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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO MÁRCIA MARIA RODRIGUES TABOSA BRANDÃO CONSELHO DE CLASSE NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DO JABOATÃO DOS GUARARAPES Recife 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · À Secretaria Executiva de Educação do Município do Jaboatão dos Guararapes, pela possibilidade de realizar esta pesquisa em

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    CENTRO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    CURSO DE MESTRADO

    MRCIA MARIA RODRIGUES TABOSA BRANDO

    CONSELHO DE CLASSE NAS REPRESENTAES SOCIAIS DE PROFESSORES

    DA REDE MUNICIPAL DO JABOATO DOS GUARARAPES

    Recife

    2016

  • MRCIA MARIA RODRIGUES TABOSA BRANDO

    CONSELHO DE CLASSE NAS REPRESENTAES SOCIAIS DE PROFESSORES

    DA REDE MUNICIPAL DO JABOATO DOS GUARARAPES

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Educao da Universidade

    Federal de Pernambuco como requisito parcial

    para obteno do ttulo de Mestre em

    Educao.

    Orientadora: Ktia Maria da Cruz Ramos

    Coorientadora: Fatima Maria Leite Cruz

    Recife

    2016

  • MRCIA MARIA RODRIGUES TABOSA BRANDO

    CONSELHO DE CLASSE NAS REPRESENTAES SOCIAIS DE

    PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DO JABOATO DOS GUARARAPES

    Dissertao apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em Educao da

    Universidade Federal de Pernambuco,

    como requisito parcial para a obteno

    do ttulo de Mestre em Educao.

    Aprovada em: 18/03/2016.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Ktia Maria da Cruz Ramos (Orientadora)

    Universidade Federal de Pernambuco

    Prof. Dr. Tatiana Cristina dos Santos de Arajo (Examinadora Externa)

    Universidade Federal de Pernambuco

    Prof. Dr. Lada Bezerra Machado (Examinadora Interna)

    Universidade Federal de Pernambuco

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pela companhia fiel e por ser minha fortaleza nos momentos de alegria, satisfao,

    incerteza, fragilidade e cansao no percurso da escrita deste trabalho, assim como, de toda a

    minha existncia.

    Aos meus pais Antnio e Emilda Tabosa in memoriam, pessoas mais que especiais, que

    permanecem em minhas melhores lembranas pelo imenso amor dedicado famlia.

    Ao meu esposo Luciano Brando pelo apoio e incentivo na busca de meus sonhos e objetivos,

    demonstrando sempre amor, pacincia e companheirismo, me ajudando a vivenciar o

    mestrado sem esmorecer.

    Aos meus filhos Mara e Magnum, minha irm Socorro, meus sobrinhos e esposo(a), minha

    nora, pela corrente de apoio que sempre compuseram em volta de meus projetos.

    s Professoras Ktia Ramos, Fatima Cruz e Lada Machado - exemplo de mulheres

    competentes e dedicadas educao - pelas sugestes de direcionamentos e correes

    essenciais para a concluso desta dissertao.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Educao, principalmente, a Alexandre

    Freitas, Artur Morais, Conceio Carrilho, Janete de Azevedo, Ktia Ramos, Lada Machado,

    Lcia Maia e do Programa de Ps-Graduao em Psicologia, sobretudo, a Ftima Santos e

    Fatima Cruz pelas reflexes promovidas que tanto colaboraram para minha formao

    acadmica.

    turma trinta e dois do mestrado, pela construo do conhecimento em conjunto, sobretudo,

    a Viviane Lima, Nathali Gomes e Juliana Beltro, pela amizade, conversas motivadoras e

    orientadoras bem como compartilhamento de viagens para apresentao de trabalhos.

    Aos funcionrios do Programa de Ps-Graduao em Educao - PPGE, pela maneira gentil

    em atender minhas solicitaes.

    Aos funcionrios da Biblioteca do Centro de Educao - UFPE, por acolher com esmero

    minhas solicitaes.

    As colegas do grupo de estudo em Teoria das Representaes Sociais, pela partilha do

    conhecimento sobre esta Teoria.

    professora Lavnia Ximenes pela preciosa colaborao no momento da elaborao do pr-

    projeto de pesquisa.

    professora Fabiana Vidal pelas sugestes para a discusso na banca de seleo.

    professora Graciana Azevedo que traduziu o resumo, compondo o abstract.

  • Secretaria Executiva de Educao do Municpio do Jaboato dos Guararapes, pela

    possibilidade de realizar esta pesquisa em sua na rede pblica de ensino, em especial, a todos

    os tcnicos desta instituio pela generosidade em atender a minha solicitao quanto a

    recolha de dados.

    s instituies onde realizei meu trabalho de campo: Escola Regular Rural, Escola de Tempo

    Integral e Escola Regular Urbana, pelo acolhimento e ateno no decorrer da pesquisa, de

    modo especial, aos professores que se dispuseram a participar.

  • RESUMO

    O presente estudo objetivou compreender as representaes sociais de conselho de classe

    compartilhadas por professores da Rede Municipal do Jaboato dos Guararapes. O referencial

    terico-metodolgico adotado na pesquisa foi a Teoria das Representaes Sociais proposta

    por Serge Moscovici (1978) e a abordagem culturalista (JODELET, 2001) foi o referencial de

    base para dar conta da empiria. Participaram da investigao, na fase de aplicao do

    questionrio, 77 professores lotados em trs escolas da Rede Municipal do Jaboato dos

    Guararapes (uma Escola Regular Rural, uma Escola de Tempo Integral e uma Escola Regular

    Urbana), dos quais 20 participaram da fase de realizao das entrevistas. O estudo se apoiou

    na abordagem da pesquisa qualitativa, tendo como procedimentos e instrumentos de recolha e

    tratamento dos dados: a anlise documental tratada pela tcnica da anlise de contedo de

    Bardin (2011), o questionrio tratado pelo software EXCEL e anlise temtica (BARDIN,

    2011), bem como a entrevista semiestruturada tambm pela anlise temtica. E, em

    decorrncia do processo de insero no campo, contou ainda com observao de dinmica de

    conselho de classe, cujos dados foram tratados atravs da anlise de contedo. Os resultados

    revelam que as representaes sociais de conselho de classe por professores dessa Rede so

    permeadas por sentidos ambguos, indicando perspectivas quer progressista quer

    tradicional.Elas se constituem da conjuno de distintos elementos que se inter-relacionam,

    agregando sentidos atribudos avaliao e democratizao das relaes. Tais

    representaes sociais podem ser sintetizadas na dualidade dos seguintes estruturantes: uma

    ao avaliativa que tanto considera o ensino e aprendizagem do professor e aluno como se

    conserva restrita ao aprendizado e/ou ao no aprender do aluno; amparam-se na condio de

    democratizao das relaes, por meio da reflexo dialogada, mas tambm se utiliza dessa

    condio para a manuteno da figura de poder do professor. Os resultados tambm revelam

    que independente do tempo de atuao na Rede os professores compartilham sentidos de

    conselho de classe: entre professores com menor tempo de docncia na Rede maior

    concentrao de uma perspectiva conservadora. Enquanto que entre professores em meados e

    com maior tempo de docncia na Rede esse sentido perde fora gradualmente. Um ponto a

    destacar um indcio de que a presso decorrente das avaliaes externas, balizada por

    ndices de rendimento escolar, tem vindo a contribuir para fragilizar a representao que o

    professor tem do seu poder no conselho de classe.

    Palavras-chave: Representaes sociais. Conselho de classe. Professores. Avaliao.

  • ABSTRACT

    The present study aimed to understand the social representations of teachers meetings, shared

    by teachers of the Municipal Education System of Jaboato dos Guararapes. The theoretical

    and methodological framework adopted in the research was the Theory of Social

    Representations proposed by Serge Moscovici (1978) and the culturalist approach

    (JODELET,2001) was the referential framework to account for the empiricism. Seventy-

    seven teachers from three schools (a Regular Rural School, a Full-Time School and a Regular

    Urban School) of the Municipal Education System of Jaboato dos Guararapes participated in

    the investigation by answering questionnaires; from the total number of teachers, 20 were

    interviewed. The study was based on the qualitative research approach, having as procedures

    and tools for the data collection and processing: the analysis of documents which was treated

    by the technique of content analysis proposed by Bardin (2011), the questionnaire treated by

    EXCEL software and thematic analysis (BARDIN, 2011), and a semi-structured interview

    also treated by the thematic analysis. And, as a result of the process of fieldwork, the study

    also relied on the observation of the dynamics of teachers meetings, from which data were

    treated through the content analysis. The results reveal that in the teachers meetings, the

    social representations of teachers of the Municipal Education System are permeated by

    ambiguous senses, indicating either progressive or traditional perspectives. They constitute a

    conjunction of interrelated distinct elements, adding senses attributed to the evaluation and to

    the democratization of relations.Such social representations can be summarized in the

    following structural duality: an evaluative action that considers the teaching and learning of

    the teacher and the student while is kept restricted to learning and/or not learning of the

    student; it is sustained in the democratization of relations, seeking to solve pedagogical

    demands through reflective dialogues by different professionals of education, supported by a

    formative perspective, also using this condition to maintain the image of the teacher's power,

    supported by control instruments, considering that the student possesses little knowledge. The

    results also reveal that regardless of how long the teachers have worked in the Municipal

    Education System, they share senses of teachers meetings: among teachers with less teaching

    experience in the Education System, there is a higher concentration of a conservative

    perspective, while among teachers half way through or with more teaching time in the

    System, this sense weakens gradually. A point to note is the existence of an indication that the

    pressure deriving from external evaluations, imposed by school performance rates, has

    contributed to the weakening of the representation that the teacher has of his/her power in the

    teachers meetings.

    Key words: Social representations. Teachers meeting. Teachers. Evaluation.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Nmero de professores por nvel e modo de contratao na Rede Municipal do

    Jaboato dos Guararapes em 2015 ...................................................................... 73

    Quadro 2 - Escolas da Rede Municipal que se enquadram nos critrios da pesquisa ............. 74

    Quadro 3 - Categorias temticas resultantes do termo indutor para voc conselho de classe

    ... ..................................................................................................................... 104

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Conselho de classe como tomada de deciso para solucionar problemas do aluno

    segundo os professores por tempo de atuao docente na Rede e contexto escolar

    ...................................................................................................................... 106

    Grfico 2 - Conselho de classe como tomada de deciso para diagnosticar avanos/problemas

    do aluno segundo os professores por tempo de atuao docente na Rede e

    contexto escolar ............................................................................................. 119

    Grfico 3 - Conselho de classe como tomada de deciso para definir a vida escolar do aluno

    segundo os professores por tempo de atuao docente na Rede e contexto escolar

    ...................................................................................................................... 128

    Grfico 4 - Conselho de classe como tomada de deciso para atender demandas das avaliaes

    externas segundo os professores por tempo de atuao docente na Rede e

    contexto escolar ............................................................................................. 136

    Grfico 5 - Conselho de classe como avaliao do professor e do aluno segundo os

    professores por tempo de atuao docente na Rede e contexto escolar ........... 143

  • SUMRIO

    1 DO INTERESSE PELA TEMTICA ORGANIZAO DO ESTUDO .................. 11

    1.1 Origem do interesse pela temtica ............................................................................... 11

    1.2 Levantamento de estudos sobre a temtica conselho de classe ................................... 16

    1.2.1 Estudos no mbito do PPGE-UFPE ............................................................................. 17

    1.2.2 Estudos no mbito da BDTD ....................................................................................... 17

    1.2.3 Estudos no mbito do BTDC ....................................................................................... 20

    1.3 Organizao do estudo ................................................................................................. 23

    2 A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS ........................................................ 24

    2.1 Proposies iniciais e origem ....................................................................................... 24

    2.2 Conceitos basilares e funes ....................................................................................... 27

    2.3 Mecanismos de construo........................................................................................... 30

    2.4 A grande teoria e seus desdobramentos ...................................................................... 34

    2.5 Themata: um conceito em expanso ............................................................................ 36

    2.6 Representaes Sociais: compreendendo os fenmenos educativos ........................... 38

    3 SOBRE CONSELHO DE CLASSE ............................................................................... 40

    3.1 Breve contextualizao da avaliao ........................................................................... 41

    3.2 Processo de institucionalizao do conselho de classe ................................................. 48

    3.3 Conselho de classe no Estado de Pernambuco e no Municpio do Jaboato dos

    Guararapes ......................................................................................................................... 57

    4 PERCURSO METODOLGICO .................................................................................. 65

    4.1 Procedimentos e instrumentos de coleta e anlise dos dados...................................... 66

    4.2 O campo e os participantes da pesquisa ...................................................................... 71

    4.2.1 Caracterizao das escolas campo de pesquisa ............................................................. 75

    4.2.2 Caracterizao dos participantes da pesquisa ............................................................... 79

    4.2.3 Insero no campo e contato com os participantes da pesquisa .................................... 84

    5 CONSELHO DE CLASSE NA REDE MUNICIPAL DO JABOATO DOS

    GUARARAPES: DE DOCUMENTOS ORIENTADORES OBSERVAO DE

    PRTICAS ......................................................................................................................... 88

    5.1 Conselho de classe segundo a Proposta Curricular da Rede Municipal do Jaboato

    dos Guararapes .................................................................................................................. 88

    5.2 O observado na insero no campo ............................................................................. 97

    6 CONSELHO DE CLASSE NA REDE MUNICIPAL DO JABOATO DOS

  • GUARARAPES: SENTIDOS E SIGNIFICADOS COMPARTILHADOS POR

    PROFESSORES............................................................................................................... 104

    6.1 Conselho de classe como tomada de deciso ............................................................. 104

    6.1.1 Conselho de classe como tomada de deciso para solucionar problemas do aluno ...... 105

    6.1.2 Conselho de classe como tomada de deciso para diagnosticar avanos/problemas do

    aluno .................................................................................................................................. 118

    6.1.3 Conselho de classe como tomada de deciso para definir a vida escolar do aluno ...... 127

    6.1.4 Conselho de classe como tomada de deciso para atender demandas das avaliaes

    externas ............................................................................................................................. 135

    6.2 Conselho de classe como avaliao do professor e do aluno ..................................... 142

    7 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 154

    REFERNCIAS ............................................................................................................... 160

    APNDICES .................................................................................................................... 173

    APNDICE - A ................................................................................................................ 173

    APNDICE - B ................................................................................................................ 174

    APNDICE - C ................................................................................................................ 175

    APNDICE - D ................................................................................................................ 176

    APNDICE - E ................................................................................................................ 177

    APNDICE - F ................................................................................................................. 178

    APNDICE - G ................................................................................................................ 179

    APNDICE - H ................................................................................................................ 181

    APNDICE - I.................................................................................................................. 182

  • 11

    1 DO INTERESSE PELA TEMTICA ORGANIZAO DO ESTUDO

    1.1 Origem do interesse pela temtica

    O interesse pelo tema provm de reflexes suscitadas nas experincias de conselho de

    classe no mbito da nossa atuao como docente na Rede Municipal do Jaboato dos

    Guararapes.Nesta experincia era recorrente ouvir discursos dos professoresque expunham e

    legitimavam a viso de conselho de classe como um momento de julgamento do desempenho

    do aluno, com destaque para o aspecto quantitativo da avaliao, focando a

    aprovao/reprovao. Principalmente, no que se refere a um enquadramento do aluno

    referenciado no parmetro de sistema de clculo aritmtico visando a atribuio de notas ao

    trmino de um perodo sem considerar o seudesenvolvimento ao longo do percurso

    pedaggico.

    Vamos que se instalava e era enaltecida uma cultura avaliativa classificatria e

    punitiva que segundo Santos, F. (2006) centra a ateno no produto como indicador do grau

    de aprendizagem dos contedos trabalhados, cujo resultado apresentado pelo aluno por si

    justificaria o sucesso ou fracasso escolar. Tambm foi possvel observar, naquela ocasio,

    referncias explcitas ao conselho de classe como uma instncia de deciso apenas dos

    professores, em termos de reconhecimento da autoridade e da autonomia docente para tomar

    decises a respeito da vida escolar do aluno. Nesta perspectiva, para alm do carter

    classificatrio e punitivo, ainda ficava patente a compreenso de conselho de classe baseada

    na ideia de delegacia composta pelo professor enquanto delegado e o aluno como acusado.

    Nesse quadro, a compreenso de conselho de classe enquanto uma instncia colegiada

    comprometida com a (re)orientao dos processos de ensino e de aprendizagem passa ao

    largo, bem como no mbito do sentido de gesto democrtica defendido por Vargas (2008) e

    Camacho (2010). Isto porque, na perspectiva observada,essa instncia se reduz a uma

    correlao de foras desproporcional. Em consonncia com esse entendimento, Cabral (2011)

    destaca que, a avaliao se perde quando deturpada e constituda de impresses pessoais,

    ficando assim estereotipada, visto que um julgamento no destitudo de subjetividade,

    prejudicando a percepo do outro como sujeito de direitos, no caso o aluno julgado por um

    lado, de forma condenatria, e por outro, fica impossibilitado de discutir sobre seu futuro

    escolar.

    Tal ordem de acontecimentos levou-nos a questionamentos sobre possibilidades de

    concretizao do conselho de classe tanto de ter como foco a (re)orientao dos processos de

  • 12

    ensino e de aprendizagem como constituir-se, conforme defendem Vargas (2008) e Camacho

    (2010), numa instncia representativa, avaliativa, consultiva e deliberativa.

    Por outro lado, mesmo enfrentando os mesmos desafios no cotidiano escolar, tais

    como, difceis condies de trabalho, questes disciplinares, falta de apoio das famlias, entre

    tantos outros problemas, tivemos o contato com declaraes de professores que apontavam

    outro sentido de conselho de classe: o de reconhecimento como nico espao na escola, na

    maioria das vezes, de reflexo e de dilogo formativo possibilitador da construo de novos

    conhecimentos a respeito dos fazeres e dos saberes pedaggicos.

    Tal viso aproxima-se da compreenso do conselho de classe como um rgo

    colegiado, de natureza consultiva e deliberativa cuja composio interdisciplinar, conta

    tambm com outros membros da comunidade escolar e, essencial para a avaliao e

    reorientao do processo pedaggico (GARCIA et al., 1981; ROCHA, 1984; DALBEN, 1994,

    2004; SANTOS, F., 2006; CABRAL, 2011; SANTANNA, 2014). Esse entendimento acena

    para a pertinncia do carter avaliativo do conselho de classe, para alm de tratar

    da aprendizagem dos alunos, ter em conta prticas de ensino dos docentes, os objetivos a

    serem alcanados, os resultados das metodologias empregadas, os critrios e instrumentos

    adotados, a adequao da organizao curricular, entre outros aspectos, na direo da

    reorganizao das aes educativas (DALBEN, 2004).

    As situaes acima referidas sinalizavam que os professores da Rede Municipal do

    Jaboato dos Guararapes apresentavam distintas compreenses de conselho de classe, e este

    fato nos levou a considerar a pertinncia de tratar o entendimento sobre esta instncia numa

    perspectiva psicossocial a partir da Teoria das Representaes Sociais.

    Nessa perspectiva, considerando conselho de classe como uma instncia colegiada de

    reflexo e avaliao a respeito do fazer pedaggico surgiram os questionamentos a seguir

    relacionados, na direo tanto de saber da sua regulamentao/diretriz pelos documentos que

    dispem sobre sua composio como da sua materializao na escola atravs de reunies

    bimestrais.

    . O que prope o discurso oficial da Proposta Curricular da Rede Municipal do Jaboato dos

    Guararapes acerca do conselho de classe?

    . Quais as representaes sociais de conselho de classe de professores da Rede Municipal do

    Jaboato dos Guararapes?

    . O tempo de experincia docente de professores da Rede Municipal do Jaboato dos

    Guararapes implica em diferentes representaes sociais de conselho de classe?

    Esses questionamentos, referenciados na Teoria das Representaes Sociais, tm por

  • 13

    base a compreenso de conselho de classe como um momento rico de sentidos e significados

    que abrange concepes, representaes, entendimentos e prticas por parte dos sujeitos

    escolares. O conselho de classe desse modo, compreendido em seu carter avaliativo um dos

    aspectos mais complexos do processo pedaggico, principalmente, pelo fato da avaliao se

    configurar numa ao coletiva a ser realizada nessa instncia.

    Essa complexidade fica patente quando se considera o processo de institucionalizao

    do conselho de classe, que revela aspectos histrico, cultural e social que levam professores a

    significarem essa instncia de diferentes formas. No caso, necessria uma viso mais ampla

    de como o mesmo se estruturou ao longo de sua institucionalizao.

    Segundo Dalben (2004), o conselho de classe foi institudo e passou a fazer parte do

    cotidiano de escolas brasileiras a partir da dcada de 1970, num perodo caracterizado pelo

    auge da ditadura militar, em que houve a ampliao das escolas da rede pblica

    brasileira.Nesse contexto, a LDB N 5.692/71 pode ser considerada o marco do nascedouro

    dessa instncia de carter avaliativo com finalidade de definir a (re)aprovao de alunos,

    tendo como base a abordagem psicolgica comportamentalista, em termos de objetivos pr-

    estabelecidos configurado em comportamentos observveis.

    Com a abertura poltica nos anos 1980, o panorama da redemocratizao da sociedade

    coincidiu com as contribuies decorrentes das concepes progressistas para repensar a

    prtica pedaggica, consequentemente o conselho de classe. Houve tambm o

    reconhecimento do aluno como sujeito do processo de ensino e aprendizagem no mbito das

    abordagens psicolgicas construtivista e sociointeracionista.

    Acompanhando tal evoluo terica a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    N 9.394/96 prope a reorganizao do sistema educacional numa perspectiva democrtica,

    indicando a ruptura da viso tradicional de educao ao estabelecer que os sistemas de ensino

    definam as normas da gesto democrtica.

    Nesse contexto, o Regimento Escolar de Jaboato dos Guararapes incorpora a questo

    da gesto democrtica, atravs da descentralizao dos processos decisrios, constituda pelos

    rgos colegiados, destaca-se entre eles: conselho de professores, conselho escolar, conselho

    de classe e crculo de pais e mestres.

    Ainda no que se refere LDB N 9.394/96, ao fazer referncia avaliao, mesmo sem

    nome-la como formativa, prope que a verificao do rendimento escolar assuma traos

    correspondentes a essa funo da avaliao, ao ressaltar que ela deve ser contnua e

    cumulativa acerca do desempenho do aluno, prevalecendo os aspectos qualitativos sobre os

    quantitativos assim como dos resultados no decurso do perodo sobre ocasionais provas finais.

  • 14

    Essa Lei, ao tratar especificamente da avaliao, explicita uma concepo de avaliao

    embasada na anlise e na reflexo da prtica pedaggica considerada como um processo

    amplo. No caso, pressupe a edificao de outra identidade das instncias colegiadas em que

    se torna possvel pensar na relao entre a avaliao e o conselho de classe, distanciada da

    ideia de instncia avaliativa estanque, preocupada com o resultado final, sinalizando

    contributos para desconstruir smbolos historicamente estabelecidos e concretizados sobre o

    conselho de classe.

    Apesar do debate desencadeado desde a abertura poltica permitir a reviso de antigas

    crenas acerca do conselho de classe, podemos afirmar que a sua compreenso como

    julgamento, tendo o professor como autoridade inconteste, ainda hoje marcante. De acordo

    com Perrenoud (1999a), a teoria avaliativa j avanou bastante, contudo, o fazer avaliativo no

    cotidiano da escola apresenta ainda resqucios de uma avaliao coercitiva e mensuradora.

    Neste sentido, ressaltando que tal compreenso aproxima a avaliao ao modo como se

    percebe os sujeitos, recorremos ento a Luckesi (2005) ao considerar que esse processo

    avaliativo se constitui dependente da teoria e projeto pedaggico adotado pelo professor.Pois

    quando se assume uma teoria que compreende o ser humano como pronto, apenas almeja-se

    olhar para o produto, atribuindo-se a culpa por no atingir o nvel esperado ao aluno.

    Contudo, se o professor toma o aluno como um ser em desenvolvimento, ento fica evidente

    que ele ainda no aprendeu o que necessitaria aprender e, consequentemente, seria necessrio

    mais investimento nele de modo a contribuir para seu aprendizado.

    Desse modo, estabelece-se um processo contraditrio entre o que se afirma no campo

    terico e o que se estabelece na prtica acerca do conselho de classe.Cabe, assim, a indagao

    sobre o motivo do desacerto entre o avano no domnio epistemolgico sobre o conselho de

    classe em relao ao que se pode constatar quanto lgica avaliativa apresentada pelos

    professores. Entendendo que as pistas que podem contribuir para elucidar tais

    questionamentos foram ou podem ser edificadas no interior do mbito educacional.

    Em funo do exposto, consideramos ser o conselho de classe objeto de representao

    pela polmica que se cria em torno dele como explicitado acima, ou seja, reconhecemos que

    ao longo do tempo distintos sentidos e significados foram conferidos a esse objeto social

    devido s mudanas na maneira de se organizar a escola, tendo em vista as demandas

    outorgadas a ela. De incio ele teve como fim deliberar sobre a vida estudantil dos alunos,

    para tanto originalmente apresenta-se como instncia exclusivamente avaliativa das questes

    relativas aprendizagem e da no aprendizagem dos alunos, ou seja, o conselho de classe em

    sua origem vai validar a culpa polarizada no aluno pelo fracasso escolar. Esse cenrio se

  • 15

    consolidou embasado numa concepo pedaggica que valoriza o processo de burocratizao

    das escolas, com nfase excessiva na organizao dos meios, com uma viso de avaliao

    presa a supervalorizao do acerto e consequente busca da nulidade de erro, devido

    aproximao com a teoria do reforo que considera a trade: estmulo-resposta-reforo. Com o

    reconhecimento das abordagens psicolgicas construtivista e sociointeracionista e o debate

    sobre a gesto democrtica, a proposta avaliar distintos aspectos pedaggicos, entre eles: a

    aprendizagem dos alunos, as condies institucionais que reverberam no processo de ensino e

    aprendizagem, os professores pelos alunos, a gesto do ensino por todos os sujeitos escolares:

    profissionais da educao, alunos e famlia.

    Posto isto, o conselho de classe assumiu diferentes faces ao longo do tempo, bem

    como na poca presente permanecem diversos traos de acordo com o sentido e

    direcionamento dado pela gesto escolar ao mesmo, haja vista considerar que o prprio

    contexto supostamente mais democrtico em que se apresentam outras instncias colegiadas

    na atualidade, que no perodo da institucionalizao do conselho de classe no existiam, pode

    colaborar para a construo de diversos desenhos dessa instncia avaliativa.

    Entendemos que com a Lei n 9.394/96, as escolas passam a ter autonomia para

    propor, criar e definir diferentes formatos de conselho de classe, entrelaado ideia de

    avaliao da aprendizagem podendo gerar assim um debate mais formativo e regulador, alm

    do que fomentar a avaliao institucional com o fim de visualizar o ensino, as condies de

    trabalho, os tempos institucionais. No entanto, h de se considerar que mesmo com a

    normatizao apresentada pelo Municpio investigado em nossa pesquisa, existem distintas

    prticas acontecendo dependendo do contexto da escola, de como a gesto se concretiza, de

    como o momento do conselho de classe utilizado na prtica pelos sujeitos

    escolares.Destacamos assim, uma preocupao maior por parte do conselho de classe com a

    avaliao da aprendizagem, do que com a avaliao institucional.

    Recorrer terica e metodologicamente Teoria das Representaes Sociais acenou

    para a compreenso de que o modo como os professores pensam e se posicionam em relao

    ao conselho de classe advm do sentido a ele atribudo. Isto porque esta teoria parte da

    compreenso de que no processo de construo e organizao dos sentidos que os sujeitos

    criam suas teorias. Sendo assim, a sua pertinncia se justifica por possibilitar compreender e

    explicar a construo do conhecimento do senso comum, produzido atravs da interao e

    comunicao, que orienta prticas e comunicaes (MOSCOVICI, 2003). No caso, esta teoria

    torna familiar o no-familiar, busca explicar e dar sentido ao objeto social assim como orienta

    a forma como os sujeitos vo construir suas relaes e organizam o ambiente. A escolha desta

  • 16

    teoria se justifica tambm pelo fato de a representao social constituir-se enquanto fenmeno

    psicossocial, decorrendo de uma conjuno de fatores, entre eles: histricos, cognitivos,

    culturais, intrapsquicos, antropolgicos, que ao inter-relacionar-se colaboram para a

    constituio de conceitos e imagens dos fatos, processos e comportamentos de indivduos e

    grupos.

    Diante do exposto elegemos como objetivo geral compreender as representaes

    sociais de conselho de classe compartilhadas por professores da Rede Municipal do Jaboato

    dos Guararapes. E como objetivos especficos: apreender o discurso oficial da Proposta

    Curricular divulgada pela Rede Municipal do Jaboato dos Guararapes acerca do conselho de

    classe; analisar sentidos compartilhados de conselho de classe por professores da Rede

    Municipal do Jaboato dos Guararapes, segundo o tempo de experincia docente e

    experincias na participao nos conselhos de classe.

    Visando explicitar a relevncia de nosso estudo, apresentaremos a produo cientfica

    brasileira a respeito do conselho de classe propondo um dilogo entre a produo encontrada

    com o nosso objeto de pesquisa.

    1.2 Levantamento de estudos sobre a temtica conselho de classe

    Com o propsito de ter uma viso do que vem sendo discutido sobre essa instncia

    nas pesquisas acadmicas, sistematizamos o estado do conhecimento atravs do levantamento

    de trabalhos desenvolvidos no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade

    Federal de Pernambuco (PPGE - UFPE)1, trabalhos disponibilizados na Biblioteca Digital

    Brasileira de Teses e Dissertaes (BDTD)2 e no Banco de Teses e Dissertaes do Portal da

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)3. A escolha dessas

    bases de dados deu-se em funo da representatividade de cada uma delas em termos da

    pertinncia e do acesso ao que se tem produzido a respeito da temtica, objeto de interesse do

    presente estudo. A escolha do PPGE-UFPE justifica-se pelo fato de ser o espao institucional

    onde nosso estudo encontra-se vinculado, e consideramos pertinente situar o debate sobre a

    temtica nesse Programa. A escolha da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes

    (BDTD) e do Banco de Teses e Dissertaes do Portal da Coordenao de Aperfeioamento

    1 Para termos acesso aos trabalhos do PPGE, utilizamos o CD Trinta Anos de Ps-Graduao em Educao da

    UFPE (1978-2008) e o site da http://www.ufpe.br/ppgedunova/.

    2Disponvel em: http://bdtd.ibict.br/.

    3Disponvel em: http://capesdw.capes.gov.br/?login-url-success=/capesdw/.

    http://www.ufpe.br/ppgedunova/http://bdtd.ibict.br/http://capesdw.capes.gov.br/?login-url-success=/capesdw/

  • 17

    de Pessoal de Nvel Superior - CAPES (BTDC) se deu pela representatividade dessas bases

    no que se refere a congregar trabalhos produzidos nos programas de ps-graduao no mbito

    nacional, inclusive o BDTD congregar trabalhos desenvolvidos no exterior.

    Institumos como corte temporal de 2002 a 2012 por ter sido, at 2015, o perodo em

    que encontramos estudos sobre a temtica em tela. Empregamos como procedimento

    metodolgico na identificao de estudos relacionados com a temtica conselho de classe o

    aplicativo de busca dos sites. Por conta das especificidades de cada base de dados, foi

    necessrio estabelecer diferentes procedimentos no levantamento dos estudos.

    No que se refere ao PPGE-UFPE foi feita a leitura do ttulo e resumo dos trabalhos de

    mestrado e doutorado defendidos para identificao daqueles que tinham proximidade com a

    temtica. Nos bancos de dados da BDTD e do BTDC o levantamento foi realizado utilizando

    o descritor conselho de classe para acessar todos os trabalhos publicados. A partir dos achados

    nesse levantamento foram realizadas leituras dos resumos, entretanto quando esses no

    elucidavam satisfatoriamente o contedo do trabalho foi preciso aprofundar a leitura da

    pesquisa recorrendo ao texto integral. Sendo assim, foi possvel perceber que a maioria das

    pesquisas no tinha como objeto de investigao o conselho de classe, ou seja, no se

    problematizava a dinmica instituda nesse espao, contemplando temticas diversas a

    exemplo da indisciplina, da educao inclusiva, formao de professores, cultura escolar,

    entre outras.

    1.2.1 Estudos no mbito do PPGE-UFPE

    Como resultado do levantamento no PPGE-UFPE no foram encontrados trabalhos

    sobre conselho de classe. Esse fato torna relevante esta pesquisa por acenar como um

    contributo para um possvel desencadeamento do debate nesse Programa.

    1.2.2 Estudos no mbito da BDTD

    Na BDTD foi encontrado um total de 29 (vinte e nove) trabalhos, dentre eles, 8 (oito)

    dissertaes traziam o conselho de classe como objeto de investigao, enquanto que nos

    demais trabalhos ele foi tomado como campo. Vale ressaltar que uma das dissertaes, Santos

    (2012), que tem como objeto de ateno a Democratizao da Gesto Democrtica, consta nos

    dois bancos de dados, sendo ela contabilizada nesse levantamento.

    Posteriormente a esta triagem, para a efetivao da anlise do material localizado,

  • 18

    fizemos uma leitura de cada trabalho na direo de identificar o foco de interesse. Nesse

    quadro, os achados permitiram distribuir os 8 (oito) estudos que tratam do conselho de classe

    de acordo com os seguintes focos de ateno: a) Avaliao (3 trabalhos), b) Democratizao

    da Gesto Escolar (4 trabalhos), c) Representao Social (1 trabalho).

    Os trabalhos que tm como objeto de ateno Avaliao tomam como referncia a

    compreenso de conselho de classe como instncia de avaliao coletiva, no que diz respeito

    ao seu potencial na melhoria do processo educativo. E, reconhecendo o conselho de classe

    como palco de conflitos entre professores e alunos, reala a tendncia da avaliao

    configurar-se pelo carter classificatrio, centralizado em debates sobre o comportamento do

    aluno, em detrimento de sua funo formativa.

    O estudo de Guerra (2006) procurou compreender e analisar o conselho de classe

    criticamente sob a tica da Lingustica Aplicada em uma escola pblica estadual de So

    Paulo. Dentre os resultados apresentados pela autora, destaca-se a incoerncia entre o discurso

    dos sujeitos e o observado no processo avaliativo no mbito do conselho de classe.

    Principalmente, no que se refere a uma avaliao que ressalta os aspectos negativos da vida

    escolar dos alunos, assim como pela descaracterizao da real funo dessa instncia, devido

    a um formato de conselho burocrtico, direcionado orientao dos professores sobre o

    preenchimento de documentos escolares.

    Santos, A. (2006) props um debate sobre o conselho de classe pela perspectiva da

    avaliao educacional buscando verificar sua natureza enquanto instncia de debate e deciso

    coletiva na instituio escolar, traar assim o perfil do conselho de classe real e ideal numa

    escola pblica estadual de Gois. Dentre os resultados apresentados, aponta que os critrios de

    avaliao institucionalizados no so utilizados na prtica, em razo de distores quanto a

    sua funo e poderes.

    Santos, F. (2006) investigou o conselho de classe no que concerne a compreender o

    seu funcionamento enquanto instncia de avaliao coletiva, praticada em escolas pblicas do

    Distrito Federal. Como resultado aponta que se faz necessrio que o conselho de classe

    coloque a avaliao a servio da aprendizagem, ocupando o lugar de instncia avaliativa,

    deliberativa, coletiva, informativa da escola com o fim de auxiliar a construo de prticas

    avaliativas mais democrticas, em que tanto o professor quanto o aluno sejam responsveis

    pela aprendizagem e a avaliao.

    Os trabalhos que focam Democratizao da Gesto Escolar sinalizam a importncia

    da utilizao do conselho de classe como instncia em que se torna possvel o

    desenvolvimento democrtico do trabalho pedaggico. Nomeadamente, a partir do

  • 19

    reconhecimento da participao da comunidade escolar como essencial no encaminhamento

    das demandas apresentadas.

    Buchwitz (2007) ratifica o papel do conselho de classe em possibilitar a participao

    dos diversos segmentos da escola, com destaque para o desenvolvimento do senso crtico do

    aluno e a autonomia dos pais ao participar das decises da escola, constituindo-se como

    essencial para a qualidade da democratizao da gesto escolar e do ensino e aprendizagem.

    Nesse estudo, no propsito de verificar como se configurava a participao dos envolvidos e

    as relaes entre avaliao e aprendizagem numa escola pblica estadual de So Paulo, a

    autora conclui que a participao mediada por relaes de poder, sendo elas determinantes

    para a ampliao da democracia nesse mbito.

    O estudo de Vargas (2008) tratou do conselho de classe como gesto democrtica na

    escola pblica. Nesse trabalho a autora buscou demonstrar como se constitui o conselho de

    classe em uma escola pblica estadual do Paran, que apesar dos desafios enfrentados pela

    equipe gestora, conseguiu a participao de toda a comunidade escolar. Os resultados

    encontrados revelam uma gesto plena, em que se evidencia o papel poltico, entrecruzado ao

    papel pedaggico promove avanos significativos na integrao da equipe da escola e dos

    representantes da comunidade.

    Camacho (2010), entendendo que o conselho de classe no deve estar associado

    apenas avaliao, mas focalizar a efetivao de projetos e parcerias com a comunidade,

    analisa polticas educacionais referentes democratizao da gesto escolar e demais

    processos escolares ligados avaliao. Nesse quadro, objetivou verificar a participao da

    comunidade na construo da gesto democrtica nas prticas do conselho de classe em

    escolas estaduais de So Paulo. Como resultado, salientou o conselho de classe como uma das

    instncias que favorecem a participao de pais e alunos, essencial para a qualidade da

    democratizao da gesto escolar, do ensino e aprendizagem.

    Santos (2012) procurou investigar o conselho de classe enquanto rgo colegiado, de

    carter pedaggico, que atua como instncia democrtica de avaliao coletiva. A autora teve

    como inteno saber se a incluso dos pais na sua composio numa escola pblica estadual

    de So Paulo faria dela um espao democrtico de avaliao pela via da participao. Os

    achados da pesquisa indicaram ser essa instncia promotora e fortalecedora do trabalho

    coletivo, tendo a gesto o papel de reorganizar o trabalho pedaggico coletivo numa

    perspectiva progressista com o objetivo de descentralizar o poder de deciso.

    No que tange ao objeto de ateno Representao Social,encontramos apenas a

    pesquisa de Galdino (2002) que aborda os sentidos construdos pelos professores acerca do

  • 20

    conselho de classe numa escola da rede particular de ensino de So Paulo. Seu trabalho

    prope discutir as suas atribuies, embasado na fundamentao legal e terica vigente

    poca do estudo, considerando fundamental a mudana no processo avaliativo na perspectiva

    de uma avaliao formadora.

    1.2.3 Estudos no mbito do BTDC

    No BTDC identificamos 39 (trinta e nove) trabalhos, desses, apenas 1 (uma) tese e 2

    (duas) dissertaes tiverem o conselho de classe como objeto de estudo, 4 (quatro) trabalhos

    tomaram o conselho de classe como campo e o restante dos trabalhos tratam de conselho no

    referente ao do mbito escolar. Contudo, contabilizamos apenas duas produes, como j

    destacado, pela dissertao de Santos (2012) j estar inserida no levantamento realizado no

    BDTD. No que diz respeito a essas duas produes, por meio de sua anlise, identificamos

    terem como foco de ateno a Avaliao e outra uma Viso Histrica do conselho de classe.

    O trabalho de Cabral (2011), que tem como objeto de ateno a avaliao, buscou

    refletir sobre o conselho de classe com reconhecimento o potencial dessa instncia para o

    debate a respeito do processo educativo. A autora teve como embasamento a reflexo sobre

    tericos da educao brasileira e francesa visando examinar a estreita ligao entre o ensino

    escolar e a excluso social. Os achados revelam que no conselho de classe em uma escola

    pblica municipal de Campinas, em So Paulo, ocorria a avaliao oculta, no formal do

    cotidiano da sala de aula, podendo esse momento concorrer para ocasionar a repetncia e

    excluso escolar dos alunos.

    A tese de Leite (2012) teve o propsito de discutir os significados do conselho de

    classe numa perspectiva histrica considerando seus limites, possibilidades e especificidades

    em escolas estaduais do Paran. A autora chega concluso deque as estratgias empregadas

    para a implantao de reformas educacionais tm o poder de agir sobre o cotidiano dos

    sujeitos escolares, modificando suas rotinas assim como a cultura escolar. Entretanto, os

    sujeitos escolares nessas condies adotam variadas formas de lidar com as mudanas, que

    necessitam serem problematizadas pelos que desejam compreender melhor a escola assim

    como pelos que atuam nos lugares de poder e aspiram modificaes qualitativas no mbito da

    educao.

    Esse levantamento nos permite identificar o debate sobre esta temtica no perodo de

    2002 a 2012, com a concentrao dos estudos de 2006 a 2012, revelando que a preocupao

    em desenvolver pesquisas sobre conselho de classe atual, basta ver que os primeiros achados

  • 21

    remetem dcada anterior. Tal concentrao de estudos pode justificar-se pelo fato de ser o

    incio dos anos 2000 o perodo em que ganha destaque o debate sobre a avaliao formativa

    no campo educacional. Alm do que, nessa poca que os sistemas de ensino passam a adotar

    novas formas de organizao das escolas fundamentadas numa proposta crtica e formativa de

    educao. Tambm houve a ampliao do debate e possibilidade da construo de uma nova

    roupagem para essa instncia a partir da incluso do princpio gesto democrtica do ensino

    pblico na Constituio de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases N 9.394/96 assim como

    objetivo no Plano Nacional de Educao 2001-2010.

    Destacamos escassez de estudos na rea, haja vista que dos 68 trabalhos encontrados,

    apenas 10 deles abordaram especificamente o conselho de classe como objeto de investigao.

    Com efeito, embora esteja presente o debate ao longo do perodo e em considerando o avano

    da legislao e referencial terico sobre a temtica, tal panorama no repercutiu de modo

    contundente no investimento de estudos sobre aspectos da prpria constituio dessa

    instncia, ou seja, o conselho de classe teve mais o estatuto de campo do que objeto de

    ateno cientfica. Consideramos que tal fato possa estar relacionado gnese do conselho de

    classe ter se fundamentado na avaliao tradicional, com caractersticas classificatria,

    autoritria e excludente ainda percebida na atualidade. Tal viso rechaada dado o debate

    com proposta de rompimento com a antiga concepo de avaliao enraizada no campo

    educacional. a avaliao formativa um desafio, mas tambm uma possibilidade para aqueles

    que atuam nessa esfera e buscam por alternativas que permitam o desenvolvimento de uma

    avaliao contnua, processual e sistemtica, com vista melhoria da ao pedaggica.

    Notamos que tal temtica levou as pesquisadoras a lanar o olhar para diferentes

    aspectos acerca do conselho de classe que se entrecruzam e se complementam. Como

    tambm, observamos que os estudos foram desenvolvidos nas regies Centro-Oeste, Sudeste

    e Sul e que dos locais citados, identificamos ser a dcada de 1970, marco da

    institucionalizao oficial dos conselhos de classe nos seguintes locais de pesquisa, a saber,

    Distrito Federal e nos Estados: So Paulo e Paran, com normatizao atravs das diretrizes

    propostas por regimentos nicos. Assim sendo, podemos inferir que talvez a concentrao de

    estudos nessas regies possa ser justificada devido a terem legislao, com tempo

    considervel, que orientasse essa prtica. No que diz respeito ao quantitativo das pesquisas,

    So Paulo apresentou a maior produo, totalizando 6 trabalhos, Paran teve 2 trabalhos e

    Gois e Distrito Federal com 1 trabalho cada.

    Os trabalhos desenvolvidos pelas pesquisadoras tiveram como campo de pesquisa

    escolas pblicas, exceto a pesquisa de Galdino (2002), realizada em uma escola da rede de

  • 22

    ensino particular, o que demonstra considervel interesse cientfico pelo trabalho produzido

    na escola pblica brasileira.

    possvel visualizar ainda quanto pesquisa de Galdino (2002) que o interesse pelos

    sentidos e significados atribudos ao conselho de classe inaugura o debate a respeito dessa

    instncia, entretanto ele fica silenciado na produo cientfica brasileira por mais de uma

    dcada, com retomada do debate sobre tal objeto luz das representaes sociais apenas com

    nossa pesquisa. Reconhecemos relevncia de buscar entender o conselho de classe a partir

    da Teoria Moscoviciniana, considerando-se que as construes simblicas produzidas

    possibilitam a comunicao entre os sujeitos assim como a compreenso da realidade. Alm

    disso, no h como deixar de considerar as contribuies no avano do estudo dessa teoria e

    mais especificamente no que refere compreenso dos fatos da educao, bem como da

    funo das significaes sociais no mbito educacional. Para tanto recorremos a Gilly (2001),

    que afirma ser a rea educacional um domnio singular para perceber como se d a gnese,

    evoluo e transformao das representaes sociais nos grupos sociais e a repercusso dessas

    construes nas relaes entre sujeitos.

    No que diz respeito ao conselho de classe enquanto instncia de avaliao, as

    pesquisadoras buscaram refletir sobre a possibilidade de reorganizao da prtica pedaggica

    enquanto corresponsabilidade dos sujeitos envolvidos nesse processo, visando promoo do

    desenvolvimento tanto do aluno quanto do professor. Contudo, esses trabalhos ratificam o

    quanto ainda preciso avanar nesses debates, devido as incongruncias apresentadas com

    relao ao que povoa o campo das ideias dos professores acerca dessa instncia e de como ela

    se materializa no cotidiano. Em assim sendo, o conjunto desses trabalhos permite corroborar a

    afirmao de Santos, F. (2006) de que ao associar o conselho de classe avaliao da

    aprendizagem possvel desvendar que a comunidade escolar ainda est em processo de

    descoberta dos benefcios de t-los como aliados da aprendizagem dos alunos e do ensino

    pelos professores.

    No levantamento realizado, o interesse pelo conselho de classe luz de estudos sobre

    democratizao da gesto, principalmente em torno da reflexo sobre a materializao de

    espaos de participao coletiva plena, ratifica a pertinncia do acolhimento da opinio dos

    sujeitos envolvidos. Ainda aponta para a relevncia de tratar o conselho de classe numa

    perspectiva crtico-transformadora, conforme bem declara Santos (2012) em termos de

    permitir a construo de uma escola mais solidria, humana e justa devido ao envolvimento

    cada vez maior da comunidade escolar em suas atividades.

  • 23

    Tambm possvel reconhecer o cuidado em analisar as formas de apropriao dos

    preceitos legais sobre conselho de classe no cotidiano escolar numa perspectiva histrica.

    Cabe assim destacar, como bem anuncia Leite (2012), que as reformas educacionais e

    polticas pblicas tm o poder de operar sobre o cotidiano dos sujeitos, alterando suas rotinas,

    tendo implicaes na cultura escolar.

    Ainda que as pesquisas verifiquem a relevncia do papel do conselho de classe para a

    prtica pedaggica, alguns trabalhos reconhecem o descompasso entre as prticas do conselho

    de classe em relao ao que se determina pelos dispositivos legais. Conjuntura essa que

    divulga no apenas as limitaes da escola em vivenciar essas novas propostas, mas tambm

    estimular a reflexo acerca dos distintos sentidos que os professores conferem ao estabelecido

    pelas instncias normativas.

    1.3 Organizao do estudo

    No que diz respeito organizao, este estudo congrega cinco captulos. Neste

    primeiro captulo, denominado Do interesse pela temtica organizao do estudo,

    apresentado a origem do estudo juntamente com as questes de partida, os objetivos e o

    estado do conhecimento sobre a temtica. No segundo discutimos a Teoria das

    Representaes Sociais, evidenciando seus conceitos fundamentais, bem como seus

    mecanismos de constituio e respectivos desdobramentos, arrolando seu aporte terico-

    metodolgico ao objeto de estudo.

    No terceiro captulo abordamos o fundamento terico do conselho de classe, levando

    em conta sua origem e reconhecimento de seu carter avaliativo assim como a conjuntura de

    institucionalizao dessa instncia em Pernambuco e no Jaboato dos Guararapes. No quarto

    apresentamos o esboo investigativo da pesquisa, situando os procedimentos de coleta e

    anlise dos dados, valendo-se de distintos instrumentos, considerando o aspecto metodolgico

    luz das representaes sociais, como tambm, a caracterizao e aproximao do campo

    emprico e dos sujeitos. E no quinto captulo tratamos os resultados da pesquisa visando

    responder as questes propostas para o estudo. Por fim, apresentamos as consideraes finais,

    expondo nossas impresses a respeito dos achados concernentes s representaes sociais de

    conselho de classe compartilhadas por professores da Rede Municipal do Jaboato dos

    Guararapes.

  • 24

    2 A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS

    2.1 Proposies iniciais e origem

    A conexo que buscamos estabelecer entre a Teoria das Representaes Sociais e o

    modo como o Conselho de Classe concebido por professores demanda um detalhamento

    sobre os fundamentos nos quais estaremos desenvolvendo esse estudo, sendo pertinente

    esclarecer inicialmente, que aderimos perspectiva da representao concebida por

    Moscovici, desenvolvida e divulgada por Jodelet.

    Destacamos inicialmente que Serge Moscovici, psiclogo social romeno naturalizado

    francs, criou a Teoria das Representaes Sociais atravs da tese de doutoramento que teve

    como ttulo La psychanalyse, son image et son public, publicada no ano de 1961 e reeditada

    em 1976.O estudo desenvolvido por esse autor na dcada de 1950 visou entender como um

    determinado grupo ou sujeitos, em seu prprio contexto, apropriava-se e construa definies

    especficas sobre um conhecimento cientfico. Nesse processo de apropriao, entendido no

    como uma cpia do real, mas como um retrabalho do sujeito ou dos grupos sobre o objeto

    representado, o conhecimento cientfico reelaborado atravs da filtragem de alguns

    elementos e insero de outros.

    Seu interesse era saber como um aspecto dessa cincia, a psicologia, repercutiu na

    mudana histrica, no pensamento dos sujeitos e em suas perspectivas sociais (MOSCOVICI,

    2003). Ele procurou investigar como a psicanlise tornava-se senso comum, ou seja, como os

    diferentes grupos sociais em Paris, entre eles a populao da classe mdia, os profissionais

    liberais, os operrios, os estudantes, buscavam utilizar e construir um mundo significante

    acerca desse objeto social.

    Santos (2005) afirma que Moscovici vem romper com a ideia presente nas cincias

    humanas, por muito tempo, de que o senso comum um saber menor por no se constituir por

    uma lgica formal. Sendo assim, Moscovici (2003), com sua pesquisa, buscou entender e

    recuperar o pensamento e conhecimento comuns, reconhecendo sua gnese parcial nas

    cincias, assim como seu carter moderno, distanciando-se do entendimento de que suas

    ideias eram erradas, primitivas e tradicionais.

    O senso comum, enquanto saber popular, sob a tica de Moscovici (2003, p.26), se

    configura como um [...] terreno privilegiado de estudo das representaes. O contedo dos

    saberes comuns se caracteriza como cultural e social devido ao seu carter de conhecimento

    popular. Ele tem credibilidade por conta de seus princpios e descries confiveis, no

  • 25

    entanto, no totalmente aceito por consenso. Tal conhecimento imprescindvel na medida

    em que se procura [...] compreender o pensamento e a ao humanos (MOSCOVICI, 2003,

    p.27).

    Como salienta o referido autor, esse conhecimento regido por uma lgica social e

    cognitiva, construdo a partir da articulao dos aspectos mentais, afetivos, sociais,

    cognitivos, de linguagem e, particularmente, de comunicao:

    As representaes podem ser o produto da comunicao, mas tambm

    verdade que, sem a representao, no haveria comunicao.

    Precisamente devido a essa interconexo, as representaes podem

    tambm mudar a estabilidade de sua organizao e estrutura, depende

    da consistncia e constncia de tais padres de comunicao, que as

    mantm. A mudana dos interesses humanos pode gerar novas formas

    de comunicao, resultando na inovao e na emergncia de novas

    representaes. Representaes, nesse sentido, so estruturas que

    conseguiram uma estabilidade, atravs da transformao duma

    estrutura anterior (MOSCOVICI, 2009, p. 22).

    Com a elaborao da Teoria das Representaes Sociais por Moscovici, a

    subjetividade passa a ser investigada luz do fenmeno representacional, sendo assim, esse

    estudo se constituiu em um novo paradigma, ou seja, uma forma sociolgica da Psicologia

    Social. Ganha relevo nesse paradigma a concepo de sujeito social que vai de encontro

    noo cartesiana que inspirou o nascimento da Psicologia. A inteno de Moscovici (1978, p.

    14) era [...] redefinir os problemas e os conceitos da Psicologia Social a partir desse

    fenmeno, insistindo sobre sua funo simblica e seu poder de construo do real.

    A Teoria das Representaes Sociais analisou criticamente a Teoria das

    Representaes Coletivas de mile Durkheim, com destaque para o fato deque as

    representaes so produes sociais que impactam as conscincias individuais. A teoria

    constituiu-se em um pensamento inovador, no final do sculo XIX, focalizando uma

    sociedade organizada por prticas reguladas por saberes, normas, crenas e linguagens,

    havendo, nesse caso, a prevalncia da cultura em relao sociedade, que caracterizou o

    entendimento dos fenmenos sociais a partir do enfoque dado ao aspecto cultural e histrico

    (FARR, 1995). Ao fundar uma cincia que visou o estudo da sociedade, Durkheim atacou o

    determinismo biolgico e econmico, que levava a mesma a depender dos indivduos que a

    constituam (MOSCOVICI, 2003). A ideia de Durkheim foi a primeira a divulgar a

    especificidade das crenas coletivas no tocante ao conhecimento individual, alicerando as

    bases de uma viso social da vida psicolgica.

    Houve inicialmente uma insero de Moscovici no pensamento de Durkheim, mas ele

  • 26

    se distanciou dessas ideias para propor seus construtos. Na verdade, a teoria de Durkheim

    sugeria a irredutibilidade das representaes coletivas s conscincias individuais,

    considerando que o carter coercitivo e exterior destas representaes possibilitava pensar a

    forte determinao da individualidade pelos imperativos sociais. Moscovici (2009) objetivava

    compreender como se d a relao do sujeito com a sua realidade, e em que medida o sujeito,

    construtor da realidade, se configura nessa relao. A representao sempre representao

    de alguma coisa, revela dessa forma, a relao do sujeito com o objeto que compreende uma

    atividade de construo e de simbolizao. Logo, os sujeitos no se restringem a obter e

    processar informao, eles produzem sentidos, buscando assim, teorizar a realidade social.

    No que se refere ao carter de longa durao das representaes coletivas, assim como

    o seu compartilhamento por todos os membros de um grupo social pensado a partir de uma

    sociedade tradicional homognea, ela no exatamente pertinente para a anlise do sentido

    comum desenvolvido na modernidade. Desse modo, a longa durao histrica das

    representaes coletivas no possibilita dar conta da brevidade histrica concernente dos

    sentidos dados pelos sujeitos aos fenmenos sociais, visto que a dinmica circulao de ideias

    e a participao em diversos grupos sociais pelos sujeitos so fonte da diversidade e fluidez da

    representao.

    Conforme Castorina (2013, p.45), as representaes sociais modificam-se pela

    exigncia de recuperar o sentido social ante as fissuras que se produzem na cultura pelos

    novos fatos sociais ou pelas mudanas cientficas. Nesse sentido, o foco dado a como as

    coisas se modificam na sociedade moderna levando formao, ou mesmo, interferindo na

    transformao e distino das ideias coletivas, sendo de extrema importncia no cotidiano,

    podendo ser apreendidas e compreendidas, atravs de um trabalho cientfico-metodolgico,

    nos discursos e imagens miditicas, cristalizadas em comportamentos.

    Por certo, segundo Souza e Novaes (2013) essa teoria ultrapassou a oposio entre o

    psicologismo da Psicologia Social tradicional e sociologismo das ideias de Durkheim, ou seja,

    entre indivduo e sociedade, devido construo de uma perspectiva que se afastou do modus

    pensandi prprio da cincia poca. Tais paradigmas propunham vises distintas acerca da

    subjetividade, no que se refere s funes psicolgicas, o sujeito era considerado um produtor

    independente, quanto s estruturais explicaes sociais, propunha a ideia de sujeito enquanto

    produto das indicaes sociais.

    Em nossa compreenso, um dos contributos primordiais dessa teoria para a

    comunicao com nosso objeto de estudo, o conselho de classe, o pressuposto da

    indivisibilidade entre a divulgao de teorias cientficas, relaes e prticas, alm de

  • 27

    considerar as relaes figurativas com esse saber cientfico que culminam por introduzir

    palavras e imagens no conhecimento compartilhado. As construes simblicas produzidas

    pelos professores permitem a comunicao entre os pares, soluo das vicissitudes

    corriqueiras e a interpretao da realidade.

    2.2 Conceitos basilares e funes

    A Psicologia Social elaborada por Moscovici adota um novo modo de olhar os sujeitos

    em suas interaes, considera a influncia mtua entre sujeito e sociedade, com primazia da

    sociedade sobre a cultura. Nesse contexto em que os sujeitos so ativos e afetados pelo objeto

    culturalmente construdo, a atividade representativa criada atravs dessa relao, possibilita

    ao sujeito se constituir como tal ao reconstruir o objeto.Resulta da a proposio da teoria

    psicossociolgica das representaes sociais que ao situar o sujeito no universo social e

    material outorga a relao entre sujeito e sociedade como universos indissociveis, revelando

    a subjetividade alicerada na mediao com o outro.A adoo dos fundamentos de uma

    abordagem psicossocial pela Teoria das Representaes Sociais propicia a construo de uma

    perspectiva integradora que considera a insolubilidade entre o social e o psicolgico com o

    objetivo de entender e interpretar a vida social, compreendendo assim, a complexidade do

    fenmeno representado.

    Por sua vez, Jodelet (2009) amplia o entendimento acerca das representaes sociais

    produzidas pelos sujeitos e grupos ao delimitar trs esferas de pertena das representaes,

    entre elas, a da subjetividade, a da intersubjetividade e a da transubjetividade.

    Fundamentalmente, a esfera da subjetividade permite o entendimento que os processos que

    operam em nvel do sujeito podem ser de natureza cognitiva, emocional, sendo pertinente

    levar em conta sua experincia de vida. A esfera intersubjetiva refere-se construo das

    representaes, num certo contexto, tendo em vista as elaboraes negociadas pela interao

    entre os sujeitos. E por fim, a esfera transubjetividade se constitui por elementos tanto no

    nvel subjetivo quanto no intersubjetivo, ou seja, corresponde aos aspectos ligados ao

    individual e grupal, em seus contextos de interao e comunicao no espao pblico.

    Dessa maneira, a caracterizao do sujeito das representaes sociais se d

    considerando o lugar ocupado por ele na estrutura social a qual pertence, haja vista sua

    participao nesse contexto de interaes, mediada pela comunicao. Esse processo implica

    num trabalho de simbolizao que se faz pelo modelo de triangulao sujeito-outro-objeto,

    sendo possvel considerar, nesse contexto, o poder de atribuio de sentidos que ocorre a

  • 28

    partir dessa inter-relao. Posto isto, essa teoria revela a interdependncia tridica para

    esclarecer que a relao do sujeito com o objeto mediada pela interveno do outro.

    Com relao ao processo de formao de uma representao social, Villas Bas e

    Souza (2011) acrescentam que alm de psicossocial, ela psico-histrica, e se organiza sob

    uma fundamentao epistemolgica que considera a historicidade. Desse modo, pensar

    historicamente uma representao social, pelo enfoque psicossocial, consiste em entender a

    dinmica representacional, considerando a oposio entre variao e permanncia, assim

    como pela perspectiva histrica, requer levar em conta a mudana dessa rea, apreendendo o

    passado por intermdio de suas definies interpretativas e conceituais. imprescindvel

    considerar que os elementos do passado que sero reatualizados, segundo a problemtica

    contempornea, dar-se- por um processo dinmico em que cada gerao altera o sentido e a

    compreenso dos conhecimentos preexistentes dependentes da construo que ela far a partir

    de sua viso do processo histrico (VILLAS BAS; SOUZA, 2011, p. 40).

    De acordo com Moscovici (1978, p. 26), [...] a representao social uma

    modalidade de conhecimento particular que tem por funo a elaborao de comportamentos

    e a comunicao entre indivduos. Ela se constitui como [...] um corpus organizado de

    conhecimentos e uma das atividades psquicas graas s quais os homens tornam inteligvel a

    realidade fsica e social, inserem-se num grupo ou numa ligao cotidiana de trocas, e liberam

    os poderes de sua imaginao (MOSCOVICI, 1978, p. 28). Ele complementa esse conceito

    afirmando que [...] as representaes sociais so entidades quase tangveis. Elas circulam,

    cruzam-se e se cristalizam incessantemente atravs de uma fala, um gesto, um encontro, em

    nosso universo cotidiano (MOSCOVICI, 1978, p.41).

    Da interao entre as pessoas surge uma forma de saber que mobiliza desejos,

    necessidades e frustraes, influncia que o grupo exerce em seus componentes, levam os

    sujeitos a formarem opinies. Esse consenso gera teorias do senso comum a respeito do

    objeto social em foco, que nem sempre so consensuais no grupo, podendo haver

    convergncia promovendo familiaridade ou divergncia possibilitando mudanas.

    Dessa forma, o sujeito ou o grupo em contato com dada realidade busca represent-la

    atravs da reapropriao que, de acordo com Abric (1998, p. 27), ocorre por conta da

    reconstruo em [...] seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores, dependente

    de sua histria e do contexto social e ideolgico que o cerca. Portanto, o sujeito ou grupo que

    tem um posicionamento ativo mediante a realidade consegue [...] dar um sentido s suas

    condutas e compreender a realidade atravs de seu prprio sistema de referncias; permitindo

    assim ao indivduo de se adaptar e de encontrar um lugar nesta realidade (ABRIC, 1998, p.

  • 29

    28).

    Abric (1998) buscou evidenciar as finalidades prprias das representaes sociais

    designando-lhe quatro funes fundamentais, entre elas: a funo de saber, a funo

    identitria, a funo de orientao e a funo justificadora.

    No que se refere funo de saber, ela colabora para que os sujeitos possam adquirir

    conhecimento em conformidade com o funcionamento do seu sistema cognitivo e seus

    universos de crenas e valores com a finalidade de compreender e explicar uma dada

    realidade, tambm facilita a comunicao permitindo trocas sociais, transmisso e difuso do

    senso comum.

    Quanto funo identitria, ela define a identidade e funciona como uma proteo

    singularidade dos grupos na medida em que localiza os sujeitos ou grupos no campo social,

    permite tambm a composio de uma identidade social e pessoal ajustada com sistemas de

    valores e normas sociais. No entanto, a aluso s representaes enquanto delimitadora da

    identidade de um grupo desempenha um papel de controle social, em relao a cada membro,

    praticado pela coletividade no processo de socializao.

    No que diz respeito funo de orientao, ela age como guia de comportamentos e

    prticas. A representao atua na finalidade da situao, como uma antecipao das aes,

    interferindo no tipo de atitude cognitiva a ser tomada pelos sujeitos sociais, divulgando assim

    sua natureza prescritiva. Uma vez criada uma representao sobre um outro, essa

    representao passa a compor esse outro e a nortear a interao, de modo a conferir realidade

    ao que representado (VALA, 2002). Ela repercute tambm na maneira como o sujeito

    interpreta o que lhe acontece, o que acontece em seu em torno ou ao que julga ter acontecido.

    Moscovici (1978) postula que a representao social contribui para a formao de condutas,

    ou seja, uma preparao para a ao, tanto por conduzir o comportamento, como por

    modificar e reconstruir os elementos do meio em que o comportamento teve lugar.

    Conforme a funo justificadora, ela atua no sentido de justificar os comportamentos e

    posies dos grupos e sujeitos numa ao ou em relao aos seus parceiros em funo da

    natureza dessas relaes. Nesse sentido, a representao tanto pode avaliar aes que permite

    aos sujeitos preservar e reforar a diferenciao social quanto pode contribuir para a

    construo de esteretipos acerca das relaes entre grupos, explicando e justificando as aes

    que levam ao mesmo tempo a discriminar ou preservar o afastamento social entre eles.

  • 30

    2.3 Mecanismos de construo

    Uma representao se configura como social por ser elaborada no coletivo e partilhada

    por um grupo de sujeitos, sendo um produto das interaes e dos fenmenos de comunicao

    (VALA, 2002). Nessa teoria, o termo social compreendido como uma propriedade

    relacional que caracteriza a relao entre o sujeito e o fenmeno que se institui em seu mundo

    grupal, em detrimento do entendimento desse termo enquanto adjetivo que qualifica a

    propriedade de um objeto.

    Assim, torna-se relevante lanar um olhar para as representaes sociais, buscando

    reconhecer seu contedo e entender o procedimento utilizado na sua produo, ou seja,

    necessrio estar atento ao contexto histrico e sociocultural no qual elas so elaboradas, pois

    ele fundamenta tanto o pensamento quanto a ao dos grupos que constri novos sentidos a

    respeito dos objetos sociais.

    A gnese de uma representao social demanda uma atividade de transformao do

    no-familiar em familiar, a partir de dois processos dialeticamente relacionados, entre eles: a

    objetivao e a ancoragem. Qualificados atravs de uma organizao estrutural, o autor

    considera que a objetivao tem a funo de converter em objeto o que representado,

    tornando fsico e visvel o impalpvel enquanto que a ancoragem tem como funo fornecer

    um contexto inteligvel ao objeto. Jovchelovitch (1995) declara que tais processos so

    formatos peculiares em que as representaes sociais fundam mediaes e trazem para o nvel

    quase material a produo simblica de um grupo conseguindo dar concretude s

    representaes sociais na vida social.

    A ancoragem se refere ao enraizamento social da representao, que se constitui ao

    incluir um objeto num sistema de pensamento j existente, possibilitando que as novas ideias

    a respeito do objeto social possam ser relacionadas aos significados dos conhecimentos

    construdos culturalmente, isto , essa integrao cognitiva causa transformao em ambos.

    No se refere como na objetivao em considerar a construo formal de um conhecimento,

    porm, de apreciar a insero orgnica em um pensamento institudo. (MOSCOVICI, 1978).

    Nessa linha, Campos (2003) considera que a ancoragem um dos processos essenciais

    na gnese, mudana e estabilidade das representaes sociais. Para esse autor, a ancoragem

    processo constante nas representaes sociais atravs do qual a representao constri e

    conserva seus princpios nos sistemas scio-cognitivos. Complementa esse entendimento

    Jodelet (2001), ao observar que a ancoragem se constitui num trabalho que corresponde a uma

    funo cognitiva fundamental das representaes sociais capaz de se referir a todo elemento

  • 31

    no conhecido, ou seja, um processo que permite que um objeto desconhecido ancore-se em

    conhecimentos e prticas familiares.

    Ainda na concepo de Moscovici (2009), a ancoragem um processo que

    transforma algo estranho e perturbador [...] em nosso sistema particular de categorias, quer

    dizer, ancorar classificar e dar nome a alguma coisa. Essencialmente, a ancoragem um

    sistema de classificao, de expresso, de designao de categorias e nomes, no havendo

    espao nesse processo para neutralidade, tendo em vista cada objeto e ser possuir um valor e

    se posicionar em uma escala hierrquica. Assim, ao classificar algo ou algum se efetiva o

    confinamento do mesmo a um grupo de comportamentos e regras estipulados fundamentado

    em paradigmas estocados em nossa memria.

    Isso confere uma atualizao para o novo conceito que ganha caractersticas do

    conhecimento preexistente e contribui para proporcionar a requalificao do conhecimento

    anterior. Por conseguinte, a representao fundamenta-se numa rede de significados

    culturalmente criados para comparar, classificar e categorizar em funo dos laos que esse

    objeto mantm com sua insero social de modo a compreender o mundo social e dar sentido

    ao novo, sendo assim, os novos objetos so alinhados e classificados a conhecimentos

    preexistentes tornando o desconhecido familiar (TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2011,

    p. 110).

    Em seus construtos, Jodelet (1993) procura divulgar como o dilogo entre ancoragem

    e objetivao se vincula s trs funes bsicas da representao: a integrao da novidade, a

    interpretao da realidade e a orientao de condutas e de relaes sociais. De tal modo, esse

    processo comporta a compreenso de: a) como a significao atribuda ao objeto

    representado; b) como a representao empregada enquanto sistema de interpretao do

    mundo social e instrumentaliza a conduta; c) como ocorre sua conexo em um sistema de

    recepo, influencia e influenciada pelos dados elementos.

    O outro processo utilizado na elaborao das representaes sociais denominado de

    objetivao, que em conformidade com Moscovici (1978, p. 111) constitui-se num

    mecanismo que visa tornar real um esquema conceitual, atribuindo imagem uma

    contrapartida material, ou seja, objetivar dar concretude a um dado conceito. Nesse

    processo, ocorre a reabsoro de uma demanda de significaes que resulta na sua

    concretizao, alm de transplantar para o nvel de observao o que era apenas inferncia

    ou smbolo.

    Segundo Moscovici (1978), ao objetivar o contedo cientfico de um objeto social o

    grupo se situa tendo em considerao uma srie de fenmenos que ele trata como bem

  • 32

    entende. Dessa forma, a coisificao - substituio de ideias em coisas - a descrio mais

    precisa acerca da ideia cultural em termos de suas formas de agir. Nessa perspectiva, Vala

    (2002) afirma que o objeto percebido e o concebido esto em constante relao, uma vez que

    a objetivao continuamente materializa ideias e significaes, fundando correlao entre

    palavras e coisas, ou seja, levando a que os elementos constitutivos da representao

    adquiram materialidade.

    Ainda na viso de Moscovici, no processo de objetivao duas operaes so

    essenciais: a naturalizao e a classificao. A primeira torna o smbolo real enriquecendo

    uma quantidade de seres conferidos ao sujeito, nesse contexto as imagens participam em

    nosso desenvolvimento, a segunda d realidade um ar simblico separando determinados

    seres de suas caractersticas para mant-los num quadro geral conforme o sistema de

    referncia que a sociedade estabelece (MOSCOVICI, 1978, p. 113).

    Para Moscovici (2009, p. 71), a materializao de uma abstrao uma das

    caractersticas mais misteriosas do pensamento e da fala. Uma infinidade de palavras est em

    circulao na sociedade as quais procuramos dar sentido concreto, no entanto, nem todas as

    palavras podem ser vinculadas a imagens tanto pela falta de imagens acessveis como por

    algumas imagens lembradas serem tabus, permanecendo abstratas. Sendo assim, preciso

    escolher imagens que possam ser representadas e agregadas ao ncleo figurativo - que se

    constitui num complexo de imagens que reproduzem um complexo de ideias - tendo em conta

    nessa escolha as crenas e o estoque preexistente de imagens por parte do grupo. A aceitao

    pelo grupo de um ncleo figurativo permite que ele possa discorrer sobre qualquer coisa que

    se relacione com esse paradigma e componha assim as frmulas que o sintetizam.

    A objetivao evidenciada por Jodelet (2001) como decomposta em trs fases, a

    saber: a construo seletiva, a esquematizao e a naturalizao. As duas primeiras revelam

    o efeito da comunicao e das presses, ligadas a pertena social dos sujeitos, sobre a

    escolha e a organizao dos elementos constitutivos da representao. De acordo Vala

    (2002), a construo seletiva leva em considerao apenas alguns dados do objeto

    representado devido aos significados j efetivos referentes s crenas, valores, tradies, ou

    seja, nesse momento forma-se um todo respectivamente coerente. A esquematizao a

    construo de uma estrutura conceitual que propicia uma imagem coerente dos elementos

    constitutivos do objeto da representao, denominada de ncleo figurativo. A figurao dos

    esquemas ou dimenso icnica possibilita a compreenso da naturalizao. E por fim, a

    naturalizao confere atualizao teorizao moscoviciniana, concebendo que os dados

  • 33

    construdos socialmente passam a ser considerados como constitutivos da realidade do objeto

    adquirindo materialidade.

    Visando dar sentido representao enquanto dimenso dos grupos sociais, Moscovici

    (1978) props que trs dimenses se referem constituio do contedo da representao e

    que reporta ao quadro social em que se incorpora o sujeito. Entre elas, a atitude, a informao

    e o campo de representao. A atitude se refere orientao desfavorvel ou favorvel com

    relao ao objeto da representao. Constitui-se numa tomada de posio acerca de tal objeto

    que agrega nveis afetivos e emocionais do sujeito. A informao se refere organizao do

    contedo sobre o objeto social, levando em conta a quantidade e qualidade do conhecimento

    possudo pelos sujeitos acerca do objeto. Ela varia de acordo com os grupos e pelos meios de

    acesso. O campo de representao corresponde organizao hierarquizada dos elementos

    referentes representao social. Nessa dimenso, incorporam-se todos os elementos, ou seja,

    o espao, o tempo, as coordenadas sociais, para contextualizar o objeto representado. Para

    esse autor, a anlise dessas dimenses possibilita especificar a distino entre os grupos

    estudados permitindo ter uma viso do contedo e do sentido da representao social de um

    dado objeto.

    Cabe salientar que para Jodelet (2001), as representaes sociais referem-se tanto a

    teoria, que explica a construo do conhecimento leigo a respeito do objeto social, para a

    melhor compreenso desse fenmeno, quanto ao objeto, que diz respeito ao conhecimento

    compartilhado, senso comum, configurado como polimorfo, que assume distintas formas em

    cada realidade social. Seus contedos revelam a operao de processos generativos e

    funcionais socialmente marcados.

    A teoria em tela dedica-se ao campo das construes simblicas, elaborado a partir de

    um universo consensual. Conforme Arruda (2002), nesse universo, caracterizado pela

    conversao informal, os sujeitos tm a possibilidade de expor suas opinies livremente,

    devido ao fato de que nele no existem possivelmente fronteiras. As convenes estabelecidas

    atravs das conversaes [...] capacitam as pessoas a compartilharem um estoque implcito

    de imagens e de ideias que so consideradas certas e mutuamente aceitas (MOSCOVICI,

    2009, p. 51).O universo reificado se constitui no mbito cientfico, sendo nele produzidas as

    cincias em geral. Moscovici (2009, p. 51) afirma que nesse universo[...] a sociedade

    transformada em um sistema de entidades slidas, bsicas, invariveis, que so indiferentes

    individualidade e no possuem identidade.

    Segundo Ben Alaya (2011, p. 264),

    Na teoria das representaes, a definio de conhecimento no est

  • 34

    condicionada pela verdade das coisas. Primeiramente, a teoria

    considera a relao de crena com o conhecimento, no pelo ponto de

    vista da teoria do conhecimento, mas posicionando-se a partir do

    ponto de vista do prprio sujeito. Desse ponto de vista, a questo de

    verdade apenas uma das questes. Crena (verdadeira ou falsa) e

    conhecimento so equivalentes no sujeito.

    Vale ressaltar, ento, que para essa teoria no cabe falar em erro, em razo de que essa

    a configurao mesma do pensamento social, sendo suas caractersticas decorrentes das

    circunstncias em que esse pensamento se gera e das normas sociais que o modelam.

    Na concepo de Moscovici (1978), construmos representaes sociais tendo como

    referncia trs determinantes, entre eles podemos destacar: a presso inferncia, a

    focalizao e a disperso de informao. A presso inferncia materializa-se pela

    necessidade de tomada de posio, mediante as exigncias da situao, que influenciam o

    julgamento feito pelos sujeitos na busca de consenso com o seu grupo. A focalizao nos

    remete forma de apreenso das informaes que depende da implicao dos sujeitos em

    relao ao objeto e considera, alm disso, sua formao, os interesses profissionais e

    ideolgicos. A disperso de informao diz respeito disponibilidade de dados, mas tambm

    se refere possibilidade de acesso a ela visando o entendimento do objeto representado.

    2.4 A grande teoria e seus desdobramentos

    A fecundidade da obra de Moscovici ressaltada por Jodelet (2011) em consequncia

    do expressivo potencial de proposies empricas e tericas desenvolvidas ao longo dos anos

    por esse autor e por diversos autores que se inspiraram em suas ideias. As contribuies dessa

    teoria podem ser percebidas no campo da psicologia social, com o foco em objetos que

    articulam processos psicolgicos e sociais; no mbito das teorias do conhecimento possvel

    fundar aproximaes entre a psicologia social, a antropologia, a filosofia, a histria e a

    sociologia; e na aplicao da teoria no estudo de problemas sociais concretos busca entender

    como a evoluo histrica afetava os grupos.

    Da grande teoria foram geradas abordagens, a saber: culturalista, societal, estrutural e

    scio-gnese. A abordagem culturalista enfatiza o olhar antropolgico sobre os objetos que

    investiga, valorizando a articulao entre as dimenses culturais e sociais, tendo em vista a

    compreenso dos processos e produtos simblicos. A abordagem societal vincula as

    representaes sociais a uma perspectiva mais sociolgica, ressaltando a incluso social dos

    sujeitos como fonte de transformao dessas representaes. J a abordagem estrutural tem

  • 35

    por base a compreenso de que a representao social se organiza em torno de um ncleo

    central e de elementos perifricos. E, de acordo com S (1998a), uma quarta abordagem vem

    se estabelecendo ao evidenciar a scio-gnese nos estudos das representaes sociais. Tais

    abordagens que prope formas de enfocar e investigar as representaes trazendo

    contribuies particulares para o desenvolvimento da teoria. Para S (1998b), essas

    abordagens so compatveis entre si, uma vez que todas elas resultam de uma mesma matriz

    basilar e de modo algum a desautorizam.

    Nesse estudo tomamos como referncia a abordagem culturalista de Denise Jodelet,

    em razo de compreendermos as representaes sociais no mbito da articulao entre as

    dimenses culturais e sociais. Para Jodelet, a representao social um sistema de

    interpretao que contribui para a construo de uma realidade comum a um grupo e rege a

    relao dos sujeitos com o mundo devendo ser entendida em seu contexto de produo,

    mediante as funes simblicas e ideolgicas que desempenham. Para tanto, ela parte da

    noo fundamental que uma representao social um saber prtico que liga um sujeito a um

    objeto, sendo as significaes elaboradas, resultantes de um trabalho que faz da representao

    um construto do sujeito.

    Com efeito, Jodelet (2001) considera as representaes sociais como fenmenos

    complexos em ao na vida social, compreendendo vrios elementos, tais como, cognitivos,

    ideolgicos, informativos, normativos, valores, crenas, opinies, atitudes e imagens. Elas se

    estabelecem na qualidade de totalidade significante servindo de guia para as aes, permitem

    a leitura da realidade, propiciam os cdigos de comunicao e admitem uma viso de

    concordncia dos grupos. De acordo com essa autora, produzimos representaes por

    necessitar saber como nos comportar, dominar intelectual e fisicamente, reconhecer e

    solucionar os problemas que se manifestam. Isso porque, as representaes sociais para essa

    autora, apresentam enorme potencial de dotar os sujeitos e grupos de uma viso plena do que

    o homem em seu mundo de objetos (ALMEIDA, 2005). Nesse sentido, tal abordagem

    possibilita que os sujeitos e grupos compreendem o mundo, sua existncia e sua histria.

    Uma peculiaridade do estudo