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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO ANDERSON WALACE NASCIMENTO DE QUEIROZ JOGANDO BOLA, FAZENDO HISTÓRIA: A EDUCAÇÃO NO BAIRRO DOS COELHOS (2008 2012) RECIFE 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

ANDERSON WALACE NASCIMENTO DE QUEIROZ

JOGANDO BOLA, FAZENDO HISTÓRIA:

A EDUCAÇÃO NO BAIRRO DOS COELHOS

(2008 – 2012)

RECIFE

2016

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ANDERSON WALACE NASCIMENTO DE QUEIROZ

JOGANDO BOLA, FAZENDO HISTÓRIA

A EDUCAÇÃO NO BAIRRO DOS COELHOS

(2008 – 2012)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. José Luís Simões.

RECIFE

2016

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A meu filho, Pedro Queiroz, para

quem sou e quero ser.

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AGRADECIMENTOS

Eis que chegamos ao fim de mais uma jornada, conseguimos alcançar nossos

objetivos. E ao olhar para trás, percebemos que a vitória só foi possível porque não

estávamos sozinhos. Muitos nos ajudaram, muitos participaram do processo de

construção dessa conquista e nos ajudaram a ser quem somos hoje. Por isso, cumpre

agradecer. Por isso, peço que recebam meus profundos e sinceros agradecimentos,

sabendo que “gratidão é algo que não prescreve”.

Gostaria de começar agradecendo a todos os professores e professoras que

contribuíram com a minha formação: desde Tia Nalva, professora do primeiro ano do

ensino fundamental, na Escola Estadual Manoel Gonçalves, ao professor Dr. José

Batista Neto, meu último professor na graduação em história, da Universidade Federal

de Pernambuco, nas disciplinas de Prática de Ensino de História I e II, passando por

Maria Clara e Tia Silvia, professoras do Centro de Educação Musical de Olinda. Todos e

todas contribuíram para que eu viesse a ser o que eu sou hoje.

Agradeço a todos os meus familiares, através das memórias dos meus avós, Vó

Nice (Eunice Pereira do Nascimento) e Voinho (Severino José do Nascimento). Ela,

exemplo de força e coragem, ele, de sabedoria e amor. Agrada-me saber que sou

produto dessa cepa.

Meus pais, Arnaldo Gonçalves Queiroz (in memória) e Maria das Graças Pereira do

Nascimento. Foram eles que construíram a base que me possibilitou chegar até aqui.

Foi minha mãe, a primeira que ousou, a custo de muito sofrimento, romper com o

destino que a configuração do bairro dos Coelhos nos reservava, me possibilitando

enxergar horizontes mais amplos e diversos, sem nunca me deixar perder de vista

minhas origens. Acredito que foram os novos horizontes abertos por minha mãe e a

permanente vinculação com minhas origens que estão na base da minha reflexão

acerca da realidade social. Mesmo com minhas incompreensões, e até agressões, ela

sempre me amou e me possibilitou ir mais longe. Obrigado, Mainha. Te amo!

Agradeço, também, as minhas irmãs, as psicólogas Andreza Waleska Nascimento

de Queiroz e Alyne Wilka Nascimento de Queiroz, elas mereciam um irmão melhor. Mas

agradeço a Deus por elas.

Pedro Henrique Santos Queiroz, meu filho, que é a melhor representação do amor

que tenho nessa vida. É por ele que estou sempre procurando ser uma pessoa melhor e

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construir um mundo melhor. Costumo dizer que não mereço o filho compreensivo e

amoroso que tenho. Pedro, tu és o Cara. Te amo!

Alexandre Falbo, um grande amigo, um verdadeiro pai que a vida me deu. Nossas

conversas, muitas vezes contando as mesmas histórias, me ensinaram muitas coisas.

Mas foi no silêncio, nos exemplos, na postura diante dos desafios e assédios do

cotidiano é que residiram as maiores lições. Obrigado, Falbo.

Luiz Henrique Lira, outro exemplo de pessoa humana que a vida me deu o

privilégio de conviver. Foi ele quem, com outras palavras, em uma conversa comum do

dia a dia, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, me disse, quando eu

ainda estava na metade da minha graduação em História (2008), que eu iria terminar o

mestrado. Galego, chegamos!

Todas as funcionárias e funcionários do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Pernambuco, nas pessoas de Karla Gouveia e

Márcio Eustáquio, sem eles a vida dos mestrandos e doutorandos do Centro de

Educação seriam bem mais difíceis.

Todas as amigas e amigos mestrandos e doutorandos do programa, nossa

convivência me trouxeram muitos ensinamentos, me apresentaram novas perspectivas,

que vão para além do mundo acadêmico. As amizades construídas vão ficar para

sempre.

Todas as minhas professoras e professores da Linha de Pesquisa Teoria e História

da Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação

da Universidade Federal de Pernambuco, suas aulas me ensinaram muito para a vida.

Nominalmente: Clarissa Martins, Metodologia da Pesquisa Educacional; Rosangela

Tenório, Educação – Cultura e Sociedade; Batista Neto, Didática do Ensino Superior;

Edílson Fernandes e José Luís Simões, Pesquisa em Teoria e História da Educação II; e

Adriana Paulo, Seminário de Pesquisa.

A Banca Examinadora pela grande contribuição que deu a essa pesquisa desde a

qualificação:

Professor Dr. Henrique Gerson Kohl, pelo seu rigor técnico e conceitual, que foram

me cobrados com muita compreensão e cuidado. Com a sua atenção e contribuições, foi

possível ir mais longe.

Professor Dr. Thiago Vasconcellos Modenesi, amigo de longa data que sempre me

estimulou a estudar e a querer ir mais longe. Suas contribuições extrapolam essa

pesquisa.

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Professor Dr. Edílson Fernandes de Souza que sempre depositou em mim bastante

confiança e me fez acreditar que eu poderia desenvolver pesquisas mesmo antes que

eu soubesse o que significava fazer pesquisa. Sem suas orientações e motivações eu

não teria chegado até aqui.

Meu orientador, Professor Dr. José Luís Simões, que sempre demostrou bastante

confiança no meu trabalho. Para quem ousa entrar no mundo da pesquisa acadêmica,

ter quem transmita confiança é fundamental. Zé, tenho certeza que não conseguiria com

outro orientador. Muito obrigado!

Todas e todos que fazem o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, em

especial os atores desta pesquisa, são eles e elas quem fazem tudo acontecer, essa

dissertação é só um esforço para analisar, conhecer e registrar um pouco da valorosa

contribuição que vocês estão dando à sociedade.

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O Operário Em Construção Vinicius de Moraes

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os

reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: - Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem

quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe:

- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. Lucas, cap. IV, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo

Que a casa de um homem é um templo

Um templo sem religião Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.

De fato, como podia

Um operário em construção Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia...

Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia

Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado

De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, facão - Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário, Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela

Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário Soube naquele momento!

Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia

De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário De operário em construção

E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão

Desse instante solitário Que, tal sua construção

Cresceu também o operário. Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia - Exercer a profissão -

O operário adquiriu Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia

Outro operário escutava.

E foi assim que o operário Do edifício em construção

Que sempre dizia sim Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas A que não dava atenção:

Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

Como era de se esperar As bocas da delação

Começaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão.

Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação

- "Convençam-no" do contrário - Disse ele sobre o operário

E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado

Dos homens da delação E sofreu, por destinado Sua primeira agressão. Teve seu rosto cuspido

Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão

Muitas outras se seguiram Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível Ao edifício em construção

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Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.

Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo vário.

De sorte que o foi levando Ao alto da construção

E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração:

- Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação

Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem bem quiser.

Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês Será teu se me adorares

E, ainda mais, se abandonares

O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário Que olhava e que refletia Mas o que via o operário

O patrão nunca veria. O operário via as casas E dentro das estruturas

Via coisas, objetos Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão Não vês o que te dou eu?

- Mentira! - disse o operário Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração

Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado

Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas E gritos de maldição

Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão. E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão. Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão De um homem pobre e

esquecido Razão porém que fizera Em operário construído

O operário em construção.

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Pescador de Ilusões O Rappa

Se meus joelhos

Não doessem mais Diante de um bom motivo

Que me traga fé Que me traga fé

Se por alguns

Segundos eu observar E só observar

A isca e o anzol A isca e o anzol

Ainda assim estarei

Pronto pra comemorar Se eu me tornar Menos faminto

E curioso Curioso

O mar escuro Trará o medo Lado a lado

Com os corais Mais coloridos

Valeu a pena

Êh! Êh! Valeu a pena

Êh! Êh! Sou pescador de ilusões Sou pescador de ilusões

Se eu ousar catar

Na superfície De qualquer manhã

As palavras De um livro

Sem final, sem final Sem final, sem final

Final

Valeu a pena Êh! Êh!

Valeu a pena Êh! Êh!

Sou pescador de ilusões Sou pescador de ilusões

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O aumento da demanda de livros numa sociedade

constitui bom sinal de um avanço pronunciado no

processo civilizador, porque sempre são

consideráveis a transformação e regulação de

paixões necessária tanto para escrevê-los quanto

para lê-los. (ELIAS; 1993: 229).

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RESUMO

Este estudo procurou refletir e analisar o processo social e histórico da elaboração e implantação do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, localizado no bairro dos Coelhos, bairro periférico da cidade do Recife-PE, entre os anos de 2008 e 2012. Seu objetivo geral consiste em analisar, historicamente, as contribuições dos indivíduos e do grupo da sociedade civil participante desta intervenção para o processo civilizador dos moradores e moradoras deste bairro. Selecionamos como fundamentação teórica central a teoria do Processo Civilizador, desenvolvida pelo sociólogo alemão Norbert Elias (1993, 1994a, 1994b e 2001), a qual procuramos estabelecer um diálogo com o método pedagógico proposto por Paulo Freire (1996 e 2011) e os conceitos da educação não formal defendidos por Maria da Glória Gohn (2010 e 2012). A pesquisa foi desenvolvida na perspectiva de analisar o processo histórico vivenciado pelos atores da intervenção, e para tanto, julgamos mais apropriado basear nossa estratégia de coleta de dados nos procedimentos metodológico apontados pela História Oral, do tipo História Temática (LE GOFF, 1990 e THOMPSON, 1992), os atores selecionados para este trabalho participaram de uma entrevista semiestruturada, onde eles e elas puderam relatar suas memórias e impressões do processo ora em análise. Para a análise dos dados coletados optamos pela teoria da Análise de Discurso, nos baseando na obra de Eni Orlandi (1999 e 2008). Buscamos neste trabalho analisar que influência pode exercer o espaço, em suas múltiplas dimensões, no processo civilizatório; qual a importância do método (no caso em estudo, o futebol) para uma intervenção que visa promover transformações sociais; sobre quais fenômenos da vida em sociedade os indivíduos precisam se apropriarem para desenvolver uma leitura crítica da realidade e poderem assim terem uma ação mais protagonista nas suas vidas; e, por fim, analisamos o papel do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã neste processo. Este trabalho foi realizado a fim de testar a hipótese de que apesar de todos os condicionamentos que cada realidade social impõe aos indivíduos, sempre será possível sua transformação, mesmo levando em conta a estrutura social atualmente vigente. Os resultados obtidos apontam que os fenômenos presentes dentro da configuração do bairro dos Coelhos atuam no sentido de impor dificuldades e limitações para os moradores e moradoras daquele bairro. Dentro desta perspectiva, concluímos que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã se constituiu como um centro indicador de alternativas, lócus de resistência a lógica do individualismo e base potencializadora de projetos de vida.

Palavras Chaves: Processo Civilizatório; Futebol. Educação Não Formal.

Bairro dos Coelhos.

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ABSTRACT

This study sought to reflect and analyze the social and historical process of development and implementation of the Socio-sports Project Forming Tomorrow, located in the neighborhood of Coelhos, suburb of Recife-PE, between the years 2008 and 2012. Its general objective is to analyze historically the contributions of individuals and civil society group, participant of this intervention for the civilizing process for local residents. Selected as a central theoretical foundation, the theory of the Civilizing Process, developed by the German sociologist Norbert Elias (1993, 1994a, 1994b and 2001), with which we seek to establish a dialogue with the teaching method proposed by Paulo Freire (1996 and 2011) and concepts of non-formal education defended by Maria da Glória Gohn (2010 and 2012). The research was developed with a view to analyze the historical process experienced by the actors of the intervention, and for that, the decision was that it would be more appropriate to base our data collection strategy in methodological procedures set out by the Oral History, like the Thematic History (LE GOFF, 1990 and Thompson, 1992), the actors selected for this work took part in a semi-structured interview, where they were able to relate their memories and impressions of the process now under examination. For data analysis, we chose the theory of discourse analysis, based on the work of Eni Orlandi (1999 and 2008). We seek in this paper to analyze what influence the space can exercise, in its multiple dimensions, in the civilizing process; how important is the method (in our case, football) for an intervention that intends to promote social change; on which phenomena of social life the individuals need to appropriate to develop a critical reading of reality and may thus have a more protagonist action in their lives; and finally, we analyze the role of the Socio-sports Project Forming Tomorrow in this process. This study was conducted to test the hypothesis that despite all the constraints that each social reality imposes on individuals, you can always processing, even taking into account the currently prevailing social structure. The results suggest that the phenomena present in the neighborhood configuration of Coelhos act to impose difficulties and limitations to the residents there. Within this perspective, we conclude that the Socio-sports Project Forming Tomorrow constituted as a pointer center of alternatives, an individualism logic resistance locus, and a potentiating base of life projects.

Key Words: Civilizing process. Soccer. Non-Formal Education. Coelhos

neighborhood.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 16

2. O Campo em suas múltiplas dimensões: espaço onde o indivíduo

se humaniza ......................................................................................... 32

2.1. O bairro dos Coelhos nas vozes de seus moradores e moradoras ..... 44

2.2. A sociedade nas vozes dos moradores e moradoras do bairro dos

Coelhos ................................................................................................. 57

2.3. Um campinho de futebol como espaço de configuração social e

interdependência ................................................................................. 68

3. O esporte enquanto instrumento de mobilização e inclusão social

............................................................................................................. 74

3.1. O papel mobilizador do futebol ............................................................. 80

3.2. A inclusão social através do futebol ..................................................... 87

3.3. As regras do jogo e as regras da vida em sociedade .......................... 94

4. O indivíduo protagonista da história ............................................... 101

4.1. Os fenômenos da exclusão social e a atuação protagonista ............. 108

4.2. O indivíduo e a construção protagonista da sua história ................... 115

5. O Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã ........................... 122

5.1. O despertar para realidade e o desejo de mudança .......................... 127

5.2. Do pensamento à concretização: dificuldades e estratégias de

superação ............................................................................................ 133

5.3. Futebol e educação fazendo história no bairro dos Coelhos ............. 141

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 147

REFERÊNCIAS ................................................................................... 152

APÊNDICE A – Mapa Político-administrativo do Bairro dos Coelhos

............................................................................................................. 156

APÊNDICE B – Imagem aérea do Bairro dos Coelhos ................... 157

APÊNDICE C – Imagem aérea do Campinho dos Coelhos ............ 158

APÊNDICE D – Ficha Cadastral dos educadores e educadoras

sociais e Termo de Autorização de Uso da entrevista .................. 159

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APÊNDICE E – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista

(Educadores e Educadoras Sociais) ............................................... 160

APÊNDICE F – Ficha Cadastral dos Educandos e Educandas e

Termo de Autorização de Uso da Entrevista (Também assinado pelo

responsável legal do educando ou educanda) .............................. 162

APÊNDICE G – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista

(Educandos e Educandas) ............................................................... 163

APÊNDICE H – Ficha Cadastral do Entrevistado (Dados da formação

do bairro dos Coelhos) e Termo de Autorização de Uso da

Entrevista ........................................................................................... 165

APÊNDICE I – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista

(Dados da formação do bairro dos Coelhos) ................................. 166

APÊNDICE J – Dados do perfil de Ewerton e Transcrição parcial da

entrevista ........................................................................................... 167

APÊNDICE K – Dados do perfil de Lukas e Transcrição parcial da

entrevista ........................................................................................... 168

APÊNDICE L – Dados do perfil de Janaína e Transcrição parcial da

entrevista ........................................................................................... 169

APÊNDICE M – Dados do perfil de João e Transcrição parcial da

entrevista ........................................................................................... 170

APÊNDICE N – Dados do perfil de Joana e Transcrição parcial da

entrevista ........................................................................................... 171

APÊNDICE O – Dados do perfil de Adilson e Transcrição parcial da

entrevista ........................................................................................... 172

APÊNDICE P – Dados do perfil de Isa e Transcrição parcial da

entrevista ........................................................................................... 173

APÊNDICE Q – Dados do perfil de Robinho e Transcrição parcial da

Entrevista ........................................................................................... 174

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1. INTRODUÇÃO

Foi dura a caminhada. Lançar-se ao desafio da produção científica, do

conhecimento acadêmico é, no primeiro momento, um ato de coragem. O

conhecimento humano já acumulado tem uma proporção incalculável,

impossível de ser visitado por um único indivíduo, mesmo que para isso ele

consuma todo o seu tempo de presença aqui na terra. Logo, como pretender

produzir algo novo, original e socialmente relevante, sabendo que é limitada,

apesar de todos os esforços, a sua percepção da realidade e a sua capacidade

de abarcar todo o conhecimento já produzido pela humanidade acerca das

condições do desenvolvimento humano?

Era Preciso responder a esta pergunta que se converteu em condição

sine qua non para a realização desta pesquisa e sem está resposta não

conseguiríamos prosseguir.

O primeiro passo é sempre um momento introspectivo, era preciso

encontra algo que me provocasse inquietações, algo que eu considerasse

indispensável a compreensão deste determinado fenômeno ou processo. E foi

na vontade de compreender como os indivíduos e as sociedades forjam,

selecionam e desenvolvem os seus padrões de comportamento e as formas e

métodos como os mesmos são transmitidos para as gerações futuras, e neste

mesmo processo vão construindo as civilizações, que me foi possível localizar

o problema da pesquisa e a problemática na qual ele se insere.

Compreendo, filiando-me a Norbert Elias, que a forma como os sujeitos

se comportam em sociedade é fortemente influenciada pelas relações que

estes estabelecem uns com os outros, com a sociedade na qual estão

inseridos, e com os mecanismos que eles dispõem para controlar as suas

emoções e impulsos mais instintivos, tudo isso relacionado também com o

meio físico, que se desenvolveu num processo histórico e social.

Buscar compreender como, através dos processos sociais, os

agrupamentos humanos forjaram seus padrões de comportamento, seus

valores, sua cultura e o seu modo de ser e está na vida, demanda o

entendimento de que não existe comportamento “civilizado” que não esteja

contextualizado dentro de um processo social e histórico, e que não esteja

localizado num tempo e num espaço determinado.

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Ao compreendermos que todas as sociedades constroem seus patrões de

comportamento dentro de um imbricado jogo de interdependência entre seus

sujeitos, entre o sujeito e a sociedade, e entre o sujeito, a sociedade e as

condições do espaço físico, dentro de um processo social e histórico, me vi

obrigado a dar o segundo passo, que consiste no memento de comunicação

com o mundo: agora era preciso encontra um objeto que me permitisse

trabalhar minha filiação teórica eliasiana.

Paralelo a essas inquietações, havia em mim um conhecimento empírico

o qual apontava que as formas de condutas adotadas pelos agrupamentos

humanos que se formaram e se formam nas periferias dos centros urbanos, às

margens do interesse do poder político e econômico, era o modo de ser

“civilizado” que foi possível ser construído por estes coletivos, que foram

induzidos a se desenvolverem nestas condições, formando assim os grupos

outsiders, que, via de regra, são considerados “incivilizados” e violentos pelos

que vivem em condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento, os

establishment, estes que podem disfrutar mais plenamente dos benefícios que

o Estado moderno pode oferecer.

Este conhecimento empírico, encaminhou a busca pelo objeto de

pesquisa para as periferias dos centros urbanos, onde agrupamentos humanos

forjam seus padrões de comportamento tendo que sobreviver em condições

materiais desfavoráveis, sem acesso a uma educação de qualidade nem aos

bens culturais mais elaborados, e tendo que enfrentar cotidianamente toda

sorte de obstáculos impostos ao seu pleno desenvolvimento. Ou nas palavras

de Paulo Freire, condições de sobrevivência “que fere a ontológica e histórica

vocação dos homens – a do ser mais” (FREIRE; 2011: 58).

Há na cidade do Recife, capital de Pernambuco, alguns bairros que se

caracterizam pela falta de infraestrutura mínima para o desenvolvimento das

pessoas que neles residem. Nestes bairros há problemas de saneamento e

esgoto, poucas escolas públicas no seu território, problemas de segurança e

violência, e as habitações são precárias, as pessoas que neles vivem, via de

regra, têm renda per capita baixa e nível de escolaridade pouco elevado.

Com essas características, encontra-se o bairro dos Coelhos, localizado a

menos de dois quilômetros do Marco Zero da capital pernambucana, mas que

tem um baixo Índice de Desenvolvimento Humano e se desenvolve com a

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participação mínima do poder público como indutor do desenvolvimento

humano e social.

Esta configuração do bairro dos Coelhos se assemelha com as de alguns

bairros do Recife, que são iguais em muitos bairros das cidades do Brasil e do

mundo.

Contudo, foi nesse bairro onde eu nasci e do qual lembro-me das histórias

da minha infância, contadas por minha avó materna, de como o bairro foi se

constituindo e o trabalho de construção que os seus primeiros moradores e

moradoras tiveram de empreender para realizar os grandes aterros

necessários das margens alagáveis do rio Capibaribe para transformar aquele

território em local minimamente habitável.

Porém, esse critério subjetivo não é, nem foi, suficiente para justificar a

escolha de um objeto de pesquisa. Mas, o fato de que neste bairro vem sendo

executado, desde o ano de 2008, um projeto de intervenção social denominado

pelos seus idealizadores e executores Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, que foi criado e desenvolvido por um grupo de amigos, moradores e

moradoras da localidade, com o objetivo de dar uma atividade as crianças,

adolescentes e jovens da localidade que viviam com muito tempo ocioso e

sujeitos a se envolverem com a violência, a criminalidade e o tráfico de drogas,

que é comum no bairro.

Contudo, o principal objetivo do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, segundo as palavras de seus próprios idealizadores é: “mostrar para

essas crianças que, não é por que elas vivem num bairro pobre, que elas

devem se envolver com a violência, a criminalidade e com o tráfico de drogas”,

e para tanto eles vem desenvolvendo uma ação educativa não formal, e foi por

estas características que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã se

tornou objeto desta pesquisa.

Uma vez selecionado o objeto, o trabalho agora se volta para delimitar o

objetivo da pesquisa, os procedimentos metodológicos e técnicos, e o quadro

teórico a ser utilizado como referência para analisar as informações e os dados

coletados.

O objetivo geral desta pesquisa foi definido em analisar, historicamente,

as contribuições dos indivíduos e do grupo da sociedade civil participante do

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Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã para o processo civilizador dos

moradores e moradoras do bairro dos Coelhos.

Durante os trabalhos preliminares da pesquisa, pudemos observar as

transformações que a intervenção do Formando o Amanhã vem promovendo

na vida dos seus participantes, sejam eles os executores e executoras ou os

educandos e educandas da intervenção, e mesmo na realidade da

comunidade, conforme será demonstrado ao longo desta dissertação.

Ao considerarmos que a ação empreendida pelos moradores e moradoras

do bairro dos Coelhos, dentro do Formando o Amanhã, vem promovendo

mudanças naquela configuração, optamos por desenvolver um trabalho do tipo

historiográfico, que registrasse os processos, os embates, os obstáculos e as

estratégias de superação adotadas pelos atores da pesquisa para implantar e

consolidar a sua intervenção.

Assim, como toda produção historiográfica, o objeto analisado precisa

estar muito bem delimitado no espaço e no tempo, acreditamos que até aqui o

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã está bem localizado, cumpre

agora determinar o período no qual a análise ficou circunscrita, que foi entre os

anos de 2008 e 2012.

O ano de 2008 como marco inicial para o estudo deve ao fato de que foi

neste ano que a intervenção começou a ser realizada, mais precisamente no

sábado, 16 de fevereiro, quando a execução da intervenção dependia apenas

da participação voluntária dos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos.

Já o ano de 2012 como marco final para o período determinado para o

estudo se deve ao fato de que até esse ano a ação vinha sendo desenvolvida

por iniciativa e participação de um grupo de amigos onde todos eram única e

exclusivamente moradores do bairro. Foi no ano de 2012, por ocasião de um

incêndio que atingiu alguns barracos da Comunidade do Papelão, que fica

dentro do bairro dos Coelhos, que a intervenção do Formando o Amanhã

ganhou mais visibilidade e começou a conquistar mais apoiadores, através de

voluntários de outras camadas sociais e moradores de outros bairros, de

igrejas, Organizações Não Governamentais – ONG’s, e secretarias de

governos, tanto estadual como municipal, o que passou a dar um novo

dinamismo a forma de organização e outras motivações aos participantes da

ação, que resulta por mudar um pouco suas características.

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Vale salientar que esses apoios não ocorrem de modo continuo e

crescente, nem é permanente. Eles oscilam, ora chegam com maior volume,

ora a ação se mantem única e exclusivamente pela colaboração e participação

dos moradores e moradoras voluntários do próprio bairro.

No que diz respeito a metodologia, entre todas as metodologias possíveis

para uma produção historiográfica, a que mais nos pareceu adequada para

esse desafio foi a da história oral, devido ao fato desta possibilitar o acesso a

fontes que não estão entre aquelas tradicionalmente utilizadas, tal como,

documentação oficias. A história oral possibilita acessar os fatos significativos

registrados na memória dos atores do processo em análise, e por essa razão

essa metodologia foi adotada.

Dentro dos tipos possíveis de se trabalhar com a história oral,

pretendemos, inicialmente, desenvolver nossa pesquisa com o tipo história de

vida, por entender que os fatos marcados na memória dos atores documentam

a forma como as vivências são significadas pelos atores, e permite ao

historiador acessar fontes que, apesar de serem de difícil acesso, são bastante

relevantes e significativas para a compreensão dos fatos históricos.

Contudo, devido ao alto grau de envolvimento em que os atores

informantes selecionados para esta pesquisa estavam com o Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã não foi possível, apesar de todos os esforços,

fazer vir à tona informações acerca da trajetória de vida desses atores. Sempre

que era feito alguma pergunta a respeita da vida dos informantes, eles davam

um jeito de mudar o foco e falar da intervenção.

Para ilustrar essa observação, pequemos, como exemplo, a resposta que

a educadora social Joana dá a primeira pergunta do roteiro de entrevista

elaborado para essa pesquisa. Quando perguntada: Como era sua vida, o que

você achava da vida, antes de participar do Projeto Sócio Esportivo Formando

o Amanhã? A Informante Joana muda o foco da pergunta respondendo: “Olhe,

o que eu posso dizer, assim, é o que acrescentou na minha vida, que veio

somar depois de participar deste Projeto [Sócio Esportivo Formando o

Amanhã], é de que eu pude perceber que existem pessoas que vivem à

margem de uma sociedade” [...], e segue falando das modificações que a

intervenção realizou na sua percepção do mundo e no seu modo de ser.

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Devido ao fato de que todos os atores selecionados como depoentes

desta pesquisa, em muitas perguntas sobre suas vidas usarem da mesma

estratégia utilizada pela educadora social Joana, transcrita acima, transferindo

de suas vidas para o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã o tema

central das suas respostas, levou-nos a uma alteração na metodologia de

coleta de dados, de história oral, do tipo história de vida, para a história oral, do

tipo história temática. Para Paul Thompson, “a história oral é a história

construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria

história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre

os líderes, mas dentre a maioria simples do povo” (1992: 44).

Valorizar as narrativas dos atores sociais que vivem e constroem os fatos

históricos, mas que têm suas narrativas comumente esquecidas pela

historiografia oficial, é reconhecer que a voz de cada ator social é única, muitas

vezes simples e epigramática, e ao mesmo tempo representativa. “A voz

consegue trazer o passado até o presente, sua utilização altera não só a

textura da história, mas seu conteúdo. Desloca o centro da atenção, das leis,

estatísticas, administradores e governos, para as pessoas” (THOMPSON;1992:

334).

Não obstante, ao optarmos pela história oral, pretendemos deixar explícito

o nosso posicionamento político, que consiste na luta pela edificação de uma

sociedade menos verticalizada. Por isso, procuramos dar espaço para as vozes

dos que são colocados no andar de baixo da nossa pirâmide social.

Acreditamos que tal metodologia possibilita não apenas resgatar uma dívida

histórica e social com os atores históricos que mesmo sendo excluídos das

narrativas oficiais dos embates políticos e econômicos, atuam e contribuem na

construção da sociedade, porém, suas vozes tradicionalmente não são ouvidas

na produção historiográfica. Vozes que revelam memorias das marcas que os

fatos histórico causou nesses atores e que ajudam a compreender melhor

nossa sociedade.

Contudo, este trabalho não pretende apenas trazer à tona as vozes dos

atores dos fatos históricos que frequentemente são silenciadas, busca analisar

a ideologia presente nas vozes destes, e para tanto buscamos realizar um

diálogo entre a metodologia da história oral, do tipo história temática, e as

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técnicas, procedimentos e teorias da Análise de Discurso, tendo como base Eni

Orlandi (1999 e 2008).

Com essa escolha, pretendemos trabalhar a relação língua-discurso-

ideologia presente nas vozes dos atores da pesquisa. Orlandi defende que:

“Partindo da ideia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e

a materialidade específica do discurso é a língua, [a Análise de Discursos]

trabalha a relação língua-discurso-ideologia” (1999: 17). Logo, o que se almeja

realizar nesta pesquisa é não só valorizar as marcas que os fatos vividos pelos

atores do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã deixaram nas suas

memorias, mas, também, indicar leituras possíveis das ideologias presente nas

narrativas – discursos – desses atores.

Para definir a quantidade de informantes e quais seriam os critérios para

a realização da seleção desses informantes, começamos realizando um

levantamento de quantas pessoas participaram da intervenção em seus

primeiros momentos, que é o período determinado para o estudo, entre 2008 –

2012.

Logo de início foi fácil identificar que o Formando o Amanhã é composto,

basicamente, por dois grupos de atores: o dos idealizadores e executores, e o

dos sujeitos para os quais a ação é dirigida, os educandos e educandas. E foi a

partir desses grupos de atores que começamos a formar os grupos de

informantes.

Duas questões buscamos contemplar na seleção dos informantes. A

primeira diz respeito apenas ao grupo de executores. Na formação deste

grupo, procuremos representar o maior número de atividades realizadas para

que a intervenção possa ser efetivada, tais como, a das atividades físicas da

escolinha de futebol, a da preparação e distribuição dos lanches e a das

palestras educativas.

A segunda questão que procuramos contemplar diz respeito aos dois

grupos de informantes. Tínhamos pré-estabelecida que, se possível,

contemplaríamos na seleção dos informantes a questão de gênero.

Contemplamos esta questão não apenas pela relevância que a

contemporaneidade vem dando a este debate, mas, sobretudo, por

compreendermos que devido às diferenças corporais e sexuais, homens e

mulheres foram culturalmente submetidos à diferentes papéis sociais e

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comportamentais, fato que influencia, direta ou indiretamente, na construção de

valores, desejos e comportamentos, estes, que por sua vez, influenciam na

percepção que cada gênero tem da realidade social vivenciada. Por isso, ao

contemplar a questão de gênero, acreditamos estar lançando diferentes luzes

sobre o objeto da pesquisa.

Como resultado do levantamento da quantidade de atores que

participaram do Formando o Amanhã em seus momentos iniciais, descobrimos

que apenas duas meninas tinham participado como educandas da Escolinha

de Futebol, e que elas permaneceram na ação entre os anos de 2008 e 2011,

quase a totalidade do período definido para a pesquisa. E foi a partir deste fato

que definimos que cada grupo, o dos executores e executoras, e o de

educandos e educandas, seriam compostos por quatro informantes, dois do

sexo masculino e dois do sexo feminino, totalizando oito informantes.

Na seleção dos informantes que vieram a compor cada grupo, utilizamos

como primeiro critério as referências que os antigos e atuais atores do

Formando o Amanhã forneciam sobre os prováveis integrantes dos grupos de

depoentes. Em seguida, uma vez que alguns não participavam mais da ação,

buscamos localizá-los, informá-los sobre a pesquisa e consultá-los sobre sua

disposição e disponibilidade para participar. E assim, os oito informantes da

pesquisa foram selecionados.

Contudo, infelizmente, apesar da animação e disposição inicialmente

apresentada para participar da pesquisa, uma das educandas que seria

informante, por motivos não declarados, decidiu não mais participar, deixando

seu grupo incompleto, uma vez que ela não poderia ser substituída devido ao

fato de que apenas duas educandas participaram do intervenção no período

demarcado para a análise.

Compreendemos que para analisar o processo de desenvolvimento e

implantação do objeto de estudo, não é possível fazê-lo sem realizar um

digressão no tempo para, mesmo que de forma panorâmica, realizar uma breve

análise do processo que o bairro dos Coelhos e seus moradores e moradoras

vivenciaram para se consolidar no seu espaço. Para travar um maior contato

com o processo de construção do bairro dos Coelhos, selecionamos um

informante de 55 anos de idade, nascido na comunidade e que, no momento

da realização desta pesquisa, ainda mora na mesma casa onde nasceu. A

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escolha deste depoente se deu por sua presença sempre motivadora nas

conversas informais que mantivemos com os moradores e moradoras e

andanças pelo bairro dos Coelhos. As informações que este depoente revelava

eram sempre muito enriquecedora e esclarecedora, então, sua participação se

impôs a este trabalho.

Assim, o conjunto de depoentes da pesquisa ficou restrito a dois

informantes do sexo masculino e dois informantes do sexo feminino para o

grupo de educandos e educandas, mesmo este tendo sofrido uma desistência,

como já informamos acima; dois informantes do sexo masculino e dois do sexo

feminino para o grupo de executores e executoras, os educadores sociais; e

um informante para o processo de construção e consolidação do bairro dos

Coelho, totalizando nove depoentes.

Para todos os informantes, solicitamos que os mesmo escolhessem um

pseudônimo, explicando-lhes sobre a importância do anonimato, uma vez que,

mesmo não sendo o tema central da pesquisa, também seriam tratados temas

como violência, criminalidade e tráfico de drogas no bairro; e que suas falas,

uma vez autorizadas, seriam transcritas conforme foram gravadas. Então,

informamos-lhes que tal procedimento servia para lhes proteger de possíveis

constrangimentos e lhes deixariam mais à vontade para falar nas entrevistas. A

pesar da resistência de alguns, que gostariam de ver seus nomes registrados

nesta pesquisa, todos e todas escolheram seus pseudônimos.

Para coletar os dados e informações junto aos depoente foram aplicados

questionários semiestruturados, com temas geradores, e, como fonte de dados

auxiliares, foram utilizadas matérias de jornais impressos e televisivos, projetos

de ações e fotografias de eventos realizados pelo Formando o Amanhã, bem

como apresentações e projetos que os idealizadores desenvolveram para

buscar apoio junto aos órgãos governamentais e não governamentais.

Para analisar os dados e informações coletados, o quadro teórico

composto parte da teoria eliasiana do processo civilizador, que procura

entender os padrões de comportamento dos indivíduos e sociedades através

de um processo social e histórico. Para Norbert Elias todos os indivíduos e

sociedades forjam seus padrões de comportamento sendo submetidos a

“instrumentos diretos de ‘condicionamento’ ou ‘modelagem’, de adaptação do

indivíduo a esses modos de comportamento que a estrutura e situação da

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sociedade onde vive tornam necessários” (1994a: 95). Isso implica dizer que,

segundo Elias, todos os indivíduos ocupam uma função que foi criada

socialmente e que dela depende o funcionamento da ordem social.

Para Elias, “Até os famintos e sem tetos são produtos e componentes da

ordem oculta que subjaz à confusão” (ELIAS; 1994b: 21), e que condiciona e é

condicionada pela ordem social.

Assim, partindo de Elias, compreendemos que a estrutura social sobre a

qual os indivíduos e agrupamentos humanos são induzidos a se desenvolver

interfere, sobre maneira, no padrão de comportamento desses indivíduos e

agrupamentos humanos.

Portanto, buscamos nesta pesquisa refletir acerca da estrutura social que

a população moradora do bairro dos Coelhos incide para criar o seu modo de

ser e estar em sociedade, considerando que é a partir da estrutura social em

que vivem que os indivíduos selecionam seus valores e desejos,

transformando-se “na pessoa psicologicamente desenvolvida que tem o caráter

de um indivíduo e merece o nome de ser humano adulto” (ELIAS; 1994b: 27).

É preciso considerar ainda que nenhum indivíduo, por mais astuto e

criativo que seja, e por maior que seja o seu acesso as oportunidades que

possibilitam o seu desenvolvimento, ele nunca estará completamente livre e

desconectado das influências do meio social em que vive. Acreditamos que,

com relação a formação da personalidade dos indivíduos e posição social, “O

que advém de sua constituição característica depende da estrutura da

sociedade em que ele cresce. Seu destino, como quer que venha a ser

revelado em seus pormenores, é, grosso modo, especifico de cada sociedade”

(ELIAS; 1994b: 28).

Por outro lado, é preciso considerar que em nosso atual estágio

civilizacional, impera um alto grau de individualismo, onde foi construída,

equivocadamente, a percepção de que indivíduos e sociedade são algo

distinto, e que os sujeitos para conseguirem sucesso nos seus projetos

pessoais e profissionais necessitam vencer uma barreira comum a todos que

vivem em sociedade, barreira esta que nada mais é do que a própria

sociedade.

Para Elias, “O abismo e o intenso conflito que as pessoas altamente

individualizadas de nosso estágio de civilização sentem dentro de si são

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projetados no mundo por sua consciência. Em seu reflexo teórico, eles

aparecem como um abismo existencial e um eterno conflito entre indivíduos e

sociedade” (ELIAS; 1994b: 32).

Essa separação entre indivíduo e sociedade acaba por criar um

desequilíbrio na balança entre a “identidade-nós” e a “identidade-eu”, fazendo

com que as pessoas passem a projetar suas ações no sentido de atender

apenas as suas necessidades, esquecendo-se que por maior que seja o seu

desenvolvimento pessoal, intelectual e ou profissional, ele estará, sobre muitos

aspectos, limitados às condições sociais existentes. Por isso, nesta pesquisa

buscamos demostrar que quanto maior o desenvolvimento da “identidade-nós”,

maior e melhor são as condições geradas para o crescimento dos indivíduos.

Conforme já declaramos acima, acreditamos que as condições sociais e

materiais de vida dos indivíduos e agrupamentos humanos condicionam o

desenvolvimento do seu padrão de comportamento, contudo, condicionar, não

significa, em hipótese alguma, determinar. A presença humana na terra, implica

possibilidade, e não fatalidade. E para demostrar essa afirmação, nesta

pesquisa, buscamos estabelecer um diálogo entre as teorias eliasiana e as

ideias defendidas por Paulo Freire (1996 e 2011).

Paulo Freire, assim como Norbert Elias, chama à responsabilidade

indivíduos e sociedade, colocando que por maior que sejam as limitações

genéticas, culturais e sociais, é aos seres humanos que cabe refletir e, através

do trabalho, interferir e construir a realidade.

O autor reclama que se os seres humanos são puro determinismo

genético ou cultural ou de classe, não temos responsabilidade ética com o

mundo. Não obstante, o autor não quer dizer que somos absolutamente imunes

aos condicionamentos genéticos, culturais e sociais. Mas reconhece que

somos condicionados, não determinados. “Reconhecer que a História é tempo

de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é

problemático e não inexorável” (grifos do autor. FREIRE; 1996: 19).

E reforça o singular papel do ser humano na terra, ressaltando que os

homens e mulheres são os únicos animais que admiram o mundo e, ao

admirar, conhecem e projetam o mundo que buscam realizar.

Por outro lado, identificamos o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã como uma intervenção no processo civilizatório, realizada através da

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metodologia da educação não formal, efetivada por meio da utilização do

futebol. Por isso, procuramos colocar em diálogo as teorias eliasianas com as

definições propostas por Maria da Glória Gohn (2010 e 2012) para a educação

não formal.

Análogo ao que ocorre com as atividades do Formando o Amanhã, a

autora afirma que a educação não formal ocorre em ambientes e situações

interativas construídas coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos. E

conclui chamando a atenção para uma das característica mais significativas da

intervenção, que é a intencionalidade. Conforme Gohn, “Há na educação não

formal uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e de

transmitir ou trocar saberes” (Grifos da autora. GOHN; 2010: 18).

Ao enumerar os objetivos da educação não formal, no que tange a

educação para cidadania, a autora apresenta uma boa síntese das metas

perseguidas pela intervenção realizada no bairro dos Coelhos, quais sejam: a)

educação para justiça social; b) educação para direitos (humanos, sociais,

políticos e culturais); [...] e) educação para democracia; f) educação contra toda

e qualquer forma de discriminação (GOHN; 39-40).

Encaminhando para o final desta introdução, é importante informar ao

leitor que todo o trabalho de pesquisa foi realizada a fim de testar a hipótese de

que apesar de todos os condicionamentos que cada realidade social impõe aos

indivíduos, sempre será possível sua transformação, mesmo levando em conta

a estrutura social atualmente vigente, que para defender seus grandes

interesse, joga na perspectiva de colocar indivíduos e sociedade em posições

antagônicas, e para tanto buscam fazer com que os indivíduos não reflitam

sobre os fatores, fenômenos e processos geradores da sua realidade social, e

ao não refletir, não problematizam, e sem problematizar não vislumbram a

possibilidade de transformação.

Como o leitor já deve ter percebido, adotamos para a apresentação deste

relatório de pesquisa uma tendência crescente no campo das pesquisas em

ciências humanas, principalmente as de abordagem qualitativa, a qual refere-

se a contemplar ainda na introdução as informações e referências relativas ao

método, metodologia, tratamento dos dados e teorias na seção de introdução,

ainda que isso implique em uma introdução um pouco maior que a comumente

observadas.

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Segundo Dionne e Laville (1999), “a parte ‘método ou metodologia’,

incluindo as suas subpartes ‘escolha do método’, ‘dados’ e ‘análise dos dados’,

constitui um único bloco nas pesquisas de tipo experimental ou nas pesquisas

por sondagem e investigação cujos dados são quantificados” (DIONNE e

LAVILLE; 1999: 257). Os autores relatam que nas pesquisas que repousam,

por exemplo, na análise de discurso ou de documentos, tais como pesquisas

antropológicas e históricas, cujas análises assentem em uma perspectiva

qualitativa, é possível transferir as informações referentes ao método e as

demais matérias que antecedem a análise propriamente dita à introdução e

consagrar as demais seções à análise dos dados coletados (idem).

E concluem defendendo que “se há regras que, por convenção, são

aplicadas ao relatório de pesquisa, elas são flexíveis, dando ao pesquisador

bastante espaço para realizar, com arte, imaginação e, não obstante, com

rigor, a tarefa de comunicação de sua pesquisa” (DIONNE e LAVILLE; 1999:

257).

Então, como estratégia argumentativa para apresentar as observações

realizadas nesta pesquisa, a dissertação está dividida em quatro seções, além

da Introdução e das Considerações Finais.

Na primeira seção, O campo em suas múltiplas dimensões: espaço onde

o indivíduo se humaniza, apresentamos, de forma panorâmica, o processo de

construção do bairro dos Coelhos e algumas da dificuldades que seus

moradores e moradoras tiveram que enfrentar para edificar naquela localidade

o ambiente onde suas vidas seriam plantadas. Como já é possível perceber, o

campo aqui não se refere apenas ao campinho de terra batida onde o Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã é executado e que no período em estudo

(2008 – 2012) era cercado por habitações populares – barracos de madeiras,

zinco, plástico e papelão –, mas, sim, todo o ambiente que envolve o bairro dos

Coelhos, problematizando acerca de como os moradores e moradores da

localidade significam o espaço onde vivem, que tipo de influência as condições

geográfica, econômicas, sociais e, sobretudo, simbólicas, exercem sobre sua

percepção do mundo e seus projetos de vida, e como eles percebem a

sociedade que os colocam à margem.

Na segunda seção, O esporte enquanto instrumento de mobilização e

inclusão social, procuraremos refletir sobre quais os motivos e sobre quais

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condições a prática esportiva, mais especificamente o futebol, foi escolhido

como instrumento mobilizador para as atividades da intervenção, além de

analisar quais foram os benefícios e dificuldades encontradas a partir desta

encolha. Sabemos que a bibliografia que trata sobre o potencial mobilizador do

esporte e suas possibilidades de inclusão social é bastante considerável,

contudo, consideramos que as experiências vivenciadas pelos atores do

Formando o Amanhã podem se constituir como conhecimento novo a respeito

de como as regras dos jogos podem contribuir para a preparação dos

indivíduos para a vida em sociedade.

Já na terceira seção, O indivíduo protagonista da história, procuramos

refletir sobre quais as condições necessárias para que o indivíduo possa ser de

fato protagonista da sua história. Para tanto, foi preciso identificar a quais

fatores os atores da pesquisa atribuem as suas condições de vida, qual a

compreensão que eles e elas têm sobre esses fatores, seus envolvimentos

com as temáticas relacionadas e como eles e elas atuam na perspectiva de

realizarem o enfretamento. Este estudo tem como pressuposto que o processo

de compreensão do mundo e dos problemas a ele relacionados passa,

inevitavelmente, pelo processo educativo, nesse sentido, procuramos produzir

registros de como os envolvidos no Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã entendem o processo educativo e qual o importância da participação

na ação para construção da sua história e a transformação da comunidade.

Na seção O Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, analisamos, a

partir das memorias dos participantes da intervenção, qual a percepção que

eles e elas tinham da realidade social do bairro antes do desenvolvimento da

ação e quais as razões que o fizeram participar deste movimento. Buscamos

também refazer a trajetória da elaboração e implantação da ação,

problematizando a respeito de como a ideia da ação foi desenvolvida, quais as

dificuldades enfrentadas e quais as estratégias adotadas para que o

movimento viesse a ser efetivado.

Sendo o período de estudo um período curto e ao mesmo tempo recente,

entre 2008 – 2012, buscamos registrar, através das memórias dos envolvidos,

se eles e elas perceberam alguma mudança nas suas vidas e na configuração

do bairro depois da implementação do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã.

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Uma vez que nosso contato com o bairro dos Coelhos não é recente,

como já exposto acima, e que pudemos observar que mudanças foram

realizadas na vida de alguns participantes e da própria comunidade, buscamos

neste trabalho provocar a reflexão acerca do processo educativo que vem

sendo desenvolvido pelo ação através do futebol, e as mudanças na história de

vida dos participantes e da comunidade que a ação vem promovendo, e assim,

fazendo história.

Durante o trabalho de realização desta pesquisa foi sendo fortalecida a

ideia de quanto é equivocada a busca que os indivíduos empreendem para se

desenvolverem de forma individualizada, encarando o todo social como

barreias que impõem dificuldades ao seu pleno crescimento e que, por isso,

devem ser superadas. Esse equívoco se explica na evidência de que sendo

nosso atual estágio civilizatório responsável pela criação de uma sociedade

extremamente especializada e que, por sua vez, impõem uma intensa relação

de interdependência dos seus indivíduos, não é possível alcançar êxito na

desenvolvimento da “identidade-eu” fora da imperativa necessidade do

desenvolvimento da “identidade-nós”.

Buscamos demonstra com este trabalho de pesquisa, seguindo uma

indicação de Norbert Elias (1994b), que “... a existência simultânea de muitas

pessoas, sua vida em comum, seus atos recíprocos, a totalidade de suas

relações mútuas deem [dão] origem a algo que nenhum dos indivíduos,

considerado isoladamente, tencionou ou promoveu” (grifos nosso, ELIAS;

1994b: 19). Mas sim, é “algo de que ele faz parte, querendo ou não, [é] uma

estrutura de indivíduos interdependentes, uma sociedade [...] (grifos nosso,

idem).

Por fim, é preciso informar que tanto para elaboração deste trabalho de

pesquisa quanto para a forma como concebemos o processo de construção da

realidade social, a subjetividade humana cumpriu e cumpre um papel

fundamental. Acreditamos que é a partir das interações reticulares das

intenções, desejos e ações dos indivíduos, em diálogo direto com as condições

concretas da realidade social, econômica e material que os padrões de

comportamento são alterados e construídos. Não se pode pensar em

objetividade sem subjetividade (FREIRE; 2011: 50). Neste sentido, quando

falamos em subjetividade, falamos da subjetividade que nasce da imersão

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crítica dos sujeitos na realidade objetiva, que possibilita a elaboração de outras

realidades possíveis, inicialmente ilusórias, mas que servem como guias para a

ação humana em direção da construção de outras realidades.

Por isso, posso concluir que este trabalho de produção do conhecimento

científico, apesar de todos os desafios e dificuldades que tiveram de ser

superados, dentro de um processo que me impôs muitas renuncias e sacrifícios

“Valeu a pena. Sou pescador de ilusões”1.

1 Verso da música Pescador de Ilusões, Rappa Mundi, O Rappa, 1996.

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2. O Campo em suas múltiplas dimensões: espaço onde o indivíduo se

humaniza

“Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão.”

Operário em construção Vinícius de Moraes

É no território, alterando a natureza, moldando conceitos e edificando

valores que o sujeito configura o espaço e se humaniza. O espaço onde os

indivíduos se estabelecem cumpre uma função importante no processo de

desenvolvimento humano, uma vez que a configuração do espaço, que é

realizada social e historicamente, tende a impor limites e desafios, ao mesmo

tempo em que inspira ambições e desejos. Em outras palavras, o espaço faz

parte do processo educativo e cumpre para a espécie humana função diferente

da que cumpre para as outras espécies.

Se a vida do animal se dá em um suporte atemporal, plano, igual, a existência dos homens se dá no mundo que eles recriam e transforma incessantemente. Se, na vida do animal, o aqui não é mais que um habitat ao qual ele “contata”, na existência dos homens o aqui não é somente um espaço físico, mais também um espaço histórico (FREIRE; 2011: 124, grifos do autor).

Até onde temos notícia, todos os agrupamentos humanos se utilizaram de

um território para sua sobrevivência, manutenção e desenvolvimento. Mesmo

as sociedades nômades fizeram uso, ainda que por um curto período de

tempo, de um território, usufruindo das facilidades que ele oferecia para a

manutenção e desenvolvimento do modo de ser dessas sociedades pastoris e

coletoras, que após o esgotamento dos recursos naturais que geravam as

condições propícias à fixação desses agrupamentos se deslocavam para

outros territórios mais favoráveis.

As civilizações da antiguidade que mais temos conhecimento, escolheram

os territórios localizados às margens de rios e mares para se fixarem e

desenvolver as suas civilizações: os egípcios se fixaram no nordeste da África,

às margem do rio Nilo; no Oriente Médio, próximo ao Golfo Pérsico, situado

entre os rios Tigre e Eufrates, foi onde as civilizações sumérias, acádias e

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amoritas encontram as condições propícias para sua fixação. Os gregos, por

sua vez, se desenvolveram às margens do mar Egeu; e os romanos se fixaram

e desenvolveram às margem do mar Mediterrâneo.

No continente americano, entre tantas outras civilizações, encontramos os

aztecas, que num território alagadiço, onde hoje é localizado o México,

desenvolveram os canteiros flutuantes, conhecidos como chinampos, que

possibilitavam a prática da agricultura, fundamental para a sobrevivência dessa

sociedade. Os chinampos eram constituídos de grandes esteiras flutuantes,

construídas com troncos de árvores transadas e fixados no fundo dos lagos

com hastes de madeiras. Na sua superfície os chinampos eram forrados com a

lama fértil retirada do fundo dos rios, tornando-os propícios para o cultivo dos

cereais necessários à civilização azteca, principalmente o milho, que fazia

parte da base da alimentação dessa sociedade.

O que pretendemos demonstrar com os exemplos apresentados acima é

que é no território, e em íntima relação com as condições naturais que eles

oferecem, os agrupamentos humanos criam o seu modo de ser e estar,

produzindo saberes que passam a configurar o espaço nas suas múltiplas

dimensões: física, econômica, política, social e cultural, entre outras.

O espaço em suas múltiplas dimensões influencia, passa a condicionar, a

forma de ser e estar dos indivíduos e sociedades sobre a superfície terrestre.

Precisamos ter claro que condicionar não significa, em hipótese nenhuma,

determinar. É possível constatar através da trajetória humana que por mais

força que as condições físicas, econômicas, políticas e sociais exerçam sobre

os indivíduos, aos sujeitos sempre será permitido selecionar opções, filtrar

informações e escolher caminhos, construindo e ou alterando sua realidade,

enquanto vai forjando-se quanto sujeito.

Os indivíduos e sociedades vivem em permanente disputa uns contra os

outros para conquistar e dominar o seu espaço. As pessoas através da força

física ou econômica disputam para conquistar o melhor local para fixar suas

residências e poderem viver com maior conforto com sua família. Empresas

disputam entre si para dominar parcela cada vez maior do mercado,

objetivando maior obtenção de lucro. Estados e nações também vivem em

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conflitos para atrair as maiores e melhores empresas, dominarem os melhores

territórios com condições naturais mais favoráveis para o seu crescimento e

criar as condições necessárias para submeter outros Estados e nações as suas

influências econômica, política e cultural, e, para tanto, não se escusam de

utilizar os mecanismos necessários para consecução do seu intento, sejam

eles aparelhos ideológicos ou mesmo através das armas.

É como consequência desse estado permanente de disputa que, de forma

não planejada, as sociedades vão construindo seu espaço e forjando o seu

modo de ser e estar na terra, seus padrões de comportamento. Em outras

palavras, o que estamos afirmando é que as civilizações são resultados não

planejados nem almejados dos conflitos humanos (ELIAS; 1993).

Para conhecer e compreender melhor como esses processos se efetivam,

selecionamos o território onde está localizado o bairro dos Coelhos, devido ao

fato de que nesta comunidade, a partir da iniciativa de três amigos, um grupo

de moradores e moradoras vêm desenvolvendo, desde o ano de 2008, um

projeto sócio educativo, que foi batizado com o nome de Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã. Este, que através de uma escolinha de futebol,

vem executando atividades educativas não escolarizadas que visam quebrar o

círculo vicioso que submete o bairro dos Coelhos e seus moradores e

moradoras a uma realidade de exclusão e violência.

O bairro dos Coelhos está localizado no território que pertenceu a família

Coelho Cintra, motivo pelo qual o bairro adquiriu o seu nome. Esse território

fica à aproximadamente dois quilômetros do Marco Zero da capital

pernambucana – o Recife. A comunidade ocupa uma área de 43 hectare

quadrado e seus limites são: ao sul e ao leste, o rio Capibaribe; a oeste, o

bairro da Ilha do Leite; e ao norte, o Bairro da Boa Vista. Este espaço é

habitado por 7.633 pessoas, sendo elas 3.571 (46,78%) do sexo masculino e

4.062 (53,22%) do sexo feminino. Das 2.322 residências existentes na

comunidade, 53,63% têm as mulheres como responsável pelo domicílio e

53,36% dos moradores e moradoras se identificam etnicamente como partos.

Segundo dados oficiais, 87,7% dos moradores dos Coelhos, maiores de 10

anos de idade, são alfabetizados, considerando como alfabetizados as pessoas

capazes de lerem ou escreverem um bilhete simples.

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A densidade demográfica do bairro é de 178,51 habitantes por hectare,

vivendo em média 3,6 habitantes por domicílio, com uma renda nominal média

mensal de R$ 898,41(oitocentos e noventa e oito reais e quarenta e um

centavos) por domicílio.2

No que diz respeito ao poder público municipal, os Coelhos está situado

na Região Político Administrativa 01 – RPA 01, microrregião 1.3, da qual

também faz parte o bairro da Ilha de Joana Bezerra. Esse território é

considerado uma Zona Especial de Interesse Social – ZEIS. A lei 16.176/96

que trata do Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife, define, em seu

artigo décimo sétimo que:

Art. 17. As Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS - são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária. § 2° Para o reconhecimento de ZEIS pelo Poder Público, será necessário o cumprimento dos seguintes requisitos: I - ter uso predominantemente habitacional; II - apresentar tipologia de população com renda familiar média igual ou inferior a 3 (três) salários mínimos; III - ter carência ou ausência de serviços de infraestrutura básica; IV - possuir densidade habitacional não inferior a 30 (trinta) residências por hectare; V - ser passível de urbanização.3

Nesse território, para exercer o seu papel precípuo de indutor do

desenvolvimento econômico e social, o poder público Municipal atua apenas

com uma creche, uma escola do ensino fundamental e dois postos de Saúde

da Família. Já a presença do poder público Estadual é percebida quando das

“batidas” policiais que ocorrem frequentemente na comunidade, em captura de

indivíduos que são envolvidos em roubos, tráfico de drogas e homicídios. Por

outro lado, o poder público Estatal não se faz presente com escolas, delegacias

ou hospitais na localidade.

2 Dados da Prefeitura da Cidade do Recife. Serviços Cidadão. Disponível em:

http://www2.recife.pe.gov.br/servico/coelhos. Acesso em 26/05/2015.

3Prefeitura da Cidade do Recife. Lei 16.176/96, lei de Uso e Ocupação do Solo da

Cidade do Recife. Disponível em www.legiscidade.recife.pe.gov.br/lei/16176/. Acesso

em 26/05/2015.

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Portanto, é a partir dessas condições objetivas que os habitantes do

bairro dos Coelhos trabalham diariamente para construir sua realidade. “Esse

quadro, por si só, oferece elementos para uma projeção pessimista do futuro.

Entretanto, o cenário melancólico da realidade recoloca sempre novos

desafios” (MONTENEGRO; 2007: 10), e é por serem forjados nos

enfrentamentos do cotidiano que os residentes daquela localidade fundaram e

consolidaram seu espaço.

Devemos considerar que as lutas que os moradores da comunidade

enfrentam para consolidar o bairro não é algo recente. Memórias dos

moradores e moradoras mais antigos do bairro, acessadas em conversas

informais durante caminhadas por entra as ruas e becos da localidade, revelam

que o bairro dos Coelhos teve o início da sua ocupação para fins residenciais a

partir da segunda metade da década de 1940, quando alguns populares,

residentes no bairro da Ilha do Leite, ao começarem a constituir suas famílias,

e saindo das casas dos seus pais, se dirigiam à localidade e começaram a

realizar os aterros necessários para fixação de suas casas, seus “barracos” –

pequenas habitações construídas de palafitas, madeiras velhas, zinco, plástico

e papelão –, ou, a depender das condições do solo, construíam suas casas de

barro.

As memórias dos moradores e moradoras do bairro dão conta que no

início da ocupação do território, quando as pessoas começaram a aterrar a

margem do rio para construção de suas residências, a parte que era alagável

pelo rio Capibaribe se prolongava para além de 350 metros de onde

atualmente corre o leito do rio.

Enquanto tinha suas margens aterradas, o rio Capibaribe não cedia a sua

porção alagável do território passivamente. Impôs aos novos moradores e

moradoras inúmeras resistências, que se materializavam, via de regra, através

de enchentes, deixando claro que para ocupar aquele território seria necessário

muito trabalho, determinação e perseverança.

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Relatos de enchentes que marcaram a história da cidade do Recife4

remontam ao ano de 1632, enchente esta que deixou marcas e chamou a

atenção para a vulnerabilidade que a cidade do Recife, devido suas condições

geográficas, tem com relação às chuvas e enchentes.

Devido a esta situação de vulnerabilidade, medidas foram adotadas para

enfrentá-la. Entre elas, podemos destacar como a primeira ação de grande

porte, a construção, no ano de 1638, do Dique de Afogados, construído a

mando do Conde Maurício de Nassau, que governou os domínios holandeses

no Nordeste do Brasil entre os anos de 1637 e 1644. As obras realizadas para

a construção deste dique deram origem à rua da cidade do Recife que

atualmente conhecemos com o nome de Rua Imperial, no bairro de São José.

Contudo, a primeira grande enchente a atingir a população do bairro dos

Coelhos ocorreu no ano de 1966. Esta enchente teve proporções catastróficas,

o nível do rio Capibaribe subiu 9,20 metros, causando em todo Estado a

destruição de mais de 10 mil casas, deixando milhares de pessoas

desabrigadas e ceifando a vida de 175 pessoas.

No ano de 1970, as cheias provocadas pelas águas do rio Capibaribe

causam mais destruição. No Estado, 1.266 casas foram destruídas, em 28

cidades, atingindo 500 mil pessoa e causando a morte de 150 delas. No Recife,

50 mil pessoas ficaram desabrigadas.

Essas duas grandes enchentes levaram o Governo Federal, sob a

ditadora militar comandada pelo Presidente Emílio Garrastazu Médici, à

construção da barragem de Tapacurá. Na ocasião da inauguração da

barragem, ocorrida no ano de 1973, intensa propagada oficial dava conta de

que a barragem de Tapacurá representava a solução para o problema das

enchentes na cidade do Recife.

Contudo, passados apenas dois anos da inauguração da barragem, no

ano de 1975, uma nova enchente causa nova destruição no Estado,

principalmente em sua capital, Recife. Em todo Estado mais de 350 mil

4 Os dados sobre as enchentes de Pernambuco foram acessadas em Diário de Pernambuco.

Pernambuco.com. Disponível em

<www.old.pernambuco.com/diario/2004/02/08/urbana9_2.html>. Acesso em

25/05/2015.

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pessoas perderam suas casas e 107 pessoas tiveram suas vidas encerradas.

No Recife, 80% da cidade ficou inundada, o sistema de energia elétrica teve

que ser cortado em 70% da cidade, quase todos os hospitais da cidade ficaram

alagados. O Hospital Pedro II, que fica localizado na entrada do bairro dos

Coelhos, teve seu depósito de alimentos saqueado.

Diante dos transtornos causados pela enchente, corre pelas ruas, praças

e bairros do Recife, o boato de que a barragem de Tapacurá, que tinha sido

inaugurada dois anos antes, tinha “estourado”, levando a capital pernambucana

ao caos e sua população ao desespero5. Na ocasião, a enchente de 1975 foi

considerada a maior calamidade do século.

O testemunho do morador Ewerton6, de 55 anos de idade, nascido e

criado no bairro, é bem representativo do estado de nervos que ficou a

população recifense devido aos boatos de que a barragem de Tapacurá tinha

“estourado”. Ewerton relata:

Eu lembro assim, da consequência da enchente de 75. Com, não de afogamento, mas do desespero da cunhada da minha mãe, esposa do meu tio. Quando se teve a notícia que o rio Tabacurá estourou, aqui ia ficar submerso. Ela, como enfermeira, parteira na maternidade, ela soube da notícia trabalhando, e a mãe dela morando aqui nos Coelhos, ela ficou desesperada porque a mãe dela era uma senhora já de idade, doente, com três AVC’s. Ela ficou muito desesperada, e ela estando grávida, com o susto, ela passou mal, é... teve hemorragia, em consequência disso, naquela, naquele comentário de 75, ela tando no hospital, ela faleceu grávida, com quatro meses de gestação.

Vivências desta natureza não passam sem deixar marcas na

personalidade das pessoas envolvidas, trazem consequências imediatas e

consequências que deixam marcas para toda vida. E sobre como ficou a

família do seu tio depois do acontecimento narrado acima, Ewerton conta:

Muito desespero. É... O marido dela não absorveu a perda da mulher, com três filhos, ele entrou em depressão, nessa depressão ele se tornou alcoólatra e, anos mais tarde, veio a

5 ANDRADE, Maria do Carmo. “Tapacurá estourou!” Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim

Nabuco, Recife. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar. Acesso em 25/05/2015. 6 Nesta dissertação todos e todas informantes e personagem serão identificados por pseudônimos. Os

informantes serão convidados a escolher os seus pseudônimos, já o dos personagens dos fatos narrados

serão por nós escolhidos.

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falecer de alcoolismo. Mas, em consequência tudo da notícia da enchente de 75.

Passados apenas dois anos da catastrófica enchente de 1975, nova

enchente do rio Capibaribe vem afligir os moradores do Recife. Deixando, no

ano 1977, dezesseis bairros embaixo d’água, 15 mil pessoas desabrigadas e

só não houve morte porque as populações que viviam às margens do rio foram

retiradas no dia anterior.

Somente no ano de 1978, com a inauguração da barragem de Carpina,

construída no bairro de Lagoa do Carro, com seus 950 metros de comprimento,

42 metros de altura e capacidade para armazenar 295 milhões de metros

cúbicos de água, somado com intervenções para melhor definir a calha do rio

foi que se tornou possível controlar melhor as águas do rio Capibaribe e

proporcionar maior segurança às populações ribeirinhas.

Com o passar do tempo e sentindo que o problema das grandes

enchentes era algo superado, os aterros para a construção de novas

habitações se intensificaram, reduzindo, como já informamos a cima, em cerca

de 350 metros a faixa de terra alagável pelo rio.

Tendo sido superado o problema das enchentes, com o aumento das

áreas secas que passaram a ser densamente ocupadas por habitações

construídas geralmente a base de palafitas, madeiras velhas, zinco, plástico e

papelão, os moradores e moradoras dos Coelhos passaram a sofrer com a

ocorrência de incêndios, provocados quase sempre por curtos elétricos em

ligações clandestinas ou em aparelhos domésticos como ventiladores mal

conservados, velas e fogões esquecidos acessos e, até mesmo, incêndios

causados por atos criminosos.

Para termos uma noção de como era frequente a incidência de incêndios

na região, só entre os anos de 2008 e 2014 foram registrados seis ocorrências,

sendo alguns restritos a um ou poucos barracos localizados próximo ao foco

dos incêndios, outras, tomaram grandes proporções e destruíram quase a

totalidade dos barracos construídos em palafitas na margem do rio Capibaribe.

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Independente das proporções tomadas pelos incêndios, eles sempre

eram causadores da destruição completa dos pertences dos moradores dos

barracos atingidos e, por vezes, provocando até a morte de alguns desses

moradores.

Dos incêndios registrados entre os anos de 2008 e 2014 nas

comunidades constituídas dentro do bairro dos Coelhos, dois tiveram grandes

proporções e comoveram a sociedade recifense e pernambucana, chegando a

ter repercussão nacional.

O primeiro, ocorreu em 14 janeiro de 2008, resultando na destruição de

vinte e quatro palafitas localizadas na Comunidade do Papelão, deixando seus

moradores desabrigados. Esse incidente levou à publicação de um decreto por

parte do poder público municipal que viabilizasse para as vítimas o benefício de

auxílio-aluguel, com o objetivo de ampará-las nos momentos iniciais da

necessária reconstrução de suas vidas.

O outro incêndio ocorreu em 05 de agosto de 2013, também teve grandes

proporções, e deixou aproximadamente 101 famílias desabrigadas. Devido ao

descontentamento dos moradores dos barracos atingidos com a atuação do

Corpo de Bombeiros e com a assistência prestada pela Prefeitura da Cidade do

Recife, as vítimas organizaram um protesto no inícios da noite do mesmo dia,

ateando fogo em madeiras e pneus na Rua dos Coelhos, principal avenida que

passa em frente ao bairro e onde está localizado o Hospital Pedro II. Este

protesto chamou a atenção da sociedade recifense para a situação de

abandono que as pessoas estavam vivendo, causou muitos transtornos ao

Hospital Pedro II e as pessoas que passavam nos ônibus e nos carros pelo

local, mas tinha como objetivo agilizar as ações do poder público para

minimizar a situação pela qual passavam aquelas pessoas, objetivo que foi

alcançado.

Não podemos pensar que os incêndios ocasionados no bairro dos

Coelhos vitimavam diretamente todos os moradores do bairro como ocorria nos

casos de enchentes, ocorridas até o final da década de 1970. Já no início dos

anos de 1980, o bairro dos Coelhos já compreendia quase a totalidade dos

seus atuais 43ha2, tendo boa parte das suas habitações construídas de

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alvenaria, boa parte das suas ruas asfaltadas, e até mesmo seus becos eram

pavimentados, as instalações elétricas regularizadas e o acesso à água potável

regularmente fornecido pela Companhia Pernambucana de Saneamento –

Compesa.

O que ocorria era uma repetição continua do processo que foi executado

pelos primeiros moradores da localidade: aterro das áreas alagáveis pelo rio

para construção de barracos, ou mesmo sobre palafitas fixadas sobre a

margem do rio na ocasião de maré baixa, construção de barracos a base de

madeiras velhas, zinco, plástico e papelão, mais aterro para melhorar as

condições de habitação, diminuição das áreas alagáveis, aumento da demanda

por habitação, e daí se iniciava um novo ciclo, que aumentava a área ocupada

por habitações e diminuía a área alagável pelo rio.

Como vimos, apesar dos incêndios não atingirem a totalidade das

residências que compõem o bairro, e sim apenas áreas restritas, se

comparadas com o todo. As ocorrências de incêndios sempre mobilizam a

solidariedade de parte significativa dos moradores do bairro, devido, entre

todos os motivos possíveis, a dois fatos que consideramos fundamentais:

Primeiro é a proximidade geográfica. A área que compõem o bairro é,

como já vimos acima, densamente habitada, resultando que as pessoas vivem

apertadas umas às outras, suas casas muitas vezes compartilham uma mesma

parede, as pessoas se cruzam no dia a dia nas ruas do bairro, e até mesmo

esbarram-se nos muitos becos estreitos das comunidades que compõem o

bairro dos Coelhos, se conhecem, sabem da vida umas das outras e, muitas

vezes, famílias são unidas devido a relações estáveis dos seus membros, ou

mesmo o nascimento de uma criança fruto de uma relação instável entre

adolescentes, jovens e até mesmo adultos de famílias vizinhas.

O segundo motivo a qual atribuímos à mobilização da solidariedade

vivenciada quando da ocorrência dos incêndios se dá devido ao fato de que as

áreas atingidas são de ocupações recentes, que estão constituindo novas

comunidade dentro do bairro dos Coelhos, e que, em muitos casos, são

compostas por novas famílias compostas pelos filhos ou netos das primeiras

famílias que chegaram à localidade para aterrar as áreas alagáveis e plantarem

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suas vidas, lá por volta da segunda metade da década de 1940, como narrado

acima.

Somando-se esses dois fatores, fica muito difícil para qualquer indivíduo

dessa coletividade ficar indiferente aos fatos e não ter o seu cotidiano afetado,

não se deixar influenciar por ocorrências de tal porte, que, tendo este indivíduo

consciência ou não das forças que esses eventos exercem sobre ele, passam

a influenciar sua concepção de mundo, seus valores e seu comportamento em

sociedade.

Ao descrevermos e problematizarmos o processo histórico de ocupação e

configuração do espaço onde se estabeleceu o bairro dos Coelhos, o fazemos

por intender que as condições ambientais, os fenômenos meteorológicos,

relacionados com as intervenções humanas, alteram não apenas o espaço,

mas modela o comportamento e os valores dos indivíduos e a sociedade. Em

outras palavras, o que estamos considerando é que o processo constitutivo do

espaço e o próprio espaço onde os indivíduos vivem compõem o processo

educativo a qual todos são submetidos para viverem em sociedade.

Não obstante, não se pode considerar que todo esse processo de seleção

e configuração do espaço se dê de forma natural, pacifica ao através das

escolhas autônomas dos sujeitos envolvidos neste processo, e que eles as

fizeram livres de pressões. Pressões sempre existiram e estão sempre atuando

no processo de configuração do espaço, do indivíduo e da sociedade. Apenas

se apresentam de formas menos perceptíveis do que a forma da pressão

através da violência física, mas que permanecem atuando com a mesma

intensidade sobre os indivíduos. Nas palavras de Elias:

As pressões que atuam sobre as pessoas nesses espaços são diferentes das que existiam antes. Formas de violências não-físicas que sempre existiram, mas que até então sempre estiveram misturadas ou fundidas com as forças física, são agora separadas destas últimas. Persistem, mas de forma modificadas, nas sociedade mais pacificadas. São mais visíveis, no que interessa ao pensamento padrão do nosso tempo, como tipos de violência econômica. (ELIAS; 1993: 198).

Neste tópico, buscamos chamar a atenção para o fato de que mesmo

tento uma relativa liberdade de escolha, as pessoas estão sempre submetidas

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às pressões que atuam na configuração do seu comportamento em sociedade,

e que as condições físicas do espaço e o grau de participação do poder público

também revelam indícios do papel social que cada agrupamento humano está

induzido a cumprir na sociedade. Contudo, o resultado desse processo não é

fruto da intenção ou do plano de um ou poucos indivíduos, nem tem o seu

resultado previamente definido, ele se define no processo sócio histórico.

No próximo tópico, vamos descrever e analisar como os moradores e

moradoras do bairro dos Coelhos, participantes do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã compreendem a sua realidade e a realidade do bairro,

quais as influências que esses moradores e moradoras acreditam que essa

realidade exerça sobre os seus desejos e projetos de vida.

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2.1. O bairro dos Coelhos nas vozes de seus moradores e moradoras

Na introdução desta seção debatemos que o território é o suporte no qual

os indivíduos e agrupamentos humanos trabalham para, dentro de um

processo histórico e social, construírem o espaço onde vão viver e se

desenvolver, atribuindo-lhe significados. Esse espaço, com os significados que

têm para os indivíduos e para a sociedade, passa a fazer parte e influenciar no

estabelecimento dos padrões de comportamento, e precisam ser considerado

quando da elaboração de qualquer proposta educacional.

Por outro lado, ao mesmo tempo que os indivíduos e as sociedades vão

atribuindo sentidos e significados ao território, transformando-o em espaço

humano, esses mesmos indivíduos e sociedades passam também a ser

significados pelo espaço que ocupam e constroem. É trabalhando e refletindo o

suporte que a espécie humana constrói o espaço e é neste mesmo processo

que o indivíduo se humaniza, tornando-se sujeito. “Ou, aproveitando uma

sugestão de Ortega, o processo em que a vida como biologia passa a ser vida

como biografia” (FREIRE, 2011: 12).

Contudo, cada espaço pode representar diversos significados, a depender

dos atores selecionados para construção desta representação. Se adotarmos o

bairro dos Coelhos, espaço onde está localizado o Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã, nosso objeto de estudo, podemos observar que o

significado que este espaço tem para os seus moradores e moradoras é

diverso do significado que é atribuído a ele pelos establishment da sociedade

recifense.

Como toda sociedade, a recifense também cria os espaços destinados a

acolher a parcela da população detentora do poder político e econômico,

dotando-os de toda a infraestrutura necessária para atender as demandas dos

establishment, que podem dispor dos serviços públicos funcionando a

contento.

Por outro lado, os outsiders, parcela da população marginalizada e

excluída do poder político e econômico, que lutam em condições bastante

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adversas para se estabelecerem e se incluírem socialmente, são induzidas à

construírem seus espaços nos locais fora dos interesses dos establishment, e

para tanto contam, quando é possível contar, com a participação mínima do

poder público, conforme mostramos acima na processo histórico e social de

formação do bairro dos Coelhos.

Neste tópico, a intenção é relatar e refletir sobre os significados que os

moradores e moradoras do bairro dos Coelhos, participantes do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã, dão ao seu espaço e qual a função que este

espaço representa na construção das suas condições de vida, na sua leitura da

realidade e suas aspirações para o futuro.

Partindo do processo de ocupação do bairro e das condições de

sobrevivência dos moradores e moradoras da localidade, da nossa experiência

empírica com aquela realidade e, fundamentalmente, com as informações

dadas pelos sujeitos participantes desta pesquisa, nas entrevista realizadas, é

possível afirmar que o bairro dos Coelhos é um espaço que se constituiu e se

constitui na ausência do poder público, deixando seus moradores e moradoras

à mercê da própria sorte.

Para as sociedades contemporâneas, o Estado, o poder público, se

constitui como um importante instrumento indutor do desenvolvimento humano,

social e econômico, sua atuação canaliza o trabalho social, o processo

civilizatório dos agrupamentos humanos, para um determinado padrão de

comportamento. Não obstante, a falta da atuação do poder público representa

a ausência do poder centralizador, que é capaz de coibir o uso da força física e

influenciar no comportamento social. A esse respeito Elias afirma:

Só quando um monopólio centralizado e público de força existe numa grande área é que a competição pelos meios de consumo e produção se desenvolve de modo geral sem intervenção da violência física; só então existem, de fato, o tipo de economia e de luta que estamos acostumados a designar pelos termos ‘economia’ e ‘competição’ em sentido mais específico (ELIAS, 1993: 132, grifos do autor).

Desta afirmação podemos inferir que a ausência do poder público

possibilita o surgimento de inúmeras dificuldades para o desenvolvimento dos

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agrupamentos humanos que, assim como os moradores e moradoras do bairro

dos Coelhos, vivem à margem da atuação do poder público.

Sobre a ausência do poder público no bairro, o morador Ewerton relata

em seu depoimento que: “...ainda falta muita coisa a ser construída aqui na

nossa comunidade. O que eu sinto é a ausência governamentais aqui no nosso

bairro”. E quando perguntado sobre o que ele acha do bairro, ele afirma:

Bem! Eu como nasci e fui criado aqui nos Coelhos, se transformou um bocado. Mas eu ainda acho a falta de do poder público aqui, ainda falta muita coisa a ser construída aqui. É... como é uma comunidade carente, há muito tráfico de drogas, desemprego, mas tem muita..., mas com a ausência do governo faz com que essas crianças fiquem ociosas aqui no bairro, poderia ele ter uma participação maior aqui no bairro.[...] Aqui falta cursos profissionalizantes, falta lazer. Porque também faz parte da vida ter lazer, e aqui na comunidade não tem. [...] Porque você sabe, quando o poder público não chega, os traficantes adotam essas crianças, então ele [o governo] tem um poder fundamental de resgatar essas crianças.

Neste fragmento do depoimento de Ewerton, emerge um discurso

recorrente das populações periférica, que reside na transferência para o poder

público, senão toda, parte significativa da responsabilidade sobre a situação de

exclusão e vulnerabilidade as quais estão submetidas. Contudo, coloca que se

o Estado não cumpre o seu papel de favorecer o desenvolvimento do padrão

de comportamento que a sociedade por ele dirigida demanda, outros agentes

sociais, como os traficantes de drogas, referidos no depoimento de Ewerton,

cumprirão este papel.

Para analisarmos o discurso de Ewerton é preciso ter em mente que “não

é possível não interpretar, nem deixar de entrar no universo simbólico, entrada

essa que é permanente e irreversível” (ORLANDI; 1999: 09). É preciso ter claro

que todo discurso tem sua opacidade por onde deixa transparecer os seus

sentidos e seus comprometimentos políticos, mesmo que nem sempre o sujeito

discursivo tenha necessariamente a plena consciência a que ideologia o seu

discurso está filiado.

Logo de partida, quando Ewerton fala “...como eu nasci e fui criado aqui

nos Coelhos...” ele está reivindicando para si a credibilidade que comumente é

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dada a toda testemunha ocular, ao mesmo tempo que chama a atenção para o

fato de que tudo que por ele for relatado deve ser considerado como a mais

pura “verdade”. E ele prossegui afirmando: “se transformou um bocado.” Com

esta afirmação, Ewerton busca deixar claro que a sua presença e de seus

contemporâneos naquele território não transcorreu sem deixar suas marcas,

ele está afirmando que com o trabalho dos antigos moradores e moradoras do

bairro, o bairro dos Coelhos vem melhorando. Esta inferência se consolida

quando observado o trecho seguinte do discurso em análise, que revela: “Mas

eu ainda acho a falta o poder público aqui, ainda falta muita coisa a ser

construída aqui.” onde o sujeito discursivo conclui ressaltando que mesmo os

moradores do bairro tento feito muito pela localidade, eles ainda ressentem-se

da ausência do poder público.

Ao apresentarmos esta análise do discurso presente na fala do depoente

Ewerton, não a fazemos como a única possível e ou portadora de uma

“verdade absoluta”, até porque não é esse o objetivo da Análise de Discurso. A

análise realizada acima se apresentada como “uma proposta de reflexão.

Sobre a linguagem, sobre o sujeito, sobre a história e a ideologia” (ORLANDI,

1999: 11).

Contudo, uma vez que as sociedades funcionam através de relações com

um alto grau de interdependência, fazendo com que as classes sociais, cada

uma cumprindo seu papel e função social, se relacionem, ao poder público, ao

Estado, não é permitido ficar plenamente ausente dos territórios destinados ao

abrigo dos outsiders, devendo ao Estado, neste sentido, preparar e garantir

que eles, os outsiders, cumpram seu papel e função, por um lado, e por outro,

não ameacem invadir os espaços, papeis e funções sociais reservadas e ou

auto reclamadas pelos establishment.

Nessa perspectiva, o depoimento do educando Adilson, 16 anos de idade,

nascido e criado no bairro dos Coelhos e que participa do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã desde o seu início, no ano de 2008, revela

como a presença do poder público é comumente efetivada e percebida pelas

populações periféricas dos centros urbanos. Ao ser perguntado como ele via o

bairro dos Coelhos quando ele tinha 08 anos de idade, quando ele começou a

participar das atividades da intervenção, o educando responde:

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Eu não saia muito de casa, né?! Mas eu todo dia ouvia tiros, troca de tiros com as polícias, os bandidos aí, trocavam tiros com a polícia. Aí, sempre tinha sangue e morte. Os Coelhos era muito falado, muito visto, assim, em outras comunidades. Noutros cantos, as pessoas só diziam que nos Coelhos só tinham maloqueiros. Mas não! Tem pessoas cidadãos de bem, que trabalha pra sustentar sua família.

Ao analisarmos o discurso presente na fala do educando Adilson, é

possível perceber que introdutoriamente ele faz uma ressalva acerca da sua

limitação para realizar uma descrição muito abrangente de como era o bairro

dos Coelhos na sua infância: “Eu não saia muito de casa, né?!”. Logo em

seguida, o depoente apresenta o que para ele é sua memória mais significativa

acerca de como era o bairro dos Coelhos na sua infância, ou o que ele julga,

consciente ou inconscientemente, mais importante que seja registrado nesta

pesquisa como a principal lembrança da comunidade na sua infância, que eram

os permanentes embates entre o Estado, representado pela polícia, de um

lado, e a parcela dos moradores da comunidade que eram envolvidos com a

criminalidade, do outro. E revela os resultados que esses embates deixavam

na comunidade, bem como, a influência que esses eventos exerciam no

imaginário que a sociedade recifense construíam acerca do bairro dos Coelhos,

afirmando: “Mas eu todo dia ouvia tiros, troca de tiros com as polícias, os

bandidos aí, trocavam tiros com a polícia. Aí, sempre tinha sangue e morte. Os

Coelhos era muito falado, muito visto, assim, em outras comunidades. Noutros

cantos, as pessoas só diziam que nos Coelhos só tinham maloqueiros.”

Ainda no depoimento do educando Adilson, ele conclui de forma firme e

categórica: “Mas não! Tem pessoas cidadãos de bem, que trabalha pra

sustentar sua família.” Revelando, em seu discurso, convicção do

conhecimento que revela essa afirmação final.

Seguindo a evolução da forma como o depoente Adilson vai adquirindo

segurança nas informações que sua memória está revelando, é interessante

observar como as informações que ele revela vão se firmando. Ele começa sua

argumentação de forma bastante insegura, passa a demostrar maior certeza

quando fala das consequências que os conflitos ocorridos entre o poder público

e parcela da sociedade residente do bairro dos Coelhos, chegando a atingir

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uma convicção firme e madura quando se refere ao perfil do caráter dos

moradores e moradoras daquela localidade.

Essa gradação no nível de segurança com que o depoente revela as

reminiscências da suas memórias corrobora com o que Eni Orlandi defende

sobre a Análise de Discurso ao afirmar:

O sujeito, por sua vez, ao dizer, se significa e significa o próprio mundo. Nessa perspectiva é que consideramos que a linguagem é uma prática. Não no sentido de realizar atos mas porque pratica sentidos, ações simbólicas que intervém no mundo. O sentido é histórico e o sujeito se faz (se significa) na historicidade em que está inscrito. (ORLANDI; 2008: 44).

As memórias e as observações transcritas até aqui corroboram com a

compreensão de que, nas sociedades contemporâneas, o poder público foi se

constituindo como um importante centro de aglutinação de poder, detentor de

parte significativa das oportunidades indispensável para o desenvolvimento

humano, social e econômico dos indivíduos e grupos que compõem a

sociedade da qual ele participa, e a distribuição que ele faz dessas

oportunidades influencia o tipo de sociedade que irá se formar e como os

indivíduos estarão agrupados.

É importante a consideração de que o poder público, o Estado, é participe

da sociedade, é expressão da sociedade na qual figura. É equivocada a

concepção que compreende que a sociedade se desenvolve entorno do

Estado, mas, sim, são as relações dos sujeitos em sociedade que compõem o

Estado, o poder público.

Na perspectiva da nossa sociedade de classes, a atuação do Estado se

efetiva no sentido de proporcionar níveis de desenvolvimentos desiguais para

os agrupamentos humanos que o compõem, sem atentar para as

consequências negativas que esta distribuição desigual de oportunidades

provoca no seu processo civilizador, criando espaços de conflitos diversos, em

todos os campos: cultural, social, econômico, entre outros.

Essas considerações se fazem importante porque, ao vivermos numa

sociedade que adota e busca implantar padrões de comportamento, não se

pode deixar de fora o fato de que “o padrão de racionalidade, a estrutura dos

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hábitos mais racionais de pensamento, foi e é muito diferente em diferentes

classes sociais” (ELIAS; 1993: 241), que por sua vez interfere no padrão de

comportamento dos indivíduos.

Com isso, torna-se inadequado, e até injusto, espera que os

agrupamentos humanos que se formam e se desenvolvem com uma

participação mínima nas oportunidades distribuídas pelo poder público almejem

alcançar o padrão de comportamento que são “praticados” ou que são

impostos a eles pelos agrupamentos humanos que tem mais acesso as

oportunidades disponíveis na nossa sociedade de classes.

É preciso considerar que, segundo afirma Montenegro,

As populações pobres, que vivem na periferia das cidades, numa luta diária contra a falta de tudo, constroem suas representações, instituem um imaginário, perpassado também por essas experiências cotidianas. Nesse embate, marcado pela ameaça, pela incerteza de ter alimento, essa população constrói um saber que lhe possibilita viver o avesso da vida, a qual, insistentemente, se quer diferente. (MONTENEGRO, 2010: 36).

Não obstante, diante da presença mínima do Estado em determinados

territórios, outros tipos de relações entre os indivíduos vão se formando,

criando instituições locais que passam a dar identidade ao território. No caso

do bairro dos Coelhos, segundo as informações dos depoentes desta pesquisa,

a solidariedade constituída entre os moradores e moradoras do bairro é a

instituição que melhor caracteriza a localidade.

Partindo do entendimento de que “o indivíduo cresce a partir de uma rede

de pessoas que existia antes dele para uma rede de pessoas que ele ajuda a

formar” (ELIAS; 1994: 35), as relações de solidariedade é algo indispensável

no processo de crescimento dos seres humanos, ainda mais quando o poder

público se faz ausente.

Sobre a solidariedade no bairro dos Coelhos, o depoimento dado pelo

educando Adilson, relatando as campanhas de arrecadação de alimentos para

garantir o lanche dos educandos e educandas do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã quando eles estavam participando de algum torneio ou

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recebiam equipes de futebol de outras localidades para um jogo dentro da

comunidade e a mobilização que se faz para torce e incentivar a equipe de

futebol do Formando o Amanhã revela o papel motivacional que a

solidariedade cumpre e o bem que ela traz para a autoestima dos indivíduos.

Em seu depoimento, Adilson relata que sentia-se bem quando via as pessoas

torcendo e ajudando a equipe, e prossegue: “as pessoas gostavam de ver a

gente jogar, enchiam aí o campinho, vinham para ver a gente jogando com os

times de fora, as pessoas ajudavam [...] com lanche, com frutas. Tudo pra

agradar a gente aí na comunidade.”

Este depoente demonstra ter a consciência de que a questão da

solidariedade é uma característica do bairro dos Coelhos que vem crescendo

por conta da existência e intervenção do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã na comunidade. O educando Adilson afirma:

Porque as pessoas daqui não gostava de ajudar ninguém [...] Aí eles começaram a ajudar a gente, aí o Projeto foi crescendo, teve reportagem, veio reportagem, um amigo meu saiu no jornal, aqui do Projeto. É... Aí as pessoas começaram a ver a gente de outra forma. Não todas as pessoas, mas algumas começaram a ver a gente de outra forma (Grifos nosso).

Este fragmento do depoimento de Adilson revela que a solidariedade não

é algo que é efetivado naturalmente, ela vai surgindo aos pouco, dentro de um

processo social de reconhecimento, de identidade comum e de auto

valorização.

Os jogos, os torneios e os campeonatos que a equipe de futebol do

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã vêm participando dentro e fora do

bairro, vêm revelando para os moradores e moradoras do bairro potenciais,

qualidades e valores que não eram percebido nem valorizados dentro do

cotidiano do bairro, fazendo com que a solidariedade seja efetivada e

materializada.

Contudo, a solidariedade nos grupos sociais não é distribuída

igualitariamente para todos os sujeitos que os compõem, questões étnico

racial, de orientação sexual, e ou de gênero, entre outros, podem impor para

determinados indivíduos, que não estão enquadrados nos padrões internos

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aceitos e estabelecidos pelo grupo, um processo mais longo, mais lento e ou

mais sofrido.

A esse respeito, o depoimento de Isa, de 17 anos de idade, nascida e

criada no bairro dos Coelhos, educanda do Projeto Sócio Esportivo Formando

o Amanhã entre os anos 2008 e 2012, relata as dificuldades que ela enfrentou

para participar da intervenção e ser aceita pelo grupo. A educanda Isa relata

que:

A dificuldade é que muitos meninos também não queriam deixar eu jogar, por fato de eu ser uma menina. Aí deve um campeonato, [...] aí me botou, aí eu estava de cabelo cortado, aí lá a gente jogou, aí os meninos viu que eu podia ‘combater’ com eles, que eu podia jogar igualmente a eles. Aí me abraçaram. É... me apoiaram de uma forma que eu não esperava, de um dia pra outra, de um dia pra noite, né?! Aí no outro dia, já me apoiaram, me ajudaram, disseram é assim!

Esta depoente relata que além das dificuldades que teve de enfrentar

devido a questão de gênero, ela também vivenciou as dificuldades comum a

maioria dos adolescentes e jovens participantes da intervenção, que era a fato

de não ter sapatos para jogar – ”Eu tive que jogar um tempo descalça”, afirma

a depoente –, e não ter acesso a uma boa alimentação. Contudo, acrescentado

que os organizadores do intervenção buscaram conseguir materiais esportivos

para ela e, quando conseguiram, isso foi muito significativo, a ponto de deixar

marcas em sua memória.

A educanda Isa relata ainda que, superando as dificuldades acima

narradas, e a partir da sua participação no Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, ela foi indicada para ser atleta da Escolinha de Futebol do Sport Club

do Recife – equipe de futebol profissional da capital pernambucana que mais

vezes foi campeã do campeonato estadual e que tem boa projeção nacional –,

e que no primeiro teste que ocorreu após o seu ingresso na referida Escolinha,

ela participou e foi aprovada, passando a treinar no campo profissional do

referido clube, fato que entre os iniciados no mundo do futebol profissional

representa status.

Mesmo com essa experiência que extrapola os limites do bairro e que

pode representar a obtenção de novos valores e mudanças na percepção da

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realidade na qual os sujeitos são levados a incidir, quando perguntada sobre

quais as melhores coisas que há em se viver no bairro dos Coelhos, na

resposta da educanda aparece mais uma vez a instituição da

solidariedade.Com suas palavras:

As melhores coisa é... jogar, né?!, lá no campo [...], minha família também, e algumas pessoas que desde que eu nasci, né?!, que tão comigo aqui me ‘apoiano’, me apoia, algumas pessoa me apoia, me apoiaram, me levaram para treinar, quando eu não tinha passagem ajudava, ‘chegavam junto’, essa coisas.

As experiências narradas acima que tratam da solidariedade corroboram

com o fato de que o ser humano é um animal gregário e que necessita de

outros seres humanos para crescerem e desenvolverem a sua humanidade,

além de atestar o quão equivocada está a tendência da racionalidade que

coloca as aspirações individuais dos sujeitos de um lado, e, do outro, as

imposições que a sociedade reclama para a manutenção da sua ordem.

Esta tendência, que procura criar um abismo entre um indivíduo e outro, e

entre os indivíduos, pensados separadamente, e a sociedade, vem sendo

adotada no padrão de racionalização do mundo pela razão de atender a

finalidade da manutenção da ordem social vigente, que legitima a exclusão, a

injustiça e cria dificuldades para a predisposição humana de ser mais.

Neste sentido, Paulo Freire alerta:

A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na ‘inversão da práxis’, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens. (FREIRE; 2011: 51).

Assim, sendo a solidariedade uma prática que se destaca no bairro dos

Coelhos, segundo os informantes da pesquisa, podemos considerar que a

prática da solidariedade consiste em um ato de resistência realizado e

estimulado por parte dos atores do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã contra a mentalidade que coloca aos indivíduos da mesma situação

de vulnerabilidade, na busca do atendimento de suas necessidades materiais,

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sociais e afetivas, em posições antagônicas, transformando esses sujeitos em

inimigos que vivem em permanente estado de disputa.

Entendemos que, vivendo sob um estado permanente de disputa com as

pessoas que encontram-se em situações de exclusão idênticas as suas, esses

indivíduos se constituem em obstáculos para o crescimento uns dos outros,

contribuindo para a perpetuação das condições de marginalização que eles e

elas são levados a incidir.

Na ‘imersão’ em que se encontram, não podem os oprimidos divisar, claramente, a ‘ordem’ que serve aos opressores que, de certa forma, ‘vivem’ neles. ‘Ordem’ que, frustrando-os no seu atuar, muitas vezes os leva a exercer um tipo de violência horizontal com que agridem os próprios companheiros (FREIRE; 2011: 68, grifos do autor).

Todavia, os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos participantes

da intervenção, vão, à seu modo, impondo a resistência, identificando,

valorizando e praticando a solidariedade, fazendo com que essa instituição, em

ascensão na realidade local, passe a ser percebida pelos novos frequentadores

da comunidade, que passaram à frequentá-la atraídos pelos resultados

alcançados pelo Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, pela curiosidade

de conhecer mais sobre aquela realidade e a vontade de fazer parte das

mudanças que estavam se processando naquela realidade.

Conforme a educadora social Joana, professora de educação física, de 29

anos de idade, que não tinha nenhum experiência pessoal com o bairro dos

Coelhos até o ano de 2011 quando foi convidada por um participante da ação

para dar sua contribuição com orientações profissionais nas atividades físicas

realizadas, a solidariedade praticada na comunidade dos Coelhos fez com que

ela reconfigurasse totalmente a imagem que ela tinha das comunidades

periféricas. Joana explica:

Olhe! É... Eu posso dizer, assim, o que acrescentou, né?!, na minha vida, que veio somar, depois de participar desse Projeto, é de que eu pude perceber que existem pessoas que vivem à margem de uma sociedade, que até eu mesma tinha uma certa visão, da perspectiva de fora, né?!, de uma comunidade. E, após é... participar desse Projeto, eu vi o quanto essas pessoas são é... solicitas umas com as outras, eu pude ver que eu posso, é..., ajudar também vindo de fora da comunidade. E

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vi que existe muito amor, que eu pode aprender. Eu fui pra levar alguma coisa pra aquelas pessoas, né?!, ajudar, e na verdade, eu é que fui ajudada a crescer como gente, como pessoa, indivíduo. E vê que mesmo em meio a tanta carência, é... material, existe amor, solidariedade.

Essa experiência narrada pela educadora social Joana, que relata a

solidariedade vivenciada no bairro dos Coelhos demonstra o quando as

concepções que construímos do mundo são moldadas a partir da estrutura

social em que vivemos, e o quanto elas estão permanentemente em

construção e transformação. Atesta também que a imersão em qualquer

realidade que se deseja conhecer e ou transformar é algo fundamental e

indispensável.

Os indivíduos humanos vivem em sociedade, em relações reciprocas uns

com os outros, com a sociedade e com o meio não humano, e são dessas

relações que os indivíduos passam a configurar os seus valores, sua imagem

da sociedade e suas funções nesta mesma sociedade, que também estão

permanentemente sendo modeladas a partir da compreensão que cada

indivíduo tem da estrutura social na qual ele está inserido e que, por sua vez,

são transformadas permanentemente a partir das relações cotidianas,

conforme atesta a continuação do depoimento de Joana:

E que você passa a dar valor ao que você tem também matéria, né?! Ver que não é só o material que importa porque muitas pessoas ali, carentes, necessitadas, mostraram que, às vezes, o importante é ter um ao outro. Realmente, pessoas ajudando com garrafão de água, outras dando seu tempo pra fazer, é..., salada de frutas, o lanche das crianças. E vi que são pessoas que também são necessitadas, que precisam usar esse tempo para trabalhar e estavam doando pra ajudar um ao outro ali, vendo que, realmente, esse Projeto, que se iniciou ali, era um Projeto que queria, e quer, e está fazendo mudança ali no bairro dos Coelhos (Grifos nosso).

Da observação desse fragmento do depoimento da educadora social

Joana, podemos inferir que a imagem que a sociedade projeta no bairro dos

Coelhos é diferente daquela que seus moradores e moradoras projetam da

realidade que vivem e que lutam cotidianamente para construir.

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Por outro lado, os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos também

projetam imagens da sociedade que os inserem num contexto de violência e

exclusão, e é dessas imagens que iremos tratar em seguida.

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2.2. A sociedade nas vozes dos moradores e moradoras do bairro dos

Coelhos

A Constituição Brasileira7, no seu Título I, que versa sobre os Princípios

Fundamentais, assegura que entre os seus fundamentos encontram-se o do

“direito à cidadania” (Art. 1º, Inciso II) e o da defesa da “dignidade da pessoa

humana” (art. 1º, Inciso III), isto implica dizer que para o Estado Brasileiro, pelo

menos no que diz respeito aos seus fundamentos legais, todas as pessoas

devem ter acesso a todos os direitos necessários para o pleno exercício da

cidadania e ter assegurado, pelo Estado, as condições mínimas para a sua

sobrevivência e seu crescimento humano, social, econômico e cultural.

Contudo, o que se observa no cotidiano dos espaços urbanos brasileiros,

conforme veremos o caso do bairro dos Coelhos, é uma distribuição desigual

das oportunidades de acesso aos direitos que garantiriam o pleno exercício da

cidadania, e um limitado acesso às oportunidades que deveriam viabilizar o

pleno crescimento humano, social, econômico e cultural de todos,

principalmente das pessoas que vivem nos espaços destinados aos outsiders,

como é o caso das pessoas que vivem no bairro dos Coelhos.

Orlandi (2008: 159), coloca que: “No Brasil (cf. Orlandi, 1999), [...] não se

‘nasce’ de fato cidadão. Coloca-se sempre a cidadania como um objeto, um fim

desejado, ainda sempre não alcançado. A cidadania – e com ela a ciência que

nela se representa – é um vir a ser constantemente nunca realizado”.

A autora constata que no Brasil “tem-se delegado a Escola a tarefa de

produzir cidadãos” (ORLANDI; 2008: 159). Neste ponto, acrescentamos que no

Brasil não só à Escola, mas à Educação em sentido mais amplo, tem-se

atribuído a tarefa de produzir cidadãos. E Orlandi prossegue informando que:

“A Escola” (ou a Educação, conforme nosso entendimento) “tem assim que

‘criar’ a cidadania. Ela não reforça apenas algo que já estaria instalado na

história social. Fica para a Escola a construção da imagem do cidadão[...]

(ORLANDI; 2008: 159-160).

7 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 30/09/2015.

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Este fato atua paralisando nosso processo civilizacional, muito mais

sentido nas comunidades periféricas como a do bairro dos Coelhos, uma vez

que, ao não se ter a cidadania como algo já instalada, a educação pode/deve

procurar contribuir na definição da cidadania e auxiliar na instrumentalização

dos sujeitos para a conquista de sua cidadania.

Por outro lado, se no Brasil a cidadania fosse algo já consolidado, à

educação caberia o papel de gerar as condições necessárias para que os

sujeitos a desenvolvessem e a ampliassem, segundo defende Orlandi (2008).

Voltando à Constituição Brasileira, em seu artigo terceiro, nossa Carta

Magna registra que: “Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidaria” (Art. 3º,

Inciso I); e que busca “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3º,

Inciso IV).

Da análise deste fragmento de nossa Carta Magna é possível inferir que o

Estado Brasileiro se desenvolveu, e se desenvolve, fundado na participação

solidaria de todos os seus cidadãos, onde o foco principal dos anseios,

desejos, projetos e ações dos indivíduos tem como meta o crescimento

coletivo, sem qualquer tipo de discriminação, onde todos são incluídos no

processo de desenvolvimento nacional, independente da sua origem, raça,

sexo, orientação sexual, cor e idade.

Contudo, ao analisar o discurso presente na organização do espaço

urbano brasileiro, é possível constatar a impressão do preconceito, da

discriminação e da segregação social na distribuição geográfica, onde as

pessoas são levadas a incidir em espaços mais ou menos propícios ao seu

desenvolvimento, a depender da sua origem social e ou racial.

Ao analisar o espaço urbano brasileiro, Orlandi considera que o espaço

urbano “funciona como um sítio de significação que demanda gestos de

interpretação particulares” (ORLANDI; 2008: 186). E dá uma interpretação à

organização do espaço que retrata com perfeição a localização e a significação

que tem o espaço geográfico do bairro dos Coelhos, a autora relata:

A posição privilegiada de um centro em relação ao seu entorno

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se dissolve por uma verticalização social extrema das relações urbanas: o centro é habitado pelos pobres, pelos meninos de rua, comércios informal, misturados a resíduos do antigo centro valorizado. Os ricos vivem em outros lugares – em seus nichos (condomínios fechados) – frequentando centros comerciais especializados, não acessíveis aos pobres. A administração e os projetos de urbanização procura “limpar” a rua, esvaziar as calçadas, extirpar os indesejáveis, através da eliminação dos espaços não planejados (Orlandi; 2008: 188, grifos da autora).

E é nesse contexto que, segundo Orlandi, surge a relação entre o socius

e o hostis, onde o socius é considerado o aliado, associado, ou seja, o amigo, e

o hostis, o inimigo (cf. ORLANDI; 2008: 189), e que, devido ao perfil do nosso

modelo de desenvolvimento social e econômico, torna o espaço urbano

brasileiro muito mais propício ao hostis que ao socius, que, por sua vez,

corrobora para o acentuado desequilíbrio existente na balança da “identidade-

eu” e “identidade-nós” dos indivíduos.

Mais uma vez, recorremos à letra da Constituição Brasileira, promulgada

em 1988, agora para demonstrar que repetidas vez ela pretende afirmar que o

processo de desenvolvimento da nossa sociedade busca combater todo tipo de

discriminação e preconceito afirmando no seu Título II, que trata dos Direitos e

Garantias Fundamentais, que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção

de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros […] a inviolabilidade do

direito à vida […], a igualdade […]” (Art. 5º), e prossegue afirmando que

“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigação […]” (Art. 5º, inciso I) e

que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante” (Art. 5º, Inciso III).

Contudo, quando os depoentes deste trabalho de pesquisa são

perguntados como eles e elas percebem a imagem e o tratamento que a

sociedade dispensa a eles e a seu bairro, o que mais se faz presente, em seus

testemunhos, é a questão do preconceito e da descriminação aos quais os

moradores e moradoras do bairro dos Coelhos são submetidos.

Podemos ter como exemplo de como os moradores e moradoras do

bairro dos Coelhos percebem a forma como são vistos pela sociedade através

da resposta que Adilson, 16 anos de idade, educando do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã, dá quando é perguntado como ele percebia

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que era visto pelas outras pessoas quando ele saia do bairro para passear por

outros espaços da cidade, Adilson responde: “As pessoa olhava, tipo, com um

pouco, com descriminação, por ser, por a gente ser de uma comunidade muito

vista, porque... por causa das drogas, por causa de tiros, assim! A pessoa se

sentia meio constrangido, assim! Mas nada que possa desagradar, não!”

Este fragmento do depoimento de Adilson, é representativo do conteúdo

apresentado em muitas das respostas dos depoentes entrevistados para esta

pesquisa, e dele é possível identificar que é a partir de contatos desta natureza

que vai se aprofundando nos indivíduos a separação no processo de

desenvolvimento, do que Norbert Elias chama de “identidade-eu” e identidade-

nós”.

Elias defende que “toda a maneira como o indivíduo se vê e se conduz

em suas relações com os outros depende da estrutura da associação ou

associações a respeito das quais ele aprende a dizer ‘nós’” (ELIAS; 1994b: 39,

grifos do autor). Logo, é possível inferir que o desenvolvimento do padrão de

comportamento das pessoas que são expostas a experiências como a relatada

pelo educando Adilson poderá ser caracterizado por um afastamento entre a

“identidade-eu” e a “identidade-nós”, e que, consequentemente, contribuirá

para a construção de uma sociedade conflituosa.

O que as sociedades contemporâneas e os indivíduos que as compõem

precisam compreender é que as relações humanas são regidas por leis as

quais ainda não é possível calcular a dimensão e a proporção de seus

desdobramentos, e que todos os atos praticados em sociedade foge do

controle dos indivíduos que os pratica e influencia na construção do padrão de

comportamento que será criado e adotado pela coletividade que fica exposta a

esses atos.

Justamente por isso, o irrevogável entrelaçamento dos atos, necessidades, ideias e impulsos de muitas pessoas dá origem a estrutura e transformações estruturais numa ordem e direção especificas que não são simplesmente ‘animais’, ‘naturais’ ou ‘espirituais’, nem tampouco, ‘racionais’ ou ‘irracionais’, mas sociais (ELIAS; 1994b: 39, grifos do autor).

Como já indicamos acima, o conteúdo do fragmento do depoimento de

Adilson, que ora está sendo analisado, é representativo das respostas dos

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depoentes quando apresentados a mesma pergunta. Contudo, um fato

diferente ocorreu na realização da entrevista com a educanda Isa, 17 anos de

idade, que ao ser apresentada a essa mesma pergunta, ficou em silêncio e de

cabeça baixa por alguns instantes e, com um sussurro triste, relatou que não

poderia responder a pergunta, uma vez que, no período em questão, ela não

teve a experiência de conhecer outros espaços que não o do bairro dos

Coelhos, fato que limitou os seus relacionamentos apenas com pessoas da

localidade. Depois de outra pausa em silêncio, a educanda relata que: “Eu

mermo, ‘tava’ jogando, só queria saber de jogar. Depois, comecei a andar com

as pessoas que não era ‘p´reu’ andar. Aí, aconteceu, né?!”. Quando a

educanda afirma: Aí, aconteceu, né?!”, Isa está se referindo a sua experiência

como usuária de drogas. Esta depoente, única representante do gênero

feminino do grupo de depoentes educandos e educandas, selecionados para

fazer parte da pesquisa, foi também a único depoente deste grupo que afirmou

ter vivenciado experiências com o uso de drogas.

O fato da educanda Isa ter suas experiências da infância e da

adolescência limitadas à realidade do bairro dos Coelhos não é indicativo da

sua vivência como usuária de drogas, até porque ela frisa bem: “Depois,

comecei a andar com as pessoas que não era ‘p´reu’ andar”, ela não se refere

à maioria, muito menos à totalidade dos moradores e moradoras do bairro.

Outrossim, mesmo a temática das drogas, violência e criminalidade ser

bastante recorrente no bairro dos Coelhos, a parcela dos moradores e

moradoras diretamente envolvida com tais prática é pequena. Contudo, esta

ocorrência ressalta o caráter educativo que as relações humanas exercem:

Somente na companhia de outras pessoas mais velhas é que, pouco a pouco, desenvolve um tipo especifico de sagacidade e controle dos instintos. É a língua que aprende, o padrão de controle instintivo e a composição adulta que nele se desenvolve, tudo isso depende da estrutura do grupo em que ele cresce e, por fim, de sua posição nesse grupo e do processo formador que ela acarreta (ELIAS; 1994b: 27).

É importante advertir que no nosso atual estágio civilizacional, as pessoas

não precisam ser necessariamente mais velhas para exercer influência no

processo formativo dos indivíduos, basta que elas sejam adotadas como

referência, mesmo que elas sejam mais jovens, “o modo como os indivíduos se

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portam é determinado por suas relações passadas ou presentes com outras

pessoas” (ELIAS; 1994b: 26).

As evidências até aqui apresentadas busca chamar a atenção para a

importância que tem o outro no processo formativo dos seres humanos, e este

outro pode estar representado na figura de um outro indivíduo ou mesmo na/da

sociedade. E ressalta também que rotular, segregar, tratar com preconceito e

descriminação, acarreta muitas consequências no processo formativo dos

indivíduos e podem induzir crianças, jovens, homens e mulheres à realizarem

escolhas e adotarem caminhos que não são os demandados socialmente, nem

são os almejados conscientemente pelos indivíduos os quais são submetidos a

tais situação.

O estudo realizado para esta pesquisa indica que a abertura para o

contato com outras realidade, a inclusão, por mais conflituosa que ela seja, é o

que produz as respostas mais adequadas para os problemas sociais e podem

guiar o desenvolvimento do processo civilizador para a construção de uma

sociedade mais harmônica.

Não obstante, não é com esse entendimento que os informantes da

pesquisa percebem que são vistos e recebidos pela sociedade. A seguir

transcrevemos alguns fragmentos dos depoimentos dados para este trabalho

que narram a forma como os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos

percebem a sociedade e a forma como eles e elas e seu bairro são vistos e

recebidos por esta sociedade.

Ewerton, 55 anos de idade, nascido e criado no bairro dos Coelhos, relata

que o bairro é visto pela sociedade: “com um pouco de receio, de medo,

porque é uma comunidade carente. Pelo passado dos Coelhos, de tráfico de

drogas, ‘de coisa’”. Essa narrativa demonstra que as condições de vida e o

acesso às oportunidades que possam possibilitar uma mudança de vida para

os moradores e moradoras, e uma mudança na realidade do bairro, estão

submetidos ao processo histórico e social pelo qual o bairro passou, os quais

deixaram suas marcas, e influenciam na função social que é atribuída ao bairro

pela sociedade, que, por sua vez, pode representar facilidades ou dificuldades

no processo de ascensão econômica e social dos seu habitantes.

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Ewerton relata com tristeza que, desde a sua infância, na maioria dos

lugares onde ele chegava e contava que era morador do bairro dos Coelhos, a

primeira referência que as outras pessoas tinha era a do tráfico de drogas e

dos assaltos, ele relembra que:

Ficava um pouco triste, porque eu sempre, ao estudar na minha infância, juventude, adolescência, quando falava que morava nos Coelhos, os colegas tinha um pouco de receio: ‘você mora ali? ali é perigoso, ali tem muito tráfico de droga, muita coisa’. Isso é um pouco constrangedor!

Contudo, retoma e conclui afirmando que com relação ao tráfico de

drogas e a violência: “Mas que isso hoje melhorou muito, tem sido muito

menos”.

As narrativas deste informante chama a atenção para a importância que o

outro tem na formação dos indivíduos. A forma como os indivíduos são visto

pelos outros e pela sociedade influenciam na forma como eles passam a se

enxergarem e, consequentemente, no valor que eles dão as suas próprias

potencialidades.

O conflito expressado no par vergonha-medo não é apenas um choque do indivíduo com a opinião social prevalecente: seu próprio comportamento colocou-o em conflito com a parte de si mesmo que representa essa opinião. É um conflito dentro de sua própria personalidade. Ele mesmo se reconhece como inferior (ELIAS; 1993: 242).

Por outro lado, a narrativa de Ewerton, desvela alguns dos mecanismos

que atuam na sociedade no sentido de garantir a manutenção da estrutura

social e das funções nela existente, bem como, a forma como estes mesmos

mecanismos atuam no sentido de procurar manter cada grupo social no seu

lugar dentro desta estrutura e cumprindo as funções demandadas por essa

estrutura.

Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram fora de. Sempre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os transforma em ‘seres para outros’. Sua solução, pois, não está em ‘integrar-se’, em ‘incorporar-se’ a esta estrutura que os oprime, mas transformá-la para que possam fazer-se ‘seres para si’. (FREIRE; 2001: 84-85, grifos do autor).

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O depoimento do educador social Lukas, 40 anos de idade, um dos

idealizadores da intervenção e, quando da realização da pesquisa, ainda

educador social do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, reforça as

afirmações de Ewerton. Contudo, e acreditamos que devido a sua atuação

dentro da intervenção, suas narrativas já incluem a palavra “mudança”,

substantivo que representa bem a presença humana na terra, mas que, devido

à forma como a nossa sociedade está estruturada, seu significado é roubado

de um contingente significativo e cada vez maior de pessoas. Lukas relata:

Os Coelhos, ele, infelizmente, dentro da sociedade, ele era mal visto por conta da criminalidade que era, tinha um índice altíssimo, né?! Vendas de drogas, prostituição. Então, dentro da sociedade, os Coelhos era mal visto por isso. E a gente, querendo ou não, a gente tinha esse pensamento de ser, tipo, o excluído da sociedade, né?! A gente achava que não tinha perspectiva de melhorar ou de tentar mudar essa realidade, né?!

Lukas afirma que o seu trabalho dentro do bairro dos Coelhos, não está

direcionado apenas para o bairro e para as pessoas atendidas pelo Formando

o Amanhã, mas também para que: “A sociedade consiga enxergar com outros

olhos, né?! Enxergar que os Coelhos tem um potencial tremendo, não só para

o esporte, mas pra música, pra tudo! Pra educação, pra tudo, né?!”

Joana, 29 anos de idade, educadora social do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã, entre os anos de 2011 – 2012, que não é moradora do

bairro dos Coelhos, mas que foi uma das primeiras voluntárias representante

de outras realidade social a participar da intervenção ao aceitar o convite feito

por Lukas para dar sua contribuição à ação devido ao fato dela ser formada em

educação física, ao ser perguntada o que ela achava do bairro antes de

participar da intervenção, responde:

Eu achava que era um bairro, assim, violento, né?! Um bairro que era perigoso de se entrar, um bairro que as pessoas precisam ter cuidado. E eu vi que não é por aí. As pessoas são muito receptivas, as crianças extremamente amorosas, carentes. E uma realidade diferente da que a gente ouve. [...] Quem vê de fora, vê um bairro violento, onde só existe droga, violência e marginais.

Esta resposta da educadora social Joana demonstra que a forma como a

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sociedade representa o bairro dos Coelhos é produzida a partir de visões

distanciadas que supervalorizam alguns aspectos do bairro dos Coelhos,

aspectos estes que são comuns a muitos bairros de qualquer cidade, mas que,

segundo a percepção que ela adquiriu depois de conhecer melhor a realidade

do bairro, não são os únicas, nem os mais significativos.

Joana relata que a visão que a sociedade tem da realidade do bairro dos

Coelhos, de muita violência e tráfico de drogas, é fruto da exposição que os

meios de comunicação dão às ocorrências que envolve esses temas dentro da

localidade. Ela afirma: “Tem violência? Tem sim. Mas é um bairro que ele, na

verdade, ele é discriminado pelas reportagem, pela mídia, mas quando se entra

ali, não é só isso que tem ali”.

Esta informante ressalta que os meios de comunicação exerce um papel

negativo não só para os bairros que vivem em situação de vulnerabilidade

social e exclusão, mas, para toda a sociedade. E como forma de enfrentamento

desta percepção social equivocada sugere: “O que seria o ideal, seria a mídia

para de descriminalizar, de descriminar as comunidades, né?! Porque dá a

imagem que toda comunidade é violenta e que só tem pessoas violentas”.

Em sua fala, a educadora social Joana relata que é através das

informações difundidas nos meios de comunicação que as pessoas passam a

significar o bairro dos Coelhos, transferindo dos sujeitos para as informações

veiculadas a responsabilidade sobre a forma como os moradores e moradoras

do bairro são vistos e tratados pela sociedade. Joana procura diminuir a

responsabilidade da sociedade quando diz: “Eu acho que elas são, elas

refletem, a informação que chega até elas. Eu não descrimino porque,

realmente, é o que a gente ouve pela televisão, pelo meio de comunicação: de

que é violência, droga, é incêndio. É isso que a gente ouve, então, é isso que a

gente pensa, né?!”

Por outro lado, em seu depoimento, João, de 33 anos de idade, educador

social do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, ao tratar da forma

como os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos recebem todas as

pessoas e ações que chegam até o bairro, que, para ele, é um aspectos

importante e que os residentes no bairro teriam que ter mais cuidado. João

afirma que a vulnerabilidade na qual as pessoas da comunidade vivem é

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provocada e agravada pela ação de indivíduos e “projetos” que chegam ao

bairro com a proposta de ajudar, mas que na realidade escondem interesses

pessoais. Este educador social relata:

O pessoal aqui na comunidade tem dificuldade porque o pessoal é leigo: chega o pessoal pra ajudar e não ajuda, quer alguma coisa em ‘pró’. As pessoas tem que abrir mais o olho sobre isso e ver quais as pessoas que estão dando confiança.

Esse fragmento do depoimento do educador social João aborda a

questão do desequilíbrio construído em nossa sociedade na balança da

“identidade-eu” e a “identidade-nós”. Como em nossa sociedade o

individualismo é algo bastante desenvolvido nos indivíduos de maneira geral,

muitas pessoas escolheram como forma de sobrevivência tirar proveito da

situação de vulnerabilidade alheia, uma vez que, via de regra, os indivíduos

não têm a compreensão de que, por melhor que seja sua situação econômica e

social, ela vai sempre estar condicionada a realidade econômica e social da

sociedade da qual ele faz parte.

No que diz respeita à forma como o bairro dos Coelhos e seus moradores

e moradoras são vistos pela sociedade, que veem na localidade um espaço só

de violência e criminalidade, João se coloca como um defensor disposto a fazer

o enfrentamento e mostrar que a realidade do bairro não é só de aspectos

negativos. A esse respeito ele afirma que:

É porque as pessoas não conhecem a nossa comunidade. Feito como eu saio aí fora mesmo, eu que sou músico, digo que sou dos Coelhos, e as pessoas dizem: ‘um bairro violento’. Eu digo: já foi. Vamos conhecer a comunidade? É uma comunidade boa. Só tem gente boa, pessoas direitas.

Para Janaína, 48 anos de idade, educadora social e merendeira do

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, a sociedade tem uma visão

negativa do bairro dos Coelhos devido ao fato de que em nossa sociedade

criou-se o hábito de elaborar conclusões a partir do ouvir diz. Ela afirma:

“Porque é falado, sai na rádio, na televisão, sai em tudo que é canto. Se

acontece um negócio aqui: foi os meninos dos Coelhos! Se acontece um

negócio lá na cidade: foi a turma dos Coelhos! Aí, fica tudo falado”. A depoente

reclama que para emitir opiniões é preciso conhecer melhor a realidade e

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conclui:

Elas têm que conviver, têm que vir mais aqui pra saber que não é o que elas pensam. Está entendendo?! Porque tem muitas pessoas que não vai também para onde as outras pessoas moram, porque não é só aqui que tem violência, todo canto tem. Mas que eu achava, feito tem muitas visitas que vêm para conhecer o bairro. Essas pessoas que falam mal devia também fazer uma visitinha aqui para ver o que é que elas não pensam, o que elas não conhecem. Vou repetir: tem muita gente ruim, tem muita gente boa também aqui nos Coelhos.

Os aspectos apresentados até aqui sobre a forma como a sociedade

enxerga o bairro dos Coelhos, fez com que Robinho, 15 anos de idade,

educando do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã desde 2008,

acreditasse que o local onde ele mora fosse só uma favela, onde só tinha

tráfico de drogas. “Eu achava que não iria sair nada daí”, afirma Robinho.

Para Robinho, que atualmente está jogando na equipe de futebol de salão

sub-15 do Sport Clube do Recife, a maior dificuldade que há no bairro dos

Coelhos “é que lá tem muita influência, é muito difícil. Tem que ter o apoio dos

pais, senão você entra fácil nessa vida errada. Só não aconteceu comigo

porque eu tinha meu pai, minha mãe. O ‘Projeto’ também me ajudou muito”.

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2.3. Um campinho de futebol como espaço de configuração social e

interdependência

No início desta seção, vimos que o bairro dos Coelhos foi se constituindo

através do trabalho dos seus moradores e moradoras, que, numa disputa com

o rio Capibaribe, foram aterrando as margens do rio a fim de nelas firmarem

residência e plantarem suas vidas e suas famílias. Neste processo de

construção, um pedaço de terra firme era algo muito valorizado. Como já

apresentado acima, segundo o Censo de 2010, a densidade demográfica do

bairro é de 178,51 habitantes por hectare, o que representa uma alta

densidade populacional. Contudo, mesmo sendo o espaço físico algo muito

valorizado, aqueles moradores e moradoras não deixaram de preservar um

espaço para suas atividades recreativas e de lazer, e foi assim que se

constituiu o Campinho dos Coelhos, o qual, desde o dia 16 de fevereiro de

2008, vem recebendo, em todas as manhãs de sábado, as atividades do

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã.

O Campinho dos Coelhos, como é conhecido no bairro, é um terreno de

terra batida, localizado bem as margens do rio Capibaribe e guarda um área de

30 metros de largura por 50 metros de comprimento, perfazendo uma área total

de 1.500 metros quadrados, que se levado em consideração os dados do

Censo de 2010, na área do Campinho seria possível construir

aproximadamente 30 habitações, o que permitiria abrigar aproximadamente 96

pessoas.

Porém, apesar da disputa acirrada por espaço, a comunidade preservou

esta área para suas atividades recreativas e de lazer. E é nesse espaço que os

participantes do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, sejam eles as

crianças, adolescentes e jovens, educandos e educandas da ação, ou os

homens e mulheres educadores sociais, e alguns moradores do bairro, vão

todos os sábados depositar seus sonhos, ideias, planos, necessidades, atos e

propósitos, que, em contato uns com os dos outros, vão sendo reconfigurados

mutuamente.

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Um das condições fundamentais da existência humana é a presença

simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas (ELIAS; 1994b: 27), e é

através destas inter-relações que os indivíduos estão constantemente

desenvolvendo e adquirindo novos valores e formando sua personalidade, ao

mesmo tempo que vão configurando a estrutura da sociedade na qual estão

inseridos.

No Campinho dos Coelhos, as atividades do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã são realizadas com a perspectiva de trabalhar a realidade

social do bairro e dos indivíduos participantes da ação. Segundo Lukas, um de

seus organizadores, a pretensão da ação “é mostra a essas crianças,

adolescentes e jovens que não é por que eles vivem numa comunidade carente

que eles têm que se envolver com a violência, a criminalidade e o tráfico de

drogas”.

Logo, podemos inferir que, com as atividades da intervenção, o Campinho

dos Coelhos deixa de ser um espaço apenas de recreação e lazer, de

educação informal, para se tornar um espaço de educação não formal, as quais

têm a intencionalidade de apresentar novas perspectivas de vida não só para

os participantes da ação mas, também, para o bairro dos Coelhos como um

todo.

Cabe aqui expor a diferença básica existente entre educação informal e

educação não formal. Segundo Maria da Glória Gohn, há uma distinção entre a

educação informal e a educação não formal. Para a autora, a educação

informal é “aquela na qual os indivíduos aprendem durante seu processo de

socialização gerado nas relações e relacionamentos intra e extrafamiliares

(amigos, escola, religião, clube etc.)” (GOHN; 2010; 16), já a educação não

formal, que é a praticada na intervenção, a autora define da seguinte forma:

A não formal ocorre em ambientes e situações interativos construídos coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos, usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por força de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um, em seu processo de experiência e socialização, pertencimento adquirido pelo ato de escolha. Há na educação não formal uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes (GOHN; 2010: 18).

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Assim, como nas partidas de futebol que são jogadas nas atividades da

intervenção, também na vida, os indivíduos se movimentam e se posicional

conforme a disposição dos outros jogadores, sejam eles os da sua equipe ou

os da equipe adversária, e assim, no jogo, vão configurando a partida; na vida,

vão configurando o padrão de comportamento do seu agrupamento humano,

vão dando forma a sociedade na qual vivem.

Esta pesquisa já relatou que as condições materiais e sociais do bairro

dos Coelhos são bastante adversas, contudo, o espaço das atividades do

Formando o Amanhã se constitui como um espaço onde seus participantes

podem trabalhar seus medos e seus desejos, confrontando-os com as

condições objetivas da realidade econômica e social na qual são levados a

incidir.

Nas observações feitas durante a realização desta pesquisa foi possível

observar que o ambiente construído pelos participantes do Formando o

Amanhã é composto por um clima colaborativo e estimulante, capaz de gerar a

segurança necessária para que os indivíduos envolvidos sintam-se à vontade

para exporem seus anseios, medos, necessidades e visão de mundo,

possibilitando a problematização desses temas. Problematização esta que é

parte fundamental do processo de superação das adversidades.

No nosso atual estágio civilizacional, e na forma padrão de racionalidade

dele resultante, somos levados a pensar que somos os únicos responsáveis

pela realidade em que vivemos e que depende única e exclusivamente de

nossas vontades e iniciativas a transformação desta realidade, bem como,

somos levados a acreditar que nossa personalidade e individualidade é forjada

isenta de influências externas. “A ideia de que pessoas ‘estranhas’ possam ser

parte integrante da formação de sua individualidade parece, hoje em dia, quase

uma transgressão dos direitos do sujeito sobre si mesmo” (ELIAS; 1994b: 53).

Contudo, quanto mais desenvolvida a sociedade, tanto mais torna-se os

indivíduos interdependentes uns dos outros e é nesse jogo de

interdependência que se constitui o padrão de comportamento dos

agrupamentos humanos.

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No Campinho dos Coelhos, os participantes da intervenção buscam

configurar um outro padrão de comportamento, diferente do que é possível

observar entre os moradores e moradoras do bairro em geral, conforme indica

o depoimento de Adilson, quando afirma que, no Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã “comecei a ver as pessoas com um modo diferente,

respeitador. [...] a respeitar os mais velhos, não brigar entre si, procurar não

brigar com as pessoas da comunidade, sempre procurar conversar antes.”

É possível perceber, a partir deste fragmento do depoimento de Adilson, a

emersão de um nova padrão de comportamento e racionalização da vida em

sociedade, que vai sendo constituído a partir das atividades do Formando o

Amanhã, o qual demonstra uma valorização do outro, um fortalecimento da

coletividade e uma diminuição do desiquilíbrio existente na balança nós/eu.

É recorrente nos depoimentos de todos e todas informantes desta

pesquisa a afirmação de que a participação nas atividades do Formando o

Amanhã se deve a necessidade de promover mudanças, sejam elas nas suas

vidas, nas vidas das pessoas atendidas pela ação, no cotidiano do bairro, e

mesmo na imagem que a sociedade tem do bairro do Coelhos.

Contudo, o processo de mudança de um padrão de comportamento, e a

racionalização da vida em sociedade dele resultante, não é produto do

planejamento e objetivo de um ou de poucos indivíduos, se pensados

isoladamente, mas sim, o resultado da “entremeação dos atos, planos e

propósitos de muitos ‘eus’ origina, constantemente, algo que não foi planejado,

pretendido ou criado por nenhum indivíduo” (ELIAS; 1994b; 57).

Vez após outra, portanto, as pessoas colocam-se ante o efeito de seus próprios atos como o aprendiz de feiticeiro ante os espíritos que invocou e que, uma vez soltos, não mais permanecem sob seu controle. Elas fitam com assombro as reviravoltas e formações do fluxo histórico que elas mesmas constituem, mas não controlam (ELIAS; 1994b: 58).

E é dentro desta dinâmica que todos os atores do Formando o Amanhã

constituíram, no Campinho dos Coelhos, um espaço de síntese, onde, partindo

da realidade concreta e objetiva, das suas condições de vida e dos problemas

e conflitos dela resultante, movidos pelos seus sonhos, metas e desejos, vão

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dando uma outra configuração ao bairro, e são eles e elas, os seus autores, os

primeiros a receberem o tratamento difereciado, referente a nova configuração

que vêm projetando e construindo na comunidade.

Um exemplo do que estamos afirmando pode ser observado na forma

como são realizada as abordagens policiais no bairro. Durante as visitas que

fizemos para a realização deste trabalho, presenciamos algumas delas aos que

estavam no Campinho dos Coelhos, porém, em nenhuma delas os

participantes das atividades da ação foram submetidos a estas averiguações

policiais. Mesmo sendo os participantes da ação portadores das mesmas

características físicas e sociais dos transeuntes que eram submetidos a elas.

Esse exemplo ilustra, por um lado, o quando a forma de tratamento que

os indivíduos dispensam uns aos outros em nosso cotidiano está

profundamente marcado por valores e preconceitos. Não obstante, demonstra

também que as atividades do Formando o Amanhã vêm conseguindo superar

preconceitos, alterar a percepção que se tem do bairro e de seus moradores e

a forma de tratamento que as pessoas têm para com o bairro e no bairro. Não

só a dos seus moradores e moradoras, como a dos indivíduos que nele

trabalham.

Quando Adilson relata em seu depoimento que o Formando o Amanhã

representa muita coisa na sua vida e que a partir da sua participação nas

atividades ele pode reconfigurar o seu comportamento e, a partir desta

reconfiguração, ele pôde contribuir para a construção de novos padrões de

comportamento e novas configurações sociais dentro do bairro dos Coelhos,

ele está atestando que a formação da personalidade dos indivíduos é

fundamentalmente desenvolvida a partir das relações de interdependência que

cada indivíduo estabelece com os demais indivíduos do agrupamento humano

a qual pertence. Nas palavras de Adilson:

O Projeto representa muita coisa, porque lá eu aprendi a respeitar as pessoas. A ver as pessoas de um modo igual a mim. Se eu quero respeito para minha mãe, eu quero respeito para a mãe dos outros também. Aprendi a escutar as pessoas, que na nossa comunidade também não tem só bandido, sempre tem alguém de bem. Sempre vai ter alguém pra colocar você pra baixo, mas vai sempre ter alguém pra colocar você pra cima.

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Como já anunciado, o principal intenção dos participantes do Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã é apresentar novas perspectivas de vida

às crianças adolescentes e jovens que participam das atividades, e para tanto,

a estratégia adotada foi a de uma escolinha de futebol, realizada no campinho

de terra batida existente dentro da própria comunidade e o método foi o da

problematização dos temas identificados pelos organizadores da ação que, nas

opiniões deles, estão relacionados à produção e manutenção da situação de

exclusão e vulnerabilidade social.

Contudo, os debates realizados sobre os temas da violência,

criminalidade, tráfico de drogas, educação, mundo do trabalho, entre outros,

não resulta o mesmo efeito em todos os participantes, uma vez que cada

indivíduo seleciona, filtra e desenvolvem as informações e vivências de forma

singular, o que faz com que o resultado apresentado divirja, em muitas formas

e sentidos, dos resultados esperados pelos idealizadores das atividades, o que,

por sua vez, produz uma certa frustração. Isso ocorre porque, segundo Elias,

A relação entre as pessoas é comumente imaginada como a que existe entre as bolas de bilhar: elas se chocam e rolam em direções diferentes. Mas a interação entre as pessoas e os ‘fenômenos reticulares’ que elas produzem são essencialmente diferentes das interações puramente somatórias das substâncias físicas (ELIAS; 1994b: 29).

Mas disto os educadores e educadoras sociais do Formando o Amanhã

demonstram ter uma relativa consciência, quando apontando nos registros

fotográficos das atividades realizadas ou passando pelas ruas do bairro,

identificam jovens ex participantes da ação que se afastaram das atividades e

se envolveram com a criminalidade e o tráfico de drogas.

Mesmo assim, com a consciência de que os indivíduos estão sempre

sujeitos a mudar sua forma de ver o mundo, a partir das relações de

interdependência que estabelecem uns com os outros, os educadores e

educadoras do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, seguem com

suas atividades para construir uma configuração social diferente no bairro dos

Coelhos.

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3. O esporte enquanto instrumento de mobilização e inclusão social

“Um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia

Outro operário escutava.” Operário em construção

Vinícius de Moraes

Um significativo conjunto de atividades esportivas que são praticadas em

nosso atual estágio civilizacional trazem consigo um grande potencial para

atrair e reunir os indivíduos. A literatura que trabalha o potencial mobilizador do

esporte e suas possibilidades de inclusão social já é algo estabelecido no meio

acadêmico. Contudo, novos usos e resultados são testados cotidianamente

pelas sociedades, os quais reivindicam novas análises. E é com essa

perspectiva que nesta seção será registrado e analisado o processo de escolha

do futebol como atividade mobilizadora do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã e as possibilidades de inclusão social que os atores desta ação

identificam e trabalham através dele.

A utilização do futebol como instrumento de mobilização e inclusão social

não é algo recente no bairro dos Coelho. Registros das memórias dos

depoentes desta pesquisa remontam à segunda metade da década de 1980,

que dão conta da Escolinha de Futebol ABC.

Esta escolinha de futebol era organizada por Josemir, um deficiente físico

que transitava pelas ruas do bairro em uma cadeira de rodas elétrica, que

fascinava e divertia as crianças e adolescentes daquela localidade.

Para participar das aulas e se tornar atleta da Escolinha de Futebol ABC,

as muitas crianças e adolescentes da comunidade que se interessassem

deveriam passar por um processo seletivo, a conhecida “peneira” do meio

futebolístico. Deste processo seletivo qualquer criança ou adolescente do

bairro poderia participar, porém, apenas aqueles que demonstrassem alguma

aptidão para o futebol poderiam participar das atividades da Escolinha e se

tornarem seus atletas.

A modalidade de futebol praticada na Escolinha ABC era o futebol de

salão, que era treinado no espaço que o professor Josemir conseguia nas

quadras poliesportivas de um colégio confessional católico de grande tradição

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e prestígio na sociedade pernambucana, o Colégio Salesiano Sagrado

Coração, ou simplesmente, Colégio Salesiano, como é mais conhecido.

O Colégio Salesiano está localizado na Rua Dom Bosco, 551, no bairro

da Boa Vista, em Recife, e fica a aproximadamente 1,5 km do bairro dos

Coelhos, percurso que os jovens atletas da Escolinha ABC tinham que

percorrer andando para participarem das atividades. Por outro lado, a

Escolinha ABC contava com um ponto de apoia que estava localizado dentro

do bairro dos Coelhos, mais precisamente na esquina da rua Rêgo Melo com a

travessa do Farias. Este ponto de apoio era de propriedade de Josemir e

constituía-se num barraco de madeira onde havia mesas de sinucas, jogos de

totó e jogos eletrônicos.

Esse espaço era aberto para todos os moradores que quisessem ir lá

jogar. Porém, era lá onde ocorria as reuniões da Escolinha e onde se dirigiam,

todas as noites, um número expressivo das crianças e adolescentes moradores

do bairro. Nesse espaço trabalhava Fernando, que era o responsável pela

manutenção do espaço e pela venda das fichas de sinuca e dos jogos para

quem quisesse jogar. Fernando era como um auxiliar de Josemir, e foi ele

quem deu continuidade as atividades da Escolinha ABC após o falecimento do

professor, fazendo com que essas atividades prosseguissem até o final dos

anos 1990, início dos anos 2000.

Já na primeira metade dos anos 1990, teve início as atividades da

Escolinha de Futebol do Joffre, que também trabalhava com a modalidade do

futebol de salão, as atividades desta Escolinha ocorriam, como ocorrem até a

data da realização da pesquisa, no Centro Social Urbano dos Coelhos, por trás

do Posto de Saúde da Família Coelhos II, localizado na esquina da rua Doutor

José Mariano com a rua Padopolis. A rua Doutor José Mariano é a rua que

marca o limite entre o bairro dos Coelhos e o bairro da Boa Vista.

Assim como a Escolinha ABC, de Josemir, as crianças e adolescentes

que quisessem participar das atividades da Escolinha do Joffre, também tinham

que passar pela tão conhecida, do meio futebolístico, “peneira”, porém, na

Escolinha do Joffre este teste admissional não ocorria de imediato, os

aspirantes à atleta participavam das atividades por alguns dias, ou até

semanas, até serem avaliados e selecionados para fazer parte ou não das

atividades da Escolinha.

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Outra escolinha de futebol de salão que ficou bastante conhecida no

bairro dos Coelhos foi a Escolinha de Futebol de Neném de Bode Rouco. Esta

Escolinha teve o início das suas atividades no final da década de 1990 para o

início dos anos 2000. Neném de Bode Rouco, como era conhecido o

organizador da Escolinha, ampliou a área de atuação das suas atividades,

organizando no bairro além de uma escolinha de futebol de salão, uma equipe

de vôlei e uma quadrilha junina, a Quadrilha Junina Boa Vista Show, que

representava o bairro dos Coelhos em vários concursos de quadrilhas no

Estado, durante o período Junino.

Esta Escolinha realizava seus treinamento também no Colégio Salesiano,

num espaço que era cedido pelos padres responsáveis pela instituição para as

atividades esportivas.

Estas três instituições futebolísticas do bairro dos Coelhos tinham sua

atuação voltado para a perspectiva do esporte de alto rendimento e buscavam

ter entre seus atletas os melhores jogadores do bairro. Com isso, as crianças e

adolescentes que se mobilizavam em torno das atividades dessas escolinhas

eram aquelas que já eram identificadas com uma certa aptidão para o futebol, o

que inibia a aproximação da grande maioria das crianças e adolescentes do

bairro que tinham pouca intimidade com a bola.

Por outro lado, como o foco dessas escolinhas era o esporte de alto

rendimento, o debate sobre a inclusão social através do esporte, através do

futebol, estava circunscrito ao interesse que os organizadores e os

participantes tinham em serem contratados por um dos times grandes de

Pernambuco, terem um bom salário e poderem mudar de vida com as suas

famílias.

Durante o período que coexistiram, essas escolinhas de futebol foram

motivo de muitas discussões e disputas entre os moradores do bairro, bem

como entre as crianças e adolescentes que compunham as equipes.

Destas três instituições, apenas a Escolinha do Joffre encontra-se (no

momento da pesquisa) ainda em atividade. Essa Escolinha, no início dos anos

2000, passou por uma reformulação, passando a ter seu foco mais voltado

para o esporte educacional e tendo seu atendimento voltado para crianças e

adolescentes com idades menores, entre 05 e 13 anos.

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Foi dentro desse conjunto de experiências de escolinhas de futebol no

bairro dos Coelhos que, no dia 16 de fevereiro de 2008, teve início as

atividades do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, que, segundo as

palavras do educador social João, “a ideia do Projeto surgiu dos amigos Lukas,

Joãozinho e Alex, que o convidou para fazer parte de uma escolinha de futebol

que pudesse trabalhar com as crianças, adolescentes e jovens do bairro”, na

perspectiva da promoção de mudança na vida dos participantes e da

comunidade.

Esse testemunho de João, já indica um caráter diferenciado da escolinha

de futebol do Formando o Amanhã, que vê as atividades esportivas como uma

estratégia de uma ação educacional e não um fim em si mesma, como muitas

vezes são vistos os trabalhos realizados com o esporte de alto rendimento.

Cientes de que, como nos diz Brandão (2013), “todas as sociedades

criam a educação necessária para produção e manutenção dos valores e

saberes que sustentam e justificam o seu modo de ser”, podemos refletir que

cada prática esportiva, seja ela voltada para o alto rendimento ou para uma

abordagem educacional, influencia no desenvolvimento do padrão de

comportamento de cada grupo social ou indivíduos que, de uma ou de outra

pratica esportiva, faz uso. Nas palavras do autor:

Ela [a educação] ajuda a pensar tipos de homens. Mais do que isso, ela ajuda a criá-los, fazendo passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de produção de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades (BRANDÃO; 2013: 11-12, grifos nosso).

Por isso, tendo a preocupação com os padrões de comportamentos que

estavam sendo construídos no bairro dos Coelhos, foi que os amigos se

reuniram para intervir na realidade local, procuraram desenvolver atividades

que envolvesse os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos em um

processo de desenvolvimento social, onde os efeitos e as influências negativas

da exclusão social, da violência e do tráfico de drogas não fosse algo tão

presente, e com essa finalidade eles escolheram a prática esportiva do futebol

educacional.

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Devido a forma desigual com que as oportunidades, centralizadas

principalmente pelo poder público e pelos donos do poder político e econômico,

são distribuídas, os indivíduos humanos vão desenvolvendo padrões de

comportamentos que os permitam participar de uma sociedade extremamente

competitiva e excludente, e é essa tendência que as atividades propostas pela

intervenção busca fazer o contra ponto.

Por sua vez, quando Lukas relembra os fatores que o influenciaram na

idealização e realização da intervenção, ele relata que:

O Projeto, ele foi realizado pelas amizades que nós tínhamos e que a gente via que se envolvia [com a criminalidade] e que, infelizmente, tinham, eram assassinados, né?!. E a gente pensava em fazer alguma coisa que viesse a mudar a nossa realidade. [...] E esse pensamento veio para querer realizar algo que fosse importante, algo que mexesse com a comunidade, algo que mudasse de verdade a realidade das pessoas, auxiliando, claro, no dia a dia, na sua educação.

Da análise do discurso presente no relato de Lukas é possível visualizar

que as memórias traumáticas da perda dos amigos fez com que ele

desenvolvesse uma preocupação com as condições de vida que, assim como

ele, os moradores daquela localidade tinham para sobreviver, fazendo com que

ele buscasse dentro de si algo que ele fosse capaz de fazer e que pudesse

contribuir para uma mudança na trajetória de vida dos moradores e moradoras

do seu bairro.

Mas adiante, Lukas relata que como ele “gostava de jogar bola”, ele

escolheu o futebol como atividade mobilizadora da ação que, junto com seus

amigos, pretendiam realizar. Como os quatro amigos que iniciaram o Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã, segundo as palavras de João,

participavam das “peladas” realizadas nos finais de semanas, no Campinho

dos Coelhos, o futebol de campo foi escolhido como estratégia de mobilização

e método pedagógica para a intervenção que os primeiros atores da

intervenção pretendiam realizar.

As informações apresentadas acima demonstram que é possível

promover ações que visem intervir em uma dada realidade a partir de

atividades das quais os seus protagonistas já as pratiquem no seu cotidiano e

que o fato dessas atividades serem atividades de recreação e ou de lazer em

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nada diminuem o seu potencial mobilizador, nem limite as possibilidades do

debate da inclusão social, conforme será exposto nesta seção.

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3.1. O papel mobilizador do futebol

Como já indicamos nas seções anteriores, o esporte, nas sociedades

contemporâneas, possui um grande potencial mobilizador, que pode ser

explicado pelas mais diversas funções que esta atividade humana pode

exercer na vida de seus praticantes e admiradores. Para quem prática qualquer

tipo de modalidade esportiva, ele pode servir como uma atividade de lazer e

recreação, uma forma de acesso a uma vida saudável ou até mesmo uma

atividade profissional, entre tantas outras possíveis. Já para os que são seus

admiradores, mas não aderiram a nenhuma prática esportiva, ele pode

representar um entretenimento, além de poder ser, assim como para os

adeptos da prática esportiva, uma forma de lazer e recreação, e até mesmo

uma atividade profissional.

No Brasil, a modalidade esportiva capaz de mobilizar milhares e milhares

de pessoas é, indiscutivelmente, o futebol. Considerado uma paixão nacional, o

futebol mobiliza tanto adeptos quanto admiradores, e pode ser encarado com

um fim em si mesmo ou como um meio para as mais diversas finalidades.

No bairro dos Coelhos, sendo o campinho de terra batida uma das poucas

áreas de lazer do bairro, as atividades que envolve o futebol acaba por se

tornar uma atividade esportiva que envolve um número significativo de

moradores e moradoras da localidade.

A educanda Isa relata que quando era criança: “eu só queria saber de

jogar, jogar, jogar [...] e no Campinho, era o único lugar que eu podia jogar. [...]

Eu sonhava alto, queria ser jogadora”.

Já Robinho, também educando do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, lembra que: “toda vez que passava pelo Campinho eu via o pessoal

jogando, e eu gostava muito de jogar bola, e aí eu decidir participar”.

Estes fragmentos dos depoimentos dos educandos Isa e Robinho

demonstram que eles foram atraídos para as atividades da intervenção devido

ao fato do futebol já fazer parte das suas realidades, seja do seu universo

cotidiano ou do seu universo onírico. Como também revela que o esporte, no

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caso o futebol, abarca duas dimensões fundamentais do tempo para os

indivíduos: o tempo presente e o tempo futuro.

No que diz respeito ao presente, o futebol se constitui, na perspectiva

apresentada pelos atores desta pesquisa, como uma atividade prazerosa,

capaz de proporcionar-lhes momentos de lazer e distração, que são

indispensáveis para o desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos, e que em

nosso atual estágio civilizacional vem sendo relegado a um papel secundário.

Já no que diz respeito a dimensão de futuro, o futebol se apresta,

segundo o depoimento da educanda Isa, como uma atividade profissional, que

possibilitaria uma mudança de vida, uma acessão social.

Essas duas dimensões do tempo que atuam sobre os indivíduos

humanos, impõem necessidades que precisam ser atendidas e influenciam na

percepção de mundo que os sujeitos criam e desenvolvem.

Os idealizadores do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã,

considerando as características espaciais do bairro, seguindo as suas intuições

e buscando atender as suas próprias necessidades, conseguiram enxergar no

futebol um caminho para não só mobilizar os moradores e moradoras do bairro,

como, principalmente, uma forma de acessar a visão de mundo desses atores.

Segundo Paulo Freire, muitos erros cometem as pretensas lideranças

que, no anseio de promover mudanças na vida dos sujeitos com quem

dialogam, ignoram a visão de mundo desses sujeitos. O autor afirma que:

Muitos erros e equívocos comete a liderança ao não levar em conta esta coisa tão real, que é a visão do mundo que o povo tem ou esteja tendo. Visão de mundo em que se vão encontrar explícitos e implícitos os seus anseios, as suas dúvidas, a sua esperança, a sua forma de ver a liderança, a sua percepção de si mesmo e do opressor, as suas crenças religiosas, quase sempre sincréticas, o seu fatalismo, a sua reação rebelde (FREIRE; 2011: 250).

Neste sentido, o futebol no bairro dos Coelhos é não só uma realidade,

como também objeto de aspirações futuras, o que lhe atribui um papel

mobilizador, catalisado pelas características espaciais do bairro e pelos

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anseios de mudança de vida de alguns moradores e moradoras do bairro que

veem no futebol essa possibilidade.

Ao comentar sobre a escolha do futebol como instrumento de mobilização

para as intervenções pretendidas pelo Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, a educadora social Joana afirma que achou “a escolha excelente,

porque o futebol abrange uma quantidade boa de pessoas, visto que é o

esporte preferido dos brasileiros”.

Para esta educadora social, “o futebol, como qualquer outro esporte,

ajuda as pessoas, com sua forma lúdica, a desenvolver qualidades nelas como

a perseverança, a garra, com o foco em um objetivo. Como a união também,

trabalhar em equipe.”

Ao enumerar algumas das muitos funções que o futebol pode exercer

quando se pretende trabalhar com grupos sociais a questão dos

comportamentos em sociedade, Joana identifica no futebol a possibilidade de

se trabalhar de forma lúdica uma das questões, segundo Norbert Elias,

fundamentais da nossa sociedade. Para Elias:

Na vida social de hoje, somos incessantemente confrontados pela questão de se é e como é possível criar uma ordem social que permita uma melhor harmonização entre as necessidades e inclinações pessoais dos indivíduos, de um lado, e, de outro, as exigências feitas a cada indivíduo pelo trabalho cooperativo de muitos, pela manutenção e eficiência do todo social (ELIAS; 1994b: 17).

Logo, sendo o futebol um esporte coletivo, para realização de uma partida

é indispensável a mobilização de várias pessoas que, trazendo cada uma as

suas necessidades e pretensões, precisam estarem voltadas para a construção

do objetivo coletivo, que é a realização desta partida.

O educador social Lukas relata que “o futebol foi escolhido como

ferramenta do Projeto por ser um esporte mais barato e por estar inserido

dentro da comunidade.” E acrescenta que como ele gostava muito de “jogar

bola”, e viu no futebol a possibilidade de fazer algo que mudasse a realidade da

comunidade. E afirma que “o único esporte que poderíamos ter um alcance

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maior, naquele primeiro momento, era o futebol, e por isso que o futebol foi o

escolhido como o precursor das atividades do Formando o Amanhã”.

Quando Lukas lembra que o futebol foi escolhido para ser o instrumento

mobilizador da intervenção por ser um esporte barato, ele trata de um dos

fatores que contribui para que este esporte seja uma modalidade esportiva tão

praticada no Brasil, inclusive com grande presença nas periferias. O futebol é

um esporte possível de ser praticado em áreas grandes e pequenas, que

podem ser de terra batida, como é o caso do Campinho dos Coelhos, pode ser

uma área de cimento ou mesmo uma rua asfaltada, que para se transformar

num espaço possível de ser praticado o futebol só precisa de dois pedaços de

pau ou pedra para simular uma barra. Enquanto a bola, que existem no

mercado de vários modelos e preços, pode ser confeccionadas com meias ou

sacos plásticos, o que faz do futebol um esporte acessível para todas as

classes sociais. E, conforme constatamos na pesquisa, esses são alguns dos

fatores que contribuem para que o futebol envolva tantas pessoas no bairro dos

Coelhos.

Ademais, quando Lukas relata que o futebol foi escolhido, também,

porque ele gostava de “jogar bola”, ele demonstra que quando se deseja

mobilizar as pessoas com o objetivo de envolvê-las num processo de

transformação de sua realidade de vida, não é obrigatório o desenvolvimento

de atividades muito elaboradas. É possível mobilizar pessoas realizando

atividades simples, mas que já estejam inseridas no seu cotidiano.

Por outro lado, colocando lado a lado os fragmentos dos depoimentos de

Isa, Robinho, Joana e Lukas, é possível constatar que, ao escolherem o futebol

como instrumento de mobilização social, os idealizadores e educadores sociais

do Formando o Amanhã conseguiram valorizar a estrutura espacial da

localidade, aproveitando o Campinho dos Coelhos, uma das poucas áreas de

lazer do bairro e bastante utilizada pelos seus moradores e moradoras;

captaram as aspirações de muitos dos atores que a ação pretendia acessar,

uma vez que os educandos e a educanda participante da pesquisa informaram

que gostavam de jogar futebol e que pretendiam ser futebolistas profissionais,

realizaram com isso um diagnóstico pertinente a respeito dos fatores que

facilitariam a mobilização dos moradores e moradoras do bairro; e contribuíram

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para que os educandos e educandas da ação pudessem produzir projeções

mais tangíveis do futuro.

Quanto a importância de estimular a capacidade de elaborar cenários

futuros possíveis, Gohn afirma que:

Todas as atividades desenvolvidas pelo Educador Social devem também buscar desenhar cenários futuros; os diagnósticos servem para localizar o presenta, mas também para estimular imagens e representações sobre o futuro. O futuro como possibilidade é uma força que alavanca mentes e corações, impulsiona para a busca de mudanças (GOHN; 2010: 54).

Com isso, levando em consideração as reflexões acima apresentada, é

possível identificar o futebol, a depender da penetração que ele tenha em cada

realidade, como um esporte indutor de mudanças.

O papel mobilizador e indutor de mudanças que o futebol pode possibilitar

é reforçado pelo educando Adilson quando relembra as partidas de futebol que

eram jogadas no Campinho dos Coelhos pela equipe de futebol da intervenção

contra as equipes de futebol de outras localidades. Adilson relata que:

As pessoas gostavam de ver a gente jogar, enchiam aí o Campinho pra ver a gente jogando contra os times de fora. E o povo, as pessoas ajudavam [...] também com lanche, com frutas. Tudo para agradar a gente aí, né?!, na comunidade. [...] E eu me sentia bem, né?!, porque eu via as pessoas torcendo pela gente, via as pessoas ajudando a gente.

Este fragmento do depoimento de Adilson também ajuda a aproximar os

leitores da atmosfera que era vivenciada pelos moradores e moradoras do

bairro dos Coelhos nos primeiros anos do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã. Isso ocorre porque, segundo nos diz Paul Thompson: “A evidência

oral, transformando os ‘objetos’ de estudo em ‘sujeitos’, contribui para uma

história que não só é mais rica, mais viva e mais comovente, mas também mais

verdadeiras” (THOMPSON; 1992: 137, grifos do autor).

Outro trecho da entrevista de Adilson dá conta de que as atividades

desenvolvidas pelos educadores e educadoras sociais do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã conseguiram mobilizar até alguns moradores e

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moradoras do bairro que são envolvidas com a marginalidade e a

criminalidade. Adilson comenta que “até os, assim, os maloqueiros daí respeita

o pessoal do Projeto. Eles sabem que são todos pessoas de respeito, que

tentam ajudar de qualquer forma”.

A mobilização referida que está presente na fala de Adilson, não é a do

engajamento direto com as atividades da ação, ou mesmo contribuições

materiais ou de incentivos, pelo contrário, o depoente relata que em alguns

momentos os materiais do Formando o Amanhã eram cedidos para que os

ditos “maloqueiros” pudessem realizar as suas atividades recreativas. Contudo,

a mobilização a qual Adilson se refere é a do ser sensibilizado pela intervenção

e identificar nela algo de positivo para o bairro e que precisa ser cuidada e

estimulada, mesmo que seja através de um tratamento diferenciado.

Este tipo de mobilização não atingiu apenas os ditos “maloqueiros” do

bairro, mas também agentes do poder público que realizam suas atividades

profissionais dentro do bairro dos Coelhos.

Quando, no período de realização desta pesquisa, nas muitas visitas que

foram realizadas às atividades da intervenção, pudemos observar várias

batidas policias no Campinho dos Coelhos e em nenhuma delas os

participantes das atividades foram submetidos às abordagens policiais.

Seguindo ainda as narrativas de Adilson, elas revelam que ao emprestar

os materiais da intervenção para os ditos “maloqueiros”, “pessoas da vida

errada”, os educadores e educadoras sociais do Formando o Amanhã

conseguiam estabelecer diálogos com estes indivíduos e trabalhar temas

relacionados aos problemas do cotidiano do bairro, buscando sensibiliza-los

para participarem das atividades da intervenção, o que resultou, segundo nos

conta Adilson, que alguns deles saíssem da “vida errada”.

Com isso, podemos inferir que ao emprestar os materiais da intervenção

para outros moradores do bairro que não participavam das atividades da ação,

os educadores e educadoras sociais do Formando o Amanhã conseguiam não

só que essas ditas “pessoas da vida errada” respeitassem suas atividades,

mas, também, mobilizavam muitas delas para participarem das atividades

propostas pela intervenção.

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Contudo, atrair, reunir e mobilizar as pessoas através do futebol é apenas

uma parte da estratégia adotada pelos atores executores do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã, o que eles e elas pretendiam eram o

engajamento dos moradores e moradoras do bairro no processo de

problematização dos fatores causadores da marginalização e exclusão social

da qual o bairro dos Coelhos é submetido e, para isso, também utilizaram o

futebol, como forma de promover a reflexão sobre a inclusão social. E é sobre

a inclusão social através do futebol, promovida dentro das atividades do Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã que trataremos a seguir.

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3.2. A inclusão social através do futebol

Nas sociedades atuais, que adotam o modelo capitalista de produção e

circulação de riquezas, a inclusão social é comumente vista como a inserção

dos indivíduos humanos no mercado de trabalho e a participação desses

mesmos indivíduos na sociedade de consumo. Não obstante, o modelo social

capitalista tem produzido contradições que geram conflitos e desequilíbrios nas

sociedades humanas, promovendo mudanças nos padrões de comportamento

dos agrupamentos humanos ditos “civilizados”.

Nestas sociedades, o indivíduo vale por aquilo que produz e pelo padrão

de consumo que a sua produção lhe permite usufruir. Então, para melhor se

colocar na escala de consumo, que por sua vez determina o nível e valor social

de cada indivíduo, os sujeitos se colocam dispostos a tudo para colocar a si e a

sua família na melhor posição possível dessa hierarquia social, o que acaba

por contribuir para o aumento da desigualdade social e da violência. Fazendo

referência aos efeitos desses fenômenos na sociedade brasileira, Gohn afirma

que:

O aumento dos índices de criminalidade e de violência na sociedade brasileira, decorrente da miserabilidade, do desemprego, e também de uma nova moral que foi tomando conta da sociedade, de que ‘o negócio é levar vantagem’, ‘é dando que se recebe’, o que importa e o ‘rouba mas faz’ etc., levou a institucionalização da violência como uma das formas de convívio e sobrevivência (GOHN; 2010: 76, grifos da autora).

O que, por sua vez, acaba por institucionalizar uma disputa e separação

entre indivíduos e entre eles e a sociedade, gerando o desenvolvimento

desequilibrado entre a “identidade-eu” e a “identidade-nós” de cada indivíduo,

que acaba por produzir uma sociedade de conflitos, uma vez que, conforme

nos diz Elias, “a sociedade, como sabemos, somos todos nós; é uma porção de

pessoas juntas” (ELIAS; 1994b: 13), trabalhando para a produção do todo

social.

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E é dentro dessa dinâmica que os indivíduos elaboram e praticam o seu

nível de consciência social. O que para Gohn resulta que:

Entretanto, a consciência social coletiva de uma cidadania plena parece não ter se proliferado no Brasil, em toda a sua dimensão. Devido ao tipo de desenvolvimento social existente, à situação de carência e miserabilidade de grandes contingentes populacionais, as demandas por cidadania se restringiram aos aspectos legais (de igualdade jurídica), em questões básicas, elementares para a sobrevivência humana, tais como abrigo (moradia), saúde e alimentação (GOHN; 2010: 70).

Diante do até aqui exposto, um reflexão se impõe: seria mesmo neste tipo

de sociedade que as populações que são levadas a incidir as suas margens

teriam que buscar a sua inserção. Inserção que, via de regra, demanda muito

esforço, trabalho, renúncia e privação?

A resposta a esta pergunta, que este trabalho de pesquisa realizado com

os atores do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã encontrou, é a de

que sim, uma vez que é essa a sociedade que se tem e que precisa ser

apropriada, trabalhada e transformada. E para tanto, o futebol demonstrou ser,

no caso do bairro dos Coelhos, um instrumento bastante viável, conforme

demonstraremos aqui.

Ao depor sobre a função inclusiva do futebol, o educador social Lukas

afirma que: “o futebol, ele é um agente de inclusão social; o futebol é um

esporte barato e é um esporte que dentro de qualquer comunidade, sendo ela

de área de vulnerabilidade ou não, ele é um esporte que tem um atrativo muito

grande, aonde traz a socialização, onde traz a união e a cooperação”.

Da análise do discurso presente no depoimento de Lukas, é possível

identificar que o futebol, para ele, está colocado em duas dimensões da

configuração do bairro dos Coelhos: a da realidade concreta, objetiva, e a da

realidade idealizada, subjetiva.

No que diz respeito à realidade concreta, objetiva, o discurso de Lukas

representa o futebol como um instrumento de inclusão social em si, uma vez

que este esporte, que é uma preferência nacional, pode ser praticado por

indivíduos de todas as classes sociais, visto que as exigências materiais para

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sua prática não são muito dispendiosas. O que pode possibilitar a criação de

espaços para relações de interação e de interdependência entre indivíduos de

classes sociais distintas.

Por outro lado, no que diz respeito à realidade idealizada, subjetiva, Lukas

revela que o futebol possibilita o exercício de características e valores humanos

como a socialização, a união e a cooperação que são fundamentais para o

desenvolvimento do todo social humana, mas que, no nosso atual estágio do

processo civilizador, não vêm sendo exercitado.

E Lukas conclui esse trecho do seu depoimento declarando que “o futebol

é uma ferramenta de inclusão social e um agente transformador de vidas”.

Na perspectiva adotada pelo Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, o futebol, ao possibilitar a interação entre a realidade objetiva e os

desejos de uma vida melhor das crianças, adolescentes e jovens atendidos

pela intervenção desperta o interesse e a satisfação desses atores sociais, e

permite que os educadores e educadoras sociais possam apresentar e debater

temas como o da violência, criminalidade, educação e trabalho; e valores,

como o do respeito, da solidariedade e da cooperação, estimulando os atores

da ação a refletir sobre a realidade na qual vivem e na qual desejam viver,

possibilitando, assim, que esses atores sociais possam melhor decidir que

futuro eles querem para suas vidas, e melhor definir o que precisa ser feito

para que eles e elas alcancem seus objetivos.

Ainda sobre a perspectiva adotada pela intervenção para o futebol, ao

possibilitar momentos de interação e interdependência entre as classes sociais,

ele permite que os atores com quem a ação dialoga possam interagir com

outras realidades, culturas e valores, o que acaba por fornecer um maior

número de opções para que essas crianças, adolescentes e jovens possam

melhor desenvolver a sua personalidade.

Do mesmo modo, as ideia, convicções, afetos, necessidades e traços de caráter produzem-se no indivíduo mediante a interação com os outros, como coisas que compõem seu “eu” mais pessoal e nas quais se expressa, justamente por essas razões, a rede de relações de que ele emergiu e na qual penetra. E dessa maneira esse eu, essa “essência” pessoal, forma-se no entrelaçamento continuo de necessidades, num

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desejo e realização constante, numa alternância de dar e receber (ELIAS; 1994b: 36, grifos do autor).

Neste sentido, o testemunho apresentado pela educanda Isa, que trata

das mudanças que as relações de interação e interdependência, possibilitadas

pelo futebol, estabelecidas entre indivíduos de realidades diferentes, em

ambientes diferentes, podem proporcionar na vida das pessoas, é exemplar

dos resultados que a intervenção do Formando o Amanhã, têm obtido com os

seus atores. Isa relata que sua entrada na intervenção representou:

Mais uma oportunidade, porque daí eu comecei a treinar no Sport8, daí eu fiz um teste para a categoria de base, aí passei, daí eu já comecei a jogar no campo profissional. [...] E isso mudou a minha vida, porque a gente não acredita que isso vá acontecer com a gente, mas quando a oportunidade bate na porta, né?! [...] Aí eu passeia a ver melhor as minhas amizades, ajudou a tirar eu do caminho errado que eu “tava”. [...] E o que fez isso foi as palavras dos professores todo dia, antes de começar o treino.

Deste fragmento, é possível inferir que a inclusão social que o futebol tem

possibilitado para os participantes da ação, garantindo a integração e o

respeito mútuo, tem estimulado a reflexão e a transformação no

comportamento dos sujeitos participantes da intervenção.

Por outro lado, o educando Robinho, relata em sua entrevista que o

futebol do Formando o Amanhã “sempre representou a oportunidade de

conhecer outros lugares, outras pessoas, porque os ‘professores’ sempre

levavam os educandos e educandas do Projeto para jogar em outros lugares”.

Robinho relata também que foi a partir das oportunidades abertas pela

intervenção que ele conseguiu uma oportunidade na equipe Sub-16 de futebol

de salão do Sport Club do Recife, local onde foi realizada a entrevista no dia 19

de junho de 2015, e que essa oportunidade mudou completamente a sua vida.

Este depoimento de Robinho, somado as observações realizadas in loco

como parte desta pesquisa, chama a atenção para a preocupação que os

educadores e educadoras sociais da intervenção têm em possibilitar trocas de

8 Sport Club do Recife, time de futebol profissional da capital pernambucana, fundado em 1905, maior

campeão, com 40 títulos, do Campeonato Pernambucano de Futebol.

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experiências para seus educandos e educandas, levando-os para jogarem em

outros bairros da cidade do Recife, como em outras cidades da Região

Metropolitana do Recife.

Durante o período de aproximação e estudo para realização deste

trabalho, tivemos muitas conversas com os educadores e educadoras sociais

do Formando o Amanhã e podemos perceber que uma preocupação que

estava muito presente nos testemunhos desses atores era a de mostrar para

os sujeitos da ação que existiam outras realidades, tanto melhores quanto

piores que eles e elas, educandos e educandas da intervenção, viviam. E que

caberiam a eles e elas decidir e trabalhar para conquistar a vida que eles e elas

escolhessem.

No que se refere a realização de intercâmbio entre indivíduos de

localidades diferentes mas de realidades sociais semelhantes, e mesmo bem

diferentes, que, conforme entendemos, é também uma forma de inclusão

social, as atividades esportiva, em particular o futebol, para a realidade

brasileira, se constitui como um meio bastante eficaz, efetivo e eficiente.

Todos que já jogaram em equipes de futebol de bairro, em times de

várzea, e mesmo os familiares desses atletas amadores, sabem que quando

partidas amistosos entre times de bairros, ou mesmo de cidades diferentes são

marcados, via de regra, as equipes visitantes são convidadas a participar de

uma recepção oferecida pela “equipe da casa”, que ocorre em clima festivo,

permitindo uma interação mais descontraída entre os participantes do evento, e

que possibilita a troca de conhecimentos sobre as condições de vida de cada

configuração e experiências de enfrentamento e superação desenvolvida em

cada localidade.

A esse respeito, a educadora social Janaína relata que pode aprender

muitas coisas com o futebol e com o intercâmbio social que ele possibilita. Com

suas palavras:

Na minha vida, ensinou muito, porque eu sei de muitas coisas

que eu aprendi lá mesmo [no Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã] e em muitos cantos que eu ia com meu

filho. Porque meu filho, antes de ser preso, também foi jogador,

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mas ele não seguiu a carreira, está entendendo?! Eu viajava

com ele pra jogo, tudinho. E eu gosto de futebol!

Como é possível perceber, para Janaína, como para milhares e milhares

de crianças e jovens espalhados por todo o território brasileiro, o futebol se

apresenta como uma possibilidade de inclusão no mercado de trabalho, e se

apresenta como uma carreira profissional que permite uma vida de luxo e fama

para os bem sucedidos que, desta forma, conseguiriam não só sua inclusão

profissional, como também uma ascensão social.

Quando o educando Adilson fala da inclusão no mercado de trabalho que

o futebol possibilita e da ascensão social através desta profissão, ele deixa

transparecer o viés social que a intervenção vem dando na sua formação

enquanto cidadão. Adilson ao falar dos motivos que o levaram a participar da

ação revela:

Todo mundo que entrou no Projeto, acho que queria ser jogador, queria dar um futuro melhor pra sua família, pra sua mãe, pro seu pai. Não esquecer da raiz, né?!, todo mundo tem a raiz. Tem pessoas que esquecem da comunidade. Se se foi jogador, crescer na vida, esquece da comunidade para morar, assim, em Boa Viagem. Não! A pessoa tinha que morar na comunidade, tentar ajudar ela de alguma forma. Têm pessoas que saem da comunidade e nem, nem. ‘Moram aonde? Sempre morou aonde?’ – ‘Sempre morei em Boa Viagem, Beira Mar!’ Não! Sempre a pessoa tem que lembrar da comunidade, da nossa raiz, de onde a gente nasceu. Não é porque a gente cresceu que a gente vai esquece das nossas raízes.

Então, por compreender que muitas crianças, adolescentes e jovens,

juntamente com seus amigos e familiares gostariam de ser ou ter um jogador

profissional em seus ciclos de relações, os educadores e educadoras do

Formando o Amanhã desenvolvem ações que visam encaminhar seus

educandos e educandas aos clubes de futebol profissionais e já conseguiram

inserir atletas nos três principais clubes de futebol da capital pernambucana:

Sport Clube do Recife, Santa Cruz Futebol Clube e o Clube Náutico

Capibaribe. Mas sempre voltando o maior das atenções para a formação social

e cidadã de seus educandos e educandas.

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Neste sentido, através do trabalho de pesquisa realizado, é possível

constatar que a inclusão social que o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã vem promovendo para os atores sociais do bairro dos Coelhos que

participam da ação, e para o próprio bairro, é a que possibilita aos sujeitos da

ação refletir sobre a própria realidade, travar conhecimento com outras

experiências de vida, elaborar estratégias de enfretamento e superação das

dificuldades que a sua condição de vida e as condições de vida do seu bairro

lhes impõem e projetar cenários diferentes, os quais suas ações podem

concretizar.

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3.3. As regras do jogo e as regras da vida em sociedade

Os agrupamentos humanos, deste as tribos mais simples até as

sociedades mais especializadas do nosso tempo, criaram regras para dirigir e

ordenar o seu desenvolvimento e a convivência em sociedade. Essas regras

perpassam todos as dimensões da vida dos indivíduos humanos, sejam elas no

campo público ou privado. Essas regras, que cada sociedade desenvolve,

estão sendo permanentemente transformadas e substituídas. Assim, “hábitos,

costumes e regras de condutas se acham em estado de fluidez” (ELIAS;

1994a: 93), num processo social e histórico, e precisam ser apropriadas por

todos e todas que desejam e precisam adentrar na vida comunitária de

qualquer agrupamento.

Seja para ser aceito em pequenos coletivos como as ligas de dominó,

grupos de mães, ou grupos de jovens das igreja existentes nas comunidades

periféricas, ou mesmo em grandes instituições como empresas e governos, os

sujeitos precisam conhecer e adequar-se as regras e padrões de

comportamento do grupo do qual desejam ser aceitos.

Assim como nos exemplos citados acima, para ser aceito enquanto

educando ou educanda do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, como

um membro da comunidade dos Coelhos, ou mesmo um indivíduo socialmente

aceito, todos os sujeitos precisam adequar seu comportamento aos moldes dos

comportamentos prescritos por cada um desses agrupamentos.

Contudo, o processo necessário de apropriação das regras de conduta

dos agrupamentos humanos demanda, a depender do tipo de sociedade, longo

período de tempo, e para se consolidar precisam submeter os instintos e os

impulsos mais primários dos sujeitos membros dessa dada sociedade.

Nos indivíduos humanos, a apropriação das regras de conduta

demandada pela sociedade na qual eles estão inseridos são introjetadas das

formas mais diversas possíveis e intentam moldá-lo para a vida em sociedade.

“Em geral, aprende-se através de experiências amargas” (ELIAS; 1994b: 138).

Por isso, e por ser a apropriação dessas regras indispensável para a

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manutenção e coesão da vida em sociedade, vários métodos são

desenvolvidos e utilizados cotidianamente.

Dentro das possibilidades de métodos utilizáveis para a apropriação das

regras de conduta social, o esporte, mais especificamente o futebol, tem se

mostrado uma possibilidade eficaz e que suaviza o processo de introjeção nos

indivíduos que são submetidos a este método, conforme demonstra a

experiência do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, o qual será

demonstrado aqui.

Nos tópicos anteriores desta Seção, foi demonstrado que o futebol

mobiliza e envolve muitos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos num

processo que pode possibilitar a transformação dos indivíduos e do próprio

bairro.

Contudo, o papel mobilizador que o futebol exerce na realidade do bairro

dos Coelhos e a possibilidade de inclusão social que ele pode viabilizar para os

participantes do Formando o Amanhã não esgota as funções deste esporte.

Para os educadores e educadoras sociais da intervenção, o futebol auxilia

também na assimilação e adaptação dos sujeitos da ação às regras e limites

que são comuns e estabelecidos em todas as sociedades, sejam eles simples

ou complexas.

Para ser considerado educanda ou educando da intervenção, apesar dos

atores da pesquisa informarem que a inserção ocorrera sem muitas dificuldade,

porque os educadores e educadoras sociais recebem a todos e todas que

desejasse participar de braços abertos, nas observações feitas para a

realização desta pesquisa nas atividades do Projeto Sócio Esportivo Formando

o Amanhã, foi possível constatar a imposição do respeitar a algumas regras

muito básicas, tais como: manter um relacionamento de respeito e obediência

em casa com os pais, responsáveis e ou parentes mais velhos; ter a frequência

escolar regular, com um bom aproveitamento nos estudos; e não faltar com o

respeito aos educadores e educadoras sociais da ação.

Assim como o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã estabelece

regras para quem deseja participar das suas atividades, o bairro dos Coelhos

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também estabelece padrões de comportamentos e regras socialmente

construídas que modela os comportamentos dos seus moradoras e moradores.

Um exemplo bastante significativo da modelagem que a configuração do bairro

dos Coelhos exerce sobre os indivíduos está no fato de que para conseguir

viver com um relativo grau de tranquilidade, as moradoras e moradores do

bairro tiveram que desenvolver um comportamento que contemplasse a

aceitação e tolerância com a violência, a criminalidade e o tráfico de drogas

que, mesmo sendo praticado por uma pequena parcela dos habitantes daquela

localidade, exerce uma influência relevante na forma com os moradores e

moradoras daquele bairro veem e são vistos pela sociedade.

Não obstante, a sociedade recifense, como todas que vivem sob os

padrões de produção e consumo capitalista, criam estruturas sociais

verticalizadas que estabelecem regras sociais e padrões de comportamentos

que determinam as exigências que os indivíduos têm que cumprir para ocupar

um determinado espaço e posição nesta estrutura social.

E é, dentro deste contexto que a intervenção do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã se apropria do futebol para, através das regras deste

esporte, poder demonstrar a seus educandos e educandas a importância das

regras para o desenvolvimento dos indivíduos na vida em sociedade.

Quando o educador social Lukas fala dos ensinamentos que o futebol

possibilita, ele foca principalmente no respeito às regras de conduta que as

sociedades humanas demandam dos seus indivíduos, conforme ele narra:

O futebol ensina a ter limites, a respeitar o próximo. Que hoje as crianças não têm limites. Hoje nós temos as regras do futebol e podemos fazer analogia com a nossa vida, com a nossa realidade, e esse é o ponto principal de utilizar o futebol [...]

Este fragmento demonstra que para Lukas, o futebol, com suas regras,

ajuda os seus praticantes a entender e absolver as regras sociais e,

principalmente uma das regras fundamentais do cotidiano das sociedades do

nosso atual estágio civilizacional: a observância aos limites sociais.

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Quando os indivíduos em sociedade desenvolvem os padrões de

comportamento, eles estão prescrevendo os limites nos quais cada sujeito

pode ir para ser aceito pelo grupo. Os limites sociais procuram estabelecer

como os indivíduos devem se portar em sociedade e, via de regra, vão de

encontro aos instintos e impulsos “naturais” dos indivíduos, o que tende a criar

uma separação entre as necessidades instintivas dos indivíduos e os padrões

estabelecidos pela sociedade, gerando assim uma relação conflituosa entre

indivíduo e sociedade, acarretando desequilíbrios entre os indivíduos e os

padrões de comportamentos estabelecidos socialmente, os quais os processos

educativos precisam considerar para aproveitar os pontos de conflitos e

transformá-los em força transformadora.

É preciso ter a capacidade de fazer uma leitura crítica do mundo que nos rodeia, no plano local, para entender as contradições globais, para conviver com as fragmentações e os antagonismos de uma sociedade que faz dos conflitos a sua base de sustentação, para compreender as novas concepções do processo cultural civilizatório em marcha na globalização (GOHN; 2010: 41).

Contudo, e por imprescindível à manutenção da vida em sociedade, as

regras sociais precisam ser assimiladas pelos indivíduos, que não se

submetem de forma pacífica.

Quando os educadores e educadoras sociais do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã fazem uma analogia com o futebol, que para acontecer

de forma satisfatória e que venha possibilitar prazer e bem estar aos seus

praticantes e admiradores precisa: ter um espaço delimitado, os limites de

jogadores estabelecidos, suas regras e limitações respeitadas, e os padrões de

comportamento do jogo respeitados, eles aproveitam para refletir junto com os

atores da ação que também em sociedade as regras sociais precisam ser

respeitas para que a sociedade também venha a ser bem sucedida. O que não

implica dizer que os indivíduos não possam atuar no sentido de modificar estas

regras sociais de condutas, mas que eles e elas precisam ser aceitos

socialmente para poderem promover as mudanças que julgarem necessárias,

se assim desejarem.

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Os educadores e educadoras precisam saber, conforme adverte Paulo

Freire, que as regras e a estrutura social condicionam os sujeitos, modelando-

os para atender as necessidades exigidas para a manutenção da estrutura

social vigente, mas que, por outro lado, estão permanentemente sendo

modificadas através da ação dos sujeitos. Conforme ressalta o autor quando

trata da peculiaridade do ser humano:

Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Está é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado (FREIRE; 1996: 53).

O processo que consiste no reconhecimento da importância das regras

sociais e da necessidade da apropriação dos padrões de condutas e

comportamentos socialmente exigidos têm alcançado êxito na abordagem

realizada pelo Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã devido ao fato de

que o futebol permite atuar em dimensões da personalidade dos indivíduos

que, via de regra, são negligenciadas no processo de preparação dos

indivíduos para a inserção na vida adulta produtiva. Conforme indica o

educador social Lukas quando descreve quais a dimensões do sujeito são

trabalhadas através do futebol para amenizar os conflitos existentes no

processo civilizador:

Outros aspectos também, como eu falei: o sócio afetivo, o cognitivo. Então, isso só faz contribuir ainda mais no desenvolvimento das crianças, né?! E na educação também, no respeito mútuo, no ter limites. Que, infelizmente, os pais hoje são ausentes demais. E o que é que eles fazem? Eles tentam dar tudo que os filhos pedem. E isso prejudica na criação de seus próprios filhos, né?!

Do relato acima, é possível inferir que, para os educadores e educadoras

sociais do Formando o Amanhã, “educar é substantivamente formar” (FREIRE;

1996: 33), ou seja, dar forma, preparar os indivíduos para participar da vida em

sociedade, capacitando-os para contribuir tanto com a manutenção quanto com

a transformação da estrutura social. No entanto, no processo de introjeção das

regras e limites, é preciso valorizar os aspectos afetivos e cognitivos dos

sujeitos, sendo nesse sentido o futebol uma ferramenta eficiente e efetiva.

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A afirmativa acima pode ser comprovada através do depoimento do

educando Adilson, quando relada que a vontade que ele tinha de se

desenvolver no futebol, o respeito que ele adquiriu pelos educadores e

educadoras sociais da ação e os momentos de prazer que o futebol

proporcionava em sua vida, foram peças fundamentais para que ele

reavaliasse e modificasse seus hábitos, aceitasse e assimilasse as regras e os

limites para participar da ação. Adilson narra que:

Assim! Eu só vivia na rua brincando, maloqueirando. Aí, depois, eu passei a vir pros treinos. Aí eu comecei a me interessar mais. Parei de estar mais na rua, os professores mandavam a gente dormir cedo, que faz bem. Eu sempre dormia tarde assistindo [a programação das emissoras de TV aberta]. Os professores mandava, pediam, pra gente dormir cedo, se alimentar bem. Eu só comia umas três vez no dia, hoje eu como um bocado de vez, porque se alimentar bem faz parte pra ficar bem de perna. Porque, assim, quando a gente vinha pro treino, dez minutinhos, a gente já cansava. Hoje em dia, não. A gente aguenta uma hora, duas horas [de treino] (Grifos nosso).

Como vimos, o depoimento de Adilson narra um conjunto de instintos e

afetos que precisam ser controlados para que o indivíduo consiga se

desenvolver dentro dos padrões socialmente impostos. Esse controle, muitas

vez, produz conflitos e angustias no indivíduo, os quais, se não bem

elaborados, podem resultar em desvios na conduta social e em traumas

irreparáveis.

Segundo Elias (1994b),

Ninguém sabe ao certo se e em que medida o padrão de controle dos instintos e dos afetos que prevalece em muitas sociedades nacionais, assumindo por vezes um perfil bastante peculiar, e as pesadas renuncias que ele frequentemente impõe aos indivíduos são realmente necessárias ao funcionamento adequado da rede, ou se seria igualmente eficaz um padrão diferente, menos devastador e menos repleto de conflitos (ELIAS; 1994b: 124-125).

Contudo, a partir do trabalho realizado por esta pesquisa, é possível

considerar que, através da utilização do futebol, a intervenção realizada junto

aos atores participantes do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, vem

conseguindo suavizar os conflitos existentes entre as pulsões interna dos

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indivíduos e as restrições socialmente impostas pela sociedade, contribuindo,

assim, na preparação dos indivíduos para a vida em sociedade, que demanda

o respeito e aceitação de muitas regras e limites. Regras e limites estes que,

mesmo sento respeitadas, nem sempre garante êxito nos projetos de vida dos

indivíduos, mas exige deles perseverança.

Neste sentido, o depoimento de Adilson sobre o papel dos educadores e

educadoras sociais da intervenção é bem significativo, quando este educando

afirma que: “Lukas ajudava a gente a não desanimar nada. A gente perdia um

jogo, Lukas, não, isso é só um contexto da vida: perder ou ganhar. A gente tem

é que batalhar pra ganhar novamente”.

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4. O indivíduo protagonista da história

“... O operário faz a coisa E a coisa faz o operário.” Operário em construção

Vinícius de Moraes

Partindo do que nos ensina Paulo Freire, sabemos que homens e

mulheres inventam a existência humana a partir dos materiais que a vida lhes

oferece, promovendo o suporte que os outros animais apenas contatam em

mundo (FREIRE; 1996: 50), mundo simbólico, com valores e significados.

É através do trabalho humano, submetido à linguagem, que o suporte é

promovido a mundo, que por sua vez direciona e é direcionado pelo processo

civilizador no qual toda a humanidade encontra-se inserida.

Com essas afirmações é possível constatar que homens e mulheres

possuem liberdade para construírem sua existência, porém, essa liberdade não

é absoluta, está sempre subordinada à estrutura social e à posição que o

indivíduo ocupa nesta mesma estrutura.

Justamente o que caracteriza o lugar do indivíduo em sua sociedade é que a natureza e a extensão da margem de decisão que lhe é acessível dependem da estrutura e da constelação histórica da sociedade em que ele vive e age. De nenhum tipo de sociedade essa margem estará completamente ausente. Até a função social do escravo deixa algum espaço, por estreito que seja, para as decisões dos indivíduos (ELIAS; 1994b: 49).

Essa condição de liberdade relativa a qual homens e mulheres estão

submetidos para construírem suas existências os inscrevem em um imbricado

jogo que envolve heternomia e autonomia, onde o ideal desejável é que os

indivíduos passem a ter uma atuação cada vez mais autônoma, onde, ainda

como nos diz Paulo Freire, “essa passagem ou caminhada da heteronomia

para a autonomia não é algo que ocorra com facilidade” (FREIRE; 1996: 70).

Contudo, no atual estágio do processo civilizador em que nossa

sociedade encontra-se, os indivíduos e agrupamentos humanos que se

estabelecem às margens do poder político e econômico têm os seus processos

de concepção de mundo e leitura da realidade regidos por uma ética

heteronômica, a qual procura manter a atual estrutura social e colocar os

indivíduos a serviço da sua perpetuação.

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É dentro deste contexto, buscando reduzir a influência da hetoronomia e

ampliar os espaços para uma atuação autônoma dos sujeitos participantes da

ação que as atividades do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã são

elaboradas.

O educador social Lukas relata que foi através da participação nas

atividades da intervenção que ele percebeu que poderia assumir

responsabilidades sobre a realidade do bairro dos Coelhos e desenvolver

ações que pudessem contribuir com a transformação da realidade.

Em seu relato, Lukas deixa transparecer que a partir do momento em que

buscava ter uma atuação mais protagonista dentro da realidade da sua

comunidade ele passou a sentir uma necessidade crescente de sair da sua

zona de conforto e procurar novos desafios e conhecimentos.

Eu levava uma vida normal, uma vida feito um cidadão mesmo. Não tinha a perspectiva, assim, de voltar a estudar, né?! Não tinha esse pensamento de querer se qualificar mais. Tinha uma preocupação relacionada às crianças e às amizades que infelizmente se envolvia [com a criminalidade] dentro da comunidade. E pensava no que poderia ser feito para melhorar ainda mais, tentar minimizar essas dificuldades. Mas eu vivia uma vida normal, tranquila, não tinha muitas dificuldades, não (Grifos nosso).

A partir deste fragmento do depoimento de Lukas é possível inferir que

uma atuação social com mais autônoma demanda o desenvolvimento de uma

leitura crítica do mundo, no qual o indivíduo encontra-se inserido e ou pretende

atuar; demanda a busca do desenvolvimento ou obtenção de novas

ferramentas apropriadas para a atuação na realidade que se deseja

transformar; e, principalmente, a intervenção prática nesta dada realidade, que,

através da ação humana, vão sendo criadas oportunidades de mudança.

Este trabalho de pesquisa procura demonstrar que é dentro da dinâmica

que envolve leituras de mundo, elaboração de intervenções e o trabalho

humano que novas perspectiva são abertas, possibilitando aos atores sociais

promoverem mudanças no interior da sociedade.

Em seu interior [as sociedades], constantemente se abre um espaço para as decisões individuais. Apresentam-se oportunidades que podem ser aproveitadas ou perdidas. Aparecem encruzilhadas em que as pessoas têm de fazer escolhas, e de suas escolhas, conforme sua posição social,

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pode depender seu destino pessoal imediato, ou de uma família inteira, ou ainda, em certas situações, de nações inteiras ou de grupos dentro delas (ELIAIS; 1994b; 48, grifos nosso).

São, porém, nesses espaços, nas fendas que se abrem nos padrões de

pensamento e comportamento das sociedades, que são apresentadas as

oportunidades de transformação das realidades, tanto dos indivíduos como das

estruturas sociais, que dependerá sempre das ações dos atores sociais.

Neste sentido, o educando Adilson afirma em sua entrevista que as

dificuldades vão sempre existir, independente da forma que a sociedade esteja

estruturada e da posição que o indivíduo ocupe na estrutura social, contudo, o

tamanho do obstáculo que as dificuldades impõem aos indivíduos para a

realização dos seus objetivos estará na proporção inversa da vontade e

disposição dos atores sociais.

Adilson defende que no bairro dos Coelhos é possível vencer na vida, se

tornar alguém na vida. O depoente é categórico quando afirma: “só é difícil se a

pessoa não quiser. Se a pessoa quiser. Querer. A pessoa consegue, e muda a

[forma como a comunidade é vista e o ponto de] vista da comunidade”.

Este educando prossegue dando exemplos de mudanças de atitudes que,

segundo seu depoimento revela, precisam ser realizadas para que os

indivíduos passem a ter uma participação protagonista na história. Adilson

ilustra que:

Eu era um menino que só queria brincar, só fazia brincar, na época. Eu só queria brincar brincadeira. Depois, eu comecei a ver as pessoas mais sérias, a levar as coisas às sérias, porque nem tudo é brincadeira. A pessoa tem que levar as coisas à séria também. Na escola, eu só fazia brincar, hoje em dia eu me interesso um pouco. E também aprendi a respeitar os mais velhos e os meus colegas que está comigo em campo.

Seguindo as indicações de Orlandi (2008), quando alerta sobre os

cuidados a serem adotados para a realização do exercício de interpretação que

busca encontrar as motivações contidas nos discursos objeto de análise, que

objetiva apresentar possíveis sentidos do discurso e gestos de interpretações.

A autora afirma que “Basta termos um ou dois elementos e ‘tentamos’ inferir

deles sua textualidade, seu sentido: procuramos construir um texto com eles,

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procuramos neles uma formulação” (ORLANDI; 2008: 17, grifos da autora). E

adverte:

As palavras – e os sentidos – estariam soltos. No entanto são administrados por relações de poder, por determinações históricas, por injunções institucionais. Na análise de discurso dizemos isso falando que há uma divisão social do trabalho de interpretação: mesmo que os sentidos (e as palavras) estejam soltos, os gestos de interpretação sempre se dão em posições ideológicas que podem ser analisadas e, assim, compreendidas, em seu funcionamento. Isso porque os sujeitos (se) significam a realidade social e natural em determinadas condições e a partir de um saber discursivo, uma memória que se faz pela filiação a uma rede de sentidos, historicamente determinados e politicamente significados (ORLANDI; 2008: 141-142, grifos da autora).

Neste contexto, é possível identificar no discurso de Adilson uma

autoestima e confiança em si mesmo elevadas, que o motiva a se colocar

como elemento principal e protagonista da história.

Em seu discurso, Adilson demonstra estar melhor identificado com as

ideias que defendem que homens e mulheres constroem a sua realidade

através do intervenção no mundo, que se materializa pela ação humana. “Quer

dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença

no mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE; 1996: 18).

Não obstante, em seu entusiasmo adolescente, Adilson revela pouco

conhecimento acerca dos fatores que atuam sobre os indivíduos e exercem

pressões na figuração e configurações da vida dos indivíduos em sociedade.

Em certo sentido, alcançar ou não êxito nos seus objetivos não está na

dependência exclusiva dos planos e ações dos sujeitos. “Nas atuais condições,

do ponto de vista do indivíduo interessado, um resultado ou outro é mais uma

questão de boa ou má sorte do que de qualquer planejamento” (ELIAS; 1993:

204).

Neste sentido, Elias afirma que, se considerado isoladamente, os

indivíduos precisam empreender grandes esforços e sacrifícios, os quais,

mesmo executados com presteza, não garante que os intentos serão

alcançados. Para o autor:

A oportunidade que os indivíduos têm de buscar sozinhos a realização dos anseios pessoais, predominantemente com

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base em suas próprias decisões, envolve um tipo especial de risco. Exige não apenas considerável volume de persistência e visão, mas requer também, constantemente, que o indivíduo deixe de lado as chances momentâneas de felicidade que se apresentam em favor de metas a longo prazo que prometam uma satisfação mais duradoura, ou que ele as sobreponha aos impulsos a curto prazo (ELIAS; 1994b: 109).

Aqui, cabe considerar que, tanto para a compreensão quanto para a

intervenção na realidade social, o indivíduo precisa observar a relação

dinâmica de interdependência e influências recíprocas que os anseios e

necessidades do indivíduo, por um lado, e, por outro lado, as pressões e

condições sociais exercem sobre o sujeito.

Ao nos falar sobre como proceder para obter uma melhor compreensão

dos processos sociais, Elias afirma que: Quando pesquisamos processos

sociais, temos que examinar a rede de relacionamentos humanos, a própria

sociedade, a fim de identificar as compulsões que as conservam em

movimento e lhes conferem forma e direção particular (ELIAS; 1993: 37-38).

Por outro lado, ao tratar da posição privilegiada que os seres humanos

ocupam, que lhes permitem dar existência ao mundo, Paulo Freire revela que:

Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção da minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo (FREIRE; 1996: 53).

Essas informações e reflexões apresentadas acima corroboram com as

observações feitas durante a realização deste trabalho de pesquisa, quando

das visitas de campo às atividades do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, as quais indicam que a intervenção também atua na perspectiva de

promover os seus atores a uma atuação protagonista na construção das suas

trajetórias de vida.

Para alcançar esse objetivo, o Formando o Amanhã realiza suas

atividades, prioritariamente, em duas frentes de atuação, as quais consistem

em colocar os sujeitos participantes da intervenção no centro das ações e

decisões que influenciarão no seu futuro, e trabalhar a autoestima desses

sujeitos, levando, eles e elas, a constatarem que, caso desejem, podem

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construir uma realidade diferente da que eles e elas convivem no bairro. Ou,

como revelou o educador social Lukas em uma das nossas muitas conversas:

“mostrar para essas crianças que não é porque elas nasceram num bairro

pobre e carente que elas têm que se envolver com a criminalidade, a violência

e com o tráfico de drogas”.

Um exemplo ilustrativo do que está sendo afirmado aqui pode ser

encontrado na observação que foi feita na visita de campo do dia 07/02/2015,

quando os educadores e educadoras sociais do Formando o Amanhã reúnem

todos os participantes da ação para uma conversa sobre temas relacionados

às atividades esportivas e ou à realidade do bairro dos Coelhos, conversa essa

que sempre ocorre no início das atividades da intervenção.

Nesse dia, o educador social Lukas pergunta aos educandos e

educandas presentes na atividade se alguém saberia dizer quem inventou o

futebol ou quem trouxe o futebol para o Brasil. Entre gracejos e respostas

descompromissadas dos educandos e educandas, tais como: “Quem inventou

o futebol foi o Brasil!” e “Quem trouxe o futebol para o Brasil foi Pelé!”.

Essas respostas, que revelam o compreensão de mundo dos educandos

e educandas, eram trabalhadas com atenção, respeito e consideração por

parte dos educadores e educadoras sociais do Formando o Amanhã, dentro do

mesmo espírito descontraído que as respostas eram apresentadas: “O Brasil

tem os melhores jogadores de futebol do mundo, mas não inventou o futebol.

Quem inventou o futebol foram os ingleses. Vocês sabem onde vivem os

ingleses?” Pergunta uma educadora social do Formando o Amanhã. Outro

educador social comenta que “Edson Arantes do Nascimento, conhecido

popularmente como Pelé, é brasileiro e foi, e é o maior jogador de todos os

tempos, mas não foi ele quem trouxe o futebol para o Brasil!”

Nesse momento, em uma conversa informal, o educador social Lukas

revela: “a gente tem que fazer o aluno pensar, ter autonomia!”

A conversa com os educandos e educandas prossegue por mais uns

quinze ou vinte minutos, ao termino dos quais Lukas toma a palavra e relata:

“quem trouxe o futebol para o Brasil foram os operários e os filhos dos

operários ingleses que vieram trabalhar no Brasil, na segunda metade do

século XIX!”, afirma Lukas.

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Com essa afirmação sobre a chegada do futebol no Brasil, o educador

social Lukas desloca do centro da origem do futebol em nossas terras, segundo

nos conta as versões oficiais e o senso comum, a elite paulistana, e coloca

como responsáveis pela origem do futebol brasileiro operários e filhos de

operários, gente humilde, pertencente a classe trabalhadora, assim como as

educandas e educandos participantes do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã.

Desta forma, os educadores e educadoras sociais da intervenção

mostram aos sujeitos da ação exemplos concretos da contribuição que as

classes mais humildes podem dar a sociedade, afirmando para todos e todas

que eles também podem dar grandes contribuições a sociedade e são capazes

de transformar as suas realidades.

Lukas prossegue sua intervenção no grupo informando que, “ao contrário

do que muita gente fala e acredita, não foi o estudante, filho da elite paulista,

Charles Miller quem trouxe o futebol da Inglaterra, onde tinha ido para estudar

e lá tomou contato com o futebol, para o Brasil.” Lukas conta aos jovens

moradores e moradoras do bairro dos Coelhos que:

Quando em 1894, Charles Miller volta da Inglaterra trazendo em sua bagagem uma bola de futebol, dois conjuntos de uniformes e um livro de regras do futebol, ele já encontrou muitos operários e filhos de operários praticando o esporte nos campos de várzea das periferias de São Paulo.

Esse educador social explica a seus interlocutores que “Charles Miller

teve um papel muito importante na promoção e divulgação do futebol

brasileiro”, contudo, afirma que “quem foram os primeiros praticantes do futebol

no Brasil foram os operários e filhos de operários ingleses que vieram trabalhar

em nosso país na segunda metade do século XIX.”

Ao transcrever essa experiência vivenciada por mim, no dia 07/02/2015,

dentro das atividades realizadas pelo Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, procuramos dar exemplo de como essa intervenção procura estimular

a participação protagonista dos seus educandos e educandas e busca

promover a autoestima de todos e todas.

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4.1. Os fenômenos da exclusão social e a atuação protagonista

A todo momento, os indivíduos estão desenvolvendo o seu modo de ser e

estar na vida e em sociedade e, da mesma forma, os padrões de

comportamento socialmente exigidos vão sendo estabelecidos num processo

social e histórico.

As forças que atuam sobre os indivíduos e as sociedades condicionando

os seus padrões de comportamento são característicos tanto da constituição

biológica dos indivíduos humano, quando da estrutura social na qual estão

inseridos e das características físicas do espaço no qual os indivíduos incidem,

bem como das relações que se estabelecem entre esses fatores.

É nas relações estabelecidas entre esses fatores que o processo

civilizador se materializa, produzido fenômenos sociais que condicionam o

desenvolvimento humano, mas que, em poucos casos, temos a consciência e o

controle de como eles se processam e atuam sobre nós.

Para Norbert Elias, a compreensão desses processos é fundamental para

que o sujeito possa ter uma atuação mais protagonista no sentido da

construção mais consciente dos seus padrões de comportamento.

É possível que, com uma compreensão mais clara deles, possamos, algum dia, tornar acessíveis a um controle mais consciente esses processos que hoje ocorrem em nós e em nossa volta de forma não muito diferente dos fenômenos naturais, processos que enfrentamos da mesma maneira que o homem medieval enfrentava as forças da natureza (ELIAS; 1994a: 19).

Partindo desta compreensão, torna-se indispensável para os sujeitos que

eles e elas adquiram e desenvolvam a capacidade de identificar os fenômenos

geradores da sua condição social e, quando se é econômica e socialmente

excluídos, como é o caso dos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos,

passem a atuar na perspectiva de realizar o enfrentamento e promover a

superação desses fenômenos.

Neste sentido, esta pesquisa busca registrar e analisar quais os

fenômenos sociais que os participantes do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, atores da pesquisa, identificam como responsáveis pela sua condição

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de exclusão social e como eles e elas atuam na perspectiva de realizar o

enfrentamento e promover a superação desta situação.

Neste tópico, retomaremos ao debate realizada na subseção 1.2 A

sociedade nas vozes dos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos,

onde foi abordado a questão da discriminação social da qual o bairro dos

Coelhos é vítima e a pouca participação na localidade do poder público como

indutor do desenvolvimento social e humano. Contudo, aqui a ênfase maior

será dada aos fenômenos do cotidiano, os quais os moradores e moradoras da

localidade identificam como os característicos, geradores e responsáveis pela

condição de exclusão.

Segundo a educadora social Janaína, os principais fatores que geram e

mantém a situação de exclusão social do bairro dos Coelhos é a ausência de

mais projetos sociais e “a falta de respeito das pessoas umas com as outras,

que as pessoas não têm aqui”. Contudo, a depoente relata que “faltam coisas

bobas aqui para melhorar mais”, e dá alguns exemplos:

Por exemplo: aqui tem um poste, mas não tem a iluminação; tem lá o campo, mas foi Tio Lukas que lutou para colocarem aquelas grades que não tinha; e muitas coisas que a gente vê e eles [o poder público] não cumprem, só fazem promessas, mas não cumprem. Mais melhoras era o quê? Energia nos postes para clarear mais as praças. Onde a gente passa, tem canto que tem luz, tem outros que não têm. É isso que eu acho.

Quando Janaína faz referência ao problema do iluminação pública do

bairro dos Coelhos, ela está denunciando que os locais com ausência ou pouca

iluminação servem de abrigo para a prática de crimes como tráfico de drogas,

roubos, estupros e homicídios. Acrescente-se a isso o fato de que lugares

públicos com pouca ou nenhuma iluminação passam a sensação de

insegurança, descaso e abandono.

Não se pode perder de vista que a organização e limpeza dos espaços

onde os indivíduos são levados a estudar, trabalhar ou mesmo viver, compõem

e influencia a forma como esses indivíduos vão se comportar, influenciando até

mesmo no nível de motivação que os sujeitos desenvolvem para promover

ações que visem qualificar o próprio espaço.

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Paulo Freire defende que “Há uma pedagogicidade indiscutível na

materialidade do espaço” (FREIRE; 1996: 45), o que implica dizer que o grau

de cuidado, organização e limpeza dos espaços podem influenciar, tanto

positiva quanto negativamente, na disposição dos sujeitos de promoverem ou

atuarem em ações de manutenção ou melhoria desses espaços, o que termina

por intervir até mesmo na forma como esses atores colocam-se diante dos

desafios do cotidiano.

Por outro lado, quando Janaína faz referência ao processo de lutas que

os atores do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã empreenderam junto

ao poder público para que o Campinho dos Coelhos fosse cercado por grades,

é porque ela sabe dos danos materiais que as bolas que são chutadas pelos

que jogam futebol no Campinho, e que frequentemente atingem as casas que

estão situadas ao seu redor, causam aos moradores e moradoras habitantes

dessas residências. Contudo, os danos materiais não são as piores

consequências que os incidentes com as bolas dos jogos de futebol no

Campinho trazem aos que residem nas proximidades. Muitas vezes, esses

incidentes geram discursos e conflitos, que resultam em brigas violentas. Por

isso, tratando deste tema, Janaína demonstrar ter compreensão dos conflitos

que uma simples partida de futebol pode ocasionar em uma comunidade

periférica.

Não obstante, Janaína não fica só na enumeração dos fenômenos da

exclusão social, ela revela entender que dar sua contribuição nas atividades da

intervenção contribui com o enfretamento dos fenômenos causadores e

resultantes da realidade social da sua localidade. E relata que sua participação

nas ações que visam melhorar a realidade do bairro dos Coelhos extrapolam a

participação nas atividade do Formando o Amanhã. Ela afirma que: “O que eu

posso fazer é ajudar, ajudar a melhorar. Que chega a pessoa aqui, por

exemplo, [e diz]: – Vea, pode ajudar a gente que está precisando de um

dinheiro, uma coopera, para comprar uma lâmpada, comprar um cano, certo?!

Aí ajudaria”.

Ainda assim, a atuação protagonista da educadora social Janaína não fica

circunscrita a uma atuação direta e material sobre os fenômenos resultantes da

exclusão, ela também demonstra ter uma atuação proativa e organizativa, que

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visa enfrentar alguns dos fenômenos que, na opinião dela, são os geradores da

situação de exclusão social do bairro.

Janaína conta que o que ela pode fazer é “Ajudar com as pessoas

também, né?! Fazer reunião com a assistente social daqui, com o presidente

do bairro. Que esse negócio [de fazer reunião] ainda não teve, do presidente

do bairro se reunir, fazer uma reunião com as pessoas sobre os filhos da gente,

educação. Só faz promessa, mas não teve [reuniões]”.

Com esse depoimento, Janaína chama a atenção para a importância da

organização social que os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos

precisam desenvolver para poder realizar o enfrentamento dos problemas

sociais do bairro.

Na opinião de um outro depoente, o educando Robinho, uma das causa e

efeito da situação de exclusão social mais sentida por ele é a falta de

oportunidade, “as pessoas acham que só por que é dos Coelhos, não vai sair

nada que preste”, então as pessoas que vivem no bairro têm poucas

oportunidades.

Ele relata que a sua estratégia de enfretamento desta situação é ter maior

atenção e dedicação aos estudos e participar do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã: “Foi lá que eu encontrei uma oportunidade de fazer o

que eu gosto e quero fazer, que é jogar bola. E hoje eu estou aqui, jogando no

Sport [Club do Recife]”.

Em seu depoimento, Robinho destaca como algo significativo da situação

de exclusão social a questão da falta de oportunidades e afirma que, por isso,

“é importante que as pessoas participem do Projeto Formando o Amanhã,

porque o ‘Projeto’ é a solução para muitas coisas do bairro”. Ele afirma que

chama os seus amigos e amigas para participar da intervenção, como forma de

enfrentamento da situação de exclusão, “porque o ‘Projeto’ é a oportunidade

para muitas coisas que faltam no bairro”.

Seguindo o depoimento de Robinho, é possível perceber que até as

oportunidades de lazer são poucas no bairro dos Coelhos e que é este

exemplo que ele utiliza para empreender a sua atuação protagonista no que diz

respeito ao enfrentamento do fenômeno da exclusão. Robinho explica que sua

atuação consiste em mobilizar os amigos e amigas para participar da

intervenção.

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Ele narra que quando está mostrando aos amigos a importância de

participar das atividades do Formando o Amanhã, ele ressalta o que a

intervenção tem conseguido para o bairro, e conta como realiza a mobilização.

Ele conta que chega e fala:

Olha, o lazer não é importante aqui no bairro? Agora mesmo construíram uma praça novinha aqui, mas que só está servindo para o tráfico e o consumo de drogas. Lá no Campinho, o Formando o Amanhã conseguiu recuperar o Campinho, que representa a oportunidade de lazer para 50% dos moradores do bairro. Então?! Vamos lá participar?!

O depoimento de Robinho, testemunha que o nível de envolvimento deste

educando com o Formando o Amanhã vai além da participação nas atividades

esportivas, Robinho está comprometido e engajando em ampliar o acesso dos

moradores e moradoras do bairro dos Coelhos à oportunidades que possam

possibilitar melhorias na qualidade de vida desses mesmos moradores e

moradoras. Uma vez que, para Robinho, o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã representa estas oportunidades.

Robinho, ao narrar como ele vem exercitando o seu protagonismo frente

ao fator da exclusão social que ele considera mais significativo dentro da

realidade do bairro dos Coelhos, revela também que o Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã, vem, dentro do seu programa de uma educação não

formal, conseguindo fazer com que os atores da intervenção exercitem a

capacidade de realizar diagnósticos dos problemas sociais e proponham e

pratiquem soluções, materializando o que para Gohn é uma das metas da

educação não formal. Segundo a autora:

A transmissão de informações e formação política e sociocultural é uma meta na educação não formal. Ela prepara formando e produzindo saberes nos cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, ao individualismo, etc. (GOHN; 2010:19).

Já a educanda Isa, quando reflete sobre os fenômenos responsáveis pela

configuração do bairro dos Coelhos, atribui a responsabilidade aos próprios

moradores e moradoras da localidade, revelando que, na perspectiva desta

depoente, o fator humano, o sujeito, tem mais proeminência do que as

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limitações impostas pela infraestrutura do bairro, ou mesmo a falta de

oportunidades que a sociedade impõe para quem é residente naquele bairro.

Isa aponta sua crítica em direção à dimensão humana, uma vez que,

como nos diz Elias, [...] a história não é, obviamente, um sistema de alavancas

mecânicas inanimadas e automatismos de ferro e aço, e sim sistema de

pressões exercidas por pessoas vivas sobre pessoas vivas (ELIAS; 1994b: 47).

A depoente testemunha que o fator que contribui para a manutenção da

situação de exclusão social do bairro é a própria comunidade, ela afirma: “Só a

própria comunidade mesmo. Tem algumas coisas erradas que acontece, a

gente, às vezes, não pode ficar na rua pra não ser ferido, de repente, tarde da

noite. Não tem mais a moradia que era antes, a tranquilidade que era antes,

não tem mais”.

Contudo, ao atribuir aos indivíduos papel preponderante na construção da

realidade social, é preciso levar em consideração que “A história possui sua

própria continuidade: conscientemente ou não, os que chegam mais tarde

começam com o que já existe e o desenvolvem mais” (ELIAS; 1993: 80), para

que não caiamos no erro de pensar que apenas os sujeitos e seu agrupamento

humano atuam no processo de constituição da realidade.

Não obstante, a pesquisa revelou que “quanto mais as massas populares

desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual eles devem incidir

sua ação transformadora, tanto mais se ‘inserem’ nela criticamente” (FREIRE;

2011: 54, grifo do autor).

No bairro dos Coelhos, também atua no sentido da manutenção e

aprofundamento da situação de vulnerabilidade e de exclusão social, o

fenômeno da “falta de emprego, da falta de ocupação”, que, segundo o

depoimento do educador social Lukas, “vai fazer com que as pessoas se

tornem ociosas. E a gente sabe que quando não têm o que fazer, infelizmente,

as pessoas vão se envolver com coisas erradas”.

Lukas explica que sua ação protagonista no sentido de realizar o

enfrentamento dos fenômenos causadores da situação de vulnerabilidade e

exclusão social presente no bairro dos Coelhos está direcionada, também, para

o combate à ociosidade. Este depoente relata que quando está desenvolvendo

ou participando das atividades do Formando o Amanhã tem como uma de suas

preocupações a elaboração e realização de atividades que motivem os atores

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da ação a não só participarem das atividades, mas também a pensarem sobre

as suas condições de vida e no que eles e elas podem fazer para melhorá-las.

Assim, afirma Lukas, “conseguido realizar atividades que alcancem esses

objetivos, as atividades do Formando o Amanhã estarão preenchendo não só o

tempo ocioso das crianças quando elas estão participando da escolinha, mas,

também, quando elas estiverem nas suas casas, sem ter o que fazer”.

Nesta subseção, ao registrarmos e refletirmos sobre as narrativas que

tratam dos fatores responsáveis pelo fenômeno da exclusão social, segundo a

perspectiva de quatro dos atores participantes deste trabalho, e de como eles e

elas procuram atuar de forma protagonista no sentido de promover o

enfrentamento destes fatores, pretendemos contribuir com a compreensão de

que cada ator social representa a realidade de forma singular, identifica suas

causas e consequências e se colocam e se movimentam para realizarem o

enfrentamento conforme são atingidos por essa realidade.

Desta forma, reconhecer como os atores identificam os fenômenos

responsáveis pela configuração do seu bairro e como eles e elas são

motivados para atuarem de forma protagonista, torna-se indispensável para

qualquer proposta educativa, principalmente, para qualquer projeto educacional

que tenha entre seus objetivos o empoderamento, por parte de seus atores,

para a inserção proativa na vida em sociedade.

Por fim, salientamos que os quatro depoentes foram selecionados por

apresentarem registros dos temas mais evidenciados nos depoimentos de

todos e todas depoentes.

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4.2. O indivíduo e a construção protagonista da sua história

Como apresentado no tópico anterior, existe presente nas sociedades

humanas vários fatores que atuam no sentido de condicionar, dirigir e até

mesmo limitar o pleno desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades.

No nosso atual estágio do processo civilizador, devido principalmente ao

descompasso existente entre o desenvolvimento da identidade-eu e da

identidade-nós dos indivíduos, os sujeitos são levados a se comportarem como

se estivessem em permanente estado de guerra contra todos os outros

indivíduos, pensados separadamente, e contra a própria sociedade.

Ocorre que, sob a égide desta mentalidade, bastante difundida em nossa

sociedade, os atores sociais são expostos a forças que atuam no sentido de

dominá-los, para que estes sirvam apenas aos interesses dos dominadores.

Essas forças que atuam sobre os indivíduos de forma muito mais ampla e

profunda que a força física e até mesmo as armas de fogo, atuam no sentido

de moldar a mentalidade e o padrão de comportamento dos indivíduos a elas

submetidos.

Norbert Elias explica que:

Da mesma forma que não foi possível no próprio Ocidente, a partir de certo estágio de interdependência, governar as pessoas exclusivamente pela força e ameaças físicas, assim tornou-se necessário, para manter um império que ultrapassou o estágio da mera plantação, governar as pessoas, em parte, através de si mesma, através da modulação de seu próprio superego (ELIAS; 1993: 259).

Isto implica dizer que os estabelecidos, para quem interessa a

manutenção desta estrutura social, operam no intuito de encucar nos outsiders

valores e padrões de comportamentos alheios aos interesses desses, a fim de

manterem a ordem social vigente.

O que, em outras palavras, é explicitado por Paulo Freire quando afirma:

Através dela e para todos os fins implícitos na opressão, os opressores se esforção para matar nos homens a sua condição

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de “ad-miradores” do mundo. Como não podem consegui-lo em termos totais, é preciso, então, mitificar o mundo (FREIRE; 2011: 187).

E é contra esses e outros fatores que os atores sociais residentes no

bairro dos Coelhos têm que lutar para conquistar sua autonomia e construírem

de forma protagonista a sua história.

Durante o trabalho de pesquisa, ficou evidenciado que a primeira

dificuldade que os atores desta dissertação encontram para atuarem de forma

protagonista na construção de sua história de vida reside na dificuldade que

eles e elas encontram para se enxergarem como sujeitos criadores do mundo.

Esta constatação fica bem evidente quando no decorrer da entrevista com

a educanda Isa, quando a mesma enumerava as dificuldades que os

moradores e moradoras do bairro dos Coelhos enfrentavam para conseguir

uma oportunidade de ter uma participação mais efetiva na vida em sociedade,

é feita a pergunta a esta educando sobre o que ela acha que pode fazer para

mudar esta situação.

Para responder, Isa para um estante, pensa um pouco de cabeça baixa, e

logo em seguida responde: “Nada!”. Respostas como estas, com algumas

variáveis, foram as mesmas dadas pela maioria dos depoentes da pesquisa,

sempre que confrontados com a mesma pergunta. A educadora social Joana,

em seu depoimento, responde: “o que eu posso fazer é muito pouco. O ideal

era que a imprensa parasse de discriminar.”

Das informações contidas nos fragmentos acima, transcritos dos

depoimentos de Isa e Joana, é possível inferir que devido a imersão que os

indivíduos se encontram em sua situação de exclusão, que lhes restringe o

acesso aos bem culturais e materiais produzidos em nosso atuação estágio do

processo civilizacional – graças a elevada produção de conhecimento – os

indivíduos tendem a desenvolver uma sensação de impotência e incapacidade

diante dos obstáculos da vida cotidiana.

Aqui, vale a pena salientar que nas sociedades contemporâneas a

produção do conhecimento é fruto de um processo histórico e social, em contra

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partida, o direito de usufruir dos benefícios gerados a partir desses novos

conhecimentos produzidos, são privados.

Seguindo Paulo Freire (2011), é possível identificar as raízes dessa

sensação de impotência e incapacidade na autodesvalia que fazem os sujeitos

submetidos às situações de exclusão e vulnerabilidade social. Para o autor, “A

autodesvalia é outra característica dos oprimidos. Resulta da introjeção que

fazem eles da visão que deles têm os opressores” (FREIRE; 2011: 69).

Por outro lado, é possível encontrar em Norbert Elias (1994b) outros

fatores que contribuem para a sensação de impotência e incapacidade que as

massas populares desenvolvem diante dos obstáculos criados que limitam e,

muitas vez, impossibilita o crescimento desses indivíduos.

O autor explica que, nas sociedades com auto padrão de especialização e

de interdependência, os indivíduos precisam se exporem a um tipo especial de

risco, que exige considerável persistência, sacrifícios e que eles deixem de

lado chances momentâneas de felicidade.

Contudo, os esforços e sacrifícios que os indivíduos realizam para

atender a essas exigências não garantem êxito nos propósitos destes

indivíduos. Tal ocorre devido ao fato de que, segundo Elias, “O que está em

questão é o desencontro entre esses esforços e as oportunidades socialmente

oferecidas de levá-los a bom termo” (ELIAS; 1994b: 122).

Por conseguinte, as atividades do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã atuam sobre esses aspectos, trabalhando com os seus educandos e

educandas a desmistificação e o desvelamento do mundo. A fim de que eles e

elas possam compreender que as barreiras e dificuldades que a vida os

impõem não são feitas para derrubá-los, mas sim, prepará-los para conquistar

a vitória.

Uma segunda frente de atuação da intervenção, no sentido de fazer com

que os participantes da ação se apropriem das suas vidas e atuem de forma

mais protagonista na construção da sua história, é demonstrar a seus

educandos e educandas que existem outras possibilidades além das que lhes

são apresentadas no cotidiano do bairro dos Coelhos.

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Nesta segunda frente de atuação, quando os atores da intervenção já

começam a perceber que as dificuldades encontradas no cotidiano são

obstáculos para serem superados, as atividades do Formando o Amanhã

procura oportunizar a estes atores o contato e a comunicação com outras

realidades e culturas.

As observações feitas, os depoimentos dos atores e os registros das

atividades acessados durante a realização deste trabalho de pesquisa

demonstram que os espaços de contato e comunicação com outras realidades

e culturas são construídos, via de regra, através dos torneios e campeonatos

que as equipes de futebol da intervenção participa, e através das palestras e

debates propostos pelos executores da ação e que tratam sobre temas como:

relações sociais, educação e o mundo do trabalho.

No que diz respeito aos torneios e campeonatos, onde os educandos e

educandas da intervenção são levados para jogar não só em outras

comunidades periféricas, mas em outros espaços, tais como: clubes de futebol

profissionais; escolas da rede privada de ensino, como o Colégio Salesiano e o

Colégio e Curso Bureua Jurídico; e universidades públicas e faculdades

particulares da Região Metropolitana do Recife, os educadores e educadoras

sociais do Formando o Amanhã aproveitam para explicar aos atores da ação o

que cada lugar representa e motivam os seus interlocutores a buscarem

conhecer e, se desejarem, trabalharem para poderem fazer parte daquela

configuração.

Nestes momentos, não só os educandos e educandas do Formando o

Amanhã, mas também os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos em

geral, que acompanha as equipes de futebol da intervenção, entram em

contato com outras realidades e começam a perceber que as alternativas para

suas vidas não são só aquelas oferecidas dentro da configuração do seu

bairro.

No que diz respeito as palestras e debates realizados para os

participantes da ação, elas, como já referido, tratam, basicamente, das

relações sociais, educação e o mundo do trabalho.

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O tema das relações sociais é trabalhado na perspectiva de mostrar para

os atores da intervenção que a forma como a sociedade está organizada, numa

hierarquia vertical, onde uns têm mais direitos e oportunidades que outros, é

fruto de um processo social e histórico e do modelo de desenvolvimento

adotado por toda sociedade.

Nestas atividades, os participantes do Formando o Amanhã são levados a

refletir sobre o fato de que, se eles e elas estão vivendo em situação de

vulnerabilidade e exclusão social não é por responsabilidade e culpa

exclusivamente deles, mas sim, por causa de um processo social e histórico

nos quais eles e elas foram inseridos, e que, por isso, eles e elas não precisam

ter vergonha ou se sentirem inferiores por viverem na situação em que se

encontram, mas precisam estudar e trabalhar para transformar as suas

realidades.

No tocante a este tema, Paulo Freire (1996) chama a nossa atenção para

o fato de que “Não é o favelado que deve ter vergonha da condição de favelado

mas quem, vivendo bem e fácil, nada faz para mudar a realidade que causa a

favela” (FREIRE; 1996: 82).

No que tange a questão da educação, ela é trabalhado tanto enquanto

forma de desenvolver um adequado padrão de comportamento, uma boa

postura em sociedade, quanto a importância de procurar ter um bom

desenvolvimento escolar.

Durante todas as atividades, os educadores e educadoras sociais estão

sempre chamando a atenção para a importância do respeito para com as

outras pessoas, de se ter um comportamento adequado, de evitar brigas e

procurar resolver as diferenças através do diálogo. Trabalhando nos e com os

atores da intervenção o desenvolvimento de um comportamento socialmente

esperado e aceito.

Nas atividades da intervenção, o estimulo à participação na educação

formal, também recebe uma atenção especial por parte dos educadores e

educadoras do Formando o Amanhã. Eles e elas procuram saber, tanto com os

seus educandos e educandas, quanto com os seus responsáveis, como está o

desenvolvimento escolar, se estão frequentando a escola e se estão indo bem

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nos estudos e no aprendizado. Inclusive, estar frequentando a escola e estar

estudando é uma condição para participar das atividades do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã. O educador social Lukas afirma que “o objetivo

do Projeto é promover uma educação compartilhada, entre a escola, a família e

o Projeto”.

Ainda no que diz respeito à apresentação de novas perspectivas de vida

para os seus atores, o Formando o Amanhã realiza ações no sentido de

apresentar a dinâmica do mundo do trabalho, realizando palestras e debates

que apresentem as relações de trabalho, as profissões e as exigências para

ser um profissional dentro de cada profissão.

A pesquisa constatou que da forma como os temas das relações sociais,

da educação e do mundo do trabalho são trabalhados dentro das atividades do

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, eles passam a serem reforçados

mutuamente: é importante estabelecer boas relações sociais, para isso é

preciso estudar, porque vai me preparar para ter um emprego, que, por sua

vez, vai ajudar a estabelecer boas relações sociais... Produzindo assim, um

círculo virtuoso.

Quando fala dos seus planos para o futuro, o educando Adilson afirma:

“eu quero ser jogador de futebol, mas agora eu estou estudando porque se não

der certo, eu vou ter um bom emprego e vou ajudar a minha família. Vou ser

um cidadão”.

Em nossa pesquisa, esse depoimento demonstra que os educadores e

educadoras sociais estão fazendo com que os participantes da intervenção se

apropriem das suas vidas e procurem compreender em que rede e

configuração eles estão inseridos, valorizam a autoestima dos educandos e

educandas, os preparando para que eles e elas atuem de forma mais

protagonista na construção da sua história.

Em nosso atual estágio civilizacional, principalmente para os que vivem

em áreas periféricas do poder político e econômico, os estímulos e motivações

para superar as dificuldades e buscar transformar a realidade são esporádicos

e efêmeros, já as forças que atuam no sentido de fazer os sujeitos desistirem e

sucumbirem à ordem excludente, se fazem permanentemente presentes.

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Por isso, dentro das atividades do Formando o Amanhã, os estímulos e

motivações dos educandos e educandas são permanentemente trabalhadas. A

esse respeito o educando Adilson relata que “foi lá que eu aprendi que perder

ou ganhar é só um contexto da vida. O que a gente precisa é cada vez

trabalhar mais para ganhar novamente”.

De modo que, durante o trabalho de pesquisa, foi possível verificar que

para promover os seus atores ao posto de protagonista das suas trajetórias, o

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, empenha-se para que seus

atores compreendam que eles e elas estão no centro das decisões que

precisam ser tomadas nas suas vidas, para que eles e elas acreditem que

podem ser protagonistas nas suas trajetórias e que procurem se instruir e se

instrumentalizar para isso, e que estejam sempre estimulados e motivados, não

deixando que as adversidades os façam desistir.

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5. O Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã

“... Não sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário

Soube naquele momento!” Operário em construção

Vinícius de Moraes

Como já exposto, o bairro dos Coelhos é uma localidade residencial que

conta com pouca participação do poder público como indutor do

desenvolvimento humano, social e econômico dos seus habitantes. O que

resulta no desenvolvimento de uma localidade com condições de moradia

insalubres, saneamento básico precário, ruas mal iluminadas, pouca

segurança, acesso limitado a educação de qualidade e poucas áreas de lazer.

No bairro dos Coelhos, uma das poucas áreas de lazer que os moradores

e moradoras desta localidade dispõem para suas atividades é o Campinho dos

Coelhos, onde todos os domingos se encontravam os amigos Lukas, Joãozinho

e Alex para jogar futebol. E foi desses encontros que resultou, segundo o

depoimento do educador social João, a ideia do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã.

O Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã é um projeto de educação

social criado no bairro dos Coelhos – Recife – PE, que desenvolve atividades

esportivas através de uma escolinha de futebol, mas que tem como principal

objetivo promover atividades esportivas e educativas capazes de mobilizarem

os atores sociais do bairro que dispõem de muito tempo ocioso e que, por isso,

são facilmente atraídos pela marginalidade e a criminalidade.

As atividades da escolinha de futebol são executadas todos os sábados, a

partir das 08h da manhã. Sendo os participantes organizados segundo as

categorias de base do futebol profissional.

No horário entre às 08h e 09h30, o trabalho é realizado com os

educandos e educandas com idade entre 05 e 11 anos, o que corresponde as

categorias pré-fraldinha (até 07 anos), fraldinha (de 07 à 09 anos) e dente de

leite (de 10 e 11 anos).

No horário das 09h30 às 11h, as atividades são voltadas para os

educandos e educandas com idades entre 12 e 15 anos, correspondente as

categorias mirim (12 e 13 anos) e a infantil (14 e 15 anos).

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Já no horário das 11h às 12h30, as atenções dos educadores e

educadoras sociais do Formando o Amanhã se voltam para os educandos e

educandas com idade acima de 15 anos, tendo a maioria dos participantes

idades entre 16 e 18 anos de idade, o que corresponde à categoria infanto-

juvenil (15 e 16 anos) e à juvenil (17 e 18 anos).

Vale salientar que essa divisão por faixa etária não limita a participação

dos interessados nas atividade realizadas. Durante a realização das atividades

necessárias para esta pesquisa tive contato com alguns relatos de jovens com

idades acima de 18 anos que foram educandos da intervenção.

Apesar de fazer uma divisão por faixa etária, as atividades da intervenção

não organiza uma divisão por gênero, ou seja, meninos e meninas, homens e

mulheres, realizam atividades juntas, desde que sejam da mesma faixa etária.

O que consideramos fator importante para uma intervenção que se pretende

educativa e transformadora.

Como já citado, as atividades esportivas realizadas pela intervenção,

além de possibilitar atividades atrativas e saudáveis para os atendidos e se

apresentar como uma eficiente metodologia para trabalhar temas de interesses

sociais, elas têm como principal objetivo a mobilização dos atores sociais do

bairro dos Coelhos para o trabalho realizado pelos educadores e educadoras

sociais do Formando o Amanhã, que têm como perspectiva promover o

engajamento desses atores no processo de transformação da realidade

material, econômica, humana, social e cultural do bairro.

Para o educador social João, “o Projeto [Sócio Esportivo Formando o

Amanhã] é um grande Projeto para a comunidade porque antes, no Campinho,

não existia nada, e agora tem esse Projeto, feito pela iniciativa dos amigos,

Lukas, Joãozinho e Alex”, esses, ainda segundo João, também foram os

responsáveis pela sua entrada na intervenção.

Por tanto, foi dos encontros semanais dos três amigos, que se reuniam

para ter um momento de lazer, através de partidas descontraídas de futebol, as

conhecidas “peladas de final de semana”, que no dia 16 de fevereiro de 2008

teve início, no bairro dos Coelhos, o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã.

O educador social Lukas lembra que nas conversas com seus amigos

sempre estiveram presentes as preocupações com a quantidade de tempo

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ocioso que as pessoas do bairro tinham: “porque a gente sabe, né?!, quando

as pessoas não têm o que fazer, elas, infelizmente, vão se envolver com o que

não presta: com a criminalidade, com a violência e com o tráfico de drogas”.

E foi dessas conversas que, segundo o depoimento de Lukas, “surgiu a

ideia de fazer alguma coisa que mudasse a nossa realidade, que mudasse

essa realidade. E aí, esse passou a ser o nosso ideal”.

Essas informações contidas nos depoimentos dos educadores sociais

João e Lukas indicam que foram as condições adversas para o crescimento

social e humano dos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos e os

incômodos causados por esta realidade que levaram os três amigos a criarem

e desenvolverem o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, que pouco a

pouco foi se constituindo em um instrumento capaz de produzir e viabilizar

novos ideais nas vidas dos sujeitos participantes da ação.

Vale salientar que, segundo Norbert Elias (1994b): “A pessoa não escolhe

livremente esse ideal dentre diversos outros como o único que o atrai

pessoalmente. Ele é o ideal socialmente exigido e inculcado na grande maioria

das sociedades altamente diferenciadas” (ELIAS; 1994b: 118).

Por outro lado, no início da sua elaboração e implantação, o Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã é pensado como um instrumento capaz de

mobilizar e auxiliar seus atores no processo de construção de outra realidade,

não só para suas vidas, mas, também, para o próprio bairro dos Coelhos.

Nesta perspectiva, a autora Maria da Glória Gohn afirma que “...o Projeto

Social nasce do desejo de uma ou várias pessoas de mudar a realidade em

que vivem” (GOHN; 2010: 78).

Para a educadora social Janaína a ação “é um Projeto de educação aos

menino, pra não tá no meio da rua praticando o que não deve, tá mexendo nas

coisas dos outros. Está entendendo?! E é um Projeto muito bom. E eu rezo pra

continuar esse Projeto”.

Esta educadora social destaca ainda que o fato de ter sido escolhido o

futebol como ferramenta mobilizadora para as atividades da intervenção

demonstra o cuidado e o respeito que os educadores e educadoras sociais do

Formando o Amanhã tiveram com as crianças, adolescentes e jovens

participantes da ação.

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Ela destaca que: “Eu acho que foi uma atenção muito grande, está

entendendo?! [...] Porque viam os meninos jogando bola, batendo ‘pelada’, de

manhã, de tarde, no domingo, no sábado. E aí eles tiveram essa ideia. E aí

formou esse Projeto, o Formando o Amanhã”.

Por conseguinte, o Formando o Amanhã visa promover sua intervenção

através de um processo educativo que, além de reforçar a participação de seus

atores na escola, na educação formal, promova um processo educativo mais

amplo, comprometido e vinculado às condições de vida e aos desafios

impostos pelo cotidiano de seus educandos e educandas.

Neste sentido, a pesquisa constatou que as práticas educativas utilizadas

dentro das atividades da ação podem ser caracterizadas como a da educação

não formal. Entendendo que a educação não formal, “Não tenciona substituir a

escola formal. Não a nega, ao contrário, reafirma sua importância como um

direito conquistado” (GOHN; 2010: 94).

Seguindo Gohn (2010): “Conceituamos a educação não formal como um

processo sociopolítico, cultural e pedagógico para a cidadania, ela trabalha

com coletivos e se preocupa com os processos de construção de

aprendizagem e saberes coletivo” (GOHN; 2010: 93).

Ao optar pela educação não formal, que se constitui numa forma de

educação social, como estratégia de produção e transmissão de saberes, o

Formando o Amanhã o faz na perspectiva de instrumentalizar os seus atores

para a produção de uma leitura crítica da sua realidade social.

A abordagem da educação não formal possibilita às intervenções sociais

extrapolar a mobilização dos atores envolvidos, viabiliza a participação de

forma muito mais envolvente, viabiliza o engajamento dos atores, o que pode

transformar uma intervenção social em movimento social, este que cumpre

uma função educativa bem mais ampla.

Para Gohn (2012),

Os movimentos sociais, das diferentes camadas sociais, com suas demandas, organizações, práticas e estruturas, possuem um caráter educativo, assimilável aos seus participantes e à sociedade mais ampla. Os resultados deste processo traduzem-se em modos e formas de construção da cidadania político-social brasileira (GOHN; 2012: 123).

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Neste sentido, a educadora social Joana relata que já nos primeiros

momentos da implantação da intervenção, uma parte significativa dos

moradores e moradoras do bairro já perceberam e assimilaram que a

intervenção “queria, e quer, promover mudanças naquela realidade”. O que,

por sua vez, possibilita uma participação mais efetiva e satisfeita dos atores da

ação.

Para o educando Adilson, desde o início das atividades todas as crianças,

adolescentes e jovens da comunidade se interessaram e gostaram da

intervenção.

Ele conta que:

No começo, meus amigos me perguntavam se eu gostava de vir [para as atividades do Formando o Amanhã], aí eu dizia que gostava, aí eles começaram a se interessar, a vir para o Projeto, aí eles começaram a ver que o Projeto era bom, tinha – ainda tem, né?! – brincadeiras: pula-pula, jogos de vídeo games; lanche; festas. Esses negócios aí para as crianças. Eu acho que todo mundo daqui já trenou ou trena no Projeto. Eu acho que todo munda daqui gosta do Projeto.

Contudo, para se consolidar enquanto uma ação sócio educativa, capaz

de mobilizar os atores interessados no processo que tinha, e tem, como

perspectiva o engajamento desses mesmos atores na construção de novos

projetos de vida e da transformação individual e coletiva dos moradores e

moradoras do bairro dos Coelho, o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã teve que enfrentar e superar muitos obstáculos.

Por outro lado, uma vez superada as primeiras dificuldade, o Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã vem se consolidado enquanto um agente

social no e do bairro dos Coelhos que continua lutando para realizar suas

atividades, mas que vem participando de forma efetiva e positiva na construção

da trajetória de vida dos seus atores e daquela coletividade, conforme será

apresentado e analisado nesta seção.

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5.1. O despertar para realidade e o desejo de mudança

Seguindo as observações e reflexões feitas para o desenvolvimento desta

dissertação, podemos constatar que os moradores e moradoras do bairro dos

Coelhos incidem sobre uma configuração social desfavorável para a

apropriação e o desenvolvimento dos hábitos e padrões de comportamentos

socialmente estabelecidos como os “adequados para os indivíduos

pretensamente civilizados”.

Durante a realização deste trabalho de pesquisa, e através dos diálogos

realizados com os atores da pesquisa e com os moradores e moradoras do

bairro dos Coelhos em geral, foi possível constatar que mesmo esses sujeitos

vivendo em situações bastante adversas, eles e elas não foram estimulados a

desenvolver o hábito de refletir sobre as suas condições de vida e sobre as

escassas oportunidades socialmente oferecidas para aqueles que vivem dentro

desta mesma configuração social, bem como, refletir sobre até onde é possível

chegar dispondo apenas das oportunidades socialmente disponibilizadas para

sua configuração social.

Neste sentido, o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã constitui-se

como um ponto de inflexão nesta trajetória, uma vez que, desde a sua

concepção, as atividades da intervenção são pensadas e executadas com a

perspectiva de instrumentalizar os seus atores para a realização de uma leitura

crítica e autônoma da realidade.

Em seu depoimento, o educador social Lukas revela que a situação em

que os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos vivem sempre o

incomodou e que ele nunca conseguiu entender o porquê de atividades tão

socialmente reprováveis eram aceitas e praticadas com tanta naturalidade

dentro da configuração do bairro dos Coelhos.

Este educador social relata que atividades como tráfico de drogas,

homicídios e assaltos são atividades vistas com naturalidade dentro da

configuração do bairro dos Coelhos, mas que, também, estas atividades são

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vistas, pelos residentes no bairro, como um dos fatores responsáveis pelos

quais o bairro e seus moradores são discriminados e socialmente exclusão.

Ele ainda afirma que por viver essa realidade e ser incomodado por ela foi

que ele começou a pensar em fazer algo para transformá-la. Ou seja, “Foi a

sua inserção lúcida na realidade, na situação histórica, que o levou à crítica

desta mesma situação e ao ímpeto de transformá-la” (FREIRE; 2011: 75).

Por sua vez, o educando Adilson, em seu depoimento, revela que

participando das atividades da intervenção pode perceber que ao viver na

configuração do bairro dos Coelhos, as exigências feitas pela sociedade para

que os indivíduos consigam se inserir econômica e socialmente são ainda

maiores.

Com suas palavras, Adilson afirma que para ser incluído socialmente:

Eu preciso batalhar muito, né?! O povo aí ver a gente como bandido, só porque a gente usa brinco, assim, usa roupa de marca, que só bandido usa, que a gente não é bandido também, não. E, assim, todo mundo que vive na comunidade precisa se esforçar para ser alguém na vida e pra mostrar que todo mundo na favela não é um maloqueiro, não.

Neste fragmento de seu testemunho, Adilson nos leva a inferir que a partir

da participação nas atividades da intervenção, seus atores são levados a uma

inserção crítica na realidade social do bairro dos Coelhos. Conforme afirma

Paulo Freire, “É preciso que também se insiram criticamente na situação em

que se encontram e de que se acham marcados” (FREIRE; 2011: 75).

Durante a realização do trabalho de pesquisa, podemos constatar que a

realidade social na qual os indivíduos vivem imprimem marcas que moldam e

condicionam a percepção que os indivíduos têm de si mesmos, seus padrões

de comportamento e seus projetos de vida.

Sobre isso, a educanda Isa relata que antes de participar da intervenção

ela “era só uma criança, que só viva descalça, não queria saber de outra coisa,

só jogar e jogar bola”. Isa nos conta também que, na época que ela começou a

participar das atividades, ela pensava que quem mora no bairro dos Coelhos

não poderiam almejar nada da vida.

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É possível observar que, marcada pelas condições adversas para o seu

desenvolvimento humano, as pessoas que vivem em situação de exclusão

tendem a criar uma sensação de impotência e incapacidade diante da

realidade em que vivem.

As observações feitas durante a pesquisa nos vez acreditar que tal ocorre

devido, fundamentalmente, aos grandes esforços e sacrifícios que são exigidos

para os indivíduos que vivem em tais condições, e que, mesmo que esses

esforços e sacrifícios sejam realizados, eles não dão a garantia que os

objetivos almejados serão alcançados, nem mesmo que as oportunidades para

alcançar os objetivos almejados serão acessadas.

Neste sentido, o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã atua na

perspectiva de fazer com que o seus atores percebam que as condições

adversas que os moradores e moradoras do bairro dos Coelhos vivem podem

até condicionar a percepção da realidade e os projetos de vida deles, mas não

são esses fatores que vão determinar o seu futuro.

Isa nos conta que depois que passou a participar das atividades da

intervenção ela passou a ser outra pessoa e passou a acreditar mais em si: “eu

agora estou pensando mais em mim, de uma forma que eu antes não pensava,

pensando mais na minha família”.

Com esse depoimento, Isa nos permite inferir que o trabalho realizado

dentro das atividades da intervenção vez despertar nela uma preocupação com

a coletividade, mesmo que seja com o seu grupo familiar, neste sentido, é

possível afirmar que o desnível existente entre o desenvolvimento da

identidade-eu e a identidade-nós também são trabalhados dentro das ações do

Formando o Amanhã.

Isa nos conta ainda que participando das atividades pode perceber o

quanto as suas condições de vida eram adversas, mas que também foi levada

a enxergar algumas das suas potencialidades que antes ela não conhecia, e

com isso ela pode perceber que estava em suas mão a possibilidade de mudar

não só a sua realidade, mas também a realidade dos seus familiares.

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Já o educador social João relata que ao olhar para a configuração do

bairro ficava incomodado com o problema do tráfico de drogas, com suas

palavras ele nos conta que “o que tem de ruim na nossa comunidade é o tráfico

que está acabando com as nossas crianças, as pessoas aliciando as pessoas

de menores potencial”.

Vale ressaltar que nas configurações sociais como a existente no bairro

dos Coelhos, mesmo as atividades criminosas como o tráfico de drogas, tendo

sua prática reprovada pela maioria dos moradores e moradoras dessas

localidades, essas atividades muitas vez estão entre as poucas oportunidades

que os indivíduos desta realidade social têm para entrarem e participarem da

sociedade de consumo, sociedade de consumo que é bastante valorizada no

nosso atual estágio do processo civilizador.

O educador social João conta ainda que ele observava que, se por um

lado as atividades criminosas e o tráfico de drogas faziam parte do cotidiano do

bairro e podiam ser facilmente acessada pelas “pessoas com menor potencial”,

que acabavam por encontrar nessas atividades a forma de participar da

sociedade de consumo, por outro lado, faltava no bairro, conforme nosso

depoente, “pessoas capacitadas para oferecer outras oportunidades para as

crianças, adolescentes e jovens da comunidade”.

Segundo as palavras deste educador social: “eu achava que aqui tinha

que ter umas pessoas qualificadas para colocar nossas crianças no meio das

coisas boas: numa oficina de música, numa aula de futebol, e outras coisas

melhores que o nosso bairro nunca teve”.

Nos diálogos que mantivemos com este educador social durante o

período do trabalho de campo, ele nos revelou que era músico percussionista e

que cultivava o desejo de, assim como ele participava do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã, que trabalha com os esportes, com o futebol,

criar uma escolinha de música no bairro, “para mostrar para as pessoas que

aqui nos Coelhos têm muitas coisas boas”.

Partindo das informações apresentadas pelo educador social João, é

possível constatar que, se por um lado as condições adversas atuam nos

indivíduos no sentido de produzir neles a sensação de impotência e

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incapacidade diante da sua realidade, por outro, essas mesmas condições

adversas fazem com que esses indivíduos desejem realizar algo que possa

contribuir para a transformação do estado de exclusão em que vivem e, desta

forma, contribuírem na edificação de uma sociedade justa e harmoniosa.

Neste sentido, os atores do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã

não direcionaram suas energias críticas e transformadoras para os atos

reivindicativos e contestadores, mas, buscaram desenvolver ações práticas

com o objetivo de enfrentar e superar os obstáculos e situações adversas que

limitam a inserção de seus atores no processo civilizatório em curso.

Com isso, podemos afirmar, apoiados em Gohn (2012), que nesta

intervenção a palavra de ordem é “ser propositivo e não apenas reivindicativo,

ser ativo e não apenas um passivo reivindicante” (GOHN; 2012: 121).

Essa postura dota a ação de duas características, se por um lado ser

propositivo e efetivo permite aos participantes da intervenção atuar sobre

problemas concretos do cotidiano do bairro e apresentar resultados imediatos,

por outro lado, os afastam da atuação política (que será melhor discutido no

próximo tópico), que pode proporcionar mudanças mais profundas,

abrangentes e duradouras.

Para os atores desta intervenção, o foco está voltado para promover

atividades que enfrente as dificuldades que a configuração do bairro dos

Coelhos impõem a seus moradores e moradoras e fazer com que o processo

civilizatório ocorra de maneira mais harmoniosa para os participantes da

intervenção.

A esse respeito, Norbert Elias afirma que

Não há dúvidas de que isso – o desenvolvimento da sociedade de maneira a que não apenas alguns, mas a totalidade de seus membros tivessem a oportunidade de alcançar essa harmonia – é o que criaríamos se nossos desejos tivessem poder suficiente sobre a realidade (ELIAS; 1994b: 17).

Finalizando este tópico, cabe informar que os relatos dos atores da

pesquisa aqui apresentados para refletir e analisar o processo que foi

vivenciado por esses atores, que se inicia no despertar para realidade social

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em que vivem até o nascimento do desejo de atuar no sentido de promover

mudanças nesta configuração, o foram por serem os mais representativos do

conjunto dos relatos coletados acerca deste processo.

Por outro lado, os sentidos atribuídos a estes relatos parte do processo de

formulação de sentidos desenvolvido pela teoria da análise de discursos, que

busca relacionar as questões da linguagem, do texto, ao contexto social e

histórico do sujeito discursivo.

Para a análise de discurso, a formulação dos sentidos nas falas e nos

textos é realizado “Levando em conta o homem na sua história, considerando

os processos e as condições de produção da linguagem, pela análise da

relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em

que se produz o dizer” (GOHN; 1999: 16).

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5.2. Do pensamento à concretização: dificuldades e estratégias de

superação

Ao constatarem que as condições de sobrevivência e desenvolvimento

que a configuração do bairro dos Coelhos oferece para os seus moradores e

moradoras é uma situação que impõem muitas dificuldades e limitações,

surgiu, entre alguns destes moradores e moradoras, o desejo de realizar uma

intervenção que fizesse o enfrentamento desta situação adversa e contribuísse

para a mudança nas condições de vida das pessoas que incidiam naquela

localidade.

Para materializar esse desejo os atores desta pesquisa pensaram em

elaborar uma intervenção que pudesse ser executada dentro do próprio bairro,

valorizando o espaço físico do bairro dos Coelhos e que facilitasse o acesso a

todos e todas que desejassem participar.

Para os educadores e educadoras sociais idealizadores desta

intervenção, as atividades propostas precisavam ter um poder mobilizador

abrangente, capaz de envolver pessoas de todas as idades e de ambos os

gêneros, para que não só uma parcela do bairro pudesse ser engajado nesta

ação, mas sim todo o conjunto de moradores e moradoras da localidade.

Partindo destes pré-requisitos, o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã foi elaborado com a perspectiva de ser uma intervenção educacional

através do esporte, mas especificamente através de uma escolinha de futebol.

Para os atores da intervenção, a escolinha de futebol se apresentou como

a atividade perfeita para mobilizar todos os atores sociais do bairro dos

Coelhos para participar de uma intervenção que pretende provocar a reflexão

sobre os problemas do cotidiano do bairro e formular ações que viabilizem o

enfrentamento destes problemas e promovam a superação.

Portanto, foi com esse pensamento e com esses objetivos que no dia 16

de fevereiro de 2008 teve início, no campinho de futebol do bairro dos Coelhos,

a primeira atividade do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã.

Contudo, uma vez pensada a intervenção, muitas dificuldades surgiram e

tiveram que ser enfrentadas, dificuldades no que diz respeito aos materiais

necessários para a realização das atividades, à aceitação e à credibilidade que

os moradores e moradoras do bairro deram aos educadores e educadoras

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sociais da intervenção, e da própria concepção das atividades, os quais

analisaremos nesta subseção.

No que diz respeito às dificuldades materiais, mesmo o futebol sendo “um

esporte barato” para a sua prática, conforme já assinalado pelo educador social

Lukas. Quando a pretensão é uma ação educativa através deste esporte,

alguns matérias básicos são indispensáveis, os quais, dentro da configuração

do bairro dos Coelhos, se constituem em custos elevados.

O educador social João relata que “no dia do início do ‘Projeto’”, 16 de

fevereiro de 2008, dia da primeira atividade da intervenção junto aos atores

para quem a intervenção era direcionada, “nós só tínhamos apenas doze

coletes e duas bolas, e [...]nós tínhamos quase trinta meninos [entre crianças,

adolescentes e jovens, de ambos os gêneros] querendo participar. Isso pra

gente foi a maior dificuldade”.

O depoente conta que neste momento os idealizadores da intervenção

pensavam e discutiam que a iniciativa não iria conseguir se firmar. A gente

conversava o tempo todo entre a gente: “isso não vai dá certo, isso não vai dá

certo!”, relembra João.

Essa demanda superior a estrutura material que os idealizadores

dispunham no início das atividades comprovam a existências de uma demanda

reprimida, comprovam a carência existente dentro da configuração do bairro

dos Coelhos por atividades esportivas, recreativas e que tivesse também o

caráter educativo.

Este educador social lembra que, apesar da preocupação com a

quantidade e a qualidade do material das atividades, todos do grupo estavam

decididos a não desistir. Então, os atores decidiram sair em busca de doações.

Joãozinho corria atrás de uma coisa, Alex corria atrás de outra. Lukas conseguia algumas coisas. E eu, como não tinha muito conhecimento, ajudava no que eu podia. As pessoas do bairro, que no começo criticavam, passaram a ajudar com alguma coisa. E aí, a gente cresceu e estamos aqui até hoje (trecho da entrevista do educador social João).

A educadora social Janaína lembra que um dos momentos mais difíceis

no período de implantação da intervenção foi quando da ocorrência do

incêndio, em julho de 2008, ou seja, com apenas cinco meses do início das

atividades.

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Tia Janaína, como é tratada pelos participantes da ação, relembra com

tristeza no rosto: “Foi quando pegou fogo, viu?! Foi quando pegou fogo, que

teve muito material queimado. Muito material muito queimado. Eu lembro que

Tio Lukas ficou muito preocupado porque não tinha mais as coisas”.9

Essa educadora relembra que, mesmo tendo que recomeçar da estaca

zero, os participantes da iniciativa não se deixaram desanimar, e passaram a

buscar novas doações.

Com a repercussão do incêndio, o bairro do Coelhos passou a ocupar

espaço na imprensa local e até nacional, chamando a atenção da sociedade

para a configuração do bairro dos Coelhos e, foi através desse espaço que se

abriu, que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã passou a dialogar

com outros setores da sociedade recifense.

Tia Janaína conta que foi depois do incêndio que o ex-jogador de futebol

Juninho Pernambucano, que atuou no Sport Club do Recife - PE, no Club de

Regatas Vasco da Gama - RJ, foi ídolo francês atuando no clube Olympique de

Lyon etdu Rhône, e campeão da Copa das Confederações pela Seleção

Brasileira, em 2005, tomou conhecimento da existência da intervenção e entrou

em contato com os educadores e educadoras sociais responsáveis pelo Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã com o interesse de conhecer melhor a

intervenção e realizar doações de materiais esportivos. A educadora social

Janaína afirma que através do ex-jogador Juninho Pernambucano:

Nós ganhou tudo de volta com doação, está entendendo?! Venho a aquele jogador também que venho, deu umas coisas boas. É... Juninho Pernambucano deu... a gente ganhou muitas coisas. [...] A gente lutou bastante.

Através dos exemplos narrados acima, podemos constatar que, no

processo de aquisição das condições materiais necessárias para implantação e

consolidação da intervenção, a firmeza de propósitos e a perseverança do

atores foram peças fundamentais para que a iniciativa viesse a se manter.

9 Ver vídeo que exibe matéria sobre o incêndio da favela do Papelão, no bairro dos Coelhos, exibido no

dia 11/07/2008, no sítio do Universo OnLine - UOL, através do link:

http://mais.uol.com.br/view/k77arz6psxw4/incendio-destroi-200-barracos-no-centro-do-recife-

040268C8810327?types=A&).

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Podemos inferir, por um lado, que as convicções e a persistência destes

atores foram modeladas neles através das dificuldades e limitações que estes

tiveram que enfrentar durante a sua trajetória de vida dentro da configuração

do bairro dos Coelhos. Essa trajetória “Pode tornar-se objeto de um processo

de aprendizagem. Mas esse processo de aprendizagem leva tempo. [...] No

geral aprende-se através de experiências amargas” (ELIAS; 1994b: 138).

Por outro lado, essa convicção e persistência pode ser explicado pelo fato

de que, neste processo, “Os indivíduos encontram neles [nos objetivos da

intervenção] um lugar, uma identidade de interesses, um objetivo que coincide

com suas aspirações” (GOHN; 2012: 92, grifos nossos).

Quanto as dificuldades de aceitação do Projeto Sócio Esportivo Formando

o Amanhã juntos aos atores para quem ele se destina e a conquista da

credibilidade, o primeiro obstáculo que os educadores e educadoras sociais da

intervenção tiveram que enfrentar estava relacionada à disponibilização de um

horário determinado e permanente para a utilização do Campinho dos Coelhos.

Para que a iniciativa adquirisse, junto aos atores sociais do bairro dos

Coelhos, a credibilidade de uma intervenção organizada, com regras, métodos

e objetivos, implantar uma rotina de atividades com dia e horário determinado

cumpria um papel significativo. Contudo, como já tratado anteriormente, o

Campinhos dos Coelhos é uma das poucas áreas do bairro disponível para o

esporte e o lazer, o que implica dizer que, na maior parte do tempo esse

espaço já tinha sido ocupado.

Como o perfil dos atores que ocupavam o Campinho dos Coelhos era o

mesmo dos atores que a intervenção pretendia mobilizar para suas atividades,

a estratégia utilizada foi, primeiro ocupar os horários disponíveis, depois ir se

incorporando nas atividades já existentes, apresentando a proposta de trabalho

da intervenção e convidando todos e todas para participarem das atividades e

solicitar de todos o apoio necessário.

Com essa estratégia, o dia e os horários pretendidos pelos educadores e

educadoras sociais da intervenção foi, aos poucos, sendo conquistados, sendo

que a maioria dos primeiros ocupantes do espaço foram incorporados à

intervenção, uns como educadores e educadoras sociais, outros como

educandos e educandas, a depender do perfil de cada um.

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Enfrentado essas primeiras dificuldades, começaram a surgir as críticas:

“muitas pessoas diziam que a gente não era qualificado, que a gente não tinha

capacidade para fazer esse ‘projeto’ e que a gente não podia tá fazendo isso”,

conta o educador social Lukas.

O educador social Lukas conta que a maior dificuldade enfrentada no

processo de implantação foi a falta de credibilidade, “as pessoas achavam que

eu, principalmente, não era uma pessoa qualificada para exercer esse tipo de

atividade, né?! [...] que eu estava querendo me candidatar [a algum cargo

público eletivo], mas com o tempo, as pessoas foram vendo que não era esse o

objetivo”.

Para superar essas críticas, o primeiro movimento realizado “foi buscar

pessoas qualificadas, que pudessem nos orientar [e ou] participar com a gente

do ‘Projeto’”, conta o educador social Lukas.

Foi a partir dessa estratégia que a educadora social Joana passou a ter

contato com a intervenção. “Eu fui convidada porque eles trabalhavam com o

esporte, e como eu sou formada em educação física, eu fui convidada. Eu fui

pra ajudar, mas quem acabou sendo ajudada foi eu, minha participação no

‘Projeto’ mudou a minha vida”, afirma a educadora social Joana.

O educador social Lukas relata ainda que, além de procurar ajuda de

pessoas qualificadas para ajudar nas atividades, ele sentiu-se provocado a

procurar se qualificar para superar as críticas, “foi aí que veio o desejo de

querer estudar e se formar em educação física e ter o CREF [Certificado do

Conselho Regional de Educação Física]”.

Cabe informar que o Conselho Regional de Educação Física da Decima

Segunda Região, Pernambuco e Alagoas, em seu Estatuto (art. 1º, §3º), afirma

que “§3º - O CREF12/PE-AL registra os Profissionais de Educação Física e as

Pessoas Jurídicas prestadoras de serviços na área da atividade física e

esportiva”, e afirma também (art. 2º) “Art. 2 - O CREF12/PE-AL é órgão de

representação, normatização, disciplina, defesa e fiscalização dos Profissionais

de Educação Física, bem como das Pessoas Jurídicas prestadoras de serviços

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nas áreas de atividades físicas, desportivas e similares, em prol da sociedade,

atuando ainda como órgão consultivo”10.

Lukas explica o que significava para ele procurar qualificação: “procurar

estudar, procurar terminar o estudo, procurar fazer uma faculdade, procurar

está inserido em cursos, em palestras pra que venha a melhorar”.

Dessa forma, com o passar do tempo, o Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã, foi sendo aceito e conquistando credibilidade. “Pessoas

que antes criticava, vinha e ajudava com uma coisa, outro vinha e trazia outra

coisa, outro vinha e pedia pra participar, e assim foi, e assim a gente está aí até

hoje”, conta o Educador Social João.

Assim, com essa estratégia, aos poucos a resistência que alguns

moradoras e moradoras da localidade tinha sobre a intervenção, foi sendo

vencida, e muitos deles passaram a apoiar e a participar da intervenção.

Tal ocorre devido ao fato de ser uma das características dos indivíduos

humanos a capacidade de se moldarem umas em relações com as outras. “E é

justamente esse fato de as pessoas mudarem em relação umas com as outras

e através de sua relação mútua, de se estarem continuamente moldando e

remoldando em relação umas às outras, que caracteriza o fenômeno reticular

em geral” (ELIAS; 1994b: 29).

Dentro deste processo, a intervenção direcionou sua ação também no

sentido de desenvolver a identidade coletiva dos habitantes daquela localidade,

buscando fazer crescer nos seus atores a identidade-nós, reduzido o

desequilíbrio existente na balança nós-eu. “Isso se expressa no conceito

fundamental da balança nós-eu, o qual indico que a relação da identidade-eu

com a identidade-nós do indivíduo não se estabelece de uma vez por todas,

mas está sujeita a transformações muito especificas” (ELIAS; 1994b: 09).

A educanda Isa, quando se refere ao resultado do processo de

implantação e consolidação pelo qual a intervenção passou afirma que: “o

‘Formando o Amanhã’ cresceu, né?!, o que não tinha antes, hoje têm: que era

maturidade e educação. E está aí, forte, crescendo e ajudando muita gente”.

10 Informação acessada no sítio oficial do Conselho Regional de Educação Física da Decima Segunda Região / Pernambuco e Alagoas http://www.cref12.org.br/estatuto.html, acesso em 19/02/2016.

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No que diz respeito a concepção do projeto da intervenção, esse ocorreu

de forma menos conflituosa. Logo de início, os idealizadores e idealizadoras da

ação tinham claro que o importante era realizar atividades que atraíssem os

atores do bairro para discutir temas e problemas relacionados à comunidade.

O educador social João conta que “no início era pra ser só uma escolinha

de goleiros, aí Lukas veio com essa ideia de fazer uma escolinha de futebol, aí

todo mundo achou bom e aí começou”.

A ideia do Formando o Amanhã sempre foi trabalhar com o esporte

educacional, não o esporte de alto rendimento. “Nós queríamos fazer um

trabalho que viesse a auxiliar no crescimento das pessoas, no desenvolvimento

das pessoas”, conta Lukas.

A partir disso, com as atividades esportivas funcionando, no início de

todos os encontros os educadores e educadoras sociais realizavam palestras

sobre violência, criminalidade, tráfico de drogas, educação, sexo e sexualidade,

descriminação, preconceito, trabalho e mundo do trabalho, entre outros,

relacionados ao cotidiano da configuração do bairro dos Coelhos.

Para trabalhar os temas relacionados ao bairro, todos os educadores e

educadoras sociais tinham a liberdade de propor atividades, trazer palestrantes

e articular ações que pudessem agregar valores à intervenção, dentro dos seus

objetivos. Assim, por exemplo, ações como visitas ao posto de saúde do bairro

para palestra sobre saúde bucal e tratamento preventiva de cáries, atividades

comemorativas como as da Páscoa, do dia das Mães, dia dos Pais e das

Crianças, sempre são realizadas.

Outro ponto que chamou nossa atenção a respeito da concepção da

intervenção é que desde o início os idealizadores e idealizadoras da

intervenção rejeitaram a atuação no campo político mais geral. O que

consideramos um equívoco e que aprofundaremos mais adiante.

Como já exposto, uma das ressalvas que a população do bairro dos

Coelhos tinha para com os proponentes da intervenção era acerca dos

interesses políticos dos seus educadores e educadoras sociais, “as pessoas

pensavam que a gente queria se candidatar”, relembra Lukas.

Consideramos a participação política mais geral, eleitoral e partidária,

importantíssima para o enfrentamento dos problemas vivenciados nos bairros

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com características e configurações semelhante as do bairro dos Coelhos, bem

como para o enfrentamento das causas desses problemas.

Todavia, compreendemos a recusa desses atores em participar da luta

política mais geral dentro de dois aspectos fundamentais.

O primeiro aspecto diz respeito ao fato de que, em nosso atual estágio

civilizatório, foi construída, intencionalmente, a crença de que a luta política

mais geral é o campo destinado para os indivíduos desonestos, que só querem

utilizar a população para alcançar os seus objetivos pessoais, ou do seu grupo

restrito, objetivos esses muitas vezes inconfessáveis.

Neste sentido, os grandes veículos de comunicação de massa, com o

interesse de preservar a ordem social vigente, cumpre um papel importante,

mas que ainda não está no horizonte dos problemas que os atores do bairro

dos Coelhos precisam enfrentar, segundo deixa a entender a estratégia

adotada pelos educadores e educadoras sociais do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã.

O segundo aspecto ao qual atribuímos a recusa que os atores sociais do

bairro dos Coelhos têm em participar das lutas políticas mais gerais reside na

forma como as lutas políticas são apresentadas, com perspectivas distantes e

desconectadas das necessidades e das bandeiras de lutas cotidianas das

populações outsiders. Ou seja, “Os movimentos demarcados pelos espectros

políticos-partidários tendem a ser rejeitados porque delineiam um campo de

atuação longínquo as aspirações usuais de um comum mortal” (GOHN; 2012:

92 – 93).

Contudo, dentro das características e limitações da luta política que o

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã vem travando dentro da

configuração do bairro dos Coelhos, seus atores vêm conseguindo realizar

mudanças significativas, e assim, fazendo história. Conforme será

demonstrado a seguir.

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5.3. Futebol e educação fazendo história no bairro dos Coelhos

Quando pensamos em fatos históricos, geralmente o que nos vem a

mente são grandes momentos do processo civilizador, ligados a grandes

personalidades: o descobrimento do Brasil, Pedro Alvares Cabral; a “libertação

dos escravos” no Brasil, princesa Isabel; a proclamação de Independência,

Dom Pedro I; a proclamação da República, Marechal Deodoro da Fonseca;

entre tantos outros fatos que poderiam ser aqui citados.

Podemos atribuir essa constatação a dois fatores fundamentais: o

primeiro, diz respeito a forma como a disciplina História foi, durante muito

tempo, e ainda é, ensinada nas escolas, valorizando/criando grandes heróis,

responsáveis solitários por grandes feitos em nosso processo civilizatório.

O segundo fator, que está intimamente vinculado ao primeiro, e que

demonstra o quando, em nossa sociedade, a escola é utilizada como

instrumento de manutenção da ordem social vigente, se dá pelo fato de que é

fundamental que os indivíduos comuns acreditem que só há história nas

grandes realizações e que ela só pode ser feita por “grandes” homens ou, em

pouquíssimos casos, por “grandes” mulheres. O que serve como estímulo para

que os indivíduos busquem apenas desenvolver-se individualmente,

fortalecendo o individualismo e o egoísmo, favorecendo o desenvolvimento da

identidade-eu em detrimento do desenvolvimento da identidade-nós.

Contudo, uma análise mais criteriosa dos fatos históricos demonstra que

as grandes mudanças são construídas aos poucos, através da participação de

muitos, dentro de um processo social e histórico. E estes movimentos de

mudança, mesmo que não venham a resultar em grandes transformações na

estrutura social, possibilita mudanças significativas na mentalidade de quem

deles participam.

Como nos diz Elias: “Todas essas mudanças têm origem, não na

natureza dos indivíduos isolados, mas na estrutura da vida conjunta de muitos.

A história é sempre história de uma sociedade, mas, sem a menor dúvida, de

uma sociedade de indivíduos” (ELIAS; 1994b: 45).

Por conseguinte, se levarmos em consideração a vida dos indivíduos e os

fatos que ocorrem em seu cotidiano, e que podem ocasionar mudanças na sua

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estrutura material ou mesmo mental e psicológica, veremos que a ocorrência

de fatos históricos são muito mais comuns do que somos levados a acreditar.

Considerando principalmente que “O que determina que um acontecimento

seja histórico não é, de modo algum, que este figure ou não no relato de um

historiador. Um acontecimento se caracteriza como tal não por isso, mas sim

porque produz mudanças, grande ou pequena” (ARÓSTEGUI; 2006: 334).

Por isso, e a partir da análise das vozes dos atores desta pesquisa e das

observações realizadas, é que podemos indicar que, desde fevereiro de 2008,

o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, através de sua ação educativa,

realizada a partir de uma escolinha de futebol, vem promovendo mudanças na

vida dos atores participantes da intervenção e na imagem que a sociedade

recifense tem do bairro dos Coelhos, e que, ao promover mudanças, vem

fazendo história, conforme demonstraremos aqui.

Quando perguntamos aos atores da pesquisa se eles e elas percebem

alguma mudança sendo promovida na vida dos participantes da ação ou

mesmo na configuração do bairro dos Coelhos a partir das atividades do

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, as narrativas apresentadas

apontam para mudanças significativas em variados aspectos.

Para o educando Adilson, a principal mudança que a intervenção realizou

foi na imagem que a sociedade tinha do bairro dos Coelhos. O educando conta

que o fato da equipe de futebol da intervenção ter participado e chegado até a

final da Taça Recife de Comunidades – TARECO, realizada pela Central Única

das Favelas, secção Pernambuco – CUFA/PE, e a Federação Pernambucana

de Futebol – FPF, na edição do ano de 2014, representa bem a mudança que a

intervenção vem realizando na imagem que as pessoas têm do bairro.

Adilson lembra que a participação na Taça Recife de Comunidades

projetou uma outra imagem para o bairro dos Coelhos, ele conta que:

[O Formando o Amanhã], levou a gente pra final da Copa TARECO, todo mundo passou a ver os Coelhos de outro jeito. A gente ficou bem aparecido no Globo Esporte11, Replay12.As pessoas vinham pra cá [pra conhecer a gente]. Quando eu ia

11 Programa esportivo da Emissora Rede Globo de Televisão, que vai ao ar de segunda a sábado, a partir

das 12h45min, com projeção local e nacional. 12 Programa esportivo do TV Jornal, que vai ao ar de segunda a sexta, a partir das 11h25min, com

projeção local.

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para o supermercado, as pessoa tinha medo de entrar com as compras da gente no táxi. Hoje não. Hoje não, ‘Os Coelhos foi pra final da Copa TARECO, isso e aquilo’. Agora todo mundo está conhecendo os Coelhos de verdade.

Este fragmento do depoimento de Adilson é representativo das mudanças

que a intervenção educativa e o futebol tem ajudado a realizar no bairro dos

Coelhos. Neste fragmento, Adilson demonstra que com a projeção de novas

informações sobre o bairro, que não estão relacionadas a violência, tráfico de

drogas e crimes, a sociedade recifense passa a estar mais receptiva para a

configuração do bairro dos Coelhos, e seus moradores e moradoras começam

a ser melhor recebidos pela sociedade recifense em geral.

Para a educadora social Joana, a intervenção do Formando o Amanhã é

uma ação “muito rica e muito interessante para a comunidade”, uma vez que

contempla atividade lúdicas, recreativas, esportivas e educativas, de

informação.

Segundo os relatos de Joana, as atividades esportiva realizadas, através

da utilização do futebol, atraem os moradores e moradoras do bairro para os

debates e palestras realizados, “apresentando uma nova perspectiva de vida,

não só para as crianças que participam do Projeto, como para os seus pais”.

E isso, para esta educadora social, é a principal mudança que vem sendo

realizada na configuração do bairro dos Coelhos. Para ela,

As principais mudanças são de crianças que antes estavam ociosas, suscetíveis a entrar num mundo marginalizado, muitas vezes como os pais estavam, e ter esse tempo ocioso ocupado, ocupando a mente e se colocando objetivos. Porque uma pessoa sem objetivos não sabe para onde vai. Então, ela pode ir pra qualquer lugar, inclusive errado. Então, tem mudado essa perspectiva de vida das crianças, e muitas vezes dos pais também, que muitas vezes não tinham nenhum futuro em mente e hoje já começa a refletir que existe um novo caminho a se seguir.

Este fragmento do depoimento da educadora social Joana reforça a ideia

de que as atividades realizadas pela intervenção do Formando o Amanhã vêm

se constituindo, para os seus atores, em “...espaços importantes de cidadania e

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de estabelecimento de práticas que apontam novos possíveis horizontes, onde

a especulação e a dominação social não tem lugar” (GOHN; 2012: 47).

Esta nossa afirmação está vinculada aos diálogos que observamos entre

os educadores e educadoras sociais da ação, destes com os seus educandos

e educandas, entre os educandos e educandas e os seus responsáveis, bem

como, entre os responsáveis dos educandos e educandas da intervenção.

Nestes diálogos, os conteúdos abordados, via de regra, giravam em torno

da construção de novas perspectivas, tanto pessoais como para o bairro, para

a coletividade.

Ainda no que diz respeito ao fragmento do depoimento da educadora

social Joana, acima transcrito, este mesmo fragmento destaca a importância

que tem, para os educadores e educadoras sociais da intervenção, a

construção e apresentação de novos horizontes para os educandos e

educandas da intervenção, nos quais buscam desenvolver, através de

atividades educativas a identidade-nós, a identidade coletiva de seus

participantes.

Por isso, verificamos que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã,

em suas ações educativas, vem fazendo um contraponto a lógica tão presente

em nosso atual estágio civilizacional, o qual estimula o desenvolvimento

egoísta e que visa, primeiramente, a obtenção de bens materiais.

As atividades realizadas na intervenção desenvolvem as ideias

apresentadas por Gohh, que defendem que:

A participação dos indivíduos deveria ser feita objetivando não apenas obter um bem material imediato, ainda que extremamente necessário, mas também o crescimento daquele ser enquanto indivíduo, estimulando o desabrochar de seu potencial humano, de sua individualidade, aspirações e desejos. Ou seja, o amadurecimento de sua personalidade (GOHN; 2012: 115-116).

Vale ressalta a importância de não confundir individualidade com

individualismo. Segundo construímos, a partir da leitura da autora (GOHN 2010

e 2012), individualidade refere-se a características e valores dos indivíduos, as

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quais permitem a inserção deste na coletividade, possibilitando a este agregar

valores e contribuir com o fortalecimento e desenvolvimento da coletividade.

Já o individualismo, pelo contrário, faz crescer nos indivíduos valores e

objetivos, os quais procuram distinguir, separar os indivíduos da sua

coletividade, fazendo com que, apesar do aparente fortalecimento individual e

aparentes facilidades apresentadas, só contribuem para o enfraquecimento dos

indivíduos e da sua coletividade.

Ao se referir as mudanças que a intervenção do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã têm realizado no bairro dos Coelhos, o educador social

Lukas relata as mudanças que a intervenção realizou na sua vida: “mudou meu

pensamento, me mostrou uma luz de mudança, de mudança de vida. Me

mostrou, não só a mim, mas também às crianças que fazem parte do ‘Projeto’,

que existe um mundo lá fora, que precisa de nós para que nós possamos

mudar a nossa realidade”.

E retomo para defender que a principal mudança que a intervenção tem

realizado se refere à educação:

A educação, né?! [...] De você conseguir enxergar as coisas positivas e negativas da sua vida. Puder discernir ali, né?! Dividir o que é certo e o que é errado, e entender que fazer coisas erradas só vai levar você às coisas erradas também. Procurar estudar. Eu acho que essa é a mudança maior, a do lado da educação, é o ponto principal das pessoas dentro do ‘Projeto’.

Contudo, Lukas reconhece que a intervenção não tem o mesmo

significado para todos os atores participantes, mas sabe que representa

alguma mudança, seja ela grande ou pequena. Quando perguntado o que, para

ele, a intervenção representa para a vida dos participantes, ele responde:

Pra alguns, representa alimentação, alimento. Pra outros: ‘– Pô, eu acho que é só um esporte’. Pra outros, representam uma mudança de vida, uma educação, uma educação compartilhada. A gente fala muito sobre isso, uma educação compartilhada entre escola, família e ‘Projeto’, né?! Uma mudança de vida, uma luz no final do túnel, como a gente fala, né?! Você, como eu, ser um morador dos Coelhos e hoje está se formando, terminando uma faculdade. Isso é uma perspectiva de vida. O Projeto Formando o Amanhã traz essa mudança de vida nas crianças. Ele faz com que elas consigam

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acreditar que ele pode, que ele vai conseguir, só vai depender dele.

E assim, a partir das mudanças relatadas nas narrativas dos atores desta

pesquisa, as quais dão conta das resultados por eles e elas registrados, é que

nos permitem afirmar que as ações educativas realizadas através do futebol

pelo Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, dentro da configuração do

bairro dos Coelhos, vêm fazendo história.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos às considerações finais deste trabalho depois de percorrido

todo o processo que vai da identificação do problema e sua problemática,

definição do objeto e objetivo da pesquisa, passando pela elaboração da

metodologia de trabalho, método de seleção, coleta e análise dos dados, e

escolha dos referenciais teóricos que nos auxiliariam no estudo do objeto

selecionado e na tarefa de produção do conhecimento acerca do mesmo.

Nesta pesquisa, seguimos o processo de construção do espaço humano,

da construção do humano num processo civilizador, construído através do

trabalho humano.

No bairro dos Coelhos, este trabalho é realizado, segundo as vozes dos

seus moradores e moradoras, com a participação mínima do poder público, o

que contribui para a edificação de uma configuração marcada pela exclusão,

vulnerabilidade e violência; e sob a influência de visões preconceituosas, o que

interfere no processo civilizador dos moradores e moradoras daquela

localidade, interferindo no desenvolvimento do padrão de comportamento dos

desses indivíduos.

Vimos que, nas sociedades contemporâneas, o poder público, o Estado,

foi constituído como um poderoso espaço centralizador das oportunidades de

desenvolvimento humano, social e econômico, e que a distribuição destas

oportunidade é realizada conforme os interesses e objetivos do próprio Estado,

que, por sua vez, materializa os interesses e objetivos da classe social que

ocupa a direção deste Estado, os establishment, os quais, por serem

favorecidos pela ordem social vigente, atuam na perspectiva da manutenção

desta ordem, mesmo que para tanto tenham que condenar populações inteiras

à viverem em condições inadequadas para o desenvolvimento humano.

O bairro dos Coelhos, por estar situado fora das áreas de interesse

econômico e social dos establishment, seus moradores e moradoras têm que

desenvolver a configuração do seu espaço tendo que enfrentar toda sorte de

adversidades e discriminação, as quais acaba por influenciar no processo

educativo que produz e desenvolve o padrão de comportamento estabelecido

dentro da configuração do bairro.

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Durante o trabalho da pesquisa, foi possível observar que essas

condições adversas induz à produção de um padrão de comportamento

marcado pelo individualismo, responsável pelo afastamento dos indivíduos,

que, por sua vez, não atuam de forma colaborativa no sentido de enfrentar e

superar os fenômenos responsáveis pela configuração de exclusão e

vulnerabilidade do bairro.

Contudo, esse mesma configuração possibilitou as condições propicias

para que um grupo de amigos, a partir da imersão crítica na sua realidade

concreta, despertasse para o desejo de produzir um conjunto de atividades e

ações que possibilitasse a edificação de outros valores e parâmetros para o

desenvolvimento social e humano dentro do bairro dos Coelhos.

O fato é que a sociedade não produz apenas o semelhante e o típico,

mas também o indivíduo (cf. Elias; 1994b: 55), o singular. Ou seja, é na

dinâmica da vida em sociedade que são geradas as forças que atuam tanto

para a manutenção quanto para a mudança da ordem social vigente.

Neste sentido, esse grupo de amigos, pertencente à configuração do

bairro dos Coelhos, despertou para o desenvolvimento de um projeto

educacional de intervenção social capaz de mobilizar e engajar os moradores e

moradoras daquela localidade num processo de mudanças que está mudando

a perspectiva de vida dos participantes da intervenção e o perfil do bairro.

Nosso trabalho de pesquisa constatou que o êxito da intervenção pode

ser atribuído a vários fatores, mas que os mais significativos residem no fato da

intervenção contemplar as características do espaço físico da localidade, ao

utilizar o campinho de futebol do bairro; desenvolver suas atividades a partir de

atividades já bastante admiradas e praticadas pelos moradores e moradoras do

bairro, no caso, o futebol; e buscar desenvolver, a partir da escolinha de

futebol, novos padrões de comportamento que visem contemplar a reflexão

sobre os fenômenos responsáveis pela configuração de exclusão e

vulnerabilidade do bairro dos Coelhos e uma inserção mais solidária e

colaborativa dos moradores da localidade na vida social da comunidade.

Ao dotar a intervenção com essas características, o grupo de amigos

responsáveis pela intervenção não só ataca uma ausência sentida no bairro,

que é a de ações educativas e de lazer, como também, atende uma demanda

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dos indivíduos da localidade, que consiste na realização de atividades

esportivas e recreativas.

Em nossa pesquisa, procuramos demostrar que para os educadores e

educadoras sociais da intervenção, mesmo a prática esportiva do futebol tendo

uma demanda bastante sentida, a escolinha de futebol da ação não se destina

apenas a atender a esta demanda, mas sim, trabalhar características do futebol

que favoreçam o desenvolvimento de novos padrões de comportamento, tais

como: trabalho em equipe, solidariedade, respeito ao outro, entre outras.

Constatamos que atrair e mobilizar os atores do bairro dos Coelhos era

apenas o desafio inicial dos proponentes da intervenção, suas ambições

estavam em instrumentalizar, em educar, os seus atores para uma inserção

crítica, propositiva e ativa frente ao cotidiano do bairro, o que demandou a

elaboração de uma ação educativa que contemplasse os temas pertinentes à

realidade de exclusão e violência daquela localidade.

Vimos, através do nosso trabalho de pesquisa, que desde o início das

suas atividades, o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, teve a

pretensão de mudar vidas, de transformar as características do bairro dos

Coelhos, e que os seus atores identificaram que para tanto, a melhor forma de

alcançar esse objetivo era promover os indivíduos residentes naquela

localidade à condição de protagonistas das suas histórias de vida e da história

do seu bairro.

Para tanto, os educadores e educadoras sociais do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã, antes de iniciar suas atividades procuram

promover debates e oferecer palestras acerca dos temas dos quais eles e elas

acreditam que a exclusão, a violência e a criminalidade estão relacionados, na

maioria das vez esses temas eram trazidos pelos educandos e educandas da

intervenção.

Com esse iniciativa, os atores do Formando o Amanhã vão se

apropriando da realidade do bairro, vão problematizando os fatores da

realidade que contribuem para sua condição de exclusão e vão realizando o

enfrentamento, à medida que se fortalecem, elaborando realidades alternativas

que buscam realizar através da sua ação.

O que a pesquisa constatou é que o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã se constituiu como um espaço de novas práticas na construção,

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transmissão e troca de saberes. Saberes esses mais relacionado com o

fortalecimento da identidade coletiva e o enfrentamento dos problemas comuns

do cotidiano.

Constatamos que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, através

da sua intervenção educativa, vem fortalecendo os seus atores,

instrumentalizando-os para uma leitura e inserção crítica na sua realidade, o

que acaba por produzir as condições necessárias para uma atuação mais

protagonista e a consequente mudança de vida.

Nesta pesquisa, vimos também que para se consolidar enquanto uma

intervenção de educação social o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã

teve de enfrentar várias dificuldades e desenvolver estratégias de superação.

Um dos fatores que facilitou a implantação da intervenção, como vimos,

foi o fato dela ser protagonizada por moradores e moradoras da própria

comunidade, o que nos permite inferir que numa ação de intervenção

educativa, quando a mesma traz entre seus atores indivíduos que já fazem

parte da rotina do espaço onde ela pretende ser implantada, isso pode se

constituir enquanto fator facilitador.

Contudo, apenas o fato de seus atores fazerem parte da configuração do

bairro, não implica que a implantação fique isenta de críticas e resistências.

Como vimos muitos foram os obstáculos, mas que serviram como estímulos

para que os atores da intervenção procurassem se desenvolverem enquanto

indivíduos e, com isso, qualificassem sua intervenção.

Acreditamos que o nosso trabalho contribui na construção do

conhecimento acerca de fatores que atuam de forma condicionante no

processo de desenvolvimento e consolidação do padrão de comportamento

das comunidades periféricas, no nosso caso, a do bairro dos Coelhos.

Acreditamos que valorizando os aspectos aqui refletidos, as intervenções

educacionais possam conseguir maior eficiência, eficácia e efetividade juntos

as configurações sociais de exclusão e vulnerabilidade.

Uma outra questão que surgiu, e que fica para além das intenções deste

trabalho, mas que fica como questão para ser refletida em outras pesquisas,

diz respeito a como será que os establishment percebem a presença do Estado

em suas vidas? Qual contribuição eles creditam ao poder público para que eles

possam viver nas condições em que vivem? Responder essa pergunta pode

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contribuir para a reflexão que o Poder Público, o Estado, precisa fazer na hora

de distribuir as oportunidades por ele concentradas.

Durante a pesquisa, foi possível observar que quanto mais os sujeitos e

os grupos sociais tomam conhecimento dos fenômenos e processos atuantes

na construção da sua realidade social, mais eles se interessam em

compreender esses processos e buscam atuar sobre eles para transformar a

realidade.

Por fim, concluímos que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã,

dentro da configuração do bairro dos Coelhos, se constituiu como um centro

indicador de alternativas, lócus de resistência à lógica do individualismo e base

potencializadora de novos projetos de vida, todos, materializada dentro de uma

iniciativa educacional que através de uma escolinha de futebol vem

transformando vidas, e com isso, fazendo história, fazendo a educação pelo

futebol no bairro dos Coelhos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

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___________. Discurso e texto: formulação e circulação de sentidos.

Campinas – São Paulo: Edição Pontes Editores, 2008.

PAIVA, Fábio da Silva. Educação e violência nas histórias em quadrinhos

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(Mestrado em Educação) – Centro de Educação da Universidade Federal de

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Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Educação da Universidade

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SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo

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(Mestrado em Educação) – Centro de Educação da Universidade Federal de

Pernambuco – Recife, 2015.

SIMÕES, José Luís (Org.). Pesquisas em teoria e história da educação.

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SOUZA, Edílson Fernandes de (Org.). História e memória da educação em

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155

TENÓRIO, Edson. Educação, tempo livre e lazer nas associações docentes

de Pernambuco na segunda do século XX. 2011. 111 f. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Centro de Educação da Universidade Federal de

Pernambuco – Recife, 2011.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Tradução de Lólio

Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro – RJ: Paz e Terra, 1992.

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APÊNDICE A – Mapa Político-administrativo do Bairro dos Coelhos

Fonte: Prefeitura da Cidade do Recife, (2016).

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APÊNDICE B – Imagem aérea do Bairro dos Coelhos

Fonte: Google.

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APÊNDICE C – Imagem aérea do Campinho dos Coelhos

Fonte: Google.

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APÊNDICE D – Ficha Cadastral dos educadores e educadoras sociais e

Termo de Autorização de Uso da entrevista

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO NÚCLEO DE TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

FICHA DE CADASTRO DO DEPOENTE

PARA OS EDUCADORES E EDUCADORAS SOCIAIS

Nome: __________________________________________, Sexo: M ( ) F ( ); Como gostaria de ser identificado na dissertação: _______________________; Garantir o anonimato e falar da importância do anonimato. Idade: ______; Quanto tempo mora ou morou na comunidade: ________ anos; Ainda mora no bairro dos Coelhos: Sim ( ) N ( ); Endereço: Rua: _________________________________________, ________; Bairro: ____________________________; Cidade: _______________ - _____; Fones de contato: ___________________________ e ___________________; E-mail: _________________________________________________________; Qual função exercia no PSEFA: _____________________________________; Quanto tempo passou no PSEFA: _____ anos; De ____/____ à _____/______;

CARTA DE CESSÃO

Eu, ____________________________________________________________,

RG No. ___________________, autorizo a deposição, transcrição, reprodução

e publicação, total ou parcial, da entrevista dada ao mestrando Anderson

Walace Nascimento de Queiroz, RG No. X.XXX.XXX, para a pesquisa:

“Jogando bola, fazendo história: a educação pelo futebol no bairro dos

Coelhos”.

OBSERVAÇÕES_________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Recife, ________/________/____________.

_________________________________

ASSINATURA DO ENTREVISTADO

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APÊNDICE E – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista

(Educadores e Educadoras Sociais)

ROTEIRO DA ENTREVISTA

PARA OS EDUCADORES E EDUCADORAS SOCIAIS

Data da Coleta: ____/____/________

Caracterização do sujeito:

Nome:___________________________________________, Sexo: M ( ) F ( );

Idade: _______; Quanto tempo mora ou morou na comunidade: _______ anos;

Qual função exercia no PSEFA: _____________________________________;

Quanto tempo passou no PSEFA: ____ anos; De ______/___ à _____/______;

Duração do depoimento: ______ h ______ minutos.

Seção 1

1) Como era a sua vida, o que você achava da sua vida antes de participar

do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã?

2) O que você achava do bairro dos Coelhos nesta época?

3) Os Coelhos é visto lá fora como um lugar de muita violência e

criminalidade. O que você pensa das pessoas que só veem essas

coisas nos Coelhos?

4) Para você, o que os Coelhos tem de diferente dos outros lugares, onde

moram as pessoas com mais poder aquisitivo, como Boa Viagem,

Espinheiros? (Diferente para melhor e para pior)

Seção 2

1) Como vocês escolheram o futebol? Por que vocês escolheram o futebol

para realizar o trabalho da intervenção?

2) Você acha que o futebol, o esporte, pode ajudar as pessoas a aprender

a viverem em sociedade? Por quê?

3) O que o futebol ensinou para você que lhe ajuda na realização da

intervenção?

Seção 3

1) Para você, quais são as principais características do Bairro dos

Coelhos?

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2) Por que você considera que essas características são as principais?

(Fazer referência às características citadas na resposta anterior)

3) Na sua opinião, para as pessoas que não conhece o bairro dos Coelhos,

que só o conhece por ouvir falar de outras pessoas, no jornal, no rádio,

ou na televisão, quais são as principais característica do bairro dos

Coelhos?

4) Na sua opinião, o que você acha que faz as pessoas pensarem isso?

(Fazer referência as características citadas na resposta anterior)

5) O que você acha disso? E o que você pode fazer para mudar isso?

Seção 4

1) O que representa para sua vida o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã?

2) O que você acha que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã

representa para os participantes e para a comunidade?

3) Por que você decidiu realizar/participar do Projeto? Qual o seu objetivo?

4) Na sua opinião, quais foram as principais dificuldades que o Projeto

Sócio Esportivo enfrentou nos seus primeiros momentos? E o que vocês

fizeram para superar essas dificuldades?

5) Através do futebol, vocês procuram ensinar muitas coisas às crianças e

jovens que participam do Projeto. Quais mudanças isso tem causado na

sua vida? E que mudança você acha que tem causado na vida das

crianças e jovens que participam do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã?

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APÊNDICE F – Ficha Cadastral dos Educandos e Educandas e Termo de Autorização de Uso da Entrevista

(Também assinado pelo responsável legal do educando ou educanda)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO NÚCLEO DE TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

FICHA DE CADASTRO DO DEPOENTE PARA OS EDUCANDOS E EDUCANDAS

Nome: __________________________________________, Sexo: M ( ) F ( );

Como gostaria de ser identificado na dissertação: _______________________;

Garantir o anonimato e falar da importância do anonimato.

Idade: __________; Quanto tempo mora ou morou na comunidade: ____ anos;

Ainda mora no bairro dos Coelhos: Sim ( ) N ( );

Endereço: Rua: _________________________________________, ________;

Bairro: ______________________________; Cidade: _____________ - _____;

Fones de contato: __________________________ e ____________________;

E-mail: _________________________________________________________;

Quantos anos tinha quando entrou no PSEFA: __ anos e saiu com: ____ anos;

Estava em qual série quando entrou no PSEFA: __; Estudou até que série: __;

Quanto tempo passou no PSEFA: ____ anos; De _____/_____ à ____/_____;

CARTA DE CESSÃO

Eu, ____________________________________________________________, RG No. ___________________, autorizo a deposição, transcrição, reprodução e publicação, total ou parcial da entrevista dada ao mestrando Anderson Walace Nascimento de Queiroz, RG No. X.XXX.XXX, para a pesquisa: “Jogando Bola, Fazendo História: a Educação pelo futebol no Bairro dos Coelhos”.

OBSERVAÇÕES_________________________________________________

_______________________________________________________________

Recife, ________/________/____________.

______________________________

ASSINATURA DO ENTREVISTADO

______________________________

ASSINATURA DOS PAIS OU

RESPONSÁVEL

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APÊNDICE G – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista

(Educandos e Educandas)

ROTEIRO DA ENTREVISTA

PARA OS EDUCANDOS E EDUCANDAS

Data da Coleta: ____/____/________

Caracterização do sujeito:

Nome: _______________________________________________, Sexo: M ( ) F ( );

Idade: __________; Quanto tempo mora ou morou na comunidade: ________ anos;

Quantos anos tinha quando entrou no PSEFA: _____ anos e saiu com: _____ anos;

Estava em qual série quando entrou no PSEFA: ____; Estudou até que série: _____;

Quanto tempo passou no PSEFA: _____ anos; De _____/________ à ____/______;

Duração do depoimento: ______ h ______ minutos.

Seção 1

1) Como era sua vida? O que você achava da vida quando tinha XX anos?

(Relacionar a idade que o informante tinha em 2008, ano do início do Projeto)

2) O que você pensava dos Coelhos nessa época?

3) O que você pensava das outras pessoas que você via quando saia para

passear no Centro do Recife, nos Shoppings ou na praia? (Aqui pode ser

citado vários espaços públicos onde as classes sociais podem circular com

uma relativa liberdade)

4) Você se achava parecido com elas, ou que poderia ser igual a elas? Por quê?

Seção 2

1) O que levou você a participar do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã?

2) Como você passou a ver as outras pessoas e a vida depois que passou a

participar do Projeto?

3) O Projeto ajudou você nas relações com as outras pessoas? De que forma?

Seção 3

1) Quando você entrou no Projeto, o que você queria fazer da sua vida?

(Profissional, pessoal...)

2) Na sua opinião, o que você acha que poderia lhe ajudar e o que poderia lhe

atrapalhar nesses seus planos?

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3) O que você acha que precisaria fazer para superar as dificuldades e

conseguir o que você quer para sua vida?

Seção 4

1) O que representa na sua vida o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã?

2) O que mudou na sua vida, no seu jeito de ver a vida e as pessoas depois que

você passou a participar do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã?

3) Você tinha dificuldades para participar do Projeto? Se sim, quais?

4) Quando você passou a participar do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã, o que seus amigos que não participavam dizia para você?

5) Você se considera diferente do que você era quando começou a participar do

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã? Se sim, o que mudou?

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APÊNDICE H – Ficha Cadastral do Entrevistado (Dados da formação do bairro

dos Coelhos) e Termo de Autorização de Uso da Entrevista

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO NÚCLEO DE TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

FICHA DE CADASTRO DO DEPOENTE

PARA O MORADOR OU MORADORA ANTIGO DO BAIRRO

Nome: __________________________________________, Sexo: M ( ) F ( ); Como gostaria de ser identificado na dissertação: _______________________; Garantir o anonimato e falar da importância do anonimato. Idade: ______; Quanto tempo mora ou morou na comunidade: ________ anos; Ainda mora no bairro dos Coelhos: Sim ( ) N ( ); Endereço: Rua: _________________________________________, ________; Bairro: ____________________________; Cidade: _______________ - _____; Fones de contato: ___________________________ e ___________________; E-mail: _________________________________________________________; Participa ou Participou do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã: ( ) S ( ) N Qual função exercia no PSEFA: _____________________________________; Quanto tempo passou no PSEFA: _____ anos; De ____/____ à _____/______;

CARTA DE CESSÃO

Eu, ____________________________________________________________, RG

No. ___________________, autorizo a deposição, transcrição, reprodução e

publicação, total ou parcial, da entrevista dada ao mestrando Anderson Walace

Nascimento de Queiroz, RG No. X.XXX.XXX, para a pesquisa: “Jogando bola,

fazendo história: a educação pelo futebol no bairro dos Coelhos”.

OBSERVAÇÕES______________________________________________________

___________________________________________________________________

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Recife, ________/________/____________.

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ASSINATURA DO ENTREVISTADO

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APÊNDICE I – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista

(Dados da formação do bairro dos Coelhos)

ROTEIRO DA ENTREVISTA

PARA O MORADOR OU MORADORA ANTIGO DO BAIRRO

Data da Coleta: ____/____/________

Caracterização do sujeito:

Nome:___________________________________________, Sexo: M ( ) F ( );

Idade: _______; Quanto tempo mora ou morou na comunidade: _______ anos;

Participa ou Participou do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã: ( ) S ( ) N

Qual função exercia no PSEFA: _____________________________________;

Quanto tempo passou no PSEFA: ____ anos; De ______/___ à _____/______;

Duração do depoimento: ______ h ______ minutos.

1) O que você conhece do processo de ocupação do bairro dos Coelhos?

2) Como era o bairro dos Coelhos na sua infância?

3) O que você lembra das enchentes que ocorreram no bairro dos Coelhos?

4) O que você lembra dos incêndios que ocorreram no bairro dos Coelhos?

5) O que acha do bairro dos Coelhos?

6) Na sua opinião, o que você acha que as pessoas que não moram no bairro

dos Coelhos pensam do bairro?

7) O que você acha da opinião delas?

8) O que você pode fazer para tentar mudar a opinião negativa que as pessoas

têm do bairro dos Coelhos?

9) Você conhece o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã? Se sim. O que

você pensa que eles querem realizar aqui no bairro dos Coelhos?

10) Na sua opinião, quais as mudanças que o Projeto Sócio Esportivo Formando

o Amanhã está conseguindo realizar aqui no bairro dos Coelhos?

11) Na sua opinião, quais as dificuldades que as pessoas do bairro dos Coelhos

enfrentam para crescer na vida?

12) Na sua opinião, quais as facilidades que as pessoas do bairro dos Coelhos

têm para crescer na vida?

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APÊNDICE J – Dados do perfil de Ewerton e Transcrição parcial da entrevista

Ewerton, 55 anos de idade, morador antigo do bairro dos Coelhos, é servidor

público estadual, na área de segurança pública. Vive com a esposa e dois filhos

adolescentes na mesma casa em que nasceu. Ver mais aspectos positivos do que

negativos em ser do bairro dos coelhos e não pensa em se mudar da comunidade.

A partir do tempo: 00’00’’

Ewerton – Posso falar da história do bairro, né?! Que minha mão contava, que foi

uma comunidade pobre! Que foi aterro, né?!

Pesquisador – Bom dia! Ewerton, o que você considera ser mais importante de

relatar da sua vida aqui no bairro dos Coelhos?

Ewerton – Antes de tudo, bom dia! Eu queria agradecer a você pela preferência de

estar respondendo a essas perguntas. Bem... Nascemos aqui numa comunidade

carente, né?! Que minha mãe contava que o bairro era um rio e foi, através de muito

sacrifício dos primeiros moradores, aterrar essa comunidade. Eu lembro, assim, de

uma comunidade sendo carente, mas me lembro de muita felicidade no bairro.

Porque nós brincávamos, sem nenhum apoio governamental, mas, na nossa

infância, tinha todas as brincadeiras de criança, interagíamos uma com a outra. E

hoje, nós não vemos isso. Mesmo com o progresso que chegou, mas, as crianças

hoje não têm onde brincar. Hoje, com o acesso da internet, as crianças só vivem na

internet, não têm essa interação umas com a outra. E ainda falta muita coisa a ser

construída aqui na comunidade, que eu sinto a ausência governamental aqui no

nosso bairro.

Pesquisador – O que você sabe sobre o processo de ocupação do bairro dos

Coelhos?

Ewerton – Sei que foi com muita luta. Antigamente, assim, de ocupação, porque era

um rio, teria que ser aterrado e não tinha acesso a chegar aqui o aterro, tinha que vir

de muito longe porque era muita lama, tinha que vir de carro de mão ou com latas na

cabeça pra fazer o aterro. Eu sei que [foi] com muita luta, com muito sacrifício. Eu

me lembro de minha mãe contando essas histórias.

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APÊNDICE K – Dados do perfil de Lukas e Transcrição parcial da entrevista

Lukas, 40 anos de idade, educador social da intervenção, foi nascido e criado no

bairro dos Coelhos, atualmente não mora mais no bairro, mas visita o bairro todos os

dias. É casado, tem dois filhos adolescente onde todos participam do Projeto Sócio

Esportivo Formando o Amanhã do qual foi um dos idealizadores e esteve entre os

primeiros educadores sociais da intervenção. No ano de 2008, Lukas exercia a

profissão de taxista, por conta da participação nas atividades da intervenção ele

voltou a estudar, fez um curso supletivo para terminar o ensino médio, formou-se em

educação física e, atualmente trabalha em academias e no Projeto Academia do

Bairro da Prefeitura do Recife. Sem abandonar as atividades do Formando o

Amanhã, Lukas está cursando uma especialização para técnico de futebol.

A partir do tempo: 00’00’’

Pesquisador – Lukas, antes de começarmos com a entrevista, propriamente dita, eu

gostaria que você falasse das coisas que você considera importante, para a

pesquisa, sobre a sua vida, sobre o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã e

sobre o bairro dos Coelhos.

Lukas – O importante na minha vida é essa oportunidade de Deus me deu de estar

realizando esse trabalho maravilhoso aqui na comunidade, através desse trabalho

conseguimos aí nos formar e isso é importante na minha vida; Dentro da

comunidade dos Coelhos, é... como a gente está falando do Projeto, é um Projeto

pioneiro dentro da comunidade, onde é importante também no desenvolvimento das

crianças, desenvolvimento da nossa sociedade dentro da comunidade; [...] e as

dificuldade que elas são encontradas na falta de estrutura física, na falta de material

esportivo, né?! Na falta de um apoio maior do poder público para melhorar ainda

mais as nossas atividades, né?!

Pesquisador – Como era a tua vida antes de ter a ideia do Projeto, antes de

participar do Projeto?

Lukas – Eu levava uma vida normal, uma vida feito um cidadão mesmo. Não tinha

perspectiva, assim, de querer estudar, não tinha esse pensamento de querer se

qualificar mais. Tinha uma preocupação relacionada às crianças e às amizades que,

infelizmente, se envolvia dentro da comunidade... E pensava o que poderia ser feito...

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APÊNDICE L – Dados do perfil de Janaína e Transcrição parcial da entrevista

Janaína, 48 anos de idade, educadora social da intervenção, foi nascido e criado

no bairro dos Coelhos, onde vive até hoje. Janaína foi uma das primeiras

educadoras sociais da intervenção, ela tem um comércio onde vende refeições e

bebidas num mercado de box, localizado dentro do bairro dos Coelhos. Por conta de

suas atividades profissionais, a depoente teve que se afastar das atividades do

Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã. Em vários momentos do seu

depoimento, a depoente se emociona ao comentar que teve que se afastar do

Projeto. Ela relata que seus netos, que vivem com ela, participam das atividade e

que ela tem um filho que era jogador de futebol, mas que abandonou a carreira e

encontra-se, atualmente, preso.

A partir do tempo: 01’18’’

Pesquisador – Como era sua vida, como a senhora vivia, antes de entrar no Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã?

Janaína – Minha vida era... assim... Era... como se diz... perturbada. Perturbada não

era esse negócio de drogas, essas coisas não. É porque meu filho foi preso, tudinho.

Que eu tenho um filho preso. Aí, meus netos ia pra lá [para as atividades do Projeto

Sócio Esportivo Formando o Amanhã]. Aí eu: Todo domingo, todo sábado vocês vai

pra onde? Não, mãe. Não, voinha, eu vou lá pro treino de tio Lukas [respondia os

netos]. Aí eu perguntava, onde é esse treino? É lá no Campinho. Ah, eu vou lá ver

esse treino. Chegando lá, eu gostei também, porque vi que os meninos estavam

jogando. Eu conheci Tio Lukas, quer dizer, eu já conhecia, mas não tinha amizade

com ele. Aí, depois que eu fui, eu peguei essa amizade com ele, com os outros

meninos também, com os filhos deles, porque eu acho muito lindo eles dois [...],

muito respeitador, e aí, eu fui ficando, ficando... Eles mão me chamaram, eu fui

ficando, aí, depois, eu já estava no meio deles ajudando: cortava as frutas, cortava

os pão, cortava a mortadela. A gente tinha muita gente que ajudava, como ainda

ajuda. Eu vinha pegava o pão, a mortadela, levava guaraná. Às vezes, se eu faço

cachorro quente, levava. Tudo bem. E teve uma pessoa que ajudou, que faleceu,

que era “Gago”, também, sabe?! Que Deus bota a alma dele em um bom lugar. E o

resto da turma.

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APÊNDICE M – Dados do perfil de João e Transcrição parcial da entrevista

João, 33 anos de idade, educador social da intervenção, também ajuda em

outros projetos sociais organizado e realizado por iniciativa dos moradores e

moradoras do bairro dos Coelhos. João é músico percursionista e cultiva o sonho de

instalar no bairro dos Coelhos um projeto social que trabalhe com a música. Em seu

depoimento, João relata que teve problemas com o consumo de drogas e que

consegui superar esses problemas graças ao apoio que recebeu dos amigos

organizadores do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã.

A partir do tempo: 01’22’’

Pesquisador – O que você acha do bairro dos Coelhos na época em que estava

envolvido com outras coisas, com o consumo de drogas?

João – Eu achava que aqui devia ter pessoas qualificadas para colocar as nossas

crianças no meio das coisas boas: numa oficina de música, numa aula de futebol, e

em outras coisas melhores que o nosso bairro nunca teve.

Pesquisador – O bairro dos Coelhos é visto lá fora como um lugar de muita

violência, criminalidade. O que você acha das pessoas que só pensam isso do bairro

dos Coelhos?

João – Eu acho que as pessoas só pensam isso do nosso bairro porque as pessoas

não conhecem a realidade do nosso bairro. O nosso bairro, é um bairro muito forte e

mal visto, e a gente, quando saímos lá fora, tenta mostrar as pessoas que o nosso

bairro é outra coisa totalmente diferente, tem muita coisa boa pra mostrar ao pessoal

que vem de fora.

Pesquisador – Na sua opinião, o que é que tem de diferente, de bom e de ruim, no

bairro dos Coelhos?

João – O que tem de ruim, na nossa comunidade, é o tráfico [de drogas] né?!, que

está acabando com as nossas crianças, é as pessoas aliciando as pessoas de

menores potencial.

Pesquisador – E o que é que tem de bom?

João – De bom, tem o nosso Projeto que é uma coisa muito boa, tem o maracatu de

Dona Rosa, tem o pessoal da Seresta que eu faço parte também [...]

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APÊNDICE N – Dados do perfil de Joana e Transcrição parcial da entrevista

Joana, 29 anos de idade, educadora social da intervenção, não é moradora do

bairro, teve conhecimento da intervenção a partir do educador social Lukas, a quem

já conhecia, que a chamou para participar da intervenção devido ao fato de Joana

ter a formação em educação física. Joana tem um comércio na região central do

Recife que trabalha com conserto e vendas de sapatos, cintos, bolsas e artigos de

couro em geral.

A partir do tempo: 04’17’’

Pesquisador – Você participou da escolha do futebol como atividade mobilizadora

da Intervenção? Se sim, como foi feita essa escolha e o que você achou da escolha

do futebol?

Joana – Não! Quando eu cheguei já era o futebol.

Pesquisador – E o que você achou de ter sido escolhido o futebol?

Joana – Eu achei uma escolha excelente, porque o futebol é um esporte que

abrange uma quantidade boa de crianças, visto que o futebol é o esporte preferido

dos brasileiros.

Pesquisador – Para você, o futebol ajuda em alguma coisa a pessoa para viver em

sociedade?

Joana – Como qualquer outro esporte, ajuda sim. Porque é uma forma da criança,

através de uma forma lúdica, ela desenvolver qualidades nela de uma perseverança,

né?!, a garra, o foco em um objetivo, como a união também, trabalhar em equipe. De

saber que você precisa estar bem, que o outro precisa estar bem para a equipe

vencer. É muito importante sim a inserção do futebol nessas comunidades.

Pesquisador – O trabalho com o futebol, junto como o da intervenção, o que mudou

na sua vida?

Joana – Na minha vida, como eu já falei, abriu a minha mente para uma nova

realidade, de uma parte da sociedade que é discriminada, e saber que são pessoas,

pelo menos eu trabalhei com as crianças, e ver que, realmente, existe a

possibilidade de investimento e de ter um novo futuro, dá uma nova realidade,

apesar da situação da comunidade ser difícil. Muitas crianças, realmente, [...]

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APÊNDICE O – Dados do perfil de Adilson e Transcrição parcial da entrevista

Adilson, 16 anos de idade, educando da intervenção, é nascido e criado no bairro

dos Coelhos e está cursando o primeiro ano do ensino médio. Adilson, como muitas

crianças e adolescente, sonha em se tornar um jogador de futebol, mas afirma que,

depois que passou a participar da intervenção, começou a dar mais valor ao estudo

porque, se a carreira no futebol não der centro, ele quer ser um cidadão de bem.

A partir do tempo: 08’15’’

Pesquisador – O que representa na sua vida o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã?

Adilson – Representa muita coisa, né?! Porque lá em aprendi a respeitar as

pessoas, aprendi a olhar as pessoas de um modo igual a mim: se eu quero respeito

pra minha mãe, eu quero respeito pra mãe do outro também. Aprendi a escutar as

pessoas, que na nossa comunidade só não tem bandido, tem pessoa de bem.

Sempre tem alguém pra te colocar pra baixo. Mas esse Projeto na comunidade,

Lukas, ajuda a gente a não desanimar nada: a gente perdia um jogo, Lukas: “Não.

Isso faz parte do jogo: perder ou ganhar. Isso é só um contexto da vida: perder ou

ganhar. A gente precisa batalhar para ganhar novamente.”

Pesquisador – O que mudou na sua vida, no seu jeito de ver a vida e as pessoas

depois que você passou a participar da intervenção?

Adilson – Mudou assim, eu só vivia na rua brincando, “maloqueirando”. Aí depois eu

comecei a vir pros treinos, eu comecei a me interessar mais. Parei de estar mais na

rua. Lukas mandava a gente dormir cedo, porque dormir cedo faz bem. Eu sempre

dormia tarde assistindo televisão. Lukas pedia pra gente dormir cedo, se alimentar

bem. Eu só comia umas três vezes por dia, hoje eu como um bocado de vez: que se

alimentar bem faz parte pra gente ficar bem de pernas. Assim, porque quando a

gente vinha pro treino, dez minutinhos a gente já cansava. Hoje em dia, a gente

aguenta uma hora, duas horas de treino.

Pesquisador – Você teve dificuldades para participar da intervenção?

Adilson – Tinha não. Porque eles deixava todo mundo que quisesse vim, se

interessasse mesmo, treinar. Era portas abertas para qualquer um, independente da

cor, da raça, da família, todo mundo que quisesse vir treinar, podia treinar. [...]

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APÊNDICE P – Dados do perfil de Isa e Transcrição parcial da entrevista

Isa, 17 anos de idade, educanda da intervenção, é nascida e criada no bairro dos

Coelhos e está cursando o primeiro ano do ensino médio. Isa deixou de participar da

intervenção em 2012, depois que realizou um teste para o equipe de futebol

feminino de campo do Sport Club do Recife. Ela conta que depois que a equipe de

futebol feminino de campo do Sport Club do Recife interrompeu suas atividades ela

chegou a jogar em outras equipes. Atualmente, Isa trabalha no comércio informal,

vendendo água mineral e pipoca e continua estudando.

A partir do tempo: 08’08’’

Pesquisador – Quando você começou a participar do Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã, o que seus amigos e amigas falam para você?

Isa – Diziam que aquilo não tinha futuro, que era só um treino básico, que não ia dar

em nada, que era só para passar o tempo, se divertir.

Pesquisador – E hoje, o que você pensa do Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã?

Isa – E hoje, eu penso que é um grande Projeto, que desde 2008 ainda está

seguindo em frente, graças a Deus. E que Deus continue ajudando, né?!, já que eu

não pude continuar no Projeto, que eu tive que partir pra outra, fui jogar, tive que sair

do Projeto para ir jogar em outros cantos. E aí, eu estou jogando em outros cantos.

Pesquisador – E o que você acredita que o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã está mudando na vida das pessoas do bairro dos Coelhos?

Isa – Pelo o que eu vejo, está mudando muitas coisas, né?! Porque muitos meninos

aí podei está na vida errada, podia estar em outro canto, mas estão lá, jogando. As

mãe também estão apoiando, estão indo lá ver os treinos dos meninos e os meninos

de lá também dão força aos meninos. E, assim!

Pesquisador – E o que você acredita que o Projeto Sócio Esportivo Formando o

Amanhã está mudando na vida do bairro dos Coelhos?

Isa – Muitas coisas. O Projeto Formando o Amanhã cresceu, ne?! O que não tinha,

hoje tem. Que era sabedoria, educação, oportunidade. Estão abrindo mais portas

para a comunidade. Que ‘tão’ vindo pessoas de fora para visita, jogar, entrevistar.

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APÊNDICE Q – Dados do perfil de Robinho e Transcrição parcial da

Entrevista13

Robinho, 15 anos de idade, educando da intervenção, é nascido e criado no

bairro dos Coelhos e está cursando o nono ano do ensino fundamental. Este

educando continua participando da atividade do Formando o Amanhã, além de jogar

na equipe de futebol de salão sub dezesseis do Sport Club do Recife. Em seu

depoimento, Robinho afirma que sua vida nunca foi fácil e que por isso ele decidiu

participar da intervenção, e que, a partir disso, ele passou a ter oportunidades e o

levou a entrar na equipe que ele encontra-se jogando. Ele afirma que o fato de estar

jogando no Sport Club do Recife, alterou muita a vida e o comportamento dele e de

seus familiares.

A partir do tempo: 04’18’’

Pesquisador – O que representa para a sua vida o Projeto Sócio Esportivo

Formando o Amanhã?

Robinho – Representa muita coisa. Foi o Formando o Amanhã que me fez, se não

fosse o Projeto eu não estaria aqui hoje.

Pesquisador – E onde a gente está agora?

Robinho – No Sport [Club do Recife].

Pesquisador – O que mudou na tua vida, no teu modo de ver a vida, na tua forma

de se relacionar com as pessoas, depois que você começou a participar da

intervenção?

Robinho – Eu passei a ver que eu podia ser igual a elas [as outras pessoas que ele

encontrava quando saia para passear fora do bairro dos Coelhos]. Eu aprendi muitas

coisas lá. [...]

Pesquisador – Você teve alguma dificuldade para participar da intervenção?

Robinho – Não, eu não tive dificuldade, não. Eu conhecia o professor, o professor

conhecia minha família, aí deixaram eu participar. Eu fui bem recebido lá.

13 A transcrição completa de todas as entrevistas podem ser acessadas com o autor, através do e-mail

[email protected]