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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM SAUacuteDE COLETIVA
LUIGI DEIVSON DOS SANTOS
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
Recife 2017
Luigi Deivson dos Santos
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes
Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da
Universidade Federal de Pernambuco como
criteacuterio para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em
sauacutede coletiva
Orientador Dr Paulo Henrique Novaes
Martins de Albuquerque
Co-orientadora Drordf Islacircndia Maria Carvalho
de Sousa
Recife 2017
Luigi Deivson dos Santos
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes
Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da
Universidade Federal de Pernambuco como
criteacuterio para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em
sauacutede coletiva
Aprovado em 18122017
______________________
Profordm Dr Paulo Henrique Novaes Martins de Albuquerque (UFPE)
Orientador
______________________
Profordf DrordfIslacircndia Maria Carvalho de Sousa (IAMFiocruz-PE)
Co-orientadora
______________________
Profordf Drordf Adriana Falangola Benjamin Bezerra (UFPE)
Membro titular
______________________
Profordm Dr Alexandre Franca Barreto(Univasf)
Membro titular
Dedico o trabalho a todos os militantes trabalhadores gestores e usuaacuterios
defensores das Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato coloca
as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio legaloficial O
estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades relatadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema Uacutenico de Sauacutede
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-normativo e as
formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se mostram inadequadas
eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho
contribui para anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das
barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism in
the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health System
This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach which
analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health public
municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in encouraging
the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis and
development of future strategies to address barriers cited by managers as impeding
the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
LISTA (Tabela e Quadro)
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
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crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
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normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
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25 n 1 p 108-120 Mar 2016 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-12902016000100108amplng=enampnrm=isogt access on 20 Dec 2016 httpdxdoiorg101590S0104-12902016143402
SOUSA I M C et al Praacuteticas integrativas e complementares oferta e
produccedilatildeo de atendimentos no SUS e em municiacutepios selecionados Cad Sauacutede
Puacuteblica Rio de Janeiro v 28 n 11 p 2143-2154 Nov 2012 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2012001100014amplng=enampnrm=isogt access on 24 Jan 2017 httpdxdoiorg101590S0102-311X2012001100014
SOUSA I M C Medicina alternativa nos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede A praacutetica da massagem na aacuterea programaacutetica 31 no municiacutepio do Rio de Janeiro 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) ndash Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro 2004
SOUZA E F A A LUZ M T Bases socioculturais das praacuteticas terapecircuticas
alternativas Hist cienc saude-Manguinhos Rio de Janeiro v 16 n 2 p 393-
405 June 2009 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-59702009000200007amplng=enampnrm=isogt access on 01 Dec 2016 httpdxdoiorg101590S0104-59702009000200007
TEIXEIRA M Z Homeopatia desinformaccedilatildeo e preconceito no ensino
meacutedico Rev bras educ med Rio de Janeiro v 31 n 1 p 15-20 Apr 2007
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TELESI JUNIOR E Praacuteticas integrativas e complementares em sauacutede uma
nova eficaacutecia para o SUS Estud av Satildeo Paulo v 30 n 86 p 99-112 Apr
2016 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103-40142016000100099amplng=enampnrm=isogt access on 24 Jan 2017 httpdxdoiorg101590S0103-4014201600100007
TESSER C D Praacuteticas complementares racionalidades meacutedicas e promoccedilatildeo
da sauacutede contribuiccedilotildees poucos exploradas Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro
v 25 n 8 p 1732-1742 Aug 2009S Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-
87
311X2009000800009amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S0102-311X2009000800009
TESSER C D Trecircs consideraccedilotildees sobre a maacute medicina Interface (Botucatu)
Botucatu v 13 n 31 p 273-286 Dec 2009b Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-32832009000400004amplng=enampnrm=isogt access on 19 Dec 2016
TESSER C D BARROS N F Medicalizaccedilatildeo social e medicina alternativa e
complementar pluralizaccedilatildeo terapecircutica do Sistema Uacutenico de Sauacutede Rev
Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 42 n 5 p 914-920 out 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0034-89102008000500018amplng=ptampnrm=isogt acessos em 30 nov 2016 httpdxdoiorg101590S0034-89102008000500018
TESSER C D LUZ M T Racionalidades meacutedicas e integralidade Ciecircnc sauacutede
coletiva Rio de Janeiro v 13 n 1 p 195-206 Feb 2008 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232008000100024amplng=enampnrm=isogt access on 29 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232008000100024
TESSER C D POLI NETO P CAMPOS G W S Acolhimento e (des)medicalizaccedilatildeo social um desafio para as equipes de sauacutede da
famiacutelia Ciecircnc sauacutede coletiva Rio de Janeiro v 15 supl 3 p 3615-3624 Nov
2010 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232010000900036amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232010000900036
TESSER C D SOUSA I M C Atenccedilatildeo primaacuteria atenccedilatildeo psicossocial
praacuteticas integrativas e complementares e suas afinidades eletivas Saude soc
Satildeo Paulo v 21 n 2 p 336-350 June 2012 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-12902012000200008amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S0104-12902012000200008
THIAGO S C S TESSER C D Percepccedilatildeo de meacutedicos e enfermeiros da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia sobre terapias complementares Rev Sauacutede
Puacuteblica Satildeo Paulo v 45 n 2 p 249-257 Apr 2011 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S0034-89102011000200003amplng=enampnrm=isogt access on 24 Jan 2017 Epub Jan 26 2011 httpdxdoiorg101590S0034-89102011005000002
VIEIRA F S BENEVIDES R P S Nota Teacutecnica nordm28 Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema uacutenico de sauacutede e para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Governo Federal Ministeacuterio do Planejamento Desenvolvimento e Gestatildeo Instituto de Pesquisa Economia Aplicada Brasiacutelia 2016
WITTER N A Curar como arte e ofiacutecio contribuiccedilotildees para um debate
historiograacutefico sobre sauacutede doenccedila e cura Tempo Niteroacutei v 10 n 19 p 13-
88
25 Dec 2005 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-77042005000200002amplng=enampnrm=isogt access on 06 Jan 2017 httpdxdoiorg101590S1413-77042005000200002
89
ANEXO
90
91
92
Luigi Deivson dos Santos
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes
Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da
Universidade Federal de Pernambuco como
criteacuterio para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em
sauacutede coletiva
Orientador Dr Paulo Henrique Novaes
Martins de Albuquerque
Co-orientadora Drordf Islacircndia Maria Carvalho
de Sousa
Recife 2017
Luigi Deivson dos Santos
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes
Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da
Universidade Federal de Pernambuco como
criteacuterio para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em
sauacutede coletiva
Aprovado em 18122017
______________________
Profordm Dr Paulo Henrique Novaes Martins de Albuquerque (UFPE)
Orientador
______________________
Profordf DrordfIslacircndia Maria Carvalho de Sousa (IAMFiocruz-PE)
Co-orientadora
______________________
Profordf Drordf Adriana Falangola Benjamin Bezerra (UFPE)
Membro titular
______________________
Profordm Dr Alexandre Franca Barreto(Univasf)
Membro titular
Dedico o trabalho a todos os militantes trabalhadores gestores e usuaacuterios
defensores das Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato coloca
as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio legaloficial O
estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades relatadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema Uacutenico de Sauacutede
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-normativo e as
formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se mostram inadequadas
eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho
contribui para anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das
barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism in
the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health System
This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach which
analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health public
municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in encouraging
the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis and
development of future strategies to address barriers cited by managers as impeding
the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
LISTA (Tabela e Quadro)
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
71
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
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TESSER C D BARROS N F Medicalizaccedilatildeo social e medicina alternativa e
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coletiva Rio de Janeiro v 13 n 1 p 195-206 Feb 2008 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232008000100024amplng=enampnrm=isogt access on 29 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232008000100024
TESSER C D POLI NETO P CAMPOS G W S Acolhimento e (des)medicalizaccedilatildeo social um desafio para as equipes de sauacutede da
famiacutelia Ciecircnc sauacutede coletiva Rio de Janeiro v 15 supl 3 p 3615-3624 Nov
2010 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232010000900036amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232010000900036
TESSER C D SOUSA I M C Atenccedilatildeo primaacuteria atenccedilatildeo psicossocial
praacuteticas integrativas e complementares e suas afinidades eletivas Saude soc
Satildeo Paulo v 21 n 2 p 336-350 June 2012 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-12902012000200008amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S0104-12902012000200008
THIAGO S C S TESSER C D Percepccedilatildeo de meacutedicos e enfermeiros da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia sobre terapias complementares Rev Sauacutede
Puacuteblica Satildeo Paulo v 45 n 2 p 249-257 Apr 2011 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S0034-89102011000200003amplng=enampnrm=isogt access on 24 Jan 2017 Epub Jan 26 2011 httpdxdoiorg101590S0034-89102011005000002
VIEIRA F S BENEVIDES R P S Nota Teacutecnica nordm28 Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema uacutenico de sauacutede e para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Governo Federal Ministeacuterio do Planejamento Desenvolvimento e Gestatildeo Instituto de Pesquisa Economia Aplicada Brasiacutelia 2016
WITTER N A Curar como arte e ofiacutecio contribuiccedilotildees para um debate
historiograacutefico sobre sauacutede doenccedila e cura Tempo Niteroacutei v 10 n 19 p 13-
88
25 Dec 2005 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-77042005000200002amplng=enampnrm=isogt access on 06 Jan 2017 httpdxdoiorg101590S1413-77042005000200002
89
ANEXO
90
91
92
Luigi Deivson dos Santos
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes
Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da
Universidade Federal de Pernambuco como
criteacuterio para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em
sauacutede coletiva
Aprovado em 18122017
______________________
Profordm Dr Paulo Henrique Novaes Martins de Albuquerque (UFPE)
Orientador
______________________
Profordf DrordfIslacircndia Maria Carvalho de Sousa (IAMFiocruz-PE)
Co-orientadora
______________________
Profordf Drordf Adriana Falangola Benjamin Bezerra (UFPE)
Membro titular
______________________
Profordm Dr Alexandre Franca Barreto(Univasf)
Membro titular
Dedico o trabalho a todos os militantes trabalhadores gestores e usuaacuterios
defensores das Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato coloca
as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio legaloficial O
estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades relatadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema Uacutenico de Sauacutede
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-normativo e as
formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se mostram inadequadas
eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho
contribui para anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das
barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism in
the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health System
This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach which
analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health public
municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in encouraging
the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis and
development of future strategies to address barriers cited by managers as impeding
the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
LISTA (Tabela e Quadro)
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
71
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
REFERENCIAS
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BARDIN Laurence (1977) Anaacutelise de conteuacutedo Trad Sob a direccedilatildeo de Luiacutes Antero Reta e Augusto Pinheiro Lisboa Ediccedilotildees 70 2002
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Relatoacuterio do 1ordm seminaacuterio Internacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede ndash PNPIC Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2009 196 p ndash (Seacuterie C Projetos Programas e Relatoacuterios)
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Coordenaccedilatildeo nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares Relatoacuterio de Gestatildeo 2006-2010 Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede fevereiro de 2011
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Monitoramento Nacional ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2014
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Poliacutetica nacional de praacuteticas integrativas e complementares no SUS Informe novembro de 2016 Brasiacutelia 2016 Disponiacutevel em http18928128100dabdocsportaldabdocumentosinforme_novembro_PICsSpdfAcessado em 16 de setembro de 2017
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Poliacutetica nacional de praacuteticas integrativas e complementares no SUS Informe Maio de 2017 Brasiacutelia 2017a Disponiacutevel em http18928128100dabdocsportaldabdocumentosinforme_pics_maio2017pdfAcessado em 16 de setembro de 2017
73
BRASIL Poliacutetica nacional de praacuteticas integrativas e complementares no SUS atitude de ampliaccedilatildeo de acesso Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica ndash 2 ed ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2015a 96 p il
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77
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
79
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89
ANEXO
90
91
92
Dedico o trabalho a todos os militantes trabalhadores gestores e usuaacuterios
defensores das Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato coloca
as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio legaloficial O
estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades relatadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema Uacutenico de Sauacutede
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-normativo e as
formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se mostram inadequadas
eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho
contribui para anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das
barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism in
the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health System
This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach which
analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health public
municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in encouraging
the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis and
development of future strategies to address barriers cited by managers as impeding
the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
LISTA (Tabela e Quadro)
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
71
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
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estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
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verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
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TESSER C D LUZ M T Racionalidades meacutedicas e integralidade Ciecircnc sauacutede
coletiva Rio de Janeiro v 13 n 1 p 195-206 Feb 2008 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232008000100024amplng=enampnrm=isogt access on 29 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232008000100024
TESSER C D POLI NETO P CAMPOS G W S Acolhimento e (des)medicalizaccedilatildeo social um desafio para as equipes de sauacutede da
famiacutelia Ciecircnc sauacutede coletiva Rio de Janeiro v 15 supl 3 p 3615-3624 Nov
2010 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232010000900036amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232010000900036
TESSER C D SOUSA I M C Atenccedilatildeo primaacuteria atenccedilatildeo psicossocial
praacuteticas integrativas e complementares e suas afinidades eletivas Saude soc
Satildeo Paulo v 21 n 2 p 336-350 June 2012 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-12902012000200008amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S0104-12902012000200008
THIAGO S C S TESSER C D Percepccedilatildeo de meacutedicos e enfermeiros da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia sobre terapias complementares Rev Sauacutede
Puacuteblica Satildeo Paulo v 45 n 2 p 249-257 Apr 2011 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S0034-89102011000200003amplng=enampnrm=isogt access on 24 Jan 2017 Epub Jan 26 2011 httpdxdoiorg101590S0034-89102011005000002
VIEIRA F S BENEVIDES R P S Nota Teacutecnica nordm28 Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema uacutenico de sauacutede e para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Governo Federal Ministeacuterio do Planejamento Desenvolvimento e Gestatildeo Instituto de Pesquisa Economia Aplicada Brasiacutelia 2016
WITTER N A Curar como arte e ofiacutecio contribuiccedilotildees para um debate
historiograacutefico sobre sauacutede doenccedila e cura Tempo Niteroacutei v 10 n 19 p 13-
88
25 Dec 2005 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-77042005000200002amplng=enampnrm=isogt access on 06 Jan 2017 httpdxdoiorg101590S1413-77042005000200002
89
ANEXO
90
91
92
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato coloca
as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio legaloficial O
estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades relatadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema Uacutenico de Sauacutede
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-normativo e as
formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se mostram inadequadas
eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho
contribui para anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das
barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism in
the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health System
This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach which
analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health public
municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in encouraging
the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis and
development of future strategies to address barriers cited by managers as impeding
the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
LISTA (Tabela e Quadro)
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
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Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
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se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
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sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
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Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
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Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
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TESSER C D Trecircs consideraccedilotildees sobre a maacute medicina Interface (Botucatu)
Botucatu v 13 n 31 p 273-286 Dec 2009b Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-32832009000400004amplng=enampnrm=isogt access on 19 Dec 2016
TESSER C D BARROS N F Medicalizaccedilatildeo social e medicina alternativa e
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TESSER C D LUZ M T Racionalidades meacutedicas e integralidade Ciecircnc sauacutede
coletiva Rio de Janeiro v 13 n 1 p 195-206 Feb 2008 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232008000100024amplng=enampnrm=isogt access on 29 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232008000100024
TESSER C D POLI NETO P CAMPOS G W S Acolhimento e (des)medicalizaccedilatildeo social um desafio para as equipes de sauacutede da
famiacutelia Ciecircnc sauacutede coletiva Rio de Janeiro v 15 supl 3 p 3615-3624 Nov
2010 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-81232010000900036amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S1413-81232010000900036
TESSER C D SOUSA I M C Atenccedilatildeo primaacuteria atenccedilatildeo psicossocial
praacuteticas integrativas e complementares e suas afinidades eletivas Saude soc
Satildeo Paulo v 21 n 2 p 336-350 June 2012 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-12902012000200008amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S0104-12902012000200008
THIAGO S C S TESSER C D Percepccedilatildeo de meacutedicos e enfermeiros da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia sobre terapias complementares Rev Sauacutede
Puacuteblica Satildeo Paulo v 45 n 2 p 249-257 Apr 2011 Available from lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S0034-89102011000200003amplng=enampnrm=isogt access on 24 Jan 2017 Epub Jan 26 2011 httpdxdoiorg101590S0034-89102011005000002
VIEIRA F S BENEVIDES R P S Nota Teacutecnica nordm28 Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema uacutenico de sauacutede e para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Governo Federal Ministeacuterio do Planejamento Desenvolvimento e Gestatildeo Instituto de Pesquisa Economia Aplicada Brasiacutelia 2016
WITTER N A Curar como arte e ofiacutecio contribuiccedilotildees para um debate
historiograacutefico sobre sauacutede doenccedila e cura Tempo Niteroacutei v 10 n 19 p 13-
88
25 Dec 2005 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1413-77042005000200002amplng=enampnrm=isogt access on 06 Jan 2017 httpdxdoiorg101590S1413-77042005000200002
89
ANEXO
90
91
92
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism in
the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health System
This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach which
analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health public
municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in encouraging
the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis and
development of future strategies to address barriers cited by managers as impeding
the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
LISTA (Tabela e Quadro)
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
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orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
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instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
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Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
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se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
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sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
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Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
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Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
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TESSER C D POLI NETO P CAMPOS G W S Acolhimento e (des)medicalizaccedilatildeo social um desafio para as equipes de sauacutede da
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TESSER C D SOUSA I M C Atenccedilatildeo primaacuteria atenccedilatildeo psicossocial
praacuteticas integrativas e complementares e suas afinidades eletivas Saude soc
Satildeo Paulo v 21 n 2 p 336-350 June 2012 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-12902012000200008amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S0104-12902012000200008
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VIEIRA F S BENEVIDES R P S Nota Teacutecnica nordm28 Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema uacutenico de sauacutede e para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Governo Federal Ministeacuterio do Planejamento Desenvolvimento e Gestatildeo Instituto de Pesquisa Economia Aplicada Brasiacutelia 2016
WITTER N A Curar como arte e ofiacutecio contribuiccedilotildees para um debate
historiograacutefico sobre sauacutede doenccedila e cura Tempo Niteroacutei v 10 n 19 p 13-
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89
ANEXO
90
91
92
LISTA (Tabela e Quadro)
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
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ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
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INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
71
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
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TESSER C D SOUSA I M C Atenccedilatildeo primaacuteria atenccedilatildeo psicossocial
praacuteticas integrativas e complementares e suas afinidades eletivas Saude soc
Satildeo Paulo v 21 n 2 p 336-350 June 2012 Available from lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0104-12902012000200008amplng=enampnrm=isogt access on 30 Nov 2016 httpdxdoiorg101590S0104-12902012000200008
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VIEIRA F S BENEVIDES R P S Nota Teacutecnica nordm28 Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema uacutenico de sauacutede e para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Governo Federal Ministeacuterio do Planejamento Desenvolvimento e Gestatildeo Instituto de Pesquisa Economia Aplicada Brasiacutelia 2016
WITTER N A Curar como arte e ofiacutecio contribuiccedilotildees para um debate
historiograacutefico sobre sauacutede doenccedila e cura Tempo Niteroacutei v 10 n 19 p 13-
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89
ANEXO
90
91
92
LISTA (Siglas)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesticas
PNPIC Poliacuteticas Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares
PICs Praacuteticas Integrativas e Complementares
MTC Medicina Tradicional e Complementar
MAC Medicina Alternativa e Complementar
MT Medicina Tradicional
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
AB Atenccedilatildeo Baacutesica
PS Promoccedilatildeo da Sauacutede
ESF Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia
PNPMF Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapia
MNT Medicina Natural e Tradicional
Fiocruz Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
GPS Grupo de Pesquisa Saberes e Praacuteticas em Sauacutede
PMPICs Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede
AVAPICS Avaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no
SUS
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
71
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
REFERENCIAS
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BARDIN Laurence (1977) Anaacutelise de conteuacutedo Trad Sob a direccedilatildeo de Luiacutes Antero Reta e Augusto Pinheiro Lisboa Ediccedilotildees 70 2002
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Relatoacuterio do 1ordm seminaacuterio Internacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares em Sauacutede ndash PNPIC Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2009 196 p ndash (Seacuterie C Projetos Programas e Relatoacuterios)
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Coordenaccedilatildeo nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares Relatoacuterio de Gestatildeo 2006-2010 Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede fevereiro de 2011
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Monitoramento Nacional ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2014
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Poliacutetica nacional de praacuteticas integrativas e complementares no SUS Informe novembro de 2016 Brasiacutelia 2016 Disponiacutevel em http18928128100dabdocsportaldabdocumentosinforme_novembro_PICsSpdfAcessado em 16 de setembro de 2017
BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica Poliacutetica nacional de praacuteticas integrativas e complementares no SUS Informe Maio de 2017 Brasiacutelia 2017a Disponiacutevel em http18928128100dabdocsportaldabdocumentosinforme_pics_maio2017pdfAcessado em 16 de setembro de 2017
73
BRASIL Poliacutetica nacional de praacuteticas integrativas e complementares no SUS atitude de ampliaccedilatildeo de acesso Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica ndash 2 ed ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2015a 96 p il
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77
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
79
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89
ANEXO
90
91
92
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
11 Apresentaccedilatildeo12
12 Delimitaccedilatildeo do problema14
2 REVISAtildeO DE LITERATURA17
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional Complementar e Praacuteticas
Integrativas e Complementares17 211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede19 212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil21
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Baacutesica no
Sistema Uacutenico de Sauacutede23 221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede
brasileiro28 222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros29
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro32 231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares37 232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares40 233 Financiamento44
3 MEacuteTODO46
31 Desenho46
32 Plano de anaacutelise47
4 RESULTADODISCUSSAtildeO50
RESUMO50
ABSTRACT51
INTRODUCcedilAtildeO52
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede53
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro55
MEacuteTODO58
Desenho58
Plano de anaacutelise59
RESULTADOSDISCUSSAtildeO61
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e complementares na rede
puacuteblica de sauacutede do Brasil61
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
71
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos
PICs
REFERENCIAS
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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
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89
ANEXO
90
91
92
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo oferta de serviccedilos de
Praacuteticas Integrativas e Complementares63
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS71
REFERENCIAS72
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS77
REFEREcircNCIAS79
ANEXO89
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 Apresentaccedilatildeo
A dissonacircncia durante a formaccedilatildeo acadecircmica de qualquer sujeito eacute comum e
necessaacuteria para seu amadurecimento no ldquomundo cientiacuteficordquo Comumente era
acometido por duacutevidas que atordoavam o meu pensamento loacutegico e destroccedilavam
minhas convicccedilotildees Aliaacutes convicccedilotildees parecem ser nossa eterna busca quando
transitamos pelo curso de psicologia
Com a compreensatildeo de ciecircncia em seu significado amplo - incluiacuteda aqui a criacutetica ao
pensamento cartesiano segui meu percurso ateacute me encontrar com a praacutetica
psicoloacutegica dentro de uma unidade de internamento para dependentes quiacutemicos
Nessa nova experiecircncia passei a me deparar com as limitaccedilotildees que a psicologia e
outros saberes da sauacutede exibem diante da cliacutenica cotidiana da dependecircncia quiacutemica
Observo os efeitos beneacuteficos das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) na
qualidade de vida e proteccedilatildeo de riscos nos usuaacuterios assim como busco
compreender os efeitos iatrogecircnicos das intervenccedilotildees dos profissionais de sauacutede
sobre tal serviccedilo
Aproximei-me da sauacutede coletiva motivado pela ideacuteia de que as limitaccedilotildees da minha
praacutetica como profissional da sauacutede estavam intimamente relacionadas agrave maacute gestatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos Contudo percebo que se trata de uma meia verdade a maacute
gestatildeo eacute apenas um dos aspectos que agravava nossas praacuteticas no serviccedilo As
nossas insuficiecircncias no trabalho com sauacutede mental eram resultados do
encadeamento de diversos outros problemas estruturais o que no fim nos abrem um
interessante campo de anaacutelise sobre as fronteiras estabelecidas pelo pensamento
biomeacutedico na sauacutede O que eacute capaz de promover o bem para o sujeito nem sempre
tem o devido reconhecimento Verifica-se facilmente a falta de reconhecimento legal
ou institucional de praacuteticas de cuidado que estatildeo fora do escopo da medicina oficial
o que acaba por situaacute-las numa posiccedilatildeo vulneraacutevel de legitimaccedilatildeo
Suas valoraccedilotildees ficam limitadas agrave experiecircncia positiva vivenciada pelos usuaacuterios
das praacuteticas populares ou tradicionais Na minha famiacutelia assim como em tantas
outras encontraacutevamos a cura para diversas enfermidades no uso de plantas
medicinais ensinamentos que eram transmitidos de geraccedilotildees a geraccedilotildees pelos
13
cuidadores de nosso bairro o que nos levava a ter certa autonomia no cuidado
comunitaacuterio Existiam pessoas de referecircncia no cuidado mas a arte de cuidar natildeo
era exclusiva destas
Minha trajetoacuteria de vida me levava a crer que a arte de cuidar natildeo repousava apenas
nos saberes pregados pela forccedila hegemocircnica da biomedicina eles precisavam ser
muacuteltiplos e integrativos Acreditava que a praacutetica psicoloacutegica que exercia tinha limites
significativos e natildeo alcanccedilava a complexa necessidade de cuidado Na procura de
outras possibilidades de compreensatildeo dos sentidos escusos das praacuteticas de sauacutede
decidi trilhar pelo caminho das praacuteticas ldquomarginaisrdquo de sauacutede e cuidado
Passei a experimentar e me aproximar das PICs inicialmente com o curso de
Constelaccedilatildeo Familiar aromaterapia meditaccedilatildeo reiki e depois com a massagem
ayurveacutedica e auriculoterapia Em cada uma das formaccedilotildees pude experimentar em
niacuteveis diferentes o cuidado vivo e gerador de autonomia
Concomitantemente as minhas formaccedilotildees em PICs passei a compor o Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede da Fiocruz-PE e foi quando conheci o
projeto ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas Integrativas e Complementares no SUS
em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos de plantas medicinais e Medicina
Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para doenccedilas crocircnicas em estudos de caso
no Nordesterdquo (AVAPICS) Cujo objetivo era avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs
existentes no SUS no Brasil tendo a meta de produzir um diagnoacutestico situacional
sobre os serviccedilos com evidecircncias de suas potencialidades e limitaccedilotildees para o SUS
Meu interesse pelo tema das PICs se tornou ainda maior ao ser convidado para
integrar a Coordenaccedilatildeo da Poliacutetica Municipal de Praacuteticas Integrativas e
Complementares em Sauacutede (PMPICs) do Recife Transitando entre as experiecircncias
de pesquisa no projeto AVAPICS ndash nos grupos de estudo seminaacuterios e coleta de
dados - e na praacutetica da gestatildeo na coordenaccedilatildeo da PMPICs de Recife O contexto
me incitou a realizar perguntas que envolviam o entendimento sobre os desafios
enfrentados na gestatildeo em PICs
Mesmo encontrando legitimidade social a PMPICs de Recife enfrenta
cotidianamente problemas elementares para o sustento de qualquer poliacutetica como
poucos profissionais com viacutenculo efetivo e pouco investimento para compra de
insumos Recorrentemente as solicitaccedilotildees de compras e editais de licitaccedilatildeo satildeo
14
fracassadas por falta de interesse das empresas em fornecer os insumos (a exemplo
dos oacuteleos essenciais kit essecircncias florais oacuteleos vegetais) sob a justificativa de que
o quantitativo solicitado eacute pequeno ou que determinado material eacute de difiacutecil aquisiccedilatildeo
por sua especificidade O fato eacute que os insumos necessaacuterios agrave manutenccedilatildeo dos
serviccedilos de PICs satildeo de baixo valor de mercado e natildeo geram lucro agraves empresas
Apesar de observarmos o crescente interesse e investimento da industria
farmacecircutica por certos produtos ldquoalternativordquo
Em maio de 2016 participei como gestor no evento comemorativo dos 10 anos da
Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) organizado
pela Fiocruz-PE Na oportunidade tivemos a explanaccedilatildeo e discussatildeo das
experiecircncias de diversas capitais com PICs ndash Brasiacutelia Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Florianoacutepolis Recife Beleacutem e Belo Horizonte
Nesse evento concluiacute que os desafios e inquietaccedilotildees vivenciados por noacutes em Recife
satildeo comuns a outros municiacutepios que estavam no evento Tais desafios tambeacutem
podem ser observadas nos trabalhos de autores que refletem teoricamente sobre
experiecircncias nos municiacutepios brasileiros tais como desconhecimento ou insuficiecircncia
de normativas legais (LIMA 2014 GALHARDI et al 2013 THIAGO amp TESSER
2011 BRASIL 2011) imprecisatildeo conceitual do que eacute PICs (LIMA 2014 SOUSA
2012 CONTATORE 2015) fatores culturais e cientiacuteficos que distanciam as PICs da
integraccedilatildeo com o modelo oficial de sauacutede (LIMA 2014) a insuficiecircncia de recursos
financeiros e humanos capacitados ou de espaccedilosorganizaccedilatildeo de serviccedilos (NAGAI
amp QUEIROZ 2011 BRASIL 2011) insuficiecircncia do planejamento (NAGAI amp
QUEIROZ 2011) desconhecimento da PNPIC (GALHARDI et al 2013) A
experiecircncia vivenciada na gestatildeo e no grupo de pesquisa me motivou a investigar o
cenaacuterio da oferta de PICs no Brasil e os desafios enfrentados pelos gestores
municipais para instituicionalizaccedilatildeo dos serviccedilos na rede de sauacutede
21 Delimitaccedilatildeo do problema
O tema das Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) eacute ainda pouco explorado
em nossas pesquisas no Brasil mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica
Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a
efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER
amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
15
Apesar de ser marco significativo no campo da Sauacutede Puacuteblica nesses 10 anos de
existecircncia a PNPIC natildeo foi suficiente para superar diversas dificuldades para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS No relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil ficam evidentes algumas
dessas dificuldades a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das diversas realidades
dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes o baixo financiamento e
pouco investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais (BRASIL 2009) Tais
desafios permeiam transversalmente o SUS mas se mostram superiores em aacutereas
principiantes como as PICs
Dentre os poucos trabalhos temos a informaccedilatildeo de que a institucionalizaccedilatildeo das
PICs no paiacutes ocorre de forma diversificada desigual e lenta (CHAVES 2015)
Contudo encontrarmos em documentos institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede
afirmativas contraacuterias que aleacutem de informarem um crescimento expressivo dos
serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL
2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais eis a pergunta que conduz o trabalho Quais os motivos que
impedem os gestores municipais de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A
curiosidade em investigar o tema eacute ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos
cientiacuteficos ou mesmo institucionais que a respondam concretamente
O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas
pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso
busca analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Se propotildee a descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs
categorizar os motivos e compreender seus sentidos e significados para
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina Adicionalmente o
trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento
16
das barreiras citadas pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de
serviccedilos PICs
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa que
utiliza o meacutetodo de Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) para a anaacutelise das
respostas dos gestores municipais registradas no banco de dados do projeto
AVAPICS1 Na ocasiatildeo ocorreu a investigaccedilatildeo dos motivos apresentados pelos
gestores para natildeo oferta de serviccedilos PICs
Na revisatildeo de literatura foram visitados os temas da Medicina Alternativa e
Complementar (MAC) e Medicina Tradicional (MT) por ser o termo utilizado
internacionalmente como referecircncia no Brasil nomeamos de PICs Em seguida
discuto sobre a PNPIC e sua relaccedilatildeo com a atenccedilatildeo baacutesica haja vista ser
ferramenta estrateacutegica de potencializaccedilatildeo dos cuidados que natildeo envolvem alta
densidade tecnoloacutegica Adiante reflito sobre alguns aspectos intimamente
relacionados ao processo de institucionalizaccedilatildeo da PNPIC no SUS e que
influenciam as posturas dos atores
1 Detalhes sobre o meacutetodo de coleta do AVAPICS seratildeo discorridos no Meacutetodo
17
2 REVISAtildeO DE LITERATURA
21 Medicina alternativa e complementar Medicina Tradicional
Complementar e Praacuteticas Integrativas e Complementares
O movimento da contracultura iniciado na deacutecada de 60 surge num contexto de
questionamento dos valores da sociedade ocidental que acabara de passar por
duas grandes guerras mundiais e vive o afatilde de disseminarimpor sua cultura a outras
sociedades Parte da bdquoestrateacutegia revolucionaacuteria‟ do movimento da contracultura era a
bdquordquoImportaccedilatildeo de sistemas exoacutegenos de crenccedila e orientaccedilotildees filosoacuteficas geralmente
orientais que serviram de fundamento para a construccedilatildeo de um corpo ideoloacutegico de
orientaccedilotildees praacuteticasrdquo (SOUZA amp LUZ 2009 p 394) Os praticantes das terapias
alternativas tensionavam o ocidente a olhar as demais concepccedilotildeespercepccedilotildees
(principalmente as orientais) para a compreensatildeo do sujeito e do mundo
Tal movimento inspira a criacutetica ao centralismo do modelo biomeacutedico nos sistemas de
sauacutede dos diversos paiacuteses no mundo Nasce a pungente necessidade de fundar um
novo modelo com vista ao enfrentamento mais adequado dos problemas de sauacutede
consagrado na conferecircncia de Alma Ata em 1978 O novo modelo apoiado e
incentivado pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) trata entre outras
questotildees de retomar o saber tradicional de medicinas natildeo oficiais (OMS 1978)
Ainda no seacuteculo passado inicia-se um movimento inovador no campo cientifico o
desenvolvimento da teoria da complexidade (originada na fiacutesica e matemaacutetica)
Surge com a proposta de apontar outra direccedilatildeo para os diversos fenocircmenos que
desafiam a compreensatildeo humana A ciecircncia da razatildeo que nos salvou do
obscurantismo medieval promovido pela religiatildeo parece natildeo atingir o primado da
completude olha a realidade editada pelos vieses dos sentidos e da razatildeo e natildeo
reconhece a nossa limitaccedilatildeo humana intelectual Desde entatildeo a sua aplicaccedilatildeo estaacute
sendo paulatinamente inserida nos diversos campos do conhecimento e oferece
para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do processo sauacutede-
doenccedila (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Santos (1988) sinaliza que a ciecircncia da razatildeo comeccedila a dar lugar a um novo ciclo de
oportunidades de medo das novas abundacircncias que ocorreraacute ao fim da transiccedilatildeo
18
Insatisfeitos buscamos novamente as respostas para os questionamentos
elementares feitos por Rousseau haacute mais de duzentos anos
ldquoO progresso das ciecircncias e das artes contribuiraacute para purificar ou para corromper nossos costumes [] Haacute alguma razatildeo de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que compartilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento cientifico produzidos por poucos e
inacessiacuteveis a maioriardquo (SANTOS 1988 apud ROUSSEAU 1750 p 47)
A influecircncia dessa transiccedilatildeo no campo da sauacutede aparentemente favorece a abertura
receptiva da biomedicina agraves outras praacuteticas associadas agraves Medicinas Tradicionais e
Complementares (MTC) A criacutetica ao pensamento cartesiano-linear representado
pela biomedicina dentro do campo da sauacutede oferece a oportunidade de olhar eou
enfrentar os problemas ldquoindissoluacuteveisrdquo proacuteprios desse campo utilizando as
tecnologias disponiacuteveis principalmente dos saberes orientais (NOGUEIRA 2010
SOUZA amp LUZ apud CAMPBELL 1997) O que parece oportunizar o movimento de
orientalizaccedilatildeo do aforismo ocidental e introduccedilatildeo do paradigma vitalista que
segundo Tesser amp Barros (2008) apud Luz (1996) eacute atribuiacutedo agraves medicinas orientais
pela importacircncia que tecircm noccedilotildees como ldquoenergia sopro corpo energeacutetico
desequiliacutebrios individuais forccedilas naturais e bdquosobrenaturais‟rdquo (p 918)
Esse movimento cultural permite a comparaccedilatildeo anaacutelise e discussatildeo sobre as
relaccedilotildees estabelecidas entre as praacuteticas biomeacutedicas com as praacuteticas de cuidado
milenarmente utilizadas no oriente Abrindo margem para a transformaccedilatildeo das
praacuteticas de sauacutede concernentes ao cuidado plural e enfrentamento de problemas
complexos A comunicaccedilatildeo e identidade de cada uma dessas medicinas guardam
elos que as situam diante do mesmo objeto a sauacutede dos sujeitos Enfrentamos o
desafio de comunicaccedilatildeo entre racionalidades divergentes (TELESI JUNIOR 2016
MARTINS 2013)
Na virada do seacuteculo a OMS passa a tratar o tema em dois documentos importantes
que entre outras questotildees fundamentais tratam da definiccedilatildeo dos conceitos de
Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Medicina Tradicional Complementar
(MTC) Sendo os dois intitulados de ldquoEstrateacutegias da OMS sobre Medicina
Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a 2005 e o segundo para
o dececircnio 2014 a 2023
19
No primeiro documento eacute chamada a atenccedilatildeo do leitor quanto agrave dificuldade da
equipe de ediccedilatildeo em estabelecer com precisatildeo o que seria de fato uma medicina
tradicional suas terapias e produtos Essa dificuldade eacute apontada principalmente
por considerar a grande diversidade de conceitos e aplicaccedilotildees nos paiacuteses membros
para as chamadas Medicinas Tradicionais (MT) e Medicinas Complementares e
Alternativas (MCA) (OMS 2002)
As MT e MCA se diferenciam entre si considerando sua origem e inclusatildeo no
sistema de sauacutede oficial Se a praacutetica meacutedica eacute originaacuteria do paiacutes e inserida no
sistema de sauacutede oficial eacute considerada MT e caso natildeo seja originaacuteria do paiacutes ou natildeo
esteja inserida no Sistema eacute considerada com MCA O termo Medicina Tradicional
Complementar (MTC) eacute referente a fusatildeo MT com MCA utilizado para se referir agraves
duas medicinas concomitantemente (OMS 2002 OMS 2013)
Independente disso MT MCA ou MTC satildeo classificadas como praacuteticas de cuidado
com enfoques conhecimentos e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de
medicaccedilotildees - fitoterapia uso de minerais eou animais eou terapias sem
medicaccedilotildees - terapias manuais e espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que
visam manter o bem estar tratar diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002)
Essas caracteriacutesticas as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel a sua disseminaccedilatildeo no
mundo seja nos paiacuteses ricos ou natildeo
211 O uso das Medicinas Tradicionais e Complementares no mundo e o papel da
Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
As Medicinas Tradicionais satildeo amplamente utilizadas em todo o mundo Na Aacutefrica
80 da populaccedilatildeo tecircm incorporado os cuidados dessas medicinas para satisfazer
suas necessidades sanitaacuterias Na Aacutesia e Ameacuterica Latina seguem sendo utilizadas
devido agraves circunstacircncias histoacutericas e crenccedilas culturais Na China 40 da atenccedilatildeo agrave
sauacutede eacute atribuiacuteda agrave MT jaacute no Chile 71 e na Colocircmbia 40 da populaccedilatildeo a
utilizam Em paiacuteses desenvolvidos a porcentagem da populaccedilatildeo que utilizou ao
menos uma vez as MCA eacute de 48 na Austraacutelia 70 no Canadaacute 38 na Beacutelgica e
75 na Franccedila (OMS 2002)
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
20
habilitados reduzido principalmente nas zonas rurais Em se tratando de paiacuteses
ricos os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e
agrave busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
Vale ressaltar o aumento no nuacutemero de paiacuteses membros que elaboraram poliacuteticas
nacionais (passou de 25 em 1999 para 69 em 2012) regulamentos para
medicamentos fitoteraacutepicos (passou de 65 em 1999 para 119 em 2012) e institutos
nacionais de pesquisa em MTC que passou de 19 para 73 no mesmo periacuteodo
(OMS 2013)
Apesar da expansatildeo no uso da MTC pela populaccedilatildeo mundial e do reconhecimento
dos governos haacute ainda inuacutemeros desafios a serem enfrentados pelos paiacuteses que
desejam implantar eou implementar serviccedilos de MTC A OMS os classifica em
quatro categorias 1 Poliacutetica nacional e marcos legislativos - falta de
reconhecimento oficial pouca integraccedilatildeo com sistema de sauacutede oficial falta de
mecanismo legislativo 2 Seguranccedila eficaacutecia e qualidade - falta de metodologia de
investigaccedilatildeo falta de normativas e registros adequados 3 Acesso - falta de
indicadores que avaliem o niacutevel de acesso 4 Uso racional - falta de formaccedilatildeo dos
praticantes das MTC em atenccedilatildeo primaacuteria falta de formaccedilatildeo dos profissionais
alopaacuteticos em MTC falta de informaccedilatildeo puacuteblica sobre o uso racional das MTC
(OMS 2002)
A OMS vem realizando esforccedilos para o enfrentamento principalmente nas duas
primeiras categorias de desafios Apoiando os paiacuteses membros no desenvolvimento
de poliacuteticas nacionais ou legislaccedilatildeo oficial para integraccedilatildeo das MTC nos sistemas de
sauacutede e participando de oficinas e criaccedilatildeo de documentos normativos de boas
praacuteticas com objetivo de resguardar a seguranccedila qualidade e eficaacutecia das MTC
Como exemplo temos a produccedilatildeo de guias de formaccedilatildeo estudo clinico e
seguranccedila baacutesica em acupuntura guias para uso apropriado da medicina e produtos
com base em plantas medicinais aleacutem de apoiar a criaccedilatildeo de institutos de
desenvolvimento cientifico de MTC em diversos paiacuteses (OMS 2002 OMS 2013)
Para o dececircnio 2014-2023 a OMS define trecircs objetivos estrateacutegicos 1 Desenvolver
a base de conhecimentos para gestatildeo ativa da MTC atraveacutes de poliacuteticas nacionais
apropriadas 2 Fortalecer a garantia de qualidade seguranccedila a utilizaccedilatildeo adequada
21
e a eficaacutecia da MTC mediante a regulamentaccedilatildeo de seus produtos praacuteticas e
profissionais 3 Promover a cobertura sanitaacuteria universal por meio da apropriada
integraccedilatildeo dos serviccedilos da MTC no sistema de sauacutede nacional (OMS 2013)
Para o alcance desses objetivos eacute necessaacuterio 1 Compreender e reconhecer o papel
e as possibilidades da MTC ndash produtos terapias e profissionais ndash 11 definindo os
riscos e benefiacutecios ampliando o acesso a informaccedilatildeo e serviccedilos assegurando a
supervisatildeo da praacutetica da MTC (produtos profissionais e praacuteticas) 12 estabelecendo
diretrizes relativas agrave formaccedilatildeo dos profissionais ndash qualificaccedilatildeo coacutedigo de conduta de
boas praacuteticas acreditaccedilatildeo de instituiccedilotildees de ensino 13 desenvolvendo ou
atualizando documentos teacutecnicos e normativos 14 criando uma rede nacional de
colaboradores 2 Fortalecer a base de conhecimentos reunir provas cientificas e
preservar recursos ndash 21 promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento
inovaccedilatildeo e gestatildeo do conhecimento 22 fomentando o diaacutelogo entre as partes
interessadas (OMS 2013) Mas antes de tudo eacute necessaacuterio estabelecer um
consenso do que chamamos de MTC ou Praacuteticas integrativas e esse talvez seja o
nosso primeiro desafio
212 Praacuteticas Integrativas e Complementares e o consenso sobre o termo no Brasil
Considerando os esforccedilos empreendidos pelos diversos paiacuteses e a OMS para o
desenvolvimento de consenso mundial relativo agrave MTC eacute fato que as diferentes
maneiras de avaliar e percebecirc-las tornam o problema complexo Natildeo obstante eacute de
se esperar que os governos ainda enfrentem desafios referentes agrave incipiecircncia da
atividade de pesquisa e desenvolvimento cientifico da formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos
praticantes da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo sobre poliacuteticas da regulamentaccedilatildeo e
financiamento dos serviccedilos e produccedilatildeo de indicadores (OMS 2013)
O debate favorece o desenvolvimento de conceitos como o da Racionalidade
Meacutedica Tesser e Luz (2008 p 196) apud Luz (1995) definem como
ldquoUm conjunto integrado e estruturado de praacuteticas e saberes composto de cinco dimensotildees interligadas uma morfologia humana (anatomia na biomedicina) uma dinacircmica vital (fisiologia) um sistema de diagnose um sistema terapecircutico e uma doutrina meacutedica (explicativa do que eacute a doenccedila ou adoecimento sua origem ou causa sua evoluccedilatildeo ou cura) todos embasados em uma sexta dimensatildeo impliacutecita ou expliacutecita uma cosmologiardquo
22
Tal concepccedilatildeo nos permite fazer uma diferenciaccedilatildeo entre um sistema complexo
(composto pelas seis dimensotildees) de um recurso terapecircutico No grupo das
Medicinas Alternativas e Complementares (MAC) por exemplo temos os ldquoSistemas
meacutedicos (homeopatia ayurveacutedica) [e os recursos terapecircuticos como] as
intervenccedilotildees mente-corpo (meditaccedilatildeo) terapias bioloacutegicas meacutetodos de manipulaccedilatildeo
corporal (massagens) e terapias energeacuteticas (reiki)rdquo (TESSER amp BARROS 2008 p
916) Ganham o termo de complementar quando satildeo utilizadas como alternativa
pela biomedicina e integrativa quando satildeo aplicadas concomitantemente a essa
Essa compreensatildeo eacute reforccedilada por Quico (2011) que diferencia um recurso ou
meacutetodo terapecircutico de um sistema meacutedico complexo por esse uacuteltimo apresentar
Aspectos conceituais ndash que explicam o processo sauacutede-doenccedila como o
desequiliacutebrio das relaccedilotildees familiares comunitaacuterias ou com a natureza Meacutetodos de
diagnoacutestico e terapecircuticos ndash utilizando elementos disponiacuteveis na natureza como
folha de coca e canto de algumas aves (diagnoacutestico) as plantas medicinais rituais
de reintegraccedilatildeo social recursos animais e minerais (terapecircuticos)
Nesse sentido fica mais tangiacutevel a compreensatildeo que permeia a dificuldade
metodoloacutegica em definir um conceito uacutenico que abarque a enorme variabilidade de
praacuteticas e recursos terapecircuticos e suas diversas origens teoacutericas praacuteticas e
ideoloacutegicas (SOUSA et al 2012)
O que no mundo se convencionou nomear de Medicina Tradicional Medicina
Complementar Medicina Alternativa Medicina Natildeo Convencional no Brasil ganha a
nomenclatura de Praacuteticas Integrativas e Complementares (PICs) Com a seguinte
definiccedilatildeo na PNPIC
ldquo[Satildeo] sistemas e recursos que envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenccedilatildeo de agravos e recuperaccedilatildeo da sauacutede por meio de tecnologias eficazes e seguras com ecircnfase na escuta acolhedora no desenvolvimento do viacutenculo terapecircutico e na integraccedilatildeo do ser humano com o meio ambiente e a sociedade Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo satildeo a visatildeo ampliada do processo sauacutede-doenccedila e a promoccedilatildeo global do cuidado humano especialmente do autocuidadordquo (BRASIL 2015a p 13)
Essa definiccedilatildeo considera a diferenccedila significativa entre os sistemas complexos e
recursos terapecircuticos contudo os insere dentro da acepccedilatildeo de Praacuteticas Integrativas
e Complementares
23
Mesmo que existam significativas diferenccedilas entre as PICs unificaremos num soacute
termo por concordarmos que elas ldquoganham homogeneidade mais como expressatildeo
de negaccedilatildeo do que chamamos de biomedicina oficial que da presenccedila de uma
coerecircncia epistemoloacutegica e afirmativa []rdquo (Martins 2013 p 07) Nesses escritos
faremos a escolha de usar o termo PICs para nos referir agraves diversas racionalidades
meacutedicas medicinas tradicionais e recursos terapecircuticos que satildeo ou natildeo
complementares ou alternativos aos cuidados biomeacutedicos
Fugindo da discussatildeo conceitual do tema eacute imprescindiacutevel situar as contribuiccedilotildees
que as PICs levam ao desenvolvimento do cuidado no SUS Independente da
terminologia utilizada eacute fato que as PICs satildeo ferramentas eficazes e de baixo custo
ideais para atuaccedilatildeo dos profissionais na Atenccedilatildeo Baacutesica (TESSER amp BARROS
2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
22 Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares e sua relaccedilatildeo com a
Atenccedilatildeo Baacutesica no Sistema Uacutenico de Sauacutede
No documento da OMS de 2002 satildeo apontados desafios para desenvolvimento
potencial das PICs nos paiacuteses sendo eles relacionados agrave poliacutetica seguranccedila do
uso eficaacutecia qualidade acesso e ao uso racional Interessante ressaltar a
importacircncia no desenvolvimento de uma poliacutetica nacional haja vista ser
fundamental na constituiccedilatildeo de legitimidade instrumentos normativos e definiccedilatildeo de
recursos financeiros
A OMS lista algumas medidas que os paiacuteses membros devem tomar para implantar
poliacutetica nacional 1 Estudar a utilizaccedilatildeo das PICs em particular suas vantagens e
riscos no contexto da histoacuteria e cultura local aleacutem de promover uma apreciaccedilatildeo
mais completa de seu papel e suas possibilidades 2 Analisar os recursos nacionais
para a sauacutede entre eles o financeiro e humano 3 Fortalecer e estabelecer poliacuteticas
e regulamentos concernentes a todos os produtos praacuteticas e profissionais e 4
Promover o acesso equitativo agrave sauacutede e agrave integraccedilatildeo das PICs no sistema nacional
de sauacutede (OMS 2013)
As PICs representam opccedilatildeo importante de resposta ante a necessidade de atenccedilatildeo
agrave sauacutede sendo essa realidade encontrada nos diferentes paiacuteses da Ameacuterica Latina
e Caribe A exemplo de Cuba a Medicina Natural e Tradicional eacute essencialmente
implantada na atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede (NIGENDA 2001)
24
Algumas caracteriacutesticas das PICs parecem corroborar com sua implantaccedilatildeo na
atenccedilatildeo baacutesica a exemplo do baixo custo e insatisfaccedilatildeo com os serviccedilos da
medicina oficial Sobre a insatisfaccedilatildeo Tesser (2009b) argumenta que se trata de
fenocircmeno relacionado agrave ldquomaacute medicinardquo contrapondo ao eufemismo ldquomaacute praacutetica
meacutedicardquo Nesse sentido as iatrogenias cometidas pelas praacuteticas da biomedicina natildeo
poderiam ser reduzidas apenas as maacutes praacuteticas de alguns profissionais essas estatildeo
relacionada ao modus operantes do paradigma biomeacutedico
Sobre o descontentamento com as praacuteticas biomeacutedicas temos o trabalho de Martins
(2013) que defende a tese de que haacute uma ldquocrise do campo meacutedico oficialrdquo que
favorece a busca de profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos de sauacutede pelas PICs O
ldquodesencantordquo com as praacuteticas oficiais de sauacutede apareciam nos discursos de
profissionais e usuaacuterios como ldquodesatenccedilatildeo do profissional com o paciente erro
meacutedico desconfianccedila com relaccedilatildeo ao diagnoacutestico dos especialistas alto custo dos
medicamentos e dos exames entre outrasrdquo (p 05)
Apoiando ainda esse argumento temos o trabalho da Luz (2005) que encontra
relaccedilatildeo de partilha paradigmaacutetica entre o terapeuta (meacutedico homeopata) e cliente O
fato de compartilharem representaccedilotildees sobre a sauacutede relacionada agrave concepccedilatildeo de
equiliacutebrio ou ldquoenergia como fonte de vitalidaderdquo (p36) favorecem a relaccedilatildeo meacutedico-
paciente Essa por sua vez surge como fator que influecircncia significativamente no
bdquosucesso‟ terapecircutico das PICs (LUZ 2005)
Podemos observar as PICs preenchendo o ldquovaacutecuordquo terapecircutico deixado pela
biomedicina como observamos nos trabalhos como o de Alvarez C 2005 que cita
o amplo uso das PICs na cidade de Medeliacuten tanto da populaccedilatildeo com menor poder
aquisitivo como das pessoas com maior renda Ambas motivadas principalmente
pela maacute qualidade da atenccedilatildeo da medicina oficial O trabalho de Hernandez-Vela e
Urrego-Mendoza (2014) agora em Bogotaacute verificou o iacutendice de empatia utilizando
a Escala de Empatia Meacutedica de Jefferson dos meacutedicos com formaccedilatildeo em PICs e
concluiu que eles estatildeo entre os melhores padrotildees
No Meacutexico as PICs ganharam forccedila quando o paiacutes enfrentou uma grande crise da
assistecircncia na atenccedilatildeo agrave sauacutede desencadeada pela queda do preccedilo do petroacuteleo na
deacutecada de 80 Houve uma reduccedilatildeo alarmante na cobertura e qualidade da atenccedilatildeo
em especial nas zonas mais vulneraacuteveis Uma das estrateacutegias do governo para
25
superaccedilatildeo foi a criaccedilatildeo de um programa nacional de PICs que mirava no
enfrentamento agrave falta eou encarecimento dos medicamentos Tal experiecircncia
resultou numa mudanccedila de postura do governo mexicano que passou a valorar os
cuidados comunitaacuterio expresso hoje na Lei da Sauacutede (PAGE 2005)
Em Cuba surge no iniacutecio dos anos 90 incentivado pelo Ministeacuterio das Forccedilas
Armadas Revolucionaacuterias o uso mais sistemaacutetico de plantas medicinais e de outras
teacutecnicas orientais (acupuntura terapias fiacutesicas e manuais) sendo inclusive
estrateacutegia de enfrentamento ao embargo que enfrentara o paiacutes A necessidade de
aprofundar e sistematizar conhecimentos ldquoalternativosrdquo agrave biomedicina parece ter
motivado a introduccedilatildeo oficial da chamada Medicina Natural e Tradicional (MNT) em
1995 como especialidade meacutedica (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA
SALMAN 2013 BARRANCO PEDRAZA 2013 LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
A Medicina Natural e Tradicional de Cuba vem compensar o desbalanccedilo produzido
por um predomiacutenio hegemocircnico das concepccedilotildees puramente biomeacutedicas Ela eacute
opccedilatildeo ao tratamento de diversas enfermidades oportuniza maior acesso tem
melhor viabilidade econocircmica valoriza a praacutetica popular sendo alternativa aos
tratamentos alopaacuteticos Um pilar fundamental no cuidado em sauacutede pois assegura
uma praacutetica orientada agrave pessoa com enfoque preventivo e de promoccedilatildeo oferecendo
uma gama de ferramentas terapecircuticas e de reabilitaccedilatildeo de vaacuterios problemas de
sauacutede agudos ou crocircnicos A MNT tem como um de seus ramos de atuaccedilatildeo a
homeopatia que eacute praticada nos atendimentos da atenccedilatildeo primaacuteria (FIGUEIREDO
2014 RODRIGUEZ DE LA ROSA amp GRACIA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016
LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Adicionalmente na Mongoacutelia em 2004 foi levado a cabo um projeto que visava
orientar a implantaccedilatildeo de ldquofarmaacutecias da famiacuteliardquo (composta por algumas espeacutecies de
plantas medicinais) para uma populaccedilatildeo que residia nas montanhas e que por isso
tinham difiacutecil acesso aos serviccedilos de sauacutede O resultado foi de 150 mil pessoas
beneficiadas 74 delas afirmaram que as farmaacutecias junto com os manuais de
orientaccedilotildees foram eficazes e o custo aproximado era de oito doacutelares por famiacutelia
(OMS 2013)
No contexto brasileiro o SUS passa a investir mais no desenvolvimento da Atenccedilatildeo
Baacutesica (AB) ou Atenccedilatildeo Primaacuteria a Sauacutede (APS) O relatoacuterio da 8ordf Conferecircncia
26
Nacional de Sauacutede eacute documento impulsionador da criaccedilatildeo do SUS e nele consta a
necessidade do Sistema garantir o direito do usuaacuterio do SUS a escolher a
terapecircutica preferida dentre elas as chamadas praacuteticas alternativas (BRASIL 1986
SANTOS amp TESSER 2012)
Na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica temos que ela se caracteriza como
ldquo[] um conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutede com o objetivo de desenvolver uma atenccedilatildeo integral que impacte na situaccedilatildeo de sauacutede e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sauacutede das coletividades [] Utiliza tecnologias de cuidado complexas e
variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e
necessidades de sauacutederdquo (BRASIL 2012 p 19)
A Promoccedilatildeo da Sauacutede (PS) jaacute destacada na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (Art
196) aparece como um dos objetivos a ser alcanccedilado pela Atenccedilatildeo Baacutesica Sendo
conceituada na Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede como
ldquo[] um conjunto de estrateacutegias e formas de produzir sauacutede no acircmbito individual e coletivo que se caracteriza pela articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo intrassetorial e intersetorial e pela formaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede buscando se articular com as demais redes de proteccedilatildeo social com ampla participaccedilatildeo e amplo controle socialrdquo
(BRASIL 2015b p 07)
Referente agrave normatizaccedilatildeo de poliacuteticas nacionais de PICs no contexto brasileiro em
2006 ocorre a publicaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
no SUS ndash que visa promover as praacuteticas tradicionais de uso de plantas medicinais
largamente disseminadas na sociedade brasileira a partir da apropriaccedilatildeo cotidiana
feita pelas populaccedilotildees nativas (ANDRADE amp COSTA 2010)
Contudo eacute com a criaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) ndash em 2005 nomeada de Poliacutetica Nacional de Medicina
Natural e Praacuteticas Complementares - que as PICs ganham maior destaque atraveacutes
da Portaria Ministerial 9712006 Ocorre como resposta governamental agrave
recomendaccedilatildeo da OMS pela institucionalizaccedilatildeo de poliacutetica nacional sobre o tema
nos paiacuteses membros e agrave crescente legitimaccedilatildeo social expressa principalmente nos
espaccedilos de controle social (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL
2015a)
27
A PNPIC marca a abertura e valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo
biomeacutedicos relativos ao processo sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e
incentivo ao pluralismo meacutedico no paiacutes e o conceito de integralidade no SUS
(ANDRADE amp COSTA 2010) Propotildee-se como resposta a iacutenfima institucionalizaccedilatildeo
de serviccedilos PICs nas redes municipais de sauacutede (GALHARDI et al 2013
CONTATORE 2015)
Dentre os objetivos da PNPIC estatildeo 1 Prevenir agravos promover e recuperar a
sauacutede sobretudo na atenccedilatildeo primaria 2 Contribuir com o aumento da
resolubilidade e ampliaccedilatildeo do acesso a serviccedilos primordialmente ofertados no
acircmbito privado 3 Incentivar accedilotildees de controleparticipaccedilatildeo social Destaca-se nas
diretrizes inserir as PICs essencialmente na atenccedilatildeo baacutesica estabelecer
mecanismos de financiamento produzir normas teacutecnicas desenvolver estrateacutegias de
qualificaccedilatildeo profissional incluindo o apoio teacutecnico e financeiro incentivar a pesquisa
em PICs aleacutem de acompanhar avaliar e instrumentalizar os processos gestores
(BRASIL 2015a)
Nesse sentido as PICs guardam uma potecircncia desmedicalizante enriquecedoras da
cliacutenica da promoccedilatildeo da sauacutede e sustentabilidade das comunidades (CAVALCANTI
et al 2014) fundamentais no alcance da universalidade equidade e integralidade
Sendo elas melhor adaptadas ao processo sauacutede-doenccedila caracteriacutestico dos
usuaacuterios do SUS (TESSER amp BARROS 2008 CHRISTENSEN amp BARROS 2010
CONTATORE 2015) Aleacutem disso estaacute em curso o desenvolvimento de diversas
experiecircncias de implantaccedilatildeo das PICs nas redes puacuteblicas de sauacutede municipais
encontrando legitimidade social dos usuaacuterios dos serviccedilos (TESSER amp BARROS
2008 apud Simoni 2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Sobre isso
dos 1000 projetos aprovados junto agrave Rede de Promoccedilatildeo da Sauacutede 118 incluiacuteam
Lian Gong Shiatsu entre outras PICs (BRASIL 2011)
A materializaccedilatildeo da PNPIC no SUS ocorre de diversas formas no territoacuterio brasileiro
seja por iniciativa de profissionais praticantes integrativos ou por gestores que
apregoam a institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica
28
221 Oferta de Praacuteticas Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de
Sauacutede brasileiro
No ano de 2004 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) elaborou o primeiro diagnoacutestico da
oferta de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas
com um questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho
contribuiu para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa
de resposta 24 prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros
(232 no total) dos quais 65 dos respondentes tinham lei ou ato institucional que
criava serviccedilos PICs Dentre as praacuteticas mais prevalentes estavam a Automassagem
(220) Tai chi chuan (232) Reiki (256) Lian Gong (244) Acupuntura
(349) Homeopatia (358) e Fitoterapia (50) sendo a maior parte desses
serviccedilos (862) instalada na atenccedilatildeo baacutesica O questionaacuterio obteve 24 de taxa de
resposta (BRASIL 2015a)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs no Brasil
(total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Os dados aqui foram
coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e 86 dos
municiacutepios responderam
Ainda no Monitoramento Nacional temos informaccedilotildees coletadas em 2014 no
SCNES que nos apontam a existecircncia de 4462 estabelecimentos de sauacutede que
ofertam PICs e que tais estabelecimentos estatildeo distribuiacutedos em 10 dos municiacutepios
do Brasil
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) A cobertura
brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100 mil habitantes
29
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimento individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
AB (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros dos
atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de estabelecimentos e
municiacutepios cresceu mais de 43 (3813) e 28 (1582) respectivamente (BRASIL
2017a)
Temos aqui o registro de trecircs diagnoacutesticos com metodologias e objetivos distintos
aleacutem dos informes que tecircm em comum o fato de analisarem a oferta no SUS de
serviccedilos PICs Desses diagnoacutesticos dois satildeo realizados pelo corpo teacutecnico do
ministeacuterio da sauacutede sendo o terceiro produccedilatildeo do grupo de pesquisa Saberes e
Praacuteticas em Sauacutede Os diagnoacutesticos revelam discrepacircncia nas informaccedilotildees
referentes ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam PICs o que dificulta compreender
qual o real cenaacuterio da oferta de PICs no SUS Aleacutem do mais nenhum dos trecircs
investiga os motivos pelos quais na maioria dos municiacutepios natildeo haacute oferta de PICs no
SUS
222 Praacuteticas Integrativas e Complementares nos municiacutepios brasileiros
Como exemplo de experiecircncias municipais temos o trabalho realizado por Costa et
al (2015) que identificou os significados e repercussotildees da agricultura urbana e
periurbana (AUP) em Unidades Baacutesicas de Sauacutede (UBS) em Embu das artes-SP
Afirma que o envolvimento de usuaacuterios trabalhadores e gestores promoveram a
criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a
mobilizaccedilatildeo da comunidade a autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas
tradicionais Localiza o projeto como sendo alinhado agrave Promoccedilatildeo da Sauacutede e
PNPIC
Sousa (2004) cita o exemplo do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro
composto pelas medicinas chinesas e homeopatia aleacutem da fitoterapia Sinaliza no
trabalho sobre os benefiacutecios relacionados agrave praacutetica da massoterapia agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e agrave forte aceitaccedilatildeo por parte dos usuaacuterios nos serviccedilos da Atenccedilatildeo Baacutesica
Em oposiccedilatildeo identifica certo descompasso entre a concepccedilatildeo vitalista e a praacutetica
das diversas massagens Oferece como hipoacutetese explicativa para tal distanciamento
30
a submissatildeo das massagens agrave ldquoadequaccedilatildeordquo delas a medicina hegemocircnica
biomeacutedica Nagai amp Queiroz (2011) corroboram com a afirmativa de subordinaccedilatildeo
das PICs agrave hegemonia do saber biomeacutedico quando agrave anaacutelise da implantaccedilatildeo
desses serviccedilos no municiacutepio de Campinas ndash SP
No municiacutepio de Satildeo Paulo temos a experiecircncia de ampliaccedilatildeo das PICs na rede
municipal por meio de projeto de expansatildeo massiva pautado na educaccedilatildeo
permanente O nuacutemero de serviccedilos com PICs passa de 06 (no ano 2000) para 520
(no ano 2016) unidades de sauacutede Dentre os objetivos do projeto temos a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede aumentar a capacidade resolutiva
dos equipamentos de sauacutede utilizando ldquoteacutecnicas simples de baixo custo artesanais
sustentaacuteveis e comprovadamente eficazesrdquo (TELESI JUNIOR 2016 p 101)
Outro exemplo eacute o trabalho de Galhardi e Barros (2008) ao trazer a percepccedilatildeo dos
usuaacuterios de homeopatia de uma unidade de sauacutede de Jundiaiacute Concluem que eles
afirmam melhoras nas crises agudas qualidade de vida diminuiccedilatildeo no uso de
outros serviccedilos e medicamentos alopaacuteticos Em Belo Horizonte o trabalho de Lima
et al (2014) indica resultados favoraacuteveis relativos agrave promoccedilatildeo da sauacutede em um
serviccedilo de referecircncia em PICs Nessa experiecircncia a concepccedilatildeo holiacutestica favorece
ao empoderamento dos indiviacuteduos e a consciecircncia de sua sauacutede
Ainda sobre a caracteriacutestica de empoderamento das PICs temos a experiecircncia em
Fortaleza e Campinas O trabalho com doulas conclui que a atuaccedilatildeo delas com PICs
favorecem a promoccedilatildeo da autonomia da mulher centrando o cuidado no respeito
Aleacutem de diminuir o tempo do trabalho e melhor controle da dor no momento do
parto (SILVA et al 2016)
Aleacutem da promoccedilatildeo da sauacutede outros dois conceitos guardam relaccedilatildeo intima com as
PICs A integralidade que eacute condiccedilatildeo eacutetica das PICs e guardam caracteriacutesticas
como a extensividade - capacidade de unir simplificar e ressignificar vaacuterios
aspectos distintos de um mesmo fenocircmeno a veracidade ndash eficaacutecia e efetividade do
tratamento e a completude ndash integrar as dimensotildees do adoecimento a algo que faccedila
sentido ao curador e paciente (TESSER amp LUZ 2008 SOUZA amp LUZ 2009)
O acolhimento que propotildee o encontro do trabalhador com o usuaacuterio proporciona
por vezes a saiacuteda de um processo ldquobiopoliacutetico para um processo de biopotecircnciardquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 535) Essa postura ou estrateacutegia de organizaccedilatildeo dos
31
serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria da sauacutede (APS) busca construir um espaccedilo de
cuidado respeitoso e empaacutetico para os sujeitos oportunidade de subjetivaccedilatildeo e
singularizaccedilatildeo Objetiva avaliar e resolver problemas concretos das pessoas famiacutelia
ou comunidade oportunizando atenccedilatildeo da equipe de forma espontacircnea fugindo da
burocratizaccedilatildeo do acesso (TESSER et al 2010 CONTATORE 2015)
As PICs satildeo igualmente eficazes no que se refere a resolver problemas concretos
no ato do acolhimento O profissional habilitado em auriculoterapia por exemplo
pode ser resolutivo aplicando a teacutecnica apoacutes escuta qualificada e avaliaccedilatildeo
individualizada do sujeito sem que sejam necessaacuterios encaminhamentos marcaccedilatildeo
de consultas ou espera do usuaacuterio (TESSER et al 2010)
Outras caracteriacutesticas parecem aproximar ainda mais os dois fenocircmenos (PICs e
APS) que segundo Tesser e Sousa (2012) mesmo tendo o desenvolvimento
pautado em processos sociais divergentes se aproximam quanto agrave criacutetica ao
modelo biomeacutedico ao caraacuteter contra hegemocircnico agraves formas de organizaccedilatildeo e de
relacionamento com a clientela (centrada na pessoa) efeitos terapecircuticos e eacutetico-
poliacuteticos aleacutem do caraacuteter desmedicalizante
As PICs tecircm como braccedilo forte a promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede sendo a atenccedilatildeo
baacutesica o campo mais potente para o desenvolvimento de suas accedilotildees Eacute na atenccedilatildeo
baacutesica que o Ministeacuterio da sauacutede acertadamente aposta no incentivo a implantaccedilatildeo
dos serviccedilos e desenvolvimento do princiacutepio da integralidade da sauacutede dado as
caracteriacutesticas pertinentes as PICs em apresentar postura abrangente do processo
sauacutede doenccedila e centrada na pessoa (TESSER amp LUZ 2008 ANDRADE amp COSTA
2010 NAGAI amp QUEIROZ 2011 LIMA et al 2014 ARDILA JAIMES 2015 BRASIL
2015a)
Tem-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para uma
praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo apenas
seguidor de protocolos riacutegidos Podemos perceber um exemplo de como a
ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da gestatildeo em sauacutederdquo
(CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs para avanccedilar na institucionalizaccedilatildeo dessas praacuteticas no SUS eacute necessaacuterio
ainda o enfrentamento poliacutetico que viabilize aumento de nuacutemeros de profissionais
32
capacitados para atuaccedilatildeo no Sistema educaccedilatildeo permanente dos profissionais em
PICs apoio institucional (financeiro e normativo) aos gestores municipais
qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
23 Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Meneacutedez et al (2015) defende a tese de que nos processos sauacutede-doenccedila pode-se
analisar grande parte dos problemas econocircmico-poliacuteticos e ideoloacutegicos-culturais com
maior transparecircncia e menos vieses se comparado com o estudo de cada tema
isolado Afirma que podemos detectar conflitos e contradiccedilotildees as reaccedilotildees dos
grupos dominantes e dominados assim como os nossos vaacuterios mitos e imaginaacuterios
coletivos Adicionalmente auxilia no desenvolvimento de novas perguntas O
mesmo autor apud Berlinguer (1983 2006) assevera que tais contradiccedilotildees e
conflitos natildeo satildeo exclusivas dos governos capitalistas mas ocorrem igualmente nos
socialistas reais ou de mercado
Outro argumento a favor da valoraccedilatildeo do olhar sobre o processo sauacutede-doenccedila estaacute
relacionado agrave influecircncia ideoloacutegica da biomedicina que ultrapassa o acircmbito do setor
sauacutede e alcanccedila a vida cotidiana em diversos paiacuteses formulando consenso e
hegemonias em disputa comumente com os costumes tradicionais presentes e
enraizados pelos povos ancestrais Como eacute o exemplo da medicalizaccedilatildeo social
associada agraves transformaccedilotildees sociais poliacuteticas e culturais relacionadas agrave
biomedicina (TESSER ampBARROS 2008 TESSER et al 2010 MENEacuteDEZ et al
2015) Souza e Luz (2009) argumenta que as PICs tambeacutem ldquoexprimem um
aspecto de transformaccedilatildeo dos valores culturais nas sociedades contemporacircneasrdquo (p
393) natildeo sendo essas transformaccedilotildees motivadas apenas pela insatisfaccedilatildeo para
com a biomedicina
Sobre o fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social Tesser et al (2010 p3616) apud Illich
(1981) afirma ser
ldquoUm processo sociocultural complexo que vai transformando em necessidades meacutedicas as vivecircncias os sofrimentos e as dores que eram administrados de outras maneiras no proacuteprio ambiente familiar e comunitaacuterio e que envolviam interpretaccedilotildees e teacutecnicas de cuidado autoacutectones A medicalizaccedilatildeo acentua a realizaccedilatildeo de procedimentos profissionalizados diagnoacutesticos e terapecircuticos desnecessaacuterios e
33
muitas vezes ateacute danosos aos usuaacuterios Haacute ainda uma reduccedilatildeo da perspectiva terapecircutica com desvalorizaccedilatildeo da abordagem do modo de vida dos fatores subjetivos e sociais relacionados ao processo sauacutede-doenccedilardquo
Esse fenocircmeno parece estar associado agrave apropriaccedilatildeo pelo capitalismo meacutedico da
medicina moderna que segundo Martins (2003) eacute
ldquo[] um golpe difiacutecil de ser absorvido pela sociedade Ao desconhecer a importacircncia do simboacutelico na praacutetica de cura o capitalismo coloca as instituiccedilotildees e os indiviacuteduos em condiccedilotildees de incerteza institucional e existencial insuportaacutevelrdquo (p 187)
Em 1994 no Meacutexico tais condiccedilotildees de incerteza somadas ao surgimento do
exeacutercito zapatista de libertaccedilatildeo nacional impulsionou a criaccedilatildeo de organizaccedilotildees de
cuidadores tradicionais O fato intensificou a luta ideoloacutegica que reivindicava natildeo soacute
o reconhecimento da eficaacutecia das praacuteticas tradicionais como tambeacutem a capacidade
de possibilitar a continuidade cultural e social dos saberes tradicionais Essas eram
as principais bandeiras de resistecircncia diante da ldquoinvestidardquo do neoliberalismo
atraveacutes da biomedicina (MENEacuteDEZ et al 2015) A luta eacute contra a
ldquoIatrogenia cultural ndash efeito difuso e nocivo da accedilatildeo biomeacutedica que diminui o potencial cultural das pessoas para lidar autonomamente
com situaccedilotildees de sofrimento enfermidade dor e morterdquo (TESSER amp BARROS 2008 apud Illich 1981 p 915)
Dentre as formas autocircnomas das pessoas lidarem com o sofrimento e enfermidade
temos o curandeirismo e as praacuteticas das parteiras aleacutem das demais medicinas e
praacuteticas tradicionais O conceito de curandeirismo Puttini (2011) ldquoaparece como um
termo de interface ideoloacutegicardquo (p35) representa conflitos de legitimidade dos
saberes populares com a biomedicina Na palavra curandeirismo ldquosobre sai o vigor
negativo empreendido pelo discurso meacutedico sobre praacuteticas curandeiras na
sociedaderdquo (p47) Aqui a biomedicina mostra sua natureza controladora da vida ao
mesmo tempo que estabelece a manutenccedilatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica Tais forccedilas
controladoras quando somadas as forccedilas religiosas colocam as praacuteticas dos
curandeiros em igual comparaccedilatildeo com as praacuteticas pagatildes (MENEacuteDEZ et al 2015
TESSER 2009a FIGUEIREDO 2014)
O pensamento sistecircmico que paulatinamente vai ganhando espaccedilo nas praacuteticas de
sauacutede oferece para o campo da sauacutede uma visatildeo integradora da dinacircmica do
processo de cuidado Aqui a eacutetica fundadora repousa na soma das muacuteltiplas
34
intervenccedilotildees providencialmente efetivas e na valorizaccedilatildeo dos diversos
conhecimentos populares tradicionais ou maacutegicos Observamos o incentivo ao
resgate das praacuteticas culturais populares e consequente reconhecimento de nossa
ancestralidade (FARINtildeAS SALAS et al 2014)
Borges 2008 afirma que as praacuteticas de cuidado das parteiras e benzedeiras estatildeo
ocultas aos olhos da racionalidade cientifica ldquoimpregnadas de desqualificaccedilatildeo
marginalizaccedilatildeo supressatildeo e encontram-se silenciadas ou ocultasrdquo (p 329) Sobre
isso Meneacutedez et al (2015) sinaliza que as parteiras no Meacutexico ocupam um lugar
secundarizado ateacute mesmo dentro das organizaccedilotildees de cuidadores tradicionais
Contudo satildeo praacuteticas que ldquoacolhem a carecircncia humana dentro do contexto real da
necessidaderdquo (p 329) e o acolhimento dessa carecircncia eacute o que caracteriza uma
praacutetica terapecircutica e de cuidado Nesse sentido o saber cuidador delas guardam
ldquomaior competecircncia para criar tecer enredar acessar as intersubjetividades que
permeiam as accedilotildees necessaacuterias na rede do cuidado em sauacutederdquo (p 330) No Brasil
esse lugar secundarizado se daacute em relaccedilatildeo ao modelo biomeacutedico (SILVA et al
2016)
Ainda sobre a incredibilidade e a efetividade das praacuteticas tradicionais temos que a
medicina tradicional andina e dos indiacutegenas colombianos exercem praacuteticas que se
relacionam com o pensamento maacutegico coacutesmico e animista exercido por agentes
tradicionais de sauacutede que guardam o dom da cura e do serviccedilo Essas medicinas
convivem com a medicina oficial poreacutem tendo seus valores eacuteticos depreciados
assim como a cosmovisatildeo concepccedilatildeo de vida em sociedade e harmonia com a
naturezauniverso Contudo o arraigamento cultural delas garante sua coexistecircncia
com a medicina oficial e legitimaccedilatildeo social da populaccedilatildeo que a utiliza (QUICO 2011
CLAVIJO USUGA 2011)
Na Medicina Tradicional colombiana existe a divisatildeo em dois ramos o sistema
maacutegico-religioso e o curandeirismo tal medicina concebe a enfermidade como uma
puniccedilatildeo e invocam o poder sobrenaturaldivino para auxiliar na cura Contudo o
primeiro ramo guarda mais as caracteriacutesticas antigas da praacutetica incluindo por
exemplo o uso de plantas alucinoacutegenas nos rituais de cura Enquanto o segundo
ramo representa mais um processo de assimilaccedilatildeo-negociaccedilatildeo com a medicina
ocidental estandardizados pelas parteiras raizeiros e rezadeiras (ALVAREZ C
2005)
35
Em Cuba apesar de fazer parte oficialmente do sistema de sauacutede e ser abertamente
incentivada pelo governo o uso de vaacuterias das terapias alccediladas pela MNT satildeo
questionadas principalmente quanto agrave falta de debate entorno do tema e seu
distanciamento da chamada praacutetica segura qualificada e efetiva Satildeo acusadas de
pseudociecircncias visto que satildeo incapazes de serem avaliadas atraveacutes de
experimentos cientiacuteficos controlados criteacuterios da Medicina Baseada em Evidecircncias
(BARRANCO PEDRAZA 2013 GARCIA SALMAN 2013 ROJAS OCHOA et al
2013a ROJAS OCHOA et al 2013b PASCUAL CASAMAYOR 2014
CONTATORE 2015 RODRIGUES DE LA ROSA 2015)
Em se tratando da homeopatia nesse paiacutes temos o desenvolvimento significativo no
seacuteculo XIX e um decliacutenio no iniacutecio do seacuteculo seguinte este relacionado agrave entrada da
escola de medicina e induacutestria farmacecircutica norte-americana no paiacutes Apoacutes a
revoluccedilatildeo cubana e incentivo do governo em investir em praacuteticas que oferecem
autonomia ao Sistema Nacional de Sauacutede houve a revalorizaccedilatildeo das PICs Fato
que nos faz refletir sobre as influecircncias poliacutetico-ideoloacutegico-cientificas que permeiam
as praacuteticas de sauacutede vigentes nos vaacuterios paiacuteses (LOacutePEZ GONZAacuteLEZ et al 2016)
Nos primeiros seacuteculos da histoacuteria brasileira as praacuteticas populares de curar estavam
associadas agrave irracionalidade e eram encaradas como um ldquomal necessaacuteriordquo (WITTER
2005 p 14) diante da escassez de meacutedicos-cientistas Contudo essa leitura
historiograacutefica tem-se modificado o que abre a possibilidade de conceber as
praacuteticas populares de cura como tendo uma arquitetura diversa no trato do cuidado
quando comparado agrave ldquomedicina cientificardquo Trata-se de praacuteticas portadoras de
racionalidade especifica e ldquonatildeo apenas reativa a outros saberes ou a falta delesrdquo
(WITTER 2005 p 16)
Contatore et al (2015) conclui em trabalho de revisatildeo de literatura que haacute
predominacircncia de trabalhos que buscam a validaccedilatildeo cientifica por meio de
processos metodoloacutegicos biomeacutedicos O fato de buscar legitimaccedilatildeo cientifica que
priorize o vieacutes quantitativo contribui para o rechaccedilamento das PICs por apresentar
pressupostos teoacutericos diversos aos da medicina hegemocircnica O que
consequentemente levam-nas a serem consideradas ldquoincapazesrdquo de produzir
ldquoprovasrdquo de eficaacutecia e eficiecircncia Contraditoriamente as induacutestrias farmacecircuticas
transnacionais ocultam a falta de evidecircncia das terapecircuticas da biomedicina e
prescrevem a ordem da atuaccedilatildeo das profissotildees de sauacutede (GOslashTZSCHE 2016)
36
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro O
lugar contra hegemocircnico onde se situa a PICs desfavorece significativamente a sua
inserccedilatildeo dentro desse domiacutenio de pensamento O que explicaria em parte o lento
processo de institucionalizaccedilatildeo no SUS verificado por exemplo no cenaacuterio
normativo financeiro e de formaccedilatildeo de recursos humanos direcionados as PICs
que observamos a seguir
Contribuindo com o debate Barros (2014) nos traz a reflexatildeo de que a disputa
ideoloacutegica parece repousar na ambivalecircncia representada na imagem de um nuacutecleo
permeado por suas margens Nomeia como ldquonuacutecleordquo o agrupamento das praacuteticas
ditas convencionais (hegemocircnicas) e como ldquomargemrdquo as chamadas praacuteticas ldquonatildeo
ortodoxasrdquo ndash com certa ineacutercia institucional - (p 51) Nos lembra que a ambivalecircncia
presente nessa relaccedilatildeo que por vezes gera rdquointensa flutuaccedilatildeo das fronteiras entre o
nuacutecleo e as margensrdquo (p 51) contribui para constituiccedilatildeo do ldquoterceiro espaccedilordquo Lugar
de convivecircncia dos contraacuterios lugar interacional
ldquoPor certo o desafio da coerecircncia eacute que explicita a condiccedilatildeo e como natildeo nos cabe mais a exclusividade do poacutelo formal ou seu oposto parece loacutegico abrir espaccedilo para diversas verdades visotildees de futuro e operaccedilotildees com representaccedilotildees passadas Ao fazer-se cumprir um conteuacutedo explicito e impostos pela formalidade de um modelo protocolado reproduzem-se os valores ocultos de uma sociedade que ainda tem dificuldade de lidar com a ambivalecircncia e natildeo duacutevida segue vigiando e punindordquo (BARROS 2014 p 58)
Outro aspecto a ser considerado repousa no fato da busca pelas PICs no Brasil
guardar sentidos diversos aos encontrados nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
Enquanto em paiacuteses como a Boliacutevia haacute busca pela manutenccedilatildeo ou resgate cultural
das praacuteticas populares de cuidado no Brasil observamos uma apropriaccedilatildeo da classe
meacutedia de ldquoferramentas de cuidadordquo que respondem bem ao vaacutecuo terapecircutico
deixado pela biomedicina Segundo Luz (2005)
ldquoessas praacuteticas em grande parte respondem a essa demanda subjetiva de cuidado e atenccedilatildeo sobre tudo em camadas meacutedias da populaccedilatildeo pois tanto terapeutas como pacientes satildeo geralmente oriundos das classes meacutedias urbanasrdquo
Ponto de discussatildeo que pode influir no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
setor puacuteblico
37
231 Normatizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e Complementares
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo no mundo na formaccedilatildeo ou relativos
agraves normatizaccedilotildees juriacutedicas colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de
disputa do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp
MERHY 2009 GARCIA SALMAN 2013) Dentro desse cenaacuterio eacute difiacutecil construir
sustentabilidade institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das
PICs nos serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) cita algumas razotildees que desafiam a implementaccedilatildeo de
programas e praacuteticas dos meacutedicos tradicionais o desconhecimento do nuacutemero de
praticantes das formaccedilotildees do tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina
tradicional e principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica
O trabalho de Nigenda et al (2001) versa sobre uma pesquisa investigativa da
regulaccedilatildeo e toleracircncia da Medicina Tradicional na Ameacuterica Latina e Caribe Conclui
que o processo legislativo eacute variado nos diversos paiacuteses e quando existentes satildeo
pouco precisos e objetivam mais um controle que uma regulaccedilatildeo Essa realidade
tambeacutem eacute citada em estudo com paiacuteses do continente Europeu (OMS 2013) O
autor atrela essa variabilidade agrave quebra de braccedilo entre as entidades governamentais
e os terapeutas Outro aspecto relacionado eacute a dificuldade de regulamentar uma
praacutetica com baixo treinamento formal com praacuteticas variadas e que se sustentam em
costumes difiacuteceis de localizar nos sistemas de sauacutede oficiais (NIGENDA 2001)
No campo da regulaccedilatildeo satildeo apontadas trecircs grandes tendecircncias inclusive bem
parecidas com a proposta pela OMS Integraccedilatildeo Coexistecircncia e Toleracircncia No
primeiro caso um bom exemplo eacute a Medicina Tradicional na China na Coreacuteia e
Vietnatilde onde o trabalho dos meacutedicos tradicionais eacute oficial reconhecido e o seguro de
sauacutede cobre os serviccedilos Nos outros paiacuteses existe no maacuteximo uma coexistecircncia
com a medicina oficial a partir de um marco juriacutedico bem estabelecido como eacute o
caso da Iacutendia Paquistatildeo Bangladeste que conseguem ateacute certo niacutevel de integraccedilatildeo
com a medicina oficial mas permanecem a margem dessa (NIGENDA 2001 OMS
2002 OMS 2013)
Contudo a maioria dos paiacuteses tem a tendecircncia de Toleracircncia como eacute o caso de
Hong Kong Mali Malasia e a maioria dos paiacuteses da Ameacuterica Latina como ocorre na
Colocircmbia onde a populaccedilatildeo busca as diversas medicinas a depender da demanda
38
apresentada No exemplo da Boliacutevia e Chile existe a permissatildeo oficial para a
praacutetica da medicina tradicional sendo uma tendecircncia de Coexistecircncia Contudo
podemos afirmar que essa praacutetica soacute eacute tolerada caso natildeo haja competiccedilatildeo com a
medicina oficial (NIGENDA 2001 OMS 2002 ALVAREZ C 2005)
No Meacutexico haacute o reconhecimento da praacutetica do terapeuta tradicional pelo Instituto
Nacional Indiacutegena Secretaacuteria de Sauacutede e Instituto Mexicano do Seguro Social mas
os terapeutas enfrentam diversas dificuldades como a falta de respeito com a
cultura indiacutegena as limitaccedilotildees na livre atuaccedilatildeo da praacutetica o limitado apoio juriacutedico e
financeiro e a falta de respeito por parte da medicina biomeacutedica Tal cenaacuterio se
repete em alguma medida no Chile Guatemala Boliacutevia Nicaraacutegua e Peru Nesses
paiacuteses a aclamaccedilatildeo pela regulamentaccedilatildeo da praacutetica tradicional ocorre pelos
profissionais e usuaacuterios dos serviccedilos (NIGENDA 2001)
Na Colocircmbia a resoluccedilatildeo nordm 2927 de 1998 reconhece as PICs e as define como
ldquoUm conjunto de conhecimentos e procedimentos terapecircuticos derivados de alguma cultura meacutedica existente no mundo que tenha alcanccedilado algum desenvolvimento cientifico empregados para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e diagnostico de enfermidades e tratamento e reabilitaccedilatildeo dos enfermos no marco de uma sauacutede integral e considerando o ser humano como uma unidade essencial
constituiacuteda de corpo mente e energiardquo (ROJAS-ROJAS 2012 apud COLOMBIA 1998 p 470 traduccedilatildeo do autor)
Contudo essas terapias soacute poderiam ser exercidas por meacutedicos com registro
profissional ativo e com formaccedilatildeo especifica na aacuterea de atuaccedilatildeo
No caso de Cuba mediante as resoluccedilotildees ministeriais 2612009 e 3812015 e guia
normativo nordm 156 satildeo aprovadas para todo o paiacutes diferentes modalidades
terapecircuticas da Medicina Natural e Tradicional (MNT) aleacutem de firmar a necessidade
de priorizar ao maacuteximo seu desenvolvimento a serem praticadas na assistecircncia
meacutedica docecircncia e pesquisa Passa a fazer parte da formaccedilatildeo do meacutedico
generalista que engloba um aspecto interdisciplinar na formaccedilatildeo Nesse sentido a
MNT passa integralmente a fazer parte do arsenal terapecircutico da biomedicina em
qualquer dos seus ramos natildeo sendo considerada como uma medicina
complementar ou alternativa (PASCUAL CASAMAYOR 2014 GARCIA SALMAN
2013 CUBA 2015 RODRIGUEZ DE LA ROSA 2015 CASTRO MARTINEZ 2016)
39
No Brasil temos a experiecircncia de implantaccedilatildeo do Projeto Paideacuteia que vislumbrava a
implantaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de serviccedilos de PICs no municiacutepio de Campinas Relatada
por Nagai amp Queiroz (2011) que concluem haver um conviacutevio democraacutetico entre as
racionalidades vitalista e biomeacutedica Sendo essa relaccedilatildeo possiacutevel por haver em
alguma medida a ldquoadequaccedilatildeordquo das PICs agraves perspectivas da biomedicina
As PICs tecircm sua primeira normativa legal no Brasil em 1988 com a publicaccedilatildeo das
resoluccedilotildees da Comissatildeo interministerial de Planejamento e Coordenaccedilatildeo (Ciplan)
que fixaram normas e diretrizes para o atendimento em homeopatia acupuntura
termalismo teacutecnicas alternativas de sauacutede mental e fitoterapia (BRASIL 2015a)
Sendo os procedimentos em PICs inseridos paulatinamente nos Sistemas de
Informaccedilatildeo do SUS Em 1999 ndash os procedimentos de acupuntura e homeopatia satildeo
incluiacutedos no Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial e em 2006 ndash incluiacutedo no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (SCNES) o serviccedilo de PICs2
De outra parte temos a Poliacutetica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoteraacutepicos
(PNPMF) aprovada pelo decreto presidencial nordm 58132006 com objetivo de
atender ldquoa demanda por diretrizes que abrangessem toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoteraacutepicosrdquo (BRASIL 2011 p 13)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normatizaccedilotildees sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial O niacutevel de institucinalizaccedilatildeo varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais quanto maior
a aceitabilidade de suas praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de
2 Atualmente existem os seguintes procedimentos especiacuteficos das PIC sessatildeo de acupuntura com inserccedilatildeo de
agulha sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventosamoxa praacuteticas corporais em medicina tradicional chinesa sessatildeo de auriculoterapia sessatildeo de massoterapia tratamento termalcrenoterapia sessatildeo de arterapia sessatildeo de musicoterapia tratamento naturopaacutetico sessatildeo de tratamento quiropraacutetico sessatildeo de tratamento osteopaacutetico sessatildeo de reiki terapia comunitaacuteria danccedila circularbiodanccedila yoga sessatildeo de meditaccedilatildeo oficina de massagemautomassagem (BRASIL 2017b)
40
influenciar e interagir no acircmbito social inclusive no cuidado com o sofrimento e
enfermidade (LOVERA ARELLANO 2014)
Contudo eacute premente a necessidade de enfrentar o sectarismo entre a biomedicina e
as PICs e intervir na consciecircncia e subjetividade dos profissionais de sauacutede
fortalecer onde houver as praacuteticas de cuidado tradicionais que guardam relaccedilatildeo
com a identidade dos povos que as utilizam diversificar os procedimentos de
legitimaccedilatildeo das vaacuterias praacuteticas de sauacutede para aleacutem da racionalidade biomeacutedica
fomentar pesquisas e capacitaccedilotildees na aacuterea das PICs principalmente as
potencialmente relacionas agrave promoccedilatildeo da sauacutede Tais estrateacutegias contribuem para o
favorecimento da integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no
fazer cotidiano popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos
investimentos financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs
(TESSER 2009a CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA
SALMAN 2013 SILVA et al 2016)
232 Formaccedilatildeo de recursos humanos em Praacuteticas Integrativas e Complementares
A institucionalizaccedilatildeo do SUS trouxe a necessidade de revisatildeo dos processos de
aprendizagens apregoados nos estabelecimentos de ensino O princiacutepio da
integralidade exprimido no conceito ampliado de sauacutede produziu a demanda
improrrogaacutevel de discutir os perfis curriculares dos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede
Necessaacuterio pensar na formaccedilatildeo adequada do profissional que atuaraacute com a loacutegica
complexa de cuidado presente no SUS (SAMPAIO 2014) Nesse sentido a autora
ainda nos indica duas frentes de atuaccedilatildeo enfrentar a educaccedilatildeo separada da vida e
a praacutetica educativa linear Ambas constituem pilares da educaccedilatildeo biologicista
presente nos cursos de graduaccedilatildeo em sauacutede e figuram como problemas centrais agrave
conformaccedilatildeo indispensaacutevel para o alcance do propoacutesito fundamental do SUS ldquoPara
mudarmos o Sistema temos que mudar as pessoas para reformar praacuteticas de
sauacutede temos que reformar pensamentos em relaccedilatildeo ao ato de cuidarrdquo (SAMPAIO
2014 p 101)
Entendendo a importacircncia de estabelecer normativas institucionais para a formaccedilatildeo
em PICs que aleacutem de diminuir ou mesmo dirimir as ambivalecircncias existentes
apregoa a seguranccedila qualidade e eficaacutecia diversos paiacuteses no mundo reconhecem a
formaccedilatildeo por meio de alguns criteacuterios entre eles a formaccedilatildeo em instituiccedilotildees de
41
ensino superior como eacute o caso da MTC na iacutendia (OMS 2013) A natildeo formalizaccedilatildeo
do ensino em PICs pode trazer consequecircncias nefastas agrave atuaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo das
praacuteticas dos profissionais habilitados inclusive desestimulando a atuarem com seus
saberes nos espaccedilos que jaacute atuam com a praacutetica de cuidado convencional
(SANTOS amp TESSER 2012)
O contra ponto da institucionalizaccedilatildeo das PICs repousa no fato de alterar a forma
como se origina e se constitui o seu saber Esta pode gerar um afastamento das
propriedades verdadeiramente curativas em nome do reconhecimento do
paradigma cientiacutefico que apoacuteia a mercantilizaccedilatildeo A exemplo disso na deacutecada de
80 no Meacutexico com o objetivo de regular a praacutetica do meacutedico tradicional houve a
mudanccedila na forma de transmissatildeo do conhecimento que acabou por rechaccedilar as
terapias ldquomaacutegicasrdquo do seu leque de estrateacutegias de cuidado Tal postura gerou
modificaccedilotildees profundas nas raiacutezes de produccedilatildeo do conhecimento tradicional tudo
em nome da profissionalizaccedilatildeo da medicina tradicional que a subjuga diante da
biomedicina (MENEgraveDEZ 2015 CLAVIJO USUGA 2011 TESSER 2009a)
Referente agrave formaccedilatildeo de recursos humanos em PICs no Brasil temos o estudo de
Christensen e Barros (2008) que traz uma revisatildeo de literatura acerca da formaccedilatildeo
nas escolas meacutedicas Conclui que sua inserccedilatildeo se deu de diversas formas em
especial durante o processo de reforma curricular ou em formas de cursos eletivos
e que os estudantes do curso meacutedico reconhecem a importacircncia de ampliar o
escopo de ferramentas diagnoacutesticas e terapecircutica para a atenccedilatildeo e cuidado dos
pacientes Teixeira (2007) corrobora com essa afirmaccedilatildeo num trabalho com
estudantes de medicina onde 64 deles desejavam ter a disciplina de homeopatia
como obrigatoacuteria O autor defende a inclusatildeo da homeopatia nos primeiros anos do
curso meacutedico como forma de enfrentamento ao desconhecimento dessa
racionalidade
A baixa inserccedilatildeo de disciplinas e cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em
PICs nos cursos de sauacutede do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) contribui para a
procura de profissionais de sauacutede pela formaccedilatildeo na aacuterea identificada como um
fenocircmeno social que ocorre apesar do iacutenfimo incentivo das gestotildees puacuteblicas
(SOUSA 2012)
42
O despertar do profissional de sauacutede para a necessidade de aprimorar seus
recursos terapecircuticos estaacute comumente relacionado agrave busca por respostas de
questotildees existenciais Essa busca parece ser reflexa da carecircncia de vivencia
formativa principalmente durante a graduaccedilatildeo sobre o saber ser e o saber conviver
Sampaio (2014) situa esse hiato como o grande desafio para formaccedilatildeo
contemporacircnea
Em geral os terapeutas em PICs buscam na formaccedilatildeo ldquoresponder a questotildees
cruciais sobre auto-conhecimento auto-realizaccedilatildeo busca espiritual soluccedilatildeo para
experiecircncias extramundanas desejos de romper com as tradiccedilotildees e de correr riscos
que levem a uma nova razatildeo de viverrdquo (MARTINS 2013 p 20) Marques et al
(2012) nos revela em estudo sobre a caracterizaccedilatildeo dos recursos humanos em
PICs do Distrito federal que aleacutem das motivaccedilotildees elencadas a cima temos ldquobusca
por atendimento mais humano critica ao modelo de diagnose e terapecircutica
oferecido pela biomedicina sofrimento proacuteprio eou da famiacuteliardquo
Martins (2013) ainda afirma que esses protagonistas sociais se revelam como
catalizadores da ruptura epistemoloacutegica que vivenciamos no setor sauacutede e que por
isso encontramos praacuteticas que ldquooscilam permanentemente nas fronteiras do
conhecido e do desconhecido do certo e do incerto do cientiacutefico e do miacutestico do
sagrado e do profanordquo (p11)
Uma vez formados os trabalhadores de PICs desejam exercer suas praacuteticas no
cotidiano de trabalho e a falta de conhecimento dos gestores e colegas de trabalho
acaba por forccedilar um exerciacutecio informal da praacutetica nos serviccedilos que beira o
voluntarismo (TELESI JUNIOR 2016 FIGUEIREDO 2014) Os profissionais
qualificados em PICs atuantes no SUS alccedilam matildeo de suas qualificaccedilotildees
incrementam suas habilidades de cuidado e satildeo onerados por serem obrigados a
cumprirem determinaccedilotildees burocraacuteticas que dificultam o processo de trabalho a
exemplo do atendimento homeopaacutetico que deve ocorrer no mesmo tempo que o
atendimento convencional Aleacutem da ldquoaceitaccedilatildeo informalrdquo gestada pelo
desconhecimento das PICs ocorre comumente a insuficiecircncia da infraestrutura de
equipamentos e insumos nas unidades de sauacutede que acolhem os profissionais de
PICs (SOUSA 2004 TEIXEIRA 2007 BRASIL 2009 THIAGO amp TESSER 2011
SANTOS amp TESSER 2012 SOUSA 2012)
43
A formaccedilatildeo em medicina de famiacutelia e comunidade sauacutede da famiacutelia e em sauacutede
coletiva parece favorecer a aceitaccedilatildeo e inclusatildeo das PICs nos serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede como comentam Galhardi (2013) Tiago e Tesser (2011) quando se referem
agrave realidade de Campinas e Florianoacutepolis No primeiro caso os sanitaristas gestores
da secretaria de sauacutede foram ativamente responsaacuteveis pela inclusatildeo dos serviccedilos
PICs na rede municipal No segundo trabalho foi encontrado aceitaccedilatildeo das PICs
por parte dos profissionais da atenccedilatildeo baacutesica que havia tido contato preacutevio com elas
nos cursos de residecircncia ou especializaccedilatildeo em sauacutede da famiacutelia ou medicina de
famiacutelia e comunidade
Dentre as estrateacutegias para contribuir com a formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos
profissionais de sauacutede em PICs o MS usa o Sistema de Universidade Aberta do
SUS (UNA-SUS) o Programa Nacional de Telesauacutede o Programa de Educaccedilatildeo
Permanente pelo Trabalho para a sauacutede (PET- Sauacutede) Cursos de especializaccedilatildeo
(Como o curso de Gestatildeo da Assistecircncia Farmacecircutica ofertados para 440
farmacecircuticos) e mestrados profissionalizantes Mais recentemente vem utilizando o
espaccedilo virtual das Comunidades de Praacuteticas (CdP) para formaccedilatildeo e troca de
experiecircncias no acircmbito do SUS dentre os cursos promovidos estatildeo Curso
introdutoacuterio em antroposofia aplicada a sauacutede Gestatildeo de Praacuteticas Integrativas e
Complementares e Uso de plantas medicinais e fitoterapia para Agentes
Comunitaacuterios de Sauacutede (BRASIL 2011 BRASIL 2012) Estrateacutegias que envolveram
mais de 28 mil profissionais de sauacutede tendo mais de 6 mil concluintes (BRASIL
2017a)
Diante do exposto temos trecircs grandes desafios para a formaccedilatildeo em PICs o primeiro
eacute o desconhecimento dos profissionais de sauacutede sobre as PICs que acaba por
contribuir com a inseguranccedila e deslegitimaccedilatildeo da atuaccedilatildeo profissional no SUS o
segundo eacute a necessidade de estabelecer conteuacutedos curriculares miacutenimos para a
capacitaccedilatildeo e formaccedilatildeo em PICs (BRASIL 2011) e o terceiro eacute reconhecer o
autoconhecimento e buscas espirituais e de sentido como questotildees imprescindiacuteveis
para a formaccedilatildeo de cuidadoresprofissionais de sauacutede (MARTINS 2013 SAMPAIO
2014)
Somado aos desafios da formaccedilatildeo em PICs temos os entraves relacionados ao
subfinanciamento do SUS que acabam por refletir consideravelmente a
institucionalizaccedilatildeo do campo das PICs
44
233 Financiamento
Com a consagraccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o paiacutes implementa um plano
solidaacuterio de cuidado com a sauacutede de toda a populaccedilatildeo Passa a ser dever do Estado
garantir acesso universal e igualitaacuterio aos serviccedilos de assistecircncia prevenccedilatildeo
promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Tal postura vai na contra matildeo das
recomendaccedilotildees do Banco Mundial expressas no documento ldquoFinanciamento dos
serviccedilos de sauacutede uma agenda para a reformardquo de 1987 contrariando a agenda de
reduccedilatildeo dos gastos puacuteblicos (MATTOS amp COSTA 2003)
A sustentabilidade de um sistema nacional como o SUS eacute um desafio financeiro e
social que exige da populaccedilatildeo e governantes uma postura solidaacuteria e de
enfrentamento da desigualdade social vigente Continuamos a atravessar por
tempos de restriccedilotildees financeiras que impossibilitam a implementaccedilatildeo da verdadeira
proposta projetada para o SUS Adicionalmente o principal montante de recursos
financeiros para o setor sauacutede eacute arrecadado pelo governo federal mas executado
pelos estados e primordialmente pelos municiacutepios (MATOS amp COSTA 2003)
O fato determina o baixo niacutevel de autonomia financeira dos municiacutepios quanto agrave
sustentaccedilatildeo de poliacuteticas pensadas para responder as demandas locoregionais Tal
organizaccedilatildeo coloca o MS como detentor de poder indutor de poliacuteticas puacuteblicas para
a sauacutede que pode ser mais reativo a determinado posicionamento poliacutetico que
comprometido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MATOS amp COSTA 2003 FAVERET
2003)
A experiecircncia boliviana nos ensina que a centralizaccedilatildeo do poder nacional eacute um
desserviccedilo agrave democracia participativa e ldquoa quebra desse modelo colonial de
reproduccedilatildeo do poder oligaacuterquicordquo (MARTINS 2014 p 14) eacute necessaacuteria a
institucionalizaccedilatildeo efetiva de uma loacutegica antiutilitarista que no caso da Boliacutevia foi
consagrada na Constituiccedilatildeo de 2009
A PNPIC apesar de marco histoacuterico na institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes padece
de definiccedilatildeo clara dos recursos que financiem a implantaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos
serviccedilos e por isso perde forccedila na sua funccedilatildeo indutora A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
45
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009)
Na realidade do programa de medicina alternativa do Rio de Janeiro Sousa (2004)
relata as fragilidades na institucionalizaccedilatildeo que aleacutem da ausecircncia de financiamento
especifico vivenciavam a insuficiecircncia de investimentos em infraestrutura e recursos
humanos Na experiecircncia de Campinas Nagai e Queiroz (2011) nos relatam
quanto agrave implantaccedilatildeo dos serviccedilos de PICs que a gestatildeo da secretaacuteria de sauacutede
natildeo notava como benefiacutecio agrave rede municipal o serviccedilo de homeopatia Haja vista o
atendimento ser mais demorado e o municiacutepio receber o mesmo valor de repasse
das demais consultas meacutedicas Os autores avivam a importacircncia do repasse
financeiro do Ministeacuterio da Sauacutede como suporte imprescindiacutevel na implantaccedilatildeo dos
serviccedilos
Ainda sobre a importacircncia no repasse ministerial Galhardi et al (2013) sugere que
uma das barreiras para a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos de homeopatia no estado de Satildeo
Paulo estaacute acoplada agrave insuficiecircncia de financiamento do ente federal e
consequumlente ldquoautofinanciamentordquo dos municiacutepios Os gestores encontram pouco ou
nenhum apoio financeiro dos estados e Uniatildeo para implantaccedilatildeo dos serviccedilos PICs
municipais
A relaccedilatildeo custo-efetividade eacute ainda argumento favoraacutevel agrave institucionalizaccedilatildeo das
PICs no SUS Eacute possiacutevel encontrar trabalhos que defendem um menor custo das
PICs quando comparados com a medicina alopaacutetica Kooreman amp Baars (2011) nos
informam um percentual 30 menos custoso sendo associado ao fato dos
pacientes de PICs permanecerem menor tempo internado em hospitais consumirem
menos drogas alopaacuteticas e por fim apresentarem menores taxas de mortalidade
Como exemplo de apoio temos o trabalho que avaliou o custo-efetividade das PICs
no sistema de sauacutede peruano que para um nuacutemero especifico de patologias entre
elas osteoatrite asma ansiedade as PICs tiveram melhor relaccedilatildeo custo-efetividade
e menos efeitos secundaacuterios (OMS 2002 CASTRO MARTINEZ 2016) Outro
estudo sugere que a praacuteticas manuais (massagem por exemplo) satildeo melhores
custo-efetivas sendo o custo cerca de um terccedilo do valor quando comparada a
fitoterapia e a biomedicina (OMS 2013)
46
3 MEacuteTODO
31 Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS Importante destacar que o AVAPICS
continha dentre seus objetivos identificar a oferta municipal de serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS3 em todo Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios (ANEXO 01)
Aleacutem dos e-mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570
municiacutepios do Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do
questionaacuterio online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado ao entrevistado responder
o motivo pelo qual o serviccedilo natildeo era ofertado No questionaacuterio em tela houve o
seguinte questionamento aberto ldquoDescreva o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir
oferta de praacuteticas integrativas e complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de
sauacutederdquo Aqui os informantes (gestores municipais) descreviam abertamente os
motivos ou razotildees que estavam relacionados a natildeo implantaccedilatildeo dos serviccedilos de
PICs O periacuteodo de coleta foi entre 2014 e 2016
O presente estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que
informaram natildeo possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram
justificativa coerente a pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi
excluiacutedo da anaacutelise os municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs ou
natildeo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
3 Modalidade ofertada pelos estabelecimentos de sauacutede Dessa forma um estabelecimento de sauacutede pode
oferecer os serviccedilos de Reiki Tai chi chuan e Acupuntura seja ele especialista em PIC ou natildeo
47
32 Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
O meacutetodo qualitativo utilizado foi o da Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas pelos gestores Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica
mas natildeo nos limitamos ao conteuacutedo do texto Ressaltam-se os saltos exploratoacuterios
na anaacutelise de alguns aspectos socioculturais onde buscou-se nos sentidos das
mensagens os atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
(BARDIN2002 CAREGNATO amp MUTTI 2004)
Na pesquisa qualitativa e mais especifcamente na anaacutelise de conteuacutedo como meacutetodo o foco natildeo estaacute na quantifcaccedilatildeo mas na anaacutelise do fenocircmeno em profundidade elencando as subjetividades suas relaccedilotildees bem como interlocuccedilotildees na malha social (CAVALCANTE et al 2014 p 17)
Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo qualitativa uma oportunidade de
interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas dos sujeitos pesquisados A
Anaacutelise de Conteuacutedo ldquoteacutecnica que se propotildee a apreensatildeo de uma realidade visiacutevel
mas tambeacutem uma realidade invisiacutevel que pode se manifestar apenas nas
bdquoentrelinhas‟ do texto com vaacuterios significadosrdquo (CAVALCANTE et al 2014 p 15)
ldquo[] o texto eacute um meio de expressatildeo do sujeito onde o analista busca categorizar as
unidades (palavras ou frases) que se repetem inferindo uma expressatildeo que as
representemrdquo (CAREGNATO amp MUTTI 2004 p 682)
48
A teacutecnica requer uma preacute-compreensatildeo do tema em anaacutelise suas manifestaccedilotildees e
suas interaccedilotildees com o contexto para ampliar as probabilidades de interpretaccedilatildeo e
apreensatildeo do objeto fato que eacute favorecido pela imersatildeo do pesquisador nos ciacuterculos
de profissionais gestores e pesquisadores em PICs
Para o alcance de cada objetivo especifico foram cumpridas as seguintes etapas
321 Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade demograacutefica e
informante
Etapa 01 - Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que apresentaram resposta negativa quanto
agrave existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do inqueacuterito do AVAPICS ndash
utilizado software Excel 2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Etapa 02 - Agrupamento dos municiacutepios segundo as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash utilizado software Excel
2010 para organizaccedilatildeo das categorias
Etapa 03 ndash Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as categorias de Informante
Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas
hipoacuteteses explicativas
322 Categorizar os motivos apresentados pelos gestores municipais que
justificam a natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Etapa 01 ndash Realizaccedilatildeo de leitura flutuante de todas as respostas dos municiacutepios
incluiacutedos na anaacutelise ndash utilizado software Excel 2010 para organizaccedilatildeo dos dados
Etapa 02 ndash Definiccedilatildeo de categorias de respostas (seguindo a ordem de proximidade
semacircntica exclusividade e frequecircncia) que representem um consolidado das
respostas apresentadas pelos gestores ndash utilizado a teacutecnica da anaacutelise de categoria
ldquo[] que funciona por operaccedilotildees de desmembramento do texto em unidades em
categorias segundo reagrupamentos analoacutegicos [] raacutepida e eficaz na condiccedilatildeo de
se aplicar a discursos diretos (significaccedilotildees manifestas) e simplesrdquo (BARDIN 2002
p 153)
49
Etapa 03 - Definiccedilatildeo de ldquorespostas padratildeordquo4 que possam representar ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de cada categoria ndash utilizado o meacutetodo da anaacutelise de categoria para
classificar respostas segundo sua exclusividade e homogeneidade
Etapa 04 ndash Anaacutelise das diferenccedilas entre as categorias de informante motivos regiatildeo
brasileira populaccedilatildeo e PIB percapita ndash utilizaccedilatildeo dos testes estatiacutesticos kruskal
Wallis Dunn test e Quiquadrado
323 Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo populaccedilatildeo informante e
categorias de motivos
Etapa 01 ndash Busca documental relativo agraves PICs no sitio oficial do ministeacuterio da sauacutede
ndash Coleta de materiais informativo legislativo administrativos e noticias que
subsidiem a anaacutelise
Etapa 02 - Identificaccedilatildeo dos sentidos e significados impliacutecitos nas categorias de
motivos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e
Complementares nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Etapa 03 ndash Discussatildeo sobre os sentidos e significados relacionados agrave implantaccedilatildeo
de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede
Etapa 04 ndash Anaacutelise dos resultados do estudo com as discussotildees atuais sobre a
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
4 Respostas literais dos informantes que representam o nuacutecleo de sentido das categorias Foram utilizadas
como referecircncia para a classificaccedilatildeo das respostas ou seja cada resposta era confrontada com as respostas padratildeo antes de sua classificaccedilatildeo em determinada categoria
50
4 RESULTADODISCUSSAtildeO
DESAFIOS Agrave OFERTA DE SERVICcedilOS DE PRAacuteTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES NO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE BRASILEIRO
RESUMO
A Poliacutetica Nacional de Praacuteticas Integrativas e Complementares marca a valorizaccedilatildeo
dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no Sistema Uacutenico de Sauacutede No mundo temos um
cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares (PICs) nos sistemas de sauacutede oficial que varia de acordo com a
histoacuteria que cada paiacutes estabelece com a cultura dos povos tradicionais O fato
colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa do exerciacutecio
legaloficial O estudo visa compreender os aspectos relacionados agraves dificuldades
relatadas pelos gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no Sistema
Uacutenico de Sauacutede Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e
quantitativa que analisa os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de
PICs nas redes puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil Os instrumentos teacutecnico-
normativo e as formas de financiamento estabelecidas para as PICs ainda se
mostram inadequadas eou insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da
institucionalizaccedilatildeo das PICs O trabalho contribui para anaacutelise e desenvolvimento de
futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas pelos gestores como
impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
Palavras Chaves Poliacuteticas Puacuteblicas de Sauacutede Serviccedilos de Sauacutede Praacuteticas Integrativas e Complementares
51
ABSTRACT
SANTOS L D MARTINS P H SOUSA I M C SANTOS C R Challenges to the provision of integrative practices services and complements in the Brazilian Unified Health System Recife 2018
The National Policy on Integrative and Complementary Practices marks the
valorization of non-biomedical resources systems and methods related to the health
illness healing process favoring the discussion and incentive to medical pluralism
in the country and the concept of integrality in the Unified Health System In the world
there is a diversified scenario of institutionalization of Integrative and Complementary
Practices (PICs) in the official health systems which varies according to the history
that each country establishes with the culture of traditional peoples The fact is that
they place the PICs in an underprivileged place in the field of legal official exercise
The study aims to understand the aspects related to the difficulties reported by the
municipal managers for the implantation of PIC services in the Unified Health
System This is an exploratory study with a qualitative and quantitative approach
which analyzes the reasons related to the non-implantation of PIC services in health
public municipal networks in Brazil The technical-normative instruments and forms of
funding established for the PICs are still inadequate and or insufficient in
encouraging the institutionalization of the PICs The work contributes to the analysis
and development of future strategies to address barriers cited by managers as
impeding the implementation of the provision of PICs services
Key Words Public Health Policies Health Services Integrative and Complementary
Practices
52
INTRODUCcedilAtildeO
Na virada do seacuteculo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) passa a tratar o tema
das Medicinas Tradicionais (MT) em dois documentos intitulados de ldquoEstrateacutegias da
OMS sobre Medicina Tradicionalrdquo o primeiro versa sobre as estrateacutegias de 2002 a
2005 e o segundo para o dececircnio 2014 a 2023 (OMS 2002 OMS 2013) Definem
as Medicinas Tradicionais como praacuteticas de cuidado com enfoques conhecimentos
e crenccedilas sanitaacuterias diversas que incluem uso de medicaccedilotildees - fitoterapia uso de
minerais eou animais eou terapias sem medicaccedilotildees - terapias manuais e
espirituais uso de aacuteguas termais meditaccedilatildeo que visam manter o bem estar tratar
diagnosticar e prevenir enfermidades (OMS 2002 OMS 2013) Tais caracteriacutesticas
as colocam numa posiccedilatildeo favoraacutevel agrave sua disseminaccedilatildeo no mundo
Dentre os fatores que estatildeo associados ao crescimento do uso da MTC nos paiacuteses
em desenvolvimento estatildeo agrave acessibilidade e o baixo custo Normalmente o acesso
agrave biomedicina nesses paiacuteses tende a ser caro e tem o nuacutemero de profissionais
habilitados reduzido principalmente na zona rural Em se tratando de paiacuteses ricos
os fatores associados estatildeo relacionados agrave iatrogenia na medicina alopaacutetica e agrave
busca de alternativas para tratamento de doenccedilas crocircnicas (OMS 2002 OMS
2013 QUICO 2011)
O tema das PICs (termo utilizado no Brasil como referecircncia as MTC) eacute ainda pouco
explorado mesmo diante do reconhecimento de que a Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares (PNPIC) contribui para a efetivaccedilatildeo da Atenccedilatildeo
Baacutesica e o estabelecimento dos princiacutepios do SUS (TESSER amp BARROS 2008
CHRISTENSEN amp BARROS 2010 CONTATORE 2015)
Dentre os poucos trabalhos relativos a oferta de serviccedilos PICs no SUS temos a
informaccedilatildeo que sua institucionalizaccedilatildeo no paiacutes ocorre de forma diversificada
desigual e lenta (CHAVES 2015) Contudo encontrarmos em documentos
institucionais do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) afirmativas contraacuterias que aleacutem de
informarem um crescimento expressivo dos serviccedilos os relacionam agrave induccedilatildeo
normativa da PNPIC (BRASIL 2011 BRASIL 2014)
Assumindo o cenaacuterio de iacutenfima ampliaccedilatildeo de serviccedilos PICs impulsionados pelas
gestotildees municipais Quais seriam os motivos que impedem os gestores municipais
53
de ofertarem serviccedilos PICs no Brasil A curiosidade em investigar o tema eacute
ascendida quando da inexistecircncia de trabalhos cientiacuteficos ou mesmo institucionais
que respondam ao questionamento concretamente
O artigo visa explorar os aspectos relacionados agraves dificuldades enfrentadas pelos
gestores municipais para a implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs no SUS Para isso busca
analisar os motivos relacionados agrave natildeo implantaccedilatildeo de serviccedilos de PICs nas redes
puacuteblicas municipais de sauacutede do Brasil
Entender os sentidos e significados envolvidos nos oferece elementos para
relacionar as dificuldades agrave falta de priorizaccedilatildeo da PNPIC no cenaacuterio nacional Essa
natildeo priorizaccedilatildeo pode estar atrelada a subalternizaccedilatildeo das diversas racionalidades
natildeo incluiacuteda no bojo da racionalidade hegemocircnica - biomedicina
Institucionalizaccedilatildeo da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares no
Sistema Uacutenico de Sauacutede
A PNPIC (Criada por meio da Portaria Ministerial 9712006) marca a abertura e
valorizaccedilatildeo dos recursos sistemas e meacutetodos natildeo biomeacutedicos relativos ao processo
sauacutededoenccedilacura favorecendo a discussatildeo e incentivo ao pluralismo meacutedico no
paiacutes e o conceito de integralidade no SUS (ANDRADE amp COSTA 2010) Nasceu
como resposta governamental agrave recomendaccedilatildeo da OMS baixa institucionalizaccedilatildeo
no pais e agrave crescente pressatildeo social - expressa nos espaccedilos das conferecircncias de
sauacutede (CAVALCANTI et al 2014 BRASIL 2011 BRASIL 2015 GALHARDI et al
2013 CONTATORE 2015)
Dado o passo documental para institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS comeccedilou o
desafio de concretizaccedilatildeo da PNPIC nos territoacuterios Para isso faz-se necessaacuterio
conhecer a oferta de serviccedilos PICs aleacutem de compreender como operam e satildeo
materializadas nos municiacutepios As produccedilotildees a seguir nos ajudam a vislumbrar e
conhecer o cenaacuterio ainda controverso da oferta de serviccedilos PICs no SUS enquanto
que outras nos relatam experiecircncias de como elas operam e se materializam nos
municiacutepios
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 2004 elaborou o primeiro diagnoacutestico sobre a oferta
de PICs em todos municiacutepios brasileiros Na ocasiatildeo foram enviadas cartas com um
questionaacuterio que deveria ser respondido pelos gestores Esse trabalho contribuiu
54
para construccedilatildeo do texto da PNPIC e apresentou como resultados taxa de resposta
de 24 e prevalecircncia de serviccedilos PICs em 4 dos municiacutepios brasileiros (BRASIL
2015)
Nos dados do 2ordm ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade
da Atenccedilatildeo Baacutesica (PMAQ) consolidados no Monitoramento Nacional de 2014 da
Coordenaccedilatildeo Nacional da Poliacutetica de Praacuteticas Integrativas e Complementares
encontramos dados mais atualizadas relativos ao nuacutemero de municiacutepios que ofertam
PICs no Brasil (total de 1217) cerca de 22 dos municiacutepios (BRASIL 2014) Esses
dados foram coletados diretamente com as equipes de sauacutede da famiacutelia (ESF) e
obteve taxa de respostas em 86 dos municiacutepios
Chaves (2015) nos informa o registro no Brasil de 3848 estabelecimentos e como
alguns desses ofertam mais de um tipo de serviccedilo temos a oferta de 4939 serviccedilos
PICs distribuiacutedos em cerca de 15 dos municiacutepios (872) Sendo a maior parte dos
estabelecimentos da Atenccedilatildeo Baacutesica (54) e de gestatildeo puacuteblica (84) Calcula que
a cobertura brasileira de serviccedilos PICs eacute de 277 para cada 100000 habitantes
Os informes divulgados pelo MS em 2016 e 2017 trazem os dados mais recentes
consolidados sobre nuacutemero de atendimentos individuais estabelecimentos e
municiacutepios que ofertam PICs Em 2015 foram registrados 527953 atendimentos
individuais distribuiacutedos em 1362 municiacutepios e 2654 estabelecimentos de sauacutede da
Atenccedilatildeo Baacutesica (BRASIL 2016) Enquanto que ano de 2016 o nuacutemero de registros
dos atendimentos individuais quadriplica (2203661) o nuacutemero de municiacutepios e
estabelecimentos cresceram mais de 28 (1582) e 43 (3813) respectivamente
(BRASIL 2017a)
Parte significativa das experiecircncias com PICs estatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica das redes
puacuteblicas de sauacutede municipais Tais experiecircncias encontram legitimidade social dos
usuaacuterios e trabalhadores dos serviccedilos (TESSER amp BARROS 2008 apud SIMONI
2005 TESSER 2009a TESSER amp SOUSA 2012) Como exemplo dessas
experiecircncias temos o trabalho realizado por Costa et al (2015) que identificou os
significados e repercussotildees da Agricultura Urbana e Periurbana em Unidades
Baacutesicas de Sauacutede em Embu das artes-SP Afirma que o envolvimento de usuaacuterios
trabalhadores e gestores promoveram a criaccedilatildeo de ambientes saudaacuteveis e
55
reorientaccedilatildeo do funcionamento dos serviccedilos a mobilizaccedilatildeo da comunidade a
autonomia no cuidado e o retorno agraves praacuteticas tradicionais
Observa-se nas PICs a oportunidade de potencializar os ditames necessaacuterios para
uma praacutetica de sauacutede holiacutestica e cuidadora Elas atuam num trabalho vivo e natildeo
apenas seguidor de protocolos riacutegidos Nessas praacuteticas podemos perceber um
exemplo de como a ldquomicropoliacutetica do trabalhordquo pode resistir a ldquomacropoliacutetica da
gestatildeo em sauacutederdquo (CECCIM amp MERHY 2009 p 533)
Aspectos socioculturais relacionados agrave Institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede brasileiro
Diante do cenaacuterio de disputa ideoloacutegica travada entre as praacuteticas de sauacutede que tecircm
seu embasamento em dois pensamentos distintos (o cartesiano e o sistecircmico)
temos a hegemonia em detrimento da subordinaccedilatildeo ou secundarizaccedilatildeo do outro
Contudo o lugar contra hegemocircnico onde se situa as PICs desfavorece
significativamente a sua inserccedilatildeo em meio ao pensamento biomeacutedico
O fato de apresentarem pouca regulamentaccedilatildeo ou normatizaccedilotildees juriacutedicas relativo a
institucionalizaccedilatildeo colocam as PICs num lugar desprivilegiado no campo de disputa
do exerciacutecio legaloficial nos sistemas de sauacutede do mundo (CECCIM amp MERHY
2009 GARCIA SALMAN 2013) Nesse cenaacuterio eacute difiacutecil construir sustentabilidade
institucional administrativa e poliacutetica para a institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
serviccedilos puacuteblicos conselhos de classe e sociedade civil
Nigenda et al (2001) uma deacutecada atraacutes colocava como desafios a
institucionalizaccedilatildeo o desconhecimento do nuacutemero de praticantes e de suas
formaccedilotildees o tipo de populaccedilatildeo que demandam a medicina tradicional e
principalmente a falta de um marco legislativo que regule a praacutetica Atualmente tais
desafios persistem em grande parte dos paiacuteses latinos em especial os relacionados
agrave formaccedilatildeo de recursos humanos e instrumentos normativos (LOVERA ARELLANO
2014)
No acircmbito de estados e municiacutepios temos normativas legais sobre as PICs que vatildeo
desde portarias e decretos ateacute leis que instituem o serviccedilo de fitoterapia ou
diretrizes gerais sobre PICs na rede puacuteblica de sauacutede ndash Cearaacute Santa Catarina e Satildeo
56
Paulo ateacute mesmo Poliacuteticas e Programa de PICs ndash Satildeo Paulo Espiacuterito Santo (e na
capital Vitoacuteria) Minas Gerais Paraacute Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL
2011)
No mundo temos um cenaacuterio diversificado de institucionalizaccedilatildeo das PICs nos
sistemas de sauacutede oficial Varia de acordo com a histoacuteria que cada paiacutes estabelece
com a cultura dos povos tradicionais e quanto maior a aceitabilidade de suas
praacuteticas pelos governos maior sua capacidade de influenciar e interagir no acircmbito
social inclusive no cuidado com o sofrimento e enfermidade ((LOVERA ARELLANO
2014)
Por conseguinte parece coerente fortalecer as praacuteticas de cuidado tradicionais que
guardam relaccedilatildeo com a identidade dos povos principalmente as potencialmente
relacionadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede O que contribui para o favorecimento da
integraccedilatildeo das praacuteticas oficiais com as que encontram respaldo no fazer cotidiano
popular aleacutem de gerarem argumentos a favor da ampliaccedilatildeo dos investimentos
financeiros e de formaccedilatildeo em recursos humanos para as PICs (TESSER 2009a
CLAVIJO USUGA 2011 SANTOS amp TESSER 2012 GARCIA SALMAN 2013
SILVA et al 2016)
Sobre o financiamento das PICs no Brasil ainda natildeo haacute definiccedilatildeo clara sobre os
recursos financeiros o que consequentemente pode inviabilizar a implantaccedilatildeo eou
implementaccedilatildeo de serviccedilos PICs nos municiacutepios A criacutetica agrave falta de definiccedilatildeo
financeira aparece no relatoacuterio da coordenaccedilatildeo nacional de PICs (2006-2011) no
relatoacuterio do primeiro seminaacuterio internacional de PICs aleacutem de trabalhos que retratam
algumas experiecircncias municipais (BRASIL 2011 BRASIL 2009 NAGAI amp
QUEIROZ 2011)
Somado a indefiniccedilatildeo de financiamento temos a baixa inserccedilatildeo de disciplinas e
cursos de especializaccedilotildees ou aperfeiccediloamento em PICs nos cursos oficiais de sauacutede
do Brasil (CAVALCANTI et al 2014) O que podemos considerar como reflexo da
priorizaccedilatildeo massiva da formaccedilatildeo em sauacutede sob as reges do saber biomeacutedico -
pautada excessivamente na techne Que segundo Sampaio (2014) gera carecircncia de
vivencia formativa que relacione o saber ser e o saber conviver dos sujeitos O fato
57
contribui para busca ldquoclandestinardquo dos profissionais de sauacutede por formaccedilotildees em
instituiccedilotildees natildeo oficiais
Diante da complexidade epistemoloacutegica social institucional e operacional inerentes
agraves PICs eacute importante compreender que elementos ressoam na institucionalizaccedilatildeo
dessas praacuteticas no SUS Sabe-se da necessidade de ampliaccedilatildeo do corpo de
profissionais PICs atuantes no SUS e apoio institucional (financeiro e normativo) aos
gestores municipais por parte dos Estados e Uniatildeo (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015 BRASIL 2009)
58
MEacuteTODO
Desenho
Trata-se de um estudo exploratoacuterio com abordagem qualitativa e quantitativa a partir
do banco de dados do projeto AVAPICS - ldquoAvaliaccedilatildeo dos Serviccedilos em Praacuteticas
Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviccedilos
de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesapraacuteticas corporais para
doenccedilas crocircnicas em estudos de caso no Nordesterdquo ndash Coordenado pelo Grupo de
Pesquisa Saberes e Praacuteticas de Sauacutede Fiocruz-PE e financiado pelo edital
MCTICNPqMS - SCTIE - Decit Nordm 072013 ndash Poliacutetica Nacional de Praacuteticas
Integrativas e Complementares no Sistema Uacutenico de Sauacutede Cujo objetivo era
diagnosticar e avaliar a qualidade dos serviccedilos de PICs existentes no SUS no Brasil
Para coleta dos dados do AVAPICS foram enviados e-mails a todas as secretarias
municipais de sauacutede e prefeituras No e-mail era solicitado aos secretaacuterios de sauacutede
coordenador de atenccedilatildeo baacutesica eou coordenador de praacuteticas integrativas o
preenchimento de um questionaacuterio online contendo perguntas acerca dos serviccedilos
de praacuteticas integrativas e complementares oferecidos pelos municiacutepios Aleacutem dos e-
mails foram realizados contatos telefocircnicos com todos os 5570 municiacutepios do
Brasil com o objetivo de incentivar e auxiliar no preenchimento do questionaacuterio
online
No caso da inexistecircncia de serviccedilo de PICs era solicitado responder o motivo pelo
qual o serviccedilo natildeo era ofertado Havia o seguinte questionamento aberto ldquoDescreva
o motivo de seu municiacutepio natildeo possuir oferta de praacuteticas integrativas e
complementares nos estabelecimentos puacuteblicos de sauacutederdquo O periacuteodo de coleta foi
entre 2014 e 2016
O estudo se debruccedila sobre as respostas de todos os gestores que informaram natildeo
possuir serviccedilo PICs em seu municiacutepio e que apresentaram justificativa coerente agrave
pergunta contida no questionaacuterio online Para isso foi excluiacutedo da anaacutelise os
municiacutepios cujos gestores responderam ter oferta de PICs natildeo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido ou natildeo apresentaram resposta coerente ao
questionamento a cima
59
Plano de anaacutelise
Para a anaacutelise quantitativa foi realizado a aplicaccedilatildeo dos testes kruskal Wallis Dunn
test e Quiquadrado (PANDIS 2016 THEODORSSON-NORHEIM 1986) A escolha
de uma abordagem descritiva e analiacutetica se deu por beneficiar a organizaccedilatildeo de
dados (indicadores) que facilitam a reflexatildeo sobre as diferenccedilas e associaccedilotildees entre
as variaacuteveis do estudo Realizou-se cruzamento das variaacuteveis Informante e Motivos
com Produto Interno Bruto (PIB) per capita e Populaccedilatildeo do ano 2014 O PIB per
capita - valor de mercado dos bens e serviccedilos produzidos em um dado periacuteodo de
tempo - fornece uma medida do desenvolvimento econocircmico do municiacutepio As 1016
respostas dos gestores municipais satildeo consolidadas nas 5 regiotildees do paiacutes forma de
apresentaccedilatildeo apropriada para as comparaccedilotildees e discussatildeo desse estudo
Para anaacutelise qualitativa foi utilizada a Anaacutelise de Conteuacutedo de Bardin (2002) por
favorecer a sistematizaccedilatildeo objetiva das mensagens expressa pelos gestores Sendo
a sua quantificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo indicadores que proporcionaram a organizaccedilatildeo
de elementos para inferecircncia das condiccedilotildees de produccedilatildeo e significado das respostas
apresentadas Trabalhou-se aqui com a materialidade linguiacutestica mas natildeo nos
limitamos ao conteuacutedo do texto Ressalta-se os saltos exploratoacuterios na anaacutelise de
alguns aspectos socioculturais que buscaram nos sentidos das mensagens os
atravessamentos relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (BARDIN2002
CAREGNATO amp MUTTI 2004) Dessa forma obteve-se na sistematizaccedilatildeo
qualitativa uma oportunidade de interpretaccedilatildeo dos conteuacutedos submanifesto nas falas
dos sujeitos pesquisados
60
Quadro 01 ndash Procedimentos metodoloacutegicos
Objetivos Etapas
Descrever a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo regiatildeo densidade
demograacutefica e informante
Identificaccedilatildeo dos municiacutepios que
apresentaram resposta negativa quanto agrave
existecircncia de serviccedilos de PICs no banco de dados do
inqueacuterito do AVAPICS ndash utilizaccedilatildeo do software Excel
2010 para produccedilatildeo da descriccedilatildeo estatiacutestica
Agrupamento dos municiacutepios segundo
as categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash utilizaccedilatildeo do
o software Excel 2010 para
organizaccedilatildeo das categorias
Anaacutelise de possiacuteveis diferenccedilas entre as
categorias de Informante Regiatildeo Populaccedilatildeo e Produto
Interno Bruto per capita ndash levantamento de algumas hipoacuteteses
explicativas
Categorizar os motivos
apresentados pelos gestores municipais que justificam a natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos de Praacuteticas
Integrativas e Complementares
nas redes puacuteblicas
municipais de sauacutede do Brasil
Realizaccedilatildeo
de leitura
flutuante de
todas as
respostas
dos
municiacutepios
incluiacutedos na
anaacutelise ndash
utilizaccedilatildeo do
software
Excel 2010
para
organizaccedilatildeo
dos dados
Definiccedilatildeo de categorias
de respostas (seguindo
a ordem de proximidade
semacircntica
exclusividade e
frequecircncia) que
representem um
consolidado das
respostas apresentadas
pelos gestores ndash
utilizaccedilatildeo da teacutecnica da
anaacutelise de categoria
Definiccedilatildeo de
ldquorespostas
padratildeordquo que
possam
representar
ldquoos nuacutecleos de
sentidordquo de
cada categoria
Anaacutelise de
possiacuteveis
diferenccedilas entre
as categorias de
informante
motivos regiatildeo
brasileira
populaccedilatildeo e PIB
percapita ndash
utilizaccedilatildeo dos
testes kruskal
Wallis Dunn test
e Quiquadrado
Relacionar a distribuiccedilatildeo nacional dos
municiacutepios sem serviccedilos PICs na
rede de sauacutede puacuteblica segundo
regiatildeo populaccedilatildeo
informante e categorias de
motivos
Busca documental relativa agraves PICs no
sitio oficial do Ministeacuterio da Sauacutede ndash
Coletado materiais informativo legislativo
administrativos e noticias que subsidiem
a anaacutelise
Discussatildeo sobre os sentidos e significados
relacionados agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares nas
redes puacuteblicas municipais de sauacutede
Anaacutelise dos resultados do estudo com as
discussotildees atuais sobre a implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs e institucionalizaccedilatildeo da PNPIC
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
61
RESULTADOSDISCUSSAtildeO
Dos 5570 municiacutepios 1617 (29) responderam ao questionaacuterio online do projeto
AVAPICS taxa de resposta maior que a encontrada quando do primeiro diagnoacutestico
de serviccedilos PICs (24) realizado pelo MS em 2004 (BRASIL 2015) Poreacutem bem
menor que taxa alcanccedilada no 2ordm ciclo do PMAQ (86) contudo devemos considerar
o componente financeiro repassado pelo MS aos municiacutepios como estimulo a
adesatildeo e prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo ao PMAQ (BRASIL 2014) Vale ressaltar que a
metodologia adota pelo PMAQ diverge da adotada no AVAPIS Enquanto que no
PMAQ os informantes satildeo profissionais da ESF no AVAPICS os informantes satildeo
gestores Todavia nos dois diagnoacutesticos foi concedido a possibilidade de
participaccedilatildeo a todos os municiacutepios brasileiros
Ainda sobre a taxa de resposta temos a regiatildeo sudeste com maior taxa (35) o
dobro da regiatildeo Norte onde apenas 17 dos municiacutepios responderam ao
questionaacuterio online Essas regiotildees satildeo as com maior e menor acesso a internet no
Brasil com 60 e 38 dos domiciacutelios conectados respectivamente (ONU 2016)
Outra comparaccedilatildeo possiacutevel eacute quanto agrave taxa de municiacutepios que negaram ofertar
serviccedilos de PICs As taxas do AVAPICS (73) e do 2ordm ciclo do PMAQ (74) foram
bem proacuteximas o que sugere que as respostas apresentadas pelos gestores
municipais e profissionais de sauacutede natildeo divergem quanto agrave existecircncia ou natildeo de
PICs na rede puacuteblica municipal de sauacutede (BRASIL 2014) Ocorrecircncia apoiada ao se
analisar por regiotildees em que verificamos taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs entre
66 (Sudeste) e 79 (Nordeste) sendo a meacutedia de 75 Nesse sentido pode-se
refletir que a prevalecircncia de municiacutepios sem serviccedilos PICs no paiacutes deve se estar
entre 73 e 75
Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil
As respostas dos 1016 gestores municipais incluiacutedos na anaacutelise estatildeo
representados na tabela 01 Nessa eacute possiacutevel observar a distribuiccedilatildeo da amostra
entre as regiotildees segundo nuacutemero de municiacutepios e gestores informantes aleacutem das
meacutedias populacionais e PIB per capita
62
Tabela 01 ndash Distribuiccedilatildeo dos municiacutepios sem serviccedilos de praacuteticas integrativas e
complementares na rede puacuteblica de sauacutede do Brasil segundo informante meacutedia
populacional e PIB per capita
(Fonte AVAPICS 2016)
A regiatildeo Nordeste concentrou o maior nuacutemero de respostas entre os gestores
municipais que negaram ofertar PICs (37) Tambeacutem foi a regiatildeo que apresentou
maior taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs 79 dos municiacutepios nordestinos que
responderam ao questionaacuterio afirmaram natildeo ofertar tais serviccedilos A regiatildeo ainda
concentra a menor meacutedia de PIB entre as regiotildees A regiatildeo Sudeste concentrou o
segundo maior nuacutemero de respostas (33) menor taxa de ausecircncia de serviccedilos
PICs (66) sendo a que apresenta a terceira maior meacutedia de PIB
As regiotildees Norte e Centro Oeste apresentaram ambas o menor nuacutemero de
respostas (6) e a segunda maior taxa de ausecircncia de serviccedilos (78) Contudo a
regiatildeo Norte guardou a maior meacutedia populacional e o segundo menor PIB enquanto
que a regiatildeo Centro Oeste menor meacutedia populacional e segunda maior meacutedia de
PIB
Testou-se estatisticamente a hipoacutetese de que a ausecircncia de serviccedilos PICs encontra
associaccedilatildeo com o porte populacional ou capacidade econocircmica do municiacutepio ou
seja quanto menor a populaccedilatildeo e PIB maior a ausecircncia de serviccedilos PICs Apesar
de haver associaccedilatildeo significativa entre as variaacuteveis (teste qui quadrado) e grande
possibilidade da amostra ser representativa natildeo se pocircde confirmar de forma
enfaacutetica a hipoacutetese
Regiatildeo Nordm
Municiacutepios
Nordf de Coordenadores
de Atenccedilatildeo Baacutesica
Nordm de
Secretaacuterios de Sauacutede
Meacutedia pop
Meacutedia PIB per capita
Norte 58 60 28 70 20 50 35501 R$ 1132403
Nordeste 371 370 152 380 164 410 28656 R$ 994005
Sudeste 331 330 135 340 106 260 26019 R$ 1807657
Sul 196 190 67 170 88 220 17786 R$ 2825539
Centro Oeste
60 60 20 50 23 60 20066 R$ 2603729
Total 1016 1000 1016 1000 1016 1000 25584 R$ 1715373
63
Em relaccedilatildeo ao PIB encontramos a regiatildeo Nordeste com menor PIB e maior taxa de
ausecircncia e a regiatildeo sudeste com a terceira maior meacutedia de PIB e a menor taxa de
ausecircncia de serviccedilos informaccedilatildeo que apoacuteia a hipoacutetese Por conseguinte as regiotildees
Norte e Centro Oeste por apresentarem maior meacutedia populacional e maior PIB per
capita respectivamente em tese deveriam apresentar as menores taxas de
ausecircncia de serviccedilos PICs mas isso natildeo ocorre Por essa oacutetica descartar-se a
hipoacutetese levantada
Com atenccedilatildeo aos dados sobre os informantes temos na categoria de Gerente de
Unidade a menor frequumlecircncia (2) enquanto que as categorias mais prevalentes
foram Coordenaccedilatildeo de Atenccedilatildeo Baacutesica (40) e Secretaacuterio de Sauacutede (39)
Encontramos maior meacutedia de populaccedilatildeo nos municiacutepios que tiveram como
informantes os Coordenadores de Atenccedilatildeo Baacutesica quando comparados os
municiacutepios que tiveram como informantes os Secretaacuterios de Sauacutede entre essas
duas categorias constatamos diferenccedila significativa (Teste de Dunn)
Anaacutelise sobre os motivos apresentados como justificativa para natildeo
oferta de serviccedilos de Praacuteticas Integrativas e Complementares
Os motivos informados pelos gestores municipais foram definidos em 08 categorias
junto com suas respectivas respostas-padratildeo (Quadro 02) O amplo nuacutemero de
categorias foi necessaacuterio para tornar a investigaccedilatildeo mais sensiacutevel a captaccedilatildeo dos
diversos motivos que poderiam dificultar ou mesmo inviabilizar a implantaccedilatildeo de
serviccedilo devido agrave caracteriacutestica exploratoacuteria do estudo
Desta feita temos que dos motivos ou justificativas declaradas pelos gestores 82
estavam distribuiacutedos em trecircs categorias - Escassez de profissionais qualificados
(53) Escassez de financiamento (18) e Escassez de orientaccedilatildeo normativa
(11) Observa-se que essa ocorrecircncia aparece com frequecircncia na literatura que
mesmo sem trazer elementos quantitativos as consideram como os principais
desafios agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS (TESSER amp BARROS 2008
TESSER amp SOUSA 2012 COSTA 2015)
Dentre as demais categorias menos presentes nos estudos nota-se que 6 dos
gestores afirmaram que natildeo havia interesse nos serviccedilos de PICs - 3 Desinteresse
da gestatildeo ou profissionais e 3 Desinteresse da populaccedilatildeo O argumento de que a
64
gestatildeo estava no Inicio de organizaccedilatildeo gestora surgiu em 5 das respostas
enquanto que 4 atrelam a dificuldade de implantaccedilatildeo agrave Escassez de planejamento
gestor Apenas 2 das respostas justificaram o fato por ser Municiacutepio de pequeno
porte
Quadro 02 ndash Categorias de motivos segundo resposta padratildeo
Categoria Resposta padratildeo da categoria
ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS
QUALIFICADOS
Falta de profissionais capacitados Natildeo possui
profissionais destinados para as atividades
ESCASSEZ DE FINANCIAMENTO Falta de recurso financeiro disponiacutevel Natildeo possuir
recurso financeiro de estado eou uniatildeo
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Ausecircncia de planejamento da gestatildeo Natildeo elaborou
plano de accedilatildeo com PIC Natildeo incluiacutedo no plano de sauacutede
Natildeo organizaccedilatildeo da oferta de PIC
ESCASSEZ DE ORIENTACcedilAtildeO
TEacuteCNICANORMATIVA
Natildeo ter conhecimento das normas legais e ofertas em
PIC falta de divulgaccedilatildeo Falta de apoio teacutecnico do
estado eou uniatildeo
DESINTERESSE DA
GESTAtildeOPROFISSIONAIS
Por falta de interesse da gestatildeo Falta de interesse dos
profissionais Natildeo implantamos por falta de convicccedilatildeo
Natildeo haacute interesse do municiacutepio em implementar tais
praacuteticas
DESINTERESSE DA
POPULACcedilAtildeO
Falta de interesse da populaccedilatildeo A populaccedilatildeo tem
preferecircncia pela medicina convencional
INICIO DE ORGANIZACcedilAtildeO
GESTORA
Preparando um projeto para poder ofertar para
populaccedilatildeo em breve Estaacute em processo de formaccedilatildeo
Estamos organizando o serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica para
posteriormente implantar estas praacuteticas
MUNICIacutePIO DE PEQUENO
PORTE
Somos um municiacutepio pequeno com poucos recursos
Por ser um municiacutepio de pequeno porte fica difiacutecil a
oferta O municiacutepio natildeo possui condiccedilotildees de ofertar ao
paciente esta opccedilatildeo de tratamento Isso dificulta a
diversificaccedilatildeo de tratamento e tambeacutem dificulta a
contrataccedilatildeo do profissional
(Fonte Produccedilatildeo dos proacuteprios autores)
Testou-se a hipoacutetese de que determinados motivos poderiam guardar relaccedilatildeo com o
porte populacional e econocircmico dos municiacutepios Por exemplo para o motivo
Escassez de financiamento era esperada mais ocorrecircncia nos municiacutepios com
menor porte populacionaleconocircmico haja vista serem os com menor autonomia
financeira enquanto que Escassez de profissionais qualificados ou Escassez de
65
orientaccedilatildeo normativa era mais esperada nos municiacutepios com porte populacional e
econocircmico maiores
Apesar de na anaacutelise estatiacutestica a variaacutevel Motivo mostrar associaccedilatildeo significativa
com a Populaccedilatildeo mas natildeo com o PIB natildeo se pocircde constatar a hipoacutetese As
categorias Escassez de financiamento e Escassez de profissionais qualificados por
exemplo apresentaram distribuiccedilatildeo uniforme entre os portes
populacionaiseconocircmico dos municiacutepios Mas ao se analisar as categorias de
Motivos com menor prevalecircncia na nossa amostra observamos dois achados
interessantes
Primeiro que a dificuldade com planejamento gestor para implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs eacute mais relatada pelos gestores de municiacutepios do Nordeste com menor
capacidade econocircmica e maiores populaccedilotildees Segundo que o desinteresse de
implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs (seja dos gestores profissionais ou populaccedilatildeo) foi
mais relatado pelos gestores de municiacutepios com maior porte econocircmico e
populacional tendo concentraccedilatildeo maior nas regiotildees Sul e Sudeste Tal fato pode
estaacute associado aos efeitos do fenocircmeno da medicalizaccedilatildeo social visto que
municiacutepios com essas caracteriacutesticas apresentam maior propensatildeo a uso
exacerbado de medicaccedilotildees maquinaacuterio tecnoloacutegico somados a desvalorizaccedilatildeo dos
saberes tradicionais ou populares (TESSER et al 2010)
Consideraccedilotildees sobre a institucionalizaccedilatildeo das Praacuteticas Integrativas e
Complementares
Discuti-se a seguir as implicaccedilotildees e sentidos relacionados aos aspectos mais
prevalentes no estudo (Normatizaccedilatildeo Financiamento e Formaccedilatildeo de Recursos
Humanos) entendidos como elementares agrave institucionalizaccedilatildeo das PICs
Observa-se que 11 (113) dos gestores municipais acreditam que a escassez de
orientaccedilatildeo teacutecnico-normativa ainda eacute importante percalccedilo para implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs Apesar de encontrarmos no site do MS acervo normativo-legal
relacionado agraves PICs ndash 01 decreto 02 Instruccedilotildees Normativas 07 Resoluccedilotildees 16
portarias e 03 procedimentos para implantaccedilatildeo de serviccedilos (Plantas Medicinais
Homeopatia e Medicina Tradicional Chinesa) esses natildeo chegam ao conhecimento
do gestor local ou natildeo sanam a necessidade de orientaccedilatildeo Possiacutevel refletir que os
66
instrumentos e apoio teacutecnico-normativos das gestotildees estaduais e federal satildeo
insuficiente no auxiacutelio do gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
A escassez de institucionalizaccedilatildeo reforccedila o lugar subalterno das PICs em relaccedilatildeo ao
saber biomeacutedico fato que encontra ressonacircncia em diversas culturas como no
Meacutexico (MENEacuteDEZ et al2015) Colocircmbia (QUICO 2011 CLAVIJO USUGA 2011) e
Cuba (GARCIA SALMAN 2013 CONTATORE 2015) Contudo as normativas
existentes apesar de insuficientes no alcance de institucionalizaccedilatildeo incisiva das
PICs no SUS satildeo ferramentas poliacuteticas que encorajam profissionais e gestores a
assumirem as PICs como estrateacutegia de cuidado sendo por tanto elemento
imprescindiacutevel e catalizador para mudanccedila de cenaacuterio (secundarizaccedilatildeo ou
subalternarizaccedilatildeo) hora posto no SUS para as PICs
Aleacutem da fragilidade teacutecniconormativa temos no relatoacuterio do primeiro Seminaacuterio
Internacional de PICs que ocorreu em 2008 no Brasil apontamentos de outras
importantes dificuldades institucionais a saber ausecircncia de sistematizaccedilatildeo das
diversas realidades dos serviccedilos e modelos de gestatildeo implantados no paiacutes poucos
recursos financeiros e investimento na educaccedilatildeo permanente dos profissionais
(BRASIL 2009)
O fato de convivemos com o modelo centralizado de financiamento da sauacutede
(MATOS amp COSTA 2003) coloca os municiacutepios e estados num lugar secundaacuterio na
definiccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de poliacuteticas locoregionais especifica Segundo Vieira e
Benevides (2016) a participaccedilatildeo da Uniatildeo com gastos totais em sauacutede diminuiu de
50 (2003) para 43 (2015) enquanto que a parcela dos municiacutepios aumentou de
25(2003) para 31 (2015) A participaccedilatildeo dos estados permanece nesse periacuteodo
estaacutevel indo de 24 (2003) para 26 (2015)
A promulgaccedilatildeo da EC 862015 em conjunto com a EC 952016 constituiacuteram dois
graves golpes ao setor sauacutede Estima-se soacute com a implementaccedilatildeo da EC 862015
uma perda de 257 bilhotildees para o setor sauacutede - Caso vigora-se suas regras ao inveacutes
das regras da EC 292000 entre o periacuteodo de 2003-2015 Ocorrecircncia que
inviabilizaria fundamentalmente as accedilotildees de Estados e Municiacutepios Projeta-se com a
vigecircncia da EC 952016 perda de 654 bilhotildees nos proacuteximos vinte anos - Perda
calculada entre os anos de 2017-2036 e considerando 132 da Receita Corrente
67
Liacutequida do PIB de 2016 com crescimento de 2 ao ano (VIEIRA amp BENEVIDES
2016)
Natildeo basta o setor sauacutede natildeo ser prioritaacuterio temos que as PICs dentro do setor
sauacutede natildeo eacute hegemocircnica o que torna a situaccedilatildeo ainda mais caoacutetica do ponto vista
do financiamento dos serviccedilos PICs
O financiamento nacional das PICs no SUS ocorre basicamente por meio de
pagamento por Procedimentos - Sessatildeo de acupuntura por inserccedilatildeo de agulha (R$
413) Sessatildeo de acupuntura com aplicaccedilatildeo de ventomoxa (R$ 367) e Sessatildeo de
Eletroestimulaccedilatildeo (R$ 077) pagamentos por Consultas aleacutem de editais de fomento
elaborados pelo MS para incentivo de projetos pontuais a exemplo dos Arranjos
Produtivos Locais (CAVALCANTI et al 2014)
Segundo dados do Sistema de Informaccedilatildeo Ambulatorial (SIA) coletadas em
setembro deste ano entre os anos de 2008 e 2016 houve crescimento de 50 do
valor de consultas e procedimentos relacionados especificamente as PICs pagos
pela Uniatildeo aos estados e municiacutepios - passa de R$ 23 para 35 milhotildees Tal
crescimento pode estaacute atrelado a diversos fatores aumento dos registros ampliaccedilatildeo
de unidades especializadas que acomodam serviccedilos PICs mas que natildeo trabalham
com a visatildeo integrativa do sujeito Contudo pode sim indicar um crescimento de
profissionais PICs atuantes no SUS o que sugere aumento do interesse na
formaccedilatildeo PICs ou mesmo insatisfaccedilatildeo com o modelo biomeacutedico base do ensino
formal (MARQUES et al 2012)
Outra questatildeo a ser considerada eacute a aprovaccedilatildeo do Projeto SUS Legal que
contraditoriamente oferece autonomia aos gestores municipais sobre a aplicaccedilatildeo
dos recursos financeiros repassados Extingui-se o condicionamento das aplicaccedilotildees
financeiras por blocos de financiamento Agora o gestor municipal possui
discricionariedade para delimitar em qual modelo de sauacutede iraacute investir natildeo apenas
seguindo as orientaccedilotildees do MS
Apesar de aprendermos com a experiecircncia boliviana (MARTINS 2014) que a
descentralidade eacute necessaacuteria agrave implementaccedilatildeo do modelo originaacuterio do SUS temos
que a reforma implementada pelo Projeto SUS Legal abri tanto a possibilidade de
68
se investir mais num modelo integrativo como de se ampliar as desigualdades e o
utilitarismo quando do investimento na biomedicina
A falta de definiccedilatildeo clara de recursos financeiros para as PICs somados a dita
reforma do Projeto pode entusiasmar os defensores do modelo integrativo de
atenccedilatildeo a sauacutede Visto que os gestores mais sensiacuteveis ao modelo ganham mais
liberdade na aplicaccedilatildeo dos recursos Podem realocar recursos que iriam custear a
atenccedilatildeo alopaacutetica e passar a investir em serviccedilos de PICs por exemplo
Esse entusiasmo pode ser sobressaltado quando observamos os dados desse
estudo que 94 dos gestores municipais manifestam interesse em ofertar serviccedilos
PICs e que 18 dos gestores informam como justificativa para natildeo implantaccedilatildeo de
serviccedilos PICs a Escassez de financiamento sendo a segunda maior prevalecircncia
uma vez que a equaccedilatildeo interesse de gestores municipais mais falta de recurso
indutor somados a essa nova abertura proporcionaria certa janela de oportunidade
Contudo vale refletir sobre o niacutevel de interesse dos gestores sobre as PICs trata-se
de uma priorizaccedilatildeo ou mera aceitaccedilatildeo da convivecircncia dos dois modelos (integral e
biomeacutedico) Considerando as contribuiccedilotildees de Nigenda (2001) o Brasil ainda natildeo
avanccedilou para uma coexistecircncia ou mesmo Integraccedilatildeo entre os modelos e
permanece apenas como tolerante agraves PICs Situaccedilatildeo que dificilmente favorece a
institucionalizaccedilatildeo das PICs no paiacutes
A mudanccedila da tendecircncia ldquotoleranterdquo para uma tendecircncia mais proacutexima da
ldquocoexistecircnciardquo natildeo depende apenas de esforccedilo argumentativo no acircmbito acadecircmico
inclusive os argumentos de que as PICs promovem e recuperam sauacutede jaacute estatildeo bem
estabelecidos na literatura constituindo-se por vezes melhor custo-efetivas (OMS
2013 KOOREMAN amp BAARS 2011) Eacute necessaacuterio um investimento poliacutetico-cultural
que vaacute aleacutem da discussatildeo acadecircmica as decisotildees dos gestores de sauacutede pouco se
apoacuteiam em argumentos teacutecnicos tendo mais importacircncia os argumentos poliacuteticos
Sobre o cenaacuterio de formaccedilatildeo de recursos humanos eacute sabido que a direcionalidade
que as instituiccedilotildees de ensino datildeo a formaccedilatildeo dos profissionais que atuam no setor
sauacutede definem qual modelo de atenccedilatildeo e gestatildeo seraacute aplicado no cotidiano do
cuidado no SUS (CAVALCANTI et al 2014) justo por isso o debate da formaccedilatildeo no
setor eacute recorrentemente forte Nesse sentido com a fundaccedilatildeo dos princiacutepios do
69
sistema torna-se pertinente debater sobre a inadequaccedilatildeo das formaccedilotildees em sauacutede
A integralidade posta como principio coloca em xeque o esquema formativo
baseado na biomedicina (SAMPAIO 2014) e impulsiona o dialogo entorno das
formaccedilotildees em sauacutede
A constataccedilatildeo da inadequaccedilatildeo do processo formativo estimula a inclusatildeo de novas
disciplinas ou mesmo reformas dos curriacuteculos Como afirmam Christensen e Barros
(2008) quanto agrave inclusatildeo da homeopatia nas escolas meacutedicas Contudo o processo
de modificaccedilatildeo ocorre a passos lentos e natildeo consegue acompanhar as demais
atualizaccedilotildees (mesmo que insuficientes) que ocorreram no acircmbito da gestatildeo PICs do
SUS - a exemplo das inclusotildees teacutecnico-normativo-legais e ampliaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
A luta coorporativa pelo loacutecus de atuaccedilatildeo profissional parece impedir a inserccedilatildeo das
PICs nas instituiccedilotildees puacuteblicas de ensino formal Por consequecircncia ocorre a
confluecircncia de dois fatores nuacutemero baixo de profissionais qualificados em PICs e a
busca por aqueles interessados por formaccedilotildees em instituiccedilotildees natildeo formais
Sobre isso encontramos apontamentos explicativos em trabalhos como o de
Marques et al (2012) que investigando o percurso formativo dos profissionais de
PICs do Distrito Federal nos traz o conhecimento que a maioria tem formaccedilatildeo inicial
no ensino formal das escolas de sauacutede e que buscam por iniciativa proacutepria a
formaccedilatildeo em PICs nas instituiccedilotildees de ensino sem reconhecimento formal A
demanda por formaccedilatildeo daacute-se depois de se sentirem impulsionados a tornarem-se
melhores cuidadores das pessoas e do planeta ou mesmo por buscar mudanccedila
interior
A indisposiccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino formais em especial as puacuteblicas implica
em outra questatildeo um tanto pertinente ao debate A formaccedilatildeo em PICs ocorrida em
instituiccedilotildees de ensino natildeo formais inclinam-se a preparar os profissionais para
praacutetica no acircmbito privado caracterizado por atendimento fora da loacutegica do
atendimento compartilhado e em rede proacuteprio do SUS Algo equivalente ao que
vivenciamos na Poliacutetica Municipal de PICs do Recife onde observamos que os
profissionais carecem de esclarecimentos sobre o funcionamento ou mesmo do
sentido poliacutetico pertinente ao SUS
70
Em meio ao preacircmbulo levantado a cima natildeo parece ser por acaso que o principal
empecilho relatado pelos gestores municipais agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs seja
a Escassez de profissionais qualificados - com prevalecircncia (53) O MS parece
consciente e concordante que tal realidade gera grande entrave a
instituicionalizaccedilatildeo das PICs no SUS intenciona o remodelamento do quadro em
voga Vem investindo em formaccedilotildees gratuitas em PICs disponiacuteveis na Comunidade
de Praacuteticas em modalidade EaD Cursos como ldquointrodutoacuterio em antroposofia
aplicada agrave sauacutederdquo e ldquofitoterapia para Agentes Comunitaacuterios de Sauacutederdquo satildeo exemplos
da oferta formativa disponibilizada pelo oacutergatildeo
71
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresentou
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados
Nesse sentido parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa ndash terceiro motivo mais
prevalente Tais instrumentos ainda satildeo insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal
aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos PICs
Relativo ao financiamento pode-se inferir que as formas estabelecidas para as
PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e insuficientes
no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as principais
formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
72
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de futuras estrateacutegias de enfrentamento das barreiras
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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A taxa de resposta para o questionaacuterio online aplicado no AVAPICS apresenta
proporccedilotildees animadoras (29) maior taxa jaacute alcanccedilada se compararmos estudos
relacionados agrave investigaccedilatildeo sobre a oferta de serviccedilos PICs (BRASIL 2014
BRASIL 2015 CHAVES 2015) Poderiacuteamos considerar que a diversidade de
estrateacutegias de coleta possibilitaram o resultado
Quanto agrave taxa de ausecircncia de serviccedilos PICs observa-se que ficam entre 73 e
75 ou seja cerca de 4178 municiacutepios brasileiros natildeo ofertam qualquer serviccedilos
PICs As regiotildees Nordeste e Sudeste apresentaram menor e maior taxa de
ausecircncia respectivamente E na anaacutelise dos Motivos verifica-se que 94 dos
gestores municipais demonstram certo interesse em implantar serviccedilos PICs na sua
rede de sauacutede e que natildeo o fazem por enfrentarem determinados desafios Nesse
sentido o desinteresse ou descrenccedila nos serviccedilos PICs natildeo eacute argumento vigoroso
que justifique a natildeo implantaccedilatildeo no SUS
Os dados quantitativos dos sistemas de informaccedilotildees (BRASIL 2014) e diagnoacutesticos
(BRASIL 2014 CHAVES 2015) assim como os informes (BRASIL 2016 BRASIL
2017) revelam indiacutecios de aumento no processo de institucionalizaccedilatildeo das PICs no
paiacutes contudo natildeo podemos ser taxativo nas afirmativas de que haacute consideraacutevel
crescimento das PICs ou mesmo que esse estaacute atrelado agrave induccedilatildeo da Uniatildeo ou
estados Parece ainda controverso ou prematuro afirmar que os instrumentos
normativo-teacutecnico induzem o crescimento das PICs no SUS ainda mais quando
verifica-se que tal fragilidade ainda eacute bem significativa Tais instrumentos ainda satildeo
insuficientes no auxiacutelio ao gestor municipal aspirante agrave implantaccedilatildeo de serviccedilos
PICs
Por conseguinte pode-se inferir que as formas de financiamento estabelecidas para
as PICs mesmo que numa constante crescente ainda satildeo inadequadas e
insuficientes no incentivo a ampliaccedilatildeo da institucionalizaccedilatildeo das PICs Visto que as
principais formas de contribuiccedilotildees financeiras derivam de pagamento de consultas e
procedimentos que por sua vez constituem formas de custeio e natildeo de incentivo
78
Outra questatildeo conclusiva eacute sobre a formaccedilatildeo de recursos humanos o que implica
diretamente na insuficiecircncia de praticantes integrativos formados O fato pode ser
explicativo para a vultuosa prevalecircncia de gestores que afirmam natildeo implantar
serviccedilos PICs porque falta profissionais qualificados Contudo a situaccedilatildeo pode
revelar a disputa ideoloacutegica entre o saber integrativo e o saber biomeacutedico
As informaccedilotildees aqui levantadas podem explicar em parte o lento processo de
institucionalizaccedilatildeo das PICs no SUS Adicionalmente o trabalho contribui para
anaacutelise e desenvolvimento de estrateacutegias de enfrentamento das barreiras citadas
pelos gestores como impeditivas para implantaccedilatildeo da oferta de serviccedilos PICs
79
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ANEXO
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