TESE Fabrícia Carla Viviani. Analise Do Discurso Varguista Em a Nova Politica Do Brasilpdf

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE EDUCAO E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA

    FABRCIA CARLA VIVIANI

    Democracia, Estado e Indstria:

    uma anlise do discurso varguista em A Nova Poltica do Brasil

    SO CARLOS

    DEZEMBRO 2013

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE EDUCAO E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA

    FABRCIA CARLA VIVIANI

    Democracia, Estado e Indstria:

    uma anlise do discurso varguista em A Nova Poltica do Brasil

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal de So Carlos, sob orientao da Profa. Dra. Vera Alves Cepda

    SO CARLOS

    DEZEMBRO 2013

  • FABRCIA CARLA VIVIANI

    Democracia, Estado e Indstria:

    uma anlise do discurso varguista em A Nova Poltica do Brasil

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia

    Poltica da Universidade Federal de So Carlos, sob a orientao da Profa. Dra. Vera

    Alves Cepda

    16/12/2013

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________________________ Profa. Dra. Vera Alves Cepda

    Universidade Federal de So Carlos - UFSCAR

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi

    Universidade Estadual Paulista - UNESP

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Paulo Roberto Cim Queiroz

    Universidade Federal da Grande Dourados UFGD

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Milton Lahuerta

    Universidade Estadual Paulista UNESP

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Thales Haddad Novaes de Andrade

    Universidade Federal de So Carlos - UFSCAR

  • Para Francine e Israel

  • AGRADECIMENTOS

    O devir que permeia os longos anos nos quais estive imersa neste

    doutorado foi testemunha das vrias pessoas que ficaram, de uma forma ou de

    outra, registradas na memria, pela importncia que tiveram em diversas ocasies.

    Estas palavras servem justamente para deixar aqui o reconhecimento que devido

    a estas figuras que, se no escreveram as palavras deste texto, ao menos foram as

    mos que me guiaram, me apoiaram e me ajudaram a desenhar as linhas do

    trabalho que abaixo apresento.

    A comear pela minha orientadora, Vera Cepda. Agradeo pela orientao

    ao longo desses anos, pelo acompanhamento e pela confiana. Muitos dos avanos

    pessoais que apresento neste trabalho s foram possveis pela sua presena e

    dedicao.

    No decorrer da minha trajetria, algumas figuras me acompanharam desde

    meus primeiros passos como pesquisadora. Dentre eles, tenho o prazer de ter

    nesta banca a presena do Professor Francisco Corsi, que foi quem me apresentou

    o universo da pesquisa acadmica e a responsabilidade de ser um pesquisador.

    Outra pessoa que esteve ao meu lado foi o Professor Milton Lahuerta, figura

    fundamental no meu mestrado, sempre solcito e amavelmente exigente em suas

    importantes colocaes. H pouco tempo atrs tive o prazer de conhecer na minha

    nova morada o Mato Grosso do Sul - o Professor Paulo Cim que, com humildade

    sem igual conseguiu ouvir, e o mais importante, dialogar com uma simples mestre

    por longos quarenta minutos. Tambm no poderia deixar de agradecer a

    fundamental disposio, a prontido e disponibilidade que oferecem os

    professores suplentes, a Professora Carla Martinelli, da Unesp de Araraquara e em

    especial a Professora Maria do Socorro Braga, que nas disciplinas do mestrado e

    doutorado apresentava-se sempre com espontaneidade e humildade invejveis.

    Tambm agradeo aqueles que fizeram parte de minha banca de

    qualificao. Professora lide Rugai Bastos e Professor Joo Roberto Martins Filho,

    pelas primorosas contribuies na fase de construo e estruturao deste

    trabalho.

    Agradeo ao Centro Celso Furtado e ao Banco do Nordeste pelo

    financiamento de parte desta pesquisa, dando-me condies materiais para um

  • tranquilo prosseguimento dos trabalhos. Uma meno de destaque para Glauber

    Cardoso Carvalho, pela contnua disponibilidade em me atender.

    Secretaria de Ps-Graduao do PPG-POL, sobretudo Cludia e ao

    Raphael, sempre solcitos em me amparar nos trmites burocrticos.

    Um agradecimento tambm queles que me ajudaram com a correo e

    formatao do texto. Tal auxlio foi fundamental para dar a este trabalho uma

    roupagem mais elegante e rigorosa. A eles: Israel, Eli, Silvana, Carla, Dani, Alison e

    Aline meu obrigado.

    No posso deixar de mencionar tambm os grandes amigos de So Carlos:

    Carla Ferezin, Rafael Gumiero, Rafael Cabral, Katia Fukushima, Lerisson

    Nascimento, Tania Dauod, Tati Perecin e Juliana Santana, que compartilharam

    muitos das minhas alegrias, aflies e conquistas. Assim como as amigas Silvana,

    Lica, Lili, Carla e Lilian Victorino e ao amigo Danilo Dalio que mesmo distantes

    mantiveram o mesmo carinho e forte torcida.

    Aos Professores do IFMS que me auxiliaram com substituies, trocas de

    aulas, apoio emocional, entre vrias outras coisas. Sem eles, certamente a via para

    a concluso seria mais penosa. Dentre os vrios amigos que fiz no IFMS, alguns se

    destacam pela proximidade que me acompanharam nesta jornada. Em primeiro

    lugar, meu grande amigo Eli Castanho pelas inmeras parcerias, profissionais e

    pessoais, que consolidamos ao longo desses anos de trabalho na Fronteira.

    Agradeo primeiramente por ter retirado na Unicamp a "Barsa" como

    carinhosamente apelidou "A Nova Poltica do Brasil, sem a qual essa tese nem

    sequer teria iniciado. Agradeo pelas longas conversas, pelas (nem sempre)

    acolhidas em sua casa (limitadas pelas cotas dirias de pacincia) e pelas andanas

    culturais na fronteira entre Ponta Por e Pedro Juan Caballero (Paraguai). Espero

    que ao longo dos anos que ainda desejo passar na fronteira, eu tenha o privilgio

    de aumentar a minha cota diria e ter a honra de sua companhia. "Uhh cagada!

    Pronto falei!".

    Meu agradecimento aos meninos e meninas da ProfPor: Franz, Ricardo,

    Vanessa (Japa) e tambm Hania Godoy pelo companheirismo constante, pela

    amizade e pela alegria que permeia nossa casa.

  • Silvana Rosslia, por j ter se tornado, em to pouco tempo, uma grande

    amiga, uma sbia conselheira e meu colo de planto. Agradeo por todo carinho,

    auxlio e dedicao que carrega por mim.

    Vanessa Ramires, Ariana e Alison e Izidro, os quais, mais do que grandes

    companheiros de trabalho, so pessoas incrveis que tive o prazer de encontrar em

    minha caminhada. Obrigada por toda ajuda e amizade ao longo desses anos.

    A todos os alunos do IFMS-Campus Ponta Por, por me apoiarem em

    momentos difceis e tumultuados. Em perodos de instabilidade emocional

    estavam sempre presentes e compreensveis, sufocando momentaneamente

    minhas preocupaes com boas gargalhadas. Obrigada pelegada! Agradeo ainda

    minha querida aluna Jusley, mais conhecida como minha filha, por ter dedicado

    uma tarde chuvosa de domingo para me auxiliar na correo dos quadros. Muito

    alm desta ajuda, a importncia de nossa amizade est nas afinidades intelectuais

    que temos e nas aflies que compartilhamos como mulheres e seres humanos

    sufocados pelas presses cotidianas.

    Quero agradecer tambm todas as minhas clientes nos tempos de manicure,

    que por mais de dois anos me alimentaram material e espiritualmente,

    transcendendo os limites de uma simples prestao de servios. Agradeo em

    especial: Vera Cepda; Cludia Resende e o pessoal da USE/UFSCAR, Alessandra

    Arajo, Neli Sugimoto e Cssia Varga; Rosa Collaneri, Carol Olmo e Milena

    Machado; Carol Zampol e Ana Sueitt; Stella Schiavone e Eliana; Rita de Carvalho e

    Diva Carvalho; Adelina Costa e Lcia; Regina Toledo; Mrcia Giacomini; Dani

    Benjamin; Eliete Sanches; Liliane Trov e Carina; e Sayonara. Meu muitssimo

    obrigada!

    Agradeo a ngela dos Santos por ter me auxiliado durante meu percurso

    estudantil e por ter me apoiado nessa longa empreitada do doutorado.

    Em especial, agradeo a Lourdes e Reinaldo por terem me adotado e

    acolhido com muito carinho, auxiliando em momentos difceis e compartilhado

    minhas conquistas. Agradeo tambm Aline que desde minha sada de Sanca

    sempre me cedeu um espao em sua casa e em sua famlia. Obrigada pelo

    companheirismo constante.

  • Agradeo a Cleverson Rodrigues pela receptividade e pela companhia desde

    primeiros momentos que cheguei a Campo Grande.

    Agradeo a Francine pelo companheirismo que selou nossa amizade ao

    longo desses anos, pelo contnuo cuidado que sempre tem comigo, pelo exemplo de

    bom senso, pela dignidade e pela responsabilidade cotidiana. Fran obrigada, por

    me agraciar com sua presena em minha vida. Sem ela, com certeza, esse

    doutorado no teria perdurado. Quero agradecer tambm a Daniel pelo constante

    apoio, por ter me aproximado dessa terra que hoje chamo de minha, que o Mato

    Grosso do Sul. Obrigada por ter me recepcionado e acolhido no meu novo estado.

    Em especial, agradeo a Israel pelo eterno companheirismo, pela docilidade,

    pela pacincia e pela parceria de vida que tenho a honra de desfrutar. Isra,

    obrigada por tudo.

  • RESUMO

    O objetivo central desta pesquisa buscar na anlise de A Nova Poltica do Brasil coletnea de pronunciamentos do Primeiro Governo Vargas entre 1930-1945 , os temas centrais e amplamente debatidos por literatura especializada no perodo sobre a posio do primeiro governo Vargas sobre poltica, Estado e economia. Para o primeiro elemento, destacam-se as discusses sobre democracia, liberalismo, organicismo. Para o segundo, de forma relacionada com o primeiro, as questes de centralizao e interveno estatal, de forma a trazer tona a ideia da configurao deste Estado. Por fim, o ltimo elemento, entrelaado com os dois primeiros e separados apenas para fim de anlise que evoca a discusso sobre as transformaes econmicas processadas ao longo deste perodo, expressas na tenso do debate sobre vocao agrria e vocao industrial. Embate este que teve como resultante a inclinao ao desenvolvimento industrial. Embora este dilema tenha sido apontado consensualmente pela literatura especializada, os entendimentos sobre as dinmicas e solues deste processo se do de maneira dissensual, produzindo diversas compreenses sobre o tema. Dessa forma, a proposta desta tese entender o perodo de 1930-1945 como um processo em construo, deslocando a controvrsia para ideia do processo, na tentativa de captar como isto se deu no nvel da relao entre os atores envolvidos. Optamos por destacar o Estado, devido ao seu protagonismo amplamente reconhecido pelos especialistas do perodo. Tambm, juntamos a esta discusso, o olhar mais detido ao primeiro governo Vargas, tido aqui como catalizador de um novo pacto de alianas que foi se formando ao longo deste perodo, cuja definio se deu justamente pela disputa no campo poltico, assim considera-se plausvel a anlise da produo discursiva deste governo condensada em A Nova Poltica. Para tal intento recorremos s ideias de Gramsci em relao ao processo, estrutura e conjuntura e ao Pocock e seus apontamentos acerca das interfaces entre texto e contexto. Palvras-chave: primeiro governo Vargas; poltica; Estado; Economia.

  • ABSTRACT

    The main objective of this research is to analyze the A Nova Poltica do Brasil a compilation of pronouncements of the Vargas First Government, between 1930-1945 , and the central themes that was broadly debated by the specialized literature of the period about the position of the Vargas First Government regarding politics, state and economy. For the first element, it is pointed out the discussions about democracy, liberalism and organicism. For the second, and related to the first, the questions of the state centralization and intervention, bringing up the idea of that state configuration. Finally, the last element, intermingled with the two firsts and separated only for analytical reasons , that evoke a discussion about the economic transformations occurred along that period, and expressed in the tensions of the agrarian vocation e industrial vocation debate. Struggle that had as result the industrial development inclination. Despite this dilemma had been pointed consensually by specialized literature, the comprehension of that process dynamics and solutions are dissensual, generating various interpretations about the theme. Thus, the proposal of this thesis is to understand the 1930-1945 period as a process in construction, moving the controversies to the idea of process, trying to get how this has occurred in the level of the relations between the actors involved. We choose focuses on state, for sake of its role of protagonist broadly recognize by the experts of the period. We aggregated to this discussion a closer look upon the Vargas first government too, taken here as a catalyst of the new pact of alliances that was forming along the period, whose definition resulted of disputes in political field. Thus, this makes plausible the analysis of discursive production of that government condensed in A Nova Poltica. For this intention, it was called upon to the Gramscis ideas in relation to the process, structure and conjuncture and to Pocock and his suggestions about the interfaces between text and context. Key-words: Vargas first government; Politics; State; Economy.

  • 11

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Relao dos volumes por ttulo, perodo de cobertura e ano de

    publicao.............................................................................................................................................p.62

    Quadro 2 Relao dos discursos por ano de pronunciamento, volume da

    publicao e ano de publicao ................................................................................................ p. 63

    Quadro 3 Descrio do volume I, questes centrais e discursos arrolados.......p. 66

    Quadro 4 Descrio do volume II, questes centrais e discursos arrolados.....p. 70

    Quadro 5 Descrio do volume III, questes centrais e discursos arrolados.....p.72

    Quadro 6 Descrio do volume IV, questes centrais e discursos arrolados.....p.75

    Quadro 7 Descrio do volume V, questes centrais e discursos arrolados.......p.78

    Quadro 8 Descrio do volume VI, questes centrais e discursos arrolados....p.83

    Quadro 9 Descrio do volume VII, questes centrais e discursos arrolados..p.89

    Quadro 10 Descrio do volume VIII, questes centrais e discursos

    arrolados...............................................................................................................................................p.95

    Quadro 11 Descrio do volume IX, questes centrais e discursos

    arrolados............................................................................................................................................p.100

    Quadro 12 Descrio do volume X, questes centrais e discursos

    arrolados...........................................................................................................................................p.104

    Quadro 13 Descrio do volume XI, questes centrais e discursos

    arrolados............................................................................................................................................p.109

  • SUMRIO

    INTRODUO....................................................................................................................... 15

    1. UM BALANCO DA ERA VARGAS E A PROPOSTA DE PESQUISA..................... 19

    1.1 O GOVERNO VARGAS E A DISPUTA PELA INDUSTRIALIZAO (1930-1945)..21

    1.1 AS INTERPRETAES SOBRE O PRIMEIRO GOVERNO VARGAS....................37

    2. O CENRIO 1930-1945 E O SURGIMENTO DE A NOVA POLTICA DO BRASIL:

    TEXTO E CONTEXTO...........................................................................................................59

    2.1 BREVE SNTESE QUANTITATIVA DA OBRA......................................................................62

    2.2 DESCRIO DOS VOLUMES ...............................................................................67

    2.3 SISTEMATIZAO TEMTICA UM CONTEXTO EM MUDANA.................115

    2.3.1 Termos/temas que enfraquecem............................................................117

    2.3.2 Termos/temas que permanecem constantes.......................................119

    2.3.3 Termos/temas que permanecem com alterao................................124

    2.3.3.1 Permanncia do argumento explicativo e modificao da finalidade..124

    2.3.3.2 Permanncia com ressignificao do argumento e da funo..............126

    2.3.4 Termos/temas novos.................................................................................127

    3. DEMOCRACIA E ESTADO EM A NOVA POLTICA DO BRASIL........................131

    3.1 A HERANA RECEBIDA: LEITURA ACERCA DO LIBERALISMO E DA

    DEMOCRACIA..........................................................................................................132

    3.2 ESTRUTURA ESTATAL E INTERVENCIONISMO ...........................................152

    3.2.1 Foras Armadas e desenvolvimento........................................................161

    4. O PROCESSO DE TRANSIO PARA A INDUSTRIALIZAO NOS DISCURSOS

    OFICIAIS DA ERA VARGAS (1930-1945).............................................................165

    4.1 A PERCEPO DOS PROBLEMAS BRASILEIROS...........................................167

    4.1.1 A ordem poltico-administrativa (1930/1936).....................................167

    4.1.2 A ordem econmica e problema nacional (1936-1937/ 1945)..........177

    4.2 A TENSO ENTRE AGRARISMO E INDUSTRIALISMO E O DILOGO COM A

    DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO...........................................................188

  • 13

    4.2.1 Agricultura e Indstria..........................................................................................................189

    4.2.2 A ideia do exclusivismo agrrio e a superao do atraso pela

    industrializao.....................................................................................................202

    5. CONSIDERAES FINAIS..................................................................................225

    6.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..............................................................................229 APNDICE RESUMO DETALHADO DE CADA UM DOS VOLUMES DE A NOVA POLTICA DO BRASIL........................................................................................................237 ANEXO CONTRACAPAS DOS VOLUMES DE A NOVA POLTICA DO BRASIL....295

  • 14

  • 15

    INTRODUO

    O objetivo central desta pesquisa foi buscar na anlise de A Nova Poltica do

    Brasil coletnea de pronunciamentos do Primeiro Governo Vargas entre 1930-

    1945 , os temas centrais e amplamente debatidos por literatura especializada no

    perodo sobre a posio do primeiro governo Vargas, a saber: poltica, Estado e

    economia. Para o primeiro elemento, destacam-se as discusses sobre democracia,

    liberalismo, organicismo. Para o segundo, de forma relacionada com o primeiro, as

    questes de centralizao e interveno estatal, de forma a trazer tona a ideia da

    configurao deste Estado. Por fim, o ltimo elemento, entrelaado com os dois

    primeiros e separados apenas para fim de anlise que evoca a discusso sobre

    as transformaes econmicas processadas ao longo deste perodo, expressas na

    tenso do debate sobre vocao agrria e vocao industrial. Embate este que teve

    como resultante a inclinao ao desenvolvimento industrial.

    Embora este dilema tenha sido apontado consensualmente pela literatura

    especializada, os entendimentos sobre as dinmicas e solues deste processo se

    do de maneira dissensual. Aqui, nos distanciamos desta controvrsia, na tentativa

    de buscar entender o perodo de 1930-1945 como um processo em construo, o

    que no significa necessariamente aderir a nenhum das matrizes interpretativas,

    ao mesmo tempo que as utilizamos como ponto de partida. Neste dilema em

    questo, os autores reconhecem este cenrio de 1930-1945 como um campo em

    disputa, mas, em geral, no enfocam o perodo como um processo em mudana e

    como este se relaciona com sua lgica interna. Para tentar captar esse movimento,

    ento, analisamos nesta tese aqueles trs elementos supracitados

    consensualmente apontados pela literatura, a partir do deslocamento para o

    contexto.

    Entendemos aqui, como contexto, algo prximo ao colocado por Gramsci

    (2000), que indica a relao entre estrutura e conjuntura1, no qual a distino

    1 Todavia, no estudo de uma estrutura, devem distinguir-se os momentos orgnicos (relativamente permanentes) dos movimentos que podem ser chamados de conjuntura (e que se apresentam como ocasionais, imediatos, quase acidentais). Tambm os fenmenos de estrutura dependem, certamente, de movimentos orgnicos, mas seus significados no tm um amplo alcance histrico: eles do lugar a uma crtica poltica mida, do dia-a-dia, que envolve os pequenos grupos dirigentes e as personalidades imediatamente responsveis pelo poder. Os fenmenos orgnicos do lugar

  • 16

    entre o que orgnico e o que ocasional de suma importncia. Estrutura seria a

    dinmica do processo de transformao das bases capitalistas, ou seja, abarca a

    questo das condicionantes estruturais do modelo capitalista em um movimento

    orgnico. Conjuntura remete ideia factual e momentnea, em alguma medida,

    quase acidental. Ou seja, h diferenas substanciais entre estrutura e conjuntura,

    entre movimento orgnico e fato. Isto requer compreender o processo a partir da

    anlise das relaes de foras polticas que se do num campo em disputa, no qual

    estes atores esto em movimento e a tenso entre eles os reposicionam no debate.

    Neste processo, os atores no possuem necessariamente conscincia a priori. Ao

    contrrio, a conscincia se forja no embate deste campo de ideias, ou seja, estes

    atores esto em movimento e formao constantes2.

    Dessa forma, esta perspectiva nos auxilia na problematizao de outro

    ponto recorrente na literatura especializada, a saber: a ideia de conexo entre as

    tomadas de deciso dos atores, ou seja, como se estes atores j estivesse com uma

    conscincia suficientemente esboada para dar direcionamento consciente de suas

    aes. Com isto, no queremos dizer que esta questo foi negligenciada pela

    literatura, todavia, ela aparece de maneira orbital ao debate central.

    Para este trabalho, ento, deslocamos esta controvrsia para ideia do

    processo, na tentativa de captar como isto se deu no nvel da relao entre os

    atores envolvidos. Cabe destacar que no iremos abarcar com esta anlise todos

    estes atores, mas optamos por destacar o Estado, devido ao seu protagonismo, ou

    seja, como elemento catalizador de um pacto de alianas que congrega e, ao

    mesmo tempo, exclui alguns dos atores coetneos. importante destacar, ainda,

    em relao ao protagonismo do Estado, que o governo porta-voz de um novo

    pacto de alianas que foi se formando ao longo deste perodo, cuja definio se deu

    justamente pela disputa no campo poltico, assim considera-se plausvel a anlise

    da produo discursiva deste governo.

    Para tanto, invocamos A Nova Poltica do Brasil porque ela apresenta

    discursos que foram elaborados de forma consciente, orientada e planejada

    racionalmente para a disputa poltica e para publicitar o primeiro governo Vargas.

    crtica histrico-social, que envolve os grandes agrupamentos, para alm das pessoas imediatamente responsveis e do pessoal dirigente (Gramsci, 2000, p. 36). 2 Em outro momento, as relaes e ponderaes deste mtodo de anlise direcionado a este perodo histrico-poltico j foram trabalhados. Para mais detalhes, ver Viviani (2009).

  • 17

    Nesses discursos oficiais detectamos uma significativa movimentao dessas

    questes no campo das ideias, que de alguma forma nos auxiliam numa melhor

    elucidao deste perodo to emblemtico da histria poltica brasileira. Esta

    movimentao parte, num primeiro momento, da viso dos problemas nacionais,

    cuja mudana acompanhava em fina sintonia o contexto daquele perodo.

    Sem dvida nenhuma, no h como negar o protagonismo estatal neste

    perodo. Dessa forma, buscamos na anlise de A Nova Poltica do Brasil captar este

    deslocamento no campo das ideias e este se coloca como principal objetivo deste

    trabalho. Justamente por este carter indefinido e dinmico deste cenrio, que se

    torna possvel pensar o primeiro governo Vargas como um campo poltico em

    aberto no qual os atores vo se movimentando, se formando e se reposicionando

    no contexto (estrutura e conjuntura). Sendo assim, consideramos plausvel

    observar esta movimentao interna ao governo a partir de sua produo

    discursiva.

    Tambm possvel destacar a anlise do perodo em grandes blocos que

    congregam particularidades histricas. Indicamos, com este trabalho, que

    possvel perceber o processo a partir de sua prpria dinmica interna, ou seja, uma

    anlise que se atm aos detalhes internos, de modo a perceber a movimentao

    que conduziu as transformaes do perodo, em especial, no que diz respeito aos

    trs pontos acima citados: dilema poltico; funo do Estado; o desenvolvimento de

    base industrial.

    Desta forma, a proposta de anlise de A Nova Poltica do Brasil no fazer

    um cotejamento com as interpretaes do perodo, mas uma leitura da obra por ela

    mesma. Com a sistematizao buscamos captar como estes trs temas foram

    tratados pelo primeiro governo Vargas e, sobretudo, como eles aparecem no plano

    discursivo na coletnea oficial. Tambm observamos comotermos relacionados a

    estes temas foram surgindo, se alterando, desaparecendo e ressignificando seu

    sentido e seus propsitos ao longo dos onze volumes. Quando nos debruamos

    sobre A Nova Poltica percebemos a necessidade de outra sistematizao, mais

    analtica e no necessariamente cronolgica, de um contedo to vasto e diverso.

    Desta forma, a compreenso desta produo discursiva do governo foi

    analisada a partir do um constante dilogo com um contexto coetneo, de modo a

    cruzar texto e contexto (como nos indica Pocock) para tentar captar a

  • 18

    movimentao da estrutura (grandes transformaes de formao do capitalismo)

    com a conjuntura (fatos histricos momentneos), de forma a nos apropriar da

    teoria gramsciana na anlise do conturbado perodo em questo. Tal complexidade

    exige certas estratgias para a inteleco do sentido do texto, principalmente

    quando necessitamos relacion-lo ao contexto. Para tanto, a referncia teoria de

    Pocock consiste num prtico de entrada a estes lugares dentro da obra que exigem

    uma contextualizao para compreendermos a geografia por trs desses terrenos

    especficos.

    Embora fosse esperado de uma introduo a apresentao do tema geral e

    contextualizao do objeto, apontamos aqui minimamente a estrutura deste

    trabalho. A explanao da contextualizao mais aprofundada do problema de

    pesquisa, dos objetivos, da hiptese, do contexto de pesquisa e suas formas de

    trabalho exigem uma reviso mais geral da literatura acerca do primeiro governo

    Vargas que, por sua extenso, no poderiam ser plenamente contemplados em

    uma introduo. Ao final da primeira seo apresentam-se os elementos descritos

    acima que subsidiam o desenvolvimento desta tese.

    A organizao do texto se d da seguinte forma: na primeira seo, uma

    sntese da literatura e exposio da proposta de trabalho; na segunda, o objetivo

    realizar uma apresentao de A Nova Poltica do Brasil, sua estrutura geral e as

    particularidades de cada volume, fechando com uma sistematizao dos

    termos/temas que aparecem ao longo da obra; as seguintes trazem as anlises dos

    trs eixos abordados nesta tese: poltica e Estado terceira seo e economia

    seo quatro.

  • 1. UM BALANO DA ERA VARGAS E A PROPOSTA DE PESQUISA

  • 20

    O modelo de desenvolvimento brasileiro, denominado nacional-

    desenvolvimentismo, guiou a modernizao do pas entre os anos 1930 e fins dos

    anos 1970. Composto de fases, momentos e movimentos diferentes, esse processo

    foi vastamente abordado pela literatura especializada, construindo mltiplas

    compreenses e vertentes explicativas. Alguns autores, como Bielschowsky

    (2000), tentaram entender as vicissitudes do nacional-desenvolvimentismo desde

    sua formulao ideolgica at sua crise. Para o referido autor, houve ciclos desse

    tipo de desenvolvimento nos quais se observa a seguinte caracterizao: entre

    1930/1945, a origem; entre 1945/1955, o amadurecimento; e entre 1956/1964, o

    auge e a crise. Esse processo encontraria seu esfacelamento nos anos 80, e, a partir

    desse colapso, encaminha-se rearticulao de um novo modelo de

    desenvolvimento.

    Ainda que esse longo perodo tenha sido marcado por inmeras fases,

    oscilando entre regimes ditatoriais e regimes democrticos, o momento crucial

    para a passagem do modelo mercantil-exportador para o modelo industrial

    compreendeu os anos 30 e 50.3 Foi nesse momento que a industrializao passou a

    se constituir enquanto ideologia e se configurar como ncleo central no apenas

    das aes do Estado, como tambm das teorias econmicas.

    Mais precisamente, como destaca Cepda (2010), o interregno entre os anos

    de 1930 e 19484 seria central na construo do projeto industrialista. A conhecida

    controvrsia entre Simonsen e Gudin, nos anos 1940, sugere que o primeiro

    membro da comisso de mobilizao econmica criada durante o Estado Novo

    expressava o que j era uma inclinao na ordem do Estado: a promoo da

    industrializao. A partir de ento, a questo fundamental consistiu na

    planificao, fortalecimento e consolidao da industrializao brasileira. Isso

    requer considerar que as concepes seminais do modelo de desenvolvimento

    condutor da transio do sistema mercantil exportador para o capitalismo de base

    industrial, constituindo-se na via de superao do atraso no Brasil, resultaram das

    escolhas dos atores socialmente estabelecidos ao longo dessas dcadas. Conforme

    Diniz (1999):

    3Draibe, 2004 [1985]; Bielschowski, 2000; Sallum JR, 2003; Cepda, 2010. 4No processo de apropriao do Estado em defesa da economia, Cepda identifica seu input em 1906 (Convnio de Taubat), no qual os interesses cafeeiros eram hegemnicos, e o output em 1948 (Plano Salte), em que h a rotao semntica em prol do desenvolvimento via industrializao balizada pelo intervencionismo e pelo regulacionismo.

  • 21

    [...] os pressupostos, as bases, os fundamentos necessrios para o desenvolvimento dessa nova ordem econmico-social foram lanados durante o primeiro governo Vargas. Eis por que esse momento pode ser considerado um marco, j que possibilitou o trnsito de uma sociedade com perfil agrrio, nitidamente subordinada clssica diviso internacional do trabalho caracterizada pelo desequilbrio entre os pases exportadores de bens primrios e matrias-primas, por outro -, para uma sociedade mais complexa e diferenciada. Observa-se, portanto, uma ruptura, um corte com esse passado e a passagem para outro patamar histrico, mediante a introduo de mudanas significativas. no perodo que se estende de 1933 a 1939 que se desencadeia o processo de industrializao no Brasil (DINIZ, 1999, p. 24).

    Assim, vrios trabalhos se preocuparam em compreender a fase de

    transio do modelo agrrio-exportador para o capitalismo de base industrial, seus

    arranjos, a atuao do Estado como protagonista, o aparato estatal e institucional,

    seus atores, enfim, a configurao de um modelo de desenvolvimento concentrado

    na expanso da industrializao via ao estatal, ressaltando os Governos de

    Getlio Vargas como um dos momentos fundamentais para a construo da

    modernizao no Brasil.

    Considerando a literatura que localiza essas transformaes no primeiro

    Governo Vargas, nesta seo temos o objetivo de realizar uma sntese do processo

    histrico 1930/1945, com o intuito de apontar as principais caractersticas do

    perodo e o deslocamento para o projeto industrialista. Assim, acredita-se ser

    possvel transpor apresentao e discusso das interpretaes das vrias

    vertentes que buscaram compreender o sentido e as direes desse processo.

    1.1 O GOVERNO VARGAS E A DISPUTA PELA INDUSTRIALIZAO (1930-1945)

    O primeiro Governo de Getlio Vargas estava no centro dessa mudana, pois

    o movimento revolucionrio de 1930, eixo dessa inflexo, projeta Vargas como

    lder da revoluo gloriosa5 sob bandeira reformista, passando a forjar as bases e a

    arquitetar um novo arco de alianas polticas (DINIZ, 1999). Mas compreender as

    5 Neste trabalho, as palavras e/ou expresses que estiverem com realce em itlico se referem aos termos utilizaes pelo prprio Governo Vargas em seus discursos. J as expresses entre aspas so destaques da autora. As citaes diretas de at trs linhas tambm esto entre aspas, mas, neste caso, so acompanhadas por referncias bibliogrficas.

  • 22

    metamorfoses do Governo Vargas como articulador desse processo, implica o

    entendimento de todo esse perodo como um longo processo de transio. Ainda

    que seu despontar estivesse relacionado com o episdio de 1930, dado que as

    transformaes ocorreram a partir dele, isso no significa considerar que essas

    pretenses estivessem, necessariamente, em suas bases formuladoras ou nas suas

    motivaes fundantes.

    A Aliana Liberal, aglutinao entre foras diversificadas que conduziram

    Getlio Vargas ao poder em 1930, j simbolizava as incertezas da dcada que se

    abrira e traria em seu ntimo a luta entre diversos atores e diferentes projetos

    ainda pouco definidos. Seu programa, ainda vago, apontava remotamente os

    caminhos para uma ruptura institucional com o regime precedente, recorrente

    tambm da heterogeneidade dos atores envolvidos. Sendo assim, num primeiro

    movimento, a ao do chefe do Governo Provisrio se direcionou a apaziguar as

    hostilidades entre os diversos grupos e, concomitantemente, imprimir ao processo

    algumas caractersticas fundamentais para a sustentao do Governo Provisrio.

    Nesse sentido, os momentos subsequentes Revoluo, a misso de

    proporcionar sustentabilidade ao novo governo e dar unidade a essas foras

    mltiplas, passariam pela construo ideolgica ao diferenci-lo do perodo

    anterior. A estratgia foi projetar uma imagem do velho associado Primeira

    Repblica e focar como objetivo a destruio da estrutura anterior como meio de

    efetivar a verdadeira e Nova Repblica brasileira aquela desencadeada com a

    Revoluo de 1930, cuja maior expresso seria Getlio Vargas. 6

    A rigor, nesse contexto, como aponta Eli Diniz (1999), Vargas utiliza

    estrategicamente as ideias de justia social e do discurso de liberdade e igualdade

    polticas7, colocando-se o desafio de suprimir as desigualdades sociais

    pertencentes sociedade brasileira, oriundas do perodo precedente.

    Concomitantemente, a discusso perpassava tambm a oposio ao modelo liberal

    da Primeira Repblica. Ressaltar o fracasso dos pressupostos liberais que

    sustentara o sistema oligrquico e coloc-los como inimigos dos interesses

    nacionais era um contundente argumento para ratificar uma nova postura do

    Estado (forte e centralizado). Com esse discurso, as ideias autoritrias, como as de

    6 Essa questo ser melhor abordada nas sees subsequentes. 7A ncora dos preceitos liberais seria: expanso dos direitos civis e polticos, inclusivo extenso do voto s mulheres, justia eleitoral, voto secreto, cdigo eleitoral. Ver Diniz (1999).

  • 23

    Alberto Torres e de Oliveira Vianna, tornavam-se cada vez mais afinadas com o

    contexto que emergia.

    Ademais, era necessria a legitimidade para acomodar o emaranhado de

    atores envolvidos em torno de um novo pacto. A diversidade da coligao

    aliancista, um dos principais fatores da instabilidade poltica do incio dos anos 30,

    configurava uma crise das foras polticas em relao aos projetos de futuro, em

    grande medida, permeados pela dualidade centralismo/federalismo.

    Segundo Camargo (1999), os conflitos regionais e as disputas polticas em

    torno do processo de reconstruo institucional, portanto da modernizao do

    Estado, definiam o ritmo da agenda na primeira metade dos anos 30. A pauta

    central era o interesse regional impresso nessa nova conjuntura, ou como coloca

    Gomes (1980), era a disputa entre o velho binmio

    centralizao/descentralizao, expressando a disputa entre o federalismo e o

    centralismo. 8

    No processo poltico, essa problemtica no envolvia apenas a questo da

    autonomia dos estados, mas tambm expressava a participao desses setores no

    poder e os modelos de organizao do Estado. Desde o incio, esse aspecto foi

    percebido pelo grupo dos tenentes, um dos principais atores do processo

    revolucionrio de 1930 e maior expresso poltica e organizacional do projeto

    centralista. Para o referido grupo, no apenas a centralizao, mas tambm o

    regime ditatorial era, inicialmente, o principal instrumento para garantir as

    reformas institucionais e sociais no Brasil.

    Para um dos segmentos do grupo tenentista, a funo do Estado, aps 1930,

    seria o saneamento do ambiente nacional e a realizao das propostas sociais,

    econmicas e polticas, o principal objetivo dessas transformaes. Nessa atuao

    estatal, estava subsumida a pretenso da resoluo da questo econmica dado

    que, para os tenentes, a questo nacional no era meramente poltica, logo no se

    resolveria pelo modelo liberal democrtico e muito menos pela Constituio.

    8 Essa discusso esteve presente na passagem do Imprio para a Repblica, por isso, nos anos 30, ela consiste numa retomada. Naquele contexto, em oposio centralizao poltica imperial e com a expanso da produo agroexportadora, as elites regionais visualizavam, na autonomia estadual, a possibilidade de produo de novas formas de relao entre sociedade e sistema poltico, cujo eixo era o federalismo. A estruturao da Repblica se daria em torno desse princpio que, a rigor, dominou a cena poltica at 1930, momento em que o imbrglio ressurge na cena poltica. Sobre essa questo ver: Lessa (2001); Camargo (1999); Souza (1988); Gomes (1980).

  • 24

    Considerando que havia um distanciamento entre a realidade nacional e a carta

    constitucional, a Constituinte era um equvoco porque a base de poder local,

    expresso do poder do latifndio, tinha sido intocada pela revoluo de 1930. No

    bastava apenas mudar os polticos no poder, mas tambm desestruturar a base de

    sustentao dos polticos oligrquicos, o que seria possvel apenas com um

    governo ditatorial. Na tentativa de desestabilizar as foras polticas remanescentes

    do pr-30, os tenentes aliados de Vargas serviriam de gide poltica do Governo

    Provisrio, especialmente no Estado de So Paulo, maior foco de resistncia

    oligrquica do setor agroexportador (VIVIANI, 2009).

    Vrios elementos institucionais foram sendo criados para garantir o

    fortalecimento do poder central, ressignificar o pacto e delinear o projeto nacional

    forjado a partir de ento. Para o governo Vargas, a defesa incessante da

    centralizao e do fortalecimento do Executivo era estratgica. Um dos primeiros

    atos nesse sentido foi a criao do Cdigo dos Interventores, cujo objetivo era

    direcion-los e, consequentemente lgica estadual, subordin-los ao poder

    central. Como coloca Fausto (2010, p. 327), a irradiao agora iria do centro para

    a periferia, e no periferia para o centro, marcando o deslocamento do poder dos

    estados para o governo central.

    Por outro lado, a centralizao correspondia necessidade de construo da

    ideia de Nao, de institucionalizao dos conflitos polticos e sociais, de

    montagem da moderna mquina estatal, enfim, dos direcionamentos do

    desenvolvimento econmico. Mais do que disputas polticas, portanto, essa

    dualidade centralismo/federalismo indicava o esboo de projetos distintos. Dentre

    estes, o modelo centralizador e intervencionista, defendido por aqueles imersos no

    processo revolucionrio, imprimia o sentido da ao do Estado na construo da

    Nao brasileira.

    Nesse sentido, o elemento centralizador e intervencionista do Estado

    transcendia os limites do bloqueio ao retorno das oligarquias tradicionais na

    medida em que se tornava uma ideologia do novo regime. Naquele contexto,

    significava um dos pressupostos para a edificao de novo pacto e um novo

    projeto, porque ele que passa a garantir a institucionalizao (concentrao no

    Estado) e a direo de todas as esferas da sociedade: poltica, social, econmica e

    ideolgica. Qual fosse o sentido de tal projeto, o Governo Vargas asseguraria sua

  • 25

    execuo pelo carter centralizador e pela postura intervencionista do Estado. Nas

    palavras de Fonseca (1989, p. 188), o intervencionismo, assim, passou a ser parte

    de uma concepo ideolgica, ou seja, encarado como necessrio para atingir um

    fim desejado.

    Assim, no intervalo de quinze anos, 1930/1945, o Estado brasileiro passou

    de federal/oligrquico a nacional/centralizado. Suas principais tendncias do

    desenvolvimento seriam a centralizao poltico-administrativa e a modernizao

    institucional. No entanto, alm de acomodar os interesses de alguns setores, a

    centralizao teria tambm a finalidade de racionalidade administrativa. A

    mquina estatal se modernizava e ampliava suas reas de interveno sobre a

    sociedade, transformando-se no Leviat e edificando seus monoplios.

    Nesse nterim, na condio de chefe do Governo Provisrio, Getlio Vargas

    enfrentou as incertezas e a instabilidade da primeira metade dos anos 30,

    ocasionadas pela diversidade de foras inseridas na arena poltica e na

    rearticulao do pacto social subjacente ao contexto da poca. Com confronto e

    compromisso, articulou-se diante do conflito armado de 1932, do lcus do

    processo constitucional de 1933-34, da consolidao da Carta de 1934,

    rearticulando sempre revelia das classes populares (GOMES, 1986).

    Esses vrios atores e projetos que se abrigavam no Estado geravam uma

    engenharia poltica permeada pela soluo de compromisso, em que uns logram

    mais que outros, mas que, de alguma forma, foram acomodados/cooptados no

    novo pacto, via institucionalizao das questes polticas, econmicas e sociais, no

    qual Getlio Vargas era o eixo operador. Em outras palavras, a Revoluo de 1930

    explicitou um novo arco de alianas e um novo grupo articulador aquele que se

    constituiu no poder. Esse grupo foi sintetizado na figura de Vargas, liderana capaz

    de utilizar estratgias diversas para dar coeso aos variados segmentos que se

    agregavam e muitas vezes conflitavam no subterrneo dessa aliana. O Estado

    forjado por Vargas mediou essa transformao estrutural da sociedade, fez

    conformao de interesses de classes, principalmente entre as fraes burguesas.

    Esse cenrio seria propcio para a configurao de um bloco de interesses

    que traria em seu cerne acomodao/conciliao de vrios setores sociais, contudo

    de forma assimtrica. Como aponta Gramsci (2000), num contexto de crise de

    hegemonia, a ocorrncia mais provvel as classes dirigentes terem mais

  • 26

    possibilidades de se reorganizarem para se manter no poder do que as classes

    subalternas para tentarem fazer a revoluo.

    Nesse sentido, a estrutura poltica do primeiro Governo Vargas seria

    fundamental para nacionalizar os interesses privados, construindo um projeto

    hegemnico em torno do novo padro de acumulao capitalista. Logo, o projeto

    de modernizao fundado na Era Vargas foi operado a partir do prprio

    reposicionamento das oligarquias. Com ganhos e perdas em relao ao perodo

    anterior, muitas delas tiveram que se transformar para permanecerem no centro

    ou na periferia do poder. Essa configurao redundou numa ampla renovao das

    elites dirigentes, proporcionando, ento, em grande medida, os contornos de uma

    modernizao conservadora. 9

    Se observarmos as relaes ocorridas no campo durante esse processo,

    percebemos que elas continuavam intocadas. A manuteno do latifndio e a

    excluso dos trabalhadores rurais da legislao trabalhista expressavam a

    aproximao do novo governo com as elites agrrias. Independentemente de quais

    eram os motivos dessa aliana, no temos a inteno de aprofund-la neste

    momento. O que queremos neste ponto apenas levantar a conjectura de que

    houve um pacto e que este foi preponderantemente realizado com as elites

    agrrias. Esta hiptese somente poder ter uma verificao efetiva quando

    analisarmos adiante os discursos do primeiro governo Vargas.

    Basta retomar as anlises de Fiori (1994) acerca do pacto conservador

    subjacente ao modelo de desenvolvimento brasileiro para percebermos como a

    questo agrria est representada no novo pacto. Para o referido autor, a primeira

    questo que circunda o pacto desenvolvimentista a intocabilidade da estrutura

    fundiria e o veto a qualquer tipo de reforma agrria, resultando na entronizao

    dos interesses do capital agroexportador como condio do pacto industrializante.

    Embora houvesse no processo de 1930 uma potencialidade indireta para reduzir

    os domnios das oligarquias regionais, via centralizao do poder, Fiori considera

    que o Estado brasileiro, ainda que autoritrio, foi fraco diante dos interesses

    privados, gerando uma economia socialmente excludente.

    9 Refere-se aqui teoria de Barrington Moore Jr. (2010) e interpretao de singularidade da modernizao brasileira de Florestan Fernandes (1976), trabalhos que sero retomados adiante.

  • 27

    Em relao s questes econmicas, o setor industrial logrou um projeto

    econmico da industrializao encabeado/coordenado pelo Estado brasileiro.

    Para observar o incio desse processo que se abre em 1930, valemo-nos das

    interpretaes de Draibe (2004 [1985]) que, ao privilegiar uma abordagem dos

    aspectos polticos e institucionais, evidencia, no perodo entre 1930 e 1945,

    medidas que apontam a vinculao do Estado ao projeto industrialista. Se por um

    lado, as primeiras medidas remetiam federalizao da poltica cafeeira com a

    criao de rgos como o Conselho Nacional do Caf, resultante da necessidade de

    diminuir o poder das oligarquias regionais e da necessidade de resolver os

    problemas gerados pela crise mundial; por outro, houve a criao de um conjunto

    de rgos de planejamento relacionado industrializao. Como exemplos destes,

    o Departamento Administrativo do Servio Pblico - DASP (1938), o Conselho

    Federal do Comrcio Exterior - CFCE (1934), o Conselho Tcnico de Economia e

    Finanas - CTEF (1937), a Coordenao de Mobilizao Econmica - CME (1942), o

    Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial - CNPIC (1944) e a Comisso

    do Planejamento Econmico - CPE (1944). Desta forma, a partir do primeiro

    governo Vargas, a industrializao brasileira engendrou uma arquitetura de Estado

    que se colocou a servio do projeto de industrializao e, consequentemente, da

    nao.

    Com o Golpe de 1937, no apenas erguia-se a estrutura burocrtica do

    Leviat e a liderana pretensamente inconteste de Getlio, mas tambm se

    delimitava um projeto nacional mais robusto (CORSI, 2000). No Estado Novo, a

    economia adquiriu um novo patamar, uma vez que o projeto industrial j integrava

    as orientaes das aes estatais, condicionando um modelo de modernizao cujo

    propsito era a sada de uma situao agrarismo e incio de outra

    industrialismo. O Estado Novo operacionalizou uma guinada em relao

    economia, forjando um novo modelo de desenvolvimento brasileiro. Acomodaram-

    se as foras vinculadas ao modelo agrrio e ao modelo industrial, seja pela

    intocabilidade de alguns interesses vinculados estrutura fundiria, seja pela

    guinada industrializao como modelo de desenvolvimento nacional catalisado

    no Estado.

    Um dos instrumentos centrais nessa configurao foi, segundo Bastos

    (2006), a matriz antiliberal. Se, antes de 1930, as diretrizes do liberalismo aos

  • 28

    moldes brasileiros garantiam uma economia mercantil-exportadora e regionalista,

    a paulatina ao do Estado, no ps-30, propiciou a consolidao das estruturas

    necessrias ao avano do capitalismo industrial brasileiro, cujas vicissitudes

    desembocaram na promoo e na sustentao do modelo industrial com

    legitimidade perante amplos setores sociais. Soma-se a isso a dimenso poltica, no

    qual mais do que a disputa ideolgica entre liberalismo e organicismo, a

    reconfigurao dos anos 30 trouxe um elemento significativo em relao

    mudana do modelo econmico nacional: o afastamento dos valores liberais que

    sustentavam a vocao agrria e a crescente inclinao ao modelo intervencionista

    do planejamento e defesa da industrializao (CEPDA, 2010, p. 209).

    Diante da crise do padro mercantil exportador, o Estado foi assumindo o

    papel de propulsor da indstria e regulador da fora de trabalho, tornando-se

    central no Novo modelo de acumulao capitalista que se abria. Ainda que esse

    pacto no tivesse, em 1930, compromisso ideolgico explcito com a indstria, em

    1945, ao fim do Estado Novo, percebe-se uma ntida vinculao entre Estado e

    industrializao.

    Por outro lado, a poltica varguista desenvolvia uma estreita relao com as

    massas trabalhadoras, construindo fortes elementos de identificao com o

    regime. Desde incio da dcada, canalizaram-se para o Estado as foras polticas do

    movimento operrio com marcantes expresses autoritrias e corporativistas

    fundadas na ideia de amenizao dos conflitos entre o capital e o trabalho. Essa

    harmonizao seria endossada pela ideologia, construda ao longo do primeiro

    Governo Vargas, de que o poder estatal trataria a questo social como uma poltica

    de Estado e no mais como um caso de polcia, considerado algo corriqueiro na

    Primeira Repblica.

    Assim, o primeiro Governo Vargas admitiu a presena poltica da classe

    operria, reconhecendo sua capacidade reivindicativa e sua cidadania ao

    promulgar a legislao trabalhista e as bases da montagem da estrutura sindical.

    Sobre a construo da cidadania, Wanderley Guilherme dos Santos (1979) apontou

    como ela esteve vinculada varivel profissional, dependendo, portanto, da

    insero no mundo da produo. Dessa forma, a cidadania, no Brasil, adquiriu um

    carter de cidadania regulada cuja raiz se encontrava num sistema de

    estratificao ocupacional que, consequentemente, distanciava-se dos direitos civis

  • 29

    e polticos. O reconhecimento legal dos direitos sociais passava pela esfera do

    Estado, no qual o Ministrio do Trabalho via a legislao trabalhista, definia quem

    era ou no cidado de acordo com parmetros estipulados sobretudo a partir da

    carteira de trabalho e da regulamentao das profisses e sindicatos.

    O iderio corporativista viria ento para amenizar os conflitos de classes

    existentes na sociedade civil, uma vez que disfararia os interesses privados ao

    dissolv-los no pblico. O Estado, acima de todas as classes, realizaria a harmonia

    social e organizaria a sociedade civil atravs de corporaes profissionais. Foi o

    que aconteceu com experincia da representao classista, no contexto

    constitucional de 1933-34, e nos Conselhos Tcnicos implantados no Estado Novo.

    A legislao trabalhista tambm seria, na viso de outros autores,

    fundamental para o processo de industrializao. Para Oliveira (2003), a anlise da

    transio para o modelo industrial no se pode restringir ao mbito econmico. Ao

    contrrio, as mudanas se forjaram nas determinaes polticas e sociais sem as

    quais no h como entender o carter decisivo do Estado no ps-30 na rea

    econmica. A regulamentao das relaes entre capital e trabalho, realizada pelo

    Estado aps 1931 (sobretudo a partir da criao do Ministrio do Trabalho),

    portanto, refletiu uma poltica intencional de controle/preparo dos trabalhadores

    para garantir o novo processo de acumulao de capital. Essa legislao daria uma

    correlao de foras desproporcional, pois impedia a auto-organizao dos

    trabalhadores. Nesse sentido, segundo Oliveira, as iniciativas estatais foram

    fundamentais na transio, em especial, a legislao trabalhista e a poltica de

    arrocho dos salrios, que garantiu um novo padro de acumulao capitalista

    centrado na indstria.

    A aliana entre Getlio e as foras trabalhistas foi foco do esforo de vrios

    pesquisadores que buscaram entender como se processou essa vinculao. A

    interpretao clssica de Weffort (1978) apontou o fenmeno do populismo

    como marca fundamental da poltica brasileira entre 1930 e 1964. O populismo

    constituiu-se como um fenmeno do Brasil urbano e em fase de industrializao,

    servindo como um mecanismo para aliviar os conflitos de classes, uma vez que

    deslocava o centro de tenso do sistema capitalista e a concentrava no Estado.

    Segundo Weffort (1978), o populismo se manifestou a partir da Revoluo

    de 1930, quando houve uma conjuno entre estilo de governo e poltica de

  • 30

    massas. Essa situao desembocou, primeiramente, num Estado de

    Compromisso, num segundo momento, na repblica populista, entre 1946-1964,

    com a experincia da liberal democracia. Buscando compreender o fenmeno

    resultante da complexidade das condies histricas em que surge, Weffort

    apontou que o apelo s massas decorrente do anseio de encontrar suporte num

    contexto de instabilidade e incertezas polticas. O Estado de Compromisso,

    portanto, deriva dessa articulao entre duas frentes de aliana: diante dos grupos

    dominantes, consagrando um equilbrio instvel e emergindo a figura pessoal do

    lder, em grande medida, confundido com o Estado. E o compromisso entre o

    Estado/Prncipe com as classes populares, que passam a integrar o universo

    poltico, porm de forma subordinada. Disso resulta uma relao entre lder e

    massa entremeada pela manipulao populista.

    Esse conceito teve vrias releituras que buscaram explorar suas limitaes

    acerca da ideia de manipulao das massas e, consequentemente, da relao entre

    Estado e classes populares. O termo traz inerentemente uma concepo negativa,

    ao recair numa ideia de que o poltico populista aquele que engana as massas,

    sendo elas incapazes de perceber essa demagogia. Contudo, a polmica em torno

    da categoria explicativa populismo amplamente complexa e transcende os

    objetivos deste trabalho.10

    No entanto para maior aprofundamento sobre esse assunto, apontamos,

    como exemplo, os trabalhos de ngela de Castro Gomes (2005; 1979) que

    problematizou algumas ideias subjacentes ao conceito do populismo ao buscar

    autonomia relativa das classes trabalhadoras. A essa incluso da classe operria

    via projeto articulado e implementado pelo Estado, a autora traz um novo conceito

    denominando de trabalhismo. Segunda ela, a poltica trabalhista deve ser

    analisada tanto no que se refere ao alcance das medidas legislativas, quanto ao da

    lgica simblica. A ao do Estado, em relao poltica trabalhista, s foi profcua

    porque conseguiu estabelecer laos slidos o bastante porque simblicos

    (poltico-cultural) e no apenas materiais (econmicos) (GOMES, 2005, p. 27).

    Segundo Werneck Vianna (1976), no Brasil, o reconhecimento do trabalho

    veio sob fortes marcas do corporativismo no processo de transio para a

    modernidade. O processo de modernizao, no Brasil, ocorreu sob a coexistncia

    10 Sobre a releitura do conceito de populismo ver Ferreira, 2001.

  • 31

    das organizaes liberal e corporativa, nas quais a ordem liberal e o mercado de

    trabalho estavam sob a disciplina de instituies corporativas ou semi-

    corporativas, arquitetura que se traduziu em um vigoroso instrumento de

    acumulao industrial. O n do liberalismo no Brasil seria, portanto, a

    incapacidade de admitir a livre movimentao para as classes subalternas e ser

    avesso perspectiva do indivduo, ao pluralismo e noo de conflitos legtimos

    (VIANNA, 1976). Por isso, exclua-se desse pacto os movimentos de esquerda, a

    vertente anarco-sindicalista, a Aliana Nacional Libertadora (ANL) ou qualquer

    grupo crtico estrutura capitalista. Da mesma forma, no eram bem vindos ao

    arco de alianas subjacente ao Estado, a extrema direita, como a Ao Integralista

    Brasileira (AIB), todos capazes de usurparem o poder. Forado a conviver com o

    perodo e as garantias constitucionais, o primeiro Governo Vargas transformou a

    organizao comunista num perigo para a nao, justificou a Lei de Segurana

    Nacional, de 1935, e alicerou a legitimidade do Golpe de 1937 e a criao do

    Estado Novo. Essa lgica tambm pode ser visvel no movimento integralista de

    1938, quando tentou deflagrar uma revolta contra o Estado Novo.

    De qualquer forma, a partir do fechamento do Congresso e da outorga da

    nova Carta Constitucional, o regime ditatorial varguista silenciava as vozes

    dissonantes na sociedade, tornava legtimo o poder de Vargas, acentuava o poder

    dos tcnicos, da burocracia, dos gerentes e administradores, com resguardo

    decisivo das Foras Armadas.

    Acomodavam-se, assim, absorvidos e centralizados no Estado, no somente

    os velhos e os novos interesses de setores dominantes, como tambm algumas das

    demandas da classe trabalhadora que foram canalizadas e arbitradas pelo governo

    Vargas. Era a emergncia do Estado Leviat todo poderoso que se impunha

    a todos e garantia a sobrevivncia do conjunto. Era a primazia do Estado em

    todos os nveis da sociedade brasileira para operar a transio para a

    modernidade.

    Se observarmos, portanto, o cenrio entre 1930 e 1980, podemos

    identificar, por um lado, a burguesia industrial com interesses amplos e

    diretamente privilegiados com as polticas de Estado e, por outro, o setor

    agroexportador que, embora alvo em 1930, tambm se constituiu como

    beneficirio do processo ao ter as relaes sociais e de propriedade no campo

  • 32

    inalteradas. Ressalte-se, ainda, que analisar a relao entre indstria e terra no

    pacto varguista escapa alada deste trabalho, mas fato que essa estrutura

    mescla industrializao e concentrao fundiria e se constituiu no elo balizador

    do desenvolvimento brasileiro, forjando nosso modelo de modernizao com

    excluso social.

    De qualquer forma, a partir de 1939, Getlio desenvolveu um alinhamento

    aos Estados Unidos, culminando, em 1942, na entrada do Brasil na Segunda Guerra

    Mundial e na obteno de recursos para investimentos na siderurgia brasileira,

    com os quais criou a Companhia Siderrgica Nacional (CSN). A aliana entre Brasil

    e EUA conduziu a uma contradio no regime: pas internamente autoritrio,

    lutando externamente contra o nazi-fascismo. O apoio brasileiro ao blica

    americana teve dois fatores determinantes para que os EUA passassem a

    pressionar o Estado Novo: ter como base de apoio um regime ditatorial e o fato de

    ter no Brasil um governo nacionalista com defesa da industrializao (CORSI,

    2000). No primeiro caso, deslegitimava a guerra contra os regimes totalitrios e,

    no segundo, poderia proporcionar impulso a uma relativa autonomia ao Brasil, no

    se importando com os interesses estadunidenses.

    Apesar do prenncio, no contexto internacional, da derrota do bloco

    nazifascista apontar uma vitria do grupo ao qual o Brasil se aliara, Vargas sofria

    oposies internas com o crescimento de grupos antifascistas e com o afastamento

    progressivo do governo das classes dominantes (burguesia comercial, industrial,

    agrria, etc.).11 Percebendo essa nova conjuntura, buscou intensificar a vinculao

    com os trabalhadores, deslocando estrategicamente seu eixo de sustentabilidade

    poltica para a base popular.

    Nos ltimos anos do regime, Getlio foi, paulatinamente, transitando de

    uma retrica autoritria a um discurso mais social e paternalista. Passou, ento, a

    fortalecer os laos com as camadas populares e com os trabalhadores urbanos,

    base do trabalhismo do seu segundo governo. A legislao trabalhista atrelada

    mudana no tom dos discursos, o aumento do salrio mnimo e a decretao de

    congelamento dos preos dos aluguis lograram a Getlio, ainda no Estado Novo, a

    11 Perceptvel no Manifesto dos Mineiros, de 1943, que, embora proclamado por setores da elite mineira, conseguiu apoio entre outros setores da classe dominante e forte repercusso entre as classes mdias.

  • 33

    consagrao da imagem de pai dos pobres, o que, a rigor, no impediu que o

    governo continuasse a reprimir o movimento operrio.

    Essa aproximao em grande medida foi proporcionada pelo Departamento

    de Imprensa e Propaganda da ditadura que, segundo Capelato (1999), inspirando-

    se nos mecanismos nazifascistas, pretendia, principalmente, conquistar o apoio

    dos trabalhadores para a poltica varguista. Vrias foram as estratgias utilizadas

    pelo regime para causar tal ressonncia. Os discursos eram elaborados a partir de

    tcnicas de linguagem em que se destacavam palavras-chave e slogans de grande

    impacto diante do povo. 12 Por outro lado, Gomes (2005) destaca trs grandes

    momentos do calendrio festivo que articulavam esse vnculo com os setores

    populares: o aniversrio de Vargas (19 de abril), o Dia do Trabalho (1 de maio) e o

    aniversrio do Estado Novo (10 de novembro). As comemoraes em torno dessas

    datas resultaram na formao da mitologia que envolvia o Estado Novo, o trabalho

    e o presidente.

    Essa relao fundamentou uma aproximao entre o regime e as classes

    trabalhadoras, sendo capaz de legitimar as polticas doutrinrias do Ministrio do

    Trabalho e criar uma forte base de apoio poltico que transcendia o regime e se

    estendia figura Vargas, e foi esse legado que sustentaria o apoio poltico nos anos

    50. Como aponta Lemos (2004), a poltica desenvolvida pelo Ministrio do

    Trabalho, na pessoa de Alexandre Marcondes, apresentava as medidas trabalhistas

    como uma ao pessoal de Vargas, j preparando para um novo cenrio em que o

    voto, e no as baionetas, a principal moeda de troca entre as foras polticas

    (LEMOS, 2004, p. 206).

    Entretanto, o regime ditatorial passou a apresentar algumas fissuras

    internas com o afastamento de importantes figuras do Estado Novo. Caso de

    Osvaldo Aranha e de Gis Monteiro, que se demitiram em 1944, e do Ministro da

    Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, que j vinha criticando e defendendo o fim do

    Estado Novo e articulando novas alianas com setores civis e militares.

    12 O reforo da figura do lder Getlio Vargas dava-se com frases como: a generosa e humanitria poltica social do presidente Vargas; reiteradas e expressivas provas de carinho ao presidente Vargas; a popularidade do presidente Vargas (CAPELATO, 1999, p. 171). Capelato ressalta ainda que esse tipo de linguagem utilizada pelo Estado Novo eliminava a possibilidade de oposies, uma vez que proclamadas enquanto expresso de um todo, no se admitiria contestao e seu convencimento seria amplamente eficaz.

  • 34

    Diante do contexto e ainda no primeiro semestre de 1945, Vargas buscou

    rearticulao poltica e decretou a previso de eleies para o final daquele ano e a

    anistia aos presos polticos, dentre eles Lus Carlos Prestes, preso em 1936. Com a

    Lei Eleitoral, passou-se articulao dos partidos polticos, dentre os quais a Unio

    Democrtica Nacional (UDN), o Partido Social Democrtico (PSD) ambos de

    articulao das classes dominantes , o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o

    Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

    Cabe destacar aqui que Getlio realiza uma negociao, inclusive, com

    setores mais radicais, como o prprio Lus Carlos Prestes e o PCB, em 1945. Isso

    ocorreu porque a esquerda, presa viso da revoluo democrtico-burguesa,

    entendia que a aliana com Getlio era a melhor alternativa diante do cenrio

    golpista que se desenhava. Emergia-se, ento, o movimento Queremista

    demandando pela continuidade de Getlio sob os princpios constitucionais.

    Articulado por foras getulistas ligadas ao Ministrio do Trabalho, o movimento

    veio reforar o nacionalismo de Vargas e destac-lo como um lder trabalhista e

    democrtico. Isso no quer dizer que Getlio no tenha buscado outras bases. Pelo

    contrrio, tentou recompor-se politicamente, articulando na heterogeneidade das

    foras sociais. Como demonstra Carone (1977), a manobra varguista inclua

    setores oligrquicos tradicionalmente aliados e o setor do Exrcito ligado a Ges

    Monteiro.

    As Foras Armadas que tiveram papel principal na sustentao e, sobretudo,

    na criao e manuteno do Estado Novo seriam tambm centrais na sua

    derrocada. O forte elo entre o governo Vargas e a instituio militar, observado

    desde 1930, em meados dos anos 40, enfraquecia-se cada vez mais. Afinal, o

    carter corporativista e autoritrio da estrutura estatal, que at ento agradava

    ambas as partes, no se mostrava to eficiente como antes para enfrentar as

    adversidades e vicissitudes do processo histrico. As alteraes no contexto

    interno e externo desafiavam a aliana entre eles.

    O cenrio se mostrava bastante diverso daquele heterclito do incio dos

    anos 30, em que a operacionalizao da correlao de foras permitiu o pacto que

    sustentara seu primeiro Governo. Observando essa congregao de foras polticas

    a favor da continuidade de Getlio e a possvel radicalizao dessa aliana, cenrio

    agravado pela demanda comunista em prol de uma Constituinte sob o governo de

  • 35

    Getlio Vargas, o grupo militar se une s classes dominantes e derrubam Getlio

    (CARONE, 1977).

    Ainda que Vargas tivesse apoiado, posteriormente, a candidatura do general

    Eurico Gaspar Dutra, eleito pelo Partido Social Democrtico (PSD), Martins Filho

    (2003) aponta que a parcela mais significativa das Foras Armadas estava

    definitivamente afastada de Vargas, que passou a significar tudo o que os militares

    conservadores mais temiam (MARTINS FILHO, 2003, p. 106). Dutra desenvolveu

    uma poltica de aproximao com a Unio Democrtica Nacional (UDN) e a

    perseguio aos comunistas, inclusive colocando o Partido Comunista Brasileiro

    (PCB) na ilegalidade, marcando um perodo de reorganizao da atuao poltica

    dos militares. No contexto da guerra fria, o grupo militar conservador comearia a

    se preocupar com as perspectivas de uma interveno mais orgnica dos militares

    na poltica, em termos antes institucionais que individuais, na tradio incentivada

    nos anos 30 e 40 por Ges Monteiro (MARTINS FILHO, 2003, p. 106).

    Mesmo com a derrocada do Estado Novo e de Getlio Vargas como o

    articulador do pacto que o sustentava, as vicissitudes do primeiro governo de

    Vargas deixaria legado irreversvel. A arquitetura do Estado forjada na fase 1930-

    1945, em especial no Estado Novo, conduziria misso nacional nas dcadas

    subsequentes, ou seja, como aponta Bielschowski (2000), as vrias facetas do

    nacional desenvolvimentismo, a partir de ento, estariam sob o mesmo signo, onde

    a conformao tende mesma direo com rarssimas excees passam a

    defender o planejamento e a necessidade da industrializao, no tendo vozes

    dissonantes em termos gerais, mas em termos pontuais.

    Definido por Bielschowsky (2000) como um processo construdo ao longo

    do tempo e caracterizado pela interveno estatal progressiva, o nacional-

    desenvolvimentismo vinculou interesse nacional e desenvolvimento, ativado pela

    vontade poltica concentrada no Estado, de novas atividades econmicas,

    particularmente industriais, associadas diversificao do mercado interno. O

    referido autor demonstrou como a questo nacional perpassou as vias de

    desenvolvimento definidas na arena poltica dos anos 50. Nesta dcada, estavam

    presentes as correntes de pensamento poltico existentes no perodo: as trs

    variantes do desenvolvimentismo (setor privado, setor pblico no nacionalista e

    setor pblico nacionalista), o neoliberalismo ( direita do desenvolvimentismo)

  • 36

    e a corrente socialista ( sua esquerda). Formulado ideologicamente entre 1930

    e 1944, sob o primeiro governo Vargas, nos anos 50, as estratgias para execuo

    do projeto varguista foram lanadas disputa pela hegemonia nos anos 50 dentre

    essas foras polticas.

    Esse processo acaba sendo absorvido e sintetizado por uma leva de

    intelectuais no qual Furtado (2007 [1959]), por exemplo, aponta que o projeto de

    desenvolvimento passou a ser associado ao de planejamento, por meio da

    interveno do Estado na conduo do processo de industrializao. Por ele

    passaria a garantia da soberania nacional e a necessidade de um plano que fosse

    capaz de pensar o desenvolvimento econmico estrategicamente.

    Nessa mesma perspectiva, Bastos (2006) aponta que a prioridade do

    governo Vargas era intervir e nacionalizar setores considerados estratgicos:

    energia, transporte, educao, dentre outros. Ao observar, ao longo dos seus dois

    governos, a atuao de Vargas nesses setores, o referido autor considera que o

    nacional-desenvolvimentismo varguista consistiu num processo no qual se altera

    as formas de interveno, mas no o iderio geral, sendo o programa nacional-

    desenvolvimentismo marcado por trs caractersticas permanentes: anti-

    liberalismo (viso de incapacidade do mercado de regular as crises econmicas e

    sociais); oportunismo nacionalista: identificao de realizar barganhas externas

    que atendessem finalidade dos interesses nacionais; e capacidade de adaptao

    s circunstncias dos interesses cambiantes.

    Afinal, as metamorfoses do primeiro governo Vargas no foram pacficas e

    muito menos lineares. Nesta pesquisa, sugere-se que parte da configurao das

    identidades polticas e econmicas na poca principalmente a converso do tema

    econmico em questo nacional (vnculo iniludvel e inquestionvel entre a

    dimenso poltica e a econmica) foi produzida interativa e complementarmente

    pelas disputas abertas no bloco do poder por causa da situao de transio

    estrutural e conjuntural.

    Essa capacidade de adaptao, do primeiro governo Vargas, pode ser

    aproximada a dois conceitos desenvolvidos por Gramsci (2000): cesarismo e

    bloco histrico. Amparamo-nos na tese deste autor quando ele destaca que o

    papel fundamental da arena poltica, no processo de passagem da conscincia em

    si para a conscincia para si, coincide com arenas polticas em disputas. Isso

  • 37

    requer considerar que a conscincia parte do processo poltico que, por sua vez,

    define-se no campo do exerccio da prpria poltica, delineando-se, definindo-se e

    se redefinindo endogenamente ao prprio fenmeno histrico. O Governo Vargas

    operacionalizou esse bloco no momento em que os prprios atores estavam se

    construindo no perodo, tornando, portanto, a disputa poltica como parte

    significativa dessa construo.

    A convergncia dessas foras heterogneas, concomitantemente em

    construo, num pacto aglomerador, acarretou a criao de condies especficas

    para a emergncia do fenmeno com marcantes entonaes cesaristas. Ao

    observar o contexto fascista da Itlia de Mussolini, Gramsci (2000) d uma

    explicao contundente para compreender o fenmeno poltico. O cesarismo,

    prximo ao conceito de bonapartista de Marx, referia-se figura do chefe

    carismtico que organiza as ideias polticas das classes dirigentes. Dos

    desequilbrios das foras sociais emerge uma personalidade capaz de arbitrar o

    conflito no qual se reorganizam as foras burguesas sob o comando de uma

    liderana carismtica. Essa habilidade poltica requerida pelo cesarismo pode ser

    encontrada em parte da poltica de Vargas.

    1.2 AS INTERPRETAES SOBRE O PRIMEIRO GOVERNO VARGAS

    H um grande esforo na historiografia brasileira para elucidar a relevncia

    no apenas do episdio da Revoluo de 1930 como tambm dos seus significados

    e suas vicissitudes para a construo da modernidade no pas. Essa problemtica

    implica considerar tambm as aes do primeiro Getlio Vargas inseridas na

    singularidade da transio brasileira comparada aos padres de

    desenvolvimento capitalista global. Apresentando uma diversidade de

    transformaes e suas particularidades, a Revoluo de 1930 (e seu sentido)

    produziu inmeras abordagens: histricas, econmicas, polticas, sociais e

    culturais.

    A leitura sobre o processo, que se abre a partir de 1930, pode ser feita em

    trs grandes dimenses analticas: a interpretao da histria, que ressalta os

    movimentos e os fatos sociais; as interpretaes da mudana social, da ordem

  • 38

    senhorial e patrimonial para a sociabilidade singular de nossa modernidade

    (HOLANDA, 2004 [1936]; FERNANDES, 1976); e a dimenso econmica apoiada na

    perspectiva de que foi a mudana estrutural nas relaes de produo (modelo

    mercantil exportador versus modelo industrialista) que galvanizou o processo de

    mudana social, poltica ao histrico (FURTADO, 1975 [1959]).

    Na dimenso histrica, as teorias sobre o desenvolvimento demonstram

    que capitalismo no ocorre por uma via nica. Ao contrrio, sua construo

    politicamente selecionada a partir dos atores e foras sociais inerentes e os

    projetos so politicamente orientados. Trabalhos nessa rea, como os de

    Barrington Moore (2010 [1983]) e Charles Tilly (1996), demonstraram as

    diferentes formas de passagem para o capitalismo e como os modelos polticos

    derivam dessa configurao.

    Diferentemente dos modelos clssicos, apontados por ambos, num

    desenvolvimento de capitalismo tardio, as condies histricas produzem outras

    formas de modernizao. Outros trabalhos, como os de Florestan Fernandes,

    (1976), destacaram a peculiaridade da Revoluo Burguesa no Brasil ao apont-la

    enquanto fenmeno resultante da fase do capitalismo mercantil que produziu um

    hibridismo, pois as relaes econmicas fundiram-se s relaes sociais e polticas,

    obstruindo a possibilidade da formao de um mercado competitivo. Assim, o

    modelo de desenvolvimento de capitalismo tardio expressa um processo

    particular de constituio do capitalismo e engendra outras formas histricas

    alternativas via clssica. Por isso, Fernandes (1976) considera que no h como

    associar o processo de 1930 ao modelo clssico de Revoluo Burguesa, uma vez

    que, nos pases de extrao colonial, em que se tem uma insero capitalista que

    no engendra um ator nacional, produziu-se uma nova perspectiva poltica na qual

    os atores envolvidos no mudam a ordem social, porque o processo capaz de

    emposs-los de poder econmico e poder poltico no conduz, necessariamente,

    alterao das estruturas sociais em direo modernidade capitalista.

    Nos estudos de abordagem histrica sobre o Brasil, duas grandes linhas de

    interpretao se abrem: os que procuram entender os anos 30 como um momento

    da contradio (luta) de classes e os que aprofundaram o carter singular da

    revoluo via acomodao ou hibridismo dessa conformao. Em vrias obras, a

    questo do sentido de 30 privilegiou o problema das classes sociais (tomando

  • 39

    como referncia o problema da Revoluo Burguesa). Um dos trabalhos pioneiros

    nessa abordagem foi o de Santa Rosa (1976 [1933]). Empregando o conceito de

    revoluo sob pressupostos marxistas, sustenta a ideia de que a revoluo de 1930

    foi uma ascenso da burguesia industrial dominao poltica com atuao do

    movimento das classes mdias, embora sua ascenso no fosse exclusiva. A classe

    burguesa, portanto, seria condutora e beneficiria da ao revolucionria,

    assumindo o aparelho estatal e instituindo as bases para o livre desenvolvimento

    do capital.

    Nessa mesma perspectiva explicativa, Vianna (1976) considera que, em

    1930, ocorreu uma revoluo burguesa realizada pelas oligarquias agrrias mais

    atrasadas com o apoio das camadas mdias urbanas. A modernizao ocorreu

    sob liderana/vigilncia poltica e social das classes dominantes, sendo o Estado o

    principal agente dessa transformao. Assim, criaram-se condies para

    promover de cima a mudana no conjunto da sociedade. Ou seja, uma

    modernizao pelo alto, marcada por uma nova configurao estatal que

    institucionalizaria o conflito social, produzindo o hibridismo entre liberalismo e

    corporativismo, arquitetura que se traduziria num vigoroso instrumento de

    acumulao industrial.

    De Decca (1988), ao buscar as interfaces com as classes trabalhadoras,

    considera que a histria oficial da revoluo de 30 foi construda pelos vencedores.

    Afirma que, para a construo de um contra discurso, preciso compreender o

    perodo histrico pela tica dos vencidos, ou seja, da classe operria, qual foi

    imposto o silncio. A revoluo no foi um marco revolucionrio, mas sim um

    golpe da burguesia contra o movimento operrio que lhe apresentava como uma

    ameaa, portanto teve um carter contrarrevolucionrio. Por esse vis, De Decca

    considera que o real momento revolucionrio ocorreu em 1928, quando aflorou a

    luta de classes favorecendo a criao do Bloco Operrio Campons, e, no mesmo

    ano, a fundao do Centro das Indstrias do Estado de So Paulo.

    Em contrapartida, vrios autores buscaram destacar a singularidade do

    processo brasileiro, seu hibridismo e a acomodao de interesses que acontece em

    uma sociedade que no corresponde ao padro clssico dos conflitos de classes.

    Nessa perspectiva, encontram-se Weffort (1978) e Fausto (1970) que entendem a

    Revoluo de 1930 como uma crise de hegemonia poltico-econmica que se

  • 40

    estabeleceu entre a derrocada de um sistema e a ascenso de outro. Produziu-se

    assim um vcuo de poder entre a quebra do modelo agrrio e a consolidao do

    modelo industrial, sendo caracterstica deste a incapacidade de exercer o poder

    autonomamente. Nesse vazio, consolida-se o poder pessoal de Vargas que

    estabelece as estruturas do Estado interventor. Para Fausto (1970), o movimento

    revolucionrio de 1930 foi caracterizado pela realocao das elites no poder, dados

    seus resultados imediatos e posteriores, na medida em que o comando do processo

    poltico no pertencia mais s oligarquias regionais. O perodo que marca,

    portanto, o vazio de poder deriva do fato de que a revoluo de 1930 no

    conduziu imediatamente a burguesia industrial ao domnio poltico.

    Outros autores, tais como Diniz (1978) e Carone (1978), tambm aceitam o

    referencial de que os industriais no foram os promotores da revoluo, ainda que

    esta (em especial a configurao da Era Vargas) tenha promovido as bases para o

    desenvolvimento desse setor. Esses autores endossam as abordagens de Fausto e

    Weffort, apontando a fragilidade do setor industrial no perodo e sua impotncia

    para sujeitar a sociedade ao seu projeto. A ascenso burguesa s poderia assim ser

    efetuada atravs da conduo da elite dirigente do Estado, formatando a

    peculiaridade elementar da revoluo burguesa brasileira.

    O movimento de outubro de 1930 seria uma ao preventiva, ou pelo alto,

    porque brecou ao mesmo tempo em que utilizou as novas foras em ebulio

    para manter a ordem dentro da mudana (CEPDA, 2004). Contudo, o desajuste do

    projeto ideolgico da Primeira Repblica emergira das mudanas econmicas e

    sociais em curso no pr-30. Assim,

    A pluralidade de projetos, interesses, rumos e a qualidade de incerteza poltica e econmica que transformou esse jogo numa srie de propostas testadas ad doc, acentuam a importncia da batalha das idias e a fora ideolgica dos interesses envolvidos, ou seja, nem cincia pura, descolada dos conflitos reais, em projetos acabados de capitalismo e sociedade (CEPDA, 2004, p.137).

    A discusso em torno de uma crise de hegemonia fundamentou a

    concepo de que, pela ausncia das classes fundamentais ao processo da

    construo do capitalismo, esse espao foi ocupado pelo Estado com o apoio das

    Foras Armadas na formatao da via de desenvolvimento brasileiro. Essa

  • 41

    caracterstica permitiu um distanciamento cada vez maior da sociedade civil e uma

    crescente burocratizao organizacional.

    Tendo como suporte analtico essa singularidade hbrida apresentada por

    Florestan Fernandes, Draibe (2004 [1985]) demonstra como se entrelaaram

    simultaneamente a industrializao, a diferenciao das foras sociais e a

    construo da ossatura do Estado com estruturas tipicamente capitalistas,

    gestando modelo de desenvolvimento singular. A referida autora considera que se

    abriram alternativas ao desenvolvimento capitalista no Brasil, representadas por

    setores gestados no interior da economia exportadora que seriam capazes de

    projetar - cada qual sob seus interesses alternativas diferentes de futuro. Para

    tanto, Draibe trabalha com a concepo de vias de desenvolvimento13 como

    expresso do sentido terico histrico, considerando que elas:

    No constituem um projeto fixado de antemo pelas foras polticas em luta, mas emergem e se caracterizam nos meandros do movimento histrico concreto. Isso quer dizer que, apesar de subjacentes, as alternativas estruturais no se expressam em estado puro, pois resultam do enfrentamento das foras polticas pela conquista da direo do Estado, concretizadas em torno de projetos que aspiram, incessantemente, articular alianas e coalizes para a formao de blocos dirigentes [...] H que reconhecer, desde logo, que as vias alternativas so desequilibradas, assimtricas e mutantes [...] Sendo assim, as vias no podem ser de maneira alguma identificadas com projetos especficos de partidos, movimentos e outras foras polticas organizadas, nem tampouco podem ser entendidas estaticamente, a partir de sua configurao no incio dos anos 30 (DRAIBE, 2004 [1985], p. 26).

    Assim, apresenta algumas vias possveis de desenvolvimento a partir do

    colapso da economia agrrio-exportadora, desencadeada em fins dos anos de

    1920. Mais precisamente, ela aponta trs segmentos fundamentais capazes de

    construir seus interesses, enquanto base do Estado, e dar direcionamento s

    questes da revoluo burguesa brasileira: a) burguesia mercantil-exportadora

    (via conservadora do desenvolvimento); b) burguesia industrial (via moderada de

    desenvolvimento); e c) nacional-popular (via mais radical de desenvolvimento). Os

    projetos subjacentes ao perodo foram estabelecidos pela disputa poltica, ou seja,

    pela correlao de foras em aberto no campo poltico e pelo enfrentamento para a

    obteno da direo do Estado. O carter instvel do campo poltico na disputa

    entre essas trs foras vias possveis de desenvolvimento foi que configurou a

    13 Assumindo claramente seu vnculo com a tipologia de Barrington Moore.

  • 42

    quarta via concentrada na autonomia do Estado, enraizada na multiplicidade de

    foras polticas heterogneas e expressivas das relaes polticas definidas na

    disputa poltica.

    De fato, os tipos universais de constituio do capitalismo so insuficientes

    para analisar os casos dos pases perifricos. Nesse sentido, as teorias da

    singularidade brasileira de Fernandes e as vias de desenvolvimento

    diferenciadas dos modelos clssicos, de Draibe, so bastante plausveis para a

    compreenso da constituio do capitalismo no Brasil. No apenas para

    compreender a constituio do nosso modelo de desenvolvimento, sobre o qual

    nos fala Fiori (1994), como tambm para captar como as aes de Getlio

    estavam submersas e inseridas na correlao de foras em aberto que se foram

    constituindo, metamorfoseando, ressignificando no decorrer do processo.

    Contudo, nesse campo em que a debilidade da burguesia reduz o alcance

    explicativo da tese da Revoluo Burguesa, ficou para a literatura especializada a

    seguinte questo: como o interesse econmico de uma classe fraca demais para

    agir chegou ao mago da ao estatal? Teria sido a burguesia fraca demais para

    encabear o processo de modernizao no pas? Na tentativa de uma resposta, os

    trabalhos de Diniz, 1978; Leme, 1978; Gomes, 1979; Cepda, 2004, Corsi, 2000;

    Bastos (2012) discutem a atuao da burguesia e suas fraes de classe no

    processo de construo da industrializao.

    Nessa tentativa, algumas consideraes so importantes: a teoria que

    assinala a migrao de capitais e interesses do segmento mercantil/exportador

    para o segmento industrial (SILVA, 1976), produzindo alterao de interesses

    dentro de um mesmo grupo encastelado no poder; uma segunda vertente a que

    aponta a brecha histrica como impulsionadora da experincia industrial pelo

    colapso do setor cafeeiro no perodo entre guerras e da crise de 29, ou seja, pelo

    desarranjo do Comrcio Internacional (FURTADO, 2007 [1959]; MELLO, 1986

    [1982]). Desta ltima se desdobra uma vertente pioneira sobre o significado da

    poltica de Getlio Vargas: as aes econmicas dos primeiros anos da Era Vargas

    proporcionaram o arranque para a industrializao por substituio de

    importaes, de forma no intencional (FURTADO, 2007 [1959]; TAVARES, 1972).

    Nessa vertente, a interpretao seminal a de Celso Furtado, em Formao

    Econmica do Brasil, ao analisar o processo de industrializao no Brasil como

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    subproduto do controle cambial implementado pelo Governo Vargas para

    contornar as consequncias da crise de 1929. Segundo o autor, o processo de

    deslocamento do centro dinmico da economia do setor agrrio para o setor

    industrial derivou da poltica cambial varguista e da ativao do capital produtivo

    industrial, sobretudo aps 1933. Getlio Varga