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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO GINO FRANCISCO BUZATO TRANSFORMAÇÕES URBANAS EM CUIABÁ E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO MODERNO (1937-1945) CUIABÁ - MT 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE … · série de ações do governo federal no sentido de alavancar a economia brasileira. A política nacionalista da ditadura varguista

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

GINO FRANCISCO BUZATO

TRANSFORMAÇÕES URBANAS EM CUIABÁ E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO

MODERNO (1937-1945)

CUIABÁ - MT

2017

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GINO FRANCISCO BUZATO

TRANSFORMAÇÕES URBANAS EM CUIABÁ E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO

MODERNO (1937-1945)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso

como requisito para a obtenção do título de Doutor

em Educação na Área de Concentração Educação,

Linha de Pesquisa Cultura, Memória e Teorias em

Educação.

Orientadora: Profª Drª Elizabeth Figueiredo de Sá

CUIABÁ - MT

2017

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

B992t Buzato, Gino Francisco.Transformações urbanas em Cuiabá e a formação do cidadão

moderno (1937-1945) / Gino Francisco Buzato. -- 2017140 f. : il. ; 30 cm.

Orientadora: Elizabeth Figueiredo de Sá.Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,Cuiabá, 2017.

Inclui bibliografia.

1. Estado Novo. 2. Modernização urbana. 3. Cuiabá. 4.Educação. I. Título.

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Agradecimentos

Agradeço a todos os colegas de jornada que me acompanharam durante a produção desta

pesquisa.

Professora Doutora Elizabeth Figueiredo de Sá, serei eternamente agradecido pela amizade e

orientação.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMT que contribuíram

para o meu processo de desenvolvimento intelectual.

À professora Dra. Elizabeth Madureira Siqueira, Dra Marijâne Silveira da Silva, Dr. André

Paulilo e Dr. Edson Caetano, pelas importantes contribuições e pela participação na

composição da banca de defesa desta tese.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória (GEM).

Aos funcionários do NDHIR, do APMT e da Casa Barão de Melgaço, em especial, a

professora Dra. Elizabeth Madureira de Siqueira, curadora do Acervo.

À Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundaão de

Amparo a Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT), pelo apoio à pesquisa.

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RESUMO

O período de ditadura civil, compreendido entre 1937 e 1945, denominado nacionalmente de

Estado Novo, foi marcado por uma política progressista que tinha como propósito promover a

modernização do país e inserir o Brasil na fase industrial capitalista, fato que resultou em uma

série de ações do governo federal no sentido de alavancar a economia brasileira. A política

nacionalista da ditadura varguista tencionava substituir a condição social e econômica do

Brasil, essencialmente rural, o que representava atraso econômico e cultural, por um país

industrializado portanto, moderno. Aos propósitos da modernização nacional, várias ações

foram colocadas em prática. Entre elas, destaca-se o financiamento pelo governo federal de

programas de reformas urbanas, desenvolvidos em diversas cidades brasileiras, como parte

das estratégias da instalação do novo e ambicioso modelo econômico. As obras de reforma e

aparelhamento urbano, além de modificarem sensivelmente a paisagem de algumas cidades

brasileiras, também intencionavam produzir parâmetros culturais que possibilitassem a

construção de uma nova identidade para o cidadão do Estado Novo. A criação de ambientes

nas cidades, como cinemas, teatros, hotéis, centros de saúde, investimentos em obras de

infraestrutura, como abastecimento de água tratada e rede de esgoto, e a propagação de novos

hábitos e atitudes de um perfil de cidadão urbano moderno faziam parte das estratégias

modernizantes. Em Mato Grosso, esse processo ocorreu no período do governo

intervencionista de Júlio Müller que, entre outras ações, promoveu a urbanização da capital

com o programa das Obras Oficiais (ampliação da Avenida Getúlio Vargas; Casa do

Governador; Grande Hotel; Cine Teatro Cuiabá; Palácio da Justiça; Secretaria Geral do

Estado; Colégio Estadual de Mato Grosso, Ponte entre Cuiabá e Várzea Grande, entre outras)

e investiu na educação e saúde pública. A tese tem como objetivo analisar a formação do

cidadão moderno na capital, no âmbito da produção do espaço e da convivência urbana,

promovida na gestão do interventor Júlio Müller. Utilizou-se as orientações metodológicas da

historiografia, na qual se considerou diversas fontes documentais, como os relatórios do

interventor Júlio Müller ao Presidente da República, periódicos, fotografias e obras

memorialistas. A busca documental se realizou no Arquivo Público do Estado de Mato

Grosso, no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional e na Casa Barão de

Melgaço.

Palavras chave: Estado Novo. Modernização urbana. Cuiabá. Educação.

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ABSTRACT

The period of civilian dictatorship, between 1937 and 1945, denominated nationally of New

State, was marked by a progressive policy that had as purpose to promote the modernization

of the country and to insert Brazil in the capitalistic industrial phase, fact that resulted in a

series of actions of the federal government in order to leverage the Brazilian economy. The

nationalist policy of the Vargas dictatorship intended to replace the social and economic

condition of Brazil, essentially rural, which represented economic and cultural backwardness,

by an industrialized and modern country. For the purposes of national modernization, several

actions were put into practice. Among them, we highlight the federal government's financing

of urban reform programs, developed in several Brazilian cities, as part of the strategies for

installing the new and ambitious economic model. The works of reform and urban rigging, in

addition to appreciably altering the landscape of some Brazilian cities, also intended to

produce cultural parameters that would enable the construction of a new identity for the

citizen of New State. The creation of urban environments, such as cinemas, theaters, hotels,

health centers, investments in infrastructure works, such as the supply of treated water and

sewage networks, and the propagation of new habits and attitudes pertinent to a modern and

urban citizen profile were part of modernizing strategies. In Mato Grosso, this process

occurred in the period of the interventionist government of Júlio Müller, who, among other

actions, promoted the urbanization of the capital with Official Works (enlargement of the

Getulio Vargas Avenue, Governor's House, Grand Hotel, Cuiabá Cine Theater, Justice Palace,

State General Secretariat, State College of Mato Grosso, Bridge between Cuiabá and Várzea

Grande) and invested in education and public health. The thesis aims to analyze the formation

of the modern citizen in the capital, in the scope of space production and urban coexistence,

promoted in the management of the interventor Júlio Müller. We used the methodological

guidelines of historiography, in which various documentary sources were considered, such as

the reports of the interventor Júlio Müller to the President of the Republic, periodicals,

photographs and memorialist works. The documentary search was carried out in the Public

Archives of the State of Mato Grosso, in the Documentation and Regional Historical

Information Center and in the House Barão de Melgaço. Being in progress, the research still

lacks a conclusion.

Keywords: Urban modernization. New State. Cuiabá. Education.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 01 - Barca Pêndulo ........................................................................................... 62

Imagem 02 - Júlio Strübing Müller ................................................................................. 77

Imagem 03 - Foto da Inauguração da nova rotativa da Imprensa Oficial ......................... 85

Imagem 04 - Foto de Cuiabá, década de 1930 - Vista a partir do morro da Igreja do

Rosário. Ponte sobre o Córrego da Prainha; ao fundo, à esquerda,

palmeiras e a Catedral, no centro da cidade .............................................

91

Imagem 05 - Residência dos governadores em construção ............................................ 100

Imagem 06 - Residência oficial dos governadores ......................................................... 101

Imagem 07 – Cine Parisien,1912................................................................................ 106

Imagem 08 - Cine Teatro, anos 40 ................................................................................. 108

Imagem 09 - Avenida Getúlio Vargas – à esquerda Palácio da Justiça, à direita

Secretaria Geral ........................................................................................

109

Imagem 10 - Colégio Estadual de Mato Grosso – década de 40 ................................... 110

Imagem 11 - Mapa do abastecimento de água ............................................................... 113

Imagem 12 - Mapa da rede de esgotos .......................................................................... 114

Imagem 13 - Ponte Júlio Müller em obras – 1941 ........................................................ 116

Imagem 14 - Visita do presidente Getúlio Vargas ........................................................ 120

Imagem 15 – Desfile de recepção ao presidente Getúlio Vargas em 06.08.1941 ......... 121

Imagem 16 - Inauguração do Quartel do 16º Batalhão de Caçadores ........................... 124

Imagem 17 - Baile oferecido a Getúlio Vargas, no Palácio Alencastro ........................ 126

Imagem 18 - Grande Hotel- década de 1940.................................................................. 127

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Governantes de Mato Grosso.................................................................. 56

Quadro 2 - Investimentos na Educação (1930 – 1937)................................................ 64

Quadro 3 – Obras Oficiais......................................................................................... 96

Quadro 4 – Balanço das Atividades de Saúde Pública (1937-1940).......................... 111

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CSN Companhia Siderúrgica Nacional

DASP Departamento Administrativo do Serviço Público

DIP Departamento de Imprensa e Propaganda

DNS Departamento Nacional de Saúde

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MT Mato Grosso

NDIHR Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional

NHC Nova História Cultural

OIT Organização Internacional do Trabalho

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10

1 A DIMENSÃO EDUCATIVA DA CIDADE .......................................................... 20

1.1 CIDADE E EDUCAÇÃO: FACES DA MESMA MOEDA ................................... 21

1.2 A ARQUITETURA COMO EXPRESSÃO DISCIPLINADORA DO URBANO 25

1.3 ARQUITETURA E URBANISMO: UM CAMPO DE CONFLITO ENTRE O

TRADICIONAL E O MODERNO ..........................................................................

27

2 URBANIZAÇÃO E CIDADANIA NO ESTADO NOVO BRASILEIRO .......... 31

2.1 A MODERNIZAÇÃO NACIONAL DO ESTADO NOVO BRASILEIRO ........ 32

2.2 PARA O ESTADO NOVO UM NOVO HOMEM .................................................. 37

2.3 TRANSFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO NO

GOVERNO VARGAS .............................................................................................

41

2.4 TRANSFORMAÇÕES URBANAS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO

MODERNO E CIVILIZADO ..................................................................................

44

2.4.1 A modernização das cidades brasileiras ................................................................ 47

3 O ESTADO DE MATO GROSSO E AS PERSPECTIVAS PARA O

DESENVOLVIMENTO ............................................................................................

54

3.1 A REALIDADE MATOGROSSENSE NO INÍCIO DA ERA VARGAS

(1930-1937) ..............................................................................................................

55

3.1.1 O desenho da educação nos princípios da Era Vargas .......................................... 64

3.1.2 As práticas culturais do estado .............................................................................. 66

3.2 JÚLIO MÜLLER: O INTERVENTOR DE MATO GROSSO NO ESTADO

NOVO .......................................................................................................................

73

3.3 MATO GROSSO E OS IDEAIS DESENVOLVIMENTISTAS DO ESTADO

NOVO: DISTANCIAMENTO E ATRASO A SEREM SUPERADOS ...............

79

3.4 A INTERVENTORIA E A PROPAGANDA MODERNIZADORA ....................... 83

4 A MODERNIZAÇÃO DA CAPITAL MATOGROSSENSE: A FORMAÇÃO

DO CIDADÃO MODERNO .....................................................................................

89

4.1 CUIABÁ: DO “ISOLAMENTO” BUCÓLICO AO MODERNO URBANO ......... 91

4.1.1 As “obras oficiais” e a modernização do cenário urbano de Cuiabá ..................... 95

4.1.2 A visita de Getúlio Vargas a Cuiabá...................................................................... 118

CONCLUSÃO....................... ....................................................................................... 126

REFERÊNCIAS............................................................................................................ 129

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INTRODUÇÃO

Não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independentemente de

nosso querer ou de nosso desejo. A Cidade se faz educativa pela necessidade

de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de

imaginar que todos nós, mulheres e homens, impregnamos seus campos,

suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças,

suas fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo

tempo, o estilo, o gosto de certa época. A Cidade é cultura, criação não só

pelo que fazemos nela e dela, pelo que criamos nela e com ela, mas também

é cultura pela própria mirada estética ou de espanto, gratuita, que lhe

damos. A Cidade somos nós e nós a Cidade. (FREIRE, 2001, p. 12).

Refletir sobre a cidade enquanto espaço educativo significa compreender como suas

ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus edifícios foram planejados e organizados para

ensinar os cidadãos a conhecer, criar, sonhar e agir. Através da interação entre os sujeitos e,

destes com o seu meio, os conhecimentos e atitudes se formam e se ressignificam a todo o

momento, trazendo em si as marcas de cada tempo vivido por sua população e os signos,

impressos em sua paisagem, daqueles que um dia quiseram se perpetuar no espaço e no tempo

da cidade.

Como geógrafo de formação, a cidade e sua dimensão espacial sempre foram interesse

de análise. Hoje, analisar a sua dimensão educativa exigiu duplo esforço: o de apropriação de

novas leituras e o sentido de percebê-la enquanto espaço cultural e educativo. Para isso,

tornou-se necessário aproximar de autores que tratam sobre a temática, como: Pesavento

(2007), Silva (2011), Miranda e Siman (2013) e Medeiros Neta (2011).

Tais leituras permitiram perceber que, devido à sua natureza interdisciplinar, a

produção acadêmica relativa aos estudos da cidade é bastante abrangente. A cidade enquanto

objeto e fonte se faz presente em estudos geográficos, arquitetônicos e urbanistas,

antropológicos, economistas e, apenas recentemente, a partir do século XIX, é percebida por

sociólogos e historiadores como forma mais específica de organização social. Segundo Barros

(2012), nos períodos anteriores, por não haver métodos apropriados fundamentados em teorias

capazes de explicar a cidade e o fenômeno urbano em todas as suas dimensões possíveis, que

lhes garantissem uma sistematização investigativa, representava uma desmotivação para

transformar a cidade em um campo específico do saber, preocupado em entender a

especificidade do viver urbano.

O século XX se caracterizou pelo “século da urbanização”, quando se verifica que a

maior parte da população mundial passou a habitar nos centros urbanos, devido, entre muitos

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fatores, ao deslocamento dos sujeitos que se dedicavam às atividades agrícolas para a cidade,

até então um ambiente exótico, que passa a ser percebido como um lugar atrativo, de novas

possibilidades. Este fato contribuiu para que, então, nesse século, se tenha assistido a uma

grande eclosão de interesses na diversidade dos campos do saber em estudar este desafiador

enigma e esta vasta trama de complexidade que é a cidade.

O mosaico que compõe o espaço urbano está impregnado de subjetividades de

diferentes tempos. Torna-se possível a visibilidade dessas subjetividades quando, ao observar

a cidade, percebe-se que elas se revelam no significado de suas ruas, avenidas, na arquitetura

de suas edificações e de seus monumentos, no conjunto de uma paisagem exclusiva,

personalizada por sua história. É a partir da modernidade que a cidade se torna o grande

cenário dos acontecimentos, despertando o interesse das várias áreas do conhecimento,

enquanto objeto de estudo.

A cidade não se reduz apenas em um local de aglomeração e de produção, portanto,

seus estudos não se limitam a meros processos econômicos e sociais, consiste também, e

acima de tudo, em considerá-la, nela mesma, um problema e um objeto de reflexão, tendo

como perspectiva as representações que se constroem nela e sobre ela, o que implica em

“resgatar discursos e imagens de representação da cidade sobre espaços, atores e práticas

sociais” (PESAVENTO, 2008, p. 78).

Ainda, no decorrer da pesquisa, algumas disciplinas foram indispensáveis para a

compreensão do objeto, entre as quais destaco os Seminários de Pesquisa e os Seminários

Avançados em História da Educação, cujas leituras e sugestões contribuíram para clarear

algumas questões que persistiram e impulsionaram a composição do texto, entre as quais, a

relação entre a cidade e educação. De igual importância foi a participação no Ciclo de Estudos

sobre a Era Vargas1, através do qual foi possível ler e discutir sobre o Estado Novo e suas

dimensões sociais, políticas e culturais.

Em 2015, pela oportunidade do doutorado Sandwich em Coimbra-Portugal, sob a co-

orientação do doutor António Gomes Ferreira, ampliou-se a objetiva acerca do movimento

pelo Estado Novo em âmbito internacional. Percebeu-se, através das leituras sugeridas,

orientações, conversas e a vivência na cidade universitária de Coimbra, fruto da construção

arquitetônica do Estado Novo, de Salazar, e a educação na conformação dos sujeitos, as

similaridades com a ideologia do Estado Novo brasileiro.

1 O Ciclo de Estudos sobre a Era Vargas se deu no bojo do projeto “Estado Novo e Educação em Mato Grosso”

financiado pelo CNPq. Edital Universal MCT/CNPq nº 14/2013.

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Nesse sentido, esta tese consiste em uma análise da dimensão educativa da cidade de

Cuiabá – MT no período do Estado Novo e a formação de um perfil de cidadão dinamizado

pelas relações entre a população e a admistração pública, na contínua construção e

reconstrução da cidade enquanto materialização de espaços educativos. Naquele período,

visava-se a formação de um novo homem para um novo Estado. A presente pesquisa

encontra-se inserida no projeto “Estado Novo e Educação em Mato Grosso”, financiado pelo

CNPq e coordenado pela Profª Drª Elizabeth Figueiredo de Sá.

No período de 1937 a 1945 Cuiabá vivenciou uma significativa experiência de

modernização sob a administração do seu interventor Júlio Muller que, ao governar Mato

Grosso em conformidade à política progressista de modernização nacional do Estado Novo,

além de promover incrementos em todo o estado, realizou na capital o projeto denominado de

“Obras Oficiais” e outras iniciativas voltadas para a saúde e educação da população, com

intenções de equipará-la às demais capitais consideradas mais avançadas, portanto, modernas.

O texto produzido nesse trabalho de pesquisa apresenta a seguinte tese: as

transformações realizadas na cidade de Cuiabá, promovidas pelas ações governamentais, ao se

materializarem em novos elementos da paisagem urbana, visavam formar cidadãos modernos

em contraposição ao cidadão com hábitos rurais.

Para compreender a dimensão educativa da cidade adotou-se a perspectiva da Nova

História Cultural (NHC). Para o historiador Roger Chartier (2002, p. 16), “A história cultural

tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma

determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. Nesse sentido, a NHC não se

constitui em uma História do Pensamento ou Intelectual, e nem tem como objetivo o estudo

de ideias e nomes mais expressivos, mas sim, uma nova forma da História interpretar a

cultura. Portanto, a cultura considerada ao olhar do historiador não se limita apenas à

compreensão da realidade a partir do olhar da elite intelectual. Abrange também os demais

grupos sociais, anteriormente ignorados, em suas diversas formas de expressão. Nesse

sentido, “[...] a tarefa do historiador seria captar a pluralidade dos sentidos e resgatar a

construção de significados que preside o que se chamaria ‘a representação do mundo’. Mais

do que isto, tomamos por pressuposto que a história é, ela própria, representação de algo que

teria ocorrido um dia”. (PESAVENTO, 1995, p. 280, grifo da autora).

Conforme Ertzogue e Parente (2006), é difícil conceber história sem sensibilidade,

pois, “[...] não há historiador que não seja cercado e demarcado por uma multiplicidade de

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afetos, que ao mesmo tempo estampa este sujeito com suas marcas e o ajuda a perceber o

mundo e entendê-lo”. (SILVA; MENESES, 2012, p. 6).

Nessa perspectiva, a cidade soma tempos, épocas que se entrelaçam na combinação

dos elementos urbanos, erigidos no passado e no presente, ao formar uma trama que

possibilita a leitura de representações construídas em diferentes tempos.

Utilizou-se como fonte, periódicos da época, relatórios dos Governadores e

Interventores, relatórios dos diretores da Instrução Pública, dados censitários do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), imagens e obras memorialistas encontradas no

Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, Casa Barão de Melgaço e Núcleo de

Documentação e Informação Histórica Regional.

O fato histórico não se expressa em si, não se isola no tempo e tampouco é conclusivo.

É o resultado da construção do trabalho do historiador que também, da mesma forma, dá

sentido ao documento. Tanto o fato histórico quanto o documento, para que sejam

reconhecidos como tal, necessitam ser visualizados a partir da lente do historiador. Pois é essa

visão, que se percebe crítica, que possibilita a leitura das intencionalidades impregnadas nos

documentos/monumentos de um passado que se permitiram eternizar. O que persiste do

passado não se traduz por uma mera resistência ao tempo, e sim pela seleção “[...] quer pelas

forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que

se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores” (LE GOFF, 1990, p.

535).

Moderno, modernidade e modernização: clareando conceitos

Para compreender o contexto de mudanças do Estado Novo, é interessante tecer

algumas considerações sobre o significado dos conceitos de moderno, modernidade e

modernização que, por apresentarem uma diversidade polissêmica, geralmente resultam em

incoerências quando aparecem como significados correspondentes e transistóricos –

empregados para qualquer período da história quando não correspondem ao seu significado

conceitual (CARVALHO, 2012).

Le Goff (1990) cita que o surgimento do termo moderno se deu com a queda do

Império Romano no século V, no sentido de indicar uma mutação histórica, sinalizando para

uma época específica, que se contrapunha ao período anterior pela emergência de novos

poderes e valores que definiriam a organização sócio-espacial em parte da Europa, o que

gradualmente viria a ser a sociedade medieval.

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A relação antigo/moderno alimenta um conflito de diferentes tempos históricos, entre

rupturas e substituições, que se verifica desde o século XII. Esse conflito se revigora no jogo

das imposições do novo diante da resistência de substituição dos valores anteriormente

construídos. Ao se apresentar enquanto novo, atual, portanto moderno, este parte da referência

de algo que já não mais se justifica no momento e o converte em antigo ou tradicional. O

moderno é um correspondente imediato do contemporâneo e surge para substituir alguma

coisa que se apresenta defasada ou simplesmente algo que se tornou obsoleto e que não tem

mais razão de ser no tempo presente (LE GOFF, 1990).

O século XVIII foi determinante para acentuar o sentindo polissêmico do termo

moderno. Segundo Carvalho (2012), foi no curso desse século que o mundo moderno passou

a ser percebido como tal, a partir de grandes acontecimentos ocorridos retrospectivamente aos

dois últimos séculos: o Renascimento, a descoberta do Novo Mundo e a Reforma Protestante,

o que marca o limiar histórico da Idade Moderna, inaugurando um tempo dirigido pelo futuro,

pela subjetividade do que há de vir.

Ao se referir acerca da substituição do novo sobre o tradicional, Gomes (2011) explica

que esse processo tem a ruptura como primeiro mecanismo, que ocorre paulatinamente ao

desvelamento da inadequação do tradicional diante do atual.

São múltiplas e diferenciadas as interpretações da palavra modernidade, apesar de

frequentemente remeter ao sentido de modernização, conceito a ser discutido mais adiante.

Lançado por Baudelaire, em seu artigo Le peintre de laavie modern, publicado em

1863, o termo modernidade se limitou às esferas literárias e artísticas da segunda metade do

século XIX, ressurgindo em ampla difusão posterior à Segunda Guerra Mundial (LE GOFF,

1990).

A paisagem parisiense, no século XIX, passou por transformações que evidenciaram a

instauração de uma nova vida burguesa e serviu de cenário para a vida do poeta. A construção

de grandes avenidas, mercados, teatros, enfim, a sofisticação do sítio urbano de Paris, fez com

que a convivência das pessoas se deslocasse do interior de suas residências para as ruas, que

se tornaram cada vez mais movimentadas e frequentadas por uma diversidade social,

compondo um lugar para o convívio do cidadão comum e a aristocracia.

Além de evidenciar os contrastes sociais, a cidade também contrasta o indivíduo e a

multidão – a individualidade se dissolve nas massas das ruas. O que põe em cena o flâneur,

muito presente nas obras de Baudelaire; um errante que se entrega à compulsão de sujeito

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urbano, que passeia prazerosamente sem destino pelas galerias e pelas ruas da metrópole-

labirinto, mas que, ao mesmo tempo, não perde sua natureza humana.

Para refletir sobre o sentido de modernidade no viés cultural, Le Goff (1984) evidencia

seu caráter de massa como sendo uma cultura da vida cotidiana. Cita Edgar Morin como

sendo o autor que melhor descreveu e explicou a modernidade como cultura de massa,

definindo-a como as massas populares urbanas e de parte dos campos, que apresentam novos

padrões de vida e se incluem, progressivamente, no universo do bem-estar, do entretenimento

e do consumo que, até recentemente, era exclusivo das classes burguesas.

Emprega-se também o termo modernidade para identificar um período histórico,

ocorrido há cinco séculos, caracterizado por mudanças econômicas, sociais e culturais

ocasionadas pelo declínio do feudalismo. Esse período foi marcado pelo revigoramento das

cidades, mudanças nas relações de trabalho e de produção, substituição gradual dos saberes

tradicionalmente religiosos pelo conhecimento científico e, como um ponto fundamental, o

fortalecimento do Estado-Nação e a Soberania Nacional.

Entre os termos moderno e modernidade, modernização é o mais recente.

Originalmente esse termo foi utilizado como referência aos esforços de determinados países

da Europa, no século XVIII, como a Rússia e Portugal, a se igualarem aos países europeus

que se vislumbravam modernos, referendados pelo desenvolvimento de sua infraestrutura

(CARVALHO, 2012).

Como referência técnica, o termo modernização passou a ser utilizado após a Segunda

Guerra Mundial, período no qual se projetava as teorias desenvolvimentistas, para explicar as

relações entre o Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo.

O contexto histórico apresentado por Le Goff (1984), para situar a complexidade que o

termo modernização implica, evidenciou o sentido de atraso e as questões de identidade

nacional, representadas pela submissão cultural ao imperialismo ocidental, atribuídos às

nações periféricas quando colocadas diante das grandes potências representadas por alguns

países europeus e pelos Estados Unidos.

O “atraso” dos países subdesenvolvidos, evidenciado após a Segunda Guerra Mundial,

associado ao sentido de modernidade enquanto desenvolvimento econômico, impôs às nações

periféricas a premente adesão ao projeto de modernização nos moldes europeu e norte-

americano.

Segundo Le Goff (1984), na segunda metade do século XX esse modelo de

modernização representou experiência bem sucedida no fenômeno de transição do tradicional

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para o moderno em alguns países denominados, posteriormente à Segunda Guerra, de

Terceiro Mundo.

Nesses países, a modernização se consolidou, segundo a concepção de Jameson

(1996), enquanto progresso econômico promovido pelo desenvolvimento da indústria,

racionalização da administração e reorganização da produção, visando maior eficiência,

dinamização das redes de eletricidade e das linhas de montagem. Assim, verifica-se que a

modernização se relaciona às transformações de infraestrutura capitalista para dinamizar a

economia desses países, porém, não significa que essas transformações necessariamente

foram acompanhadas de avanços sociais.

É interessante observar que, nessa perspectiva, para alcançar o desenvolvimento torna-

se necessário que os países subdesenvolvidos, geralmente antigas colônias europeias,

promovam a modernização, uma vez que, numa abordagem político-econômica, o

subdesenvolvimento parece configurar um estágio a ser superado para se chegar ao padrão de

modernidade definido pelos países desenvolvidos.

É no decorrer dos séculos XIX e XX que

[...] o termo modernização encampou ideias práticas, representações e

projetos de modernidade apropriados e maneira ideológica e aplicados,

pragmaticamente, na tentativa de equiparar povos e nações que, em

contextos históricos específicos, eram tomados como modeladores do que

seja modernidade em termos econômicos políticos e/ou sociais.

(CARVALHO, 2012, p. 26).

Tais características são possíveis de ser percebidas no Brasil nas primeiras décadas do

século XX, principalmente por ocasião da implantação do Estado Novo, quando se acirrou

uma visão mundial de progresso vinculada ao desenvolvimento, visando a superação do atraso

econômico e, consequentemente, a condição de subdesenvolvimento do país que se daria via

industrialização, vindo a substituir a agricultura enquanto principal atividade econômica

nacional.

É num horizonte de transformações que se verifica a enfática utilização do termo

modernização como referência aos diversos fluxos do desenvolvimento brasileiro. Porém, no

caso particular do Estado Novo, para uma referência histórica específica, o termo vem

acompanhado de um adjetivo – modernização conservadora, avanços técnicos, porém

desacompanhados efetivamente de avanços democráticos.

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A Cidadania e suas dimensões

Não foi somente no aspecto econômico que se constituiu a tentativa de ruptura com o

tradicional. Ela também é possível de ser verificada na construção de uma identidade cultural

brasileira urbana moderna, pois Getúlio Vargas acreditava ser possível o progresso do país se

os brasileiros também encampassem esse ideal. Para tanto, era necessária a formação de um

“novo brasileiro” gestado a partir da educação estadonovista, da valorização da cultura

nacional, do patriotismo, do trabalho e das tradições, um novo cidadão.

Utilizado com frequência na tese, o termo “cidadania” possui várias dimensões. É na

Modernidade, no contexto da organização do Estado-Nação, que surge o conceito de

cidadania, pautado nos ideais de liberdade e igualdade, como se conhece hoje.

Carvalho (2003) explica que é a partir do estudo clássico de Thomas Humphrey

Marshall – Cidadania e classe social, de 1950, realizado na Inglaterra, que se instituiu uma

concepção ampla de cidadania. Para Marshall, a cidadania é compreendida como um processo

de conquistas que faz do cidadão detentor dos direitos civis, políticos e sociais. Assim, a

cidadania plena somente estaria constituída a partir do exercício desses três direitos.

Segundo Carvalho (2003), Marshall considerou que a construção da cidadania plena

nos Estados modernos europeus ocorreu em uma sequência histórica. Para Marshall (1950),

os direitos civis, fundamentais à vida, à liberdade individual, sobretudo o direito à

propriedade, à igualdade perante a lei, foram conquistados no século XVIII. Já no século XIX,

efetivaram-se os direitos políticos que garantem aos cidadãos a participação livre na atividade

política de um determinado Estado, fosse como membro de organismos do poder político,

fosse como eleitor de seus representantes. A conquista dos direitos sociais corresponderia

então, segundo Marshall (1950), à terceira expansão dos direitos, ocorrida no século XX. Os

direitos sociais garantiriam a participação na riqueza coletiva - acesso à educação, saúde,

segurança e lazer.

Após 1945, com o fim da II Guerra Mundial, em alguns países da Europa esses

direitos se consolidaram com a criação do Welfare State (estado de bem-estar social) –

organização política e econômica de um país que se estabelece a partir de princípios

coletivistas e igualitários, nos quais o Estado, em parceria com sindicatos e a iniciativa

privada, regulamentador da organização social, política e econômica de um país, como

obrigação do Estado, deve garantir os serviços públicos e proteção à população.

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Os movimentos sindicalistas e a participação efetiva da população dos países europeus

que adotaram o estado de bem-estar social foram imprescindíveis para que houvesse

significativa ampliação dos direitos civis, políticos e sociais que se refletiram em avanços na

eficiência do bem-estar político e econômico, no lazer e na educação da população desses

países.

Reconhecendo a importância da contribuição de Marshall, Carvalho (2003) expõe que,

para entender a evolução da cidadania no projeto moderno de Estado, o autor desconsiderou a

diversidade histórica que se observa na formação dos países ocidentais marcados por

momentos de avanços e retrocessos na luta pelos direitos dos cidadãos.

No Brasil, verifica-se no processo de construção da cidadania uma trajetória diferente

daquela que ocorreu nos países da Europa, advindo contradições importantes em cada

momento histórico e na conquista de direitos. Diferentemente do que pensou Marshall, “O

processo de construção da cidadania não se verifica linear. Ao contrário, sempre foi marcado

por avanços e recuos, de fluxos e refluxos. Houve períodos em que ocorreram perdas,

retrocessos, e até mesmo a supressão de direitos básicos” (GOHN, 1995, p. 201).

Diante da supressão dos direitos políticos determinada pelo Estado Novo, Santos

(1979), ao estudar as políticas públicas brasileiras, elaborou o conceito de cidadania regulada

para esse período. Para melhor compreensão desse conceito, é interessante também conhecer

como o autor define cidadão para a época da ditadura do Estado Novo:

[...] são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram

localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em

leis. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas

profissões e/ou ocupações em primeiro lugar, mediante ampliação do escopo

dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos

valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania esta

embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do

lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei.

(SANTOS, 1979, p. 75).

Assim, pode-se afirmar que a cidadania no governo varguista não era conquistada, mas

outorgada pelo Estado, uma vez que não se tratava de aquisição de direitos básicos, mas do

engajamento no ideal de formação da identidade nacional (CORREIA, 2010, p. 11).

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Organização da tese

Após clarificar os conceitos essenciais para perceber a construção da educação de um

cidadão moderno e de entender a cidade enquanto espaço educativo, partiu-se para a escrita da

tese, dando prosseguimento ao que Certeau (1982) denominou de “operação historiográfica”.

A tese se encontra organizada em quatro capítulos. No primeiro, discorre-se sobre a

concepção da cidade enquanto espaço educativo e a evolução do pensamento segundo as

diretrizes que norteiam o processo de expansão e das transformações dos ambientes urbanos.

O segundo capítulo aborda a cidade enquanto locus de construção da cidadania e

âmbito do processo nacionalizador do Estado Novo brasileiro. Nesse movimento ideológico

do poder, discorre-se sobre o trabalho como princípio da cidadania e a formação de uma nova

identidade nacional – “o homem do Estado Novo”. Como as cidades brasileiras foram

preparadas para participar do processo de criação dessa nova identidade.

O capítulo três revisita o estado de Mato Grosso no Estado Novo, desenhando o

quadro de como o estado se encontrava, e os investimentos realizados pelo interventor Júlio

Müller.

Já o capítulo quatro se propõe a analisar a capital do estado, procurando responder às

questões que nortearam esta tese: como a administração pública planejou e organizou a capital

para a formação de um novo cidadão, o cidadão moderno?

A conclusão, longe de esgotar a temática, sintetisa o que foi levantado durante a

pesquisa como Cuiabá foi organizada e remodelada para a formação do cidadão moderno.

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CAPÍTULO I

A DIMENSÃO EDUCATIVA DA CIDADE

Chafariz do Mundeú – 1930

Fonte:APMT

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Houve um tempo em que minha janela se abria

Sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. [...]

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,

Que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,

Outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,

Finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

(Cecília Meireles)

As cidades são construções humanas historicamente complexas, que se percebem

enquanto lugar de acontecimentos, de concentrações diversas e de civilidade. Está sujeita ao

olhar do indivíduo que a percebe, como na poesia de Cecília Meireles, à sua sensibilidade, ao

modo pelo qual a usufrui e nela atua.

Neste capítulo será tratado sobre a relação existente entre a educação e a cidade,

buscando perceber como esta se organiza para a formação de hábitos, valores e atitudes dos

sujeitos que nela habitam.

1.1 CIDADE E EDUCAÇÃO: FACES DA MESMA MOEDA

Desde o surgimento das primeiras cidades a vida citadina se vincula à ideia de

cidadania e cultura. Na Grécia Clássica, a cidade-estado - a pólis era o lugar de concentração

de pessoas e de poder que orientava à participação política no cotidiano coletivo. Na Roma

Antiga, a urbs era o centro político e econômico, onde também aconteciam as diversões

populares, como jogos e teatro. O estilo de vida da urbs era modelo até mesmo para a

população campesina romana. Progressivamente, no decorrer do tempo histórico, o sentido

civilizador e cultural das cidades da antiguidade clássica persistiu e ainda influencia a

dinâmica das sociedades contemporâneas. Nesse sentido, associa-se a ideia de cidade à

Paidéia, no tocante à formação ética do cidadão para a sua atuação em sociedade. Percebe-se,

então, que a dimensão educativa da cidade já se fazia presente nas mais remotas civilizações.

A cidade se estrutura e se organiza enquanto lugar, segundo os princípios de civilidade que

educa a convivência dos cidadãos na vida social e política num combinado de prática dos

direitos e dos deveres (BRANDÃO, 1997).

Assim, é possível perceber que o conhecimento e o aprendizado inerentes à educação,

num sentido abrangente, não são exclusividades das escolas. As cidades bem como o campo,

salvo suas especificidades, agregam em si espaços e práticas sociais educativas. Para GOHN

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(2006), dependendo de quem ensina, como se ensina e onde se ensina, pode-se identificar

tipologias educativas conforme a trilogia educação formal, não-formal e informal.

Considerada ainda como área de conhecimento em formação, Gohn (2016), define a

educação formal como aquela que acontece oficialmente em ambientes normatizados por lei

como as escolas, em consonância às diretrizes nacionais, segundo um planejamento

previamente estruturado com conteúdos historicamente definidos, a ser desenvolvido por um

profissionl qualificado - o professor junto aos estudantes, num determinado tempo. Entre

outros objetivos da educação formal, evidenciam-se aqueles relativos à formação do indivíduo

como cidadão ativo, com habilidades e competências diversas, criativo e perceptivo.

A educação não-formal é entendida por GOHN (2006), como sendo aquela que se

aprende no “mundo da vida” ao compartilhar experiências em espaços educativos que se

localizam

[...] em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e

indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde há processos

interativos intencionais (a questão da intencionalidade é um elemento

importante de diferenciação). Onde se educa – em ambientes e situações

interativos construídos coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos,

usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas também poderá

ocorrer por forças de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um.

Há na educação não-formal uma intencionalidade na ação, no ato de

participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes (GOHN, 2006 p. 29).

Segundo GOHN (2006), a educação não-formal habilita o cidadão do/no mundo com a

aprendizagem de direitos e exercício de práticas que o capacita a se organizar segundo

objetivos comunitários. A educação não-formal proporciona conhecimentos para que os

indivíduos façam uma leitura de mundo a partir da compreensão do que se passa ao seu redor

e de suas relações sociais. Seus objetivos não são apresentados de imediato. São construídos

na interartividade o que gera processos educativos. Nesse sentido, GOHN (2006, p. 29)

conclui que

A construção das relações sociais baseadas em princípios de igualdade e

justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício

da cidadania. A transmissão de informação e formação política sociocultural

é uma meta na educação não-formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser

humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo,

individualismo etc...

A educação informal se estrutura a partir do aprendizado dos indivíduos durante os

processos de socialização, desde as primeiras relações do indivíduo no convívio familiar até

as relações mais complexas estabelecidadas em grupos e espaços mais amplos como o bairro,

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clube, amigos, nas convivências e sociabilidades. Segundo GOHN (2006), essas relações são

carregadas de valores e culturas próprias de pertencimento e sentimentos que o indivídou

toma para si. O aprendizado ocorre na integração e interação com o outro ou com os grupos.

Os ambientes educativos são definidos pelas referências de nacionalidade, localidade, idade,

sexo, religião, etnia e preferências – a casa de moradia, o bairro, os ambientes de

entretenimento, a igreja ou o local de vínculo de sua crença religiosa, a cidade natal. A

educação informal acontece em ambientes de escolha do indivíduo, onde as relações sociais

se desenvolvem segundo as preferências pessoais, gosto ou pertencimentos herdados.

GOHN (2006, p. 28) explica que a educação informal “[...] socializa os indivíduos,

desenvolve hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da

linguagem, segundo valores e crenças de grupos que se frequenta ou que pertence por

herança, desde o nascimento. Trata-se do processo de socialização do indivíduo”.

Verifica-se então, que as cidades, assim como o campo, possuem espaços dotados de

recursos e equipamentos que oportunizam experiências educativas na diversidade e no

entrelaçamento de suas tipologias.

Nessa linha de pensamento, é necessário perceber que a educação através da

organização da cidade se origina tanto nas relações sociais e suas subjetividades quanto no

contato de sua população com o ambiente materializado, enquanto cenário de vivências

urbanas. A cidade é uns dos monumentos materiais mais expressivos da ação do ser humano

sobre a natureza, sendo, também, o lugar onde se originam e se concentram as energias que

dão ânimo à sua materialidade. Para um entendimento amplo do termo cidade é necessário

perceber o seu significado relacional com o urbano. Nesse sentido, Pesavento (2007, p. 13),

pondera que:

A cidade é um outro da natureza: é algo criado pelo homem, como uma sua

obra ou artefato. Aliás, é pela materialidade das formas urbanas que

encontramos sua representação icônica preferencial, seja pela verticalidade

das edificações, seja pelo perfil ou silhueta do espaço construído, seja ainda

pelas malhas de artérias e vias a entrecruzar-se em uma planta ou mapa. Pela

materialidade visível, reconhecemos, imediatamente, estar na presença do

fenômeno urbano, visualizado de forma bem distinta da realidade rural.

Porém, a cidade não é tão somente materialidade. Em seu interior, conforme a autora,

ocorrem processos imateriais que lhe atribuem também um significado, um conceito

específico.

Mas a cidade, na sua compreensão, é também sociabilidade: ela comporta

atores, relações sociais, personagens, grupos, classes, práticas de interação e

de oposição, ritos e festas, comportamentos e hábitos. Marcas, todas, que

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registram uma ação social de domínio e de transformação de um espaço

natural no tempo. A cidade é a concentração populacional, tem um pulsar de

vida e cumpre plenamente o sentido da noção do “habitar”, e essas

características a tornam indissociavelmente ligada ao sentido do “humano”:

cidade, moradia de muitos, a compor um tecido sempre renovado de relações

sociais. (PESAVENTO, 2007, p. 13, grifos da autora).

Em sua dissertação de mestrado em Geografia, Silva (2011) explica que os conceitos

de cidade e de urbano são equivocadamente usados como sinônimos. Porém, segundo a

autora, equívoco maior seria a dissociação entre eles. Já para o geógrafo Milton Santos

(1992), a distinção conceitual entre cidade e urbano se revela no sentido de que o primeiro se

refere ao concreto, a materialidade visível do urbano, enquanto que o segundo é abstrato,

porém, é o que dá sentido e natureza à cidade.

É na experiência da convivência urbana que se firmam as relações entre diferentes

grupos e indivíduos e desses com o ambiente, a compor uma trama de sociabilidades

verificadas nos diversos espaços da cidade, o que possibilita novas educabilidades, fazendo

com que a cidade se torne lócus de aprendizagem. Por educabilidades, entendem-se como:

[...] conhecimentos e modos de construí-los que se produzem a partir das

relações humanas possíveis dentro dos limites de ações sociais mais abertas

do que aquelas reguladas por instituições formais como a escola. Neste

sentido, são saberes “transinstitucionais”’, e, portanto “trans-escolares”.

(GUTSACK, 2004, p. 33, grifos do autor).

Miranda e Siman (2013) corroboram com o conceito de educabilidades apresentado

por Gutsack (2004), quando afirmam que:

[...] a reflexão acerca da dimensão educadora da experiência urbana, nos

convida a pensar no fato que a cidade é educativa em um sentido lato sensu e

que as ações sociais desenvolvidas pelos diversos atores sociais no espaço da

cidade são tão ou mais educadoras que aquelas ocorridas nos espaços

estritamente escolares. Mas também sua convocação nos impele pensar que a

decisão de transformar a qualidade da dimensão educadora da cidade é uma

decisão de ordem política, que impacta decisivamente ações públicas em um

sentido mais amplo. Educar na cidade e com a cidade, portanto não diz

respeito a ações que possam ser reproduzidas estritamente no âmbito de uma

Secretaria de Educação, ou de uma escola, mas impacta ações

multissetoriais. (MIRANDA; SIMAN, 2013, p. 19-20).

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Assim, a vivência urbana produz uma formação específica para se viver na cidade,

num arremedo do enigma da esfinge2 para que, quem nela vive, dela possa se apropriar, caso

contrário, por ela será devorado sendo mais um em estatísticas urbanas que nada expressam

além da quantificação dos aspectos de seus habitantes. Portanto, ao perceber e praticar a

dimensão educativa da cidade, seus valores, signos e códigos, quando percebidos e

desvendados pelo cidadão sensível, faz com que ele seja um ser habilitado ao direito à cidade

e se inclua como parte integrante e indissociável dela, inclusive na participação do seu

contínuo processo de produção.

Medeiros Neta (2011) defende a tese de que há uma pedagogia da cidade que, se

delimitada a partir do estilo de vida urbano, pode produzir e intensificar o direito à cidade,

pois esse direito “[...] se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à

individualização da socialização, ao habitat e ao habitar” (MEDEIROS NETA, 2011, p. 18).

A compreensão da cidade como espaço educativo também se dá no cotidiano urbano

pelas experiências vivenciadas por sua população em ações sociais, políticas e culturais, nos

movimentos de resistência, nos espaços de circulação que, ao promover o contato entre

diferentes formas de pensar, possibilita experiências significativas e troca de conhecimentos

que resultam em conhecimentos inéditos e novos posicionamentos dos indivíduos e dos

grupos sociais diante de situações do cotidiano.

Se a convivência urbana educa, viver em contato com a materialidade que a abriga

também é educativa. A composição do cenário urbano está impregnada de símbolos e signos

que funcionam como códigos que influenciam a vida no interior das cidades, ora

condicionando, ora estimulando os citadinos a determinados comportamentos e

procedimentos sociais. Assim, a composição arquitetônica das edificações urbanas pode ser

capaz de produzir efeitos instigantes sobre o modus vivendi urbano. É interessante considerar

que, ao mesmo tempo em que o ser humano dá forma à cidade, essa também o orienta para

nela viver.

1.2 A ARQUITETURA COMO EXPRESSÃO DISCIPLINADORA DO URBANO

Pautados na teoria do determinismo arquitetônico, os regimes totalitários levaram ao

extremo a ideia de produzir uma arquitetura na qual acreditavam que o ambiente seria capaz

2 Sobre o assunto ver BULFINCH, 2013.

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de determinar o comportamento social das pessoas em espaços públicos previamente

pensados para esse fim.

Neste sentido,

[...] o termo “determinismo” expressa a convicção de que uma dada ação

arquitetônica, praticada sobre princípios e procedimentos teórico-

metodológicos específicos, ter-se-á, necessariamente, uma reação, previsível,

“determinada”, por parte dos usuários do espaço. Essa marca ideológica da

ideia de determinismo vem à tona, de modo mais claro, quando se tem em

mente o surgimento do modernismo na arquitetura e o discurso que lhe deu

sustentação. (LEITÃO, 2004, p. 15, grifos da autora).

A serviço dos regimes totalitário e fascista europeus, como na União Soviética de

Stalin, na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini, a arquitetura foi concebida como um

eficiente instrumento de propaganda e propagação da ideologia de Estado, em sua ação de

controle civil nas cidades. A arte a serviço do poder já fora inúmeras vezes, no percurso

histórico, objeto político, no entanto, é a serviço do totalitarismo que essa manifestação é mais

intensa e explícita. Na perspectiva da arte totalitária – aquela a serviço do exercício

autoritário do poder, condicionada e em nome de uma ideologia (ROSMANINHO, 2006), os

espaços públicos são concebidos a partir de seus fins específicos de funcionalidade e, paralelo

aos seus fins de uso, são compostos por edifícios e monumentos intencionalmente projetados

como instrumentos destinados a ostentar força e poder explicitamente enquanto um

instrumento de dominação política. Em estilo clássico monumental, essas edificações foram

eregidas de forma a materializar a imagem onipresente da ideologia estatal da época, em

países da Europa, de maneira a condicionar estrategicamente a disciplina e o doutrinamento

da população. Segundo Rosmaninho (2006, p. 14),

Os regimes totalitários elevaram, [...] a arquitetura ao estatuto de primeira

arte, firmando sem hesitações uma hierarquia que subordinava a escultura e

a pintura. Isso não significava desprezo por estas artes, capazes de veicular

conteúdos ideológicos muito elaborados. Reconheceram, isso sim, que era

no seio do classicismo monumental que seus recursos poderiam ser

valorizados. A principal faculdade ideológica desta corrente arquitectônica

reside na transmissão instantânea de dois valores fundamentais: ordem e

poder.

Assim a arquitetura, enquanto um instrumento de expressão ideológica, era de grande

interesse dos regimes autoritários por ser um eficiente veículo de propaganda ao expor, à vista

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das massas urbanas, seus códigos e símbolos que acreditavam ter o poder de determinar as

atitudes e o comportamento dos cidadãos.

Referindo-se às características típicas do estilo clássico monumentalista, Cottinelli

Telmo, arquiteto que idealizou a revolução urbanística da cidade universitária de Coimbra no

final dos anos 1930, período do Estado Novo de Salazar, evidencia os princípios

disciplinadores idealizados para a arquitetura na época:

[...] a linha reta não morrerá, porque é o símbolo da ordem, da orientação, da

finalidade atingida, do aprumo, da dignidade. Ela estará sempre presente nos

grandes vãos dos hospitais e escolas; nos renques das carteiras onde

trabalharão empregados públicos disciplinados; nos corredores desafogados

e limpos dos quartéis; nas salas de audiência reabilitadas; nas celas das

prisões modelares; nas avenidas abertas a um trânsito claro e fácil; nos

jardins, nos parques, por toda a parte. (TELMO apud ROSMANINHO,

2006, p. 116).

O visionismo de Cottinelli Telmo, impregnado no planejamento das instalações da

cidade universitária de Coimbra, aponta os significados que essa arquitetura assume enquanto

um arsenal simbólico ordenador, especialmente no que diz respeito à criação de amplos

espaços de circulação que deverão ser ordenadamente higiênicos, arejados, belos, de

disciplina e controle, a preparar o homem para o trabalho e para a fluidez da convivência

urbana.

1.3 ARQUITETURA E URBANISMO: UM CAMPO DE CONFLITO ENTRE O

TRADICIONAL E O MODERNO

O período entre guerras na Europa foi marcado pelo anseio de romper com as antigas

orientações classicistas das artes, com a maneira de se pensar e agir, e pelo desejo de adoção

de padrões estéticos mais significativos ao seu tempo e mais originais ao seu lugar que, de

certo modo, revelava em si um manifesto de antipoder. Como alerta Brites (2005), é prudente

ter a consciência de que o processo criativo inerente ao campo das artes, por ser expressão

estética e social, possui uma dimensão política e, portanto, nunca é neutro. Desse modo,

torna-se criterioso questionar em que medida a produção artística pode ultrapassar a condição

de simples reflexo da trama sociocultural e atuar como agente transformador desse tecido.

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“Por outras palavras, como pode a produção artística modificar a interpretação da realidade e,

consequentemente, a acção sobre a realidade, portanto a realidade?” (BRITES, 2005, p. 412).

A autora encontra resposta na definição de arte de Pierre Bourdieu, que a concebe

enquanto “sistema simbólico”, ou seja, um instrumento de conhecimento e de comunicação à

semelhança da língua ou da religião, capaz de levar a consenso os vários juízos sobre o real.

Nesse sentido, a arte se revela enquanto instrumento de poder capaz de criar sentidos, gerar e

impor visões de mundo, “[...] um dispositivo do poder que cumpre a função política de impor

ou legitimar a dominação“ (BRITES, 2005, p. 413).

É comum verificar que os sistemas de governo procuram, pelas obras e monumentos

edificados, se eternizarem no tempo. Neste sentido, evidenciam-se os regimes

antidemocráticos, como o nazismo e o totalitarismo, como exemplos categóricos que levaram

ao extremo esse particular potencial das artes. Ao se decidirem por um determinado estilo

arquitetônico, empregado nas edificações urbanas e na organização das cidades, definia-se

também mais uma forma de exercer domínio e perpetuar suas marcas nessas construções

como um pretenso estilo próprio de sua época.

É no instável período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial que países

europeus sediaram na arquitetura e no urbanismo um verdadeiro confronto entre as tendências

conservadoras e a aspiração de inovação, representadas pelo Modernismo, sendo que a

iniciativa pública teve papel preponderante nesse confronto ideológico para a afirmação de

uma estética tradicionalista.

Mesmo diante da necessidade de aderir aos novos referenciais modernistas, como o

funcionalismo e o racionalismo, surgidos com o avanço tecnológico e industrial, que

passaram a reorientar a sociedade, algumas exigências modernistas, como a liberdade do

pensamento, se mostravam incompatíveis aos regimes autoritários por se colocarem em

posição contrária às pretensões de originalidade e de integração nacional. Brites (2005)

explica que o caráter internacional do modernismo interpretado pelos países europeus, o

remetia a um conceito impreciso, antinacionalista, subversivo e degradante diante dos

elementos puramente nacionais, considerados genuínos e íntegros, o que não facultava

expressar a realidade nacional. Ao contrário do classicismo, a postura anti-historicista e a

aparente ausência ideológica das formas abstratas, o modernismo era destituído da capacidade

imediata de comunicação, comprometendo-o enquanto atrativo para a adesão das massas e,

também, como representação de um poder historicamente legitimado.

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Em face à manutenção do status quo e do anseio de modernização, os regimes da

época se colocavam em xeque por seus próprios discursos desenvolvimentistas que os

obrigavam a ações e posicionamentos modernos. O que se buscava, na verdade, era uma

modernização nacionalista conservadora que combinasse o que convinha do moderno

associado à permanência de valores conservadores.

Nessa perspectiva, no tocante à arquitetura, a Itália de Mussolini é emblemática. O

regime totalitário do Duce em busca de um viés próprio da arte a seu serviço, combinou na

arquitetura elementos modernistas e clássicos, revelando-se num neoclassicismo que se traduz

pela heterogeneidade que agrega o avanço das modernas técnicas de construção e o

monumentalismo clássico que traz em si o prestígio simbólico que a história lhe confere.

Desse modo, na harmonização em conciliar princípios inicialmente antagônicos que se

revela a hibridez dos regimes totalitários “[...] enquanto defendem o mito do moderno,

pretendendo fundar uma nova ordem em que a arquitetura deve exprimir a vitalidade do

presente e o seu fundamento revolucionário, exaltam, concomitantemente, as tradições

nacionais, nelas filiando a sua legitimidade histórica”. (BRITES, 2005, p. 420).

Assim, essa dupla invocação de referenciais impregnados na arquitetura, entre valores

historicamente consolidados e outros ainda em consolidação, convinha à imagem de um

sistema político ostensivamente forte, legitimado pela história, ao mesmo tempo,

disciplinador das inovações culturais do presente e aquelas que ainda iriam surgir na esteira

da modernização.

Também em Portugal, no regime do Estado Novo, a arquitetura e o urbanismo

protagonizaram o confronto entre a estética progressista do racional funcionalismo e a estética

tradicionalista de caráter neoconservador (FERNANDES, 2005). Tal como nos demais países

europeus, o Modernismo era visto como uma ameaça às ideologias em vigor, porém, no caso

de Portugal, havia outro agravante. Diferente dos demais países europeus, o governo

salazarista objetivava fortalecer a base agrícola de sua economia e, contraditoriamente às

pretensões modernistas de sustentação urbana, a imagem do país deveria se associar à

iconografia rural. Porém, sendo Lisboa a capital de um império de povos aquém e além-mar,

necessário seria a criação de uma imagem com pose monumental, de maneira a expor sua

grandiosidade (SEBASTIÃO, 2013, p. 17). Salazar percebia a necessidade de uma arquitetura

doméstica enquanto instrumento pedagógico formador de uma identidade e consciência

nacionalistas. Mas, também, compreendia “[...] a necessidade de uma arquitetura de grande

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fôlego que significasse o Estado não enquanto burocracia, mas enquanto Nação e que fosse

dela como que a sua emanação espiritual” (ALMEIDA, 2002, p. 43).

A Cidade Universitária de Coimbra representa uma das expressões mais emblemáticas

da arte a serviço do poder. O arranjo monumentalista urbano ostenta, de maneira instantânea,

os valores fundamentais de ordem e de poder (ROSMANINHO, 2006), presentes no discurso

ideológico e representados na magnitude arquitetônica e na monumentalidade de seu conjunto

neoclassicista.

Fundando-se na política de obras públicas, a arquitetura oficial do Estado Novo

Português integra esta dupla influência: artística (com a adoção do modernismo de feição

classicista) e ideológica. Ora, enquanto “veículo de propaganda ideológica e meio de

condicionamento do comportamento individual e coletivo, orientou-se por dois conjuntos de

valores: a autoridade, a disciplina e a ordem, por um lado, o culto a nacionalidade, da família

e do mundo rural” (ROSMANINHO, 1996, p. 41).

Assim como nos Estados autoritários europeus, o Estado Novo brasileiro também

investiu na reordenação do cenário urbano das capitais, e de algumas cidades do interior,

como estratégia para a legitimação do regime político e preparar as cidades para

implementação de uma nova matriz econômica que, segundo se fazia acreditar, ser necessário

também a construção de uma nova identidade para o cidadão brasileiro.

O próximo capítulo aborda a cidade enquanto espaço de consolidação do projeto

modernizador do Estado Novo brasileiro e locus da construção da cidadania. Nesse

movimento, a ideologia do trabalho é considerada como princípio estruturante para o

surgimento de um novo brasileiro. Segue-se então, como as cidades brasileiras foram

preparadas para ser o cenário de criação dessa nova referência nacional – “o homem do

Estado Novo”.

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30

CAPÍTULO II

URBANIZAÇÃO E CIDADANIA NO ESTADO

NOVO BRASILEIRO

Rua Bandeirantes nos anos de 1940 – Cuiabá

Fonte: APMT

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Dentre as mudanças ocorridas no contexto histórico nacional do século XX, pode-se

considerar que as transformações desencadeadas nas esferas política, econômica, social e

cultural brasileiras no governo de Getúlio Vargas, a partir de 1930, marcaram como o período

das mudanças mais expressivas da sociedade em decorrência da expansão capitalista e suas

implicações políticas e ideológicas.

Em situação vulnerável de dependência do mercado externo, a economia brasileira se

mantinha com a exportação de produtos primários e fonte de divisas à importação dos bens

industrializados necessários para atender a demanda interna. A organização política e social

do país se encontrava estruturada em função dos interesses das oligarquias agrárias ligadas à

produção para a exportação, principalmente, do café.

A partir do século XX, é o arranjo de um conjunto de fatores internos e externos que

irá deflagrar o processo de transformação das relações econômicas e políticas nacionais.

A urbanização crescente, a acumulação de capital produzida pelos

excedentes de exportação, incentivo à produção nacional de substitutivos

com a diminuição da capacidade de importar em momentos de crise,

constituíram os principais fatores a estimular o desenvolvimento dos

elementos necessários a um capitalismo de base industrial. (GARCIA, 1999,

p. 35).

O modelo econômico brasileiro, sustentado pela exportação de produtos primários, foi

atingido por crises internacionais decorrentes da Primeira Guerra Mundial (1914) e pela

quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, o que fragilizou os segmentos da economia

nacional. Os setores não vinculados à cafeicultura, e a população em geral, demonstravam

descontentamento devido ao apoio financeiro do Estado para compensar os prejuízos dos

ruralistas, provocados pelo declínio da exportação de café. Politicamente criou-se um desgaste

entre o governo e os não ruralistas, o que gerou um antagonismo entre os diferentes interesses

econômicos internos, acentuando as dissidências sociais com a ampliação dos movimentos

contestatórios, resultando no fim de um histórico pacto político conhecido como a política do

café com leite, que alternava no poder um mandato de um cafeicultor paulista e, noutro, um

pecuarista mineiro.

O fim desse pacto foi consumado com um movimento que alguns autores comumente

denominam de Revolução de 30 (CAPELATO, 2011; PANDOLFI, 1999; FAUSTO, 2003;

D’ARAUJO, 2000).

Esse movimento teve apoio militar e resultou na ascensão de Getúlio Vargas ao poder

e a governar o país por quinze anos ininterruptos, que ficaram conhecidos como “A Era

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Vargas”, constituída por três períodos distintos: de 1930 a 1934 – Governo Provisório, de

1934 a 1937 – Governo Constitucional, com a participação de lideranças revolucionárias

civis. O propósito do movimento revolucionário era erradicar o poder monopolista das velhas

oligarquias e instaurar uma nova dinâmica econômica e social, até então pautada na

exportação de produtos primários, e substituí-la por uma matriz industrial que se consolidaria

às ações modernizadoras do terceiro período da Era Vargas, no então Estado Novo (1937 a

1945)

Diante das promessas de eleições democráticas para 1938, Getúio Vrgas, para garantir

sua permanência no poder, alegando ameaça de um suposto plano dos comunistas para tomar

o poder – Plano Cohen, irrompe um golpe de Estado apoiado pelos militares com a outorga

de uma nova Constituição com dispositivos comparáveis aos dos Estados autoritários

europeus, como a Itália, Espanha e Portugal e, particularmente da Polônia, motivo pelo qual

lhe fora atribuído o apelido de Constituição Polaca – extremamente autoritária, legitimando

poderes praticamente ilimitados ao chefe da nação. Declarado estado de sítio, o Congresso

Nacional é fechado e os governos estaduais são destituídos, passando a ser administrados por

interventores federais. Assegurado pelo decreto de rigorosas leis de censura e controle,

instalou-se o regime autoritário estadonovista, sem reação expressiva contrária, pois as

estratégias governamentais que o antecederam foram habilmente articuladas para

impossibilitar qualquer ação opositora.

A organização do país no Estado Novo, com a modernização da economia e com

vistas à formação do cidadão moderno brasileiro, será discutida a seguir.

2.1 A MODERNIZAÇÃO NACIONAL DO ESTADO NOVO BRASILEIRO

Estruturado por uma política de massa, com o poder da nação centralizado em um

chefe carismático, com o cerceamento das liberdades públicas e uma polícia secreta

encarregada de vigiar e reprimir de forma violenta os opositores, o Estado Novo brasileiro não

é definido como um regime totalitário, mesmo com as diversas semelhanças ao nazismo

alemão e ao fascismo italiano. Na realidade, tratava-se de um típico regime autoritário comum

às ditaduras da América Latina, que se dividia entre diversos interesses. Não se constituía

enquanto um partido oficial, era apartidário, tampouco apresentava um posicionamento

ideológico definido (CAPELATO, 2011).

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D’Araujo (2000, p. 15) explica que “O golpe não representou uma ruptura, uma

mudança abrupta com a velha ordem de poder, mas sim a consolidação de um processo de

fechamento e repressão que vinha sendo lentamente construído, com o apoio de intelectuais,

políticos civis e militares”. Aos idealizadores do novo regime, a elite industrial, os militares e

intelectuais da época, como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Monteiro Lobato e Caio Prado

Junior, a implantação de um Estado ditatorial foi uma ação necessária para erradicar

“ameaças” à nação, segundo os ideais do Movimento de 30, isto é, as manifestações em favor

do comunismo e do liberalismo entendidas como uma fragilidade aos ideais revolucionários.

Nesse sentido,

O “novo” aqui representava o ideal político de encontrar uma “via” que se

afastasse tanto do capitalismo liberal quanto do comunismo, duas doutrinas

políticas que, desde meados do século XIX e mais intensamente a partir da

revolução soviética, competiam entre si no sentido de oferecer uma nova

alternativa política e econômica para o mundo. Havia em ambas a ambição

de corrigir os problemas do capitalismo: desigualdade social, crises,

insegurança econômica, conflito de classes e de interesses. (D’ARAUJO,

2000, p. 8, grifos do autor).

Tanto a direita quanto a esquerda, segundo D’Araújo (2000), concordavam com o

diagnóstico social econômico mundial, todavia, divergiam nas soluções. Uma terceira via

seria então a conciliação dos sentimentos nacionais e nacionalistas em um sistema que

colocasse os interesses da nação acima dos interesses econômicos privados, através de uma

ação direta de um Estado forte. Essa terceira via atribuiu sentido ao “novo” com o surgimento

do fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha e o Estado Novo no Brasil, que, por sua vez,

idealizou um projeto de modernização que visava, sobretudo, o progresso econômico e a

superação das oligarquias da República Velha, percebidas como fatores do atraso social e

cultural da nação brasileira, porém, as transformações deveriam ocorrer numa ordem que não

ferisse os interesses das novas e das tradicionais elites agrárias.

O projeto nacional de desenvolvimento do Estado Novo tinha como suporte para sua

legitimação um forte arsenal de propaganda que enfatizava o sentido moderno e

revolucionário do então Estado de governo, despertando na população a expectativa de que o

momento era de arrancada de uma onda modernizadora em todas as direções, nunca visto

antes no Brasil. Aparentemente livre do clientelismo personalista e de interesses privados, tão

peculiares à República Velha, o projeto de gestão nacional apresentava como traço inovador a

orientação por medidas técnicas de interesse público, fundamentadas em levantamentos

elaborados a partir da realidade social e econômica do país que, ao receber tratamento

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estatístico, incorporariam um sentido científico, portanto, moderno e incontestável, servindo

de parâmetros ao pretenso projeto progressista econômico, ao mesmo tempo em que,

supostamente, o desenvolvimento social seria contemplado.

Segundo Medeiros (1978), esses idealizadores do Estado Novo, a exemplo de

Azevedo do Amaral, tinham a sociedade industrializada como sinônimo de vida civilizada

superior, quando comparada às sociedades europeias, que projetaria o Brasil para uma nova

etapa de organização econômica e de progresso social e cultural, ao contrário da realidade

rural brasileira. A importância dada à industrialização foi acentuada quando a principal

atividade econômica do país entrou em colapso com a Grande Depressão (1929-1930) que

impactou a economia mundial, o que motivou repensar as bases do sistema econômico

brasileiro.

No início da década de 1930 foram promovidas transformações políticas e econômicas

com o objetivo de impulsionar a economia e promover o desenvolvimento a partir de um

projeto de modernização nacional vinculado à retomada da industrialização brasileira e a

diversificação das exportações agrícolas, pois “[...] o café deixa de ser o único produto

expressivo de nossa pauta de exportações, passando a dividir espaço com o cacau e

especialmente com o algodão” (D’ARAUJO, 2000, p. 42).

Especificamente a partir de 1940 a conjuntura internacional se torna favorável ao

desenvolvimento interno brasileiro devido a duas grandes crises internacionais: o crack da

Bolsa de Nova Iorque (1929) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O início da guerra

dificultou as importações, incentivando mais uma vez o processo de substituição dos produtos

importados pela produção nacional de bens de consumo, iniciado durante a Primeira Guerra

Mundial. Nesse contexto, oportunamente, o governo também financiava o surgimento de

novas indústrias e estimulava a ampliação das existentes.

Em 1941 inaugura-se um novo período da industrialização nacional com o início da

fundação da indústria de base, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e, mais tarde,

objetivando a obtenção de matéria-prima de base, foi criada a Companhia Vale do Rio Doce

para exploração de minerais, principalmente o ferro.

O movimento de todo esse empreendimento fazia necessário, também, que o

fornecimento de energia fosse assegurado. Para tanto, foi construída a Companhia

Hidrelétrica do São Francisco e o Conselho Nacional de Petróleo, incumbido de controlar e

explorar o fornecimento de combustível e seus derivados. Assim, estava garantido, por meio

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das grandes empresas estatais, o suprimento dos produtos essenciais ao desenvolvimento das

demandas industriais.

Para a sustentação do regime era também necessário modernizar a admistração

pública. Nessa vertente, o Estado Novo criou órgãos oficiais para assegurar o controle das

pressões sociais e o funcionamento da máquina administrativa sob uma nova perspectiva que,

aparentemente, prezava pela racionalidade técnica, moralização e o disciplinamento do

serviço público. Foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP),

encarregado de comandar a máquina burocrática do Estado e da supervisão da ação dos

interventores nas unidades estaduais, e o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),

órgão oficial do governo de legitimação do regime ditador e de censura dos jornais, revistas,

da radiodifusão, cinema e outros meios de comunicação e de cultura. Atribuía-se aos censores

o encargo de suspender a veiculação de qualquer conteúdo que julgassem subversivo aos

interesses do Estado. “O DIP [...] tinha como função elucidar a opinião pública sobre as

diretrizes doutrinárias do regime, atuando sob a defesa da cultura, da unidade espiritual e da

civilização brasileira” (CAPELATO, 1999, p. 172).

Por meio da propaganda ufanista dos feitos do governo e o culto à figura do

presidente, o DIP significou também importante estratégia para promover a aceitação do

regime antidemocrático. Aos moldes nazifascistas, propagandas e comemorações cívicas eram

organizadas pelo DIP, nas quais a população comparecia em massa. A produção de materiais

impressos, como cartilhas com temáticas nacionalistas que eram distribuídas ao público e nas

escolas com a finalidade de cultuar a imagem idealizada de Getúlio como “protetor dos

trabalhadores” e “pai dos pobres”, fazendo da propaganda um instrumento essencial à

consolidação do poder do ditador, já que não contava com nenhum suporte partidário

(FAUSTO, 2003).

Percebe-se, portanto, que as ações do DIP se empenhavam no poder de persuasão da

propaganda oficial para demonstrar a pretensa lisura do discurso doutrinador estado-novista

como forma de educar a população segundo uma matriz cultural brasileira moderna, em

consonância ao novo modelo de sociedade que se pretendia construir.

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2.2 PARA O ESTADO NOVO UM NOVO HOMEM

Promover o homem brasileiro, defender o desenvolvimento econômico e a

paz social do país eram objetivos que se unificavam em uma mesma e

grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador, responsável por

sua riqueza individual e também pela riqueza do conjunto da nação.

(GOMES, 1982, p. 152)152

O regime ditatorial do Estado Novo criou um sistema para incutir junto à população

brasileira a legitimação de um projeto de “fundação de um novo Estado verdadeiramente

nacional e humano” (GOMES, 1982, p. 112). A realização desse projeto tinha como propósito

transformações no sistema econômico e a organização social e política da nação herdada de

um passado, sobretudo da Primeira República que, segundo a política estadonovista,

representou um longo período marcado pelo distanciamento entre a realidade natural e

cultural do Brasil e o modelo político praticado pelo Estado. “O liberalismo, excessivamente

internacionalista, não atentava para as especificidades nacionais, não oferecendo ao homem

brasileiro uma direção própria, um objetivo de luta pela construção nacional” (GOMES, 1982,

p. 113). Evidencia-se, então, que o Estado Novo, em particular, incluiu a reeducação do

cidadão para o trabalho como parte de seu projeto de reconstrução nacional.

Esse projeto tinha como propósito produzir um novo modelo de homem – o homem do

Estado Novo que, além de representar toda a grandeza da nova Nação, também seria

participante ativo da legitimação do modelo político-institucional estadonovista.

A crítica do Estado Novo, nas palavras de Augusto de Figueiredo (1942), ao discurso

ufanista liberal era que tudo no país era grande – seu território, suas belezas e riquezas

naturais, menos o homem brasileiro.

O regime liberal desacreditava de nossos homens e longe de pesquisarem as

causas de nossos males, preferiram, numa atitude comodista e pela lei do

menor esforço, explicar, tudo pela negação da nossa raça. O brasileiro é

preguiçoso – somos um povo de bugres. (FIGUEIREDO, 1942 apud

GOMES, 1982, p. 115-116).

Ao adotar explicações simplistas fundamentadas na inferioridade da raça e do caráter

nacional, o liberalismo, munido de valores europeizantes, desconhecia o verdadeiro caráter do

homem brasileiro. Para o Estado Novo o liberalismo pretendia construir o progresso, porém,

sem considerar o homem em sua dimensão total - subjetiva e espiritual.

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O Estado Novo, em sua ampla pretensão modernizadora, não tinha uma dimensão

restauradora dos fatores político e econômico, pois não pretendia retomar nenhum momento

do passado. O sentido restaurador estadonovista era o de reviver a cultura nacional. Nesse

sentido,

A cultura nessa acepção era a própria expressão do que é “natural” e

“intrínseco” ao homem brasileiro. Tratava-se de retornar “ativamente” de

atualizar, identificando e construindo o verdadeiro espírito da nacionalidade.

Este espírito encontra-se no inconsciente coletivo do povo, e por isso a

revolução era um projeto dinâmico de dimensões culturais e espirituais. [...].

A proposta restauradora da revolução brasileira, significando um retorno ao

homem a sua dimensão total, assume uma feição espiritual de reeducação do

povo, o que não se pode realizar fora do cristianismo. (GOMES, 1982, p.

116-117, grifos do autor).

O objetivo era substituir a figura do homem existente que remetia a um Brasil rural,

representado pelo Jeca Tatu, símbolo do atraso das populações interioranas (MEDEIROS

NETA, 2011), um homem fraco, desprotegido e rude, por um novo tipo que atendesse aos

padrões idealizados pelo regime: um brasileiro forte disciplinado e amante do trabalho, o que

implicaria no envolvimento da sociedade como um todo em um projeto nacional civilizador.

É interessante ressaltar que o projeto de nacionalização estadonovista tinha como

ideólogos Oliveira Viana e Azevedo Amaral, intelectuais partidários das teorias de Nina

Rodrigues e Silvio Romero, do final do século XIX, que defendiam a ideia de eugenia,

atribuindo à mestiçagem o motivo do atraso do povo brasileiro e um obstáculo para o

progresso nacional. Essa concepção atribuía superioridade ao elemento branco, enquanto que

era da natureza do negro e do índio a indolência, a apatia, o desequilíbrio moral e intelectual

(SCHUFFNER, 2007). Para a superação da “herança inata” dos mestiços, como a preguiça e a

indolência, eram necessárias transformações culturais que os conduzissem à ideologia

trabalhista.

Num rigoroso contexto ideológico à semelhança dos regimes nazifascistas da Europa,

mobilizou-se todas as instâncias e recursos educativos, como a escola, as artes, a cultura

popular, as estações radiofônicas, a imprensa, enfim, todas as formas que pudessem propagar

de maneira a inculcar e legitimar a conquista da dignidade pelo trabalho, idealizada por

Getúlio Vargas, como indispensável ao projeto do novo tipo de homem que a partir daí se

pretendia construir.

Os planos e projetos estadonovistas, especialmente aqueles que dizem respeito aos

esforços e estratégias presentes em seu ideário para a formação de uma nova ideia de trabalho

e de um novo perfil de trabalhador, se relacionavam com a superação da pobreza enquanto um

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obstáculo ao desenvolvimento da nação, sendo o imobilismo do Estado Liberal apontado

como causa da questão social nacional (GOMES, 1982).

Uma política de valorização do trabalho era, sobretudo, uma política de valorização do

esforço humano, considerado a base e o fundamento de toda a riqueza social – a dignidade

humana. Essa política estaria, portanto, centrada na ideia de que a pobreza era um mal a ser

evitado e que a riqueza era um bem comum, e sua construção só poderia ser possível pelo

trabalho. A riqueza deveria ter uma função social à qual se subordinariam os interesses

particulares dos indivíduos e dos grupos aos interesses da nação.

Assim, a valorização do trabalho era, sobretudo, uma política de valorização do

trabalhador, a base estrutural de toda a riqueza social, e a valorização do próprio trabalho,

estigmatizado como um castigo ou simples instrumento de garantia de uma precária

sobrevivência herdada do período escravista. O trabalho era tarefa exclusiva dos escravos até

aproximados cinquenta anos atrás, o que, de certa forma, ainda representava uma

desqualificação social de quem dele dependia. Portanto, não tinha um valor em si. Mesmo

com a chegada dos imigrantes, com mentalidade diferente sobre o trabalho, ainda se fazia

necessário uma interferência do Estado.

Esse fato se tornava evidente nas expressões da cultura popular que louvava a figura

do “malandro” nas letras de samba, como por exemplo, na composição de Wilson Batista,

“Lenço no Pescoço”, que enaltecia a vadiagem como uma vantagem em relação a quem

trabalhava e que pouco conquistava materialmente:

Lenço no Pescoço

Wilson Batista (1933)

Meu chapéu do lado

Tamanco arrastando

Lenço no pescoço

Navalha no bolso

Eu passo gingando

Provoco e desafio

Eu tenho orgulho

Em ser tão vadio

Sei que eles falam

Deste meu proceder

Eu vejo quem trabalha

Andar no miserê

Eu sou vadio

Porque tive inclinação

Eu me lembro, era criança

Tirava samba-canção

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Comigo não

Eu quero ver quem tem razão

E eles tocam

E você canta

E eu não dou

O malandro, em certo sentido, expressava uma existência mais digna, mais livre do

que o trabalhador. Por isso, as ações do Estado em relação à valorização do trabalho se fazem

perceber também através da cultura popular, pois, por força da ação do DIP, o novo

protagonista dos sambas, de malandro transforma-se em um trabalhador nos moldes da

ideologia do trabalho como se verifica na letra de “O Bonde de São Januário”, do mesmo

autor da composição anterior.

O Bonde São Januário

Wilson Batista (1941)

Quem trabalha

É quem tem razão

Eu digo

E não tenho medo

De errar

Quem trabalha...

O Bonde São Januário

Leva mais um operário

Sou eu

Que vou trabalhar

O Bonde São Januário...

Antigamente

Eu não tinha juízo

Mas hoje

Eu penso melhor

No futuro

Graças a Deus

Sou feliz

Vivo muito bem

A boemia

Não dá camisa

A ninguém

Passe bem!

A política trabalhista foi o caminho encontrado pelo governo para possibilitar o acesso

das famílias dos trabalhadores às condições que suprimissem as necessidades básicas, como a

alimentação, moradia e educação. “Assim, era pela família que o Estado chegava ao homem e

este chegava ao Estado” (GOMES, 1982, p. 158).

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Além do empenho de se aproximar do trabalhador do presente, a política de proteção à

família incluía também o trabalhador do futuro. Assim, a educação passou a se centrar nessa

prioridade. A escola deveria adotar a concepção de formação de um homem passivo,

colaborador com o viés econômico do projeto nacionalizante. Portanto, sua formação deveria

ser orientada para a nacionalidade, trabalho, moral e obediência da vontade coletiva

idealizada pelo Estado. Caberia então à escola desenvolver qualidades, como a inteligência,

eficiência e sua utilidade social.

O papel da educação escolar na formação do homem para o trabalho era

enfatizado, tanto no que se refere à formação específica como para a

conformação de consciências favoráveis aos objetivos governamentais e ao

papel dos homens no contexto de tais objetivos. Aqui, trata-se da produção

de habitus considerado adequado: eficiência, disciplina, sujeição aos

interesses do governo etc. contaminando corações e mentes. (PRADO, 2001,

p. 15).

Percebe-se, então, que a educação escolar tinha como finalidade maior a formação

desse novo trabalhador. Para tanto, era necessário que a escola se organizasse e se equipasse

no sentido de promover a superação do despreparo do futuro trabalhador para adequá-lo ao

projeto de modernização nacional. Essa formação, segundo a ideologia estadonovista tinha

como objetivo formar o homem integral - um ser constituído na intersecção de três

dimensões: o físico, o moral e o intelectual, o que o habilitaria a desenvolver habilidades

relacionadas à agilidade, destreza, resistência muscular, percepção rápida, disciplina, espírito

de solidariedade e de cooperação desinteressada (PRADO, 2001, p. 14).

Na perspectiva de formação do novo homem para além da cultura e da formação

escolar, a cidade também se organiza para contribuir com o projeto formador de uma nova

nação.

2.3 TRANSFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO NO GOVERNO VARGAS

As mudanças necessárias à implantação de um modelo econômico industrial no Brasil

implicava também na formação de uma população ativa com aptidões técnicas. O sistema

educacional apontava para esse fim desde que também promovesse mudanças no sentido de

renovar seus objetivos e procedimentos de ensino de forma a contemplar os princípios

norteadores da construção da nova sociedade.

Foi a industrialização que obrigou o próprio Estado a assumir a

responsabilidade de erradicar o analfabetismo, pois as tarefas demandavam

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ao menos um mínimo de qualificação para o maior número possível de

trabalhadores. O próprio mercsdo de trabalho assim exigia. O crescimento da

demanda social faz pressão sobre o processo educativo existente e, no Brasil

a Revolução de 1930 que determina a formulação dessa nova demanda e

modifica o papel d próprio Estado nesse processo. A Revolulução de 1930

cria condições para a modificação dessa situação e abre a possibilidade de se

expandir o ensino, para nele incluir uma parcela maior da população,

especidficiamente nas regiões mais industrializadas. A crescente

industrialização obriga ao aumento das possibilidades que só o ensino pode

abrir (GILES, 1987, p. 221).

Para consolidar a política educacional do governo Vargas, em 1930 foi criado o

Ministério da Educação e da Saúde Pública para regulamentar as ações necessárias à

formação de um trabalhador brasileiro ideal que, segundo o regime, deveria conjugar

educação e saúde.

O período de 1930 a 1945, foi marcado por um grande avanço no ensino primário e

secundário nas áreas urbanas mais desenvolvidas do país. Verifica-se também a ampliação no

número de escolas técnicas que, em 1933 somavam 133 estabelecimentos de ensino ténico

industrial, chegando 1368 em 1945. O número de alunos que aproximava de 15 mil, no

mesmo período, amplia-se para 65 mil (Freitas, 1984).

Com a instituição da Constituição de 1937, implementa-se no país o projeto de

Gustavo Capanema e a educação passa a ser organizada em duas redes: a primária

profissional e a rede secundária superior. A rede primária profissional destinava-se a formar

trabalhadores para atender as demandas de mão de obra especializada para a expansão da

indústria no Brasil. Incluíam-se os ensinos primário, técnico e a formação de professores para

o ensino básico. A rede secundária superior se encarregava de preparar os futuros dirigentes

empresariais e industriais, segundo as palavras do próprio Capanema, as individualidades

condutoras – as elites (Nunes, 2001). Por consequência da legislação oficial, o sistema

educacional reforça a discriminação social e os princípios democráticos.

A legislação acabou criando condições para que a demanda social da

educação se diversificasse apenas em dois componentes: os componentes

dos estratos médios e altos que continuaram a fazer opção pelas escolas que

‘classificam’ socialmente, e os componentes dos estratos populares que

passaram a fazer opção pelas escolas que preparavam mais rapidamente para

o trabalho (ROMANELLI, 1998, p. 169).

Em meio aos movimentos por reforma da educação em diversos estados brasileiros,

com a chegada do Estado Novo, institucionalizou-se a Escola Nova já praticada pelo modelo

paulista de escolarização e se difundiu por equipes de professores de São Paulo, que levaram

esse modelo a diversos estados brasileiros na tentativa de se criar um sistema de ensino

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fundamentado por bases científicas apoiadas em pesquisas da psicologia e sociologia da

educação, com fins de formar mentalidades modernas de maneira que

[...] onde e quando foi possível, os espaços de aprendizagem se

multiplicaram: não apenas as salas de aula, mas também as bibliotecas, os

laboratórios, a rádio-educativa, os teatros, os cinemas, os salões de festa, os

pátios, as quadras de esporte, os refeitórios, as ruas, as praças, os estádios

esportivos (NUNES, 2001, p. 105).

A principal orientação da política educacional era dar ênfase a educação cívica

nacionalista e promover o aprendizado técnico profissional objetivamdo a formação de

indivíduos que espelhassem os interesses nacionais incumbidos da construção do Brasil

enquanto uma grande nação.

É a apartir de 1940, sendo Gustavo Capanema ministro da educação, que o ensino

profissional se organiza por Leis Orgânicas e se divide em dois segmentos: um mantido pelo

sistema oficial e outro por empresas privadas. Em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem

dos Industriários (SENAI) mantido pela Confederação Nacional das Indústrias, com cursos

profissionalizantes em diversas áreas de produção e atualização dos profissionais em serviço

(Santos, 2000).

Bercito (1995) explica que

[...] a população de baixa renda, desejosa de se profissionalizar, encotra

nesses cursos a condição ideal, mesmo porque os alunos eram pagos para

estudar, ou seja, recebia uma bolsa-auxílio como incentivo. Daí, o êxito

desse empreendimento particular paralelo. Além disso, os cursos mantidos

pelo sistema oficial não tinham condições de acompanhar o ritmo do

desenvolvimento tecnológico do setor industrial em expansão. Mas,

sobretudo, o que ocorria era a procura maior pelas escolas oficiais por parte

das camadas médias desejosas de ascensão social e que, por isso mesmo,

preferiam os cursos de formação, desprezando os profissionalizantes

(BERCITO, 1995, p. 32)

O período em que a educação teve como ministro Gustavo Capanema (1934-1945),

Bercito (1995) explica que foi macado pelas reformas que fez. Também foi marcante a

participação de renomados intelectuais que auxiliaram na formulção de projetos e programas

de governo. As inclinações modernistas do ministério da educação marcaram as

contribuições de renomados intelectuais como Carlos Drumond de Andrade, Mario de

Andrade, RodrigoMelo Franci de Adrade, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernado de

Azevedo, Heitor Villas-Lobo e Manuel Bandeira. Entretanto, a gestão Capanema também se

destaca pelos efeitos da política autoritária e centralizadora do Estado Novo, quando em 1939,

determinou o fechamento da Universidade do Distrito Federal por considerar desnecessária e

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com tendências comunistas e o fechamento das escolas, consideradas como anti-nacionalistas,

mantidas por colônias estrangeiras a exemplo das alemãs no sul do país.

2.4 TRANSFORMAÇÕES URBANAS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO MODERNO E

CIVILIZADO

Os anos de 1930 até 1945 foram nacionalmente marcados por ideais

desenvolvimentistas do primeiro governo de Getúlio Vargas, que se consolidaram mais

acentuadamente no período de 1937 a 1945, no então regime do Estado Novo. Essa época

ficou registrada na história do país como uma vaga modernizadora que, além de redefinir a

política e a economia, redefiniu também o desenho urbanístico de diversas capitais brasileiras

e de algumas cidades do interior, com a pretensão de abrigar uma nova sociedade que também

deveria ser moderna. Então, os impactos causados nas paisagens urbanas não se deram a

perceber apenas pelas transformações físicas das cidades, mas também nas práticas urbanas

com o propósito de produzir um novo cidadão moderno e civilizado. As cidades são

preparadas pelo governo para ser o locus onde se originariam novas concepções culturais,

onde se acentuaria a valorização da racionalidade científica e do progresso, como maneira de

se distanciar das mentalidades tradicionais rurais, passando essas a representar empecilhos

para o desenvolvimento econômico e cultural da nação.

Ao modernizarem-se, as cidades redimensionam sua função educativa. A criação de

novos ambientes resulta em novos hábitos e comportamentos para os citadinos. Personaliza o

estilo de vida urbano ao promover o aprendizado para a civilidade e sociabilidade. Assim, a

cidade e o urbano se constituem num cenário dinâmico de experiências e de educação, uma

vez que a civilidade se aprende a partir das relações entre os cidadãos e desses com o

ambiente construído, impregnado de significados.

A instituição do urbanismo como campo específico de conhecimento sobre o meio

urbano no Brasil resultou de um processo que teve início nas primeiras décadas do século XX,

no âmbito de reformas urbanas pontuais e esporádicas nas principais capitais nacionais, que

visavam promover a higienização e o embelezamento das cidades, pois essas representavam,

paradoxalmente, a concentração da desordem e insalubridade, ao mesmo tempo em que eram

espaços de civilização. Esse quadro se formou principalmente após a abolição da escravidão e

o início da atividade industrial nas principais capitais do país, como Rio de Janeiro e São

Paulo (HOLANDA, 1995). Diante dessa realidade, a administração pública, aliada a

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preocupações sanitaristas e de valorização imobiliária, passou a questionar o quadro resultante

dos processos desordenados de ocupação, com o objetivo de promover a valorização das áreas

urbanas centrais, o que exigia medidas técnicas de racionalização do ordenamento urbano.

As intervenções urbanísticas ocorridas em cidades europeias, como Paris da Belle

Époque, foram inspiradoras às intervenções em cidades brasileiras, a exemplo da cidade do

Rio de Janeiro no início do século XX.

Foi no período do Estado Novo que a urbanização no Brasil adotou outra dinâmica em

virtude da necessidade de disciplinar o processo urbano, planejar seu crescimento e controlar

sua expansão, para viabilizar a modernização do país pela substituição de um modelo

econômico agroexportador para o urbano-industrial. Para tanto, era necessário que as cidades

se adequassem ao plano nacional de desenvolvimento em conformidade a uma racionalização

espacial a partir de uma lógica que abarcasse objetivos econômicos, sociais e culturais.

Segundo o pensamento de Vargas, era necessário que as cidades refletissem os ideais

desenvolvimentistas e a nova identidade do país, que representassem o que de novo havia no

Estado Novo.

Nesse sentido, era necessário pensar as cidades e a expansão urbana de forma racional,

com o emprego de técnicas modernas pautadas no conhecimento científico. É na dinâmica

modernizadora varguista que se justifica a regulamentação da profissão do engenheiro e do

arquiteto, e também a consolidação do urbanismo enquanto disciplina autônoma nos cursos de

formação desses profissionais (FELDMAN, 2012). Considerava-se que somente um

conhecimento científico sobre as questões citadinas e profissionais qualificados no Brasil

seria capaz de refletir sobre os aspectos que pudessem dar inteligibilidade à realidade urbana

brasileira.

Integrado aos anseios de reformas, acompanhavam às preocupações dos urbanistas as

questões sociais, dotando o urbanismo de uma dimensão social que atribuía maior significado

à sua contribuição para a construção de uma nova sociedade. Não se tratava apenas de meros

planos de embelezamento e projetos de abertura de novas vias de circulação, como se

verificava anteriormente. Tratava-se do engajamento em um projeto nacional de reforma

social, no qual o urbanismo deveria dar resposta aos problemas sociais de habitação dos

trabalhadores e, especialmente, de melhoria na qualidade das cidades. “Em nome de um

destino grandioso que esperava a nação todos tinham ‘fé’ no progresso, os urbanistas se viam

incumbidos de planejar a casa e a cidade que melhor serviriam ao tipo de brasileiro que estava

sendo descoberto” (SILVA, 1993, p. 46).

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Diferente das propostas anteriores, os planos no período do Estado Novo passaram a

ser elaborados com maior ênfase nos princípios científicos do urbanismo e apresentavam

maior abrangência na escala espacial e social. Além do aprimoramento científico, os projetos

eram sistematizados a partir de inventários técnicos que melhor qualificavam os ambientes a

serem transformados, quer nas condições físicas ou sociais.

A capacidade interventora do especialista no meio urbano deu-se, em grande

parte, pela concepção de que a ordem espacial estava intimamente ligada à

ordem social. O território reorganizado poderia potencializar uma nova

ordem produtiva e, consequentemente, uma nova ordem política,

transformando a cidade num fator de progresso. (SILVA, 1993, p. 49).

Novas repartições públicas foram criadas para inspecionar e garantir a implementação

das inovadoras diretrizes do planejamento urbano e que, depois de aprovadas, reverteriam em

leis, estabelecendo orientações mais complexas e restritivas para o reordenamento das cidades

em conformidade aos padrões normativos de modernização.

A visão desses urbanistas era de que, em virtude das prioridades emergentes ao

ordenamento urbano, a eficiência da racionalidade técnico-científica deveria ser privilegiada

em detrimento das funções políticas e administrativas da gestão pública, de maneira a

valorizar a neutralidade do discurso científico (FELDMAN, 2012). Dessa forma, as mudanças

de governo, típicas da democracia, não significavam garantia efetiva para a realização dos

planos em sua totalidade, sendo frequentemente interrompidos ou abandonados a cada

alternância da administração pública. Porém, essa forma de pensar, ao contrário de sua

aparente neutralidade, corroborava com a política autoritária de Vargas, no sentido de garantir

o cumprimento de seus ideais de modernização, pressupondo que o conhecimento técnico

científico expressasse a legitimação das reivindicações sociais, portanto, acima de qualquer

interesse político.

A contribuição do urbanismo no projeto de construção da identidade do “homem do

Estado Novo” se revelava segundo o discurso de que “[...] a racionalidade técnica e a lógica

científica deveriam regular as atitudes e comportamentos da sociedade através da cidade”

(OUTTES, 2014, p. 395). Os projetos de modernização, ao disponibilizarem novos

equipamentos para a população urbana, como postos de saúde, teatros, cinemas, tratamento de

água, pasteurização de leite, substituíam hábitos antigos da população por procedimentos e

atitudes salutares modernas. Assim, verifica-se que os projetos de modernização urbanística

eram imbuídos de intenções educativas disciplinadoras a serem incorporadas no cotidiano dos

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novos cenários urbanos. Esses projetos, ao definirem um traçado moderno na disposição das

ruas e avenidas, e as redes de saneamento básico, facultavam a produção de um ambiente

mais confortável e saudável que possibilitasse a incidência dos raios solares, a livre circulação

do ar, de maneira a combater a insalubridade resultante do improviso das antigas

concentrações urbanas.

Nesse quadro, é possível observar a dimensão educativa disciplinadora dos projetos de

modernização do Estado Novo, tal como os projetos arquitetônicos totalitários, que

preparavam as cidades de maneira a influenciar, e como se acreditava, determinar mudanças

de atitudes no cotidiano da população conforme regras e padrões determinados pela

disposição do aparato urbano.

2.4.1 A modernização das cidades brasileiras

Ao desenvolver estudo sobre o período da ditadura civil do Estado Novo, Capelato

(2011) explica que essa época foi marcada por uma grande mobilização em defesa da

modernização nacional, que resultou na reorganização do Estado, reordenamento da

economia, em um novo redirecionamento das esferas pública e privada, e uma nova relação

entre o Estado e a sociedade.

Esse movimento modernizador político e econômico refletiu na materialidade dos

espaços urbanos brasileiros e teve, como uma de suas expressões mais representativas, a

transformação das paisagens de algumas cidades como forma de combater o que poderia

simbolizar atraso, ou seja, o que representasse a República Velha. Nas ações voltadas à

formação do cidadão moderno, concentrava-se o ideário getulista em criar o novo a partir de

signos que, no seu conjunto, colaborassem para a construção de um imaginário em que a ideia

de progresso se apresentasse contrária ao provinciano, ao atraso. Enfim, nas possíveis

interferências que pudessem afetar de maneira negativa o que, na época, se concebia como

progresso.

O revigoramento das cidades, nesse cenário, se relacionava a um rearranjo capitalista

no país, que, no plano econômico, se diversifica entre um modelo agroexportador para uma

base urbano-industrial. Em grande parte, a importância das cidades se deve ao processo de

industrialização alavancado por condições institucionais criadas após o Movimento de 1930,

devido à crescente pressão dos interesses industriais.

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A industrialização brasileira desencadeia uma nova fase em direção à urbanização do

Brasil, em que as cidades assumem importância fundamental no projeto nacional de

desenvolvimento, por serem o espaço de concentração dos elementos necessários que irão

impulsionar as atividades econômicas secundárias: a concentração de mão de obra e mercado

consumidor. Em cidades brasileiras, não só nas capitais como também em algumas cidades do

interior, são empreendidas intervenções físicas e a adoção de novas formas de gestão do

crescimento urbano e gestão municipal.

Essa passagem significou investir em um esforço de racionalizar o traçado urbano e,

simultaneamente, disciplinar seu uso público. A importância atribuída às cidades está

relacionada ao novo impulso econômico que exigia uma configuração urbana destinada a esse

fim. Para pensar a construção de um espaço segundo essa nova perspectiva econômica,

buscou-se a contribuição e o fortalecimento dos discursos e práticas advindos do urbanismo,

que deveria contribuir tanto para a instalação da indústria quanto para a formação do “homem

do Estado Novo”.

Mas, não foi só na época do Estado Novo que se verifica, em pesquisas desenvolvidas,

a evidência da dimensão educativa da cidade. Veiga (1997), ao investigar a construção de

Belo Horizonte no período de 1894-1897, defendeu a tese de que nos projetos urbanos

elaborados no final do século XIX também estiveram incluídas as proposições de formação e

educação do cidadão. Para a autora, essas proposições podem ser identificadas nas ações de

urbanização e construção das cidades e, também, nas práticas escolares. A percepção de

Veiga (1994) quanto às orientações educativas da cidade remontam à antiguidade clássica.

As palavras que se vinculam à cidade exprimem educação, cultura, bons

costumes, civilidade, elegância. Cidade e urbanidade vêm do latim, civitas e

urbs; polidez, da polis grega. Esses valores e atitudes desenvolveram-se em

redes de sociabilidade que se diversificaram no curso da história com

destaque para a modernidade, a partir do século XVI. (VEIGA, 1997, p.

299).

Para promover a civilidade na convivência social, Veiga (1997) se refere a um tipo

especial de educação na perspectiva da concepção de espaço e de ambiente como agentes

educadores e formadores de uma nova identidade cidadã.

Essa educação estética referia-se às mais variadas formas de expressão

artística como o canto, a dança, a música, a literatura, o teatro, os trabalhos

manuais, mas, principalmente as formas de educar para produzir uma

emoção estética. A concretização dessa educação se faria no

desenvolvimento da capacidade de contemplar a beleza urbana, seus jardins

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e edificações, a nova estética dos prédios escolares e das salas de aula;

pensou-se também nas festas cívicas e escolares, auge de uma comunhão

nacional e de homogeneidade cultural, em que todos são um só canto e uma

só imagem. (VEIGA, 1997, p. 306).

Nos estudos realizados sobre a modernização em Vitória, no estado do Espírito Santo,

no começo do século XX, Pires (2006) fala que as cidades passaram a representar o grande

cenário da modernidade, tornando-se o símbolo do novo em contraposição ao meio rural,

representação do obsoleto e sinônimo do atraso. Foi nos cenários urbanos que os indivíduos

passaram a promover práticas modernas e incluíram “[...] novas práticas de lazer e linguagem,

novos hábitos culturais e modismos que se confrontavam com as antigas tradições” (PIRES,

2006, p. 100), até mesmo para aquelas camadas da população sem acesso às “novidades” que

invadiam a cidade, gerando contradições entre o moderno e as posturas tradicionais. As obras

em Vitória, segundo a autora, fizeram parte de um conjunto de remodelações no centro da

cidade com o aterramento das partes baixas próximas à baía, a construção expressiva de

prédios e abertura de ruas e avenidas, entre outros, cujo objetivo junto à população foi o de

“urbanizar e civilizar” e, dessa forma, converter a cidade numa metrópole moderna conforme

os moldes estéticos, urbanísticos e econômicos europeus, como estratégia para atrair

investimentos estrangeiros.

Medeiros Neta (2011), ao pesquisar a relação entre cidade e sociabilidade para a

construção de educabilidades na cidade de Príncipe - Rio Grande do Norte, no século XIX,

defende a tese de uma pedagogia da cidade compreendida em seu modus vivendi, nos

cenários, nas ritualizações e nas instituições.

[...] a pedagogia da cidade transmuta-se na reflexão de como a cidade educa.

Por isso, a pedagogia da cidade se expressa no estilo de vida e no

aprendizado da civilidade e do direito a cidade, bem como nas funções

pedagógicas expressas em projetos urbanos e escolares, na relação entre o

corpo urbano/corpo cidadão e na hermenêutica urbana e em uma postura

sensível frente ao urbano. (MEDEIROS NETA, 2011, p. 22).

Silva (2009), em sua pesquisa sobre as representações de cidade e escola primária no

Rio de Janeiro e em Buenos Aires, nos anos de 1920, argumenta que a modernidade

significou um momento de intensificação da concepção de que a reforma dos espaços urbanos

deveria ser acompanhada por uma remodelação dos comportamentos e hábitos da população.

Nesse sentido, o grande desafio era empreender uma harmonização ao conjunto das obras

públicas que, via de regra, vinha sendo implantado desde a virada do século XIX, sob maneira

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que a modernidade fosse incorporada aos atos, falas e modos dos habitantes para conter os

“avanços do subúrbio”. O autor conclui que

Com a pretensão de adaptação e disciplinamento dos comportamentos e

hábitos da população, porque sublinhavam a possibilidade de trabalhar junto

à comunidade escolar (crianças e adultos) certo número de procedimentos e

condutas e de contribuir para a multiplicação dos mesmos pelo meio social,

fortaleceu-se a interferência de saberes e práticas de escolarização primária.

Por essas considerações é que se pode afirmar que, sob a lógica

governamental, intensificou-se no decurso dos anos 1920 a concepção de se

pensar a escola e a cidade a partir de um repertório comum de estratégias.

Isso porque se objetivava converter a cidade em um espaço educativo e a

escola em um dispositivo para incutir ideais de urbanidade e higiene pública.

(SILVA, 2009, s/p).

Cavalcanti (2007) pesquisou sobre as transformações urbanísticas nas primeiras

décadas do século XX, na cidade de Taperoá, no estado da Paraíba, quando alguns signos da

modernidade urbana foram introduzidos naquela cidade, como arborização, pavimentação e

iluminação das vias públicas, linha telegráfica e outros, que contribuíram para a formação de

uma nova sensibilidade em seus habitantes. Essas transformações foram promovidas pelo

desejo de uma elite que pertencia a uma cultura de tradição rural, porém, seu objetivo não se

resumia somente à produção de uma nova paisagem urbana, tinha também o propósito de

construir novas representações que passaram a dar significado ao imaginário urbano e à

formação de uma nova sensibilidade, de uma reeducação dos sentidos dos habitantes da

cidade, entendida na época como um processo civilizador dos costumes cotidianos das

pessoas, especialmente dos populares, pois hábitos e atitudes do dia-a-dia do povo também

passaram a ser vistos e considerados negativos sob a ótica do discurso do progresso. Nesse

sentido, Cavalcanti (2007) se reporta às intenções de Félix Daltro, prefeito de Taperoá na

ocasião:

[...] a afirmação da moral e dos bons costumes se apresentava para Félix

como urgente, e nesse sentido providenciou prescrições que tinham por

objetivo fundar uma nova ordem urbana, em correspondência estreita com os

novos tempos, impondo dessa forma uma nova ordem moral através de um

novo código de conduta (regulamento) que regesse os munícipes, uma vez

que estes necessitavam de um “adoçamento dos costumes”. Parece-nos que

as atitudes tidas como indesejáveis estavam associadas às práticas do

cangaço, como sendo sinônimo de rusticidade e que necessitavam ser

substituídas pelas diversões e gentilezas para com o outro, marcas estas

personificadas ao próprio prefeito. (CAVALCANTI, 2007, p. 59, grifo do

autor).

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Paulilo e Silva (2012), ao estudarem as transformações promovidas pelo poder público

na cidade do Rio de Janeiro, nos anos 1920, chamam atenção quanto às modificações

significativas na arquitetura da cidade e também nas práticas sociais de seus cidadãos, num

processo de entrelaçamento dos cenários urbanos com os educacionais construídos naquele

período, algo que, segundo os autores, não aconteceu por acaso. Tinha como objetivo, “[...]

organizar, educar e harmonizar as formas da população de se relacionar cotidianamente [...]”,

e, “ [...] no decurso da década de 1920, foi-se intensificando a concepção de que para

modernizar a capital, para além das reformas arquitetônicas, era necessário remodelar as

práticas de sociabilidade” (PAULILO; SILVA, 2012, p. 128 e 131).

Para a incorporação à paisagem carioca de aspectos condizentes ao urbano, os autores

citados explicam que foram necessárias ações que avançassem além das medidas de

fiscalização e punições quanto à distribuição das moradias, otimização do tráfego,

aglomeração de ambulantes, hábitos de higiene, além de outros, pois se colocava em jogo uma

modificação nas tradições, modos e comportamentos dos habitantes. Paulilo e Silva (2012)

evidenciam a importância da contribuição da escola na formação dessa nova concepção de

cidade racionalizada, portanto moderna. A expectativa era de que os ensinamentos e

experiências escolares civilizadoras fossem expandidos além dos espaços escolares e

contribuíssem para a (re)construção e organização do espaço público e o disciplinamento e

condutas da população.

Como pode ser observado nos projetos de remodelação urbana citados, em períodos

anteriores ao Estado Novo, esses foram acompanhados da preocupação de, também,

“reformar o povo” (VEIGA, 2000), no sentido de que, para a convivência em um ambiente

urbano moderno, há a necessidade de transformação dos hábitos dos cidadãos, o que reforça

as intenções governamentais de determinar, segundo seus interesses, como os espaços

citadinos devem ser praticados, preocupação que também se fez presente nas ações de

modernização urbanas do governo de Vargas.

Em seu estudo sobre as construções sociais do moderno no Nordeste brasileiro, Gomes

(2011) relata que em Campina Grande, no estado da Paraíba, no período do Estado Novo, se

recebeu diversas melhorias, como a construção do Grande Hotel e a construção do Cine

Capitólio, com notórias influências europeias de higienização e embelezamento. Em se

tratando dos reflexos desencadeados na população, Gomes (2011) conta que as mudanças não

se restringiram apenas às estruturas da cidade, como também mudou o significado de viver

dos citadinos, pois “A população absorveu o espírito do Moderno, levando-o além das

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reformas urbanas e desenvolvimentos econômicos e tecnológicos, era o vestir-se, o portar-se.

Surge um novo código de postura voltado ao cidadão moderno” (GOMES, 2011, p. 523).

Os códigos de conduta também se representaram em estratégias para promover o

consumo. Segundo Gomes (2011), em consequência do desejo de se modernizar, criou-se a

necessidade das pessoas se adequarem ao ambiente, comprando, portanto, artigos mais atuais

para si e suas casas.

Assim, para que eles se sentissem como sujeitos modernos precisariam usar

os signos que definiam a modernidade. E mais que isto deveria ostentá-los

perante seus pares. [...] Passou-se então, a buscar estar moderno em

detrimento do ser moderno. (GOMES, 2011, p. 522).

Ainda ao se referir ao projeto de reforma urbana, em 1935, para Campina Grande, o

autor ressalta as significativas influências europeias de higienização e embelezamento das

cidades.

Essas mudanças foram mais que estruturais, elas mudaram o significado da

concepção de viver daqueles indivíduos, e mesmo que a modernidade não

tenha atingido as cidades da mesma forma, já que ela estava ligada as

condições econômicas de cada uma, ela criou uma nova teia de relações

culturais [...] e mudanças de hábitos culturais. (GOMES, 2011, p. 522).

A administração municipal de Belo Horizonte, no período de 1940 a 1945, teve como

prefeito Juscelino Kubitschek que, segundo Cedro (2009), implementou projetos urbanísticos

ousados e de vanguarda para que a capital mineira continuasse a ostentar a referência de

cidade moderna e abrigar, em suas proximidades, atividades secundárias em conformidade ao

ideal nacional de modernização – urbanização acompanhada de industrialização e a formação

de um novo homem.

O remodelamento de Belo Horizonte foi planejado segundo as orientações da Carta de

Atenas de 1933 – documento elaborado no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna

que, naquele ano, teve como temática a cidade funcional. As propostas da Carta foram

elaboradas por Le Corbusier, arquiteto e urbanista suíço – fundador das bases da arquitetura e

do urbanismo moderno, devido à expressão inovadora funcionalista de seus projetos. Oscar

Niemeyer, adepto de Le Corbusier, também teve destacada participação na modernização de

Belo Horizonte com projetos modernistas, os quais se tornaram verdadeiros cartões postais da

cidade: o Conjunto Arquitetônico da Pampulha com a Igreja de São Francisco de Assis, a

Casa de Baile e o Cassino.

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Ainda sobre Belo Horizonte, Cedro (2009, p. 29) observa que “[...] A modernidade

empreendida por Juscelino que atendia a população em geral restringia-se à abertura de ruas e

avenidas, já para os mais abastados criou-se todo um complexo turístico de entretenimento”.

Ao estudar como a experiência goiana participou do projeto de modernidade

nacionalista e a formação de identidades afirmativas para o goiano na construção da cidade-

capital e da escola nos anos 1930/1940, Rubia-Mar Nunes Pinto (2009), em sua tese de

doutorado, aborda o papel do urbano na relação entre centro e periferia. A autora conclui que,

apesar de todo o esforço em incorporar a história da cidade na história nacional como a “[...]

locomotiva que levou a civilização para o sertão brasileiro [...]”.

Percebe-se, então, que os diversos projetos modernizadores dos ambientes urbanos em

diferentes épocas, foram acompanhados de intenções educativas referentes à formação de uma

nova identidade, a do cidadão polido, moderno, condizente com as aspirações de modernidade

da sua época. Essas intenções se encontram expressas nos textos estudados pelos conceitos:

“civilizador”, “formação de uma nova sensibilidade”, “reeducação dos sentidos”, “nova

conduta”, “civilidade”, “reforma do povo”, “novas práticas sociais”.

Mato Grosso é revisitado no Capítulo III , nos anos de 1930. A partir de um esboço do

quadro político, social e econômico da época , discute-se a inclusão do estado na política do

Estado Novo, segundo suas perspectivas para o desenvolvimento econômico e a consolidação

dos ideais de modernização no cenário mato-grossense a partir da gestão do interventor Júlio

Müller.

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CAPITULO III

O ESTADO DE MATO GROSSO E AS

PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO

Ponte Júlio Müller sobre o rio Cuiabá – anos 40

Fonte: APMT

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Para a inclusão de Mato Grosso no projeto modernizador do Estado Novo, era preciso

tratar algumas questões importantes que inviabilizavam esse propósito: o vazio populacional;

a quase ausência de estradas para a comunicação entre os municípios e escoamento da

produção; a precariedade de infraestrutura, como luz elétrica e saneamento básico; e a falta de

investimento em setores, como a saúde e a educação, além das questões políticas internas

entre o Sul e o Norte do Estado em um movimento reivindicatório de separação ou o

deslocamento da sede do governo de Cuiabá para Campo Grande.

No presente capítulo serão abordadas as características de Mato Grosso na Era Vargas

e as ações de seu Interventor, Julio Strüberg Müller, para a sua modernização e inclusão no

ideário nacional.

3.1 A REALIDADE MATOGROSSENSE NO INÍCIO DA ERA VARGAS (1930-1937)

Os últimos anos da Velha República em Mato Grosso foram marcados por

turbulências políticas e econômicas, agravadas pelo golpe que levou Getúlio Vargas ao poder.

Segundo Póvoas (1995), o desfecho do Movimento de 1930, diante da destituição do

presidente Washington Luis e a posse da Junta Governativa, devido às dificuldades de

comunicação, foi recebido em Cuiabá por fonte não oficial e considerada “boato”, causando

ansiedade junto à população. A partir de então, os presidentes de estado foram destituídos e as

unidades federativas passaram a ser administradas por interventores federais, nomeados pelo

presidente da República. Com a Constituição de 1934 (Art. 9º), a Assembleia Legislativa

Estadual foi reconstituída e promoveu eleição indireta para os governos estaduais. Mato

Grosso, no período aproximado de sete anos, teve no seu governo a alternância de nove

governantes, por curtos períodos, que somada às condições do estado e do país, nada de

notável puderam realizar (PÓVOAS, 1995).

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Quadro 1 - Governantes de Mato Grosso (1930-1937)

Governantes Posse Término Cargo

Antonino Mena Gonçalves 03.11.1930 24.11.1930 Interventor

Arthur Antunes Maciel 24.04.1931 15.06.1932 Interventor

Leônidas Antero de Mattos 15.06.1932 12.10.1934 Interventor

César de Mesquita Serva 12.10.1934 08.03.1935 Interventor

Fenelon Müller 08.03.1935 28.08.1935 Interventor

Newton Deschamps Cavalcanti 28.08.1935 09.08.1935 Interventor

Mario Corrêa da Costa 07.09.1935 07.03.1937 Governador

Manoel Ary da Silva Pires 09.03.1937 04.10.1937 Interventor

Julio Strümberg Müller 04.10.1937 10.11.1937 Governador

Fonte: Póvoas (1995).

Além da frequente substituição dos administradores, a população enfrentava conflitos

políticos separatistas entre a porção Norte e Sul do estado, tendo a transferência da sede do

governo estadual para Campo Grande como uma das questões de maior relevância entre as

lideranças políticas.

A disputa revelava, em Mato Grosso, uma situação contraditória ao plano nacional de

integração, que teria que ser resolvida. Além das imensas áreas desocupadas e desconhecidas,

de difícil controle por parte do estado, aquelas de maior concentração populacional,

polarizadas em Cuiabá e Campo Grande, se rivalizavam em sediar o poder público,

demonstrando que o território matogrossense carecia também de ações de integração

geopolítica.

Registros historiográficos matogrossenses apontam, para os anos finais do século XIX,

o surgimento de manifestações rebeldes que evoluiram para o movimento separatista liderado

pelos coronéis sulistas em oposição às oligarquias cuiabanas nortistas. A situação se acirrou

com a situação política de 1932, quando lideranças sulistas matogrossenses apoiaram a

“Revolução Constitucionalista de São Paulo”, insurgindo-se ao governo de Getúlio Vargas

(AMEDI, 2014).

Diversas foram as manifestações publicadas pela elite sulista, de repercussão nacional,

como estratégia para legitimar a separação entre o Sul e o Norte do estado. Algumas dessas

publicações atacavam com argumentos que se reportavam à origem do povo cuiabano como

sendo

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[...] cheio de preconceitos feudais, tem mentalidade inteiramente differente

do sulista: na sua formação teria a canicula abrazadora de Cuyabá influído a

ponto de torna-lo um individuo desanimado e contemplativo e incapaz de

arrojadas e dynamicas iniciativas de que são capazes, dizem elles os filhos

do sul.

[...] Cuyabano e sulista constituem dois typos raciais completamente

diferentes: o cuyabano, typo meio mongolico, de physico atarracado, pele

bronzeada, olhos oblíquos, cabeça chata authentico, pertenceria, assim, a

uma raça inferior; enquanto que nós sulistas, de físico mais desenvolvido,

mais claros e de cabeça alongada, já petenceriamos a uma raça mais apurada,

descentes mesmo, talvez, de perfeitos aryos [...]. (Diário de São Paulo, 10 de

abril de 1934).

Como se observa, esses motivos separatistas também se apoiavam na teoria do

determinismo geográfico que, nesse caso, atribuía à questão climática – o calor cuiabano,

como sendo um fator determinante para o desenvolvimento diferenciado entre Norte e Sul.

Seria o calor, elemento natural, a causa da desmotivação da população para que essa

permanecesse com seus modos e tipos tradicionais, resistindo aos modos mais evoluídos de

uma raça mais apurada. A elite sulista buscava, então, legitimar a questão separatista como

sendo uma consequência natural.

Ocupavam-se os políticos do Sul do estado, para justificar as reivindicações

separatistas, em mostrar o quão decadente era a organização produtiva do Norte de Mato

Grosso.

Não há uma pecuária organizada. Cria-se, hoje, como antes de 1880 – à

solta, em latifúndios. Gado perdido por toda a parte. Nada de técnica para

qualquer mister. As fazendas não estão divididas nem cercadas. Tudo é

duma primitividade inconcebível. O gado está refinado por falta de sangue

novo – é o gabiru, o peludo, rejeitado pelos compradores. No que toca a

cavalares e suínos, o mesmo. Fazendas sem organização alguma, velhas

habitações sem conforto, solitárias, encravadas em latifúndios, que não dão

dinheiro ao Tesouro.

A indústria do açúcar, em Cuiabá, decai todo ano. O trabalho, ali, não

melhorou; a indústria não se valeu de novos métodos; mantém o operariado

em miséria e sem garantias. Iniciou-se, ali uma charqueada, que se fechou

logo, dando graves prejuízos. (MATO GROSSO, Liga Sul-matogrossense. A

divisão de Mato Grosso: resposta ao General Rondon. Maracajú, 1934, p.

17-19).

Ao mostrar que o Norte ainda permanecia organizado de maneira rudimentar para a

atividade pecuária, indiretamente a crítica atribuía aos fazendeiros do Sul a sustentação

econômica de Mato Grosso. Na época, era a pecuária o carro chefe da economia do estado (O

Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 04.10.1941, p. 14), consequentemente, diante das condições

expostas, não caberia ao Norte mérito a ser destacado.

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Reforçando o movimento separatista, em paralelo, trabalhava-se a ideia de

transferência da capital para Campo Grande, alegando que a longínqua Cuiabá era uma cidade

velha e que as precárias condições das estradas a tornavam um lugar isolado, atrasado e

desprovido de capitalidade, quando comparada à “moderna e limpa” Campo Grande.

Faltavam-lhe os atrativos necessários para uma cidade ser reconhecida como uma capital

moderna.

Afirmava-se ainda uma grande distância a separar norte e sul, Cuiabá não era

conhecida dos sulistas; sua imprensa não era lida e as ideias dos seus homens

não chegavam à região.

O que mais se destacava eram os esforços dos sulistas no sentido de se

afirmarem como “civilizados”, “modernos” e economicamente

“desenvolvidos”, se opondo às características “cuiabanas” – o “estatismo” e

a “decadência” do norte. (AMEDI, 2014, p. 68, grifos do autor).

A respeito, o governador Dr. Mario Corrêa da Costa relata:

Essa falta de prévio preparo do meio ambiente, assim como a inesperada

transformação por que passou o scenario politico da nossa terra, em o qual

vimos surgir, emergindo de obscurantismo em que sempre viveram, figuras

apagadas e inexpressivas que, de uma hora para outra, se avoraram em

chefes, assenhorando-se de todas as posições de mando, sem que nenhum

título os recomendasse senão a situação em que se encontravam os

oposicionistas, não podia deixar de trazer, como era natural, as

consequências danosas, que se reflectiriam necessariamente, na

administração publica.[..]

Tornava-se, assim, impossível uma orientação segura aos Interventores que,

à mingua de conhecimento do valor dos homens, e do que se passava os

municípios, não podiam medir bem as consequências dos seus actos, por

mais bem inspirados que fossem, na preoccupação louvável de acertar.

(MATO GROSSO, Mensagem, 1936, p. 11-12).

Além dessa situação, outros fatores políticos interferiam ainda mais na administração

pública após o movimento de 1930, como: “a revolução constitucionalista que eclodiu em São

Paulo e Mato Grosso, em 1932, que agravou ainda mais a situação financeira do estado; o

movimento pela sua divisão; a Segunda Guerra Mundial, entre outros. O problema sério que

afetava a administração pública era, porém, o setor financeiro” (SÁ; FURTADO, s/d, s/p). A

respeito, Jucá (1998, p. 57) afirma que “A receita além de ser pequena e injusta, não

compreendia o possível universo dos contribuintes. A despesa, por sua vez, era superior às

possibilidades do Tesouro”. Em sua Mensagem à Assembleia Legislativa, o Dr. Mario Correa

da Costa assim explica a sua opinião:

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Penso, entretanto, Senhores Deputados, que os déficits orçamentários não

podem e não podem e não devem servir de phantasma para os homens de

governo, não podem constituir a sua preocupação máxima [...]

Foi justamente contrahindo empréstimos, attrahindo capitães e empregando-

os em fontes reproductivas, que se transformaram aquellas Unidades da

Federação em verdadeiros centros de trabalho, celeiros máximos da riqueza

nacional. Povando-se, fomentando as suas industrias, incrementando a sua

lavoura e a sua pecuária, desenvolvendo a cultura intelectual de seus filhos,

transformaram-se de bucólicas Provincias que eram em verdadeiros centros

de grandeza, na mais eloquente demonstração da intelligencia e da

capacidade de trabalho do povo brasileiro. (MATO GROSSO, Mensagem,

1936, p. 34).

Além da constante alternância de governantes e da falta de recursos, outro fator

apontado como obstáculo à administração pública em Mato Grosso era a “[...] vastidão

imensa do seu território e a escassez de sua população, cerca de 400 mil habitantes para

1.500.000 quilômetros quadrados” (MATO GROSSO, Mensagem, 1930, p. 5). O presidente

Anibal Toledo argumenta que:

Si esta população, embora pequena, estivesse reunida, confinada em áreas

menos extensa, ainda o seu governo não seria tão difícil. A densidade maior

do povoamento e a diminuição das distancias poriam mais ao alcance de

seus recursos orçamentários, tornariam mais baratos e mais eficientes, todos

os serviços públicos, - instrucção pública, a hygiene, o policiamento,

administração da justiça, a assistência publica sob todos os seus aspectos, e

por fim a própria arrecadação dos elementos financeiros necessários para

executa-los. (MATO GROSSO, MENSAGEM, 1930, p. 5).

O estado, conforme dados do Recenseamento Geral do Brasil (1936), continha um

território de 1.477.041 km², distribuídos em 25 municípios: Aquidauana, Araguaiana, Bela

Vista, Campo Grande, Corumbá, Coxim, Cuiabá, Diamantino, Entre Rios, Gajará Mirim,

Livramento, Maracajú, Mato Grosso, Miranda, Nioaque, Poconé, Ponta Porã, Porto Porã,

Porto Murtinho, Rosário Oeste, Santa Rita do Araguaia, Santo Antônio do Rio Madeira, São

Luiz de Cáceres e Três Lagoas.

Nesse período, o crescimento populacional no estado foi pouco expressivo, como é

possível observar:

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Gráfico 1 – Situação demográfica de Mato Grosso (1930-1935)

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, Ano II (1936).

Em 1935 a população relativa correspondia a 0,25 habitantes por km², isto é, menos

de uma pessoa por km², dado este que endossa a afirmação de Anibal Toledo em 1930. Nesse

sentido, a solução, apresentada por Toledo aos deputados, foi de “[...] fomentar dentro do

estado a formação de fortuna e da riqueza particular, sem a qual não é possível a riqueza

publica, que faz os bons orçamentos, que fornece os recursos necessários à realização

daqueles serviços”, que seria somente possível com o povoamento do território matogrossense

(MATO GROSSO, Mensagem, 1930, p. 7).

A baixa densidade demográfica era reflexo, também, das condições de vida e das

possibilidades de deslocamento. Segundo o pensamento dos dirigentes matogrossenses, o

alinhamento do estado aos ideais varguistas de modernização dependia, entre outras

necessidades, de equipar seu vasto território com um sistema viário que possibilitasse “[...]

levar progresso e civilização ao sertão” (LORENZETTI; FERREIRA, 2008, p. 266), de

maneira a expandir a tímida participação nos mercados nacional e internacional, pois o estado

possuía apenas 5.840 km de estradas de rodagem, sendo estas 994 km de terra “melhorada” e

4.846 km de terra “não melhorada”, possibilitando, mais adequadamente, a circulação de

transportes de tração animal. Embora, houvesse em Mato Grosso somente 756 automóveis, 35

auto-ônibus, 13 motociclos, 519 caminhões e 1 automóvel (possivelmente uma ambulância),

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sendo que 16 automóveis e 72 veículos de cargas se encontravam na Capital (BRASIL,

Anuário, 1936, p. 149-152).

Na época, na porção Centro-Norte de Mato Grosso, a circulação de mercadorias, para

atender o mercado da capital, ocorria com o uso de animais de tração e pequenas

embarcações, como explica Póvoas (1983). Os cereais produzidos nas cercanias de Cuiabá,

alguns em locais um pouco mais distantes, como Chapada dos Guimarães (Serra Acima) e

“Raiz da Serra” (Serra Abaixo), chegavam até as casas comerciais e no Mercado Municipal da

capital trazidos por animais chamados cargueiros. Entre eles, bois que eram

[...] arreiados com uma cangalha da qual pendiam, de um lado e de outro,

dois “surrões” (grandes bolsas) de couro que transportavam arroz, milho

farinha, bananas, mandioca, etc. Havia também os que traziam, pendentes

desses arreios, “mocutas” (feiches) de lenha para uso de cozinha (PÓVOAS,

1983, p. 40, grifos do autor).

A produção ribeirinha do Cuiabá, a montante da capital, nas localidades da Guia,

Brotas (hoje Acorizal) e Engenho,

[...] desciam para o mercado consumidor cuiabano em “batelões” – canoas

muito grandes, construídas de um só tronco de madeira -, com “pisapés”

laterais por onde circulavam os homens que impulsionavam a embarcação

em “zingas”.

De águas-abaixo - das localidades do norte para Cuiabá -, os “batelões”

desciam super-carregados, trazendo, além de sacas de mantimentos, frutas,

aves, ovos, etc. De águas acima iam leves, apenas com as poucas compras

que seus tripulantes faziam no comércio local. (PÓVOAS, 1983, p. 40-41,

grifos do autor).

Conhecer a vastidão territorial do estado era algo praticamente impossível, devido ao

reduzido número de estradas, ressalta-se ainda, de pequenas extensões e que se encontravam

em precárias condições de conservação. As vias fluviais eram o meio mais utilizado para o

deslocamento de pessoas e transporte de mercadorias em longas distâncias. Na transposição

dos rios, quando não se fazia por pontes de madeira, em rios de vão estreito, utilizava-se

balsa, a exemplo da travessia do rio Cuiabá, em perímetro urbano, ligando a capital ao 3°

Distrito de Cuiabá, hoje Várzea Grande. Essa travessia se dava de “[...] forma bastante

rudimentar, através de uma embarcação conhecida por Barca Pêndulo” (BORDEST, 2014, p.

84), única forma de comunicação entre Cuiabá e a região Norte e Oeste do estado. Inaugurada

a 04 de junho de 1874 (O Estado de Mato Grosso, 06.01.1942, p. 1), a barca pêndulo fez a

travessia do rio Cuiabá até a inauguração da moderna ponte de cimento armado em 1942. Nos

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sessenta e oito anos de funcionamento, “[...] Dela se serviam não só pessoas como também

veículos (automóveis ou mesmo carroças) que se destinavam aos municípios de Livramento,

Poconé e Cáceres” (PÓVOAS, 1983, p. 31).

Muitos foram as cenas de verdadeira aventura que aconteciam nos cinco a dez

minutos de travessia. Os momentos de maior apreensão ocorriam no período das cheias,

quando a força da correnteza rompia os cabos de aço que serviam de guia para a barca, que

descia rio abaixo, alterando a rotina do dia de seus passageiros, numa mistura do lamento dos

adultos e a alegria das crianças que tinham justificativa para se ausentarem da escola Senador

Azeredo, localizada no 2° Distrito (PÓVOAS, 1983).

Imagem 01 – Barca Pêndulo

Fonte: Ayala e Simon (1914)

Uma das alternativas utilizadas para superar a dificuldade de transporte por via

terrestre foi a utilização de hidroaviões, iniciada em 1930, que perdurou até 1939, no percurso

São Paulo-Corumbá-Cuiabá (PÓVOAS, 1995).

Associada às dificuldades internas pela falta de estradas e meios de comunicação, a

baixa produtividade agropecuária era outro fator a ser considerado. O estado continha uma

grande reserva de riquezas naturais que referendavam sua vocação extrativa e agropecuária

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como um promissor potencial econômico a ser explorado. Nesse período, basicamente, a

produção do estado se voltava para: a indústria extrativa de babassú-amêndoas, borracha,

castanha, caucho, cumarú, ipecacuanha, madeiras, mate, óleo de capaíba e tanino; a

agricultura, por meio do cultivo de abacaxi, arroz, banana, batata, café, cana de açúcar, feijão,

fumo, laranja, mandioca e milho; e, a pecuária, a criação de gado maior (bovinos, equinos,

asinos e muares) e do gado menor (suínos, ovinos e caprinos) (BRASIL, Anuário, 1936).

Longe das possibilidades de se industrializar, a inserção de Mato Grosso nos planos

governamentais se daria como produtor de matérias-primas para as indústrias brasileiras e

exportação para o mercado internacional. A estratégia, para esse fim, era despertar interesses

a investimentos que promovessem sua ocupação e, consequentemente, alavancassem seu

desenvolvimento econômico.

A precariedade da infraestrutura do estado também era um fator crítico para sua

modernização. Em relação à pavimentação urbana, das 854 ruas existentes nos 26 municípios

(1937), 49 eram pavimentadas com paralelepípedos, 24 com concreto, 4 ruas com macadame

simples, 13 com asfalto betuminoso, 75 de saibro, 6 sem especificação e 685 não

pavimentadas. Esses dados apontam que 80,21% das ruas eram de chão batido, sem nenhum

investimento em prol de melhorias (BRASIL, Recenseamento, 1940).

A insuficiente produção de energia elétrica era um fator complicador à realidade das

cidades matogrossenses, principalmente aquelas localizadas na porção Centro-Norte do

estado, incluindo sua capital Cuiabá. Essa situação desestimulava a atração de contingentes

populacionais para o Mato Grosso. A escassez de energia refletia em limitados investimentos

às cidades e confinava a vida dos cidadãos urbanos à reguladas horas de fornecimento de luz.

Os dados estatísticos indicam que, em 1937, somente 17 municípios tinham

iluminação pública à base de eletricidade e querosene e, 12 municípios tinham iluminação

domiciliar, sendo que em 337 ruas havia 4.596 ligações (BRASIL, Recenseamento, 1940).

Em relação ao saneamento básico, somente 5 municípios tinham água potável,

atendendo 4.412 prédios; 8 municípios tinha rede de esgoto pluvial; e 21 municípios tinham

serviço de limpeza pública, no entanto, somente 7 municípios faziam a coleta domiciliar de

lixo.

A população se encontrava abandonada pelo poder público. As condições do atendimento a

saúde e educação no início dos anos de 1930 configuravam um quadro desalentador. Morria-se de

lepra, tifo, tuberculose e frequentemente a população se vitimizava pelos surtos de desinteria

colibacilar, devido à contaminação das águas, situação que se agravava nas cidades banhadas por rios,

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como o caso da capital do estado, devido às cheias sazonais do rio Cuiabá, que colocava a população

ribeirinha em situação de risco à saúde (MATO GROSSO. Relatório dos Governadores. 1936).

Em 1937, a situação continuava desoladora, pois 18 municípios não tinham qualquer

instituição de assistência médico sanitária, apenas 6 tinham assistência com internação, 2 com

e sem internação e uma sem internação de paciente (BRASIL, Recenseamento, 1940).

3.1.1 O desenho da educação nos princípios da Era Vargas

Em relação à educação o quadro pintado não é muito diferente. Embora o percentual

do investimento tenha aumentado durante o período, os números não significam muita coisa,

pois a demanda era muita e o valor arrecadado não era suficiente.

Quadro - 2 Investimento na Educação de 1930 a 1937

ANOS IMPORTÂNCIAS % TOTAL DAS DESPESAS

1930 1.228:000$000 12,0

1931 1.798:000$000 14,8

1932 1.507: 000$000 19,2

1933 1.715:000$000 18,2

1934 1.936: 000$000 19,3

1935 1.830000$000 19,2

1936 1.941:000$000 19,8

1937 2.157:000$000 18,1

Fonte: Sá e Furtado (s/d).

A instrução pública era concebida como baluarte da modernização no discurso político

do então Presidente do Estado, Dr. Annibal Toledo. Em sua mensagem ele enaltece a

educação, principalmente os grupos escolares que, na sua opinão, “[…] vão apresentando

resultados compensadores do esforço e dos encargos que impõem ao Thesouro” (MATO

GROSSO, Mensagem, 1930, p. 39). Porém, ao se referir às escolas rurais, vê-se que não

compartilhavam da mesma situação da instrução pública urbana.

O mesmo não se poderá dizer, infelizmente, das escolas rurais, espalhadas

pelo interior, onde a falta de instalações apropriadas, a deficiência de

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material escolar, a impossibilidade de encontrar professores diplomados para

rege-las e a ausência quase absoluta de fiscalização, nos autorizam a

considerar como insignificante ou nulla a contribuição de uma grande parte

dellas para instrucção da infância residente fora das cidades e das villas.

(MATO GROSSO, Mensagem, 1930, p. 39-40).

No entanto, o presidente do estado não se reporta, em sua mensagem, à precariedade

de materiais e equipamentos das escolas e, muito menos, à situação em que se encontravam os

prédios escolares. Essas informações aparecem no relatório do Diretor Geral da Instrução

Pública, professor Franklin Cassiano da Silva, em que evidencia que a urgência sobre a

manutenção das edificações se verifica a partir do próprio prédio da Diretoria Geral.

Esta Directoria vem funcionando em prédio n. 9, à rua dos Voluntários da

Pátria.

Acha-se pessimamente instalado, sendo de lamentar, dada a importância da

mesma Repartição, a situação vexatória em que se encontra.

Ocupa a parte superior do referido prédio, cujo estado de conservação é

deplorável.

As salas pouco limpas: o forro do tecto de todo imprestável. É uma medida

de necessidade inadiável a mudança desta Repartição para um prédio mais

confortável a mudança desta Repartição, para um prédio mais confortável,

de acordo com sua importância. (MATO GROSSO, Relatório, 1931, s/p).

Situação similar observa-se nos grupos escolares distribuídos pelo estado. As

condições, reportadas pelo Diretor Geral da Instrução, não coadunam com o propalado

discurso de setor avançado e seu governo, proferido pelo Presidente de Estado. Pelo contrário,

mostra o descaso do poder público com a instrução pública, refletido nas péssimas condições

estruturais das escolas por todo o estado: telhados ameaçando a desabar, obrigando a

suspensão de aulas em dias de chuva, paredes em ruínas, impedindo a ocupação de partes de

edifícios, instalações sanitárias em condições emergentes de reforma. Além do mobiliário

escolar desgastado pelo prolongado tempo de uso e insuficiente para todos os alunos (MATO

GROSSO, Relatório, 1931, s/p).

Outro aspecto comprometedor da eficiência do ensino público se refere ao

fornecimento de material didático as escolas. Segundo o professor Franklin Cassiano da Silva,

as escolas ficaram prejudicadas com a criação do Almoxarifado Geral do Estado que passou a

centralizar o fornecimento dos materiais necessários ao expediente de todas as repartições

públicas, sendo que seus pedidos, quando atendidos, suprimiam parcialmente as necessidades

das escolas. A respeito, em seu relatório, o diretor geral da Instrução Pública, Dr. Leônidas

Antero de Matos, informa que, além de existir escolas com instalações em péssimas condições

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de conservação, verificava-se a insuficiência da verba de expediente destinada à aquisição de

material de uso diário, como giz, por exemplo. Quanto às causas da “lastimável” situação,

observava o diretor que

O almoxarifado geral do Estado, há muito tempo, deixava de atender aos

inúmeros pedidos dos professores que traziam constantemente as suas

reclamações à Diretoria Geral, sem que esta nada pudesse fazer para

melhorar a situação, tolhida como se achava na sua ação pelo regime

burocrático que então imperava e do qual infelizmente ainda não foi

libertada. (MATO GROSSO, Relatório, 1931, s/p).

Acrescenta ainda que:

A situação geral do ensino naquela zona é lastimável, pela falta quase que

completa de material didático, assim como pela desorientação em relação ao

emprego de métodos. Entregues geralmente as direções dos estabelecimentos

a pessoas leigas, sem tirocínio no magistério, transformou-se assim o cargo

de Diretor de Grupo de uma função essencialmente técnica para a de simples

burocrata.

Por outro lado, na maioria dos Grupos Escolares o corpo docente é quase

todo constituído de pessoas sem preparo técnico necessário, daí a confusão, a

falta de orientação segura que se nota geralmente nos referidos

estabelecimentos. (MATO GROSSO, Relatório, 1931, s/p).

O Diretor Geral da Instrução Pública lamenta, em seu relatório, o desconhecimento do

número de crianças que não recebem os benefícios da instrução pública, pela falta de

informações que deveriam ser levantadas pelos serviços de estatística, estabelecidos pelo

Regulamento baixado pelo Decreto nº 759, descumprido pela não realização do

recenseamento escolar. Lamenta, também, a indiferença das escolas particulares em relação

ao poder público, por não informarem à Diretoria de Instrução o número de alunos

matriculados, considerando que essas são subvencionadas pelo estado, não dando subsídio

algum para avaliar o atendimento das crianças em idade escolar, muito menos estimar o

número de escolas em real funcionamento.

3.1.2 As práticas culturais do estado

Entre as práticas culturais mais antigas em Mato Grosso destacam-se as festas

religiosas e civis. Camargo (2012), em sua dissertação de mestrado em História, estudou um

dos festejos de maior euforia, que acontecia em algumas localidades de Mato Grosso e com

maior destaque em Cuiabá: as “corridas de touros” ou “tardes de touro”, denominação das

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touradas na época (COELHO, 1777 apud CAMARGO, 2012). Segundo a autora, as corridas

de touros, [...] foram introduzidas na segunda metade do século XVIII, pelas autoridades

coloniais européias portuguesas, compondo, entre outras atividades, o calendário de festas

profanas e religiosas da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá (CAMARGO, 2012, p. 20).

São diversos os registros dos locais de ocorrência das touradas na capital. O que

permite inferir que eram espetáculos itinerantes que dependiam da disponibilidade de espaços

livres na cidade que, porventura, não incomodassem a vizinhança. O historiador Rubens de

Mendonça (1977) relata que o local das corridas de touro variava conforme as crcunstâncias.

Teve início na Praça Alencastro, depois deslocou-se para a Praça Ipiranga, de onde foi

transferida para o Campo D’Ourique, em atendimento ao edital publicado no “Liberal” n°

421, de 21 de maio de 1876, com o seguinte anúncio:

Não estando a contento de algumas pessoas, cujas moradas dão em frente ao

largo Ypiranga, que ali se faça a armação de palanques e mais preparativos

para os touros; o encarregado desse divertimento anuncia, para a ciência do

público que a supradita armação se há de fazer na Praça do Alegre (antigo

Campo D’Ourique) e para cômodo dos espectadores se distribuirá o terreno

2ª feira, dia 22 do corrente’. (MENDONÇA, 1977, p. 92).

A praça de Touros era antigamente o Jardim Alencastro, depois foi

transferida para o Jardim Ipiranga, e em 1873 para a Praça do Alegre

(Campo D’Ourique) hoje, praça Moreira Cabral. (MENDONÇA, 1977, p. 3).

Profano e sagrado às vezes se entrelaçavam. Mendes (1977) conta que as touradas

eram eventos que ocorriam na mesma ocasião das festas religiosas, como a do Divino Espírito

Santo, estendendo-se por até uma semana, com animação de bandas de músicas e clarins. Os

festeiros, pessoas religiosas que se encarregavam de organizar a festividade, percorriam a

cidade cantando hinos sacros e com a bandeira do Divino, de casa em casa, buscavam prendas

e esmolas, doações em dinheiro ofertadas pelos fiéis, para ajudar no custo da festa. Os

festeiros permaneciam com suas casas abertas com a mesa posta para os visitantes. Na

madugada de quinta-feira, após a missa na Matriz, servia-se o “chá com bolo”, na casa do

festeiro e, em seguida, todos se deslocavam para o Campo D’Ourique para ver a corrida de

touros, durante toda a manhã. Á noite, eram leiloadas as prendas angariadas nas esmolas

(MENDES, 1977).

As touradas eram um verdadeiro espetáculo ritualesco, onde os participantes se

vestiam ricamente a caráter: “[...] Os trajes dos protagonistas da tourada eram elegantes e

vistosos. O toureiro usava um casaco aberto de cetim vermelho, por baixo um peitoral azul

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com botões dourados. Vestia calça branca, botas pretas e um elegante chapéu com plumas”

(CAMARGO, 2012, p. 31).

Segundo Camargo (2012), na sexta-feira e no sábado as touradas se realizavam no

final da tarde, a exemplo das touradas espanholas e portuguesas. E, no sábado

[...] era ainda o dia do espetáculo dos fogos de artifício que a todos

maravilhavam com a cortina de luzes que se formava no céu. E, finalmente,

para encerrar a festa no domingo à tarde, após missa solene, acontecia a

última grande tourada.

Vestiam-se as melhores roupas nessa ocasião. Nas touradas que aconteciam

nas noites de sexta, sábado e domingo, o povo literalmente fazia a festa.

Improvisavam-se botequins em torno do anfiteatro com bebidas alcóolicas e

jogos. Algumas vezes ocorriam brigas que acabavam com a intervenção da

polícia. (CAMARGO, 2012, p. 27).

Apesar do tom popularesco que as touradas possam insinuar, eram acontecimentos que

reuniam pessoas de todas as estirpes sociais – desde a elite a populares. Mesmo atraindo os

diferentes segmentos sociais, esses não se misturavam, pois o cenário do evento se

encarregava de selecionar o público.

[...] As pessoas mais favorecidas financeiramente ocupavam os camarotes

privilegiados pela sombra e pelo conforto que eram pagos, enquanto os

demais espectadores organizavam-se em volta do anfiteatro em que pesa a

clara segregação das classes nos espaços da tourada, esta era uma diversão

em que toda a sociedade comparecia, não ficando ninguém de fora, desde os

financeiramente privilegiados até os mais pobres que se acotovelavam nas

cercas ou embaixo dos palanques. (CAMARGO, 2012, p. 29).

Da segunda metade do século XVIII, as corridas de touros resistiram até o século XX,

quando, conforme registros, em 1936 aconteceu a última tourada em Cuiabá (CAMARGO,

2012). O fim das touradas corresponde à instalação de um novo período de modernização na

história, desencadeado por acontecimentos em escala global, que alteraram o modo de pensar

o mundo e tudo o que nele acontecia.

As primeiras décadas do século XX foram marcadas por fatos mundiais que deram

feições próprias ao novo século e o início de uma nova época. Segundo o geógrafo Milton

Santos (2008), após a Primeira Guerra Mundial acirraram-se os problemas sociais nas grandes

cidades e a nova mentalidade, estabelecida pelo advento da modernidade, exigia soluções

efetivas para o reordenamento das sociedades, principalmente as urbanas. A exemplos

brasileiros, cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, devido a um crescimento

hipertrofiado, haviam se tornado espaços insalubres. Segundo Janotti (1999), é por força dessa

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nova época que, a partir dos anos de 1920, nas principais capitais brasileiras, grupos de

intelectuais e artistas passaram a questionar essa realidade e, por meio de artigos publicados

em jornais da época, empreenderam ferrenhas críticas no sentido de derrubar os tradicionais

hábitos coloniais e chamar a atenção para as condições em que vivia a população brasileira,

apontando transformações que julgavam necessárias para colocar o Brasil em situação

equivalente, em civilidade e modernidade, às sociedades europeias da época.

O que a elite brasileira ostentava de europeu já não mais correspondia à Europa do

século XX. Era necessário ver as cidades brasileiras pelo prisma da modernidade, equipadas

com saneamento urbano e com as condições básicas de higiene pública, transporte e educação

para os trabalhadores, enfim, espaços modernos produzidos segundo os princípios científicos.

Contudo, não seria somente a materialidade da cidade que deveria se modernizar, a população

também teria que passar por um processo de civilização; e os antigos costumes, socialmente

aceitáves até então, agora, considerados bárbaros, deveriam ser substituídos.

Sevcenko (1995) chama a atenção para os indícios que paulatinamente se acirram

junto a uma sociedade que aspira pela instalação do moderno em detrimento ao tradicional:

[...] a condenação de hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade

tradicional; a negação de todo e qualquer elemento de cultura popular que

pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política

rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que

será praticamente isolada para desfrute exclusivo das camadas aburguesadas;

e um cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida

parisiense. (SEVCENKO, 1995, p. 30).

Nesse movimento, mesmo restrito à eleite local, Cuiabá ansiava por se modernizar.

Aquela cidade, com reputação de estagnada e isolada do mundo civilizado, também era vista

como tal por algumas personalidades letradas da capital. O advogado e literato José Barnabé

de Mesquita, fundador da Academia Matto-Grossense de Letras, fez, em 1927, as seguintes

observações sobre a cidade.

A Cuyabá de cem annos atraz era – relevem-me tão dura verdade – quasi a

Cuyabá de hoje. Não vejo uma rua que figure no actual cadastro municipal

que, bem ou mal, com este ou aquelle nome, não existisse naquela época.

Um bairro se quer apareceu de novo – a disposição urbana se conservou

invariavelmente a mesma. (MESQUITA, 1978, p. 103).

Assim como a cidade, atitudes e hábitos da população considerados como bárbaros e

os crimes que aconteceram em Cuiabá, desde o início de sua colonização em 1727 até 1879,

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não passaram despercebidos pela lente eugenista do intelectual cuiabano José Barnabé de

Mesquita. Seu estudo, intitulado Gente e Coisas de Antanho (1978), teve como finalidade

explicar cientificamente as causas dos crimes praticados e o atraso que se verificava na capital

de Mato Grosso. A origem de tantas adversidades sociais, como a indolência, preguiça,

indisciplina, a falta de amor ao trabalho e o alcolismo, principal causador dos crimes

violentos, segundo Mesquita (1978), resultavam da imposição genética do cruzamento do

sangue indígena com o dos negros africanos, que só seria solucionado com a depuração da

raça.

Advinha também, dessa mistura, o gosto da população pelos costumes arcáicos que

deveriam, às vistas da elite, serem extirpados do convívio social, entre eles

[...] estavam listados todas as diversões populares, como as touradas, a

congada os batuques e os jogos de azar. Tudo que lembrasse a origem dessa

população, a sua mescla com negros e índios, traduzida em hábitos pouco

recomendáveis, estavam portanto, condenados ao esquecimento. (MACIEL,

1992, p. 77).

Como explica Sevcenko (1995), a instalação da sociedade moderna é intolerante à

parcela da população que não consegue disciplinar-se aos novos modelos de prática social.

Estrategicamente, aos interessados pelo novo coube a utilização dos meios de comunicação

para divulgar esses modelos, ao mesmo tempo em que o Estado se encarrega de estabelecer as

leis que disciplinam a população a esses novos modelos.

O combate aos velhos hábitos, em favor da modernização de Cuiabá, era animado por

artigos e crônicas nos jornais da capital, que se encarregavam de marginalizar as práticas

consideradas atrasadas, ao mesmo tempo em que pretendiam ensinar a população a civilizar-

se.

Não há cousa que impressione de modo mais agradável n’uma casa de

família do que o acceio e a hygiene; o mesmo se verifica em relação a uma

cidade. Quem não póde possuir uma cidade com edifícios sumptuosos e

monumentos artísticos que a tenha ao menos limpa, acceiada e arborisada.

Para esse fim é necessário que se corrija o abuso de lançarem lixo e agoas

putridas pelas ruas e exgotos, transformando as travessas, as ruas e becos em

outros tantos depositos de immundices como entre nós acontece. (O

MATTO-GROSSO, 29.07.1928 n. 2114, p.1).

Como se observa, mesmo ainda não sendo Cuiabá um local de concentração dos

elementos materiais julgados necessários para ser uma cidade moderna, pelo menos seus

habitantes poderiam adotar hábitos de higiene e limpeza que deveriam ser praticados no

ambiente urbano e em suas casas, como forma de expressar a civilidade do seu povo,

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enquanto se aguardava a chegada do progresso que iria fazer a Cuiabá moderna, já presente

nas mentes letradas de então.

A exemplo do que se fazia na capital federal, em Cuiabá as violentas e grosseiras

brincadeiras do carnaval popular, como os entrudos e os jogos com limões de cheiro, eram

criticadas pelos jornais e, segundo Maciel (1992), gradativamente eram substituídas por

hábitos finos, amenos, civilizados, como as batalhas de confete,

[...] Os torneios entre clubes de foot ball e o footing das senhoritas nos

jardins públicos ao cair da tarde e até mesmo as corridas de automóveis,

cada vez mais comuns nas ruas da capital, estariam pouco a pouco

substituindo os hábitos antigos e atrasados, por outros, mais civilizados e

modernos. (MACIEL, 1992, p. 79).

Entre o que havia de desaparecer e ser esquecido no cenário da Cuiabá que se

pretendia moderna, figuravam as tardes de touros, que passaram a ser ferrenhamente

criticadas pelos jornais e pela Igreja Católica que, já na década de 1920, também condenava

os rituais africanos, como as congadas nas festas de São Benedito (CAMARGO, 2012).

As críticas dos jornais reportavam a reprovação de um comportamento que colocava

em dúvida a fé dos cristãos católicos.

[...] Onde ficam as convicções religiosas de tal gente? Na véspera

acompanham a procissão, contrita ou não, pouco importa, mas aparentam

crença; no dia seguinte batem palmas à primeira sorte do capinha. Em nome

de princípios, de moral, da solidariedade humana, da civilização, enfim, urge

que as touradas sejam excluídas dos nossos costumes. (O MATTO GROSSO,

03.07. 1928 p. 1).

Os jornais também se apegavam, não só pelo fato de que as touradas destoavam do

espírito religioso da Festa do Divino, mas, também, por ser capaz de corromper a dignidade

de pessoas de bem, induzido-as às práticas condenáveis que as levariam à ruína financeira de

si e do próximo.

Aproximam-se as touradas! Aproximam-se os dias fataes para revolucionar a

cabeça de muita gente que se diz séria e de bem, e onde o povo em massa irá

reunir-se. Aproximam-se também os dias e as noites de desenfreada jogatina,

o lugar onde os indivíduos se empenham para a ruína do próximo e,

finalmente a velhacaria. Para isso é necessário que a nossa polícia se coloque

em vigilâncias, fazendo mesmo como no ano de 1926, e impedindo

severamente que aquelle monstro negro que tanto mal faz e tem feito aos

bolsos da humanidade, não estenda ali sua tenda!! (O FERRÃO, 09.05.1929.

p. 1).

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Camargo (2012) observa que não havia sensibilidade por parte de quem criticava as

touradas, com relação aos atrozes maus tratos aos animais, que eram o motivo de divertimento

do povo durate os festejos. Se os moralistas condenavam a barbárie da tourada, era por

pensarem que ela tinha um efeito brutalizante sobre o caráter humano, tornando-os cruéis

entre si.

[...] o fato é que esse espetáculo estava associado, segundo estes articulistas,

à desordem, ao caos, à calamidade pública,ao jogo à transmissão de doenças,

à promiscuidade, a tudo aquilo que age contra a possibilidade de manter a

massa sob controle e disciplina, fundamentais para o projeto de civilização.

(CAMARGO, 2012. p. 51).

A observação de Camargo (2012) revela a fragilidade da ordem pública, representada

pela reunião da “massa”, por um motivo torpe que colocava, tanto os ricos quanto os pobres,

em diversas situações de risco, se não física, então, em prejuízos morais.

A condenação definitiva às touradas, no sentido de se preservar os animais quanto aos

maus tratos, ocorre em outra onda de modernização nacional, no governo do presidente

Getúlio Vargas, quando, pelo Decreto Lei n° 24.645, de 10 de julho de 1934, o Estado toma

sob sua tutela todos os animais existentes no país e determina que a prática de maus tratos e

atos de crueldade a qualquer animal torna-se crime que incorre em multa e prissão de 2 a 15

dias (DECRETO n° 24.645, DF., 10.07.1934).

Assim, no tempo que se fez necessário, o que antes era um acontecimento no qual elite

e povo se assemelhavam, por força da lei, marginaliza-se e cai no esquecimento. Ao tomar

para si a condução do processo modernizante, oficialmente o Estado, pelo seu poder, refina a

população e transforma o que outrora representava, não só a preferência do povo, mas

também da elite, em uma prática bárbara, com o intuito de disciplinar a população aos moldes

do que passou a ser considerado moderno e civilizado.

É nesse contexto que a administração do interventor Júlio Müller irá desenvolver seu

programa de modernização que atingirá os setores de atendimento ao público, como saúde,

educação em falta e, em especial, a modernização de sua capital. Naquele momento,

modernizar significava o rompimento com um passado de isolamento, exclusão e atraso, para

o descortinamento de um horizonte progressista representado pela revitalização de sua capital

e de sua gente. À Cuiabá do Estado Novo caberia sua consolidação como a capital de um

estado uno. As obras urbanas a serem edificadas redimensionariam seu papel de educar a

sociedade para as novas sociabilidades que se verificavam em todo o país. Assim, o sentido

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modernizador, presente nas novas técnicas de urbanização e na construção dos novos

edifícios, deveria também impactar na suposta mentalidade atrasada dos cuiabanos e

impressionar seus espíritos, a ponto de sentirem o desejo se modernizar e civilizar.

3.2 JÚLIO MÜLLER: O INTERVENTOR DE MATO GROSSO NO ESTADO NOVO

Mattogrossenses: tendes à frente do governo um administrador jovem e

ativo, desejoso de empreender e realizar, perfeitamente compenetrado das

responsabilidades assumidas perante seus concidadãos e o governo

nacional. Colaborai com êle, ajudai-o de boa vontade e provereis, assim, o

surto do vosso progresso. (VARGAS. O Estado de Mato Grosso,

04.10.1941, p. 1).

Estudar o processo de modernização de Cuiabá no período do Estado Novo seria uma

tarefa inconclusa se fossem negligenciadas as personalidades de quem protagonizou esse

importante episódio da história da modernização, não só de uma cidade, mas também, de

considerável parte do estado de Mato Grosso. Além dos evidentes interesses de integração e

desenvolvimento econômico por parte do governo federal, as tramas estabelecidas pelas

relações pessoais que, naquele momento, confundiam-se entre laços familiares e aproximações

políticas, tiveram fundamental importância para que, em menos de dez anos, Mato Grosso se

equipasse de elementos modernos e se descortinasse para um horizonte de possibilidades

desenvolvimentistas.

A história dos Müller em Mato Grosso, contada na obra memorialista “Júlio Müller, um

grande estadista”, de autoria do jornalista Pedro Rocha Jucá (1998), tem início com a chegada,

em 1843, em Cuiabá, do médico obstetra alemão luterano Augusto Frederico Müller, nascido

em New Brandenburg, Condado de Mecklemburg.

Jucá (1998) narra que o jovem médico se casou com D. Brígida Albertina de

Vasconcelos Pinto, filha de um português minerador, que possuía minas de ouro desde a Serra

de São Vicente até à região do Guaporé. Do casamento nasceram dois filhos, uma menina que

faleceu aos 19 anos, vítima de varíola, e um menino, em 1850, de nome Júlio Frederico Müller.

A narrativa prossegue: Júlio Frederico Müller se casou com Rita Teófila Corrêa da

Costa, filha do coronel e político Francisco Corrêa da Costa. Vale lembrar que os Corrêa da

Costa foram os que mais tempo permaneceram no governo de Mato Grosso. Desse casamento,

nasceram seis filhos: Frederico Müller, Frederica Müller, Fenelon Müller, Julio Müller, que

acrescentou Strübing quando rapaz, Rita Müller e Filinto Müller.

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Jucá (1998) conta que Júlio Müller nasceu na Fazenda Bom Jardim, no município de

Cuiabá, em 06 de janeiro de 1895 e, aos três anos de idade, para que os filhos estudassem, os

Müller se mudaram para uma chácara no centro de Cuiabá.

Júlio Müller se formou bacharel em Ciências e Letras pelo Liceu Salesiano e, com

aproximados 19 anos, iniciou sua carreira no magistério em uma escola particular. Após prestar

o serviço militar, foi nomeado diretor do Grupo Escolar de Poconé, ocasião em que se casou

com a ex-normalista Maria de Arruda, neta do ex-governador e senador Generoso Paes Leme

de Souza Ponce, nome expressivo na política matogrossense da Primeira República. Por parte

materna, Júlio Müller também possuía ascendência política, os “Corrêa da Costa”: bisneto do

primeiro Antônio Corrêa da Costa, governador da Província de Mato Grosso no período 1895-

1898 (JUCÁ, 1998).

Os desgastes da política oligárquica do presidente Artur da Silva Bernardes, entre 1922

a 1926, e o movimento para a sua deposição, denominado de Revolução Paulista de 1924,

repercutiram em Mato Grosso, reascendendo a ideia separatista da porção Sul do estado,

originada em 1892, quando se tentou implantar a República Transatlântica de Mato Grosso.

O ingresso dos irmãos Müller na política se deu nos movimentos de 1922 a 1926, em

oposição ao então presidente Arthur da Silva Bernardes, sendo que o então tenente Filinto

Müller, formado pela Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, em 1919, se envolveu nos

movimentos tenentistas, onde atuou ativamente na ocupação da capital paulista em 1924.

Exilou-se na Argentina e, ao retornar ao Brasil em 1927, foi preso por dois anos e meio. Em

1930, teve participação no movimento que culminou no fim da República Velha e levou

Getúlio Vargas ao poder. Foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Guerra,

posteriormente foi secretário do interventor federal em São Paulo e, em abril de 1933, foi

nomeado chefe de Polícia do Distrito Federal, cargo que ocupou por quase uma década

(FGV/CPDOC-DHBB, 2001).

Fenelon Müller se formou em engenharia civil pela Faculdade Politécnica de São

Paulo. Ao retornar para Mato Grosso, na década de 1920, seu primeiro emprego como

engenheiro foi em Três Lagoas, na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Ingressou na vida

pública quando foi eleito pelo voto direto para a intendência-geral em Três Lagoas, para os

anos 1924 a 1926. Nomeado pelo governador, seu primo, Mário Correa da Costa, também foi

intendente-geral de Cuiabá no período de 1927 a 1930. Por determinação do então presidente

Getúlio Vargas, assumiu a interventoria do estado de Mato Grosso, por indicação de seu irmão

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Filinto Müller, no período de 08.03.1935 a 28.08.1935 (PÓVOAS, 1992; JUCÁ, 1998;

SIQUEIRA, 2002).

Segundo Jucá (1998), o ingresso de Júlio Müller na política partidária se deu nas

eleições de 1° de março de 1930, ao declarar publicamente seu voto ao candidato da Aliança

Liberal, Getúlio Vargas, contrariando a posição de seu pai, o coronel Júlio Frederico Müller,

que foi intendente de Cuiabá, cargo correspondente a prefeito, nos anos 1907 e 1908. No

decorrer de 1930 foi nomeado prefeito, substituindo seu irmão Fenelon Müller, até 1933. Em

seguida, 1933 a 1935, exerceu a função de chefe de polícia e secretário geral do estado. Em

1935 foi eleito deputado estadual e, em setembro de 1937 foi eleito, pela Assembleia

Legislativa, governador do estado, para completar o mandato de seu primo Mário Correa da

Costa, que governaria Mato Grosso até agosto de 1939. Porém, com a instalação do Estado

Novo, em 24 de novembro de 1937, foi nomeado interventor federal, onde permaneceu até o

dia 08 de novembro de 1945, tendo como Secretário Geral do Estado de Mato Grosso seu

cunhado, o engenheiro João Ponce de Arruda, que anteriormente fora prefeito de Cuiabá.

Em consonância ao cenário da política nacional, o governo do interventor Julio Müller,

em sua administração, também se utilizava de um acentuado teor personalista. Pelos seus

discursos e matérias publicadas nos jornais e revistas, não só de Cuiabá como também do Rio

de Janeiro e São Paulo, o interventor buscava se aproximar da população ao projetar, não só

para Mato Grosso como também nacionalmente, uma imagem positiva, acessível e de

confiança, o que às vezes podia ser interpretado como exagerado, produzindo em torno de si e

de suas proposições políticas uma atmosfera de onipresença de sua administração, como forma

de persuadir a população aos seus ideais políticos, como se observa na nota jornalística: “S.

Excia. o Snr Interventor Federal tudo prevê e provê. A sua ação não se circunscreve a

determinada zona. Por toda a parte do Estado há atividade e trabalho” (O ESTADO DE MATO

GROSSO, CUIABÁ, 04.10.1941).

Utilizado como estratégia para o exercício do poder, o culto à personalidade é uma

forma de propaganda política que exalta a figura do líder, principalmente os ditadores, como

um mecanismo sutil de manipulação e dominação não explícito, ao mesmo tempo em que se

busca desmoralizar as frentes opositoras (D’ARAUJO, 2000). Cooptando as massas por meio

de discursos carismáticos, elogiosos e persuasivos, como no caso do Estado Novo, ao atribuir

ao povo brasileiro qualidades, como “ordeiro”, “tolerante de índole tradicionalmente pacífica”

que, diante de “[...] qualquer forma de conflito era passível de ser apresentada como estranha

ao caráter cordial e cristão do povo brasileiro” (GARCIA, 1999, p. 112). As artimanhas de

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endeusamento da figura do líder político pela propaganda foram uma estratégia intensamente

utilizada por políticos de regimes totalitários, como Joseph Stalin, Adolf Hitler, Benito

Mussolini e, por que não dizer, do próprio Getúlio Vargas.

Não só nos discursos, o culto à personalidade se expressa em homenagens,

concentrações cívicas e inaugurações de monumentos que reúnem multidões, retratos com

crianças e jovens, nos quais a figura do líder é considerada como “[...] a continuidade da

relação do espaço familiar, incorporando o mecanismo de identificação dos filhos com a

autoridade patriarcal no interior da família” (BERTOLINI, 2000, p. 134).

A exemplo da atribuição do título “pai dos pobres” ao presidente Getúlio Vargas, em

Mato Grosso atribuía-se ao interventor Júlio Müller, bacharel em Ciências e Letras, o título de

“advogado do povo”, por seu “destacado empenho à defesa das causas populares” e “precursor

da modernidade” (O MATTO GROSSO. EDIÇÃO COMEMORATIVA. Cuiabá, 1/12/ 1994, p.

3).

Em comemoração ao primeiro ano de administração de Júlio Müller em Mato Grosso é

publicado, no Diário Oficial de 02 de outubro de 1938, o convite, à população em geral e

autoridades, para a inauguração da fotografia do interventor no Salão Nobre do Palácio

Alencastro. Na imagem que segue, o retrato oficial do interventor federal Júlio Strübing

Müller.

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Imagem 02 - Júlio Strübing Müller

Fonte: http://www3.mt.gov.br/mato-grosso/historia/historia-de-mato-grosso/70485

Na edição do dia 06 de outubro de 1938, o Diário Oficial, em matéria sobre a

solenidade de inauguração do retrato, destaca que

[...] alude o Exmo. Sr. Interventor Federal à sua indesmentível solidariedade

com as classes pobres, à sua constante preocupação em melhorar-lhes as

condições de vida e ao que já tem, nesse sentido, realizado. Diz que

desfraldando, na oposição, a bandeira de luta, como agora desfraldada, no

governo, a da paz, foi nos seios das classes proletárias, dos deserdados da

sorte, que foi buscar apoio para as reivindicações que, como oposicionista,

sustentou contra a tirania de governos passados. (DIÁRIO OFICIAL,

06.10.1938, p. 1).

Como apontado anteriormente, sobre o culto à personalidade, o convite para a

inauguração da fotografia do Interventor e o trecho da matéria veiculada no Diário Oficial

chancelam o título de “advogado do povo”, atribuído a Júlio Müller, ao destacar o seu

comprometimento e solidariedade com a população menos favorecida.

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No Diário Oficial de 03 de setembro de 1938, no âmbito das comemorações alusivas à

Semana da Pátria, são publicados os agradecimentos do interventor à homenagem recebida dos

alunos do Liceu Salesiano São Gonçalo, onde também foi aluno.

Recordações como essas que vindes, esperançosos moços de minha terra,

despertar pelo contágio da vossa sadia alegria, do vosso garbo e juvenil

entusiasmo, na alma de vosso amigo, neste dia consagrado ao culto da

pátria estremecida, têm o poder sobrenatural de rejuvenescer os corações e

vivificar as nossas esperanças na grandeza do Brasil.

[...]

Jovens brasileiros, sereis em muito em breve responsáveis pelos destinos do

Brasil, Preparai-vos, cultivando os vossos espíritos, cultuando cada vez

mais a pátria bem amada, buscando na educação moral, cívica e cristã, os

princípios salutares, o apoio firme às vossas convicções de moços, para

serdes, amanhã, dignos da grandiosa missão que vos estará reservada.

Na nota publicada, verifica-se o empenho do interventor em divulgar seu compromisso

com a política nacional de formação do homem do Estado Novo: um cidadão patriótico,

cristão, trabalhador, empenhado na construção da grandeza do Brasil.

Visitas do interventor nas localidades de resistência à sua política eram nacionalmente

noticiadas como estratégia para demonstrar que, mesmo nesses locais hostis, a figura do

interventor se fazia presente em missão de apaziguar as diferenças. De autoria do jornalista

Júlio Barata, o editorial do jornal “A Pátria”, do Rio de Janeiro, em sua edição do dia 20 de

novembro de 1938, reporta sobre a primeira visita oficial do interventor a Campo Grande,

ocasião em que, segundo o jornal, atendeu a diversos populares que lhe comunicavam uma

série de reivindicações numa demonstração de proximidade com o povo daquela cidade.

É, com efeito, um grande exemplo, útil a toda nação, o que acaba de dar o

interventor federal naquele Estado, Sr. Júlio Müller. Esse administrador

moço, que não gosta de se exibir à luz dos reflectores da publicidade,

mostrou-nos, há poucos dias, como se interpreta e como se practica o lema

do novo regime, preconizado pelo presidente: não há mais intermediários

entre o governo e o povo. (A PÁTRIA, 20.11.1938, p. 1).

O pensamento modernizador, encampado pelo governo de Mato Grosso, se fazia

representar de maneira abrangente e de forma a se estender aos diversos setores produtivos e de

sua administração. Principalmente aqueles que consolidariam o papel de Mato Grosso no plano

nacional de desenvolvimento. No Diário Oficial de 23 de julho de 1939 foi publicada entrevista

do interventor sobre sua audiência com o presidente Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, na qual

relata:

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[...]

Encontrei, por parte do presidente Vargas e dos seus ilustres ministros, o

melhor acolhimento para os assuntos do maior interêsse de Mato Grosso,

principalmente sobre o fomento da produção agrícola e da pecuária,

fundamentos, por excelência, da economia nacional e bases em que se

assentam nossas principais fontes de rendas. Do ministro Fernando Costa

obtive a construção de um aprendizado agrícola orçado em dois mil contos,

e com capacidade para 500 menores. Essa construção já foi autorizada pelo

Sr. Presidente Getúlio Vargas.

A fim de distribuir junto aos fazendeiros, consegui, também, cinquenta

reprodutores da raça “Zebu”, e para os lavradores virão duas mil e

quinhentas mudas de cítricos, bem como de outras plantas adaptáveis ao

nosso clima, inclusive muitas sementes forrageiras e de milho. Ainda

naquele Ministério obtive cinco motores a gasogênio, para serem adaptados

aos caminhões do Estado, e que fosse determinado a abertura de poços

artesianos na Mina de Urucum, Município de Corumbá. (DIÁRIO

OFICIAL, 23.07.1939).

De acordo com o fragmento da entrevista, nota-se a preocupação em destacar os

investimentos destinados à modernização agrícola, tanto com a formação de mão de obra

qualificada, o que pode ser interpretado como exigência de um trabalhador que se adeque às

necessidades demandadas pelas transformações modernizantes, às quais o estado ingressara,

quanto com a inserção de práticas modernas de manejo para o melhoramento da produtividade

agrícola e pecuária com a introdução de novas raças e de novos cultivares. Evidencia-se o

aspecto modernizante também presente nas atividades rurais, de maneira a consolidar Mato

Grosso como produtor primário para atender os mercados nacional e internacional. Na

entrevista do interventor fica evidente que as demandas apresentadas/atendidas seguem a

política econômica modernizadora instituída pelo presidente Getúlio Vargas. Em outras

palavras, Mato Grosso ruma o caminho de uma agricultura e pecuária modernas com a

substituição das práticas agrícolas rudimentares.

3.3 MATO GROSSO E OS IDEAIS DESENVOLVIMENTISTAS DO ESTADO NOVO:

DISTANCIAMENTO E ATRASO A SEREM SUPERADOS

Em setembro de 1937 a Assembleia Legislativa de Mato Grosso elegeu o bacharel

Júlio Strübing Müller para governador. Com a implantação do regime autoritário

estadonovista, em novembro do mesmo ano, Júlio Müller, partidário aos ideais nacionalistas

modernizadores de Vargas, se manteve no poder como interventor federal até o fim do regime

do Estado Novo.

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Em consonância à política governamental de Getúlio Vargas, o governo interventor de

Mato Grosso deveria promover a modernização do estado, tendo como ponto de partida a

própria máquina administrativa. Para a moralização da administração do estado, a exemplo do

governo federal, com a criação do DASP, orientações técnicas e de racionalização dos

serviços públicos foram padronizadas e normatizadas a partir da publicação do Regulamento

da Secretaria Geral e das Repartições Públicas do Estado de Mato Grosso, em 1938. Já em

funcionamento nesse mesmo ano, a Diretoria de Estatística e Publicidade, divulga no Diário

Oficial de julho de 1937, edital de concurso público para preenchimento de vagas para aquela

diretoria. A partir de então, os serviços de atendimento público e o preenchimento de vagas no

funcionalismo deveriam observar os procedimentos técnicos discriminados no regulamento

para “[...] se evitar o favoritismo e privilégios observados em administrações anteriores qu

feriam a lisura dos órgãos públicos” (DIÁRIO OFICIAL, 16.11.1937, p. 4).

As deliberações administrativas de Júlio Müller se fizeram mostrar já no seu segundo

ano de administração. Em relatório referente a 1939, o Presidente de República foi informado

que a receita apresentou crescimento superior ao dobro, comparada aos últimos dez anos, o

que “[...] demonstra que a administração atual vem mantendo um grande ‘superávit’ o que

permite ao Estado a liquidação de débitos que se acumularam em consequência do regime

deficitário em que vinha o mesmo até 1936” (MATO GROSSO, 1939-1940, p. 5).

Porém, o desafio com que o interventor se deparava não se resumia à conjuntura

econômica. Antigas questões, como a ausência de um conhecimento técnico mais preciso

sobre os limites territoriais do estado, o potencial produtivo e as condições sociais das cidades

matogrossenses, além da questão do separatismo da porção Sul, se tornaram prioridades

prementes a serem incorporadas à política de integração nacional do Estado Novo. Os

matogrossenses, alegando o histórico abandono por parte da administração federal e

acreditando no possível progresso a ser promovido pela política varguista, entusiasmados

bradavam que enfim “Chegou a vez de Mato Grosso!” (O ESTADO DE MATO GROSSO,

14.07.1940, n. 253, p.1)

Em 1940, o total da população matogrossense se representava por 432.265 habitantes,

sendo 69,6% residentes na zona rural e 30,4% nas áreas urbanas (IBGE, Censo de 1940). Um

autêntico sertão que alimentava antigas preocupações devido à distância com as regiões mais

desenvolvidas, a fragilidade de uma população dispersa em um território de que pouco se

sabia sobre suas reais fronteiras, mas, que deveria ser incluído no ideal modernizante do

Estado Novo.

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Acompanhando as preocupações internas, desde a recessão iniciada em 1929, o

cenário mundial era de crise econômica e de insegurança política. O governo brasileiro

percebia a necessidade de pensar seus recursos internos a um possível autoabastecimento. A

situação evidenciava a emergência de se ocupar os espaços “vazios” interioranos expandindo

as fronteiras agrícolas em direção ao Centro-Oeste, interior do Nordeste e Amazônia. Segundo

Pinto (2009, p. 47), o Estado tinha também como meta:

[...] transformar os valores, práticas e ideias das populações que habitavam

estas regiões. Era a modernidade que se instalava no sertão como um passo

decisivo para a unidade nacional, a qual era vista desde o período imperial

como essencial para o processo de construção da nação. Na Era Vargas e, em

especial, no período de 1937-1945, a integração, unidade ou incorporação do

sertão ao nacional encontraria um momento impar de afirmação e busca de

saídas e soluções tornando-se um projeto especialmente caro ao Estado

Novo.

O progresso chega ao “sertão” e o retira do isolamento. Como explica Lacerda

(1994, p. 7), é a “[...] presença de um estado moderno em todos os setores da sociedade,

desempenhando o duplo papel de construtor e unificador da Nação”.

Lenharo (1986) explica que, em 1938, na formulação simbólica de sustentação do

regime estadonovista, instala-se a Marcha para o Oeste - um programa político de intenções

nacionalizantes com o objetivo de aproximar as regiões litorâneas brasileiras mais

desenvolvidas ao “sertão” ou interior “atrasado” e “incivilizado”, conforme os discursos da

época, em busca de uma efetiva Integração Nacional.

A proposta da Marcha para o Oeste era de instalar pontos avançados de

“colonização” dirigidos pelo Estado. Vargas formulou diretrizes,

administrativamente centralizadas, inspiradas na ótica nacionalista, com o

objetivo de ocupar os “espaços vazios” do Oeste e da Amazônia, para criar

no “novo espaço” a “nova ordem social”. Na sua visão, as fronteiras

econômicas deveriam coincidir com as fronteiras políticas. (LENHARO,

1986, p. 26, grifos do autor).

É no contexto da ideologia da integração do Estado Nacional e no âmbito da Marcha

para o Oeste que, segundo Bertolini (2000), se compreende as ações de modernização urbana

de Cuiabá e a construção de Goiânia, como estratégia de colonização da hinterlândia

(hinterland), expressão utilizada na época para o sertão. As propostas de colonização do Oeste

eram divulgadas pelo aparato propagandístico que, utilizando um discurso ufanista, tornavam

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públicas as potencialidades naturais de Mato Grosso, como a mineração, os solos férteis e o

potencial hidrelétrico, com se Mato Grosso fosse um novo El Dorado.

Realizar o desenvolvimento econômico de Mato Grosso era uma meta, para

Vargas, a ser alcançada a curto prazo, e isso se daria a partir dos

investimentos na agricultura e em condições de infraestrutura para

colonização e interiorização da região, um vez que o Brasil Novo

necessitava resgatar suas raízes no interior, reatando a campanha dos

primeiros construtores da nacionalidade – os bandeirantes. (DOURADO,

2007, p. 36).

A política da construção da nova identidade nacional do “novo homem”, ao resgatar as

raízes nacionais do bandeirantismo, do indígena, do caboclo, do sertanejo, como símbolos de

força e resistência, buscava o que havia de mais original na história do país. Seria o que

personalizaria o Brasil moderno, no contexto internacional dos países economicamente

desenvolvidos.

Além de toda publicidade, medidas concretas deveriam ser colocadas em prática para

reafirmar o interesse dos futuros matogrossenses. Dourado (2007) explica que, de acordo com

a historiografia, era necessário algumas medidas concretas indispensáveis para atrair os

trabalhadores, como a construção de estradas, saneamento, educação e transporte, para a região

“despovoada”. Essas reivindicações foram levadas pelo interventor, Júlio Müller, em janeiro de

1938, na primeira audiência com o presidente Getúlio Vargas.

A visita do interventor ao Presidente da República foi noticiada pela Gazeta de

Notícias, do Rio de Janeiro, então capital da República, transcrita na integra no Diário Oficial

de Mato Grosso.

Mato Grosso contém nos seus limites todos os elementos para ser no futuro

próximo, um dos Estados mais prósperos da Federação. As suas riquezas

incomensuráveis são tão grandes e tão intatas que suas florestas e suas

montanhas, os seus rios e as suas planuras, traçadas pela mão de Deus sob a

escala do infinito, ainda guardam o cheiro da virgindade da terra nos

primeiros dias do mundo. Com a exploração de suas jazidas e dos seus

campos, as gerações vindouras poderão fazer do Brasil uma das nações

mais opulentas e mais fortes do Universo. (GAZETA DE NOTÍCIAS apud

DIÁRIO OFICIAL, CUIABÁ, 22.02.1938, n. 7683, p. 1).

Por ser uma publicação na capital federal, a propaganda do governo pretendia, ao

enaltecer as riquezas naturais de Mato Grosso, projetar suas potencialidades em âmbito

nacional, de maneira a atrair a atenção de todo o país à expansão dos limites agrícolas que se

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pretendia desbravar com a Marcha para o Oeste, e mostrar de que maneira o estado se incluía

na onda desenvolvimentista nacional.

Os efeitos políticos da gestão interventora, já em 1938, se traduziram em ações para

viabilizar os pretensos ideais do governo. A dinamização das ligações entre Cuiabá e demais

regiões internas do estado e do país iniciou um período de intensificação das comunicações. A

empresa Serviços Aéreos Condor Ltda., que realizava voos comerciais apenas semanais entre

São Paulo e Cuiabá, passa a atender os interessados com mais dois voos semanais entre a

capital do estado e Corumbá, cidade que já possuía estradas de rodagem e ferrovia, o que

dinamizou o acesso de Mato Grosso à Região Sudeste do país (JUCÁ, 1998).

O serviço aéreo era de fundamental importância, naquele momento, para o

desenvolvimento de Mato Grosso e principalmente para Cuiabá, centro que recebia jornais e

revistas de São Paulo e Rio de Janeiro, que mantinha a elite intelectual informada sobre os

acontecimentos nacionais e internacionais. Em contrapartida, a interventoria federal concedia à

empresa Condor isenção de impostos e mantinha instalações na capital, para hospedar os

tripulantes dos hidroaviões. Era do interesse do governo manter esses serviços, pois a via aérea

representava um eficiente e moderno meio de transporte, que reduzia tempo e distâncias, de

maneira a facilitar a chegada de forasteiros ao estado em busca de novas oportunidades de

investimentos. Os hidroaviões da Condor foram utilizados até outubro de 1940.

3.4 A INTERVENTORIA E A PROPAGANDA MODERNIZADORA

Segundo Capelatto (1999), a propaganda é eficiente estratégia para o exercício do poder

em qualquer regime, porém, naqueles de tendência autoritária, graças ao controle dos meios de

comunicação, exerce censura rigorosa sobre o conjunto das informações veiculadas. Assim, ao

controlar e manipular as informações, os meios de comunicação pretensamente passam a

exercer o papel de porta voz da população e “[...] nos períodos autoritários, depois da escola

que instrui as novas gerações, é o jornalismo que circula entre as massas, encarregando-se de

sua informação e formação na ideologia em curso” (CAPELATO, 1999, p. 174).

Em Mato Grosso, como em todo o Brasil do Estado Novo, a comunicação também foi

um dos setores que recebeu atenção especial por parte do governo. Até a onda modernizadora

iniciada em 1939, nos últimos cem anos em Mato Grosso, “[...] mais de 120 jornais surgiram,

circularam e desapareceram [...] uma média de mais de um por ano” (PÓVOAS, 1983, p. 149).

Devido às condições materiais, eram periódicos de reduzida reprodução por instrumentos

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rudimentares de civilização, mas que sempre tiveram sua importância reconhecida para a vida

cultural matogrossense (PÓVOAS, 1983).

A composição da matéria era toda feita com tipos soltos, catados à mão,

pelo tipógrafo, [...] a impressão era feita em impressoras planas, acionadas a

pedal.

Quando aparecia algum clichê, era confeccionado de madeira, sculpido à

mão, com canivete, pelos curiosos artistas que sempre tivemos. (PÓVOAS,

1983, p. 149).

A grande revolução nas comunicações em Mato Grosso vai ocorrer com a

modernização dos equipamentos da imprensa oficial. Valendo-se das comemorações do

primeiro centenário da imprensa em Mato Grosso, a interventoria de Júlio Müller,

reconhecendo que o estado, diante das perspectivas de desenvolvimento, necessita modernizar

seus meios de comunicação, substitui os antigos equipamentos da Tipografia Oficial do Estado

por um maquinário moderno com alta capacidade editorial: quatro máquinas de linotipo e uma

rotativa. Não somente as instalações físicas receberam melhoramentos. No relatório

apresentado ao Secretário Geral do Estado, pelo então jornalista Archimedes Pereira Lima,

diretor da Imprensa Oficial, este informa que adotou um modo racional de escrita que

anteriormente se fazia incompreensível e sem método. No mesmo relatório justifica a mudança

de nome do expediente de comunicação.

Pelo regulamento, a repartição, que se acha equipada hoje, de máquinas

linotipo, não tendo, portanto, mais razão de ser denominada de

“Tipografia”, passou a denominar-se “IMPRENSA OFICIAL” e o órgão do

Estado “DIÁRIO OFICIAL”, em vez de “Gazeta” [...] em virtude da

tendência geral existente hoje no país de se padronizar as denominações das

repartições. (RELATÓRIO IMPRENSA OFICIAL, CUIABÁ, 1938, p. 4).

Expressa também no relatório o avanço do setor comunicativo de Mato Grosso,

representado pelas características modernas, ao relacionar a eficiência da máquina pela

substituição de pessoal e agilidade, economizando tempo.

A aquisição dessa moderna máquina representa um grande passo para a

evolução da imprensa do Estado. É a primeira máquina de compôr instalada

em Mato-Grosso e derminou ela uma verdadeira revolução nos nossos

métodos de trabalho. Fazendo grande economia de tempo, de pessoal e

material, pôde ela compôr o jornal todo, com a vantagem ainda de se ter,

diariamente, material novo, [...]. Foi este, sem duvida, o maior

melhoramento e a maior reforma que conhece esta repartição em toda sua

existência. (MATO GROSSO, Relatório Imprensa Oficial, 1938, p. 7).

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No dia seguinte ao da inauguração, o Diário Oficial, já impresso na nova “rotativa”,

traz a cobertura sobre as solenidades de inauguração. Além do grande público em geral,

estiveram presentes autoridades, intelectuais e, às 17:15 h,

[...] o Revmo. Padre Teodoro Kolkzichy, Vigário da Capital, procedeu à

benção da nova máquina. Após proferir a oração do ritual, seguida de

ligeiras palavras alusivas ao ato, pronunciou ligeiro discurso, abrindo a

solenidade, o Diretor da Imprensa Oficial, Advogado Archimedes Pereira

Lima. (DIÁRIO OFICIAL, CUIABÁ, 15.08.1939).

Imagem 03 – Foto da Inauguração da nova rotativa da Imprensa Oficial

Fonte: Müller (1994, p. 117).

O novo equipamento inaugura também, o que relatou Archimedes Pereira Lima, a

“indústria jornalística do Estado” que em breve se tornaria “[...] numa repartição industrial das

mais rendosas do Estado” (MATO GROSSO, Relatório Imprensa Oficial, 1938, p. 10). Além

dos documentos oficiais, como o Diário Oficial, a Imprensa do Estado passou a editar no mês

seguinte, o jornal “O Estado de Mato Grosso”. Segundo Jucá (1998), esse periódico introduziu

o jornalismo informativo e diário na imprensa matogrossense. Com sucursal sediada no Rio de

Janeiro, diariamente Cuiabá recebia notícias da Europa e dos Estados Unidos por meio de

várias agências telegráficas (PÓVOAS, 1983).

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Porém, já na edição de inauguração, entre as notícias dos conflitos na Europa, fica

claro a que veio esse jornal. A matéria intitulada “A administração Isác Póvoas” traz o seguinte

texto:

A boa administração do município da capital valoriza e recomenda o

governo estadual. Aquele que sente a necessidade de seus munícipes, que

sabe aplicar os dinheiros públicos em obras de interesse coletivo, que possui

o senso das suas responsabilidades, é um administrador merecedor da

estima e do respeito dos seus concidadãos.

Nesse sentido é que se orienta a administração Isác Póvoas na prefeitura de

nossa Capital. Graças à sua operosidade, Cuiabá se moderniza e se valoriza

cada dia com novas obras públicas e tudo está a indicar que novas

transformações aí vêm. Todos sentem o surto de renovação e de progresso

que vitaliza nossa velha Capital. (O ESTADO DE MATO GROSSO,

27.08.1939, ano 1, n. 1).

A nota projeta o prefeito de Cuiabá como sendo uma pessoa de sensível

responsabilidade, respeitador do interesse coletivo, que se coloca no lugar do cidadão comum

para melhor administrar os recursos públicos, ao mesmo tempo em que está empenhado nos

propósitos modernizadores de renovação da velha cidade e, consequentemente, da vida da

população projetada nas perspectivas de transformação.

Percebe-se, então, que, no período estudado, a imprensa deixa de ser um veículo

imparcial de informação para se configurar num instrumento de convencimento, utilizando-se

dos discursos otimistas e doutrinários proferidos pelos homens do governo, que são

apresentados com as qualidades que o regime desejava incutir no cidadão comum –

responsável, trabalhador, honesto, patriota e cristão, como um modelo de cidadão a ser

incorporado pela população em geral. A opinião pública não seria apenas o alvo para as

informações, mas, sobretudo, doutrinada, reeducada conforme os princípios da ideologia

estadonovista.

Assim como a imprensa, a radiodifusão também fez parte das ações modernizadoras da

comunicação em Mato Grosso. Até os anos de 1930 não havia os serviços de radiodifusão em

Mato Grosso. As ondas que aqui chegavam eram emitidas há muitos quilômetros de distância.

Era uma curiosidade imensa ouvirmos outros centros do Brasil e,

principalmente Buenos Aires, que sempre se ouviu muito bem em Cuiabá.

Ficávamos sintonizados na “Rádio Stentor” daquela metrópole platina, que

intercalava com notícias daquele país e lindos tangos, o anúncio até hoje

utilizado por uma das maiores casas comerciais daquela cidade [...].

(PÓVOAS, 1983, p. 178).

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Essa curiosidade, à qual o autor faz referência, ao mesmo tempo em que revela sua

simplicidade pelo gosto em ouvir o rádio, traz uma contradição diante dos interesses

nacionalizantes do Estado Novo. Essa contradição se verifica na matéria intitulada “Rumo ao

Oeste”, da revista A Violeta, de 1939, quando expressa a preocupação dos seus editores com a

falta de uma emissora de rádio que dê cobertura 24 horas aos

[...] longínquos recantos do país. Em Mato Grosso, as estações nacionais

são sintonizadas somente à noite. [...] durante o todo o dia, em estações

estrangeiras, notadamente argentinas, que são as que mantém irradiação

permanente em ondas curtas – estamos nessas condições, debaixo da

influência argentina. (A VIOLETA, 29.08.1939, p. 2).

Não deixa de ser um meio de uma cultura estrangeira se infiltrar no cotidiano de uma

região do Brasil que necessitava se integrar aos ideais políticos e culturais nacionais e, dessa

forma, o ingênuo ato de se ouvir programas radiofônicos possa representar uma possível

ameaça aos objetivos nacionalistas.

O rádio, no período do Estado Novo, era defendido pelos ideólogos nacionalistas como

um instrumento de educação coletiva “[...] com vistas à formação da consciência nacional

considerada indispensável à integração nacional [...]”. Em 1931, foi criado o programa “Hora

do Brasil”, reestruturado em 1939, após a criação do DIP. O programa tinha três finalidades:

informativa, cultural e cívica (CAPELATO apud PANDOLFI, 1999, p. 176). A autora observa

que o rádio representava um veículo de acesso às longínquas regiões, contribuindo para o

desenvolvimento do homem do interior e sua integração na coletividade nacional.

Funcionando desde 1939, “A Voz do Oeste” foi solenemente inaugurada somente em

1944. Segundo Jucá (1998), a solenidade de inauguração teve como principal oradora a

primeira dama do Estado, Sra. Maria de Arruda Müller, que “[...] ressaltou a importância dos

meios de comunicação, principalmente do rádio, a última novidade do setor naquela época”

(JUCÁ, 1998, p. 254). Com horários ainda diariamente restritos, das 10:30 às 14:00 horas e das

17:30 às 21:00 horas, a população em Cuiabá passa a ter acesso a programas gravados na

Radio Nacional do Rio de Janeiro, como a Hora do Brasil, noticiários, radionovelas, programas

humorísticos e de orientação de higiene e saúde.

Tanto o jornal quanto o rádio foram transformados em poderosos instrumentos

utilizados pelo governo em disseminadores dos princípios ideológicos do Estado Novo para a

formação de uma nova consciência nacional. Em Mato Grosso, a ênfase dada aos meios de

comunicação, no que se referia ao sentido do novo, tanto no regime quanto no homem, na

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sociedade e no país, era visualizada na materialização das obras erigidas pelo Estado, o que era

enfaticamente divulgado, de maneira a evidenciar um contraste entre uma situação do passado,

marcada pelo atraso e abandono e a atual, um estado com sólidas perspectivas de progresso,

incluso no ideal moderno de desenvolvimento nacional.

A seguir, o capítulo quatro apresenta como as intenções modernizadoras do poder

público se matereializaram na paisagem urbana cuiabana e na configuração de um espaço

moderno enquanto estratégia para a formação do novo homem.

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CAPITULO IV

MODERNIZAÇÃO DA CAPITAL

MATOGROSSENSE: A FORMAÇÃO DO

CIDADÃO MODERNO

Avenida Getúlio Vargas – anos 40

Fonte: APMT

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As transformações urbanas, ocorridas em diversas cidades no período do Estado Novo,

integram um projeto de modernização nacional que deveria promover o Brasil ao rol dos

países capitalistas desenvolvidos via industrialização e, ao mesmo tempo, construir uma nova

identidade nacional que refletisse o potencial do trabalhador brasileiro.

Santos (2010) explica que, naqueles anos, as questões que envolviam o cenário

nacional nas esferas social, urbana e cultural se relacionavam à necessidade de uma definição

da identidade da nação brasileira fundamentada em pilares modernos, porém, que lhes

assegurasse a sua individualidade em um contexto internacional de modernização. Para

Gomes (2011), o projeto de modernidade visava, segundo os ideais iluministas, buscar o

progresso humano através do desenvolvimento intelectual do homem, ampliando sua

mentalidade a partir das organizações sociais que atuassem de modo racional. A autora

explica que

Ampliando o intelecto criticamente, ele (o homem) gradativamente

assumiria uma posição de libertação das instituições. Sendo assim elas

seriam apenas norteadoras para a descoberta da sua própria racionalidade,

onde por intermédio do saber se buscaria a libertação das irracionalidades do

mito, da religião, da superstição, do uso arbitrário do poder até que se crie

uma lógica própria do mundo. (GOMES, 2011, p. 519).

Assim, as necessidades materiais e espirituais seriam suprimidas com a união entre

ciência e tecnologia, o que resultaria na potencialização das capacidades humanas. Algumas

expressões dessa união podem ser observadas nas transformações das cidades europeias que

buscavam na associação do monumental e do “belo” com as invenções aplicadas em

atividades cotidianas citadinas, como a luz elétrica, o telefone, o bonde, as máquinas

industriais e nos grandes e cada vez mais luxuosos trens de ferro (GOMES, 2011), numa

dinâmica de produção e de consumo.

A modernidade se caracterizou, portanto, em princípio, por intenções virtuosas que

deveriam atingir a todos de forma abrangente e visível. Era um plano de melhoria que

ambicionava redefinir o indivíduo e, assim também, suas relações com o mundo. Mais que

uma mudança estética ou comportamental, almejava transformar as mentalidades, fazendo o

ser humano necessitar ser moderno.

Para tanto, era necessário criar situações que superassem a ruptura com o antigo,

produzindo um mal-estar nas pessoas caso não pretendessem se modernizar. Assim, foi na

ideia da necessidade de melhorias na vida em sociedade, possibilitadas por um determinado

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sistema político e cultural que os discursos modernistas se apoiaram e que é possível

vislumbrar nas transformações ocorridas na capital matogrossense.

4.1 CUIABÁ: DO “ISOLAMENTO” BUCÓLICO AO URBANO MODERNO

A capital matogrossense apresentava características rurais, com ruas de barro batido,

com esgotos abrindo caminhos por lamaçais, onde animais, como porcos, galinhas, cavalos e

vacas, circulavam livremente pelas vias da cidade. As principais atividades culturais públicas

aconteciam no coreto do jardim Alencastro, e, ao seu redor, novos casais se formavam, novas

amizades e novos (ou velhos) destinos para o estado eram traçados.

As lembranças da população se remetem a uma população calma, “[...] com as pessoas

se encontrando nas praças e nos jardins, ao ritmo das músicas, das retretas. As famílias

visitavam-se, os aniversários eram festejados (...) o povo demonstrava nas ruas o fervor

religioso” (MACHADO apud ROSA, 1990, p. 62).

Conforme Sá (2007, p. 120), “[...] a Cuiabá do início do século XX era uma cidade

pacata, com casas de adobe, grande parte caiada de branco, bondes puxados a burro e

lamparinas de querosene; a compor uma paisagem bucólica de cidade de interior”.

Imagem 04 - Foto de Cuiabá, década de 1930

Fonte: Lázaro Papazian (Cháu), Iphan/DID/ANS-RJ.

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A fotografia mostra, do morro da Igreja do Rosário em direção á porção central da

capital de Mato Grosso. Sobre o leito do Córrego da Prainha, a ponte que ligava o 1° Distrito

ao bairro Coxipó. Ao fundo, à esquerda, a Catedral. No centro da fotografia, as palmeiras

indicam o Jardim Alencastro, local da convivência cuiabana da época.

Conforme Ayala e Simon (1914, p. 320), a cidade se desenvolveu segundo as

necessidades e os caprichos dos antigos mineradores de ouro.

[...] dividida em dois distritos e conta com 24 ruas, 1 praça e 28 travessas,

sendo a Rua Barão de Melgaço, a mais extensa, com quase três quilômetros;

existem alguns edifícios públicos e particulares de feição moderna, dois

elegantes jardins situados nas praças Coronel Alencastro e Marquez de

Aracaty, uma linha de transways (bonde puxado a burro) com o ramal para o

Matadouro e outro mais de um quilômetro para a fábrica de cerveja.

Devido ao fato de as casas serem geminadas, a convivência entre vizinhos era

inevitável, facilitando a constituição de um ambiente familiar e cordial entre eles. Mas,

segundo Sá (2007, p. 122), cabia às crianças levar “[...] mais longe as raias da vizinhança,

entrando nas casas com toda familiaridade, muitas vezes, sem bater palmas para se anunciar,

já que as portas de entrada permaneciam sempre abertas”.

A convivência entre as famílias, compreendendo adultos e crianças, se dava

também no fim do dia, quando, à luz da lamparina de querosene os vizinhos

colocavam suas cadeiras na calçada para tirar uma prosa. A roda se desfazia

às nove horas, pois se acordava cedo com as vozes do padeiro, peixeiro e

verdureiro. (SÁ, 2007, p. 123).

No entanto, aos olhos dos viajantes, Cuiabá não se apresentava de modo agradável.

O porto de Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, é de uma monotonia

fatigante: sobre a barranca de terra vermelha, matizada pelo verde escuro das

plantas daninhas, ergue-se uma dúzia de casas sem alinhamento, algumas

branqueadas e outras com a ossada de “adobes” à mostra. Uma rampa mal

construída e pior conservada serve de praia para o desembarque, que é feito

em 'canoas', sistema de embarcações acionadas a remos por mulatos quase

nús. [...]

Mesmo com a chuva cuidei do desembarque. Em terra esperei o bonde,

único gênero de locomoção que existe aqui para passageiros; o bonde não

veio e a pé fiz a caminhada à cidade, longo percurso de quase quatro

quilômetros de mal caminho.

Ao empedramento que cobre o sólo argiloso da capital os naturaes dão o

nome de “calçamento”, e com a chuva, onde havia antes apenas buraco, há

agora buraco e lama. Na orla das casas o mato cresce viçoso para o sustento

barato dos animais que pastam.

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Nos flancos do casarão do “Arsenal” depara-se soberbo campo de

experimentação de cultura de plantas, e mais além, na baixada da

“Enfermaria”, uma lagoa de águas barrentas purifica o ambiente. A

conservação desse depósito de água e lôdo merece pirotécnicos encômios, e

mostra que os encarregados municipais de serviço sanitário são uns

beneméritos.

Povo feliz! Tem um reduto servindo à decomposição orgânica, só tolerável

quando a antiprofilaxia andava em fraldas de camisa pelas ruas, sem as peias

dos princípios da ciência, e nada reclama, nem se incomoda com as

emanações que servem de veículo ao impaludismo e ao tipo!

A rua que vou seguindo, a rua “Grande”, se não é longa como o caminho das

Índias, é semelhante pelos tormentos. A 'buraqueira' inflinge aos pés

caminheiros transes terríveis e obriga o transeunte a pirueta de moitu

contínuo. Um companheiro de viagem mostrou-me coisa pior: lugares no

centro da cidade em que se precisava levar o lenço no nariz para disfarçar

com o perfume do mesmo, os odores mefíticos que desses pontos se

desprendiam, com prejuízo da saúde pública.

Ninguém se magoa; verdadeiramente a cidade retrógada-se, mas o

contentamento é geral porque está decidido que a praça da “República”, vai

possuir uma estátua. [...]. (O Commercio, 12/01/1911, n. 46, p. 3).

É interessante observar que, ao olhar do estrangeiro, o povo se encontrava mais

preocupado com banalidades do que com o seu saneamento básico, o que não era verdade.

Silva (2015, p. 41), ao analisar a cidade pela ótica dos administradores, constata que “A

circulação de animais pelas ruas da cidade irritava a administração pública, não só por causa

dos dejetos, mas devido à manutenção dos jardins e à má impressão que dava aos visitantes,

talvez denunciando o aspecto rural da Capital”. Tal afirmação pode ser confirmada por meio

do relatório da Prefeitura Municipal:

A criação de porcos e a manutenção das cavalariças foram apontadas pelo

Intendente Hermenegildo de Figueiredo (1915) como as principais causas

prejudiciais à salubridade pública. Quatro anos depois, em 1919, o

Intendente Alexandre Addor afirma ser ‘revoltante o costume de criar porcos

nos quintais’ sendo, este hábito “um contrasenso dos mais perigosos à saúde

local”. (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1919, p. 4).

Os parcos recursos municipais, devido a vários fatores, entre eles as constantes lutas

armadas que invadiam as ruas das principais cidades, inclusive da capital, faziam com que o

poder público investisse na segurança, o que tornava inexequível qualquer melhoria na

capital. A precariedade dos cofres públicos unia-se aos hábitos que persistiam entre os

cidadãos, como jogar lixo no córrego, deixar animais soltos, entre outros, o que contrastava

com os “ares modernos” pretendidos à capital.

Porém, as preocupações das autoridades, no passado, não foram suficientes para sanar

as questões de salubridade urbana. No início de 1929, o então prefeito engenheiro Fenelon

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Müller, em relatório das atividades municipais do ano anterior, ao se referir à limpeza pública

e remoção de lixo doméstico, declara que: “Este serviço tem sido feito com manifesta

deficiência. Grande parte da cidade tem deixado de receber o seu benefício, pois, como o

sabeis, o serviço era até 31 de Dezembro, feito apenas nas ruas mais centraes do primeiro

districto” (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1929, p. 10).

Quanto à manutenção da limpeza das ruas e praças, a narrativa do prefeito possibilita a

ideia de como se caracterizava o adensamento urbano da capital matogrossense naquela

época.

Este serviço mereceu bastante atenção da minha administração.

E se as nossas ruas e praças não mostraram durante o anno melhor aspecto, a

razão principal está em factores que não podem ser removidos de um

momento para outro, tendo entre eles primazia o crescimento irregular da

nossa cidade, cujos bairros de construção mais ou menos concentrados, estão

ligados entre si, por vias de raras construcções, havendo, por isso, grandes

áreas não aproveitadas covenientemente, que apenas oneram a limpeza

pública. (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1929, p. 12).

Antigos hábitos expressivos da natureza rústica da população de Cuiabá, mesmo sob o

risco de pagamento de multa determinada por lei municipal, parecem se eternizar no cotidiano

do que se pretendia citadino. Verifica-se que, além de “cães vadios”, outros animais ainda

compartilham com a população o espaço da cidade, fazendo parte da convivência urbana.

Continua, infelizmente, entre nós o máu hábito de se deixarem soltos pelas

ruas e praças publicas animaes de tiro ou de sella, vaccas, cabras, porcos,

etc.

É um hábito que não póde continuar, senão só pela má impressão que causa

aos adventícios, como pela tranquilidade que dele decorre para os

transeuntes. (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1929, p. 12).

Interessante é que, mesmo com a determinação da lei e o desejo de impregnar Cuiabá

de ares urbanos, a administração municipal pondera sobre a resistência da população em

abandonar antigos os hábitos e toma uma decisão política e educativa:

Resolvi iniciar um combate lento, porém contínuo, a esse velho hábito.

Não convinha agir bruscamente porque, entrelaçado com esse problema,

surgia o de abastecimento de leite à população e o de forragem para os

animais.

Era preciso provocar a adaptação à nova exigência. (CUIABÁ, 1929, p. 13).

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Em 1958, a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros faz a seguinte referência sobre o

cenário político social de Cuiabá:

Até 1930 a sociedade cuiabana vivia em compartimentos estanques,

formados por clãs políticos do coronelato. Havia o coronel engenheiro, o

coronel médico, o coronel comerciante, o coronel industrial, o coronel

agricultor, fazendeiro, etc., todos influentes na política tumultuada do

Estado, e, como tal influentes nas decisões administrativas.

Fora dêsse círculo convencional, o povo não representava nenhum poder

atuante, nem mesmo congregava em classes, de caráter operário ou agrícola.

(IBGE, Enciclopédia, 1958, p. 173).

Urgia a alteração do cenário urbano e novas posturas do cidadão residente na capital,

como superação de suas características e hábitos rurais. Era preciso modernizar. Júlio Müller

se ocupou dessa responsabilidade.

4.1.1 As “obras oficiais” e a modernização do cenário urbano de Cuiabá

Refletir sobre a dimensão educativa da cidade de Cuiabá, no período do Estado Novo,

implica a compreensão de seu contexto político e social delineado pelo “isolamento” do

interior brasileiro e pelo seu rudimentar desenvolvimento urbano. Vale ressaltar que a

localização de Mato Grosso representava importância geopolítica diante das intenções

estadonovistas de integração nacional, inclusive devido aos seus limites com a Bolívia e

Paraguai.

Uma das ações para a modernização da capital de Mato Grosso foi a remodelação do

cenário urbano em um conjunto de edificações, denominado de “Obras Oficiais”, financiado

pelo governo federal. Com técnicas arquitetônicas arrojadas e o emprego, na época, de

materiais inovadores, essas obras introduziram signos da modernidade urbanística à capital

matogrossense e provocaram descontinuidade no estilo de vida da sociedade local,

contribuindo para a formação de novas sensibilidades em seus habitantes (LACERDA, 2004).

Esses signos eram representados não só por elementos materiais, como a remodelação do

centro da cidade segundo os princípios da racionalidade funcional do urbanismo moderno e

suas características físicas de monumentalidade e simetria com a introdução de novos estilos

arquitetônicos e elementos da construção civil, como o cimento armado e o ferro, materiais

ainda inéditos em Cuiabá. Ambientes, como o Cine Teatro, o Grande Hotel, além de outros, e

as inovações introduzidas na organização dos serviços públicos, como a saúde, que passou a

contar com profissionais aperfeiçoados em São Paulo e Rio de Janeiro, intencionalmente eram

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divulgadas pelos meios de comunicação com a intenção de influenciar a população a ter uma

percepção otimista ao novo tempo que se inaugurava.

As “Obras Oficiais” foi um programa de desenvolvimento que, em menos de dez anos,

equipou a cidade com diversas obras públicas. Naquela época, Cuiabá era organizada em três

distritos. Sendo o 1° Distrito a área central da cidade, o 2° Distrito correspondia à parte mais

antiga, a região do porto localizada na margem esquerda do rio Cuiabá, onde aportaram os

fundadores da cidade e o 3° Distrito, localizada à margem direita do Cuiabá, hoje, município

de Várzea Grande. As referidas obras são citadas pelo engenheiro Cássio Veiga de Sá (s/d, p.

179), e organizadas conforme sua a localização como mostra o Quadro 3, a seguir.

Quadro 3 - Obras Oficiais

OBRA LOCALIZAÇÃO

01 Residência dos Governadores

Cuiabá

1° Distrito

02 Avenida Getúlio Vargas

03 Grande Hotel

04 Cine Teatro de Cuiabá

05 Secretaria Geral

06 Palácio da Justiça

07 Colégio Estadual

08 Estação de Tratamento de Água

09 Estação Elevatória de Água

10 Maternidade

Cuiabá

2° Distrito 11 Ponte sobre o Rio Cuiabá

12 Pavilhão de Exposição Agro-Pecuária

13 Usina de Pasteurização de Leite Cuiabá

3° Distrito

14 Hotel das Águas Quentes Serra de São Vicente

Fonte: Memórias de um Cuiabano Honorário (SÁ, s/d).

Para execução do programa das Obras Oficiais a interventoria do estado contratou a

firma Coimbra Bueno & Cia Ltda., do Rio de Janeiro, responsável por diversos projetos de

remodelação e embelezamento urbano de cidades do país, como Rio de Janeiro (AZEVEDO,

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2012), Porto Alegre (SOUZA; ALMEIDA, 2012) e a construção de Goiânia (PINTO, 2009),

com assessoria do urbanista francês Alfred Agache.

À frente da execução das obras foi nomeado Cássio Veiga de Sá, engenheiro

responsável técnico pelas edificações, fixando residência em Cuiabá.

Em seu relato de chegada do Rio de Janeiro a Cuiabá, em 1939, Veiga de Sá remete

o cotidiano cuiabano a um cenário rural:

[...] diariamente, pela manhã, o leiteiro, [...] trazia o leite, em vasilhames

apropriados. Depois passava o vendedor de peixe com um carrinho de mão

que trazia o pescado na madrugada e logo depois o verdureiro. Os fogões

daquela época consumiam lenha [...]. Mas não tínhamos problemas porque

o vendedor de lenha também oferecia diariamente ao consumidor, em

achas, a lenha [...] pois ele conduzia um boi com duas bruacas, assim

chamadas grandes bolsas feitas de couro cru, onde colocava verticalmente

as achas de lenha.

[...]

O mais curioso é o vendedor de leite de cabra que com quatro ou cinco

cabras com um sininho no pescoço, circulava pelas ruas e, à porta do

consumidor interessado, parava e tirava o leite; aspecto muito curioso,

desaparecido, de uma época que já passou (SÁ, s/d, p. 55-57).

Outro fator relevante, a se considerar, era o desenvolvimento desigual entre as porções

Norte e Sul do estado, o que denotava uma tradicional competitividade entre Cuiabá, a capital

e Campo Grande, cidade localizada no Sul do estado que, devido ao seu desenvolvimento

econômico e urbano, insistia na expectativa de se tornar sede do governo. O discurso dos

mudancistas alegava que Cuiabá,

[...] não tinha condições básicas para ser a capital. Por ser próxima aos

grandes centros, Campo Grande, diziam eles, era mais bem dotada de

infraestrutura urbana, pois ligava-se a São Paulo e Rio de Janeiro por estrada

de ferro, enquanto que Cuiabá, na ocasião, só podia valer-se da via fluvial

para transporte de cargas e passageiro e do hidroavião. Cuiabá, [...] não

possuía edifícios para instalar o governo nem mesmo um hotel para receber

os visitantes. (FREITAS, 2011, p. 201-212).

Alardeava-se que a localização interiorana de Cuiabá era a causa do atraso que se

refletia na economia e em seus aspectos urbanos. Diante da política de integração nacional, o

governo federal de Getúlio Vargas colocou em prática diversos programas de

desenvolvimento e colonização para expandir as fronteiras internas do país. Era estratégico

para a política de integração nacional que Cuiabá fosse fortalecida enquanto capital do estado.

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A um olhar mais atento evidencia-se que o estigma do isolamento de Cuibá se tratava

de uma alegação pejorativa na disputa política entre oligarquias do Sul e do Norte. O fato é

que, mesmo em tempos remotos, o isolamento nunca foi absoluto (BORGES, 2014). É

interessante destacar que a efetiva navegação no rio Paraguai, em 1870, fez de Cuiabá a única

capital brasileira a ter ligações com três capitais federais: Montevideo, Buenos Aires e Rio de

Janeiro.

A execução do programa “Obras Oficiais” procurou diminuir as diferenças estruturais

urbanas entre Cuiabá e outros centros nacionais mais desenvolvidos. Para tanto, não se

mediu esforços e o uso do prestígio político da administração do interventor Júlio Müller. Em

sua administração, a capital matogrossense vivenciou um momento célere de transformações

urbanísticas executadas com o apoio do presidente da república,

[...] circunstância que contribuiu para emprestar prestígio à ação

governamental do Interventor Júlio Müller, - e esta de modo decisivo -, foi a

presença de seu irmão, o capitão Filinto Müller, num dos mais altos postos

do País, que era, na época, chefe de Polícia do Distrito Federal, diretamente

ligado à pessoa do Chefe do Governo da República. (PÓVOAS, 1992, p.

105).

Na esteira do progresso, concomitante às construções oficiais, obras particulares e de

instituições de interesse público também foram erigidas na capital matogrossense, pela

empresa Coimbra Bueno & Cia. Ltda., entre elas destacam-se os edifícios do 16º Batalhão de

Caçadores de Cuiabá, a construção de um Centro de Saúde, as novas instalações do Clube

Feminino e do Abrigo Bom Jesus, e o Palácio Episcopal, além de edificações para fins

comerciais e onze residências; marcaram um novo período na urbanização da cidade e

introduziram o vínculo empregatício com registro em carteira profissional do Ministério do

Trabalho e do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, inicialmente pelos

trabalhadores contratados pela “Coimbra Bueno”, em São Paulo e Rio de Janeiro e,

posteriormente, estendido aos contratados em Cuiabá, totalizando cerca de mil trabalhadores

(SÁ, s/d).

Devido à falta da documentação dos trabalhadores de Cuiabá, as exigências

burocráticas foram viabilizadas com interferência direta da Delegacia do Trabalho.

Álvaro Duarte, então Delegado do Trabalho no Estado, muito colaborou com

as Obras Oficiais no sentido de regularizar a situação dos trabalhadores,

familiarizados com o antigo sistema anterior às Leis Trabalhistas do

Governo Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930. Com a contratação dos

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especialistas que vieram para Cuiabá, as Obras Oficiais representaram uma

escola que adaptou os elementos locais aos novos métodos e aprimorou a

mão de obra, elevando o seu nível de classificação e remuneração. (SÁ, s/d,

p. 180).

No início da execução das obras oficiais em 1939, melhor dizendo, no início do

processo de modernização da urbs a cidade já se mostrava educativa, fazendo com que

também se modernizassem os animadores desse processo. Em consonância aos princípios de

formação de brasileiros idealizados pelo Estado Novo: trabalhadores - profissionais

qualificados com seus registros de cidadãos oficialmente representados pela carteira de

trabalho, a categoria ganhava novos adeptos em Cuiabá. Nessa iniciação, esses trabalhadores

eram aprendizes que compulsoriamente foram ingressados nesse tempo de modernização e

para se incluírem nessa nova época precisavam de preparo. Teriam que aprender, mesmo que

talvez inconscientemente, na convivência com as pessoas qualificadas, experientes mestres de

obras, que trouxeram para Cuiabá novas ideias que se materializavam diante dos olhos dos

trabalhadores a transformação de complicadas linhas traçadas em um papel em edificações

nunca antes vistas na paisagem cuiabana. Além do aprendizado com os contatos pessoais

nesse novo ambiente de conversa, trocas de ideias, observações, aprendia-se também no

contato com novos materiais da construção civil. Esses trabalhadores passam a ver paredes se

erguendo numa tal altura, não mais a partir da sobreposição de blocos de adobe feitos com a

massa que mistura barro, capim seco e estrume de vaca. Os materiais eram outros: cimento,

cal, pedra brita, ferro, madeira aparelhada, trazidos de São Paulo via embarcações.

Certamente, a partir de então, esses trabalhadores ampliaram seus conhecimentos sobre os

afazeres de seu ofício e, segundo o engenheiro Cássio Veiga de Sá, ao aprimorarem suas

habilidades profissionais, isto é, ao se apresentarem como trabalhadores modernos que

dominam as novas técnicas da construção e, possivelmente, dominarem também a leitura de

plantas e projetos, conquistaram melhores níveis profissionais e de remuneração de maneira a

garantir participação no novo mundo que se descortinara.

A execução das obras, segundo Castor (2013), se desencadeou atendendo as

prioridades estabelecidas pelo Secretário Geral do Estado, o engenheiro cuiabano João

Ponce de Arruda. A primeira delas foi a Residência dos Governadores, seguindo as novas

orientações de ordenamento urbano seguido pelas demais residências edificadas, na região

central da cidade, a partir de então. “Todas construídas com afastamento da rua e nas

confrontações laterais cedeu lugar a essa nova orientação, iniciando na cidade uma mutação

da arquitetura e consequentemente na construção de novas residências” (SÁ, s/d, p. 180).

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Imagem 05 - Residência dos governadores em construção

Fonte: O Estado de Mato Grosso. Cuiabá, 06 de janeiro de 1939.

É possível perceber que a casa é margeada por recuos frontais e laterais, o que

possibilitou uma área de ajardinamento, introduzindo uma nova estética às residências que

tradicionalmente eram construídas rente ao alinhamento da rua. A construção conjuga espaços

internos e externos em um terreno que se posicionava, estrategicamente, nos fundos da antiga

sede do governo estadual. Porém, devido às suas dimensões acanhadas, na avaliação de

Cássio Veiga de Sá, mais dois lotes foram incorporados ao terreno da residência, completando

a largura do quarteirão delimitado pelas ruas Cândido Mariano e Barão de Melgaço. “A

ampliação do terreno veio a calhar. Além de conferir maior dignidade à residência oficial,

realçou duas principais novidades introduzidas pela obra na cultura urbanística local: a

moradia cercada de verde e os espaços de transição entre eles” (CASTOR, 2013, p. 181-182).

Na imagem a seguir é possível observar os aspectos evidenciados pelo autor.

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Imagem 06 - Residência oficial dos governadores

Fonte: Siqueira et al. (2006, p. 116).

A disposição interna dos cômodos também era inovadora na época, por não seguirem

a “[...] disposição linear conforme rezava a tradição local, mas estão organizados em torno de

uma sala de acesso com pé-direito duplo e escadaria escultural” (CASTOR, 2013, p. 182).

Outra novidade é que a casa oficial “Foi a primeira residência de Cuiabá a possuir fogão a

gás, que era abastecido por grandes bujões adquiridos em São Paulo, e a ter uma piscina”

(JUCÁ, 1998, p. 172).

O estilo Californiano da Residência dos Governadores, muito empregado em

residências do Rio de Janeiro, se adequava às condições climáticas de Cuiabá, devido à sua

disposição arquitetônica. Na época, em geral, as casas cuiabanas eram baixas e anexadas

umas às outras, o que dificultava a circulação do ar e o sombreamento, principalmente em

dias chuvosos, resultando em ambientes úmidos, mofados e insalubres. Era atribuído às

más condições de higiene das moradias as doenças, a preguiça e o desânimo do

trabalhador (CAVALCANTI, 2006). “Os arquitetos modernos, não isentos de certo

etnocentrismo e determinismo espacial, esperavam com seus projetos, reeducar a

população, principalmente os mais pobres, ensinando-lhes os modos corretos de habitar”

(CAVALCANTI, 2006, p. 12). As novas técnicas introduzidas pelo urbanismo

orientavam a ambientes mais sadios para a convivência humana,

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[...] impedindo a estagnação dos elementos do meio, como o ar e a umidade

e controlando os fluxos de toda a natureza. [...] procurando construir um

meio físico e social equilibrado, o urbanismo nascente buscara conciliar

exigências técnicas relativas à higiene e saneamento, vislumbrando a

possibilidade de transformar a casa num espaço modelar, base da edificação

do novo trabalhador. (ANDRADE, 1992, p. 17).

No âmbito do Estado Novo o papel pedagógico que os novos espaços salubres e

moralizantes deveriam desempenhar é elemento fundamental no processo de formação do

trabalhador. Assim, mais que higienizar com o fim de evitar ou eliminar males, a cidade

moderna buscava implantar um modo de vida mais digno à população e, a partir do

esforço da construção do “novo homem”, a família desempenharia papel central, tendo a

casa como espaço de referência.

A arquitetura da residência oficial espelhou como modelo para a construção, na época,

de novas residências particulares em Cuiabá, que também foram executadas pela empresa de

engenharia “Coimbra Bueno”, de maneira a revelar a influência do movimento modernizador

na arquitetura da paisagem urbana, para além das obras oficiais, como por exemplo,o Palácio

Episcopal.

O processo de modernização das cidades, no Estado Novo, se desenvolveu a partir da

adoção do urbanismo enquanto conhecimento técnico e científico, empregado no

reordenamento do espaço urbano, no sentido de planejar seu crescimento e direcionar sua

expansão às áreas de interesses imobiliários. A contribuição do urbanismo, no projeto de

construção da identidade do “homem do Estado Novo”, se revelava segundo o discurso de

que “[...] a racionalidade técnica e a lógica científica deveriam regular as atitudes e

comportamentos da sociedade através da cidade” (OUTTES, 2014, p. 395). Vale ressaltar

que esse pensamento se revela mais evidente enquanto manobra para o “controle dos

distúrbios civis” nos projetos de modernização dos espaços das grandes cidades, onde as

ocorrências de manifestações se faziam frequentes, as quais eram de difícil domínio do

Estado, devido ao desordenamento das edificações, onde os becos funcionavam como

verdadeiros labirintos e esconderijos aos manifestantes dificultando a ação da polícia.

Em Cuiabá o surgimento dessa nova estética urbana, implantada por determinação

da prefeitura, passou a regulamentar o enquadramento das edificações nos terrenos, a

exemplo da Residência dos Governadores, e se estendeu para as novas edificações que, a

partir de então, foram surgindo. Outro traço marcante do ideário urbanístico do Estado Novo

era a concepção de que toda cidade grande deveria ter uma grande avenida. Na condição de

capital, Cuiabá não poderia fugir à regra. Ao estender e ampliar a antiga Avenida Murtinho, a

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cidade passa a contar com uma nova e moderna via de circulação, considerada a “artéria da

nossa Capital” (PÓVOAS, 1995, p. 383), que já se preparava para atender uma das

exigências da modernidade que ainda não se fazia tão presente em Cuiabá: os automóveis.

Por determinação do governo federal recebeu o nome de Avenida Getúlio Vargas que,

estrategicamente, orientou o crescimento da cidade no sentido de se distanciar das áreas

próximas ao Córrego da Prainha, pois essas serviam de depósito de lixo e o córrego, já

naquela época, era destino de esgoto in natura. O direcionamento do crescimento urbano

para as áreas mais elevadas e distancidas do córrego atendia aos interesses imobiliários que

percebiam esses terrenos, devido à sua localização, como mais valorizados.

Atendendo a lógica da valorização imobiliária, foi ao longo da Avenida Getúlio

Vargas que se deu a maior concentração dos edifícios das obras oficiais: Grande Hotel, Cine

Teatro, Secretaria Geral, Palácio da Justiça e o Colégio Estadual, demarcando uma área

nobre da cidade, o que desencadeou a construção de várias residências de famílias

tradicionais cuiabanas, em conformidade aos padrões do moderno urbanismo.

A construção do Grande Hotel, iniciada em janeiro de 1939, logo chamou a atenção

dos populares devido à sua localização estratégica, em terreno em declive, que poderia ser

visto dos jardins, e a novidade de seus arcos despertava a atenção de quem por lá passasse:

Entretanto, quando os incrédulos que não confiavam no progresso de

Cuiabá, souberam que o hotel teria trinta e oito quartos, fizeram uma

pergunta:

- Onde é que Julio Müller vai arranjar hospedes para esse hotel?

(SÁ, s/d, p. 74).

A observação do engenheiro Cássio Veiga de Sá deixa transparecer que a

administração em curso não tinha o favoritismo absoluto, como se divulgava nos meios de

comunicação. Mesmo porque, as matérias dos jornais levadas ao público sempre traziam as

opiniões próprias dos governantes e sobre seus atos, de maneira a escamotear o pensamento

popular. Provavelmente, a construção do hotel incitou críticas, o que pode ter levado o jornal

O Estado de Mato Grosso a promover um concurso para escolha do nome do hotel, como

estratégia para desarmar as opiniões contrárias, num jogo de envolvimento e valorização da

opinião pública. Como parte da artimanha, nas edições de final de semana o jornal divulgava

os nomes mais sugeridos: Hotel Centro América, Hotel Bandeirantes, Hotel Planalto, entre

outros (O ESTADO DE MATO GROSSO, Cuiabá, 28.06.1940, n. 261). Porém, na obra

memorialista de Cássio Veiga de Sá, diz que

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O nome Grande Hotel veio de uma determinação de Getúlio Vargas que

toda cidade importante tivesse um Grande Hotel. Goiânia já tinha

inaugurado o seu e, por essa razão, desde o início da obra ela foi assim

chamada. Era a obra mais próxima do jardim, e o seu desenrolar

acompanhado pelo público, seguiu sua marcha sem interrupções. (SÁ, s/d,

p. 74).

Veiga de Sá (s/d) salienta que, com a construção do Grande Hotel se delineava um

novo perfil para a sociedade cuiabana, com o surgimento d e aposentos “de primeira

categoria” e, também, um local de socialização entre a elite da capital. O local,

[...] oferecia à nossa sociedade, aos domingos, no bem decorado salão do

hotel, uma “soirée” dançante, contratando para isso uma orquestra. Logo

após o jantar, as moças e os rapazes que não tinham outro entretenimento

senão o passeio no Jardim, afluíam para o soirée [...]. (JUCÁ, 1998, p.

175).

As dependências do hotel serviram de cenário para festas e réveillon promovidos pela

interventoria do Estado. Essas ocasiões representavam, para os frequentadores, momentos de

encenação de rituais modernos e civilizados quando os ilustres convidados se apresentavam

com suas vestimentas de gala e arriscavam o uso de palavras que os remetiam aos ambientes

culturais europeus, que certamente não faziam parte do vocabulário cuiabano, como soiarée

e revellion.

Ao remeter o pensamento a tão requintado ambiente, tem-se que considerar que os

serviços de atendimento não poderiam mais ser os mesmos e também prestados por aquelas

pessoas que trabalhavam nas simplórias pensões, tal aquela que hospedou o engenheiro

Cássio, por ocasião de sua chegada em Cuiabá. A inserção do hotel no contexto cuiabano

certamente exigiu que os profissionais a serem empregados na prestação de seus serviços

também deveriam se modernizar e receber qualificação profissional condizente ao

antendimento aos ilustres hóspedes que porventura viriam ali se hospedar e dos comensais,

nos glamorosos jantares servidos à elite.

Maria de Arruda Müller, em sua obra memorialista “Cuiabá ao longo de Cem Anos”

(1994), conta que nessas ocasiões havia concentração de populares na entrada dos eventos

que, a seu modo, também se divertiam ao observar a chegada dos convidados em seus finos

trajes, que eram elogiados ou criticados em conversas no correr dos dias até a chegada de um

novo evento.

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As dependências do hotel sediaram também as reuniões do Rotary Club, fundado em

Cuiabá em 1944, porém, já presente em Mato Grosso em cidades do Sul do estado, como

Campo Grande e Corumbá. A chegada dessa associação norte americana representou um

marco civilizatório para a capital, por se tratar de uma associação de serviços

filantrópicos a serviço da humanidade. Teve como presidente fundador o próprio

interventor Júlio Müller. A partir de então, a sociedade cuiabana passou a se reunir no salão

do hotel para jantares, às sextas feiras, o que se tornou em um tradicional hábito da

sociedade local (SÁ, s/d).

Conforme Capelato (2011), o governo getulista tinha a valorização da cultura como

importante fator para a unificação nacional. Portanto, fundamental seria sua intervenção na

expectativa de que, ao promover as expressões culturais nacionais, a arte se tornasse um

suporte para alavancar a política nacionalista. A arquitetura e o cinema receberam especial

atenção devido ao seu poder de sedução como instrumentos de propaganda e de conquista

das massas. O cinema, para Getúlio Vargas, significava um meio instrutivo eficiente para a

população em geral, inclusive para os analfabetos, por dispensar textos escritos, como os

jornais. As projeções representavam eficientes meios para incutir a ideologia nacionalista

modernizante através das imagens, o que fazia da construção do cine teatro em Cuiabá

também uma prioridade política. Além disso, segundo Alencastro (1996), em Cuiabá havia a

expectativa da população quanto à construção do cinema, pois eram reduzidos os locais para

a diversão popular. Esse anseio da população, porém, foi subjulgado diante do requinte do

ambiente.

Construído ao lado do Grande Hotel, na Avenida Getúlio Vargas, o Cine Teatro, com

capacidade para um público de 600 pessoas, foi projetado pelo arquiteto Humberto Kaulino,

assim como o projeto da Residência dos Governadores. O salão de projeção e espetáculos foi

dotado de mezanino. Sua estrutura era voltada para atender à elite local, não mais para o

acesso da população em geral, como era o Cine Parisien, que funcionou no período

republicano, independente de classe social, sexo ou vestimentas.

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Imagem 07 - Cine Parisien, 1912

Fonte: Acervo APMT.

Veiga de Sá (s/d) recorda que o Cine Teatro trouxe novos hábitos para a convivência

urbana. Sua grande aceitação junto à população despertou a preocupação quanto ao possível

esvaziamento do Jardim Alencastro, lugar tradicional da convivência cuiabana. Silva (2009),

ao estudar o cinema em Cuiabá na década de 1940, observou que sua inauguração

introduziu novas práticas culturais e sociais que influenciaram o comportamento da

população e

As representações da população cuiabana, pensadas aqui como modos de

pensar e sentir coletivos, de admiração ao novo cinema geraram práticas

culturais, como costumes de se vestir com a melhor roupa aos fins de

semana e o passeio no Jardim Alencastro (Praça Alencastro), antes e depois

das sessões [...]. (SILVA, 2009, p. 89).

Por influência dos hábitos europeus, foi organizado, nas dependências do cinema,

“[...] um salão de chá, admitindo-se que após a sessão os frequentadores do cinema afluíssem

ao salão, à semelhança do que se passava na conhecida Cinelândia no Rio de Janeiro [...]

(SÁ, s/d, p. 166)”, porém o intento foi frustrado.

A inauguração do novo Cine Teatro, em maio de 1942, representou um ícone da

modernização em nível nacional. Além de uma programação confirmada para os meses

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restantes do ano com a distribuidora de filmes, o que garantia ao público cuiabano o que

havia de melhor nas produções cinematográficas da época (FREITAS, 2011), as

dependências do estabelecimento foram dentre as primeiras do país a serem equipadas de

“[...] sistema de renovação de ar, com um processo de refrigeração baseado na água que

circulava em serpentinas. Quando o calor era mais forte, usava-se barras de gelo [...]”

(JUCÁ, 1998, p. 221).

Imagem 08 - Cine Teatro, anos 40

Fonte: NDIHR/UFMT.

Também construídos ao longo da Avenida Getúlio Vargas, os edifícios da Secretaria

Geral do Estado e o Palácio da Justiça, por se tratarem de edifícios destinados às funções da

administração pública, são típicos representantes da arquitetura do Estado Novo, tendo como

característica principal o predomínio de linhas retas, resultando em um objeto arquitetônico

monótono de aparência sóbria, porém pesada, o que transmite uma sensação de uma

austeridade quase que bélica. Esses edifícios demonstram que o Estado Novo se utilizou da

mesma estratégia dos regimes totalitários europeus quanto ao uso da arquitetura como

propaganda, combinando traços modernos com o tradicional. O moderno está presente no

emprego das novas tecnologias e materiais da construção, como o concreto armado. A

monumentalidade mantém o aspecto ideológico disciplinador através da ostentação de

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poder expresso pelas linhas retas do Art Dèco, estilo predominante nas obras

estadonovistas.

Imagem 09 - Avenida Getúlio Vargas

Fonte: Álbum das Obras Oficiais - CBM.

A fotografia mostra, à direita, a Secretaria Geral, sede da interventoria do Estado e, à

esquerda, o Palácio da Justiça e o Departamento de Estatística de Mato Grosso. No plano mais

ao fundo, vê-se a antiga Catedral.

Esses edifícios modernos, instalados na também mais moderna avenida da cidade,

formavam um conjunto sólido, assim como deveria ser percebida pela população a

administração pública. Não era só o visível que se modernizara. A eficiência do poder público

também se fortalecera com o disciplinamento do traçado urbano, o que possibilitou ampliar o

alcance da visão para melhor controle dos espaços e a salubridade do interior da cidade. O

Departamento de Estatística se encarregava em transformar as necessidades da população do

Estado em índices estatísticos que serviram de base a planos para desenvolvimento

econômico, educacional e saúde pública.

A data de 10 de novembro de 1944 foi bastante significativa para a educação em Mato

Grosso. Nesse dia, como parte das comemorações alusivas ao 7° aniversário da instalação do

regime do Estado Nacional Brasileiro, foram inaugurados, oficialmente, a rádio Voz do Oeste

e, na parte mais elevada da Avenida Getúlio Vargas , o Colégio Estadual de Mato Grosso. O

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jornal O Estado de Mato Grosso trouxe, em sua primeira página, uma extensa descrição sobre

as modernas dependências do colégio.

O monumental edifício do Colégio Estadual de Mato Grosso que hoje será

inaugurado solenemente, é uma verdadeira obra prima de bom gosto

arquitetônico e, ainda, uma perfeição no que concerne às exigências da nova

pedagogia [...] Construído de acordo com todas as exigências do Ministério

da Educação compreende o Colégio Estadual cuja a monumental

perspectiva se vê [...] um edifício principal, de dois pavimentos como uma

área de 3.732.000 m², um “ginasium” com uma área de 840.000 m², um

estádio compreendendo arquibancadas, pista de atletismo, campo de

futebol etc., e a urbanização da Praça Marechal Malet. Contém o edifício 10

salas de aulas comuns; uma salada de aula de Geografia; um conjunto de

salas de aula de Física e Química; um conjunto idêntico para aulas de

História Natural; biblioteca; amplo anfiteatro com capacidade para 500

alunos, gabinete médico; “hall” nobre, “hall” de alunos, recreio coberto para

meninos, recreio coberto para meninas; gabinete do diretor; secretaria; salas

de professores; sala de bedéis; sala dos inspetores de alunos, etc. O custo da

obra foi de 5 milhões de cruzeiro. (O ESTADO DE MATO GROSSO,

10.11.1944).

A descrição do jornal revela alguns aspectos do currículo e da gestão escolar da época,

ao mesmo tempo em que busca mostrar ao público, em um contexto de política de massa, a

monumentalidade do edifício enquanto símbolo de uma identidade nacionalista, preparado

para assumir a formação do cidadão para o Estado Novo. Por outro lado, explicita a

importância dada à educação física dos seus alunos, por meio da contrução de um estádio, um

ginásio de esportes, pista de ateltismo, campo de futebol, entre outros espaços, visando

assegurar “mão de obra capacitada, cabendo a ela cuidar da recuperação e manutenção da

força de trabalho do trabalhador brasileiro” (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 19).

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Imagem 10 – Colégio Estadual de Mato Grosso – década de 40

Fonte: Acervo Museu Histórico de Mato Grosso/MT

Em sua obra memorialista “Cuiabá de Outrora” ( 1983), Lenine Póvoas relata que, até

a década de 30, Mato Grosso era uma vasta região esquecida pelo Governo Central do país,

então, como se dizia, o estado era uma “simples expressão geográfica no mapa do Brasil”.

Lenine Póvoas destaca que, em determinada época daquela década, começaram a surgir, em

alguns pontos de afastados municípios do Norte matogrossense, casos de malária, fato que

sensibilizou pela primeira vez o governo central, através do Ministério da Saúde, ou aquele

que suas vezes fazia, socorrer a população com campanha preventiva de defesa contra a

malária (PÓVOAS, 1983).

É no âmbito do plano geral, de saúde idealizado pelo Departamento Nacional de Saúde

(DNS), é que se desenvolveu a chamada “Reforma Sanitária Júlio Müller”, com ações em

todo o território do estado.

No relatório anual de 1941, enviado ao Presidente da República, o interventor faz um

balanço das atividades implementadas no campo da saúde pública, nesses seus quatro anos de

governo, e expressa em números que a saúde pública foi prioridade em sua administração,

conforme mostra o quadro abaixo.

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Quadro 4 – Balanço das atividades de saúde pública (1937 – 1941)

Ano Percentual do Orçamento

1937 3,4 %

1938 5,6%

1939 5,6%

1940 -

1941 7,5%

Fonte: Relatório do Interventor 1942.

Nesse período, foi investido na especialização do corpo médico do estado, em número

de sete, em cursos do Instituto de Higiene de São Paulo, para atuarem no combate da

tuberculose, lepra, doenças venéreas e higiene infantil, ao mesmo tempo em que o diretor do

Departamento de Saúde do Estado fez curso de administração e bio-estatística, organizado no

Rio de Janeiro pelo DNS.

Esses cursos habilitaram os especialistas a promover cursos aos profissionais da saúde

que replicavam seus novos conhecimentos à população em palestras educativas sobre a boa

alimentação, campanhas de higiene e preservação da saúde, além de lembretes publicados nos

jornais e em cartazes nos estabelecimentos públicos, quanto aos devidos cuidados contra a

tuberculose: “Gripe mal curada, tuberculose ameaçada!”

No período, também foram construídos nove postos de saúde distribuídos pelo estado:

um leprosário em Cuiabá, com duzentos e oitenta leitos; além de um Centro de Saúde, com

verba específica do Ministério da Saúde para esse fim; e pelo programa “Obras Oficiais”, a

construção da Maternidade.

Segundo Müller e Rodrigues (1994), as ações de profilaxia muito incomodavam os

habitantes de Cuiabá, que viam de maneira exagerada os novos cuidados com o

armazenamento da água, a obrigatoriedade das vacinas e as insistentes convocações do Centro

de Saúde de Cuiabá aos exames de fezes e tuberculose.

As autoras trazem, em sua obra memorialística, a publicação de uma matéria escrita

por Nilza Pinto de Queiroz, e publicada em 1989, relembrando aqueles tempos.

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A medida preventiva do governo Julio Müler era revolucionária! Dava uma

sacudida nas nossas condições de vida; mexia com o ser humano:

arregimentava senhoras grávidas a frequentarem o Centro; fiscalizava

nossas moradias e os insetos; intimava a certo prazo a construir privada

higiênica; controlava as doenças venérias; atacava o piolho na cabeça da

criançada da escola, enfim, a Saúde Pública realmente fazia o seu papel de

preservação contra doenças.

Os reservatórios de água eram vistoriados e se comprovado a existência de

larvas do mosquito da febre amarela, a água era inutilizada com a adição de

querosene ou óleo queimado [...]

Vistoria em cachorro que não fora vacinado... lá vinha a “Saúde Pública”...

O dono do animal tinha duas escolhas: ou vacinava o cão ou então iria ficar

sem ele, pois seria levado em uma carrocinha que percorria as ruas e

acabava com aquela cachorrada vadia.

Tudo isso era “incomodação” o povo culpava o “Governo Júlio Müller” que

vivia “perseguindo a população. (QUEIROZ apud MÜLLER;

RODRIGUES, 1994, p. 122).

A Reforma Sanitária de Júlio Müller segue os preceitos da política do Departamento

Nacional de Saúde, que também apresentava uma dimensão educativa em seu propósito de

sanear os ambientes sociais higienizando a população pobre e enfrentando os problemas que

afetavam sua vida útil, como a má alimentação, a falta de higiene e cuidados corporais, de

maneira a promover a formação de novos hábitos higiênicos como garantia de mão-de-obra

disciplinada, saudável e útil ao progresso da Nação (VIEIRA, 2003).

O sentido educativo, no cuidado do Estado à saúde de sua população, prende-se ao

interesse de se constituir uma massa de trabalhadores sadios e economicamente úteis. Uma

população fraca e doentia de nada serviria aos propósitos produtivos e, além disso, em vista do

sentido assistencialista do governo de Getúlio Vargas, resultaria em grandes gastos aos cofres

públicos. Nesse sentido, aos setores da saúde pública caberiam ações colaborativas para esse

fim, através de suas campanhas educativas, inculcar na população em geral e principalmente

na parcela ativa da população, novos hábitos higiênicos e morais tidos como salutares ao novo

cidadão que se queria formar.

As preocupações referentes à saúde pública implicavam também em melhorias no

saneamento básico da cidade. Cuiabá já contava com um sistema de distribuição de água,

porém não era tratada.

Em consonância aos propósitos higienistas do urbanismo, o sistema de abastecimento

de água, já existente, foi incrementado com a construção de duas obras oficiais, a Estação de

Tratamento de Água e a Estação Elevatória. “O projeto foi elaborado pela maior autoridade

do Brasil neste assunto, na época: W. A. Rein, que optou pelo tratamento de sulfato de

alumínio e cloração. [...] Cuiabá foi uma das primeiras cidades do Brasil abastecidas por

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água tratada” (JUCÁ, 1998, p. 191). Porém, como mostra o mapa a seguir, somente a parte

correspondente ao 1° Distrito – centro da cidade e a nova área de expansão urbana,

receberam o benefício.

Imagem 11 – Mapa do abastecimento de água

Fonte: IHGMT. Publicações Avulsas. 2010, n° 73 p. 63.

Na época, já havia rede de esgoto concentrada apenas na região central –

correspondente ao 1° Distrito como se observa no mapa a seguir.

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Imagem 12 – Mapa da rede de esgotos

Fonte: IHGMT. Publicações Avulsas. 2010, n° 73 p. 65.

A administração do interventor Júlio Müller pretendia ampliar a rede de esgoto da

cidade. Conforme nota intitulada Cuiabá e seu urbanismo, publicada em 1944:

Tudo progride em Cuiabá, sentindo-se em todos os setores de atividade de

sua gente uma verdadeira febre de desenvolvimento. A Prefeitura Municipal

não podia nem devia assistir impassível ao progresso generalizado. E ela

também compreendeu que devia participar da arrancada vitoriosa e ademais

representar o papel de mantenedora do surto de renovação material e cultural

do Estado. [...]

Estamos informados de que com o levantamento da planta cadastral da

Capital, já em andamento e com o traçado do novo sistema de esgotos, a

Prefeitura gastará a vultuosa soma de Cr$ 1.200.000,00. Mas, não são

somente essas obras da Prefeitura de Cuiabá. Outras aí estão em franca

realização, merecendo destaque todo especial o calçamento e remodelação

da Praça Dom José que, uma vez terminada será um dos mais importantes e

belos logradouros públicos de Cuiabá. (O ESTADO DE MATO GROSSO.

CUIABÁ, 27.07.1944, n. 1257, p. 1).

Como mostra a nota do jornal, Cuiabá estava se preparando para se tornar uma cidade

condizente às expectativas progressistas modernas, destinadas a abrigar uma população

urbanizada, visto que o surto de inovações materiais, segundo o jornal, viria acompanhado de

uma renovação cultural em todo o Estado.

Ações dos serviços viários foram desenvolvidas para superar antigos obstáculos que

se verificavam anteriormente à interventoria de Júlio Müller, como por exemplo, a travessia

do rio Cuiabá que, por falta de uma ponte, dificultava a comunicação da capital com o

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interior do estado, além do desconforto do desembarque dos viajantes ao aportarem no porto,

em vista da precariedade de suas condições. A construção de uma ponte, de “cimento

armado”, ligando Cuiabá ao 3° Distrito, hoje município de Várzea Grande, foi a solução

para as dificuldades de comunicação também com as regiões interioranas do Oeste e do

Norte do Estado. O visitante, ao desembarcar no porto, se deparava agora com a visão de

uma “moderna ponte de concreto” em substituição à velha balsa pêndulo e com os

melhoramentos urbanísticos do cais fluvial, distanciando-se, portanto, da lembrança de um

lugar de chegada que tinha uma rampa mal construída e pior conservada “[que] serve de

praia para o desembarque, que é feito em ‘canoas’, sistema de embarcações acionadas a

remos por mulatos quase nus” (MATO GROSSO. O Commercio, Cuiabá, 12/01/1911, n. 46,

p. 3).

Para a inauguração da ponte a prefeitura, em seu 1° Decreto Lei de 1942, faz as

seguintes considerações:

Considerando que a população cuiabana prepara imponentes festejos para

celebrar o ato de inauguração da ponte de concreto armado sobre o rio

Cuiabá, ligando o 2° ao 3° distrito dessa Capital;

Considerando que o júbilo popular é inteiramente justificado, uma vez que a

inauguração dessa ponte constitui a concretização de antiga e acalentada

aspiração do povo de Cuiabá;

Considerando que o poder público deve sempre apoiar e compartilhar da

expressões da alegria popular, principalmente em se tratando do motivo

louvabilíssimo que ocasiona aquele contentamento proporcionando ao

mesmo tempo os meios para que todos possam se integralizar nas

manifestações de jubilo;

DECRETA

Artigo 1° - Fica declarado feriado municipal o dia 20 de janeiro do corrente

ano, marcado pela inauguração da ponte de concreto armado. (O Estado de

Mato Grosso. Cuiabá, 20/01/1942.)

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Imagem 13 – Ponte Júlio Müller em obras – 1941

Fonte: Rosenfeld/CBM.

No feriado, uma terça-feira, a primeira página do jornal O Estado de Mato Grosso

traz em cada lado de uma fotografia da ponte, imagens do interventor e de seu secretário de

Estado, como políticos beneméritos com capacidade para criar obras comparáveis às

pirâmides do Egito. E, numa evidente demonstração de poder que se estende a população em

geral, considera que “[...] Os monumentos da estatutária e da arquitetura gritam mais alto e

falam mais eloquentemente, impondo-se ao respeito dos próprios ignorantes. Basta vê-los

para admirá-los e compreendê-los”. Diante da ausência de realização de grandes obras nos

governos do passado recente, expressa uma sutil crítica ao declarar que “[...] o govêrno que

não trabalha, que não constroe e que não edifica para a posteridade é um govêrno morto” (O

ESTADO DE MATO GROSSO, 20/01/1942, p.03).

Para o evento, a prefeitura nomeou uma “comissão promotora dos festejos de

inauguração da ponte de cimento armado” que, entre outras funções, se fazia porta-voz do

povo. Na edição da inauguração pública no O Estado de Mato Grosso um comunicado sobre

a escolha do nome do interventor para o “monumento”.

Foi por isso que o Povo utilizando-se do direito que lhe é próprio e das

prerrogativas que lhe conferem as normas democráticas, resolveu sem

nenhuma descrepancia que aponte que inaugura se desse o nome de V.

Exma., como preito de merecida homenagem e com o testemunho de sua

imorradura gratidão. (O ESTADO DE MATO GROSSO, 20.01.1942, p.03).

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Nos dias que se seguiram, entre matérias sobre a guerra na Europa, a inauguração da

ponte ainda se fazia notícia nos jornais. Uma delas, bastante interessante, é a publicação do

discurso do Cel. José Antonio de Souza Albuquerque, antigo prefeito de Cuiabá, que, com

olhar progressista, demonstra a viabilidade do funcionamento do Matadouro Público,

“devidamente aparelhado para seu perfeito funcionamento”, instalado no 3° Distrito, às

margens do rio, que, com a ponte, poderá dinamizar a produção em vista às futuras

exportações via embarcações, colocando fim a uma prática por ele denunciada à Câmara

Municipal da Capital, ainda na sua gestão.

Continua a censurável pratica da matança do gado para consumo público,

nos quintais e cerrados dos subúrbios desta cidade ameaçando a salubridade

pública; e, ainda mais oferecendo-nos o deprimente espetáculo da condução

da carne das rezes abatidas nos matadouros improvisados para os açougues

no dorso dos cavalos magros e suarentos. (O ESTADO DE MATO

GROSSO, 22.01.2017, p.02).

A cena, narrada pelo coronel, revive a situação de barbárie que se queria apagar no

cenário da moderna Cuiabá. São essas, entre outras práticas, que deveriam se modernizar e

civilizar de maneira a combater as cenas bizarras contraditórias ao cotidiano urbano moderno

que se almejava.

As vozes dos políticos ainda permanecem enaltecedoras ao evento da ponte. Em

matéria jornalística faziam alusão aos aspectos progressistas que, a partir de então, graças à

acessibilidade promovida pela ponte, passaram a dinamizar a economia do Estado. Nos

dizeres de Manuel Miraglia, na época prefeito de Cuiabá, via a ponte como um meio para

facilitar o intercâmbio de produtos e a locomoção das pessoas, dando início a um novo ciclo

para a marcha vitoriosa em curso, realizando para o aparelhamento de Mato Grosso as outras

unidades da Federação no lugar que lhe compete.

Outro serviço público que também recebeu atenção do governo em Cuiabá foi o

fornecimento de energia que teve a rede elétrica ampliada com a aquisição de um novo

equipamento para potencializar a capacidade de produção da Usina Hidro-Elétrica do Rio da

Casca, o que possibilitou atender um maior número de residências e o funcionamento do

comércio. O conforto que a energia elétrica proporcionou, na época, estimulou o comércio de

eletrodomésticos, como aparelhos de rádio e ventiladores, conforme propagandas de lojas de

eletrodomésticos, veiculadas nos jornais da capital.

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4.1.2 A visita de Getúlio Vargas a Cuiabá

As viagens realizadas pelo presidente Getúlio Vargas às regiões afastadas da capital

da República marcaram uma inovação aos moldes de fazer política desde os anos de 1930.

Essas viagens devem ser entendidas como um gesto de aproximação com o povo, mesmo nas

mais longínquas regiões, para que a figura do presidente pudesse se tornar uma unanimidade

nacional. A partir de 1938, as inserções ao hinterland brasileiro possuíam uma nova

significação, com a conclamação da Marcha para o Oeste, com o objetivo de incluir as

regiões interioranas na política desenvolvimentista nacional.

As intenções políticas e ideológicas de Getúlio Vargas, referidas ao programa Marcha

para o Oeste, são percebidas em seu discurso por ocasião da inauguração da Associação

Cívica Cruzada Rumo ao Oeste, no Rio de Janeiro. Conforme citado por Lopes (2002),

Vargas assim se expressou:

[…] se politicamente o Brasil é uma unidade, não o é economicamente. Sob

este aspecto assemelha‐se a um arquipélago formado por algumas ilhas,

entremeadas de espaços vazios. As ilhas já atingiram um alto grau de

desenvolvimento econômico e industrial e suas fronteiras políticas não

coincidem com as fronteiras econômicas. Continuam, entretanto, os vastos

espaços despovoados, que não atingiram o necessário clima renovador, pela

falta de densidade da população e pela ausência de toda uma série de

medidas elementares, cuja execução, figura no programa de Governo e nos

propósitos da administração, destacando‐se, dentre elas, o saneamento, a

educação e os transportes. […] Deste modo, o programa de “Rumo ao

Oeste” é o reatamento da campanha dos construtores da nacionalidade, dos

bandeirantes e dos sertanistas, com a integração dos modernos processos de

cultura. Precisamos promover essa arrancada, sob todos os aspectos e com

todos os métodos, a fim de suprimirmos os vácuos demográficos do nosso

território e fazermos com que as fronteiras econômicas coincidam com as

fronteiras políticas. (LOPES, 2002, p. 42).

Conforme se observa, a preocupação de Vargas era garantir as condições elementares

para promover o povoamento e a consequente inserção do interior às frentes capitalistas. Para

tanto, era necessário dotar essas regiões com as condições elementares, como saneamento,

educação e transporte, de maneira a criar condições não só para atrair, mas, também, para

manter a permanência dos contingentes migratórios que para o sertão se destinava.

É nesse sentido que se procura entender a emergente necessidade de modernização de

Cuiabá e a construção de Goiânia. Em particular, no caso de Cuiabá, não se pode ignorar a

necessidade que a cidade tinha de adotar elementos de capitalidade, sendo a falta desses o

alvo constante das críticas dos “mudancistas”.

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Pode-se dizer que a visita do presidente Getúlio Vargas a Cuiabá, em 1941, foi o

episódio mais espetacular da interventoria de Júlio Müller. A estadia do Presidente da

República e sua comitiva marcou três dias de intensa euforia na cidade, no cumprimento de

uma agenda que incluía a louvação popular ao líder da Nação, desfiles escolares, marchas

militares, inaugurações, visitas oficiais, churrasco, banquetes e baile de gala. Coube à

imprensa a preparação dos ânimos da população em expressar “espontaneamente” os mais

elevados sentimentos de civilidade e de reconhecimento da grande maestria presidencial.

A tão esperada visita do Presidente Getúlio Vargas a Cuiabá iniciou no dia 06 de agosto

de 1941 e se estendeu até o dia 08. Os jornais na época, sobre a visita do presidente Vargas,

destacavam que:

O magnetismo messiânico e irresistível, de irradiante simpatia e

atraente bondade, de Getúlio Vargas atrae e envolve a todos [...] O

contentamento do povo de Cuiabá nesta recepção de toda alma e de

todo o seu coração ao grande chefe nacional [...], benemérito criador

do Estado Novo e salvador insigne do Brasil, não traduz somente a

hospitalidade cavalhareisca de uma população civilizada e culta”. (O

ESTADO DE MATO GROSSO, 06/08/1941, p. 01)

Como se observa, no fragmento da reportagem, além do destaque enaltecedor à

presença do salvador da nação em Cuiabá, destaca-se, também, a manifestação calorosa da

população ao receber o presidente numa manifestação de genuíno afeto e reconhecimento. A

espontaneidade do reconhecimento popular à figura do presidente é condição necessária para

que ao público se atribua adjetivos, como “hospitaleira, cavalhareisca, civilizada e culta” de

maneira a contrapor a ideia de que Cuiabá é um lugar atrasado com uma população

igualmente atrasada e inculta. Ao pontuar as características da população, procurava-se forjar

que as pessoas que aqui viviam já possuíam um perfil moderno e civilizado.

Ao analisar as matérias jornalísticas e os discursos proferidos pelas autoridades na

ocasião, fica evidente o esforço em demonstrar o espírito hospitaleiro e a lealdade da

população aos sentimentos patrióticos, de maneira a evidenciar a civilidade do povo cuiabano.

A movimentação na cidade e as pompas oficiais nas inaugurações das novas

edificações davam o tom necessário aos sentimentos da população de que, enfim, a cidade

ingressara nos tempos modernos. A contra cena do espetáculo ficava por conta da pessoa de

um presidente atencioso que se fazia quase parte da massa quando, em vários momentos,

rompia com o protocolo oficial e se aproximava dos populares, fato amplamente noticiado

pelos jornais, conferindo-lhe seu elevado espírito familiar e carismático.

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Assim, como em outros lugares, o presidente desempenhou o papel de “pai do povo”

e não se furtou da tradicional cena de afagar crianças presentes nos eventos políticos. Aqui em

Cuiabá a cena foi acompanhada pela presença do interventor Júlio Müller, como mostra a

figura a seguir.

Imagem 14 – Visita do presidente Getúlio Vargas

Fonte: APMT

De tão convincente dos atos de civilidade praticados pela população cuiabana, que o

Sr. Valentim Bouças, um empresário carioca que aqui esteve na ocasião, chegando ao Rio de

Janeiro deu uma entrevista ao Correio da Manhã, que foi reproduzida na íntegra pelo O

Estado de Mato Grosso, dizendo que

Acho-me magnificamente impressionado com a visita que fiz a Cuiabá. O

raciocínio que logo nos ocorre (ilegível) o progresso que ali se desenvolve é

de que a civilização brasileira não mais vem de fora para dentro, empírica e

paradoxalmente, mas de dentro para fora. Se não fosse um pouco excessivo,

dado o entusiasmo com que senti a vida em Cuiabá, diria que agora é que o

Brasil começa a movimentar-se. Nesse caso o coração do Brasil é

precisamente aquela riquíssima zona ponto da marcha para o oeste.

[...]

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Predomina naquela zona o pensamento construtor. O visitante que sai da

capital da República e que se encontra de momento em Mato Grosso tenha a

impressão, em plena Cuiabá, que a denominação Mato Grosso talvez não

tenha mais razão de ser, talvez já tenha perdido inteiramente o seu

verdadeiro sentido. (O ESTADO DE MATO GROSSO, 08.08. 1941, p. 4).

Diante das riquezas e do pensamento construtor, o entusiasmo do visitante revela que

o pulsar econômico brasileiro naquele momento seria então Mato Grosso, nome que, devido

às possibilidades de desenvolvimento, não lhe era mais cabível.

O presidente Getúlio Vargas desembarcou no aeroporto da capital, no findar da manhã

do dia 06 de agosto de 1941, de onde seguiu, acompanhado de um cortejo de automóveis para

a praça da República, e lá chegando, assistiu ao desfile descrito pelos jornais como grande e

imponente.

A fotografia a seguir mostra a população cuiabana tomada pela atmosfera do civismo

estadonovista. Banderolas nacionais tremulando sobre os populares sugestionados pela

suposta vitória de um Brasil unificado.

Imagem 15 – Desfile de recepção ao presidente Getúlio Vargas em 06.08.1941

Fonte: APMT

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Exibiram-se as tropas do Exercito e da Polícia, do Tiro de Guerra e de todos os

colégios, na presença de uma incalculável massa popular (O Estado de Mato Grosso,

06.08. 1941, p. 01 a 04). Mesmo sendo um governo civil, a atmosfera reinante da ditadura de

Vargas sempre fazia alusão a referências marciais enquanto símbolos da retidão disciplinar

representada pela valoriazação de cadências conjuntas, uniformes e palavras de ordem como

marcha.

Bertolini (2000, p. 22) observa que

[...] as solenidades espetaculares tinham efeito multiplicador de sentido

não só pelos artifícios do aparelho de propaganda: também

correspondiam, em algum instante [....] as aspirações do homem

citadino, razão pela qual se acredita que o sucesso verificado em tais

eventos não deva ser atribuído exclusivamente aos exegetas patriotismo,

ou carisma pessoal de Getulio Vargas.

A vinda do presidente Getúlio Vargas a Cuiabá, segundo Póvoas (1941), teria sido a

cerimônia de instalação da Associação Cruzada Rumo a Oeste, que tinha como objetivo a

reforma espiritual e a reforma da mentalidade brasileira e, concomitante, o presidente teria em

sua agenda, entre outros compromissos, a inauguração do Quartel do 16º Batalhão de

Caçadores, marcado para as 13 horas do dia de sua chegada.

No discurso de inauguração, o presidente Getúlio Vargas destaca o esforço necessário

dos diferentes segmentos das instâncias governamentais para promover o desenvolvimento do

interior do Brasil. Ao exército, além da defesa territorial, teria importante ação civilizadora ao

levar o sentido da modernização, educação e nacionalização aos “povos de formação

recente”.

Entre nós, povo de formação recente [...] cabem as forças militares

tarefas mais amplas e multiforme. Elas não são apenas, o esteio da defesa

do solo pátrio: agem, também, como pioneiras no desbravamento e

ocupação de terra , ligadas a todas atividades construtivas, auxiliando o

desenvolvimento do pais nos setores industriais, nas comunicações, nos

transportes, nas pesquisas das riquezas naturais e seu aproveitamento

[....]. O trabalho das guarnições no interior, e principalmente nas zonas

pouco habitadas, revestiu-se, em todas as oportunidades, de cunho

educativo e civilizador [....] um quartel aqui não é apenas o alojamento

de uma força militar; e o centro de irradiação cívica, escola de

atividade, núcleo de segurança e cooperação com a administração

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pública, participando de todas as iniciativas que dizem respeito ao

progresso local [...]. Pelas suas dependências e alojamentos passarão

[...] jovens que aprenderão viver melhor, mais conforme as regras de

higiene e hábitos salutares da disciplina. (O ESTADO DE MATO

GROSSO, 07.08.1941, p. 02).

O civismo representado pelo Brasão Nacional e a Badeira do Brasil, diante de um

edifício com arquitetura também emblemática, a fotografia a seguir mostra a presença da

Igreja Católica e o Exército Brasileiro, em um mesmo contexto que, aliados do Estado,

entrelaçando princípios e asseguram a efetivação de seus interesses na construção do Brasil

Novo.

Inauguração do Quartel do 16º Batalhão de Caçadores

Fonte: APMT

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Entre as homenagens prestadas ao presidente, a Oração Gratulatória – Te Deum

Laudamus, proferida pelo arcebispo da capital, Dom Francisco de Aquino Corrêa, em

cerimônia realizada na antiga catedral, representou o engajamento da Igreja Católica à

ideologia do Estado Novo. Ao colocar lado a lado princípios políticos e religiosos em sua

oração, o arcebispo exaltou a aliança estabelecida entre o Estado e a igreja em cooperação a

formação do novo brasileiro.

O ponto alto da visita presidencial aconteceu na noite do dia 07, quando aconteceram

“[...] as extraordinárias manifestações ao Sr. Presidente da República nesta capital,

culminando na estupenda parada trabalhista [...] na qual cerca de 15.000 pessôas aclamaram

delirante e freneticamente o nome do chefe do governo” (O Estado de Mato Grosso,

08.08.1941, p. 1). Porém, o acontecimento não teve a gloriosa unanimidade alardeada pelo

jornal. Bertolini (2000) observa que

Na área social, a capital de Mato Grosso também vivia momentos agitados,

mesmo com todas as restrições à atuação do movimento sindical, conforme

nos deixa entrever a solicitação do Centro Operário e demais sindicatos em

operação, que reivindicavam, já no dia 27 de junho, providências ao

interventor quanto à excessiva elevação do custo de vida. Se postula que –

até que estudos mais específicos lancem luz sobre o tema – houve relação

direta entre as reivindicações operárias e a participação do expressivo

contingente de trabalhadores na parada do dia 7 de agosto [...].

(BERTOLINI, 2000, p. 135).

Na análise de Bertolini (2000), verifica-se que, apesar de ter recebido por parte da

imprensa um enfoque de consagração do afeto popular ao presidente da República, na

realidade não deixou também de ser uma manifestação política de evidente cunho de protesto

social.

Porém, o presidente, sabendo utilizar-se da estratégia oratória, agraciou o povo com a

seguinte manifestação de seu grande espírito de reconhecimento: “Metrópole heróica das

bandeiras, rica de quase dois séculos de história transformada, através dos tempos, pelo

trabalho de seus filhos, num adiantado centro de cultura, Cuiabá tem absoluto direito à

primazia política que exerce” (O Estado de Mato Grosso, 08.08.1941, p. 01).

Ao exaltar o reconhecimento da primazia política a Cuiabá, o presidente confirmava

seu apoio à permanência da capital junto aos cuiabanos, atendendo, assim, aos interesses dos

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grupos econômicos e políticos do Norte e, por um breve momento, arrefeceu os ânimos dos

separatistas. Porém, não se deve minimizar a importância estratégica em uma política de

integração nacional em curso, a manutenção de uma capital de estado em área de expansão de

fronteiras.

A agenda social nos dias da visita presidencial foi marcada por eventos que reuniram a

elite cuiabana em momentos de deleite à companhia presidencial. Além dos banquetes

oferecidos, destacam-se os bailes em comemoração à visita de Vargas. Mülller e Rodrigues

(1994) descreveram o ambiente do baile oferecido a Getúlio Vargas que aconteceu no Palácio

Alencastro:

A granfinagem urbana se expandia nos seus ademanes e roupagem de gala

para os eventos palacianos, cujo o arremate era o baile oficial. Quer para

marcar a posse dos governadores, quer para recepcionar autoridades ou

visitantes, pessoas gradas enfim, dignas de serem recebidas com pompa. O

antigo palácio apesar de seu exterior despojado, apresentava os seus

interiores decorados com esmero. Havia até um certo luxo; espelhos enormes

de cristal, jarrões de porcelanas de Limoges, mobília estofada com bordados

estilo Goberlin, apliques prateados nas paredes e consoles de mármore de

Carrara, tapetes Persas. Misturados em doses discretas, emprestavam ao

antigo palácio uma elegância raffineé, de características parisienses.

(MÜLLER; RODRIGUES, 1994, p. 71).

Pelo ambiente descrito por Müller e Rodrigues (1994), podemos inferir o sentido de

moderno que almejava as intenções governamentais para Cuiabá. Moderno, porém com

evidentes características conservadoras dos costumes tradicionais europeus. Portanto, a onda

modernizante, a qual Cuiabá vivenciou, não romperia com a tradição segregacionista. O

moderno que aqui chega já vem moldado em conformidade às intenções desenvolvimentistas

europeias de maneira a lhe conferir o senso civilizado e moderno.

Os eventos sociais promovidos pela elite cuiabana no Palácio Alencastro, por ser o

local da sede do governo municipal, de certa maneira, estabelecia oficialmente os ditames de

elegância e requinte para a sociedade da época, que como mostra a fotografia a seguir, sempre

relacionava a eleite sobre o comando dos símbolos e expressões de ordem e o disciplinamento

desejado pelo Estado Novo. Esses momentos do ideal social, eram amplamente divulgados

pelos jornais de maneira a refletir sobre a população em geral. Em pose “entre as mulheres”,

a fotografia referenda o carisma presidencial junto ao público feminino.

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Imagem 17 – Baile em homenagem a Getúlio Vargas – Palácio Alencastro

Fonte: APMT

Das imagens aqui mostradas, a da página aseguinte, talvez seja a mais emblemática ao

período estudado. Nela pode se observar que, por mais intenso que seja os anseios de

modernização, esses jamais alcançarão de imediato todas as dimensões pretendidas. Sempre

haverá o tempo da transição. A cidade, como um palimpsesto (PESAVENTO, 2007), guarda

resquícios de escritas que tentaram ser apagadas pela dinâmica das ações modernizadoras na

sua pretensa intenção de deixar para o esquecimento um tempo vivido que já não mais

representa os interesses do momento presente. A cena registrada pela fotografia eternizada, a

transição na coexistência de elementos que representam dois tempos: o tempo matuto,

representado pela frágil persistência daqueles que não conseguem acompanhar a avidez de um

tempo presente, que se sabe, também transitório, que em breve será apenas mais um episódio

do interminável processo da modernidade.

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Imagem 18 – Grande Hotel década de 1940

Fonte: Siqueira et al. (2006, p. 114)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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As obras realizadas em Mato Grosso integraram a política desenvolvimentista de

Getúlio Vargas, que pretendia a unificação do território nacional, na qual todas as regiões

brasileiras deveriam desempenhar uma função de acordo às suas aptidões, num esforço para

redimensionar os aspectos econômicos, políticos e culturais do Brasil, de maneira a fortalecer

a ideia de substituição de uma sociedade tradicionalmente rural, considerada atrasada, para

uma sociedade urbana moderna, de maneira a projetar para o mundo o potencial econômico

brasileiro visando atrair investimentos internacionais.

Esse redimensionamento implicava em um processo de modernização nacional o qual

tinha como objetivo o desenvolvimento econômico com a substituição da base econômica,

essencialmente agroexportadora, com a maior parte da população brasileira vivendo no

campo, para uma matriz urbana industrial como estratégia para “tirar o Brasil do atraso”.

Caberia ao Estado promover verticalmente a modernização do país de maneira a não abalar a

estrutura estabelecida e contrariar os interesses dass elite. A esse tipo modernização

acrescenta-se o adjetivo conservadora pois, intencionalmente, o Estado promoveu uma nova

funcionalidade administrativa fundamentada no pensamento racional, implementou

inovações técnicas para a máquina pública, interferiu na economia ao orientar o processo

produtivo do país de maniera a fomentar o desenvolvimento tecnológico e para a população,

estabeleceu medidas e ações educativas para formar o cidadão ideal segundo os interesses

nacionais de desenvolvimento.

Porém, naquela época, as extensões interioranas ditas vazias eram enormes, isto é,

ainda não estavam incluídas, de fato, no processo de exploração capitalista. No período do

Estado Novo a inclusão de Mato Grosso, no novo modelo econômico industrial, não se daria

pela chega da indústria e sim, pela valorização de suas características físicas, tais como a sua

extensão territorial, que favorecia a produção em larga escala de matérias primas

interpretadas, pretensamente, como uma vocação natural. Porém, para tornar sua produção

relevante a tal intento, era necessário modernizar seus setores produtivos e preparar seus

cidadãos para a vida moderna.

Considerado um estado atrasado, principalmente por sua localização geográfica, esse

pensamento era reforçado pela falta de eixos rodoviários que viabilizassem maior

comunicação com as regiões mais desenvolidas economicamente, fato que influenciou a

permanência de práticas sociais e culturais, herdadas do passado hstórico, principlamente

junto a popualação de sua capital, o que não condizia aos propósitos de modernização que se

prentendia para o momento político e econômico. Também nesse sentindo, a cidade de

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Cuiabá, por ser a capital do estado, localizada em uma região “isolada” do centro

desenvolvido do país e, consequentemente não apresentar as condições de capitalidade

exigidas para um centro urbano sede da administração pública, protagonizava um conflito

interno no estado entre a população da porção sul e o norte do estado que, ao defender

interesses políticos e economicos, os sulistas reivindicavam a transferência da capital para a

cidade de Campo Grande, fato que contrariava as intenções integralistas do governo federal.

É na perspectiva da integração nacional e o desenvolvimento econômico do país que

toma sentido os projetos de modernização das cidades brasileiras e a inclusão de Cuiabá à

onda desenvolvimentista encampada pelo Estado Novo. Não fugindo a essa regra, também

em Cuiabá se faz presente a ação disciplinadora necessária a formação de um novo perfil de

cidadão: educado, trabalhador, ordeiro, saudável, católico, amante da pátria e da família.

Ao forjar a construção do Brasil novo, era necessário, também, reconfigurar sua gente

interiorana para tornar produtivos os espaços vazios. O regime do Estado Novo lançou mão

de todos os recursos que pudessem ter papel efetivo a esse fim. A escola, os meios de

comunicação, as artes e também, a racionalização dos espaços urbanos enquanto estratégia

para a reeducação da população.

Em Mato Grosso, a administração pública por meio da interventoria de Júlio Müller

associou esforços da esfera estadual e federal para dinamizar esse processo em Cuiabá,

pressupondo a condução da população aos princípios nacionalistas do Estado Novo, assim

como a substituição de velhos hábitos por comportamentos considerados civilizados e

modernos.

A modernização dos equipamentos da imprensa oficial, a inauguração da rádio A Voz

do Oeste e o do cinema, garantiria a difusão dos princípios ideológicos da política

estodonovista assim como também, disciplanaria a população às novas práticas culturais e

aos novos hábitos de higiene e saúde. Com esse mesmo fim, promoveu-se a ampliação da

infraestrutura da cidade como o saneamento básico, fornecimento de água tratada e coleta de

lixo, contudo, esses serviços se concentraram apenas nas áreas centrais da cidade se

estendedendo para as áreas perifériacas as ações coercitivas dos decretos estabelecidos pela

interventoria do Estado, desacompanhadas de melhoramenos dos serviços públicos.

A construção do Colégio Estadual intencionou a inclusão de Cuiabá à política

nacional de educação e a equiparação a um modelo de escola já praticado nas cidades

centrais do Brasil. As ações do governo procurava reproduzir em Cuiabá o que se

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considerava de mais atual, na época, em termos de arquitetura e modelo de escola, a exemplo

de Rio de Janeiro e São Paulo.

Ao adotar os princípios do urbanismo moderno na ampliação da avenida que, a partir

de então, passou a se denominar Getúlio Vargas, as forças governamentais de controle

passou a ter maior visibilidade da área central da cidade o que também contribuiu para a

valorização imobiliária dessa nova frente de expansão urbana que tinha como referencia para

as futuras edificações o padrão arquitetônico introduzido pela firma Coimbra Bueno com os

projetos das Obras Oficias elaborados no Rio de Janeiro.

Com a disponibilização de novos equipamentos urbanos, como centro de saúde,

teatro, cinema, central de tratamento de água, a usina de pasteurização de leite, a exemplo

do que ocorreu em Cuiabá, pretendia-se que antigos hábitos da população, considerados

como rudes, fossem substituídos por procedimentos e atitudes modernas e civilizadas. Os

hábitos incultos como o consumo de produtos in natura, água de poço, fonte ou bica, o

descuido com o corpo, não corresponderiam com os ditames de uma sociedade civilizada.

Assim, verifica-se que as ações governamentais de modernização, em Cuiabá, tinham o

propósito de incutir novos hábitos que deveriam ser incorporadas no cotidiano urbano em

consonância aos ideais modernizadores estadonovistas.

Pode-se considerar, então, que o projeto de modernização da cidade de Cuiabá,

elaborado a partir dos princípios do urbanismo moderno, foi acompanhado de intenções

educativas disciplinadoras, destinadas à formação de uma nova cultura que orientasse para

hábitos e costumes que deveriam ser assimilados pela população citadina e que expressassem

o sentido de desenvolvimento daquela admistração pública enquanto expressão do moderno e

civilizado.

As obras oficiais juntamente com as outras edificações particulares erigidas naquela

época, representam um divisor de águas que se consolidou na paisagem cuiabana que separa

a cidade rústica de um passado lento, adormecido no período colonial, para um tempo que

inaugura um processo de intermináveis tentativas de construção de uma urb moderna, em

busca de referências externas dos grandes centros, evidenciando assim, a busca de

compensação de um descompaço entre o passado histórico e as emergências estabelecidas

pelo ritmo acelerado dos avanços patrocinados pelos interesses econômicos que tão bem

representam a modernidade.

REFERÊNCIAS

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