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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO GABRIELA BORBA EVANGELISTA A ANÁLISE ECONÔMICA DA REGULAÇÃO DA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO INSTITUÍDA PELO MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ-SAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Recife 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE …...Linha de Pesquisa: Estado, constitucionalização e direitos humanos. Orientador: Professor Doutor Marcos Antônio Rios da Nóbrega

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

GABRIELA BORBA EVANGELISTA

A ANÁLISE ECONÔMICA DA REGULAÇÃO DA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO INSTITUÍDA PELO MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ-SAL

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Recife 2017

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GABRIELA BORBA EVANGELISTA

A ANÁLISE ECONÔMICA DA REGULAÇÃO DA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO INSTITUÍDA PELO MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ-SAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito.

Linha de Pesquisa: Estado, constitucionalização e direitos humanos. Orientador: Professor Doutor Marcos Antônio Rios da Nóbrega

Recife 2017

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Catalogação na fonte Bibliotecário Wagner Carvalho CRB/4-1744

E92a Evangelista, Gabriela Borba A análise econômica da regulação da exploração e produção de petróleo instituída pelo marco regulatório do Pré-sal. – Recife: O Autor, 2017.

122 f.

Orientador: Profº. Drº. Marcos Antônio Rios da Nóbrega. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.

Programa de Pós-Graduação em Direito, Recife, 2017. Inclui referências.

1. Direito Econômico - Brasil. 2. Petróleo – Brasil - Produção. 3. Petróleo

– Indústria e Comércio. 4. Petróleo – Preços – Aspectos Macroeconômicos. 5. Petróleo – Legislação – Brasil. 6. Recursos Naturais – Legislação - Brasil . 7. Petróleo – Regimes Fiscais. I. Nóbrega, Marcos Antônio Rios da (Orientador). II. Título.

343.8107 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2017-32)

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Gabriela Borba Evangelista

“A análise econômica da regulação da exploração e produção de petróleo instituída pelo

marco regulatório do Pré-sal”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Faculdade de Direito do

Recife / Centro de Ciências Jurídicas da

Universidade Federal de Pernambuco como

requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Área de Concentração: Teoria e Dogmática

do Direito.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Antônio Rios da

Nóbrega

A banca examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do

primeiro, submeteu a candidata à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes

termos:

MENÇÃO GERAL: APROVADA

Professor Dr. Edilson Pereira Nobre Júnior (Presidente)

Julgamento: _______________________ Assinatura: _______________________

Professora Drª. Flavianne Fernanda Bitencourt Nóbrega (1ª Examinadora externa/UFPE)

Julgamento: _______________________ Assinatura: _______________________

Professor Drª. Luciana Grassano de Gouvêia Melo (2ª Examinadora interna/UFPE)

Julgamento: _______________________ Assinatura: _______________________

Recife, 23 de fevereiro de 2017.

Coordenadora Prof. Dr. Juliana Teixeira Esteves

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AGRADECIMENTOS

A quantidade de pessoas às quais gostaria de agradecer por todo apoio, ajuda, amizade

e dedicação ao longo de dois anos de mestrado inviabilizariam por completo um texto sucinto

como os agradecimentos devem ser. Logo, irei concentrá-los nas pessoas que viram os meus

rabiscos se transformarem em letras, as letras formarem palavras, que se organizaram em

textos e, por fim, levaram à conclusão desta dissertação; meus queridos pais, Fernanda e

Francisco, os melhores exemplos de retidão, honestidade e dedicação que qualquer pessoa

poderia ter.

Ainda, não seria justo não expressar os meus agradecimentos a outro modelo de ser

humano, de quem tomei os livros, a paciência, os prestimosos conselhos e as orações: a

Professora Bruna Estima Borba, minha querida tia Bruna.

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RESUMO

O trabalho aqui apresentado tem como objetivo estudar as inovações introduzidas pelas leis

12.276/2010, 12.304/2010 e 12.351/2010 na regulação das atividades de exploração e

produção de petróleo à luz da perspectiva da Análise Econômica do Direito, estabelecendo os

custos e benefícios resultantes das mudanças implementadas por este conjunto normativo. Em

sendo o Direito um instrumento ordenador da Economia, empregado pelo Estado com o

intuito de provocar alterações concretas nas relações e atividades dos agentes econômicos e se

apresentando a indústria do petróleo como um setor considerado estratégico para a segurança

energética nacional, sendo amplamente regulado, cumpre reconhecer a importância da análise

dos incentivos lançados por meio das ferramentas e conceitos existentes na ciência econômica

no estudo das alterações na regulação da exploração e produção de petróleo pelas leis que

foram conjuntamente denominadas de marco regulatório do Pré-sal. Isso porquanto, as

atividades de exploração e produção se revelam determinantes para toda a cadeia de produção

dos derivados de petróleo, posto que garantem o fornecimento de matéria-prima cujo preço e

disponibilidade variam em razão de fatores geológicos, políticos e econômicos.

Palavras-chave: Análise Econômica do Direito. Pré-sal. Marco regulatório. Petróleo.

Regulação.

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ABSTRACT

The work here presented aims to study the innovations introduced by the laws 12.276/2010,

12.304/2010 and 12.351/2010 in the regulatory framework of oil exploration and production

activities by the perspective of Law and Economics, establishing the costs and benefits

resulting from the changes implemented by this normative set. Since Law is an instrument to

order Economy, used by the State with the purpose of provoking concrete changes in the

relations and activities of the economic agents, and as the oil industry is considered to be

strategic for national energy, being widely regulated, it is necessary to recognize the

importance of analyzing the incentives introduced through the tools and concepts in economic

science in the study of changes in the regulation of oil exploration and production by the laws

that have been jointly called the Pre-salt regulatory framework. This is due to the fact that

exploration and production activities are determinant for the entire oil production chain, since

they guarantee the supply of raw materials whose price and availability vary due to

geological, political and economic factors.

Keywords: Law and Economics. Pre-salt. Regulatory framework. Oil. Regulation.

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SIGLAS E ABREVIAÇÕES

AED Análise Econômica do Direito AGU Advocacia Geral da União ANP Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Boe Barril de Óleo Equivalente BP British Petroleum CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CNOOC China National Offshore Oil Company CNP Conselho Nacional de Petróleo CNPE Conselho Nacional de Política Energética CNPC Corporação Nacional de Petróleo da China DNPM Departamento Nacional de Produção Mineral E&P Exploração e Produção EIA U.S. Energy Information Administration EPE Empresa de Pesquisa Energética LTF Letras Financeiras do Tesouro MME Ministério de Minas e Energia OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo PIDV Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário PGFN Procuradoria Geral da Fazenda Nacional PPSA Pré-sal Petróleo S.A. SGMB Sistema Geológico e Mineralógico Brasileiro VLT Veículo Leve sobre Trilhos

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9

2 BREVES NOÇÕES SOBRE A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO NO BRASIL E NO MUNDO ............................................................................................................................. 13 2.1 A INDÚSTRIA MUNDIAL DO PETRÓLEO ................................................................. 14 2.1.1 O NASCIMENTO DA INDÚSTRIA PETROLÍFERA ..................................................... 14 2.1.2 A CONSOLIDAÇÃO DA INDÚSTRIA MUNDIAL DO PETRÓLEO E SEU PROTAGONISMO GEOPOLÍTICO ..................................................................................... 20 2.1.3 A CRIAÇÃO DA OPEP E OS CHOQUES E CONTRACHOQUES DO PETRÓLEO ...... 25 2.1.4 O PETRÓLEO NO SÉCULO XXI ................................................................................. 26 2.2 O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO NO BRASIL .................. 28 2.2.1 AS PRIMEIRAS AUTORIZAÇÕES E REGIMES DE EXPLORAÇÃO NO BRASIL ........ 29 2.2.2 A CRIAÇÃO DA PETROBRAS E O MONOPÓLIO ESTATAL ....................................... 34 2.2.3 A FLEXIBILIZAÇÃO DO MONOPÓLIO E A LEI DO PETRÓLEO .............................. 37 2.2.4 O MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ SAL ................................................................... 41

3 A ABORDAGEM ECONÔMICA NA REGULAÇÃO DO SETOR DE E&P DE PETRÓLEO NO BRASIL ................................................................................................. 49 3.1 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: DESENVOLVIMENTO E CONCEITO ..... 52 3.2 APLICAÇÃO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: CONCEITOS ADOTADOS

E MÉTODO ......................................................................................................................... 59 3.2.1 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS DA MICROECONOMIA .......................................... 60 3.2.2 O MÉTODO APLICADO NA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO .......................... 66 3.3 A JUSTIFICATIVA PARA ANALISAR A REGULAÇÃO DA EXPLORAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO SOB O VIÉS ECONÔMICO. ..... 70 3.3.1 A INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO ........................................ 72 3.3.2 EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO NO BRASIL: REGULAÇÃO E INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO ............................................................................... 74 3.3.3 O PAPEL ESTRATÉGICO DA CADEIA UPSTREAM NA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO ............................................................................................................................................ 78

4 A ANÁLISE ECONÔMICA DAS NORMAS DE E&P DE PETRÓLEO NO MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ-SAL ....................................................................................... 80 4.1 AS LEIS 12.276/2010, 12.304/2010 E 12.351/2010 E AS INOVAÇÕES APLICADAS À

EXPLORAÇÃO NO PRÉ-SAL. ........................................................................................... 82 4.1.1 O CONTRATO DE CESSÃO ONEROSA E CAPITALIZAÇÃO DA PETROBRAS .......... 84 4.1.2 A CRIAÇÃO DA PPSA E A GESTÃO DOS CONTRATOS DE PARTILHA DE PRODUÇÃO E DE COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO, GÁS E DEMAIS HIDROCARBONETOS FLUIDOS ....................................................................................... 87 4.1.3 OS CONTRATOS DE PARTILHA DE PRODUÇÃO ..................................................... 90

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4.2 AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ............................................................................................................................................ 96 4.2.1 COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS DE CONTRATO DE CONCESSÃO E PARTILHA DE PRODUÇÃO ............................................................................................... 97 4.2.2 OS INCENTIVOS PROVOCADOS NO MERCADO .................................................... 101 4.2.3 OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO ENVOLVIDOS .......................................................... 106 4.2.4 A EFICIÊNCIA DO NOVO MODELO ....................................................................... 109 4.2.5 OS RESULTADOS AVERIGUADOS ATÉ O MOMENTO ........................................... 111

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 114

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 118

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1 INTRODUÇÃO

O setor petrolífero possui há décadas posição destacada na legislação brasileira, sendo

objeto de intervenção estatal pela sua reconhecida importância política, econômica e social. O

primeiro instrumento normativo no ordenamento jurídico brasileiro criado para regulamentar

especificamente a indústria do petróleo foi editado na década de 30 do século passado, por

meio do Decreto-lei nº 395. Em 1953 foi estabelecido o monopólio da União sobre o setor

petrolífero, exercido por meio da sociedade de economia mista Petróleo Brasileiro S/A, a

Petrobras, que veio a ser flexibilizado apenas 42 anos depois, pela Emenda Constitucional nº

9/1995.

O Estado, portanto, flexibilizando o seu monopólio, permite que outras empresas

possam atuar no setor, auferindo lucros e concorrendo com a estatal. A lei que disciplina as

atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo, gás natural e demais hidrocarbonetos

fluidos, bem como refino de petróleo, exportação, importação, transporte pela via marítima e

por meio de conduto dos derivados destes hidrocarbonetos, mencionadas pela emenda, é a Lei

nº 9.478/1997, conhecida por Lei do Petróleo, que não apenas regula o modo de atuação das

concessionárias, ou seja, da iniciativa privada no setor, como também criou a Agência

Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, Agência Reguladora à qual

foram atribuídas as funções de regulação, contratação e fiscalização das atividades

econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis.

O Brasil conseguiu alcançar, por meio da exploração de campos em águas profundas,

uma posição confortável quanto à sua independência de importações de petróleo, ainda que

suas jazidas fossem consideradas de risco, pelo fato das perfurações de poços não terem uma

alta taxa de êxito, nem suas bacias se mostrarem altamente produtivas. Ademais, a capacidade

de refino brasileira é direcionada para tipos de petróleo mais leves, menos viscosos, enquanto

o petróleo brasileiro é mais pesado, o que implica dizer que, por mais que se produza e até se

exporte petróleo, ainda há necessidade de importação de óleo no país.

Contudo, o século XXI trouxe um novo cenário para a economia brasileira, com a

descoberta de grandes reservas localizadas na chamada área do Pré-sal, cujas jazidas possuem

altas chances de êxito na perfuração e grande potencial produtivo, além de apresentar um

petróleo mais leve e com menor teor de enxofre do que o encontrado nas demais bacias

brasileiras. Altera-se, portanto, o cenário dessa indústria que possui papel determinante na

economia de qualquer país: não apenas as novas reservas de petróleo passam a ser um

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investimento mais seguro como o Brasil ganha potencial para figurar entre as nações de

grande potencial petrolífero.

Em resposta a essa nova realidade, foram editadas as leis nº 12.276/2010, 12.304/2010

e 12.351/2010, que autorizam a cessão onerosa do exercício das atividades de pesquisa e lavra

de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos à Petrobras, permitindo sua

capitalização, a criação da empresa pública Empresa Brasileira de Administração de Petróleo

e Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que tem como principal escopo gerir os

contratos de partilha de produção, a alteração do modelo de contrato de concessão para

contratos de partilha de produção em áreas do Pré-sal e demais áreas consideradas

estratégicas, além da criação de um Fundo Social ao qual se destinará parcela considerável

dos recursos estatais obtidos em função da exploração de petróleo. Este conjunto de leis foi

conhecido como o marco regulatório do Pré-sal.

Verifica-se uma alteração profunda nas estruturas de regulação da indústria petrolífera:

há aumento da interferência estatal sobre a produção de petróleo e gás, tendo em vista que

uma empresa pública passa a gerir os contratos de partilha de produção firmados entre Estado

e empresas exploradoras, contratos estes que determinam não apenas que o óleo extraído dos

poços pertence à União (diferentemente, portanto, dos contratos de concessão). O conjunto

normativo mencionado estabelecia ainda, em sua redação original, um consórcio necessário

entre a estatal Petrobras e qualquer empresa que viesse a vencer o certame licitatório para a

exploração de campos localizados no Pré-sal, atuando a estatal como operadora das atividades

desempenhadas, estando tal disposição revogada.

As atividades de exploração e produção – E&P - se revelam como o ponto mais

sensível da cadeia, posto que o fornecimento constante e a preços relativamente baratos é

essencial para que os produtos finais, fontes de energia amplamente empregadas no mundo

inteiro, sejam viáveis, uma vez que seu consumo ocorre em larga escala. Contudo, em razão

de serem as reservas de petróleo distribuídas de maneira desigual entre os países, o petróleo é

empregado como ferramenta política, sendo a oferta e preço elevados ou depreciados de

forma artificial, influenciados especialmente pelas nações que concentram a maior parte das

jazidas mundiais.

O papel estratégico do petróleo no cenário político e econômico global é discutido no

primeiro capítulo deste trabalho, no qual é feita uma progressão histórica da evolução da

indústria petrolífera no Brasil e no mundo. São abordadas ainda as principais características

do setor, que tem como especificidade sua integração vertical, inerente à viabilidade do

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próprio negócio. Neste contexto, será possível compreender como o petróleo, ao assumir a

posição do combustível empregado nos motores de combustão interna, criou uma

infraestrutura própria, o que faz com que os combustíveis derivados de óleo sejam de difícil

substituição em escala e a curto prazo. Ademais será possível compreender a indústria

petrolífera como essencial para o desenvolvimento de outros setores econômicos, se

posicionando como tema prioritário em questões de segurança energética.

No Brasil, o setor de petróleo é um campo dentro do domínio econômico amplamente

influenciado pelo Estado, que desde o surgimento dessa indústria no país, vale-se do aparato

jurídico, editando normas para desenvolver, organizar e regular as atividades do setor,

buscando atender ao interesse público. O arcabouço normativo regulador busca incentivar os

agentes econômicos o que, não raro, tem consequências concretas neste domínio, ainda que os

efeitos sejam diversos daqueles esperados pelo legislador no momento em que editou as

normas.

Assim, considerando-se que as normas jurídicas que regulam o setor petrolífero

manifestamente buscam ter influência sobre o domínio econômico, como é o caso das leis nº

12.276/2010, nº 12.304/2010 e nº 12.351/2010, para auferir os seus efeitos e aproximar-se da

realidade, faz-se necessário analisar tais dispositivos por meio dos instrumentos e ferramentas

disponíveis na ciência econômica. Esta sistemática que busca observar o direito pelas lentes

fornecidas pela economia, é conhecida como Análise Econômica do Direito - AED, corrente

desenvolvida nos Estados Unidos na segunda metade do século XX e que atingiu grande

repercussão no mundo.

A AED ou o Direito e Economia, é objeto de discussão no segundo capítulo, no qual é

exposto o desenvolvimento dessa vertente de pensamento, sua conceituação, sendo também

apresentados conceitos de microeconomia úteis ao processo de análise, bem como a

metodologia aplicada ao caso, justificando-se, por fim a utilização do Direito e Economia

como método de análise das leis que conjuntamente formam o marco regulatório do Pré-sal.

Por fim, no terceiro e último capítulo, são apresentadas as alterações promovidas pelas

leis em apreço, bem como é traçado um paralelo entre as disposições nelas contidas e as

trazidas na Lei do Petróleo, que regula os contratos de concessão firmados entre União e

concessionário, sendo possível estabelecer a relação entre os custos e os benefícios gerados

pela implementação do marco regulatório sob a perspectiva estatal, analisando-se os

incentivos provocados, os custos de transação e as externalidades envolvidas.

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Ainda, serão incluídas no estudo as alterações à lei 12.351/2010, impostas pela lei

13.365/2016, que a altera, excluída a obrigatoriedade da Petrobras de participar de todos os

consórcios formados para a exploração do Pré-sal, o que impacta na análise dos efeitos da lei

12.304/10 e, especialmente, a lei 12.351/2010.

No que concerne aos contratos de partilha de produção atualmente em vigor, apenas

um foi celebrado no país, em dezembro de 2013, cujos efeitos são de difícil precisão, uma vez

que o objeto da licitação, o Campo de Libra, ainda se encontra na fase de exploração. No

entanto, é possível estabelecer uma análise sopesando os impactos positivos e negativos

envolvidos na adoção do marco regulatório editado em 2010.

A Análise Econômica do conjunto formado pelas supracitadas leis, mostra-se como

um meio hábil a estabelecer os custos e benefícios suportados em razão da alteração

legislativa, uma vez que se consideram, para tanto, as consequências econômicas impostas aos

agentes.

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2 BREVES NOÇÕES SOBRE A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO NO BRASIL E NO MUNDO

O uso do petróleo pelo homem se inicia séculos antes da sua utilização em escala

mundial, havendo registro de sua aplicação como impermeabilizante de embarcações,

remédios e tratamentos medicinais, bem como a utilização de asfalto na construção de

estradas séculos antes de se ter notícia do primeiro poço ser perfurado1. Pode-se dizer que

houve na antiga Mesopotâmia e algumas regiões do Oriente Médio uma primitiva indústria do

petróleo, que, apesar de rudimentar, tinha importância significativa.

No entanto, apesar de ser um material conhecido por diversas civilizações e povos em

diferentes regiões a ela desde tempos remotos, a história do petróleo como matéria prima

crucial no desenvolvimento da humanidade só se inicia a partir da segunda metade do século

XIX, estando antes a sua utilização restrita a locais em que aflorava naturalmente à

superfície2.

A partir de então, a busca pelo “ouro negro” e o desenvolvimento de atividades a ela

relacionadas passaram a ter gigantesco impacto econômico e social em todas as nações do

globo, afetando tanto países de baixo desenvolvimento quanto as maiores economias

mundiais. O petróleo está presente como a fonte de energia mundial mais importante do

século XX e a expectativa é que essa tendência seja mantida pelas próximas décadas do

século XXI.

Ainda que surjam energias alternativas, renováveis ou não, o petróleo é matéria prima

de diversos subprodutos e materiais obtidos por meio de química fina, como plásticos, tintas,

solventes, lubrificantes. Ainda que haja significativa mudança na matriz energética mundial, o

petróleo se mantém como elemento essencial de uma cadeia econômica extremamente

rentável.

Em razão da complexidade representada pela cadeia de setores da indústria petrolífera,

e dos reflexos que a elevação ou baixa dos preços do barril de petróleo impõem direta e

indiretamente tanto a outros setores industriais quanto aos consumidores individuais, faz-se

necessário, antes de qualquer digressão acerca das leis e normas que regem essa atividade no

1 O uso do petróleo em antigas civilizações é retratado na Bíblia Sagrada. Passagens do Êxodo relatam o uso de betume e barro pela mãe de Moisés para impermeabilizar a arca que deixou às margens do rio, onde pôs seu filho, um bebê de três meses, para que escapasse do destino decretado pelo Faraó: a morte (Êxodo 2:3). O betume nada mais é do que um derivado de petróleo encontrado na natureza, tendo se desenvolvido no Egito Antigo, em aproximadamente 1.500 A. C., onde teve enredo na história da infância de Moisés. 2 MAUGERI, Leonardo. The age of oil: the mythology, history and future of the wold’s most controversial resource. Westport: Praeger, 2006. p.3.

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Brasil, nos debruçar sobre essa indústria tão poderosa, que possui forte influência no mercado,

motivou guerras e representou a fortuna e falência de tantos.

2.1 A INDÚSTRIA MUNDIAL DO PETRÓLEO

Há aproximadamente 150 anos sendo comercializados em escala, o petróleo e seus

derivados têm feito parte da história da humanidade. Inicialmente por meio do querosene,

óleo utilizado para iluminar casas e locais públicos e, em seguida, a gasolina e o diesel, que

permitiram a popularização do motor a combustão interna. O petróleo está basicamente em

todos os objetos e elementos que fazem parte da vida moderna, seja como componente de um

utensílio de plástico ou como o combustível que empregado no transporte do alimento que é

servido à mesa. É necessário um breve estudo sobre o desenvolvimento da indústria

petrolífera para que seja possível compreender a dependência de toda a sociedade moderna

dessa matéria prima.

2.1.1 O NASCIMENTO DA INDÚSTRIA PETROLÍFERA

A indústria do petróleo tem seus contornos modernos delineados pelo seu surgimento,

nos Estados Unidos, a partir da segunda metade do século XIX. Inicialmente, o óleo cru

obtido em pequenas quantidades era utilizado para fins medicinais3, e como óleo para

iluminação e lubrificante. Contudo, não tinha suas propriedades e usos difundidos,

especialmente por ser encontrado apenas em locais específicos, em quantidade não abundante,

além de apresentar muitos resíduos. O óleo manteve-se subexplorado até que, em 1854,

George H. Bissel, ao tomar conhecimento desta matéria prima, ficou impressionado com suas

possibilidades comerciais4.

Bissel fundou a primeira petrolífera dos Estados Unidos, a Pennsylvania Rock-Oil

Company, tendo enviado amostras de petróleo para o Professor Benjamin Silliman, da

Universidade de Yale, para estudo. Prof. Silliman confirmou, em 1955, o entusiasmo de

Bissel com aquele recurso tão inexplorado, constando, em sua análise, que aquela matéria

3 No início do século XIX, o petróleo que aflorava à superfície era utilizado como medicamento universal, notadamente nos estados de Kentucky, Ohio, Virgínia Ocidental e Pensilvânia. Ainda, o petróleo era prospectado juntamente com água salobra em minas de sal, por vezes em quantidades tão grandes que inviabilizavam a produção de sal, tendo muitas salineiras sido abandonadas. Em 1840, Samuel M. Kier, proprietário de algumas salineiras passou a retirar petróleo, engarrafá-lo e comercializá-lo por todo o país como produto medicinal, conhecido como Kier’s Petroleum ou Rock-Oil. 4 TARBELL, Ida M. The History of the Standard Oil Company. Vol I. Nova Iorque: Cosimo, 2009. p. 6-7.

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prima poderia ser transformada em vários subprodutos valiosos por meio de um processo

químico simples e de baixo custo5.

Uma vez confirmada a utilidade e o valor do óleo, era necessária a comprovação de

que aquele recurso poderia ser extraído em larga escala, viabilizando sua comercialização e de

seus derivados no mercado. Apenas três anos após o estudo de Silliman, uma companhia

chamada Seneca Oil Company investiu na busca por petróleo. Contratado pela empresa,

Edwin L. Drake, conhecido historicamente como Coronel Drake, foi à cidade de Titusville, no

estado da Pensilvânia e conseguiu, após meses de tentativas frustradas, perfurar o primeiro

poço de petróleo, utilizando-se da estrutura de uma antiga mina de sal6.

Rapidamente, a prospecção de petróleo se transformou em um negócio altamente

visado por aqueles que buscavam fortuna. Em poucos anos, o óleo obtido a partir do processo

de refino se tornou o principal combustível para a iluminação de casas e locais públicos e o

petróleo, a principal fonte de energia dos Estado Unidos7.

A prospecção em escala comercial de petróleo fez com que toda uma logística

industrial se desenvolvesse em prol desse novo mercado. Em pouco tempo, foi criada uma

infraestrutura que possibilitava o armazenamento, transporte, refino e distribuição do óleo

prospectado. No ano de 1861 a primeira refinaria americana iniciou suas operações e, naquele

mesmo ano, os primeiros barris de petróleo dos Estados Unidos foram exportados por meio de

um cargueiro que partiu da Filadélfia com destino a Londres. Em 1845, foi finalizado o

primeiro oleoduto bem-sucedido, que se estendia por seis quilômetros e tinha a capacidade de

transportar 500 barris por dia8.

Desde seu nascimento, a instabilidade da produção e a imprevisibilidade do sucesso

dos investimentos em prospecção revelam-se como fator de alto risco para aqueles que atuam

no setor petrolífero, devendo-se considerar ainda que, por se tratar de atividade que envolve

elementos altamente inflamáveis e maquinário pesado, os acidentes eram bastante comuns. As

oscilações frequentes do preço eram causadas principalmente pela exploração descontrolada

dos campos de petróleo por produtores iniciantes, que, ignorando o potencial das lavras e

buscando rapidamente sucesso financeiro, faziam com que a oferta fosse superior à demanda,

5 Ibidem. p. 7. 6 Ibidem. p. 8-10. 7 Ibidem, p. 10. 8 MAUGERI, Leonardo. 2006, p. 5.

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ocasionando a queda significativa dos preços9. Muitos dos que buscavam fazer fortuna

explorando petróleo foram à bancarrota10.

Essa primeira fase do que viria a ser a indústria mundial do petróleo é marcada,

portanto, pela corrida ao ouro negro na região do petróleo (the Oil Region), no estado da

Pensilvânia, e pela exploração de jazidas sem planejamento ou conhecimento geológico, o

que levava ao rápido esgotamento das reservas, sem que houvesse o máximo aproveitamento

dos poços perfurados, nem o desenvolvimento das técnicas de exploração, produção,

transporte, refino e distribuição. Estas atividades nasceram de forma muito rudimentar,

aproveitando-se de estruturas e utilidades empregadas em outras indústrias11, e,

especialmente, tinham por característica a ausência de integração entre os elos da cadeia que

compõem a indústria petrolífera12.

Foi nesse contexto de instabilidade e alta flutuação de preços que John D. Rockefeller

ingressou na indústria petrolífera, mais precisamente no ano de 1862, quando ele, à época

sócio em uma empresa que operava fretes nas docas de Cleveland ao lado de Maurice B.

Clark, iniciou, juntamente com Samuel Andrews, uma pequena refinaria. O negócio teve

grande sucesso e, em 1865, Rockefeller vendeu seu quinhão na empresa de fretes e investiu o

dinheiro obtido na refinaria, o que marcou o início do maior império petrolífero da história13.

A Rockefeller foi legada a administração do negócio, o que o obrigou a lidar com

transportadores, os fornecedores de óleo cru, os distribuidores dos produtos do refino e todos

os demais liames da cadeia econômica industrial14. Segundo Leonardo Maugieri, na visão de

Rockefeller, o mercado do petróleo estava condenado pela competição caótica e ignorante

9 Segundo Leonardo Maugeri (ibidem, p.5), a legislação americana, que já há época consagrava o regime de acessão, que persiste até os dias atuais, foi outro fator que contribuiu para que a exploração se desse de forma tão exagerada. Neste regime, o proprietário do solo o é também do subsolo e de todas os bens e riquezas nele encontrados. A liberdade conferida pela exploração privada desse recurso natural fez surgir um cenário de rápida dilapidação das reservas americanas. Em contrapartida, já na década de 1920, foram estabelecidas políticas nacionais para garantir o suprimento do mercado doméstico e a preservação das jazidas americanas (BERCOVICI, 2011. pp.71-73). Os regimes de exploração do solo serão tratados de forma mais detalha no decorrer do trabalho. 10 MAUGERI, Leonardo. 2006. p. 6. 11 Como mencionado anteriormente, o primeiro poço de petróleo perfurado pelo Coronel Drake, em Titusville, prospectou petróleo por meio de um mecanismo semelhante aos utilizados pelas salineiras, que captavam água salobra do subsolo para que dela pudesse se extrair sal. Os barris inicialmente utilizados para armazenar e transportar o óleo cru prospectado eram os que estavam disponíveis no mercado, empregados no estoque de terebintina, melaço, uísque (TARBELL, Ida M, 2009. p. 12). 12 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al. Economia da Energia, fundamentos econômicos, evolução histórica e organização industrial – Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. 13 TARBELL, Ida M. 2009. p. 42-43. 14 Ibidem, p. 43.

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promovida por aventureiros que desconheciam seus custos de operação e os valores de

mercado, o que fazia com que seus negócios se tornassem inviáveis15.

A aversão de John Rockefeller ao desperdício, desorganização e aos intermediários o

impulsionou a, gradativamente, eliminar a delegação da prestação de determinados serviços a

terceiros e fazê-los por conta própria: comprando o óleo cru diretamente dos produtores,

construindo seus próprios barris para armazenagem, vendendo todo o tipo de resíduo ou

material descartado no processo de refino de petróleo16.

Rockefeller entendia que a concorrência criada pelos agentes do mercado petrolífero

não apenas não era saudável para o setor como era extremamente negativa, sendo a melhor

solução para esse cenário a supressão da concorrência. De modo a extingui-la, Rockefeller

passou a aglutinar todas as estruturas do chamado setor downstream17: oleodutos, rotas de

transporte, refinarias, tendo em seu controle todas as atividades existentes entre o produtor de

petróleo e o consumidor final18.

Em 1870 foi fundada a Standard Oil Company, no estado de Ohio, resultado da união

de todas as empresas das quais John Rockefeller era sócio, consolidando sua atuação no

refino, transporte e venda de petróleo. Em 1873, a Standard Oil havia comprado praticamente

todas as refinarias existentes na cidade de Cleveland19, em Ohio20. As ambições de

Rockefeller, no entanto, não se limitavam a dominar o refino de óleo cru. Ao longo dos anos,

por meio de acordos comerciais, a Standard Oil adquiriu propriedades e estoques de petróleo,

garantindo significativa parcela do mercado na compra, transporte, refino e venda de petróleo

e seus derivados21.

15 MAUGERI, Leonardo. 2006. p. 6-7. 16 TARBELL, Ida M, 2009. p. 43. 17 O autor Leonardo Maugieri neste contexto engloba na cadeia downstream as atividades de transporte, refino comercialização e distribuição, sendo o setor upstream referente às atividades de exploração e produção; contudo, nos Estados Unidos, é comum a classificação atual da cadeia upstream da indústria do petróleo abarcando a exploração e produção, a cadeia midstream representada pelo processamento, estocagem e transporte, e a downstream se referindo ao refino, distribuição e comercialização (BNDES, Relatório I: Regimes Jurídicos-regulatórios e contratuais de E&P de Petróleo. 1ª Ed. Bain & Company e Tozzini Freire Advogados, São Paulo, 2009. p 129). 18 MAUGERI, Leonardo. 2006. p. 7. 19 Nos meses de fevereiro e março de 1972, das vinte e seis refinarias de petróleo existentes na cidade de Cleveland, vinte e duas foram adquiridas pela Standard Oil. Essa medida agressiva e rápida tomada pela empresa foi conhecida como “o massacre de Cleveland”. Há de se frisar que, além da compra de refinarias, Rockefeller implementou acordos com indivíduos que promoviam o refino de forma independente para que houvesse um teto da produção, garantindo-lhes, para tanto, uma certa lucratividade, diminuindo a produção da Standard Oil em momentos de superprodução, garantindo a estabilidade de preços. Aqueles que se opunham à estratégia de Rockefeller eram facilmente excluídos do mercado (MAUGERI, Leonardo. 2006. p. 8). 20 BACON, Raymond Foss. HARMOR, William Allen. The American Petroleum Industry. Vol I. McGraw-Hill Book Company Inc: Nova Iorque, 1916. p. 260. 21 Idem, p. 260.

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Pouco a pouco a prevalência da Standard Oil Company no mercado, alavancada pela

ambição e habilidade nos negócios de seu fundador, se tornava inegável. A empresa passou a

dominar operações do poço ao posto, tendo, em 1879, representado o controle de

aproximadamente 90 a 95% do mercado petrolífero americano22, formando um monopólio23

no qual a Standard Oil passou a operar em todas as atividades que compõe a cadeia do

petróleo, de forma verticalizada e integrada, gerenciando trinta e três empresas que atuavam

na produção, transporte, refino e distribuição24.

O truste25 comandado pela Standard Oil no setor petrolífero integrava todas as cadeias

do setor produtivo em todo o território americano, fazendo da empresa uma price maker, ou

seja, tinha um amplo controle dos preços dos produtos no mercado, já que poderia controlar a

oferta. O amplo domínio da Standard Oil ainda impedia a entrada de novas empresas no

mercado, fazendo com que não fosse possível se desenvolver um ambiente concorrencial26.

Em 1890, após forte pressão popular, especialmente por parte dos agricultores27, foi

editado o Sherman Act, considerado como um marco para o mecanismo de defesa e regulação

da concorrência, tendo inspirado mudanças legislativas em vários outros países28. O ato, que

22 COSTA, Maria D’Assunção. Comentários à lei do petróleo: lei federal nº 9.478, de 6-8-1997.2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 12. 23 Monopólio, nas palavras de Fábio Nusdeo, “corresponde a uma situação em que apenas uma pessoa ou uma empresa se apresenta como a vendedora de um dado produto” (NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao direito econômico. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 273). A autora Maria D’Assunção Costa atribui à Standard Oil o título de monopólio natural, que, novamente, por definição de Fábio Nusdeo, “corresponde na maioria das vezes a uma atividade na qual os custos de produção fixos, representados sobretudo pela maquinaria, instalações e base territorial são desproporcionalmente elevados em relação aos custos variáveis, correspondentes principalmente a matérias primas, energia e mão de obra.[...] Seriam pois as próprias condições estruturais-tecnológicas desses setores a impedirem a sua organização em regime de concorrência.” (NUSDEO, Fábio. 2009. p. 274). Posteriormente, o monopólio representando pela Standard Oil foi fracionado e passou a operar, pelo menos em tese, a livre concorrência no mercado, uma vez que as empresas originadas dessa cisão estariam competindo entre si e com as poucas empresas que não integravam o conglomerado erguido por Rockefeller – como, por exemplo, a Texaco. O fato de a concorrência entre empresas petrolíferas se mostrar viável, ou seja, as condições estruturais e tecnológicas da indústria permitirem a competição, não afasta a caracterização do império de Rockefeller como um monopólio natural, posto que as condições iniciais da indústria petrolífera mostravam um cenário muito diferente daquele encontrado décadas depois, especialmente no que concerne aos aspectos tecnológicos e de demanda. 24 COSTA, Maria D’Assunção, 2009. p. 12. 25 O truste encabeçado pela Standard Oil foi estabelecido no ano de 1882, para contornar a legislação americana, que não autorizava a compra de empresas sediadas em outros estados da federação (MAUGERI, Leonardo. 2006. p. 10). O truste é caracterizado por Modesto Carvalhosa “pela transferência de capitais e valores econômicos de uma determinada pessoa física ou jurídica, que tem como objetivo gerir e administrar aqueles valores e capitais; exerce esta última o papel de agente fiduciário, o trustee, cabendo-lhe, com plena autonomia, aplicar tais valores da melhor forma, no interesse do agenciador. Ao trustee cabe a direção, de maneira uniforme, do conjunto de negócios que lhe são confiados” (CARVALHOSA, Modesto. Poder Econômico: a fenomenologia – Seu disciplinamento jurídico. In: FORGINONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 73). 26 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al. 2007. p. 62 27 FORGINONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 4. ed. rev., atual. e ampl. Pão Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. pp. 75-77. 28 Ibidem. p. 62.

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possuía disposições muito abrangentes, proibia o truste, bem como qualquer outro contrato ou

acerto que restringisse o comércio entre os estados da federação ou com outras nações, sendo

visto como um meio hábil a permitir o combate de práticas que limitavam o mercado e

consolidavam monopólios29.

Após a edição do Sherman Act, iniciou-se uma batalha judicial movida pelo Governo

Federal dos Estados Unidos contra a Standard Oil. Pouco mais de duas décadas depois, a

Suprema Corte americana determinou, no ano de 1911, a dissolução do monopólio, sendo

originadas trinta e três empresas30, dentre as quais muitas viriam a integrar o cartel da

indústria mundial de petróleo conhecido como as Sete Irmãs, formado por sete das maiores

empresas de petróleo do planeta – Exxon, Royal Dutch-Shell, British Petroleum, Gulf Oil,

Chevron, Mobil Oil e Texaco31.

É necessário frisar que a necessidade por energia, o que move a indústria do petróleo

até os dias atuais, é marcada na história por eventos que representam a evolução tecnológica

da humanidade. Se em meados do século XIX a revolução industrial exigia que se enxergasse

após o pôr do sol, fazendo a iluminação artificial, e, consequentemente, o querosene,

essenciais à vida moderna, em 1882 uma nova invenção alteraria este cenário.

Naquele ano, Thomas Edison fez a primeira apresentação pública da lâmpada

elétrica32, no entanto, em razão de necessitar de uma ampla infraestrutura que pudesse

democratizar o seu uso, o querosene manteve-se por décadas como principal fonte de

iluminação doméstica. Contudo, ainda que a indústria petrolífera produzisse diversos

subprodutos, como parafina, óleos lubrificantes e solventes, a queda no consumo de seu

principal produto teria grande impacto no segmento se não fosse o advento e produção em

larga escala de outra inovação tecnológica: os motores de combustão interna33.

O aperfeiçoamento e ampla utilização dos motores consolidou o petróleo como o

combustível do século XX. O lançamento do célebre Ford T, em 1908, criado por Henry

Ford, popularizou os automóveis e fez crescer de forma acelerada a demanda por combustível.

Gasolina e óleo diesel passaram a ser amplamente utilizados em automóveis, aviões e

embarcações. O domínio sobre recursos petrolíferos evidenciou-se como questão de

29 KALES, Albert M. The Sherman Act. Harvard Law Review, Vol. 31, nº. 3, Chicago, Jan., 1918, pp. 412-446. p. 412. 30 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al. 2007. p. 62. 31 SOUZA, R. B. L; SOUZA, N. J.; FLORISSI, S. A indústria petrolífera na visão da Nova Economia Institucional: o caso de Petróleos de Venezuela (PDVSA). Revista de Economia, Porto Alegre, v.34, n.1 (ano 31), p. 101-107, jan./jun. 2007. Editora UFPR. pp. 103. 32 MAUGERI, Leonardo. 2006. p. 19. 33Idem. pp. 19-20.

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segurança nacional e de estratégia geopolítica, especialmente após a Primeira Guerra

Mundial, na qual tanques de guerra, alimentados por combustível derivado de petróleo, teriam

papel decisivo nos combates34. Gasolina, diesel e nafta passaram a superar o querosene e se

tornaram os principais produtos derivados35.

Ademais, com o avanço de tecnologias, a expansão do consumo em escala mundial, a

aceleração do processo de globalização e a necessidade de reduzir distâncias, basicamente

todos os setores gradativamente passaram a depender, em maior ou menor grau, da

disponibilidade de combustível no mercado. A garantia do fornecimento de petróleo passou a

representar fator determinante na economia de qualquer país, o que garantiu grande poder às

empresas petrolíferas e fez com que as relações entre elas e os governos nacionais se

tornassem extremamente complexas.

Entre as décadas de 1910 e 1920 tanto Estados quanto grandes empresas, notadamente

dos Estados Unidos e potências europeias, passaram a disputar reservas de petróleo no

Oriente Médio, tendo, posteriormente, também se voltado para regiões como Ásia e América

Latina36. A presença de grandes companhias exploradoras de recursos petrolíferos em todo o

planeta teve notável impacto na geopolítica mundial.

2.1.2 A CONSOLIDAÇÃO DA INDÚSTRIA MUNDIAL DO PETRÓLEO E SEU PROTAGONISMO GEOPOLÍTICO

A Indústria Mundial do Petróleo consolidou no século XX o seu poder, influenciando

diretamente políticas e decisões tomadas por governos. O poder das grandes empresas

petrolíferas era, e ainda hoje é, inegável.

Cabe destacar que, apesar de John D. Rockefeller, a Standard Oil e suas herdeiras

terem marcado a história da Indústria Mundial do Petróleo, não foram os únicos

protagonistas. Robert e Ludwig Nobel, irmãos de origem sueca, passaram a atuar no setor em

1880, suprindo o mercado europeu com petróleo extraído da região de Baku, atualmente parte

do Azerbajão37.

34 COSTA, Maria D’Assunção, 2009. pp. 14-15. 35 Em 1899, o querosene representava 64% dos produtos derivados do refino de petróleo nos Estados Unidos. Apesar deste produto ter mais do que dobrado suas vendas entre 1899 e 1917 e ainda existirem 20 milhões de lâmpadas alimentadas por querosene nos Estados Unidos, a partir do início do século XX, combustíveis passaram a superá-lo em importância (JONES, Geoffrey. The State and the emergence of the British Oil Industry. Londres: Mcmillan Press Ltd., 1981. p. 4). 36 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al, 2007. p. 65. 37 Ibidem, p. 64.

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Em 1903 a empresa britânica Shell Transport, comandada por Marcus Samuel, homem

que idealizou o primeiro navio-tanque moderno para transportar petróleo e derivados – o qual

iniciou operações em 189238 - uniu-se à Royal Dutch Petroleum Company, originando a

Royal Ducth Shell, que, após ganhar espaço em mercados antes dominados pela Standard Oil

of New Jersey – empresa herdeira da Standard Oil – controlava, em 1918, 75% da produção

petrolífera mundial, excluindo-se nesse percentual o mercado americano39.

Outra companhia que escreveu a história moderna do petróleo é a Anglo-Persian Oil

Company, atualmente conhecida por British Petroleum – BP. Em 1901, foi concedida a

William Knox D’Arcy, um empresário irlandês que seria, futuramente, acionista da Anglo-

Persian, a concessão de uma vasta área do antigo Império Persa, atual Irã, pelo período de

sessenta anos para a exploração de óleo, na condição de pagamento inicial de quarenta mil

libras e pagamentos anuais referentes a 16% do lucro da empreitada e royalties fixados em 4

shillings de ouro por cada tonelada de óleo vendido. Ademais, o empreendimento

impulsionado por D’Arcy teria isenção de qualquer imposto por parte das autoridades persas.

Esse modelo de contrato foi empregado por décadas nas concessões feitas no Oriente

Médio40.

Os interesses da empresa foram ao encontro das necessidades do Governo Britânico

quando, em 1914, a petrolífera estava à beira da falência em razão dos baixos preços do

petróleo à época e da construção de um oleoduto. Em uma operação orquestrada por Winston

Churchill, o Reino Unido adquiriu 51% da empresa pelo valor de dois milhões e duzentas mil

libras, tornando-se acionista majoritário41.

A compra da maior parte da Anglo-Persian foi motivada pela mudança empreendida

pela marinha britânica que, a partir de 1913, passou a utilizar navios movidos a combustível

derivado de petróleo, e não mais carvão. O principal entusiasta da conversão foi o à época

Comandante do Almirantado britânico, Churchill, que, ao se deparar com a superioridade dos

navios movidos a petróleo sobre os tradicionais navios impulsionados a carvão, concluiu que

a soberania britânica nos oceanos só seria possível por meio da adoção da nova tecnologia42.

O Reino Unido foi o primeiro país a se adaptar à nova realidade trazida pela era do

petróleo, especialmente por abandonar uma matriz energética sobre a qual possuía domínio, o

carvão, para adotar uma matriz cuja matéria prima lhe era escassa, sendo o seu suprimento

38 MAUGERI, Leonardo. 2006. p. 12. 39 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al, 2007. p. 64. 40 MAUGERI, Leonardo. 2006. p.17. 41 Ibidem, p. 24. 42 Ibidem, pp. 22-23.

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garantido por empresas ou outras nações. Os temas relativos à independência energética,

representada pelo domínio de jazidas de petróleo, segurança nacional e poder mundial

estavam contidos nos discursos de Churchill proferidos ao Parlamento Britânico buscando a

aprovação de suas propostas43.

As preocupações de Churchill não se mostraram isoladas. Ao longo da I Guerra

Mundial, a incerteza acerca da longevidade das reservas de petróleo nacionais passou a ser

discutida nos Estados Unidos, à época o maior produtor mundial. Em 1916 iniciou-se uma

pesquisa no Senado americano que concluiu que os campos de petróleo dos Estados Unidos

chegariam à exaustão em 25 anos, segundo as previsões mais otimistas. Em 1919, o chefe do

Departamento de Pesquisas Geológicas previu que o petróleo americano se esgotaria em nove

anos a contar daquela data44.

Apoiadas pelos seus respectivos Estados, as grandes petrolíferas americanas e

britânicas acirraram a disputa por mercado e especialmente pelo domínio das jazidas

existentes no mundo. O avanço de tecnologias de transporte e refino, além do constante

crescimento da demanda por gasolina e diesel fizeram a Indústria Mundial do Petróleo cada

vez mais globalizada. Nesse cenário, passou a ser perceptível entre as grandes empresas a

necessidade de organizar o crescimento do setor, sendo o controle sobre a produção de óleo

cru essencial para evitar excesso de oferta no mercado e a guerra de preços45.

O controle sobre a produção de óleo cru foi possível por meio da definição dos

direitos de propriedade e controle sobre reservas de petróleo no Oriente Médio, o sistema de

concessões, e a adoção por parte das grandes empresas petrolíferas – majors – de ajustes de

produção e oferta de produtos coordenadas entre si, formando um oligopólio e evitando

formas prejudiciais de concorrência, implicando na formação de consórcios46.

A exemplo da concessão feita a William Knox D’Arcy no Irã, os contratos nessa

natureza firmados entre Estados e empresas petrolíferas geralmente abrangiam grande parte

do território nacional, quando não a sua totalidade, com duração que se estendia por mais de

cinco décadas, podendo ter período de execução previsto por 75 anos, e royalties e eventuais

43 Ibidem, pp. 24. Leonardo Maugeri traz, em sua obra, trecho de discurso proferido por Churchill em 1913 perante o Parlamento Britânico no qual afirma: “If we cannot get oil, we cannot get corn, we cannot get cotton and we cannot get a thousand and one commodities necessary for the preservation of the economic energies for the Great Britain”. 44 Ibidem, p. 25. 45 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al, 2007. p. 65 46 Idem, p. 66.

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impostos sobre a renda47 calculados de acordo com a produção de petróleo, sobre a qual

apenas a empresa concessionária possuía controle. Este arranjo garantia às operadoras das

concessões total controle sobre a produção e a estabilidade de operações, posto que as

cláusulas contratuais impediam alterações unilaterais por parte do Estado hospedeiro e

vedavam a entrada de concorrentes no mercado48.

Se as concessões regulavam as relações entre empresas de petróleo e Estados, os

consórcios e associações – consortia – foram idealizados para ajustar as relações entre as

empresas, principalmente no que concerne à produção de petróleo cru, que é fator

determinante nos demais elos da cadeia. O marco desse tipo de organização foi o

estabelecimento da Iraq Petroleum Company, um consórcio que reunia empresas americanas e

europeias e consolidou a presença de petrolíferas americanas no Oriente Médio, tendo sido

ainda referência para outras associações e consórcios deste tipo na indústria. O mesmo

consórcio antecipou a formação do Cartel das majors da Indústria Mundial do Petróleo49.

O já mencionado Cartel Internacional conhecido como as Sete Irmãs, nasceu de uma

reunião realizada no Castelo de Achnacarry na Escócia, em 1928, cujas diretrizes iniciais

foram aprofundadas em novos acordos firmados nos anos de 1930, 1932 e 1934, visando o

ajustamento de produção do petróleo cru e de seus derivados, fixando preços e condições de

venda, além de estabelecer cotas de produção e condições para ingresso de outros players no

mercado50.

Da mesma forma que John Rockefeller buscou eliminar a concorrência e, para tanto,

formou um monopólio que controlava toda a cadeia da indústria petrolífera nos Estados

Unidos, as Sete Irmãs passaram a fazer o mesmo em escala global, tendo obtido controle

sobre recursos naturais vitais de vários países. Na década de 50, as grandes petrolíferas

dominavam 65% das reservas de petróleo nos países não socialistas e eram responsáveis por

mais de 50% de sua produção de óleo51.

Como já exposto, o papel determinante que o petróleo passou a desempenhar ganhou a

atenção dos governos nacionais. Garantir estabilidade no fornecimento da matéria prima e

seus derivados já na primeira metade do século XX era uma prioridade para as nações de

grande poder econômico, havendo um incentivo a criação de empresas petrolíferas nacionais.

47 Em alguns casos, como o da concessão feito pelo Império Persa a D’Arcy, que foi operado pela British Petroleum, o concessionário poderia estar isento do imposto sobre a renda. 48 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al, 2007. p. 66. 49 Ibidem. p. 66. 50 Ibidem, p. 67. 51 Ibidem, p. 68.

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Esta nacionalização voltada para o petróleo não se limitou aos países desenvolvidos,

mas também a nações de menor desenvolvimento. Além da noção de dependência do

petróleo, o domínio das grandes multinacionais petrolíferas sobre as reservas de óleo e gás de

países hospedeiros incentivaram movimentos nacionalistas em todo o globo, sendo os que

ocorreram nos países produtores os que mais afetaram a Indústria Mundial do Petróleo.

Exemplos destes movimentos foram a já citada aquisição das ações majoritárias da

Anglo-Persian Oil Company pelo governo da Grã-Bretanha, em 1914, a criação da petrolífera

estatal francesa Compagnie Française des Pétroles, em 1924 e a regulação do mercado interno

americano empreendido por Roosevelt durante o Neal Deal, por meio do controle da produção

interna e da importação de petróleo. Dentre os países em desenvolvimento que adotaram

ainda no começo do século XX políticas nacionalistas voltadas para a indústria do petróleo

podemos citar a criação da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales – YPF, na Argentina52 e a

nacionalização das jazidas mexicanas em 193853 com a subsequente criação da Petróleos

Mexicanos – PEMEX54.

É necessário frisar aqui a importância de movimentos nacionalistas na América Latina

iniciados na década de 30 e seus reflexos nas políticas nacionais voltadas para a indústria

petrolífera, especialmente no que concerne ao regime de produção de petróleo. Além da

experiência mexicana, no Brasil foi criado, também em 1938, o Conselho Nacional do

Petróleo. Na Venezuela, se iniciou o processo de revisão das concessões feitas em território

venezuelano a partir de 1935, que resultou na edição de nova Lei do Petróleo venezuelana em

194355.

O pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado pela intensificação dos movimentos

nacionalistas em todo o planeta e pela gradual perda de controle do Cartel Internacional sobre

a Indústria Mundial do Petróleo, ainda que fosse um mercado em plena expansão. O

nascimento de novas estatais, a internacionalização de minors americanas, o mercado europeu

abrindo-se ao petróleo russo e o surgimento de novos países produtores, como Nigéria e

52 Ibidem, p. 68. 53 O caso mexicano foi bastante emblemático; por décadas o regime jurídico no México seguia o modelo acessionista, assim como os Estados Unidos, o que atraiu grande número de empresas, muitas delas americanas, a investir e explorar petróleo no país. Ocorre que, em razão de reviravoltas políticas e um crescente sentimento de que os recursos naturais nacionais deveriam ser revertidos em benefícios para a população, o México passou, gradativamente, a demonstrar uma posição hostil frente às empresas petrolíferas internacionais, tendo, em 1917, sido reestabelecida a propriedade estatal sobre aos recursos naturais existentes no subsolo, culminando na expropriação dos campos de petróleo localizados em território mexicano. Apenas em 1947 houve pagamento de indenização às empresas que tiveram campos expropriados (PIRES, Paulo Valois. A evolução do monopólio estatal do petróleo. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2000, pp 44-45). 54 COSTA, Maria D’Assunção, 2009, p. 17. 55 PIRES, Paulo Valois, p. 46.

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Indonésia, foram fatores que contribuíram para a gradativa retração do domínio das Sete

Irmãs56.

2.1.3 A CRIAÇÃO DA OPEP E OS CHOQUES E CONTRACHOQUES DO PETRÓLEO

No entanto, um evento mostrou-se talvez como o mais marcante na Indústria Mundial

do Petróleo na segunda metade do século XX. Foi criada em 1960 a Organização dos Países

Exportadores de Petróleo – OPEP, instituição destinada a defender os interesses das nações

produtoras e garantir, em um curto prazo, a estabilização do preço do barril de petróleo, que

experimentava sensível queda em razão do aumento de sua oferta no mercado. A organização

é tida como um símbolo de afirmação da soberania das nações produtoras sobre seus próprios

recursos naturais57. Inicialmente composta apenas pela Arábia Saudita, Kuait, Iraque, Irã e

Venezuela, a OPEP conta atualmente com 15 países membros58.

A OPEP garantiu aos países produtores de petróleo em desenvolvimento controle

sobre a produção e preço do óleo cru, além do aumento dos ganhos governamentais havidos

em razão da atividade petrolífera. Este controle permitiu que o petróleo passasse a ser um

mecanismo político utilizado pelos integrantes da OPEP, tendo sido pela primeira vez

acionado em 1973, quando, durante a Guerra do Yom Kippur, os países árabes, maioria na

organização, comunicaram a redução em 5% das exportações aos países que garantissem

apoio à Israel no conflito contra o Egito. O aumento da tensão na região fez com que os países

produtores elevassem o preço do barril, que antes do conflito estava cotado a 2,90 dólares,

chegando ao patamar de 11,65 dólares. No ano seguinte, a OPEP passou a adotar

comportamento cartelizado, promovendo reuniões trimestrais visando o ajuste de preços59.

O aumento artificial dos preços nos anos de 1973 e 1974 foi conhecido como Primeiro

Choque do Petróleo e teve como consequência a queda no consumo de derivados de petróleo

que estava em pleno crescimento à época, além de ter estimulado a busca pela diversificação

das fontes energéticas, especialmente as renováveis, uma vez que a preservação do meio

ambiente era uma pauta que rapidamente ganhava espaço nas discussões internacionais60.

56 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al, 2007. pp. 72-73. 57 PIRES, Paulo Valois, p. 86. 58 Além dos membros fundadores, uniram-se à OPEP: o Qatar, em 1961; Indonésia e Líbia, ambos em 1962; Emirados Árabes, em 1967; Algéria, em 1969; Nigéria, em 1971; Equador, em 1973; Gabão, em 1975; Angola, em 2007, e, por fim, a Guiné Equatorial, em 2017. 59 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz et al, 2007. p. 77 60 Ibidem, p. 77.

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Em 1976, o mercado havia se adaptado aos patamares de preço lançados pela OPEP e

o consumo apresentava-se em curva ascendente novamente, estabilidade que seria abalada por

novos conflitos na região do Oriente Médio, desta vez, entre membros da própria organização.

O Segundo Choque do Petróleo ocorreu no decorrer dos anos de 1977 e 1978, motivada pela

desvalorização do dólar – que, por ser a moeda de cotação do barril de petróleo, implicava na

desvalorização da commodity – e pelos conflitos bélicos entre Iraque e Irã, dois dos maiores

produtores de petróleo do mundo. A produção iraniana sofreu vertiginosa queda em poucos

meses, chegando a interromper as exportações em dezembro de 1978. No ano de 1980, o

preço do barril atingiu o patamar de 30 dólares61.

Apesar de uma aparente homogeneidade, os principais países exportadores de petróleo

cartelizados em torno da OPEP não formavam uma unidade sólida. Isso porquanto nações

com maiores reservas e menos dependentes economicamente das exportações possuíam uma

ideia distinta acerca do direcionamento econômico a ser perpetrado pela organização do que

aquele imaginado pelos países com reservas mais limitadas e grande dependência das

exportações de petróleo. Após 1982, os preços do petróleo começaram a cair, sendo contidos

pela atuação da Arábia Saudita como swing producer, reduzindo a sua produção, posto que

foi abandonado em 1985, causando uma sensível queda do preço do barril, o chamado contra-

choque do petróleo62.

2.1.4 O PETRÓLEO NO SÉCULO XXI

O poder da OPEP foi se diluindo em um cenário mundial em que países de menor

representatividade no mercado petrolífero passaram a investir em políticas de valorização da

produção nacional, como Brasil, México, Noruega e Grã-Bretanha63, apesar de manter-se

como player de grande poder de influência e por ter controle sobre a maior parte das reservas

mundiais64.

Observando-se a variação do preço do barril de petróleo ao longo dos anos65, é

possível perceber uma certa estabilidade entre os anos de 1983 e 2000, sendo pontuais

61 Ibidem, p. 78-79. 62 Ibidem, p. 80-81. 63 Ibidem, p. 85. 64 COSTA, Maria D’Assunção, 2009, p. 17. 65 O órgão do Departamento de Energia do Governo Federal norte-americano responsável pelo levantamento estatístico, análise e divulgação de dados relativos a energia, U.S Energy Information Administration – EIA, disponibiliza em seu sítio oficial na rede mundial de computadores o valor diário do barril de petróleo no mercado desde 4 de abril de 1983 até a presente dada. Disponível em: <https://www.eia.gov>. Acesso em: 15 set, 2016.

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momentos de queda ou pico extremados. Após um período de preços relativamente baixos, o

preço do petróleo volta a subir, alavancado pelo aumento do consumo norte-americano e

chinês, chegando a ultrapassar os 145 dólares por barril em junho e julho de 2008. Essa

exponencial elevação de preços é seguida por alarmante queda, fazendo com que houvesse

uma desvalorização de mais de 100 dólares em poucos meses.

A razão para a nova queda da commodity foi a crise econômica que assolou o mundo

em 2008, iniciada nos Estados Unidos, ocasionando desaceleração no crescimento de grandes

consumidores de energia, tendo por consequência a sensível redução na demanda por petróleo

e seus derivados. Respondendo à nova realidade dos preços, a OPEP novamente interferiu na

relação entre oferta e demanda e promoveu cortes na produção, reduzindo no primeiro

trimestre de 2009 a sua produção em 2 milhões de barris por dia em comparação com a

produção do trimestre anterior66.

Após relativa estabilidade de preços, tendo o barril do petróleo sido cotado em médias

anuais que variaram entre 79 e 98 dólares ao longo dos anos de 2010 a 2013, a partir do

segundo semestre de 2014 iniciou-se novo período de queda, levando os preços para

patamares inferiores aos 30 dólares por barril. O elemento que influenciou a depreciação do

preço foi a produção americana de petróleo de xisto, que teve crescimento impulsionado em

201167 e gradativamente passou a ser uma fonte de energia viável e competitiva. A decisão da

OPEP em não reduzir produção68, juntamente com a queda da demanda na China e Europa69,

fez com que os preços continuassem em queda até meados de 2016, apresentando, a partir de

então, indícios de recuperação.

Apesar de ser um bem primário que tem sua cotação diária auferida no mercado

internacional, não se pode considerar o petróleo uma simples commodity. Gilberto Bercovici

aponta o petróleo como uma strategic commodity, essencial para a implementação de políticas

66 OPEC Annual Report 2009, p. 7. 67 A produção de petróleo de xisto nos Estados Unidos experimentou um acelerado crescimento, passando uma produção praticamente inexistente em 2006 a atingir 1,5 milhões de barris por dia no final de 2012. Ademais, foram descobertas enormes formações geológicas de petróleo de xisto em território americano, conhecidas pelos nomes de Bakken-Three Forks, Eagle Ford e Permian Basin, o que poderia significar a viabilidade do crescimento de uma indústria de petróleo de xisto. (MAUGERI, Leonardo. The shale oil boom: a U.S. phenomenon. Discussion Paper 2013-05, Belfer Center for Science and International Affairs, Harvard Kennedy School, junho de 2013, p. 3). 68 A produção de petróleo de xisto em escala comercial se iniciou há apenas uma década, enfrentando os problemas estruturais de um segmento ainda em desenvolvimento aliados a desafios tecnológicos da exploração de recursos naturais, e encontrou um break-even point elevado em seu início que, no entanto, era viável diante dos altos preços do petróleo convencional. O desenvolvimento da indústria de produção de petróleo de xisto foi tornando-se gradualmente mais eficiente e seu break-even point mais baixo (ibidem, p. 14), no entanto, os baixos preços do petróleo deixaram o petróleo de xisto pouco competitivo no mercado e inviabilizaram boa parte dos investimentos. 69 OPEP Annual Report 2014, p. 27

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de segurança energética de qualquer Estado e que não tem seu preço determinado pela livre

concorrência de mercado, mas é diretamente influenciado por fatores políticos, destacando-se

que a maior parte da produção e das reservas de óleo se concentram em uma região de grande

instabilidade70.

O desenvolvimento da indústria petrolífera aqui exposta revela que, ainda que o preço

do óleo cru – que é fator determinante nos preços de seus derivados – seja resultado de uma

relação entre a oferta no mercado e a demanda mundial, essa relação é diretamente

influenciada por fatores que são alheios aos princípios da livre concorrência, como cartéis,

decisões políticas, programas nacionais. O atual cenário mundial revela que os preços do

barril de petróleo são artificialmente manipulados pelos países produtores, que baseiam suas

decisões não apenas em questões econômicas, mas também políticas.

A garantia de fornecimento de energia a preços acessíveis a um mercado interno se

mostra essencial para o crescimento de qualquer economia, e o petróleo, mesmo havendo uma

tendência global de diversificação de fontes de energia e constante busca de substituição do

uso de combustíveis fósseis, continua sendo a principal matriz energética mundial. O valor de

se possuir reservas de petróleo não se pode medir apenas por meio dos preços fixados

internacionalmente, posto que o domínio sobre esse recurso representa independência frente à

conjuntura geopolítica mundial.

O Brasil acompanhou juntamente com o resto do mundo o desenvolvimento da

indústria petrolífera e a influência de seus derivados na vida moderna. O país desenvolveu a

exploração de óleo cru por iniciativa pública e declarou, em 2003, ter atingido a

autossuficiência em petróleo, pouco depois anunciado a descoberta de grandes jazidas

localizadas na camada pré-sal, o que poderia fazer dele um relevante exportador. Para que

sejam analisadas com propriedade as alterações jurídicas que se seguiram à descoberta, é

necessário ter uma visão unificada do desenvolvimento da indústria no país.

2.2 O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO NO BRASIL

A indústria petrolífera no Brasil possui grande protagonismo no desenvolvimento do

país, não apenas pelos vultosos valores que circulam pela sua cadeia produtiva como também

pela importância energética que a matriz representa. Sua evolução histórica se inicia com

70 BERCOVICI, Gilberto. Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais. São Paulo: Quartier Latin, 2011, pp. 49-50.

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tímidas pesquisas exploratórias do estado da Bahia, em 196471, e culmina com a exploração

de petróleo em alto-mar, em campos de profundidades totais superiores a 5.000 metros,

perfurando-se camadas de sal de mais de 2.000 metros72.

Para fins didáticos, analisaremos no presente tópico a evolução da indústria do

petróleo no Brasil identificando quatro momentos distintos: o período de pesquisas e

exploração iniciais até o ano de criação da Petrobras, por meio da Lei nº 2.004 de 03 de

outubro de 1963, época em que se inicia o monopólio estatal da produção e exploração de

petróleo, empreendidas pela empresa, e é flexibilizado a partir de 1997, com a edição da Lei

9.478, de 06 de agosto do mesmo ano, que inicia o terceiro período, quando surgem os

contratos de concessão. O último marco temporal adotado é a edição das leis 12.276, de 30 de

junho de 2010, 12.304, de 02 de agosto de 2010 e 12.351, de 22 de dezembro de 2010, que

promoveram grandes mudanças regulatórias no setor, sendo a principal delas a instituição dos

contratos de partilha de produção na exploração do Pré-sal e demais áreas estratégicas.

Esta linha temporal adota como parâmetros marcos jurídicos, buscando demonstrar a

relação entre movimentos políticos, oscilações do mercado internacional, a descoberta de

jazidas nacionais e a edição de leis regulamentando o setor.

2.2.1 AS PRIMEIRAS AUTORIZAÇÕES E REGIMES DE EXPLORAÇÃO NO BRASIL

A história da indústria do petróleo no Brasil tem início na segunda metade do século

XIX, ainda na vigência do segundo reinado, quando o Governo Imperial autorizou a

exploração para lavrar turfa, petróleo e afins ao inglês Thomas Denny Sargent, por meio de

decreto73. A permissão para o desenvolvimento de tais atividades, na Província da Bahia, foi

concedida pelo prazo de 90 anos74.

Além deste decreto, há registro de outras concessões ou autorizações imperiais

permitindo a exploração, dentre outras substâncias, de petróleo, nas Províncias de São Paulo,

Maranhão e Santa Catarina. Contudo, tais permissões tinham a exploração de óleo como uma

atividade coadjuvante, estando voltadas para a exploração de produtos como xisto e carvão,

além de gás utilizado na iluminação75.

71 PINHO, Cláudio A. Pré-sal – História, Doutrina e comentários às leis. Belo Horizonte: Editora Legal, 2010. p. 20. 72 MORAIS, José Mauro de. Petróleo em águas profundas: uma história tecnológica da Petrobras na exploração e produção offshore. Brasília: Ipea: Petrobras, 2013. p. 242. 73 PIRES, Paulo Valois, p. 15. Trata-se do Decreto nº. 3.325 – A, datado de 30 de novembro de 1864. 74 BERCOVICI, Gilberto. P. 67. 75 Ibidem, p. 67.

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Estava em vigor no Brasil o sistema regalista ou feudal para a exploração de

minérios76, consagrado pela Constituição Imperial de 1824, no qual a extração do recurso

mineral era feita diretamente pelo Estado ou por terceiro, que pagava ao Estado valor variável

ou não, determinado por contrato de concessão previamente ajustado77. Havia-se dado

continuidade ao regime estabelecido pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas em vigor no

Brasil Colônia, que previam a distinção entre propriedade do solo e do subsolo.78 O

explorador do subsolo não tinha apenas o direito exploratório como também passava a ser

proprietário de tudo quanto fosse encontrado no subsolo79.

À época do primeiro decreto imperial que autorizou a exploração de petróleo no

Brasil, nos Estados Unidos já havia produção em escala comercial do recurso, como retratado

no tópico anterior. Apesar do sucesso no norte do continente americano, no Brasil o petróleo

manteve-se longe de ser uma indústria consolidada por décadas, ainda que já importasse

querosene desde 197180.

A experiência americana, no entanto, repercutiu no regime de exploração do subsolo

no Brasil. A Constituição Republicana de 1891 introduziu no país o sistema de acessão

aplicado nos Estados Unidos, determinando, em seu art. 72, §17, que as minas pertenciam ao

proprietário do solo. Ao mesmo tempo em que se garantia a propriedade da mina, impunha-se

uma restrição, posto que o dispositivo constitucional consagrava a possibilidade de

desapropriação em caso de necessidade ou utilidade pública.

Foi sob esse novo regime de exploração que ocorreu a primeira expedição com a

finalidade específica de prospectar óleo, no ano de 1892. Fleury da Rocha, após perfurar o

subsolo a uma profundidade de aproximadamente 488 metros, foi capaz de extrair dois barris

de petróleo no estado de São Paulo. Na época, não havia no país efetiva produção comercial

de petróleo, no entanto, foram mapeadas áreas de bacias sedimentares onde, posteriormente,

foi confirmada a presença de petróleo.81.

76 Apesar de não se tratar o petróleo de um minério, uma vez que tem sua origem em matéria orgânica, o regime de exploração de jazidas minerais se mostra importante, uma vez que dispõe sobre o subsolo. 77 O sistema regalista foi positivado no país por meio das Ordenações Manuelinas, datadas de 1514, dispondo, em seu Tílulo 25, §15, Livro 2, que os veeiros de ouro e prata, bem como qualquer outro metal eram direito da Coroa Portuguesa. As Ordenações Filipinas, organizadas em 1603, mantiveram tais determinações, acrescentando ainda, a possibilidade de atribuir o direito de propriedade do subsolo a particulares. 78 PIRES, Paulo Valois, pp. 14-15. 79 BRAGA, Luciana Palmeira. Pré-sal – Individualização da produção e contratos internacionais de petróleo. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 65. 80 DIAS, José Luciano de Mattos; QUAGLINO, Ana Maria; A questão do Petróleo no Brasil: uma história da PETROBRAS. Rio de Janeiro: CPDOC: PETROBRAS, 1993. p 38. 81 PINHO, Cláudio A. p. 20.

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Apesar de ter o Estado Brasileiro se distanciado da influência que exercia sobre o

subsolo com a vigência da Constituição de 1891, cria-se em 1907 o Serviço Geológico e

Mineralógico do Brasil (SGMB), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura que tinha

como principal finalidade empreender pesquisas com o escopo de encontrar jazidas de óleo82.

O petróleo, no entanto, ainda não era considerado uma questão de interesse nacional. Esse

posicionamento seria revertido com a Revolução de 1930, que buscou romper com a política

oligarquista e agrária que dominava o país83.

Na década de 30, o petróleo havia se consolidado mundialmente como matéria-prima

estratégica para a segurança nacional, exercendo papel determinante em conflitos bélicos e

essencial para o desenvolvimento industrial de qualquer nação. Cumpre ressaltar que forte

presença de correntes nacionalistas na América Latina deu respaldo à busca por

independência econômica no Brasil84. Em 1934, o domínio das riquezas do subsolo pelo

Estado voltou a ser instituído legal e constitucionalmente. Em 10 de julho daquele ano foi

editado o Código de Minas que, em seu art. 4º, determinou que a propriedade do subsolo

estava apartada da propriedade do solo e transferiu o domínio de todas as riquezas do subsolo

ainda não exploradas à União85. A Constituição de 1934, promulgada 6 dias depois do Código

de Minas, pôs fim definitivamente ao sistema acessionista, instituindo o sistema dominial de

propriedade86. O petróleo era, enfim, reconhecido como um bem estratégico e que necessitava

de tutela estatal, não podendo sua administração ser legada a particulares87.

Ainda em 1934 foi criado o Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM,

órgão também vinculado ao ministério da agricultura e que tinha como atribuições a execução

de trabalhos e pesquisas necessários à exploração de lavras, realização de estudos sobre

minérios, minerais, combustíveis e outras substâncias, emissão de pareceres sobre os pedidos

de autorização e concessão das lavras, bem como a fiscalização da pesquisa e lavra de jazidas

minerais88. Note-se que, apesar da regulação sobre eventuais jazidas de petróleo ser de

competência do DNPM, não havia uma política específica para tratar de petróleo, havendo

sequer distinção entre a atividade mineraria, que explora, por óbvio, minérios, da atividade

petrolífera, que explora uma riqueza orgânica, representada pelos hidrocarbonetos.

82 COSTA, Maria D’Assunção, p. 28. A 83 BERCOVICI, Gilberto, p. 90-91. 84 PIRES, Paulo Valois, p. 43. 85 BERCOVICI, p. 92-93. 86 Assim prescrevia o artigo 118 da Constituição de 1934: As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. 87 PIRES, Paulo Valois, p. 35. 88 Ibidem, p. 42-42.

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A Constituição de 1937 consolidou o nacionalismo econômico que havia sido

desencadeado no início daquela década e que possuía prioridade nas políticas do governo de

Getúlio Vargas, que tratava o desenvolvimento da indústria petrolífera como estratégico para

o país. O posicionamento político e ideológico do governo à época propagava o domínio

estatal sobre os recursos naturais, havendo fortes restrições a sua exploração por estrangeiros.

A Constituição de 37, que manteve o sistema dominial reinaugurado pela constituição

anterior, determinava que a exploração de minas seria conferida apenas a brasileiros ou a

empresas constituídas por acionistas brasileiros89.

O Conselho Nacional do Petróleo - CNP, criado por meio do Decreto-lei nº 395 de

abril de 1938, tratou-se da primeira política brasileira voltada especificamente para a

regulação das atividades industriais petrolíferas, tendo o órgão, originalmente vinculado

diretamente à Presidência da República, passado a integrar o Ministério de Minas e Energia -

MME em 1960. O CNP tinha por competência a regulação da importação, exportação,

transporte, distribuição e comércio de petróleo e seus derivados, bem como o refino de

petróleo nacional ou estrangeiro no país, ou seja, regulava toda a atividade relativa à indústria

do petróleo existente no Brasil. Ainda, o supracitado decreto declarava de utilidade pública as

atividades reguladas pelo CNP90.

Em continuidade às tendências nacionalistas e intervencionistas da Era Vargas e sob

influência do contexto da Segunda Guerra Mundial, foi editado o Decreto-lei nº 3.236, em

1941, conhecido como Código de Petróleo, que instituiu o domínio imprescritível da União

sobre jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional. A exploração de

tais jazidas necessitava de prévia autorização pelo Poder Público, consubstanciada no CNP,

que teria poderes para, inclusive, limitar a produção de petróleo dos poços perfurados.

Ademais, prescreveu ainda o Código de Petróleo que a União teria a faculdade de reservar

zonas presumidamente petrolíferas, dentre as quais não seria possível a outorga de

autorizações para pesquisa e lavra91.

O crescente protagonismo de políticas voltadas para a indústria petrolífera era reflexo

do processo de industrialização nacional, visando especialmente indústrias de bens

intermediários, que havia se iniciado na década de 30, e que demandava que a precária

infraestrutura brasileira de transporte e energia se modernizasse para atender às suas

necessidades. Após a Segunda Guerra Mundial, a indústria brasileira alavancou o consumo de

89 Ibidem, p. 43-49. 90 COSTA, Maria D’Assunção, pp. 30-31. 91 PIRES, Paulo Valois, p. 54-55.

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energias modernas, refletindo em um crescimento anual de 14% no consumo de carvão,

derivados de petróleo e energia hidrelétrica no período entre 1944 e 195592.

Apesar dos esforços empreendidos em direção à regulação da exploração de petróleo e

das demais atividades que envolvem sua cadeia industrial, o consumo brasileiro dependia da

importação de derivados, realizada basicamente por empresas estrangeiras. Esta situação não

apenas importava numa situação de vulnerabilidade frente às petrolíferas internacionais, como

também pressionava a balança comercial brasileira negativamente93. Em 1943, apenas 1% do

consumo nacional de petróleo era suprido por poços administrados pelo CNP, que havia

também fracassado em estimular a implantação de refinarias nacionais94.

A preocupação com o desenvolvimento de uma indústria petrolífera nacional possuía

amplo espaço entre os militares. Um dos nomes mais marcantes na história do petróleo no

Brasil é o do General Horta Barbosa, que havia sido presidente do CNP e que defendia a

nacionalização integral e o monopólio estatal sobre as atividades petrolíferas desenvolvidas

no país e popularizou o célebre slogan “o petróleo é nosso”, que propagava a ideia de que

uma riqueza natural como o petróleo deveria beneficiar os brasileiros95.

Esse movimento nacional surgiu em oposição a uma corrente que buscava o

desenvolvimento da indústria do petróleo por meio da participação estrangeira. Essa tendência

está refletida na Carta de 1946, que não mais vedava a participação de empresas com

acionistas estrangeiros nas atividades de exploração do subsolo, exigindo apenas que tais

empresas fossem organizadas segundo as leis nacionais96. Outro esforço empreendido no

sentido de tornar o país mais amistoso à participação internacional foi a tentativa de editar o

“Estatuto do Petróleo”, projeto de lei que previa a participação de capital estrangeiro em

atividades da cadeia petrolífera, apoiado por Juarez Távora. Os defensores do Estatuto

atribuíam à carência de tecnologia e de recursos financeiros a ausência de êxito em

desenvolver uma indústria nacional, especialmente na pesquisa e exploração de jazidas de

petróleo97.

O “Estatuto do Petróleo” não logrou êxito e consolidou-se a corrente nacionalista, a

partir da edição da Lei nº 2.004 de 1953, instrumento jurídico que introduziu uma política

nacional do petróleo no Brasil e estabeleceu o monopólio da União sobre a pesquisa e lavra de

92 PINTO JÚNIOR, Helder Queiroz, p. 107. 93 Idem, p.107. 94 PIRES, Paulo Valois, p. 60. 95 COSTA, Maria D’assunção, p. 33. 96 Idem, p. 33. 97 PIRES, Paulo Valois, p. 61-62.

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jazidas de hidrocarbonetos, bem como seu refino, transporte marítimo e via dutos de seus

derivados, além de ter autorizado a criação da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, empresa

estatal que iria exercer com exclusividade as atividades monopolizadas pelo Estado nas

décadas seguintes98.

2.2.2 A CRIAÇÃO DA PETROBRAS E O MONOPÓLIO ESTATAL

A partir da Lei 2.004 de 1953, dois são os principais atores no desenvolvimento das

atividades petrolíferas no Brasil, a Petrobras, como órgão de execução, e o CNP, como órgão

de orientação e fiscalização. A empresa nascia com capital inicial completamente estatal,

sendo autorizada pela própria lei a transferência de ações do capital social e a subscrição de

aumento de capital pelas entidades e pessoas as quais são legalmente titulares desse direito,

assegurando-se à União pelo menos 51% do capital votante.

Permitia-se, portanto, a participação de particulares na empresa, sem restrição à

nacionalidade destes, como ocorria na legislação anterior. O controle, no entanto, estava

resguardado à União.

Constituída por meio do Decreto 35.308 de 02 de abril de 1954, a Petrobras possuía a

missão de atender aos anseios da opinião pública, do meio político e da economia brasileira,

enfrentando como grande problema inicial a falta de mão de obra especializada para

empreender as atividades necessárias, especialmente no desenvolvimento de planos de

pesquisa e de controle das atividades de exploração. Havia uma expectativa de que grandes

reservas de petróleo fossem descobertas, recebendo a empresa vultosos recursos para

investimento na cadeia upstream da indústria petrolífera99.

Apesar do incessante trabalho e constantes pesquisas geológicas, os resultados obtidos

pela Petrobras na cadeia upstream se mostraram aquém100 do que se esperava nas duas

primeiras décadas de atividade101, não havendo descobertas de campos que ultrapassassem

98 COSTA, Maria D’assunção, p. 34. 99 DIAS, José Luciano de Mattos; QUAGLINO, Ana Maria, pp. 113-114. 100 Em 1960, o chamado “Relatório Link”, resultado de anos de estudos e pesquisas capitaneadas pelo geólogo americano Walter K. Link, chefe do Departamento de Exploração da Petrobras que havia trabalhado anteriormente na Standard Oil Co., trazia previsões bastante pessimistas acerca da possibilidade de prospectar petróleo em áreas nas quais se depositavam grandes esperanças como a Bacia do Amazonas e do Paraná. O relatório foi mal recebido pela opinião pública e no meio político, tendo Link deixado o cargo ocupado e o país no ano seguinte (Idem, pp. 113-119). 101 É necessário frisar que a Petrobras e suas subsidiárias eram responsáveis pela execução do monopólio estatal não apenas sobre pesquisa e lavra de jazidas (cadeia upstream), mas também sobre o refino e transporte marítimo e via dutos dos hidrocarbonetos. Se a empresa foi por bastante tempo frustrada na descoberta de jazidas e produção de petróleo, teve bastante êxito em outras atividades, como o refino. A partir de 1965, a atuação da Petrobras garantiu fornecimento ininterrupto de combustíveis líquidos, mesmo com o crescimento acelerado da

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previsões feitas antes da criação da estatal. Foram feitas importantes descobertas no Nordeste,

especialmente na Bacia Sergipe-Alagoas, mas a demanda para suprir o mercado interno era

crescente e as pesquisas não se mostravam otimistas em relação a novas descobertas em terra.

Em 1967 se inicia o projeto de “perfuração submarina”, e, a partir de então, a atividade de

exploração foi fortemente direcionada para a plataforma continental, o que envolvia novos

desafios tecnológicos a serem superados102.

No início da década de 70, a crescente pressão econômica pelo fornecimento de

petróleo, principal matriz energética do país, que vivenciava um período de grande

desenvolvimento industrial, fez com que fosse criada uma subsidiária da Petrobras para a

exploração de petróleo no exterior, a Braspetro, no ano de 1972103. Ainda, passa a ser

estudada a viabilidade da adoção de “contratos de serviço” com “cláusulas de risco” com

outras empresas petrolíferas. Em 1975 a Petrobras foi autorizada a assinar os chamados

contratos de risco104 105. No final da década de 70, a estatal já havia firmado contratos de risco

com cerca de 20 empresas estrangeiras, tendo persistido esse tipo de avença no Brasil durante

as décadas de 70 e 80,106 quando passaram a ser vedados pela Constituição de 1988.

A partir da década de 80, no entanto, as perspectivas de exploração e de suprimento

adequado do mercado interno passaram a ser mais animadoras com as constantes descobertas

realizadas na Bacia de Campos. As barreiras tecnológicas foram gradualmente sendo

superadas, possibilitando perfurações em maiores profundidades e viabilizando a sua

produção. Se em 1979 apenas 14% do consumo brasileiro de petróleo e derivados era suprido

pela Petrobras, em 1985 50% desse consumo era alimentado pela produção nacional107.

A Petrobras mostrava-se como uma empresa bem-sucedida, tendo superado as

expectativas dos governos militares ao completar sua verticalização interna ainda no início da

década de 70 e buscado liderança no setor petroquímico por meio da subsidiária Petroquisa,

avançando no mercado com a conglomeração e internacionalização das suas atividades. A

demanda durante período de aquecimento industrial e com os choques do petróleo da década de 70 (PINTO JR, Helder Queiroz, p. 109). 102 DIAS, José Luciano de Mattos; QUAGLINO, Ana Maria, pp. 122-123. 103 Ibidem, pp. 126-127. 104 PIRES, Paulo Valois, p. 91-93. 105 Em 1970 a empresa Occidental Petroleum havia proposto esse tipo de arranjo que consistia em pactos nos quais a empresa estrangeira teria exclusividade de atuação em áreas de exploração de petróleo determinadas, sendo a Petrobras proprietária das reservas eventualmente descobertas. Em contrapartida, a empresa teria direito a receber da Petrobras uma “participação financeira” por barril de petróleo pelo período de 25 anos. A estatal ficava obrigada a recolher os valores referentes aos tributos que incidiam sobre o montante remetido ao exterior, enquanto a empresa estrangeira era responsável pelos investimentos necessários à pesquisa petrolífera, assumindo os riscos em caso de empreitadas sem êxito (Idem. p. 91). 106 Ibidem. p. 102. 107 DIAS, José Luciano de Mattos; QUAGLINO, Ana Maria, pp. 131.

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empresa se valeu da sua condição de monopolista e promoveu a integração vertical de seus

segmentos108, assim como fez Rockefeller no império que viria a se tornar a Standard Oil, ao

organizar a cadeia de modo a empreender atividades que iam “do poço ao posto”. No ano de

1982, a empresa ocupava a vigésima posição entre as maiores empresas do mundo109.

A década de 80 no Brasil foi marcada pelo movimento de redemocratização, sendo o

maior símbolo deste processo a Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB de

1988, uma Carta analítica e extensa, que dedicou amplo espaço para tratar da Ordem

Econômica, embasando-a na livre iniciativa e consagrando o princípio da livre concorrência.

Ao contrário do que previam as constituições anteriores, a CRFB de 88 vedou a

possibilidade de o legislador infraconstitucional estabelecer a intervenção estatal, seja por

absorção ou participação, em atividades econômicas não previstas expressamente no texto

constitucional. Tal orientação seria oposta ao cenário de atuação monopolista da União,

instituído por meio da Lei 2.004, de 1953, se a própria Carta não tivesse previsto, em seu art.

177, monopólio da União sobre atividades que integram a cadeia do petróleo, sendo reservado

ao Estado o monopólio sobre duas matrizes energéticas vitais: combustíveis fósseis derivados

e artigos e minerais nucleares110.

O contexto nacional que seguiu à constitucionalização do monopólio, no entanto,

tomou direções opostas. Em 1991 iniciou-se o Plano Nacional de Desestatização, que ao

eliminar segmentos importantes que compunham a holding controlada pela Petrobras, como a

extinção das subsidiárias diretas Petromisa e Interbras, empresas que dominavam mineração e

comércio exterior, e a privatização dos ativos da Petroquisa e Petrofértil, empresas que

empreendiam atividades do setor petroquímico e indústria de fertilizantes, diminuiu a força do

grupo estatal. Essa orientação vai de encontro às estratégias praticadas pelas grandes empresas

petrolíferas internacionais, que têm participação acionária em empresas ligadas à indústria de

fertilizantes, química, petroquímica, especialmente em setores especializados111.

A tendência privatista levou a uma reorientação do ordenamento jurídico brasileiro em

direção à abertura do mercado petrolífero à iniciativa privada e aos grandes grupos

internacionais de petróleo. O monopólio cristalizado pela CRFB de 1988 foi flexibilizado em

1995 e, posteriormente, foi editada a célebre Lei do Petróleo, considerada um marco da

regulação do setor.

108 PINTO JR, Helder Queiroz, p. 109. 109 Idem, p. 109. 110 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. pp. 94-95. 111 PINTO JR, Helder Queiroz, p. 111.

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2.2.3 A FLEXIBILIZAÇÃO DO MONOPÓLIO E A LEI DO PETRÓLEO

A década de 90 foi marcada por uma forte inclinação política à redução do aparato

estatal e da sua influência na economia e a indústria petrolífera, monopolizada pelo União, foi

inserida nesse contexto. Havia um movimento global que elevava o neoliberalismo, marcado

por uma onda de privatizações e desregulamentação incitadas por organizações internacionais

como o Fundo Monetário Internacional, tendo o Brasil seguido essa orientação em vários

setores econômicos112. No país, se seguiu uma mudança no papel estatal, que deixou uma

postura regulatória operacional para assumir uma concentração regulatória normativa113.

Na construção da Emenda Constitucional de 9 de novembro de 1995, muito discutiu-

se acerca da manutenção do monopólio instituído em 1953 e alcançado nível constitucional

em 88, concluindo-se pelo fim da condição da Petrobras como executora única do monopólio

ao modificar o § 1º do art. 177, que vedava qualquer tipo de participação, em espécie ou em

valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, passando sua redação a permitir a

contratação com empresas estatais ou privadas para as atividades elencadas como monopólio

da União nos incisos I, II, III e IV daquele mesmo artigo114.

A alteração feita no §1º do art. 177 criou pela primeira vez em décadas um ambiente

propício ao surgimento de concorrência e de competição entre empresas petrolíferas, uma vez

que, flexibilizado o monopólio, a União não vinculava a operacionalização de suas atividades

à estatal Petrobras, mas a qualquer petrolífera. Não havia até então naquele mercado

dominado por um monopólio estatal instrumentos de regulação dessa atividade econômica

quando exercida por particulares, e sua necessidade foi uma preocupação do legislador no

texto da emenda.

Ao permitir a participação de empresas privadas no setor petrolífero por meio de

contratação com a União, a EC nº 9/95 previu que era necessário, para tanto, lei que a

regulasse, inserindo ainda, no §2º do art. 177 a designação de que neste dispositivo deveria

figurar em seu texto normas que garantissem o fornecimento de derivados do petróleo em

todo o território nacional, as condições de contratação, além da criação do órgão responsável

por regular o monopólio da União, sua estrutura e atribuições.

112 SARMENTO, D. Constituição e Globalização: a crise dos paradigmas do Direito Constitucional Anuário: direito e globalização, 1: a soberania. MELLO, C. (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 58. 113 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 202. 114 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito do Petróleo. 3. ed. revista, atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. pp. 407-408.

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A lei que regulamentou a participação da iniciativa privada no setor petrolífero

somente foi aprovada após quase dois anos da recepção da EC nº 95/95, passando a integrar o

ordenamento jurídico nacional em 06 de agosto de 1997: a Lei nº 9.478/97, conhecida como a

Lei do Petróleo. A Lei nº 9.478/97 instituiu a figura dos contratos de concessão para a

exploração e produção de jazidas, as participações governamentais na exploração privada de

um recurso natural, criou o Conselho Nacional de Pesquisa Energética - CNPE, órgão

vinculado à Presidência da República, presidido pelo Ministro de Minas e Energia, bem como

a Agência Nacional do Petróleo – ANP, autarquia de regime especial vinculada ao MME.

Corroborando com a determinação de abrir a indústria petrolífera brasileira aos demais

players da iniciativa privada, a Lei do Petróleo determina ainda que a Petrobras desenvolva

suas atividades em caráter de livre concorrência, de acordo com as exigências do mercado.

Fortes contestações foram apresentadas à Lei do Petróleo. A mais contundente tomou

forma de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI nº 3273-9/DF, proposta pelo então

Governador do Paraná, Roberto Requião, atacando uma série de dispositivos da Lei nº

9.478/1997115.

A referida ADI pedia que fossem declarados inconstitucionais os artigos: 26, caput e

§3º; 28, incisos I e II; 37, inciso I e parágrafo único; 43, II e parágrafo único; 51, parágrafo

único; e, por fim, 60. O pedido, em suma, fundamentava-se nas alegações de que os

dispositivos questionados permitiam que a exploração das jazidas de petróleo ocorresse de

forma predatória, sem que houvesse proteção ao suprimento do mercado interno e

desvinculada da necessidade de se garantir suprimento de petróleo, matéria prima finita e não

renovável, e seus derivados para as gerações futuras, além de legar à ANP decisões sobre

questões de Estado, que envolvem segurança nacional, contrariando, portanto, dispositivos

constitucionais.

No entanto, a questão de maior repercussão foi o pedido de reconhecimento da

inconstitucionalidade do artigo 26, caput, que conferia ao concessionário a propriedade do

bem resultado da lavra após a sua extração116. A corrente que opinava pela

constitucionalidade deste dispositivo alegava que a EC nº 9/95 havia conferido ao petróleo,

gás natural e demais hidrocarbonetos o mesmo regime jurídico aplicado aos recursos

minerais, devendo-se, portanto, interpretar o art. 177 da Constituição Federal de acordo com o

115 BERCOVICI, Gilberto. p.291. 116 O Art. 26, caput, da Lei 9.479/1997 dispõe: A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos aos pagamentos dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes.

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seu art. 176, que seria uma “regra geral” aplicável aos recursos minerais de propriedade da

União e ao petróleo, gás e demais hidrocarbonetos117.

Os adeptos da interpretação contrária entendem que jazidas de petróleo e gás são bens

públicos indisponíveis da União, e que o resultado da sua exploração não perderia essa

característica ao ser extraído, e, uma vez que a EC 9/95 havia mantido o monopólio da União,

não seria possível transferir os recursos individualizados de suas jazidas para o

concessionário118.

O Ministro designado como relator do processo, Carlos Ayres Britto, elaborou seu

voto entendendo que, ainda que o petróleo tenha sido inserido no mesmo “regime geral” dos

recursos minerais, como previam os artigos 176 e 20, IX, ambos da Constituição Federal, o

legislador originário entendeu ser necessário dar tratamento especial aos recursos petrolíferos,

conferindo à União monopólio sobre as pesquisa e a lavra de suas jazidas, e, uma vez

estabelecido um “regime especial”, não deveriam ser aplicados os dispositivos da “regra

geral” que a ele eram contrários. Entendeu o Ministro Ayres Britto ser inconstitucional a

determinação trazida no caput do art. 26 da Lei do Petróleo, uma vez que se tratava do

resultado da exploração econômica de um monopólio da União119.

O Ministro Ayres Britto, no entanto, foi voto vencido, tendo prevalecido o

entendimento pela constitucionalidade da Lei do Petróleo, de acordo com o voto do Ministro

Eros Grau. O Ministro entendeu que as jazidas de petróleo não se tratavam de bem de uso

especial, mas sim de bem de uso dominical, não estando, portanto, afetado120, sendo

constitucional a transferência de propriedade do resultado da lavra, inexistindo afronta ao art.

177 da Constituição. Ademais, a propriedade sobre o petróleo extraído seria relativizada pelo

fato de sua comercialização continuar a ser administrada pela União na figura da ANP121.

A ANP, tipo de autarquia que recebe o nome de Agência Reguladora, possuiu papel

crucial na transição da indústria petrolífera de monopólio da União operado diretamente por

uma empresa estatal, especialmente a cadeia upstream, para um ambiente de livre

concorrência entre empresas. A agência teria, para tanto, que elaborar normas regulamentando

esse processo de abertura e suas condições, delimitar os direitos de exploração e atuação da

117 BERCOVICI, Gilberto. p. 292. 118 Idem. p. 292. 119 Ibidem, p. 293. 120 Marçal Justen Filho define afetação como “a subordinação de um bem público a regime jurídico diferenciado, em vista à destinação dela à satisfação das necessidades coletivas e estatais, do que deriva, inclusive, sua inalienabilidade” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1178). 121 Bercovici, p. 294.

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Petrobras, que passaria a atuar nas mesmas condições concorrenciais de uma empresa privada,

além de tomar para si competências antes atribuídas à estatal, como a importação e exportação

de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos122. Para viabilizar suas operações, a ANP teve

amplo acesso ao corpo técnico e à estrutura da Petrobras. O processo de adequação das

instituições à legislação vigente só foi concluído em dezembro de 2001123.

Uma importante inovação trazida pela Lei do Petróleo foi a disposição acerca das

participações governamentais nos lucros auferidos no setor de exploração e produção de

petróleo e gás, que passaram a existir apenas após a flexibilização do monopólio, uma vez que

a própria União promovia a exploração, não sendo necessário o ressarcimento pela exploração

do recurso natural. A Lei do petróleo passou a prever o pagamento de bônus de assinatura,

royalties, participação especial, e o aluguel pela ocupação e retenção das áreas, que são pagos

ao ente da federação que a lei determinar.

Cumpre esclarecer que a legislação vigente à época da edição da Lei nº 9.487/97

previa a compensação financeira aos estados e municípios em que fossem desenvolvidas

determinadas atividades da cadeia petrolífera. Tal compensação foi consagrada

constitucionalmente na Carta de 88 no §1º do art. 20. Tais contribuições passaram a ser

comumente chamadas de royalties, e a Petrobras tinha como função pagar tais compensações,

operando em nome da União. A partir da Lei do Petróleo, os royalties são pagos pelas

concessionárias com capital privado. Distribuem-se os recursos advindos da produção de

petróleo e gás pelos entes da federação, fazendo com que essas rendas sejam revertidas aos

locais que abrigam operações da indústria petrolífera124.

Os primeiros contratos de concessão de exploração de jazidas sob a égide da Lei do

Petróleo foram formalizados em agosto de 1998, a chamada Rodada Zero de licitações. Nesse

evento foram confirmadas como concessões para Petrobras a maior parte das áreas em que a

estatal já operava, sendo assim chamada justamente por se tratar da consolidação dos direitos

de exploração da Petrobras, antiga operadora do monopólio, não contando com a participação

de outras petrolíferas. Foram assinados 397 contratos entre ANP e a estatal, sendo concedidos

115 blocos exploratórios, 51 áreas de desenvolvimento e 231 campos de produção125.

122 As competências da ANP estão elencadas no artigo 8º da Lei do Petróleo, tendo, por finalidade, a promoção da regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis. 123 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz, p. 112. 124 COSTA, Maria D’Assunção, p. 56. 125 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz, p. 114.

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A 1ª Rodada de Licitações para Exploração ocorreu em 1999 e contou com a

participação de 15 empresas petrolíferas, tendo sido leiloados, nessa oportunidade, 12 blocos

para exploração. Seguiram-se as 2ª, 3ª,4ª, 5ª, 6ª e 7ª Rodadas de Licitações nos anos de 2000,

2001, 2002, 2003, 2004 e 2005, respectivamente. A 8ª Rodada, prevista para os dias 28 e 29

de novembro de 2006, foi suspensa por força de decisão judicial durante o seu curso, quando

já haviam sido feitas ofertas para 58 dos 284 blocos ofertados. No ano de 2013 o certame foi

cancelado definitivamente e todas as taxas de participação e garantia de ofertas passaram a ser

devolvidos. A 9ª e a 10ª Rodada de licitação foram realizadas nos anos de 2007 e 2008, tendo,

a partir de então, havido um hiato de cinco anos sem rodadas de licitação.

Nos anos entre 2006 e 2008 foi amplamente divulgada na imprensa nacional e

internacional que haviam sido descobertas na costa brasileira imensas jazidas de petróleo,

localizadas em alto mar, abaixo de uma espessa camada de sal. O Pré-sal, como ficaram

conhecidas essas reservas, alterava dramaticamente as condições de exploração de petróleo e

gás no país. Tais jazidas, segundo os estudos e pesquisas feitas até então, poderiam alçar o

Brasil à condição de país exportador de petróleo.

Frente a essa nova realidade, as bases governistas, de tendência social e pró

intervenção estatal na economia, passaram a articular a modificação do regime de exploração

estabelecido pela Lei do Petróleo. Era necessário, ainda, delimitar a área na qual essas jazidas

se localizavam, para que não fossem concedidas sob as diretrizes estabelecidas na Lei do

Petróleo. As rodadas deixaram de ocorrer anualmente, sendo retomadas apenas em 2013, após

o leilão dos primeiros blocos do Pré-sal sob o regime de partilha de produção, inovação

legislativa trazida no ano de 2010.

No ano de 2013, foram lançados os editais referentes às 11ª e 12ª rodadas, em maio e

agosto daquele ano, respectivamente. A 13ª Rodada de Licitações sob o modelo de concessão

foi realizada em 17 de outubro de 2015, tendo sido ofertados 182 blocos localizados nas

bacias terrestres do Amazonas, Parnaíba, Recôncavo e Potiguar, além de outros 84 nas bacias

marítimas de Sergipe-Alagoas, Jacuípe, Espírito Santo, Campos, Camumu-Almada e Pelotas.

2.2.4 O MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ SAL

A nova planície petrolífera chamou a atenção dos órgãos governamentais. Em 2007 o

Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, por meio da resolução CNPE nº 6, datada

de 8 de novembro de 2007, determinou que 41 blocos exploratórios fossem excluídos da 9ª

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rodada de licitações promovida pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis126.

O Conselho buscava, nesse momento, avaliar de forma mais cuidadosa a situação dos

contratos firmados pela União no que diz respeito à forma com que os blocos recém-

descobertos seriam explorados, de modo a adotar uma política estratégica mais adequada.

Esse posicionamento está cristalizado no art. 4º da referida resolução, na qual o

Ministério de Minas e Energia é chamado a avaliar mudanças no marco legal para que este

passe a contemplar o novo panorama brasileiro no que concerne às novas reservas de

hidrocarbonetos127. Já na 8ª Rodada de Licitações houve uma mudança de comportamento

entre os players do mercado, quando oito empresas petrolíferas fizeram ofertas de alto valor

para obter o direito de exploração sobre dez campos localizados na Bacia de Santos. O

aumento da competitividade e o interesse das operadoras incentivaram a edição da Resolução

CNPE nº 6/2007 e deixaram evidente que o país poderia ter um grande retorno financeiro 128.

As discussões acerca de um novo modelo de exploração de petróleo e gás na região do

Pré-sal tiveram início com a criação de uma Comissão Interministerial instituída pelo

Governo Federal, no intuito de estudar os modelos de exploração em países produtores de

petróleo, o contexto econômico internacional, consequências jurídicas das propostas de

inovação legislativa, as prioridades governamentais e as expectativas sociais sobre o

tratamento das reservas para, por fim, indicar qual o regime regulador mais adequado para a

exploração do novo horizonte representado pelo Pré-sal. A comissão teve amplo amparo

técnico fornecido por órgãos e entidades governamentais relevantes no setor, como a ANP,

Petrobras, Empresa de Pesquisa Energética – EPE, Advocacia Geral da União - AGU,

Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN e Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social – BNDES129.

A Comissão concluiu pela adoção de contratos de partilha de produção na exploração

das áreas do Pré-sal e nas demais áreas estratégicas, mantendo a figura dos contratos de

concessão nas demais regiões130. Os contratos de partilha de produção começam a ser

aplicados quando há uma expectativa de contraposição e superação dos limites trazidos pelas

126 RIBEIRO, Marilda de Sá Rosado. p. 440. 127 Resolução CNPE nº 6, 8 de novembro de 2007. Art. 4º: Determinar ao Ministério de Minas e Energia que avalie, no prazo mais curto possível, as mudanças necessárias no marco legal que contemplem um novo paradigma de exploração e produção de petróleo e gás natural, aberto pela descoberta da nova província petrolífera, respeitando os contratos em vigor. 128RODRIGUEZ, Monica R.; COLELA JR., Olavo; SUSLICK, Saul B. Os processos de licitação de áreas exploratórias e áreas inativas com acumulações marginais no Brasil. Revista Brasileira de Geociências, São Paulo, v. 38, n. 2, jun. 2008, p. 73. 129 RIBEIRO, Marilda de Sá Rosado. pp. 441-442. 130 Idem. p. 442.

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concessões existentes, especialmente nos países em desenvolvimento. Isso porquanto tais

concessões são vistas como juridicamente permissivas em relação às companhias petrolíferas

internacionais e economicamente desequilibradas em favor destas131, sendo os contratos de

partilha de produção o mecanismo necessário para regular essa desigualdade.

Foi aprovado, no ano de 2010, o conjunto de leis que viria a compor um novo marco

regulatório para tutelar as relações entre Estado e empresas petrolíferas na exploração de

jazidas de alto potencial econômico:132 a Lei nº 12.276/2010, a Lei nº 12.304/2010 e a Lei nº

12.351/2010. A primeira autoriza a cessão onerosa de áreas não concedidas do Pré-sal à

Petrobras. A segunda cria a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural

S.A. – Pré-sal Petróleo S.A (PPSA), empresa pública regida pelo regime jurídico das

empresas privadas, vinculada ao Ministério de Minas e Energia que tem por finalidade gerir

os contratos de partilha de produção firmados pelo supracitado Ministério, atuando como

parte no consórcio operador das áreas concedidas, atuando ainda nos demais contratos de

negociação de petróleo, gás natural e demais hidrocarbonetos fluidos da União oriundos de

contratos de partilha.

A Lei 12.351/2010 estabelece que a exploração e produção de petróleo, gás natural e

demais hidrocarbonetos fluidos da região do Pré-sal e demais áreas estratégicas serão

realizadas sob o regime de partilha de produção, cria e regula o Fundo Social, e faz

substanciais alterações na Lei 9.478/97. Nesse texto foram fixadas as mais substanciais

mudanças acerca do retorno financeiro obtido pelo Estado em razão da exploração de uma

riqueza natural, trazendo ainda modificações com relação à propriedade do petróleo e gás

prospectados, a forma com a qual a empresa petrolífera se beneficia da exploração e a

participação da Petrobras na exploração dos campos localizados na região do Pré-sal.

Enquanto os contratos de concessão determinam que o produto da produção no campo

deixa de ser propriedade da União no momento em que era extraído da jazida e passa a ser

propriedade do concessionário, o novo marco legal prescreve que o óleo e o gás produzidos

pelo contratante são de propriedade da União mesmo após terem sido retirados da rocha

reservatório. O explorador não mais compensa os custos da empreitada ou aufere lucros por

meio da venda do resultado da lavra, mas por meio da comercialização do custo em óleo (cost

oil) e excedente em óleo (profit oil), conceitos introduzidos pela Lei nº 12.351/2010.

131 Ibidem. p. 487. 132 A Lei do Petróleo, apesar de ter sido substancialmente alterada pelo marco regulatório do Pré-sal, não foi revogada e contratos de concessão ainda persistem no Brasil, a exemplo das 11ª e 12ª Rodadas de Licitação, ocorridas em 2013, sendo aplicados à exploração dos demais campos brasileiros, que não apresentam a mesma viabilidade econômica que as reservas do Pré-sal.

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O art. 2º, II, da referida lei estabelece que o custo em óleo é a parcela da produção de

petróleo, gás natural ou outro hidrocarboneto fluido equivalente em valores monetários aos

custos e aos investimentos realizados pelo contratado na execução de suas atividades, sendo

exigível unicamente em caso de descoberta comercial e sujeita a limites, prazos e condições

estabelecidas em contrato. O excedente em óleo, descrito no inciso III, equivale à parcela da

produção de petróleo, gás natural ou outro hidrocarboneto fluido que é objeto de partilha entre

a União e o contratado, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas

relativas ao custo em óleo, aos royalties devidos e à obrigação de pagamento de participação

de até 1% da produção, quando o bloco se localizar em terra, aos proprietários da área onde

este estiver localizado.

Nos termos da Lei nº 12.351/2010, a Petrobras deixa de competir no mercado nas

mesmas condições em que as demais empresas e passa a ser operadora de todos os campos

licitados no Pré-sal, sendo responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas

as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção, e desativação das

instalações de produção de exploração e produção. Ficou estabelecido, ainda, que a estatal

terá participação mínima de 30% em todos os consórcios firmados para atuar no Pré-sal, o que

resguarda à livre concorrência 70% da participação nas operações, podendo a Petrobras

concorrer pelo percentual que excede a sua participação obrigatória133.

Projetos de exploração e produção de petróleo exigem uma grande capacidade de

investimento inicial, especialmente quando essas atividades se dão em águas profundas, o que

requer um domínio técnico avançado e específico. Injetar capital na Petrobras para que a

empresa pudesse arcar com a condição de operadora dos consórcios de exploradoras do Pré-

sal era essencial. Esse foi o intuito da Lei nº 12.276/2010, que autorizou a cessão onerosa do

exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos à

Petrobras, passando para a empresa a titularidade do produto da lavra, contanto que o volume

não ultrapasse 5 bilhões e barris equivalentes de petróleo (boe).

Da mesma forma, a Lei nº 12.304/2010 possui uma função auxiliar à Lei 12.351/2010,

ao criar a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. - Pré-sal

Petróleo S.A. (PPSA), empresa pública de direito privado que tem por objeto a gestão dos

contratos de partilha de produção e gestão dos contratos para comercialização de petróleo, gás

natural e outros hidrocarbonetos fluidos oriundos dos contratos de partilha. A PPSA atuará

133 A Administração poderá, ainda, contratar diretamente com a Petrobras sem a necessidade de licitação. O critério para julgamento que identifica a proposta mais vantajosa é a que oferece o maior excedente em óleo para a União, devendo-se respeitar o percentual mínimo previsto em lei.

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inclusive nos contratos em que a Petrobras for contratada diretamente ou obtiver 100% da

exploração de determinado poço em licitações.

Duas premissas levaram à conclusão de que o modelo de partilha de produção seria o

mais adequado para a exploração da planície petrolífera do Pré-sal: a de que o risco

exploratório é baixo e a da existência de jazidas com grande potencial produtivo134. No

modelo de partilha, apesar de não estar mais prevista a figura da participação especial, a

União recebe participações no petróleo produzido, sendo uma forma mais direta de compensar

o uso de um bem público.

Essas breves exposições acerca do novo modelo regulatório aplicado à região do Pré-

sal e demais áreas estratégicas serão aprofundadas do decorrer do trabalho para que seja

possível fazer uma análise adequada dos reflexos econômicos de sua aplicação.

Em 2013 foi realizada a 1ª Rodada de Licitações de contratos de partilha de produção,

ofertando a exploração e produção do prospecto de Libra, formação localizada na Baia de

Santos, dentro do polígono do Pré-sal. O bônus de assinatura fixado pelo edital do certame foi

no valor de 15 bilhões de reais, dos quais 50 milhões foram destinados à PPSA. Ainda, foi

estabelecido pela ANP o pagamento de taxa de participação, requisito exigido à habilitação da

empresa no processo licitatório, devendo ser pago individualmente por cada sociedade

empresária, ainda que estas compusessem um mesmo consórcio para participação no certame.

O valor da taxa de participação foi de R$ 2.067.400,00 e não seria reembolsado aos

participantes que eventualmente desistissem de concorrer.

Apenas um lance foi dado em oferta pelo consórcio formado pelas chinesas

Corporação Nacional de Petróleo da China – CNPC, e China National Offshore Oil

Corporation – CNOOC, cada uma arrematando o percentual de 10% sobre a exploração, a

petrolífera francesa Total e a anglo-holandesa Shell, com 20% da participação cada, e a

Petrobras, que, além dos 30% de participação fixado em lei, integrou o consórcio concorrente

com 10% de participação. O critério estabelecido para determinar o consórcio vencedor é a

oferta de maior excedente em óleo para a União, sendo fixado um percentual mínimo de 41,

65%, que foi a porcentagem que compôs a oferta vencedora.

À época em que se iniciaram os procedimentos da licitação, em julho de 2013, o preço

do barril de petróleo estava com a cotação acima dos 100 dólares, apresentando-se estável

desde o início de 2011, cenário que se manteve até a assinatura do contrato, em 02 de

dezembro de 2013. No entanto, dois fatores trouxeram instabilidade ao setor petrolífero

134 RIBEIRO, Marilda de Sá Rosado. pp. 486.

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brasileiro. No contexto internacional, a partir de 2014 os preços do petróleo despencaram,

demonstrando sinais de recuperação apenas em meados do primeiro semestre de 2016.

Internamente, em março de 2014 foi deflagrada a fase mais ostensiva da investigação

promovida pelo Ministério Público Federal – MPF que, em conjunto com a Polícia Federal,

busca apurar um esquema de lavagem de dinheiro que envolve a Petrobras e suas subsidiárias,

empreiteiras e políticos.

A queda dos preços de petróleo e a apuração das irregularidades da estatal tiveram

consequências gravíssimas para a empresa, que possuía planos de investimento de 228 bilhões

de reais até o ano de 2020. Para reorganizar as finanças da empresa e recuperar a

confiabilidade do mercado, a Petrobras passou a adotar práticas de desinvestimento, como o

anúncio da venda de sua participação de 66% no Bloco BMS-8 (Carcará), localizado dentro

do polígono do Pré-sal em maio de 2015, bem como o lançamento do Programa de Incentivo

ao Desligamento Voluntário – PIDV, em abril de 2016.

A nova política adotada pela estatal ia de encontro às necessidades estabelecidas pelo

novo marco legal, que, fazendo da empresa operadora de pelo menos 30% em todo o campo

licitado no Pré-sal, exige contínuos e vultosos investimentos, especialmente em razão da alta

complexidade de operação nas formações da área, que necessita de pesquisas e

desenvolvimento técnico que viabilize a produção de petróleo e gás.

Nesse contexto, foi proposto o Projeto de Lei de iniciativa do Senado Federal nº

131/2015, de autoria do senador José Serra, alterando a Lei nº 12.531/2010, retirando a

obrigatoriedade da Petrobras participar com pelo menos 30% nos contratos de partilha de

produção e de atuar como operadora única, determinando que, em lugar da obrigatoriedade, o

CPNE, considerando o interesse nacional, oferecesse à Petrobras a preferência como

operadora dos blocos licitados sob regime de partilha de produção e, caso aceite exercer a

preferência ofertada, terá participação mínima não inferior a 30%, sendo resguardado à

empresa o direito de participar da licitação juntamente com os demais concorrentes, caso

recuse.

O projeto, sancionado no Senado em 24 de fevereiro de 2015, seguiu para votação na

Câmara dos Deputados em regime de tramitação de urgência, sendo aprovado naquela casa

em 05 de outubro de 2016, tendo sido convertido na Lei 13.365/2016, publicada em 29 de

novembro de 2016.

O que se pode concluir ao se debruçar sobre a história da indústria do petróleo, é que

seu tratamento jurídico, especialmente a exploração de jazidas, é essencial para o

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desenvolvimento econômico e social de qualquer nação. Isso porquanto trata-se de uma

indústria cujas características não encontram paralelo em nenhum outro setor. A base de toda

a sua cadeia é um recurso natural finito de distribuição desigual pelo planeta e que possui um

crescimento de demanda proporcional a sua escassez, o que faz do petróleo um bem

estratégico e de sensível importância geopolítica.

Ademais, é uma indústria que necessita de verticalização e profunda integração entre

suas cadeias, o que faz com que os atores da cadeia sejam grandes holdings em pequeno

número. A concorrência na indústria do petróleo também lhe é extremamente peculiar. Desde

seu início, na segunda metade do século XIX, as empresas comandadas por Rockefeller se

organizaram em um conglomerado que, ao dominar as atividades de produção, transporte e

refino, era capaz de controlar a oferta e o preço dos produtos. Anos depois do esfacelamento

da célebre Standard Oil, as “Sete Irmãs” formaram um cartel internacional, controlando a

concorrência, preço e dominação de mercado em escala mundial. Posteriormente esse papel

foi substancialmente reduzido pela criação da OPEP, que, controlando a maior parte da

produção mundial, também consegue controlar a oferta e influenciar diretamente o preço do

barril de petróleo.

No Brasil, o interesse pela exploração de petróleo acompanha sua industrialização,

tardia, e os primeiros movimentos que visam viabilizar a prospecção dessa riqueza surgem

quando uma indústria internacional se encontrava consolidada. Apenas na segunda metade do

século XX uma empresa foi criada por meio da iniciativa pública com finalidade de

prospectar o petróleo brasileiro e suprir uma demanda crescente de um país que buscava

desenvolver seu parque industrial. O surgimento da Petrobras se deu, ainda, em meio a uma

onda nacionalista, de buscar o aproveitamento e o domínio de uma riqueza natural que

pertencia ao povo, e ao povo deveria ser revertida. A estatal teve uma trajetória de sucesso,

atendendo às expectativas de suprir a demanda local, estimular o desenvolvimento de

pesquisas e a criação de tecnologia nacional, tendo suas atividades substancial reflexo no PIB

brasileiro.

O papel do Estado e o tratamento dispensado ao petróleo influenciou diretamente na

forma como essa indústria se desenvolveu e as consequências de sua atuação no país. As

nações que possuem atividade petrolífera, especialmente a exploração e produção, interferem

no mercado em maior ou menor grau e as políticas desenvolvidas afetam sensivelmente a

realidade nacional de acordo com suas peculiaridades. Como se trata de uma indústria que

tem grande impacto financeiro, econômico e social, uma das formas de analisar a eficiência e

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adequação da regulação estatal exercida sobre ela é por meio da aplicação de conceitos de

análise econômica do direito, incluindo-se nessa análise não apenas aspectos de ordem

financeira, ou efetivamente o quanto é pago ao Estado a título de participação, mas também a

capacidade de converter esses ganhos financeiros em efetivo desenvolvimento econômico e

social.

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3 A ABORDAGEM ECONÔMICA NA REGULAÇÃO DO SETOR DE E&P DE PETRÓLEO NO BRASIL

As novas normas introduzidas em 2010 como o marco regulatório do Pré-sal

compõem um amplo conjunto legal que pode ser abordado em vários aspectos. Seria possível

traçar considerações acerca da constitucionalidade de seus dispositivos à luz do princípio da

livre concorrência ou, em um viés internacionalista, a afinidade de suas diretrizes com o

prescrito na Resolução 1803 da Assembleia Geral de 1962 das Nações Unidas, que versa

sobre a soberania dos estados sobre suas riquezas naturais, por exemplo.

Contudo, observando o forte impacto da indústria petrolífera, especialmente das

atividades de exploração e produção de petróleo, sobre o desenvolvimento do país, não apenas

no que se refere aos valores monetários que passam a circular quando se tem uma atividade

petrolífera considerável, mas também considerando os benefícios dessa cadeia industrial para

a economia e para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, além de outros aspectos a

serem detalhados mais a frente, a análise do marco regulatório do Pré-sal sob o viés

econômico desperta o interesse daqueles que buscam a maior eficiência na explotação de um

recurso natural tão valioso quanto o petróleo.

Inicialmente, cumpre trazer a lume o conceito de Análise Econômica da Direito –

AED, bem como sua forma de aplicação, para que se possa delimitar a ótica pela qual é visto

o objeto em discussão, determinando ainda o porquê de ter sido aplicada esta metodologia no

estudo da matéria. Ainda, será necessário abordar as formas pelas quais o Estado interfere no

mercado de petróleo para que seja possível consolidar uma visão completa acerca da

intervenção estatal à luz da AED, o que merece maior cuidado por se estar abordando o setor

petrolífero, uma vez o Estado não apenas exerce um papel regulador como também atua

diretamente na economia.

Delimitar o arcabouço normativo que será objeto de escrutínio à luz de conceitos

econômicos se mostra necessário para evitar que se passe a abranger discussões legais que

não as mudanças trazidas em 2010. Existe, no país, ampla legislação que trata exclusivamente

da indústria do petróleo; são resoluções, leis e até mesmo normas constitucionais cujas

edições, alterações e revogações são intimamente relacionadas com o desenvolvimento da

indústria no país e com os projetos de governo para o fomento do setor. Discorrer sobre

evolução legislativa que culminou na elaboração do marco regulatório do Pré-sal é necessário

para contextualizar esse conjunto legal e permitir uma análise econômica, no entanto, não se

busca criticar os elementos legais que compõe esse panorama histórico.

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Desta forma, resta claro que não se busca revisitar o monopólio da União sobre as

atividades brasileiras de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás e demais hidrocarbonetos

fluidos, conforme prescrito no art. 177, I, da Carta de 1988, como também não há a pretensão

de pôr em análise a flexibilização deste monopólio, introduzida pelo parágrafo primeiro do

mesmo art. 177 da Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional 9/95. Ainda, não

serão feitas maiores considerações no que concerne às características econômicas dos regimes

regalista e de acessão, até mesmo porque pouco frutífera seria a discussão, visto que as jazidas

de petróleo do Pré-sal se encontram na plataforma continental, não em território terrestre.

Mostra-se necessário fazer estas observações porque os próprios dispositivos legais

que compõem o marco regulatório do Pré-sal foram imaginados seguindo tais prerrogativas

constitucionais. O cenário que se busca analisar é o arcabouço jurídico criado para explorar o

Pré-sal e demais áreas de relevante interesse, que foi motivado pelo fato de as novas fronteiras

exploratórias se mostrarem muito diferentes das demais jazidas brasileiras, representando,

portanto, um conjunto de medidas aprovadas que busca aumentar a participação do Estado na

explotação de uma riqueza natural finita que lhe pertence, gerando ganhos financeiros cujos

benefícios devem atingir a sociedade como um todo.

Este marco regulatório, no entanto, não foi apenas elaborado com o intuito de que a

renda auferida com a exploração de petróleo fosse superior à que era arrecadada sob o regime

instituído pela Lei do Petróleo. Buscou-se evidenciar ao longo do primeiro capítulo deste

trabalho que os benefícios trazidos pela existência de reservas de hidrocarbonetos vão muito

além do preço que se recebe ao se vender barris de petróleo. Ao deter as atividades de

exploração, desenvolvimento e produção, uma nação possui grande estímulo para desenvolver

as demais atividades da cadeia da indústria petrolífera, tais como o transporte e refino, uma

vez que se garante o fornecimento da matéria-prima, bem escasso e que não se encontra

igualmente distribuído pelo globo. Trata-se de um ambiente propício para o desenvolvimento

de uma indústria verticalizada, integrada, que necessita de pesquisa e inovação tecnológica

constante.

Ademais, os subprodutos do petróleo são essenciais para o desenvolvimento de todos

os setores e mercados, influenciando o seu preço desde o consumidor individual, que abastece

o carro com frequência, como também daqueles que sequer meio de transporte particular

possuem, mas sentem o reflexo do aumento do preço do diesel, por exemplo, no custo dos

produtos que chegam até sua mesa, transportados por caminhões. A disponibilidade dos

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derivados de petróleo, especialmente combustíveis, de forma contínua e a preços acessíveis se

mostra essencial para o desenvolvimento de todos os demais setores da economia.

Uma indústria petrolífera eficiente, que supra as necessidades do mercado interno

brasileiro é, portanto, um objetivo a se perseguir pelas políticas empreendidas no setor. Ainda,

é necessário equilibrar esta necessidade com o fato de que o petróleo constitui uma riqueza

finita e irrecuperável. Literalmente, queima-se o petróleo extraído do subsolo em seu principal

uso, como combustível, o que faz com que o seu consumo necessite de cautela e,

principalmente, planejamento. Assim sendo, é necessário planejar a utilização desse recurso

de modo que as gerações futuras não sejam prejudicadas e possam usufruir de seus benefícios.

A preocupação com o exaurimento de jazidas de petróleo não é algo recente ou

isolado, como demonstrado no capítulo anterior. Até mesmo nos Estados Unidos, um país

cujo regime de propriedade provoca um afastamento do controle estatal em relação à

exploração do subsolo, implementou normas de controle sobre a produção de petróleo ainda

na primeira metade do século XX. A gestão das reservas também se mostra uma preocupação

do legislador ao editar as leis de 2010.

Deve-se ainda atentar para o fato de que o volume das jazidas estimadas no Pré-sal

eleva exponencialmente as reservas nacionais, agregando aos anteriormente previstos 16

bilhões de barris um volume superior a 90 bilhões de barris. Essas estatísticas fariam com que

o Brasil passasse a constar entre as nações com maiores reservas de petróleo no mundo. A

título de comparação, ao final de 2009, quando as propostas de lei que previam um novo

marco regulatório para o Pré-sal foram apresentadas, os países com as maiores reservas

provadas de petróleo eram: Venezuela, Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kwait, detendo reservas

de, respectivamente, 172,3 bilhões de barris, 164,6 bilhões de barris, 137,6 bilhões de barris,

115,0 bilhões de barris e 101,5 bilhões de barris135.

Isso implica dizer que o país pode vir a figurar como um grande exportador de

petróleo, e, consequentemente, passar a ser uma nação afetada por efeitos negativos de ordem

macroeconômica, sendo o principal deles a sobreapreciação da taxa de câmbio causada pela

entrada de dólares no país, moeda na qual é comercializado o petróleo, e que desestimula

setores que utilizam tecnologia no estado da arte136. Prevendo este tipo de consequência, o

legislador incluiu na Lei nº 12.351/2010 um mecanismo para neutralizar tais efeitos, criando o

Fundo Social, que deve ter investimentos voltados preferencialmente para o exterior. 135 LIMA, Paulo César Ribeiro. Pré-sal, o novo marco legal e a capitalização da Petrobras. – Rio de Janeiro: Synergia, 2011. p. 1. 136 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. “Doença Holandesa e sua neutralização: uma abordagem ricardiana”. In Doença Holandesa e a Indústria. Fundação Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 2010. pp. 117-153. p. 124

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O que se pode perceber é que as inovações trazidas pelas leis nº 12.276/2010,

12.304/2010 e 12.351/2010 têm por objetivo: a) aumentar o valor financeiro dos ganhos

governamentais diretos na prospecção de petróleo; b) fomentar a cadeia upstream da indústria

do petróleo de forma eficiente, para que tenha capacidade produtiva para suprir o mercado

interno de forma constante; c) neutralizar efeitos negativos da exportação de petróleo; e d)

incentivar o desenvolvimento da indústria nacional.

A análise econômica do marco regulatório do Pré-sal busca verificar os efeitos das

normas jurídicas aprovadas e estabelecer os custos e benefícios oriundos da criação e

aplicação destas sob a perspectiva do Estado promotor do desenvolvimento nacional e das

melhores práticas do mercado.

3.1 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: DESENVOLVIMENTO E CONCEITO

A aplicação de um enfoque econômico às normas positivadas no sistema legal ainda

mostra tímida influência entre os juristas brasileiros, no entanto, buscar conceitos econômicos

para melhor compreender o direito não é uma concepção recente, sendo possível identificar

seus reflexos nas ideias de filósofos como Maquiavel, Hobbes e Locke137. O método ganhou

força nos Estados Unidos a partir da década de 1960, ostentando por expoentes os trabalhos

de Guido Calabresi e Ronald Coase, tendo este último formação acadêmica eminentemente na

ciência econômica. Apesar de reconhecido impulso desta teoria conferido pelos dois autores,

o economista inglês Arthur C. Pigou trabalhava com os conceitos por eles abordados já na

década de 30,138 quando foi publicada a 4ª edição do seu livro “The Economics of Welfare”.

Em um primeiro momento, a Análise Econômica do Direito se restringia basicamente

à análise econômica das normas jurídicas de combate aos monopólios, havendo algumas obras

tratando de direito tributário, direito empresarial e a regulação de serviços públicos e

transportes coletivos, o que implica dizer que se buscava analisar sob aspectos econômicos as

normas que tinham claro impacto na economia. Apesar de tais nichos legais ainda ocuparem

espaço nas obras de AED, passou-se a ampliar o seu alcance, abarcando temas como direito

de família, processo civil, e direito constitucional139.

137 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 8. 138 POSNER, Richard. El análisis econômico del derecho. Primera edición en español, primera reimpresión. Mexico: Fondo de Cultura Econômica, 2000, p. 27. 139 Idem, p. 27.

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O contexto de surgimento dessa teoria jurídico-econômica remonta à incapacidade dos

paradigmas jusnaturalistas, verificados em meados do século XX, em disciplinar os

complexos fenômenos socioeconômicos que se apresentavam em um ambiente de mercado de

racionalização de produção, distribuição e circulação de recursos escassos, especialmente na

grande potência econômica emergente, os Estados Unidos. O livre mercado e o laissez-faire

deram lugar ao Estado de Bem-Estar Social, que demandava o surgimento de uma doutrina

econômica que estimulasse o estudo dos conceitos de justiça e utilidade140.

O movimento, surgido entre economistas, ganha a sua maior expressão entre juristas

em 1972, com a publicação do livro Economic analisys of Law, de Richard Posner, que passa

a ser seu grande representante, de reconhecida influência até os dias atuais141. Posner fora,

posteriormente, nomeado juiz do Tribunal de Apelações da Sétima Região dos Estados

Unidos, sendo conhecido por aplicar em suas decisões preceitos econômicos.

O início da década de 80 foi um período de intensos debates acerca da efetiva

contribuição da análise econômica ao Direito, questionando-se o status de teoria. A principal

questão levantada à época era a maneira de se inserir os direitos em um panorama econômico,

se a atribuição destes poderia ser deduzida das considerações acerca da eficácia ou, ainda, se

para tornar o conceito de eficácia mais preciso, seria necessário fixar alguns direitos

fundamentais. A primeira consideração volta-se para uma ótica utilitarista, posto que coaduna

com a ideia de que é possível ter num ambiente economicamente satisfatório um resultado

que traga um benefício maior para determinado grupo de pessoas quando, para tanto, foi

necessário sacrificar os direitos de um indivíduo ou grupo. A segunda, por sua vez, eleva os

direitos fundamentais sobre qualquer tipo de interesse, o que levaria a situações de impasse142.

Isso demonstra que a orientação nas Universidades e entre os estudiosos que se

debruçaram sobre a área não era, portanto, homogênea, fazendo com que dentro do

movimento surgissem tendências, tais como a conservadora, ligada à Escola de Chicago, que

tem como seu principal expoente o já citado Richard Posner, a liberal-reformista, à qual se

vincula Calabresi, e, ainda, uma terceira corrente, conhecida como tendência institucionalista,

140 GONÇALVES, Everton das Neves. STELZER, Joana. Análise Econômica do Direito: uma inovadora Teoria Geral do Direito. In: BERTOLIN, Aline et al. Direito econômico, evolução e institutos: obra em homenagem ao professor João Bosco Leopoldino da Fonseca. Org. Amanda Flávio de Oliveira. – Rio de Janeiro: Forense, 2009. Cap. 2. p. 32-50, p. 34. 141 Ibidem, p. 11. 142 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. p 12-13.

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que, apesar de não se encontrar diretamente ligada às ideias de um único autor, teve influência

na atuação de vários juristas143.

O novo paradigma lentamente passou a influenciar a doutrina jurídica de outros países

que não a americana. Na década de 1970, o método passou a ser debatido na Austrália,

Suécia, Canadá e Inglaterra, atingindo ainda nações da Europa continental, primeiramente por

meio de países de língua alemã, e, posteriormente as regiões de Flandres e dos Países Baixos

e da Itália. Cumpre destacar que a nova Teoria do Direito foi amplamente debatida também na

França, que, apesar de sua forte tradição na Civil Law, têm apresentado robusta produção

acadêmica na área144.

Vasco Rodrigues, ao introduzir o conceito de Análise Econômica do Direito, pontua

que a análise econômica pressupõe que as escolhas humanas são racionais, fundamentadas

nos incentivos existentes no meio social. A lei se apresenta, portanto, como um incentivo que

influencia o comportamento humano, o qual se modifica quando surge uma inovação

legislativa. Para o autor, um dos méritos da aplicação de princípios econômicos sobre o

sistema normativo é a possibilidade de trazer hipóteses acerca das consequências inesperadas

dos incentivos legais lançados pelo legislador que, buscando atingir determinado objetivo,

acaba por estimular outros comportamentos, muitas vezes indesejados145.

Como exemplo de um incentivo ineficiente é possível citar a 8ª Emenda

Constitucional americana, vigente entre os anos de 1920 e 1933, que proibia o consumo de

bebidas com teor alcoólico superior a 0,5%, no intuito de, eliminando, pelo menos sob o

aspecto legal, o consumo de bebidas alcoólicas, extinguir os problemas de saúde pública

causadas pelo consumo excessivo deste tipo de produto. O resultado foi completamente

oposto ao desejado pelos congressistas americanos. A proibição tornou-se terreno fértil para o

surgimento de produtores e distribuidores ilegais, sendo o contrabando de bebidas uma

atividade extremamente rentável, que incentivou o surgimento de organizações criminosas.

Ademais, não apenas o consumo de álcool não foi extinto durante a época da proibição como

passou a ser superior após os três primeiros anos de vigência da Emenda146.

Segundo Cooter e Ulen, na visão dos economistas, as sanções são equiparáveis aos

preços, reagindo os indivíduos de forma semelhante à ambos, na medida em que consomem

143 ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Análise econômica do direito: contribuições e desmistificações. Direito, Estado e Sociedade, v. 9, n. 29, jul/dez. 2006. p. 49-68. p. 53. 144 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. p 16-18. 145 RODRIGUES, Vasco. Análise económica do direito: uma introdução. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2016. p. 5. 146 LEVINE, Harry G. CRAIG, Reinarman. “From Prohibition to Regulation: Lessons from Alcohol Policy for Drug Policy”. The Milbank Quarterly. Chicago. Vol 69. n 3. 1991. pp. 461 – 494. pp. – 469-473.

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menos produtos caros como praticam menos condutas com sanções elevadas, utilizando-se de

ferramentas próprias da ciência econômica para analisar o efeito dos preços sobre o

comportamento, tais como as teorias dos jogos e dos preços, e métodos empíricos, como a

estatística e a econometria. A economia fornece, portanto, uma teoria comportamental por

meio da qual é possível estabelecer previsões de como as pessoas reagem às leis, aos

incentivos que estas criam147.

Os autores entendem ainda que, da mesma forma como é possível, por meio da lógica

econômica, traçar padrões de comportamentos, a economia e seus mecanismos podem ser

utilizados para analisar o direito e as políticas públicas, uma vez que as leis são verdadeiros

instrumentos para atingir objetivos sociais. Ao traçar uma análise econômica que visa

implementar tais objetivos, é possível prever se as normas elaboradas, ou em vias de

elaboração, estarão em consonância com conceito de eficiência148. Noções sobre conceitos

como eficiência, escassez, maximização de riquezas e equilíbrio, essenciais para a ciência

econômica, serão abordados no próximo tópico.

Assim, a corrente da Análise econômica do Direito se caracteriza por ter o Direito

como objeto de estudo e se valer da Economia como um método de análise, utilizando-se das

ferramentas que esta dispõe para determinar os efeitos da criação e aplicação da norma

jurídica149.

É possível identificar duas dimensões ou níveis epistemológicos no Direito e

Economia, classificadas como Direito e Economia Positivo, a dimensão positiva ou descritiva,

e Direito e Economia Normativo, a dimensão normativa ou prescritiva do método. O primeiro

está ligado às repercussões do Direito no mundo dos fatos, enquanto o segundo trata de

estudar se noções de justiça se comunicam com conceitos de eficiência econômica,

maximização de riquezas e do bem-estar, e, caso a resposta seja positiva, como se dá essa

intercessão150. Ivo Gico Júnior complementa esta ideia trazendo esta distinção como inerente

147 COOTER, Robert. ULEN, Thomas. Direito & Economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco Araújo da Costa. – 5. Ed. Porto Alegue: Bookman, 2010. p. 25-26. 148 Idem, p. 26. 149 NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bittencourt. Custos e Benefícios de um Sistema Jurídico baseado em Standards: uma análise econômica da boa fé subjetiva. Economic Analysis of Law Review, v. 3, n. 2. p. 170-187. 2010. p. 171. 150 SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia”? In: CATEB, Alexandre Bueno et al. Direito & Economia. Org. Luciano Benetti Tim. 2. ed., rev. e atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. Cap. 2. p. 49-62. p. 51-52.

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à uma abordagem pragmática e epistemológica, na qual se distinguem o que é – Direito e

Economia Positivo; e o que deve ser – Direito e Economia Normativo151.

Bruno Salama identifica como característica definidora do Direito e Economia

Positivo a utilização de conceitos de Microeconomia na análise do direito, possuindo esta

dimensão várias versões distintas de como este estudo pode se dar. Dentre elas três são

identificadas como mais proeminentes, sendo as versões reducionista, explicativa e preditiva.

A primeira versão é tida como radical e mostra-se uma corrente minoritária, uma vez que

sugere a redução do Direito à Economia, substituindo-se noções próprias daquele por

categorias econômicas152, o que esvaziaria o Direito, descaracterizando seus institutos.

Já a versão explicativa se mostra mais razoável, posto que não tomaria a Economia o

lugar do Direito, mas sim teria capacidade de construir uma teoria explicativa das normas

jurídicas. Assim, considera-se que as decisões dos indivíduos acerca da maximização de

preferências em um ambiente em que há a escassez de certo bem seriam o mote dos sistemas

jurídicos. A crítica feita a esta versão seria relativa à sua limitação, uma vez que ignora vários

outros fatores que impulsionam a construção de normas e leis, como por exemplo, aspectos

culturais. A versão explicativa da Análise Econômica do Direito não poderia ser adotada

como única teoria a ser aplicada para se obter a real fundamentação das regras positivadas,

sendo necessário também incluir conceitos de outras ciências, como antropologia, filosofia,

psicologia153.

Por fim, a terceira versão, a preditiva, argumenta que os mecanismos econômicos

podem ser aplicados para prever os efeitos das normas jurídicas na sociedade, identificando

quais os custos e benefícios impostos aos agentes e como estes reagirão. A série preditiva

evidencia as consequências advindas das normas, que são frequentemente deixadas em

segundo plano quando os institutos jurídicos são abordados sob a ótica do Direito pura e

simplesmente. A versão preditiva busca traçar os modelos comportamentais advindos das

diferentes abordagens jurídicas, fazendo com que seja possível orientar as condutas por meio

das leis. As críticas a esta versão se assemelham às feitas à explicativa, já que, novamente, a

ciência econômica possui limitações nas análises, uma vez que deve lidar com bens de valor

difícil de quantificar154.

151 GICO JUNIOR, Ivo. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. in: Economic Anlysis of Law Review. v. 1, n. 1, p. 7-33. jan-jun de 2010. p. 19. 152 SALAMA, Bruno Meyerhof, 2008. p. 52. 153 Ibidem, p. 53. 154 Ibidem. p. 53.

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É possível concluir, portanto, que por meio do Direito e Economia Positivo é possível

precisar a norma, qual foi a lógica empregada para a sua elaboração e, ainda, quais são as

consequências decorrentes dos incentivos provocados por ela nas possíveis situações nas

quais terá ou deveria ter efeito155.

O Direito e Economia Normativo, por sua vez, busca estabelecer, dentre as hipóteses

cabíveis, a que possui maior grau de eficiência, ou seja, analisar dentre os modelos

normativos existentes o que melhor se adéqua a um valor previamente instituído156. A AED

Normativa teve como obra mais influente os trabalhos publicados pelo já citado Richard

Posner. Bruno Salama identifica duas fases distintas do autor, sendo a segunda uma

reconsideração acerca da primeira, ocorrida após inúmeras críticas à sua teoria.

Os trabalhos iniciais de Posner na matéria tinham como ponto principal a ideia de que

as instituições jurídico-políticas, assim como as regras adotadas individualmente pelas

pessoas, deveriam ser avaliadas de acordo com o paradigma da maximização da riqueza157,

utilizando-se de critérios racionais, buscando obter a sua máxima satisfação158. A crítica ao

pensamento do autor foi bastante intensa, muitos foram os trabalhos publicados criticando a

visão fundacional da maximização de riquezas no direito. O jurista, posteriormente, revisitou

seus conceitos e passou a adotar uma posição mais branda com relação ao papel da

maximização da riqueza159.

Posner voltou-se ao pragmatismo jurídico e passou a atribuir à eficiência uma

aplicação de menor preponderância ao direito, sendo esse conceito incapaz de promover, por

si só, uma analise completa dos institutos jurídicos, não havendo preponderância deste

conceito sobre os demais valores sociais. Adotando-se um viés pragmatista, observa-se o

direito como um meio para se atingir fins sociais. O autor, valendo-se dessa premissa,

constrói a ideia de que o significado das coisas deve advir de construções sociais e não de

premissas imanentes, devendo as decisões serem analisadas de acordo não apenas com as

circunstâncias, como também pelas consequências que implicam160.

155 GICO JUNIOR, Ivo, 2010. p. 21 156 Ibidem. p. 21. 157 "Embora o objeto tradicional da economia seja o comportamento dos indivíduos e das organizações no contexto mercadológico, uma breve reflexão a respeito da ferramenta analítica básica do economista em seu estudo dos mercados possa ser utilizada de forma mais abrangente. Essa ferramenta é o pressuposto de que cada indivíduo maximize racionalmente sua satisfação". POSNER, Richard A. A economia da justiça. Tradução Evandro Ferreira e Silva; Revisão da tradução Aníbal Mari. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. P. 3. 158 Idem, p. 3-5. 159 SALAMA, Bruno Meyerhof, 2008. p. 58. 160 Ibidem. p. 58.

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Logo, por mais que se revele útil a aplicação da lógica econômica, nos problemas e

nas questões levantados pelo direito, eventualmente o legislador ou jurista irá se deparar com

situações nas quais será necessário se voltar para a filosofia161, especialmente em casos nos

quais estão em jogo direitos humanos fundamentais.

Além das duas vertentes encabeçadas por Posner, a Escola de Economia de New

Haven também promove uma aproximação entre os conceitos de justiça e eficiência,

buscando utilizar o direito como forma de regulação das atividades, sendo vetor de políticas

públicas. Como figuras de destaque é possível citar Guido Calabresi – este já invocado pelos

seus trabalhos, a partir da década de 60, que conferiram força ao método da AED - e Susan

Rose-Ackerman. Segundo esta corrente, o ponto nodal não é estabelecer uma equiparação

entre eficiência e justiça, mas como se pode concretizar uma situação de justiça por meio de

uma análise sopesando custos e benefícios162.

Apesar de apresentadas aqui várias vertentes das aplicações dadas ao Direito e

Economia, cumpre aqui ressaltar que todas convergem para a interdisciplinaridade entre as

duas matérias, buscando na economia novos conceitos e lentes para aplicar ao Direito. O

presente trabalho busca se debruçar sobre um conjunto de leis que entrou em vigor no país no

ano de 2010 buscando dar tratamento diferenciado à explotação de reservas consideradas

estratégicas de modo a, por meio da utilização de conceitos econômicos, predizer quais serão

os efeitos dessas normas,163 ou seja, utilizar-se-á uma análise econômica positiva preditiva,

segundo as definições trazidas.

Será traçada uma previsão acerca das consequências das normas aplicadas, além de

trabalhá-las comparativamente às de regulação dos contratos de concessão, posto que estes

após estudados os modelos de exploração de petróleo, verificaram-se menos vantajosos do

que os contratos de partilha de produção.

Após analisados os efeitos da edição destas leis, observando-se as normas postas e as

normas “depostas”, considerando, além das consequências da primeira, também os efeitos do

afastamento da segunda, será possível sopesar os custos e os benefícios envolvidos na

inovação legislativa, do qual pode se extrair uma noção de eficiência atribuída a criação e

implementação do marco regulatório do Pré-sal.

161 Ibidem, p. 59. 162 Ibidem, p. 59. 163 A exploração de reservas de petróleo se prolonga por décadas, ocorrendo, antes da efetiva produção, as pesquisas exploratórias e o período de desenvolvimento. Até o presente foi realizada apenas uma rodada de licitação nos moldes do novo marco regulatório, o que ocorreu no final de ano de 2013. Contratualmente, foi estabelecido um período de desenvolvimento de quatro anos de duração, o que implica dizer que a efetiva produção de petróleo no Pré-sal, sob o regime de partilha de produção, ainda não começou.

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Esta análise, no entanto, possui limitações inerentes ao próprio método aplicado uma

vez que “a abordagem econômica não exaure a realidade, mas tenta se aproximar dela

relevando características, através da consideração das consequências que não são

tradicionalmente exploradas pela Filosofia do Direito, mas que podem iluminar e enriquecer o

debate filosófico e ajudar na compreensão da prática jurídica”164.

3.2 APLICAÇÃO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: CONCEITOS ADOTADOS E MÉTODO

A teoria do Direito e Economia, inicialmente desenvolvida por economistas, adota

uma metodologia própria na análise de questões jurídicas, aplicando conceitos eminentemente

econômicos e que necessitam ser destrinchados para que sejam bem empregados. Além de

noções próprias da economia, é possível empregar na AED teorias desenvolvidas utilizando

lógica matemática e que tem capacidade de traçar projeções de como o incentivo representado

pela construção normativa reflete ou refletirá na sociedade, ou, ainda, estabelecer

comparações com situações hipotéticas.

Antes de introduzir os conceitos econômicos pertinentes à Análise Econômica,

contidos nas disposições que afetam a produção e exploração de petróleo trazidas pelas leis nº

12.276/2010, 12.304/2010 e 12.573/2010, é necessário frisar, como muito bem sublinha

Salama, que não há uma formula pré-definida a ser seguida na aplicação do Direito e

Economia e que tampouco essa teoria seria capaz de esgotar as discussões dos legisladores e

aplicadores do direito acerca dos problemas e situações jurídicas165. A AED se apresenta

como um mecanismo passível de evidenciar os reflexos das normas jurídicas no meio social e,

assim, contribuir com a formação de juízo sobre a adequação de um instrumento normativo

não apenas considerando os fins pretendidos, mas também os demais efeitos que os incentivos

legais representam de uma forma global.

Nos debruçaremos, portanto, sobre os conceitos principiológicos da microeconomia

preconizados pela teoria neoclássica econômica, corrente majoritária no pensamento

econômico atual166 e de noções como escassez, mercado, monopólio, falhas de mercado, que

serão aplicados quando tratarmos das leis e instrumentos normativos pertinentes à indústria do

petróleo. Apresentaremos ainda teorias econômicas pertinentes à atuação dos agentes no

mercado, tanto as empresas privadas que buscam explorar aquela atividade econômica quanto

164 NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bittencourt. Ob. Cit. p. 174. 165 SALAMA, Bruno Meyerhof, 2008. p. 50. 166 RODRIGUES, Vasco, p. 10.

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os entes públicos destinados a operacionalizar as normas fixadas e regulamentar o mercado,

respeitando suas devidas competências legais.

Ainda, cumpre dedicar espaço à importância da Análise Econômica do Direito no

arcabouço normativo que regula as atividades de produção e exploração do petróleo, e, sendo

essa uma indústria que, além de ter papel central na discussão sobre independência nacional e

soberania, possui grande impacto social e financeiro em qualquer nação, nos parece pouco

proveitoso excluir aspectos econômicos de ponderações acerca da vasta legislação pertinente

a este mercado.

3.2.1 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS DA MICROECONOMIA

A ciência econômica estuda, em breves palavras, o comportamento, relações e

fenômenos decorrentes da administração de recursos escassos167, convencionando-se a sua

subdivisão em dois campos: a microeconomia e a macroeconomia. O primeiro, como o

próprio nome sugere, trata do estudo de sistemas econômicos de pequena escala, os mercados

individuais, enquanto o segundo estuda a economia como um todo, analisando aspectos como

a taxa de juros, o nível de desemprego e todos os demais aspectos que não se referem a um

determinado grupo de agentes econômicos, mas a toda a universalidade destes168.

Apesar da distinção feita entre elas, as duas áreas não podem ser vistas de forma

completamente apartada, uma vez que o conjunto formado pelos mercados individuais dos

quais trata a microeconomia compõe a macroeconomia. John Evans-Pritchard cita como

exemplo de alterações de mercado que têm reflexo nos indicadores macroeconômicos o

mercado cafeeiro brasileiro, que se mostrou como o mais importante do país entre o final do

século XIX e a década de 30, e que, quando afetado por uma má colheita provocava grande

impacto em toda economia, alterando os índices de inflação, de desemprego e o equilíbrio da

balança comercial169.

A Análise Econômica do Direito, como já postulado anteriormente, buscando

estabelecer sobre determinado conjunto normativo um juízo de valor sobre sua adequação ou

buscando prever os seus efeitos em um ambiente social, se utiliza de conceitos próprios da

microeconomia, posto que determinada lei ou norma busca atingir seus objetivos ao se dirigir

a um grupo de agentes, proibindo, fomentando ou regulando certa conduta. Assim como no

exemplo dado anteriormente, é possível que uma regra, ao incentivar a atuação dos agentes 167 NUSDEO, Fábio, p. 28. 168 EVANS- PRITCHARD, John. Macroeconomics: An introductory text. – Londres: Macmillan, 1985. p. 1. 169 Idem, p. 1-2.

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econômicos, provoque efeitos macroeconômicos, especialmente se tratado de uma indústria

como a petrolífera, que não apenas movimenta altos valores em suas atividades, como

também impacta diretamente os preços de bens e serviços em razão a oferta de energia e

combustível.

No que concerne aos princípios e conceitos fundamentais que compõem a teoria

microeconômica, necessários quando da análise do marco regulatório do Pré-sal, não há uma

unanimidade entre os autores que estudam a AED sobre quais seriam tais conceitos

econômicos. Richard Posner elenca três princípios fundamentais para empreender um

raciocínio econômico: a) a relação inversa entre preço e demanda; b) a maximização da

utilidade; e c) o mercado como meio mais eficiente de gerir bens escassos170.

O primeiro princípio, conhecido como lei da demanda, demonstra que, quanto maior o

preço cobrado por determinado bem, menor será a demanda de consumo, uma vez que os

agentes passarão a buscar alternativas menos custosas. Da mesma forma, quanto menor for a

quantidade demandada, os que ofertam os bens terão de reduzir os preços para torná-los

atraentes. Esta lei não se aplica apenas a bens fungíveis, que possuem um preço para serem

comercializados. É possível imaginar situações em que a lei da demanda se manifesta mesmo

que os efeitos financeiros sejam apenas reflexos ou não possam ser precificados171. Se a

legislação ambiental em uma determinada cidade for mais rígida do que a das vizinhas,

empresas deixarão de se instalar lá para se fixar em um local com normas mais permissivas e

atraentes. Da mesma forma, quando uma penalidade por determinada infração aumenta,

menos pessoas estarão dispostas a descumprir esta nova imposição.

A maximização da utilidade propaga a noção de que os indivíduos buscam sempre

uma situação que lhes seja mais vantajosa dentre as opções possíveis, satisfazendo a seus

interesses. É necessário compreender que somente existe um custo quando se nega a alguém o

uso de determinado recurso e o custo desse recurso é igual aos benefícios que deixaram de ser

auferidos em razão deste consumo. É o que os economistas chamam de custo de

oportunidade172. Suponhamos que uma doceira possui uma barra de chocolate que, no

mercado, é comercializada por R$ 5,00, e use essa barra para fazer um ovo de páscoa, pelo

qual cobrará R$ 30,00. Caso a doceira decida comer o chocolate, seu custo não será igual ao

170 POSNER, Richard, 2000, pp. 11-18. 171 Ibidem, p. 12-13. 172 Ibidem, pp. 13-14.

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valor pelo qual a barra é vendida no mercado, mas sim o valor do chocolate somado ao

montante que a doceira deixou de ganhar com a venda do ovo de páscoa, ou seja, R$ 30,00173.

Ronald Coase é um dos pioneiros a tratar dos custos de oportunidade. Seu artigo

intitulado “The Problem of Social Cost” elenca uma série de exemplos nos quais o exercício

de um direito pode restringir ou impossibilitar que outros usufruam de forma irrestrita de seus

próprios direitos. No caso da doceira, os custos de oportunidade e as decisões sobre o que

fazer com o chocolate envolvem apenas uma pessoa. O autor contextualiza o consumo de

recursos em um ambiente social e ilustra a situação de dois vizinhos. O primeiro é criador de

gado e, o segundo, agricultor. O gado do criador promove danos à produção do vizinho ao

pisotear o plantio, sendo necessário construir uma cerca para impedir que o gado invada a

propriedade vizinha e prejudique a plantação. No entanto, esta não é a única solução para o

problema. Caso o criador verifique ser mais barato ressarcir seu vizinho pagando o preço da

produção destruída, essa será a situação mais vantajosa e seu custo de oportunidade174.

Como terceiro princípio, Posner argumenta que a maneira mais vantajosa de se utilizar

recursos é comercializá-los em um mercado, pois, desta forma, os bens irão passar daqueles

que lhe atribuem um menor valor para os que lhe atribuem maior valor e, assim, quando

recursos são empregados em situações nas quais lhe são atribuídos um valor elevado, são

empregados de forma eficiente. A possibilidade de aumento de um benefício atrai o dispêndio

de recursos nesse sentido e, quando não há atratividade, conclui-se que existem barreiras, tais

como assimetrias de informação, escassez de um insumo, dentre outras175.

Já os autores Robert Cooter e Thomas Ulen tomam como fundamentais os conceitos

de maximização, equilíbrio e eficiência para que seja possível compreender as teorias

microeconômicas, tais como as teorias do consumidor, teoria dos jogos, teoria da oferta, teoria

da precificação de ativos176. Os autores entendem que todos os indivíduos, empresas, órgãos e

organizações buscam a maximização daquilo que conforma o seu objetivo particular; as

empresas buscam maximizar o lucro, o telejornalista a sua audiência, o estudante busca

maximizar as notas, valendo-se do pressuposto de que a maioria das pessoas agem de forma

racional, uma vez que o raciocínio racional exige que se busque uma maximização da

173 No exemplo citado, deixamos de incluir outros insumos como o tempo, o gás de cozinha, a energia elétrica, consumidos pela doceira na fabricação dos ovos de páscoa, para que o exemplo fosse traduzido de forma mais simples em valores objetivos. 174 COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost. The Journal of Law and Economics. Vol.3, n. 1. Out. de 1960. pp. 1-44. pp 2-3. 175 POSNER, Richard, 2000, pp. 18-19. 176 COOTER, Robert. ULEN, Thomas, p. 36.

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satisfação. A escolha da melhor alternativa, baseada na noção de satisfação, pode ser definida

como maximização177.

O equilíbrio, por sua vez, define-se como “um padrão de interação que persiste a

menos que seja perturbado por forças externas”. Há, portanto, uma forte relação entre a

maximização e o equilíbrio, uma vez que, em sendo o comportamento de uma pessoa ou um

grupo sempre voltado para a maximização, esta atitude maximizadora tende a impeli-los a um

ponto de repouso, no caso, o equilíbrio. No entanto, o equilíbrio não é o objetivo daqueles que

atuam racionalmente, e sim a maximização. Logo, a interação entre os agentes maximizadores

gera um equilíbrio178.

A eficiência, por sua vez, surge entre os economistas como ponto de discórdia, pois

lhe são atribuídos diferentes conceitos. Cooter e Ulen apresentam a eficiência como uma

situação na qual não é possível produzir mais se utilizando uma mesma quantidade de

insumos, nem manter a produção se empregando menos insumo179.

Por sua vez, Ejan Mackaay e Stéphane Russeau tomam como base da Análise

Econômica as noções de escassez, a escolha racional e a incerteza, considerando relevante

ainda o individualismo metodológico180. O primeiro conceito, que é trabalhado já na definição

de economia, opõe-se à ideia de abundância e surge quando determinado bem não pode ser

utilizado ou consumido sem que outros sejam impedidos de fazê-lo, concomitante ou

posteriormente. A escassez, contudo, não é historicamente determinada, surge a partir do

paulatino exaurimento de um bem antes abundante ou da descoberta de sua utilidade181. A

escassez também está ligada à ideia de subjetividade, uma vez que depende dos usos que

determinado objeto possa ter ou da possibilidade de ser substituído por outro que se mostre

mais vantajoso de alguma forma182.

177 Ibidem, p. 36-37. 178 Ibidem, p. 37. 179 Ibidem, p. 38. 180 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. p. 26. 181 Os autores utilizam como exemplo de bem que passou a ser escasso em função de atribuição de utilidade a gasolina, que, antes da popularização dos motores a combustão, era um subproduto do refino do querosene descartado, pois não era empregada em nenhuma atividade. Também exemplificam a alteração de um ambiente de abundância para uma situação de escassez ao descrever a relação entre as disputas territoriais entre tribos indígenas norte-americanas e a busca por peles. A partir da chegada dos europeus, as peles de animais, antes abundantes, passaram a ser objeto de troca e comércio entre colonos e indígenas. O aumento da caça, antes empreendida apenas para suprir a necessidade das comunidades locais, fez com que os animais passassem a desaparecer onde a atividade predatória era mais intensa, fazendo com que os indígenas de uma tribo invadissem territórios de tribos vizinhas, antes respeitados, provocando conflitos violentos em um ambiente anteriormente pacífico (Ibidem, pp. 26-30). 182 Ibidem, p. 28.

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Os autores ainda frisam que a escassez, frequentemente, é a razão de conflitos. Isso

porquanto, quando se está diante de um bem que não pode ser consumido ou utilizado a

qualquer tempo por todos que deles necessitam, é preciso regular o seu uso, estabelecendo-se

quais usos concorrentes devem ser adotados. Esta regulação pode ser determinada por meio

de violência, por meio de consenso ou pela imposição de normas por um poder soberano. O

estabelecimento de direitos sobre os bens é uma forma de solucionar os conflitos motivados

pela escassez183.

A escassez de determinado bem incentiva os indivíduos a buscarem soluções para

atender as suas necessidades, optando por alguma alternativa disponível. As mudanças em um

cenário impulsionam os indivíduos a perseguir uma situação mais vantajosa para si, reduzindo

ou evitando danos ou melhorando suas condições. As escolhas tomadas são baseadas nas

informações disponíveis ao agente, que, baseado nos resultados que pretende atingir, busca

dentre as opções disponíveis aquela que melhor atenda suas necessidades, considerando os

custos envolvidos. A premissa compreendida nesta situação é a de que os indivíduos fazem as

suas escolhas de forma racional. Esse modelo é considerado de grande utilidade a predições

econômicas, pois, a partir dele, são deduzidas regras empíricas, a exemplo da relação entre

preço e demanda descrita por Posner184.

A escolha racional, no entanto, pode divergir de uma escolha ideal aos objetivos

imaginados em razão de fatores não previstos pelos agentes. Além da assimetria de

informações, há a possibilidade de existir incertezas sobre os parâmetros subjetivos do

ambiente e sobre ações de terceiros que não estão diretamente envolvidos nas relações, além

de dúvidas que podem cercar a racionalidade dos demais jogadores185.

A existência de fatores que estão fora do alcance de previsão dos agentes, que os

impede de incluí-los quando equilibrados os custos e os benefícios na tomada da escolha

racional, fomentam críticas ao modelo. Dentre elas, alega-se que a racionalidade é limitada

por se basear na análise de informações que os indivíduos raramente possuem. Daniel

Kahneman e Amos Tversky, pesquisadores no campo da psicologia cognitiva, observaram

que as sucessivas escolhas contrárias a lógica racional demonstram que a racionalidade é

falha, sendo necessário aplicar outros elementos para a análise comportamental186.

183 Ibidem, p. 29-30. 184 Ibidem, p. 31-32. 185 PINHEIRO, Armando Castelar. SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 186 Nas palavras dos autores “We argue that the deviations of the factual behavior from the normative model are too widespread to be ignored, too systematic to be dismissed as random error and too fundamental to be accommodated by relaxation of the normative system” (KAHNEMAN, Daniel. TVERSKY, Amos. Rational

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No entanto, apesar das críticas ao pressuposto de que todos os agentes em determinado

meio irão aplicar a racionalidade em suas escolhas, Russeau e Mackaay concluem que o

modelo da escolha racional pode ser útil no estudo de Ciências Sociais como uma primeira

aproximação aceitável. Contudo, é necessário atentar para o fato de que o modelo não é

perfeito, especialmente quando consideradas decisões que envolvam incertezas ou riscos187.

As escolhas feitas pelos indivíduos ao buscar satisfazer suas necessidades e

administrar a escassez envolvem mudança e inovação. Os resultados, são, no entanto,

incertos, ainda que existam expectativas de sucesso nas medidas adotadas. Os

empreendimentos, contratos, atividades e até mesmo a simples compra de bens possuem um

risco, que podem variar de altos a muito remotos. A incerteza e os riscos, porém, podem ser

minimizados, compartilhados ou transferidos188. O risco de dano físico ao dirigir um carro é

reduzido pelo uso de airbags, o insucesso de um empreendimento imobiliário é dividido entre

empresas que investem conjuntamente e o risco de danos financeiros pela perda de um bem é

transferido quando é feito um contrato de seguro.

Como exemplo de solução alternativa para combater a escassez, temos um cenário de

dependência por veículos movidos a motores de combustão interna, o Brasil adotou, a partir

da década de 80, políticas de incentivo a escolhas individuais que escapassem àquela

dependência. Assim foi com o subsídio ao álcool como carburante, com o rodízio de veículos

na cidade de São Paulo, com o estímulo ao uso do transporte coletivo – especialmente para

acesso ao centro das grandes metrópoles, com a disponibilização de malha ferroviária em

algumas cidades-dormitório, com a modernização de portos para escoamento de carga, com o

advento dos modernos Veículos Leves sobre Trilhos – VLT – no Rio de Janeiro em vias

expressas, e também com o projeto de trem-bala interligando Rio e São Paulo.

É verdade que as políticas públicas citadas acima, se bem que não só voltadas a

substituir a gasolina como combustível, mas também como soluções para a mobilidade urbana

e para o combate à poluição, representam inovação tecnológica e apontam para uma tomada

de decisões por parte dos indivíduos que envolve mudança de comportamento.

Todas as construções anteriores, a escassez, a racionalidade e a incerteza são conceitos

aplicados às respostas individuais aos incentivos. Ainda que determinado agente econômico

não seja propriamente uma pessoa física, como uma empresa, o Estado, uma organização, ou

até mesmo um coletivo não organizado, como “a população”, ou “os estudantes Choice and the Framing of Decisions. The Journal of Business, Vol. 59, n. 4, part. 2: The Behaviorial Foundations of Economic Theory, pp. S251-S278. Out. de 1986. p. S252. 187 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. pp. 37-38. 188 Ibidem, p. 39-40.

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universitários”, estes são compostos ou representados por pessoas que, individualmente,

tomam decisões, agem e respondem a incentivos. A análise de fenômenos sociais por meio

das escolhas individuais é chamada de individualismo metodológico, princípio que se opõe a

ideia de que os fenômenos coletivos são autônomos ou possam determinar o comportamento

individual189.

A definição de individualismo metodológico, no entanto, não se mostra unânime entre

os economistas, sendo aplicada de forma mais ou menos restritiva. Há ainda discussões acerca

do alcance deste princípio: se considera que os fenômenos sociais devem ser avaliados apenas

considerando-se os indivíduos, ou ainda, se devem ser analisadas também as relações entre

estes indivíduos e, sendo as estruturas sociais resultado das relações individuais, se deveriam

estas integrar a análise dos fenômenos sociais190. Russeau e Mackaay consideram que, além

das decisões individuais, devem ser estudadas as escolhas tomadas quando há a interação

entre indivíduos191.

Por fim, o autor português Vasco Rodrigues apoia a análise econômica do direito em

três princípios: a escolha racional, premissa que parte da ideia de que os indivíduos fazem as

escolhas racionalmente; o equilíbrio, que parte do pressuposto de que as escolhas coletivas se

baseiam em escolhas individuais tendendo a uma situação equilibrada; e, por fim a eficiência,

atestando que esta seria, em um plano normativo, o fundamento da análise do comportamento

humano192.

Tais conceitos trazidos pelos autores que se debruçam sobre o estudo da Economia e

Direito são necessários para compreender a análise dos custos e benefícios havidos com a

adoção do modelo contratual de partilha de produção em detrimento dos contratos de

concessão previstos pela Lei 9.489/97. No entanto, será necessário ainda trazer à lume o

método empregado para equacionar a relação entre os incentivos positivos criados pela

inovação legislativa e suas consequências negativas.

3.2.2 O MÉTODO APLICADO NA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

A aplicação de conceitos típicos da ciência econômica no direito tem sido uma

ferramenta de juristas e economistas ao se debruçar sobre fenômenos e situações nas quais o

189 Ibidem, p. 41. 190 HODGS ON, Geoffrey M. Meanings of Methodological Individualism. Journal of Economic Methodology, Vol 14, N. 2, Junho de 2007, pp. 211-26, p. 22. 191 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. p. 42. 192 RODRIGUES, Vasco, p. 10

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arcabouço normativo existente possui reflexos no mundo fático. Apesar de ter notória

instrumentalidade, a Análise Econômica do Direito não segue uma metodologia

reconhecidamente própria. Mackaay e Russeau sublinham que, apesar de esta corrente ter

surgido nos Estados Unidos, as obras americanas não discorrem sobre os métodos utilizados.

Até mesmo trabalhos de autores clássicos como Richard Posner, Thomas Ulen e Robert

Cooter se furtam de explicitar uma metodologia clara, limitando-se, muitas vezes, a introduzir

os conceitos econômicos necessários para construir a linha argumentativa e as conclusões

apresentadas193.

Outros autores, especialmente europeus, tiveram maior cuidado em estabelecer uma

metodologia organizada de modo a introduzir ao interlocutor o tema, como por exemplo, a

indicação de organogramas. Jüngen Backhaus no livro “The Elgar Companion to Law and

Economics” apresenta a análise econômica tendo três objetivos: identificar os efeitos das

regras, analisar a coerência dessas regras e, por fim estabelecer o quão desejáveis tais regras

são. O autor ainda aplica esta metodologia em três diferentes contextos nos quais as regras se

inserem: o conjunto de leis existentes em um ordenamento jurídico, a jurisdição e o

contencioso administrativo194.

Mackaay e Russeau sugerem um método aplicado à análise jurisprudencial baseado

nas ideias de David Friedman nas quais há três níveis de análise, sendo o primeiro referente à

análise dos efeitos das normas e, consequentemente, quais seriam os resultados da norma caso

ela não sofra ou não tivesse sofrido alterações. Neste caso não se observa um juízo de valor

sobre a adequabilidade moral da norma195.

O segundo nível de análise econômica se volta para os fundamentos das regras

existentes em um ordenamento jurídico. Estes fundamentos estariam relacionados à sua

eficiência no meio social, e, por eficiência - aplicando-se o conceito da própria ciência

econômica - considera-se obter o melhor resultado possível. A grande dificuldade neste tipo

de análise é estabelecer um padrão que defina o bem-estar global de uma sociedade, quando

as próprias normas impostas possuem resultados variáveis a depender das circunstâncias e os

próprios agentes econômicos afetados reagem de maneiras distintas.

Os economistas, vislumbrando o problema, buscaram solucioná-lo por meio da

definição de um critério de avaliação. Um dos modelos considerados foi o ganho de Pareto,

193 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. p. 665. 194 Ibidem, p. 666. 195 Ibidem, p. 667.

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no qual, em um sistema, só se verifica efetiva eficiência quando a alocação de recursos se dê

de modo que nenhum dos integrantes daquele sistema tenha alguma perda196.

No entanto, o equilíbrio ou ganho de Pareto se mostrou uma situação praticamente

inatingível, especialmente em se tratando de situações que têm reflexos em vários setores da

sociedade. Assim, como alternativa, foi desenvolvido o critério de eficiência de Kaldor-Hicks,

no qual se considera uma situação mais eficiente em relação a outra quando os recursos são

alocados de forma que os ganhos, de forma geral, sejam elevados, ainda que alguns

indivíduos fiquem em situação pior do que antes estavam197.

O equilíbrio de Kaldor-Hicks prevalece no pensamento econômico, no entanto, sua

aplicação não é livre de críticas, posto que, em situações em que há perdas e ganhos para

todos os elementos na situação que se busca analisar, é necessário se socorrer de análises

individuais das relações interpessoais198.

Em breves linhas, ao desenvolver a análise no segundo nível descrito por Mackaay e

Russeau, o fundamento de uma norma é estabelecido pela sua eficiência em um determinado

meio jurídico.

O terceiro nível de análise das normas jurídicas busca determinar a norma mais

desejável, considerando-se a regra existente e as possíveis normas adotadas, avaliando quais

os efeitos possíveis das construções jurídicas que se pretende estabelecer, comparando tais

resultados e definindo qual seria a mais eficiente e, por fim, comparando-a com a norma

existente199.

Mackaay e Russeau ainda definem as quatro etapas da Análise Econômica do Direito,

sendo a primeira delas a delimitação da estrutura de incentivos criadas pela norma,

identificando-se os efeitos destes incentivos por meio das ferramentas disponibilizadas pela

economia, sendo adequado, ainda, quando possível, comparar a norma estabelecida com a

norma oposta200. Seria, o caso, por exemplo, ao se regular o uso de determinada substância ou

produto, como bebidas alcoólicas, confrontar os efeitos da proibição com os da permissão. Os

autores entendem que a etapa de delimitação dos incentivos criados pela norma é essencial

para o cálculo de seus efeitos e seria a primeira etapa dos dois outros níveis de análise201.

196 Ibidem, p. 668. 197 COOTER, Robert. ULEN, Thomas. p. 66-67. 198 COLEMAN, Jules L. Efficiency, utility and wealth maximization. Hofstra Law Review. Hempstead. Vol. 8. n. 509. 1979-1980. pp 510-562. pp. 519-520. 199 MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stéphane. p. 669. 200 Idem, p. 770. 201 Ibidem, p. 770.

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A segunda etapa da análise leva, a depender do caso, a identificar o fundamento da

regra ou qual a regra mais desejável, quando, após comparados os incentivos lançados ao

mercado, que norma é mais eficiente, produzindo os melhores resultados com o menor

consumo de recursos202.

A etapa seguinte visa adicionar à análise das normas jurídicas os custos de transação

que a própria norma cria. Quando, por exemplo, se determina que as receitas tributárias não

pagas serão cobradas pela via judicial, com intento arrecadatório, é necessário considerar

também que a cobrança desses créditos implica em gasto de recursos e, quando os gastos são

superiores ao valor arrecadado, se está diante de uma norma ineficiente. Seria necessário

corrigir o custo de transação por meio de algum outro instituto ou norma203. Cumpre ainda

ressaltar que poucas são as situações isentas de custos de transição, sendo uma etapa de

grande importância nos três níveis de análise204.

Por fim, a última e quarta etapa da análise leva à aplicação de estudos empíricos como

recurso para confirmar ou refutar as hipóteses levantadas, uma vez que possuem a maior

clareza em espelhar a realidade. No entanto, a análise empírica emprega como ferramentas

modelos, técnicas de análise de dados e projeções que, em muitos casos, se tratam de

instrumentos com os quais o jurista que pretende empregá-los não possui familiaridade205.

Ao nos debruçar sobre a alteração regulatória que alterou a exploração e produção de

petróleo no Pré-sal e demais áreas estratégicas, é necessário que algumas considerações

concernentes à abordagem da questão sejam pontuadas para que se conclua pelo método

aplicado. O objetivo da análise, por meio da comparação entre o regime jurídico de

exploração determinado pela Lei 9.487/97 e o instituído pelo conjunto das Leis 12.276/2010.

12.304/2010 e 12.351/2010, é estabelecer os custos e os benefícios da mudança legislativa,

donde se concluirá por ser a instituição do marco regulatório mais benéfico ou mais custoso.

Não se trata, portanto, de estudar uma norma positivada e uma hipótese para substituí-

la, mas sim a alteração legislativa que já está em vigor. Na análise comparativa, questionam-

se os custos e os benefícios que seriam atingidos caso mantido o modelo de contratações antes

aplicados a todos os contratos de produção e exploração de petróleo, os contratos de

202 Ibidem, p. 770. 203 No exemplo citado, encontra-se paralelo na legislação brasileira, que determina que os créditos inscritos em Dívida Ativa da União serão cobrados por meio de execução fiscal. No entanto, a Portaria nº 75 de 2012, do Ministério da Fazenda, determina que apenas serão ajuizadas execuções fiscais de débitos com valor superior a R$ 20.000, 00 (vinte mil reais), havendo intuito de reduzir o gasto de recursos com débitos de valor pouco relevantes. 204 Ibidem, p. 671-673. 205 Ibidem, p. 673-674.

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concessão, para exploração do Pré-sal e os custos e os benefícios advindos com a aplicação

dos contratos de partilha de produção.

É possível se utilizar do método trazido por Ejan Mackaay e Stephane Russeau, apesar

de o tema em comento não se tratar de uma análise de jurisprudência, mas de normas

positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, posto que tais normas produziram efeitos

concretos, com resultados que atingiram reflexos econômicos claros.

A análise dos custos e benefícios atinge o primeiro nível descrito pelos autores, posto

que esta relação é avaliada em razão dos efeitos da norma introduzida, sopesando os efeitos

que impõem um custo e os que acarretam benefícios, especialmente frente aos resultados que

a aplicação da norma modificada teria. Aos efeitos das normas, são atribuídos, na análise

proposta, a característica de custo ou benefício, que, quando avaliados em conjunto, se atinge

uma noção de eficiência, correspondendo, em certa medida, à segunda etapa descrita por

Mackaay e Russeau.

O legislador, ao propor a aplicação dos contratos de partilha de produção em um

modelo que previa, originalmente, a ampla participação do Estado, por meio da Petrobras no

Pré-sal, entendeu que os contratos de concessão seriam ineficientes frente à realidade

exploratória das novas jazidas descobertas. Avaliar a eficiência do marco regulatório do Pré-

sal aprovado em 2010, frente às disposições da Lei do Petróleo, que já estava em vigor e cuja

a aplicação nos contratos para a exploração das novas jazidas não importariam em custos com

a criação legislativa, considerando os efeitos daquela, adentra no segundo nível descrito pelos

autores.

Deste modo, além da delimitação da estrutura de incentivos criada pela norma, serão

identificados os custos de transação inerentes à implementação do novo marco regulatório,

avaliados, por fim, em um balanceamento entre os efeitos benéficos e os efeitos negativos

(custos).

3.3 A JUSTIFICATIVA PARA ANALISAR A REGULAÇÃO DA EXPLORAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO SOB O VIÉS ECONÔMICO.

Inovações legislativas podem ser analisadas sob diversos aspectos, existindo amplo

leque de “lentes” pelas quais o jurista pode observar as normas. O marco regulatório

consubstanciado nas Leis 12.276/2010, 12.304/2010 e 12.351/2010, da mesma forma, pode

ser abordado por inúmeras vertentes, no entanto, a Economia põe à disposição do Direito

instrumentos extremamente úteis à análise das questões que esta ciência se propõe a

solucionar.

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Gustavo Carneiro Leão, em tese na qual analisa o marco regulatório do Pré-sal sob a

perspectiva da Análise Econômica do Direito, com o objetivo de averiguar ser o novo modelo

contratual para a exploração e produção de petróleo e gás vantajoso ou não para o país,

defende, em suma, que, em sendo o direito vazio de conteúdo para solucionar os conflitos que

lhe são levados, se socorre de outros campos de conhecimento, seja no momento ex ante, na

elaboração da norma jurídica, ou no momento ex post, diante do caso concreto no qual é

necessário construir uma lógica argumentativa que leve à melhor decisão206.

A economia se mostra como uma ciência por meio da qual o jurista poderia embasar

suas decisões de modo a conferir correspondência entre a norma e a realidade, sendo a

aplicação dos conceitos e instrumentos econômicos em questões jurídicas um método

celebrado pelos adeptos do pragmatismo jurídico. Richard Posner, o maior expoente da

corrente de Law and Economics, adotou em período mais recente de sua vida acadêmica um

posicionamento de viés pragmático, no qual o Direito é tratado exclusivamente como meio

para a consecução de fins sociais207.

Soma-se às considerações acima expostas – a ausência de conteúdo do Direito e a

capacidade da Economia de produzir uma análise que aproxima as regras jurídicas da

realidade – o fato de que as relações econômicas, no sistema de sociedade capitalista que se

impõe no Brasil, são reguladas pelo direito, de forma que as estruturas econômicas, dentre

elas o mercado, constituem uma ordem pública organizada pelo direito posto pelo Estado208 209.

Desta forma, em sendo a Economia objeto de regulação normativa com o objetivo de

encorajar ou desencorajar determinadas práticas, ou seja, tendo o político legislador o objetivo

de, por meio do Direito, provocar resultados desejáveis na economia, o meio mais adequado

de averiguar se os objetivos foram efetivamente atingidos é aplicando instrumentos e

conceitos próprios da Economia.

Há íntima relação entre a Economia e o Direito, consagrada pelas assim chamadas

constituições econômicas, uma tendência inaugurada pela constituição mexicana de 1917, e

206 LEÃO, Gustavo Ramos Carneiro. Regimes de contratação para petróleo e gás no Brasil: o regime de concessão previsto na Lei 9.478/97 e o regime de partilha introduzido pela Lei 12.351/2010 sob a perspectiva da análise econômica do direito. Orientador: Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2013. p. 19. 207 SALAMA, Bruno Meyerhof, 2008. p. 58. 208 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015. pp. 31-32. 209 Aqui não se pretende analisar a obra de Eros Roberto Grau e sua compatibilidade com a ideia de que o Direito não possui em si as ferramentas necessárias para discutir as matérias que regula, possuindo papel ordenador das relações humanas, mas sim evidenciar que as relações econômicas são ordenadas pelas normas jurídicas.

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incorporada na Carta brasileira de 1988, a qual consagra um capítulo para dispor sobre a

ordem econômica, conferindo especial destaque para a atividade econômica de produção e

exploração de petróleo.

3.3.1 A INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO

As primeiras noções de Economia e as raízes do pensamento econômico se iniciam na

Grécia antiga, quando a satisfação das necessidades humanas por meio da administração dos

recursos à disposição não era mais do que um dos aspectos da vida do cidadão210. A evolução

das construções e organizações sociais, e especialmente, o surgimento de um Estado

soberano, culminou na divisão do trabalho e de bens de produção da sociedade capitalista, na

qual cada indivíduo exerce um papel na ordem coletiva estabelecida.

Na sociedade atual, a produção e o consumo de bens estão organizados em um sistema

econômico211, sistema este, na lição de Eros Grau, disciplinado pelas normas jurídicas

determinadas pelo Estado, que garantem constância e estabilidade essenciais para o mercado.

As normas positivadas conferem segurança e certeza no cumprimento dos contratos, de modo

a domar determinismos econômicos212.

Contudo, apesar de necessitar da normatização imposta pelo Estado, exige o mercado

que a sua atuação seja mínima, para assegurar a fluidez inerente às relações econômicas,

atingindo os agentes econômicos uma dupla garantia: tanto se protegem do Estado,

racionalizado de modo a atingir os interesses da sociedade, aos quais se sujeitam, quanto se

protegem dos demais agentes econômicos, cuja atuação desordenada impediria seu

funcionamento213.

Sob esta ótica, a influência estatal na economia é a razão da existência do próprio

Estado, que o faz de forma mais ou menos intensa a depender dos interesses dominantes, pelo

exercício de sua força política, mas que precisam ser legitimados. As Constituições formais

possuem papel central no processo de legitimação e atribuição de caráter universal e social a

interesses econômicos, ainda, consolidando o papel do Estado como agente instituidor de

políticas públicas, quando o capitalismo, desgastado pelo conflito de classes, precisa ceder a

apelos sociais de forma a manter a hegemonia do sistema.

As constituições econômicas não são, como muitos poderiam pensar, produto de uma

construção surgida apenas no século XX, que têm por exemplos clássicos a Constituição 210 DENIS, Henri. História do Pensamento Econômico. 5. ed. Lisboa, Livros Horizonte. p. 14. 211 DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 2. 212 GRAU, Eros Roberto. Ob. cit. pp. 35-36. 213 Ibidem, p. 37.

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Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar, datada do ano de 1919, mas sim, estão

presentes ao longo da história, inexistindo uma constituição formal que não possua

disposições de cunho econômico em seu conteúdo214.

A Constituição brasileira de 1988 dedica seu Título VII à fixação de princípios e de

políticas que devem reger a ordem econômica. A Carta brasileira elenca dentre os princípios

gerais da atividade econômica a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da

propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a

redução das desigualdades regionais e sociais, a busca pelo pleno emprego e o tratamento

favorecido a empresas de pequeno porte constituídas sob a lei brasileira, que tenham sua sede

e administração no país. O legislador originário buscou equilibrar na Constituição ideais de

cunho social e de cunho liberal, contrastando, por exemplo, a propriedade privada e a função

social da propriedade.

Ao consagrar a proteção de tais princípios, independentemente de se mostrarem de

cunho social ou liberal, a Constituição, legando ao Estado a proteção de tais princípios,

interfere nos agentes econômicos.

A livre concorrência, que é um princípio eminentemente ligado ao pensamento liberal,

não deve se confundir com a liberdade dos agentes econômicos no mercado para atuar sem a

tutela do Estado, ao contrário, existe relevante produção legislativa no sentido de proteger a

concorrência de más práticas de mercado, com especial destaque para a Lei 12.529 de 2011,

que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, além da existência de

Autarquia Federal na qual são instruídos processos administrativos de apuração de infração à

ordem econômica e processos de análise de atos de concentração, o Conselho Administrativo

de Defesa Econômica - CADE.

A Constituição prevê a atuação do Estado na economia de duas formas distintas: como

agente normativo e regulador da atividade econômica, tendo por atribuições fiscalizar,

desenvolver e planejar, atuando de forma indireta; e explorando diretamente a atividade

econômica quando houver relevante interesse coletivo ou for necessária aos imperativos de

segurança nacional, ou ainda como prestador de serviços públicos, atuando, de forma direta

na economia.

O legislador originário, ao tratar sobre os princípios e diretrizes que iriam guiar a

atuação do Estado na ordem econômica, dispensou especial atenção às atividades de

exploração e produção de petróleo, ora objeto de análise, declarando-as como monopólio da 214 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 32.

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União - que foi posteriormente flexibilizado - e admitindo que empresas privadas pudessem

executar as atividades atinentes à cadeia upstream da indústria do petróleo.

Sendo assim, havendo tamanha cautela do constituinte em estabelecer normas

específicas para tais atividades econômicas, em lugar de mantê-las sob diretrizes genéricas,

depreende-se que há interesse que as normas constitucionais e infraconstitucionais

posteriormente positivadas promovam os efeitos desejados, passíveis de serem apurados por

meio da análise econômica dos instrumentos legais que ordenam tais atividades.

3.3.2 EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO NO BRASIL: REGULAÇÃO E INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO

Em razão da flexibilização do monopólio das atividades de produção e exploração de

petróleo, regulamentada pela Lei 9.478/97, o Estado passou a atuar tanto de forma direta na

economia, como vinha fazendo nas décadas anteriores, por meio da Petrobras, como também

de forma indireta, especialmente por intermédio da Agência Reguladora designada para

regular e fiscalizar os contratos de concessão realizados entre a União e as empresas

concessionárias, sejam elas públicas ou privadas.

Quando se trata de regulação, Calixto Salomão Filho identifica dois instrumentos

regulatórios: a regulação da concorrência, limitando-se o poder econômico dos agentes e

evitando assim a concentração econômica, restringindo o domínio das instituições financeiras

e protegendo o consumidor de abusos; e a atuação do próprio Estado como centro de

planejamento ou a prestação direta de determinado serviço público ou atividade, havendo, no

primeiro caso, a regulamentação dos contratos administrativos e, no segundo, a

regulamentação do funcionamento da empresa pública ou sociedade de economia mista215.

As atividades desenvolvidas pela cadeia da indústria do petróleo brasileira não estão

sujeitas a controles de regulação da concorrência, posto que se trata de um monopólio

constitucionalmente instituído. Até a flexibilização do monopólio, por meio da Emenda

Constitucional 9/95, a Petrobras era a empresa por meio da qual o Estado atuava diretamente

na economia nas atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos216. A partir de

215 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica (princípios e fundamentos jurídicos). 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. pp. 16-17. 216 Os Contratos de Risco, existentes no Brasil entre os anos de 1976 e 1988, ano no qual foram terminantemente vedados pela constituição, se tratavam de ajustes por meio dos quais empresas privadas prestavam serviços à Petrobras, como executora do monopólio estatal, recebendo a empresa privada remuneração pelos serviços prestados. Não se transferiam direitos de exploração à empresa contratada, tampouco o petróleo advindo da empreitada. (RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. ob. cit. pp. 397-399). Mesmo autorizando-se outras empresas a exercer atividades da cadeia upstream, a Petrobras exercia o papel de única operadora do monopólio.

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então, as jazidas de petróleo brasileiras passariam a ser exploradas não apenas pela estatal,

que manteve as operações em campos nos quais já havia efetiva produção, mas por qualquer

empresa que participasse das rodadas de licitação de campos de petróleo e fizesse a melhor

oferta de exploração.

A Lei 9.478/97 disciplinou as normas e o modelo de contratação das empresas

vencedoras das licitações, inclusive a Petrobras, além de estabelecer a Agência Reguladora –

Agência Nacional do Petróleo (ANP) - com poderes para fiscalizar, editar normas e impor

punições às empresas concessionárias. A Petrobras teve seu papel reduzido, submetendo-se à

regulação aplicada a todas as empresas concessionárias, concorrendo a partir da 1ª Rodada de

Licitações juntamente com as empresas privadas. No entanto, a estatal manteve-se como

importante elemento de promoção de políticas energéticas, detendo ainda a União o controle

sobre a Petrobras, e, mesmo após ter perdido a exclusividade na exploração e produção de

petróleo, a empresa foi responsável por 83,5% da produção de petróleo no Brasil no ano de

2015217.

A conformação estabelecida pela Emenda Constitucional 9/95 e pela Lei do Petróleo

faz com que coexistissem no Brasil dois instrumentos de cooperação entre iniciativa privada e

a administração pública: a sociedade de economia mista e os contratos de concessão.

Cooperam em matéria econômica na sociedade de economia mista, a Petrobras, a

Administração Pública, representada pela União Federal e outros entes estatais que detém o

controle acionário de mais de 50% das ações ordinárias da empresa, e demais investidores

privados, entre estrangeiros e nacionais.

Também os contratos de concessão se revelam como instrumento de cooperação, posto

que o Estado, ao conceder a exploração de bens que são patrimônio na União, busca perseguir

um interesse público, qual seja garantir o fornecimento de combustível derivado de petróleo

no país, além de obter vantagens financeiras advindas da exploração, enquanto o particular

concessionário busca o lucro na exploração naquela atividade econômica.

Nas situações em que as sociedades de economia mista são controladas pelo Estado, a

cooperação por meio de sociedades de economia mista se mostra mais vantajosa do que as

cooperações por meio de contratos de concessão sempre que a estrutura societária interna for

mais apta que o contrato para unir os interesses públicos e particulares218.

217 AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural e biocombustíveis: 2016. Rio de Janeiro: ANP, 2008. p. 78. 218 SALOMÃO FILHO, Calixto. Ob. cit. p. 189.

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Ademais, nos contratos públicos, nos quais também o interesse da sociedade é a razão

de sua existência, é necessário que principalmente o ente particular que recebe a concessão

seja estimulado a cooperar, caso contrário, será necessário um sofisticado aparato de

fiscalização por parte do Estado para garantir a persecução do interesse público, posto que,

mesmo estando o particular submetido ao regime de direito público ao assumir uma obrigação

por meio de um contrato de concessão, não se alteram as suas características como agente

econômico que persegue interesses privados219.

Nos contratos de partilha de produção trazidos pela Lei 12.531/2010, a cooperação

entre Estado e particular se mostra como característica ainda mais forte no contrato, posto que

a própria produção será partilhada entre ambos.

Uma particularidade que influencia sobremaneira a lógica da regulação do mercado de

exploração de petróleo no Brasil é a posição do Estado nesta atividade econômica. Ele não

apenas edita as normas que irão exercer influência no mercado, como é o proprietário do bem

que objeto da atividade, as jazidas de petróleo, e ainda atua concorrendo com os outros

agentes econômicos, sob forma de uma sociedade de economia mista, ou seja, em cooperação

com a iniciativa privada, para explorar seu próprio patrimônio.

Essa construção jurídico-administrativa-regulatória da cadeia upstream do petróleo faz

com que dificilmente uma teoria da regulação consiga conformar todos os interesses que

atuam nesse mercado da forma com que seus agentes se posicionam.

Richard Posner, ao elaborar uma teoria sobre a regulação, onde discorre sobre a

fundamentação que leva o estado a intervir na economia, buscando estabelecer um padrão

para a atuação estatal, não sopesou nas hipóteses em que apresentou os efeitos dos interesses

de um Estado que atua como agente econômico em um sistema regulado pelo próprio Estado,

o que não é surpresa estando o autor imerso na realidade americana, onde, pelo menos

observando-se a indústria do petróleo, o sistema acessionista garante que o Estado não se

posicione como proprietário da riqueza natural, não auferindo renda no contrato que outorga o

direito de exploração, e tampouco exerce tais atividades220.

219 Idem. p. 188. 220 A distância entre o Estado e a atividade petrolífera nos Estado Unidos não implica dizer que não intervenha na economia ou neste setor. Gilberto Bercovici expõe em sua obra que, no ano de 1995, a empresa petroleira chinesa CNOOC tentou adquirir a norte-americana Unocal Corporation, que detinha vastas reservas de petróleo nos Estados Unidos em na Ásia. Nesta ocasião, o Congresso norte-americano reagiu e se manifestou contra o negócio. Após anos de negociações, a Chevron, que ofereceu proposta de US$ 16,5 pela compra da empresa, recebeu a aprovação do Governo americano, que preteriu a proposta, financeiramente mais vantajosa, da CNOOC, de US$ 18,5 bilhões (Bercovici, Gilberto. Ob. cit. p. 315).

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Em sua obra, Posner expõe as duas mais tradicionais teorias; a do Interesse Público,

que atesta que o Estado intervém na economia atendendo ao interesse da sociedade para

reparar práticas de mercado ineficientes ou excludentes; e a Teoria da “Captura”, segundo a

qual o aparato regulador estatal seria capturado por interesses de grupos econômicos que

buscam maximizar seus próprios ganhos221.

Ambas são rechaçadas pelo autor, que se filia à teoria de que, como o poder coercitivo

do governo pode ser utilizado para beneficiar indivíduos ou grupos por meio de regulação

econômica, pode ser visto como um produto, cuja alocação varia de acordo com as regras de

oferta e demanda, podendo ser aplicada a essa situação a teoria dos cartéis222. Em todas as

conjunções que expõe, no entanto, Posner conclui que a regulação ocorre em razão da busca

pela maximização de vantagens dos indivíduos e grupos, mesmo a Teoria do Interesse

Público, uma vez que no processo legislativo não se absorve uma noção de Interesse Público,

mas sim se conformam as vontades particulares de indivíduos ou, ainda, o legislador imprime

no processo seus interesses próprios223.

Calixto Salomão Filho, por sua vez, ao trabalhar a regulação da atividade econômica,

busca conformar na teoria que constrói o fato de que a atividade Reguladora do estado possui

fins eminentemente econômicos, que, no entanto, se conformam com fins sociais – estes

últimos entendidos como o interesse público presente nas normas reguladoras, havendo a

preponderância de um sobre o outro a depender do setor regulado224.

Quando analisada a legislação referente à regulação do setor de petróleo no Brasil,

especialmente as alterações legislativas, demonstra-se que a atuação estatal nessa indústria,

mesmo em seu período de abertura econômica a interesses particulares, notadamente após

1995, demonstra resistência à conveniência de um grupo econômico, atuando diretamente no

setor e exigindo em seus contratos, sejam os de concessão ou de partilha de produção,

cláusula de conteúdo local, que buscam atender a interesses e sociais por meio de fomento a

economia.

Desta forma, ao conceber os incentivos como os benefícios ou custos que resultaram

do conjunto normativo ora objeto de estudo, deve-se ter em mente que o benefício econômico

do Estado extrapola a relação firmada entre entes estatais e concessionários/contratados, posto

que o desenvolvimento do setor upstream da indústria do petróleo garante fornecimento de

221 POSNER, Richard. Theories of economic regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science, Vol. 5, No. 2. (1974) pp. 335-358. p. 335. 222 Ibidem. p. 344. 223 Ibidem. pp. 335-340. 224 SALOMÃO FILHO, Ob. cit. p. 33.

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combustível fóssil, desenvolve outros setores industriais análogos, é fonte de emprego e

renda, fomenta pesquisas, em suma tem um potencial impacto positivo sobre toda a economia

e sociedade.

Enquanto os contratos de exploração de petróleo para o particular têm como único

interesse o lucro que pode ser auferido por meio daquele negócio, para o Estado, os contratos

firmados representam uma vantagem econômica que têm consequências que não se limitam à

sua relação com o concessionário, necessitando de a estrutura normativa que ordene tais

efeitos da melhor forma possível, não apenas administrando de maneira ótima a riqueza

gerada como também superando adversidades que venham a impactar outros setores. A Lei

12.351/2010, por exemplo, ao instituir o Fundo Social, busca conter um efeito negativo

previsível da exploração de recursos naturais,225.

3.3.3 O PAPEL ESTRATÉGICO DA CADEIA UPSTREAM NA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO

Quando se trata de exploração e produção de petróleo no Brasil, as transações

econômicas ocorrem entre dois agentes: a União, ente que tem a propriedade das jazidas

petrolíferas, e as empresas que buscam explorar tais reservas de modo a auferir lucro. Apesar

de esta primeira cadeia de atividades não envolva diretamente os consumidores finais, é nesta

fase que se disponibiliza no mercado a matéria prima de uma das principais fontes de energia

do país, e afeta todas as demais, tendo reflexo nos produtos finais.

A intervenção do Estado na exploração de uma atividade econômica é vedada pela

Constituição, como já ressaltado, sendo permitida apenas em caso de imperativa necessidade

de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, ressalvados ainda os casos

excepcionados no texto da constituição. O constituinte originário, no artigo 177 da Carta

brasileira, elencou como monopólio da União atividades que integram a cadeia produtiva da

indústria do petróleo, destacando em seu inciso primeiro a exploração e a lavra de jazidas de

petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos.

O interesse do Estado em explorar petróleo não se limita a auferir desta matéria-prima

o máximo de retorno financeiro. Como matéria-prima escassa controlada por interesses

políticos, garantir o suprimento de petróleo tem impactos positivos na economia de qualquer

nação, posto que viabiliza o crescimento de outras indústrias.

225 A menção ao Fundo Social busca apenas exemplificar os efeitos de grande escala resultantes da exploração de petróleo, não se pretendendo incluir o fundo como tema de debate, posto que este se limita à regulação das atividades de exploração e produção, enquanto o fundo teria apenas reflexos financeiros para o país ao disciplinar a alocação de recursos advindos da exploração do Pré-sal.

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Ademais, sendo o Brasil um país com dimensões continentais, o transporte para a

integração e defesa do território nacional, tanto por terra, por meio de veículos que dependem

de diesel e gasolina, quanto por ar, em aeronaves que são abastecidas com querosene de

aviação, subproduto refinado do petróleo, é completamente dependente do suprimento

constante e a preços estáveis e acessíveis de combustíveis fósseis.

A cadeia upstream da indústria do petróleo se mostra como o mais delicado elo da

indústria petrolífera pois envolvem o consumo de recursos naturais não renováveis e, ainda

requerem amplo conhecimento técnico acerca da geologia do local em que se as operações

são realizadas. Esse conhecimento se revela estratégico não apenas porque são determinantes

para a eficiência do negócio – como visto no primeiro capítulo, o desconhecimento das áreas

exploradas, as condições de pressão, a rocha reservatório, a formação geológica objeto de

perfuração levam a um mau aproveitamento da jazida, que se exaurem com facilidade – mas

também importam em questão de segurança nacional, especialmente em regiões marítimas,

uma vez que desenvolver as atividades implica, necessariamente, em monitorar.

Assim, em razão da posição estratégica das atividades de exploração e produção de

petróleo, que condicionam o funcionamento de toda a cadeia petrolífera, analisar as estruturas

legais que regulam a cadeia upstream da indústria petrolífera por meio das ferramentas

disponibilizadas pela economia, possibilitando uma construção analítica que se aproxime da

realidade que se pretende ordenar por meios das normas jurídicas, se mostra essencial para

que seja averiguada a efetividade de tais modelos de regulação.

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4 A ANÁLISE ECONÔMICA DAS NORMAS DE E&P DE PETRÓLEO NO MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ-SAL

A intervenção estatal no domínio econômico se mostra bastante clara na indústria

petrolífera, especialmente na cadeira upstream, uma vez que se entende pela necessidade de

planejar a produção de petróleo e, consequentemente, o consumo de um bem finito e escasso

que é essencial para a economia, de modo maximizar os benefícios econômicos advindos

desse recurso natural.

A atual conjuntura jurídica estabelece que há um monopólio de um ente estatal, a

União, na exploração e produção das jazidas de petróleo. O monopólio, estabelecido em 1953,

era operado por meio da estatal Petrobras, que atuou de forma isolada no mercado até a

flexibilização do monopólio, que havia adquirido status constitucional por meio da Carta de

88. A partir de então, qualquer empresa que desejasse explorar petróleo no Brasil poderia

concorrer à uma concessão por meio das rodadas de licitação, realizadas pelo ente regulador,

a ANP. No entanto, a Petrobras manteve-se operando e explorando, sendo concedido à

empresa o direito de exploração de poços sem que houvesse a concorrência de outras

empresas na rodada zero, conforme já exposto.

No ano de 1999, as empresas petrolíferas interessadas passaram a competir pela

concessão de campos de petróleo nos processos licitatórios, juntamente com a Petrobras. O

mercado tinha como marco regulatório a Lei do Petróleo, editada em 1997, a qual atribuía

atividade reguladora à ANP, autarquia federal de regime especial criada para esta função.

Temos, portanto, um ente estatal intervindo diretamente na economia, a Petrobras, e um ente

estatal intervindo indiretamente na economia, regulando a atuação dos agentes que atuam no

setor, inclusive, a própria Petrobras.

Nas rodadas de licitação regidas pela Lei 9.478/97 a competição se dá, basicamente,

pela oferta do bônus de assinatura para a exploração dos campos, interferindo ainda a

propositura de condições vantajosas de conteúdo local. A União estabelece um valor mínimo

que, em tese, não permite a que a exploração seja desvantajosa, e as empresas iriam propor

ofertas que, baseadas nas informações disponíveis, lhes fossem atraentes, possibilitando o

lucro, e se mostrasse ainda a mais vantajosa para o poder concedente dentre as propostas

apresentadas. Para determinar esse valor, as concorrentes precisam analisar os riscos

exploratórios envolvidos, a possibilidade de lucro, os custos de operação, a projeção do valor

do barril de petróleo no mercado internacional, as limitações e metas exploratórias impostas

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pela ANP e diversas variantes. As jazidas brasileiras localizadas no Pós-sal têm como

características a produção de um petróleo mais pesado, com mais impurezas, além de

representarem riscos consideráveis na empreitada, o que se mostra compatível com o modelo

de concessões de exploração, uma vez que o Estado estabelece um ganho mínimo - e por

mínimo não se deve concluir que se trata de um ganho baixo – e dá ao concessionário uma

grande possibilidade de lucro nas operações frente ao risco do insucesso.

A descoberta das jazidas no Pré-sal na Bacia de Santos revela que o Brasil não possui

apenas campos de risco considerável, uma vez que, as reservas desse novo horizonte

exploratório exibem uma alta probabilidade de sucesso, além de possuir um óleo cru mais

leve que o padrão brasileiro, sendo de densidade média, possuindo pouco resíduo. A diferença

envolvendo o risco exploratório e um aumento na possibilidade de lucro da exploração dessas

jazidas incentivou a mudança no modelo de exploração.

Ademais, a expectativa de que as reservas impliquem em uma grande quantidade de

petróleo recuperável, fez com que passassem a ser previstas consequências oriundos do setor

que teriam reflexos macroeconômicos como: a) o país teria capacidade para se tornar um

grande exportador de petróleo, gerando elevadas receitas para serem investidas no país; e b) a

entrada de dólares gerada pela venda de petróleo pode ter efeitos negativos, como por

exemplo, provocar um ciclo de desindustrialização226.

O marco regulatório do Pré-sal buscou contemplar as questões apresentadas,

instituindo medidas que incentivem o cenário mais favorável e contenha os efeitos negativos.

Ao buscar fazer uma análise econômica das inovações legislativas por ele introduzidos,

depara-se com uma conjuntura econômica extremamente complexa, no qual atua o estado, por

meio da intervenção direta e indireta, buscando maximizar os benefícios sociais em vários

aspectos: fomentando a economia nacional, aumentando o valor das receitas governamentais

advindas da exploração, promovendo a disponibilidade constante de combustível a baixos

preços, garantindo a independência energética do país.

Ainda, considera-se o comportamento das empresas frente a essa nova organização

jurídica, quais as condutas incentivadas. Deve-se atentar ainda que a indústria do petróleo

226 Bresser-Pereira e Nelson Marconi apontam que há indícios de que a doença holandesa já afeta o Brasil, sendo o principal indicativo o fato da taxa de crescimento do PIB industrial brasileiro ser inferior ao PIB industrial de outros países em desenvolvimento (BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. MARCONI, Nelson. Existe Doença Holandesa no Brasil? In: Doença Holandesa e Indústria. Editora FGV, 2010. pp. 207-230. p.226), logo a Doença Holandesa não passaria a existir, mas seria agravada pela entrada de moeda estrangeira provocada pelo Pré-sal.

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possui particularidades que influenciam tanto as normas adotadas quanto o resultado que as

mesmas intentam em induzir. O fato de que os preços do petróleo são controlados

artificialmente por países exploradores, os altos investimentos iniciais, as dificuldades

exploratórias, a verticalização das empresas, são fatores que precisam ser levados em conta

quando se busca traçar uma explicação acerca do fundamento econômico das normas

estudadas ou os efeitos econômicos que terão.

4.1 AS LEIS 12.276/2010, 12.304/2010 E 12.351/2010 E AS INOVAÇÕES APLICADAS À EXPLORAÇÃO NO PRÉ-SAL.

Diante da necessidade de alteração do modelo exploratório consagrado pela lei

9.478/97, quatro projetos de lei foram submetidos pelo Poder Executivo, no dia 01 de

setembro de 2009, à aprovação do Congresso: os projetos de nº 5.491/2009, 5.939/2009,

5.940/2009 e 5.938/2009.

O Projeto de Lei 5.491/2009 propunha a autorização de cessão onerosa do exercício

das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos à

Petrobras, no limite de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo, em áreas não concedidas

localizadas no Pré-sal. O Projeto foi convertido na Lei 12.276, em 30 de julho de 2010227.

O Projeto de Lei 5.939 tinha como proposta autorizar a criação de empresa pública,

sob a forma de sociedade anônima, denominada Empresa Brasileira de Administração de

Petróleo e Gás – PETRO-SAL S.A., vinculado ao Ministério de Minas e Energia. A empresa

teria por objeto a gestão dos contratos de partilha de produção firmados pelo Ministério de

Minas e Energia, bem como os contratos de comercialização do petróleo, gás natural e demais

hidrocarbonetos fluidos pertencentes à União. O referido projeto foi promulgado na forma da

Lei 12.304, de 2 de agosto de 2010228.

O projeto de Lei 5.940/2009 propunha a criação do Fundo Social – FS, fundo de

natureza contábil e financeira vinculado à Presidência da República, com a finalidade de

constituir fonte regular de recursos para a realização de projetos e programas nas áreas de

combate à pobreza e desenvolvimento da educação, cultura, ciência e tecnologia e da

sustentabilidade ambiental. Este projeto foi unificado ao Projeto de Lei 5.938/2009, que

previa a exploração e produção de petróleo, gás natural e hidrocarbonetos fluidos em jazidas

localizadas no Pré-sal e demais áreas estratégicas sob o regime de contratos de partilha de

227 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Ob. cit. p. 442. 228 Idem. p. 442.

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produção, estabelecendo a Petrobras Petróleo S.A. como operadora de todos os blocos

contratados sob este regime, que também deverá integrar o consórcio de empresas operadoras

dos campos em uma porcentagem mínima de 30%, aprovados como a Lei 12.952, em 22 de

dezembro de 2010229.

Percebe-se que os projetos de lei, submetidos à apreciação da Câmara no mesmo dia,

complementam-se em suas proposições, compondo, quando aprovados, o chamado “marco

regulatório do Pré-sal”. A principal mudança introduzida pelas supracitadas leis se revela na

adoção do modelo de contratos de partilha de produção na exploração e produção de petróleo,

gás natural e demais hidrocarbonetos fluidos para exploração do Pré-sal e eventuais novas

áreas classificadas como estratégicas. No entanto, os contornos dos contratos de partilha de

produção previstos exigiam uma conjuntura legal que permitisse sua concretização.

A Lei 12.276, ao autorizar a cessão onerosa de jazidas não concedidas na área do Pré-

sal à Petrobras, sem que houvesse rodadas de licitação, permitiu que a empresa passasse a

operar na região, aumentando seu capital, para que fosse possível atuar nos contratos de

partilha de produção como empresa operadora, responsável pela condução e execução, direta

ou indireta de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e

desativação das instalações de produção e produção, em todos os consórcios formados pelas

contratadas e PPSA, além de obrigatoriamente deter 30% de todos os campos licitados sob o

regime de partilha.

A capitalização da estatal era essencial para que pudesse suportar financeiramente os

encargos a ela atribuída pela lei de partilha. Como explicitado no primeiro capítulo, a

exploração e produção é um empreendimento que demanda vultosos investimentos e as

vantagens financeiras advindas deste tipo de empreendimento se dão a longo prazo.

Os contratos de partilha de produção, além de exigir alta capacidade financeira da

Petrobras, ao prever a partilha do petróleo prospectado entre a União e as empresas

contratadas, incluiu entre as rendas governamentais auferidas uma participação em óleo, que

precisa ser convertida em pecúnia, e, portanto, medida, fiscalizada, negociada e vendida por

meios de contratos.

Desta forma, houve a necessidade de criação de uma empresa pública, representando a

União, para que esta operasse os contratos de partilha de produção e também

operacionalizando a negociação e venda da parcela de óleo que cabe à União. 229 Ibidem, p. 444.

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Assim, verificada a relação entre as leis que compõe o marco regulatório do Pré-sal, é

possível se debruçar sobre cada uma delas.

4.1.1 O CONTRATO DE CESSÃO ONEROSA E CAPITALIZAÇÃO DA PETROBRAS

A Lei 12.276 de 30 de julho de 2010 autorizou a cessão onerosa de campos de

petróleo, sem a necessidade de licitação, localizados em áreas do Pré-sal brasileiro à estatal

Petrobras, posteriormente formalizada por meio de contrato, cujas cláusulas especificam os

campos objeto de cessão, os valores pagos pela cessão, e seu prazo de vigência.

O contrato, por determinação da lei, se limitou à cessão de 5 bilhões de barris

equivalentes de petróleo. Ainda, por disposição da lei, o contrato foi submetido ao Conselho

Nacional de Política Energética – CNPE e teve a atuação da ANP na qualidade de reguladora

e fiscalizadora.

Ainda, a Lei autorizou a União a subscrever ações do capital social da estatal e a

integralizá-las com títulos da dívida pública mobiliária federal, permitindo a capitalização da

empresa. Além da União, outros entes da federação puderam participar do processo de

capitalização da Petrobras por meio das Medidas Provisórias 500/2010 e 505/2010, que

autorizaram a cessão e a permuta de ações entre entes federais e a disposição de títulos da

dívida pública mobiliária federal ao BNDES no valor de até R$ 30 bilhões,

respectivamente230.

O contrato de cessão onerosa foi celebrado entre Petrobras e União, por meio do

Ministério de Minas e Energia, em 03 de setembro de 2010, tendo por objeto a cessão de sete

blocos: Florim, Franco, Sul de Guará, Entorno de Iara, Sul de Tupi, Nordeste de Tupi e

Peroba, sendo os seis primeiros blocos definitivos e o bloco de Peroba contingente231.

Segundo relatório da Gaffney, Cline and Associates – GCA, empresa de consultoria

em petróleo contratada para estimar a capacidade de produção no Pré-sal, os sete campos em

conjunto representariam um total de barris de petróleo equivalente recuperável na ordem de

6,690 bilhões, sendo apenas o campo de Franco responsável por 5,450 bilhões de boe232.

O valor do contrato foi fixado em 74.807.616.407,00 (setenta e quatro bilhões,

oitocentos e sete milhões, seiscentos e dezesseis mil, quatrocentos e sete reais), prevendo duas

230 LIMA, Paulo César Ribeiro. Ob. cit. p. 110. 231 O bloco de Peroba foi cedido como contingente pois será devolvido à União caso seja atingido o nível máximo de barris de petróleo equivalente estipulado pela Lei 12.276/2010 por meio da exploração dos demais blocos definitivos, ou seja, 5 bilhões de boe. 232 Idem, p. 101.

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modalidades de pagamento: a) em títulos da dívida pública mobiliária federal, na modalidade

de Letra Financeira do Tesouro Nacional com vencimentos em 07 de setembro de 2014, 07 de

março de 2015, 07 de setembro de 2015 e 07 de setembro de 2016; ou b) em reais. O prazo de

vigência, fixado inicialmente em 40 anos contados da data de assinatura, pode ser prorrogado

pela União por no máximo 5 anos a requerimento da Petrobras.

A Petrobras se obriga a assumir todos os riscos e investimentos relacionados à

execução das operações e suas consequências, tendo como única contrapartida a propriedade

do petróleo e do gás natural produzidos, ficando obrigada a estatal ao pagamento de royalties

sobre o produto da lavra dos campos onerosamente cedidos, nos termos da Lei 9.478/97.

Foi permitido a ANP a autorização para que terceiros executassem serviços de

geologia, geoquímica, geofísica e outros trabalhos de mesma natureza aplicados à prospecção

de petróleo na área objeto do contrato, permitindo o levantamento de dados técnicos

destinados à comercialização, sob a condição de que tais serviços não interfiram nas

operações da cessionária.

O contrato de cessão onerosa é passível de revisão, podendo ser objeto de

renegociação: o valor do contrato, o volume máximo estipulado, o prazo de vigência do

contrato e os percentuais mínimos de Conteúdo Local estabelecidos, ficando a revisão

contratual de cada bloco condicionada ao cumprimento integral das atividades previstas no

Programa de Exploração Obrigatório e à aprovação pela ANP do Relatório Final do Programa

de Exploração Obrigatório do respectivo Bloco.

Atingida a produção prevista como volume máximo ou extinto o contrato de cessão, o

campo será devolvido à União, podendo a ANP requerer à Petrobras que não feche ou

abandone os poços, bem como não desative ou remova determinados equipamentos e

instalações após a saída da cessionária. É vedada a transferência da cessão por parte da

Petrobras, sendo autorizada, no entanto, a subcontratação pela empresa.

O contrato de cessão onerosa e a autorização legal para a subscrição das ações da

Petrobras pela União permitiu que a empresa passasse por uma extraordinária operação de

capitalização, que pode ser verificada por meio dos lançamentos contábeis da estatal.

A cessão onerosa do direito de pesquisa e lavra de 5 bilhões de boe foram lançados no

ativo da empresa, sendo a dívida correspondente pela operação lançada em seu passivo.

Ocorre que a subscrição das ações ordinárias da Petrobras pela União gerou o lançamento dos

respectivos títulos da dívida mobiliária pública federal no ativo da estatal, com

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correspondente aumento do capital social na coluna do passivo. O mesmo ocorreu com a

subscrição de ações de entes federais, a exemplo do BNDES Participações233.

Note-se que no contrato de cessão foi estipulado que o pagamento poderia ser feito

pela Petrobras em títulos da dívida mobiliária federal. Desta forma, os títulos utilizados pela

União e entes federais para a subscrição das ações foram empregados no pagamento da dívida

que a empresa contraiu ao celebrar o contrato de cessão. No caso dos demais acionistas, a

subscrição das ações gera o lançamento de entrada de recursos financeiros no ativo da

empresa, com correspondente aumento do capital social no passivo234.

A oferta prioritária de ações da Petrobras resultou na captação de R$

150.052.319.090,80 (cento e cinquenta bilhões, cinquenta e dois milhões, trezentos e

dezenove mil e noventa reais e oitenta centavos), sendo recebido em Letras Financeiras do

Tesouro - LTF o valor de R$ 67.815.921.649,51 (sessenta e sete bilhões, oitocentos e quinze

milhões, novecentos e vinte e um mil, seiscentos e quarenta e nove reais e cinquenta e um

centavos). Concretizada a liquidação da oferta prioritária, a Petrobras realizou a transferência

para a União do valor percebido em LTF e do valor de R$ 6.991.694.757,49 (seis bilhões,

novecentos e noventa e um mil, seiscentos e noventa e quatro mil, setecentos e cinquenta e

sete reais e quarenta e nove centavos), integralizando o valor total da dívida oriunda do

contrato de cessão onerosa235.

Ainda, em consequência do exercício do lote suplementar e encerramento da oferta,

foi aprovada pela Petrobras a emissão e a subscrição de ações que, apuradas, resultaram do

aumento de R$ 5.196.239.679,50 (cinco bilhões, cento e noventa e seis milhões, duzentos e

trinta e nove mil e seiscentos reais e cinquenta centavos). Ao final da operação, a estatal teve

seu capital social aumentado em R$ 120.248.558.770,30 (cento e vinte bilhões, duzentos e

quarenta e oito mil e quinhentos e cinquenta e oito reais e trinta centavos), passando de R$

85.108.544.378,00 (oitenta e cinco bilhões, cento e oito milhões, quinhentos e quarenta e

quatro mil, trezentos e setenta e oito reais) para R$ 205.357.103.148,30 (duzentos e cinco

bilhões, trezentos e cinquenta e sete milhões, cento e três mil e cento e quarenta e oito reais e

trinta centavos), a maior operação de capitalização já realizada, tornando-se a Petrobras a

quarta maior companhia em valor de mercado do mundo236.

233 LIMA, Paulo César Ribeiro. Ob. cit. p. 111. 234 Idem, p.111. 235 Ibidem, p. 112. 236 Ibidem, p. 112.

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No entanto, apesar dos impressionantes valores, a participação na capitalização foi

alavancada pela União e entes federais - estes últimos aumentando consideravelmente sua

participação no capital social da empresa -, houve apenas o ingresso de R$ 40,35 bilhões dos

novos recursos advindos de entes privados, um valor muito abaixo dos US$ 224 bilhões em

investimentos previstos pela empresa em seu Plano de Negócios para os anos de 2010 a

2014237.

4.1.2 A CRIAÇÃO DA PPSA E A GESTÃO DOS CONTRATOS DE PARTILHA DE PRODUÇÃO E DE COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO, GÁS E DEMAIS HIDROCARBONETOS FLUIDOS

A Pré-sal Petróleo S.A. – PPSA, aprovada em agosto de 2010, antevendo a aprovação

da aplicação de contratos de partilha de produção nas atividades de exploração e produção de

petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos no Pré-sal e demais áreas estratégicas,

introduzida pela Lei 12.351, aprovada em dezembro daquele mesmo ano, autorizou a criação

de empresa pública cujo objeto é a gestão dos contratos de partilha de produção celebrados

pelo Ministério de Minas e Energia e dos contratos para comercialização dos hidrocarbonetos

objeto da lavra empreendida sob tais contratos de partilha.

A empresa, como resta claro na lei, limita-se exclusivamente à gestão de tais contratos,

não sendo responsável pela execução direta ou indireta das atividades de exploração,

desenvolvimento, produção e comercialização de petróleo, gás natural e demais

hidrocarbonetos fluidos.

A exposição de motivos que fundamentou a Proposta de Lei 5939/2009, na qual o

nome da empresa originalmente seria PETRO-SAL S.A., que, emendada e aprovada, foi

convertida na Lei 12.304/2010, afirma a empresa ser “fundamental e indispensável à

necessidade de gerir adequadamente as reservas de petróleo, de gás natural e de outros

hidrocarbonetos fluidos em áreas do Pré-Sal e em áreas estratégicas”.

Isso porquanto, no regime de partilha de produção, os custos, investimentos e riscos do

empreendimento são assumidos integralmente pelo contratado, sendo ressarcido pela

descoberta de poços comercialmente viáveis com parcela do produto da lavra. A parcela que

exceder aquela empregada no ressarcimento, denominada excedente em óleo, é dividida entre

Estado e contratado. Assim, em razão de recuperar o contratante todos os custos do

237 Ibidem, p. 114.

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empreendimento, alegou-se, na exposição de motivos, que as atividades havidas sob o regime

de partilha de produção necessitavam de permanente monitoramento, para que fosse

alcançada a eficiência em todas as etapas do contrato.

Apesar da sua alegada necessidade, a criação da PPSA não é uma inovação

introduzida sem críticas. Ao longo das discussões legislativas acerca do marco regulatório do

Pré-sal, foram levantados veementes questionamentos acerca da estatal cuja criação se

pretendia autorizar, especialmente qual seria a real necessidade de sua criação ou se a PPSA

não poderia ser alvo de um loteamento político, contestando-se ainda sua capacidade técnica

de gestão e a relação da empresa com a ANP.

No relatório de avaliação da proposta para o marco regulatório do Pré-sal a atuação da

empresa elaborado pelo Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal foi apontado

como principal falha dos projetos de Lei a atuação da PPSA238. Os autores do relatório

avaliam que a fiscalização interna dos contratos, ainda que fossem indispensáveis para o bom

funcionamento e gestão dos contratos de partilha de produção, poderiam ser realizados pela

ANP, órgão regulador com infraestrutura e know-how acumulados necessários para

desempenhar tal tarefa.

No que concerne à possibilidade de as atribuições da PPSA serem legadas à ANP com

custos menores e aproveitamento de corpo técnico experiente, verifica-se a impossibilidade de

a autarquia exercer este papel, posto que, em sendo uma Agência Reguladora Independente,

que busca afastar-se do domínio por parte da Administração Pública Direta, seria

incompatível com suas funções e com sua autonomia, que se consubstancia na sua

independência política, técnica, normativa e gerencial orçamentária,239 atuar como ente que

representa os interesses da União, quando deve se posicionar de forma equidistante entre

Estado e entidades reguladas.

No mesmo relatório de avaliação, os autores afirmam que há a possibilidade da estatal,

caso seja capturada por interesses políticos, ser “loteada” politicamente e ter suas funções

comprometidas240. Ademais, a própria criação da empresa exigiria um robusto corpo técnico,

238 CHAVES, Francisco Eduardo Carrilho et al. Análise da proposta para o marco regulatório do Pré-sal. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisa/ CONLEG/ Senado, Outubro/2009 (Texto para Discussão nº 64). Disponível em: http://www.senado.gov.br/conleg/textos_discussao.htm. Acesso em 30 abr. 2015. p. 57. 239NOBRE JÚNIOR, Edilson. A regulação independente: o novo e os velhos problemas. pp. 85-99. In: Direito Administrativo Contemporâneo: temas fundamentais. Autor: Edilson Pereira Nobre Júnior. Salvador: JusPODIVUM, 2016. p. 91-92. 240 Idem. pp. 60-61.

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que ainda está em formação, não possuindo a empresa “independência” nas pesquisas e

desenvolvimento.

Dentre as várias atividades de competência da PPSA, elencadas no art. 4 da Lei, é

atribuída à empresa o dever de avaliar, técnica e economicamente, planos de exploração, de

avaliação, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás natural e de outros

hidrocarbonetos fluidos, bem como fazer cumprir as exigências contratuais referentes ao

conteúdo local; monitorar e auditar a execução de projetos de exploração, avaliação,

desenvolvimento e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos,

além de monitorar e auditar os custos e investimentos relacionados aos contratos de partilha

de produção.

Como se percebe, as atividades exercidas pela empresa necessitam de apurada

capacidade técnica, especialmente no que concerne à fiscalização da parcela de óleo

excedente a ser repassada para a União e o controle do ritmo de produção, e além da

imaturidade de seu pessoal nessa nova função, é levantada ainda a possibilidade de, por estar

a empresa formada por profissionais advindos de outras empresas de petróleo, principalmente

da Petrobras, ter interesses particulares superpostos aos da empresa pública241, fazendo com

que esta não atinja seus objetivos,

Discute-se, ainda, qual o aspecto preponderante na atuação da estatal, se prevalece seu

aspecto empresarial ou regulador. Parte da doutrina compartilha do pensamento que a PPSA

tem função meramente empresarial, não possuindo poder de polícia que é atribuído à ANP e

outros órgão de caráter eminentemente regulatórios. A doutrina que vislumbra a natureza

regulatória da empresa, apontando que haveria, inclusive conflito de competência com a

agência reguladora do setor, aponta que muitas das atribuições da estatal são típicas de ente

regulador242.

Marilda Rosado Sá Ribeiro traz o entendimento de Carlos Ary Sunfeld, que conclui

que as decisões da empresa possuem caráter mais político e menos negocial, posto que se

submete aos passos burocráticos que envolvem o MME, o CNPE e a própria Presidência da

241 A capilaridade dos antigos funcionários de empresas petrolíferas dentro da antiga empregadora se mostra uma janela para que busquem se beneficiar indevidamente em razão da função que passarão a exercer na PPSA. 242 PRISCO, Alex Vasconcellos. Atuação da empresa brasileira de administração de petróleo e gás natural S.A. - Pré-sal Petróleo S.A (PPSA): gestão e risco no regime jurídico-regulatório dos consórcios constituídos no âmbito do sistema de partilha de produção, Revista de Direito Público da Economia, vol. 34, abril/junho 2011.p. 32-33.

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República, enquanto Fábio Ulhoa Coelho, que acredita ter a empresa um funcionamento

tipicamente de gestor de negócios, atendendo aos interesses comerciais da União243.

A empresa foi instituída por meio do Decreto nº 8.063 de primeiro de agosto de 2013,

três anos após a Lei que autorizava sua criação ser sancionada. O último relatório anual,

referente ao ano de 2015, informa que a PPSA, naquele ano, obteve lucro líquido de 11

milhões, que amortizará 54% do prejuízo acumulado entre os anos de 2013 e 2014, período no

qual a companhia financiou suas operações exclusivamente com os aportes da acionista, a

União244.

Até então a PPSA formalizou quatro acordos de individualização da produção, nos

campos de Tartaruga Verde, Sul de Lula, Argonauta e Sapinhoá, além do pré-contrato de

individualização do Prospecto e Carcará e no Campo de Libra, sendo este último objeto da

primeira rodada de licitações no modelo de partilha de produção. A licitação arrecadou bônus

de assinatura do valor de R$ 15 bilhões, dos quais 50 milhões foram destinadas para a

PPSA245.

Até o momento não há produção de petróleo sob o regime de partilha de produção

para que a companhia atue no monitoramento da partilha e nos contratos de comercialização.

No entanto, como é de sua competência monitorar as etapas do plano de desenvolvimento

exploratório, a empresa encontra-se atuante para garantir que todas as etapas serão seguidas

em consonância com o plano de operações aprovado. No primeiro semestre de 2017 serão

realizados os Testes de Longa Duração – TLD do campo, no qual os poços são avaliados, e

até o final de 2017 está prevista a declaração de comercialidade do Campo de Libra, cujo

desenvolvimento pleno deverá ocorrer entre os anos de 2021 e 2030.

4.1.3 OS CONTRATOS DE PARTILHA DE PRODUÇÃO

A Lei 12.351, sancionada em dezembro de 2010, inovou ao estabelecer o modelo de

contrato de partilha de produção (production-sharing contracts) para a exploração e produção

de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos no Pré-sal e demais áreas

estratégicas, criou o Novo Fundo Social e alterou dispositivos da Lei do Petróleo.

243 RIBEIRO, Marilda Rosado Sá. Ob. cit. 443-444. 244 BRASIL. Pré-sal Petróleo S.A. Ministério de Minas e Energia. Relatório anual da administração 2015. Rio de Janeiro: PPSA, 2016. 45 p. Disponível em: <http://www.presalpetroleo.gov.br/presal/pageflip/>. Acesso em: 03 jan. 2017. pp. 6-7. 245 Ibidem, pp. 14-27.

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Os contratos de partilha de produção foram estabelecidos pela primeira vez na

Indonésia, na década de 60, nos quais o produto da lavra se mantém como propriedade do

Estado até a comercialização do produto. A empresa ou consórcio contratado iniciam os

investimentos necessários para a exploração e produção na área objeto do contrato, sob sua

conta e risco. Após verificada a comercialidade do campo e iniciada efetiva produção, a

contratada poderá recuperar os gastos iniciais por meio de parcela do petróleo prospectado,

denominado. A parcela remanescente, chamada de “profit oil”, é dividida entre a contratada e

o Estado, respeitando as proporções fixadas no contrato de partilha. “cost oil”246.

Os hidrocarbonetos extraídos por meio da lavra não são propriedade do contratante,

não podendo este, portanto, dispor sobre sua comercialização como bem lhe aprouver, e essa

se configura como uma das maiores diferenças entre os contratos de concessão e os de

partilha de produção. O art. 2, I, da Lei 12.351/2010 define o modelo de partilha de produção

como um regime no qual o contratado exerce as atividades de exploração, avaliação,

desenvolvimento e produção por sua conta e risco, adquirindo, em caso de sucesso, o direito à

apropriação do custo em óleo (e não o direito à apropriação do óleo), do volume da produção

correspondente aos royalties devidos e também a parcela do excedente em óleo, estando as

condições, prazos e proporções previamente estabelecidas no contrato.

O mesmo artigo ainda traz as definições de custo em óleo e excedente em óleo já

mencionadas. Em seu inciso II, o art. 2º estabelece que o custo em óleo é a parcela da

produção de petróleo, gás natural ou outro hidrocarboneto fluido equivalente em valores

monetários aos custos e aos investimentos realizados pelo contratado na execução de suas

atividades, sendo exigível unicamente em caso de descoberta comercial e sujeita a limites,

prazos e condições estabelecidas em contrato.

O excedente em óleo, descrito no inciso III, equivale à parcela da produção de

petróleo, gás natural e demais hidrocarbonetos fluidos objeto de partilha entre a União e o

contratado, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao

custo em óleo, aos royalties devidos e à obrigação de pagamento de participação de até 1% da

produção, quando o bloco se localizar em terra, aos proprietários da área onde este estiver

localizado.

A Lei.351/2010 previa ainda a possibilidade da Administração Pública contratar

diretamente com a Petrobras, sem a necessidade de licitação, demonstrando-se a integração

246 Bercovici, 2011. Ob. cit. p.312.

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entre as leis que compreendem o marco regulatório do Pré-sal, já que os contratos de cessão

onerosa, objeto da Lei 12.276/2010, que integra o marco regulatório do Pré-sal, nada mais são

do que contratação direta da Petrobras pelo Estado.

O critério para julgamento da licitação que identifica a proposta mais vantajosa é a que

oferece o maior excedente em óleo para a União, devendo-se respeitar o percentual mínimo

do excedente em óleo da União247 que será estipulado pelo edital.

Segundo os termos originais da Lei 12.351 de 2010, a Petrobras teria um papel

proeminente na exploração do Pré-sal. Isso porquanto ficou estabelecido que a empresa

atuaria como operadora em todos os contratos de partilha de produção firmados. O art. 10, III,

alínea “c” da lei em debate estabelecia, ainda, que a Petrobras teria participação mínima de

30% em todos os consórcios firmados, isso quando não for a única petrolífera a participar das

atividades de E&P no campo licitado.

Tais disposições, no entanto, foram modificadas pela Lei 13.365/2016 que passou a

disciplinar que o Conselho Nacional de Política Energética, considerando o interesse nacional,

irá oferecer à Petrobras a preferência para ser operador dos blocos a serem contratatos sob

regime de partilha de produção. Em aceitando a estatal a oferta, o CNPE proporá à

Presidência da República quais blocos deverão ser operados pela Petrobras, sendo

resguardado uma participação mínima no consórcio de pelo menos 30%.

A lei impõe consórcio obrigatório para a exploração do Pré-sal, mesmo quando a

Petrobras for contratada diretamente ou for a única vencedora na licitação, casos em que deve

constituir consórcio com a PPSA. Segundo a redação original da Lei 12.351/2010, caso uma

empresa privada fosse a vencedora da licitação, o consórcio seria firmado entre a vencedora

do certame, a Petrobras, respeitando-se a porcentagem no consórcio previamente mencionada,

e a Pré-sal Petróleo S/A. A Petrobras se submeteria às regras do edital e à proposta

apresentada pela vencedora, sendo seus direitos e obrigações patrimoniais proporcionais à sua

participação no contrato.

A nova redação da Lei ainda impõe um consórcio mesmo que Petrobras não seja

indicada como operadora do campo licitado. A empresa ou consórcio vencedor do certame

deverão formar um consórcio com a PPSA, responsável por gerir os contratos de partilha de

produção e comercialização de petróleo, gás natural e biocombustíveis, atuando segundo

melhor interesse da União. 247 Lei 12.351 de 2010. Art. 18.

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Nos contratos em que atuar como operadora, constará na partilha de produção a

Petrobras como responsável pela execução, sem prejuízo para a responsabilidade solidária,

ressalvando-se a impossibilidade de se atribuir qualquer responsabilidade para a PPSA.

Na redação original da Lei 12.351/2010, a Petrobras poderia ceder a participação nos

contratos em que figurasse como vencedora da licitação, podendo ceder a porcentagem que

excede os 30% fixado em lei, sem que a cessão excedesse a parcela mínima de participação

no consórcio. Como houve a revogação da obrigatoriedade de constar a Petrobras como

operadora, bem como a de possuir participação mínima, não há previsão legal de que a

empresa, caso venha a participar e vencer o certame em consórcio, virá a atuar

obrigatoriamente como operadora. Também não está previsto se, porventura, a sociedade de

economia mista, vencedora de certame no qual inicie as atividades atuando como operadora,

não por determinação do CNPE, poderá ceder seus direitos de operação em percentual

superior a 70%.

O contrato de partilha de produção deverá discriminar duas etapas: a fase de

exploração, na qual se avalia a eventual descoberta de hidrocarbonetos, para assim se concluir

sobre sua comercialidade, e a fase de produção, que abrange as atividades de

desenvolvimento.

A necessidade de injetar capital na Petrobras de modo que a empresa pudesse investir

no Pré-sal de forma a possibilitar sua participação em todos os consórcios atuantes na área

justificou a aprovação da Lei 12.276/2010. No entanto, a Lei 13.365/2016, ao legar ao CNPE

a oferta da participação de 30% e a atuação como operadora à empresa, faz desaparecer a

razão pela qual a Petrobras recebeu recursos, majoritariamente estatais.

Na exposição de motivos apresentada pelo à época senador José Serra, o Projeto de

Lei 131/2015 buscava retirar da Petrobras o seu papel de operadora de todos os campos

licitados, com participação mínima de 30%, em razão de a empresa estar apresentando

dificuldades gerenciais e financeiras originadas pelas investigações feitas pela justiça

iniciadas em 2014, notadamente referindo-se à Operação lava-jato, que desde então tem

gerado atrasos e cancelamentos nas atividades e compromisso da Petrobras, além de forte

pressão financeira, que comprometem sua atuação no Pré-sal, concluindo que as operações

em uma reserva de recursos naturais tão importante quanto as descobertas não poderiam estar

limitadas às incapacidades operacionais da estatal.

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A Lei 12.351/2010 ainda trata dos casos em que a jazida se estende para além do bloco

licitado, devendo o contratado ou concessionário informar a ANP acerca do contrato de

individualização de produção do qual a jazida será objeto, contrato no qual ficará estabelecida

a participação de cada parte na jazida individualizada. Tais contratos, serão gerenciados

também pela PPSA.

O art. 42 da referida lei fixa como receitas do estado apenas o bônus de assinatura e os

royalties, extinguindo, portanto, a cobrança de participações especiais e pagamento por

ocupação ou retenção de área248.

O bônus de assinatura manteve-se como o valor pago pela empresa vencedora do

certame no momento do de assinatura do contrato. Diferentemente do modelo instituído pelos

contratos de concessão anterior, nos quais a ANP definia um valor mínimo para o bônus de

assinatura que seria elevado de acordo com os lances dados pelas empresas concorrentes, o

bônus de assinatura nos contratos de partilha é um valor fixo, deixando, portanto, de ser

critério para escolha da empresa contratada.

Os leilões promovidos pela ANP, segundo o modelo de partilha de produção, passam a

decidir pela contratante que ofertar a maior porcentagem de excedente em óleo destinado à

União. Uma parcela dos valores auferidos por meio de bônus de assinatura serão destinadas à

PPSA, de modo a financiar as suas atividades.

O regime de cobrança de royalties também foi alterado pela Lei 12.531/2010,

passando a incidir uma alíquota de 15% sobre a produção, sendo proibido o seu ressarcimento

ao contratado e sua inclusão no cálculo do custo em óleo, o que implica dizer que os royalties

não integram o valor referente aos custos e investimentos feitos pela contratante.

Não há, como na Lei do Petróleo, previsão de redução da alíquota máxima aplicada a

depender da viabilidade econômica da exploração e produção dos campos, uma vez que os

campos do Pré-sal, apesar das dificuldades técnicas de exploração, são extremamente

rentáveis em razão da vultuosidade de suas reservas. O aumento da alíquota geral (fixada em

10% pela Lei 9.478/1997) em 50% justificou a ausência de previsão de cobrança de

participação especial.

248 O art. 44 da Lei 12.351 de 2010 prevê uma espécie de pagamento por ocupação ou retenção de área, determinando, quando a jazida se encontra em terra, o pagamento ao proprietário da área onde a jazida se encontra de participação de até 1% sobre a produção de petróleo, gás natural ou outro hidrocarboneto fluido. Como se trata de uma compensação feita a um particular, não deve ser considerada como um rendimento governamental.

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O regime de partilha estabelece como principal fonte de remuneração da União na

produção de hidrocarbonetos do campo, sendo a melhor oferta em porcentagem de profit oil a

vencedora dos certames de campos que se submetem a esse regime de exploração. Nos

contratos de concessão, os critérios aplicados para decidir o vendedor do certame englobavam

o bônus de assinatura ofertado, a porcentagem referente à Cláusula de Conteúdo Local e o

Programa Exploratório Mínimo.

A Lei 12.351/2010, além de inovar inserindo no ordenamento jurídico os Contratos de

Partilha de Produção, cria o Fundo Social, que possui natureza contábil e financeira. O FS é

vinculado à Presidência da República e tem finalidade de constituir fonte de recursos para o

desenvolvimento regional e social na forma de programas e projetos de combate à pobreza e

desenvolvimento das áreas de educação, cultura, esporte, saúde pública ciência e tecnologia,

meio ambiente, adaptação às mudanças climáticas e desaceleração destas alterações

climáticas.

O Fundo Social, constituído na forma de poupança pública, possui como objetivo não

apenas financiar programas e projetos de interesse da sociedade, mas também conter a

flutuação de preços e renda na economia nacional gerada pela exploração de petróleo e

demais recursos não renováveis. Os investimentos e aplicações do fundo são destinados

preferencialmente a ativos no exterior, para evitar que os recursos financeiros ingressem no

país e provoquem desequilíbrios econômicos, notadamente a sobreapreciação crônica da taxa

de câmbio de modo que reste inviabilizado o desenvolvimento das demais indústrias de bens

comerciáveis, posto que a taxa de câmbio elevada impediria investimentos nesses setores249.

O Fundo terá recursos advindos dos bônus de assinatura recebidos em razão dos

contratos de partilha de produção assinados, além de parcela dos royalties percebidos pela

União neste tipo de contrato e da comercialização de petróleo, gás e demais hidrocarbonetos

fluidos da União. Ainda, integração as receitas do FS os royalties e a participação especial

advindos da exploração de áreas do pré-sal exploradas sob contratos de concessão, os

resultados dos investimentos feitos com os recursos à disposição, além de qualquer outra

fonte re recursos que a lei lhe destinar.

Claramente a preocupação do legislador com relação à entrada de capitais oriundos da

exploração de petróleo se refere à exploração no Pré-sal. Não são direcionadas ao Fundo

249 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. MARCONI, Nelson. Ob Cit. p. 213.

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Social rendas advindas da exploração de hidrocarbonetos em áreas localizadas fora da região

do Pré-sal, o que demonstra o impacto que estas reservas podem representar para o país.

4.2 AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Notadamente, as mudanças na regulação do setor de petróleo e gás buscavam atingir

determinado resultado econômico, não apenas na indústria petrolífera, mas também áreas de

relevante interesse para o país.

Inicialmente, cumpre traçar um comparativo objetivo entre o modelo contratual de

partilha de produção e o modelo que ainda é aplicado nas áreas fora da região do Pré-sal, já

que nenhuma outra foi declarada estratégica pelo Conselho Nacional de Política Energética.

Assim, será possível concluir se a adoção de um novo modelo de exploração, em detrimento

daquele já positivado, com estruturas legais e administrativas bem definidas, apresentam mais

custos ou benefícios

Será aplicada a sistemática apresentada no capítulo anterior, no qual a análise

econômica chegará até o segundo nível de análise, quando serão fixados os fundamentos das

normas, buscando demonstrar se o conjunto normativo instituído pelo marco regulatório do

Pré-sal é, de fato, mais eficiente para a exploração das jazidas localizadas naquela região do

que os contratos de concessão, contratos estes cuja aplicação foi afastada pelo legislador pois

se acreditou que seriam ineficientes para explorar reservas de Petróleo e gás natural com as

características do Pré-sal.

No entanto, análise seguirá uma evolução um pouco diferente da apresentada no que

concerne à ordem das etapas de análise. Em lugar da estimativa dos custos de transação se

tratar da terceira etapa, esta será analisada logo após a descrição da cadeia de incentivos

lançadas ao mercado. A inversão se justifica pelo fato de que os custos de transação devem

integrar o sopesamento dos custos e dos benefícios trazidos pela inovação, não devendo ser

considerados após estes serem definidos250.

Serão observados especialmente os resultados obtidos na primeira rodada de licitação

sob o modelo de contratação de partilha de produção, realizada em outubro de 2013,

consolidada por meio da assinatura do contrato de partilha de produção em 02 de dezembro

daquele mesmo ano.

250 Vide tópico 3.2.2 deste trabalho.

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Ainda, no que concerne à questão da mudança legislativa que representou a aprovação

da Lei 13.365/2016, que alterou uma das características mais marcantes dos contratos de

partilha de produção originalmente planejados, retirando da Petrobras a obrigatoriedade de

participar como operadora em todos os blocos de licitados no pré-sal e de atuar com uma

parcela mínima nas operações de 30%. A modificação reduz sobremaneira o protagonismo da

estatal na exploração do Pré-sal e reduz o controle do Estado sobre as atividades

desenvolvidas na região.

Em razão de a licitação referente ao primeiro contrato de partilha de produção ter sido

realizado ainda sendo a Petrobras operadora única e especialmente, será necessário comentar

os efeitos do incentivo que essa norma lançou ao mercado, no entanto, a conclusão acerca dos

custos e benefícios do marco regulatório do Pré-sal irão incluir a inovação legislativa trazida

pela Lei 13.365/2016.

4.2.1 COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS DE CONTRATO DE CONCESSÃO E PARTILHA DE PRODUÇÃO

Os contratos de concessão, regulados nos termos da Lei 9.478/1997, representam o

momento no qual o Brasil se abriu para investimentos privados e estrangeiros no setor

upstream de petróleo e gás, sendo qualquer empresa que cumpra as condições estipuladas nas

licitações autorizada a efetuar o desenvolvimento de pesquisa, exploração e produção de

hidrocarbonetos no país.

A questão da apropriação do resultado da lavra se mostra a diferença mais sensível

entre os contratos de concessão e os contratos de partilha de produção, uma vez que os

primeiros restringem o benefício econômico do Estado, mesmo que a produção gere lucros

altos, enquanto o segundo permite uma divisão mais equitativa do produto da atividade

exploradora.

No que concerne aos contratos de concessão, a Lei do Petróleo estabelece como

participações governamentais o bônus de assinatura, os royalties, a participação especial, e o

pagamento pela retenção ou ocupação da área, sendo obrigatório o pagamento de royalties e

de retenção pela ocupação da área.

As participações governamentais podem ser conceituadas como obrigações

pecuniárias pagas pelo concessionário em razão da assinatura de um contrato de concessão de

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campo de petróleo e/ou gás natural ou pela exploração e produção destes251, o que implica

dizer que seu pagamento independe do sucesso da empreitada, apesar dos valores pagos serem

variáveis de acordo com a produtividade do campo concedido. Tais participações dependem

não apenas de previsão contratual, mas também de lei que expressamente as admita, não se

autorizando a cobrança de participações governamentais que não estejam previstas em lei.

O Decreto nº 2.705 editado em 03 de agosto de 1998 trata especificamente da

remuneração estatal prevista no art. 45 da Lei do Petróleo, definindo critérios para o cálculo e

cobrança destes.

O bônus de assinatura está definido no art. 9º do supracitado decreto como o valor

ofertado pelo licitante vencedor na proposta para a obtenção da concessão da área de

exploração de petróleo e gás natural, observando que este montante não pode ser inferior ao

fixado inicialmente pela Agência Nacional de Petróleo, sendo o valor máximo do bônus

elemento vencedor da proposta feita pela empresa que se candidata a concessão.

O parágrafo único do mesmo dispositivo legal atesta ainda que o valor integral

referente ao bônus de assinatura deverá ser pago no momento da assinatura do contrato de

concessão, em parcela única. O adimplemento desta obrigação inicial ocorre sem qualquer

garantia de que a área autorizada para exploração seria economicamente viável, não havendo

possibilidade de ressarcimento.

Paralelamente, a Lei 12.351/2010 também prevê o pagamento de bônus de assinatura,

determinando, da mesma forma, sua integral quitação no momento da assinatura,

inadmitindo-se ressarcimento. No entanto, não há lances entre os concorrentes, sendo o valor

previamente fixado e anunciado pelo Ministério de Minas e Energia.

Outra diferença relativa aos contratos de partilha de produção e de concessão se

referem ao conteúdo local, compromisso das empresas contratadas/concessionárias em

adquirir bens e serviços de empresas brasileiras que atuem na cadeia produtiva de petróleo,

em bases competitivas252, se refere ao papel dessa participação com a qual se compromete a

empresa no processo de licitação. Nos contratos de partilha, o percentual de conteúdo local é

251 NASCIMENTO, Arthur Bernardo Maia do; BEZERRA, Juliano César Petrovich; FRANÇA, Vladmir da Rocha. Participações Governamentais nos Contratos de Concessão de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural. Revista Brasileira de Direito do Petróleo, Gás e Energia, Rio de Janeiro, n. 2, p.111-147, set. 2006. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rbdp/article/view/5727/4167>. Acesso em: 25 nov. 2016. p 114-115. 252 RIBEIRO, Marilda Rosado Sá. Ob. cit. p. 462.

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empregado como critério de seleção da empresa, enquanto na partilha de produção, da mesma

forma que o bônus de assinatura, o percentual é fixado previamente no edital.

Os contratos de concessão, uma vez concedido o bloco para exploração, prevê apenas

uma forma de remuneração obrigatória que varia de acordo com a produção, que são os

royalties, já que as participações especiais são excepcionais. Assim, depreende-se que os

bônus de assinatura, nos contratos de concessão, exercem um peso muito maior na

remuneração total que o Estado recebe do que quando comparados aos contratos de partilha

de produção.

Os valores mínimos dos bônus de assinatura são estabelecidos pela ANP, variando de

acordo com o potencial produtivo e custos de produção dos campos licitados. Quanto mais

atraentes as áreas ofertadas aos licitantes, mais alto será o valor mínimo do bônus de

assinatura, podendo o montante inicial de diferentes campos oscilar entre o equivalente a

pouco mais de um salário mínimo até muitos milhões de reais253.

Os royalties, previstos nos artigos 47 e 48 da Lei 9.478/97, se tratam de obrigação

contínua a ser paga enquanto houver produção. O Decreto 2.705 de 98 conceitua os royalties

como um tipo de compensação financeira devida pelos concessionários em função da

exploração e produção de petróleo ou gás natural, devendo ser pagos mês a mês, em moeda

nacional, devendo a produção de cada campo ser considerada individualmente, tendo a

obrigação o seu começo a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da

produção, sendo vedadas quaisquer deduções.

Os royalties são cobrados em função da produção e não da lucratividade de cada

campo, que apresentam uma homogeneidade em aspectos econômicos, geológicos e técnicos.

Cada campo de petróleo ou gás natural é considerado uma unidade produtora individualizada,

sendo atribuída a cada um deles uma alíquota, que deverá ser aplicada sobre o valor da

produção, além de preços próprios.

O art. 47 da Lei do Petróleo estabelece que, em regra, os royalties cobrados das

concessionárias corresponderão a 10% da produção mensal. Contudo, o mesmo dispositivo

prevê, em seu parágrafo primeiro, a possibilidade de redução desta alíquota em função dos

riscos geológicos, expectativas de produção e outros fatores pertinentes. Caso seja verificado 253 A exemplo da sétima rodada de licitações, na qual foram leiloados os blocos de Alagamar, localizado na Baia de Sergipe e o bloco S-M-510, localizado na bacia de Campos. O primeiro teve lance mínimo de R$ 1.000,00 (mil reais), enquanto o segundo teve lance inicial de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) (NASCIMENTO, Arthur Bernardo Maia do; BEZERRA, Juliano César Petrovich; FRANÇA, Vladmir da Rocha. Ob. cit. p. 122).

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que, em razão das condições de exploração e produção do campo, tais atividades ficam

inviabilizadas economicamente em razão da cobrança da alíquota máxima, a ANP está

autorizada a reduzir o valor dos royalties no edital de licitação daquela área, até uma alíquota

mínima de 5%.

Como já mencionado, a alíquota prevista para a cobrança de royalties nos contratos de

partilha de produção é de 15% e não sofrem variação, sendo a porcentagem mais elevada e

una em razão das características homogêneas das reservas no Pré-sal e da abundância dos

recursos.

Descritas no art. 50 da Lei do Petróleo e no art. 21 do Decreto 2.705/98, as

participações especiais se tratam de compensações econômicas financeiras extraordinárias

devidas pelas empresas que firmaram contratos de concessão para a produção e exploração de

petróleo e gás natural quando há um grande volume de produção ou o campo tem uma alta

rentabilidade, devendo ser paga trimestralmente a partir do trimestre em que se der o início da

efetiva produção, devendo, para tanto, ser identificado cada campo individualmente.

Novamente, as características geológicas das reservas encontradas no Pré-sal

justificam a diferença de tratamento para os contratos que têm por objeto blocos localizados

nesta região. Como os estudos sobre as condições exploratórias no Pré-sal são bastante

otimistas, optou-se por um modelo no qual o sucesso de produção dos poços seja dividido

com o Estado, que é o caso do modelo de partilha de produção.

A participação especial é calculada sobre a receita líquida trimestral da produção em

cada campo, uma vez deduzidos os royalties, investimentos na exploração, custos

operacionais, a depreciação e os devidos tributos (seria a receita bruta menos as deduções),

sobre a qual serão aplicadas alíquotas progressivas, as quais serão fixadas de acordo com a

localização da lavra (se estão localizadas em terra, rios, lagos, ilhas fluviais ou lacustres,

plataforma continental com profundidade barimétrica inferior ou superior a 400 metros), o

número de anos de produção e o volume da produção trimestral fiscalizada.

O pagamento pela ocupação ou retenção da área, como determina o art. 51 da Lei

9.478 de 97, é previsto tanto no edital quanto no contrato de concessão. O pagamento deverá

ser feito pelo concessionário anualmente, fixado por quilômetro quadrado ou fração da

superfície do bloco. O valor referente a esta obrigação será calculado considerando-se o

número de dias de vigência do contrato no calendário civil, podendo ser aumentado de acordo

com percentual fixado pela ANP sempre que o prazo de exploração for prorrogado.

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Este tipo de obrigação, também conhecido como rental fee em contratos internacionais

da indústria petrolífera254, quando referente a bloco de concessão localizado em terra, faz com

que se deva constar no contrato de concessão cláusula que determine o pagamento aos

proprietários da terra de participação equivalente a um percentual que pode oscilar de 0,5 a

um por cento da produção de petróleo e gás natural, em moeda corrente. O percentual deverá

ser definido pela ANP.

O pagamento de taxa de ocupação não é previsto na lei que disciplina os contratos de

partilha de produção, posto que as operações no Pré-sal ocorrem no oceano, a quilômetros da

costa, o que pode ser revisto pelo legislador caso sejam descobertas áreas estratégicas em

terra.

4.2.2 OS INCENTIVOS PROVOCADOS NO MERCADO

A legislação é um meio comumente empregado pelo Estado para incentivar

comportamentos dos agentes econômicos. Segundo Richard Posner, ao observar o direito sob

uma perspectiva econômica, percebe-se que sua função primordial é modificar os

incentivos255. Tais incentivos podem ter efeitos considerados benéficos, com características

que irão importar em uma vantagem para aquele agente.

Assim, com a introdução do marco regulatório do Pré-sal, ao construir um cenário que

institui contratos e estruturas estatais que irão determinar como empresas executam as

atividades de exploração e produção de petróleo, o Estado buscava atingir determinados

objetivos por meio dos atores que se encontram imersos no ambiente regulatório modificado.

Os agentes econômicos diretamente influenciados pelas leis editadas, especialmente

por se tratarem dos polos da relação jurídica envolvendo a exploração e produção de petróleo

são as empresas que operam as atividades e a União, que é proprietária do recurso natural

explorado e, ainda, atua diretamente na economia por meio da Petrobras. A análise aqui

desenvolvida tem a particularidade de buscar identificar os custos e os benefícios havidos na

recepção as Leis 12.276/2010. 12.304/2010 e 12.351/2010 pelo próprio Estado, que atua no

interesse da sociedade.

No cenário de produção e exploração, temos a participação da União, que busca

maximizar seus benefícios, quais sejam: a) remuneração pelo consumo de um bem que é de

254 BNDES, Relatório I: Regimes Jurídicos-regulatórios e contratuais de E&P de Petróleo. 1ª Ed. Bain & Company e Tozzini Freire Advogados, São Paulo, 2009. p. 69. 255 POSNER, Richard, 2000. Ob. cit. p. 253.

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sua propriedade, o petróleo; b) garantir o suprimento interno desta matéria prima; e c) auferir

desenvolvimento econômico nacional. A contratante, por sua vez, deseja obter o lucro

advindo daquela atividade.

No que concerne ao objetivo de lucro das empresas e o recebimento direto de

remuneração pelo Estado, se mostram como objetivos contrapostos; enquanto as primeiras

buscam sempre pagar o menor preço pelo direito de explorar, o Estado persegue a maior

remuneração possível. O sistema de licitação busca equilibrar os interesses, incentivando o

contratante a propor a melhor oferta possível, uma vez que está concorrendo com outras

empresas que também o farão, ao passo que a União estipula o mínimo pelo qual o negócio se

concretizará que, em tese, impede que seja realizado um negócio com valores incompatíveis

aos praticados no mercado.

No entanto, é preciso ponderar que nos contratos de concessão as empresas, ao ofertar

os lances, lidam com um alto risco, uma vez que, em caso de inviabilidade da empreitada, terá

arcado com o custo do direito de exploração requisitado pela União sem ter dele

verdadeiramente usufruído. Desta forma, os lances dados a título de bônus de assinatura serão

mais conservadores, não correspondendo com a capacidade exploratória das áreas de grande

potencial.

Da mesma forma, caso a União desconheça as possibilidades de êxito das áreas

ofertadas, poderá estipular um preço mínimo muito abaixo do compatível com os lucros que

as empresas irão auferir e, caso fixe um valor muito alto, as empresas, cientes dos riscos,

dificilmente iriam lançar propostas. Este fator, que é influenciado pelas informações técnicas

sobre a geologia das áreas negociadas, está entre as assimetrias de informação existentes

nesse mercado e a racionalização da maximização de interesses das empresas e da União

devem considerar esse limitador.

Ademais, mesmo quando as expectativas geológicas são confirmadas, existem outros

fatores que influenciam a lucratividade da empreitada. A desvalorização do preço barril de

petróleo pode inviabilizar a produção em áreas de alto custo, como também a descoberta de

uma nova tecnologia pode diminuir sobremaneira os custos de operação, aumentando a

lucratividade do empreendimento.

A definição de risco pode ser bastante ampla, no entanto, Marcos Nóbrega apresenta

três aspectos fundamentais que os caracterizam. Nas palavras do autor, o risco tem

fundamento no “evento, que significa a possível ocorrência de algo que pode impactar o

investimento, a probabilidade, que significa a chance de evento de risco ocorrer em

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determinado período de tempo e, por fim, o impacto, que corresponde ao valor financeiro

resultante da incidência do risco”256.

Os riscos são inerentes à atividade de produção e exploração de petróleo, envolvendo

os já mencionados riscos geológicos – as perfurações podem não ser economicamente viáveis;

riscos de operação, tais como acidentes de trabalho, riscos ambientais e riscos técnicos, todos

com impactos econômicos no aproveitamento da empreitada.

Assim, o risco, é um fator que limita as ofertas feitas pelos contratantes, e, caso a

União não incorpore tais riscos no preço exigido inicialmente no certame, poderá afastar os

concorrentes e o negócio não se realizará.

No contrato de partilha de produção os riscos são menores para ambas as partes,

especialmente nas áreas de Pré-sal, pois há grande perspectiva de êxito exploratório.

Suprimindo-se parcialmente o risco, notadamente o geológico, o Estado deverá buscar uma

proporcionalidade entre seus ganhos e os lucros da empresa, de maneira que o equilíbrio

envolvido no negócio é latente. A partilha de produção mostra-se como mais vantajosa para a

União uma vez que assume juntamente com a empresa os riscos da empreitada, não abatendo

previamente do valor inicial da proposta.

A partilha de produção revela-se vantajosa para o Estado, uma vez que permite

aproveitamento financeiro do sucesso do empreendimento durante todo o período em que

houver produção, não se limitando este aproveitamento aos royalties, sendo interessante

também aos contratantes, posto que os custos de operação, que implicam eventuais

dificuldades técnicas não previstas, serão remunerados pelo custo em óleo, também

representam redução dos riscos.

Nos contratos de concessão, verifica-se que o equilíbrio nos riscos cooperação entre

concedente e concessionária é sensivelmente menor, posto que os riscos da empreitada são

suportados pela empresa que possui os direitos sobre a concessão, sendo o momento da

licitação, quando são dados os lances pelas empresas interessadas, o momento em que a

empresa petrolífera assume um compromisso de pagamento em adiantado sem a certeza de

retorno financeiro.

Considerando-se que as jazidas no Pré-sal são extremamente rentáveis e as previsões

indicam alto retorno financeiro, a forma de remuneração do Estado prevista nos contratos de

concessão teria duas possíveis consequências.

256 NÓBREGA, Marcos. Direito da infraestrutura. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 126.

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A primeira possibilidade do fato de que, em razão de ser a fixação do bônus de

assinatura o momento em que o Estado busca compensar a concessão de exploração de

determinado campo, considerando quanto o campo vale em termos de produtividade e, nos

casos dos campos do Pré-sal, sabe-se que há uma certa segurança no retorno financeiro, os

lances iniciais do bônus seriam muito superiores aos fixados nos contratos de partilha de

produção, o que poderia inviabilizar a empreitada, já que o bônus é pago integralmente no

momento de assinatura do contrato. O concessionário teria, em outros termos, que pagar de

forma adiantada por todo o petróleo e gás que ainda não explorou, o que poderia representar

um desestímulo às empresas.

A segunda consequência seria a fixação de valores de bônus de assinatura em um valor

inferior ao petróleo explorado, o que deixaria a União em manifesta desvantagem.

Logo, no que concerne aos regimes contratuais existentes no ordenamento jurídico,

aplicados à realidade exploratória do Pré-sal teríamos a seguinte disposição dos incentivos

referentes aos contratos de partilha e aos contratos de concessão:

Os contratos de partilha de produção, ao determinar que a produção deve ser

compartilhada entre União e contratada, fazendo com que os riscos e o êxito sejam divididos

de forma mais igualitária, e incentivam a União a ofertar proposta com porcentagens mínimas

de profit oil compatíveis com as reais possibilidades de lucro, não depreciando o valor para

atrair propostas; ademais, a concorrência na licitação estimula os concorrente a ofertar

proposta na qual é apresentada a maior proporção de óleo excedente possível, já que quanto

maior a proporção oferecida, maior as chances de vencer o certame.

Nos contratos de concessão, por sua vez, considerando-se que os êxitos exploratórios

são altos, a União busca obter por meio do bônus de assinatura uma vantagem econômica

proporcional à obtida pela empresa concessionária ao longo de anos de produção, o que faz

com que o valor deste seja muito alto, desestimulando as empresas que não possuem capital

de investimento imediato para garantir a exploração das jazidas, limitando a concorrência, que

já é reduzida em razão das especificidades da área ofertada – são poucas as empresas que têm

tecnologia e know-how para operar em alto mar.

Caso a União verifique inviável a proposta de bônus de assinatura em valor

compatível com a exploração, será incentivada a fixar o valor mínimo de bônus abaixo do

retorno financeiro esperado, o que manifestamente lhe onera.

No que concerne à participação em um percentual de 30% para a Petrobras, da mesma

forma que a União se beneficia da estatal que representa seus interesses, monitorando as

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atividades desenvolvidas, municiando de informações estratégicas acerca das condições

geológicas no local e fixa presença do estado em regiões inacessíveis. Ao mesmo tempo,

desestimula a concorrência e se põe em um cenário no qual aos investimentos em exploração

e produção se limitam à capacidade de Petrobras ou então a empresa fica em posição de não

honrar com seus compromissos contratuais.

A Lei 12.276, ao autorizar a cessão onerosa de campos de petróleo à Petrobras não

apenas incentivou e permitiu a capitalização da empresa, como também resultou na

exploração destes campos por meio de contratos de concessão pela estatal sem que houvesse

os tramites de uma rodada de licitação.

Ao mesmo tempo em que a União deixou de arrecadar no que concerne aos

pagamentos habituais previstos para os contratos de concessão, à exceção dos royalties, cujo

pagamento foi mantido, o ente estatal recebeu pagamento direto pelos direitos de exploração

calculados de acordo com os barris de petróleo equivalente que foram objeto do contrato, ou

seja, 5 bilhões de boe.

O valor do contrato, avaliado em mais de 74 bilhões de reais, não importou na versão

destes valores para União, que recebeu em pecúnia o benefício econômico um pouco superior

a 6 bilhões de reais, sendo o resultado da operação de cessão onerosa a compra de ações

ordinárias pela União e por demais entes estatais para que a Petrobras tivesse capacidade

financeira para suportar os massivos investimentos no Pré-sal.

Houve, portanto, uma preferência pela exploração direta dos campos cedidos, por

meio da Petrobras, preterindo-se a exploração por meio de empresas privadas, garantindo

maior influência estatal na área. Tal tipo de iniciativa desestimula as empresas particulares

que têm interesse em operar e investir no Brasil, posto que menos áreas são disponibilizadas

para contratação e por sinalizar que a sociedade de economia mista terá prevalência.

No entanto, a capitalização da Petrobras e a sua maior relevância nas operações

atendiam aos interesses da União no sentido de que desenvolvem a indústria nacional e

oferecem monitoramento e pesquisas na região, atendendo a necessidades de ordem

econômica e de segurança.

A criação da Pré-sal Petróleo S.A., acessória à implementação dos contratos de

partilha de produção, apesar de se tratar de mais um ente estatal atuando na indústria,

influenciando na economia, se mostra como uma empresa eficiente, com pessoal técnico

qualificado, com grande parte dos cargos de chefia ocupados por experientes ex-funcionários

da Petrobras, inclusive seu atual presidente, Aldir Flores.

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A PPSA provocou questionamentos no mercado acerca de sua atuação, e até mesmo

na doutrina jurídica o seu papel como ente estritamente gerencial foi posto em dúvida,

aumentando a incerteza das empresas que atuam no setor, juntamente com toda a mudança de

padrões regulatórios representado pelas Leis 12.276/2010, 12.304/2010 e 12.351/2010.

No entanto, há de se frisar que os custos de criação e manutenção da empresa nos

primeiros dois anos em que suas receitas eram insuficientes para a manutenção, suportados

pela União, sua única acionista, tendem a ser compensados nos anos seguintes de operação,

uma vez que, em seus primeiros anos, a estatal tem apresentando aumento no faturamento.

A inovação trazida pela lei 13.365/2016, que facultou ao CNPE e à própria Petrobras,

após indicação deste, optar por não atuar nos consócios firmados como operadora, detendo

parcela mínima de 30% das operações nos campos licitados, estaria em consonância com a

flagrante perda de capacidade de investimento da Petrobras, que no ano de 2016 iniciou um

grande programa de desinvestimentos, com venda de ativos, dentre eles direito exploratórios

sobre campos e empresas subsidiárias.

Esta alteração legislativa traz um incentivo para que a União venha a fiscalizar de

forma mais rigorosa a execução dos contratos, por meio da ANP e da PPSA, posto que,

enquanto a Petrobras atua em benefício da União, acionista majoritária da sociedade de

economia mista, as empresas privadas atuação em benefício próprio.

4.2.3 OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO ENVOLVIDOS

Os custos de transação são definidos como os custos totais da operação que se

empreende ou se pretende empreender, incluindo os custos relativos à pesquisa, custos de

informação, os custos da negociação, em suma, todos os gastos necessários tidos pelas partes

para que o contrato fosse formalizado257.

No caso em tela, não há uma negociação livre entre Estado e empresas. A atividade

econômica de produção e exploração é formalizada por meio de contratos pré-ajustados

oferecidos pela União, que estão atrelados ao edital. Logo, a apuração dos custos se dividiria

em dois momentos: na oferta de um melhor contrato para atrair candidatos a contratantes por

parte da União, e na avaliação por parte das empresas questionando se contrato lhe auferirá

lucro ou não.

Os contratos de exploração de petróleo firmados pela União têm seus contornos

delineados por lei, sendo adequados ao modelo exploratório, tendo a Lei 9.478/97 introduzido 257 HARRISON, Jeffrey L. Law and Economics in a nutshell. 2. ed. St.Paul: West Publishing Co, 2000. p. 64.

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os contratos de concessão, o que implica dizer que a implementação de uma nova modalidade

de exploração e, consequentemente, de contrato, iria requerer, necessariamente, uma inovação

legislativa.

Os custos da introdução de transação das alterações legislativas no caso em comento

ficam latentes sob quando vislumbrados: a) os custos implicados na elaboração das normas;

b) o tempo necessário para que a legislação entrasse em vigor, c) os custos de adaptação da

estrutura administrativa ao novo marco legal; d) os custos de oportunidade decorrentes da

suspensão da realização de rodadas de licitação e dos aportes feitos para a capitalização da

Petrobras; e e) as externalidades.

Richard Posner ilumina a questão dos custos referentes à elaboração das leis,

considerando que um bom aparato legal necessita de uma estrutura extremamente custosa e

que, no entanto, reduz custos no momento da aplicação das leis258.

Os custos de elaboração de leis no Brasil se mostram elevadas pelo alto valor de seus

parlamentares e da infraestrutura do legislativo, especialmente na esfera Federal. Além do

próprio legislativo, a formulação e pesquisa para que fossem delineados os contornos do

marco regulatório do Pré-sal contou com a participação de diversos outros órgãos e entes

públicos, como exposto no primeiro capítulo deste trabalho. Também não se pode olvidar que

foram contratadas empresas especializadas de consultoria técnica e jurídica para respaldar sua

adoção.

Ademais, verifica-se que o insumo tempo foi bastante consumido nos estudos e

negociações parlamentares, aprovação das leis e implementação das mesmas, que importaram

na adaptação estrutural que já estava devidamente regulamentado e que precisou passar por

adaptações.

Da data em que foi emitida a resolução nº 6 do CNPE, em 8 de novembro de 2007,

que retirou 41 blocos de exploração da 9ª rodada para a assinatura do primeiro contrato de

partilha de produção, em 2 de dezembro de 2013, mais de seis anos se passaram, tempo

suficiente para que campos do Pré-sal, caso houvessem sido concedidos à época já houvessem

superado a fase exploratória e entrado em efetiva produção.

O tempo de intervalo entre os dois acontecimentos se justifica pela necessidade de

estudo acerca dos melhores modelos aplicado aos contratos de exploração e produção de

petróleo, devendo-se considerar também a morosidade dos trâmites das leis que compõe o

258 POSNER, Richard. Creating a Legal Framework for Economic Development. World Bank Research Observer, 13(1). 11p. 2008. pp. 3-4.

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marco regulatório do Pré-sal, tendo todas as propostas de lei a ela referentes sido apresentadas

em setembro de 2009, sendo aprovadas em julho, agosto e dezembro do ano seguinte.

Ainda, nos termos originais do marco regulatório, estava prevista a capitalização da

Petrobras para que fosse factível sua participação como operadora única dos contratos de

partilha de produção. O processo não apenas necessitava de tempo para ser concretizado,

como também exigiu muitos recursos financeiros estatais.

A opção pela suspensão da concessão dos blocos em prol da estruturação do

arcabouço jurídico e operacional, assim como a alocação de recursos para a capitalização da

Petrobras devem ser vistos como custos de oportunidade259, ou seja, a continuidade da

aplicação dos contratos de concessão, que gerariam um ganho para o estado por meio das

atividades de exploração e produção, seja diretamente pelas remunerações governamentais ou

indiretamente pelo aquecimento da economia, bem como os recursos dos entes estatais, com

destaque para os do BNDES, poderiam ter sido empregados em vários outros setores da

economia e, da mesma forma, gerado vantagens econômicas diretas e indiretas e atingido

objetivos sociais igualmente caros ao interesse público.

É importante frisar, no entanto, que, como contrapartida aos custos havidos da cessão

onerosa e capitalização da Petrobras, os campos cedidos no polígono pré-sal estão em sendo

operados pela estatal, tendo o Campo de Sapinhoá, um dos objetos da cessão, produzido

10.587.970m³ de petróleo no ano de 2015260.

Ou seja, os custos de oportunidade representado pela alocação de recursos devem ser

sopesados considerando que a opção do legislador por ceder onerosamente, de forma direta,

sem licitação ou pagamento de rendas governamentais, com exceção dos royalties, porém,

com início das operações imediatamente após a assinatura do contrato de concessão e com o

pagamento em reais de mais de R$ 6 bilhões ainda em 2010, conclui-se que a partir de então

passaram a existir benefícios econômicos em razão da Pré-sal.

No que concerne ao fato de a Lei 13.365/2010 ter esvaziado o propósito da cessão

onerosa e capitalização da Petrobras, trata-se que alteração legislativa que buscou não reverter

os efeitos da capitalização, por julgá-la ineficiente ou desnecessária, mas, considerando que a

estatal passava por um período de necessário reajuste financeiro em razão de fatores que,

conjuntamente, reduziram sobremaneira a capacidade de investimento da estatal, quais sejam:

a) investigação sobre a corrupção na empresa, b) a vertiginosa queda do preço barril de

259 Segundo a tradutora da obra de Mackaay e Russeau, Rachel Sztajn, “o custo de uma opção é o melhor uso alternativo que se encontre”. MACKAAY, Ejan. RUSSEAU, Stephane. Ob. cit. p. 119. 260 BRASIL. Ob. cit. p.79.

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petróleo entre os anos de 2014 e 2016, que durante o período saiu de uma relativa

estabilidade, cotado em aproximadamente 100 dólares, chegando a ser cotado em valores

inferiores a 30 dólares; e c) a alta do dólar frente ao real, que impactou profundamente a

contabilidade da empresa, que tem a maior parte dos ativos cotados em real e passivos,

referente a empréstimos, principalmente, cotados na moeda americana.

Tais fatores são elementos previsíveis e devem ser considerados em qualquer plano de

desenvolvimento, especialmente em uma estatal que tenha o porte e grande impacto

econômico e social como a Petrobras. No entanto, ocorridos no concomitantemente e de

forma muito intensa, tiveram efeitos deveras prejudiciais ao funcionamento da empresa e que

não foram previstos pelo legislador.

O custo havido pela a cessão onerosa e capitalização da Petrobras com fins de

aprimoramento da capacidade de investimento e operação dos campos no Pré-sal e o posterior

esvaziamento das operações determinadas pelo marcos regulatório por após a edição da lei

13.365/2010, não será considerado apenas custos inerentes ao mercado, posto que a corrupção

se trata de uma externalidade, a qual é definida como os custos ou benefícios transmitidos de

fora de um mercado, com os quais as partes em um acordo não concordaram e sobre a qual

não têm controle261. Já a alta do dólar e a queda do preço do petróleo são meros reflexos do

funcionamento do mercado.

No que diz respeito aos custos de adaptação da estrutura administrativa, estes são

considerados na inserção do modelo dos contratos de partilha de produção à uma estrutura já

adaptada aos contratos de concessão. Segundo o marco regulatório, ANP, MME e a própria

Petrobras ganham diferentes atribuições e os próprios contratos elaborados pela administração

precisam conter cláusulas próprias previstas em lei.

4.2.4 A EFICIÊNCIA DO NOVO MODELO

A eficiência do modelo de contratação sob o regime de partilha de produção de fato

apresentou muitos custos ao Estado, além de ter exposto as externalidades compreendidas

pelas investigações judiciais que ocorreram no bojo da operação Lava-jato, bem como as

custos de mercado representados pela vertiginosa queda dos preços do petróleo e a elevação

do dólar em comparação ao real, que representou forte impacto na Petrobras e inviabilizou os

programas de investimento que contemplavam o Pré-sal elaborados pela empresa. 261 COOTER, Robert. ULEN, Thomas. Ob. cit. pp. 181-182.

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No entanto, a produção de petróleo no país tem mostrado números animadores,

revelando semestralmente crescimento nos volumes prospectados, especialmente nos campos

localizados na região do Pré-sal que já se encontram na fase de produção.

Os contratos de partilha de produção adotados demonstram ser, de fato mais

vantajosos ao Estado do que os contratos de concessão, pois permitem o aproveitamento da

grande produção nos campos do pré sal ao longo dos anos de efetiva produção, enquanto os

contratos de concessão concentram a capacidade de remuneração pelo aproveitamento de

hidrocarbonetos no momento de arrecadação do bônus de assinatura, que é pago em uma

única parcela e não corresponde à efetiva produção, correlacionando-se com ela apenas pela

expectativa de produção, o que condiciona as empresas a elevar mais ou menos os lances.

Ademais, a aplicação dos contratos de concessão em rodadas de licitação que

tomariam lugar no período em que as negociações, pesquisas e implementação de medidas

inerentes ao marco regulatório do Pré-sal poderia obrigar o Estado por décadas a contratos

pouco vantajosos, nos quais as empresas concessionárias obtivessem ganhos muito superiores

aos auferidos pelo Estado.

Considerando-se que os contratos de exploração e produção de petróleo tem duração

de 30 a 40 anos, o percebimento contínuo de valores relativos ao profit oil da produção se

mostra mais vantajoso do que o pagamento de um bônus de assinatura cujo alto valor depende

das apostas dos concorrentes.

Assim, os custos havidos na criação legal de um novo marco, demora na realização

das licitações, custos com os aportes feitos para a capitalização da Petrobras - não teve o

efeito desejado pois a empresa deve seu potencial de investimento minado - , os custos de

implementação das normas junto à administração, os custos relativos à insegurança dos

agentes do mercado se mostram como custos efetivos que, no entanto, revelam-se pontuais.

Os benefícios advindos com a adoção dos contratos de partilha de produção, por sua vez,

terão efeitos financeiros e econômicos positivos que irão ter grande impacto no mercado

petrolífero por tempo indeterminado.

Ademais, por mais que a alteração trazida pela lei 13.365/2010 tenha diluído a atuação

do Estado nos contratos de partilha – custo esse necessário, pois a dependência da exploração

do Pré-sal da capacidade financeira da Petrobras poderia fazer com que as operações ficassem

inviáveis até a recuperação da empresa, que está em processo de desinvestimento, sem que

haja previsão de retomada de investimentos – a participação da PPSA como gestora dos

contratos de partilha de produção e de comercialização do petróleo prospectado,

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representando os interesses da União aproxima o Estado da atividade que explora seu próprio

patrimônio.

Por fim, no que diz respeito ao arrefecimento da indústria do petróleo no Brasil,

notadamente em seu setor upstream, foi, de fato, intensificada por todo o abalo financeiro da

Petrobras, principal empresa petrolífera do país. Contudo, tratou-se de um efeito que afetou

todo o mercado mundial de petróleo, uma vez que a queda da demanda, especialmente a

chinesa, além da decisão da OPEP de manter os preços do petróleo baixos para inviabilizar a

produção de óleo de xisto, fez com que o preço do barril sofresse uma queda acentuada.

Portanto, esse panorama teria consequências negativas para o Brasil independentemente do

modelo de produção adotado.

4.2.5 OS RESULTADOS AVERIGUADOS ATÉ O MOMENTO

No que concerne aos impactos das cessões onerosas e do contrato de partilha de

produção, considerando-se que o período de exploração de um campo tem duração de

aproximadamente quatro anos, os resultados econômicos das operações realizadas sob a

vigência do marco regulatório do Pré-sal ainda não podem ser auferidos de forma integral.

Apesar de o Campo de libra ainda não estar em fase de produção, produtividade do

Pré-sal, no entanto, está comprovada. A Petrobras, até agosto de 2016, operava 52 poços na

área, produzindo naquela data uma média diária de 913 mil barris de petróleo, tendo atingido

naquele ano a marca histórica de um milhão de barris/dia. A evolução da produção ao longo

de poucos anos revela o papel estratégico da região, que deverá se intensificar nas próximas

décadas. No ano de 2010, o Pré-sal produzia apenas 46,3 mil barris por dia, o que significa

que a produção na área aumentou em mais de 1.880%262.

Dentre os campos objeto de cessão onerosa, 5 deles constavam, em 2015, na etapa de

desenvolvimento da fase de produção, sendo comprovado o investimento da estatal nas

operações na região. Naquele ano, a produção nacional de petróleo apresentou crescimento de

8,1% em relação ao ano de 2014, alavancada pela elevação da produção no Pré-sal, que havia

crescido 55,7% no mesmo período263.

Atualmente apenas a Petrobras produz petróleo na região do Pré-sal. Não sendo as

constantes superações em termos de barris prospectados empreendidos por outras empresas,

262 RIO DE JANEIRO. Pré-sal Petróleo S.a.. Ministério de Minas e Energia.Bacia de Santos - a casa do Pré-sal. 2016. Disponível em: <http://www.presalpetroleo.gov.br/ppsa/o-pre-sal/bacia-de-santos>. Acesso em: 28 dez. 2016. 263 Brasil. Ob. cit. p. 77.

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que não a estatal, demonstra-se que a empresa possuía capacidade de investimento no Pré-sal.

Tais dados, no entanto, trazem informações serem do de 2015, quando ainda não haviam sido

aplicadas as rigorosas medidas econômicas.

O Campo de Libra, objeto da primeira rodada de licitação, ainda não está em fase de

produção, estando prevista a sua declaração de comercialidade apenas no segundo semestre de

2017, o que faz com que não seja possível, averiguar o montante arrecadado em razão da

comercialização da parcela de profit oil destinadas à União nem a eficiência da PPSA em

exercer a sua principal função, gerenciar os contratos de partilha, especialmente a partilha do

óleo prospectado e a comercialização dos hidrocarbonetos objeto de lavra.

O único consórcio que participou do certame fez a menor oferta estipulada pelo edital,

fixada na parcela de cost oil de 41,65%, tendo pago, no momento em que o contrato foi

assinado, bônus de assinatura no valor de R$ 15 bilhões já fixado no próprio edital de

licitação. Esse foi o mais alto valor pago a título de bônus de assinatura nas rodadas de

licitação empreendidas pela ANP, superando e muito os valores arrecadados a título de bônus

até o momento em rodadas de contratos de concessão, que, efetuando-se uma soma aritmética,

desconsiderando-se correções monetárias, não ultrapassariam R$ 6 bilhões264.

Apesar das críticas que apontaram o primeiro leilão sob o regime de partilha de

produção como ineficiente, desestimulando a concorrência, nota-se que, em razão dos valores

cobrados a título de bônus e o montante necessário para o transcurso das operações de

produção e exploração, mesmo empresas de petróleo de grande porte teriam dificuldades para

investir tamanha monta, o que, consequentemente, iria reduzir a concorrência.

Tanto que o consórcio envolve, além da Petrobras, quatro das maiores petrolíferas do

mundo estão associadas, dividindo custos de operação, tendo suas respectivas participações

oscilado entre um quinto e um décimo do total do contrato.

264 Ao observar todas as todas as rodadas de licitação no modelo de contratos de concessão, nota-se que os valores percebidos pelo total de campos, a título de bônus de assinatura, no entanto, caso somados todos os valores pagos em bônus de todas as rodadas já realizadas até o ano de 2013, em que foi realizado o leilão de Libra, este valor seria muito inferior ao pago no bônus de assinatura recebido em apenas um leilão de um bloco. Na rodada um, em 1999, foram pagos R$ 321.656.637,00; na segunda rodada de licitação, foram arrecadados R$ 468 milhões, em 2000; a terceira rodada, em 2001, os leilões da ANP arrecadaram R$ 600 milhões a título de bônus de assinatura; na quarta rodada, em 2002, esse valor foi de R$ 92 milhões; a quinta rodada de licitações teve valores mais módicos arrecadados como bônus de assinatura, limitando-se a R$ 27.448.493,00; a sexta rodada, por sua vez, arrecadou R$ 665,2 milhões; na sétima rodada, em 2005, a soma dos bônus de assinatura atingiram a cifra dos bilhões, arrecadando R$ 1.088.848.604,00; a oitava rodada, realizada em 2006 foi cancelada; já a rodada nona rodada, de 2007, arrecadou em bônus de assinatura o montante de R$ 2,1 bilhões; a décima rodada, realizada em 2008, arrecadou 89,4 milhões. Após hiato de quatro anos sem realizar rodadas de licitação, a ANP realiza em 2013 as décima primeira e décima segunda rodadas de licitação, que arrecadaram, respectivamente, R$ 2,48 bilhões e 165,2 milhões.

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Foram divulgadas pela ANP as áreas em estudo para licitação na modalidade de

partilha de produção, cujo leilão está previsto para novembro de 2017. Neste certame a

Petrobras já não terá obrigatoriedade de atuar como operadora do campo, tampouco terá

previamente participação de 30% nos consórcios firmados, em acordo com o disposto na lei

13.365/2016.

Há a expectativa de que mais empresas e consórcios manifestem interesse em

participar desta segunda rodada sob o regime de partilha de produção, o que, no entanto, pode

ser frustrado caso, novamente, seja fixado bônus de assinatura de valor elevado. Ora, se a

principal remuneração dos contratos de partilha de produção é por meio do percentual de

excedente em óleo, o mais adequado é que se busque incentivar este tipo de proposta, no qual

a União e empresas contratadas dividiriam os riscos e os lucros da empreitada de forma

proporcional, e não, ao exigir um pagamento bastante vultoso para o início do negócio, fazer

com que as empresas adiantes os pagamentos.

No que concerne a capacidade da Petrobras atuar neste contrato, a empresa poderá,

mesmo ausente a oferta feita pelo CNPE ou mesmo a estatal declinando o convite para

participar como operadora e receber automaticamente 30% do contrato, apenas concorrer

como as demais e se associar a outras petrolíferas de modo a participar do certame de maneira

mais compatível com sua capacidade financeira.

A Petrobras, já operando no Pré-sal e tendo amplo conhecimento não apenas da taxa

de sucesso e produtividade dos poços perfurados, bem como das técnicas e práticas que

tornam a atividade mais eficiente, teria grande interesse em participar no leilão em novembro,

o que não se pode atestar ao certo é o papel que a empresa exercerá nos novos contratos de

partilha de produção

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito de uma análise econômica sempre é chegar a um resultado prático acerca

da questão a que se propõe abordar. O caso da análise de custos e benefícios advindos em

razão das Leis 12.276/2010, 12.304/2010 e 12.351/2010 visa, após depurados os temas,

aplicar a lógica e as ferramentas econômicas ao abordar o tema e concluir pelos efeitos das

normas positivadas, se são eles custosos ou não.

Tomou-se como parâmetro para determinar os custos e benefícios inerentes às normas

o Estado que as impôs posto que o conjunto de leis analisadas se tratam de um marco

regulatório de atividade econômica no qual há intervenção estatal direta, por meio das

atividades empreendidas pela Petrobras, e indireta, por meio dos contratos de exploração

firmados com particulares, normas e pela ANP.

No entanto, por se tratar a indústria petrolífera de uma força econômica com

peculiaridades únicas especialmente em razão de depender de matéria prima escassa e não

renovável, cujo suprimento apresenta riscos geológicos e políticos que não encontra par em

nenhum outro setor, se fez necessário discorrer sobre suas características antes de passarmos

para a análise econômica propriamente dita.

Percebe-se que a existência de jazidas localizadas na camada Pré-sal, de alta

produtividade, incentivou muitas empresas contratantes a, na oitava rodada de licitações,

ofertarem altos lances de bônus de assinatura. À época ainda não havia sido anunciada a

descoberta de uma nova península exploratória, com características diferentes das demais

reservas brasileiras, apresentando óleo de melhor qualidade, maior produtividade e maiores

probabilidades de êxito na perfuração de poços, no entanto, em razão da atividade petrolífera

na região, as empresas viram a rentabilidade da área e se dispuseram a dar altos lances.

No entanto, o Conselho Nacional de Pesquisa Energética julgou que a exploração da

área por meio de contrato de concessão não seria o meio adequado e, das pesquisas, análises e

consultas feitas no âmbito do governo federal, foram elaborados quatro projetos de lei que

buscavam explorar o Pré-sal de forma mais eficiente para o Estado.

Ainda, buscou-se, por meio desse conjunto normativo, aumentar a interferência estatal,

por meio da Petrobras, garantindo que todos os campos licitados no Pré-sal tivessem a

empresa como operadora, tendo o Estado controle das atividades desenvolvidas e das

informações apuradas durante as operações.

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Desta forma, entendendo que a legislação proposta tinha claro intuito de intervir na

ordem econômica, buscou-se aplicar conceitos advindos da aplicação da Análise Econômica

do Direito para estudar a relação de custos e benefícios decorrentes das normas que buscavam

alterar a regulação do setor sob a ótica das do Estado regulador e interventor.

Para tanto, chegou-se ao sopesamento dos custos e benefícios por meio de

metodologia que inicialmente elencava os incentivos lançados pelas normas, analisados

posteriormente os custos de transação e, por fim, concluindo-se pela maior efetividade do

marco regulatório na concretização do interesse coletivo quando comparado ao modelo de

contratação anterior, representado pelos contratos de concessão.

Os benefícios trazidos pelo chamado marco regulatório do Pré-sal se verificam na

recepção dos contratos de partilha de produção, que permitem uma maior participação estatal

na produção de petróleo, beneficiando-se a União pela lavra de um recurso natural que lhe é

constitucionalmente atribuído de forma mais direta e constante. O surgimento da PPSA,

apesar de ter gerado controvérsias acerca de seu funcionamento, também tem se mostrado

como um benefício introduzido.

Os maiores custos envolvendo o conjunto normativo analisado envolveram a

capitalização da Petrobras por meio da cessão onerosa de poços. A cessão onerosa em si não

figura como um custo, não se deixou de ganhar com a concessão das áreas para cedê-las à

Petrobras, uma vez que foi pago pela empresa um valor semelhante ao pago a título de bônus

de assinatura quando somadas todas as rodadas de licitação sob o modelo de concessão já

ocorridos, além de ter a União adquirido uma grande quantidade de ações ordinárias em

compensação ao montante remanescente do contrato de cessão, estimado em mais de 74

bilhões de reais. Os poços operados pela Petrobras cedidos onerosamente estão sendo

operados para produção, o que faz com que o fornecimento de petróleo não seja

comprometido pelo contrato.

No entanto, a operação de capitalização não seria suficiente para que a Petrobras

tivesse fôlego financeiro para suportar os encargos a ela legados de investir quantias

bilionárias no Pré-sal e, somando-se à queda vertiginosa do preço do Petróleo nos anos de

2014 a 2016, aliada à alta do dólar frente ao real e as investigações de corrupção que

provocaram grande desestabilização financeira da empresa, essa conjuntura fez com que a

empresa entrassem em um rigoroso plano de desinvestimento, que a enfraquece

operacionalmente.

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No que concerne ao regime de contratação de empresas, o que se percebe é que o

modelo de partilha de produção permite que o Estado brasileiro receba o retorno financeiro

pela exploração de um bem público à medida que ele é efetivamente aproveitado pelo

contratante, evitando que a relação entre risco e oportunidade de lucro das empresas no

momento da contratação defina o ganho estatal.

Nos casos de campos com maior capacidade de produção existe uma alta perspectiva

de ganho com suas operações, que se desenvolve e se confirma ao longo da produção, fazendo

com que seja muito difícil resumir este ganho no pagamento do bônus de assinatura, que é

feito antes mesmo das primeiras atividades de cunho exploratório. Para que essa dinâmica

ocorra de modo transparente, foi necessária a criação de uma empresa que acompanharia e

fiscalizaria as operações das contratantes para que os valores de cost oil e profit oil fossem

auferidos corretamente, no caso, a PPSA.

Poços de menor capacidade produtiva, por sua vez, em razão de representar um menor

retorno financeiro para estado e gerar valores mais modestos, encontra um modelo de

exploração compatível nos contratos de concessão, que não necessita de um arranjo contratual

no qual a PPSA gerencie a compra e venda do petróleo prospectado, além de definir os

valores referentes a cost oil e profit oil.

A grande diversidade e variação geológica verificada no território brasileiro resulta em

diferentes cenários de exploração, fazendo com que a existência de dois modelos de

contratação sejam a melhor forma de compor a estrutura jurídica da a exploração. Apesar de a

lei 12.351/2010 especificar apenas os campos existentes em áreas de Pré-sal, o legislador se

preocupou em permitir a possibilidade de exploração em regime de partilha de produção em

outras regiões ao determinar que em áreas estratégicas também seria empregado o modelo de

partilha.

A existência de pagamento de valores a título de participação especial revela que

blocos localizados fora da região do Pré-sal podem ser extremamente rentáveis e produtivos,

o que sinaliza que o CNPE, órgão responsável por definir quais áreas podem ser consideradas

estratégicas, deve analisar minuciosamente os blocos e regiões ofertados em leilão para, uma

vez verificada a existência de regiões com características geológicas que indiquem alta

produtividade, defini-las como estratégicas.

Apesar dos grandes custos envolvidos, conclui-se que a alteração legislativa foi bem-

vinda, posto que garante rendimentos proporcionais ao consumo de riquezas naturais ao longo

dos anos de operação das empresas, sendo os contratos de concessão, ainda assim, rentáveis e

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atrativos a iniciativa privada nas áreas em que os riscos operacionais e limitações produtivas

se revelem como um custo determinante para a realização ou não dos investimentos

necessários à exploração de petróleo.

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