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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO EDUCAÇÃO PARA ABOLIÇÃO: CHARGES E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO SEGUNDO REINADO THIAGO VASCONCELLOS MODENESI RECIFE, 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO PARA ABOLIÇÃO: CHARGES E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO

SEGUNDO REINADO

THIAGO VASCONCELLOS MODENESI

RECIFE, 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO PARA ABOLIÇÃO: CHARGES E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO SEGUNDO REINADO

Tese apresentada por Thiago Vasconcellos

Modenesi ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de

Pernambuco para a conclusão do curso de

Mestrado em Educação, no Núcleo de Teoria e

História da Educação e obtenção do título de

Mestre em Educação.

.

Orientador: Prof. Dr. Edilson Fernandes de Souza

RECIFE, 2011

Catalogação na fonte

Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460

M689e Modenesi, Thiago Vasconcellos.

Educação para abolição: charges e histórias em quadrinhos no

segundo reinado / Thiago Vasconcellos Modenesi. – Recife: O autor,

2011.

97 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Edilson Fernandes de Souza.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco,

CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2012.

Inclui bibliografia.

1. História da educação. 2. História em quadrinhos na educação.

3. Caricaturas e desenhos humorísticos – Educação. 4. UFPE - Pós-

graduação. I. Souza, Edilson Fernandes de. II. Título.

CDD 370.9 (22. ed.) UFPE (CE2012-24)

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RESUMO

Esse trabalho estuda a formação da corrente abolicionista no contexto do Segundo

Reinado do Império Brasileiro. Para fazê-lo me apoio no que se conhece sobre a

escola pública da época, que era voltada para a minoria, continuando a maior parte

da população analfabeta. Tendo essa informação levanto elementos comprobatórios

de que se educava além do espaço escolar formal. Entendo a formação do ideário

abolicionista como um processo educativo, algo que contagiou parte da elite da

época, que teve contato com ideias vindas da Europa e o fim do trabalho escravo no

restante do mundo, até os mais humildes e alijados da Corte, tornando-se um

movimento que, embora não de maneira intencional, acabou por envolver parcela do

povo.

Palavras-chave: Charges, Educação, Abolição, Império.

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RESUMEN

Esta investigación tiene por fin estudiar la formación de la corriente abolicionista en

el contexto del Segundo Reinado del Imperio Brasileño. Para hacerlo me baseo en lo

que se conoce sobre la escuela pública de aquella época, que era dirigida a la

minoría, dando continuidad a la gran populación anafalbeta. Con esta información,

investigo elementos comprobatorios de que se educaba fuera del espacio escolar

formal. Tengo conocimiento de la formación del ideario abolicionista como un

proceso educativo, algo que también se llevo a cabo a la élite de esa época, que

tuvo contacto con ideas oriundas de europa y el fin del trabajo esclavo hacia el resto

del mundo, desde los más humildes hasta con los expulsados de la Corte,

volviéndose un movimento que, aunque no de manera intencional, acabó

involucrando gran parte del pueblo.

Palabras-clave: Charges, Educación, Abolición, Imperio.

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Para Salete,

Rosa

e Diego.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................10

CAPÍTULO 1: O QUE SÃO CHARGES, CARICATURAS E HISTÓRIAS EM

QUADRINHOS..........................................................................................................21

CAPÍTULO 2: CHARGES E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS AJUDANDO A

EDUCAR FORA DA ESCOLA..................................................................................32

CAPÍTULO 3:ABOLIÇÃO, PROGRESSO E MUDANÇAS NA CONFIGURAÇÃO

IMPERIAL..................................................................................................................44

CAPÍTULO 4:RELEVÂNCIA DA OBRA DE ANGELO AGOSTINI...........................59

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................95

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Capa da Revista Illustrada 01, de 1876 .................................... 21

Figura 2 Página Interna da Revista Illustrada 437, de 1886 ................... 33

Figura 3 Página interna da Revista Illustrada 472, de 1887 ................... 44

Figura 4 Capa da Revista Illustrada 496, de 1888 .................................. 50

Figura 5 Capa da Revista Illustrada 376, de 1884 .................................. 60

Figura 6 Capa da Revista Illustrada 351, de 1883 .................................. 66

Figura 7 Páginas internas da Revista Illustrada 93, de 1877.................. 69

Figura 8 Capa da Revista Illustrada 389, de 1884 .................................. 70

Figura 9 Capa da Revista Illustrada 385, de 1884 .................................. 72

Figura 10 Página interna da Revista Illustrada 415, de 1885 ................. 74

Figura 11 a.Capa da Revista Illustrada 499, de 1888; b. Página interna

da Revista Illustrada 504, de 1888; c. Capa da Revista Illustrada 507, de

1888 ......................................................................................................... 75

Figura 12 Capa da Revista Illustrada 450, de 1887 ................................ 77

Figura 13 Capa da Revista Illustrada 222, de 1880 ................................ 79

Figura 14 a. Capa da Revista Illustrada 498, de 1888; b. Página interna

da Revista Illustrada 516, de 1888; c. Página interna da Revista

Illustrada 518, de 1888 ............................................................................ 80

Figura 15 Página interna da Revista Illustrada 385, de 1884 ................. 82

Figura 16 Páginas centrais da Revista Illustrada 500, de 1888 .............. 83

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AGRADECIMENTOS

Terminar essa dissertação me dá uma sensação de prazer, mas também de

dever cumprido. Quero agradecer em primeiro lugar ao ensino público, gratuito e de

qualidade de nosso país, em particular aos dedicados professores da Universidade

Federal de Pernambuco onde estudo.

Entendo pesquisar como algo que não se encerra em nós mesmos, nos exige

anos de estudo, pesquisa e paciência, além de várias madrugas varadas e muitas e

muitas modificações, adendos e novas versões do escrito.

Agradeço em primeiro lugar ao meu orientador Professor Edilson Fernandes

de Souza por toda sua paciência, boas dicas e sensibilidade no conjunto dos

momentos de elaboração dessa obra, sem essas qualidades que o mesmo carrega

e transmite em um entusiasmo que empurra a pessoa no rumo certo teria sido

impossível acabar essa pesquisa.

Professor Edilson acolheu meu trabalho e indicou vários livros e autores que

deram a consistência que essas linhas que se seguem precisavam.

Dedico também a minha família que esteve ao meu lado, tentou entender e

ajudar em todos os momentos dessa jornada frente ao teclado que muitas vezes

precisa de um sorriso e de um apoio de quem gosta da gente.

Entre essas pessoas destaco minha mãe e minha esposa, Maria de Salete

Cobra de Vasconcellos e Rosa Alicia Nonone Casella, respectivamente. As duas

foram o apoio que me fez concluir e acreditar nesse projeto.

Além delas agradeço minha avó Ioni Cobra de Vasconcellos, incentivadora e

financiadora do meu gosto, meu hábito por colecionar histórias em quadrinhos desde

1984, parceira incansável que ia todos os meses comigo de Santos a São Paulo em

busca das últimas novidades nas publicações. A própria Ioni uma leitora de

quadrinhos em sua juventude, sempre me fazia menção ao Fantasma, Agente

Secreto X-9 e Mandrake que lia.

Agradeço especialmente a Angelo Agostini, minha inspiração no que aqui

escrevi, um visionário e lutador em seu tempo por um lado, o retrato de uma época e

com as marcas que isso acarreta por outro.

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Além de Agostini, agradeço ao pesquisador e desenhista Gilberto Maringoni,

você lançou muitas luzes sobre esse caminho de difícil informação e poucas fontes

que é o Império do Brasil.

Não poderia deixar de citar a gentil assessoria do Senador Inácio Arruda que

me enviou a obra As Aventuras de Nhô Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos

brasileiros, que estuda a obra de Agostini, publicada em 2002 pelo Senado Federal.

Agradecimentos também aos professores Vicentina Ramires, Paulo Ramos,

Waldomiro Vergueiro e Geisa Fernandes por toda a inspiração, dicas, apoio e

conselhos que me deram em contatos pessoais e virtuais. Em particular a professora

Vicentina Ramires, orientadora de minha especialização que muito inspirou essa

dissertação de mestrado.

Por fim agradeço a todos os professores das disciplinas que cursei nesse

programa, aos amigos que compartilharam belos momentos em sala de aula e aos

funcionários da nossa Universidade, em particular do nosso programa, sempre

atenciosos e dedicados.

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo apresentar a importância das ilustrações

caracterizadas como charges e histórias em quadrinhos ao darem acesso à

informação, educando no processo de formação da corrente abolicionista no Brasil.

A mesma se situa no núcleo de Teoria e História da Educação da Universidade

Federal de Pernambuco – UFPE.

O Brasil foi um dos países onde a prática da escravidão foi longa e sua

abolição um processo de lutas e conquistas graduais dentro da Corte e com

repercussão em todo o país.

A formação da corrente abolicionista atraiu parte da elite da época que se

reunia nos cafés e era influenciada pelas opiniões que chegavam da Europa.

Somando-se a isso, uma parcela do povo menos letrado e sem oportunidade de

acesso à escola acabou tomando partido pelas críticas ao Imperador e ao regime

vigente.

As charges e histórias em quadrinhos que eram publicadas nas revistas que

circularam no país no século XIX foram parte dos instrumentos que possibilitaram

esse acontecimento.

Estas permitiam que os menos abastados tivessem contato com a opinião dos

letrados e fossem se inserindo na luta pela abolição. As mesmas colaboravam para

que se chegasse a um público mais largo do que o que tinha acesso à escola

tradicional.

Logo, nosso trabalho estuda as charges e histórias em quadrinhos publicadas

na imprensa brasileira e que circulava no Segundo Reinado do Império do Brasil, em

particular as da Revista Illustrada feitas Ângelo Agostini do surgimento da revista até

o fim da escravidão (1876-1888), que coincide com o período em que Angelo

Agostini vai à Europa.

Essas fontes encontram-se arquivadas no Arquivo Público do Rio de Janeiro

e em edição fac-símile digital produzida por pesquisadores da Unicamp. Ao me

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debruçar sobre o que foi publicado na Revista, desenvolvo uma análise a partir da

perspectiva que Norbert Elias desenvolve sobre civilização e as possibilidades que

nosso objeto de pesquisa carrega como uma ferramenta utilizada na educação.

Entendo a mesma como algo que não se encerra na escola, apoiado nos conceitos

de Werner (2010).

Além disso, me apoio na importância das imagens e nas suas potencialidades

junto aos que não são plenamente letrados, discuto a função imaginética e as

possibilidades de formação que carrega.

Busco, portanto, responder à seguinte pergunta: como as charges e histórias

em quadrinhos deram acesso ao ideário abolicionista a parcelas da sociedade

imperial, inclusive as menos letradas ou não letradas no Segundo Reinado do

Império?

Para tanto, faço um levantamento da primeira edição até a edição 565 de

janeiro de 1889 da Revista Illustrada. Utilizo diretamente em minha dissertação as

ilustrações das edições 01,93, 222, 351, 376, 385, 389, 437, 415, 450, 472, 496,

498, 499, 500, 507, 518 e o texto de abertura contido na primeira edição.

A escolha dá-se na análise das edições que circularam nos anos de 1876,

com a primeira edição da revista coincidindo com o primeiro dia do ano, até o

exemplar onde aparece pela primeira vez um negro depois da abolição da

Escravidão no Brasil, além de ser o último que Angelo Agostini desenha antes de

partir para Europa.

Para contextualizar e dimensionar o nosso objeto de estudo levanto os dados

existentes sobre a circulação de publicações da época entre os leitores da Revista

Illustrada, alfabetizados ou não. Quero assim entender o papel educacional que as

charges e histórias em quadrinhos cumpriram para fortalecer o processo

abolicionista brasileiro.

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A Revista Illustrada possuía tiragem semanal de quatro mil exemplares1,

sobrevivia da venda de exemplares, sem anunciantes, voltada para os formadores

de opinião e os que podiam pagar por ela, mas também acabava sendo vista e

acessada pelos analfabetos, a partir da grande quantidade de charges e histórias

em quadrinhos.

Apesar de ser uma tiragem relativamente modesta é preciso entendê-la no

contexto de uma sociedade com poucos letrados e com uma escola para uma

parcela minoritária da Corte do império.

O corpo documental levantado no estudo dos escritos de Cavalcanti (2006),

Cardoso (2002), Chinen (2011), Cirne (1990), Goida e Kleinert (2011), Maringoni

(2011), Ramos (2010), Ribeiro (2002), Santos Neto (2011), Sodré (1966) e Vergueiro

(2009) será utilizado para entender e relacionar as charges e histórias em

quadrinhos com certas minúcias daquele tempo, respondendo às questões

levantadas na investigação sobre a influência desse material como instrumento

educacional não oficial e informal.

A análise interpretativa aqui realizada é feita a partir da teoria elisiana, sob a

qual repousa a ideia de processo civilizacional. A teoria de Norbert Elias nos ajuda a

entender a gradual perda de poder da configuração2 da monarquia, bem como sua

relação com as configurações escravocratas e abolicionistas, além de colaborar na

interpretação das fontes.

Nosso estudo aponta para a grande presença de charges na imprensa que

circulava no período. Dentre os diversos desenhistas em vários estados do país, tem

relevância Angelo Agostini, cujo material começou circulando em São Paulo e

depois seguiu para capital federal, o Rio de Janeiro. As duas cidades eram as

principais no período, concentravam parcela majoritária da Corte, da economia e as

decisões políticas à época.

1 Pesquisa feita por de Marcus Tadeu Daniel Ribeiro - 1988 - e Nelson Werneck Sodré - 1999,

citadas por CAVALCANTI, Carlos Manoel de Hollanda. Angelo Agostini e seu “Zé Caipora” entre a Corte e a República, in: História, imagem e narrativas, Nº 3, ano 2, setembro/2006 – ISSN 1808-9895 (pesquisada em 10 de dezembro de 2010). 2 O termo remonta ao conceito elisiano de diversos espaços sociais e de convivência com núcleos de poder em que cada um interage e entrelaça entre si com relações de interdependência e intradependência.

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Agostini era um crítico à política e, em particular, à figura do Imperador. Além

de ser chargista da revista, ele era seu dono e editor-chefe, havia tido várias

experiências anteriores como editor em São Paulo e com a Revista Illustrada passa

a fazê-lo na capital federal.

Estudar Agostini e sua obra não é algo novo no Brasil, os estudos dos

trabalhos gráficos dos chargistas em nosso país já ocorreram na esfera do aspecto

social, histórico e cultural.

Exemplo disso são as teses de doutorado em História de Gilberto Maringoni,

intitulado “Ângelo Agostini: impressões de uma viagem da Corte a capital federal

(1864 – 1910)”, recentemente publicada na forma de livro, e a de Andréa de Araújo

Nogueira, defendida na Escola de Comunicação e Arte, chamada “Humor e

Populismo: O desafio diário nas charges de Nelo Lorenzon (1948 – 1960)”, ambas

defendidas Universidade de São Paulo – USP.

O enfoque educacional é o diferencial do meu estudo. Trato de como pode se

entender o que foi publicado por Agostini na época como algo que educou, utilizo

aqui com outro olhar as mesmas fontes.

Trato a educação como algo que não se encerra na relação cotidiana entre

docentes e discentes, bem como evidencio seu caráter transformador. Entendo esta

a partir da capacidade de gradativamente exercer influência através de fontes

alternativas. As charges aparecem atendendo às necessidades dos outsiders3, que

se encontravam fora do sistema oficial de ensino e da configuração de maior poder

do Império.

As charges e histórias em quadrinhos podem ser consideradas como fonte a

ser utilizada para um melhor entendimento do período em questão, visto que as

ilustrações que possuem são um facilitador na compreensão dos receptores das

suas mensagens, em particular os que não tinham acesso à escola, com isso estudo

a possiblidade da influência das mesmas sobre certa parte da configuração imperial.

3 Segundo Elias estes são os alijados do poder majoritário, econômico e político, e vivem em

permanente tensão em conflito para modificar o equilíbrio de poder.

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Se for verdade que as pessoas que as produziam e liam não tinham uma

preocupação de educar explícita também é que queriam ter acesso à diversão e a

informação que ali se trazia.

As histórias em quadrinhos e charges atingiam um público mais amplo a

quem os textos sem a presença de imagem não sensibilizavam, ou sequer eram

entendidos, devido à grande quantidade de analfabetos à época.

As publicações que estudo, na forma de revistas ou periódicos, tinham

nessas artes um instrumento de retratação das lutas entre as camadas sociais do

período e a evolução da corrente abolicionista, com o crescimento das mesmas para

além da intelectualidade.

Para Joaquim Nabuco, por exemplo: “a Revista Illustrada era a bíblia

abolicionista do povo que não sabia ler” (CENNI, F. Italianos no Brasil: “andiamo in

‘Merica”, São Paulo: Edusp, 2003, p. 341). No que pese que tal afirmação possuísse

mais caráter panfletário, já que a mesma era cara para o período e tinha como

consumidores setores da Corte.

Esse alcance da Revista Illustrada, então o principal órgão de imprensa não

oficial que circulava na época devido a sua longevidade, circulação e carta de

assinantes, se deu num contexto restrito.

As demais publicações produzidas eram dirigidas aos letrados e à elite

imperial do ponto de vista do conteúdo que veiculavam, ou tinham duração efêmera

devido às dificuldades financeiras. Ocorreram várias publicações, em geral com

formato similar, pois havia público para elas como comprovam dados de circulação.

Nosso trabalho insere estes elementos da Revista e suas características ao

momento histórico que vivia o Brasil e o reflexo da política imperial na educação, em

particular seu foco voltado para parcela da Corte da época.

É preciso que se diga que aqui se formava a civilização brasileira. Nosso país

ainda vivia a experiência nova da independência de Portugal e, passo a passo, se

desapegava das ideias imperiais.

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Aqui se reproduzia também uma tendência mundial, essas convicções

chegavam por imigrantes, por homens da elite que iam à Europa e percebiam que o

Brasil também precisava romper com amarras do passado, no caso a monarquia,

mas principalmente com a escravidão.

Brasil e Cuba eram os últimos países do ocidente a manter a escravidão,

nações iam se tornando republicanas na Europa uma após a outra e revoluções

ocorriam em países que eram centrais na política externa da época, como Espanha

e França, esta com Napoleão.

O crescimento de um ideário abolicionista dependia da perda da força das

ideias defendidas pelo Império, mas também dos fazendeiros que possuíam grande

poder na Corte, no seio da maioria da população, esta disputa de poder é uma

disputa de configurações segundo os conceitos de Norbert Elias, movimenta

milhares de mentes e pessoas e se dá de maneira gradual.

A referência de certo e justo, de exemplo a ser seguido vai se alterando

gradualmente. Os hábitos, comportamentos, ideias carregadas pela Corte europeia

perdem poder para o surgimento do novo representado pela República, um

referencial que passa a influenciar mais e mais as populações.

Elias estuda isso quando discute a Corte em seu livro Processo Civilizador, o

autor nos mostra como hábitos hoje tidos como repugnantes eram parte do cotidiano

e da referência a ser seguida por aqueles que se sentavam à mesa da nobreza.

Além disso, o autor mostra a superação sutil e de longo prazo de cada hábito,

de cada referencial, até chegar à superação de todo um contexto substituindo vários

elementos que juntos simbolizavam a Corte por outros que representam as ideias

liberais.

Verdades são desfeitas e novo marco de justo, do ponto de vista do que

parecia correto à época e da legitimidade construída, vai se transformando, assim ia

se educando e formando uma nação.

Parte desse panorama são as imagens que carregam as charges e histórias

em quadrinhos, em particular quando me proponho a encará-las como uma

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ferramenta que retrata a sociedade da época e o combate a opinião imperial,

defendendo a abolição e a mudança do referencial de correto no que diz respeito à

abolição. Aqui ajudam os estudos de imagens desenvolvidos por Kossoy (2009).

A partir do estudo realizado por Boris Kossoy (2009) sobre imagens, remonto

um conjunto de elementos que nos ajudam a entender melhor o que nossa pesquisa

se propõe.

Destaco, em particular, a atitude reflexiva e o questionamento que é preciso

ter perante o objeto de investigação por parte do sujeito do conhecimento, como diz

o autor.

O fragmento de realidade visual contido na Revista Illustrada estava marcado

pelas ideias e engajamento de Agostini pela causa da República, mas com ênfase

no combate à escravidão, em particular.

Para melhor entendimento dessa afirmação é preciso situá-la historicamente

dissecando as minúcias de sua existência que corroboram a utilidade que minha

dissertação propõe a ela, que é minha fonte.

A revista possuiu 739 exemplares, foi publicada por 22 anos, sendo o órgão

de imprensa não oficial deste tipo, formato de Revista e sem ligação com grandes

financiadores, com maior circulação no Império.

Desde o começo da Revista foi feita a crítica à sociedade imperial sobre os

mais diversos aspectos, inclusive os corriqueiros, de cotidiano, que ajudavam a

aproximação da população: seja na falta da água, febre amarela, inundações, falta

de patriotismo e tentativa de esmagamento da Nação pelos portugueses.

Várias personalidades figuravam na Revista durante o percurso da

publicação, Joaquim Nabuco foi figura constantemente citada e elogiada na Revista

tendo sido retratado nas capas e citado em diversos artigos.

Joaquim Nabuco se fez presente em jantares que renderam homenagem ao

ilustrador e deu declarações onde afirmava que o desenho de Agostini dava corpo e

vida as questões do Brasil.

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Além disso, Nabuco destaca a ligação do autor com a causa dos escravos

desde o princípio da publicação da Revista Illustrada não se intimidava com a

repercussão disso junto aos seus assinantes.

Agostini é o nosso filtro cultural 4, tomo a liberdade de usar esse conceito

também para as suas ilustrações, a partir delas podemos entender muito do que o

autor pensa e como vê a sociedade imperial e suas facetas.

Vários de seus desenhos, pela riqueza de detalhes, ajudam nos estudos

específicos, como entender a nuance desta sociedade marcada pelo analfabetismo.

Uso os detalhes para diversas análises no campo da história social e outros ramos

do saber.

Com essas ilustrações, entende-se melhor a memória visual do homem da

época e do seu entorno sociocultural. Isto é possível tendo as ilustrações como

instrumentos de pesquisa, prestando-se à análise, descoberta e interpretação da

história.

Por isso faço o recorte temporal nos exemplares estudados, diferenciando o

momento em que a Revista passa a dar maior ênfase à luta abolicionista em nosso

país. Isso ocorre com mais relevância a partir de 1886, fase do amadurecimento

artístico e político do artista.

Mais adiante, a Revista Illustrada focou suas histórias em quadrinhos e

charges majoritariamente na questão da abolição, acompanhando um movimento

que fazia a sociedade em que estava inserida e, em particular, a parte da

configuração em que Agostini estava ligado.

Os defensores da República, onde o autor se insere, identificavam na

abolição da escravatura uma ideia mobilizadora, devido à pressão internacional

contra isso e suas ligações com questões econômicas ligadas ao processo de

industrialização europeu que queria acabar definitivamente com a escravidão no

Brasil.

4 Conceito de Kossoy (2009) utilizado para o fotógrafo, o mesmo destaca em sua obra que a fotografia informa sobre o autor e sobre o que nos mostra a cena ali congelada.

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É crucial detectar isto, visto o papel decisivo que a bagagem cultural, a

sensibilidade e a criatividade desempenham junto a quem vê as ilustrações, a quem

“lê” o que as mesmas procuram informar.

Estudo as charges e histórias em quadrinhos de Agostini publicadas na

Revista illustrada sem nunca esquecer o lado artístico que essas carregavam, de

que as mesmas não faziam apenas um retrato mecânico da realidade, mas uma

interpretação através da arte dos conceitos e visões do artista. Segundo Kossoy

(2009), é fundamental entender isso para analisar e estudar.

Por isso busco, usando o proposto por Kossoy (2009), sistematizar

informações e estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e análise de

conteúdo para decifrar a realidade que originou essas imagens representadas nas

ilustrações da Revista Illustrada.

Entendo que, como a época não permitia a publicação de fotos nos jornais

devido a limitações da tecnologia empregada nos mesmos e o alto custo que

implicava reproduzi-las na imprensa do período, as ilustrações eram a principal

referência visual do período.

Estes desenhos estavam inseridos em um espaço e um tempo específicos,

em um contexto histórico de ebulição, de mudanças. É possível percebê-las no que

as ilustrações carregam de informações, bem como refletem também a mentalidade

de uma sociedade que vai se contagiando por novas ideias, novas configurações

que ocupam aos poucos o lugar de moderno e transformador que um dia foi do

Império quando éramos colônia.

Tudo isso me motiva pelo tema. Ele me permite conjugar as expressões

representadas nessas artes gráficas que tinham força nesta parte do século XIX,

onde acompanhavam a ebulição cultural e política que aportava no Brasil com os

imigrantes europeus.

Com o estudo da História como campo ampliado que levam em consideração

várias informações e fontes pouco estudadas, é possível compreender melhor como

se deram as transformações nas configurações políticas e sociais, em especial na

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consolidação do movimento e realização da abolição no Brasil e dar um enfoque que

jogue luz em como o processo abolicionista, em um determinado momento, contou

com apoio popular sensibilizando parte do povo que estava à margem da Corte.

Vejo no tema a possibilidade de colaborar na consolidação desta parte da arte

de nosso país que cada vez mais é estudada e reconhecida nos meios acadêmicos.

Essa forma de expressão passou a ser vista como elemento que carrega simbolismo

e história, cumprindo sua função formativa e artística.

Nesse caso que estudamos, as charges e histórias em quadrinhos colocam

em segundo plano a questão internacional cujo o foco era o que se narrava no

Brasil.

Exemplo disso são as várias ilustrações que retratam críticas às campanhas

de vacinação obrigatória e à Guerra do Paraguai, onde negros que retornavam ao

Brasil reencontravam seus pais escravos.

Minha proposta aqui é percorrer o entendimento do período que estudo,

definir o que são histórias em quadrinhos, charges e caricaturas, situar

historicamente a abolição e as possibilidades educacionais à época usando a

Revista Illustrada e tratar com mais detalhes o que foi essa importante publicação.

No primeiro capítulo defino o que são charges, caricaturas e histórias em

quadrinhos, me apoio em vários pesquisadores para fazê-lo e busco diferencia-los,

mas sem perder de vista que os que as produziam no período não tinham essa

preocupação explícita e consciente de educar, de ter as ilustrações como ferramenta

pedagógica.

Além disso, busco apresentar várias definições e visões sobre as ilustrações

chamadas de charges e histórias em quadrinhos, em particular. O objetivo é tornar

mais claro como estas são uma representação artística importante, secular e com

fortes raízes em nosso país.

No segundo capítulo trato da relação das charges e histórias em quadrinhos

de Agostini com o processo de educação para além da escola, parto de Werner

(2010), Vergueiro (2009) e outros, além de dados educacionais pesquisados para

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entender o alcance da Revista como algo que auxiliou na educação de parcela da

elite que se rebelou contra a escravidão como uma expressão do Império carcomido

e superado.

Analiso como esses buscaram engajar parcela do povo mais humilde de fora

da Corte para dar mais agilidade e consistência às mudanças a que se propunham,

embora não quisessem que esses tivessem um maior destaque nesse processo.

No terceiro capítulo abordo as transformações que ocorriam no Império, o que

acontecia no momento de perda de força do Imperador e de suas ideias, bem como

a alteração da configuração de poder da época, a construção do processo

abolicionista, a influência das ideias europeias e todos os passos e leis que

antecederam a Lei Aurea.

No quarto capítulo analiso algumas das ilustrações publicadas na Revista

Illustrada, as mudanças que ocorreram na mesma que passa a dar mais ênfase à

abolição em um determinado momento e a relevância que teve.

Examino os desenhos de Agostini nela publicados nesse processo a partir da

realidade da época, fazendo relação com fatos históricos e mesmo trivialidades com

relação ao cotidiano da sociedade do período.

Faço-o traçando um paralelo entre o que se publicava na Revista Illustrada e

a evolução da luta pela abolição no Brasil, desde a primeira ilustração com a

presença de um negro até a seguinte a abolição com um negro presente com outra

representação social no desenho.

Esse panorama que aqui traço é o pano de fundo de um importante recorte da

história de nosso país, que pode ser melhor e mais compreendido se o tratarmos

levando em consideração fontes como as histórias em quadrinhos e as charges,

bem como se forem estudados os impactos desta sobre uma parcela da sociedade,

letrada ou não.

Acredito nisso como uma forma de educar, de transmitir uma opinião, de

sensibilizar parcelas da população por algo que rompe com o status quo.

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CAPÍTULO I

O QUE SÃO CHARGES, CARICATURAS E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS?

Este capítulo tem por objetivo ajudar os que não são estudiosos do assunto a

entender o que propriamente são essas modalidades de ilustração que eram

veiculadas na Revista Illustrada e que analiso em minha dissertação, além de

possibilitar a diferenciação de cada modalidade. Para isso conceituo as charges,

histórias em quadrinhos e caricaturas a partir de definições de estudiosos brasileiros

do assunto.

Figura 1: Capa da Revista Illustrada 01, de 1876

22

A charge na figura 1 é a primeira publicada por Angelo Agostini na edição de

número 1 da Revista Illustrada, anuncia em tom festivo, alegre, com muitos

personagens e detalhes a chegada da Revista carregada por duendes e se

projetando por cima do que era a Corte da época.

Munidos de trombetas os duendes alardeavam a chegada do novo e davam o

tom critico que seria a marca da publicação, abaixo na ilustração é possível ver um

pote de nanquim e pincéis entrelaçados que chegam muito próximo de encostar-se

aos homens de terno que se mostram desesperados e assustados com a novidade.

A ilustração é uma charge, uma das três modalidades que estudamos nesse

capítulo, além de possuir representar o que poderá ser notado em toda a obra de

Agostini que se seguirá nas demais edições, sua arte e seu cuidado com os

detalhes.

Para Goida, os antepassados históricos, que podem ser vistos de certa

maneira como um prenúncio da disposição do ser humano a contar histórias em

forma sequenciada, com uso de ilustrações e imagens, remonta há séculos:

A narrativa figurada é muito mais antiga do que se possa imaginar. Se

você entra numa igreja e vê os quadros de uma via-sacra, de certa

maneira está em frente a uma das primitivas histórias em quadrinhos.

Na Europa, no século XX, artistas como o suíço Rodolphe Topffer, o

alemão Wihelm Busch( criador de Max und Moritz/Juca e Chico) e os

franceses Caran d’Ache e Cristophe (pseudônimo de Georges

Colomb) popularizaram a narrativa em imagens, prenunciando uma

nova forma de comunicação visual. Embora muitas vezes estas

imagens fossem cercadas, formando “quadrinhos”, o texto ficava

sempre fora da ação desenhada. O pontapé inicial fora dado. Mas

estávamos ainda na pré-história dos quadrinhos. (GOIDA, 2011, p.9)

O material produzido por Angelo Agostini se situa nessa pré-história dos

quadrinhos, os chamados “balões” só virão a ser introduzido muito mais tarde, mas

Goida (2010) e outros estudiosos consideram a junção da imagem com um texto,

mesmo que externo ao quadro da imagem, como histórias em quadrinhos.

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Agostini teve no Brasil essa importância precursora da narrativa em imagens

que possuíram Topfer, Busch, d’Ache e Cristophe no continente europeu. Foi um

precursor na publicação do que pode ser chamado de histórias em quadrinhos.

As caricaturas e charges têm sua origem na Europa. Caricatura vem do verbo

“caricare” que significa exagerar, em italiano. Foi utilizada pela primeira vez quando

os irmãos Agostini e Annibali Carraci tiveram sua obra chamada de “ritratini carichi”

através dos comentários de A.Mosini que significou chamá-las de retratos

carregados e fez uma referência à forma como os artistas retrataram pessoas

comuns das ruas de Bolonha. A caricatura trabalha com o exagero de um indivíduo

ou situação.

A palavra charge vem de carga, devido à quantidade de informação e crítica

que nela se imprime. Segundo Ramos:

A charge é um texto de humor que aborda algum fato ou tema ligado

ao noticiário. De certa forma, ela recria o fato de forma ficcional,

estabelecendo com a notícia uma relação intertextual (...). Os

políticos brasileiros costumam ser grande fonte de inspiração (não é

por acaso que a charge costuma aparecer na parte política ou de

opinião de jornais). (RAMOS, 2010, p.21)

Para Chinen Cartum é: “De caráter atemporal, seu humor não tem prazo de

validade. A graça é produzida por elementos universalmente compreensíveis,

independente do país e da época de sua publicação”. (2011, p.8)

Já a charge, para o autor: ”(...) costuma satirizar uma situação ou

personalidade, retratando-as sobre forma caricaturizada. Esse tipo de ilustração teve

uma função política muito importante, normalmente em oposição às autoridades

vigentes”. (2011, p.8)

E a caricatura poderia se definida como:” (...)significa carregar, exagerar no

traço. Cria-se um efeito de humor ao ressaltar alguma característica marcante da

fisionomia do caricaturado, normalmente uma personalidade conhecida o suficiente

para que as pessoas a reconheçam”. (2011, p.9)

24

É importante entender do que se trata cada gênero e da possibilidade de se

usar pedagogicamente os quadrinhos, como bem coloca Ramos (2010): “Ter uma

noção clara do que se trata cada gênero contribui muito para leitura mais

aprofundada e crítica dos quadrinhos e ajuda na elaboração de práticas

pedagógicas na área da educação”.

Uma das definições de histórias em quadrinhos se dá na sequência de

imagens. Segundo Scott McCloud, histórias em quadrinhos são “imagens pictóricas

e outras justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações

e/ou produzir uma resposta no espectador” (2004, p. 9).

Diferenciar quadrinhos de literatura, dizer o que ele efetivamente é também é

uma contribuição de Ramos (2010) para aclarar esses conceitos:

Diferentes gêneros utilizam a linguagem dos quadrinhos; Predomina

na história em quadrinho as sequências ou tipo textual narrativo; As

histórias podem ter personagens fixos ou não; A narrativa pode

ocorrer em um ou mais quadrinhos, conforme o formato do gênero;

Em muitos casos, o rótulo, o formato, o suporte e o veículo de

publicação constituem elementos que agregam informação ao leitor,

de modo a orientar a percepção o gênero em questão; A tendência

nos quadrinhos é a de uso de imagens desenhadas, mas ocorrem

casos de utilização de fotografias para compor as histórias. (RAMOS,

2010, p. 19)

No que diz respeito ao gênero utilizo o conceito de Bakhtin em citação de

Ramos: “são tipos relativamente estáveis de enunciados usados numa situação

comunicativa para intermediar o processo de interação”. (2010, p.16)

Com base nessas informações Ramos define histórias em quadrinhos como

um grande rótulo que une as características acima, utilizadas em maior ou menor

grau por vários gêneros, nomeados de várias maneiras.

Esses gêneros diversos teriam em comum o uso da linguagem dos

quadrinhos para compor um texto narrativo em um contexto sociolinguístico

interacional. Nessa definição, caricatura e ilustração, por não possuírem narrativas,

não são vistas como gênero dos quadrinhos.

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Ainda Ramos colabora aqui quando explica: “podem ser abrigados dentro

desse guarda-chuva chamado quadrinhos os cartuns, as charges, as tiras cômicas,

as tiras cômicas seriadas e os vários modos de produção de histórias em

quadrinhos”. (2010, p. 21)

Sigo aqui a linha teórica que enxerga quadrinhos como um grande rótulo que

agrega vários gêneros que compartilham uma mesma linguagem em textos

predominantemente narrativos, como explica Ramos:

Ao tirar uma fotografia, a pessoa faz um recorte da realidade.

Registra no espaço da foto um fragmento do momento observado que

reúne o local em que a fotografia foi tirada, o momento da cena, o

cenário e/ou as pessoas retratadas. É como se um determinado

instante fosse congelado, por mais que, eventualmente, possa sugerir

movimento (caso de um atleta correndo, por exemplo). (RAMOS,

2010, p.89)

O paralelo com as fotografias ajuda a entender o potencial de retenção de

informações e transmissão destas ao leitor, nas histórias em quadrinhos e charges o

fator subjetivo adquire outra proporção.

O mesmo princípio vale para os quadrinhos. Agrupam-se cenário,

personagens, fragmentos do espaço e do tempo. Tudo é encapsulado

dentro de um conjunto de linhas, formando um retângulo, quadrado,

esfera ou outro formato. Os desenhistas criam nesse espaço uma

“síntese coerente e representativa da realidade”, segundo diz

Fresnault-Deruelle (1972). É isso que se entende por quadrinho.

(RAMOS, 2010, p.89)

As charges e histórias em quadrinhos permitem ir para além disso, carregam o

exagero, a abstração e mesmo a representação do impossível nas imagens que não

tem uma obrigação de retratar só o que é real, não há um parâmetro ancorado na

realidade.

Segundo Eisner (1989) os quadrinhos são um quadro que contém uma cena

determinada. Para Ramos é mais que isso: “Agrupa personagens, mostra o espaço

da ação, faz um recorte do tempo. O quadrinho condensa uma série de elementos

26

da cena narrativa, que, por mesclarem diferentes signos, possuem um alto grau

informativo”. (2010, p. 90)

Chinen (2011) ressalta que os quadrinhos possuem uma complexidade que

se faz presente na maneira como o definimos, justifica tal afirmação a partir da

constatação de que nenhum dos elementos que constituem uma história em

quadrinhos é obrigatório, mas fundamentalmente todas possuem uma narrativa.

Ramos (2010) considera a definição de Vergueiro sobre histórias em

quadrinhos a mais completa sobre o assunto, o quadrinho é formado de maneira que

a compreensão de uma ação ou acontecimento determinado parte de um instante

específico ou de uma sequência interligada desses. Quem os lê imprime o

movimento e dá o sentido peculiar a cada receptor do que as ilustrações transmitem

para este.

O ser humano faz imagens desde sua pré-história, às mesmas tem ligação

com a maneira que a humanidade retrata a realidade e a interpreta através dos seus

desenhos. Vergueiro (2009) apresenta isso com propriedade ao analisar a evolução

desse processo no tempo entrelaçando o mesmo com a evolução das mídias

disponíveis que acompanham o progresso em cada momento:

No decorrer da história esse processo aprimorou-se surgindo assim

diferentes mídias, de uma parede na caverna, passando por vitrais e

tapeçarias, até culminar nos processos gráficos e digitais. Dentro

desse processo narrativo imaginético encontramos as histórias em

quadrinhos. (VERGUEIRO, 2009, p.104)

Essa constatação histórica de que os quadrinhos remontam aos primeiros

momentos da humanidade mostram a profunda ligação que os mesmos têm com o

ser humano e a fácil percepção por esse da mensagem ali contida, na sua

interpretação.

Aqui justifico, a partir das definições que cito, que o que estudamos são

charges e histórias em quadrinhos. As caricaturas e charges eram tratadas como a

mesma coisa, não havia na época uma preocupação estética, nem tão pouco para

com os leitores, de diferenciá-las.

27

A relevância de Agostini na história das histórias em quadrinhos e charges no

Brasil é corroborada por vários estudiosos do assunto, é o precursor do gênero em

nosso país.

Para Neto e da Silva: “No Brasil a história das HQ pode começar a ser

contada desde janeiro de 1869, com a publicação na Revista Fluminense, da série

“Nhô Quim, histórias em muitos capítulos (CALAZANS, 1997)”. (2011, p. 24)

Chinen nos lembra de que o Dia do Quadrinho Nacional foi criado em

homenagem ao Nhô Quim e que estreou em 30 de janeiro de 1869, embora Agostini

já houvesse produzido uma série em sequência dois anos antes chamada As

Cobranças, publicada na Revista O Cabrião que circulou em São Paulo.

Quero frisar que as charges e histórias em quadrinhos que estudo como fonte

de pesquisa não foram criadas para serem instrumentos pedagógicos, mas que as

mesmas fazem parte da formação, da construção de determinadas opiniões,

determinados conceitos junto à sociedade, funcionando como um instrumento de

propagação, junto com muitos outros.

Vergueiro (2009) trata disso quando discorre sobre a utilização das histórias

em quadrinhos das mais diversas formas e com os mais diversos objetivos se

constituindo uma atividade criativa e artística da humanidade que não possui

fronteiras na utilização dessa modalidade de linguagem, como vemos a seguir nas

palavras do autor:

Pode-se dizer que em praticamente todos os países do mundo

possível encontrar exemplos da utilização da linguagem dos

quadrinhos nos mais diferentes setores ou atividades humanas, seja

com finalidade de educação ou treinamento, de entretenimento, como

com fins de divulgação ou publicidade de produtos comerciais. Tudo

isso evidencia o potencial das histórias em quadrinhos para atingir

todas as camadas da população. Da mesma forma, essa utilização

evidencia a popularidade do meio na sociedade, distinguindo o

potencial como um dos mais conhecidos, ainda que nem sempre

aceito por todo público. (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p. 84)

28

A justificativa surge por estarem no contexto da ebulição cultural que existia

no período final do Império no conjunto das artes. Podemos destacar os diversos

autores que dividiam com Angelo Agostini as páginas da Revista Illustrada e a

defesa da abolição no Brasil como Aluísio Azevedo e Castro Alves nos textos e

poesias, respectivamente.

Em todas as edições estudadas da Revista Illustrada, as histórias em

quadrinhos e charges se fizeram presentes. Entendo por histórias em quadrinhos as

sequências de imagens com breves legendas escritas abaixo que descreviam ou

comentavam atitudes executadas nas ilustrações, embora não houvesse “balões”,

que só surgiriam bem mais adiante nas histórias em quadrinhos.

Havia a imagem acompanhada do texto, em diversos dos desenhos os textos

faziam referência ao que o personagem “falava”, o que para vários estudiosos, se

configura como uma história em quadrinhos.

Para Ramos: “ler quadrinhos é ler sua linguagem. Dominá-la, mesmo que em

seus conceitos mais básicos, é condição para plena compreensão da história e para

aplicação dos quadrinhos em sala de aula e em pesquisas científicas sobre o

assunto”. (2010, p. 30)

É no período do Império que as charges chegam ao Brasil. Ocorrem às

primeiras publicações em 1837 e as mesmas adquirem força em 1840 na capital do

Império, a cidade do Rio de Janeiro. Em 1868 o imigrante italiano Angelo Agostini

cria a que seria considerada a primeira história em quadrinhos do país: As Aventuras

de Nhô Quim ou impressões de uma Viagem a Corte que foi publicada nas revistas

Vida Fluminense, O Malho e Dom Quixote.

Agostini caracteriza os personagens como caipiras que chegaram à cidade

vivendo em um mundo que vive à margem da configuração da Corte, hegemônica

no período.

As charges e histórias em quadrinhos dividiam as mesmas páginas das

publicações. Não havia distinção de espaços, sendo tratadas como um só material,

e seus autores, no geral, eram os mesmos.

29

Nessa época, as revistas tinham a relevância dos jornais como agentes de

propagação de valores culturais, em particular por serem de leitura fácil pelo seu

conteúdo condensado e virem numa publicação de preço acessível.

As revistas tinham a crítica como fio condutor, que pode ser expresso no

humor negro e sarcasmo presentes nos textos, poesias, charges e histórias em

quadrinhos, colaborando na consolidação do gênero das revistas de tipo ilustrada.

Por questões da tecnologia empregada na impressão, às ilustrações estavam

em páginas distintas dos textos, realidade que só se alterará bem mais adiante,

como nos explica Oliveira, em sua tese de doutorado:

Os modos de impressão, litográfica para imagem, e tipográfica, para

texto, eram distintos. Reproduzir umas e outros numa mesma página

demandava duas impressões sobrepostas, o que tornava a operação

lenta e cara. Imagem e letra tipográfica só se misturaram na Revista a

partir de 1890, quando a publicação teve acesso a clichês de metal...

(OLIVEIRA, 2006, p. 94).

As publicações com preço acessível e com riqueza de imagens eram um

contraponto a isso, onde se destaca a Revista Illustrada. Isso se deu também nos

periódicos, mas principalmente nas revistas que veiculavam ilustrações combinadas

nas suas páginas com críticas literárias e textos que se faziam atrativos para os que

sabiam ler pouco ou nada.

Chinen (2011) relembra que os quadrinhos e charges virão a ter popularidade

quando surgem os jornais de maior circulação no período da imprensa moderna,

onde as tiragens dos jornais adquiriram grandes proporções e houve, como

consequência, um barateamento dos preços.

A importância das imagens nas histórias em quadrinhos e charges é basilar e

se tornou uma linguagem, segundo Eisner (1989). Dando sequência a esse

raciocínio Franco (2011) em artigo publicado no livro Histórias em Quadrinhos E

Educação reforça a relevância decisiva nas imagens neste tipo de obra, destacando

que é possível existir quadrinhos sem texto, mas não é possível existir quadrinhos

sem as imagens.

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Pelas características do Brasil, um país com poucos letrados, a força das

imagens se torna maior a partir da pré-disposição do ser humano em recebê-las

como transmissoras de informação e diversão que remonta há milênios. Um

exemplo disso era a maneira que Agostini retratava Dom Pedro II, a repercussão

disso junto ao próprio Dom Pedro e junto ao resto da Corte.

Essa forma de retratar o Império era materializada na arte de Agostini, onde

Dom Pedro II era sempre velho, preguiçoso e obeso, isso só muda depois da

abolição da escravatura.

Cabe dizer que Dom Pedro permitia a retratação em ilustrações de sua

imagem, não questionava o direito de imagem, nem há relatos concretos de censura

no período nessas publicações, mas há de sua insatisfação com as críticas ácidas

de Agostini.

A intenção do autor que enxergo nisso era de caracterizar o Imperador como

um reflexo de algo que estava se superando, estava ultrapassado, pesado e

desgastado.

Faço tal análise partindo da análise da obra de Eco (1993) feita na

interpretação de Ramos (2010) sobre o autor sobre a edificação do personagem

com o intuito de permitir sua identificação com o leitor:

Eco entende que o estereótipo agrega em si valores ideológicos. Por

que se usa o corpo atlético como referência positiva, por exemplo?

Não só por isso, mas também por esse motivo, os quadrinhos seriam

ideologicamente determinados. Haveria, no raciocínio de Eco, duas

problemáticas, uma estética, outra ideológica.

Embora não discordemos do autor quanto aos aspectos ideológicos,

o relevante, a nosso ver, é que o produtor da história tenha

estereótipos em mente na hora de compor um personagem. Os

rótulos são utilizados para facilitar o processo de identificação da

figura representada, de modo a tornar mais acessível a narrativa para

o leitor. Isso diz muito ao leitor no acompanhamento da história.

Personagens cômicos tendem a possuir falhas de comportamento e

um aspecto visual mais caricato, recurso muito utilizado, por exemplo,

nas tiras cômicas. (RAMOS, 2010, p.125)

31

A relação de Agostini e Dom Pedro foi conflituosa até esse marco histórico,

depois a Revista passou a ter um tom mais leve, até elogioso com o Imperador.

Esse capítulo teve o objetivo definir e diferenciar as charges, histórias em

quadrinhos e caricaturas. Onde remonto desde a sua presença nas representações

pictográficas da pré-história, passando pela sua popularização com o advento da

modernização da imprensa, lembrando que quando produzidos não possuíam no

século XIX uma preocupação expressa de educar.

No próximo capítulo analisarei o uso das charges e histórias em quadrinhos

no processo educacional, mas para além do contexto escolar, demonstro como

estas colaboraram na educação de parcela da elite na perspectiva abolicionista

transmitindo uma opinião, educando, em particular, através do uso das suas

imagens.

32

CAPÍTULO II

CHARGES E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS AJUDANDO A EDUCAR FORA DA

ESCOLA

Este capítulo analisa o uso de histórias em quadrinhos e charges no processo

educacional, mas o faz para além dos muros da escola e do contexto do espaço de

uma escola tradicional. Além disso, mostro como auxiliaram na educação de parte

da elite da Corte. Isso é feito na perspectiva abolicionista, por meio da transmissão e

recepção das opiniões contidas nas imagens de Angelo Agostini veiculadas na

revista Illustrada.

A figura 2 retrata o humor ácido e forte de Angelo Agostini, aqui fazendo uma

retratação que demonstra que os maus tratos aos negros escravos eram tamanhos

que até os animais se o pudessem, iriam pedir proteção para os mesmos. O

desenho faz menção à criação de uma sociedade protetora dos animais.

Retratar com destaque cenas fortes e que faziam refletir era uma das

características do desenhista;, e chamavam a atenção de setores da Corte e alijados

a ela para o que significava a escravidão.

Isso era necessário pelo contexto de poucas pessoas com acesso à escola.

As imagens se tornavam um interlocutor inteligível, além de permitir as pessoas

raciocinar sobre o que ela veiculava.

O exagero, uma característica recorrente das charges e histórias em

quadrinhos, tornava as ilustrações ainda mais atraentes aliadas ao grau de

detalhismo aplicado nos desenhos do autor que impressiona.

33

5

Figura 2: Página Interna da Revista Illustrada 437, de 1886

No Segundo Reinado do Império Brasileiro a educação era voltada para

poucos e com informações restritas ao permitido pelo Imperador. Em 1854 houve a

elaboração de algumas leis sobre educação. Apesar dessa iniciativa a maioria da

5 Lê-se acima da ilustração: “Comparando nossa sorte a dos pobres escravos somos bem felizes,

disse um dia o burro. É verdade respondeu o cavalo, temos ao menos trabalho e ainda menos chicotadas. No entanto, disse o cão, formou-se uma sociedade para proteger-nos. Fundada por um Senador e presidida por outro. É uma grande honra para nós, disseram todos.”. Lê-se abaixo da ilustração: “Consta que os animaes, commovidos diante das desgraças dos pobres escravos, vão fazer uma representação à Sociedade Protectora dos Animaes, pedindo que esta os considere ao menos como uns animaes dignos da sua protecção. É de esperar que os philantrópicos senadores Correia e Nunes Gonçalves atenderão a tão justo pedido.”

34

população continuava analfabeta, poucos estudantes chegavam ao equivalente do

ensino médio daquela época, as universidades eram um privilégio da elite. Só

ocorrerão mudanças expressivas no decorrer da República na área educacional.

Em 1872 se realizou o primeiro censo oficial no nosso país, com os dados

sendo coletados a partir de 1872 e sendo divulgados apenas em 1876 depois de

tabulação, no jornal A Província de São Paulo, atual estado de São Paulo. Segue a

avaliação que jornal faz a partir dos dados:

Está orçada a população do Império, conta redonda, em dez milhões

de almas. (...)

Conta redonda de analfabetos: oito milhões e quinhentos mil! É

assustador, embora se possa afirmar que certos países não estão em

melhores circunstâncias. (...) Esse desolador e gravíssimo fato é a

explicação primeira e mais radical de nossas misérias nacionais.

Somos um povo de analfabetos!6

Neste contexto, com uma população com essas características de pouca

educação escolar, se fortalecem as mensagens transmitidas através de ilustrações.

Com largas possibilidades de serem utilizadas como auxiliares à educação,

as ilustrações eram novidade na forma de veiculação. Os jornais foram o principal

advento da chegada da imprensa no Brasil e, um pouco após o seu começo, já

traziam charges, caricaturas e histórias em quadrinhos. Exploro as várias teses que

corroboram a importância de alargar o entendimento do processo educacional,

incluindo as ilustrações.

Além disso, colabora na transmissão da informação e do conhecimento, o fato

de serem de fácil compreensão e uma forma de as pessoas identificarem as

personalidades da Corte, os fatos relevantes do momento e se divertirem também

com as características cômicas dos desenhos.

Dito isso, acredito ser possível entender o Império em seu Segundo Reinado

e revelarmos detalhes novos ou pouco conhecidos a partir das charges. Enxergo

6 A Província de São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 1876, 1ª página. A citação é indicada por

Maringoni, pág. 78.

35

estas como instrumento educacional que veiculava ideias diferentes das dos órgãos

governamentais e historiadores oficiais da Corte sobre a evolução da campanha

abolicionista e o papel que as figurações da época tinham e que passaram a ter na

evolução da corrente pró-abolição.

O surgimento de jornais produzidos por desenhistas e formadores de opinião

anti-imperiais, com formato e quantidade de páginas pequenas (os chamados

Pasquins), acompanhou a degradação dos costumes e da moral política da década

de 60 do século XIX (HOLANDA, 2010, p. 73). Eles surgiam em todas as províncias

no Império, mas repercutiam em particular no Rio de Janeiro e São Paulo, principais

cidades da época.

A Revista Illustrada foi a mais importante publicação desse tipo dos vinte e

dois anos finais do Império. Suas oito páginas semanais carregaram centenas de

charges e histórias em quadrinhos de Agostini que, por sua riqueza de detalhes,

permitiram ao leitor ir além do publicado nas fontes oficiais do Governo, além do

ensinado nas escolas do Império.

Apoio-me aqui no conceito de narrativas nas histórias em quadrinhos de Neto

e da Silva (2011) que colabora ao demonstrar a relevância desta modalidade de

comunicação para a educação, em particular quando reafirma o já citado por

Vergueiro (2009) sobre as origens das histórias em quadrinhos vindo deste as

pinturas rupestres.

Neto e da Silva (2011) vão além, analisam que os seres humanos são seres

da narrativa, apoiando essa tese na vinculação da humanidade com a arte pré-

histórica, com a literatura e com o cinema. Para eles narrar é uma das maneiras de

conectar os seres humanos uns com os outros, compartilhando experiências que

viveram, ou que outros viveram, através disto.

Os autores defendem a substituição na atualidade das metanarrativas, as

grandes narrativas que eram feitas pelos filósofos e se colocavam como universais,

no entanto hoje frente aos limites da razão nas culturas que se construíram, não

cabem mais.

36

Assim, para Neto e da Silva (2011) hoje cabe substituir metanarrativas, que

buscavam criar uma visão sintetizada da experiência do homem, por uma grande

quantidade de narrativas pequenas que não buscam serem universais.

A crítica ácida de Angelo Agostini servia como reforço na educação de um

novo caminho para o Brasil, juntava-se ao que se dizia nos cafés, o que se

conversava nas esquinas e se debatia na própria Câmara dos Deputados: a

superação da monarquia.

A monarquia ia cada vez mais representando algo carcomido e superado,

uma forma de governo que tinha grande participação com a existência dessa

modalidade de dominação do homem que era a escravidão, além de se imputar a

responsabilidade pelos problemas que ocorriam no Brasil a este regime.

Ao analisar hoje essas obras, temos a possibilidade de ter um panorama mais

abrangente dos costumes, conflitos sociais, da ebulição cultural e política que, em

um processo longo, culminou com a proclamação da República e abolição da

escravidão.

Segundo Neto e da Silva, as histórias em quadrinhos podem sim ajudar na

formação da corrente abolicionista de maneira mais ampla, se conjugada com outras

modalidades de formação de opinião através de veículos de comunicação na

imprensa da época: “Claro que apenas as histórias em quadrinhos não vão resolver

essa situação, mas elas podem, se bem trabalhadas, dar uma contribuição

substancial para desenvolver outras formas de olhar, pensar e intervir na realidade.”

Barbosa (2009), em artigo do livro Muito Além dos Quadrinhos, trata mais

aprofundadamente da questão da realidade, da sua construção junto ao receptor e

mesmo da reconstrução e/ou construção de conceitos.

O faz partindo da constatação que a mistura dos fatos históricos com a ficção

é um importante condutor no sentido da criação de uma análise subjetiva por parte

do receptor, no caso aquele que lê as histórias em quadrinhos e as interpreta a partir

do que as mesmas carregam e do que conhece da realidade que ali está contida:

37

Elas trabalham com a ficção, mas carregam em si todos os elementos

que constatam a realidade, tanto no discurso da escrita como no

visual. O autor de quadrinhos – principalmente aquele que trabalha

com quadrinhos históricos – remete o leitor a documentos que são

tidos como verdadeiros, por uma visão subjetiva, que é aquela dada

pelo artista; dessa forma, ele constrói a cada momento uma nova

história, com um olhar cotidiano, influenciado por novos estereótipos

ou novos ícones da cultura de massa.7 (VERGUEIRO; RAMOS

(Org.), 2009, p.105, 106).

Aqui temos a questão do contexto onde estão inseridas as histórias em

quadrinhos e as charges, onde elas estão imersas, que é decisivo para o

entendimento da mensagem e da proposta transmitida por aquela ilustração.

Barbosa teoriza sobre essa ligação do autor que o conecta a obra escrita de

maneira comprometedora, discorrendo que a ligação do leitor com o cotidiano dará

sua identidade com o publicado, isso é forte em Agostini que há muito retrata com

detalhes cenas do cotidiano e características do povo da Corte, dos escravos e do

caipira, se constituindo uma base consistente para o receptor.

O autor ainda arremata dizendo: “(...) o artista dos quadrinhos não é apenas

um informante, como também um formador de conceitos e opiniões bem como

fomentador de percepções e interpretações do pensamento subjetivo”. (2009, p.112)

Ainda para Neto e da Silva: “Assim, amadas ou odiadas, as HQ, como

qualquer outra forma de expressão humana, têm servido tanto à reprodução da

ideologia das classes dominantes quanto a sua denúncia, e, embora passado seus

piores momento, permanecem contra elas muitos preconceitos” (2011, p.28).

Juntar isso aos conceitos de Werner permite entender a disseminação de

ideias em um ambiente onde os valores estão sendo questionados.

7 Barbosa se apoia no conceito desenvolvido por Agnes Heller (1985) sobre estereótipo: ”nosso

conceito de cotidiano, ou seja, do dia-a-dia , se deve a sucessão dos fatos gerados por fatores como o reconhecimento de imagens e situações. Esse reconhecimento cria uma carga de informações que Heller denominou estereótipos”.

38

As possibilidades de educar a partir da informação contida nas ilustrações ao

serem mais e melhor exploradas, apontam para criação de novos valores com o

passar do tempo e com o aumento dos que por ela se influenciam.

Apoio-me nos conceitos de Werner (2010), que percebe a educação e cultura,

duas categorias com que aqui trabalho, não sendo para os antigos na Grécia uma

teoria abstrata ou uma arte de cunho formal, tinha ligação com os valores de uma

nação, com sua estrutura de história, é a partir disto que faço a análise acima.

Estudando Werner (2010) podemos categorizar a educação que vem desde a

Grécia Antiga para além das escolas, temos a educação presente na literatura e na

arte, ajudando a autoformar o homem daquela época.

Aqui a educação não é uma propriedade individual, mas algo que pertence

por essência à sociedade, também uma formulação de Werner (2010) que nos ajuda

a entender como podemos ter charges e histórias em quadrinhos como parte do

processo educacional da época para além das escolas.

Para Neto e da Silva, a arte contida nas histórias em quadrinhos passa por

um processo para ser valorizada e um possível papel pedagógico:

Por muito tempo olhadas com desprezo, seja por conta do “perigo

moral” que representavam, seja por conta de serem consideradas

portadoras das ideologias dominantes da indústria cultural, as

histórias em quadrinhos tem, hoje, espaço recomendado junto ao

trabalho de professores/as, no qual pesa ainda os preconceitos de

tempos passados. (NETO; DA SILVA, 2011, p.16).

Como aferir o impacto das histórias em quadrinhos e charges veiculadas na

Revista Illustradas entre analfabetos e pouco letrados é uma questão importante,

visto que os mesmos não registravam essas informações justamente pela sua

condição educacional não o permitir.

Busco na imprensa da época, nas homenagens a Agostini, na reação do

Imperador Dom Pedro II perante o publicado, corroborar a influência das mesmas.

Ninguém combate o que não tem impacto, ninguém presta homenagem pela

39

relevância do trabalho se o mesmo não colaborasse em parcelas mais largas do que

as da Corte da época.

Vão se alterando os valores que eram referência para a maioria daquela

sociedade, com isso as pessoas vão gradativamente não se moldando mais pela

norma vigente, o padrão de referência mais influente vai mudando naquela

comunidade, naquele lócus.

Essa comunidade é aqui entendida não só como os que participavam da elite

da Corte, mas também os que produziam as charges e histórias em quadrinhos que

carregavam parte do espírito dessa sociedade, da história e do diálogo com setores

dessa.

Para fazer essa análise cabem vários conceitos, opto por o de educação

popular, que rompe com os muros das escolas e com a educação apenas em sala

de aula, sem desmerecê-las. O conceito de educação popular, de Vergueiro (2009)

é a desvinculada dos canais formais de ensino e que visam capacitar o cidadão para

viver em sociedade.

O autor faz essa análise nas cartilhas que usam quadrinhos e aqui

transponho para a utilização dos mesmos na transmissão da mensagem pró-

abolição no rumo da superação da organização da sociedade com os parâmetros de

hábitos da Corte da época.

Além disso, detalho a relação das charges e histórias em quadrinhos como

parte de um processo de educar, de formar uma opinião determinada, de levar

ideias para além dos que as pensaram, divulgando-as e, até mesmo, convencendo

pessoas. Para tanto, retrato e analiso em minha dissertação algumas das ilustrações

publicadas.

Discuto o papel educacional das charges e histórias em quadrinhos apoiado

nas teorias de Werner (2010) com a finalidade de explicar como as charges e

histórias em quadrinhos tiveram função educacional junto às camadas menos

letradas e parcela da corte.

40

Pela forma que as histórias em quadrinhos e charges surgem e evoluem, por

sua linguagem específica tornou possível certa dinamicidade à leitura, isso

colaborou na conquista de um público mais largo entre crianças, jovens e adultos.

Além disso, a facilidade de sua reprodução e disseminação, cumprindo assim

a função social de aproximar o indivíduo da obra, segundo Neto e da Silva. Ainda

ajudam na justificativa de como a percepção humana possui pré-disposição à

recepção de mensagens por imagens:

(...) Somos seres imaginéticos, simbólicos, sensíveis: produzimos

imagens, consumimos imagens, pensamos com imagens, buscamos

imagens. Somos seres das narrativas, da ficção. Ora, as histórias em

quadrinhos são narrativas imaginético-textuais que podem contribuir,

na educação básica e superior, para constituição de outro paradigma

educacional no qual tanto a nossa razão simbólica como a nossa

razão sensível sejam valorizadas. (NETO; DA SILVA, 2011, p.29)

Os autores ainda fazem aqui uma afirmação que afirma a função que os

quadrinhos podem cumprir na educação, a justificativa da imagem como veículo de

transmissão do conhecimento, como ativador da percepção para além da imagem,

com possibilidades de interpretação variadas, ajudando na criação de uma opinião

crítica sobre algo valorizam as histórias em quadrinhos como uma forma

compotencial para educar.

Em seguida, reforça a importância da combinação entre texto e imagens,

mesclados na representação chamada de histórias em quadrinhos, e as

possibilidades largas que este tipo de arte permite por conjugar a representação

textual e visual.

Destaco a importância da subjetividade citada pelos autores e da imaginação

provocada pelo que as histórias em quadrinhos apresentam ao leitor, as

possibilidades de ajudar na formação de uma opinião critica estimulada pela arte

conjugada com a palavra que gera uma postura ativa, analítica e interpretativa do

leitor de histórias em quadrinhos que terá acelerada sua percepção de mundo a

partir das imagens que sua imaginação e subconsciente irão interpretar:

41

Os quadrinhos apresentam, na combinação de imagem e texto,

situações em que o “mergulho” e a “viagem” do leitor/a são

acelerados pela provocação imaginética já fornecida, mas que serão

também recriadas e ressignificadas pela subjetividade do mesmo.

Essa aceleração não gera passividade. Gera outra forma de ativação

da imaginação. (NETO; DA SILVA, 2011, p. 30).

Como mexem com o inconsciente humano e atendem algo que é inerente a

nós, que é a pré-disposição a “leitura” de imagens, independente de o receptor ser

alfabetizado ou não, as histórias em quadrinhos e charges são um veículo que

aproxima a informação dos menos letrados, pela carga imagética que possuem.

Os humanos precisam da razão sensível e da razão simbólica, segundo Neto

(2011), e as histórias em quadrinhos auxiliam a desenvolvê-las e levam o leitor para

além das limitações impostas pela abordagem racionalista.

Neto (2011) caracteriza a razão sensível como fruto da experiência do nosso

corpo e dos nossos sentidos, além da nossa percepção intuitiva. As percepções dos

sentidos favorecem uma maneira de retratar e expressar o mundo, ou seja, possui

sentido e direção.

Já para o autor a razão simbólica é resultado de nossa capacidade de dizer e

interpretar o mundo usando nossos dons verbais, interpretativas e imaginativas.

Isso se dá também na identidade da figura retratada, Agostini o fazia desde

Nhô Quim onde o caipira, representação do tipo brasileiro, estava já presente e se

manteve na Revista Illustrada. Cabe aqui citar artigo da Drª. Geisa Fernandes

publicado no livro Muito Além dos Quadrinhos:

(...) o caipira pode ser entendido como a manifestação de um tipo

brasileiro, já explorado na linguagem das histórias em quadrinhos

desde a obra do desenhista italiano radicado no Brasil, Angelo

Agostini (1843 – 1910), naquela que é considerada como a primeira

história em quadrinhos, Nhô Quim ou Impressão de uma viagem à

Corte, de 1869. (VERGUEIRO; RAMOS (Org.), 2009, p.69)

42

Em um contexto de desenvolvimento do país, esboço da burguesia,

desenvolvimento de centros urbanos, surgimento da classe média apontou-se numa

tendência crescente de consumir imagens.

Maringoni (2011) discorre sobre isso com precisão ao afirmar que poucas

pessoas sabiam como funcionavam as instâncias do poder na época, e que os

personagens que faziam parte da Corte eram desconhecidos fora de seus redutos

originais.

O avanço das comunicações e transportes atiçou a curiosidade das pessoas,

saber o que acontecia na referência de poder da época passou a ser uma

necessidade. Com os jornais, ferrovias e telégrafos passou-se, segundo Maringoni

(2011), a querer se conhecer os fatos, por onde circulavam e também os rostos

daquelas pessoas da Corte.

Como não acontecia a reprodução de larga escala das fotografias na época

coube a imprensa ilustrada essa tarefa, mesmo sendo elitizada.

Concluo acreditando que o estudo da percepção e recepção das imagens nos

seres humanos educa. O faz devido à pré-disposição imaginética que analisamos a

partir de teorias nesse capítulo.

As imagens formam conceitos, carregam informações e esclarecem opiniões,

isso é fato entre os negros que tem sua percepção de autoestima alterada em

função das histórias em quadrinhos e charges que a revista publicava não os atingiu

apenas, mas o fez através da repercussão nos letrados somada a nos escravos.

Além disso, o processo de abolição foi longo, complexo e imerso em um

ambiente de mudança, de ebulição. Assim também o foi a educação no período,

com largas possibilidades, se não for encarada apenas pelo que se ensinava nas

salas de aula, se houver o desprendimento de enxergá-la nas páginas dos jornais,

nos textos dos cronistas, nas poesias e nas histórias em quadrinhos e charges

Neste capítulo analisei e relacionei histórias em quadrinhos e charges para

além da educação tradicional e escolar, além de discutir como influenciou parte da

elite da Corte na perspectiva da abolição.

43

No capítulo seguinte discuto a alteração da configuração imperial que ocorreu

paralelamente ao aumento e força das ideias pró-abolição no Império do Brasil, essa

análise se apoia no estudo das teorias de Flamarion, Maringoni, Holanda, Neves,

Machado e nossas fontes publicadas na Revista Illustrada, feitas a partir das teorias

de Norbert Elias e da ligação com o contexto histórico nacional e internacional.

44

CAPÍTULO III

ABOLIÇÃO, PROGRESSO E MUDANÇAS NA CONFIGURAÇÃO IMPERIAL

Neste capítulo discuto a transformação de configuração que vai ocorrendo no

Império em função do fortalecimento do pensamento que defendia a abolição da

escravatura e a edificação da República no Brasil.

8

Figura 3: Página interna da Revista Illustrada 472, de 1887

Essa mudança é acompanhada da migração de apoios de setores das elites

da época, mesmo dos senhores de terra, à medida que constatam o advento da

8 Lê-se abaixo da ilustração: “Já não há mais políticos. Nem liberaes, nem conservadores. Ou abolicionistas, ou negreiros! Os Srs Paulino e Moreira de Barros procuram segurar o mísero escravo; os Srs Prado e Leoncio de Carvalho, esforçam-se para arrancá-los das garras dos ferozes escravocratas! Em que ficamos? “

45

abolição como irreversível e este advendo estando ligado as ideias que passam a

representar o que é novo e moderno.

A ilustração acima de Angelo Agostini demonstra isso, quando todos os

atores sociais da elite da época puxam para si a figura do negro e a bandeira da

abolição, que passa a contar com vários “pais” e “defensores” em função da

aderência que possui junto à população.

Ser escravocrata e defender tais práticas passam a ser algo superado e

ligado ao velho. Na ilustração, antigos aliados na defesa da escravidão se descolam

e parte deles passa a cumprir a função de abolicionista de ocasião.

Liberais e conservadores passam a ser cada vez mais parecidos na defesa do

fim da escravidão, que no ano de veiculação da ilustração era algo dado como certo:

1887.

Faço a análise acima apoiado na visão de civilização de Norbert Elias e do

processo de disseminação de um referencial de correto, de civilizado que se dá para

mais e mais lugares do mundo, criando uma sinergia, um sentimento que reflete

uma opinião majoritária do certo nos padrões ocidentais:

Na verdade uma fase essencial no processo civilizador foi concluída

no exato momento em que a consciência de civilização, a consciência

de superioridade de seu próprio comportamento e sua corporificação

na ciência, tecnologia ou arte começaram a se espraiar por todas as

nações do Ocidente. (ELIAS, 1990, p.64)

Essa construção da referência de através de uma nova consciência que vai

se gerando conta, segundo Elias, com a colaboração das artes e da ciência para se

consolidar, como vemos acima.

O tráfico de africanos, segundo Neves e Machado (1999), se manteve no

Brasil até o fim do século XIX, com elevada cooperação de vários setores da

sociedade.

O trabalho escravo e o tráfico de negros era tido como algo essencial para a

prosperidade do Império no Brasil tendo ingressado em nosso país 5 milhões de

46

escravos vindos da África, havia uma ligação do tráfico com as necessidades postas

pela estrutura de produção agrícola.

O período estudado é marcado pela força das ideias imperiais, refletindo a

configuração com mais impacto, que tinham seus costumes reproduzidos para além

da mesma, nos outsiders do período que vivia a margem da cidade do Rio de

Janeiro e não pertencia a figuração hegemônica.

Essa situação vai gradativamente se alterando, em particular na segunda

metade do século XIX, fruto das consequências da Guerra do Paraguai e situado no

período conhecido como Segundo Reinado em nosso país.

Vai se fortalecendo a aversão aos escravagistas e a prática da escravidão,

fruto da transformação gradual de comportamento, de emoções e de referencial, do

processo de escravidão, cada vez mais caracterizado como não civilizado.

No Brasil tais ideias e mudanças que vem com elas são consequência do que

vai ocorrendo no fim do século XVIII na Inglaterra e no resto da Europa. Para Neves

e Machado a industrialização e o liberalismo vão minando o comércio escravo e a

própria prática da escravidão.

Isso tem importância, em particular pelo fato da Inglaterra ser o principal país

traficante de escravos na época para as possessões americanas, com a Revolução

Industrial isso muda.

Os interesses dos ingleses passam a dar privilégio ao mercado consumidor

que viesse a consumir as manufaturas que passaram a produzir em função das

mudanças que ocorrem na busca da diminuição do custo da produção.

No Brasil ocorre uma pressão que se assemelha, em alguns aspectos, as

mudanças na configuração posta do regime. Aqui, segundo Cardoso (1988),

florescimento do abolicionismo tem ligação com o ressentimento urbano contra um

governo imperial dominado pelos interesses agrários.

Em 1850 a Lei Eusébio de Queirós aboliu oficialmente o tráfico de escravos

africanos ao Brasil trazendo inúmeras consequências. Neves e Machado

47

caracterizam esse como o primeiro abalo na sociedade escravista, já que a

reposição da mão-de-obra não podia ser feita internamente, através do crescimento

vegetativo, devido à alta taxa de mortalidade dos cativos.

Aqui também ocorrem sérias restrições ao tráfico entre as províncias no

compasso do crescimento do movimento abolicionista, um se fortalecia e o outro se

fragilizava.

Para Neves e Machado (1999), ao tratar do fim do tráfico e da pré-disposição

à resistência dos negros, fazem a afirmação da importância que os jornais

abolicionistas jogaram nesse momento quando faziam a denúncia dos maus tratos

bárbaros que ocorriam contra os cativos.

Os jornais abolicionistas divulgavam os maus tratos, com isso colaboravam

na ampliação a rejeição dessa prática e os atos de protesto dos escravos vão

passando a adquirir um significado político que antes não existia.

As ideias abolicionistas no período imperial do Segundo Reinado eram as que

representavam o progresso, a mudança na época. A luta pela implantação da

República e pelo fim da escravidão retratava uma mudança de configuração que

estava em curso, onde o Império e a figura real eram vistos como algo que não fazia

mais parte da civilidade, estavam sendo superados gradativamente.

Neves e Machado (1999) afirmam que progresso, civilização, ciência eram

palavras que estavam presentes nos discursos contra a escravidão. Tais bandeiras

movimentavam parte da Corte nos centros urbanos que buscavam a superação do

regime escravagista.

Isso não estava revestido de uma preocupação meramente humanitária, mas

sim numa mudança de marco do desenvolvimento da economia da época, a própria

concepção do desenhista estava contagiada por conservadorismo e preservação da

lógica de mercado, aparecendo mais fortemente nos anos finais do processo da

construção da abolição no Brasil nos escritos e desenhos do italiano na Revista

Illustrada, como bem assinala Maringoni tratando sobre Agostini:

48

Começou como caricaturista de costumes, adquiriu ares de repórter

engajado, e militante político no auge da campanha abolicionista,

entre 1886 e 1888, e revelou-se um conservador racista e ranzinza

com os destinos de sua cidade e do país, no final da vida.

O que poderia representar uma trajetória incoerente, expressa o

comportamento de uma vertente importante do movimento

abolicionista, que tinha a emancipação dos negros como parte central

de um projeto de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. A

escravidão era cara, ineficiente, pouco produtiva e não criava

mercado interno. O último item era decisivo para implantação de uma

economia de mercado em conexão com uma nova divisão

internacional do trabalho, surgida no final do século XIX.

(MARINGONI, 2011, p.19)

O autor colabora ao vincular a emancipação dos negros com o

desenvolvimento do capitalismo no Brasil, uma demanda que tinha ligação com o

desenvolvimento desse sistema na Europa e a pressão que essa exercia na América

para consolidar essa forma de movimentar a economia.

O fortalecimento do capitalismo vinha vinculado ao da República, que

representava o novo na Europa e ia, paulatinamente, ocupando esse espaço

também no Brasil.

Há gradual alteração na referência para a sociedade, onde a Corte ia

perdendo força e a República se consolidando como alternativa. Vai surgindo um

sentimento de progresso vinculado ao conceito de República, um estava

intrinsecamente ligado ao outro. O Brasil era marcado pelas ideias positivistas e

republicanas que os imigrantes traziam da Europa.

A questão da escravidão entra em pauta, segundo Maringoni, no final de

agosto de 1880, quando surge a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, no

parlamento Joaquim Nabuco apresenta o projeto de Lei de Libertação Geral.

Esse período é marcado pela apresentação do projeto de lei do Senador

Dantas, em 15 de junho de 1884, que queria libertar os escravos maiores de

sessenta anos e proibir o tráfico entre províncias.

49

O projeto passa dezessete meses em discussão e depois é recusado, só

sendo aprovado em 28 de setembro de 1885 como Lei Saraiva – Cotegipe, essa lei

mudava a essência da anterior exigindo trabalho por mais 36 meses dos escravos

ou até 65 anos, além de propor pesadas multas a quem ajudasse fugitivos.

Durante esse tempo a Revista atacou parlamentares escravocratas e

defendeu o projeto do Senador Dantas. Nesse período, com a mudança da matéria

para aprová-la, Agostini sobe o tom de suas críticas na Revista, segundo Maringoni:

“O tom abolicionista da Revista aumenta, com artigos em quase todas as edições

denunciando arbitrariedades e cumprimento províncias que individualmente vão

abolindo seus escravos”.

Já para Neves e Machado há destaque no papel de esclarecer e informar o

povo da época na imprensa do Segundo Reinado:

Os jornais, ao mesmo tempo que exaltavam os senhores que

alforriavam os escravos, noticiavam as revoltas dos cativos, criticando

violentamente os proprietários por suas crueldades. Com todas as

limitações inerentes ao período, não há dúvida de que eles exerceram

seu papel informativo e esclarecedor da população, contribuindo para

extinção de uma instituição que era um verdadeiro “cancro roedor” do

Império. (NEVES; MACHADO, 1999, p.362)

Na ilustração de capa da Revista Illustrada que se segue Agostini apela para

a representação da Câmara e do Senado apaguem essa prática que representa,

segundo o autor, uma mancha na história do Brasil.

Uma tina, um balde e esfregões de limpeza completam a ilustração. A

mesma, como dissemos, é um apelo, faz parte de uma campanha e cita inclusive

uma frase do Imperador que, em tese, estimularia o banimento desta infeliz herança

de nossa história.

O desenho se juntou a vários outros com a mesma temática onde o tom sobe

nesse período, o apelo pela limpeza, que faz o contraponto classificando na prática

a escravidão como sujeira, além de coloca-lo com cores escuras na palavra

ESCRAVIDÃO, entre o DIREITO PATRIO e a LEI SARAIVA-COTEGIPE.

50

Sobre a LEI SARAIVA-COTEGIPE escorrem a sujeira que sai da palavra

ESCRAVIDÃO, numa clara alusão as mudanças que a mesma causou no projeto

original do Senador Dantas.

As representações masculinas da Câmara e do Senado estão de costas para

o leitor, não é possível ver seus rostos, e apressam-se em esfregar a área específica

do mural que contém a palavra escravidão.

9

Figura 4: Capa da Revista Illustrada 496, de 1888

Não há iniciativa dos mesmos para impedir que a água suja desça por cima

da LEI SARAIVA-COTEGIPE grafada na pedra, que foi derrotada muito na pressão

do Gabinete desse mesmo nome e na desfiguração que o mesmo fez no Projeto de

Lei original.

9 Lê-se abaixo da ilustração:” A vista do tópico da falla do trono. que diz: - Confio que não exitares em

apagar do direito pátrio a infeliz herança etc, etc - esperamos que o parlamento empregue todo o enthusiasmo, uma boa esponja e todos os ingredientes necessários , para fazer desaparecer; para sempre, essa hedionda mancha”.

51

Aumenta mais e mais a representação e a força das ideias de Nabuco,

paralelamente a isso se dá uma aproximação entre o mesmo e Agostini, tanto do

ponto de vista das ideias como do ponto de vista pessoal.

Agostini via em Nabuco uma representação da ideia abolicionista mais justa

para o momento, diga-se de passagem, pouco ousada ou revolucionária, sem

disposição em encarar um processo de libertação com participação popular.

Para Maringoni, em seu livro Angelo Agostini, é clara a identificação entre

Nabuco e o ilustrador:

O mais notável ideólogo abolicionista brasileiro foi Joaquim Nabuco

(1849 – 1910). Em discursos, artigos e inciativas legais, ele batia-se

por um movimento que não ganhasse e que se restringisse às

páginas da imprensa e do parlamento. Não havia um projeto claro de

inserção do negro no sistema produtivo posterior. À sua maneira,

Agostini parece compartilhar das posições de Nabuco. (MARINGONI,

2011, p.33)

Agostini acabou se consolidando entre os abolicionistas, tendo papel de

destaque nesse movimento chegando a ser homenageado pela Sociedade Brasileira

contra a Escravidão, criada em 1880 por políticos de destaque à época como

Joaquim Nabuco e José do Patrocínio.

Isso se deu em um período em que a figura do escravo ocupou muitos

espaços na imprensa, isso contribui direta ou indiretamente para abalar as práticas

de cativeiro, segundo Neves e Machado.

Houve até apelos por parte de Joaquim Nabuco para Agostini adotar a

nacionalidade brasileira, clara demonstração da importância do pensamento que

carregava sua obra nos quadrinhos e charges que publicava na Revista Illustrada

contestando a escravidão, retratando os maus tratos aos escravos e a situação

cotidiana do Império.

Segundo Maringoni (2011), Agostini era um agregado da elite da época

formada por proprietários de terras e altos membros da burocracia estatal. Ele fazia

52

parte dessa minoria de homens letrados, urbanos e cultos em meio ao analfabetismo

e miséria que marcavam a maioria da população.

Analiso esta situação de mudanças a partir das teorias de Norbert Elias , em

particular de sua visão de processo na edificação da civilização e de seus estudos

acerca da construção dos hábitos e das redes interdependentes.

Para o Brasil do Império isso significava uma mudança na correlação entre

os setores da sociedade majoritariamente escravagista que se enfraquecia com as

alterações internacionais, onde a Revolução Industrial relegava a escravidão ao

atraso e a algo superado. Essas mudanças se deram de maneira gradual e lenta,

afetando o hábitus de referência como o “correto” para época.

Vários fatores levam ao fim da escravidão em nosso país. Entre eles a perda

de poder do Imperador era algo determinante. Embora o sistema representado pelo

poder legislativo fosse uma caricatura, a instabilidade do mesmo e as oscilações de

poder foram minando Dom Pedro e diminuindo o poder imperial (HOLANDA, 2010,

pág. 142).

A escravidão se concentrava nas regiões onde a economia estava mais

moderna e tornava-se cada vez menos importante nos setores decadentes ou

atrasados.

A pressão pela abolição estava em sintonia com o movimento que ocorria no

mundo todo que já havia adotado o trabalho assalariado, que era mais barato e mais

eficiente, não se tratava meramente de uma questão política ou social.

O gabinete Cotegipe, que vinha fracassando na repressão contra reuniões e

manifestações abolicionistas, faz uma campanha apelando para violência e

agredindo manifestantes em 1887. Ainda assim aumentam as iniciativas de

libertação de escravos, mesmo por parte de fazendeiros.

A violência, para Neves e Machado, era parte estrutural do sistema

escravista, as revoltas dos negros eram tratadas como caso de polícia. Agostini

denunciou tal prática, contribuindo para seu enfraquecimento.

53

O gabinete Cotegipe renuncia em 7 de março de 1888. A Princesa Isabel, que

naquele momento regia o país na ausência do Imperador, nomeia João Alfredo

Correia de Oliveira, um conservador de Pernambuco.

A responsabilidade desse novo gabinete, que era abolicionista monarquista,

era de elaborar um projeto de lei sobre o elemento servil até 3 de maio. A Revista

acompanhou o debate e a tramitação do projeto.

Maringoni mostra em seu livro como a Revista dá destaque ao momento da

aprovação da Lei Áurea de 13 de maio de 1888, mas principalmente a sua

repercussão:

A edição seguinte, uma semana mais tarde, foi toda dedicada a

repercussão do ato. Saiu depois de toda a imprensa, buscando captar

o clima de libertação. A capa era apoteótica. Nas seções do texto,

havia declarações de personagens como a Princesa Isabel, o

Senador Dantas, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, José do Patrocínio,

Quintino Bocaiúva, André Rebouças e outros. (MARINGONI, 2011, p.

122, 123).

Antes da abolição as charges e histórias em quadrinhos mostravam um Pedro

II alheio à realidade e sempre no tom de crítica ácida, o que muda para o oposto

depois da abolição, passando a publicação a ser muito carinhosa com o monarca.

Entende-se cada setor da sociedade da época como constituído por núcleos

de poder específicos em rede, articulados entre si, com mudanças no papel de quem

detinha a hegemonia no processo longo da História.

As mudanças em longa duração são impulsionadas por vários fatores,

marcadas por avanços e retrocessos, aqui se inserem as charges e histórias em

quadrinhos de Agostini vistas no ambiente do estudo com ótica elisiana de um

período de mudanças que vai afetando as configurações vigentes.Estudo as

ilustrações que formam a obra de Agostini entendendo a longa duração das

mudanças e as relações entre figurações dentro de uma mesma configuração.

Percebe-se, portanto, que a tentativa de mudança da mão de obra utilizada

na lavoura tinha ligação com a pressão internacional (a configuração dos países

54

europeus já havia rompido com a escravidão) e aumentavam a pressão sobre o

Brasil para se adequar a referência do correto dentro desse novo contexto posto,

onde a escravidão tinha ligação com uma figuração, uma referência de poder

superada.

Isso não se dá de maneira homogênea nem em curta duração, ocorre de

maneira gradual em função de uma maior ou menor influência das ideias da

configuração europeia que chegam ao Brasil, impregnando a imprensa, as charges e

histórias em quadrinhos, formando uma nova referência de comportamento entre os

cidadãos do Império e superando a referência escravagista e monárquica por dentro.

Essa relação da pressão das ideias externas, seu enraizamento nos

formadores de opinião brasileiros e para além deles, em parcela do povo com

expressão suficiente para causar o fim da escravidão e a queda do regime imperial

não se deu de maneira linear.

Aqui cabe mencionar os estudos do pesquisador Robert Slenes, citados por

Maringoni. Segundo Slenes, a presença de cicatrizes e feridas nos escravos vai se

se torna sinal de constrangimento, visto a mudança que ocorre no período quando

não é mais de bom tom, segundo o autor, anunciar a violência doméstica ao mundo.

Parto do descrito para enxergar a formação de um sentimento novo nos

escravos, a partir das referências de “certo” e “errado” na sociedade que vão se

alterando, apoiado nas charges e histórias em quadrinhos na formação de um novo

referencial mesmo entre os escravos que eram analfabetos, mas foram influenciados

pela carga imagética veiculada nas ilustrações.

Para demonstrar tal afirmação cito mais um trecho do uso que Maringoni faz

das teses de Slene em seu livro:

Slenes busca mostrar que, juntamente com tal comportamento,

começa a desenvolver-se, entre os escravos, um certo sentido de

dignidade e honradez. O historiador relata casos de cativos não

aceitam acusações pretensamente infundadas feitas por seus

proprietários, externando, eles próprios, argumentos em sua defesa. (

MARINGONI, 2011, P.31)

55

Segundo Maringoni (2011), a atuação de Angelo Agostini foi marcante para a

formação de uma opinião pública abolicionista. Agostini era sensível a esses dois

comportamentos que se disseminavam, dirigia-se a um público branco, culto e

letrado e buscava a cumplicidade do leitor da Revista Illustrada contra as violências

aplicadas aos escravos, atuando um processo de longa duração, com muitas idas e

vindas por parte da configuração majoritária que se utilizava de toda sua força junto

à Corte e seus representantes para perpetuar as ideias que representava naquele

contexto, e fazia a luta dessas no ambiente da Câmara dos Deputados e da

imprensa da época.

A força das ideias em disputa e a relação entre as figurações contidas

naquela configuração de Corte levaram a abolição no Brasil a ser marcada por

vitórias parciais, derrotas e recuos por parte dos que detinham o poder.

As mudanças na força de cada figuração foram se dando dia após dia e a

referência inconteste do Imperador e sua Corte corroída por dentro de sua figuração,

diversos setores desta passam a questionar políticas do governo, entre as quais as

da escravidão.

Estas manifestações de opinião que não tinham força por si só para se

afirmar como alternativa de poder passam a dialogar com o resto da população por

diversos meios, inclusive através da arte.

Também se destaca aqui nesse nosso corte temporal o fim do tráfico com a

África e o fortalecimento do tráfico interprovincial, fatos que acompanharam a

ascensão da produção do café e a queda da produção do açúcar, um ocorrendo em

função do outro. Essa mudança no foco da produção também causou um

deslocamento de força econômica e politica para região sudeste.

A Lei Áurea, por sua vez, teve relação com a alteração da referência de

comportamento do período. Uma consequência do acúmulo da luta pela abolição, foi

a inclusão de algo que antes não cabia na figuração do período: admitir os negros

como libertos, como parte ativa da figuração.

56

O cultivo do café e o poder dos donos de terra no Segundo Reinado são

motivos que levaram ao prolongamento da escravidão no Brasil. Agostini trata disso

em diversas de suas charges e histórias em quadrinhos.

A figura do dono de terra é antipatizada e responsabilizada pelas principais

dificuldades que os escravos sofreram no período. Os mesmos são vistos também

após a abolição como oportunistas que tentavam transitar para a posição pró-

República seguindo o curso do fortalecimento que essa proposta ia adquirindo.

A exploração da mão de obra negra de tipo escravo ocorria dentro da

normalidade do período, dentro da referência de cotidiano, correto e aceito pelos

que viviam na Corte e que refletiam essas atitudes na grande maioria da população

que estava ao seu redor.

A relação da figuração se dava na luta e no sentimento pró-abolição que iam

consolidando sua influência sobre uma parcela cada vez mais larga do povo da

época em detrimento da perda de força das ideias do Império no Brasil e,

consequentemente, da sociedade escravagista. As manifestações culturais

retratadas nas artes da época espelham essa realidade, em particular, nas charges

e histórias em quadrinhos.

As manifestações culturais na Revista Illustrada uniam as charges e histórias

em quadrinhos com a literatura, poesia e textos da época materializando o retrato de

um movimento que colaborou na mobilização de parte expressiva da sociedade da

Corte, esta ia se indignando com as práticas de escravidão já abolidas quase no

mundo todo.

Essas manifestações artísticas se juntaram aos que estavam à margem da

configuração majoritária, que não participavam da Corte, levando ambas a,

gradativamente, irem formando uma nova configuração que será a referência da

sociedade pós-império.

Não se deve desprezar o fato de essa arte ter posição engajada, com a

clareza que a mesma oferece a possibilidade de entender o Império a partir da

57

retratação do mesmo com os olhos que o movimento abolicionista o via, o da crítica

contundente ao status quo.

Os artistas da época tinham posições, suas obras são de crítica cultural,

política e social daquele momento histórico, eram em parte ativistas do movimento

abolicionista e figuras ativas na sociedade da época.

Estes artistas estavam ligados à causa da abolição em parte, mas não tinham

uma preocupação consciente de educar, no entanto podemos dizer que buscavam

transmitir uma opinião, sensibilizar.

Esse processo de sensibilização, de divulgação de ideias, de circulação de

novos pensamentos e novas formas de ver o mundo até então tido como civilizado,

passando a retratá-lo como superado, era marca entre os desenhistas e vários

outros artistas do período que se somavam a intelectuais.

Um desses era Agostini, isso está presente nas afirmações de Neves e

Machado que também nos mostram o alcance para além de parte da elite da Corte

das ideias abolicionistas e colocam o nome do autor lado a lado com figuras

expoentes da Sociedade Abolicionista do Rio de Janeiro, políticos e poetas que se

empenhavam pela abolição:

Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, Antônio

Bento, Luís Gama, Rui Barbosa são os nomes mais conhecidos das

elites intelectuais que associavam a escravidão ao atraso do país,

mas não eram os únicos. Políticos, como Jerônimo Sodré; jornalistas,

como Ferreira de Araújo, Ferreira de Menezes, Lopes Trovão, Angelo

Agostini e Carlos de Lacerda, também participavam do processo.

Castro Alves, morto prematuramente, colocou sua verve poética a

serviço da abolição. Havia também a participação de outros

indivíduos mais humildes, que acobertavam os escravos fugidos. A

luta subterrânea desafiou ostensivamente a repressão dos

escravocratas. Estudantes, ferroviários, cocheiros, tipógrafos, ex-

escravos e muitos anônimos davam guarida aos cativos,

encaminhando-os para lugares mais seguros, longe dos olhos de

seus senhores. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 371)

58

Isso é importante, visto que demonstra que as ideias dos cafés e de parte da

elite da Corte chegaram a setores mais largos da população, e essa rebeldia foi

alimentada também pela imprensa.

Nesse capítulo estudei as obras de Agostini publicadas na Revista Illustrada,

relacionando-as com as mudanças de configurações que tiveram implicações na

queda do Império e da escravidão no Brasil, de maneira gradual.

No capítulo seguinte discutirei as mudanças sociais como pano de fundo na

análise das obras de Agostini, “leio” as ilustrações, discuto o que representam e

apresento a importância da obra do artista para época e para o entendimento

daquele período na contemporaneidade.

59

CAPÍTULO IV

RELEVÂNCIA DA OBRA DE ANGELO AGOSTINI

No capítulo anterior discuti as transformações de configuração que ocorriam

no Brasil, as mudanças sociais que ocorreram, suas ligações com a abolição e a

importância política da obra que possuía reconhecimento e peso cultural na época.

Nesse capítulo discuto a função que os desenhos de Agostini tiveram como

parte da divulgação, educação e defesa dessas mudanças, além de analisar mais de

suas artes.

Na figura 5 a seguir temos um retrato da capacidade de captar momentos que

levaram somados ao fim da escravidão em nosso país. As dimensões continentais

do Brasil e as contradições regionais colaboraram no processo de fim da prática de

escravidão por províncias.

A capa da Revista Illustrada reproduz uma homenagem aos jangadeiros

cearenses, parte desse processo ao se negarem a transportar escravos entre os

navios e o porto de Fortaleza.

A mesma ressalta o líder dos jangadeiros e ostenta na vela de uma das

jangadas a palavra “libertadora”, ressaltando o compromisso destes com a causa da

abolição ao se negarem a fazer o transporte.

O fim da escravidão na província do Ceará foi parte de uma movimentação de

acúmulo de forças que se deu das regiões que utilizavam menos mão de obra do

tipo escrava em direção a capital federal e as maiores concentrações urbanas da

Corte.

As ideias abolicionistas circulavam na Corte com mais força e se espalhavam

para as demais províncias, neste momento histórico esse ideário já era nacional e as

conquistas regionais eram usadas para potencializar a busca do fim da exploração

da mão de obra do tipo escrava.

60

10

Figura 5: Capa da Revista Illustrada 376, de 1884

10

Lê-se abaixo da ilustração: “Francisco Nascimento. A festa dos jangadeiros cearenses. Nascimento

impede o trafico dos escravos da província do Ceará vendidos para o Sul”.

61

Creio ser importante descrever um pouco do autor, o faço a partir das

percepções de Maringoni (2011) sobre que dá destaque à força das imagens que

retratavam os maus tratos com os negros:

A série de desenhos e narrativas gráficas produzidas por Agostini, a

partir de 1886, denunciando os horrores do cotidiano escravocrata

representam possivelmente o ponto alto de sua obra. Exibem

denúncia política e completo domínio de técnicas dramático-

narrativas, aliados à uma grande capacidade de provocar indignação

e incômodo em parcelas crescentes dos leitores. As imagens

retratam, com uma crueza poucas vezes vista, o cotidiano de torturas,

mutilações e assassinatos cometidos contra cativos. (MARINGONI,

2011, p. 109)

Para o autor, Agostini foi esteticamente o principal artista gráfico no Brasil na

segunda metade do século XIX, considerando também a Revista Illustrada como

uma das publicações que marcaram a história da imprensa em nosso país. Os

primeiros anos de Agostini no Rio de Janeiro coincidem, segundo Maringoni, com o

período em que a imprensa ilustrada se consolida.

Pinturas, poesias e textos acompanhavam as histórias em quadrinhos e

charges na consolidação do ideário abolicionista que marcava parte da figuração de

corte e se alargava na figuração dos que estavam à margem da corte.

Já Neves e Machado assinalam a versatilidade e compromisso do autor com

a propaganda e proliferação dessas ideias através dos desenhos e do humor:

O tom satírico das charges serviu também como arma para os

propagandistas. As gravuras de Angelo Agostini, um imigrante italiano

radicado no Rio de Janeiro, desmoralizavam os defensores da

escravidão. Desde 1881, Agostini, utilizando como veículo a Revista

Illustrada, aproveitava as diversas notícias sobre o cativeiro para

transformá-las em imagens irônicas, que serviam para aumentar a

divulgação do abolicionismo. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 368, 369)

Antes de chegar a Revista Illustrada, Agostini publicou em vários jornais e

revistas em São Paulo, começa em O Cabrião, contribui em alguns números do

62

Arlequim e depois na Vida Fluminense, já no Rio de Janeiro, onde seus desenhos

amadurecem e atingem um público maior.

Seguido por uma passagem no jornal O Mosquito e na saída passa os meses

seguintes organizando o lançamento da sua Revista Illustrada.

Maringoni (2011) analisa a importância da revista e reafirma sua força como

instrumento na campanha abolicionista, a caracteriza como referencial político e

cultural na campanha abolicionista que era para o autor a luta mais importante do

período.

Além disso, para Maringoni (2011), a Revista Illustrada foi um marco da

imprensa nacional e a publicação satírica de maior destaque em todo o Império do

Brasil.

Agostini desenhou cerca de duas mil páginas durante os doze anos da

publicação da Revista Illustrada, em meio a um dos períodos mais conturbados da

história brasileira.

Os autores do Império tinham a liberdade de desenhar o que quisessem, pois

a Revista Illustrada não tinha recurso algum com origem no governo. Isso nos

permite estudar como algo que reproduz uma opinião dos que buscavam retratar a

sociedade da época com objetivo de entreter e contestar as ideias, referências e

políticas do que era hegemonia na sociedade da corte.

Passo agora a analisar as ilustrações de Agostini que nos ajudam a entender

melhor o período e colaboraram na educação dos que estavam alijados da

configuração de Corte

Aqui relaciono a importância que a Revista Illustrada teve como instrumento

que colaborou no fortalecimento e divulgação destas novas ideias. Analiso mais

algumas ilustrações na perspectiva de dissecar e entender como foi esse momento

que o Império vivia.

63

Para melhor entender a publicação é relevante discorrer sobre como se

caracterizava sobre vários aspectos, um desses e seu financiamento. Não há muita

documentação disponível sobre isso, mas algumas afirmações são possíveis.

A Revista Illustrada não publicava os chamados “pedidos”, não possuía

anunciantes até 1889, sobrevivendo ao custo dos leitores e assinantes. Agostini

denunciava o Jornal do Commércio por receber favores oficiais.

Segundo Nelson Werneck Sodré, em citação de Maringoni (2011), a tiragem

da Revista chegou aos quatro mil exemplares, índice até então não alcançado por

qualquer jornal deste tipo na América do Sul, e com representativa carta de

assinantes.

Completando o raciocínio Maringoni destaca a coragem do autor e seu

compromisso com a abolição:

Por ter alcançado essa característica rara de depender apenas de

seus assinantes, a folha do italiano conseguia se equilibrar por cima

das contradições da pirâmide social e assumir, por vezes, a defesa

dos interesses que contrariavam parcela da elite, como seria

evidenciado no caso da campanha abolicionista. (MARINGONI, 2011,

p.142).

Os desenhos de Agostini reproduzem e discutem cada decisão nova que o

Imperador ia tomando, fruto do avanço da pressão nacional e internacional pela

abolição no Brasil.

A defesa do fim da escravidão marca sua obra, segundo Maringoni (2011),

em especial a partir de 1880. Para o autor a obra de Agostini atingiu parte da

intelectualidade, dos jornalistas, dos parlamentares, chegando até a sensibilizar

parte dos proprietários de terra.

Para Neves e Machado é nesse período do século XIX, em seus anos 80, que

a campanha contra a escravidão toma as ruas da corte via imprensa, os autores

fazem afirmações que fortalecem a tese de que o publicado na imprensa nestes

anos fortaleceu a corrente abolicionista para além da intelectualidade letrada:

64

A campanha antiescravista ganhou as ruas, na década de 1880, junto

com os jornais distribuídos por vendedores ambulantes, “rapazinhos

italianos, negros e mulatos, que nos deixam quase surdos com a

gritaria, conforme assinala Carl von Koseritz. Os pontos de venda

eram os quiosques, que distribuíam também livros, impressos, flores,

doces, charutos, cigarros, café e refrescos. Numa sociedade iletrada,

esses locais funcionavam também como propagadores de notícias e

das últimas novidades para os analfabetos, que tinham contato com

as ideias abolicionistas através de uma verdadeira “leitura de ouvido”.

( NEVES; MACHADO, 1999, p.365).

Maringoni (2011) também destaca a forma como Agostini deu destaque aos

maus tratos que sofriam os escravos, com imagens fortes e detalhes à mostra

destacando que a produção do italiano, nos anos que antecedem a abolição, focava

as condições de trabalho e as punições que eram dadas aos escravos.

Agostini fazia ilustrações elaboradas com esmero de detalhes que tinham

alcance e grande repercussão na Corte e nas províncias, segundo Maringoni (2011).

Mas voltando a história da publicação desde seu princípio: na primeira edição

da Revista Illustrada, em 1 de janeiro de 1876, um sábado, Agostini caracteriza a

que servia sua revista e estabelece uma política editorial que será a marca da

publicação:

Juro por essa luz, que me está alumiando, que voto ao mais completo

esquecimento tudo quanto deu-se até hontem a meia noite.

Tudo!

O passado passou.

É com o presente e com o futuro que me quero haver, e só com elles

(...) (AGOSTINI, 1876, p. 2)

Havia um compromisso do autor com outro futuro, com outro país e outra

sociedade, avalio que encarava o Império, a escravidão e o imperador como

65

representação do passado que precisa ser esquecido. Pode-se embasar isso por

tudo o mais que será publicado na Revista.

No principio, o foco da Revista não se deu propriamente na escravidão,

Agostini desenhou de tudo um pouco, levando um tempo razoável para figurar a

primeira ilustração que criticou o regime escravocrata em si. Isso ocorreu em 1880,

na capa da edição 222 do ano V da publicação.

A revista, via de regra, é associada à causa abolicionista, o aumento da

presença desse tema na publicação corre em paralelo a elevação de sua

importância na sociedade da época.

Na capa que reproduzo (FIG. 6) a seguir temos uma representação das

mudanças que vão paulatinamente ocorrendo na maneira de retratar a abolição dos

desenhos, fruto do processo contínuo de aumento de tensão que vai numa

crescente até a abolição completa da escravidão.

Nota-se o horror estampado na cara de duas senhoras, uma mais jovem e

outra mais velha, frente o açoite que o negro sofre pelo empregado do senhor de

engenho aqui caracterizado como um sultão.

O senhor de engenho mantém-se impassível perante a situação, de costas

para todos os demais, como se o fato sequer acontecesse. O desespero está

marcado na cara do negro, reflexo da tomada de consciência de seus direitos que

eram agressivamente violados.

As charges e histórias em quadrinhos colaboraram muito para a tomada de

consciência por parte da elite e dos próprios negros de que os tratos que sofriam

eram desumanos, essa tomada de consciência tem participação da obra de Angelo

Agostini e se mostra nas mudanças na representação do negro que, com o passar

dos anos, vai ganhando mais emoção e sentimentos nos desenhos do autor.

66

11

Figura 6: Capa da Revista Illustrada 351, de 1883

11 Lê-se abaixo da ilustração: “ Ao contrario do que acontece no “Excelsior” do choreographo Manzotti , o Obscurantismo e o Indifferentismo vencem a luz e a liberdade na desgracada questão do elemento servil”.

67

Para Maringoni, a partir da análise do escrito por Herman Lima, a Revista no

seu momento de auge passa a publicar uma sequência de grande força no ataque

ao Regime:

Em plena efervescência da refrega abolicionista, quando mais

violentos eram seus ataques ao regime, é justamente que Angelo

Agostini dá inicio a uma nova série documentária que ficaria na sua

obra como a parte talvez mais legitimamente nacional, mais

penetrada de sentido brasileiro, pelo tema, pela linguagem gráfica,

pelo clima psicológico e pela paisagem: as famosas Aventuras de Zé

Caipora. (MARINGONI, 2011, p.133).

Antes disso a figura do negro havia aparecido na edição 93 de 8 de dezembro

de 1877 do ano II da publicação, em uma história em quadrinhos nas páginas

internas onde o cônsul inglês libertava todos os negros mantidos como escravos em

uma companhia de Minas Gerais, há registro histórico de um processo de libertação

por alguns senhores de escravos e fruto de pressão dentro de setores da Corte, em

particular com os maus tratos.

É nessa edição que os negros aparecem na Revista pela primeira vez em

ilustrações que faziam referência à exploração da mão de obra escrava na

agricultura, em duas sequências no estilo de história em quadrinhos.

Isso ocorria dentro da normalidade do período, dentro da referência de

cotidiano, correto e aceito pelos que viviam na configuração de corte e que

espelhavam esse comportamento no povo que vivia ao redor dela. Escravidão era

parte disso, era algo entendido como uma modalidade de trabalho socialmente

aceitável para impulsionar os negócios dos donos de terra.

Mudar de negro para chineses não era algo estranho, ambos eram parte

outsider da sociedade existente no Brasil, não tinham direitos, não eram defendidos

ou punidos por suas leis, tinham status de objeto, o equivalente a um instrumento

mecânico para potencializar a colheita e o plantio.

A mudança de tal situação, de vê-los como pessoas e não coisa se dá

juntamente com a mudança das referências daquela configuração, mas como a

68

escravidão estava imbricada nela acabou por se dar em paralelo com a queda do

regime imperial.

O negro aparece também em outra oportunidade, na edição 120 de 1878 do

ano III, aqui se fazia referência ao uso de mão de obra negra e chinesa na

agricultura onde ocorreria gradativamente, por proposta à época de discutida de

mudar a raça do trabalhador usado na lavoura.

Nessa história em quadrinhos Agostini debocha da situação e critica os

poderosos donos de terra e produtores de café que, segundo ele, queriam apenas

atenuar a cor do problema.

Com riqueza de detalhes e muitos textos Agostini faz a crítica ao momento

que o Império vivia materializada na maneira como retratava os principais atores

desse momento histórico, com exageros e tons sarcásticos que eram marca de suas

ilustrações.

Após a primeira ilustração se deu uma sequência de outras, nas capas da

Revista Illustrada e nas histórias em quadrinhos das páginas internas, neste

capítulo, acompanhando o ritmo numa crescente que foi da crítica ao uso da mão de

obra negra no trabalho agrícola, pressão internacional pela libertação, atitudes de

alforria que aconteciam em várias regiões do Brasil e iam repercutindo através da

publicação, até seu ápice em 1888.

A ilustração seguinte está nesse contexto inicial das críticas do autor, aqui o

negro ainda era representado de maneira bem humorada, quase cômica, como um

serviçal que fazia parte do contexto posto.

Os maus tratos e agressões não estão presentes nem tão pouco traços de

dor ou sentimentos de tristeza no semblante do negro retratado nas páginas da

história em quadrinhos, a posição do escravo aqui é de ator coadjuvante na

ilustração.

69

Figura 7: Páginas internas da Revista Illustrada 93, de 1877

Isso é visto na capa da edição 389 do ano de 1884 (FIG. 8), a abolição vai se

dando província após província, aqui se faz alusão à liberdade conquistada por

escravos no Rio Grande do Sul, a legenda diz que a abolição vai chegando a

galope.

Uma mulher segura a bandeira da abolição e os negros retratados na

ilustração se mostram esperançosos e com expressão de satisfação perante a

novidade que se consolidava naquela província.

A figura feminina tem ligação com as ideias quem vem da Europa, em

particular as da revolução francesa, onde a representação feminina se faz presente

com força e se vincula a ideia do novo, da democracia e da mudança republicana.

A ilustração seguinte dá um tom solene, quase milagroso, podendo ser

analisada como uma figura de caráter quase santificada que é saudada e admirada

pelos escravos gaúchos. Essa figura, alusiva a abolição da escravidão, permite à

70

parte outsider daquela figuração ter acesso a uma possibilidade antes fora do seu

alcance, a de ser livre.

Figura 8: Capa da Revista Illustrada 389, de 1884

Os negros serem livres era algo impossível e fora dos padrões do correto

para o período tratado, o rompimento com essa ideia que marcava a Corte do

Império Brasileiro vai se espalhando nas províncias, com isso vai se alterando a

71

referência de como se relacionar com os negros e a função que tinham na

sociedade da época.

Cabe aqui todo um debate sobre como Agostini e os demais abolicionistas

encaravam o fim da escravidão no Brasil, era algo a ser feito de fora para dentro, os

escravos não libertariam a si próprios e sim uma figura externa, messiânica nesta

retratação, poderia ter essa função.

Essa maneira de categorizar os escravos negros mostra de maneira clara a

visão de Agostini, suas ideias pró-abolição não tinham na questão humanitária algo

fundamental, mas sim na escravidão como algo que se vinculava ao velho, a ideia

de Império, em particular aos setores sociais que mantinham essa sociedade.

As charges e histórias em quadrinhos publicadas na Revista Illustrada eram

agentes que proliferavam as ideias que marcavam o novo contexto histórico que

passava a Europa e a América do Norte.

Colaboravam com a abolição e a queda do Império, dando acesso às

informações e novas referências de maneira simples e descontraída através de

desenhos e do sarcasmo que marcavam o traço e a escrita de Agostini.

A ilustração de capa do número 385 da Revista (FIG. 9) mostra o crescimento

das ideias pró-abolicionistas, aqui representadas numa pedra de tamanho

descomunal, os senhores de terno, possivelmente parlamentares, já não conseguem

ter força para deter o avanço da abolição, tentam de toda maneira impedir que a

pedra esmague o senhor de escravos.

A mascote da Revista Illustrada tenta puxar o senhor de escravo para longe

do alcance da pedra, prevendo que será esmagado. Nestes anos as ebulições das

ideias aumentam nos cafés e se fortalece o sentimento pró-abolição que pipocará

quatro anos a frente.

Isso demonstra a pré-disposição de setores da elite da época para se moldar

ao novo contexto, para assimilar as mudanças de configuração que estão em

processo de se culminar.

72

12

Figura 9: Capa da Revista Illustrada 385, de 1884

A charge também é a representação do apelo para que o dono de

terra, o senhor de escravo saia da frente, no sentido de que aceite que a abolição,

representada por essa rocha imensa, adquiriu dimensão e passará de todo jeito,

12 Lê-se abaixo da ilustração: “ – Sai da frente senão ficas esmagado! - Então vomcê julga que elles não podem aguentá - Com toda certeza, e nessa ocasião, elles terão o cuidado de se por de lado e você terá de aguentar com todo o choque. Trate pois já de te salvar. O seguro morreu de velho.

73

consequentemente é melhor conviver com a nova situação do que ser esmagado

por ela.

Já na charge reproduzida na figura 10, publicada na Revista Illustrada em sua

edição 415, no X ano de publicação, de 28 de julho de 1885 Agostini reproduz

negros e índios emboscando uma carruagem com autoridades imperiais.

A raiva e violência do ato são retratadas nos semblantes dos revoltosos, além

da figura de uma autoridade imperial que cai perante o ataque. O índio era a

representação da nação, a emboscada mostra a mobilização dos negros, aqui

representados propositadamente em uma quantidade expressiva.

Já a mulher era vinculada a ideia do moderno, do novo e da República como

disse anteriormente, além de ser personagem recorrente nos desenhos de Agostini,

seja como índia, como porta-estandarte da liberdade ou como signo das ideias

republicanas.

Essa representação foi feita pelo autor no período que antecede a República

até seus primórdios e estava ligada a representação do que se propõe a ser

referência e a crítica à figuração de Corte no que diz respeito ao símbolo masculino

do poder imperial, era algo ousado e avançado para a época da publicação.

Esta ilustração publicada um ano depois daquela representada na figura 9,

mostra um sentimento de crescente revolta, da necessidade de rompimento com a

escravidão e funciona como um instrumento de incitação.

Agostini cita Saraiva, se referindo à autoridade maior do gabinete Saraiva-

Cotegipe, um conservador que foi um dos empecilhos que desfigurou a Lei do

Sexagenário do Senador Dantas.

A carruagem é a representação do Imperador, de Saraiva e dos senhores de

terra, como fica claro nas palavras grafadas por Agostini. O autor caracterizava

estes como o maior entrave ao fim da escravidão naquele momento histórico.

74

13

Figura 10: Página interna da Revista Illustrada 415, de 1885

13 Abaixo da charge lê-se: “A grande degringolade. Quando o paiz se resolver a quebrar os ferros e gritar: Liberdade!...Que sarilho! O que será do carro do Estado, do saraiva, da monarchia, da imperial sciencia, dos papos de tucanos e da tranquilidade da lavoura!”, em clara alusão a abolição da escravatura.

75

14

Figura 11: a.Capa da Revista Illustrada 499, de 1888; b. Página interna da Revista Illustrada 504, de 1888; c.

Capa da Revista Illustrada 507, de 1888

As capas e história em quadrinhos da Revista Illustrada retratam

consequências da Lei Aurea, que só deu um ponto final a uma escravidão que não

tinha mais força em praticamente nenhuma província do Império, por isso Agostini

satiriza os donos de terra e a condição do negro que apesar de livre ficou preso aos

serviços na agricultura, onde tinha um salário miserável como liberto.

A argumentação de Agostini se fortalecia pelo momento que o país vivia. Um

conjunto de fatos, com destaque para questões religiosas que marcavam perda

14

Transcrição do escrito abaixo das ilustrações de capa da Revista Illustrada: Revista Ilustrada, 2 de julho de 1888: Nela se lê: “A lavoura e os naturais libertos — Ué! Ontem tanta lambada pra trabaiá, e hoje só dinheiro e adulação eh, eh!”; A festa da Glória, e alguns efeitos da lei de 13 de maio. (Revista Ilustrada, 18 de agosto de 1888). Nela se lê: “Nos bondes”; “Ai vem a família Pitada (...) Misericórdia, e nem uma rapariga em casa”; “Seu Zuzé Congo e sua Excelentíssima Família”; “Todos os crioulos na festa da Glória e este (...) cidadão aqui a esquentar água para o chá”; “Liberdade é muito bom, mas cria calos que é o diabo”; “Fiquei com o corpo livre, mas estou com os pés no cativeiro”; “Roubado pelos gatunos! Eis uma sensação que nunca tive antes da lei”. (Revista Ilustrada, 28 de julho de 1888).

76

relativa de poder dos católicos (muito criticados na Revista), chuvas que alagavam a

capital federal e, principalmente, a Guerra do Paraguai, tratada por vários

historiadores (e por nós nesse trabalho também) como um marco do desgaste que o

Imperador e o Império viviam naquele momento.

Esses acontecimentos eram vinculados nas charges e histórias em

quadrinhos que a Revista reproduzia como elementos que remontavam ao passado,

ao que ia se superando na medida em que ia aumentando a ideia de nação e de

civilização brasileira, isso também expresso por diversas oportunidades nos textos e

ilustrações publicadas.

As mais diversas manifestações culturais veiculadas na Revista ganham

relevância no décimo primeiro ano de publicação da Revista Illustrada, momento

com a maior veiculação de histórias em quadrinhos e charges atacando a

escravidão e os seus defensores, em particular o Barão de Cotegipe, alvo predileto

de Agostini. O autor credita a ele a sobrevida da escravidão no Brasil e o caracteriza

como um camaleão que mudava de opinião por conveniência.

Observamos na figura 12, veiculada na Revista Illustrada sobre o título “El

Rey, nosso senhor e amo”, na edição 450 de 5 fevereiro de 1887, ano XII de

publicação, a tentativa em retratar o imperador na condição de despreocupado com

as questões políticas, principalmente com os movimentos abolicionistas. Dom Pedro

II tinha um físico estranho, muito explorado pelos caricaturistas da época

(HOLANDA, 2010, p. 113).

A ilustração reflete as ideias de Elias (1990), no que diz respeito à mudança

gradual da referência de modos e costumes, aqui à figura imperial vai aos poucos

deixando de ser um exemplo, de ser a referência do comportamento a ser seguido.

Começam a surgir fissuras na figura que era referência para Corte e para sociedade

da época.

77

15

Figura 12: Capa da Revista Illustrada 450, de 1887

15

Na legenda abaixo da ilustração, lê-se: “El Rey, nosso senhor e amo, dorme o sonno da..indifferença. Os jornaes, que diariamente trazem os desmandos desta situação, parecem produzir em S.M. o efeito de um narcotico. Bem aventurado senhor! Para vós o reino do céo e para o nosso povo...o do inferno!”.

78

Acumulam-se jornais sobre a mesa ao lado do Imperador, alguns inclusive

ainda lacrados, como se o autor buscasse indicar um governante relapso, distante

da realidade que o cerca.

Há variedade de publicações diferentes empilhadas, uma clara demonstração

que as informações estariam á disposição do Imperador, ele é que não queria se dar

conta do que ocorria ao seu entorno. Isso tudo se dá no contexto em que fervem as

ideias abolicionistas em parcela da Corte.

O que ocorre é que o ideário da abolição discutido nos cafés da Corte a partir

das informações liberais que traziam os imigrantes europeus ocupou espaço na

imprensa da época, se fez presente em tudo que estava impresso na Revista

Illustrada.

Na figura 13, temos a capa da primeira edição onde um negro aparece aqui

retratado como montaria do dono de terra, que era o principal utilizador dessa mão

de obra, que o chicoteia, fazendo alusão à maneira selvagem como eram tratados

os escravos, considerados como animais, na realidade tendo menos direitos legais

que estes.

Isso nada tinha de estranho para referência de modos do período, o exagero

de ter o negro usado de montaria serve para demonstrar que naquela configuração o

mesmo era tido como um animal, tendo menos direitos legais que estes inclusive.

Essa capa nos ajuda a entender o ponto de partida do publicado na Revista

que, nos seus anos de publicação, vai denunciando, satirizando e contestando as

referências carregadas naquela configuração, tentando alterar o papel outsider do

negro naquela conjuntura posta.

A edição é a 222 publicada no quinto ano da Revista (Revista Ilustrada, 4 de

outubro de 1880. Lê-se: “Projeto de uma estátua eqüestre para o ilustre chefe do

partido liberal. Esta estátua deve fazer pendant com a de Pedro I, e será colocada

no dia 7 de setembro de 1881. À memória dos ilustres fazendeiros de cebola é que

devemos mais esse monumento das nossas glórias").

79

Agostini nos mostra nos seus desenhos um senhor de escravo violento, bem

vestido, e uma relação em que o negro se compararia naquela época a uma

montaria, a algo que estava abaixo, submisso e disponível aos interesses do seu

dono.

Figura 13: Capa da Revista Illustrada 222, de 1880

Coloca ambos, opressor e subjugado, no pedestal, como algo que precisasse

ser visto pela sociedade da época, mas que também era um símbolo das relações

de poder entre escravo e senhor, algo corriqueiro.

80

Representam os fazendeiros de cebola, em tom sarcástico, como

merecedores de uma homenagem similar as feitas ao Imperador, pela contribuição

que esses davam aquela forma de poder exercida no Império.

Os fazendeiros faziam parte da configuração de poder majoritária, da

referência do correto, nobre e justo. A Revista tentava mostrar a violência que

carregava essa referência e que essa não era um exemplo a ser seguido,

contestava o caráter não humano dado ao negro e mostrava ao leitor a exploração

da mão de obra escrava.

A humanização das relações se fará presente em várias outras artes do autor,

buscando alterar o papel atribuído ao negro naquela configuração, e isso só seria

possível com a abolição da escravidão.

16

Figura 14: a. Capa da Revista Illustrada 498, de 1888; b. Página interna da Revista Illustrada 516, de 1888; c.

Página interna da Revista Illustrada 518, de 1888

16

Referências da esquerda para direita: Revista Ilustrada (19 de maio de 1888). Abaixo do desenho se lê: “A Revista durante os festejos comemorativos à Abolição — Faltaríamos a mais sagrada das chapas se, antes de encetarmos a reprodução dos festejos, não gravássemos nesta primeira página, os nossos agradecimentos a todas as sociedades, corporações e classes que tanto nos saudaram durante estas festas”. Alegoria da à Lei do Ventre Livre (Revista Ilustrada, 28 de setembro de 1888). Nela se lê: “Ao Visconde de Rio Branco, 17 anos depois da áurea lei que libertou os berços, homenagem da Revista Ilustrada.”; Presente do Papa à Princesa Isabel: a Rosa de Ouro. (Revista Ilustrada, 6 de outubro de 1888). Lê-se: “No Brasil, a rosa de ouro floresceu sobre os destroços de uma instituição nefanda pelos clarões do sol de 13 de maio. Sendo assim, não há a recear que os seus espinhos firam a liberdade”.

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As condições objetivas ainda não permitiam a defesa explicita disso, o autor

só o fará mais adiante. A força das ideias imperiais e do regime escravocrata, bem

como a dependência econômica e política dos senhores de terra, tornava o ideário

abolicionista algo ainda marginal no Brasil, mesmo sendo uma marca das

configurações externas ao país.

Em contrapartida, na edição que comemora a abolição, a vemos

caracterizada como festiva com a presença da “mascote” da Revista Il lustrada na

sacada e o povo em festa abaixo.

A publicação não retrata nem Dom Pedro II nem a Princesa Isabel no festejo,

se comemora o fato entre o povo e a figura jovial que retratava a publicação de

Agostini, esta toma a sacada do palácio em um gesto onde se apossa de um dos

símbolos de poder da época.

No desenho seguinte observamos novamente a presença de muitos

populares no momento em que se comemorava a Lei Áurea 17 anos depois da Lei

do Ventre Livre, a presença do povo é uma constante e o autor busca dar a

impressão de algo magnífico, celestial, com muita claridade e estandartes em volta

do pedestal e vários negros ajoelhados entorno da estátua.

Essa homenagem ao Visconde do Rio Branco retrata a lei do Ventre Livre

como ponto de partida que permitiu o desmonte da escravidão brasileira em um

processo mais longo e de vários conflitos.

Por fim retrata-se um presente do Papa a Princesa Isabel, fazendo referência

também à abolição e a Lei Áurea, simbolizando o novo e belo que surgia com essa,

mas com espinhos que Agostini faz questão de frisar que não ferirão a liberdade.

Aqui é clara a contradição: o autor tenta mostrar que algo velho, no caso o

Império, tomava uma atitude que estava relacionada com o novo, no caso o fim da

escravidão que era uma das principais marcas imperiais.

Dá-se destaque ao fato de o Império ser algo já atingindo a putrefação e que,

se continuasse existindo, prejudicaria o pleno estabelecimento da liberdade dos

negros, visto a relação do poder monárquico com o superado e velho.

82

A figura 15 mostra a mudança de posição onde o Imperador e a maioria dos

deputados eram contra a Lei do Ventre Livre, esses acabam cedendo e passam a

fazer a defesa da mesma, mostrando claramente a pressão interna e externa que

existia pelo fim da escravidão no Brasil, mas também a relação que os membros da

elite da época tinham com os negros, apoiados nas costas desses para se

manterem a frente do poder.

17

Figura 15: Página interna da Revista Illustrada 385, de 1884

17 Oportunismo político depois da Lei do Ventre Livre. (Revista Ilustrada, 31 de julho de 1884). Nesta se lê: “Depois de a terem tão guerreado, hoje eles abraçam essa lei com entusiasmo! Que ridícula incoerência!”;

83

18

Figura 16: Páginas centrais da Revista Illustrada 500, de 1888

O desenho reproduzido acima, no traço detalhista de Agostini, retoma a

temática da mulher como figura Republicana, mudancista e liberal, portadora das

ideias vindas da Europa. Produz uma obra de arte que mostra os senhores da

época, sejam de terra ou não, vidrados perante a representação do que passava a

ser o referencial de certo e moderno para época.

A ilustração de Agostini mostra vários homens que acompanham a mudança

de posição que vai paulatinamente se dando na época, com o fortalecimento das

ideias pró-República e muitos que antes estiveram envolvidos com a escravidão

correndo para se aproximar da nova mudança.

Isso mostra o quanto do velho há no novo em geral nos fatos históricos, onde

atores que desenvolveram funções vinculadas ao passado se apressam a se

aproximar das que simbolizam o futuro.

18

Na legenda abaixo da ilustração se lê: “Não vos aproximeis de mim! Vossas mãos ainda tintas do

sangue dos escravos manchariam as minhas vestes! Retirai-vos, eu não vos quero...”

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É possível notar no fundo a ilustração um senhor de terra admirando a cena e

vários negros seguindo trabalhando no campo, em condições precárias e de

submissão, mas agora possivelmente livres. Isso aponta que a configuração mudou

e com ela também se alterou a maneira do negro ver e ser visto naquela sociedade

republicana que nascia.

Angelo Agostini foi posto à margem da Corte do Império, suas publicações

incomodavam e desestabilizavam a figura do imperador, principal retrato das ideias

em uso na época. Todo o possível foi feito para desacreditar o desenhista e mandá-

lo de volta à Europa.

O curioso é que isso acontece depois da abolição, Agostini retorna à Europa,

mas em um momento, como dissemos em capítulo anterior, que passa a elogiar o

Imperador e a família real, depois da abolição da escravidão.

Agostini desenhou a Revista Illustrada até a edição de número 510, que

circulou no dia 18 de agosto de 1888. A própria revista virá a noticiar que seguiu

para a Europa em 11 de outubro de 1888.

Após sua saída, Luiz Andrade e Pereira Neto passaram a comandar a

publicação em todos os seus aspectos, tendo grande semelhança inclusive com as

ilustrações de Agostini.

Para Maringoni:” Agostini estava no auge do sucesso público e de prestígio

político. O escravismo fora derrotado no seu terreno, o parlamento. A Revista

provara ter ajudado a concretizar uma campanha que tinha amplo respaldo popular”(

2011, p. 151)

Além de tudo era um empreendedor incansável, fez uma sucessão de

publicações que tiveram razão de ser enquanto existiu Império no Brasil, chegou ao

público, sua Revista Illustrada conseguiu a marca, surpreendente para época, de

quatro mil assinantes.

Estudar sua obra, em particular essa revista, é estudar o que de mais

relevante circulou nesse período no campo das artes gráficas. A ironia de Agostini e

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a retratação permanente do imperador como expressão máxima da política da época

foram às marcas do que o autor produziu.

A quantidade de charges e histórias em quadrinhos sobre o tema da abolição

foi crescendo no mesmo ritmo que ia crescendo as mobilizações nas ruas e na

Câmara. Bem como o tom da crítica foi se asseverando nas ilustrações.

É possível remontar um pedaço importante dessa luta a partir do publicado

na Revista Illustrada, um processo que foi marcado sempre pelo bom humor e

sarcasmo de Agostini na publicação.

Analisei várias ilustrações de Ângelo Agostini publicadas na Revista Illustrada,

não o fiz de maneira cronológica, tentei selecionar entre muitas charges e histórias

em quadrinhos algumas que estivessem situadas em momentos de maior

tensionamento histórico e em momentos simbólicos da luta pela abolição.

A análise das ilustrações, o contato de quem lê com as mesmas nos dá uma

dimensão da força das imagens de Agostini, um autor com riqueza de detalhes, com

charges e histórias em quadrinhos que se igualam aos melhores quadros da época e

da contemporaneidade.

Agostini viveu um momento de mudança por dentro das configurações de

nosso país, viveu isso como jornalista, desenhista, editor e empreendedor engajado

na causa abolicionista. Analisar sua obra, creio, contribui para aclarar como foi o

Brasil da segunda metade do século XIX.

Além disso, mostra as possibilidades da “leitura” também das imagens, de

sua carga imagética para todos, não só para os letrados da Corte carioca, que eram

a minoria nesse período, mas os detentores do poder.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo com essa dissertação foi mostrar a educação como um instrumento

cujo propósito maior se constitui em seu caráter transformador. Observa-se com isso

a capacidade que ela possui de gradativamente exercer influência, formar ou

colaborar na formação de uma opinião, educar numa perspectiva determinada.

Trabalhei com as fontes disponíveis da Revista Illustrada onde analisei um

conjunto de edições que fizeram menção gráfica e escrita ao tema da abolição. Além

disso, vários autores foram utilizados para definir charges, histórias em quadrinhos e

caricaturas, bem como situar historicamente o Segundo Reinado no Brasil, sua

conjuntura política e contradições que levaram ao surgimento gradual de uma nova

configuração.

As histórias em quadrinhos e charges de Angelo Agostini, em particular as

publicadas no Segundo Reinado do Império do Brasil, foram parte da movimentação

pela abolição feita por intelectuais e artistas nas mais diversas áreas e setores da

Corte.

Estes queriam a superação dessa prática que estava intrinsicamente ligada

ao modelo econômico de nosso país, defasado em relação a Europa que dava os

passos no caminho capitalista.

O foco nessa dissertação é esclarecer ao leitor quem foi Angelo Agostini, o

que são charges, histórias em quadrinhos e caricaturas, como era o Brasil no

Segundo Reinado do seu Império e quais as possibilidades educacionais que as

ilustrações de Agostini possibilitavam junto à parcela da Corte e mesmo aos alijados

dela,

As ilustrações de Angelo Agostini nos deram a possibilidade de existir à

construção de novos conceitos a partir da veiculação e interpretação da arte e do

que ela se propõe por parte daqueles que as leem.

Essa contribuição das charges e histórias em quadrinhos publicadas na

Revista Ilustrada pode ocorrer por meio da educação popular, do entendimento de

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que a educação não se restringe as escolas, mas não só: também na tomada de

consciência em parcela da população, com destaque na menos letrada.

Ao enxergar o efeito de charges e histórias em quadrinhos, sobre aqueles

que eram a parte outsider do sistema oficial de ensino e da configuração de maior

poder do Império, temos contato com os efeitos que surtiram ao ajudar na percepção

imaginética do ideário abolicionista para além da Corte.

A teoria de Norbert Elias, no que diz respeito ao processo civilizador em

particular, nos ajuda a entender a gradual perda de poder da configuração da

monarquia, bem como sua relação com as configurações escravocratas e

abolicionistas.

Nos estudos do autor se dá destaque a sutileza e a longa duração que o

mesmo vê nos processos históricos e como são parte somatória não consciente da

ação de pessoas que, consciente ou não, dão materialidade a novas instituições e

formações que, na maioria das vezes, não haviam sido planejadas exatamente

daquela forma.

Norbert Elias estuda e retrata as relações intraclasses e extraclasses

existentes na construção do que hoje chamamos civilização, no seu livro O Processo

Civilizador, volume I, se destaca como situa historicamente o processo de edificação

de civilizações e a sua capacidade de estudar as contradições que existem dentro

de um mesmo setor, uma mesma classe social, uma mesma configuração.

Isso ocorre com força na Europa, mas também no movimento abolicionista

brasileiro, pensado pelas elites que buscaram evitar a participação mais larga do

povo, mas, mesmo sem querer, tiveram que conviver com a tomada de consciência

mais elevada por parte dos negros e participação de brancos não letrados nesse

processo.

Dito isso, estudei e analisei as contradições que existiam na elite do Império

que vai, gradativamente, se contaminando pelo ideário abolicionista, mas não faz só.

Isso ocorre vinculado ao desenvolvimento nos menos letrados, nos que estavam

fora da elite da época, do sentimento de superação do Império junto com a

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construção de uma corrente abolicionista que perpassou todos os segmentos sociais

do período.

Essas mudanças, com o aumento de força gradual das ideias pró-abolição,

ocorrendo província após província, com atitudes de alforria tomadas por vários

senhores de escravo e repercutidas na imprensa, em particular nos desenhos de

Agostini, foram educando e apontando um rumo para a parcela mais larga do povo

no Império.

A teoria elisiana nos permitiu entender o funcionamento e a evolução do

conceito de civilização, da inclusão gradual de conceitos, hábitos e práticas na

sociedade, passando a fazer parte do cotidiano em um processo de longo prazo.

Chego a essa conclusão a partir da análise das ilustrações utilizando as ideias de

Elias como referência para analisá-las.

Elias esclarece que civilização não significa a mesma coisa para diferentes

nações do Ocidente, cita inclusive as diferenças de ingleses e franceses perante

esse conceito e que os mecanismos de progresso social também diferem nos dois

países.

Isso se dá com o ideário abolicionista também, através do hábito de leitura

das charges e histórias em quadrinhos que foram ganhando força e espaços entre

os formadores de opinião e as parcelas mais largas do povo.

Aqui também cabe o papel que todos exercem sobre si mesmo e os outros,

indo ao encontro da ideia de uma sociedade egocêntrica. Ao invés de ver os

indivíduos no centro de tudo, Elias valoriza a influência que todos exercem sobre

todos, se dando aqui seu conceito de força e enxerga os seres humanos como

valências abertas, colaborando na nossa tese de que o ideário abolicionista assim

se construiu para além dos que estavam na configuração de Corte.

Atrevo-me a fazer uma analogia entre a classe média que Elias enxerga na

Europa da Idade Média e o setor descontente da Corte brasileira, o faço no que diz

respeito na gradual transformação que vai ocorrendo às características dessa classe

ir se tornando marcas nacionais.

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Isso se dá na maneira intrincada e interligada de ver os núcleos de poder,

classes sociais e referências de hábito que se faz presente na obra de Elias, onde

as partes dependem do todo e vice-versa, podendo mudar a proporção de um para o

outro, a força dessas ideias, ou mesmo ocorrer migração de setores para se

juntarem a outros, como ocorreu em nosso país.

Analisar os indivíduos e grupos sociais de maneira isolada constitui um

equívoco, vai à contramão das teorias de Norbert Elias. Não é possível analisar nem

os indivíduos nem as sociedades isoladamente, mas sim dependendo uns dos

outros, a sociedade é vista a partir do conceito interdependência.

O conceito elisiano valoriza a interdependência entre as pessoas, o interno, o

representado na influência de um indivíduo sobre o outro, da sociedade sobre o

indivíduo, entendendo sociedade como um conjunto de indivíduos interdependentes.

Nessa perspectiva, Elias chama nossa atenção para que analisemos essas

relações de interdependência a partir dos agrupamentos sociais (mas não apenas

deles), o qual denomina de configurações.

A Corte, por exemplo, é uma das configurações sociais de destaque no

período do Brasil Império. Era a partir dela que se realizavam muitas as decisões e

normas que regulavam a nossa sociedade naquela época. Além disso, é importante

notar que as ideias de configuração e valências abertas são inseparáveis e devem

ser aplicadas juntas em nossas análises.

Apesar da Corte ter elementos (normas, comportamentos, tipos de relações)

que a configuravam como tal, isso não a deixa isolada das demais configurações

sociais do Império.

Um figurante da Corte na ideia de valências abertas, por exemplo, poderia

transitar noutros espaços sociais e, de alguma forma, influenciá-los e ser

influenciado.

Como exemplo dessas influências em via de mão dupla há o ideário

abolicionista que adentrava e se fortalecia gradativamente dentro da própria Corte.

90

E, de alguma forma, as charges e histórias em quadrinhos tiveram um papel

importante dentro do contexto discutido.

Aqui discuti uma mudança gradual que aconteceu no Brasil no século XIX. O

fiz na perspectiva de analisar uma configuração com raízes seculares, com hábitos

formados, com características consolidadas ao ponto de refletir para além dos muros

da Corte e que foi gradualmente sendo alterada em função da conjuntura externa.

Elias analisa processos sociais, o nosso país é reflexo de sua colonização,

tem raízes históricas no continente europeu e, em particular no período estudado,

elas eram fortes e presentes, até por ser relativamente próxima a presença

portuguesa quanto colonizador, e ainda quanto Imperador.

Isso criou grande ligação de interdependência entre o que ocorreu aqui como

consequência do que estava ocorrendo na Europa, essas ideias chegaram ao Brasil

como parte da mesma teia.

Mas tais ideias encontraram um país em diferente fase de desenvolvimento,

com grande presença da economia agrícola nos sustentáculos do Império, e

consequentemente ligações com a escravidão, e uma população majoritariamente

analfabeta, com mais dificuldade de “ler” as novas opiniões que vinham do velho

continente.

Isso foi marcante na forma que a imprensa chega ao Brasil, cumprindo a

função de publicar inicialmente jornais e não livros, em sintonia com o tipo de público

que possuíamos, com elevado número de não letrados.

Em uma sociedade com essas características a força das imagens é muito

maior, as possibilidades criadas pela informação que circula de maneira impressa,

através dos desenhos sequenciados nas histórias em quadrinhos e das paródias

exageradas das charges cria uma carga pró-abolição que se junta a outras

manifestações que se aliam aos discursos.

As artes gráficas, principalmente quando apoiadas no prestígio de quem as

fazia, no caso Angelo Agostini, passam a dialogar com as funções imagéticas da

sociedade da época.

91

As ilustrações de Agostini tiveram impacto na Corte potencializando o que já

se debatia nos cafés e nas praças, mas também o faziam para além dela, como

relatam vários historiadores que percebem a relevância dos artistas gráficos no

movimento pró-abolição.

Como é dito no capítulo sobre charges e histórias em quadrinhos, as pessoas

tem disposição a receberem a informação imaginética, as imagens falam, se

movimentam, transmitem uma opinião para quem as encara, as admira.

O tipo de recepção, o nível de “leitura” da informação varia de pessoa para

pessoa, de receptor para receptor, mas uma mensagem é transmitida, essa

representa uma opinião.

Ao fazê-lo, ao transmitir uma opinião, uma mensagem, essa ilustração passa

a ter uma função de transmitir um conhecimento, uma ideia construída coletivamente

e materializada na ponta do pincel do desenhista, uma ideia que representa o que

Agostini debatia na Sociedade Abolicionista, esta era a materialização dessas ideias

e transmitia as mesmas aos seus leitores.

Assim, passava da maneira que sabia, que podia e que gostava uma

informação para quem lia os textos que vinham abaixo das ilustrações, mas também

o fazia para quem só podia admirá-las, a grande maioria no período, Agostini

participava da circulação de ideias, da formação de uma nova opinião, da mudança

de configuração.

Novas ideias se formando, sendo debatidas, tendo como pano de fundo a

retratação da configuração de Corte, de seus hábitos, para todos que podiam ver as

imagens, ajudando a parcelas maiores da população, a saber o que se passava,

mostrava uma disposição do autor de exibir também o contexto.

O contexto do que era a Corte na época colaborava no entendimento do

marco em que a escravidão estava situada, no contexto que suportava ainda algo

que era atrasado e conservador para as referências de certo e justo que haviam se

alterado na Europa e pressionavam, através da influência das ideias que de lá

vinham pelos imigrantes, comerciantes e intelectuais.

92

Os cidadãos dos grandes centros urbanos vão se sentindo incomodados,

estão fora do padrão de referência do que é correto, do que é moderno e avançado

nas sociedades dos países ditos civilizados da época.

Já os escravos e os que estavam à margem veem nas mudanças, apoiado

nos interesses que não os seus, de participarem do novo, de se beneficiarem da

situação.

Para ter contato com o novo, entre outras coisas, o fazem nas charges e

histórias em quadrinhos, as analisam com a ótica, o olhar do que passam. Isso se

faz presente quando Agostini quadriniza os maus tratos dos escravos, denuncia esta

prática e a classifica como desumana e atrasada.

Também se vê isso quando o autor mostra província após província, o novo, a

abolição, se espalhando pela Corte, e os que ainda não fizeram vão sendo mais e

mais pressionados pelas informações veiculadas na imprensa e materializadas nos

desenhos.

Vai se criando um movimento, esse é apoiado numa opinião, uma teoria do

por que as práticas de escravidão não cabiam mais nesse Brasil, vai se mudando o

conceito do que é correto. Isso se faz educando, formando, em um processo largo,

de anos, que foi o que durou a construção da definitiva libertação de escravos em

nosso país.

Charges e histórias em quadrinhos eram novidade, faziam parte do novo em

muitos sentidos, colaboraram e se fortaleceram como um veículo de opiniões, de

formação e de educação.

O processo de longa duração histórica que levou para superação da

escravidão no Brasil e as novas ideias que chegavam da Europa e aqui precisavam

se consolidar demonstraram ser chaves no que estudei.

O processo de construção da referência de justo e certo, da referência de

civilizado em nosso país carrega consigo a peculiaridade de uma nação com

dependência agrícola e analfabetos em larga escala, como já dissemos.

93

Neste contexto, a construção de novas ideias e o processo educativo de

superação de ideias seculares e consolidadas precisavam dialogar com esse

público, com esse Brasil.

O faziam nas charges e histórias em quadrinhos, que iam ombro a ombro

participando da superação da realidade onde a escravidão era vista como uma

necessidade, como algo intrínseco ao sistema.

Essa separação senhores agrícolas e a economia da época, sempre tão

ligada à nação, a sociedade, ao conceito de civilizado segundo Elias, se deu em um

processo histórico longo, de disputa, com avanços e retrocessos.

Exemplo disso foi a maneira que foi aprovada a Lei do Sexagenário, clara

demonstração que os senhores agrícolas não haviam perdido sua influência na

Corte e no poder.

As ilustrações de Agostini sempre se fizeram presentes, não foram decisivas

sozinhas, mas também não foram irrelevantes. Fizeram parte de um panorama

mudancista e da construção do conceito de aversão para com as práticas violentas

de escravidão, educaram no sentido do civilizado para o Brasil da segunda metade

do século XIX não permitir esse tipo de relação de poder.

As charges e histórias em quadrinhos podem ser consideradas como fontes a

serem utilizadas para um melhor entendimento do período em questão, bem como

para o estudo da influência das mesmas sobre certa parte da configuração imperial.

Esta pesquisa tratou a educação como algo que não se encerra na relação

cotidiana entre docentes e discentes. Buscou colaborar com novas fontes, novas

formas de ver o processo educativo e de entender cada vez mais plenamente a

construção da civilização brasileira com o fim das práticas de escravidão, uma marca

forte que ia de encontro às referências do certo, democrático e civilizado naquele

período do século XIX.

Busquei também valorizar o estudo dos quadrinhos e charges, a importância

ainda relativamente pouco explorada que essa forma que dialoga texto e imagem

tem sido tratada na academia.

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O potencial dessas modalidades de ilustração pode contribuir e muito no

melhor entendimento dos períodos históricos com deficiência de registros confiáveis,

para além dos oficiais, podem nos mostrar desde vestimentas, hábitos até

problemas do cotidiano. Agostini fez isso, muitos outros em muitas províncias

também o fizeram.

Aumentam gradativamente os trabalhos acadêmicos que se apoiam nas

charges e histórias em quadrinhos, com isso aumenta sua relevância e seu

reconhecimento como parte da arte, da história e dos hábitos que vem

transcendendo os séculos.

Essa é nossa colaboração para melhor entender o Império, o fim da

escravidão, e a colaboração na formação da corrente abolicionista a partir da

educação de setores da Corte e dos menos letrados com as charges e histórias em

quadrinhos de Angelo Agostini.

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