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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI É PERMITIDO BRINCAR? UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO LÚDICO NO ENSINO FUNDAMENTAL CUIABÁ/MT 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI

É PERMITIDO BRINCAR? UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO LÚDICO

NO ENSINO FUNDAMENTAL

CUIABÁ/MT 2011

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2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI

É PERMITIDO BRINCAR? UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO LÚDICO NO ENSINO FUNDAMENTAL.

CUIABÁ/MT 2011

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ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI

É PERMITIDO BRINCAR? UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO LÚDICO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção do título de mestre em Educação na área de concentração Educação Cultura e Sociedade, Linha de Pesquisa Culturas Escolares e Linguagens. Orientador: Professor Doutor Cleomar Ferreira Gomes

CUIABÁ/MT 2011

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L695p

Liberali, Andresa Cristina Damaceno.

É permitido brincar? Um estudo sobre o movimento lúdico no

Ensino Fundamental / Andresa Cristina Damaceno Liberali. -- Cui_

bá (MT): IE/UFMT, 2011.

168 f.: il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de

Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação

em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes.

Inclui bibliografia.

1. Infância. 2. Sala de aula. 3. Brincar. 4. Ludicidade. I. Título.

CDU: 372

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ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI

Profa. Dra. Marynelma Camargo Garanhani Examinador Externo (UFPR)

Profa. Dra. Ana Carrilho Grunennvaldt

Examinadora Interna (UFMT)

Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes

Orientador (UFMT)

Aprovado em 31/03/2011

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM EDUCAÇÃO DA UFMT

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Aos meus filhos Natália e Juliano, que entenderam os propósitos de minha ausência em vossas vidas por um breve período. Vocês são, para mim, exemplos de maturidade e companheirismo.

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AGRADECIMENTOS

À FAPEMAT pela ajuda nos custos materiais da pesquisa.

Aos meus pais que me ensinando sobre a vida me foram exemplos de perseverança e amor. À Júlio César, meu marido, pelo incentivo e motivação, não me deixando desistir nos momentos mais difíceis do percurso. À dona Teresinha pela dedicação e cuidados com meus filhos durante um ano. Às amigas, Fabiana, Eunice, Silvia, pelas discussões, companheirismo e desabafos. A meus amigos que fizeram parte desta caminhada e que por ventura estão mais distantes. A meus colegas do mestrado que compartilharam diversos momentos. A Cleomar Ferreira Gomes, professor-orientador, pela oportunidade de participar do Grupo de Pesquisa e trilhar os caminhos para o conhecimento.

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RESUMO

Esta investigação busca retratar aspectos da ludicidade na sala de aula do

primeiro ano do ensino fundamental, buscando indícios de cerceamento do

brincar para priorizar às facetas do conteúdo advindas de leitura, escritas e

cálculos. Para tal empreitada, a pesquisa constitui-se em moldes etnográficos,

quando durante quatro meses foi possível investigar o espaço de duas escolas

da cidade de Sinop/ MT, sendo uma da rede municipal e outra da rede

particular de ensino. Recorremos à técnica de observação participante,

fotografia que ilustra e mostra o lócus do estudo e entrevistas com cinco pais,

duas professoras e dez alunos devidamente matriculados no primeiro ano do

ensino fundamental, todos com idade de seis anos Os principais teóricos que

referenciaram o estudo foram Gilles Brougère, Tizuko Kishimoto, Roger

Caillois, Philippe Ariès e Walter Benjamin, nos quais encontra-se produções

pertinentes ao tema e para subsidiar o suporte metodológico foram

apresentados à investigação Minayo, Lüdke, M. & André e Bogdan e Biklen. A

percepção que obtivemos diante das análises de dados, são prerrogativas de

que pelos olhos da criança a brincadeira é o momento de invenções e

descobertas, da mesma maneira que não tem hora para acontecer, não tem

início estipulado e nem término determinado, ela possui particularidades e

questões temporais que acontecem de acordo com que os participantes assim

as definirem. ―Infelizmente‖, e contradizendo os documentos oficiais da escola

como planos políticos pedagógicos, as alfabetizadoras de crianças com apenas

seis anos, admitem a importância de brincar, mas confessam que em sala de

aula, na qual os alunos passam quatro horas diárias, o movimento lúdico,

assim, podemos chamar, tem hora determinada para acontecer, na educação

física e num outro momento que as professoras assim decretam: ―se sobrar

tempo‖.

Palavras-chave: Infância. Sala de aula. Brincar. Ludicidade

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RESUMEN

Esta investigación busca retractar aspectos de la ludicidad en el aula del primer

año de la enseñanza elemental, buscando indícios de la supresión del

juguetear para priorizar a las facetas del contenido advindas de la lectura,

escritas y cálculos. Para este destajo, la pesquisa se constituyó en los moldes

etnográficos, cuando durante cuatro meses fue posible investigar el espacio de

dos escuelas de la ciudad de Sinop/ MT, siendo una de la municipalidad y otra

de la red particular de enseñanza. Recurrimos a la técnica de observación

participante, fotografia que ilustra y muestra el ámbito del estudio y entrevistas

con cinco padres, dos profesoras y diez alumnos debidamente matriculados en

el primer año de la enseñanza elemental, todos con edad de seis años. Los

principales teóricos que referenciaron el estudio fueron Gilles Brougère, Tizuko

Kishimoto, Roger Caillois, Philippe Ariès y Walter Benjamin, en los cuales se

encuentran producciones pertinentes a la temática. La percepción que

obtuvimos delante del análisis de datos, son prerrogativas de que por los ojos

de los niños el entretenimiento es un momento de inventos y descubiertas, de

la misma manera que no hay hora para ocurrir, no hay comienzo estipulado y ni

término determinado, ella posee particularidades y cuestiones temporales que

acurren de acuerdo con lo que definen los participantes.

―Desafortunadamente‖, y contradiciendo los documentos oficiales de la escuela

como los planes políticos pedagógicos, las alfabetizadoras de niños con sólo

seis años, admiten la importancia de jugar, pero confesan que en el aula, en la

cual los alumnos pasan cuatro horas diárias, el movimiento lúdico, así,

podemos llamar, tiene hora determinada para ocurrir, en la educación física y

en un otro momento que las profesoras así decretan: ―si restar tiempo‖.

Palabras-clave: Niñez. Aula. Jugar. Ludicidad.

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SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................... 13

1 Infância , a ludicidade e a cultura lúdica....................................................20

1.1 Cultura lúdica na infância.........................................................................20

1.2 Produção da cultura lúdica.......................................................................30

1.4 A infância e a ludicidade ..........................................................................34

2 Brincar: o brinquedo, a brincadeira e o jogo ........................................... 47

2.1 Brincadeira e o brinquedo....................................................................... 47

2.2 Brinquedo e a brincadeira pelos olhos da criança................................ 56

3 Escola e a sala de aula: perspectiva do ensino de nove anos.................64

3.1 Escola .......................................................................................................64

3.2 Ensino fundamental de nove anos...........................................................65

3.3 Sala de aula: cadê a ludicidade que estava aqui?..................................78

3.4 Brincar e aprender ou será brincar ou aprender?..................................89

4 Metodologia: O caminho percorrido........................................................106

4.1 Sujeitos: Os atores..................................................................................107

4.2 Escola: O cenário....................................................................................109

4.3 A cena investigada..................................................................................111

5 Discussão dos dados ― Interpretando os episódios.............................119

5.1 Posso brincar?.........................................................................................121

5.1.1 Brincar quando sobrar tempo.............................................................127

5.1.2 Aula de educação física: aqui pode brincar.......................................129

5.2 Escola para que te quero........................................................................133

5.3 O ritual escolar:o que se viu e ouviu na sala de aula...........................140

Considerações finais.....................................................................................152

Referenciais bibliográficas...........................................................................158

Anexos............................................................................................................164

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INTRODUÇÃO

Um brinquedo... O que é um brinquedo?

Duas ou três partes de plástico, de lata... Uma matéria fria

Sem alegria Sem história...

Mas não é isso, não é filho! Porque você lhe dá vida

Você faz ele voar, viajar...

(Casa de Brinquedos, Toquinho e Fernando Faro)

Este trabalho pretende responder algumas questões que me inquietam e

são desafiadoras na busca de ampliar minhas reflexões enquanto parte

integrante do processo educacional, que até então abrange, a escola, as

crianças que aqui especificamente são os sujeitos da pesquisa (seis anos de

idade), e o brincar no espaço institucionalizado da sala de aula, como forma de

movimento e expressão corporal.

Diante do comportamento das crianças na escola, constatei que em

algumas turmas eram recorrentes a agitação, a vontade de brincar e

movimentar-se, então identifiquei as do primeiro ano do ensino fundamental,

agora na lei vigente de nove anos de escolarização1, que seria justamente um

dos ritos de passagens importantes da criança em seus estudos, é uma etapa

de transição no processo de desenvolvimento global do indivíduo enquanto

ainda parte da primeira infância e além, há o fator do desaparecimento do

brinquedo e do brincar, que então são consideradas características específicas

1 Cumprindo as determinações do governo federal, em 2010 todas as redes de ensino do país

devem matricular os alunos de seis anos no 1º ano. Os objetivos do Ministério da Educação (MEC) com o aumento do número de anos da Educação Básica obrigatória são vistos como um avanço. "A inclusão dessa clientela é um grande passo para a democratização do acesso escolar. Apenas os filhos das classes mais pobres não estudavam aos seis anos", analisa Patrícia Corsino, que leciona Prática de Ensino de Educação Infantil na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)- fonte:Revista Nova Escola (Edição 225 | Setembro 2009 | Título original: Prepare-se! Um novo aluno está chegando).

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da educação infantil e não mais neste núcleo de ensino, ainda como fato

agravante que percebo, está relacionado aos conteúdos pedagógicos que

devem ser trabalhados seguindo orientações do período em que, a partir

daquele momento a criança está inserida, onde em sua maioria são

enfadonhos e muito sistemáticos.

Quando a criança sai da educação infantil e vivencia o espaço do ensino

fundamental como descrito no parágrafo anterior, estas relações com a

brincadeira e o movimento ficam restritas às aulas de educação física e aos

recreios, pois a partir daquela fase o ler e escrever são os conteúdos que está

em pauta para o sujeito. Se pensarmos que a criança aprende só quando é

submetida a um ensino sistemático estaremos desconsiderando a criança

como um ser globalizado e totalmente lúdico. A ludicidade é um instrumento de

estimulação prático, utilizado em qualquer fase do desenvolvimento infantil e

para qualquer criança, como forma de aprendizado. É uma maneira global de

expressão, comunicação e exploração do mundo infantil que envolve todos os

domínios da natureza.

Diante da possibilidade de brincar, é permitido à criança identificar,

classificar, agrupar, ordenar, seriar, simbolizar, combinar e estimar, e ao

mesmo tempo, desenvolver a atenção, concentração, socialização sem mesmo

a interferência do adulto. A brincadeira é por si só construtora de um

conhecimento.Brincar é uma linguagem infantil, que a coloca em comunicação

com o meio, com o adulto e com outras crianças.

O que percebemos nos espaços considerados sagrados enquanto

instituições de ensino, é que cada vez mais a brincadeira, o jogo, o lúdico e o

movimento corporal estão destituídos do processo de aprendizagem. Questões

relacionadas com a escola, à criança e a ludicidade nortearam o estudo mais

propriamente dito, levantando a seguinte problematização:

A sala de aula do primeiro ano do ensino fundamental oportuniza

momentos de brincadeira, favorecendo o movimento lúdico tão requerido pela

infância? Onde é permitido brincar na instituição escolar? Não poderia deixar

de mencionar um fato atual na educação e pensando no ensino de nove anos -

agora com as crianças de seis anos de idade parte do ensino fundamental e

não mais da educação infantil – é que realizei uma reflexão durante o trabalho

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referente ao rito de passagem de um nível de ensino para o outro na visão dos

adultos, aqui me refiro aos pais e professoras, e como as crianças percebem a

sala de aula em seu cotidiano.

Com a evolução do homem, vejo cada vez mais necessário oportunizar

o movimento corporal através do jogo e da brincadeira pelo processo escolar,

por este compreender através de estudos as necessidades infantis de relação

com o mundo que a cerca, a interação com outros sujeitos, com o brinquedo e

ainda entendendo a criança como um ser lúdico, criativo, curioso, ativo

corporalmente e expressivo e ao adentrar nossas escolas castramos a

liberdade corpórea e mostramos que o ensino fundamental, desde o primeiro

ano caracteriza-se como um espaço mais formal do que o da Educação Infantil

na qual ele estava habituado, tendo atividades dirigidas e de caráter

pedagógico a maior parte do tempo. A escola nesse momento deixa claras as

suas regras: o ambiente da sala de aula é tipicamente um espaço de ―silêncio e

ordem‖. (COLELLO, 2006).

A ludicidade, além de fazer parte da infância, apresenta grandes

benefícios do ponto de vista físico, intelectual, social e didático para a criança.

Durante as brincadeiras, as crianças entram em cumplicidade com os objetos,

transformando-os de acordo com sua imaginação, criatividade e de que forma

ela quer utilizá-lo. Não é preciso conceitos e normas para transformar objetos

em brinquedos interessantes na infância. A criança cria seus próprios conceitos

e estabelece sentidos para o objeto que de certa forma possuem significados

pessoais.

É importante destacarmos que enquanto cria algo, a criança conhece o

mundo, constrói seu universo particular através da imaginação, da fantasia,

que é primordial para sua essência de existir, e este jogo lúdico se torna um elo

de ligação, formando uma relação estreita entre a fantasia e a realidade, ao

contrário do que pensa o senso comum, que enxerga como antagônico a

imaginação e a realidade.

Devemos compreender a ludicidade como aspectos gerais da

brincadeira bem como o corpo em movimento, podendo expressar-se e ser

valorizado no ambiente da sala de aula.

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O processo de construção do conhecimento acontece sob forma de

anulação do corpo em sala de aula, há uma tendência de negar o indivíduo em

seu processo de alfabetização como um único ser em desenvolvimento.

Observamos que dentro das escolas a práxis ainda se encontra enraizada aos

primórdios da nossa história, quando com uma visão cartesiana, se mantém,

enfatizando uma separação entre o corpo e a mente, e o que vemos é um

"corpo" mantido em imobilidade, limitado e controlado em seus movimentos e

expressões, sendo desprezada toda a história do saber corporal que cada

indivíduo possui.

Entendo que o corpo que é prioridade nas aulas de educação física que

envolve o movimento e a expressão, é o mesmo que incomoda e se agita nas

aulas de ―raciocínio‖. ―Educar quer dizer formar cidadãos, que não estão

parcelados em compartimentos estanques, em capacidades isoladas‖

(ZABALA, 1998, p. 28 apud MATTOS, 2008, p. 139). Quando se trata de

educar o ser humano de forma integral talvez falta entendimento das

possibilidades de trabalho com os corpos livres, e a escola raramente os

consideram no ambiente de educação.

Deveria ser prioridade nas escolas reconhecer o processo educacional

buscando atender adequadamente às necessidades gerais do ser humano,

biológicas, psicológicas, sociais, culturais e de aprendizado. Segundo GoTani

et al (1998) os movimentos estão presentes em todas as atividades humanas:

no cotidiano, no trabalho, no lazer e no desporto, como então, negar sua

presença em sala de aula, sabendo que através dele podemos interagir com

tudo que nos permeiam. A escola está fragmentada, algumas disciplinas visam

somente o aspecto cognitivo e intelectual, outras o afetivo-emocional e ainda,

os aspectos do comportamento motor.

Segundo Gonçalves em sua obra2, há uma tendência das instituições

escolares a uma valorização exacerbada dos processos cognitivos, uma

atenção especial a ler, escrever, calcular, e não oportunizam aos educandos

2 GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, Pensar, Agir. Corporeidade e Educação.

Campinas S.P., Papirus, 1994.

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momentos de manifestações corporais, emocionais, enfim, anulam o ―ser-

humano‖.

A primeira infância, em sua essência corporal, deveria ser motivo de

alegria, vivenciar o lúdico e promover prazer é transformado em incômodo para

a escola, a sala de aula deveria ser mais viva, recorrendo a uma aprendizagem

significativa que privilegiasse a criança em sua integralidade, ―[...] que é um

corpo, que sente o corpo, que vive esse corpo e que expressa suas emoções

por intermédio desse corpo‖ (CATUNDA, 2005, p. 31).

Na verdade o que vejo nos ambientes educacionais é uma

predominância de atividades e encaminhamentos pedagógicos que propiciem o

trabalho com os corpos presos em carteiras, em controle, enfileirados, um

espaço onde se perdeu a livre expressão e a interatividade, onde se evadiu a

―vida‖ escolar.

As regras, deveres e rituais na sala de aula, sobressaem aos valores

que pregam na educação, que deveriam ser o de proporcionar vivências e

experiências de aprendizagens. Não cabe aqui, suponho um discurso em

detrimento à desordem, mas percebo que o fato de transmitir conhecimento

tem acontecido somente com rigidez nos comportamentos dos

educadores/alfabetizadores, e as crianças assim buscam subterfúgios para

burlar tantas ordens a serem cumpridas.

Estes acontecimentos nas escolas em que investiguei são bastante

frequentes. Remeto-me a alguns conceitos estabelecidos por Peter McLaren,

em sua obra: ―Rituais na escola, em direção a uma economia política de

símbolos e gestos na escola‖, que discute e aponta e classifica o conceito de

ritual.

Constatei que a escola é plena destes rituais a serem cumpridos.

McLaren, em sua pesquisa etnográfica descreveu considerações sobre ritual

no cenário escolar, relatando que as escolas servem como repositórios de

sistemas rituais, que devem representar um papel primordial na vida dos

estudantes e que tais rituais estão intrínsecos nos eventos da instituição.

Ritual também possui a conotação de poder e controle de professores

sobre os alunos, legitimando a ordem social vigente, onde os símbolos podem

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ser verbais ou não verbais, assim podemos também entender de que forma os

rituais e símbolos influenciam e moldam a vida dos estudantes e professores.

Ao longo de nossa história vários educadores se atentaram para os

rituais escolares de forma superficial, no que se referem às lições, exames,

idas ao banheiro, atividades tradicionais em sala de aula, saídas e entradas na

escola, enfim sabemos que estes ritos fazem parte desta passagem do

estudante e de tal maneira que o corpo deste indivíduo é deixado de lado como

se ele fosse um ser dividido em ―corpo‖ e ―mente‖.

Entendemos que o educador deva criar possibilidades para que o aluno

construa o conhecimento motor, cognitivo, social e afetivo e não apenas o

receba como ato de aprender. O grande desafio para o educador no contexto

atual de educação, diante de tantas informações e da tecnologia, é ensinar os

conteúdos propostos pelo projeto escolar de forma criativa, contextualizada e

prazerosa para os aprendizes. Que o aluno possa internalizar e interagir com o

aprendizado, fazendo do mesmo um ato significativo, assim é preciso que a

escola mostre aos pais, alunos e professores uma razão de estudar, sem

deixar que o aprendizado se torne uma habilidade mecânica.

O importante, que todos nós educadores deveríamos saber, que o papel

que a brincadeira pode e deve ocupar no cotidiano escolar é fundamental, não

somente na educação infantil, mas em todo o período escolar. O momento de

transição da criança da Educação Infantil para o Ensino Fundamental é

interessante por ser tradicionalmente considerado um rito de passagem, uma

ruptura.

No primeiro capítulo abordaremos discussões sobre a infância na

perspectiva da cultura lúdica e sua produção, vislumbrando também os

conceitos da brincadeira, brinquedo e jogo, bem como questões relacionadas

com os aspectos lúdicos da infância.

No capítulo dois, faremos considerações sobre o brincar, o brinquedo e

a brincadeira e principalmente como são vistos pelos olhos da criança.

Num terceiro momento referenciaremos a escola e a sala de aula, com

temáticas sobre o ensino de nove anos e suas implicações na ludicidade que

com a passagem do aluno de seis anos da educação infantil para o ensino

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fundamental, consideramos que há uma ruptura do que chamamos de

movimento lúdico, que será descrito durante o estudo.

Assim, no capítulo quatro, apresentaremos os caminhos percorridos

para o estudo etnográfico e após as discussões dos dados produzidos e a

conclusão da investigação.

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1 A INFÂNCIA, A LUDICIDADE E A CULTURA LÚDICA

Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! — Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras Debaixo dos laranjais! (―Meus oito anos‖, Casimiro de Abreu)

1.1 A cultura lúdica na infância

O jogo e a brincadeira podem ser considerados a porta de entrada da

criança na cultura, sua apropriação passa por mudanças histórico-culturais que

seriam impossíveis sem o aspecto sócio-econômico, neste sentido, a história, a

cultura e a economia se fundem dialeticamente fornecendo subsídios, ou

melhor, símbolos culturais, com os quais a criança se identifica com sua

cultura. Os jogos e brincadeiras tiveram ao longo da história um papel

importante na aprendizagem de tarefas e no desenvolvimento de habilidades

sociais, necessárias às crianças para sua própria sobrevivência.

O jogo apresenta-se como uma atividade que responde a uma

expectativa da sociedade em que vivem as crianças e da qual devem chegar a

serem membros ativos. Então, se são sempre os adultos que introduzem os

brinquedos na vida das crianças e as ensina a utilizá-los, é de fato também,

como aponta Brougère (1995), que manipular brinquedos é acima de tudo,

manipular símbolos, nesse sentido, nem sempre a criança vai fazer do

brinquedo o uso que o adulto espera quando o apresenta à criança. Acredito

que para se construir ―uma análise do brincar na escola enquanto prática

educativa deve-se conhecer a história do jogo infantil, aqui será desenvolvida

superficialmente, para uma discussão em maior escala num próximo capítulo.

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Huizinga (2007) relata sobre a história dos jogos a partir da relação do

homem com o trabalho em uma perspectiva cultural, entendo o jogo como

―fenômeno cultural‖ 3. Segundo ele, na sociedade antiga, o trabalho não tinha o

valor que lhe atribuímos atualmente, tão pouco, ocupava tanto espaço do

nosso cotidiano. Os jogos e os divertimentos eram um dos principais meios de

que dispunha a sociedade para aproximar-se coletivamente. Isso se aplicava a

quase todos os jogos, e esse papel social era evidenciado principalmente em

virtude da realização das grandes festas sazonais, parte de uma determinada

comunidade. Para este autor, ―o jogo ultrapassa a esfera da vida humana‖, ele

ultrapassa quaisquer necessidades imediatas da vida deixando, é preciso

compreender que o jogo não é material.

O referido autor também fala em características comuns que são

encontradas entre jogos, cultos e rituais, tais como: ordem, tensão, mudança,

movimento, solenidade e entusiasmo, todos presentes na sociedade. Além

disso, segundo Huizinga (2007), ambos têm o poder de transferir os

participantes, por um espaço de tempo, para um mundo diferente da vida

cotidiana transformando mesmo que momentaneamente, uma realidade.

Adultos, jovens e crianças participavam juntos em toda a atividade

social, ou seja, nos divertimentos, no exercício das profissões e tarefas diárias,

nas festas, cultos e rituais, Benjamin (1984), já nos apontou sobre a construção

dos brinquedos feitos por famílias, adultos e crianças em suas estruturas

manufatureiras. Os cerimoniais dessas celebrações não distinguiam

claramente as crianças dos jovens e estes dos adultos. Até porque estas fases

sociais estavam pouco claras em suas diferenciações.

Outro fator de extrema importância a ser ressaltado nessas festas era

seu caráter místico. Nas representações sagradas, principalmente nas

sociedades não industriais, encontrava-se em jogo um elemento espiritual,

difícil de definir, algo de invisível e inebriante ganhava uma forma real, bela e

sagrada.

Conforme Huizinga (2007, p.17), os participantes do ritual estavam

"certos de que o ato concretiza e efetua uma certa beatificação, faz surgir uma

3 Grifo nomeado por Huizinga, 2007. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. São

Paulo: Perspectiva, 2007.

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ordem de coisas mais elevada do que aquela em que habitualmente vivem".

Apesar desta intenção estar restrita à duração do ritual e da festividade,

acreditava-se que seus efeitos não cessariam depois de acabado o jogo; pois

sua magia continuaria sendo projetada todos os dias, garantindo segurança,

ordem e prosperidade para todo o grupo até a próxima época dos rituais

sagrados, na verdade o mito explicava muitos fatos que aconteciam numa

sociedade.

Pode-se dizer que o jogo na sociedade primitiva, encontra-se presente

na criança com características lúdicas na medida em que há um entendimento

das semelhanças que caracterizam a participação infantil tanto nos cultos,

quanto nos jogos, onde ambos levam a uma transcendência, ou seja, a outro

universo. A delimitação espacial do ritual sagrado é estabelecida tanto quanto a

uma delimitação de espaço onde acontecerá um jogo, por exemplo, tabuleiro

do jogo de xadrez, um campo de futebol, e outros.

A relação estabelecida diante destas abordagens atuais está

historicamente articulada numa reflexão do que se passava numa sociedade

primitiva e que vem arrastando-se na atualidade. É preciso perceber que a

relação da brincadeira ou do jogo com os aspectos culturais estão expostos

nas comunidades desde os tempos antigos, o divertimento, a ludicidade e a

seriedade são parte dos comportamentos humanos primitivos que se seguem

atualmente, é claro que o trabalho, nesta sociedade pós-moderna em que

vivemos ocupa um espaço totalmente prioritário, exceto em alguns grupos

etários. Mas para o adulto a importância de trabalhar vem se dissipando na

infância, por imposição que seja, mas está cada vez mais presente na escola,

ocupando um espaço imenso na vida infantil, destituindo a brincadeira.

A compreensão desta relação e semelhança entre rituais de uma

sociedade antiga e aplicação dos jogos na modernidade, finda na prerrogativa

de que a brincadeira tem sua gênese na cultura lúdica vinda do grupo social

em que habita e partilha informações.

Para explicar o que é cultura, diante dos diversos conceitos existentes

na sociedade, cito Geertz (1989), onde para ele ―cultura é um conjunto de

mecanismos simbólicos para o controle do comportamento‖ ou ―sistemas de

significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem,

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objetivo e direção às nossas vidas‖. Para que a cultura se desenvolva é preciso

que os indivíduos a criem, a interpretem, a transformem, a partir de suas

relações sociais com os significados, cujas ocorrem em diferentes contextos

sociais, onde as ações assumem diferentes significados. Portanto, o

desenvolvimento da criança ocorre numa determinada cultura, pois é na cultura

que se concretiza cada indivíduo da espécie humana.

Segundo Geertz (1989), é por meio desse mecanismo chamado cultura

que o homem adquiriu a capacidade de ser o construtor de sua própria história,

desde a utilização de ferramentas, passando pelo convívio social, pela

linguagem chegando a outras formas mais complexas de significar o fazer

humano. O autor demonstra com isto, como o convívio entre povos foi tecendo

uma teia de significados que foram ganhando densidade ao longo da história

da humanidade, significados estes que, por sua vez, estão em constante

processo de re-significação.

Geertz (1989), afirma que para entender o que é cultura, e como ela

influencia as ações de um determinado grupo, é preciso identificar e perceber

como as pessoas são, como se relacionam, como agem e interagem, é,

portanto, ir além do visível, é mergulhar, de fato, no significado das ações

desenvolvidas pelos indivíduos em suas sociedades.

Ainda entendendo a cultura, Cortella (2009), desenvolve com

propriedade a ligação: Humano e Cultura, como uma interferência de um sobre

o outro simultaneamente, ―começada a Cultura, começa o Humano e vice-

versa‖, numa relação que se confunde evidenciando a proximidade, onde um

não existe sem o outro, pensar cultura é pensar na existência do ser humano,

como agente participe. Ainda neste autor, concordo com sua expressão de que

a cultura está impregnada de tudo o que fazemos em função das idéias que

temos e vice-versa, ―há uma interdependência entre ambas‖, pois as idéias são

geradas com o contato com o mundo material e se origina diante da

capacidade de pensar. É importante além de produzir cultura, reproduzi-la,

para que ela não acabe, e assim fazer com a infância em sua totalidade,

oportunizar vivências de aprendizado cultural para possíveis produções e

reproduções.

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Entendendo este mecanismo cultural na sociedade de forma geral,

quero discutir a cultura infantil em especial, a cultura lúdica, termo utilizado por

Brougère (2008), pois na sociedade as crianças mantêm suas relações com o

outro, sejam adultos ou crianças por meio de variados tipos de linguagens, seja

através de gestos, palavras, expressões ou qualquer atividade do seu

cotidiano. Assim, considera-se que existem elementos vivenciados pelas

crianças em seu cotidiano que seriam da Cultura Infantil.

Entende-se que as crianças são parte do processo social e possuem

papeis específicos que cabem a ela cumpri-los, papeis estes estabelecidos

pelos olhos dos adultos de maneira antecipada, de modo a destruir a infância.

As crianças atualmente estão imersas em uma pluralidade de contextos sociais

e juntas formam a categoria da infância, diante da diversidade em que cada

criança constrói seu universo e apropria-se da sua cultura, pode-se dizer que

desta forma existam várias culturas infantis, assim possuindo diversas formas

de manifestações e produções culturais.

Nos dias atuais, nossas crianças participam da indústria de produtos

para infância, através dos programas de televisão, filmes, brinquedos, jogos,

entre outros. Mas, cada grupo estabelece estratégias e significados diferentes

para o que é utilizado e como se apropria de tal produto ou objeto, o que torna

possível identificar particularidades em determinados grupos sociais. As

crianças sofrem grande influência da cultura adulta e do que os adultos

produzem e transmitem para ela, mas suas especificidades mantêm a

identidade da infância, onde não podendo mais ser entendidas como sujeitos

que apenas se adaptam às regras, costumes e valores dos adultos, mas que

constituem suas próprias regras. Desde o nascimento, o bebê, necessita do

convívio social principalmente com os adultos, para a sua sobrevivência, ele

não tem condições para se alimentar, se locomover ou se proteger e precisa

ser cuidado por um longo tempo.

Este tempo que o bebê vive na dependência dos outros ― adultos ―

favorece a transmissão do que foi anteriormente criado pelos homens, desta

forma aprendem através da convivência social e a partir dai carregam uma

herança cultural particular do seu grupo seja nas maneiras de brincar ou jogar,

de hábitos alimentares ou de comportamentos. A princípio a criança entra em

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contato com a cultura pela relação com os outros, conhecendo determinado

saber que lhe é transmitido, mas para que ocorra o aprendizado deste

conhecimento, é preciso também que este conhecimento assuma significados

para ela, assim o aprendizado acontece gradativamente na infância. Uma das

ações aprendidas pela criança diante do processo de apropriação cultural

destaca-se o ―aprender a brincar‖.

É sabido que as culturas apresentam-se de diferentes formas em uma

sociedade, mas estabelecem uma realidade que é interpretada e representada

pela criança através de imagens pelas quais ―[...] ela poderá se expressar, é

com referencias a elas que a criança poderá captar novas produções‖

(BROUGÈRE 2008, p.40) criando-se assim um universo imaginário. Tanto a

criança como o adulto não se sentem satisfeitos em estabelecer ligações

somente com a realidade, com os objetos, as imagens, os símbolos, as

representações e seus significados, estão presentes na cultura infantil, cabe a

criança compreender e articular em seu mundo.

Para Brougère (2008, p.40), ―a infância é, consequentemente, um

momento de apropriação de imagens e de representações diversas [...]‖

quando o brinquedo, com suas características, oferece à criança um suporte de

ação, manipulação, de conduta lúdica com isso agrega em suas

especificidades, imagens e símbolos. Assim pode-se considerar o brinquedo

uma representação simbólica na vida de uma criança, pelo qual ela reinventa

sua realidade, portanto a utilização de um brinquedo remete, entre outras

coisas, a manipulação de significações culturais geradas num grupo social.

A cultura na qual a criança está submetida é responsável pelos aspectos

comportamentais apresentados por ela durante as brincadeiras, a criança

manipula não somente o objeto, através do brinquedo, também manipula as

imagens e as significações simbólicas lhes dando novas formas de utilizações,

o brinquedo nas mãos da criança é uma imagem a ser decodificada. Segundo

Brougère (2004, p. 14), ―[...] o brinquedo é mais do que um objeto. É um

sistema de significados e práticas, produzidas não só por aqueles que o

difundem, como por aqueles que o utilizam”.

A criança aprende a brincar no meio em que vive, com seus familiares e

amigos, de acordo com as experiências e vivencias pessoais, relações sociais,

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com adultos e outras crianças, estabelece relações com o grupo ao qual

pertence, constituindo assim sua cultura lúdica. Desde bebê, somos parte da

cultura dos adultos, os pais brincam com seus filhos desde a mais tenra idade,

mesmo inconscientemente escondem o rosto atrás das fraldas, cantam para

seus bebês, imitam vozes de animais, fazendo do ambiente familiar um lugar

privilegiado para aprender a brincar. A princípio, a criança se envolve e

participa do jogo da mãe sem maiores interações, onde mais tarde participa

como parceiros de brincadeira e aprende a conhecer especificidades do jogo,

como: a ficção, o faz de conta, a inversão de papéis, a repetição da

brincadeira, estabelecimentos de acordos com o parceiro, enfim cria uma

atmosfera lúdica formando estruturas preexistentes de cada uma das

brincadeiras, para que depois elas possam ser utilizadas, sozinhas ou em

grupos maiores e menores, apontando desta maneira o jogo como uma

atividade cultural.

O brincar é revelador de culturas, sendo a criança sujeito cultural, o seu

brinquedo tem as marcas do real e do imaginário vividos por ela, e ―a

brincadeira pode ser considerada uma forma de interpretação dos significados

contidos nos brinquedos‖ (BROUGÈRE, 1997, p.8). O mundo infantil é marcado

pela história, é constituído pelas relações que estabelece com as gerações

precedentes.

Antes de qualquer aprendizado, ―quando se brinca se aprende antes de

tudo a brincar, a controlar um universo simbólico particular‖ (BROUGÈRE apud

KISHIMOTO, 2008, p.23). Assim, para que a ação ocorra e a criança se

identifique com a brincadeira fazendo da mesma uma prática duradoura, com

um significado e um desenvolvimento da atividade, é necessário compreender

o quanto o objeto carrega uma cultura lúdica (própria da infância), “um conjunto

de esquemas, de regras e de imagens que permite às crianças executarem

atividades lúdicas‖. (BROUGÈRE, 2004, p. 262).

Mas afinal, o que é cultura lúdica?

Cultura lúdica é baseada nas ações da criança possibilitando assim que

o jogo aconteça, onde o jogo pode ser considerado uma atividade que atribui

às situações de vida comum outro sentido, transforma uma realidade, imbui o

faz-de-conta e atribui novas significações a vida real. É interpretar atividades

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como jogo que poderiam não ser vistas como tal por algumas pessoas. Para tal

interpretação, as crianças são especialistas em fazê-la e denota situações de

problemas para os adultos que não interpretam algumas atividades realizadas

na infância como lúdicas, e exprimem punições, como por exemplo, cito a cena

de dois alunos ―brincando de lutar‖ na hora do recreio, tal fato é coibido na

instituição, por ser considerada violência. Quem fornece subsídios para

determinadas interpretações a respeito do jogo infantil é propositalmente a

cultura lúdica.

A cultura lúdica não é estável, ela passível de transformações ―conforme

os indivíduos e os grupos, em função dos hábitos lúdicos, das condições

climáticas ou espaciais‖ (BROUGÈRE apud KISHIMOTO, 2008, p.25).

Depende então, de como essa pessoa vive em seu grupo social, quais são

suas condições de vida, onde vivenciam a brincadeira e como se relacionam

com os outros, é uma particularidade de cada indivíduo. A cultura lúdica

compreende estruturas de jogo, que se aplicam diferentemente das regras de

um jogo, ou seja, pode-se dizer que ela compreende as estruturas de uma

brincadeira, que se trata de regras vagas, de imprecisão nas ações permitindo

assim jogos de imitação e faz de conta.

Para brincar, as crianças se apropriam de esquemas, segundo Brougère

apud Kishimoto (2008, p.25), define:

[...] que são uma combinação complexa da observação da realidade social, hábitos de jogo e suportes materiais disponíveis. Da mesma forma sistemas de oposições entre os mocinhos e os bandidos constituem esquemas bem gerais utilizáveis em jogos muito diferentes. A cultura lúdica evolui com as transposições do esquema de um tema para outro.

Durante a brincadeira, a criança usa recursos próprios (referentes à

utilização do próprio corpo) aliado com os recursos disponíveis no ambiente e

transporta para o contexto do brincar, situações vivenciadas por ela ou por

outras pessoas, através do processo de imitações, e consequentemente,

constrói novos significados.

As crianças se apropriam de certos elementos da cultura para estreitar

suas relações umas com as outras e com os adultos. Para tal, estabelecem

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formas de comunicação, as quais estão presentes no cotidiano como maneiras

simples de se comunicar e se fazer presente na sociedade. Estes elementos

culturais são resgatados do meio ambiente da criança para adaptá-las ao jogo

e a brincadeira.

A cultura lúdica se diferencia dependendo do local onde a criança vive,

mas mesmo havendo diferenças claras, são comunicáveis. É comum vermos

pessoas criticando as crianças dos tempos modernos, dizendo que elas não

brincam como antigamente. Temos que analisar na perspectiva de que a

crianças ainda brinca com propriedade, porém suas brincadeiras realmente são

diferentes, pois as mesmas vivem em outro contexto social, fazendo parte de

outra realidade cultural sendo assim influenciada por ela. Em tempos modernos

até mesmo a cultura é transformada com fluidez, devido à rapidez das

informações.

A criança continua brincando, mas suas atividades são diferentes,

devido sua inserção num contexto tecnológico e de diversidades de ofertas dos

objetos/brinquedos, entretanto, a cultura lúdica destes indivíduos foram

transformados devido às novas experiências que estão sendo vivenciadas por

eles, novos objetos marcam presença na sociedade, mostrando a importância

dos mesmos na constituição da cultura infantil.

Para compreender a Cultura infantil é preciso olhar a criança em suas

relações com os outros, ou seja, é a partir da reação do outro que ela constrói

os significados para suas ações e para os objetos. A criança constitui-se como

um ser cultural, na interação com o outro.

Segundo Tonietto4, (2009, p.28), sobre as relações interpessoais ou

interatividade, nos relata, ―a partir do momento que a criança recebe as

informações provenientes dos outros ela vai produzindo suas ações, mas é nas

respostas que o outro produz a essas ações que ela vai compreender e

constituir os significados. Para possibilitar o entendimento sobre a

interatividade, o autor, ressalta que as crianças são seres sociais que estão em

constante contato com seus pares ― sua família, com a escola, com a

comunidade, entre outros.

4 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal do Paraná, na Linha Cultura, Escola e Ensino, como requisito parcial à obtenção do título de mestre. Orientadora: Dra. Marynelma Camargo Garanhani. CURITIBA, 2009.

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As atividades realizadas pelas crianças durante suas ações assumem

significados no pensamento delas, e por estes podem ser identificados em

alguns contextos próprios da infância, como os jogos e as brincadeiras.

Nos jogos e brincadeiras, a criança desenvolve suas formas próprias de

comunicação, as quais podem ser identificadas como um elemento da Cultura

Infantil. Para ampliar a discussão, vemos que a linguagem utilizada pelas

crianças não é apenas a verbal, mas todas as outras formas de comunicação,

como os desenhos, os gestos e as movimentações do corpo. Assim, a Cultura

Infantil constitui os valores, os artefatos, regras e os costumes, na forma como

ocorre à interatividade com a cultura dos adultos.

Também compõem a cultura lúdica na infância além do processo de

interação acima descrito, outros elementos importantes como: a ludicidade, a

fantasia ou o faz-de-conta e a reiteração. (SARMENTO, 2004).

Outro elemento que Sarmento (2004) apud Tonietto (2009, p.29)

considera central da Cultura Infantil é a ludicidade. Não que a ludicidade seja

um elemento exclusivo das crianças, é uma atividade que compõe a cultura

dos homens, mas a identificação está na importância que as crianças e os

adultos dão ao brincar. Brincar aos olhos de uma criança é o tão importante e

sério como o trabalho é para o adulto.

Na brincadeira é possível identificar outro fator fundamental da Cultura

Infantil, a fantasia, a transformação da realidade. ―O ‗mundo de faz de conta‘

faz parte da construção pela criança da sua visão do mundo e da atribuição do

significado às coisas‖ (SARMENTO, 2004, p. 26 apud TONIETTO, 2009, p.29).

Na Cultura Infantil o processo que permite a imaginação do real pela fantasia é

o modo pelo qual a criança coloca em ação seu intelecto. A criança passa a

compreender acontecimentos sociais que permeiam seu cotidiano,

relacionamentos interpessoais e informações, ao imaginar que está brincando

de médico com suas bonecas ou ao criar uma guerra com seus soldadinhos de

plástico. Assim, neste mundo que é reinventado, é possível que os

acontecimentos estejam em uma dimensão que possa ser aceita pelas

crianças.

No que se refere às questões de temporalidade da criança, Sarmento

(2004 apud Tonietto, 2009, p. 29) sistematiza que

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[...] a ideia de reiteração ou reiteratividade ― outro elemento da Cultura Infantil ― remete ao fato de que ela vive em um processo contínuo de re-investimento de novas possibilidades e seu tempo é ―um tempo sem medida, capaz de ser sempre reiniciado e repetido‖.

A cultura infantil produz informações, conhecimentos e possibilidades

para a criança, mas é preciso considerar que a inserção da criança desde o

seu nascimento num grupo, não caracteriza uma estagnação social, a cultura

lúdica presente na infância é afetada por todas as transformações ocorridas no

meio em que habita.

1.2 A produção da cultura lúdica

Para iniciar este capítulo faço a seguinte reflexão: É possível estabelecer

uma ligação entre a cultura e a brincadeira? No texto anterior, podemos

perceber que qualquer cultura é produzida pelos indivíduos que dela participam

(BROUGÈRE, 2004, p.27), que o ambiente social transformado por

consequencias políticas, climáticas, educacionais favorecem ou não formas de

viver em determinadas comunidades. As ações transformadoras dos homens

realizadas de forma consciente, ou seja, que tenham intenção de mudanças no

meio em que participam é que vai nos diferenciar dos demais animais,

produzindo sua própria cultura.

Segundo Cortella (2009, p. 37),

essa ação transformadora consciente é exclusiva de ser humana e a chamamos trabalho ou práxis; é conseqüência de um agir intencional que tem por finalidade a alteração da realidade de modo a moldá-la às nossas carências e inventar o ambiente humano.

Pensar em cultura, em sua produção, não é condizer com abordagens

cognitivas e intelectuais do indivíduo, como muitos assim o dizem, todos somos

passíveis de uma produção cultural, somos também ―produtos de uma cultura‖

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diante de nossas atitudes enquanto participes no meio em que habitamos,

devemos compreender a multiplicidade desta construção coletiva

intencionalmente elaborada pelos humanos, até mesmo pela sobrevivência.

Parafraseando Cortella (2009, p. 37), ―podemos entender cultura como um

conjunto dos resultados da ação do humano sobre o mundo por intermédio do

trabalho‖, onde iremos discutir tais questões relacionadas com a instituição do

trabalho mais a frente no capítulo relacionado com a escola, mais precisamente

na função que se estabelece nas salas de aula.

Nestas considerações de cultura quero me ater mais precisamente na

especificidade infantil, que aqui considero a cultura lúdica um subproduto

cultural produzido pela humanidade, partindo da premissa de que ―não há

humano fora da Cultura, pois ela é nosso ambiente e nela somos socialmente

formados (valores, crenças, regras, objetos, conhecimentos etc.) [...]‖,

(CORTELLA, 2009, p.37).

Para que a cultura lúdica exista, é preciso que oportunizar aos indivíduos

ações concretas que seriam as próprias atividades lúdicas, assim a criança

constrói sua cultura lúdica, experimentando e vivenciando, desde as primeiras

brincadeiras familiares até mesmo o acúmulo de todas elas ao longo do seu

desenvolvimento. As experiências e vivências exploradas pelas crianças

acontecem diante de algumas oportunidades como, jogos em grupos, as

observações feitas por crianças mais novas em crianças mais velhas quando

brincam em espaços comuns tentando aprender com o outro as mais diversas

brincadeiras, pela exploração de ambientes e objetos de jogo. Experiências

estas, que permitem o ―[...] enriquecimento do jogo em função evidentemente

das competências da criança‖ (BROUGÈRE, 2004, p. 27), mostrando do que

as crianças são capazes.

Algumas evidências são que, para determinados tipos de jogos

acontecerem precisam da interferência da criança, ou seja, um jogo de ficção

supõe a capacidade de simbolização para existirem. A interferência infantil no

jogo torna a brincadeira possível de acontecer, porém não produz por si só a

cultura lúdica, é preciso que haja à interação social, a relação com outro,

tornando a experiência uma maneira para a construção desta cultura. De

acordo com a exploração que a criança fizer diante dos objetos, ela se

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apropriará do significado do mesmo, que é particular de cada criança, agindo

em função do significado que ela estabeleceu, para isso

[...] adaptando-se à reação dos outros elementos da interação, para reagir também e produzir assim novas significações que vão ser interpretadas pelos outros. A cultura lúdica, visto resultar de uma experiência lúdica, é então produzida pelo sujeito social [...] (BROUGÈRE, 2004, p. 27).

É preciso lembrar que este processo interno de produção da cultura

lúdica não é único, ela está inserida numa cultura geral, que é influenciada por

elementos oriundos do exterior, esta influência inicia-se com o ambiente e com

as condições materiais, ou seja, ―[...] as proibições dos pais, dos mestres, o

espaço colocado à disposição da escola, na cidade, em casa, vão pesar sobre

a experiência lúdica, um elemento a ser citado aqui também é a mídia, que

oferece uma cultura com a qual as crianças estão em contato frequentemente

em suas casas. A mídia televisiva como o brinquedo transmitem conteúdos

através de propagandas e programas que contribuem para a modificação da

cultura lúdica que vem se tornando internacional (BROUGÈRE, 2004). Para

Brougère, estas novas formas de transmitir cultura vêm substituindo os modos

antigos de oralidade.

Percebe-se que a criança também é responsável pela aquisição e

reprodução da cultura lúdica a partir do instante que constrói esquemas e

significações no contexto das estruturas sociais em que vive e que lhes são

proporcionadas, desta forma ela co-produz sua cultura lúdica, em diferentes

aspectos de idade, sexo e meio social. Devemos analisar que na escola as

crianças convivem com as mais variadas culturas que se misturam num único

espaço, cada uma delas querem estabelecer-se sobre as outras, de maneira

que os educadores devem mediar o conhecimento de uma pela outra cultura,

inter-cambiando as mesmas. O uso que meninos e meninas fazem dos

brinquedos quando lhes são permitidos, são os mais diversificados possíveis,

de acordo com as experiências acumuladas de cada indivíduo anteriormente.

A sala de aula, cenário de vivências diversificadas, desde aportes

teóricos sistematizados a seguimentos estéticos e complementares, deve

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respeitar a infância enquanto ainda aprendiz cultural, um sujeito social,

histórico e cultural que se coloca como autor das transformações sociais. A

criança. Em sua especificidade é marcada pela expressão máxima em sua

linguagem corporal, o movimento corpóreo infantil natural da criança, e ao

contrário do que muitos pensam, as crianças de seis anos, inseridas no ensino

fundamental, ainda são indivíduos constituintes desta infância ativa e que

necessita que movimento lúdico para o sucesso de processo de escolarização.

A esta produção de cultura lúdica cabe ao ambiente escolar num todo,

favorecer as diferentes linguagens que a escola assim precisa trabalhar com os

alunos para atender os preceitos educacionais, explicitando também o lúdico

como vias para o aprender infantil. O grande desafio é mediar a situação da

criança que vive em constante confronto entre o que ela é, com suas

características e especificidades, e o que vivência nas suas experiências

sociais com os adultos. É um confronto mediado por elementos ― elementos

da Cultura Lúdica Infantil ― que auxiliam na transposição do que é passado

pelos adultos e o que é assimilado pela criança.

As crianças não podem mais ser compreendidas e tratadas em sala de

aula, como sujeitos que apenas obedecem a regras e valores dos adultos. Ela

é um sujeito partícipe na relação de interação e incorporação da cultura dos

adultos e na produção de sua própria cultura. Assim é preciso entendê-la como

um ser humano que pode aprender e se desenvolver de forma ativa no

contexto da cultura que está inserida.

Partindo da premissa que de que a criança também é responsável pela

construção do seu conhecimento, da cultura e de sua própria identidade, sendo

um ser único e individual, pensamos que ela ao mesmo tempo que produz e é

produto cultural seja de qual for a espécie, dão significado ao mundo, junto com

os adultos e igualmente com outras crianças, porém de forma autônoma.

Produção da Cultura Lúdica Infantil pode ser identificada nas ações das

crianças que são carregadas de sentidos e significados que são criados no

interior das relações sociais com as outras crianças e com os adultos e se

expressam facilmente nos jogos e brincadeiras.

Brincando com o outro, a criança interage e efetua suas primeiras

realizações culturais. Agora sabemos que as crianças são portadoras de

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cultura, a cultura infantil. Se considerarmos que tudo o que os homens fazem e

inventam é cultura, assim tudo que as crianças fazem e inventam é cultura. Os

fazeres dos adultos são de adultos e os de crianças são de crianças, mas

todos nós humanos somos sujeitos históricos e onde agimos, deixamos nossa

marca. Nesta reflexão, se os adultos são portadores de cultura porque fazem e

inventam uma diversidade de coisas criando e recriando a sociedade, também

as crianças o são com suas invenções e criações do seu mundo infantil. Elas,

ao interagirem, lançam mão de seus próprios elementos de cultura ―

símbolos, significados, a língua materna, os códigos sociais de relações ―

para reinventarem pequenos mundos culturais próprios.

1.3 A Infância e a Ludicidade

A história das práticas lúdicas no decorrer dos tempos é permeada pela

história da humanidade e, principalmente, pela história da infância e dos

conceitos que a sociedade carrega desta. Visto que a concepção frente à

criança foi diferente e a infância teve variadas interpretações dependendo do

tempo histórico e da cultura de cada sociedade, também houve transformações

no que se refere à ludicidade. Assim, nem sempre os jogos, os brinquedos e as

brincadeiras tiveram a mesma importância para o desenvolvimento infantil, e

ainda hoje, há casos de desvalorização das atividades lúdicas na infância. A

utilização dos jogos, brinquedos e brincadeiras infantis ao longo do tempo

sofreu muitas transformações. É importante entendermos que as concepções e

ações que temos, hoje, frente à utilização de práticas lúdicas para o

desenvolvimento das crianças são permeadas pela nossa cultura e por

diferentes concepções e estudos realizados até então.

Percebemos que não há possibilidade de falarmos dos jogos,

brinquedos e brincadeiras infantis sem estudarmos um pouco da infância e dos

conceitos que a sociedade lhe atribui.

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Entretanto, Brougère (2001) afirma que os estudos existentes sobre

brinquedos, até então, não costumam muito associá-los à cultura da sociedade,

o que seria bastante relevante. Segundo Brougère (2001), no período histórico

de Rousseau não se atribuía valor a comportamentos espontâneos originados

pela própria criança, o que desvalorizava totalmente o ato de brincar e,

consecutivamente, a existência dos brinquedos. Já durante o Romantismo,

Brougère (2001) enfatiza que houve a exaltação dos comportamentos naturais

das crianças, pois enxerga-se aí uma verdade maior que aquelas provindas da

razão por meio dos conhecimentos constituídos, acreditando na sociabilidade

como destruidora da espontaneidade das pessoas. Assim, neste período houve

uma importante reavaliação do conceito de brincadeira, a qual passou a ser

entendida como o ―comportamento por excelência da criança‖.

Concordo com Gomes quando diz,

A impressão que tive no rastreamento feito foi que brincadeira + liberdade + prazer + escola é temática que pende mais para o literário e, portanto, coisa ―menos nobre‖ para as lentes científicas. Há um bom número de ―memórias‖ de uma infância perdida, de traquinagens de um tempo alegre que não volta mais. E há uma ainda exigüidade de textos de vocação sociológica, psicológica, antropológica e, mormente pedagógica sobre brincadeira + liberdade + prazer + escola.

5

Realmente, o tema ludicidade é pouco explorado na sua cientificidade,

percebem-se aspectos superficiais sobre os estudos que se apresentam na

literatura. A ludicidade associada ao prazer dentro da escola é quase que

abominada neste espaço, pois há uma tendência reducionista dos aspectos da

brincadeira enquanto fim em si próprio, parece sempre preciso arrumar funções

para o lúdico adentrar as portas da escola bem como a sala de aula, cujo

espaço é mais restrito no que se refere ao brincar.

Na acepção lúdica, o jogo é tomado por Rosamilha, assim como por

outros, de origem francesa, como algo que você faz quando está livre para

fazer o que desejar. Nessa acepção, portanto, jogo se liga à fantasia, à

criatividade e, sobretudo, à liberdade. E assim sendo, o jogo se dá quando o

5 GOMES, Ferreira Cleomar. Tese de doutorado intitulada ―Meninos e Brincadeiras de

Interlagos: Um Estudo Etnográfico da Ludicidade‖, FeUSP, 2001.

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organismo está livre para brincar, tem sentido de brinquedo-brincadeira,

conforme o ―diálogo‖ dos autores e crianças na seção anterior, e é

descompromissado com os ―resultados‖ ou com a obediência a regras

prescritivas pré-estabelecidas. Esse autor lembra que o termo lúdico é

originário de ―ludus‖ do Latim ― ―divertimento‖ ―, por sua vez num sentido

similar a ―jocus‖ ― ―gracejo‖ e ―zombaria‖, portanto, ―divertimento‖.6 O prazer

é característica essencial da ludicidade, pois compreendendo as palavras de

Rosamilha apud Gomes (2001, p.24),

[...] ―a brincadeira‖ tende a não ocorrer quando o organismo está em estado de alta incerteza subjetiva ou medo. Os estímulos novos que são subitamente introduzidos precisam ser ―explorados‖, antes de se brincar com eles. O corpo que brinca provavelmente ri, sorri, mostra-se relaxado ― e muitas vezes suado ― mostrando emoção: há um ―forte elemento de prazer‖ na atividade que é lúdica.

Candau (2000, p. 182) ao tratar dessa questão escreve que a escola,

influenciada pela modernidade, ―terminou por criar uma cultura escolar

padronizada, ritualística, formal [...] que enfatiza processos de mera

transferência de conhecimentos, quando esta de fato acontece, e está referida

a cultura de determinados atores sociais‖, produtores da cultura hegemônica e

universal.

Assim sobre essa questão é preciso trazer as contribuições de Foucault

(1987) ao tratar sobre a instituição escolar e seus sistemas e relações de

poder. Conforme relata o autor, a sua organização espacial, o regulamento

meticuloso que rege sua vida interior, as diferentes atividades nela

organizadas, os diversos personagens que nela vivem e se encontram cada um

com uma função, um lugar, um rosto bem definido ― tudo isto constitui um

‗bloco‘ de capacidade-comunicação-poder. A atividade que assegura o

aprendizado e a aquisição de aptidões ou tipos de comportamento aí se

desenvolve através de todo um conjunto de comunicações reguladas (lições,

questões e respostas, ordens, signos codificados de obediência, marcas

diferentes do ‗valor‘ de cada um e dos níveis de saber) e através de toda uma

6 Rosamilha In Gomes (2001), p. 23.

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série de procedimentos de poder (enclausuramento, vigilância, recompensa e

punição, hierarquia).

Dessa forma, a escola enquanto instituição social auxilia na

manutenção da hierarquia de poder, reforçando estruturas sociais, onde o

corpo e suas manifestações através de movimentos lúdicos, de certa forma,

ameaçam o controle escolar com sua infinidade de expressões e

possibilidades, promovendo o descontrole do rígido sistema da escola que

geralmente se sustenta pela disciplina de diversas regras construídas, por

muitas vezes, sem sentido e significado para os alunos.

Tais características que definem a cultura escolar, se traduzem em

um importante aspecto para uma reflexão crítica. Considerando que vivemos

em uma sociedade amplamente diversificada culturalmente, que nos dificulta

inclusive identificar, como indica Hall (2005), a identidade cultural de um sujeito

devido à multiplicação dos sistemas de significação e representação cultural, a

escola, inserido num contexto social mais amplo, não pode fechar os olhos

para essa situação, simplesmente ignorando-a.

As práticas corporais como integrantes da cultura escolar, trazem

inscritas as marcas de certa cultura, que não devem, ou não deveriam ser

homogeneizadas. Não deveriam porque a estrutura do contexto escolar em

seus vários espaços, na sala de aula, na sala dos professores, no pátio, no

recreio e na aula de Educação Física acaba por abarcar e ter sob controle o

corpo dos sujeitos, modelando-os dentro dos padrões socialmente desejados.

O movimento lúdico acaba por não ter espaço suficiente para manifestações de

espontaneidade e possibilidades de relacionar-se mostrando culturalmente no

cenário escolar.

Segundo Gomes (2001, p. 27), na visão etológica de Konrad Lorenz

relata que, a criança brinca porque a brincadeira ― a ludicidade é fenômeno da

corporeidade humana. O brincar humano se caracteriza não pela racionalidade,

mas pela ludicidade: o ―Homo sapiens‖ é, antes ou além, um ―Homo ludens‖.

Para compreender essa ludicidade, mais do que saber defini-la com precisão,

basta observar, quando brinca, esses pequenos brincadores.

A escola para transmitir sistematicamente conhecimentos de ordem

produtiva às crianças ― o que podemos afirmar que é uma das consequências

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de um mundo ocidental voltado para a ciência e para a modernidade, manifesta

certo sentimento de perda, se afastando cada vez mais da essência humana.

Assim nos profere Gomes (2001), que ―a criança que trabalha precisa de

recreação, senão ela não consegue mais produzir‖.

Em decorrência de várias leituras, percebe-se que muitos autores

concordam que a escola é um lugar para ensinar e não de brincar, que é

campo de disciplina e não de alegria e prazer. Mas quando retratamos em

nosso estudo a essência cultural da criança que aprende a brincar e carrega

esta ação como verdade para si, não podemos admitir que a instituição referida

não oportunize tais momentos. É claro e preocupante que ao restringir e

cercear o movimento lúdico na infância de maneira exposta ou implícita, seja

qual for a intenção, a escola corre o risco de empreender a indisciplina e a

bagunça em seu cenário. Na verdade é necessário o currículo abrir espaço

para a ludicidade adentrar a escola pela porta da frente e não camuflada pelas

crianças.

Os aspectos lúdicos na escola ficam por conta das aulas de educação

física, parque, hora do recreio, enfim do lado de fora da sala de aula. Muitos

professores, inclusive sujeitos da minha pesquisa, me mostraram claramente

tais fatos. Momentos de brincadeiras são propícios e restritos a alguns espaços

na escola determinados pelos adultos. A impressão que se tem é a mesma de

reviver no passado onde a dicotomização de corpo e mente era evidenciado. O

que precisa refletir é que brincar, fantasiar, simbolizar e jogar é inerente as

vontades humanas de separar corpo e mente, o que acontece é uma sinergia

de ambos a favor da ludicidade.

Gomes (2001) afirma que para Camargo7, ―um corpo que brinca é o

melhor receptáculo para um espírito que aprende, que se desenvolve‖.

Concordo plenamente com Gomes quando retrata a escola em duas visões,

―primeira: a escola não tem sido, mas deveria ser um lugar de brincadeira ― de

ludicidade ―, refundando-se e refazendo-se, como se endereçasse à matriz

ociosa grega. Segunda: a escola não é um lugar de brincadeira, mas a

brincadeira pode acontecer, pela própria natureza das crianças ingressas nela‖

7 Camargo, Luiz Octávio de Lima. Universidade de Sorocaba. Entrevista concedida a Cleomar

Ferreira Gomes e transcrita em julho de 1999, em Londrina.

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(2001, p.44). A brincadeira acontece em infinitos momentos implícitos em meio

a tantas obrigações e responsabilidades no ambiente escolar, mesmo longe

dos olhos que repudiam a ludicidade na sala de aula- a professora, o brincar é

fato e necessário, o lápis transforma-se em avião a jato, a cadeira em balanço,

e a mesa palco de um banquete onde a borracha é o alimento e o caderno é a

bandeja que permeia a sala em busca de novos adeptos aquela brincadeira.

Mais precisamente, o recreio escolar é o espaço que melhor se destina

ao movimento lúdico dos escolares, muito mais que a própria educação física,

pois, a adoção de padrões de movimento, de gestos técnicos e mecânicos,

comumente encontrado nas aulas, nos apontam para o que McLaren (1991, p.

137) denominou de 'estado de estudante', o qual ―[...] se refere a uma adoção

de gestos, disposições, atitudes e hábitos de trabalho esperados do 'ser um

estudante'‖.

Conforme o autor ainda, nesse estado, ―[...] os jovens geralmente ficam

quietos, demonstram boas maneiras, são previsíveis e obedientes, [...] há

pouco movimento físico, exceto sob o comando do professor‖. Na aula, isso é

percebido quando os alunos são expostos a uma série de limitações de suas

ações de movimento, e conseqüentemente das relações sociais e culturais de

troca e aprendizagem de novas formas de movimento, e seus

sentidos/significados. E ainda, são expostos a uma avaliação, onde para

obterem êxito precisam realizar o movimento tal qual foi demonstrado pelo

professor, deixando-o alheio ao seu movimento, como se este, seu meio de

expressão e linguagem estivesse completamente errado e/ou inadequado.

Já o referido o recreio escolar, que pode ser compreendido como o

tempo livre que a criança dispõe dentro da escola, principalmente no aspecto

de liberdade de escolha das atividades que deseja realizar e com quem irá

realizá-las, sem a interferência direta dos adultos. Nesse sentido, essas

características nos reportam para ao estado de interação denominado de

‗estado de esquina de rua‘, proposto por McLaren (1991), em que as ações,

raramente se conformam a um cenário previsível, ―os limites entre espaços,

papéis e objetos são mais plásticos, adaptáveis e maleáveis, [...] os estudantes

parecem mais imprevisíveis, barulhentos e desordeiros, que em outros estados

de interação [...]‖.

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Conforme o autor, o movimento corporal, nesse estado, traz nuances de

alegria, barulho e geralmente não possuem as demarcações de gestos

padronizados, e, além disso, há muito contato físico. Os comportamentos

geralmente enfatizam as funções pessoais que normalmente são controladas,

e que nesse estado não são consideradas como tabu, como, por exemplo,

algumas manifestações corporais. E ainda, segundo McLaren (1991, p. 135),

―[...] o espírito característico nesse estado é lúdico ou da natureza do jogo e da

brincadeira‖.

Já que se perdeu a atitude lúdica em sala de aula, é preciso refazer o

caminho para reencontrá-la, afinal é o espaço de convívio infantil. Numa visão

racional de ser humano, é preciso buscar em sua essência os valores e as

intenções lúdicas, que foram meramente substituídos pela racionalidade, se

Schiller (apud Santin 2001, p. 24) nos diz que ―o homem se tornou humano

quando começou a brincar‖, podemos então pensar que aspectos sensíveis do

homem estão realmente em extinção já que o brincar na escola é cada vez

mais restrito.

A ludicidade é muito mais do que realizar uma atividade prazerosa, vai,

além disto, ela depende das ações lúdicas e de alguns elementos que nos

subsidiarão a compreensão da atividade lúdica, que são próprios dos seres

humanos, próprios do Homo ludens.

O Homo ludens é capaz de simbolizar, de transformar objetos em

brinquedos carregados de representações, identidades e que assumem uma

função que cabe somente a criança estabelecer qual é o papel do objeto em

determinadas brincadeiras.

Tal poder de simbolizar é permitido enquanto capacidade do ser humano

a partir de outro elemento que é a criatividade, para Santin (2001, p.25), ―o

homem, por sua capacidade de simbolizar consegue ser criador de mundos

pela sua imaginação ou fantasia. O brinquedo é o resultado da criatividade da

fantasia da criança [...]‖. Para criar é preciso olhar os outros as coisas e a si

mesmo sem limitações de uma ordem biológica, na possibilidade de criar

‗novas ordens e novas criaturas‘. Sobre isso, Schiller (apud Santin, 2001, p.27),

―que a primeira ordem inventada pelo homem segue os princípios lúdicos. As

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invenções do ser humano começam como brinquedo; somente depois

assumem outras funções e formas, como ferramentas e o trabalho‖.

Seguindo a reflexão de Santin, que confere e é bastante pertinente

mencionar, a fantasia e a criatividade somente poderá manifestar-se se houver

liberdade, ou seja, é preciso que as escolas oportunizem momentos para a

brincadeira, para a manifestação lúdica e criativa das crianças. Não podemos

limitar situações lúdicas, limitar reflexões em prol de vigiar os corpos

escolarizados.

Ao tratar a liberdade, a fantasia e a criatividade como elementos

importantes a serem observados na constituição da ludicidade, temos que

mencionar também que ao brincar livremente a criança está despojada de

qualquer intenção a não ser a de ―brincar‖. Não existe recompensa e nem

imposição, a criança brinca numa situação de gratuidade e a própria vivência

do ato de brincar se transforma em alegria justamente por não ‗ser obrigada‘ a

fazer algo que não queira perdendo a natureza de divertimento. Enfim ―o lúdico

é fundamental para preservar e desenvolver a criatividade nas crianças‖

(SANTIN, 2001, p. 29).

Assim, para compreendermos a ludicidade é preciso observar a intenção

de quem brinca, ou seja, ―apreender o ato original que deu origem ao

fenômeno lúdico. [...] apreender o impulso lúdico que levou o homem a brincar‖

(SANTIN, 2001, p.40). A ludicidade caminha paralelamente aos processos de

humanização de uma sociedade, a humanidade do homem é uma construção

dependente da ação do homem. Para Schiller nos relatos de Santin (2001, p.

41), ―não resta dúvida de que homem atingiu a condição humana pela invenção

do brinquedo‖. Condição humana esta que o diferencia dos animais,

justamente na capacidade de atuar na ausência do objeto real, de transcender

o real, de imaginar, ficcionar, assim surgiu o mundo do brinquedo, na

possibilidade de posicionar-se em algo incerto, sem limitações espaciais ou

temporais, assim surgiu também o primeiro mundo humano, onde através de

seu processo criativo que para Lorenz, é particular do humano, dá continuidade

no processo de humanização, ou seja, não se esgota no desvelar do humano

no homem. Fica evidente a aproximação da criatividade humana com a

ludicidade enquanto participe da evolução e construção do homem.

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Sabemos que ao ingressar a escola, a criança também ingressa na vida

produtiva, a obrigação sistematizada introduz o tempo do relógio que organiza

as atividades compartimentando cada vez mais o conhecimento. É preciso

enfatizar que a cada dia, com os processos de transformações sociais a

infância vem se dividindo entre o mundo da escola ― obrigações e deveres, e

o mundo lúdico ― da fantasia e do brincar. A sociedade moderna e a escola

também enquanto parte dela, nos empurra para o mundo escolar e produtivo

devido as suas exigências, onde o que impera é a racionalidade, eficiência,

competitividade, sucesso financeiro e produtividade para que as crianças

tenham o futuro sonhado por sua família, cuja exige da escola tal postura em

suas ações pedagógicas.

O trabalho na sociedade capitalista se caracteriza exclusivamente como

trabalho produtivo, ou seja, de alguma forma, ele deve dar lucro, mesmo que

seja com sacrifício da vida e de seu significado, ou seja, pela alienação. No

caso, o ser humano tem que trabalhar para produzir mais capital, não porá

realizar-se nos anseios de sua alma. O trabalho como ―valor de troca‖, servindo

ao capital, e não como ―valor de uso‖, servindo à vida. Essa foi uma das

importantíssimas descobertas de Marx, ao estudar a sociedade capitalista.

Percebe-se que preparar a criança para a vida futura na perspectiva do

trabalho e da homogeneização dos sujeitos, requer da escola atitudes de

negação da infância, onde o lúdico é de definitivamente banido da vida da

criança, ou ao menos é o que se tenta fazer nas instituições em prol da

produtividade.

Como vimos anteriormente no texto, o lúdico faz parte da construção do

ser humano, do processo de humanização do homem, assim não pode ficar

muito tempo ausente da existência humana. A escola não suportaria longas

datas sem a ludicidade permeando o espaço, somente com disciplina e

deveres. Os alunos ludibriam as regras e transformam longe dos olhares dos

professores, o real em fantasia e o objeto em brinquedo, dando ao lúdico a sua

verdadeira especificidade, ou seja, a espontaneidade, o caráter imediatista e

não o pensamento futuro e principalmente a liberdade.

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Segundo Olivier (2003, p. 15)8

Reconhecer o lúdico é reconhecer e a especificidade da infância: permitir que as crianças sejam crianças; é ocupar-se do presente [...]; é redescobrir a corporeidade ao invés de dicotomizar o homem em corpo e alma; é abrir portas e janelas e deixar que a inclinação vital penetre na escola, espane a poeira, apague as regras escritas na lousa e acorde as crianças desse sonho letárgico no qual por tanto tempo deixaram de sonhar.

Respeitar as especificidades das faixas etárias deveria ser um papel da

sociedade como um todo, mas fundamentalmente da escola, atuando na

preservação do movimento lúdico na infância e de seus valores infantis, o que

significa lutar contra o seu enquadramento compulsório no mundo do enrijecido

do adulto, impedindo assim nossa criança experimentar possibilidades que

cabe somente a tal idade.

Autores como Huizinga, Château, Winnicott, consideram o jogo como

vital e fundamental no universo infantil, de extrema importância para a

humanização da criança, portanto reduzir os aspectos da ludicidade é

corroborar para o conceito da inutilidade da infância, vislumbrar a criança como

um objeto descartável e manipulável.

É sabido que todo brincador gosta de liberdade, de fantasia, de sonhos,

de criatividade. O lúdico favorece tais elementos, o que não permite o trabalho,

a espontaneidade e o caráter frívolo é característica da brincadeira e

pressupõe uma necessidade vital na infância, é como comparar com a

necessidade de alimento, higiene entre outros. Para se obter liberdade na

infância precisamos valorizar o movimento lúdico nas escolas como forma de

difundir o reconhecimento da infância enquanto parte contribuinte da produção

de cultura da nossa sociedade. E é conhecido também que a instituição escola

não valoriza a ludicidade como componente curricular do ensino.

O elemento lúdico, além de ocasionar um encontro mais espontâneo entre as pessoas, é também capaz de resgatar componentes da cultura infantil, a bagagem cultural que cada criança criou e que teve que abandonar do lado externo dos muros escolares quando seu ingresso na escola. (MARCELLINO, 2003, p. 80)

8 OLIVIER, Giovanina Gomes de Freitas. Lúdico e a escola: entre a obrigação e o prazer. In Marcellino,

Nelson Carvalho. Lúdico, educação e educação física, 2003.

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A escola é entendida por professores e pais como uma instituição

educacional representada pela seriedade, onde o saber deve ser evidenciado

caminhando paralelamente com a disciplina que por sua vez, não permite

barulho, gritos e manifestações. Prevalece a acomodação nas salas de aula

em carteiras enfileiradas, onde a frente possui uma lousa e a mesa do

professor, que consequentemente orquestra toda a sistematização no

ambiente, como ir ao banheiro, beber água e tantas outras coisas que para a

aquisição do saber escolar, não são tão importantes assim.

É compreensivo que o lúdico no olhar do adulto é provido de denuncias

relacionado a ―não seriedade‖ que denota a brincadeira, mas para se entender

a ludicidade é preciso acompanhar, analisar e observar uma criança brincando,

pois assim será possível perceber como a ação lúdica acontece de fato, como

entrega e construção da infância. É possível compreender que brincar,

brinquedo e brincadeira fazem parte de uma linguagem, é uma simbologia

inerente do mundo infantil, podemos dizer que é uma forma de pensar, agir e

expressar. A criança é considerada potencialmente lúdica exatamente por sua

capacidade de brincar sem racionalizar ações, pelo contrário, ela fantasia

ações e recria seu mundo, portanto não é errôneo dizer que a vida infantil é

regida pelo brinquedo e pela brincadeira. Um mundo construído pela criança e

não para a criança, a partir de possibilidades que lhes são oportunizadas,

momentos de brincadeiras, onde a liberdade de movimentar-se, criar

personagens e manipular objetos seja prevalecida, pois o comportamento

lúdico é vivência, experimentação prática, não se aprende com palavras e sim

com momentos.

Segundo Santin (2003, p.53)

Ludicidade é fantasia, imaginação e sonhos que se constroem como um labirinto de teias urdidas com materiais simbólicos. A ludicidade é uma tessitura simbólica fecundada, gestada e gerada pela criatividade simbolizadora da imaginação de cada um. Brincar é acima de tudo exercer o poder criativo do imaginário humano construindo um universo, do qual o criador ocupa lugar central, através de simbologias originais e inspiradas no universo real de quem brinca.

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A ludicidade explorada pela criança é capaz de resgatar componentes

da cultura lúdica infantil e a bagagem cultural que a criança criou e que teve

que abandonar do lado externo dos muros escolares ao ingressar na escola.

Assim a escola propaga que está muito mais interessada na obediência e

disciplina do que na formação integral das nossas crianças. Não se valoriza o

momento presente, seu objetivo é voltado para a preparação da vida futura, ou

seja, preparação para o vestibular e mercado de trabalho. Em contrapartida

uma aprendizagem que valorize o aspecto lúdico encontra-se estreitamente

vinculada a valorização do ser humano e do momento presente, onde o prazer

se vê acompanhado do saber escolar.

Estranha-me muito em discutir a ludicidade nas reuniões pedagógicas

escolares, com professoras e coordenadoras que atuam com crianças na idade

de seis anos. É visível o discurso considerando tal importância, porém é

lamentável acompanhar o trabalho das mesmas pessoas desenvolvendo suas

aulas de forma que o movimento lúdico é reduzido a um ―joguinho para ocupar

o tempo no final das aulas‖. É triste saber que os educadores pertencentes à

classe de intelectuais, estudiosos da infância não a respeitam e nem a

valorizam como deveriam, e mais negam a infância a partir do momento em

que não possibilitam espaços e oportunidades lúdicas para seus alunos.

E a escola? Com o discurso de formar cidadãos capazes de

compreender o mundo que a cerca, críticos e atuantes na sociedade na qual

pertence na perspectiva de transformação social e formar seres mais humanos.

Lemos estes dizeres nos planos políticos pedagógicos, nos planejamentos dos

professores, e ouvimos similaridades nas reuniões e salas do professorado.

Mas o que lemos e ouvimos não são condizentes com as práticas que são

observadas, as salas de aula são nichos onde prevalece a autoritarismo do

professor, que como já dizemos em outro momento, mais parece com um ator

no palco teatral ou com um líder espiritual do que eventualmente professor com

propriedades de estimular o aprendizado crítico e transformador e de dar vida

as nossas escolas que estão a cada dia mais obscuras em meio do descaso

que é dado ao jogo, a brincadeira, ao brinquedo e ao brincar. Afinal a

ludicidade provoca risos, fantasias, alegrias, algazarras. Promove uma

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movimentação corporal que a escola não valoriza em detrimento ao

aprendizado de leituras e escritas dentro de quatro paredes e em fileiras.

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2 BRINCAR: O BRINQUEDO, A BRINCADEIRA E O JOGO

“Agora eu era o rei

Era o bedel e era também juiz E pela minha lei

A gente era obrigada a ser feliz

E você era a princesa

Que eu fiz coroar E era tão linda de se admirar...”

(Chico Buarque, João e Maria)

2.1 Brincadeira e o brinquedo

Ao analisar atentamente o modo como as diferentes crianças brincam, é

possível perceber que a forma com que utilizam os brinquedos e como

relacionam com a brincadeira, estão articulados com seus contextos de vida e

expressam concepções de mundo particulares, deixando evidente que brincar

depende fundamentalmente da cultura na qual a criança esta inserida e suas

permissões diante do movimento lúdico. Segundo Brougère (1998), a primeira

relação do brincar com a aprendizagem é que a criança aprende a brincar, ou

seja, não há, na criança uma brincadeira natural. Toda brincadeira humana

supõe contexto social e cultural, sendo, portanto uma atividade social.

Neste capítulo, ao dissertar sobre o brincar venho destacar pontos de

esclarecimentos, devido a diferentes conceitos e aplicações dos sentidos das

palavras jogo, brinquedo e brincadeira, no Brasil, que articulam a ação do

brincar, apesar de apresentar conceitos diferentes, há uma interpelação entre

ambos quando passamos a visualizar que um pode ser suporte do outro.

Em nosso idioma a palavra jogo vem do latim jocus, que quer dizer

"brinquedo, folguedo, divertimento, passatempo sujeito a regras", por sua vez

brincar, de origem latina, resulta das diversas formas que assumiu a palavra

vinculum, passando por vinclu, vincru até chegar a vrinco. É assim que do

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significado inicial "laço" passa por "adorno, enfeite, jóia que se usa presa na

orelha ou pendente dela" até chegar à idéia de brinquedo e brincadeira.

Para desvelar o entrelaçamento de sinônimos designados as palavras

descritas no parágrafo anterior, venho destacar o significado da ação de brincar

atribuído segundo dicionário HOUAISS (2009), ―distrair-se com jogos infantis,

representando papéis fictícios, entreter-se com (um objeto ou uma atividade

qualquer)‖, também abarca a idéia de ―adornar‖. E ainda recorrendo a esta

consulta, o dicionário, ele aborda o conceito de jogar sendo ―divertir-se,

entreter-se com (um jogo), mover-se alternadamente de um para outro lado;

agitar-se; oscilar, sendo que a origem da palavra também trás significados

como ―brincar, gracejar‖.

Assim, trago para a discussão Kishimoto (2003) que define tais relações

que parece não haver diferenças, mas, bem posta e definida pela autora e que

utilizo no texto compartilhando sua ideia sobre o brinquedo, ―brinquedo será

entendido sempre como objeto, suporte de brincadeira [...]‖ (2003, p. 7),

independente se são brinquedos fabricados e criados pelo mundo adulto ou

confeccionado e inventado pela própria criança, de diferentes materiais como

madeira, plástico, tecidos, diversificadas formas e funções, de acordo com sua

cultura, o que nos importa aqui é perceber o investimento lúdico intrínseco no

objeto que o torna brinquedo nas mãos infantis. Neste caso, o brinquedo pode

representar a realidade daquela criança, como também expressar o desejo e

sonho infantil.

Friedmann (1996) teoriza a brincadeira como o ato de brincar exercendo

um comportamento espontâneo e sem regras fixas, sem ignorar a sua

existência, nesse caso regras de uma regularidade interna alimentadas pelo

desejo, imaginação e criatividade; e o brinquedo é entendido muito próximo do

conceito de Kishimoto, como objeto de brincar.

O brincar, assim como a arte, o movimento, a expressão plástica, verbal e musical, pode ser considerado como uma linguagem, através da qual as crianças se comunicam, entre si e com os adultos. [...] um meio de comunicação, a partir do qual designa-se uma realidade mais complexa. (FRIEDMANN, 2005, p. 88).

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Essa linguagem dita por Friedmann é a junção tanto do brinquedo

quanto da brincadeira em consonância com as atitudes do brincante, pois

quando brinca a criança põe em jogo o seu corpo inteiro, suas habilidades

motoras e seus movimentos são desafiados constituindo assim um sistema de

signos, ou seja, ―uma linguagem que precisamos aprender a ouvir, a decifrar, a

compreender‖ (FRIEDMANN, 2005, p. 88). Compactuo a veracidade com a

autora, pois na escola, tanto na educação física como no parque ou na sala de

aula, quando é permitido a brincadeira, o movimento lúdico, que mais adiante

irei explicitar melhor seu sentido, surge como forma de expressão e

comunicação humana, seja em qualquer espaço, ou momento, é sempre bem

recebido pela criança.

O brinquedo em si, se apresenta antes de tudo, como um objeto para

manipulação, livre de regras fixas, fazendo parte do mundo exclusivamente

infantil, é muito comum vermos crianças entrelaçadas com seus brinquedos

em vários lugares da sociedade até mesmo aqueles menos prováveis, já o

adulto não é comum uma proximidade ou relacionamento com o brinquedo,

torna-se motivo de zombaria e visto com outro olhar. Brougère (2008, p.13)9,

nos aponta que ―os objetos lúdicos dos adultos são chamados exclusivamente

de jogos [...]‖.

Brougère (1981, apud Kishimoto, 2003, p.8), nos mostra que brinquedos

construídos para crianças, ―[...] só adquirem sentido lúdico quando funcionam

como suporte para a brincadeira. Caso contrário não passa de objetos‖,

estabelecendo então a função lúdica como componente que valida o objeto

como um brinquedo. O brinquedo estimula à ação do brincar, além de

pressupor a relação da realidade com a ilusão, aspectos relevantes para que

haja a brincadeira. ―O brinquedo é uma ilusão materializada‖ (BROUGÈRE,

2004, p. 65).

Ainda em Kishimoto (2003, p.7), a brincadeira é definida, ―[...] como a

descrição de uma conduta estruturada, com regras e jogo infantil para designar

tanto o objeto e as regras do jogo da criança (brinquedo e brincadeiras)‖.

Fazendo uma analogia com as leituras e observações ligadas aos

termos em discussão, entende-se que a brincadeira é construída a partir de

9 Brougère In Kishimoto, T. (orgs). O brincar e suas teorias, publicado em 1998.

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algo que já existe de verdade, que já é parte da vivência infantil, onde mais

tarde esta realidade é transformada num mundo imaginário, fictício, do faz de

contas, onde as coisas não são de verdade, todos os participantes assumem

papéis ilusórios em comum acordo, construindo e desconstruindo regras como

e quando acharem pertinentes, a brincadeira foge de qualquer função definida

ou rígida e é, sem, dúvida, estes o motivo que a definiu, em torno das ideias de

gratuidade e até mesmo de futilidade.

Walter Benjamim, em sua obra ―Reflexões: a criança, o brinquedo, a

educação‖ (1984), remete-nos a museus de brinquedos onde se encontram

brinquedos clássicos, como as bonecas de porcelana, os soldadinhos de

chumbo para iniciar suas considerações diante da transformação de uma

sociedade que sai de nichos familiares e segue em direção ao processo de

industrialização mundial. Em detrimento a esta emancipação social, o

brinquedo sobre bruscas mudanças desde o modo de criação até a fabricação

e denotação das formas, cores, materiais, enfim surge assim a indústria do

brinquedo, que deixa as oficinas primitivas, para obedecerem à corporação da

fabricação especializada.

A cada dia, observamos diferentes brinquedos sendo lançado pelos

fabricantes especializados, o que antes não se presenciava tal fato já que nos

seus primórdios, brinquedos foram construídos artesanalmente, sendo assim

os marceneiros construíam animais de madeira; o caldeireiro, soldadinhos de

chumbo; o fabricante de velas, bonecas de cera e o confeiteiro, figuras de doce

(BENJAMIN, 1984, p.68). Não eram comerciantes especializados os

responsáveis pela distribuição de brinquedos.

Com a industrialização, a fabricação artesanal perde força e o mercado

de brinquedos cresce de forma acelerada. Com a engenhosa arte de produzir o

desejo pelo consumo, a mídia faz com que tais brinquedos façam parte do

cotidiano das nossas crianças. Pois bem, esses brinquedos são feitos para (o

consumo das) crianças, mas pensados e concebidos pelos adultos que a cada

dia buscam sofisticações para chamar a atenção sobre eles.

Desta maneira o brinquedo passa a ser construído para a criança e não

pela criança, necessitando de novas abordagens de utilização do objeto, pois

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aquilo que para o adulto é predestinado a determinadas funções, ao mesmo

tempo não há significação alguma para o mundo infantil.

Estes objetos que propiciam à criança o contato, a construção e a

desconstrução, encontrados nos mais diferentes lugares, inclusive lugares

incomuns ao brinquedo produzem mais prazer à criança do que os brinquedos

sofisticados, que denotam como devem ser explorados, o fato explicam o

inusitado interesse das crianças pelas caixas dos presentes, ao invés do objeto

propriamente dito. Episodiam gostar mais do continente, que do conteúdo.

Repensando sobre tudo isso percebe-se que o brinquedo industrializado

é o que o adulto idealiza para a criança; o brincar é a resposta da criança da

forma como interpreta, cria e recria a realidade. As crianças quando brincam

estão interpretando a realidade vivida por todos nós. Elas são agentes vivos na

transmissão, elaboração e recriação de cultura desde que nascem.

Seguindo o texto, pode-se dizer que a função do brinquedo é nula, ou

seja, não se estabelece uma função específica para o brinquedo além de

proporcionar um suporte para a brincadeira e um estímulo para brincar. Porém,

o que apontam como características da brincadeira é justamente esta

gratuidade com que a ação acontece, a invenção e fabricação dos objetos de

acordo com o que a imaginação estabelece, e o que é preciso considerar sobre

a brincadeira é que ―é uma atividade livre, que não pode ser delimitada‖ ,

assim define Brougère. Para Brougère, o brinquedo tem uma função sim, que é

o valor simbólico, articulado justamente com a lógica da brincadeira, que é a

ação associada com a ficção, entretanto a representação e o simbólico são

aspectos preponderantes sobre a utilidade funcional do objeto, que irá traduzir

um mundo real ou imaginário para a criança. A imagem, a representação e o

símbolo que o objeto expressa, levam a percepção do poder que o brinquedo

exerce na criança, através dele, o mundo infantil é visto pelo olhar da

brincadeira, em coerência com a realidade vivenciada pela criança, Brougère

exemplifica o fato:

[...] pelo fato de representar um bebê, pede carinho, pede para ser vestida, lavada, e todos os atos ligados à maternagem. Mas no brinquedo não há uma função de maternagem, o que há uma representação que convida a essa atividade, fundamentada no

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significado (bebê) dado ao objeto num cenário social de referência‖ (2004, p.71).

Este objeto desperta imagens e representações que mais tarde darão

sentido a ação de brincar, tais imagens são adaptadas a infância no que tange

a seu conteúdo e sua forma, para assim ser considerado brinquedo.

Entendo desta maneira, baseada nas leituras de Brougère (2008),

Kishimoto (2003), Benjamim (1984), estudiosos da brincadeira, do jogo e do

brinquedo, que a essência lúdica sobreposta à função do objeto manipulável se

denomina de brinquedo, que será o suporte para a brincadeira que por sua vez

não denota uma função específica, é livre de normas, fictícia e não é delimita

em tempo e espaço, pois em ambas situações percebemos uma ação livre,

improdutiva, imprevisível, simbólica, regulamentada e bem definida em termos

de espaço e tempo de realização, como definiu Caillois (1990) a atividade

lúdica. Bem se vê o quanto à indeterminação conceitual pode ser benéfica, e

que mais importante do que diferenciar estes conceitos é conhecer o que têm

em comum.

Falando um pouco mais sobre a definição desta atividade lúdica que

aqui chamarei de jogo na perspectiva de Roger Caillois, as definições e

aproximações são muito perniciosas, pois diante do que diz o autor sobre o

jogo, a brincadeira se encaixa perfeitamente as mesmas essências, partindo do

principio que ―uma característica do jogo não é criar nenhuma riqueza, nenhum

valor. Por isso se diferencia do trabalho[...]‖ (1990, p. 25). Justamente como

acontece na definição de ―brincadeira‖, não tem um fim lucrativo, é livre, sendo

assim, também se diferencia de momentos de trabalho.

Para Caillois, somente existirá jogo se assim os jogadores o quiserem,

tornando a atividade incerta e livre, ―só se joga se quiser, o quanto quiser e o

tempo que quiser [...] essa liberdade de ação do jogador, essa margem

concedida à ação, é essencial ao jogo e explica, em parte, o prazer que ele

suscita‖ (1990 p. 27-28). Exatamente como ocorre na brincadeira onde as

crianças combinam o que querem fazer e repentinamente estagnam o jogo em

prol de outra atividade que mais lhes interessarem que seja atraente e

divertida. Outro aspecto que se aproxima com a brincadeira está relacionado

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com o espaço que é delimitado e pré- estabelecido para que haja um jogo, ou

seja, ambos acontecem em uma área escolhida pelos participantes, para

Huizinga (2007),

A limitação do espaço é ainda mais flagrante do que a limitação no tempo. Todo jogo se processa e existe no interior de um campo previamente delimitado, de maneira material ou imaginária, deliberada ou espontânea. Tal como não há diferença formal entre o jogo e o culto, do mesmo modo o ―lugar sagrado‖ não pode ser formalmente distinguido do terreno do jogo. A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., têm todos a forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade especial.

(p. 13).

Assim prevalece com ―nossas‖ crianças quando criam regras em torno

de suas brincadeiras e são altamente respeitadas, e, certo que o espaço

escolhido também é digno de ser um ―local sagrado‖ [grifo meu], provido de

autorização para a interferência, principalmente de um adulto. Por se tratar de

algo que também é fictício, além de regulamentado, se torna cada vez mais

interpelado com a identidade do brincar, segundo Huizinga (2007, p. 11),

[...] o jogo não é vida ―corrente‖ nem vida ―real‖. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida real para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente quando está ―só fazendo de conta‖ ou quando está ―só brincando‖.

Nas definições descritas a respeito da brincadeira, na visão de

Brougère, Kishimoto, percebe-se que o faz de conta está vivo na infância e é

consenso dos estudiosos como Callois e Huizinga, que a ficção também é uma

das características fundamentais a especificidade do jogo, e nos mostram isso

quando afirmam que há uma evasão do real nos momentos lúdicos, ao

assumirem papéis de fadas, polícias, ladrões, aviões. Para Caillois (1990),

―supõe uma livre improvisação e cujo principal atrativo advém do gozo de

desempenharmos um papel, de nos comportarmos como se fôssemos

determinada pessoa ou determinada coisa [...]‖ (p.28). ―Todo jogo é capaz, a

qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador‖ HUIZINGA, (2007, p.

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11). Percebe-se então, que o jogo e a brincadeira se confundem por ter

significados muito próximos e isso nos leva a refletir que jogo e brincadeira

podem ser compreendidos como o simples ato de brincar.

Em Bomtempo (2010), encontramos a brincadeira de faz-de-conta, que

quando a criança brinca na verdade ela está representando, fingindo; finge ser

um herói, um grande monstro, uma princesa ou a bruxa malvada. A criança

brinca e fantasia personagens, cenários e objetos, ora uma espada, É na

perspectiva do faz-de-conta que nos deparamos com todo o mistério dos

brinquedos que encantam as crianças, pois, favorecem ações destemidas e

nada previsíveis aos olhos de quem brinca.

O que nos faz humanos é que somos dotados de uma condição de

criação arbitrária de símbolos. Cada grupo ou cada comunidade interpreta e

cria a sua realidade segundo valores próprios que têm sentido apenas se vistos

sob o ponto de vista do próprio grupo. Assim, as crianças, brincando, estão

interpretando e dando sentido ao que vêem, escutam e aprendem.

Piaget (1971 apud Bomtempo, 2010), chama essa brincadeira de faz-

de-conta de jogo simbólico, o qual pode apresentar-se com representações de

papéis (pirata, soldado, médico), ou contexto para as re-significações de

objetos, como um pedaço de madeira ser um foguete ou um avião. É no jogo

simbólico que a criança cria e re-cria as suas fantasias, sem limite, restrições

ou punições; porque a fantasia é um mundo livre, de aventuras e histórias. ―No

jogo simbólico as crianças constroem uma ponte entre a fantasia e a

realidade‖. (Bomtempo, apud Kishimoto, p.74, 2010).

O brinquedo para a criança é a uma forma de explorar o mundo em

todas as suas dimensões, sem restrições ou punições, porque explorar a

realidade através da imaginação é um caminho que se pode seguir e voltar à

hora que quisermos, é só desejarmos. A criança utiliza-se do brinquedo como

um meio de chegar ao imaginário, utiliza-se assim, de um objeto comum que

aparentemente não tem utilidade alguma para brincar, como uma articulação,

transformando-o naquilo que sua imaginação quiser.

Em suas palavras, Brougère (1998), nos diz que o caráter lúdico de

uma atividade está exatamente no como se está brincando. Um brinquedo não

é um objeto lúdico simplesmente porque é um brinquedo, mas será lúdico a

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partir do momento que alguma criança utilizá-lo em suas brincadeiras.

Para Moyles (2006, p. 13), ainda na introdução do livro em que

organiza, trás em uma tribuna americanizada o sentido do termo play, na língua

inglesa, onde traduzido para a língua portuguesa significa o mesmo do que

―brincar e jogar‖ admite-se tais sentidos,

[...] pode ser considerado um objeto, um substantivo, um verbo, um advérbio e um adjetivo – um jogo ou um objeto para brincar, como uma peça de teatro ou um brinquedo; agir em relação a um método ou modo; realizar alguma coisa de forma divertida; ou podemos descrever alguém como um a ―criança divertida‖

Mesmo em outro país, o termo play ― brincar e jogar ― aparece numa

conceituação muito próxima da que abordamos em nossa língua, a idéia de ser

algo divertido, motivador e que ao mesmo tempo possui vários entendimentos

de sua importância na infância, porém é negada em muitos ambientes

educacionais não somente no Brasil, mas também em outros países,

principalmente por seu caráter lúdico.

Seguindo na mesma linha de Janet Moyles (2006), Peter K. Smith10

nos relata que seja em qualquer situação que se estabeleça a ação do brincar,

ou seja, com palavras, fisicamente, imitação dos adultos, ―[...] o certo é que o

brincar evoca um mundo infantil livre de preocupações para adultos que se

sentem esmagados pelas responsabilidades do trabalho‖ (2006, p. 25). O

brincar é visto como sendo oposto ao trabalho como o autor afirma, por ser

―uma atividade livre e sem limitações‖. Concordando com Smith, pois o trabalho

é provido de regras e submissões, que articulo com a escola provida de

normas e punições, cerceando cada vez mais o aluno, essencialmente aquele

que sai da educação infantil (cinco anos) e adentra o espaço do ensino

fundamental com apenas seis anos de idade, fazendo parte das ações

repressoras em prol ao aprendizado da leitura e da escrita.

Para Smith (2006, p. 25)11, ―o brincar é extremamente característico na

faixa etária dos 2 aos 6 anos. Esse é o período mais importante para o brincar

10

Peter K. Smith, colaborador de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006. 11

Peter K. Smith, colaborador de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006.

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simbólico‖. O que observamos no lócus da pesquisa é que o brincar está em

pleno desencontro com a criança na sala de aula.

Para Tina Bruce (2006)12, o brincar ― no sentido de ser lúdico ― é uma

prática do mundo todo, porém, tal atividade não é tratada da mesma maneira

em todas as culturas e civilizações, para ele, ―em diferentes culturas o

brinquedo de fluxo livre é incentivado, desestimulado, reprimido ou valorizado

de maneiras diversas que têm grande impacto sobre o acesso da criança a ele‖

(2006, p. 222).

Moyles & Cols (2006), definem o brincar, que aqui já conceituei em sua

plenitude de ser livre, lúdico, com poucas ou com regras institucionalizadas

pelos próprios brincantes, como o ―brincar de fluxo livre‖, e defende a proposta

da sua importância e necessidade para a criança, principalmente na fase inicial

entre dois a seis anos, que as escolas devam abarcar esta idéia na perspectiva

de formarmos crianças com comportamentos mais humanos, com ações

autônomas tornando o jogo e a brincadeira valorativa nas instituições infantis.

Brincar é uma atividade criativa. Brincando a criança imagina, comunica-

se e se expõe. Sobre essa idéia assim diz Winnicott (1975, p. 80): ―É no

brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser

criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o

indivíduo descobre o eu (self)‖.

2.2 Brinquedo e a Brincadeira pelos olhos da criança

Neste capítulo proponho a discussão do ato de brincar, numa

perspectiva prática, buscando uma reflexão para a compreensão da sua

importância para a criança. Estudar a criança somente em seus aspectos de

12

Tina Bruce, colaboradora de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006.

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desenvolvimento das funções, crescimento, fases motoras sem considerar o

brinquedo e a brincadeira, é negar algo inerente a ela.

É importante esclarecer, que no decorrer deste texto os termos

brincadeira, jogo e lúdico podem ser vistos com um mesmo conceito e

aplicação, isto é, como atividades livres ou dirigidas (se proposta por adultos),

sem regras ou regras constituídas pelas crianças, que tenham um caráter de

frivolidade, capazes de envolver seus participantes.

A brincadeira no olhar da criança não representa o mesmo que o jogo e

o divertimento para o adulto, ocupação do tempo livre, afastamento da

realidade alivio de estresse. Brincar não é ficar sem fazer nada, como pensam

alguns adultos, é preciso estar atento a esse caráter sério do ato de brincar,

pois, esse é o seu trabalho, atividade através da qual ela desenvolve

potencialidades, descobre papéis sociais, limites, experimenta novas

habilidades, vivencia um mundo real e cria seu próprio mundo, estabelece

conceitos de si mesma e constrói conhecimentos. Portanto, brincar é o trabalho

da criança, um ato muito sério, e por meio de suas conquistas no jogo, ela

afirma seu ser, proclama seu poder e sua autonomia, explora o mundo, faz

pequenos ensaios, compreende e assimila gradativamente suas regras e

padrões, absorve esse mundo em doses pequenas e toleráveis.

Château (1987, p. 29) já nos dizia: ―O jogo representa, então, para a

criança o papel que o trabalho representa para o adulto. Como o adulto se

sente forte por suas obras, a criança sente-se crescer com suas proezas

lúdicas‖. Além do caráter de seriedade, outro ponto a ser percebido neste relato

é a diferença fundamental entre o jogo infantil e o jogo do adulto, para a criança

o jogo tem fim em si mesmo, ele basta por si só, já no segundo caso ele é

triste, tedioso, ele existe para curar a fadiga, e a exaustão do cotidiano do

trabalhador. A finalidade do jogo é dada de acordo com as atitudes que

impulsionamos ao realizá-lo, assim ―[...] o jogo infantil tem apenas um aspecto

porque só tem um princípio, e esse princípio só pode resultar em alegria‖

(CHÂTEAU, 1987, p.33).

Dessa forma, nenhuma criança brinca só para passar o tempo, sua

escolha é motivada por processos pessoais e vontades próprias, constituindo

assim o brincar como uma linguagem infantil que se deve respeitar mesmo se

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não a entende. O professor/educador deve perceber as necessidades infantis,

para proporcionar possibilidades e situações de jogos/brincadeiras, é

imprescindível que as suas aulas sejam repletas de atividades lúdicas, para

que a criança tenha a oportunidade de expressar-se, de evadir-se do mundo

real e de ser séria no seu pequeno mundo lúdico.

A especialidade da criança é a brincadeira, ninguém melhor do que ela

sabe brincar, o brinquedo, como vimos anteriormente, é o suporte para que a

brincadeira aconteça e serve também de estímulo para a invenção da mesma.

O brinquedo nas mãos de uma criança transforma uma realidade, o que para o

adulto é um simples objeto, para a criança possui uma representação e uma

simbologia própria, aproximando assim o real do fictício ao explorar o objeto à

sua maneira, de acordo com a sua verdade.

Segundo Brougère (2004, p. 64), ―O brinquedo não é unicamente

instrumento de ação, ele é, também, um instrumento de sonho, de desejo, de

fantasia‖. O brinquedo em seu caráter lúdico é portador de um ―desejo de

utilização ‖13 no qual as crianças são seduzidas a constituírem uma relação

com o objeto, a significação que a imagem e o símbolo propõem ao mundo

infantil o transforma em objeto manipulável, com volume e formas definidas,

porém sua utilização é estabelecida pela criança individual ou coletivamente,

distanciando do que está inscrito nele e aproximando-se das representações

ele oferece.

A criança na escola enxerga em seus materiais escolares possibilidades

de brincar quando ela se apropria do objeto e constrói imagens fictícias com

ele, estabelecendo uma relação íntima, especifica do mundo infantil, o objeto

rapidamente estimula a ação do brincar, permitindo assim uma criação original

da utilização do objeto, ou seja, o lápis que no cenário escolar tem função de

escrever, naquele espaço infantil, ele é transformado em avião, guarda-chuva e

quebra-molas. A capacidade de modificar uma realidade faz da criança

possuidora de poderes sobre o objeto que em suas mãos virou um brinquedo.

Quando a escola propicia momentos lúdicos em seu espaço, ela

favorece também possibilidades de criação da autonomia entre os alunos,

criatividade, socialização e uma estimulação a conceberem conceitos diante de

13

BROUGÈRE, 2004 p. 67, usa tal expressão.

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uma brincadeira. Château, quando escreve sobre brincar e suas implicações na

criança, faz uma reflexão que julgo ser importante destacar:

Não se pode imaginar a infância sem seus risos e brincadeiras. Suponhamos que, de repente, nossas crianças parem de brincar, que os pátios de nossas escolas fiquem silenciosos, que não sejamos mais distraídos pelos gritos ou choros que vêm do jardim ou do pátio, que não tivéssemos mais perto de nós este mundo infantil que faz a nossa alegria e o nosso tormento, mas um mundo triste de pigmeus desajeitados e silenciosos, sem inteligência e sem alma. Pigmeus que poderiam crescer, mas que conservariam por toda a sua existência a mentalidade de pigmeus, de seres primitivos. Pois é pelo jogo, pela brincadeira que crescem a alma e a inteligência [...] (1987, p.14).

Para incrementar a discussão venho me apropriar da palavra utilizada

por Brougère (2004, p.68), ―afrodância‖14 que designa o estamos procurando

no brinquedo, que vai além de significados e representações, vejo aqui uma

definição bastante pertinente para tal, que é o caráter de manter-se livre, à

disposição da criança para a ação, de acordo com a percepção infantil ―[...] a

criança decodifica as ―afrodâncias‖ do objeto que a levam a agir (pegar um

boneco no colo, acariciar um urso) [...]‖, permitindo o entrelaçamento de ação e

imagens. Percebe-se que aquele lápis, que por um momento foi um avião, em

outra situação foi um guarda-chuva, isso nos mostra que a o objeto está á

disposição, porém, sua utilização é definida pela criança, por mais que haja a

interferência do adulto.

Criança está vinculada de forma imediata ao brinquedo e a brincadeira,

é natural que se estabeleça tal ligação. As relações que as crianças criam com

o brinquedo nos apontam tal afirmação. É comum vermos na sala de aula,

desde a mais tenra idade, os alunos carregarem consigo ursinhos, carrinhos,

uma boneca, chaveiros dos personagens preferidos em suas mochilas,

estabelecendo assim uma relação emocional com o brinquedo, uma segurança

que com ele por perto estarão protegidos.

14

Segundo Brougère (2004, p 68) ―afrodância‖ não é uma palavra usualmente adotada em português, é derivada do verbo em inglês ―to afford‖ que significa pôr à disposição. Essa noção foi proposta por James J. Gibson em The Ecological Approach to Visual perception, Boston, Houghton Mifflin, 1979.

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O adulto-professor na escola tende facilmente a desvincular os laços

íntimos da criança com o brinquedo e a brincadeira, em prol aos estudos, o

movimento lúdico é deixado para um segundo plano, segundo Gonçalves

(1994), há uma valorização extrema da escola em favorecer os aspectos

intelectuais no seu ambiente considerado como ―sério‖, desvalorizando a

criança em sua essência, a meu ver, ―desrespeitando o direito da criança de

viver a brincadeira em sua plenitude‖.

Brincar pelos olhos da criança é percebido como sinônimo de vivacidade

que lhe é próprio, o movimento corpóreo e lúdico pelos quais a brincadeira

acontece é que dá sentido ao brinquedo, aquele objeto manipulável com

volume e forma, é carregado de representações típicas da infância que causam

desejos, seduz, produz sonhos aos que dele se apropriam. A brincadeira se

transforma assim na essência da infância, que corre, pula, grita, luta, gesticula

muitas vezes em locais onde não lhes permitem tais ações e está apenas

brincando.

A criança vê em seu corpo, possibilidades de brincar, tanto que se

perguntarmos a ela o que está fazendo ao vermos uma correria desenfreada

no pátio da escola — ―brincadeira de pegador‖ — ela nos dirá que está

―brincando‖. Assim atribuo mais uma característica da brincadeira, a liberdade,

a alegria do movimento, o corpo em ação em prol do entreterimento e da

ludicidade. O ―pegador‖ tão querido pela sociedade infantil é modificado a cada

novo jogo, ou seja, de acordo com que os participantes combinam, ele hora é

―Polícia e ladrão‖, hora é ―Pega-corrente‖, e termina quando assim decidirem,

conota desta forma a função da regra formalizada destituída pela criança, em

detrimento aos interesses do grupo. A fantasia e o faz de conta, ganha espaço

no universo infantil, a realidade é momentaneamente aludida, para dar vez ao

cenário da brincadeira infantil.

A exposição do brinquedo na escola estimula a criança a fazer

descobertas, mas o caminho para isso não depende apenas de fornecer uma

grande variedade, é necessário também que haja a presença da educadora

intervindo, quando necessário, para que a criança possa, com o brinquedo, dar

oportunidade ao desenvolvimento das suas diferentes dimensões (motora,

afetiva, social e cognitiva) sem deixar de lado a espontaneidade do brincar.

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No olhar de Brougère (2004), o brinquedo é um objeto que a criança

manipula livremente. Ele destaca que este objeto é infantil, especificando que

só tem função o brinquedo se estiver sendo manipulado pela criança, já que,

segundo o autor, ―o valor simbólico é a função‖ (2004, p.14).

Na obra Brinquedo e Cultura (2004), Brougère destaca que não basta

apenas a criança, que para que o brinquedo exista apesar de ele ser

considerado um objeto infantil, são necessários outros membros da sociedade

que possibilitam que o brinquedo chegue às mãos dela. As pessoas que se

apoderam dos objetos dão uma significação social diferente da que o

fabricante, o fornecedor e o comerciante lhe conferem. Para Brougère (2004), a

significação que estes sujeitos conferem ao brinquedo é extremamente

importante, uma vez que eles fazem parte do ambiente social em que a criança

está inserida. Neste cenário é possível identificar a significação social do

brinquedo e a forma como ele pode ser inserido na escola.

Segundo Brougère (2004, p. 15), ―o objeto é aquele que encontramos

nas vitrines das lojas, o que pode ser presenteado e reconhecido pelos

diversos protagonistas‖. E o brinquedo é aquele que não se limita à dimensão

social. Que é pertinente a criança e é um ―sistema de significados e práticas,

produzidas não só por aqueles que o difundem, como por aqueles que o

utilizam‖ (p. 14). ―O brinquedo é um extraordinário concentrado de cultura‖,

(Brougère, 2004, p. 264), cujo proporciona uma estruturação da brincadeira,

não inventada pelos fabricantes, por intermédio do objeto. O objeto sustenta e

orienta a ação lúdica a partir do momento que a criança o caracterize como

brinquedo, então ele irá substanciar esta ação. Além do brinquedo, existem

outros apoios para a ação, como: ―os parceiros da brincadeira, [...] ou a

organização do espaço (devemos lembrar-nos da brincadeira de esconde-

esconde, cuja riqueza varia de acordo com a configuração do lugar em que ela

ocorre)‖ (Brougère, 2004, p. 263).

Para Walter Benjamin (1984) o conteúdo de um brinquedo não

determina a brincadeira da criança e sim o ato de brincar é que revela o

conteúdo do brinquedo.

Estes entendimentos são importantes para justificar o brinquedo nas

Instituições de ensino, uma vez que ele pode oportunizar a criança

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possibilidades de ações coerentes com sua realidade sócio-cultural. Para

Brougère ―pelo fato de representar um bebê, uma boneca-bebê desperta atos

de carinho, de troca de roupa, de dar banho e o conjunto de atos ligados à

maternagem. Porém, não existe no brinquedo uma função de maternagem, há

uma representação que convida a essa atividade num fundo e significação

(bebê) dada ao objeto num meio social de referência‖. (Brougère, 2004, p. 16).

A criança como brincante por excelência vai dar significado ao objeto, com o

seu olhar próprio de criança.

A criança, também sujeito lúdico, tem sua constituição e sua significação

nas práticas culturais; logo, ele é resultado da construção histórica e cultural da

sociedade em que participa. o brinquedo e um dos objetos culturalmente

produzidos, devido a isso, a criança, muitas vezes, ―suprime‖ deste a marca

registrada das fábricas, para assim poder registrar a sua própria marca,

estabelecendo outros significados e funções próprias da infância.

Para Benjamin, a criança desmonta o brinquedo para se apoderar dele,

assim vê além do aparente, estabelece uma relação íntima, afetiva e de

aproximação com o mesmo. Este é o lado épico da brincadeira, a re-

significação das partes na construção de um todo feito com o olhar infantil,

talvez esteja neste fato à grande resposta para entendermos por quais motivos

as crianças gostam de destruir algo já pronto, o valor da experiência e da re-

construção pessoal.

Segundo esse autor, o brincar significa um libertar-se dos horrores do

mundo através da reprodução miniaturizada: as crianças, rodeadas por um

mundo de gigantes, criam para si, enquanto brincam um pequeno mundo

próprio. Para Gomes (2003) reinterpretando este autor, a criança se protege no

mundo que compõe, onde as leis são feitas pela própria cultura ― a cultura

infantil. Nesta, a lei maior é a brincadeira, o brincar movido pela aventura e pela

alegria. Na linha dessa interpretação, pode-se pensar numa criança

essencialmente lúdica, que utiliza o brincar como um aprendizado sociocultural,

ao produzir seus próprios brinquedos, que registra neles suas histórias e a

história de sua família.

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Benjamin acredita que o brinquedo é um confronto15 entre a criança e o

adulto, muito mais do adulto do que da criança. O autor afirma isto a partir da

seguinte premissa: ―pois de quem a criança recebe primeiramente seus

brinquedos se não deles?‖ (Benjamin, 1984, p. 72). Resta, assim, para a

criança usar de sua imaginação e transformar todo e qualquer objeto em

brinquedo.

É preciso compreender que brincando de mamãe, papai e filhinha as

crianças retratam os papéis sociais, mas com sua interpretação utilizando uma

comunicação específica, porém, comum a todos os envolvidos na brincadeira.

Durante todos os anos em que atuo na Educação Infantil enquanto professora

de educação física ― responsável pelos aspectos da brincadeira na instituição

- observo o quanto às crianças se envolvem com o faz-de-conta especialmente

retratando o ambiente familiar e em segundo plano o ambiente escolar.

Se pudéssemos relembrar das muitas situações que vivemos enquanto

crianças, talvez compreendêssemos mais facilmente os pequeninos. Quantas

vezes estávamos brincando de Casinha, fazendo camas para as bonecas com

lençóis ―emprestados‖ da nossa mãe, organizando as divisões dos cômodos da

casa, as prateleiras com as panelinhas, copinhos, e tudo o mais que fazia parte

e ouvíamos: ―Hora de dormir!‖ E unanimemente respondíamos: ―Ah, a

brincadeira começou agora...‖ E por mais que a mãe argumentasse que

estávamos há horas brincando, para nós, era apenas o começo. Mas os

tempos e os espaços vividos pelas crianças só fazem sentido para elas

mesmas. No impulso lúdico que movimenta as ações pela fantasia, cada

momento é único e quando a criança o sente, quer vivê-lo naquele momento,

pois é naquele momento que faz sentido para ela, é onde encontra significado

e espaço para expressão do movimento lúdico.

15

Confronto, termo utilizado por Walter Banjamin em sua obra Reflexões: a criança, o

brinquedo, a cultura. São Paulo: Summus, 1984, p. 72.

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3. A ESCOLA E A SALA DE AULA: PERSPECTIVA DO ENSINO DE

NOVE ANOS

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo. . .

e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,

se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo.

(Cecília Meireles)

3.1 Escola

A escola tem apresentado, nas últimas décadas, uma das instituições

privilegiadas para propagar as verdades que uma sociedade cria e fornece, por

meio de complexas práticas de disciplinamento, controle e governo. Pensando

nos corpos que adentram as instituições, uma das coisas que mais

aprendemos na escola ― alunos, professores, equipe diretiva, enfim, todos nós

que passamos pela instituição ― é levar os corpos de determinada maneira e

estimular certo tipo de relações corporais, com o nosso próprio corpo e os

corpos alheios.

As carteiras dispostas de acordo com alguma posição predeterminada,

os corpos alinhados nas fileiras nos pátios em diversas situações, o uso de

uniformes e outras normas sobre vestimenta, as regras para controlar a

entrada e saída da escola, a permanência nos banheiros e horários de beber

água são algumas das mais evidentes técnicas de disciplinamento corporal

dentro das instituições. É uma negação deste corpo no processo de

aprendizagem, a escola desconsidera o movimento lúdico nas séries iniciais do

ensino fundamental em detrimento a instituir a leitura e a escrita com

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veemência. A escola é o lugar, por natureza, em que a aprendizagem da leitura

e da escrita é sistematizada, nas práticas de alfabetização e letramento.

A discussão sobre as práticas educativas a serem desenvolvidas nos

primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos de duração deve,

responder ao desafio de assegurar uma educação de qualidade para nossas

crianças. Aos olhos das crianças, não importa que a escola seja um direito,

importa que seja agradável, interessante, instigante, que seja um lugar para

onde elas desejam sempre retornar. É importante assegurar acesso e

permanência. Mas, a freqüência à escola não pode ser entendida apenas como

direito a um espaço que ofereça proteção física e desenvolvimento cognitivo. É

preciso que as crianças se sintam bem, que sejam cuidadas; e cuidar implica

oferecer aquilo que satisfaça o conjunto de suas necessidades e desejos.

As nossas escolas, não são pensadas para as crianças em sua

totalidade, numa perspectiva de ―crianças brincalhonas, alegres, que correm e

se movimentam‖, os espaços são arquitetados para uma articulação de

restrição ao movimento lúdico, nesta escola de ensino fundamental,

principalmente roubaram o pátio, a areia, o parque, o gramado, e lhes deram

como ―recompensa‖ um maior tempo em sala de aula na condição de que

desta forma será garantida uma aprendizagem eficaz.

3.2 Ensino Fundamental de Nove Anos

Aqui neste capítulo quero discutir as implicações do Ensino Fundamental

de nove anos de duração e desta forma discutir a Lei nº 11.274 de 06 de

fevereiro de 200616, que obriga os pais a matricularem seus filhos no ensino

fundamental com idade de seis anos.

O ensino fundamental com duração de nove anos foi inserido no

contexto da educação brasileira na intenção de atender as exigências por

maior democratização do ensino, ―além de dar maiores condições para a

16

LEI FEDERAL nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_3/_Ato 2004-2006/2005/Lei/L 11114.htm>.Acesso em; 3.set.2006.

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formação do cidadão e atender às solicitações da sociedade civil, destacando-

se as exigências do mundo produtivo‖ 17. A inclusão dessas crianças concretiza

o preceito legal de ampliar de oito para nove anos o Ensino Fundamental, único

nível de ensino de matrícula obrigatória no País, sendo o ano de 2010 a

entrada definitiva das crianças de seis anos de idade em todas as redes

educacionais do País. Ao ter sua duração ampliada, o Ensino Fundamental

passou a receber, principalmente, uma parcela da população brasileira que não

encontrava vagas na rede pública de educação infantil e que não podia arcar

com o custo de uma educação privada.

Consideramos que, apesar da ampliação do Ensino Fundamental para

nove anos representarem uma maior permanência da criança na escola, não

garante a qualidade deste de ensino. A qualidade da aprendizagem do aluno

vincula-se a mudanças efetivas no modo de conduzir o sistema de ensino, vai

para além de procedimentos que tantas vezes se mostraram incapazes de

conceber satisfatoriamente com seu papel na educação.

A princípio inserir estas crianças ―antecipadamente‖ ― um julgamento

pessoal ― no ensino fundamental, seria um papel fácil de proceder, porém,

quais são as implicações que tais fatos e ações estão gerando, pois já existem

escolas que aderiram antes mesmo de 2010, onde seria o ano obrigatório à

adesão, ou que podem gerar ainda, considerando que não é somente a

preocupação com o primeiro ano de entrada no ensino fundamental, e sim

todos os outros que seguem como uma engrenagem no processo educacional.

Nesta produção, não quero trabalhar com questões burocráticas das leis

e promulgações, mas sim discutir como os romantismos dos documentos de

orientações acontecem na práxis do professor, que recebe e trabalha com os

pequenos na obrigação de ―fazer dar certo‖, mas esta mudança educacional.

A meu ver, a extensão do ensino fundamental para nove anos, garante a

entrada da criança de seis anos na escola, ampliando em um ano, que antes

era criança de sete anos, não sou contrária a medida, mas não podemos

esquecer que mais do que a universalização ao acesso, é importantíssimo

garantir e assistir a permanência das crianças para que finalizem este ciclo de

17

Cleiton de Oliveira, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unimep. Trecho do livro Ensino Fundamental de Nove Anos, Teoria e Prática na Sala de Aula, 2009.

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ensino, pois aumentam também a responsabilidade dos educadores, pais na

constante luta contra a evasão e repetência escolar.

Concordo com Kramer (2007) quando ela explicita o reconhecimento do

direito da criança de seis anos à educação, principalmente o de ingressar no

primeiro ano do ensino fundamental, mas com algumas ressalvas. O principal

reconhecimento e preocupação que devemos ter é reconhecer ―as crianças

como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais‖ (Brandão, 2009, p. 20).

Assim é pertinente entender as especificidades infantis, sua cultura lúdica, suas

ações imaginárias, o direito à brincadeira, a produção cultural, ou seja,

reconhecer que apesar de inseridas no ensino fundamental, são crianças e não

apenas alunos.

Segundo as orientações da Secretaria de Educação Básica do Ministério

da Educação explicita algumas recomendações:

[...] não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos em um EF de nove anos, considerando o perfil de seus alunos. O objetivo de um maior número de anos de ensino obrigatório é assegurar a todas as crianças um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e, com isso, uma aprendizagem mais ampla. [...] Recomenda-se que as escolas, organizadas pela estrutura seriada, não transformem esse novo ano em mais uma série, com as características e a natureza da primeira série. Assim, o Ministério da Educação orienta que, nos seus projetos político/pedagógicos, sejam previstas estratégias possibilitadoras de maior flexibilização dos seus tempos, com menos cortes e descontinuidades

18.

Nesta orientação documentada como uma forma a ser seguida nas

instituições deixa claro que as preocupações de preservar a criança em

diversos seguimentos, porém o que se observa nas escolas, pesquisadas

neste estudo não nos mostrou o seguimento das orientações. A criança da

educação infantil com seis anos de idade é a mesma criança do ensino

fundamental com seis anos de idade, então o diálogo entre os dois níveis de

ensino deve ser muito próximo e articulado a fim de atender a singularidade

18

―Orientações Gerais sobre o EF de 9 anos‖ do MEC: www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf

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infantil. O sucesso da medida de implantação do ensino fundamental de nove

anos dependerá, em grande parte, da maneira como a proposta chegou às

escolas, foi analisada, entendida, recebida por aqueles que irão atuar

diretamente com o processo e realmente como foi implementada na instituição.

No entendimento da grande maioria da população, ensino fundamental é

um nível da escola onde realmente começa o aprendizado. No entanto que se

o governo tem obrigação de matricular as crianças somente no ensino

fundamental, antes com sete agora com seis anos de idade, é realmente o que

podemos compreender. Nestes quatro meses de inserção na sala de aula de

duas escolas, de seguimentos diferentes, ou seja, uma da rede particular e

outra da rede pública de ensino, da cidade de Sinop/MT, pude observar

claramente que há um conflito por parte das professoras que atuam neste nível

de ensino, justamente por não estar ainda claro, qual a diretriz a ser seguida.

As vozes se calam, quando são questionadas a respeito, uma escola difere da

outra quanto às avaliações, a sistematização de conteúdos. Os pais ao

deixarem seus filhos nas escolas — no portão - são unanimes em dizer-lhes:

Pai 1 (escola pública): “[...] nada de brincadeira, agora você é

primeiro aninho”.

Pai 2 (escola particular): [...] pede para a professora dar bastante

tarefa de casa, primeiro ano nada de moleza”.

Deveria ser indispensável que essa transição ocorresse de forma a

ampliar as possibilidades de experiências das crianças, incorporando novos

olhares e diretrizes, sem que para isso seja preciso desconsiderar formas de

trabalho pedagógico apropriadas para cada faixa etária. Os conteúdos e

métodos de ensino devem corresponder às características, potencialidades e

especificidades da infância ― criança de seis anos seja em que escola ela esti-

ver inserida.

Quanto mais harmoniosa for essa passagem, mais condições a criança

terá de manter seu interesse em aprender sem mesmo romper os aspectos da

infância. A escola de Ensino Fundamental faz questão de reforçar as rupturas

entre as duas etapas da educação básica: aponta nitidamente que acabou o

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direito à brincadeira, que a obrigação é prioritária, que a aprendizagem é

imposta e não construída, que todos devem seguir no mesmo ritmo,

independentemente de suas diferenças individuais, culturais ou de nível de

conhecimento.

Segundo Maria Malta Campos19, ―[...] a criança pré-escolar aprende a

ser aluno e a ser cidadã; não há motivos para que sua passagem para a

primeira série signifique um rompimento brusco de um processo vivido

intensamente por ela nos anos em que freqüentou a Educação Infantil‖ (2009).

Afinal, a criança que chega com seis anos na escola fundamental é a

mesma que a pouco estava na educação infantil ou ainda não tinha sido

escolarizada. Suas necessidades e sua fase de desenvolvimento são as

mesmas. Assim como aquela que acabou de completar sete ou oito anos não

deixa de ser criança por isso. O direito à aprendizagem, na primeira e na

segunda etapa da educação básica, depende do respeito ao direito de ser

criança, ambas as fases são complementares.

Portanto, para a escola, ficam os desafios de organizar espaços,

objetos, relações que propiciem a brincadeira, o jogo, a ludicidade, encontros e

alegrias. Isso não significa deixar de lado ou de fora o pensamento e a razão,

mas de equacioná-los com o corpo e a emoção, na perspectiva de estabelecer

significados aos acontecimentos da vida, o que é diferente de controlar a vida,

antes que ela aconteça.

Do ponto vista da educação de forma geral, a organização de uma sala

de aula de ensino fundamental é disposta de forma que a obediência e o

silencio sejam elementos considerados fundamentais para o desenvolvimento

do trabalho, a começar pela disposição das carteiras, colocadas uma atrás da

outra. Desta forma não havendo mesmo possibilidades para interação dos

alunos, outro fato importante a ser considerado é que existem brinquedos nas

salas de aula, porém, são guardados a uma altura onde até mesmo um adulto

deve se apoiar em algo para alcançá-lo. Há uma abrupta transposição de um

19

Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, presidente da diretoria colegiada da ONG — Ação Educativa e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Salto para o Futuro, Anos iniciais do Ensino Fundamental — ISSN 1982 – 0283, Ano XIX – Nº 12 – Setembro/2009, Ministério da Educação.

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nível de ensino para o outro, é muito evidente as rupturas existentes na mesma

instituição.

Segundo Gonçalves (1994), "a escola supervaloriza as operações

cognitivas e se distancia progressivamente da experiência sensorial direta,

pretendendo assim não só disciplinar o corpo como também os sentimentos, as

idéias e as lembranças (memória) a ele associadas, enfim anulá-lo".

A aprendizagem de conteúdos é uma aprendizagem sem corpo, e não somente pela exigência de o aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocam em um mundo diferente daquele no qual ele vive e pensa o seu corpo (Gonçalves, 1994, p.34).

Neste sentido, a escola promove um processo de ‗descorporalização‘

(ibid.), no qual o corpo gradativamente vai sendo posto em plano secundário,

contido e torna-se quase um desconhecido. Distanciar-se do corpo, ao mesmo

tempo, implica num afastamento das experiências emocionais, sensitivas e

sentimentais diretas, portanto a vida escolar também desencadeia

a‗desafetivação‘ dos corpos.

A grande preocupação é que juntamente com esse processo de

negação ao corpo e adestramento em prol da aquisição do conhecimento, a

brincadeira, o jogo e brinquedo — que são caminhos viáveis para trabalhar o

corpo em movimento na escola — seguem o caminho da destituição. O

importante é saber que o papel que a brincadeira pode e deve ocupar no

cotidiano escolar é fundamental, não somente na educação infantil, mas em

todo o período escolar. A transição de um nível de ensino para o outro é

considerada um rito de passagem, ele se repete em vários momentos na vida

escolar do aluno, neste caso quando a criança passa da educação infantil para

o ensino fundamental, a sociedade em geral, considera que a criança está

pronta para aprender a ler e escrever e que a brincadeira, ou o movimento

lúdico deva situar-se em outro plano, muitas vezes, desconsiderada no âmbito

escolar.

O que se percebe na escola com as pesquisas realizadas é que no

primeiro ano do ensino fundamental o controle dos corpos aumenta na medida

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em que a instituição exclui a brincadeira e o jogo dos momentos de

aprendizagem. Em entrevista realizada com a professora A ela deixa bem

claro quando me responde,

Observador: Eu vi que você trabalhou com música e gestos, eles me

disseram que você brinca de morto e vivo na sala, como você utiliza a

brincadeira na sala de aula, em que momento, como ela é utilizada?

Professora A: “Olha, normalmente é quando eles estão cansados,

eu aproveito pra brincar, assim, rapidinho... e outros momentos é pra

introduzir um conteúdo, que daí é como se fosse uma motivação,

para motivar a aula. Mas não é todo dia não, senão eles acostumam”.

A brincadeira quando aparece, acontece de maneira funcional no espaço

escolar, nos anos iniciais, assim podendo justificar a presença dela em sala de

aula. Observo como é difícil a adaptação dos alunos que saem da educação

infantil e seguem para as primeiras semanas de aula e, às vezes, durante todo

o ano letivo no primeiro ano do ensino fundamental. Observo, há algum tempo,

nas crianças um conflito muito grande entre a satisfação de estar no ensino

fundamental, numa sala de aula dita ―de gente grande‖, num espaço preparado

para ―aprender a ler e escrever‖ e um desejo do corpo que clama por

movimento, por expressão lúdica e pela vontade de ainda ser criança. É muito

complexa à criança a compreensão na separação de corpo e mente em sala de

aula e ficar disposta a somente o aprender como se naquele momento, em sala

de aula, fosse somente um ser pensante, em que a aprendizagem — ler e

escrever - esteja separada do todo corpo. Como se a mente não fosse parte

desse mesmo corpo.

É nesse momento que começa, institucionalmente, a disciplinarização do

corpo. Podemos considerar o começo da disciplina corporal que parte do

desejo de ler e escrever, tão difundido e importante entre nós, para a

domesticação do corpo/ sujeito. Os professores negam o movimento lúdico -

esse corpo vivo, para que a mente aprenda, como que se somente assim

pudesse haver crescimento cognitivo.

As práticas educativas de qualidade exigem, portanto, que se considere

a criança como principal eixo do processo de aprendizagem e considere as

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diferenças individuais de sua formação. Requer, portanto, que se leve em conta

a concepção de infância que se encontra implícito às práticas e ações educati-

vas.

Atualmente, a partir da contribuição de diferentes áreas do

conhecimento humano, tem-se construído um consenso em torno da ideia de

que a infância, tal como a conhecemos hoje, não é um fenômeno natural e

universal, mas sim, o resultado de uma construção cultural das sociedades

moderna e contemporânea. A infância deixou de ser compreendida como uma

etapa que antecede a fase adulta, sendo identificada como um estado

diferenciado, parte contribuinte deste meio. Assim, ao mesmo tempo em que se

reconhece que a definição de infância é primordial no contexto histórico, social

e cultural no qual se desenvolve, admite-se a especificidade que a constitui

como uma das fases da vida humana.

Esse reconhecimento das características específicas da infância

possibilitou avanços desde a perspectiva do desenvolvimento infantil, ou seja,

de como as crianças compreendem o mundo e se apropriam dele.

Cabe salientar que nove anos de escolaridade obrigatória devem

significar a ampliação do direito à educação não apenas quantitativamente —

mais crianças na escola e mais anos de escolarização para cada uma delas ―,

mas, sobretudo, qualitativamente ― mais crianças, por mais tempo, em uma

escola de qualidade. Uma escola que respeite as crianças e que lhes assegure

o tempo da infância.

A discussão sobre as práticas educativas a serem desenvolvidas nos

primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos de duração deve,

responder ao desafio de assegurar uma educação de qualidade para nossas

crianças.

Aos olhos das crianças, não importa que a escola seja um direito,

importa que seja agradável, interessante, instigante, que seja um lugar para

onde elas desejam sempre retornar. É importante assegurar acesso e

permanência. Mas, a freqüência à escola não pode ser entendida apenas como

direito a um espaço que ofereça proteção física e desenvolvimento cognitivo. É

preciso que as crianças se sintam bem, que sejam cuidadas; e cuidar implica

oferecer aquilo que satisfaça o conjunto de suas necessidades e desejos.

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As nossas escolas, não são pensadas para as crianças em sua

totalidade, numa perspectiva de ―crianças brincalhonas, alegres, que correm e

se movimentam‖, os espaços são arquitetados para uma articulação de

restrição ao movimento lúdico, nesta escola de ensino fundamental,

principalmente roubaram o pátio, a areia, o parque, o gramado, e lhes deram

como ―recompensa‖ um maior tempo em sala de aula na condição de que

desta forma será garantida uma aprendizagem eficaz.

A qualidade de tempo ampliado de permanência nas escolas, somente

ele, não fará com que a criança tenha acesso aos bens culturais,

conhecimentos, aprendizagens sistematizadas, dependerá também da

qualidade do trabalho que será desenvolvido com este aluno

independentemente do nível de ensino, portanto é preciso que o professor

entenda as maneiras de organizar os conteúdos para a nova proposta de

ensino, ou então correremos o risco de prejudicar a criança em seu

desenvolvimento escolar. Segundo Moreno e Paschoal

se o professor não entender a proposta de trabalho para esse ano adicional, estaremos encurtando uma fase tão importante da infância na vida da criança em detrimento da exigência de uma organização escolar que prevê do ponto de vista curricular o acumulo de conhecimentos, desvinculados da realidade dos alunos, embora não seja este o discurso (2004, p.43).

De tal forma, acredito que seja importante pensar na concepção e ideia

de criança de seis anos ao se julgar um processo que a meu ver antecipa

etapas infantis quando insere esta criança no ensino fundamental concebendo

a preparação para o trabalho nas instituições.

Considerando que existem grandes diferenças entre o ensino

fundamental e a educação infantil, onde as crianças podem movimentar-se

com maior fluidez, é preciso receber os alunos de seis anos de idade nesta

nova fase com tranqüilidade, promovendo a transição gradualmente, o

acolhimento não deve ser considerado uma ruptura para a criança no processo

escolar. A fantasia, o faz-de-conta, o movimento lúdico deveriam caminhar

paralelos a toda e qualquer sistematização de conteúdos como matemática e

português. Inerente a mudança de nível escolar, principalmente esta transição

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estudada, a própria arquitetura da sala de aula deveria ser ao menos

equiparada a do nível anterior, são estruturas muitos eqüidistantes, os livros

podem ficar a disposição dos meninos, mas os brinquedos devem ficar ao alto

dos armários para as crianças terem pouco acesso, ou melhor, para nem se

lembrarem que os mesmos existem.

Barbosa (2001) escrito em Brandão e Paschoal (2009, p.43), nos fala da

importância de considerar a criança como um ser biológico, social, histórico,

físico bem como seus aspectos psicológicos, ―o espaço físico e social é

fundamental para o desenvolvimento das crianças, na medida em que ajuda a

estruturar as funções motoras, sensoriais, simbólicas, lúdicas e relacionais‖. Os

espaços escolares, tanto externos quanto internos, devem ser explorados ao

máximo por professores para que a criança usufrua de forma adequada os

ambientes.

Em uma das escolas pesquisadas, da rede particular de ensino, os

espaços pertencentes a tal, eram fantásticos, gramados arborizados, piscina,

parque infantil, quadra poliesportiva, saguão de entrada para recepção das

crianças. A escola municipal de ensino, com mais fragilidades, naturalmente,

apesar de pouco espaço ainda é possível explorá-lo, há uma quadra de areia,

algumas árvores, quadra poliesportivas, tudo mais precário, porém, é possível

estruturar relações favoráveis quanto ao movimento lúdico infantil.

O ensino de nove anos na escola assumiu com a criança de seis anos

responsabilidades de ensino fundamental em sua totalidade, com

características específicas deste nível, esqueceu-se da nossa criança, que ―se

movimenta‖, que exerce sua cultura lúdica, a articulação com a educação

infantil deve ser mantida por muito tempo, respeitando até mesmo o que diz as

orientações do MEC e que nas escolas foram distorcidas, cada um entendeu

da maneira como melhor lhe conviesse no momento de implementar a

proposta, já que não houve um estudo aprofundado por parte das duas escolas

pesquisadas, ambas receberam o alunado com características de ensino

fundamental, apesar de as professoras negarem que a mudança se deu

bruscamente.

Na escola particular de ensino, de uma maneira implícita a mudança foi

implantada gradualmente em 2006, anos antes da obrigatoriedade, para que já

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houvesse uma adequação diante das idades e uma adaptação familiar e

pedagógica as novas nomenclaturas.

De acordo com informações recebidas durante os contatos informais

com a professora da rede municipal de ensino, a mudança só ocorreria mesmo

no ano de 2010, até porque naquela sala de aula ― no ano da pesquisa (2009)

― tinha uma garota de cinco anos, que foi remanejada de outra escola e por

ser bastante ―esperta‖20 freqüentava as aulas. Não houve uma preocupação da

rede pública no município de Sinop em proporcionar uma adaptação de toda a

mudança.

Fica evidenciado o despreparo das redes de ensino para receber a nova

lei, talvez a grande diferença seja a antecipação da rede particular para que

não houvesse um impacto de maior grandeza na comunidade escolar. Mas não

se entusiasmando com tal situação, estudos não foram feitos de forma

aprofundada para que houvesse um acolhimento dos pequenos estudantes

neste rompimento, onde antes tudo era movimento e agora tudo é imobilidade.

Sabemos muito bem da polêmica que se instaura em torno deste

ingresso da criança de seis anos no ensino fundamental, tanto por professores

como também por parte das famílias e pesquisadores de diversas áreas, por

ser pesquisadora e participe deste movimento interno na escola, me incomoda

bastante pelo fato de não haver ninguém dentro da escola para se preocupar

com a especificidade infantil que é o respeito de sua cultura lúdica. Sinto-me na

obrigação de abordar este assunto, atual na condição de indignação com a

desatenção ao movimento lúdico que deveria acontecer na sala de aula.

Para Brandão (2009), medidas devem ser tomadas no sentido de

realizar leituras aprofundadas e estudos, para que não seja posto um sentido

equivocado na proposta do ensino de nove anos, o que poderá contribuir ainda

mais para o fracasso escolar já no inicio da escolarização.

[...] questões como alfabetização precoce, o excesso de conteúdos da primeira série, a cobrança de atitudes e comportamentos mais maduros por parte da criança, espaço não adequado para o trabalho com essa faixa etária, o cerceamento do corpo e a falta de qualificação do professor, dentre outros, podem comprometer

20

Adjetivação pela voz da professora quando me relatou e justificou os motivos de uma criança tão nova estar já no primeiro ano do ensino fundamental.

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qualquer possibilidade de trabalho inovador com os pequenos ( Brandão, 2009, p.49).

Assim me posiciono, de acordo com direito da criança em ingressar na

escola com seis anos de idade, porém, que seja na educação infantil, onde na

ordem prática da situação educacional é onde acontece o respeito às

peculiaridades da infância, pois ensino fundamental, pelo menos na cidade de

Sinop/ MT, é conceito de comprometimento com a leitura e escrita, como se

nada destes itens passassem pela corporeidade nesta faixa etária de

construção do conhecimento. Ou então já que a proposta está

institucionalizada no país, e a distancia entre um nível de ensino e outro é

bastante grande, é preciso fazer uma articulação que aproxime um trabalho do

outro no que diz respeito ao aspecto pedagógico, metodológico, relacionais.

Para o MEC (BRASIL 2004), é louvável, que para uma qualidade no

ensino principalmente com crianças de seis anos, faz-se necessário,

[...] planejamento e diretrizes norteadoras para o atendimento integral da criança no aspecto físico, psicológico, intelectual e social, o que implica assegurar um processo educativo respeitoso e construído com base nas múltiplas dimensões e na especificidade do tempo da infância.

Não podemos deixar para segundo plano o que deve ser primordial no

processo educativo, que é pensar na criança como um sujeito construtor de

uma história na qual é a história que ele se apropria como verdadeira, valorizar

somente as disciplinas vistas como primordiais no ensino fundamental em

detrimento das demais áreas é negar um ser único em sua essência cultural.

Conforme Moura apud Brandão e Paschoal (2009),

[...] mediante trabalho integrado é possível envolver as crianças num universo rico de possibilidades de aprendizagem, ajudando-as a perceber a escola como um lugar no qual se aprendam ―coisas legais‖ para a vida. Na escola, a criança pode viver uma grande experiência e enxergar esse espaço como uma ponte para unir pessoas na construção coletiva de um mundo melhor. (2009, cap.3, p. 54).

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É justamente o que se ―grita‖ tanto na escola, busca-se incessantemente

uma valorização do espaço escolar por parte dos alunos para que eles possam

visualizar significados educacionais e suas implicações na vida diária, para tal,

em se tratando de crianças de seis anos de idade, o movimento, e aqui vou

mais adiante, o movimento lúdico deve estar presente na rotina escolar,

independentemente das aulas de educação física, além de todos os benefícios

que o brincar oferece, é uma ação facilitadora diante do processo de adaptação

de passagem de um nível de ensino para o outro.

A infância, hoje, é considerada um dos períodos mais importantes da

formação do indivíduo. Se, antes, a infância era um período sem muitas

preocupações ou sem despertar qualquer interesse, hoje vivemos o oposto.

Buscamos mais e mais subsídios para entendermos e tratarmos as crianças,

porém, embora se saiba da importância da escola no período inicial,

aproximadamente até os seis anos da vida da criança, ainda assim é na escola

a criança passa a ser vista de forma compartimentada em corpo e mente,

momento caracterizado pela compreensão do abstrato e do ingresso no mundo

escrita. Momento ideal para domesticar o corpo em prol da aprendizagem

intelectual. Infelizmente, a privação da infância acontece entre os mais

diferentes lugares. Mas, sabemos que existem escolas superando essa

concepção, mesmo que ainda timidamente através de experiências isoladas.

Ou que pelo menos o discurso pretenda ser uma tentativa de articular o

movimento lúdico no processo de aprendizagem.

Negligenciar esse tempo da infância deveria ser proibido

institucionalmente, afinal à criança é o ―próprio corpo‖ e negar essa vivência é

negar o direito de ser criança. Na escola do ensino fundamental a criança é vis-

ta com prioridade sob seus aspectos cognitivos. É invisível, mas sentido,

percebido: a escola ― ensino fundamental ― não tem como foco a criança, e

sim seus pressupostos baseados nas verdades institucionais de ensinar a ler e

escrever e criar no aluno departamentos individualizados de informações.

Embora, dentro da escola, o discurso seja o oposto, mas quando se vive a

escola por determinado período considerável de quatro a cinco meses,

percebe-se claramente a diferença do discurso com a prática.

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3.3 Sala de aula: cadê a ludicidade que estava aqui?

Falar da sala de aula é preciso também a pensar em quem habita este

espaço tão particular no cenário escolar, e quais as suas aspirações.

Habitantes como professores e alunos compartilham, ou pensando melhor,

disputam a cena, na incessante busca de ensinar, para uns e de aprender,

para outros.

Para tal, trago os seguintes questionamentos, que a muito me inquieta

na escola, De quem é a sala de aula? Qual sua função no espaço escolar? O

que acontece por lá?

Para refletir tais indagações, é importante que se entenda também o que

é educar, assim considero pertinente a definição etimológica do termo

apresentada por Novaski21 em uma de suas produções, onde educar significa

―levar de um lugar para outro‖, que para o autor representa densidade de

vivências e experiências que se tem, é a interação entre duas pessoas que

configura e fundamenta um processo de ensino-aprendizagem. Quando há

esse encontro de pessoas possibilita uma possível troca de informações a

partir de mundos diferentes que se inter-relacionam e vai se acumulando em

conteúdos enriquecedores, propiciando a aprendizagem que seria a função

escolar em sala de aula.

Neste sentido de encontro interpessoal, o mútuo ―levar de um lugar para

o outro‖, leva-nos a pensar realmente em um processo de ensino e

aprendizado humano, de um ―conhecimento que se pode ter cada vez mais do

ser humano‖, ―do mundo humano‖ (Novaski, 2005), para a filosofia, diz o

mesmo autor, ―aprender o que é humano é fundamental nesse sentido: dele

derivam todas as aprendizagens‖ (2005, p. 13).

21

Augusto João Crema Novaski: Mestre em filosofia pela PUC de São Paulo, Doutor em Educação pela UNICAMP, onde leciona e chefia o Departamento de Filosofia e História da Educação, na Faculdade de Educação. Escreveu um artigo no livro organizado por Regis De Morais intitulado, Sala de aula: Que espaço é esse?19ª edição, editora Papirus, 2005.

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Ao falar da sala de aula temos que perceber que por vezes os conteúdos

a serem transmitidos e ensinados que devem ser cuidadosamente planejados

podem e deve ser vivida a aprendizagem que antes me referia, e que é uma

das aprendizagens mais importantes na vida: o humano. É importante salientar

que o professor em sala de aula, com sua gama de títulos e conhecimentos, só

terá sentido sua presença no espaço discutido se no decorrer da profissão

professor houver encontro com gente, percebe-se que na escola o aprendizado

está deixando de ser humano na iminência de ―tornar-se instrumento com o

qual me aproprio do outro, reduzo o outro a mão de obra barata por seu eu o

dono do capital intelectual‖ (NOVASKI, 2005).

A sala de aula é um ambiente multicultural, produtor e mediador destas

culturas, nela observamos multiplicidade de valores e crenças pessoais,

conhecimentos e regras familiares num mesmo espaço coletivo, segundo

Cortella (2009), não há ser humano fora de um processo cultural, temos que

admitir que se faça necessário, considerando a escola-sala de aula um

facilitador cultural que é pertinente o conhecimento deste homem, ―em suma o

homem não nasce humano, e sim, tornar-se humano na vida social e histórica

no interior da cultura‖ (CORTELLA, 2009, p.37).

Anteriormente dissemos que é preciso ―conhecer o humano, o mundo

humano‖, para tal, a sala de aula deve favorecer este aprendizado propiciando

atitudes deste processo de acessar informações ―com o outro‖ e também

ofertar suas perspectivas ―para o outro‖. Desta forma abordando uma

pedagogia crítica, seria o mesmo que associar a educação e a sala de aula

como um processo de descentralização do professor ou no aluno, mas sim na

formação do homem, ―o que se pode fazer pelo homem de amanhã‖ (NEIRA,

2004, p.15). Se pensarmos num espaço que contribua para a transformação da

própria sociedade já sairemos a frente na possibilidade de que cada criança

presente, é um agente facilitador e transformador em suas comunidades de

origem, saindo do espaço da escola.

Ainda em Neira (2004, p.17) ―ensinar compreende o plano da relação

humana (ambiente da sala de aula), o aspecto técnico (objetivos e conteúdos)

e todos os aspectos culturais da sociedade‖, concebendo que a cultura infantil

será levada para a sala de aula e não caberá dentro do planejamento do

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professorado, talvez devido às estruturas organizacionais, o ensinar, assim,

faltará algo de essencial, que é o de trabalhar com as várias culturas inclusive

a cultura lúdica, desfavorecendo desta forma a infância, e não contribuindo

para o desenvolvimento do ―homem de amanhã‖.

O ensino atual é impregnado da atuação do professor na preparação do

aluno para o trabalho, o que nos revela alguns momentos da pesquisa, que

cada vez mais cedo, estão instituindo-se estes valores (digo trabalho) na

instituição escolar. É quando nos preocupamos e com demasiado valor com o

ensino de nove, cujo, não possuímos opiniões contrárias, porém, temos

reconhecimentos de que a inserção do aluno com seis anos de idade no ensino

fundamental lhe garantirá mais um ano na escola, mas também lhe garantirá

mais um ano de trabalho e menos um ano de brincadeira e ludicidade — que

bem ou mal, rege a educação infantil ― que lhe cabe o direito. É notório e

sabe-se dos ideais políticos que envolvem as mudanças referentes aos níveis

de ensino, mas não me remeterei à tamanha discussão, penso que seria

preciso um novo estudo para abarcar especificamente o tema nesta esfera.

Prefiro trabalhar na proposta das conseqüências que acarretam para a criança,

a sua antecipação na entrada para o ensino fundamental.

Porém se continuar nesta estruturação de ensino, sem leituras e estudos

a respeito da faixa etária que atendemos, estaremos rompendo com a natureza

infância. Já vivemos em um período onde todas as informações estão à

disposição das crianças por diversos seguimentos tecnológicos e que fizeram e

fazem com que todos os ―segredos22‖ da vida adulta sejam revelados de forma

clara e objetiva pelos meios de comunicação, televisão, internet, telefones,

entre outros. Conforme relata Postmam (1999, p. 63), sobre o surgimento da

idéia de infância a partir da invenção da prensa tipográfica no século XVI por

Gutenberg, ―a tipografia fechou o mundo dos assuntos cotidianos com os quais

os jovens estiveram tão familiarizados na Idade Média‖, pois a partir daí inicia-

se o pensamento de que a criança deveria ser classificada como uma nova

sociedade, com roupas apropriadas, linguagem pertinente, literatura infantil,

cuidados especiais, com informações resguardadas que deveriam pertencer

22

A expressão ―Segredos‖ abordada por Neil Postman no livro ―Desaparecimento da Infância‖, quer dizer informações que deveriam ficar restritas à fase adulta, e que nem tudo as crianças deveriam saber.

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somente aos adultos. Bem como discorre Postman a idéia de infância não

surgiu de uma hora para outra, levaram se aproximadamente duzentos anos

para se transformar num processo de aceitação de uma civilização ocidental.

Mas onde quero chegar ao expor tais fatos? Primeiro que até que

acontecesse o surgimento de infância, houve muitas atrocidades com a criança

justamente por não haver uma diferenciação entre elas (crianças) e os adultos,

tudo o que se pensava numa sociedade medieval era para ambas, inclusive os

―segredos‖, as roupas, enfim, a criança era retratada como um adulto em

miniatura, e é justamente o ponto que eu quero discutir, que escola é esta, que

invadem e transformam as nossas crianças em pequenos adultos com apenas

seis anos de idade.

Quero dizer que através das minhas leituras sobre a invenção desta

infância, estamos revivendo o passado e regredindo quando subordinamos os

alunos a horas infindáveis de reclusão nas salas de aula, quando queremos

ensiná-lo um mundo que ainda não é próprio dele estamos ―adultizando‖ este

indivíduo, e mais quando lhe tiramos algo que faz parte de sua cultura lúdica

que é o jogo, o brinquedo e a brincadeira, ao meu ver, retrocedemos a idade

média, que não se importava com suas crianças. Como o próprio Postman

(1999, p. 18) nos disse, ―os jogos infantis, em resumo, são uma espécie

ameaçada‖, isso há onze anos, e agora, o que fizemos e faremos com eles, já

que nas ruas não há mais espaço para sua utilização, a escola poderia ser o

ambiente de resgate ao mesmos.

Se nos preocuparmos com as definições etimológicas das palavras ―jogo

e brincar e brincadeira‖, veremos o caráter frívolo, de alegria, associados com a

improdutividade com o prazer acabariam abarcando ideais banalizadores em

relação e utilização dos mesmos nos espaços escolares, o que acontece nas

salas de aulas pesquisadas, os reducionismos do jogo-brincadeira.

Como mediadores deste ambiente em que estamos refletindo que é a

sala de aula, deveríamos conhecer melhor nosso aluno (quem á esta criança

de seis anos), conhecê-lo como parte ou representante de uma classe, como

um sujeito produto e produtor de uma cultura, que possui marcar do passado

onde muitas vezes é na escola que ele pretende reelaborar este futuro, e não

encontra possibilidades de expressar-se, aí intervém o movimento lúdico, como

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forma de transformação e de liberdade de expressão em prol de dar ―voz‖ a

este aluno, seja qual for à linguagem que o mesmo se utilizará. Porém

oportunizar algo que a sala de aula silencia.

Penso numa educação permeada por um sentido mais amplo ao que se

aplica atualmente, somente a preparação para ser alguém na vida- bem

sucedido, que hoje é ser médico, advogado, empresário, é preciso ir além dos

bancos escolares, e perceber circunstancias que abarcam o conhecimento

espontâneo de uma comunidade, articulando com o conhecimento formal do

ensino escolar, mas sempre respeitando a infância à luz de suas

especificidades, uma delas é o direito de brincar, que lhe ensinará entre tantas

prerrogativas que a escola prega com veemência, a autonomia pessoal, que

em muitos espaços não lhes são dados devido ao cerceamento do movimento

lúdico.

A criança necessita agir para compreender e expressar significados

presentes no contexto histórico-cultural em que se encontra, ou seja, ao

transformar em símbolo aquilo que pode experimentar corporalmente, a criança

constrói o seu pensamento primeiramente sob a forma de ação. Por isto, a

criança necessita agir, se movimentar para conhecer e compreender os

significados presentes no seu meio. (GARANHANI, 2004).

Uma maneira de expressão corporal e movimento é o brincar, a grande

questão a ser examinada é que sempre que a brincadeira aparece na sala de

aula ela deve ser justificada pelos professores como se estivessem irregulares

em suas propostas de ensinar suas crianças, estabelecendo sempre uma

função no ato de brincar, ―[...] como uma maneira de orientar e estruturar a

aprendizagem das crianças para que elas estejam – este é o argumento -

adequadamente preparadas para a vida adulta e sejam ajudadas a aprender de

maneira apropriada à infância‖ (BRUCE, 2006, p. 223,) 23.

O brincar é visto na escola pelos professores e equipe diretiva como um

recurso mediador no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula,

tornando-o mais fácil enriquecendo o processo das relações sociais na sala de

aula, possibilitando um fortalecimento da relação entre o ser que ensina e o ser

que aprende.

23 Tina Bruce, colaboradora de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006.

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Na aula tradicional, o professor tem a palavra como poder e a autoridade

como reforço e condutor do conhecimento onde é necessário para dar-lhe

segurança perante a turma. Não obstante, o brincar ganha espaço na aula

modelada pela criatividade, espontaneidade e desafio do pensamento da

criança, numa perspectiva mais moderna. Em tal aula, busca-se criar um

ambiente de plena estimulação, envolto num clima de respeito mútuo, no qual o

professor procura ajudar o seu aluno a estruturar sua personalidade,

autonomia, auto-estima, iniciativa própria e conhecimentos.

Todavia, o brincar, na sala de aula, acrescenta ao currículo escolar uma

série de situações que ampliam as possibilidades de o aluno aprender e

construir e estruturar o conhecimento. O brincar permite que o aprendiz tenha

liberdade de pensar e de criar para desenvolver-se plenamente.

O movimento lúdico oferecido pela possibilidade de brincar em sala de

aula gera realmente um desconforto no professor, que é habituado a manter-se

no controle destes corpos em suas disciplinas, como língua portuguesa,

matemática, ciências e outros, onde predomina a situação do poder já dito no

parágrafo anterior, submetendo à disciplinarização dos corpos e do espaço da

sala de aula dos alunos que se encontram subdivididos em compartimentos em

determinadas horas do seu dia, para executar tarefas já estabelecidas. Essa

prerrogativa de transformar o indivíduo em departamentos e separar os corpos

no tempo e espaço é relatada por Foucault. Segundo o autor, ―esses métodos

que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a

sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-

utilidade, são o que podemos chamar as ‗disciplinas‘‖ (FOUCAULT, 1987,

p.126).

O sistema de controle aos quais os alunos estão sujeitos se mostra

articulado ao estabelecimento de regras e saberes tidos como verdadeiros e

aceitos no processo de educação como um todo, já está estruturado e

sistematizado como formas institucionais na educação incluindo no ensino

infantil, que aqui nomeamos crianças de seis anos, matriculadas no primeiro

ano do ensino fundamental.

A começar pelo mobiliário que preconiza o primeiro ano do ensino

fundamental, as mesas e cadeiras são iguais para todo o ensino fundamental,

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do primeiro ao nono ano. Modelos idênticos, às vezes podendo diferenciar o

tamanho como é o caso da escola da rede particular de ensino que foi um dos

locais pesquisado, porém, mobiliários que potencializam a socialização e a

comunicação como na educação infantil, já não é permitido nesta faixa etária

de ensino.

Outro aspecto que ajuda a diferenciar uma rede de ensino da outra, ou

seja, a particular da municipal seria a disposição em que são arranjadas as

carteiras na sala de aula, por mais que as crianças se sujeitem a mobílias

menos infantis, numa das escolas – da rede particular- ainda se dispõe em

formas de meia lua, formando semi-círculos com demais carteiras ao meio

como segue algumas fotos.

Fig.1: escola particular de ensino/2009.

Na rede municipal a organização da classe (mesas /cadeiras) é em filas,

uma atrás da outra ficando a cargo da professora a distribuição e a maneira de

trabalhar. Uma das falas da professora é pelo motivo de que o material é muito

pesado, é feito de madeira e são extremamente grandes para que haja

mudanças diárias da distribuição das mesmas.

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Fig.2: escola municipal de ensino/2009.

Nota-se o predomínio de atividades preparatórias para a leitura e escrita

em detrimento do brincar, desde os primeiros estágios infantis: desenhos

preparados, cópias de frases da lousa seguidas de um desenho relativo à

frase, recorte, colagem, entre outras atividades consideradas pertinentes na

sala de aula. A idéia de brincar está muito associada à Educação Física, ao

movimento e à atividade externa à sala de aula (pátio e parque) exemplifica, de

modo geral, as concepções dos profissionais de educação. Não se concebe o

brincar no interior da sala de aula, esse é o espaço privilegiado da atividade

pedagógica, caracterizando a função da escola como espaço para aquisição de

conteúdos.

Favorecer um espaço agradável para a brincadeira é função do adulto,

no caso da discussão, função das professoras que administram suas salas de

aula. O principio básico que deveria ser priorizado é a distribuição das mobílias

que como dissemos anteriormente são totalmente dispostas na intenção de

que não haja formas extensivas de comunicação. Na grande maioria há a

preocupação de se justificar momentos lúdicos dentro da sala, que é lugar para

silêncio, para corpos quietos, enfim, para o domínio do professor, sendo assim

mais fácil controlar as crianças no período em que se encontra sob seus

cuidados.

Ainda existem professores que relacionam o movimento lúdico,

momentos de descontração pelos educandos à bagunça e não a um

aprendizado. É comum observar-se cenas em que as crianças brincam

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sentadas em suas cadeiras retratando a imobilidade e o silêncio como desejo

do adulto do controle do corpo, como que para aprender a ler e escrever

sempre fosse necessário acontecer entre quatro paredes e em absoluto

silêncio oral e corporal.

Quando se remete a falar da sala de aula é bom lembrar-se da enorme

diferença que assola os dois loci de investigação. Não vou me ater na

discussão da diferença de investimentos financeiros que há entre ambas,

porém quero memorar como ambas são preparadas para receber as crianças

de apenas seis anos de idade, ou seja, ainda vive o faz-de-conta: a Paidéia.

Clara e evidente ao adentrar as duas salas de aula percebem-se a ―tristeza‖

que se instaura diante da monocromia no ambiente da rede municipal de

ensino. Por mais que há um esforço da professora em melhorar tais aspectos

não se compara a sala da rede particular de ensino, alegres e coloridas,

recheada de atrativos, personagens nas paredes, nomes dos alunos, letras e

números destacados. Assim dá ―um pouquinho‖ mais vontade de estudar.

Fig. 3 – Rede Particular de ensino Fig. 4 – Rede Municipal de ensino

Um ponto a ser relatado e que faz diferença, é a relação entre o universo

vivencial dos alunos e o que é feito em sala de aula pelos professores que

causa tanta resistência pelos alunos, assim nos diz Cortella (2009, p. 96)

[...] é só observar a alegria com a qual chegam, algazarra no portão, os gritos no pátio; de repente, toca o sinal e vão, cabisbaixas, para a sala de aula, onde ficarão quietinhas (à força?). Toca o sinal do intervalo, saem correndo, esfuziantes, colocando em risco até a própria segurança; acabando o intervalo, retornam melancólicas [...].

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Percebe-se a partir deste relato que os meninos adoram ir para a escola,

mas não gostam de entrar para suas salas de aula, que ali caracteriza o

momento de estudar, o ―estado de esquina de rua‖, como nomeia McLaren

(1991), caracterizado por comportamentos descontraído, sem vigilância, é a

expressão exuberante dos corpos contorcidos emanados em contatos físicos e

desgovernados. Os alunos são donos do seu próprio tempo. É uma atitude que

pode ser observada nas ruas, pátio da escola, parques que são transferidos

para dentro das escolas em momentos descontraídos, se é que eles existem

em tal ambiente.

McLaren nos relata também o momento de sala de aula como sendo o

―estado de estudante‖, onde se processa o poder de dominação dos

professores em relação aos alunos sem o uso da força. É a adoção de gestos,

disposições, atitudes e hábitos de trabalho esperado de ser estudante, cujo

principal tema é ―trabalhar duro‖. Constitui também pelo desconforto dor e

opressão, provindo da grande quantidade de tempo em que as crianças

passam sentadas nas carteiras, ao serem vigiadas pelo professor:

Fig. 5 – Rede municipal de ensino Fig. 6 – Rede Particular de ensino

Venho ressaltar que a escola consequentemente os professores nas

salas de aula, devem buscar uma harmonia entre seus métodos e estratégias

de ensino na preocupação de equilibrar o ―estado de estudante‖ e o ―estado de

esquina de rua‖, equilibrar as ânsias dos alunos com o que nós professores

queremos transmitir relacionados aos conhecimentos das disciplinas e

informações sistematizadas. Deixar o ambiente da sala de aula mais lúdico,

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autônomo, propiciando a fala dos alunos, novas ideias, movimento de interação

e comunicação. Uma sala de aula onde o conhecimento caminha livremente. O

estado de ―esquina de rua‖ é muito animado, alegre e preferido pelos

estudantes, vejam as fotos que seguem:

Fig. 7 – Rede Particular de ensino Fig. 8 – Rede municipal de ensino

É correto afirmar que há momentos dentro da sala de aula em que os

alunos rompem as convenções pré-estabelecidas e se expressam como se

fossem donos do seu próprio tempo naquele cenário.

Uma comparação da sala de aula com outros ambientes sagrados como

cultos nos mostra como está instituído o sistema educacional, assim Cortella

(2009, p. 98-99) aponta que ―para uma infinidade de educadores, a sala de

aula é um lugar de culto, com as seguintes características‖:

[...] a sala é um lugar de uma cerimônia com rituais quase religiosos: a aula. Como no interior de um templo, requer silêncio obsequioso, um celebrante que domine os instrumentos do culto e fiéis conscientes de sua fragilidade na produção da cerimônia. [...] nesse lugar, a disposição espacial obedece à hierarquia: o celebrante à frente [...] aos fieis cabe arrumarem-se ordenadamente, em filas ou círculos [...]. É o celebrante que dá inicio ao culto, quem o dirige e quem tem poder de interrompê-lo [...]. Dos demais participantes é esperado que se pronunciem quando avocados [...].

E assim funciona a sala de aula, o professor no comando de seus fiéis

alunos, que somente pronunciam-se quando são permitidos a tal fato, e devem

comportar-se de forma organizada e respeitosa com aquele que conduz o

aprendizado — o professor. Se pensarmos nas crianças freqüentando um

destes ambientes, podemos entender o desgosto em comparecer à sala de

aula, afinal, qual seria o interesse de uma criança num espaço frio e sem

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espaço para o movimento lúdico, para expressão corporal, maleabilidade,

oralidade enfim sem espaço para a vida, que tem se perdido na escola, a

alegria e a vivacidade.

Cortella afirma que

[...] um dos componentes fulcrais do comportamento infantil e adolescente é o lúdico (que os adultos parcialmente represamos em nós, e neles) e a amorosidade, e a sala de aula deve ser, portanto, antes de todo o mais, o lugar de uma situação com contornos amorosos: a aula (p. 101)

A sala de aula também é um lugar para relações afetivas, conflituosas,

de rejeições, paixões, confrontos, ―por isso essa sala exala humanidade e

precariedade‖24. Por ser um ambiente que circulam várias emoções e

sentimentos aqueles conteúdos que parecem fúteis aos olhos dos alunos

fazendo-os gostarem da escola e não da sala de aula, podem tornar-se

atraentes quando ensinados

3.4 Brincar e aprender: ou será brincar ou aprender?

Neste sub-capítulo, discutiremos as relações existentes entre o brincar e

as formas de ensino-aprendizagem na escola, bem como considerações de

como é explorado a brincadeira, o brinquedo e o jogo25 no cenário escolar.

A primeira infância26, em sua essência corporal, deveria ser motivo de

alegria, vivenciar o lúdico e promover prazer é transformado em incômodo para

a escola, a sala de aula deveria ser mais viva, recorrendo a uma aprendizagem

significativa que privilegiasse a criança em sua integralidade, ―[...] que é um

corpo, que sente o corpo, que vive esse corpo e que expressa suas emoções

por intermédio desse corpo‖ (CATUNDA, 2005, p. 31).

24

Cortella (2009, p. 101). 25

Jogo, neste texto será empregado como o jogo infantil, sinônimo de brincadeira e de brinquedos. 26

Aqui no texto compreende crianças de até 6 anos de idade.

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Quando a criança perpassa a educação infantil e adentra o espaço do

ensino fundamental, as relações com a brincadeira e o movimento ficam

restritas às aulas de educação física e aos recreios, pois a partir daquela fase o

ler e escrever são o que está em pauta para o sujeito, desta forma é importante

lembrar que a criança que é inserida nas salas de alfabetização ou do primeiro

ano, possuem seis anos de idade, ainda com necessidades específicas de

envolver-se intimamente com o movimento corporal e lúdico.

O uso de atividades lúdicas é um instrumento de estimulação prático,

utilizado em qualquer fase do desenvolvimento infantil e para qualquer criança,

apresenta grandes benefícios diante dos aspectos físico, intelectual, social e

didático para a criança. Podemos afirmar que a ludicidade é uma estratégia de

ensino viável e importante, para quem trabalha com crianças e

adolescente,quem disse que o jovem que ingressam no ensino fundamental

após o sexto ano, não gostam de brincar? Os cursinhos pré-vestibulares

utilizam-se da música e instrumentos musicais para estimular a prendizagem

deste jovem, então como é possível, a professora alfabetizadora negar a

ludicidade que é tão próprio da infância na faixa etária de seis anos, que é a

idade dos sujeitos da minha pesquisa?

Desde o nascimento o ser humano percorre fases na constante busca

de construção de um conhecimento significativo. As primeiras conquistas dos

seres humanos são simbologias e passam por diferentes fases, tendo origem

nos processos mais primitivos da infância. Vale salientar que a criança aprende

pelo corpo, é através dele que explora e se relaciona com o meio em que vive.

É observando, olhando, conhecendo, tocando, manipulando e experimentando

que se vai construindo conhecimento. Este movimento lúdico permitem às

crianças identificar, classificar, agrupar ,ordenar, seriar, simbolizar, combinar e

estimar na expectativa de produzir conhecimento.

Podemos dizer que o ato de jogar e brincar acompanha a história do

homem, e a evolução para a descoberta da infância, pois este sempre

demonstrou um impulso para o jogo, portanto através dele e do brinquedo, o

mesmo reproduz e recria o meio circundante.

Desta forma, é correto dizer que a brincadeira simbólica fornece à

criança a possibilidade de ir a outros espaços, viver suas respectivas

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experiências e voltar novamente ao seu próprio mundo. A criança, ao brincar,

exercita sua capacidade de trabalhar com fatos reais de formas cada vez mais

abstratas, bem como constrói sua realidade, tanto pessoal quanto social.

Brincando, a criança toma consciência de si mesma como ser agente e criativo.

A relação do brincar produz e reproduz emoções, possibilitando nomear e

organizar um mundo de caos para um mundo de descobertas, facilitando a

abertura para o campo cognitivo.

No jogo da busca do conhecimento, onde se pode brincar, jogar e

determinar um espaço e tempo surreal, onde tudo é possível, um espaço digno

de confiança, onde a imaginação pode desenvolver-se de forma favorável,

onde se pode viver entre o real e o imaginário, este é o lugar e tempo propício

produzir conhecimento. Na perspectiva de Santos:

[...] o grande desafio é alfabetizar a criança a partir de seu próprio cotidiano, sem deixar de lado a aprendizagem social (conhecimento elaborado historicamente), respeitando seu processo global de desenvolvimento e [...] quanto mais significativo o conhecimento for para o aprendiz, maior e mais adequada será sua relação com o mundo social e com a natureza. É bom lembrar que onde há criança, há movimento, barulho, risos e música. (1998 p.63).

Na verdade o que vejo nos ambientes educacionais é que é bem mais

fácil lidar com os corpos presos em carteiras do que com os corpos livres que

fogem do poder de controle exercido pela escola. ―O controle da sociedade

sobre os indivíduos não se faz apenas através da consciência ou da ideologia,

mas também no corpo e com o corpo‖. (FOUCAULT, 1994, p.80)

As regras e deveres são muitos e variados na sala de aula, sempre

proporcionando a distância social e corporal, não estou fazendo aqui um

discurso em favorecimento da desordem, do aprender somente através da

ludicidade e corporeidade, mas percebo que o fator transmitir conhecimento

tem acontecido somente com rigidez nos comportamentos dos

educadores/alfabetizadores, e as crianças assim buscam subterfúgios para

burlar tantas ordens a serem cumpridas.

Na infância, o corpo em movimento, o movimento lúdico, constitui o

alicerce para a aprendizagem pelo fato de administrar as significações do

aprender, ou seja, a criança transforma em símbolo aquilo que pode

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experimentar corporalmente e seu pensamento se constrói, primeiramente, sob

a forma de ação.

Portanto é fundamental o resgate do tempo de brincar em sala de aula,

entendendo a ação como um ato educativo e como possibilidades lúdicas no

processo de construir conhecimentos, promovendo a interação da criança com

o meio, com objetos e com o outro, na qual ela possa assim construir e buscar

conhecimentos significativos ao seu mundo infantil. Temos que enxergar o

brinquedo no ambiente escolar como facilitador e mediador da aprendizagem e

deixar de vê-los como fúteis e para serem usados para preencher o tempo

livre. Segundo Friedmann (2003, p.14):

O brincar oferece-nos a possibilidade de que nos tornemos mais humanos, abrindo uma porta para sermos nós mesmos, poder expressar-nos, transformar-nos curar, aprender, crescer. O brincar surge como oportunidade para o resgate dos nossos valores mais essenciais como seres humanos [...].

Em Arribas (2004), complementando Friedmann (2003):

Os desenvolvimentos físicos e perceptivos têm uma grande importância para a criança, já que o corpo constitui a base orgânica na qual se assentará a personalidade infantil. O corpo é um instrumento que permite realizar os processos básicos de adaptação ao meio exterior e é o canal de comunicação com os demais seres humanos (2004 p. 35-36).

Tanto Friedmann, quanto Arribas, nos permitem fazer uma articulação

entre o ―brincar‖ e o ―corpo‖, em que ambos possibilitam possibilidades de

comunicação, de exploração do meio circundante, oportunidade de adaptações

externas, vínculos com a infância, são carregados de valores humanos, enfim,

estabelecem uma pareceria fundamental para o desenvolvimento e o

crescimento infantil.

O momento de transição da criança da Educação Infantil para o Ensino

Fundamental é interessante por ser tradicionalmente considerado um rito de

passagem, uma ruptura. Preocupa e inquieta-me bastante, pois a Educação

Infantil costuma ser identificada como uma ―escola para brincar‖, enquanto no

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Ensino Fundamental considera-se que a criança já está ―pronta‖ para aprender,

segundo Kramer, 200727.

O brinquedo é parceiro inseparável da criança na brincadeira, Amorim

(1994, p. 15) através de uma observação do brincar da criança articulando com

sua forma de aprender na escola, nos revela o seguinte:

Descubro, assim, que as brincadeiras infantis são a forma própria da criança aprender e dar sentido ao mundo que encontra. Brincar é coisa séria. Do mesmo modo que para o adulto, brincar com o que não é importante não tem graça.

Quando ouvimos ou lemos a expressão, ―brincar é coisa séria‖, dita

inclusive em Amorim na citação acima descrita, e também utilizada por outros

estudiosos do assunto, gera a impressão ao censo comum que o conceito de

―seriedade‖ conota o sinônimo de ―sisudo‖, ―cansativo‖, assim a idéia de algo

que é realizado com muito esforço, com sofrimento. Para correlacionar o

contexto da expressão, apropriei-me das palavras de Cipriano Carlos Luckesi

numa de suas produções28:

[...] poderíamos configurar o sério como aquilo que é profundo, aquilo

que é cuidadoso. Então, o sério será o oposto de leviano, de

superficial, porém não o oposto de leve e de prazeroso. Leviano e

leve são coisas bem diferentes.

Diante deste conceito apresentado e das observações na escola, brincar

é uma atividade tão profunda quanto qualquer outra atividade do ser humano,

que seja cuidadosa, criativa e produtiva. Essa compreensão nos leva a não

mais desqualificar o brincar na escola em detrimento ao estudar, assim o ato

de brincar se torna sério porque é profundo. Profundo sem deixar de ser leve e

prazeroso para a criança, ou para quem se apropria do brincar.

27

KRAMER, Sonia. A infância e sua singularidade. In: Caderno de Orientações para inclusão da criança de seis anos no Ensino Fundamental de nove anos. MEC: www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ensifund9anobasefinal.pdf Acesso em junho/2007. 28

Brincar II: brincar e seriedade, este texto foi publicado originalmente em www.faced.ufba.br / RD Disciplinas / Gepel – Educação e Ludicidade, por Cipriano Carlos Luckesi

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Brincar no ambiente escolar, principalmente no ensino fundamental, nas

turmas de primeiro ano ― crianças com seis anos de idades ― deve ser uma

prática adotada não somente nas aulas de educação física, mas também como

prática pedagógica em sala de aula. Esta criança de seis anos está no ensino

fundamental antecipadamente de acordo com a lei promulgada pelo governo

federal, somente como ato de garantir seu ingresso nas redes de ensino

público, porém não podemos banalizar o fato da faixa etária que é relevante

quando se trata de aspectos maturacionais na infância. O fato de ela estar no

ensino fundamental não que dizer que ela não deve mais brincar, devemos

considerar que é apenas uma criança que está se tornando uma vítima do

processo educacional, quando lhes tiram o direito de brincar.

É preciso destacar, como dito num dos capítulos anteriores, que a

brincadeira tem hora marcada para acontecer na sala de aula do ensino

fundamental: ―quando der tempo‖, e neste nível de ensino, sabemos que o

cenário do jogo é fundamental para levar nossos alunos a criar hipóteses,

propor soluções, internalizar idéias, conhecimentos, habilidades e

competências, assim faz-se necessário romper com a visão reduzida do

―brincar‖ na escola, adotando concepções amplas que possam permear a

prática docente. ―O brincar precisa desprender-se, libertar-se dos discursos

para ser resgatado na pele de cada brincante, no cotidiano do viver‖.

(FRIEDMANN, 2003, p.16).

Quando tratamos do assunto em questão ligando o ato de brincar com

as possibilidades de aprender, quero explicitar que aprender vai além dos

conhecimentos sistematizados em sala de aula. É preciso entender que esta

relação acontece diante do fato de a criança em primeira instância ―aprender a

brincar‖, ou seja, a brincadeira humana supõe um contexto social e cultural, ela

não é natural. Partindo desta premissa Brougère nos esclarece:

A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura. É preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu ambiente imediato, em parte estruturado por seu meio, para se adaptar às suas capacidades. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social. Aprende-se a brincar. (2004, p.97-98).

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É de extrema importância compreender o brincar como uma atividade

social, que permite desta forma a interação e a construção da realidade pela

criança, para não cairmos no reducionismo de que a brincadeira seja natural da

criança, mais sim na idéia de conceber a brincadeira como um produto de

diversas interações sociais desde o nascimento.

Nessa atividade humana as crianças brincam e se divertem (dimensão

lúdica). Mas, além de se divertirem, elas estão aprendendo com e pelo brincar

do outro. Uma criança que mostra sua brincadeira está ensinando como é que

se faz naquela situação e se assim o faz é porque tem alguém para aprender

(dimensão pedagógica). Divertindo-se, aprendendo e ensinando, as crianças

criam e recriam códigos e regras estabelecendo papéis sociais e condições

éticas para o brincar (dimensão cultural).

Quando brincam, as crianças estão engajadas umas com as outras

construindo e partilhando significados sobre a realidade que as circundam,

podemos dizer que toda brincadeira é uma imitação da vida real, porém,

transformada no plano das idéias e das emoções infantis.

Esta natureza social que a brincadeira se institui, advém do fato da

criança, desde a mais tênue idade possuem necessidades de se comunicar e

compartilhar de uma vida simbólica com adultos e outras crianças. O brincar é

uma atividade sociocultural, origina-se nos valores, hábitos e regras de um

determinado grupo social, a criança se apropria de um código cultural e social

do meio em que habita, através das vivencias que a elas são oportunizadas.

A partir do momento em que a criança possui o desejo de utilização de

um brinquedo que evoque a brincadeira, e que ela passe pela experiência da

posse e das negociações necessárias com os outros, ela entra no universo

social do consumo, das barganhas, do contato com o outro em prol de uma

conquista pessoal. A socialização deve ser entendida como ―[...] um processo

de apropriação e de reconstrução a partir do contato com o brinquedo‖

(BROUGÈRE, 2008, p.74). Esta construção de relações sociais e culturais, é

instituída na sociedade infantil através do suporte oferecido pelo brinquedo

para a realização da brincadeira, assim somente poderá ser percebida através

da entrega total ao jogo e do uso que se faz do objeto no processo de

transformar uma realidade vigente.

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Como brincar não oferece à criança muitas responsabilidades, afinal

está apenas brincando, como muitos adultos assim dizem, é o momento de

entrega total à brincadeira, que favorece ao invés de normatizações, liberdade

de criação, invenção, de curiosidade e de experiências diversificadas, mesmo

em sociedades que não oportunizem as crianças os meios para isso.

É preciso entender que são etapas sequenciais na vida cognitiva das

crianças diante do processo de aprendizado, quando a criança brinca e

estabelece relação com o meio em que vive, elas se movimentam, correm,

manipulam objetos, saltam obstáculos, criam situações lúdicas que exploram

diversos aspectos corporais infantis, consequentemente, desenvolvem em suas

experiências brincantes habilidades e elementos motores que corroboram com

as facilidades no momento em que precisam aprender a ler e escrever, e

segundo Soares29 tais aspectos são fundamentais:

[...] as habilidades motoras de manipulação de instrumentos e equipamentos para que codificação e decodificação se realizem, isto é, a aquisição de modos de escrever e de modos de ler; aprendizagem de uma certa postura corporal adequada para escrever ou para ler; habilidades de uso de instrumentos de escrita (lápis, caneta, borracha, corretivo, régua, de equipamentos como máquina de escrever, computador...); habilidades de escrever ou ler, seguindo a direção correta da escrita na página (de cima para baixo, da esquerda para a direita); habilidades de organização espacial do texto na página [...] (SOARES, 2003, p.91).

Em seu texto Soares (2003) deixa evidente a importância dos aspectos

corporais na aquisição da escrita, quando relata que para aprender técnicas da

escrita é preciso desenvolver as habilidades motoras de manipulação,

aprendizagem de uma postura corporal adequada para escrever ou para ler,

habilidades de uso de instrumentos de escrita, a direção correta da escrita na

página e habilidades de organização espacial do texto na página, e enquanto

profissional de educação física, denomino tais necessidades de ―esquema

corporal‖ e não vejo outra maneira de despertar no aluno, senão através de

vivencias lúdicas.

29 Magda Soares, escritora do livro Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.

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Enxergar novas possibilidades no brincar sem cair no reducionismo,

visto na prática de muitos educadores nas escolas, permitirá ao aluno novas

experiências intelectuais, sociais e motoras, que fornecerá subsídios para a

prática do aprender a ler e escrever. Desta forma digo que o processo é

seqüencial, pois um fato articula-se ao outro, constituindo o aprendizado

infantil.

Para Vygotsky (1991), brincadeira é entendida como atividade social da

criança, que permite a construção da sua personalidade, também deve ser

percebida como uma situação imaginária precedida do contato da criança com

a realidade social.

O brincar é entendido pela criança como um desafio de situações já

conhecidas ou novas possibilidades, na obtenção de conhecimentos,

informações, habilidades, descobertas, invenções e ações. Ela usa o

movimento nas brincadeiras para relacionar-se com as pessoas e com o

ambiente. Por meio do lúdico, descobre suas emoções e a existência do outro,

suas possibilidades e limitações. Através da brincadeira, do brinquedo e dos

jogos, é possível aprimorar fatores como a cooperação, a imaginação, a

criatividade a auto-estima e o auto-controle. Porquanto, ―as brincadeiras

espontâneas de nossas crianças não são arbitrárias: são dinâmicas corporais

ligadas a territórios ancestrais de comportamento‖ (MATURANA; VERDEN-

ZÖLLER, 2004, p. 187).

Vygotsky (1991), também chama atenção para as brincadeiras que

permitem o desafio infantil, pois a ação do brincar é se suma importância para

a aprendizagem das crianças, pois o brincar é fonte de interação social e de

construção de conhecimentos que facilita e torna mais eficiente a

aprendizagem. A brincadeira favorece a criança a aquisição de novas

experiências, principalmente quando individual ou coletivamente ela cria e

recria novos jogos, brinquedos ou um novo universo.

Muito educadores ainda apresentam receios quanto à utilização dos

jogos ou brinquedos em sala de aula, devido à visão reducionista que a

sociedade educacional expressa ao brinquedo. De acordo com Kishimoto

(2003, p. 14):

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Conforme a visão que o adulto tem da criança e da instituição infantil, o jogo torna-se marginalizado. Se a criança é vista como um ser que deve ser apenas disciplinado para a aquisição de conhecimentos em instituições de ensino acadêmico, não se aceita o jogo.

É de acordo de muitos estudiosos do jogo, da brincadeira que ambos

devem ser entendidos como uma ação livre, com fim em si mesmo, com início

e fim estabelecido pelo aluno, o prazer de jogar, mas este jogo não teria lugar

na sala de aula, pois esta ação tem um fim predestinado pelo adulto, um

resultado a ser obtido, que seria a aprendizagem, assim destina-se ao jogo a

categoria de ―jogo educativo‖, aquele que adentra a escola com fins

pedagógicos.

O que precisa ficar claro é que quando me reporto ao brincar na escola e

mais especificamente em sala de aula, quero evidenciar que a atividade não

precisa ter somente fins pedagógicos, o brincar pode acontecer em vários

ambientes da instituição, pelo simples fato de explorar a brincadeira. Desta

forma, mesmo sem objetivos específicos elencados durante a ação, ela

promove uma interação motora com a criança inquestionável, as crianças de

seis anos em plena fase motora de movimentos fundamentais (GALLAHUE,

1998), possuem características especificas da faixa etária, que é preciso ser

respeitada, pela escola. A criança nesta fase em que se encontra é

característico a necessidade de explorar objetos diversificados e ambientes

diferentes, a criança precisa vivenciar experiências motoras que favorecem a

organização dos movimentos.

Tais experiências motoras na infância são adquiridas através da ação

―brincar‖, explorando objetos que durante a brincadeira se transformará em

brinquedo, e criando situações lúdicas que permitirá o movimento corporal

espontâneo da infância.

A sequencia de ideias que trago no texto possibilita a reflexão do brincar

no cenário escolar, pensando na construção do conhecimento infantil, ou seja,

brincar é essencial na infância, através do jogo, da brincadeira possibilita uma

ação que produz movimentos corporais diversos e espontâneos, se tudo que

queremos em sala de aula é que aconteça o aprendizado da leitura e da escrita

de forma significativa, no jogo podemos encontrar tais possibilidades, favorecer

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o encontro entre as crianças, promover a troca de informações, mesmo sendo

elas ―sobre como encaixar uma peça que estragou num brinquedo‖. Desta

forma, criam-se ambientes de socialização, de comunicação entre as crianças,

de estruturação dos esquemas corporais infantis, imbuídos na aprendizagem

escolar.

Conforme assegura Le Boulch (1986, p. 16), a construção mental de

uma criança se realiza gradualmente, de acordo com o uso que ela faz do

próprio corpo. A primeira instância, portanto, que auxilia seu desenvolvimento

intelectual, é a organização de seu esquema corporal. Isto significa que o

conhecimento do corpo deve ser compreendido não somente como algo

biológico e orgânico; que possibilita a visão, a audição, o movimento, mas

também, lugar que expressa emoções e estados superiores. Portanto, ―o

esquema corporal representa um verdadeiro marco referencial, permitindo a

cada instante, através dele, construir um modelo postural de nós mesmos‖

Aprender vai além de somente se relacionar com letras e números, para

Freire (1991) a aprendizagem formal, está presente de corpo inteiro. Pois o ser

que pensa é também o ser que age e que sente. O sujeito realiza-se e se

constrói movido pela intenção, pelo desejo, pelos sentidos, pela emoção, pelo

movimento, pela expressão corporal e criativa. Esta idéia do homem como

construtor de si mesmo marca o pensamento renascentista e coloca as

atividades humanistas como um projeto pedagógico de grande valor social. A

educação do corpo assume um papel significativo na história das idéias

pedagógicas, sendo o ser humano elemento fundamental de toda a educação.

Assim o homem instituiu várias formas de comunicação que não fosse

incorporada somente na expressão verbal, mas também possibilitando a

comunicação através do movimento lúdico.

Segundo Donaldson (1978) apud Bruce (2006, p. 224),

[...] as crianças apresentam um desempenho melhor em tarefas nas quais estão absorvidas, que produzem ―sentido humano‖ para elas. Quando as tarefas fazem parte do contexto de sua vida cotidiana, quando elas tem propósito e função, as crianças obtêm melhores resultados.Sua auto estima é mais elevada.Elas são mais confiantes[...].

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Uma das preocupações com o aprendizado infantil faz parte deste

contexto pessoal, onde cada criança ao chegar na escola leva consigo suas

frustrações pessoais, suas limitações internas e que os professores avaliam e

trabalham com as dificuldades em sala de aula na possibilidade de assim saná-

las, a brincadeira faz esta função de modo natural para a criança, ela ensina,

leva o aluno a pensar e resolver problemas e situações de conflitos,

propiciando o desenvolvimento de capacidades jamais conhecidas por eles.

Para João Batista Freire, (1989 p. 128), ―corpo e mente devem ser

entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos

devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o

corpo) para transportar‖.

Como discorre Rosa30, ―sendo o corpo em movimento, o meio pelo qual

a criança se relaciona com mundo dos objetos, faz se necessário e

indispensável desenvolver a consciência corporal para estar disponível a

aprender‖ (2009, p.23). É de fundamental importância que a criança possa

expressar-se com seu corpo, em seu corpo, imaginando e reconstruindo o

movimento igual ao que faz com a palavra, a escrita ou o desenho. Mas, não

experimenta somente o seu movimento, observa os demais e reconhece o seu

valor expressivo, em relação com os outros, em relação com o grupo.

Na infância, o corpo em movimento constitui a matriz básica da

aprendizagem pelo fato de gestar as significações do aprender, ou seja, a

criança transforma em símbolo aquilo que pode experimentar corporalmente e

seu pensamento se constrói, primeiramente, sob a forma de ação

(GARANHANI, 2004).

Na condição de educadores e estudiosos, não podemos descartar algo

que está intrínseco na vida infantil, o jogo, o brinquedo e as formas de

brincadeiras que lhes são pertinentes, à escola cabe a função de propiciar o

espaço para que as crianças possam se manifestar ludicamente, não enquanto

ambiente físico, mas também possibilidades, permissão á ação de brincar, a

atividade lúdica prepara a criança para as atividades intelectuais e sociais, a

criança constrói seu corpo, identifica-se no mundo em que vive, elabora

30

Organizadora do livro: Lúdico & Alfabetização, 2009, e autora do livro: Atividades Lúdicas: sua importância na alfabetização. Curitiba: Juruá Editora, 2008.

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hipóteses, o autoconhecimento, descobre e aprende com o outro e com

objetos, justamente pelo aspecto de liberdade que a brincadeira favorece.

Trazendo um dado da pesquisa para enriquecer o texto, em um dos dias

das observações na Escola Municipal Paraíso, um aluno brincava de trator,

espontaneamente, e sem a permissão da professora, ele próprio encontrou as

representações necessárias para a brincadeira, a carteira se transformou no

trator, a cadeira onde tinham seus pés apoiados, era o acelerador e a

embreagem como ele mesmo relatou:

[...] esse trator vai voar, aqui (cadeira) vai ser de pisar o pé e acelerar, e pra dirigir é só pegar o caderno, as estradas vai ser na fila mesmo, está transito parado, cheio de trator na fazenda. (fala do aluno Gustavo

31)

Jogar e brincar, não reporta somente benefícios físicos à criança, é uma

vivência lúdica acompanhada de interação social, afetiva e cognitiva, portanto,

concordo com Brougère ao criticar aqueles que consideram o brinquedo um

objeto fútil sem importância e assim ele defende:

Se o brinquedo é um objeto menor do ponto de vista das ciências sociais, é um objeto de profunda riqueza. A sua sombra, a sociedade se mostra duplamente naquilo que é mais, sobretudo naquilo que se dá a conhecer as suas crianças. Assim sendo, mostra a imagem que faz da infância. O brinquedo é um dos reveladores de nossa cultura, incorpora nossos conhecimentos sobre a criança ou, ao menos, as representações largamente difundidas que circulam as imagens que nossa sociedade é capaz de segregar (Brougère, 2000, p. 98).

É nesta perspectiva, do brinquedo e da brincadeira, do jogo e do

movimento que a ludicidade deve ser pensada e proposta enquanto prática em

sala de aula, deixando de ter espaço somente na hora do recreio, para fazer

parte da prática pedagógica, oportunizando a criança vivenciar a magia, o faz-

de-conta, dentro do plano real. Na narrativa de Rosa (2009, p.68), nos remete

qual é a idéia do resgate do lúdico associado com a aprendizagem:

31

Coleta de dados, na Escola Municipal ―Paraíso‖. Durante a correção de caderno pela professora, ele aproveitara o momento para brincar em seu espaço privado, a sua carteira e cadeira de madeira muito pesada e de difícil deslocamento. Captei esta fala do aluno por estar bem próximo a ele.

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A criança deve perceber que das atividades lúdicas surgirão as atividades de linguagem oral e escrita; sem, no entanto, isso ser uma regra, estando intrínseco em cada explicação da brincadeira pela professora, em cada relato de jogo pelos alunos, na motivação do aprender pelo aprender, sem cobranças, mas brincando; é como se estivesse no seu mundo, o infantil, aquele do qual a criança nunca deveria ser tirada, a não ser quando crescesse, e não pela mídia, pela necessidade de produzir, ou necessidade de imaturamente torna-se adulta.

O processo educativo é uma interlocução entre quem ensina com quem

aprende, o que observo em minha prática é que os alunos chegam até a escola

sem vontade de aprender e a necessidade do brincar ultrapassa qualquer

tentativa de mantê-los tradicionalmente em silêncio o tempo todo em sala de

aula.Minha preocupação é que as escolas estão se fechando cada vez mais,

deixando de fora as coisas boas e agradáveis que a cercavam.

Piaget (1976) diz que a atividade lúdica é o berço obrigatório das

atividades intelectuais da criança. Estas não são apenas uma forma de

desafogo ou entretenimento para gastar energia das crianças, mas meios que

contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Ele afirma:

O jogo é, portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação da real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem todos que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil. (Piaget 1976, p.160).

Conforme Freire (1989, p.76) [...] ―causa mais preocupação, na escola

da primeira infância, ver crianças que não sabem saltar que crianças com

dificuldades para ler ou escrever‖. Descobrir as habilidades de saltar, correr,

lançar, subir, entre outras, é importante para o desenvolvimento pleno do

aluno, como um organismo integrado, levando-se em conta que tais

habilidades são consideradas como formas de expressão do ser humano.

A escola não deve se preocupar em ensinar essas habilidades apenas

para que o aluno saiba executá-las bem ou para facilitar a execução das

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tarefas escolares, mas sim direcionar a aprendizagem para a formação integral

do aluno. A escola dentro de seus princípios documentais inclusive atende

todas as necessidades das crianças, inclusive a necessidade de brincar, do

movimento lúdico.

Brincar na escola é diferente de brincar em casa, tem uma importância

para a criança. Os brinquedos são do ambiente escolar, as possibilidades de

brincadeiras em grupo são maiores e várias crianças da mesma idade

costumam ficar sob a responsabilidade de poucos adultos, possibilitando

invenções de brincadeiras. Todos esses fatores influenciam os modos de

brincar e exigem uma reflexão por nós educadores. Na área da educação,

muitas vezes, a preocupação com o lúdico se manifesta apenas pela

quantidade de brinquedos disponíveis no acervo, sem se levar em conta os

significados que esses objetos carregam e quão importe é para o aluno a

manipulação dos mesmos.

O brincar na visão de Kishimoto vai além da distração e do divertimento

O brincar também contribui para o aprendizado da linguagem. A utilização combinatória da linguagem funciona como instrumento de pensamento e ação. Para ser capaz de falar sobre o mundo, a criança precisa saber brincar com o mundo com a mesma desenvoltura que caracteriza a ação lúdica (2008, p.148).

Na perspectiva desta autora, o que é importante na infância são as

oportunidades que a criança tem para brincar com a linguagem e o

pensamento, muito mais do que somente treinar na criança a aprendizagem da

língua ou formas de raciocínio. A situação lúdica livra a criança de qualquer tipo

de pressão ou punição, fazendo com que elas se mostrem naturalmente,

experimentem novas formas de falar, manipular objetos, se movimentar, enfim

executam habilidades intelectuais de forma natural que somente o jogo, o

brinquedo e a brincadeira poderiam favorecer.

Para Dewey em Kishimoto 2008, vários povos em diferentes tempos

contaram com o jogo como um segmento importante na educação das

crianças. ―Por certo, grande parte da vida das crianças é gasta brincando‖, seja

qual for a brincadeira, aquelas aprendida com outras crianças, com adultos ou

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criadas por elas próprias. Uma criança quando imita uma rotina de um adulto é

por uma necessidade particular de entrar num mundo que a priori não é dela, e

a imitação possui valores educacionais na medida em que ensina a criança a

observar seu meio, bem como os aspectos necessários para seu

desenvolvimento, em seu livro ao falar de Dewey, Kishimoto nos trás a

seguinte fala, brincando, ―elas observam mais atentamente e deste modo fixam

na memória e em hábitos muito mais do que se elas simplesmente vivessem

indiferentemente todo o colorido da vida ao redor‖ (2008, p. 99).

Portanto a atitude escolar de deter o corpo ou reduzir o movimento

lúdico e expressão corpórea repercute uma implicação restritiva sobre a

manifestação lúdica na escola de maneira que,

Como conseqüência dessa realidade, as manifestações do brincar e

do jogar no ambiente escolar são relevadas a um segundo plano, já

que não se trata de um conhecimento socialmente eleito como útil

pela sociedade. Uma hipótese que recata de forma concisa o porquê

desse fato é a de que o brincar e o jogar encontram-se na contramão

dos processos de produção do mercado (SNYDERS, 1988, p. 11).

Seguindo o pensamento de Snyders (1988, p. 11), no qual compactuo, a

escola apresenta-se em uma função bem distinta, sendo ela a de

[...] preparar os jovens para o futuro, para a vida de adultos, em

particular, para uma profissão. Esse é o papel essencial, inicialmente

por razões econômicas e técnicas evidentes; e também porque assim

uma resposta é dada ao desejo de crescer, de ser iniciado no mundo

dos adultos, de penetrar nos segredos que os adultos detêm; a

criança sente que se prepara para inserir-se e agir entre os ―grandes‖;

tem consciência de que o que se passa na escola é valorizado pela

sociedade — e não é considerado como uma brincadeira.

A ludicidade e o prazer no momento de aprender não se apresentam

dentre as propostas de se fazer educação. A imposição de preparar nossas

crianças para o trabalho é bastante forte mesmo quando falamos de crianças

de apenas seis anos de idade, que já são inseridas na escola e, aliás, cada vez

mais precocemente, com o intuito de serem bem sucedidas em seu futuro

próximo.

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E com esta concepção de educação, em que a escola desempenha a

função de preparar o indivíduo para ser inserido no labor, assim como relatou

Maffesoli (1999, apud GOMES, 2001, p. 49), em entrevista cedida à

Universidade da Sorbonne, o espaço para a interação lúdica fica cerceado na

escola, visto que ―o jogo se opõe ao trabalho, como aquilo que é frívolo contra

algo que é sério. A escola é uma instituição que vai dar a formação e o lugar

onde o indivíduo faz coisas produtivas‖.

Para a sociedade em geral, o trabalho passou a ter o quase único

significado de atividade produtiva e, portanto, se opondo a brincadeira. ―Até o

pensar, em nossos dias, passou a ser um ato produtivo ou um projeto de

trabalho. Nesse caso, o sentido de ―brincar à vontade‖ vinculou-se ao da

inutilidade, do desrespeito ou da não-seriedade‖ (Gomes, 2001, p.28). Desta

forma, o brincar livre não tem espaço na escola, nem partindo da perspectiva

de aprender, é visto como passatempo infantil, o brincar é inútil aos olhares do

adulto, e essencial pelos olhos da criança.

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106

4. METODOLOGIA ― O CAMINHO PERCORRIDO

Ao remetermos nossos olhares para a escola, enxergamos uma

diversidade de situações a serem investigadas em prol de levantar de dados,

analisá-los e interpretá-los de maneira a responder inquietações de tal

comunidade. Para tal foi preciso planejar a investigação seguindo etapas

fundamentais para validar os estudos de forma a ser aceito pela ciência.

Investigar o campo da escola e suas ações faz parte de uma

investigação social, que significa ingressar num espaço polêmico por sua

diversidade de questões que devem ser apontadas e resolvidas pelas

pesquisas, diante de fatos reais.

Para Minayo (2006, p. 47) ―é a pesquisa que alimenta a atividade de

ensino. Pesquisar constitui uma atitude e uma prática teórica de constante

busca [...]‖. Ao pesquisarmos, estaremos em contato com as diferentes

realidades que jamais se esgota, ―[...] fazendo uma combinação particular entre

teorias e dados, pensamento e ação‖.32 Pesquisar nos coloca frente à realidade

do mundo e constantemente atualizado em prol das indagações e construções

da realidade.

A escola é repleta de fatos reais e componentes de um grupo social em

constantes mudanças e representações, assim, podemos dizer que nela aplica-

se a pesquisa social com o intuito de investigar o ser humano em sociedade,

suas produções culturais e simbólicas. Investigar vem neste momento como

uma forma de respondermos a questões pessoais que nasceram de um fato

real específico e observado no campo escolar. Para retratar a pesquisa social,

utilizar-se-á da abordagem qualitativa pela qual há uma proximidade com o

campo social, podendo assim desenvolver a proposta de investigação dentro

das etapas científicas, verificando as características estabelecidas pelos

32

Id, Ibid, p. 47.

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métodos frente ao objeto de estudo a ser investigado pelo pesquisador,

proporcionando a credibilidade e veracidade dos fatos e analises.

A abordagem qualitativa permitiu um olhar multifocal do processo de

educação em sala de aula, com o uso de técnicas da Etnografia e com o

emprego de técnicas específicas a esta metodologia, possibilitando um quadro

geral do contexto social do lócus da pesquisa.

A particularidade deste estudo visa compreender e correlacionar à

escola e mais especificamente a sala de aula do primeiro ano do ensino

fundamental, na perspectiva da ludicidade, verificando como o brinquedo e a

brincadeira são percebidos no universo escolar, particularmente da infância e

regidos por adultos, aqui, os professores-sujeitos desta pesquisa.

4.1 Sujeitos: os atores

Participaram deste estudo quarenta e cinco crianças matriculadas no

primeiro ano do Ensino Fundamental, portanto pertencentes à faixa etária de

seis anos, cuja foi selecionada para a pesquisa, pelo motivo de que são

crianças que constituem a transição que aqui utilizei como ―rito de passagem‖,

ou seja, a transposição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, cuja

em minha práxis escolar, pude averiguar que esta faixa etária ficou vulnerável à

ruptura do brincar na fase educacional em que se encontra, na qual há uma

necessidade de cumprir conteúdos referentes à escolarização quando os

aspectos lúdicos e expressivos foram destituídos do processo da infância.

Para explicar melhor, os sujeitos foram escolhidos entre dois espaços de

pesquisa, ou seja, uma escola da rede particular e outra da rede municipal de

ensino da cidade de Sinop no Estado de Mato Grosso. Elegemos vinte e um

alunos (21), destes, catorze (14) do sexo feminino e sete (7) do sexo masculino

pertencentes à escola particular e vinte e quatro (24) alunos, sendo, quinze

(15) do sexo feminino e nove (9) do sexo masculino procedente da escola

municipal.

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Sabe-se que a principio os sujeitos correspondem a um número bastante

elevado para a investigação, mas segundo Minayo 2006, pode-se considerar

que uma amostra qualitativa ideal é a que reflete a totalidade das múltiplas

dimensões do objeto de estudo, que no caso são os comportamentos dos

estudantes na sala de aula. Alguns critérios foram observados na escolha dos

sujeitos, como,

[...] (b) assegurar que a escolha do lócus e do grupo de observação e informação contenham o conjunto das experiências e expressões que se pretende objetivar na pesquisa; (c) privilegiar os sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador pretende conhecer; (d) definir claramente o grupo social mais relevante, ou seja, sobre o qual recai a pergunta central da pesquisa, centralizar nele o foco das entrevistas, dos grupos focais e da observação; (e) dar atenção a todos os outros grupos que interagem com o do foco principal, buscando compreender o papel de cada em suas interações.

33

Desta forma consideramos uma quantidade elevada de sujeitos e depois

conhecendo melhor o campo de pesquisa, pudemos focar naqueles que

forneceram dados relevantes e não desprezar os coadjuvantes que interagiam

com os demais alunos em todos os momentos da investigação, gerando fatos

para a pesquisa. Foi importante começar o estudo de tal forma, pensando em

possíveis desistências dos alunos nas aulas, principalmente na escola pública,

e outros imprevistos como a não autorização dos pais na referida pesquisa.

Para a observação fizeram parte todos os alunos do primeiro ano do

ensino fundamental de ambas as escolas. Para a entrevista foram

selecionadas cinco (5) crianças de cada escola, seguindo os critérios de

focalizar no grupo que mais apresentou informação relevante ao objeto de

estudo. Desta forma, para preservar a identidade das crianças entrevistadas

adotei um formato de siglas que se procedeu da seguinte maneira:

33

Minayo, 2006,p. 197.

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109

NOME ESCOLA

SEXO

SIGLA

ADOTADA

Aluno 1 (AL 1) Particular (P) Masculino (M)

Feminino (F)

AL1-P-M

AL1- P-F

Aluno 1 (AL 1) Municipal (M) Feminino (F)

Masculino (M)

AL1-M-M

AL1- M-F

Professora

(PROF)

Municipal Feminino PROF-M

Professora

(PROF)

Particular Feminino PROF-P

Fonte própria.

4.2 A escola: o cenário

Para as inserções da pesquisa, foram escolhidas duas escolas da

cidade de Sinop/Mato Grosso: o Colégio ―Cristhiane Archer Dal‘Bosco‖, parte

da rede particular de ensino, onde estão sendo realizada a observação de vinte

e um alunos (21), destes, catorze (14) do sexo feminino e sete (7) do sexo

masculino.

A entrada no ambiente da pesquisa, neste, em particular, foi tranqüila,

devido já fazer parte do meu convívio pessoal, porém gerou uma confusão por

parte da equipe diretiva e da professora da sala de aula na questão de tentar

me abordar como uma auxiliar da turma, inicialmente colaborou com algumas

submissões até que todos pudessem entender a verdadeira função do

pesquisador. Após trinta dias da minha presença em sala de aula, todos se

adaptaram e não percebiam com tanta veemência minha estada.

A escola está localizada na região central da cidade, compreendendo de

um prédio com dois pisos de estrutura física, quadra poliesportiva, uma piscina

pequena de uso da educação infantil, gramados arborizados, campo de futebol,

área para lanche com cantina, laboratório de informática, salas de aula e

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biblioteca. Enfim um espaço que favorece o movimento lúdico dos escolares

em perfeitas condições de práticas.

Mais especificamente o lócus da pesquisa ― a sala de aula ― é muito

agradável, com uma boa ventilação e luz natural que ilumina o espaço. As

paredes são multicoloridas, cartazes ilustrativos, painéis com desenhos, figuras

e imagens. Letras e números completam o cenário alegre e acolhedor.

Seguindo na apresentação do espaço, as carteiras são dispostas em um

semicírculo, ao redor das duas paredes laterais e do fundo da sala, e o restante

no meio do semicírculo em duas fileiras de frente para o quadro, e assim

permaneceram todos os momentos que foram solicitados pela pesquisadora.

O segundo lócus de interferência do estudo foi a Escola Municipal

―Jardim Paraíso‖ da rede pública de ensino, cuja análise fez-se com vinte e

quatro (24) alunos, sendo, quinze (15) do sexo feminino e nove (9) do sexo

masculino. Aqui, a entrada da pesquisadora foi permitida após a apresentação

do cronograma de pesquisa e da carta de apresentação pela instituição que

promoveu a investigação.

A escola municipal segue um padrão de arquitetura de escolas públicas

da cidade, ou seja, salas de aula construídas sem ventilação, com janelas

basculantes situadas nas duas laterais da sala, porém em uma altura

considerável, que dificulta a entrada e a circulação de ar, transformando o

prédio em um ambiente inóspito, considerando o clima quente de Mato Grosso.

Nas paredes, com alguns cartazes referentes aos conteúdos trabalhados, a

sala possui uma pintura acinzentada deixando o local escuro e ―triste‖. Existem

acima do quadro verde, o alfabeto e alguns números.

As carteiras são desproporcionais ao tamanho das crianças, são

grandes e altas demais, além de pesadas pelo fato de ser feitas de madeira,

tornando assim quase impossível a constante troca de disposição das mesmas

pelas crianças, somente com a colaboração da professora, portanto

permaneciam dispostas sempre em colunas.

Senti uma resistência da professora em me aceitar em sala de aula,

mesmo após a liberação da direção. Esse desconforto foi-me possível

perceber, no momento em que entrei na sala de aula, mesmo após uma

semana de muita conversa, houve a tentativa de encaminhar a aula em

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111

conformidade com os pontos da minha observação, até mesmo as crianças

foram ―preparadas‖ para me receber em sala de aula, na condição de que

estariam sendo vigiadas, e que, portanto, deveriam manter-se em silêncio.

O tempo, aliás, pouco tempo de participação daquele grupo, as

―máscaras‖ desvelaram a verdadeira identidade de cada um, ou seja, a

professora em dez dias trabalhava normalmente com as crianças, de forma

natural e os alunos já não me perguntavam mais se eu ia contar para a diretora

quem bagunçava em sala de aula. Foi quando comecei efetivamente as

observações e coleta de dados, após a confiança, melhor seria, ― a permissão

― dos sujeitos da pesquisa, após eu ser aceito pelo grupo.

Tais campos diversificados de pesquisa foram selecionados justamente

para propiciar a observação de duas realidades sociais distintas, na intenção

de averiguar se há estratégias de ensino diferentes quanto ao tratamento dos

corpos escolarizados e quanto ao aparecimento da ludicidade nestas

instituições no ambiente sala de aula.

Mesmo com a autorização da instituição para a entrada em campo,

segui os critérios que foram citados por Bogdan e Biklen (1994), que motiva

uma boa relação entre os sujeitos da pesquisa e o investigador, fazendo com

que haja colaboração e que os pesquisados sintam-se a vontade e sintam que

o ajudaram na investigação. Desta forma é preciso conversar com os

investigados tanto as crianças quanto os adultos obtendo a autorização para

realizar o estudo.

4.3 A cena investigada: ações metodológicas

Tendo em vista meu foco de estudo ser no ambiente educacional e

abarcar uma pesquisa social, a investigação foi realizada através da

abordagem qualitativa, que com este tipo de abordagem é de fundamental

importância no processo de investigação escolar, buscando fonte direta dos

dados no ambiente natural por um longo período e o investigador se preocupa

em freqüentar os locais de estudo para aproveitar todas as ocorrências no

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contexto habitual dos sujeitos, como os rituais que procedem da sala da aula.

Preocupei-me muito mais com o processo de investigação em si, do que

simplesmente com resultados da pesquisa, propriamente ditos.

Para Bogdan e Biklen, (1994, p.48)

os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto‖, vai muito além de apontar uma determinada ação, ele quer investigar também fatos que influenciam e determinam certos comportamentos dos sujeitos.

Segundo Minayo (1995, p. 21-22) a abordagem qualitativa permite que o

investigador utilize-se da sua percepção e intuição no momento da coleta de

informações no campo da pesquisa, para analisar o contexto e as suas

relações que se estabelecem, sendo, portanto, possível descrever e interpretar

as situações:

[...] a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Com este procedimento foi possível coletar os dados em forma de

palavras e imagens, ou seja, como a investigação qualitativa é descritiva,

sendo abordada de forma minuciosa, detalhando as situações que foram

observadas como gestos, conversas, comportamentos e, detalhes da sala de

aula. Assim, nada foi desprezado durante as incursões nas escolas. Como

relata Minayo, ―esse tipo de método que tem fundamento teórico, além de

permitir desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a

grupos particulares, propicia a construção de novas abordagens [...] e

categorias durante a observação‖.

Devido ao tipo de análise que realizei no espaço escola, interpretando os

fatos observados, descrevendo-os durante e após observações diretas com os

dois grupos de sujeitos escolhidos, a abordagem qualitativa do tipo etnográfica

incorpora o estudo delineando a pesquisa. Sabe-se que pesquisas etnográficas

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envolvem longos períodos de observação, um a dois anos, preferencialmente,

portanto neste estudo, para melhor esclarecer adotamos moldes de uma

etnografia, porém ela consta do ―tipo‖ etnográfica.

A etnografia como abordagem de investigação científica traz algumas

contribuições para o campo das pesquisas realizadas em grupos escolares,

mesmo em grupos pequenos, pois possibilita a revelar as relações e interações

ocorridas no interior da escola cujo objetivo é registrar, acompanhar e

encontrar significados para as ações observadas. Segundo Cohen e Manion

(1990) apud Triviños e Neto (1999), ―a etnografia é particularmente importante

nos cenários educativos‖ e ―a credibilidade também é garantida pela fidelidade

à informação e a validez interpretativa‖, creditando no investigador a

responsabilidade de interpretar os fatos e contraste com referências

bibliográficas estabelecer um significado plausível de cientificidade.

Etnografia compreende o estudo, pela observação direta e por um

período de tempo, das formas costumeiras de viver de um grupo particular de

pessoas: um grupo de pessoas associadas de alguma maneira, uma unidade

social representativa para estudo, seja ela formada por poucos ou muitos

elementos. Encaixa-se perfeitamente nesta investigação por estudar

preponderantemente os padrões mais previsíveis do pensamento e

comportamento humanos manifestos em sua rotina diária; estuda ainda os

fatos e/ou eventos menos previsíveis ou manifestados particularmente em

determinado contexto interativo entre as pessoas ou grupos.

Para estarmos na categoria de pesquisa do tipo etnográfica seguimos o

que é exigido, ou seja que o trabalho apresente algumas características como:

a) uso de técnicas (associadas a observação participante, a entrevista

intensiva, analises de documentos que são características próprias das

pesquisas qualitativas), b) pesquisador como instrumento principal na coleta e

na análise dos dados, c) ênfase no processo e não nos resultados, d)

preocupação com o significado atribuído pelos sujeitos às suas ações, e)

envolve um trabalho de campo e finalmente outras características importantes

que são a descrição e a indução. (Oliveira e Gomes, 2005)34

34

Sonia Cristina de Oliveira, Cleomar Ferreira Gomes - Sonia Cristina de Oliveira: Psicóloga no Estado de Mato Grosso. Mestre em Educação pela UFMT. Especialização em Psicopedagogia

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114

Conforme Ferreira (1986) define a etnografia como ―estudo e descrição

dos povos, sua língua, raça, religião e manifestações materiais de sua

atividade; descrição da cultura material dum determinado povo‖. Ou seja, é a

descrição de determinados aspectos da cultura sem que se faça juízo de valor.

Para validar a pesquisa qualitativa do tipo etnográfica, utilizou-se de

instrumentos que puderam corroborar com a investigação proposta, ou seja,

entrar em sala de aula para realizar observações de comportamentos, fatos,

gestos e situações que impôs a pesquisa, no intuito de buscar aspectos do

movimento lúdico em sala de aula. Oportunizou o trabalho investigativo com

mais profundidade na entrevista com as duas professoras e algumas crianças,

onde voltarei a abordar a quantidade entrevistada, e a utilização de imagens

através da fotografia.

Uma das técnicas de coleta de dados empregadas no estudo foi a

observação participante, pois, nem tudo podemos verificar através de

documentos ou entrevistas, e devem ser observados na realidade, segundo

Minayo (2006, p. 273), ―a observação participante pode ser considerada parte

essencial do trabalho de campo da pesquisa qualitativa‖, favorecendo assim a

compreensão de situações reais. Schwartz & Schwartz apud Minayo (2006, p.

274) conceitua a observação participante da seguinte forma:

Definimos observação participante como um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto (1955, p. 355).

De acordo com Minayo, Viana (2003, p. 50) também conceitua a

observação participante como sendo aquela que o observador é parte dos

eventos que estão sendo pesquisados, e para Wilkinson, 1995, (apud Viana

2003, p. 50):

pela UNIC e Especialização em Dinâmica de grupos pela UFMT. Professora no Curso de Direito da Universidade de Cuiabá – UNIC. Cleomar Ferreira Gomes: Professor Doutor da Universidade Federal de Mato Grosso do Programa de Pós-Graduação em Educação. A ABORDAGEM DE PESQUISA ETNOGRÁFICA: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES. Publicado em 18/07/2005 16:19:00.

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Este tipo de observação possibilita a entrada em determinados acontecimentos que seriam privativos e aos quais um pesquisador estranho não teria acesso e permite a observação não apenas de comportamentos, mas também de atitudes, opiniões, sentimentos, além de superar a problemática do efeito do observador.

Vale ressaltar que foram seguidas as orientações concebidas por

Bogdan e Biklen (1994), para a entrada no campo de investigação, inclusive

estabelecendo alguns cuidados como, não chegar ao ambiente a ser

observado de forma invasiva, permanecendo ―distante‖ até que todos o

observem e seja aceito. Os primeiros dias observados foram complicados no

sentido de que muita informação foi dada a criança principalmente na escola

municipal, até mesmo na perspectiva de que a pesquisadora era uma pessoa

que estaria no local para cuidar da bagunça e relatar para a direção da escola.

Nos primeiros cinco dias foram realizadas as incursões por cerca de

uma hora, seguindo orientações de Bogdan e Biklen (1994, p. 133), ―nos

primeiros dias, limitei as sessões a uma hora ou menos, a medida que a

confiança e os conhecimentos crescem, aumente também as horas do período

de observação‖. Após a quinta sessão em ambas as escolas as sessões

investigativas passaram a compreender entre 13h e 17h, totalizando assim

quatro horas diárias, por dois dias na semana, alternando o lócus da pesquisa.

Ao final, as incursões totalizaram 64 horas de observação na rede

particular de ensino e 52 horas de observação na rede municipal de ensino. As

sessões aconteceram após o início mês de agosto e terminaram no dia quinze

de dezembro do ano de 2009, portanto totalizaram quatro meses e quinze dias

participando do ambiente escolar dos sujeitos estudados.

Outros instrumentos que foram fundamentais para a análise dos dados

juntamente com as descrições de campo foram: fotos e entrevista semi-

estruturada com as professoras e alunos de ambas as escolas. A transcrição

das coletas foram descritivas, permitindo detalhar o contexto observado em

toda a sua amplitude e riqueza de fatos, abordando de forma minuciosa gestos,

falas, comportamentos, olhares, obter percepções das crianças e professoras.

A função do investigador na pesquisa etnográfica é de intérprete da realidade

que ele está observando, ou seja, de dados empíricos, retirados de contextos

sociais reais.

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A entrevista35 com os alunos transcorreu tranquilamente, sem nenhum

entrave, foi realizada no próprio ambiente escolar para que os entrevistados

não tivessem constrangimentos e individualmente para que não houvesse

influencia nas respostas de um e de outro. Com a autorização da escola e dos

entrevistados pude gravar o diálogo realizado. Já com as professoras, precisei

de um cuidado maior ao abordá-las, utilizando-me de estratégias para deixá-las

à vontade durante a entrevista, então comecei a conversa de forma bem

informal e quando percebi certa disposição das mesmas, iniciei. A forma de

posicionar seus corpos rigidamente diante da pesquisadora foi um sinal

comportamental de resistência à entrevista, assim como o ―soltar de braços‖,

relaxar o corpo na cadeira e parar de balançar os pés, foram evidencias

observadas como um sinal de cooperação com o processo de entrevista.

A entrevista seguiu no modelo semi-estruturada, proposto por Bogdan e

Biklen (1994), ou seja, a entrevista foi realizada informalmente de maneira que

a entrevistada pudesse discorrer de maneira autônoma, especialmente, por

estar falando sobre sua prática docente. Desta forma, foram oportunas as

sessões de observação antecedentes à entrevista, pois na medida em que

houve um clima de estímulo e de aceitação mútua, as informações fluíram de

maneira notável e autêntica.

Como relatam Ludke e André, (1986, p. 33-34), ―a grande vantagem da

entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e

corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de

informante e sobre os mais variados tópicos‖.

A entrevista com os sujeitos foram pensadas na possibilidade de serem

analisadas em conjunto com a observação participante e não como forma

dominante na coleta de dados. Foi utilizada para recolher dados descritivos na

linguagem dos sujeitos ―permitindo o investigador desenvolver intuitivamente

uma idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo‖.

Como a entrevista partiu de uma observação já realizada, foi mais fácil a

abordagem, pois já havia uma relação amigável entre pesquisador e

pesquisados.

35

Segue em anexo a entrevista realizada com alunos e professoras.

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117

Para criar um ambiente de maior informalidade, foi utilizado como

recurso a gravação (com a permissão dos responsáveis dos sujeitos),

possibilitando uma conversa sem interrupções para quaisquer anotações.

O objetivo maior era colher informações tanto das crianças quanto das

duas professoras em questão, de forma mais fidedigna possível, sem

contaminações por parte do pesquisador e do meio externo que pudessem

alterar os dados. Ao tratarem de pesquisa participante ou etnográfica, Bogdan

e Biklen (1994, p. 134) afirmam que a entrevista é utilizada para coletar dados

descritivos na linguagem do próprio sujeito e que existem duas maneiras de se

realizar entrevistas dentro da investigação qualitativa ― como estratégia

dominante ou juntamente com observação participante, análise documental

entre outras, esclarecendo assim, que pesquisa qualitativa não acontece

apenas por meio de entrevistas.

Para dar voz aos sujeitos36 a entrevista se mostrou bastante significativa

mediante a abordagem qualitativa do tipo etnográfica, pois, ―ela tem o objetivo

de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem

pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes com vistas a este objeto‖.

Como uma técnica privilegiada de comunicação, a entrevista esclareceu e

complementou determinados comportamentos observados e que necessitavam

de uma informação mais precisa por parte do sujeito.

No caso específico desde estudo, houve a preferência por elaborar uma

entrevista semi-estruturada37, na tentativa de favorecer com que os sujeitos

entrevistados pudessem discorrer mais tranquilamente sobre os assuntos

tratados, referentes ao brincar e suas possibilidades na sala de aula.

A entrevista semi-estruturada, como conceitua Minayo, (2006, p. 267)

―obedece a um roteiro que é apropriado fisicamente e utilizado pelo

pesquisador. Por ter um apoio claro na seqüencia das questões [...], facilita a

abordagem e assegura aos investigados [...]‖

As imagens se postaram fundamental na investigação pelo fato de

registrarem comportamentos que muitas vezes os olhos não vêem. As imagens

devem ser uteis também ao analisar mobílias, disposições das carteiras, 36

Os Sujeitos da investigação compreendem duas professoras do primeiro ano do ensino fundamental e as crianças que freqüentam a escola nesta turma, na faixa etária de seis anos. 37

Segue em anexo o roteiro da entrevista, realizada com os alunos e professores.

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118

organização geral da sala de aula para que detalhes possam colaborar na

triangulação dos dados obtidos. A princípio todas as crianças queriam ser

fotografadas. Na voz desses meninos eu era ―a tia da foto‖, aproximadamente

três ou quatro sessões, as crianças se acalmaram e eu já conseguia produzir

um material fotográfico com mais tranqüilidade, sem ser notada.

Para a análise recorrente da pesquisa, a descrição dos dados

observados nas escolas foram minuciosamente considerados, criando

categorias mediante as várias situações coletadas em sala de aula

principalmente referente ao brincar e suas particularidades.

Para a triangulação de dados obtidos, considerando que estar inserido

no espaço de vivência do grupo pesquisado permitiu interpretar

comportamentos dos alunos diante das ações da professora, comportamentos

dos alunos com a interação com outras crianças e impressões do investigador

com os aspectos comportamentais de alunos e da professora, criei categorias

para compreender as divisões dos momentos em sala de aula, como meus

sujeitos são as crianças, me apropriei da denominação de McLaren (1991),

quando desenvolve juntamente com outros estudiosos, o conceito de ritual, que

o define como sendo parte da vida social, é preciso de uma sistematização dos

tempos escolares criando uma rotina, para a organização do ambiente.

Como na pesquisa qualitativa de natureza etnográfica costumam gerar

um grande volume de informações, e sua coleta de dados é eclética, ou seja,

permite o uso de várias técnicas ― ―triangulação‖ (COHEN e MANION, 1990

apud TRIVINOS E NETO,1999), foi necessário confrontar notas de campo,

fotografias e entrevistas para a conclusão do estudo, considerando todos os

fatos inter-dependentes. No momento da interpretação nada pode escapar à

análise. Todas as observações devem ser tratadas com devida importância,

atribuindo significados aos dados que precisam ser desvelado.

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5 DISCUSSÃO DOS DADOS: INTERPRETANDO OS EPISÓDIOS

Com o encerramento das observações e do processo de entrevista com

as professoras e com os alunos finaliza-se também uma etapa da pesquisa,

assim ocorre a minha retirada do campo de investigação no dia 15 de

dezembro de 2009, logo após ter recolhido uma quantidade significativa de

informações sobre a estrutura escolar e também a respeito do grupo de alunos.

Desta maneira pude iniciar a tarefa de apreciação das informações

coletadas durante a estada no campo de investigação. Os dados que foram

recolhidos partiram de uma organização prévia do roteiro de observação e um

roteiro inicial de entrevistas com três sujeitos diferentes, ou seja, pais, alunos e

professoras. E para complementar a triangulação dos dados, me apoderei sob

a autorização dos sujeitos registrar além do diário de campo, mas também

através do recurso da máquina fotográfica.

A organização e análise dos dados, a partir das idéias de Minayo (1994),

sempre foram tratadas simultaneamente, caracterizando um mesmo estudo

que em parte objetiva estabelecer uma compreensão dos dados coletados,

permitindo responder ou não as proposições apresentadas no início da

pesquisa e ampliar o conhecimento do assunto, numa contribuição para

pesquisa social.

A análise dos dados, neste estudo foi conduzida por momentos de

leitura dos dados e da busca de categorias que respondessem o objetivo

proposto. Foram realizadas várias leituras de todo o material coletado, a

princípio sem o compromisso de sistematização, mas tentando apreender de

uma forma geral as idéias principais e os seus significados. Nesta fase da

análise existiu uma interação significativa do pesquisador com o material de

análise, promovendo uma melhor assimilação do material e elaborações

mentais que forneceram indícios iniciais no caminho a uma apresentação mais

sistematizada dos dados.

Posteriormente, novas leituras foram elaboradas mais exaustivamente

sendo identificados temas mais significativos, emersos dos dados. A partir

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desta identificação, procurou-se estabelecer conexões entre esses temas com

os objetivos propostos pelo estudo e essas emergiram totalmente do contexto

das respostas dos sujeitos da pesquisa, o que inicialmente exige do

pesquisador um intenso ir e vir ao material analisado e teorias que norteiam o

estudo.

As leituras dos dados recolhidos apontaram para a constituição de

categorias temáticas para a apuração e discussão final dos dados através de

inferências particulares de cada grupo de dados estudado, sendo entrevistas

com pais, professoras e alunos, e o grupo das observações realizadas em sala

de aula, onde para guiar a criação das categorias de análise é preciso que o

pesquisador, além da leitura atenciosa seja sensível ao que está implícito nas

vozes dos sujeitos e também possua a capacidade de interpretar e intuir o que

presenciou durante todo o período de observação e entrevistas.

A triangulação das informações coletadas permitiu estabelecer temas

que colaboraram para o entendimento do estudo. A compreensão dos dados foi

possível após o entendimento do que se observou no campo de estudos, o que

se ouviu nas entrevistas e o que está implícito nas vozes e comportamentos

dos sujeitos, chegando às seguintes categorias:

Posso brincar? Permeiam as vozes dos sujeitos sobre a brincadeira;

Escola, para que te quero? Abordam as intenções de se freqüentar a

instituição escolar;

O ritual escolar. São as notas de campo que interpretam as vozes dos

sujeitos e relatam as rotinas das escolas observadas.

Para facilitar o entendimento durante as análises, as vozes dos sujeitos

estarão escritas em itálico e recuadas, seguindo as siglas já determinadas.

Assim segue a categorias estabelecidas no estudo:

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5.1 Posso brincar?

Para esta categoria o entendimento se deu a partir dos questionamentos

feitos com as crianças, professoras e pais, pelos quais tentarei esboçar seus

pensamentos, ideias e sugestões, estabelecendo uma interlocução com os

teóricos.

A brincadeira para muitas pessoas seja de qualquer nível social

existente, é percebida como algo que se atribui a ―não seriedade‖ no sentido de

reduzir sua essência de liberdade e de atemporalidade. A impressão que se

tem é que as crenças e os preconceitos dos adultos em relação ao brincar,

principalmente a relação deste com o fracasso escolar, foram internalizados

pelas crianças. As afirmações das crianças como “na sala de aula não é lugar

de brincar”, de que “quando brinca não aprende”, entre outras, bem como as

atitudes dos adultos em relação a isto, parecem indicar que o ―brincar‖ na

escola ainda é concebido como sinônimo de ―desordem‖, de algo que não é

necessário neste espaço. As duas professoras quando questionadas sobre o

brincar em sala de aula foram diretas em suas respostas:

PROF-M: “Eu sei que é importante brincar com os meninos, mas, como tem educação física à gente até não se preocupa muito, eles já vão à aula, então fica pra professora trabalhar mesmo. Até porque não dá tempo, além de ensinar leitura escrita, já pensou ainda ter que brincar com eles”. PROF-P: “Porque apesar de gostar muito do material positivo, vem muito conteúdo, conteúdo, para trabalhar com as crianças e o tempo, tem atividades que você programa para ser feita em uma hora, mas as crianças não fazem às vezes vai a tarde toda, tem que respeitar eles. Por conta do conteúdo eu tenho que vencer a apostila, acabo brincando pouco”

Mesmo reconhecendo os aspectos positivos da brincadeira, as

professoras em detrimento dos conteúdos cognitivos, ditos como ler, escrever e

calcular, suprimem a brincadeira em suas aulas, estimulando as crianças a

procurarem subterfúgios para utilizar-se do brincar longe dos olhos das

professoras.

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É preciso entender o jogo e a brincadeira como um instrumento que

facilita as ações mentais da criança, ou seja, deixar a criança motivada a usar a

inteligência, superar limitações de construções mentais ou emocionais, como

diz Ide38 (2010, apud KISHIMOTO, p. 107, 2010), ―estando mais motivados

durante o jogo, ficam também mais ativas mentalmente‖

Vejo que o jogo pode ser visto como um facilitador da aprendizagem e

desenvolvimento infantil, apesar da grande discussão entre o jogo lúdico e o

jogo educativo. Penso que a diferença entre ambos os conceitos está na visão

e objetivos que os adultos estabelecem sobre o brincar ou jogar em sua sala de

aula, pois para a criança, brincar é simplesmente ―brincar‖, tem fim em si

mesmo, é autotélico, que contamina a brincadeira é o olhar adulto perante a

atividade lúdica.

A brincadeira se põe para a criança dando-lhes a liberdade de re-

construção e organização, é possível preservar sua essência e estabelecer

conexão com as aprendizagens. É preciso compreender que os jogos

pedagógicos, apesar de tudo não possuem um conhecimento pronto e

acabado, eles esboçam um saber em potencial que cabe ao brincante ativar ou

não.

Outro aspecto sobre o material pedagógico que é importante ressaltar é

que ele é sempre dinâmico entendendo que a capacidade de imaginar e criar é

subjetiva, ou seja, parte do processo simbólico de cada aluno. Assim é possível

brincar, preservar o movimento lúdico e ―não perder tempo‖, como dá a

entender na fala das professoras.

Na concepção dos pais, a brincadeira é importante e favorece o

aprendizado infantil, dos oito familiares entrevistados, todos foram unânimes

em responder que brincar é fundamental para o desenvolvimento dos seus

filhos e passam para a escola esta responsabilidade. Temos que lembrar que

os pais que responderam o questionário foram da escola particular de ensino,

pois os pais da escola municipal não devolveram o roteiro de perguntas, se

recusando a participar da investigação. Tal resposta em unanimidade pode-se

atribuir ao fator idade, das crianças, ou seja, possivelmente se

38

Sahda Marta Ide é autora do artigo ―O jogo e o fracasso escolar‖, no livro Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação (Kishimoto, 2010).

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entrevistássemos pais de alunos do ―Ensino Fundamental II39‖ não obteríamos

tais respostas que evidenciariam a importância do brincar na escola. Na voz

dos pais entrevistados podemos evocar tais opiniões:

PAI 1. “a brincadeira é um momento onde ela ― criança pode soltar sua imaginação e criatividade e não deixa de ser uma forma de desenvolvimento infantil” ― “qualidade, criatividade e método agregado a brincadeira com o intuito de ensinar a ler e escrever é possível sim obter um aprendizado com excelente qualidade”.

PAI 2. “Sim, através do brinquedo e da brincadeira a criança aprende a ler e escrever porque ela tem contato físico e visual, além de ser significativo para ela”.

PAI 3. “A brincadeira sugere uma maneira alegre, divertida e fácil de se trabalhar a linguagem oral, escrita e corporal” PAI 4. “A brincadeira é um complemento para facilitar a aprendizagem”.

Na visão destes pais, a brincadeira facilita o aprendizado da leitura e da

escrita, porém há uma dualidade de pensamento quando os mesmos falam dos

aspectos que procuram numa escola, ou seja, o que eles querem da escola de

seus filhos, assim as professoras dissertam sobre isso no momento em que

dizem sofrer fortes cobranças dos pais e familiares a respeito da quantidade de

conteúdos que devem ser trabalhados em sala.

As duas professoras relataram que um dos fatores que as impossibilitam

de utilizar-se mais dos jogos e brincadeiras é justamente atender as

expectativas dos pais,

PROF-M: “Bom, as mães quando vem nas reuniões querem saber do caderno cheio de atividades, se não tem muita coisa, elas reclamam que precisa ter tarefa”. PROF-P: “Gostaria de ser mais lúdica mesmo, mas aqui tem até prova, vai na agenda os horários, então tenho que estar atenta aos conteúdos, pois os pais querem caderno cheio, interessante, nunca me perguntaram sobre as brincadeiras que

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Compreende o ensino de quinto ano ao nono ano- Ensino Fundamenta II.

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fazemos na escola, mas sempre me questionaram sobre as tarefas‟.

Pais e professoras entram sempre em conflito quando diz respeito ao

que acreditam ser importante para as crianças e ao que pensam que devem

ser feito com as crianças na escola. Reconhecem que brincar é fundamental,

mas sabem que devem trabalhar muito mais para os aspectos cognitivos do

que para a ludicidade. Percebemos tal fato quando questionei os pais sobre o

que eles procuram numa escola ao ingressar seus filhos, a minoria respondeu

que busca saber sobre momentos ou espaços lúdicos que a escola oferece.

Percebe então que há um conflito entre o que pensam e o que querem

enquanto ação escolar.

Mesmo percebendo a importância da brincadeira para os seus filhos, ao

falarem dos aspectos educacionais dos mesmos, não hesitam em cobrar e

atribuir à escola a principal função, fazer das crianças futuros ―doutores‖. Nisso

cobram da escola nas reuniões, nas coordenações que as crianças aprendam

a ler antes mesmo de estarem preparadas para tal.

A brincadeira aos olhos do adulto, passa também pelo ―quem é este

adulto‖ de qual lado do jogo ele se encontra. Uma coisa é o ―que eu penso‖,

outra coisa é o ―que deve ser feito‖, sobretudo quando se refere ao futuro de

um filho, para atender as grandes oportunidades que o mercado de trabalho

oferece e que as crianças devem perseguir para uma boa qualificação na vida

futura. Isto é tal forte que as crianças internalizam alguns conceitos sobre este

brincar na escola:

AL 5-P-M: “Escola é pra ficar inteligente, senão fica burro e tem que carpir quando crescer ― minha mãe que disse isso, se ficar em casa, aprende um pouco, só aprende a brincar”. AL 2-M-F: ―Minha mãe fala que eu venho pra escola pra aprender, escrever palavras, no caderno, no quadro, pra eu ser gente quando crescer”.

AL 5-M-M: “Eu quero me tornar um artista igual o meu pai, que pinta letra, que ele cobra bem caro porque senão como que eu vou comer, ganhar presente, tem que escrever tudo certinho, pra pintar. Pra ser rico meu pai disse que tem que estudar e não só ficar de brincadeira- quem brinca não aprende”

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AL1-M-F: Na sala não pode brincar, tem que estudar pra aprender, na sala não pode brincar porque senão não aprende, só pode escrever ficar no lugar, ou quando a pro pede, pode pegar um livrinho... eu queria brincar. Todo dia minha mãe e a „pro‟ também, fala que precisa estudar, estudar e nada de ficar brincando. Pra ser professora, médica.

Fica evidente a influência dos familiares na posição das crianças a

respeito do brincar na sala de aula, podemos perceber que em vossas falas,

sempre aparece a palavra ―mãe‖ ou ―pai‖, evidenciando que eles disseram algo

as crianças, por exemplo, que na escola prepara o aluno para a vida futura.

As crianças em questão, nas quais se investiga, possuem seis anos de

idade, não podemos deixar de lembrar que um ano atrás ela fazia parte do

grupo de alunos da educação infantil, quando agora com o ensino de nove

anos esta criança entra no Ensino Fundamental, cumprindo regras pertinentes

a tal faixa de ensino, e não pertinente a sua faixa etária.

O brincar permeia os pensamentos das professoras, mostrando-nos

preocupação quando se referem à ludicidade:

PROF-P: Mas o que mais eu sinto, é que agora, eu sou parte do fundamental, ai tudo que era atividade que a educação infantil fazia eu estava junto, jogos, brincadeiras, passeios. Agora não, eu fico com o ensino fundamental que dá muita diferença nas atividades de interesse dos meninos.

PROF-M: Aqui nesta escola tem um agravante, tem muita criança que vem sem o pré... ― (referindo-se a educação infantil) ― sem noção nenhuma de letras, números, e pior, sem adaptação com a convivência entre amigos, aí é que eu vejo a importância da Educação Física, da brincadeira pra trabalhar, lateralidade, equilíbrio... é pouco ainda porque é... são duas aulas só.

Não se pode perder de vista quem é este aluno que está em sala de

aula, é uma retórica que sempre voltarei a questionar, o ser humano é um ser

em constante construção, ―um ser sensível que diante do mundo, busca

significações, o que torna seu pensamento dinâmico por excelência‖ (Dias40,

40

Maria Célia Moraes Dias escreveu o capítulo II do livro Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação (Kishimoto, 2010).

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apud Kishimoto, 2010, p. 52). Assim a brincadeira é carregada do aspecto

simbólico, oportunizando a mediação entre a realidade e o pensamento. Faz-se

necessário, diante de muitas opressões que a escola oferece trazer a tona uma

educação que tenha como cerne a visão deste homem como ser simbólico,

―que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar está ligada à

capacidade de sonhar, imaginar, jogar com a realidade‖ (Idem. ,ibidem, p. 50).

Porém quando tratamos o homem como ser cultural, esqueceu-se que

este contexto é permeado por representações coletivas simbólicas, que serão

produtos do pensamento humano, como mito, linguagem, arte, religião, entre

outras. Para Dias (2010), o pensamento é formado por um conjunto de

relações simbólicas apropriadas culturalmente, mas elaboradas e recriadas

pelo sujeito a partir de condições internas próprias. Portanto aquele aluno que

chega a sala de aula não é somente um ser racional, possui também um

caráter simbólico, que precisa ser resgatado pela sociedade, inclusive pela

escola

[...] que se vê cada dia mais reprimida, enrijecida e massificada, numa sociedade cuja filosofia de vida é racionalista e reducionista e que, muitas vezes, leva à alienação do próprio processo de criação e simbolização do sujeito, em que as crianças não têm mais espaço para viver a infância de maneira plena e enriquecedora (idem., ibidem. p. 55)

Parafraseando Dias (2010) ―a criança precisa de tempo e de espaço

para trabalhar a construção do real pelo exercício da fantasia‖. À luz desta

mesma categoria, seguindo a releitura dos dados, constata-se que é preciso

subdividir a categoria temática Posso brincar? pela diversidade de informações

que se obteve neste item. Assim para ficar mais visível a análise encontrei os

seguintes fragmentos que irei apresentar e logo abaixo, explicitarei as relações:

a) Brincar: quando “sobrar tempo”: cheguei a este sub-tema devido a

inúmeras inferências das crianças sobre a brincadeira em sala de aula

acontecer somente ―se sobrar tempo‖, o que me chamou atenção para a

discussão.

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b) Aula de educação física: aqui pode brincar: perante as investigações

realizadas no campo de pesquisa, e através das entrevistas, pude

chegar a um novo sub-tema que retrata a aula de educação física como

o espaço propício para a ação de brincar.

A seguir faremos as discussões referentes sub-temas acima

mencionados.

5.1.1 Brincar: quando “sobrar tempo”

Ao falarem sobre o tempo para brincar na escola, os alunos afirmam que

o espaço da escola oportuniza o ―brincar‖ e o estabelecimento de novas

amizades entre elas, mas reclamam do pouco tempo que lhes é possibilitado

para isto. Como elas dizem, ―fazer amigos é conversar e brincar‖, mas a

organização do tempo e do espaço escolares acaba não permitindo que as

crianças brinquem como gostariam. Elas reivindicam mais tempo para brincar

na escola.

AL-5-P-M: “Na sala não dá pra brincar, porque a „profe‟ chama atenção. tem que ficar quietinho, quietinho, às vezes sobra um tempinho”.

AL-4-P-F: “Mas com a „profe‟ da sala não dá tempo de brincar, tem muita coisa pra escrever, de vez em quando sobra uma horinha de brincar”.

AL-3-P-M: “[...] só quando a „profe‟ deixa, quando está perto de bater o sinal...”

AL-5-M-M: Na sala a gente brinca quando tem tempo, “de vivo morto”, mas quando a gente brinca, a gente desaprende o que tem na cabeça, assim , quando a gente tá brincando agente esquece de falar pra mãe as coisas, esquece de fazer tarefa... ah!, brincar faz a gente esquecer tudo, tudo... mas não dá pra ficar burro, eu não quero não. Acho que talvez que brincar é muito bom pra esquecer de tudo...tudo mesmo!

Percebe-se desta maneira como é difícil para a criança relacionar o

brincar em sua vida escolar, há certamente a influencia e o olhar do adulto,

muitas vezes implícito nas vozes infantis, mas também há o desejo de ser

criança mais um pouquinho, nem que seja ―brincar para esquecer de tudo‖,

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como disse o garoto acima em sua entrevista. Ainda posso me recordar deste

momento, eu tentando estabelecer um diálogo com este aluno, estávamos num

corredor improvisado em meio de trânsito de outros alunos curiosos com o que

estava acontecendo, ele, sujeito, subia e descia da carteira, pendurava-se na

janela, estendia suas pernas a todo instante como se estivesse num local

apertado.

Dar voz as crianças é reconhecer o seu valor diante de uma ação que é

tão pertinente ao mundo infantil, não seria viável falar sobre o assunto sem

ouvir àqueles que são especialistas do brincar. A fala do aluno AL-5-M-M,

evidencia exatamente o que venho discutindo no texto, quando ele diz ―brincar

faz a gente esquecer tudo, tudo...”, atento ao que disse Fröbel na obra de

Kishimoto (2010, p.68), ―a brincadeira é a atividade espiritual mais pura do

homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um

todo [...]. Ela dá alegria, liberdade, contentamento [...]‖. Brincar é como

transcender a realidade, ―a gente esquece tudo‖, até mesmo de falar pra mãe o

que deve ser dito — como disse o sujeito da pesquisa.

Mesmo entre repressões em sala de aula, as crianças revelam, através

de seus depoimentos, os meios e subterfúgios que utilizam para garantir o

tempo do brincar na escola. Nas observações e em conversas informais com

os alunos, pude constatar que eles procuram chegar mais cedo, de modo que

possam brincar antes do início das aulas e, enquanto permanecem nas salas,

utilizam a ida ao banheiro como uma possibilidade de sair para poder

conversar e brincar com os colegas, na correção dos cadernos e aproveitam os

trabalhos em equipes para brincar "escondido" da professora.

AL-2-M-F “Eu, tem vez que eu converso, até sozinha... até com as paredes. A gente brinca na sala quando tem uma hora certa, quando dá um tempinho, ela para a aula pra descansar, fazer um movimento assim ó (fez um alongamento com os braços), e tem que fazer rápido, pra não atrasar o dever... e o dedo dói de tanto escrever. A sala é lugar de estudar, mas algumas vezes tem que ter brinquedo, brincar não ensina muito... Tem que prestar atenção na aula, ficar olhando pro homem aranha não aprende, só brinquedo de memória, alfabeto, que aprende qual é a letra A, E, I...é bom pra cabeça. Até que eu queria que tivesse mais brincadeira, alongamento não é brincadeira, eu brinco em baixo da mesa, a professora nem vê, porque ela está corrigindo caderno”

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AL-2-M-F: “A „profe‟ brinca com a gente quando nós pedimos, por favor, pra ela. Ela faz gato mia. Mas é chato porque, não tem lugar pra esconder. E é só de vez em quando, quando ela está boazinha e dá tempo. Seria bem legal brincar na sala, queria 3 vezes por dia de recreio. E daí agente fica na sala até a noite”.

Existe algo muito comum nas vozes dos sujeitos que é representada

pela retórica da necessidade de haver mais brincadeiras na escola, lendo nas

entrelinhas das falas, entende-se como ―ter mais recreios‖, como um apelo do

mundo infantil, gritando por momentos lúdicos.

O professor precisa entender que ―nas brincadeiras a criança tenta

compreender seu mundo ao reproduzir situações de vida. Quando imita, a

criança está tentando compreender‖ (Fröbel, apud, Kishimoto, 2010,p.74).

Oportunizar a brincadeira — denomino também como movimento lúdico, está

brincadeira ativa na infância, que pula, senta, corre, fala, enfim, levar para a

escola a ação do brincar representa a liberdade de expressão — tão dita nos

planos políticos pedagógicos de ambas as escolas pesquisadas — que permite

a criança a construir significações a partir de objetos e situações

experimentadas.

Compreender o brincar na escola não é de hoje, Fröbel em 1912, como

aponta na obra de kishimoto (2010), já relata sobre tal, mostrando a

importância da brincadeira na infância como representação de necessidades

internas, como parte do desenvolvimento do ser humano que cresce sabendo

usar seu corpo, sentidos, mesmo inconscientemente, mas desde bebe brinca

com suas mãos, língua, pés, dedos, portanto o bebe, não tem preocupação

com a finalidade de seus atos, afinal o brincar representa uma finalidade em si.

Para Frobel, a brincadeira possui uma ação livre, espontânea, prazerosa, séria

para quem se apodera dela, além de uma atividade altamente voltada para a

representação e o simbolismo infantil.

5.1.2 Aula de educação física: aqui pode brincar.

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Na visão das crianças aqui estudas, o espaço da brincadeira na escola é

preenchido pelo espaço de silêncio, da imobilidade e de esperar a permissão

para a brincadeira. Volto a repetir como em outro local do texto, não estou

dizendo que a brincadeira deva acontecer em todo o período escolar, em todas

as situações de sala de aula, mas digo que ela precisa acontecer como forma

de compreender que é uma necessidade infantil, e que o movimento lúdico

favorece a produção cultural na infância, consequentemente a construção de

pensamentos, elaboração de processos mentais, a partir da interação com

objeto-brinquedo, com outras crianças e com a professora e com o meio ao

qual está inserido.

―A criança precisa de espaço e tempo para trabalhar a construção do

real pelo exercício da fantasia‖ 41, portanto a sala de aula — professores —

carece de uma adequação ao que tange o planejar das rotinas escolares,

observa-se que o brincar não é elencado como parte do planejamento das

professoras, a brincadeira é vista como uma estratégia para aliviar o cansaço,

por vários motivos ditos pelas entrevistadas:

PROF-M: “Olha, brinco normalmente quando eles estão cansados, eu aproveito pra brincar, assim, rapidinho... e outros momentos é pra introduzir um conteúdo, que daí é como se fosse uma motivação, para motivar a aula, não é sempre não”.

PROF-P: “Quando as crianças começam a ficar assim... (me mostrou levantou os braços, como se fosse espreguiçar, sacudiu a cabeça, mexeu o corpo na cadeira), entediadas, cansadas, começam a querem espreguiçar na cadeira...então eu percebi e procurei não fazer mais isso- planejar a hora de brincar ou movimentar- então muitas vezes eu levo, eu aproveito e levo os coitadinhos para fora... (parou, pensou e continuou sua fala como se tivesse lembrado de algo) levo não, porque tem horário pra sair, pro parque gramado, tem horário pra tudo”.

Na escola particular, com a PROF-P, percebe-se um esforço enorme de

trabalhar muito mais com a brincadeira, porém muitas vezes é barrada pela

estruturação escolar e por ter que vencer os conteúdos do material didático.

41

Dias, Maria Célia Moraes. A metáfora e o símbolo como chaves da natureza do homem In Kishimoto, 2010, p.55.

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PROF-P: “[...] por conta do conteúdo eu tenho que vencer a apostila, e acabo brincando pouco”.

É pontual reconhecer que no ensino particular o brincar ainda é

preservado pela professora pesquisada, apesar de todas as dificuldades

atribuídas por ela. Mas reconhece que a educação vem para auxiliar em toda

essa discussão dentro da sua escola.

Na escola municipal de ensino a situação é mais precária, além de não

possuírem material didático, as crianças devem copiar todo o enunciado das

atividades, muitos conteúdos que são imprescindíveis, fazendo com que o

tempo que é existente na escola particular no qual as crianças não precisam

copiar, copiar, copiar, não é cedido aos alunos da escola municipal.

Uma das professoras investigadas acredita que é possível compensar a

falta de brincadeiras na sala de aula, nas aulas de educação física, que preciso

citar que acontece uma ou duas vezes na semana.

PROF-M: “Aqui nesta escola tem um agravante, tem muita criança que vem sem o pré (educação infantil), sem noção nenhuma de letras, números, e pior, sem adaptação com a convivência entre amigos, aí é que eu vejo a importância da Educação Física, pra trabalhar, lateralidade, equilíbrio... é pouco ainda porque é... são duas aulas só e uma aula é dentro da sala. Mas se já tem educação física, já ajuda, não é preciso trabalhar com a brincadeira tanto na sala de aula”.

Vivenciando a escola durante aproximadamente quatorze anos como

professora e agora na entrada no campo com olhos de pesquisadora, é

possível intuir que a muito do que se faz na sala de aula depende de que tipo

de pessoa conduz o espaço. Se o mediador do conhecimento infantil –

professora- não é lúdica em sua essência, não há como oportunizar momentos

lúdicos em sua sala de aula, ludicidade, não se aprende, já é próprio de ―ser

humano‖, porém com o tempo vai se perdendo, com as experiências vividas,

inclusive tais como as experiências que nós oferecemos aos nossos alunos.

Além dos aspectos pessoais, aspectos da formação individual de cada uma

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das professoras investigadas influenciam diretamente na maneira de se

posicionar perante o lúdico em sala de aula.

Na visão dos pequenos o brincar está muito mais atrelado as aulas de

educação física do que a sala de aula é óbvio que há uma internalização do

que elas ouvem em casa — partindo a visão do adulto — e acreditam que até

deveria ter mais brincadeiras na sala de aula, mas relatam também que é

preciso estudar pois brincar não faz parte do aprender, só se o jogo for de

letras ou de números. Para eles, pequenos produtores e produtos de uma

cultura, a educação é momento de liberdade e diversão.

AL4- M-F: “Não brincamos na sala não. Só na educação física, a sala é de estudar. Mas só pode brincar quando a profe fala pra descansar, ler, conversar bem baixinho, a profe conta história, na minha sala não tem brinquedo, só a profe de educação física que tem brinquedo”. AL3- M- F: “Na sala não pode brincar, só quando a profe deixa. Mas a profe de educação física, não dá tarefa na sala ela só brinca, na areia, na quadra. Brincar mesmo... ah, só pode brincar na areia, na quadra, e no pátio, e na aula de educação física, que é bem legal”.

AL3- P- F: ―Brincar, só na quadra, na educação física [...], é uma diversão”.

AL4- P- F: “Ah... Brincar na sala não, porque tem que estudar na sala de aula. Mas na sala de aula só pode brincar na aula da professora de educação física, a gente brinca de dama, joguinho, qualquer coisa. O legal é ir pra quadra. Mas com a profe da sala não dá tempo de brincar, tem muita coisa pra escrever”. AL5- P- M: “É, mas pode só na hora do lanche, na hora de ir embora e na educação física que a gente se diverte de verdade”.

Atribuir dentro de uma escola o papel de brincar somente à educação

física é reduzir o compromisso que a instituição para com as crianças, quando

a escola parte para este princípio, ela fragmenta o saber em compartimentos,

não dá oportunidade para a interrelação dos saberes escolares, principalmente

quando me refiro a crianças de seis anos de idades.

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O que identifico é que há uma distorção do jogo quando utilizado em

sala de aula. Os pais não acreditam fielmente que possa acontecer um

aprendizado efetivo através dele, as professoras ficam refém de uma

sistematização educacional e as crianças sentem a necessidade de jogar,

brincar, movimentar, mas são alienadas pelo que ouvem, ―na escola é permito

estudar, fazer provas, para ser vencedor na vida‖, ou seja, em prol de trabalho.

E a criança não vista como ela é, a criança tem a imagem que o adulto

faz dela, na infância, o futuro não tem a importância que tem para o adulto, ―a

realidade é o presente vivido, sentido de maneira imediata [...], tudo acontece

no reino do brinquedo‖ (SANTIN, 2001, p.45). Para Santin, a criança é

considerada pelo adulto como uma miniatura de homem, dificilmente ela é vista

como criança, assim é também inserida precocemente no mundo do trabalho

que deveria ser lugar próprio do adulto, atribuindo à infância uma fase

preparatória para a fase adulta. É claro que a infância antecede ao mundo

adulto, é um destino natural, porém precisa-se respeitar a criança porque nela

existem valores essenciais que tem fim em si mesmo e não podem ser

esquecidos. O desenvolvimento da mente do humano e as necessidades

pessoais conduzem automaticamente a assumir o trabalho quando adulto.

Brincar se opõe ao trabalho, pois é desprovido que qualquer atividade

lucrativa, é gratuito, não produz riquezas ou bens materiais, a brincadeira é

autotélica, e segundo Caillois (1990, p. 9), ―vê-se qualificada de frívola‖. Como

a escola é vista como preparação para o trabalho, acaba por não ter espaço

para a brincadeira.

5.2 Escola, para que te quero?

Abordo nesta categoria temática as intenções de se freqüentar a

instituição escolar, os conflitos existentes entre a visão dos pais, dos alunos-

crianças e das professoras. Pretende-se mostrar o que a escola representa

para tais sujeitos, e o que dizem os autores.

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Sabe-se que a escola é o local que naturalmente há um grande encontro

de culturas diferenciadas que culminam muitas vezes em uma mesma sala de

aula, e cabe ao professor e equipe escolar trabalhar para respeitar a

diversidade cultural ao invés de homogeneizar, ou padronizar este encontro. O

trabalho do professor é o de socializar questões sociais, políticas, psicológicas

ou ideológicas trazidas pelas crianças. Em uma ―sala de aula tudo envolve,

tudo reúne, tudo implica‖ (ARAÚJO, 1988 apud MORAIS, p.43), é preciso

assim que a sala de aula seja compreendida como um processo dinâmico, em

constante mudanças, que receba a criança como parte da cultura e produtora

da cultura lúdica.

A escola e a sala de aula é o local onde se desenvolve a escolaridade,

ao transitar por ela o educando pode ser considerado escolarizado, acessa a

instrução e o conhecimento sistematizado e organizado em forma das

disciplinas, é o espaço da educação formal da sociedade. Na sala de aula não

tem espaço para a entrada de coisas que não sejam ―sérias‖, é vista como

soberana nas questões do saber, o que eu discordo, penso a sala de aula

como uma via de mão dupla, onde deva haver uma cumplicidade entre

educando e educador que buscam simultaneamente construir o conhecimento

e oportunizar a aprendizagem partindo da visão do aluno, da nossa criança,

compreendendo a escola pelo olhar da infância. Concordo com Novaski (2005),

quando ele diz que educar é levar o indivíduo de um lugar ao outro, é dar

dinamismo no processo, é transformar comportamentos e atitudes.

Consigo visualizar uma sala de aula onde tenha sim um espaço para a

ludicidade, para que ela não precise entrar burlando os olhares das

professoras, acredito ser possível termos abordagens pedagógicas de caráter

lúdico, isso não significa que omissão ao conhecimento ou a informação. Além

disso, acredito que a escola também possa ser um espaço de manifestações

lúdicas em seu cotidiano e não apenas em datas comemorativas que vem de

fora da escola e são estabelecidas em datas-calendários pela escola. Não se

trata também de instrumentalizar o lúdico, senão, deixa de ser lúdico, mas de

dar espaço para que as vivências lúdicas aconteçam.

Assim, ouvindo os pais nas entrevistas, é possível analisar quais as

exigências que fazem de uma escola, quais as competências necessárias são

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atribuídas por eles a uma escola. Vale salientar que os pais entrevistados

fazem parte dos sujeitos da rede particular de ensino.

PAI 1: ―A escola serve para orientar e ensinar meus filhos, além da alfabetização, a formação do caráter da criança.Busco uma estrutura adequada para a idade do meu filho, com bons materiais didáticos e professores qualificados”. PAI 2: ―De formar a criança para ser um indivíduo com condições futuras de bons empregos. Bons materiais didáticos e bons professores”. PAI 3: “Quero que a escola ajude a orientar os alunos e nós pais na difícil arte de formar indivíduos mais íntegros, no sentido de aprender a conviver em sociedade”.

PAI 4: ―Ensinar a preparar para um futuro, uma vida financeira melhor”. PAI 5: ―A função da escola é dar aos alunos oportunidades de desenvolvimento do processo intelectual e despertar o senso crítico e a opinião própria”.

PAI 6: ―Além de ensinar, orientar sobre problemas que temos em nosso dia a dia como drogas, abuso sexual, pedofilia, ajudar nós pais a educar no sentido do respeito, honestidade”.

Confesso que não me assustei ao transcrever as respostas dos pais dos

alunos, referentes ao que buscam na escola dos seus filhos, ―nós professores

sentimos na pele e cada vez mais a responsabilidade que a escola pegou para

si‖. Ficam evidentes, na voz dos pais dos alunos que não se contentam

somente em atribuir funções de aprendizagem a escola, como também em

solicitar ajuda ao que lhes cabe como função, como por exemplo, orientação a

respeito de drogas.

Outro aspecto bastante recorrente na fala dos pais, diz respeito ao

desejo dos filhos serem bem sucedidos. Questionei o que eles entendem por

―ser bem sucedidos‖, e mais uma vez não me surpreendi com a resposta. ―Ser

bem sucedido‖ é sinônimo de ter uma profissão que lhes atribua uma condição

de vida financeira satisfatória, enfim que a escola prepare sim as crianças para

o mercado de trabalho, numa visão capitalista, competitiva exigida pela

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sociedade. Infelizmente segundo Maturana e Verden-Zoller, nossa cultura

ocidental moderna,

desdenhou o brincar como uma característica fundamental generativa na vida humana integral. Talvez ela faça ainda mais: negue o brincar como aspecto central da vida humana, mediante sua ênfase na competição, no sucesso e na instrumentalização de todos os atos e relações. (2004, p. 245)

Concordo com os autores quando adiantam que para recuperar uma

melhor convivência na sociedade de forma geral – crime, opressão- devemos

devolver ao brincar o seu papel central na vida humana. Para Maturana e

Verden-Zoller, para que isso aconteça teremos que aprender a viver

novamente nesta atmosfera.

Muitos pais reconhecem o fato de que as crianças brincam, mas hesitam

em compactuar que é essa maneira pela qual seus filhos aprendem. Isso é um

reflexo do que os pais pensam verdadeiramente sobre o brincar, todavia,

encaram a brincadeira como perda de tempo, consequentemente não verão

importância na mesma ao ser adotada na escola como forma de construção do

conhecimento. Quando retrato que o brincar é essencial para o

desenvolvimento humano, não quero dizer que é imediato e que a criança vai

aprender a ler e escrever diretamente com a brincadeira. Quero explicitar que

brincar, favorece habilidades de manipulação, descobertas, capacidade de

resolução de problemáticas durante um jogo, raciocínio, relações inter-

pessoais, enfim abre caminhos para que aprender a ler e escrever, a criança

estabelece conceitos, constroem relações, expressam sentimentos e através

das ações motoras tomam consciência de seu corpo e do meio em que habita.

Será que a escola atende a todas as exigências sociais? Quero dizer,

será que a escola realmente ensina a ler e a escrever? Afinal, qual é a função

da escola?

No olhar e nas vozes das crianças a escola serve sim para aprender a

ler e a escrever, além de ensinar a pensar, a não ficar burro, veja nos trechos

abaixo citados

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AL 1- P-M: “Escola é pra ficar inteligente, senão fica burro e tem que capinar mato, se ficar em casa, aprende um pouco, só a brincar (em casa pode brincar). Mas o que mais gosto de fazer é ir na areia e na quadra, jogar futebol”.

AL2 - P- F: “Pra aprender, estudar, ler, escrever. E o que eu mais gosto de fazer lá, é brincar no recreio e na educação física, pular corda” AL3 P-F: “Pra aprender, ler escrever fazer continhas. Eu gosto de ir na escola, porque tem dias que tem piscina e parque‖. AL3-M-M: “Eu quero me tornar um artista igual o meu pai, que pinta letra, que ele cobra bem caro porque senão como que eu vou comer, ganhar presente, tem que escrever tudo certinho, pra pintar, mas eu gosto de vir na escola pra brincar na areia de pegador”.

AL4-M-F: “Para aprender a ler e escrever. Olha, a escola deixa a gente inteligente. A escola parece um computador, que entre na nossa cabeça e nunca mais sai, a escola é legal a gente conversa com as amigas, dança na hora do recreio”.

De acordo com o que já havia dito na categoria anterior as crianças

sabem da função da escola, criada e construída pelo adulto, na visão do adulto

e tal conceito já foi associado pela criança. Mas é preciso perceber que em nas

falas, ficam subtendido que a escola é para aprender a ler e escrever, mas o

que nós gostamos nela é ir à quadra, brincar na areia, jogar futebol, pular

corda... Estudar é preciso, é atribuído como fundamental para que o ser

humano sobreviva no mundo capitalista, mas brincar é essencial no olhar da

criança.

Faz-se imprescindível, que o professor conheça seu aluno na essência,

não somente identificando as fases em que a criança se encontra, mas

também descobrindo como e do que os alunos brincam e gostam de brincar,

considerando que a criança

é um sujeito histórico e social, capaz de expressar idéias, sentimentos e de produzir cultura [...] Se considerarmos que a criança é protagonista do seu processo de socialização nos espaços culturais em que vive e que produz cultura, precisamos pensar numa concepção de escola que atenda às especificidades deste sujeito.

42.

42

GARANHANI, Marynelma Camargo e NADOLNY, Lorena de Fatima. Cultura e escola & movimento e linguagem na educação de crianças pequenas.

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Percebendo a criança como sujeito cultural, é possível conceber uma

escola muito mais voltada para atender as necessidades da infância.

Quero salientar que na visão das duas professoras há uma grande

diferença do que pensam a respeito da utilização da ludicidade, da brincadeira

e do movimento em sala de aula, primeiro devido a própria personalidade

diferenciada de cada uma delas, uma mais alegre, lúdica, brincalhona e muito

carinhosa com as crianças pequenas, a outra, da escola municipal, mais séria,

reservada, teve uma formação acadêmica e pessoal mais tradicional, não deixa

de ser carinhosa com os alunos, porém nunca a vi em uma situação mais

próxima, nem do tipo, segurar na mão dos alunos para escrever, ou sentar-se

no chão com as crianças.

PROF-P: “Brincar é ótimo, maravilhoso! Principalmente nas atividades de matemática, eu uso as crianças para fazer a contagem, diminuição, separar grupo, adição, pego o jogo do corpo para fazer isso, e sempre falo “vocês lembram aquele dia que nós brincamos de tal jogo... então vamos fazer agora no caderno”. Eles buscam na memória e lembram, e é bem legal isso ai, eu gosto muito. É proveitoso e tem bons resultados, mas na cabeça das crianças elas estão apenas brincando. Eu faço assim, se a atividade já está no material eu já sei que tenho que fazer mesmo, mas quando não está, eu invento, imagino um jogo, algo que eu possa aproveitar e levá-los lá fora... Dificilmente não dá certo... Sempre dá certo, e eles gostam”.

Fig. 9 – Rede particular de ensino

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Fig. 10 – Rede particular de ensino

PROF-M: “Acho que as crianças podem sim aprender brincando, você dá um joguinho pra eles pensando no aprendizado, mas pra eles, é brinquedo, é brincar. Eu gostaria que tivesse na minha sala mais brinquedo, pra eu aproveitar, é igual livro, aqui não tem, eu tenho que pegar livro de uma sala, de outra, e eu tenho que me virar do jeito que dá, até que os professores oferecem (de outras salas), mas é complicado, porque eles não gostam de emprestar. Eu acho que toda vez, toda vez, fica muito rotineiro trabalhar a brincadeira, não sei, sempre, sempre, eles também não se interessam tanto, então eu trabalho, duas vezes por semana, pra não enjoar, senão acaba banalizando a brincadeira e não motiva ninguém”.

Fig. 11 – Rede municipal de ensino

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Fig. 12 – Rede municipal de ensino

Entende-se assim que enquanto uma professora da rede particular de

ensino adota e é totalmente favorável aos momentos lúdicos e corpóreos em

sua prática pedagógica, a outra pensa a brincadeira no aspecto da motivação e

encara a ludicidade rotineira como entediante por parte dos alunos, se é que é

possível entediar-se com algo que é prazeroso, alegre, divertido. Vejo maior

possibilidade de entediar-se com uma cena mostrada nesta última foto, do que

uma cena onde a expressão corporal é evidenciada.

5.3 O ritual escolar: o que se viu e ouviu na sala e aula

Nesta categoria temática, serão episodiadas as notas de campo que

interpretam os comportamentos dos sujeitos e explicitam as rotinas das escolas

investigadas, apontam também fatos que complementam o que foi evidenciado

nas falas dos sujeitos das categorias anteriores. As imagens servirão para

afirmar o que se viu e ouviu no espaço escolar.

Sabe-se que em toda instituição escolar há uma rotina sistematizada

que organiza o ambiente em prol do aprendizado das crianças. Bem, se

estamos falando de alunos de seis anos de idade inseridos no primeiro ano do

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ensino fundamental, não podemos esquecer que dentre as rotinas instauradas

na sala de aula, entendemos que deva existir momentos organizados para ―o

brincar‖, depois de tudo que relatamos no referencial teórico juntamente com

os autores sobre a brincadeira e a ludicidade, não podemos mais conceber que

aprender passa somente pelo crivo da ordem e do silêncio. Para aprender

também é preciso compartilhar momentos lúdicos, de confiança entre professor

e aluno, assim aprender é uma troca de informações e sentimentos. Brincar

desenvolve a imaginação, a criatividade, estimula a construção do sistema de

representação do cérebro, beneficiando, por exemplo, a aquisição da leitura e

da escrita. Enquanto ação e transformação da realidade, o brincar implica

também numa ação mental, refletindo-se tanto no domínio lógico, quanto no

desenvolvimento do raciocínio. ―Na atividade lúdica os aspectos operativos e

figurativos do pensamento são desenvolvidos‖43.

Mas então, o que realmente aconteceu nas escolas em questão? Será

que o movimento lúdico presencia a sala de aula do primeiro ano do ensino

fundamental? No município ou no ensino particular, onde o brincar é mais

evidente? Vejamos nos episódios que serão contados – na voz da

pesquisadora:

Episódio 1- ESTADO DE EUFORIA: longe dos olhares da professora.

“Repleto de divertimento o pátio das escolas investigadas no estudo

compreendem a mesma história, mesmo na presença da “tia do

portão” — inspetora de alunos — é notório a excitação dos alunos

quando adentram o espaço escolar. É difícil controlar o encontro das

crianças no momento da chegada na escola. Muito divertimento, para

dizer bem a verdade, muita bagunça, gritos, correria, uma bolinha de

plástico, muito pequena, cabia na palma da mão dos pequenos

alunos, de repente se transformou numa bola de futebol de campo,

vista pelas crianças como um prêmio encontrado embaixo do banco

— fora esquecida por alguém do período matutino”.

43

Publicado como FORTUNA, T. R. Vida e morte do brincar. In: ÁVILA, I. S. (org.) Escola e sala de aula: mitos e ritos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 47-59.

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A chegada na escola é muito esperada pelas crianças, é vista como o

momento de liberdade, onde os encontros são oportunizados e organizados

pelas próprias crianças. Tais comportamentos observados em nossas escolas,

assemelha-se com o que já havia sido estudado por McLaren (1991), “estado

de esquina de rua”44, caracterizado por comportamentos descontraídos, sem

vigilância, é a expressão exuberante dos corpos contorcidos emanados em

contatos físicos e desgovernados. Os alunos são donos do seu próprio tempo.

―Num outro espaço, bem em frente à sala de aula — escola municipal - as crianças gritavam e puxavam os cabelos umas das outras, entre um grito e outro, muita risada permeava a brincadeira, que a princípio fiquei assustada, depois me acostumei com a cena nomeada por eles (as crianças) de ‗brincadeira‘‘.

―Fugindo dos olhos da professora, uma garrafa pet, achada na quadra de esportes pelas crianças fez a festa de onze pequenos, que imediatamente a transformaram numa bola e do objeto surgiu à brincadeira, o jogo de futebol, isso por alguns minutos, até que a professora se apresentou no recinto, e com sua interferência, acabou com a brincadeira‖.

Como dizem os estudiosos, e comprovamos neste episódio, a

brincadeira tem sentido para a criança, quando é criada por ela, quando suas

regras são compartilhadas entre os que brincam, a partir do momento que há a

intervenção do adulto, o jogo perde o sentido lúdico.

Fig. 13 – Rede municipal de ensino Fig. 14 – Rede municipal de ensino

44

Expressão utilizada por Peter McLaren, em sua obra Rituais na escola: em direção a uma economia política de símbolos e gestos na educação, 1991.

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É visível nas salas de aula de ambas as escolas, um momento que é

muito visado pelas crianças para brincadeira, é quando as professoras sentam-

se em suas cadeiras, atrás das mesas, para a correção dos cadernos:

“No chamado da professora, segue a mesa, um a um, onde são corrigidos os cadernos e coladas às tarefas. Neste momento as crianças aproveitam, para burlar as regras instituídas, do silencio e da ordem, conversam com os colegas, sentam nas mesas, fazem passos de dança, a batucada na mesa com lápis também caiu no gosto dos meninos. Corridas entre as cadeiras também faz parte do repertório de brincadeiras. É claro que a euforia encerra-se quando tudo é percebido pela professora, que não se cala diante da situação: - „todos sentados, é bom que hoje não precisa de recreio,

afinal, estão recreando dentro da sala não é mesmo?‟ Assim, a brincadeira se acaba, por pouco tempo, até que os cadernos voltam a ser corrigidos, e a divagação toma corpo novamente em sala de aula”.

Fig. 13 – Rede municipal de ensino Fig. 14 – Rede municipal de ensino

Fig. 15 – Rede particular de ensino Fig. 16 – Rede particular de ensino

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Episódio 2- A ORAÇÃO

“Todos os dias, é realizada na sala de aula uma oração, na qual a professora inicia a benção, como o sacerdote na igreja que dá início a sua missa. Após a fala da professora, todos fecham os olhos, entrelaçam seus dedos e realizam sua oração. Exatamente às treze horas a cena se repete diariamente, a fala é decorada por todos”.

Muito bem investigada por McLaren (1991), o comportamento das

crianças investigadas neste estudo é muitíssimo parecido com o que ele já

nomeou de “estado de santidade” que é um estado de reconhecimento de

forças ou entidades desconhecidas, caracterizando a subserviência a um

estado de busca de um ―ser‖. Considera este momento de santidade evocando

gestos como sinal da cruz, mãos postas em oração.

Apesar de toda postura exigida neste episódio, podemos dizer que ainda

assim as crianças aproveitam os olhos fechados das professoras para fazer do

momento um espaço de ludicidade, apertando as mãos dos colegas que estão

ao lado — quando fazem círculo- e abrindo os olhos para dar uma risada tímida

entre si.

Episódio 3- LER E A TOMAR A LIÇÃO

Na escola particular de ensino, as crianças já sabem ler sozinhas,

algumas ainda com dificuldades, porém, são estimuladas a construírem o

conhecimento dia a dia, a leitura.

“Após o estado de santidade, assim podemos chamar,

inicia-se a leitura de um livro escolhido pelas crianças. Em

dupla ou sozinhos, seguem a frente da sala de aula para

apresentação da história infantil. Outro tipo de leitura, e a

realizada pela professora, com as crianças dispostas em

circulo. É um momento que exige um certo tempo e

paciência por aqueles que ouvem a história, onde muitos

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alunos acabam se dispersando, brincam com os pés,

conversam com os colegas...”

Fig. 17 – Rede particular de ensino Fig. 18 – Rede particular de ensino

Na escola municipal esta estratégia já não é adotada, primeiro que na

sala de aula não há livros, segundo porque é a minoria que sabe ler. Então

após a oração é realizada o que a professora de ―tomar a lição‖.

“A professora aponta a régua para os números e letras

que estão fixados nas paredes da sala de aula, assim as

crianças vão dizendo o que está escrito, coletivamente.

Depois deste ritual concretizado, inicia-se a tomada de

lição individual, aqueles com muita dificuldade acabam

por não se saírem muito bem nesta lição”.

Fig. 19 – Rede municipal de ensino Fig. 20 – Rede municipal de ensino

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Episódio 4- A AULA

Neste episódio serão contadas situações ocorridas dentro da sala de

aula como em outras cenas, porém, quando se fala de aula entende-se por

parte das crianças como participar das disciplinas de ―português e matemática‖.

Para os pequenos, a disciplina de educação física e artes não fazem parte do

que eles chamam de ‗aula‘,

AL3-M-M: “Sabe, aula, aula mesmo, é de matemática e português, porque não são muito legais, tem silêncio total. Educação física, que é lá fora, é igual brincar, é um divertimento, todo mundo corre prá lá e para cá, sobe e desce, se esconde do outro. Ave-Maria, é até damos muita risada e fazemos muito barulho lá fora”.

Percebendo a euforia do aluno durante a entrevista, seu gesto e seu

olhar indicam na sua descrição, o que Caillois (1990) relata sobre a paidia

Ela intervém de toda a animada exuberância que traduza uma agitação imediata e desordenada, uma recreação espontânea e repousante, habitualmente excessiva [...]. Essa elementar necessidade de agitação e de algazarra aparece inicialmente sob a forma de um impulso para tocar em tudo, para apanhar, provar, farejar, e, depois, abandonar [...]. Em breve surgirá o desejo de mistificar ou desafiar, deitando a língua de fora, fazendo caretas [...]. (p. 48-49)

A representação das aulas de educação física para a criança é um

divertimento, levado por muita algazarra, um tanto desregrada,quando assim

permite o professor, porém no olhar do pequeno é desta forma que se

apresenta.

Em outra dimensão, existem as disciplina como português e matemática

que são designadas pelas crianças ―não muito legais‖, exigem mais disciplina e

silêncio. Roger Caillois (1990, p. 32) aponta que

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Se numa extremidade - educação física - reina, quase absolutamente, um princípio de diversão, turbulência e improviso [...], na extremidade oposta – português e matemática - essa exuberância alegre e impensada é praticamente absorvida, ou praticamente disciplinada, por uma tendência complementar, contrária nalguns pontos [...].

A extremidade oposta dita por Caillois refere-se ao que ele chama de

ludus, que ―surge como complemento e adestramento da paidia, disciplina e

enriquece‖ (1990, p. 50). Ludus está entendido aqui como o comportamento

que é peculiar nas ditas ―aulas‖, que necessita de concentração e

comprometimento dos educandos, que permitem somente ações ―pensadas‖,

que a paidia não agrega tais atitudes.

“Seguindo a rotina habitual de ambas as escolas, adentra a sala de aula, logo em seguida, marca-se o calendário, numa escola é feito isso numa folha que fica fixada num cordão, parecido com um varal, onde cada criança identifica o seu calendário, que por sinal é muito colorido, pintado por elas próprias, e faz as anotações necessárias. Já noutra escola, a anotação do dia é realizada no caderno mesmo, numa folha monocromática, colada e fixada ali mesmo” “[...] após a rotina do calendário, existe um momento que é a distribuição do material das crianças, enquanto na escola particular adota-se a estratégia de escolher um ajudante do dia, que é um aluno- na outra tudo é feito pela professora de sala. O ajudante se envolve com as questões da sala, se sente valorizado e importante no contexto, ajuda a professora em diversas situações da aula, o que mais chama atenção é que eles se organizam facilmente quando um outro colega realiza funções que seriam do adulto, deixando assim a expectativa dos demais para serem sorteados ou escolhidos nos próximos dias.” “[...] na hora de prestar atenção ― a aula ― que refiro-me ao momento da explicação, é preciso muito silêncio e atenção, assim as professoras pedem as crianças para deixa o lápis, borracha ou qualquer material, em cima da mesa, e fixar os olhos no quadro, ou nela mesma. De acordo com uma das professoras, é preciso estar com os braços parados, pois com eles soltos, ficam se mexendo e não se dedicam a aula”.

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Por certo a professora deve ter razão, talvez ela queira evitar o

descontentamento dos pais, e equipe diretiva, e alcançar é claro resultados

significantes com a turma, que por sinal é uma turma que lê e escreve, que

conta números e histórias.

“A rotina da leitura é muito praticada no ensino particular,

todos os dias há de alguma forma a leitura, seja em grupo

apresentada pelas crianças ou lida pela professora, seja

simplesmente senta-se no chão da sala e manusear o

livro de escolha dos meninos”.

Fig. 21 – Rede particular de ensino Fig. 22 – Rede particular de ensino

“Na rotina da escola municipal, presenciei somente dois

momentos de leitura, pelo menos nos dias em que estive

presente na investigação, aconteceu num dia realizado

por uma professora substituta, e em outro momento

quando foi distribuída a turma um texto bem pequeno e

colado no caderno para a famosa interpretação. Inclusive

uma reclamação da regente da sala, é não existir livros

nas salas para as crianças manusear e interagir com o

material”.

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Fig. 23 – Rede municipal de ensino

Na rotina da sala de aula do ensino público, além de ler, escrever,

calcular, também conseguimos identificar isolados e esporádicos movimentos

lúdicos propostos pela professora. Já os alunos propõem em todos os

momentos a ludicidade, mesmo quando a professora está explicando a lição. E

como já conversamos numa outra categoria temática, o brincar não tem muito

espaço na sala de aula pelo fato de priorizar a atividade cognitiva e caracterizar

como não séria a atividade lúdica.

“Neste dia aconteceu algo inesperado, pelo menos para mim que já estava a alguns meses na sala de aula e não presenciava ações lúdicas. A professora entregou-lhes um “texto musical”-assim é chamado na pedagogia- fizeram a leitura do mesmo e depois se puseram a cantarolar. Todos ficaram de pé, fizeram gestos e além de cantar, dançavam muito, pulavam. Enfim a aula foi muito elogiada pelos pequenos estudantes, e pediram sempre mais e mais. Queriam que a professora repetisse a atividade por várias vezes. Tiveram a oportunidade de vivenciar uma experiência lúdica, com movimentos livres, descontraídos. Isso aconteceu uma única vez durante a investigação. Sabe-se que a ação lúdica foi voltada para dar início a um conteúdo pretendido, porém, isso poderia ser deixado de lado e como quando a professora pediu que eles cantassem, deixou livre para que cada um fizesse o movimento pretendido.

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Fig. 24 – Rede municipal de ensino

―Já no ensino particular, o movimento lúdico, é um pouco menos restrito do que no ensino público, o próprio material de apoio ao professor, sugere o quesito brincadeira, movimento. Brincar de passa anel, ovo choco, teatralizar textos, confeccionar brinquedos”

Fig. 25 – Rede particular de ensino Fig. 26 – Rede particular de ensino

Sei que corremos o risco de cair na discussão de que se o brincar tiver

um encaminhamento pedagógico já não possui uma dimensão lúdica, porém

quero trazer nesta análise e puder comprovar na observação, é que a criança

transforma o que o adulto a principio imagina realizar com determinada ação, a

criança pensa somente no brincar, na dimensão lúdica do objeto que lhe é

oferecido, mesmo que tenha uma função pedagógica, esta função está na

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mente do adulto-professor. As crianças transformaram os ―jogos pedagógicos‖

em apenas ―brinquedos‖.

A criança está sempre pronta para criar outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura dominante, ultrapassando o sentido único que as coisas novas tendem a adquirir [...]. A criança conhece seu mundo enquanto cria, e, ao criar o mundo ela nos revela a verdade sempre provisória da realidade em que se encontra. (JOBIM E SOUZA, 1994 apud KRAMER E LEITE, 1996, p.49)

Na realidade quem deve se preocupar com o aprendizado da criança é o

adulto, familiares, professores, na criança a preocupação fica em ―não de

preocupar‖, agir de acordo com sua essência lúdica, não pensando em que

situações serão oportunizadas a brincadeira, mas sim que estarão brincando,

baseado na gratuidade do jogo, no ideal de liberdade que lhe é próprio. É

possível a sala de aula equilibrar-se entre a paidia e o ludus, ora exuberante e

eufórica, ora calma e disciplinada, adequando-se as diversidades de situações

abarcam este espaço.

Fig. 27 – Rede particular de ensino Fig. 28 – Rede particular de ensino

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se constata nas escolas investigadas até então, é justamente que

as crianças são vítimas preferencial de uma sociedade controladora,

ritualizados em busca de uma disciplina pré-estabelecida pelo processo

educacional, que institucionalizou que lugares que acontecem o aprendizado

são dignos de silêncio e ordem.

Independentemente da escola, particular ou municipal, as ações do

sistema educacional como um todo, são voltadas para a preparação do aluno

para o mercado de trabalho, pois os rituais estabelecidos nas instituições são

igualados aos ritos criados nas empresas ou locais de trabalho, ou seja, hora

para entrar, fazer oração, abrir o caderno, lanchar, conversar com os colegas,

principalmente horários determinados para brincar, e sair da escola.

Percebe-se que na rede particular de ensino há uma vontade imensa da

professora em estabelecer uma nova rotina em sua sala de aula, instituindo o

brincar em maior relevância na sua sala de aula. Como relata na entrevista e

identifica-se na observação no lócus da pesquisa, somente a intenção de

brincar não é válida, é preciso agir e propiciar momentos lúdicos relevantes

para as crianças, o sistema de educação deste ambiente não permite tamanha

liberdade em sala de aula por diversas situações que esbarram no material

didático a ser finalizado pelo aluno em sua totalidade, no entendimento dos

pais quanto ao aprender a ler, escrever e calcular e na compreensão dos

adultos sobre a dimensão da brincadeira na escola.

Na escola particular, o brincar é mais aparente, muito por sugestão do

material de apoio didático que estimula a prática de jogos educativos, com

finalidades no aprender. Outra evidência de tentativas de oportunizar o brincar

é ditada pela professora que entende a brincadeira como fundamental para

esta faixa etária e tenta incluí-la em seu cotidiano escolar quando vão ao

parque, à piscina e ao gramado. Situações raras na sala de aula, que são

eventos e horários já estabelecidos pela escola.

O fato de a professora ser muito alegre e descontraída, sua sala de aula,

apesar dos diversos afazeres preparatórios aos princípios que somente

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interessam aos adultos, é muito colorida e atraente. Às crianças é permitido,

pentear o cabelo, maquiar e sentar no colo da professora, como sinais de

afetividade e ludicidade própria do ―ser‖ desta professora. É claro que os

aspectos lúdicos partem da identidade de cada um, é como a essência do ser

humano, são retratos individuais dos seres humanos, que mostram em suas

atitudes e comportamentos, sem velar uma identidade.

Reconhecendo que a brincadeira deveria fazer parte do cotidiano

escolar, a professora da rede particular de ensino se acha omissa diante de

tantas obrigações a serem cumpridas na instituição, e não por uma imposição

somente da escola em questão, mas por uma situação que é posta pelo

sistema geral da educação como governo, pais e sociedade, que preconizam

um modelo de ensino, como é visto pelo novo sistema de ensino de nove anos,

imposto como uma nova verdade. Assim deixo uma indagação a ser pensada

por todos nós sobre o ensino de nove anos, mais especificamente sobre a

entrada da criança de seis anos no ensino fundamental. Criança de seis anos

de idade submetida ao ensino mais sistematizado será beneficiada em sua

essência de ser criança, ou será adultizada precocemente pela escola em suas

diversas interpretações do que fazer com este aluno?

O ensino de nove anos nas escolas de Sinop, nos espaços investigados,

mostrou-se bastante ambíguo no que tange sua interpretação e aplicação das

suas normativas e orientações. Em conversas informais que realizei pelos

ambientes escolares com a coordenação, direção e com as professoras me

mostrou que para a implementação da nova lei, do ensino de nove anos, não

houve nenhum estudo por parte da escola de forma coletiva, que pudesse criar

uma discussão entre todos que estão envolvidos direta ou indiretamente com a

mudança. O que aconteceu nas instituições de ensino foi o entendimento de

imposição pelo governo e secretaria de educação dos estados e municípios,

onde as escolas abarcaram a proposta, implantaram o ensino de nove anos-

que é lei - porém não foram estudadas com profundidade suas consequencias

principalmente para a criança, que a meu ver, foi a mais afetada com a

mudança. Percebe-se que há muitos conflitos na sala de aula, as professoras

estão divididas com as informações recebidas, em alguns momentos a turma

de alunos do primeiro ano do ensino fundamental é incluída nas programações

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da educação infantil, em outras situações a turma é parte das atividades

organizadas pelo ensino fundamental. Então é preciso refletir: A quem pertence

efetivamente o aluno do primeiro ano (seis anos)? Nos documentos oficiais do

governo, este aluno é integrante do ensino fundamental, mas nas ações

práticas, observa-se uma grande confusão na instituição escolar.

No ensino público a situação é mais declarada na sala de aula, a

professora dos alunos de seis anos, sente uma dificuldade enorme em

desenvolver a ludicidade em sua sala de aula, por sua própria característica

pessoal, não possui aspectos da ludicidade na condição de ―ser humano‖, ou

seja, nesta sala, não se evidencia alegria e descontração. A sala é triste

primeiramente em sua arquitetura, é monocromática, escura. Aqui as

condições de ser adulto e de ser criança é muito bem separada pela

professora, desta maneira, nesta sala de aula, a brincadeira é cerceada e o

movimento lúdico é inexistente.

As crianças têm a função de copiar todos os enunciados ― que muitos

livros já trazem prontos ― de todas as atividades que realizam em sala, isso é

um fator relatado pela escola como um empecilho de oportunizar momentos de

brincadeira pela injusta ocupação do tempo infantil. As crianças possuem um

trabalho a mais, além de somente executar as atividades pedidas pela

professora, situação esta que é provocada por um sistema educacional além

dos muros desta escola, é uma questão política, que escapa dos domínios da

professora. Porém, além de imposições do sistema educacional, nesta sala de

aula não há realmente a intenção de estabelecer ligação com a ludicidade, pela

falta de tempo e pelo entendimento sobre a brincadeira que de acordo com o

relato da professora, a brincadeira na sala de aula todos os dias é enfadonho

para as crianças, acaba caindo na monotonia se for instituída diariamente na

sala de aula.

Nas duas escolas, evidenciou-se uma necessidade de movimentar-se e

brincar na sala de aula pelas crianças. Os alunos mostraram indícios de que

sentem a necessidade de libertar-se fisicamente das ordens e regras

estabelecidas pelos adultos e não discutidas com eles.

Neste estudo não houve intenção de comparar o ensino público e

particular, houve a preocupação de enxergar as situações do brincar em sala

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de aula de ensinos diferentes, num espaço e no outro como as crianças

percebem e como a instituição trata e conduz a ação do brincar na escola.

Retratando um pouco mais sobre a brincadeira, na escola ela não

aparece como um aspecto a ser levado em consideração, pois em

favorecimento do ler, escrever e calcular a ludicidade é deixada para um

segundo plano, ou seja, ―quando sobrar tempo‖, como foi mostrado nas

discussões dos dados.

Percebemos que existem visões diferenciadas a respeito da brincadeira,

de acordo com os interesses ― uma visão da criança e outra do adulto (pai e

professor). Há uma ―consciência‖ por parte de professores e equipe

pedagógica que é importante e necessário o espaço e momentos de

brincadeiras na instituição escola, mas que elas são feitas, sim, nas aulas de

educação física e no recreio escolar, pois há uma imensa quantidade de

conteúdos a serem trabalhados e cumpridos durante o período letivo, mas que

as crianças brincam e se movimentam em sala de aula quando é possível,

fraudando os olhares das professoras.

As crianças brincam quando é permitido pelas professoras, porém

aproveitam alguns momentos como corrigir caderno, passar conteúdo no

quadro e atender à porta para saírem dos lugares, lançarem objetos, fantasias

personagens.

As crianças mostraram indícios das necessidades infantis de

movimentar-se e expressar-se fisicamente, mas, infelizmente as escolas não

adotam as atividades lúdicas e o movimento em seu planejamento efetivo,

parte da sala de aula, somente nas aulas de educação física estes corpos são

trabalhados, pois se considera pela escola que tudo que é movimento não cabe

em sala de aula e sim nas quadras, e que a partir do momento em que

conhecemos melhor as áreas psicomotoras podemos aperfeiçoar as atividades

para que a criança possa adquirir habilidades e capacidades cujas lhes trarão

benefícios tanto para sua escolarização como para sua vida social, afirmando

assim que as aulas de educação física são também colaboradoras na

aquisição do aprendizado escolar.

Nas análises dos dados podemos compreender dessa forma, os nossos

gestos e expressões como olhar, andar, sentir, pensar, conversar representa

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nossos modos de vida, podendo-se dizer que o corpo é um corpo no mundo

que possibilita na escola representações mental e absorção concreta de

conteúdos, o movimento lúdico é tão importante quanto à ação da professora

de ensinar. O corpo infantil deve ser visto como uma maneira de que toda e

qualquer forma de aprendizagem deva passar por ali.

A sala de aula é um lugar de brincar se o professor conseguir conciliar

os objetivos pedagógicos com as vontades dos alunos ― de movimento. Para

isto é necessário encontrar o equilíbrio entre o cumprimento de suas funções

pedagógicas: ensinar conteúdos e habilidades, para a construção do ser

humano autônomo e criativo e para o exercício da cidadania e da vida coletiva.

Para tal, este é um equilíbrio que o processo educativo persegue sem nunca

atingir totalmente, dada a sua própria escassez.

As brincadeiras proporcionam desafios que provocam os alunos gerando

interesse e prazer. Portanto é importante que as brincadeiras façam parte do

currículo e da cultura escolar, cabendo ao professor avaliar a sua aplicação

dando ênfase, portanto, à formação lúdica que se possa desenvolver junto às

crianças, permitindo assim um trabalho pedagógico mais envolvente e lúdico.

Cabe ao professor proporcionar os momentos lúdicos, a criança faz o seu

momento lúdico longe dos olhos do adulto, se escondendo das professoras ou

criando subterfúgios para assim utilizá-la durante a permanência em sala de

aula.

Se falarmos de criança é preciso compreender que a escola é um

espaço propício para promulgar o aprendizado da brincadeira, é espaço de

desenvolver a cultura lúdica através de favorecer ambientes lúdicos. Para que

haja a brincadeira é preciso do espaço de brincar, para que a criança além de

explorar o ambiente, crie situações sociais de interação e convívio com outras

crianças e até mesmo com adultos, que no caso, seria as professoras. A

criança quando joga e brinca cria mecanismos de comunicação e interação

simbólica com a sua cultura. Neste contexto de liberdade que o jogo oferece à

criança, ela fica mais propensa a pensar, a falar, agir e ser ela mesma, pelo

fato de não se sentir coagida. A brincadeira contribui para liberar o nosso aluno

de qualquer pressão sofrida em situações de sala de aula, quando em

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atividades cognitivas. A ludicidade é despida de punição e revela a identidade

infantil na escola.

O brincar para a criança é sinônimo de autonomia, liberdade de

expressão e de simbolismo. Infelizmente há uma grande influencia da visão do

adulto sobre a ideia que a criança faz do brincar na escola. Elas reconhecem e

dão indícios de suas necessidades brincantes em seus comportamentos,

gestos, conversas e representações gráficas, porém dizem que a escola é

lugar de estudar, é lugar para aprender a ler e escrever. Acreditaria nas

palavras da criança se não fossem precedidas por um pensamento de adultos.

A criança acredita que na escola devemos somente estudar porque seus pais

disseram que devem ser alguém na vida: ser médico, advogado, arquiteto,

enfim, que a escola é uma preparação para o mercado de trabalho quando

assim forem adultos.

Outro fator é que a passagem da educação infantil para o ensino

fundamental há rupturas nas aplicações metodológicas do ato de ensinar, a

partir de então o momento é de ler e escrever, de estudar, fazer provas enfim,

a brincadeira, o brinquedo, o jogo e a ludicidade é propriedade do ciclo anterior

(educação infantil), cabendo então à educação física através de seus

conteúdos, organizarem a maior quantidade de vivências motoras trabalhando

em prol, também do processo de alfabetização.

Transpor o aspecto pedagógico na sala de aula significa pensar o outro

como aluno dotado de uma identidade e cultura construída através de aspectos

históricos e sociais. Executar as tarefas ditadas pelos adultos, não fazem da

criança um exemplo na infância, é justamente pelo fato de transgredir as regras

impostas pelo professor que as fazem partícipes do contexto infantil, regras

como a ordem e o silencio. Para a criança o movimento corpóreo é a porta de

entrada do aprendizado tão dito na escola, pois o movimento favorece ações

concretas carregadas de significados para a infância. Para a criança tudo é

corpo, tudo passa pelo corpo, então a educação precisa rever suas ações e

pensar na criança em sua essência.

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ANEXOS

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Roteiro de entrevista com as professoras

1. Nome

2. Idade

3. Formação superior/ ano

4. Especialização/ano

5. Quanto tempo atua na alfabetização?

6. Como você analisa a educação atual, com a lei de ensino de 9 anos?

7. Houve mudanças em sua forma de trabalhar com as crianças, que agora

chegam mais cedo no ensino fundamental?

8. Você julga ser importante a utilização do lúdico, jogos, brinquedo e

brincadeiras, como uma estratégia de aprendizado em sua sala de aula?

9. Por quê? Explique .

10. Em que momentos você utiliza a ludicidade?

11. Você acredita ser possível aprender através dos jogos?

12. Observei que você utiliza do brinquedo cantado com os alunos, fazendo

gestos e movimentos, quando você percebe a necessidade de utilizá-lo?

Tem um planejamento específico para o uso?

13. Você percebe que eles gostam de movimentar-se, brincar?

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Roteiro de entrevista com as crianças

1. Você gosta de vir à escola?

Como ela é?

2. Qual é o lugar que você mais gosta aqui na escola?

Por quê?

3. E sua sala de aula, como ela é, o que ela tem?

4. O que você faz na sala de aula? Pode brincar? Por quê?

5. Como é sua professora?

6. Por que você vem à escola?

7. Se você fosse um mágico, o que você mudaria na sua escola?

8. Você gosta de brincar?

9. Na sua casa, você brinca do que?

10. Aqui na escola você gosta de brincar, do que?

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IMAGENS COMPLEMENTARES DO ESTUDO

Escola municipal

Foto 29 Foto 30

Foto 31 Foto 32

Foto 33 Foto 34

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Escola Particular

Foto 35 Foto 36

Foto 37 Foto 38

Foto 39 Foto 40