem as quais é impossível a
sobrevivência do Homo faber, qualquer que seja a sua vocação: gestor, professor,
supervisor, fisiculturista, treinador...
Segundo, que o professor aproveite as “panelas”, os micro-grupos para realizar
trabalhos coletivos como os Seminários, as Roda de conversa, os Diálogos pertinentes
ao assunto em estudo. Eles gostam de viver em grupos, eles preferem um “estar-junto”,
mesmo que seja para, como diz Maffesoli: “matar o tempo da vida social”. A deixa
pode essa: estruture uma aprendizagem que envolva mais o grupo.
Terceiro, se eles se comportam de um modo, a sair da sala para jogar Truco na
cantina, para bater papo nos corredores, para namorar e para outras desculpas
indolentes, talvez esteja aí a dica do Homo ludens à “caça” de uma aula mais
estimulante, mais criativa, mais animadora. Pode ser a hora apropriada para incluir
numa metodologia que possa tratar o assunto com o interesse deles. Como por exemplo,
pude experimentar, enquanto professora de uma escola particular, quando o assunto
parecia se esgotar, mesmo assim eles ficaram após o final da aula sem perceber que o
horário já havia terminado.
Quarto, se há no comportamento etológico desses sujeitos essa “mania
proxêmica” de se juntar aos pares ou em grupos, aproveitar com uma metodologia que
priorize o estar junto natural do grupo, diminuindo, se possível a carga dos encontros
com aulas expositivas.
121
Quinto, se suas “agendas estão sempre a transbordar de tanta tarefa”, poderia
estar aí a crítica de nossa pedagogia “entupitiva”? Em todas as salas que visitei e
observei, foi possível enxergar essa reclamação. O excesso de conteúdo, sem tirar a sua
importância, pode servir de registro de aula chata ou cansativa?
Sexto, no uso que fazem do espaço ─ a territorialidade ─ sendo da natureza de
todo “bicho” (animal ou cultural), ter um ponto de segurança, ficar num lugar só, traz a
mensagem: “aqui é o lugar que eu me sinto seguro!”. Isso leva o indivíduo a confundir o
público com o privado, porque é o seu lugar de segurança, a zona de conforto, o lugar
que ele aprende ─ o sagrado. Interpretado por alguns professores como um gesto
patológico, é na verdade um traço filogenético que a etologia considera como “lócus de
segurança da territorialidade” de qualquer animal. Os animais domésticos como cães e
gatos se sentem felizes quando mantêm sempre o mesmo lugar, para alimentação e para
pouso.
Sétimo, se “o aluno não senta direito”, como pude assistir professores corrigindo
a postura, pode servir como ponto para que o “futuro professor” chame à atenção do
aluno a fazer a correção corporal de modo a escoar para outras assepsias. A mensagem
educativa seria a de trabalhar outras “limpezas”: problemas com a fala, com a escrita,
com a técnica, no caso específico da Educação Física, com as metodologias no caso das
pedagogas. Corrigir é tarefa “sagrada” de todo professor, mas não ao ponto que o aluno
sinta falta daquilo que ele mais gosta de ser, do jeito que eles mais gostam de estar:
juntos, se comportando no modo mais natural possível.
Estas são as minhas notas finais para uma pesquisa de cunho educacional.
Certamente seriam outras se os objetivos fossem outros, se a metodologia empregada
fosse outra e se as questões que “nortearam” fossem outras. Mas quem se encarrega de
investigar o lócus escolar fica refém de produzir respostas que se alinhem aos seus
objetivos, as suas questões problematizadoras e às heurísticas utilizadas.
Deixando o campo, agora, é obvio que saio com a sensação de ter esgotado
sobre o assunto, aliás, foi de longe esta a minha pretensão. Mas deixo o lócus, com a
mesma coragem para dizer que a vida é desse jeito, que há ainda e sempre muita coisa a
(des)velar, assim mesmo, para “tirar o véu” do fenômeno elegido, afinal esse é o doce
enlevo de qualquer investigação, que se pretenda científica.
É provável que o escritor mineiro João Guimarães Rosa pode traduzir com suas
doutas palavras o que o trabalho queira dizer como derradeiras palavras:
122
“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta
e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”. (Guimarães Rosa,
Grande Sertão: Veredas).
123
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ANEXOS
128
129
Roteiro de entrevista realizado com os alunos de Pedagogia e de Educação
Física da UFMT
- Nome do aluno
- Curso
- Idade
- Naturalidade
- Endereço
1. Do que você mais gosta nas aulas? E das outras disciplinas você gosta?
2. O que você faz no intervalo?
3. Sobre o que você conversa com os amigos durante o urso?
4. Você conversa muito em sala de aula? Em que situação?
5. O que é permitido (Prescrito), fazer em sala de aula? E o que é interdito (Proscrito)?
6. Qual a disciplina que trabalha com o corpo que você mais gosta?
7. Você já se manteve irritado e calado durante as aulas. Por quê?
8. Os alunos se interagem com todo o grupo durante as aulas ou predomina os
grupinhos as “panelinhas”?
9. Como o ambiente tem favorecido o seu aprendizado? (Luminosidade, os aspectos que
a sala se encontra...)
10. Você se senta sempre no mesmo lugar e perto dos mesmos colegas?
11. Sobre o que vocês conversam na sala, nos intervalos e fora da universidade?
(Assuntos).
12. Você está contente como curso que escolheu? Com que você sonha depois de
terminar o curso?
130
Tabela da fala dos alunos (Pedagogia e Educação Física da UFMT)
Curso: Educação Física: Educação Física
Do que você mais gosta nas aulas? E das outras disciplinas você gosta?
O conhecimento - Não tem o que mais gosta - Só não gosta de Química - Curte o curso - Da
parte que lida com crianças – Educação Infantil – Aulas práticas – Por enquanto o
desenvolvimento – Acho que das didáticas dos professores - O desenvolvimento – Acho que
das didáticas dos professores – De alguns professores de GRD (Ginástica Rítmica
Desportiva) – Didática – Anatomia e Biomecânica questão voltada para o corpo ‒ A questão
biológica ‒ Da maneira que o professor da aula ‒ Teoria da área humana ‒ Abordagem Sócio
Antropológica da Educação Física – Gosta de tudo ‒ Não tem área específica ‒ A que mexe
com crianças, Jovens e idosos ‒ Práticas Curriculares do Ensino Fundamental – Saúde
Escolar ‒ Diversidade das aulas- Gosta de todas.
O que você faz no intervalo?
Socialização – Conversa com colegas (Amigos) ‒ Faz um tipo de atividade para passar o
tempo ‒ Nada ‒ Espera ou vai embora ‒ Come ‒ Conversa ‒ Joga vôlei ‒ Ajuda os colegas a
jogarem ‒ Joga truco ‒ Não tem intervalo ‒ Fica na cantina ‒ Na sala de informática ‒ Vai
até a quadra para fazer uma brincadeira ‒ Jogar bola ‒ Ping-pong ‒ Alguma coisa ‒ Copia
matéria que não tem ‒ Come na cantina – Depende do que tem para fazer ‒ Ler ‒ Vai brincar
‒ Trabalho com projetos – Joga truco.
Sobre o que você conversa com os amigos durante o curso?/ Você conversa muito em
sala de aula? Em que situação?
Coisas do cotidiano – Assuntos de família – Trocam de experiências no esporte – Futebol‒
Assuntos do curso ‒ Estágio ‒ É impossível deixar de comentar uma situação – Coisas que
acontecem fora da faculdade ‒ Conversa bastante em sala ‒ Festa do final de semana –Prova
‒ Se tiver aula desinteressante conversa ‒ Coisas particulares ‒ Não ‒ Sobre a dificuldade
que teremos depois do curso ‒ Não converso – Lazer e outras coisa mais ‒ Quando a aula
não agrada conversa ‒ Questão da faculdade – Quando a aula não está atrativa – Outras
coisas – Novelas – Namorados – Sobre o que rola – Não, não gosto de conversar – Sobre as
aulas e festas – Quando a aula do professor tá chata conversa bastante ‒ Eu sou conversador
‒ Eu converso na hora que vai fazer debate ‒ Fazer perguntas é legal ‒ Tirar dúvidas da
disciplina – Sobre o grupo de pesquisa – Sair para festas ‒ Quando não vai interferir no
conhecimento conversa dentro da sala ‒ Quando não vai fazer falta – De tudo um pouco –
Festas – Mulheres ‒ E festa de novo ‒ Dizem os professores que eu converso bastante, eu
acho que não.
O que é permitido (Prescrito), fazer em sala de aula?
Prestar atenção – Fazer perguntas – Participar das aulas – Escutar comentários que sejam
pertinente a matéria ‒ Silêncio ‒ Falar baixo ‒ Ficar quieta ‒ Prestar atenção ‒ Copiar do
quadro ‒ Anotar o que o professor fala ‒ Participar ‒ Prestar atenção na explicação – Anotar
tudo o que o professor fala ‒ Pelo professor a gente tem que ficar quieto e prestar atenção no
que ele fala – Perguntar – Questionar ‒ Colocar nossa opinião – Tirar dúvidas ‒ Tudo é
permitido.
131
E o que é interdito (Proscrito)?fazer em sala de aula?
Distraí a aula ‒ Chamar a atenção pra si ‒ Conversar na sala ‒ Desviar a atenção do
professor – Tirar a roupa ‒ Conversa paralela ‒ Incomodar o colega e o professor ‒ Barulho
‒ Arrastar carteira ‒ Qualquer tipo de barulho ‒ Ficar entrando e saindo da sala ‒ Conversar
‒ Atrapalhar o bom andamento das aulas ‒ Não prestar atenção ‒ Não participar ativamente
– Bater no professor ‒ Xingar o professor – Não tem muitas regras não, isso aí já vem de
berço – Desrespeito com o professore com os colegas – Só não pode ficar pelado- A
conversa ‒ A falta de atenção vem dizer que atrapalha o professor ‒ Conversar ‒ Comer na
sala de aula – Dormir ninguém falou nada ainda ‒ Brincar – Ri ‒ Atender celular ‒ Comer
dentro da sala, dependendo do professor – Bagunçar ‒ Desrespeitar o professor – Tirar a
roupa – Namorar ‒ Ficar de (amassação) dentro da sala.
Qual a disciplina que trabalha com o corpo que você mais gosta?
Ginástica Geral – Dança – Educação Escolar Infantil – Basquete – Futebol – GRD –
Fisiologia do exercício ‒ Recreativas – Anatomia – Biomecânica do Movimento –
Atividades Rítmicas –ginástica.
Você já se manteve irritado e calado durante as aulas. Por quê?
Não – Não teve esse tipo de experiência ainda – Muitas vezes já ‒ Atitude de algum
professor que não concordei – Já pelo fato de TPM – Fazer trabalho com um colega que
acabou de se irritar – Já, problemas pessoais mesmo ‒ Já por ignorância dos colegas – Não
teve motivo para se magoar na sala de aula – Já por às vezes colocar o nosso ponto de vista e
o professor ou o aluno tirar sarro ou achar infantil, isso irrita – Nunca me irritei não –
Discussões com professor – Quando a aula não tem rendimento.
Os alunos se interagem com todo o grupo durante as aulas ou predomina os grupinhos
as ―panelinhas‖?
Conversa com todo mundo – Mais ou menos – Não – Tem bastante panelinha e eu faço parte
de uma – Panelinha sempre tem – O professor faz sorteio para interagir os alunos – Não tem
grupinhos não – Predominam as panelinhas – Hum! Com certeza, principalmente na minha
sala – Existem pequenas panelinhas – A turma é integrada – Predomina – Famosa panelinha
– Sempre não jeito – Vai pela afinidade.
Nome dos grupinhos, panelinhas:
Panela inteira – Não tem nome – Grupo dos belos – Dos coloridos que tá na moda – Lado A
e Lado B (Lado A dos pobres e lado B dos ricos).
Como o ambiente tem favorecido o seu aprendizado? (Luminosidade, os aspectos que a
sala se encontra...)
Ambiente favorável – Saudável – Alunos tem hábitos saudáveis – Respeitam a aula –
Procura deixar o professor à vontade – Os professores tem se mantido de forma lúcida:
explicam bem tiram dúvidas – Melhor do que era – O teto caiu mais já arrumaram – Tá
tranqüilo – Clima bom – As carteiras não tem dificuldade – Está normal – Antes não tinha
esse ginásio – Hoje é tudo confortável o ginásio as salas tem ar condicionado – Há! o
ambiente não é favorável – Algumas salas estão boas – Algumas salas estão escuras – Não
vou dizer que é negativo porque já estive em situações piores – Não tenho que se queixar de
nada – Precisa de iluminação é muito escura – A sala do quarto semestre é melhor que a do
segundo – Pelos professores usarem data show fornece uma visualização melhor – Acha
ruim no bloco a água (da faculdade inteira) bebedouro sujo – Energia – Sim tem resposta.
Você se senta sempre no mesmo lugar e perto dos mesmos colegas?
Não – Depende do horário que chegar na sala – Sempre no mesmo lugar e perto das pessoas
132
que eu convivo – Sim, sempre – Sempre – Sempre do lado A – Sempre desde o primeiro
semestre – Quase sempre – Gosta de sentar na frente mais varia, senta aqui, lá – Ninguém
senta.
Sobre o que vocês conversam na sala, nos intervalos e fora da universidade?
(Assuntos).
Música – Filmes – Esporte – Atualidades – Livros – Cinema – O assunto que o professor
estiver explanando – Baboseiras – Qualquer coisa – Tudo o que fez no dia – Trabalhos –
Profissão – Como que anda a vida – O que tem feito – MSN – Estágio – Sobre filhos – Sobre
o que fez no dia anterior – O que vai fazer no próprio dia – No final de semana – Os assuntos
não são muito interessantes – Quem ficou com quem – Quem bebeu – Quem tomou porre –
Quem tá namorando com quem – Quem terminou o namoro – Geralmente esporte – Os
homens falam sobre as mulheres – As mulheres eu não sei o que falam – Família – Sobre
tudo – Casamento – Filhos – Dos alunos – Coisas que fizemos engraçada na sala – Vida
cotidiana – Progressão de festa do final de semana – Atividades a serem realizadas – Sobre a
disciplina – Sobre monitoria – Bafão – Coisas boba – Concursos - Sobre inter universitário –
Não tem específico – Assuntos que está em alta – Fofoca de alguém da sala – Depende do
lugar que estiver – Na igreja fala sobre os mistérios – Sobre o grupo que faz parte – No
trabalho sobre academia – Com os alunos sobre dúvidas das aulas – Lá fora conversa sério
sobre coisas da faculdade – Tem hora que tá só brincando mesmo.
Você está contente como curso que escolheu?
Sim ‒ Está realmente ‒ Tô, tô contente ‒ Tô bem contente ‒ Sim e muito ‒ Estou muito
contente ‒ Tô ‒ muito apaixonada ‒ Tô muito ‒ Tô gostando ‒ Avê, muito contente velho ‒
Olha tô ‒ Eu gosto muito do curso ‒ Será que eu deveria ter feito isso mesmo, mais é o que
eu gosto ‒ Com certeza.
Com que você sonha depois de terminar o curso?
Arranjar um emprego estável – Abrir uma academia de natação e hidroginástica – Não tem
claro na cabeça, tá deixando o curso levar – Quer fazer Especialização, Mestrado, Doutorado
– Montar uma academia diferenciada, não dessas que a gente encontra nos bairros – Fazer
uma formação continuada – Se abrir bacharelado vou ter que especializar em fisiologia ou
educação física escolar – Dar aula para criancinhas – Realizar profissionalmente – Seguir
carreira – Dar aula aqui na UFMT – Empresa – Passar tudo o que eu aprendi – Continuar
nessa área principalmente pra pesquisa voltado para a saúde e tem sonho em montar uma
escola de artes – Dar aula – Vai fazer o que gosta.
133
Curso: Pedagogia
Do que você mais gosta nas aulas? E das outras disciplinas você gosta?
Gosta de ver os alunos apresentarem ‒ Só teve uma disciplina mais gostou ‒ Está ansiosa
para aprender sobre uma disciplina sobre a Educação Infantil ‒ Por enquanto a disciplina de
pesquisa ‒ Psicologia ‒ Gosta das outras disciplinas também ‒ Dos conteúdos ‒ Dos
Professores ‒ Quando os professores abordam a temática políticas públicas educacionais ‒
Gosto dos professores que domina o conteúdo e não fica lendo linha por linha da apostila ‒
Interessa por todas as disciplinas ‒ Deixa eu pensar bem, aulas de campo ‒
O que você faz no intervalo?
Biblioteca ‒ xérox ‒ cantina ‒ resolve problemas burocráticos, sobre comissão de formatura
e outras reuniões do gênero ‒ converso com os colegas ‒ vai ao banheiro ‒ toma café ‒
Conversa um pouco com (R.G. 32) ‒ vai ao laboratório de informática pesquisar concursos e
outras coisas ‒ conversa e lancha ‒ vai na cantina e volta pra sala depois ‒
Sobre o que você conversa com os amigos durante o curso?/ Você conversa muito em
sala de aula? Em que situação?
Troca informação sobre a vida, estão se conhecendo agora ‒ conversa para saber como é o
primeiro ano ‒ sobre o que você já fez ‒ de onde vem ‒ alguma coisa que passou no jornal ‒
sobre o curso ‒ sobre a pedagogia ‒ raramente sobre a vida pessoal ‒ sobre alguma
indignação aí comenta alguma coisa ‒ ou algo que viu no dia-a-dia ‒ a maioria das vezes é
em relação a universidade ‒ sobre o professor que está no módulo ‒ a maneira do professor
conduzir o trabalho ‒ sobre o que acontece no dia ‒ sobre as aulas ‒ coisas mais informal ‒
está no final do ano não tem como dar descanso não ‒ conversa pouco em sala de aula ‒
conversa muito‒ fala bastante com os amigos e com os professores até de mais ‒ não, é falta
de respeito ‒ converso discretamente (risos) ‒ só respondo se perguntar ‒ conversa só o
necessário ‒ geralmente a maioria das vezes para comentar sobre o assunto que descorda ou
concorda ‒ a maioria das vezes ‒ conversa com determinadas pessoas mais do que com
outras ‒ conversa assuntos relacionados a sala ‒ Líder ‒ sobre decisões camiseta ‒
confraternizações ‒ ler o que o professor manda ‒
O que é permitido (Prescrito), fazer em sala de aula?
Não teve situação de proibição na sala de aula ‒ pode comentar sobre alguma dúvida ‒
debater quando tem uma questão ‒ prestar atenção é lógico ‒ fazer perguntas para os
professores ‒ fazer questionamento se é pós ou se é contra o que está sendo lecionado ‒ é
permitido conversar sobre a matéria ‒ debater com a professora ‒ fazer perguntas para a
professora ‒ parte dos alunos é manter uma postura perante o educador que está ali ‒ o aluno
ter uma maneira de se portar dentro da sala de aula ‒ não tem muitas normas na faculdade ‒
chegar na hora certa ‒ tem professor que não exige muito não ‒
E o que é interdito (Proscrito)?fazer em sala de aula?
Não pode atrapalhar a aula ‒ atrapalhar a professora ‒ falar no celular ‒ atrapalhar a
professora com conversa ‒ interferir quando uma pessoa estiver explicando ‒ celular ‒ eles
não falam o que não pode fazer ‒ seria ideal não conversar tanto para não atrapalhar ‒
acredita que é muita conversa entre os colegas quando o professor está explicando a matéria
‒ não interromper a aula do professor ‒ não conversar demasiadamente, escandalosamente
dentro da sala ‒ não ficar fazendo colocações previamente, por exemplo: meu vizinho, o
filho de não sei quem ‒ o fato de muitas mães levarem seus filhos para a sala de aula de 3 a 4
filhos por dia ‒ ficar focado só nas crianças ‒ do professor não está aberto a críticas, e
134
quando recebê-las ter uma postura exarcebadas ficar se defendendo ao invés de manter
diálogo ‒ não chegar atrasado ‒ não atender celular ‒
Qual a disciplina que trabalha com o corpo que você mais gosta?
Depende do professor ‒ Matemática ‒ dinâmica ‒ jogos‒ tem umas disciplinas que tem uma
pedagogia mais didática e aborda dinâmica em grupo ‒ não teve nenhuma ‒ com o corpo,
assim você fala, cabeça, corpo, corpo inteiro? Psicologia, trabalha a mente que faz parte do
corpo ‒
Você já se manteve irritado e calado durante as aulas. Por quê?
Não, por enquanto não ‒ já quando eu ouvi uma coisa que não concordava e teve que ficar
quieta para não ter uma discussão maior ‒ com certeza ‒ até o tolo calado se torna sábio‒
não é bom para o coração ‒ sim muitas vezes quando quer escutar a explicação do
professor e não pode porque tem grupinho conversando ‒ não, quando fica irritada
fala ‒ já porque os colegas não compartilham da mesma idéia ‒
Os alunos se interagem com todo o grupo durante as aulas ou predomina os grupinhos
as ―panelinhas‖?
Predominam as panelinhas (grupinhos) – com certeza os grupinhos – grupinhos – a sala já
está bem dividida – eu não faço parte de nenhum.
Nome dos grupinhos, panelinhas:
Burguesia – Proletariado – os intelectuais – turma do fundão – os pobres – não tem nome –
prevalecem os grupinhos – velhinhos – riquinhos – pobrinhos – periferia – tchutchuquinhas
– patricinhas.
Como o ambiente tem favorecido o seu aprendizado? (Luminosidade, os aspectos que a
sala se encontra...)
Banheiro eu nunca fui – água tem gosto ruim – a sala é bem iluminada – a sala é bem
equipada – ar condicionado bom - as carteiras são boas – algumas carteiras são velhinhas –
só vê problema no bebedouro – ano passado não tinha conforto – não tinha luminosidade –
esse ano veio “verba” (dinheiro) para a Pedagogia – a sala está nota 100 – favorece – tem
material – tem data show – a sala em si tá legal – a estrutura ainda é precária – o tamanho da
sala não comporta o número de alunos – ficam espremidos – agora tem carteira para canhoto
– o quadro não dá para enxergar – bebedouro na porta dos banheiros – os banheiros não tem
papel – os banheiros não tem sabão freqüentemente.
Você se senta sempre no mesmo lugar e perto dos mesmos colegas?
Sempre – sempre no mesmo lugar – os alunos não tem lugar fixo – senta sempre na frente –
normalmente sim – harã! – senta no fundo- gosta de mudar de lugar – eu sento do lado de
qualquer pessoa – chega cedo e guarda lugar -
Sobre o que vocês conversam na sala, nos intervalos e fora da universidade?
(Assuntos).
Assuntos do dia-a-dia – particular – namoro – música – festa – programação da semana – o
que vai fazer – ver filme – política – sobre o curso de pedagogia – acontecimentos da mídia
– sobre uma indignação – sobre matéria – fofocas – o que fez de legal – assuntos pessoais –
organização de trabalhos - igreja - filhos – maridos – amigos – problemas familiares –
sobre o professor – sobre a postura do colega – sobre suas casas – sobre limpeza – cursos –
sobre atuar em sala de aula.
Você está contente como curso que escolheu? Com que você sonha depois de terminar o
curso?
Sim – está contente - era o sonho fazer esse curso - sonha em entrar no mercado de trabalho
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– era tudo que queria – queria ser educadora – tentar o mestrado - doutorado – muitos
planos – o foco é escola – talvez não chegue a fazer um doutorado – estava muito feliz até
ontem – tentar ajudar de alguma forma a sociedade – passar em um concurso público – fazer
uma especialização – fazer outra faculdade – quer lidar com crianças de 0 a 6 anos -