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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE GÊNERO: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015 RECIFE 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO

O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE

GÊNERO:

UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015

RECIFE

2018

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ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO

O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE

GÊNERO:

UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Prof. Dra. Adriana Maria Paulo da Silva

RECIFE

2018

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Catalogação na fonte Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460

R484l Ribeiro, Allan Alves da Mata. O livro didático de história sob a perspectiva das relações de

gênero: uma análise entre os anos de 2007 a 2015 / Allan Alves da Mata Ribeiro. – Recife, 2018. f. : il. ; 30 cm. Orientadora: Adriana Maria Paulo da Silva. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2018. Inclui Referências.

1. Livros didáticos. 2. História - Estudo e ensino. 3. Relações de gênero. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Silva, Adriana Maria Paulo da. II. Título.

371.32 CDD (22. ed.) UFPE (CE2018-43)

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ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO

O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE GÊNERO: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada em: 29/05/2018.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Adriana Maria Paulo da Silva (Orientadora) Universidade Federal de Pernambuco

Prof. Dr. Kazumi Munakata (Examinador Externo) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

_____________________________________________________________

Prof. Dr. José Batista Neto (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco

_____________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Anna Luiza Araújo Ramos Martins de Oliveira

(Examinadora Interna) Universidade Federal de Pernambuco

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À Isaura de Santana Alves, Antônio da Mata Ribeiro e Maria Bezerra da Mata

Ribeiro

in memoriam.

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AGRADECIMENTOS

Escrever este texto só foi possível graças a numerosas formas de apoio

institucional e individual.

Agradeço à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco

(FACEPE) pela concessão de bolsa de pesquisa, sem a qual esta atividade não seria

possível.

À minha orientadora, Professora Adriana Maria Paulo da Silva. Muito obrigado

por sempre acreditar em mim e por me lembrar que essa não precisa ser uma jornada

solitária. Por essa “perene, insuspeitada alegria de con-viver”, muito obrigado,

Professora!

À Professora Anna Luísa e Professor Jose Batista Neto pela participação no

exame de qualificação e na defesa desta pesquisa. É uma felicidade contar com

leituras sempre tão atenciosas e generosas. Muito obrigado!

Ao Professor Kazumi Munakata pela generosidade de sua participação na

defesa deste trabalho. Nos sentimos muito gratos com sua presença, Professor. Muito

obrigado!

À professora Karina Mirian por dividir muitas das leituras que inspiraram esta

pesquisa. Muito obrigado, Professora!

Ao grupo de estudos “História da Educação e das práticas de educabilidade no

mundo Ibero-americano”: Nathalia Cavalcanti, Yan Santos, Dayana Lima e Isabela

Tristão. Muito obrigado pela amizade, paciência e generosidade a cada leitura. Sem

vocês esse texto teria, sem dúvida, menor potência!

Aos colegas da linha de pesquisa Teoria e História da Educação no Programa

de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco

(PPGE/UFPE) pela leitura sempre acolhedora e generosa, estímulo fundamental para

esta pesquisa.

Às “Pesquisador@s Reflexiv@s”: Inácio Dantas, Poli e Mel. Muito obrigado por,

tantas vezes, renovarem minhas esperanças nessa jornada!

Ao professor Dayvison Freitas por conceder parte dos livros didáticos

contemplados por essa análise e pelo incentivo de sempre. Muito obrigado, meu

querido!

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À Professora Ana Carolina de Santana Alves Ribeiro, Deusdedith da Mata

Ribeiro, Joana Alves da Mata Ribeiro, Roberto de Santana Alves e a Isaura de

Santana Alves. Minha família. Pela compreensão diante das minhas ausências, pela

paciência, companhia e amor de todos os nossos dias.

À Arabelly Ascoli, meus “raios de sol no céu da cidade”! Pela paciência, amor

e companhia em todo o percurso da vida– e da escrita desta dissertação. Vamos de

mãos dadas!

Gratidão!

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RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar as concepções de masculinidades e/ou feminilidades presentes na materialidade discursiva de livros didáticos de História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Enquanto fontes principais, mobilizamos edições distintas da obra “História Global– Brasil e Geral”: a edição volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em 2005; e a coleção didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/2015. Presente em todas as edições do Programa Nacional do Livro Didático, a obra foi destacada enquanto uma das publicações mais distribuídas para o componente curricular história no Ensino Médio público brasileiro. Partindo da perspectiva analítica das relações de gênero, centramos nossa atenção nos contextos de “endereçamento” de três “personagens”: Pedro de Alcântara, nomeado D. Pedro II durante o Segundo Reinado (1840-1889); D. Isabel, princesa imperial do Brasil; e a República, em sua representação feminina, presente nas narrativas sobre a história do Brasil no final do século XIX. Especificamente, analisamos os capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império” (“O fim do Império”, edição 2013) e “A instituição da República”. Em diálogo com Scott (1994, 1995, 1998), mobilizamos nesta análise o conceito de “modos de endereçamento” (ELLSWORTH, 2001). Advindo dos estudos de cinema e comunicação, o “modo de endereçamento” diz respeito ao evento de relação entre o texto fílmico e o lugar social do público, pressuposto a partir das expectativas quanto à recepção dos filmes. Consideramos que a análise do endereçamento nos livros didáticos de História compreende a observação das estratégias de estruturação e apresentação dos enunciados disponibilizados pelas obras. É nessa “aparência” que localizamos uma preocupação “cenográfica” nas publicações. Espaço no qual o texto se desenrola, essa cenografia envolve a narrativa, sua apresentação e ainda as atividades que a retomam. Nessa perspectiva, analisamos o modo como as obras “endereçaram” o olhar de alunas e alunos para posições de sujeito generificadas, sendo produtivas na identificação e valorização de determinada gama de posições de sujeito. Concluímos que a abordagem dos conhecimentos históricos adotada pela obra naturalizou assimetrias de poder entre as masculinidades e feminilidades histórica e socialmente construídas durante o século XIX. Tomadas enquanto “fato” histórico, indigno de nota nos “textos principais”, a composição atualizou, no conhecimento histórico escolar, posições normativas de ser masculino e feminino. Palavras-chave: Livro didático de História. Relações de gênero. Modos de endereçamento. Século XIX.

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ABSTRACT

The present research had as general objective to analyze the conceptions of masculinities and / or femininities present in the discursive materiality of textbooks of History addressed to the Brazilian Public High School. As main sources, we mobilized different editions of the work "Global History - Brazil and General": the single volume edition, approved by the edict of PNLEM / 2007 and published in 2005; and the didactic collection published in 2013, approved by the announcement of PNLD / 2015. Present in all editions of the National Book of Didactic Book, the work was highlighted as one of the most distributed publications for the curricular component history in the Brazilian Public High School. Focusing on the analytical perspective of gender relations, we focus our attention on the contexts of "addressing" three "characters": Pedro de Alcântara, named D. Pedro II during the Second Reign (1840-1889); D. Isabel, the imperial princess of Brazil; and the Republic, in its feminine representation, present in the narratives on the history of Brazil in the late nineteenth century. Specifically, we analyze the chapters: "According to Reinado (1840-1889)", "The crisis of the Empire" ("The end of the Empire", edition 2013) and "The institution of the Republic”. In dialogue with Scott (1994, 1995, 1998), we mobilize in this analysis the concept of "addressing modes" (ELLSWORTH, 2001). Based on the studies of cinema and communication, the "addressing mode" refers to the event of relation between the filmic text and the social place of the public, based on the expectations regarding the reception of the films. We consider that the analysis of addressing in the textbooks of History comprises the observation of the strategies of structuring and presentation of the statements made available by the works. It is in this "appearance" that we locate a "scenographic" concern in the works. Space in which the text unfolds, this scenography involves the narrative, its presentation and also the activities that take it back. In this perspective, we analyze how the works "addressed" the view of students and students to generalized subject positions, being productive in the identification and valuation of a certain range of subject positions. We conclude that the approach to historical knowledge adopted by the work naturalized asymmetries of power between the masculinities and femininities historically and socially constructed during the nineteenth century. Taken as historical fact, unworthy of note in the "main texts", the composition has updated, in the scholarly historical knowledge, normative positions of being masculine and feminine. Keywords: History textbook. Gender relations. Addressing modes. XIX century.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado)

49

Imagem 2 Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: “Alegoria à proclamação da República e à partida da família imperial” (adaptado)

50

Imagem 3 Ficha de avaliação/PNLEM 2008 (adaptado) 59 Imagem 4 Critérios eliminatórios comuns do PNLD 2015 63 Imagem 5 Síntese dos critérios específicos da avaliação dos livros

didáticos de História do Ensino Médio 63

Imagem 6 Ficha de avaliação dos livros impressos PNLD 2015 (adaptado).

64

Imagem 7 “Carta de abertura”, edição de 2005 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado).

68

Imagem 8 “Carta de abertura”, edição de 2013 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado)

71

Imagem 9 Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado)

75

Imagem 10 “Aclamação de D. Pedro II, segundo imperador do Brasil” (adaptado)

76

Imagem 11 Tópico “Modernização– Transformações socioeconômicas” (adaptado)

79

Imagem 12 “Negros secando café na fazenda Quititi” (adaptado) 80 Imagem 13 Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”

(adaptado) 85

Imagem 14 “Sagração de D. Pedro II” (adaptado) 86 Imagem 15 Primeira página do capítulo “Segundo Reinado (1840-

1889)” (adaptado) 88

Imagem 16 Tópico “Praieira– A revolta liberal pernambucana ” (adaptado)

90

Imagem 17 “Venda em Recife” (adaptado) 91 Imagem 18 Abertura do capítulo “A crise do império” (adaptado) 95 Imagem 19 Box “Os sentidos do 13 de maio”. 97 Imagem 20 Tópico “Crise– Condições que levaram à queda da

monarquia” (adaptado) 100

Imagem 21 “Família imperial em Petrópolis” (adaptado) 101 Imagem 22 Abertura do capítulo “O fim do império” (adaptado) 105 Imagem 23 “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto” (adaptado) 106 Imagem 24 Tópico “Questão Christie” (adaptado) 109 Imagem 25 “Babá” (adaptado) 110 Imagem 26 Tópico “Campanha abolicionista” (adaptado) 112

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Imagem 27 “Retratos dos abolicionistas Chiquinha Gonzaga (fotografia de 1847) e Luís Gama (sem data)”

113

Imagem 28 Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) 116 Imagem 29 “Alegoria da república” (adaptado) 117 Imagem 30 Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) 125 Imagem 31 “Alegoria à proclamação da República e à partida da família

imperial” (adaptado) 126

Imagem 32 Primeira página do capítulo “A instituição da república” (adaptado)

128

Imagem 33 Parágrafos seguintes à abertura: à esquerda, o texto constituinte da edição de 2005 (adaptado), seguido, à direita, do parágrafo presente na edição 2013.

129

Imagem 34 “A Pátria” (adaptado) 130

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Edições selecionadas da publicação “História Global– Brasil e Geral”

16

Quadro 2 Dissertações sobre livros didáticos de História sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade

33

Quadro 3 Editais de convocação, catálogos/guias e público atendido pelos Programas

53

Quadro 4 Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, edição de 2005

72

Quadro 5 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005 78 Quadro 6 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005 82 Quadro 7 Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado

(1840-1889)” 84

Quadro 8 Atividades da seção “Compreendendo”, edição 2013 89 Quadro 9 Estrutura composicional do capítulo “A crise do império”,

edição de 2005. 94

Quadro 10 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005. 96 Quadro 11 Estrutura composicional do capítulo “O fim do império”,

edição de 2013 104

Quadro 12 Atividades das seções “Compreendendo”, edição 2013 108 Quadro 13 Estrutura composicional do capítulo “A instituição da

República”, edição de 2005 115

Quadro 14 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005 123 Quadro 15 Estrutura composicional do capítulo “A instituição da

República”, edição de 2013 124

Quadro 16 Atividades da seção “Observando”, edição 2013 132

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LISTA DE SIGLAS

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

FNDE Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PNLEM Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

SEB/MEC Secretaria de Educação Básica

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

2 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NO HORIZONTE DE

PESQUISA

23

2.1 Impressos em disputa: revisando a “guerra das narrativas” 23

2.2 As relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos de

História

31

2.3 Definindo aproximações e limites teórico-metodológicos 42

3 RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE NOS LIVROS

DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: O QUE DIZEM OS EDITAIS E GUIAS?

52

3.1 Edital e Catálogo do PNLEM/2007 53

3.2 Edital e Guia do PNLD/2015 60

4 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: (RE)FAZENDO O

GÊNERO NOS SABERES SOBRE O SÉCULO XIX

66

4.1 “Caro aluno”: apresentação e estruturação das obras

selecionadas

67

4.1.1 Edição 2005 67

4.1.2 Edição 2013 71

4.2 O Segundo Reinado (1840-1889) 73

4.2.1 Edição 2005 73

4.2.2 Edição 2013 83

4.3 A crise do império 93

4.3.1 Edição 2005 93

4.3.2 Edição 2013 103

4.4 A instituição da república 115

4.4.1 Edição 2005 115

4.4.2 Edição 2013 124

5 CONCLUSÃO 133

REFERÊNCIAS 140

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1 INTRODUÇÃO

As reflexões desenvolvidas para esta pesquisa resultaram da participação, no

âmbito da formação em Licenciatura em História pela Universidade Federal de

Pernambuco (UFPE), no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

(PIBID/UFPE)1. Em sala de aula, na observação da prática docente, percebemos a

possibilidade de elaboração de novas questões quanto aos significados da atuação

de professores e professoras, tal como do próprio ambiente escolar, na produção do

conhecimento histórico e na transmissão de atitudes e valores.

Somada a essa experiência, destacamos a participação junto ao grupo de

estudos “História da Educação e das práticas de educabilidade no mundo Ibero-

americano” 2. Observadas em seu caráter histórico e politicamente situado, a

problematização sobre as práticas de educabilidade constituiu um ponto de partida

para as análises desenvolvidas neste texto.

Salientamos ainda a atuação do grupo de pesquisa Gênero e Docência no

Currículo dos Filmes de Escola/Educação3. Buscando investigar de que formas o

cinema atua na produção de múltiplos sentidos que interpelam os sujeitos a se

constituir como sujeitos de um certo tipo, no caso como professores e professoras de

um certo tipo, ensaiamos, em aproximação aos estudos foucaultianos e pós-

estruturalistas, reflexões que foram fundamentais ao desenvolvimento desta

pesquisa.

Ao centrar nossas observações na produção do conhecimento histórico no

ambiente escolar, um artefato chamou nossa atenção de imediato: o livro didático de

História. Elemento ímpar na difusão de conhecimentos sistematizados, o livro didático

desponta como um dos produtos culturais de maior divulgação entre o público

brasileiro com acesso ao ensino escolarizado (FONSECA, 2003, p. 49) e sua análise

engendra múltiplas dimensões e possibilidades de pesquisa.

1 Sob a coordenação da Professora Adriana Maria Paulo da Silva, o PIBID em História, campus Recife, atuou durante quatro anos junto a escolas da rede pública da região metropolitana, elaborando e executando projetos didáticos voltados à promoção de aprendizagens em história. 2 Coordenado pela Professora Adriana Maria Paulo da Silva, o grupo conta com a participação de estudantes do Programa de Pós-graduação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Agradecemos à Nathalia Cavalcanti, Yan Santos, Dayana Lima e Isabela Tristão pelo empenho em contribuir para esta pesquisa. 3 Desenvolvido no Centro de Educação (CE/ UFPE) e constituído por discentes do curso de licenciatura em História e Pedagogia, o grupo de pesquisa conta com a orientação da Professora Karina Mirian da Cruz Valença Alves.

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Considerando o livro didático de História enquanto artefato produtivo na

veiculação de determinados saberes e nos processos de subjetivação no âmbito da

vivência escolar, a presente pesquisa tem por objetivo geral analisar as concepções

de masculinidades e/ou feminilidades presentes na materialidade discursiva de livros

didáticos de História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro.

Enquanto fontes principais, definimos duas edições distintas da obra “História

Global – Brasil e Geral”, de autoria atribuída a Gilberto Cotrim4, sob o selo da Editora

Saraiva: a edição volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em

2005; e a coleção didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/20155.

Salientamos que as diferentes edições da obra “História Global – Brasil e Geral”

são centrais para nosso estudo tendo em vista este título ter sido aprovado em todas

as edições do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e no Programa Nacional

do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM)6.

Algumas expressões dessa permanência podem ser apreendidas no site do

Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). Infelizmente, para a

edição do PNLEM/2007, a plataforma não especificou os investimentos por coleção

didática. Sabemos, entretanto, que nesta edição foram investidos R$ 221.540.849,41

para a aquisição de obras didáticas de História e Química, além da reposição de livros

de Português, Matemática e Biologia (BRASIL, 201- a).

Com relação ao PNLD/2015, os dados são mais precisos e oferecem uma

relação das obras mais distribuídas por componente curricular e os valores de

aquisição por título da obra. No âmbito dessa edição do programa, a obra “História

Global– Brasil e Geral” figurou em segundo lugar no ranking das edições mais

distribuídas nacionalmente, tendo a aquisição de seus três volumes custado pouco

mais de 7,4 milhões de reais, somados os valores de aquisição das edições voltadas

a alunos e professores (BRASIL, 201- b; 201- c).

4 Licenciado em História pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie e ex-presidente da Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos, gestão 1996/1998 (MUNAKATA, 1997, p. 71). 5 O “Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2015” (BRASIL, 2013, p. 1) compreende por coleção: “[...] o conjunto organizado em volumes, inscrita sob um único e mesmo título, ordenado em torno de uma proposta pedagógica única e de uma progressão didática articulada com o componente curricular do ensino médio”. 6 Além de “História Global – Brasil e Geral”, apenas a obra “História: das cavernas ao terceiro milênio”, cuja autoria é atribuída a Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick, sob o selo da editora Moderna, permanece em todas as edições dos programas nacionais do livro didático voltadas ao Ensino Médio.

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Quanto a definição do marco temporal, obedecemos a dinâmica dos programas

nacionais do livro didático. Partindo do PNLEM/2008, primeiro a selecionar edições

didáticas de História para o Ensino Médio público brasileiro (MELO, 2012, p. 03) 7,

estendemos nossa análise ao PNLD/2015, penúltima edição realizada para o

atendimento dessa modalidade de ensino. Ao localizar e relacionar duas edições

veiculadas em momentos opostos dos programas nacionais, identificamos rupturas e

continuidades nos conteúdos normativos de gênero que perpassam a narrativa das

obras avaliadas e aprovadas no âmbito desses programas.

Coleção didática

Título

Ano de

publicação

Edição do

PNLD

Situação no ranking por componente

curricular

História Global – Brasil e Geral

2005

2008

Indisponível

História Global – Brasil e Geral

2013

2015

2º Lugar

Quadro 1 – Edições selecionadas da publicação “História Global– Brasil e Geral”.

Na análise da comunicação dos livros didáticos de História sob a perspectiva

das questões de gênero, questionamos a competência das/ dos pareceristas

responsáveis pela avaliação das obras didáticas. Consideramos, ao analisar os

7 Embora avaliados e aprovados no processo de seleção do PNLEM/2007, os livros didáticos de História foram distribuídos somente a partir de 2008, acompanhados pelo “Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio: PNLEM/2008” (BRASIL, 2007).

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Editais do Programa Nacional do Livro Didático pertinentes para esta análise, a

observância, entre os critérios comuns de avaliação das obras didáticas destinadas

ao Ensino Médio, de preceitos éticos referentes a exclusão de obras que veiculem

preconceitos e/ou estereótipos em relação ao gênero e orientação sexual (BRASIL,

2005, p. 37; BRASIL, 2013, p. 40).

Partindo destas especificações e seus desdobramentos para as avaliações,

nos interessa observar as estratégias por meio das quais as obras didáticas

selecionadas valorizam determinados saberes a respeito das experiências masculinas

e/ou femininas no passado. Saberes que atualizam, no ensino escolarizado,

significados para estas experiências. Saberes que estabelecem sua relevância na

exclusão de outros, anunciando quais sujeitos importa conhecer– e definindo, em sua

fronteira, a invisibilidade dos “outros”.

Consideradas tais questões, cabe a definição dos objetivos específicos

implicados nesta análise. Assim, propomos:

• Analisar, bibliograficamente, dissertações interessadas no livro didático de

História sob a perspectiva analítica das relações de gênero;

• Analisar, sob a perspectiva das relações de gênero, diferentes edições dos

Editais e Guias do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),

contemporâneas às obras selecionadas;

• Analisar, partindo dos textos e imagens presentes nas coleções didáticas, as

estratégias utilizadas para a comunicação de saberes históricos a respeito dos

significados das diferenças sexuais;

• Analisar, partindo do diálogo com a historiografia sobre gênero e história das

mulheres, os conteúdos selecionados e comunicados por essas coleções no

que diz respeito ao Segundo Reinado (1840-1889) e início do período

republicano brasileiro.

Ainda a título de “considerações preliminares”, salientamos que ao dialogar

sobre o livro didático de História e os documentos oficiais que orientam questões

relacionadas ao ensino escolarizado de história, não buscamos estabelecer um jogo

de causa e consequência – ou descortinar uma “origem” de determinados saberes

sobre as diferenças sexuais “transmitidos” nos materiais didáticos. Buscamos

perceber regularidades e variações dos discursos de gênero nos documentos oficiais,

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documentos que nos ajudam a pensar as condições de construção dos livros didáticos

de História selecionados para o ensino escolarizado.

A escolha do nosso recorte partiu das particularidades indicadas pela

historiografia para o período: marcado por transformações, relacionadas à ideia de

progresso técnico e científico; avanço da Revolução Industrial; desenvolvimento do

liberalismo; da alfabetização, instrução e democracia (GONÇALVES, 2006). O “século

burguês”, quando observado sob a perspectiva das dinâmicas de gênero, foi marcado

ainda por um intenso debate em torno dos significados atribuídos às diferenças

sexuais.

Paradoxalmente, nesse contexto de intensas transformações, toda uma

economia discursiva, amparada pelo discurso médico e biológico, atuou na

determinação de funções, espaços e papeis para cada um dos sexos. Segundo

Michelle Perrot (1998, p. 180) foi engendrado no século XIX um triplo movimento:

retraimento das mulheres em relação ao espaço público, constituição da

representação de um espaço privado familiar predominantemente feminino e

superinvestimento do imaginário e do simbólico nas representações femininas.

Como destacou Perrot (1998, p. 16), o século XIX foi marcado por

investimentos em figuras femininas. Presentes nas alegorias religiosas, cartazes

políticos ou publicitários, essas comunicações tomaram “[...] o corpo das mulheres

como suporte de suas mensagens”. Marcado por um superinvestimento do imaginário

e do simbólico nas representações de feminilidades, o século XIX impresso na obra

analisada também retomou alguns elementos dessa proliferação de discursos.

Século da “Era Vitoriana”, da família, da emergência da figura das donas de

casa, da ideia de público e privado, das normas de etiqueta, maternidade e da

privacidade burguesa, e das sempre, permanentes, lutas sociais. Enquanto

movimento social visível, o Feminismo do século XIX atuou na reivindicação de

direitos políticos– como direito ao voto e candidatura–, sociais e econômicos– como o

ingresso no mercado de trabalho, remuneração, ensino escolarizado, direito a

propriedade e herança (GONÇALVES, 2006).

Tendo em vista potencializar o diálogo entre os livros didáticos de História e a

produção historiográfica, ajustamos nosso recorte temático-cronológico. Nessa

perspectiva, a presente pesquisa concentrou suas observações e análises nas

concepções de masculinidades e/ou feminilidades expressas no contexto de

“endereçamento” de três “personagens”: Pedro de Alcântara, nomeado D. Pedro II

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durante o Segundo Reinado (1840-1889); a Princesa Isabel (1846-1921), regente

durante o Segundo Reinado brasileiro; e a República, em sua representação feminina,

presente nas narrativas sobre o Brasil no final do século XIX.

A escolha deste recorte partiu da compreensão da singular importância política

de D. Isabel durante o Segundo Reinado brasileiro. Como destacado por Roderick J.

Barman (2005, p. 16), durante aproximadamente quarenta anos (1851-1889), D.

Isabel foi herdeira do trono– governando o país em três ocasiões, entre 1871 e 1888,

que somam três anos e meio. Observada em uma perspectiva mais ampla, a princesa

chamou a atenção em um contexto político majoritariamente masculino. Como

salientado por Barman (2005, p. 16):

Ela [D. Isabel] é uma das nove– e apenas nove– mulheres, em todo o mundo, que ocuparam o posto de autoridade suprema de seus países no século XIX, seja no papel de monarcas (Maria II, de Portugal; Vitória, da Grã-Bretanha; Isabella II, da Espanha; Liliuokalani, do Havaí; Guilhermina, da Holanda), seja no de regentes (Maria Cristina, de Habsburgo; Emma, de Waldeck e Pyrmont). Todas elas nasceram em famílias reais ou principescas e cresceram cercadas de privilégios.

Tal definição permitiu estender nossas análises aos capítulos: “Segundo

Reinado (1840-1889)”, “O fim do Império” e “A instituição da República”, presentes em

todas as edições selecionadas.

No movimento de aproximação à determinada produção acadêmica e

historiográfica, algumas considerações se fazem necessárias. Não pretendemos, ao

apresentar o discurso histórico produzido por historiadoras e historiadores, definir um

sistema de oposição entre o “verdadeiro” da produção acadêmica e o “falso” dos

discursos históricos nos livros didáticos. Tampouco revelar a “verdadeira história”,

necessariamente anterior e familiar aos impressos escolares, escondida por trás das

cortinas do palco da escrita. Interessa muito mais explorar o que acontece às margens

da cena– aquilo que, mesmo sobre o palco das narrativas possíveis, permaneceu nas

coxias, nos bastidores da história reescrita e apresentada ao público escolar.

Partindo da articulação entre currículo e processos de subjetivação, nos

aproximamos do texto “Modo de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de

educação”, fragmento traduzido da obra Theaching positions. Difference, pedagogy,

and the power of address, de autoria da pesquisadora Elizabeth Ellsworth (2001).

Investigando as relações estabelecidas entre o “social” e o “individual”, entre o texto

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fílmico e o lugar social do público, segundo a autora, o modo de endereçamento põe

em questão: “quem este filme pensa que você é....?”. Partindo desta perspectiva,

Ellsworth (2001) propõe uma abordagem histórica da análise de endereçamento,

direcionando, em aproximação aos Estudos Culturais, sua reflexão para questões

voltadas à prática pedagógica. Situando o modo de endereçamento entre o currículo

e seus usos, a autora nos convida a pensar quais experiências e posições sociais

figuram enquanto alvos de endereçamento e, ainda, de que forma esse

endereçamento à determinada “posição de sujeito”, imaginada e desejada, é produtivo

no engendramento de subjetividades específicas, em detrimento a outras experiências

sociais e culturais marginalizadas.

No que concerne ao horizonte historiográfico propriamente, algumas

aproximações merecem destaque. Tendo como objetivo analisar o livro didático de

História sob a perspectiva das relações de gênero, investigando as concepções de

masculinidades e/ou feminilidades inscritas na materialidade desses artefatos,

partimos da teorização proposta pela historiadora feminista Joan Scott (1995). Em

“Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, Scott (1995, p. 5) debateu os limites

e possibilidades da emergência do gênero enquanto categoria analítica, propondo

como desafio teórico e político problematizar os “conceitos disciplinares dominantes”

na produção historiográfica, considerando não apenas a experiência de gênero no

passado, mas ainda a prática historiográfica no presente. Direcionando sua crítica aos

usos “descritivos” do gênero, e ao limitado domínio de pesquisa que essas estratégias

configuram, Scott (1995, p. 17) ensaiou uma análise dos sistemas de relações sociais,

atentando às redes de significações constitutivas das relações sociais “baseadas nas

diferenças percebidas entre os sexos”.

Tendo em vista a história das mulheres e do feminismo no contexto brasileiro,

destacamos a obra de Céli Regina Jardim Pinto (2003), “Uma história do feminismo

no Brasil”. Considerando que “o feminismo no Brasil não foi uma importação que

pairou acima das contradições e lutas que constituem as terras brasileiras”, Pinto

(2003, p. 10) objetivou “perseguir as tendências” que marcaram a história do

feminismo no Brasil. Partindo do movimento sufragista do final do século XIX,

engendrado em meio às contradições da república oligárquica, a autora analisou

algumas das transformações políticas na história do feminismo no século XX: o direito

ao voto em 1932 e a liderança política de Bertha Lutz; o desenvolvimento paradoxal

do movimento durante o período ditatorial no país, ligado aos grupos políticos exilados

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e visto inicialmente como uma ameaça a “unidade” da luta contra a opressão; e o

feminismo nos processos de redemocratização, acompanhado da emergência de

novas temáticas, durante os anos 80 e 90. A obra propôs um panorama dos desafios

políticos do movimento feminista brasileiro, atentando ao seu caráter abrangente,

plural e historicamente situado.

Merece destaque ainda a obra “Os excluídos da história: operários, mulheres e

prisioneiros”, da historiadora Michelle Perrot (2006), especificamente em seu capítulo

voltado a história das mulheres na França do século XIX. Atenta à relação entre as

mulheres e o poder na história, a autora investigou, entre outros aspectos, a

proliferação de um discurso de constituição do espaço político, identificado como

público, através de um processo de exclusão das mulheres. Assentada na reinscrição

da diferença sexual, a exclusão das mulheres da cena política durante o século XIX

encontrou suporte no discurso médico e biológico da existência de “espécies” com

disposições distintas: “Aos homens, o cérebro, a inteligência, a razão lúcida, a

capacidade de decisão. Às mulheres, o coração, a sensibilidade, os sentimentos”

(PERROT, 2006, p. 177). Pensando entre a história e a historiografia, Perrot (2006, p.

186) considerou os “silêncios” sobre a história das mulheres enquanto expressão

dessas assimetrias de poder nas representações do passado.

Considerando observar a historicidade própria dos materiais didáticos em uma

perspectiva não reducionista de sua materialidade às determinações de programas

governamentais voltados a essas mercadorias, destacamos a tese de Kazumi

Munakata. “Produzindo livros didáticos e paradidáticos”, apresentada em 1997 ao

programa de História e Filosofia da Educação da Pontifícia Universidade Católica

(PUC – SP). O objetivo dessa pesquisa foi analisar os processos de produção dos

livros didáticos e paradidáticos no Brasil. O autor analisou o mercado editorial

brasileiro, sua relação com as políticas públicas educacionais desenvolvidas pelo

Estado e os agentes atuantes para a materialização dessas obras– atentando a

dinâmica dos aspectos editoriais. Quanto aos livros didáticos de História,

especificamente, a abordagem desenvolvida pelo autor tem possibilitado reflexões

quanto aos aspectos editoriais constitutivos desses impressos8.

8 Destacamos a obra “História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático em questão (2006/2009)”, organizada por Itamar Freitas (2009), notadamente nos artigos: “Matriz de análise para projetos gráficos de livros”, de autoria de Hermeson Alves de Menezes (2009), e “O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional”, de Kleber Luiz Gavião Machado de Souza (2009).

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Tendo em vista algumas das referências bibliográficas influentes para a

realização desta pesquisa, destacamos a estrutura deste texto. No segundo capítulo,

“Os livros didáticos de História no horizonte de pesquisa”, apresentamos uma revisão

bibliográfica das pesquisas acadêmicas voltadas a problemática dos livros didáticos

de História, sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade.

Em “Relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos de História: o que

dizem os Editais e Guias?”, terceiro capítulo, observamos os Editais e Guias

correspondentes ao Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

(PNLEM/2007) e do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2015),

contemporâneos às edições de 2005 e 2013 da obra “História Global– Brasil e Geral”,

fonte principal desta pesquisa.

No capítulo seguinte, “Os livros didáticos de história: (re)fazendo o gênero nos

saberes sobre o século XIX”, desenvolvemos nossas observações e análises sobre

concepções de masculinidades e/ou feminilidades inscritas em livros didáticos de

História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Considerando os

mecanismos de comunicação empenhados pelas obras analisadas, desenvolvemos

uma metodologia de análise “cenográfica” das estratégias de estruturação e

apresentação dos enunciados disponibilizados pelas obras.

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2 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NO HORIZONTE DE PESQUISA

Este capítulo foi estruturado em três momentos. No tópico “Impressos em

disputa: revisando a ‘guerra das narrativas’”, em diálogo com Christian Laville (1999),

introduzimos o debate desenvolvendo uma revisão bibliográfica voltada à

problemática dos livros didáticos de História. Na sequência, “As relações de gênero

e sexualidade nos livros didáticos de História”, inspirados por Alain Choppin (2004),

sistematizamos e analisamos produções acadêmicas a respeito de livros didáticos de

História sob a perspectiva das relações de gênero, salientando suas estratégias

analíticas e principais conclusões. Por último, em “Definindo aproximações e limites

teórico-metodológicos”, apresentamos– articulando a produção acadêmica, analisada

anteriormente, aos estudos culturais e pós-estruturalistas– as aproximações teórico-

metodológicas empreendidas nesta análise.

2.1 Impressos em disputa: revisando a “guerra das narrativas”

Por trás de sua aparente familiaridade, o livro didático é um objeto de difícil

compreensão. Sua análise tem mobilizado pesquisadores de diversas áreas do

conhecimento, ocupados em investigar, de seu processo de produção, às dinâmicas

políticas e econômicas atuantes em sua distribuição enquanto mercadoria

especificamente voltada ao mercado escolar9. Tendo em vista mapear as principais

problemáticas na pesquisa histórica sobre os livros didáticos, Choppin (2004, p. 552)

argumentou que a natureza complexa desses materiais, quando observados

historicamente, advém de sua localização entre três gêneros literários:

[...] de início, a literatura religiosa de onde se origina a literatura escolar, da qual são exemplos, no Ocidente cristão, os livros escolares laicos “por pergunta e resposta”, que retomam o método e a estrutura

9 Sobre o livro didático como objeto de pesquisa, ver: Kazumi Munakata (2012a), “O livro didático: alguns temas de pesquisa”. Para compreender o livro didático em sua relação com a expansão do ensino escolarizado, ver: Munakata (2012b), “O livro didático como mercadoria”. Para uma análise dos livros didáticos de História e sua importância nos processos de ensino-aprendizagem, ver: Luca (2006), “O debate em torno dos livros didáticos de História”. Considerando uma análise dos principais temas abordados pela pesquisa histórica sobre os livros e edições didáticas, ver: Choppin (2004). “História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte”.

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familiar aos catecismos; em seguida, a literatura didática, técnica ou profissional que se apossou progressivamente da instituição escolar, em épocas variadas — entre os anos 1760 e 1830, na Europa —, de acordo com o lugar e o tipo de ensino; enfim, a literatura “de lazer”, tanto a de caráter moral quanto a de recreação ou de vulgarização, que inicialmente se manteve separada do universo escolar, mas à qual os livros didáticos mais recentes e em vários países incorporaram seu dinamismo e características essenciais.

Em sua análise, o autor nos convidou a refletir quanto a multiplicidade de

agentes envolvidos nas várias etapas do “ciclo da vida” de um livro escolar: sua

concepção se inscreve em um contexto pedagógico específico, compelido, na maioria

das vezes, por procedimentos avaliativos e regulatórios. Sua elaboração, editoração

e construção material mobilizam equipes de trabalho cada vez mais especializadas;

sua aquisição e distribuição envolvem redes de financiamento, públicas ou privadas;

e sua mobilização em sala de aula conta com a atuação de discentes e docentes

(CHOPPIN, 2004, p. 553).

A expressão material dos livros é uma dimensão a ser considerada. Pensando

com Kazumi Munakata (1997, p. 84), para além das “ideias, sentimentos, imagens,

sensações, significações que o texto possa representar”, o livro resulta de um

processo de trabalho bem definido, atendendo determinada demanda enquanto

mercadoria. Observando os livros didáticos, sua produção é atravessada por

parâmetros que os constituem como instrumentos voltados, em sua composição, aos

processos de ensino e aprendizagem. Tal definição de critérios expressa suas marcas

ao considerarmos, por exemplo, o “[...] conteúdo adequado ao currículo, legibilidade

e inteligibilidade apropriados ao público-alvo; subdivisão da obra em partes, como

texto propriamente dito, boxes, resumos, glossário, bibliografia, atividades e

exercícios etc” (MUNAKATA, 1997, p. 100).

Direcionando nossas reflexões especificamente ao ensino escolarizado, o livro

didático pode ser uma fonte documental para análise dos sentidos e das práticas

escolares desenvolvidas historicamente (MIRANDA; LUCA, 2004). Considerando a

natureza complexa dessas publicações, Circe Bittencourt (2004, p. 296) propôs uma

conceituação ampla acerca das obras didáticas. Segundo a autora, os materiais

didáticos figuram como “mediadores do processo de aquisição do conhecimento, bem

como facilitadores da apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma

linguagem específica da área de cada disciplina”.

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Na esteira dessa conceituação, os livros didáticos podem ser observados

também em sua relação com as questões curriculares. Em aproximação à teorização

proposta por Tomaz Tadeu da Silva (2012), a expressão produtiva do currículo–

enquanto artefato cultural, atravessado por aspectos sociais, políticos e culturais

historicamente situados– redimensiona a importância do caráter relacional entre os

livros didáticos e as práticas curriculares. Segundo o autor:

As narrativas contidas no currículo, explícita ou implicitamente, corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais [...]. As narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo excluídos de qualquer representação (SILVA, 2012, p. 190).

Nessa perspectiva, mais do que envolvidos na simples “transmissão” de

determinados conhecimentos, os livros didáticos, em sua complexa relação com as

questões curriculares, figuram enquanto espaço de disputas, subjetivações e poderes.

Considerando o caráter polissêmico desses objetos, nesta seção,

apresentamos um breve debate voltado a problemática dos livros didáticos de História.

Constituídos, e constituidores, de narrativas disputadas, tais publicações são alvo

privilegiado daquilo que Christian Laville (1999, p. 127) denominou “guerra das

narrativas”: debates que retomam o ensino escolarizado de História e seus

componentes didáticos, a despeito dos objetivos de formação oficialmente atribuídos,

como veículos de “[...] uma narração exclusiva que precisa ser assimilada custe o que

custar”. Tendo em vista ampliar tal compreensão10, esta apresentação, embora

inevitavelmente parcial diante da multiplicidade de abordagens que esses objetos

oportunizam, permitiu delinear a “topografia de interesses” (CERTEAU, 2011) desta

pesquisa.

Em consonância com Bittencourt (2004, p. 302), partimos do princípio de que a

importância desses materiais “[...] reside na explicitação de conteúdos históricos

provenientes das propostas curriculares e da produção historiográfica. Autores e

10 Tomamos como referências principais para este debate as seguintes pesquisas: “Um mapeamento das pesquisas sobre o livro didático de História na região sudeste: 1980 a 2005”, dissertação apresentada por Kênia Hilda Moreira (2006) ao Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), ancorada em 18 fontes, entre teses e dissertações; e “Produção didática de História: trajetórias de pesquisas”, de Circe Maria Fernandes Bittencourt (2011), uma análise de teses, dissertações e publicações acadêmicas (totalizando 121) sobre o livro didático de História, de 1980 à primeira década do século XXI.

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editoras têm sempre, na elaboração dos livros, o desafio de criar estes vínculos”.

Refletindo sobre a produção do conhecimento histórico em sala de aula, a “criação

desses vínculos” é um importante elemento de crítica.

Tendo em vista as práticas pedagógicas que as obras didáticas mobilizam–

exercícios de produção textual, análise de imagens, trabalhos em grupo ou

individuais– é possível indagar os sentidos do conhecimento valorizado por essas

publicações. Bittencourt (2004) nos advertiu sobre o aparente caráter “categórico” do

conhecimento histórico apresentado nos materiais didáticos, nos quais a “operação

de produção e apresentação do conhecimento realizada pelo livro didático é assim

foco de crítica, porque resulta em um texto impositivo que impede uma reflexão de

caráter contestatório” (BITTENCOURT, 2004, p. 314).

Em outros termos, esse “efeito de verdade” sobre o conhecimento histórico no

ensino escolarizado merece uma análise atenta, observando o livro didático enquanto

espaço de comunicação de determinados sistemas de valores culturalmente situados.

Nessa perspectiva analítica, o debate acadêmico brasileiro dos anos de 1980 figurou

enquanto importante ponto de partida (MOREIRA, 2006). Período de destacado

interesse sobre a produção acadêmica na área do ensino de história11, a década é

marcada por denúncias quanto ao caráter ideológico da literatura escolar. Quanto a

pesquisa sobre os livros didáticos de História, Bittencourt (2011, p. 496) destacou:

Em uma primeira fase das análises, a tendência dos estudos pautava-se na concepção de ideologia em uma vertente que possibilitava a identificação de uma falsa ideologia– a burguesa– que se impunha nos meios de comunicação, das formas mais variáveis, dentre eles a produção didática [...]. Nesse contexto, muitas das pesquisas concentravam-se na denúncia do caráter ideológico dos conteúdos das disciplinas, identificando, nas obras didáticas, uma conformação de valores desejáveis por setores do poder instalados nos aparelhos de Estado, como o caso das disciplinas Estudos Sociais, Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB).

As análises sobre os livros didáticos de História, tomados enquanto

“reprodutores” do um discurso dominante e legitimadores das desigualdades sociais,

incidiram notadamente sobre as ausências de determinados grupos sociais nas

11 Quanto ao crescimento nas pesquisas sobre os livros didáticos nos anos de 1980, Bittencourt (2011, p. 489) destaca a publicação “O que sabemos sobre o livro didático: catálogo analítico”. Realizada pela UNICAMP, em 1989, o catálogo reuniu referências a pesquisas e publicações em eventos sobre os livros didáticos de História. Poderíamos citar ainda a obra “O estado da arte do livro didático no Brasil”, escrita por Barbara Freitag (1987), que reúne publicações brasileiras dos anos 60 e 70.

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narrativas históricas escolares. Inspiradas nas críticas formuladas pelo historiador

francês Marc Ferro na obra, traduzida para o português em 1983, “Manipulação da

história no ensino e nos meios de comunicação”, as análises dos conteúdos históricos

imprimiram traços marcantes na reflexão sobre esses materiais e acompanharam a

reintrodução do ensino de História e Geografia, questionando os currículos para o

então denominado 1º e 2º graus (BITTENCOURT, 2011, p. 497)12.

A autora argumentou ainda que, neste período, a atenção a “clivagem” entre os

conhecimentos históricos escolares e acadêmicos ganhou relevo. Partindo da

compreensão dos livros didáticos enquanto suportes na “transposição” do

conhecimento acadêmico para o didático, segundo Bittencourt (2011, p. 498), tais

críticas pressupunham um processo no qual o conhecimento histórico “[...] de uma

forma originária de pesquisa passa a ser um conhecimento ’pronto e acabado’ e este

jargão tornou-se recorrente e explicativo da história contida nos textos didáticos”.

Preocupadas em investigar a composição de uma “memória coletiva” imbricada

na utilização dos livros didáticos de História, essas pesquisas passaram a ser

criticadas devido à ausência de embasamento empírico que comprovasse uma

relação dessa amplitude. A compreensão da impossibilidade de responsabilizar,

exclusivamente, essas publicações pela consolidação de determinada ideologia

ganhou expressão na diversificação das abordagens de pesquisa, marcante a partir

dos anos 90 do século passado (MOREIRA, 2006, p. 133).

Observando a produção acadêmica daquele período, Bittencourt (2011)

identificou a emergência de temáticas tais como formação de professores, currículos–

tendo em vista o processo de reformulação curricular no contexto dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN)–, história do ensino de História, produção historiográfica

e livros didáticos. Estes últimos, despontaram enquanto fontes centrais nas

investigações sobre a efetivação de programas curriculares, notadamente em regimes

ditatoriais, como o Estado Novo e período militar, entre 1964 e 1985. Naquele

contexto, a percepção generalista quanto ao ambiente escolar, enquanto “mero

aparelho ideológico do Estado”, sofreu reformulações:

Para a história escolar, a preocupação das análises centrou-se na identificação da rede mais extensa de sujeitos que participam de sua

12 A análise dos conteúdos foi um traço marcante no conjunto das pesquisas analisadas por Moreira (2006, p. 132): entre 1980 e 2000, das 18 pesquisas reunidas, 66,6% estão comprometidas com esta abordagem.

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constituição, na articulação entre os agentes governamentais e intelectuais, entre os setores educacionais responsáveis pelo gerenciamento das escolas com os professores e os alunos assim como com a comunidade escolar. Esta dimensão de articulação de diferentes sujeitos na constituição do ensino de História fez com que houvesse a necessidade da introdução de novos conceitos no processo de análise cujo foco passou a ser a instituição escolar como “lugar” significativo dessa produção (BITTENCOURT, 2011, p. 501).

Acompanhando as renovações no campo, outras perspectivas teórico-

metodológicas marcaram as análises sobre os livros didáticos. Pesquisadores como

Jean-Henri Martin (1988)– dedicado a história da leitura e de práticas de leitura–, Alain

Choppin (1980), Robert Darnton (1990) e Roger Chartier (1990)– estes possibilitando

a reflexão sobre as particularidades das produções atreladas à história dos livros e

das edições– contribuíram para um entendimento mais complexo desses materiais.

Nesse contexto, o cenário acadêmico brasileiro foi marcado pelas teses “Livro didático

e conhecimento histórico: uma história do saber escolar”, apresentada por Bittencourt

(1993) à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São

Paulo; e “Produzindo livros didáticos e paradidáticos”, apresentada por Kazumi

Munakata (1997) à Pontifícia Universidade Católica.

O início do século XXI correspondeu a um crescimento nas pesquisas sobre

livros didáticos de História. Como destacado por Bittencourt (2011, p. 504), um dos

aspectos a se considerar nessa expansão veicula-se a reflexão quanto as políticas

públicas educacionais– com destaque para o Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD) e sua política, instituída em 1996, de avaliação das obras distribuídas aos

alunos das escolas públicas brasileiras. A autora argumentou ainda sobre as

transformações na representação dessas publicações na pesquisa acadêmica:

A valorização da universalização da distribuição de livros didáticos indica que, em princípio, os LDH são materiais didáticos importantes, em uma perspectiva diferenciada das propostas críticas das décadas de 1970 e 1980. Contrariamente ao período em que os estudos acadêmicos, em geral, defendiam a eliminação desta produção para o ensino da História, as análises atuais preocupam-se com o aperfeiçoamento do material (BITTENCOURT, 2011, p. 505).

Somada à reflexão quanto as relações entre Estado, editoras e público

consumidor, as determinações de políticas públicas como a Lei 10.649/2003 e a Lei

11.645/2008, referentes a obrigatoriedade do ensino de História e cultura afro-

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brasileira e africana e inclusão da história e cultura indígena no currículo oficial de

ensino, respectivamente, também merecem destaque. Em consonância com

Bittencourt (2011), Moreira (2006, p. 120) salientou, especificamente no sudeste

brasileiro, o crescimento no debate étnico-racial voltado aos conteúdos dos livros

didáticos. Pesquisas referentes aos usos dessas publicações, atentas às suas formas

e conteúdos, também marcaram, segundo as autoras, a variedade das abordagens.

Quanto a reflexão sobre os processos de avaliação do livro didático de História,

tendência de pesquisa identificada por Bittencourt (2011) no início do século XXI,

destacamos a obra “Para que(m) se avalia? Livros Didáticos e avaliações (Brasil,

Chile, Espanha, Japão, México e Portugal)”, organizada por Margarida Maria Dias de

Oliveira (2014)– do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte (UFRN) e representante de História na Comissão Técnica do Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD) nas avaliações de 2007, 2008, 2010, 2013 e 2014–

e Aryana Costa, professora do Departamento de História da Universidade do Estado

do Rio Grande do Norte (UERN). A coletânea analisou políticas públicas de seleção,

avaliação, distribuição e os usos, em sala de aula, dos livros didáticos de História por

professoras, professores, alunas e alunos de seis países. As autoras concluíram que

em diferentes países analisados, além do livro didático ser o material mais utilizado

em sala de aula por professores e professoras de História, os processos avaliativos

dos livros didáticos instauraram um “modelo padrão”: mesmo havendo uma

diversidade de coleções didáticas, elas são muito parecidas em suas abordagens dos

conteúdos históricos escolares e características editoriais.

Em relação à pesquisa anteriormente referida, salientamos, sob a perspectiva

das relações de gênero, a padronização de um tratamento, em livros didáticos de

História, que naturalizou posições normativas para as masculinidades e feminilidades.

Nessa perspectiva, as diferentes avaliações as quais a publicação analisada foi

submetida não modificaram a abordagem escolhida no tratamento dos conteúdos

históricos escolares.

Reflexões sobre as dinâmicas das políticas estatais e os livros didáticos de

História marcaram ainda a dissertação “O espaço escolar e o livro didático de História

no Brasil: a institucionalização de um modelo a partir do Programa Nacional do Livro

Didático (1994 a 2014)”, apresentada por Jandson Bernardo Soares (2017) ao

programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Tendo por objetivo explorar a forma pela qual o PNLD tem instituído critérios

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de qualidade para os livros didáticos de História, o autor analisou, notadamente, os

Editais do PNLD, observados, não apenas enquanto ferramentas para compra de

livros didáticos, mas como delimitadores do que deveriam ser os livros didáticos a

serem adquiridos pelo Estado brasileiro. Nessa perspectiva, o autor concluiu que,

entre outros aspectos, a partir da publicação da obra “Definições de Critérios para a

Avaliação dos Livros Didáticos” (1994), houve uma “multiplicação da legislação”

dotando o livro didático de um papel de centralidade nos processos de qualificação do

ensino escolar. Tal “qualidade” foi atrelada ao debate sobre a formação cidadã–

marcada pelo processo de redemocratização recente–, redimensionando o papel

atribuído aos livros didáticos de História na compreensão da realidade social, política

e econômica do país.

Partindo da análise de livros didáticos de História presentes em todas as

edições do PNLD voltadas ao Ensino Médio público brasileiro, em nossa pesquisa,

questionamos essa percepção. Tendo em vista as relações de gênero, salientamos

que a coleção analisada não cumpriu os preceitos estabelecidos pelos Editais e Guias

correspondentes a cada edição– no âmbito do PNLEM/2008 e PNLD/2015– quanto à

formação cidadã.

A obra “Livros didáticos de história: entre políticas e narrativas”, organizada por

Helenice Rocha (2017) também mereceu destaque. Estruturada entre a análise das

políticas públicas para o livro didático e a observação das narrativas apresentadas em

sete dos quinze livros didáticos de História que compuseram o PNLD 2011, a obra

apresentou os resultados da pesquisa “Narrativas nos livros didáticos de história:

diálogos e tensões”, coordenada pela organizadora. As autoras concluíram que,

embora o PNLD de História opere enquanto uma política de mudança das publicações

inscritas– especialmente na inclusão de novas temáticas e no atendimento aos

critérios específicos dos Editais–, tais exigências não foram suficientes para

impulsionar renovações substantivas no conteúdo das obras, a ponto de promover a

superação das narrativas únicas, pretensas “verdades” sobre o passado.

Concordamos com essa compreensão. No caso da coleção analisada nesta

pesquisa, além das narrativas únicas e das pretensas “verdades”, salientamos a

reiteração de uma abordagem que adotou enquanto “fato” não problemático

desigualdades de gênero histórica e socialmente situadas.

Em linhas gerais, distante de uma perspectiva reducionista quanto ao ensino

de História e seus materiais curriculares, criticada por Laville (1999), a pesquisa

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acadêmica voltada aos livros didáticos de História é diversa e expressa o caráter

histórico e politicamente inscrito desses materiais didáticos, objetos de destaque no

ensino escolarizado brasileiro.

Assumindo a perspectiva analítica das relações de gênero, entretanto, vale

destacar a ausência da temática nas reflexões apresentadas por Bittencourt (2011)

sobre a trajetória da pesquisa acadêmica voltada aos livros didáticos de História.

Considerando que a instituição escolar e seus materiais didáticos também

(re)produzem saberes, posições normativas, preconceitos e desigualdades, figurando

enquanto elementos que atuam na subjetivação dos sujeitos (SILVA, 2006, p. 3)13, tal

invisibilidade redimensiona a importância do tratamento desta temática no âmbito da

pesquisa histórica sobre a literatura escolar. Já na pesquisa realizada por Moreira

(2006), abrangendo 25 anos de pesquisa acadêmica, o mapeamento reuniu e analisou

apenas três dissertações atentas à história das mulheres impressas nesses

materiais14.

Em consonância com as reflexões elaboradas por Louro (1997), salientamos a

necessidade de refletir sobre os mecanismos produtivos para a escolarização de

saberes que atualizam assimetrias de poder. Aprendizes da autora, compreendemos

que “[...] currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais

didáticos, [...] são, seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia,

classe– são constituídos por essas distinções e, ao mesmo tempo, seus produtores”

(LOURO, 1997, p. 64).

2.2 As relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos de História

Nos repositórios digitais dos programas de pós-graduação nacionais,

constatamos o pequeno número de trabalhos acadêmicos (dissertações) voltados aos

livros didáticos de História sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade–

13 Neste ponto, como destaca Cristiani Bereta da Silva (2006, p. 01), pressupomos que os sujeitos são subjetivados por múltiplas instâncias discursivas, anteriores e simultâneas à experiência escolar. Esta multiplicidade de processos não diminui a importância de se observar de que forma o ensino escolarizado atua construção de subjetividades dos sujeitos escolares. 14 Sobre as pesquisas selecionadas pela autora: “A representação da mulher nos livros didáticos de História”, dissertação apresentada por Andréa Márcia Pinto (2001) à Universidade Federal do Espirito Santo (UFES); “Os manuais de história e a produção do discurso sobre as mulheres da Idade Média”, dissertação apresentada por Carlos Norberto Berger (2004) à Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI); “Representações da História das mulheres no Brasil em livros didáticos de História”, dissertação apresentada por Ângela Ribeiro Ferreira (2005) na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

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contraste em relação à produção de artigos e comunicações acadêmicas sobre esta

temática. Tendo como fonte de pesquisa o repositório da Biblioteca Digital Brasileira

de Teses e Dissertações (BDTD)15, reunimos, para esta análise, cinco dissertações

recentes, desenvolvidas em programas distintos de pós-graduação16:

15 Nesta pesquisa, mobilizamos uma combinação entre as palavras-chave: feminilidade, feminilidades, masculinidade, masculinidades, relações de gênero, sexualidade e livros didáticos de História. Mesmo não adotando uma delimitação temporal, neste levantamento, apenas cinco dissertações atenderam aos interesses de análise. Para maiores informações sobre o conjunto de teses e dissertações disponíveis no repositório, ver: <http://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=g%C3%AAnero+e+livros+did%C3%A1ticos+de+hist%C3%B3ria&type=AllFields>. Acesso em: 11 de fevereiro de 2018. 16 Considerando voltar nossas reflexões para pesquisas mais recentes e não analisadas, optamos por não retomar as pesquisas visibilizadas por Moreira (2006) em seu mapeamento da produção acadêmica no sudeste brasileiro.

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Autora Título da obra Ano Instituição Programa de Pós-Graduação

BERNARDELLI, Marília Alcântara

Entre permanências e subversões: a composição

feminina nos livros didáticos de

História

2016 Universidade Estadual de

Londrina (UEL)

Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de

Londrina

CELESTINO, Gabriela Santetti

Gênero em livros didáticos de

História aprovados pelo Programa

Nacional do Livro Didático

(PNLD/2014)

2016 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal de Santa Catarina

FRANÇOSO, Fernanda Gomes

Os lugares de mulheres negras

em materiais didáticos de história da

Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo

2017 Universidade Estadual Paulista

(UNESP)

Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de

Ciências e Tecnologia da Universidade

Estadual Paulista

MONTEIRO, Paolla Ungaretti

(In)visibilidade das mulheres brasileiras

nos livros didáticos de História

do Ensino Médio (PNLD, 2015)

2016 Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul

(PUCRS)

Programa de Pós-Graduação em Educação da

Escola de Humanidades da

Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul SILVA, Márcia

Barbosa Representação de homossexuais nos livros didáticos de história para os anos finais do

ensino fundamental,

distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático– PNLD (2005-2011)

2013 Universidade Federal de

Sergipe (UFS)

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de

Sergipe

Quadro 2 – Dissertações sobre livros didáticos de História sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade

Este levantamento ofereceu uma percepção de determinadas “tendências” e

possibilidades de pesquisa sobre as relações de gênero inscritas nos livros didáticos

de História. Considerando a crítica de Alain Choppin (2004, p. 566) quanto a ausência

de trabalhos de síntese ou levantamentos sobre a pesquisa histórica e a literatura

escolar, nesta seção desenvolvemos uma síntese das dissertações reunidas,

destacando: as abordagens teóricas mobilizadas, os procedimentos metodológicos e

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as principais conclusões alcançadas por cada pesquisadora. Na sequência, partindo

da reflexão sobre áreas ainda pouco exploradas nas dissertações, apresentamos as

aproximações e limites empreendidos em nossa análise.

Partimos da dissertação “Entre permanências e subversões: a composição

visual feminina nos livros didáticos de História”. Defendida no programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) pela pedagoga

Marília Alcântara Bernardelli (2016). Esta pesquisa teve por objetivo investigar a

composição visual feminina inscrita nos livros didáticos aprovados pelo Programa

Nacional do Livro Didático, em 2013, e destinados às séries iniciais do Ensino

Fundamental (1º ao 5º ano).

O referencial teórico adotado enfatizou a abordagem iconológica e o gênero

enquanto categoria analítica. Segundo Bernardelli (2016, p. 18), na esteira de Martine

Joly (2012) e dos Estudos Visuais, a metodologia iconológica possibilitou “verificar as

três características de mensagens que compõem uma imagem visual: mensagem

plástica, mensagem icônica e mensagem linguística”. Considerando observar a

“mensagem geral implícita da imagem”, em diálogo com Joan Scott (1991), a autora

mobilizou o gênero na articulação de duas proposições iniciais: “o gênero é um

elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre

os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”

(SCOTT, 1991 apud BERNARDELLI, 2016, p. 29).

Metodologicamente, a pesquisa centrou suas análises na “imagem visual fixa

da mulher”. Direcionada para seis coleções didáticas que apresentaram o “[...] maior

número de imagens de mulheres em detrimento às outras” (BERNARDELLI, 2016, p.

16), sua análise foi estruturada em quatro grupos temáticos: trabalho e maternidade,

movimentos sociais, professora e família e, por último, mulher negra.

Em linhas gerais, Bernardelli (2016) concluiu que, para além da “inclusão” das

mulheres nos livros didáticos de História, as obras observadas apresentam uma

composição visual feminina atravessada por aspectos “tradicionais e conservadores

quanto à estrutura performática no sentido de posicionamento social e de vestimentas”

(BERNARDELLI, 2016, p. 113), destacando a permanência de representações

relacionadas aos afazeres domésticos, maternidade e docência.

Uma abordagem distinta marcou a pesquisa “Gênero em Livros Didáticos de

História aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2014)”.

Apresentada pela historiadora Gabriela Santetti Celestino (2016) ao programa de Pós-

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graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sua

análise voltou-se aos conteúdos dos livros didáticos de História aprovados pelo PNLD,

no ano de 2014, e direcionados aos anos finais do ensino fundamental.

Considerando o gênero enquanto categoria analítica, inspirada na historiadora

Joan Scott (1989), a pesquisa teve por objetivo geral observar como as coleções

selecionadas “mobilizam o gênero”, investigando sua compreensão e significação nas

narrativas (CELESTINO, 2016, p. 19). Para a seleção do material a ser analisado a

autora salientou a presença, ainda no sumário das obras, dos termos “mulher,

mulheres, gênero, feminino e feminismo”, encarados como “indicativo de preocupação

[...] de dar destaque à participação das mulheres na história ou às relações de gênero”

(CELESTINO, 2016, p. 16). Partindo com tais procedimentos a pesquisa analisou vinte

e uma obras17.

Quanto ao delineamento metodológico, foram estruturadas as temáticas:

divisão sexual do trabalho na pré-história; as mulheres na antiguidade clássica; as

mulheres no feudalismo; mulheres e trabalho no capitalismo; direitos, feminismos e

movimentos de mulheres; experiências individuais de mulheres na história; e gênero

na apresentação das obras. Ao final, Celestino (2016, p. 94) explorou ainda a

abordagem empreendida pelos livros didáticos de História visando a superação da

desigualdade de gênero.

Permanecendo ao nível das narrativas presentes nas obras, Celestino (2016,

p. 99) concluiu que, embora predomine um “masculino hegemônico” na abordagem

desenvolvida pelos livros didáticos analisados, houve uma “ampliação do espaço

destinado às mulheres e às relações de gênero”. Segundo a autora, embora esta

ampliação figure enquanto indicativo do atendimento das obras às exigências do

Edital do Programa Nacional do Livro Didático, permanecem, em todas, insuficiências

no tratamento desta temática, dificultando uma reflexão quanto às relações de gênero

no ensino de História (CELESTINO, 2016, p. 100).

Conclusões semelhantes foram alcançadas na dissertação “Os lugares de

mulheres negras em materiais didáticos de História da Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo”, apresentada pela historiadora Fernanda Gomes Françoso

17 A autora justificou esta estratégia metodológica citando ainda o Edital do PNLD/2014, especificamente no que diz respeito ao critério “[..]Promover a imagem da mulher através do texto escrito, das ilustrações e das atividades das coleções, reforçando sua visibilidade” (BRASIL, 2011, p. 54 apud CELESTINO, 2016, p. 14).

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(2017) ao programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual

Paulista (UNESP).

Analisando os livros didáticos de História aprovados pelo PNLD/2014 e os

chamados “Cadernos do Aluno e do Professor”, distribuídos pela Secretaria de

Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP)18, a pesquisa objetivou, em geral,

investigar as “[...] representações raciais e de gênero que podem ser associadas às

imagens das mulheres negras apresentadas nos Cadernos e em livros didáticos para

o ensino de História utilizados nas escolas públicas da Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo” (FRANÇOSO, 2017, p. 25).

Para a seleção dos livros didáticos, a pesquisa mobilizou as duas coleções

mais distribuídas ao Ensino Fundamental II no triênio 2014 a 2016, observando as

representações raciais e de gênero associadas às imagens das mulheres negras, no

contexto histórico da escravidão no Brasil.

Partindo do conceito de “representação” (HALL, 2014; CHARTIER, 2002), em

diálogo com os estudos culturais e feministas (SCOTT, 1989; PERROT, 2009), a

autora centrou suas observações nas imagens mobilizadas por esses impressos,

identificando as temáticas a elas atreladas e sua associação, ou não, ao

reconhecimento das lutas e resistências das personagens femininas (FRANÇOSO,

2017, p. 25). Orientada metodologicamente através da Análise de Conteúdo

(FRANCO, 2007; MINAYO, 2004), a pesquisa foi desenvolvida articulando as

categorias “mulheres no trabalho” e “mulheres fora do trabalho”.

Em linhas gerais, Françoso (2017) concluiu que a maioria das representações

mobilizadas nas obras apresentam personagens “em condições subalternas e/ou

como vítimas, ocultando a história de suas ações e participação na vida social

brasileira” (FRANÇOSO, 2017, p. 160). De acordo com a autora, embora os livros

didáticos de História aprovados pelo PNLD/2014 atendam as recomendações

estabelecidas pela legislação, permanecem insuficiências nos textos e atividades,

predominando representações de subalternização e vitimização das personagens.

Já em relação aos “Cadernos do Aluno e do Professor”, distribuídos pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), a autora concluiu que

todas as imagens analisadas apresentam as personagens “[...] em posições de

18 Material didático dividido por componente curricular e, segundo a autora, voltando ao desenvolvimento das competências solicitadas pelo Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), avaliação externa aplicada anualmente (FRANÇOSO, 2017, p. 15).

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subalternidade, sem propostas de um olhar mais particular sobre a participação que

tiveram na produção histórica da sociedade da época”, produzindo situações de

aprendizagem que “não promovem discussões sobre as condições atuais das

mulheres negras, o preconceito, as questões de gênero e o patriarcado” (FRANÇOSO,

2017, p. 167).

As insuficiências dessas publicações também foram objeto de crítica na

dissertação intitulada “(In)Visibilidade das mulheres brasileiras nos livros didáticos de

História do Ensino Médio (PNLD, 2015)”. Apresentada pela historiadora Paolla

Ungaretti Monteiro (2016) ao programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Esta pesquisa teve por objetivo

geral analisar as representações de mulheres brasileiras nos livros didáticos de

História voltados ao Ensino Médio, no âmbito do PNLD/2015.

Centrada no texto das cinco coleções mais distribuídas nacionalmente, a

pesquisa buscou problematizar: “quais personagens históricas são retratadas,

distinção entre menção a uma personagem e história da personagem, distinção entre

mulheres (brancas, negras e indígenas) e suas representações” (MONTEIRO, 2016,

p. 18). Seu recorte temático/cronológico enfatizou os capítulos que trataram da

História do Brasil nos séculos XIX, XX e XXI, com ênfase nos dois últimos19.

Dialogando com os estudos feministas, Monteiro (2016, p. 63) estruturou sua

abordagem metodológica mobilizando os termos “citação direta” e “citação indireta”.

O primeiro referiu-se à situação na qual determinada personagem foi representada

como um elemento constitutivo no entendimento de determinado contexto histórico.

Já a “citação indireta” designou um caso oposto, no qual a personagem foi

representada de maneira complementar na narrativa. A esse respeito, Monteiro (2016,

p. 63) explicou: “Exemplos destas situações ambíguas são os nomes de mulheres

trazidos ao se falar de algum período histórico, mas que, apesar de trazer dados sobre

a vida desta mulher, estão no texto complementando a história de um homem”.

Além da análise dos conteúdos das obras, a autora dedicou uma seção

específica para as avaliações apresentadas nas resenhas do Guia do livro didático.

Confrontando o resultado dos pareceres com a observação das obras, a autora

19 Sobre esta especificidade no recorte de pesquisa, Monteiro (2016, p. 18) salientou: “[...] a ênfase se dá no século XX e XXI, visto que são nestes que a participação feminina é mais presente. Com movimentos feministas que surgiram em outros países e no nosso, no final do século XIX e começo do XX, a participação feminina foi cada vez mais crescente e possível [...]”.

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questionou o “descompasso” entre o resultado expresso nas avaliações do Guia e as

abordagens efetivamente desenvolvidas nos livros didáticos de História. Monteiro

(2016, p. 215) concluiu que, embora as mulheres estejam representadas nos livros

didáticos de História, a maioria das personagens femininas “estão confinadas em

boxes, à parte da história”. Argumentando quanto aos limites dessas abordagens, a

autora salientou a “[...] predominância de uma história masculina” na qual “[...] as

coleções apresentaram poucas personagens presentes, pouca participação dentro de

momentos históricos, poucas abordagens que mostrem suas lutas sociais [...]”

(MONTEIRO, 2016, p. 216).

Por fim, destacamos a dissertação “Representações de homossexuais nos

livros didáticos de história para os anos finais do ensino fundamental, distribuídos pelo

Programa Nacional do Livro Didático– PNLD (2005-2011)”. Apresentada pela

historiadora Márcia Barbosa Silva (2013) ao Programa de Pós-graduação em

Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a pesquisa teve por objetivo

geral investigar “[...] mudanças e permanências na representação dos homossexuais

nos livros didáticos de História” (SILVA, 2013, p. 23).

Partindo da análise dos textos e atividades disponibilizadas pelas obras, a

pesquisa estabeleceu como recorte temporal o contexto de implementação do

Programa Brasil sem Homofobia, criado em 2004, e do Plano Nacional para a

Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e

Transexuais, de 2008. Nessa perspectiva, a autora estendeu sua análise para

diferentes edições de seis coleções didáticas, avaliadas e aprovadas pelo Programa

Nacional do Livro Didático, nos anos de 2005, 2008 e 2011 (SILVA, 2013, p. 26).

Considerando a extensão do corpus adotado, a autora empreendeu ainda um

recorte temático: os capítulos voltados ao tratamento do Nazismo e da Contracultura.

Justificando a escolha, Silva (2013, p. 26) destacou o caráter “divergente” dos

conteúdos históricos disponibilizados: “[...] enquanto o primeiro apresenta uma época

na qual se pregava a regra, a obediência, a intolerância, o segundo mostra um período

no qual se lutou pelas liberdades sexuais e pelo respeito às minorias” (SILVA, 2013,

p. 26).

Mobilizando um conceito de “representação”, inspirado em Tomaz Tadeu da

Silva (2011), e as relações de gênero na perspectiva de Pierre Bourdieu (1975; 1999),

a autora concluiu: embora as obras expressem um “aumento de visibilidade” nas

diferentes edições analisadas– tímido e relacionado, segundo Silva (2013), aos

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debates resultantes da implementação do Plano Nacional para a Promoção da

Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (2008)–, predominou uma abordagem na qual

a homossexualidade, de maneira superficial e não problemática, esteve

majoritariamente relacionada ao preconceito e à homofobia (SILVA, 2013, p. 89).

Embora restritas aos programas de pós-graduação em Educação– possível

expressão da ainda relutante compreensão dos livros didáticos de História enquanto

objeto do conhecimento histórico (MOREIRA, 2006)–, mereceu destaque o diálogo

historiográfico na abordagem dos conteúdos disponibilizados pelas obras.

Notadamente nos trabalhos de Monteiro (2016) e Françoso (2017), o questionamento

das narrativas históricas escolares, entre textos e imagens, partiu de uma

historiografia interessada nas questões de gênero e história das mulheres20.

Em Françoso (2017), despontou a articulação do gênero a outros marcadores

sociais, como raça e etnicidade, contribuindo para a problematização de um

tratamento homogeneizante das personagens presentes nas narrativas históricas.

Concordamos com a necessidade de interrogar, além da suposta “unidade interna”

dessas homogeneidades, a própria produção discursiva na qual as “diferenças”

adquirem um “sinal” em relação à uma “norma”, reiterada e não problematizada

(LOURO, 1997; SILVA, 2005; BRAH, 2006).

Nesse sentido, a tomada das sexualidades enquanto objeto analítico nos livros

didáticos de História, proposta por Silva (2016), chamou a atenção pela pertinência

da temática. Relacionada ao debate mais amplo das políticas públicas, essa análise

possibilitou o questionamento, nas obras analisadas, da re-inscrição de abordagens

que condicionam as representações da homossexualidade aos contextos de violência

e vitimização.

Vale salientar que a atenção às normativas relacionadas aos livros didáticos,

notadamente às publicações que acompanham a divulgação do Programa Nacional

do Livro Didático, também ganharam espaço nas pesquisas. Além dos Guias,

documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)

20 Nesse caso, a pesquisa desenvolvida por Silva (2013) figurou uma exceção. Na apresentação dos pressupostos que orientaram sua leitura, a autora explicou: “Essa análise irá mostrar a visibilidade e a representação dos homossexuais nos livros didáticos de história a partir do Nazismo e da Contracultura, mas não pretendemos fazer uma crítica a seleção e organização dos conteúdos factuais ou criticar a visão historiográfica adotada, visto que não é nosso intuito corrigir informações ou complementar os livros didáticos” (SILVA, 2013, p. 26). Entre as produções analisadas, esta foi a única a assumir uma postura deste tipo.

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instrumentalizaram críticas às persistentes insuficiências apresentadas por obras

avaliadas e distribuídas no âmbito das políticas públicas educacionais.

Destacamos em Celestino (2016) e Monteiro (2016) que a maneira como os

livros didáticos de História, propriamente, comunicam os conhecimentos históricos

também foi acentuada: confinados em boxes, determinados saberes permaneceram

às margens dos textos consagrados por estes materiais. Como foi destacado por

Cristiani Bereta da Silva (2007, p. 228), a história das mulheres e das relações de

gênero, restritas a contextos particularizados, corresponderam aos “parênteses” das

narrativas nessas obras.

Tendo em vista as possibilidades analíticas apresentadas, cabe delinear alguns

limites. Considerando o gênero enquanto categoria relacional, inspirado em Scott

(1989, 1991), referência comum às pesquisas referidas, a exceção de Silva (2013),

chamou nossa atenção a ausência de uma reflexão quanto às masculinidades

visibilizadas nas narrativas didáticas.

Embora tal constatação não diminua a coerência analítica das pesquisas

discutidas, resiste uma abordagem, já problematizada por Scott (2011) ao propor uma

leitura da história das mulheres enquanto campo acadêmico definível, na qual o

gênero é tomado como sinônimo de história das mulheres. Nessa perspectiva, o

pressuposto relacional implicado na mobilização das relações de gênero seguiu pouco

explorado. Como nos lembrou Raewyn Connell (2013, p. 251), a operacionalização

de “esferas separadas” entre homens e mulheres é também alvo de críticas nos

estudos das masculinidades. Em consonância com as autoras, consideramos a

abordagem relacional fundamental ao reconhecimento das contradições internas na

própria construção de dicotomias.

Concordamos com Silva (2007, p. 221) quanto a importância da reflexão sobre

como “[...] as mulheres, sua história e, também, o vasto território no qual se

movimentam, vem sendo organizado e também (re)construído como saber histórico

escolar”. Entretanto, partindo da compreensão das masculinidades enquanto

construtos históricos e sociais– engendrados por “[...] valores vigentes no meio social,

pelos limites materiais e existenciais, mas também pelas escolhas pessoais”

(CASTELO BRANCO, 2012, p. 214)–, compreendemos a necessidade de crítica à re-

inscrição, no debate acadêmico, de masculinidades homogêneas e não

problemáticas.

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Em última instância, abordagens fundadas em esferas antitéticas

correspondem àquelas criticadas por Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2013). Ao

ponderar sobre os limites de uma historiografia voltada às relações de gênero e

comprometida em visibilizar ausências, o historiador destacou:

Mas esta historiografia dos excluídos excluiu fazer uma história dos homens. Partindo de uma visão dualista e identitária, opôs o ser mulher ao ser homem como duas realidades distintas e homogêneas. Influenciada em grande parte pelo discurso feminista, esta historiografia fez do homem um outro nunca analisado e definido, por oposição ao que se definia como mulher. Este discurso historiográfico terminou por criar uma situação que poderíamos definir, parafraseando Paul Veyne: se tudo é história dos homens, logo ela não existe (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013, p. 19).

Para além do binômio inclusão/exclusão, lugar analítico comum, a articulação

do gênero, proposta pela historiadora Joan Scott (1995), propõe a problematização

dos mecanismos de criação e manutenção de assimetrias de poder numa perspectiva

relacional entre homens e mulheres, categorias “vazias e transbordantes”: “Vazias,

porque não têm nenhum significado último, transcendente. Transbordantes, porque

mesmo quanto parecem estar fixadas, ainda contem dentro delas definições

alternativas, negadas ou suprimidas” (SCOTT, 1995, p. 24).

Em linhas gerais, as pesquisas apresentadas centraram suas análises nos

conteúdos dos livros didáticos de História. Entre textos e imagens, as autoras

destacaram a permanência de abordagens que secundarizaram e/ou invisibilizaram a

importância de determinadas personagens para a compreensão dos conteúdos

históricos em publicações voltadas a diferentes níveis da educação básica. Tal

narrativa de “insuficiências” ganhou contornos mais precisos quando interpelada a

partir de uma produção historiográfica atenta para as histórias das mulheres e das

relações de gênero, redimensionando as distâncias entre essa produção e a

elaboração do conhecimento histórico escolar.

Partindo dos limites e possibilidades dessa produção acadêmica,

questionamos: Quais pressupostos orientam a visibilização das experiências culturais

de gênero nos livros didáticos de História? Considerando estas obras enquanto

“endereçadas” a determinado público imaginado e desejado, de que maneiras estes

pressupostos estão inscritos nas obras? Quem são os “endereçados” e os “não-

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endereçados” dessas comunicações? Em diálogo com as pesquisas destacadas

anteriormente, estruturamos nossos referenciais teórico-metodológicos.

2.3 Definindo aproximações e limites teórico-metodológicos

Nesta pesquisa, a definição de gênero enquanto categoria analítica,

apresentada pela historiadora feminista Joan Scott (1995), representou um ponto de

partida fundamental. Em “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, a autora

partiu de duas proposições iniciais: 1) “O gênero é um elemento constitutivo de

relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”; e 2) “O gênero

é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86).

A primeira parte deste núcleo inicial, referente ao processo de construção das

relações de gênero, deve ser analisada na inter-relação entre quatro elementos: a) os

símbolos culturalmente disponíveis, que evocam representações simbólicas com

frequência contraditórias– como luz e escuridão, por exemplo; b) os conceitos

normativos que evidenciam as interpretações e os significados destes símbolos,

normalmente estruturados na forma de uma oposição binária fixa, na qual o conceito

que emerge como dominante é declarado como único possível; c) política, instituições

e organização social, tendo em vista que elementos como parentesco, economia e

organização política são também produtivos nos processos de constituição do gênero;

d) e a identidade subjetiva, elemento importante para a reflexão sobre os processos

de construção das identidades generificadas em relação a toda série de atividades,

organizações e representações sociais historicamente específicas. Segundo a autora,

compete às/aos historiadoras/es analisar quais as interações entre estes quatro

elementos.

É na segunda proposição, o gênero como “um campo primário no interior do

qual, ou por meio do qual, o poder é articulado” (SCOTT, 1995, p. 88), entretanto, que

a autora desenvolve sua teorização acerca da categoria. Observado enquanto campo

de significação, o gênero constitui um conjunto de referências para as organizações

sociais, estruturando a “percepção e a organização concreta e simbólica de toda a

vida social” (SCOTT, 1995, p. 88). Na medida em que essas referências são

produtivas na distribuição do poder, o gênero “torna-se implicado na concepção e na

construção do próprio poder” (SCOTT, 1995, p. 88), figurando como um “saber a

respeito das diferenças sexuais” (SCOTT, 1994, p. 12)– um saber produtivo para a

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organização social, concreta e simbólica, dessas diferenças21. Em diálogo com a

autora, compreendemos que o gênero não opera enquanto simples reflexo das

diferenças físicas entre homens e mulheres, mas como um saber que estabelece

significados para essas diferenças– significados variáveis e historicamente situados,

que não podem ser isolados de suas relações numa ampla gama de contextos

discursivos (SCOTT, 1994, p. 13)22.

Voltada às questões curriculares, essa teorização possibilitou uma nova

percepção das dinâmicas de gênero e das assimetrias de poder. Segundo Tomaz

Tadeu da Silva (2005, p. 92), a crítica feminista ao currículo iniciou uma importante

mudança epistemológica ao perceber, não apenas as desigualdades que marcam

historicamente o acesso aos recursos sociais e educacionais– como a naturalização

de certas disciplinas e carreiras, partindo de expectativas e estereótipos de gênero–,

mas ainda as marcas do gênero na própria epistemologia dominante, instituindo

determinados saberes enquanto positivos e desejáveis.

Considerando que o currículo escolar, mais do que atuar na transmissão de um

conhecimento “objetivo”, atua no compartilhamento de sentidos e significados– e,

portanto, na construção de determinadas posições de sujeito–, os materiais

curriculares, como os livros didáticos e paradidáticos, constituem a produção dos

sujeitos nos espaços escolares. Nesta trama entre saber, subjetivação e poder, o livro

didático de História, assim como o(s) currículo(s) que o constitui(em), figura enquanto

artefato de gênero, “um artefato que, ao mesmo tempo, corporifica e produz relações

de gênero” (SILVA, 2005, p. 97). Na medida em que esses artefatos veiculam

determinados saberes, tais saberes reiteram significados no ensino escolarizado,

produzindo posições de sujeito generificadas.

A história, enquanto campo disciplinar, também produz e põe em circulação

determinados saberes a respeito das diferenças sexuais. Na esteira da crítica

feminista elaborada por Scott (1994, p. 25), salientamos que a história “faz funcionar

[...] um tipo particular de instituição cultural que endossa e publicita construções de

gênero”. Nesta pesquisa, partimos do desafio teórico de uma reflexão voltada não

21 A esse respeito, a autora, partindo da perspectiva foucaultiana, entende saber como “o significado de compreensão produzida pelas culturas e sociedades sobre as relações humanas, no caso, relações entre homens e mulheres” (SCOTT, 1994, p. 12). 22 Judith Butler (2000), embora numa perspectiva epistemológica distinta, nos convidou a desestabilizar a ideia de diferença sexual enquanto referente, simplesmente, a “diferenças materiais”. Inspirados nesta autora, consideramos que não existem diferenças materiais que não sejam “simultaneamente marcadas e formadas por práticas discursivas” (BUTLER, 2000, p. 151).

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apenas à relação entre a experiência feminina e masculina no passado, mas ainda à

“conexão entre a história passada e a prática histórica presente” (SCOTT, 1995, p.

74). Tendo em vista o livro didático de História, fonte desta pesquisa, priorizaremos a

análise das concepções de gênero enunciadas em livros endereçados à escolarização

dos saberes históricos, difusão e apropriação do conhecimento produzido

historicamente– cujo pano de fundo é a produção historiográfica.

Considerando essa perspectiva analítica, questionamos: de que forma o livro

didático de História põe em circulação a matéria dos inscritos que corporifica? De que

forma o acontecimento dessa comunicação, na fluidez das redes de significação,

“projeta” os sujeitos desejados? Há espaço para ruídos, resistências ou dissonâncias?

Por reconhecermos a existência de disputas pela hegemonia dos significados, nos

aproximamos do conceito de “modos de endereçamento”.

Conceito advindo dos estudos de cinema e comunicação, o “modo de

endereçamento” diz respeito ao evento de relação entre o texto fílmico e a “posição

de sujeito”, o lugar social do público, pressuposto a partir das expectativas quanto à

recepção dos filmes. Segundo Elizabeth Ellsworth (2001, p. 24), em sua formulação

inicial, o conceito parte de uma abordagem dos estudos de cinema interessada em

analisar “como o processo de fazer um filme e o processo de ver um filme se tornam

envolvidos na dinâmica social mais ampla e em relações de poder”.

Concebido inicialmente enquanto um conjunto de estruturas, localizadas no

texto fílmico, que buscam uma relação particular entre o texto e seus expectadores, o

modo de endereçamento visa a transmissão de determinada comunicação para um

“alvo”– uma posição inscrita nas dinâmicas e interesses de poder, uma posição de

sujeito, imaginada e endereçada a partir de pressupostos sobre o público visado

(ELLSWORTH, 2001, p. 15). Inevitavelmente impressos no texto fílmico, tais

pressupostos convidam a estabelecer e a compartilhar, ao menos temporariamente,

posições sociais e políticas específicas a partir das quais o texto adquire sentido.

Entretanto, pode ser que o público alvo não responda ao estímulo da maneira

esperada. Como argumentou Simone Maria Rocha (2011, p. 10), não é possível

assegurar definitivamente uma resposta por parte do público, pois o “entrelaçamento

de categorias sociais nas quais a experiência humana se efetiva é muito mais

complexo do que aquelas levadas em conta na produção de um filme”. Tendo em vista

que o público não pode ser simplesmente posicionado, Ellsworth (2001) apresenta

que o debate em torno dos modos de endereçamento vem sofrendo uma série de

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deslocamentos, do conjunto de estruturas limitadas ao texto fílmico para o evento de

relação no espaço entre o social e o individual, entre o texto e seus usos23.

Nesse contexto, Ellsworth introduz uma nova formulação sobre os modos de

endereçamento. Buscando refletir sobre seu “paradoxal poder”, a autora apresentou

o endereçamento enquanto a “diferença entre o que poderia ser dito– tudo o que é

historicamente e culturalmente possível e inteligível de se dizer– e o que é dito” (2001,

p. 47). Sintonizado a determinado sistema de significação previamente estabelecido,

o endereçamento figura enquanto um acontecimento histórico e cultural que

transborda do texto fílmico e vai ao encontro da conjuntura de produção e recepção

desse texto. Na esteira dessa elaboração, Rocha (2011, p. 12) argumentou que, ao

conceituar o endereçamento como um conjunto de escolhas possíveis e realizadas

pela instância produtora, percebemos que tais escolhas sinalizam a busca pelo

estabelecimento de determinada relação com o público– uma relação historicamente

situada, atravessada por interesses, expectativas e desejos. A emergência desse

entre-espaço tem possibilitado diferentes abordagens24.

É importante salientar que, embora o modo de endereçamento transborde dos

elementos do texto, as estruturas dessa relação imprimem traços conscientes ou

inconscientes na materialidade deste enunciado. Dito de outra forma: embora o

público não possa ser simplesmente posicionado, o endereçamento busca controlar

como e a partir de que posição o texto deve ser lido (ELLSWORTH, 2001, p. 24).

Podendo atuar na valorização de determinada gama de posições sociais em

detrimento de outras perspectivas e experiências culturais, os modos de

endereçamento figuram enquanto produtivos para o engendramento de determinadas

subjetividades no interior das dinâmicas e dos interesses de poder.

Considerando que os livros didáticos de História estão envolvidos na

transmissão de determinado saber e são elaborados partindo de pressupostos sobre

o público desejado, compreendemos que a análise de endereçamento oferece uma

23 A autora sinalizou sua aproximação com os Estudos Culturais ressaltando a teorização sobre os posicionamentos sociais “fluídos, cambiantes e estratégicos” – e, portanto, não completamente endereçáveis. Neste novo quadro teórico, Ellsworth (2001, p. 46) compreendeu o modo de endereçamento enquanto evento não-localizável “produto da contínua interação entre uma série de aspectos dos usos particulares de forma, de estilo e estrutura narrativas feitos por um determinado filme”. 24 A esse respeito: Rocha (2011) questionou as possiblidades de análise dos modos de endereçamento nos produtos televisivos; voltando sua atenção para as imagens presentes nos livros didáticos de ciências, Macedo (2004) problematizou a produção de um conhecimento que estabelece fronteiras entre o saber escolar e os outros saberes; Ellsworth (2001) deslocou sua análise dos estudos de cinema para a experiência de aprendizagem no ambiente escolar.

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nova perspectiva sobre a produção de subjetividades específicas a partir desses

artefatos, questionando as composições possíveis e aquelas empenhadas para que

os “espectadores” estabeleçam uma determinada relação com o texto.

Buscando investigar os pressupostos inscritos na composição dessas obras

estendemos nossas observações e análises às diretrizes que orientaram as

avaliações dos livros didáticos de História aprovados e distribuídos no âmbito do

Programa Nacional do Livro Didático. Observamos, além dos Guias, publicações

voltadas a divulgação dos resultados avaliativos do programa, os editais de

convocação para o processo de inscrição e avaliação das obras didáticas. Publicados,

em média, dois anos antes das edições do programa aos quais são destinados, os

editais oferecem um detalhamento dos critérios avaliativos que orientaram a seleção

das obras aprovadas. Para esta pesquisa, tomaremos os editais de 2005 e 2013,

correspondentes, respectivamente, ao PNLEM/2008 e PNLD/2015 (BRASIL, 2005;

2013).

A análise do endereçamento nos livros didáticos de História compreende a

observação das estratégias de estruturação e apresentação dos enunciados

disponibilizados pelas obras. É nessa “aparência” que localizamos uma preocupação

“cenográfica” nos livros didáticos de História. Espaço no qual o texto se desenrola,

essa cenografia envolve a narrativa, sua apresentação e ainda as atividades que a

retomam, buscando estimular e recompensar as “respostas corretas”– aquelas

alinhadas aos aspectos apresentados, compondo um mecanismo de comunicação do

currículo para uma posição a partir da qual o texto adquire significado.

Quanto a narrativa histórica escolar, inspirados pela crítica de José Batista Neto

(1995, p. 100) a recorrência de uma “gramática discursiva” própria aos processos de

transmissão desses conhecimentos, buscamos analisar: o tempo narrativo,

questionando os possíveis efeitos de sentido de narrativas históricas escolares

centradas no passado, a despeito da reflexão sobre as dinâmicas sociais nas quais

estão implicadas; a re-inscrição das relações de gênero, relacionada a outros

marcadores sociais, como as relações étnico-raciais; e os lugares de produção e

reflexão histórica privilegiados pelas narrativas. Componentes de uma “cenografia”,

tais elementos imprimem significados distintos aos chamados “textos principais”,

boxes e imagens dos livros didáticos de História.

Consideradas tais questões, vale ressaltar o recorte temático desta pesquisa.

Conforme apresentado anteriormente, voltamos nossa atenção aos capítulos:

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“Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império” (“O fim do Império”, edição

2013) e “A instituição da República”, presentes em todas as edições selecionadas.

Nesse sentido, visando endereçar uma comunicação atravessada por

concepções de masculinidades e/ou feminilidades, de que forma os livros didáticos de

História atuam para a produção de posições de sujeito generificadas? De que forma

convidam seu público a ocupar determinada “posição” de leitura? Através de que

estratégias os “traços” de endereçamento estimulam e recompensam determinada

leitura diante dos saberes comunicados?

Considerando a fluidez e a natureza política das tramas de significação, a

teorização pós-estruturalista nos oferece uma nova perspectiva para a análise desses

processos. Ao refletir sobre a produção social de significados para as diferenças

sexuais, Scott (1994, p. 16) nos convidou a pensar os significados enquanto instáveis,

exigindo “uma repetição, reafirmação e implementação vigilante por parte daqueles

que endossam uma ou outra definição”.

Tal abordagem permite problematizar os sistemas ideológicos existentes,

atentando aos significados das “mensagens” transmitidas, questionando de que forma

tal saber atua para hegemonizar determinadas experiências e assimetrias de poder.

Refletindo sobre a natureza do conhecimento e das representações históricas

apresentadas pelos livros didáticos de História, Fonseca (2003, p. 53) nos alertou que

esses artefatos podem atuar para tornar

[...] definitivas, institucionalizadas e legitimadas pela sociedade determinadas visões e explicações históricas. Essas representações transmitidas simplificadamente trazem consigo a marca da exclusão. O processo da exclusão inicia-se no social, em que “alguns atos” são escolhidos e “outros” não, de acordo com critérios políticos.

A reflexão sobre as “marcas” dessas exclusões nos permite ainda interrogar as

categorias de identidade mobilizadas na escrita dessas narrativas históricas. Partindo

da perspectiva das questões de gênero, concordamos com Scott (1998) que é preciso

desestabilizar a naturalização de marcadores de identidade, tais como homem e

mulher. Atentando ao processo conflitivo através do qual o significado se estabelece,

o jogo de forças atuante na sua formação e implementação nas sociedades,

entendemos que tais categorias, tomadas enquanto “fixas”, podem atuar para

“solidificar o processo ideológico de construção do sujeito, tornando o processo menos

e não mais aparente, naturalizando-o em vez de analisá-lo” (SCOTT, 1998, p. 318).

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Compreendemos que a análise de endereçamento de gênero nos livros

didáticos de História possibilita questionar de que forma tais artefatos estão

imbricados nos processos de produção de posições de sujeitos generificadas,

firmando modelos produtivos na instituição de fronteiras para as identidades

masculinas e/ou femininas, na regulamentação das ações, em função da constituição

das identidades, de acordo com as dinâmicas de gênero. Envolvidos em complexas

relações de significação, consideramos que esses artefatos “se expressam”

endereçando nosso olhar para as relações de gênero através da identificação e

valorização de determinada gama de experiências sociais.

Na presente pesquisa, visando analisar as estratégias de endereçamento

desenvolvidas nas diferentes edições selecionadas da obra “História Global– Brasil e

Geral”, “esquadrinhamos” nossa leitura: diante da “cenografia” desenvolvida nos

capítulos, identificamos e analisamos os possíveis sentidos de leitura expressos nos

elementos constituintes da comunicação. Considerando exemplificar essa estratégia

de análise, apresentamos a Imagem 125:

25 As imagens exemplificadas nesta seção constituíram o conjunto das análises desenvolvidas no capítulo “Os livros didáticos de História: (re)fazendo o gênero nos sabres sobre o século XIX”.

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Imagem 1 – Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.

Recurso dos gêneros noticiosos, o lead corresponde aos “valores de

relevância” atribuídos pelo enunciador na constituição do tema a ser abordado pelo

texto. Como destacado por Maria Angélica Lauretti Carneiro (2004, p. 111), este

recurso pode operar enquanto um sinal “para que façamos deduções sobre a

informação mais importante do texto que nele está sendo sumarizada ou destacada”.

LEA

D 1

IMA

GE

M E

LE

GE

ND

A

LEA

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Partindo da análise dos “valores de relevância” estabelecidos, buscamos

problematizar a reiteração de papéis sociais normativos para homens e mulheres na

produção de determinados conhecimentos históricos em materiais didáticos. Assim,

foi possível levantar questões sobre quais saberes têm seu estatuto reconhecido e,

talvez mais importante, quais saberes foram marginalizados.

Tendo em vista a descrição e análise das imagens disponibilizadas, nesta

pesquisa, desenvolvemos um “esquadrinhamento” das obras. Consideramos que, na

observação dos componentes da obra, as legendas laterais auxiliaram a precisar os

elementos em destaque durante o desenvolvimento das análises. Exemplificando esta

abordagem, apresentamos a Imagem 226:

Imagem 2 – Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: “Alegoria à proclamação da República

e à partida da família imperial” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.

A exemplo da dissertação apresentada por Márcia Barbosa Silva (2013), na

presente pesquisa, analisamos as relações de gênero inscritas nas narrativas de

diferentes edições de livros didáticos de História. Entretanto, considerando

26 Considerando a observação das imagens mobilizadas, e os limites editoriais dos impressos selecionados, disponibilizamos links para as imagens referidas, dotadas de maior qualidade gráfica. Salientamos, entretanto, que nosso objetivo foi analisar as imagens de fato veiculadas nos livros didáticos de História selecionados, preservando as características gráficas e editoriais oferecidas pela publicação.

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empreender um diálogo historiográfico com essas narrativas históricas, centramos

nossa atenção em duas edições distintas, de 2005 e 2013, de uma única publicação:

a obra “História Global – Brasil e Geral”, de autoria atribuída a Gilberto Cotrim.

Aprovada em todas as edições do Programa Nacional do Livro Didático direcionadas

ao Ensino Médio público brasileiro, a obra despontou enquanto uma das coleções

mais distribuídas nacionalmente durante o período estudado.

Distantes da inquietação de Silva (2013, p. 26) quanto a “corrigir informações

ou complementar os livros didáticos”, buscamos dialogar com as mesmas partindo

dos textos e imagens disponíveis na publicação. Visamos salientar as escolhas

operadas na construção das narrativas históricas e discutir os possíveis efeitos de

sentido no evento da relação entre livros didáticos de História e o público, imaginado

e desejado, para o qual foram endereçadas estas obras.

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3 RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE NOS LIVROS DIDÁTICOS DE

HISTÓRIA: O QUE DIZEM OS EDITAIS E GUIAS?

No presente capítulo, observamos os Editais e Guias do Programa Nacional do

Livro Didático, voltados ao Ensino Médio, correspondentes às edições de 2008 e

2015. Considerando que essas normativas expressam, não apenas a permanência de

determinados valores em dado momento histórico, mas ainda o propósito de inscrever

determinados significados às práticas sociais (VIANNA; UNBEHAUM, 2004),

buscamos investigar, sob a perspectiva das relações de gênero, quais parâmetros

legislativos, curriculares e sociais figuraram enquanto critérios avaliativos dos livros

didáticos de História selecionados para esta pesquisa.

Tendo em vista que os livros didáticos de História foram elaborados partindo

de pressupostos sobre o público desejado– pressupostos inscritos nas obras,

atravessados por interesses e expectativas de determinada comunicação com o

público–, buscamos indícios da “estrutura de endereçamento” constituída das

escolhas possíveis e realizadas na composição da obra “História Global– Brasil e

Geral”, principal fonte nesta pesquisa. Questionando as composições possíveis e

aquelas empenhadas para que o “público” estabeleça determinada relação com o

texto, compreendemos que a análise de endereçamento ofereceu uma perspectiva

sobre a produção de saberes a partir dessas obras.

Ao analisar os Editais e Guias, destacamos: o papel atribuído aos livros

didáticos; as representações de um “público endereçado”, notadamente, alunas e

alunos do Ensino Médio Público brasileiro; e em que medida a atenção às relações

de gênero e sexualidade foram consideradas enquanto critério avaliativo para a

seleção dos livros didáticos de História inscritos nos editais.

Nesse sentido, estruturamos este capítulo em duas seções voltadas,

respectivamente: ao Edital do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio

(PNLEM/2007) e Catálogo de História PNLEM/2008; e o Edital do Programa Nacional

do Livro Didático (PNLD/2015), correspondente ao Guia do PNLD/2015. Visando

apresentar os documentos reunidos para esta análise assim como o alcance dos

Programas aos quais estão veiculados, elaboramos o Quadro 3:

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Edital Ano de

publicação Catálogo/ Guia

relacionado

Número de escolas atendidas

Número de estudantes

contempladas (os)

Edital de convocação para inscrição no

processo de avaliação e seleção de obras didáticas

para serem incluídas no catálogo do

Programa Nacional do Livro Didático

para o Ensino Médio – PNLEM/2007

2005

História:

catálogo do Programa

Nacional do Livro para o

Ensino Médio: PNLEM/2008

15.273

7.141.943

Edital de convocação para o processo de

inscrição e avaliação de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD

2015

2013

Guia de livros

didáticos: PNLD 2015: história: Ensino Médio

19.363

7.112.492

Quadro 3 – Editais de convocação, catálogos/guias e público atendido pelos Programas Fonte: BRASIL, 2017.

3.1 Edital e Catálogo do PNLEM/2007

Nessa seção buscamos uma leitura dos editais e guias do Programa Nacional

do Livro Didático destacando as normas estabelecidas em relação às questões de

gênero e sexualidade. Embora esses documentos não figurem enquanto fontes

principais de nossa reflexão, a observação de suas determinações nos possibilita

perceber as diretrizes que orientam a produção material e curricular das obras

inscritas.

Segundo Munakata (2012, p. 59), “O livro didático e a escola mantêm uma

relação simbiótica”. O autor argumentou que a constituição e expansão dos sistemas

públicos de ensino são acompanhadas, de forma variável e historicamente situada,

pela aquisição de obras didáticas por parte do Estado. No contexto brasileiro, essas

transações são mediadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)27.

Institucionalizado em 1985, dando continuidade a proposta dos anos de 1960

de compra dos livros didáticos pelo Estado brasileiro, o PNLD passou a instituir, a

partir de 1996, a avaliação prévia das obras didáticas (MUNAKATA, 2012, p. 6). No

27 Instituído pelo Ministério da Educação (MEC), o decreto nº 91.542, de 19/08/1985, estabeleceu as Diretrizes Operacionais para o Programa do Livro didático – 1º grau (1985/86), sob a responsabilidade da Fundação de Assistência Escolar (FAE), criada em 1983 (MUNAKATA, 1997, p. 48)

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âmbito do Ensino Médio público brasileiro, entretanto, inicialmente, coube ao antigo

Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), implantado

experimentalmente em 2004, a avaliação e distribuição das obras28.

Tendo em vista a avaliação das obras pelo PNLD e PNLEM, as editoras buscam

atender as exigências governamentais traduzidas pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN), Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e nas determinações

específicas de cada edital dos programas do livro didático (MUNAKATA, 2012, p. 12).

Nossa atenção recaiu sobre os documentos referentes ao Programa Nacional

do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2008). Tendo por objetivo “a

convocação de titulares de direito a autoria para a inscrição no processo de avaliação

e seleção de livros didáticos, em coleção ou Volume Único” (BRASIL, 2005, p. 1), o

edital de convocação definiu as etapas do processo de triagem e avaliação,

antecedendo a composição do catálogo, posteriormente intitulado “Guia”, de

apresentação e divulgação das obras aprovadas.

Segundo determinação do Edital do PNLEM/2007, coube à Secretaria de

Educação Básica (SEB/MEC) a realização de uma triagem, por meio da qual as obras

seriam avaliadas em sua composição técnica e por seus conteúdos pedagógicos,

cujos critérios são definidos pelo Anexo IX do documento (BRASIL, 2005, p. 9). Nesse

anexo intitulado “Princípios e critérios para a avaliação de obras didáticas para o

Ensino Médio de Língua portuguesa e Literatura, Biologia, Física, Química,

Matemática, Geografia e História”, despontam os pressupostos avaliativos

empregados na seleção, ordenados em categorias gerais. Destacamos: “critérios

comuns”, voltados a todas as publicações e subdivididos entre “critérios eliminatórios

e de qualificação”; e os “critérios para a avaliação de obras didáticas de Ciências

Humanas e suas Tecnologias”, especificamente no que tangem a disciplina História.

Como “critérios eliminatórios”, além da observância aos preceitos legais e

jurídicos– Constituição Federal (CF/1988), Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), Diretrizes

Curriculares Nacionais do Ensino Médio–, o documento estabelece e discute três

princípios: a) correção e adequação conceituais e correção das informações básicas;

b) coerência e pertinência metodológicas; c) preceitos éticos (BRASIL, 2005, p. 36).

28 Criado a partir da Resolução nº 38 do FNDE, o programa visou atender de forma progressiva todas as séries do Ensino Médio brasileiro. No caso dos livros didáticos de História, por exemplo, somente a partir de 2008 foi iniciada pelo PNLEM a distribuição nacional das obras (MELO, 2012. 16).

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Voltando nossa atenção aos preceitos éticos, o edital versa sobre a

obrigatoriedade de as obras didáticas atuarem para a construção ética necessária ao

exercício da cidadania. Nesse sentido, o texto definiu a exclusão da obra que: a)

privilegiar um determinado grupo, camada social ou região do país; b) veicular

preconceitos de origem, cor, condição econômico-social, etnia, gênero, orientação

sexual, linguagem ou qualquer outra forma de discriminação; c) divulgar matéria

contrária à legislação vigente para a criança e o adolescente, no que diz respeito a

fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, drogas e armamentos, entre outros; d) fizer

publicidade de artigos, serviços ou organizações comerciais, salvaguardada,

entretanto, a exploração estritamente didático-pedagógica do discurso publicitário; e)

fizer doutrinação religiosa; f) veicular ideias que promovam o desrespeito ao meio

ambiente (BRASIL, 2005, p. 37).

Tais elementos são reiterados durante todo o documento. Ao direcionar sua

atenção aos critérios de qualificação, cujo objetivo foi estabelecer uma distinção entre

as obras avaliadas, o edital destacou as edições para a construção escolar da

cidadania. Indo para além do “texto-base”, o documento versou ainda sobre os

preceitos éticos nos aspectos gráficos-editoriais. Segundo o documento, cumpre que

as ilustrações:

[...] auxiliem na compreensão e enriqueçam a leitura do texto, devendo reproduzir adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, não expressando, induzindo ou reforçando preconceitos e estereótipos. Essas ilustrações devem ser adequadas à finalidade para as quais foram elaboradas e, dependendo do objetivo, devem ser claras, precisas, de fácil compreensão, podendo, no entanto, também intrigar, problematizar, convidar a pensar, despertar a curiosidade (BRASIL, 2005, p. 38).

Após a observação dos critérios gerais, os critérios de avaliação por área de

produção do conhecimento no Ensino Médio– ancorados na Lei de Diretrizes e Bases

e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio– estabeleceram os

princípios e finalidades na orientação da formação na Área das Ciências Humanas e

suas Tecnologias. Tendo em vista especificamente o ensino de história, o texto

estabeleceu enquanto principal objetivo, reafirmando elementos anteriores no

documento, a formação dos estudantes para a cidadania. E, nesse sentido, foi definido

o papel auxiliar da obra didática para a “compreensão ativa” da realidade, tida como

pressuposto para a atuação cidadã. Segundo o texto:

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A adequação da obra didática aos objetivos do Ensino Médio supõe um complexo mecanismo de articulação entre, de um lado, os saberes socialmente construídos no processo do conhecimento científico e, de outro, os conteúdos e objetivos do ensino e da aprendizagem escolar. Os conhecimentos advindos da pesquisa dos especialistas não se opõem aos conteúdos que fazem parte do currículo escolar. Este, por sua vez, é uma parcela significativa do saber escolar, que é construído no e para o espaço da escola. A experiência e as representações de mundo e de história que são elaboradas pelos alunos e professores dão as possibilidades de uma reelaboração contínua e criativa do conhecimento que é produzido pelos historiadores (BRASIL, 2005, p. 62).

Com base nesses elementos, o documento estabeleceu, mais uma vez,

critérios eliminatórios e de qualificação. Divididos em vários subitens, o documento

explorou os “critérios eliminatórios” em quatro níveis: a) correção dos conceitos e das

informações básicas, atentando aos erros conceituais “mais comuns”, como

anacronismo, voluntarismo e nominalismo; b) coerência e adequação metodológicas,

atentando as estratégias pedagógicas concebidas e aplicadas pelas obras; e c)

preceitos éticos (BRASIL, 2005, p. 63). Quanto a este último item, o edital estabeleceu:

a) não veicular, nos textos e nas ilustrações, preconceitos que levem a discriminações

de qualquer tipo (origem, etnia, gênero, religião, idade ou quaisquer outras formas de

discriminação); b) não ser instrumento de propaganda ou doutrinação religiosa; c)

despertar para a historicidade das experiências sociais, trabalhando conceitos,

habilidades e atitudes, na construção da cidadania; d) estimular o convívio social e o

reconhecimento da diferença, abordando a diversidade da experiência humana e a

pluralidade social, com respeito e interesse; e) desenvolver a autonomia de

pensamento, o raciocínio crítico e a capacidade de argumentar (BRASIL, 2005, p. 66).

Na sequência, o documento explorou os “critérios de qualificação” mobilizados

na avaliação das obras. Dentre os pontos abordados pelo texto, destacamos: a)

atualização historiográfica e pedagógico-metodológica; b) explicitação da opção

metodológica; c) não incorporação, por parte da obra, de “estereótipo como a

identificação exclusiva da História a alguns heróis ou a utilização de caricaturas, de

períodos ou de personagens, nem a restrição à memória individual ou de grupos”

(BRASIL, 2005, p. 67).

Em linhas gerais, podemos observar que o Edital do PNLEM/2007 rompeu o

tradicional silêncio quanto às questões de gênero nos documentos educacionais

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(VIANNA; UNBEHAUM, 2004). Identificadas enquanto preceito ético, as abordagens

relativas às relações de gênero e sexualidade constituíram critérios de exclusão e de

qualificação das obras submetidas ao processo de avaliação.

Apresentando um conjunto de resenhas das obras aprovadas através das

diretrizes do referido edital, e direcionadas ao ensino de história nas escolas públicas,

temos a publicação “História: Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino

Médio: PNLEM/2008”.

O documento foi introduzido por uma “carta aos professores”, endereçada a

“Professora e Professor” (BRASIL, 2007, p. 05). Consideramos o abandono

“masculino genérico” (VIANNA; UNBEHAUM, 2004)– ainda que momentâneo– um

importante elemento do “endereçamento” dessa comunicação. Compreendemos a

linguagem enquanto expressão da cultura e das relações sociais de um determinado

momento histórico. Como destacado por Vianna e Unbehaum (2004, p. 90), mais do

que mera norma linguística:

o uso do masculino genérico nas premissas que discutem direitos e organização do sistema educacional brasileiro dá margem para ocultar as desigualdades de gênero. [...] A ausência da distinção de gênero na linguagem que fundamenta as políticas educacionais pode justificar formas de conduta que não privilegiam mudanças das relações de gênero no debate educacional, perpetuando sua invisibilidade.

Nessa perspectiva, o catálogo visou “endereçar” a escolha das obras a serem

adotadas por parte de um público, em 2007, majoritariamente feminino na educação

básica: o público docente29.

Salientando o caráter instrumental dos livros didáticos, o catálogo defendeu a

importância da seleção das obras, por parte de professoras e professores, tendo em

vista a propagação “[...] de valores que estimulem o respeito às diferenças, à ética e

à convivência solidária” (BRASIL, 2007, p. 05). Cumpre destacar que o documento

observa que, na prática docente, o livro didático deve figurar enquanto um dos

instrumentos para sugestões de aprofundamento e proposições metodológicas

(BRASIL, 2007, p. 12).

29 Segundo dados do primeiro Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica, produzidos pelo Educacenso 2007, na Educação Básica brasileira, dos 1.882.961 profissionais atuantes em 2007, 1.542.925 eram professoras– contrastando com 340.036 professores. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/plano-nacional-de-formacao-de-professores/censo-do-professor>.

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Apresentando as diretrizes que orientaram a seleção das obras, o catálogo

retomou os “critérios comuns”, divididos entre eliminatórios e de qualificação,

discutidos anteriormente. Constituindo tais critérios, as relações de gênero e

sexualidade ganharam destaque. Quanto aos eliminatórios, destacamos entre os

preceitos éticos: “veicular preconceitos de origem, cor, condição econômico-social,

etnia, gênero, orientação sexual, linguagem ou qualquer outra forma de discriminação”

(BRASIL, 2007, p. 15).

Já enquanto critérios de qualificação, àquele cujo objetivo foi estabelecer uma

distinção entre as obras selecionadas, o catálogo definiu:

[...] espera-se que a obra didática aborde criticamente as questões de sexo, gênero, de relações étnico-raciais e de classes sociais, denunciando toda forma de violência na sociedade e promovendo positivamente as minorias sociais (BRASIL, 2007, p. 15).

Ao final, o texto apresentou uma “Ficha de avaliação”. Segundo o documento,

no processo de avaliação das obras, cujo resultado constituiu o Catálogo, utilizou-se

a “Ficha de avaliação” enquanto instrumento para a elaboração das resenhas dos

livros didáticos (BRASIL, 2007, p. 07). Tendo em vista observar os elementos

constituintes da ficha, destacamos o tópico “Construção da cidadania”:

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Imagem 3 – Ficha de avaliação/PNLEM 2008 (adaptado)

Fonte: BRASIL, 2007, p. 127

Correspondentes ao tópico “Construção da cidadania”, salientamos a

objetividade no tratamento das questões de gênero e sexualidade. Organizada entre

respostas positivas ou negativas e conceitos– ótimo (O), bom (B), suficiente (S) e

insuficiente (I)–, a ficha não demonstrou preocupação em pontuar quais seriam as

características necessárias para a determinação dos critérios mobilizados nessa

avaliação.

Em linhas gerais, o Catálogo apresentou as relações de gênero e sexualidade

enquanto preceitos éticos para a avaliação das obras didáticas. Retomando as

principais diretrizes na avaliação das obras, o documento, diferentemente do Edital

correspondente, buscou endereçar a atenção de professoras e professores para a

importância desses saberes na elaboração de obras concebidas enquanto

instrumentos na formação e prática docente. Embora a “Ficha de avaliação”,

disponível ao final do documento, não especifique os requisitos necessários na

identificação dos conceitos avaliativos, consideramos a importância dessa abordagem

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na visibilização da temática no processo de seleção, por parte das/os docentes, das

obras didáticas.

3. 2 Edital e Guia do PNLD/2015

A exemplo do Edital do PNLEM/2007, o Edital do Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD/2015) apresentou as etapas de avaliação pedagógica das obras

componentes do Guia de Livros Didáticos, publicação correspondente ao catálogo

citado na seção anterior. As principais modificações presentes nesse edital, em

relação ao de 2007, encontram-se no Anexo III, intitulado “Princípios e critérios para

a avaliação de obras didáticas destinadas ao Ensino Médio” (BRASIL, 2013, p. 37).

Partindo da explicitação do artigo 35 da LDB (Lei 9394/96) sobre as finalidades do

Ensino Médio30, o Edital chamou a atenção para a responsabilidade da escola na

formação dos estudantes– reconhecendo o seu “pertencimento à juventude”, além de

seu protagonismo nas “cenas sociais significativas e relevantes para a vida social,

cultural, política e econômica do País, por meio de movimentos estudantis,

movimentos culturais, reivindicações próprias [...]” (BRASIL, 2013, p. 37).

Sugerindo o estabelecimento do diálogo com as “culturas juvenis”, o documento

indicou que “a cultura socialmente legitimada e predominantemente letrada de que a

escola é, ao mesmo tempo, porta-voz e via de acesso, não deve se impor pelo

silenciamento das culturas juvenis [...]” (BRASIL, 2013, p. 38). É nesse perfil

“dialógico” que o documento compreendeu uma estratégia de superação dos desafios

da escola no Ensino Médio.

Versando sobre o perfil do aluno, o Edital estabeleceu considerações sobre a

adolescência e a sexualidade da seguinte maneira:

Por fim, é preciso considerar que esse jovem se encontra, do ponto de vista do seu desenvolvimento, num momento também particular: a adolescência. Marcada pelo impacto psicológico e existencial

30 No qual lê-se: “O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina” (BRASIL, 2013, p. 37).

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decorrente da irrupção da sexualidade, assim como pelas transformações corporais inerentes ao processo de maturação, a adolescência é um momento decisivo da formação pessoal. Além do trabalho de (re)conhecer-se num novo corpo, o adolescente tem pela frente uma série de alternativas e, mesmo, desafios aos quais será preciso dar respostas satisfatórias, tanto em termos sociais quanto no que diz respeito às suas próprias demandas. Razão pela qual ele se encontra diante de grandes tensões e conflitos, geradores de ansiedade e de instabilidade emocional. Em decorrência, o que caracteriza esse sujeito é uma incessante busca de definições, um intenso e permanente trabalho ético, de (re)construção da própria personalidade, de sua identidade e de suas relações, tanto com os seus grupos de socialização imediata quanto com as representações que consiga elaborar sobre a sociedade em que vive (BRASIL, 2013, p. 38)

Após tecer considerações sobre o papel da escola e o perfil do alunado em sua

“condição juvenil” (BRASIL, 2013, p. 37), o edital apresentou os “critérios de

avaliação”, articulados entre critérios eliminatórios comuns a todas as áreas e os

específicos a cada área e componente curricular. Entre os critérios eliminatórios

comuns, o Edital do PNLD 2015 destacou:

1) respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino médio; 2) observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano; 3) coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pela obra no que diz respeito à proposta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados; 4) respeito à perspectiva interdisciplinar na apresentação e abordagem dos conteúdos; 5) correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos; 6) observância das características e finalidades específicas do manual do professor e adequação da obra à linha pedagógica nela apresentada; 7) adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático pedagógicos da obra; 8) pertinência e adequação do conteúdo multimídia ao projeto pedagógico e ao texto impresso (BRASIL, 2013, p. 39).

Notamos aqui pontos de aproximação e aprofundamento em relação ao Edital

do PNLEM/2007. Voltando nossa atenção aos princípios éticos e democráticos para

a construção da cidadania, por exemplo, o edital reiterou o critério de exclusão de

obras que “[...] veicularem estereótipos e preconceitos de condição socioeconômica,

regional, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de idade ou de linguagem,

assim como qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos [...]”

(BRASIL, 2013, p. 40).

Quanto aos critérios específicos para a área das ciências humanas, o Edital do

PNLD/2015 elaborou uma relação das competências fundamentais para a produção

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do conhecimento nas disciplinas Filosofia, Geografia, História e Sociologia, cujos

objetos comuns identificados seriam “as sociedades humanas em suas múltiplas

relações” (BRASIL, 2013, p. 50). No caso da disciplina história, o Edital salientou as

diretrizes que deviam orientar o ensino, e a produção didática que o acompanha, no

âmbito da renovação historiográfica e redefinição das atividades pedagógicas.

Segundo o Edital, caberia ao ensino de história:

1) desestruturar perspectivas históricas eurocêntricas, etnocêntricas, monocausais e cronológico-lineares; 2) superar métodos e práticas pautados na memorização, no verbalismo e na expectativa de dar conta de um vasto repositório de conteúdos factuais; 3) avançar para além da chamada “falsa renovação” que apenas dá nova roupagem a antigas e obsoletas práticas, com a incorporação superficial de diferentes linguagens. Entende-se, assim, que a história escolar deve favorecer a que os estudantes analisem diferentes situações históricas em seus aspectos espaço-temporais e conceituais, promovendo diversos tipos de relações, pelas quais seja possível estabelecer diferenças e semelhanças entre os contextos; identificar rupturas e continuidades no movimento histórico e, principalmente, situar-se como sujeito da história, porque a compreende e nela intervém (BRASIL, 2013, p. 51)

Em linhas gerais, o Edital redimensiona a importância da análise dos saberes

enunciados nos livros didáticos. Meios de comunicação poderosos, os livros didáticos

são posicionados enquanto instrumentos cuja comunicação é considerada produtiva

para a construção de valores democráticos e de cidadania. Nesse sentido, a

participação do espaço escolar, em especial no Edital do PNLD/2015, também é uma

dimensão que passa a ser considerada na construção e reposicionamento dos papeis

sociais dos “sujeitos da educação”.

A exemplo do Edital, o Guia do PNLD/2015 teceu considerações sobre o Ensino

Médio, seu público e o ensino de história. Endereçada ao “Caro(a) professor(a)”, a

publicação visou, por meio de resenhas das coleções didáticas selecionadas pelo

edital, auxiliar as/os profissionais da educação pública a escolher dentre essas obras.

Chamou a atenção o reconhecimento, por parte do texto, do potencial comunicativo

dos livros didáticos de História para a: “[...] superação do preconceito étnico, racial,

regional e de gênero [...] introduzindo novas temáticas e abordagens historiográficas”

(BRASIL, 2014, p. 10).

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Diferentemente do Edital, entretanto, o Guia, ao apresentar os critérios comuns

e específicos da avaliação das coleções, não especificou a necessidade do trato das

relações de gênero no texto (BRASIL, 2014, p. 11):

Imagem 4 – Critérios eliminatórios comuns do PNLD 2015

Fonte: BRASIL, 2014, p. 11.

Imagem 5 – Síntese dos critérios específicos da avaliação dos livros didáticos de História do

Ensino Médio. Fonte: BRASIL, 2014, p. 12.

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Embora as relações de gênero configurem objeto de atenção nos critérios

avaliativos do Edital, o Guia, ao apresentar uma visão sintética dos preceitos

avaliativos, não visibilizou o debate. Cumpre notar, entretanto, que as questões de

gênero constituíram a “Ficha de avaliação pedagógica”, presente ao final do Guia.

Tendo em vista os interesses desta análise, destacamos o tópico “Formação cidadã”,

especificamente nos itens “Respeito aos princípios éticos” e “Ações positivas à

cidadania e ao convívio social”:

Imagem 6 – Ficha de avaliação dos livros impressos PNLD 2015 (adaptado).

Fonte: BRASIL, 2014, p. 134.

Embora a ficha não apresente os conceitos adotados na sua

instrumentalização, destacamos, em relação ao Catálogo do PNLEM/2008, a

problematização quanto às relações de gênero e sexualidade. Indo além da

identificação dos critérios adotados na avaliação, a ficha apresentou o compromisso

de combate ao sexismo e homofobia, enquanto elementos da cidadania e convívio

social.

Salientamos, entretanto, a necessária problematização do “reforço da

visibilidade”, presente no último item das “Ações positivas à cidadania e ao convívio

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social”. “Reforçar a visibilidade” não significa, necessariamente, a valorização e o

respeito às diferenças. É possível continuar reforçando a visibilidade reinscrevendo

posições subalternas nas quais masculinidades e feminilidades foram inscritas.

Para analisarmos a “situação comunicativa” na qual os livros didáticos de

História foram introduzidos, partindo das normatizações previstas nos Editais e Guias

analisados, indagamos: quais foram as escolhas operadas pelos produtores dos

textos didáticos selecionados? Considerando esses impressos produtivos na

veiculação de determinados saberes e nos processos de subjetivação no âmbito da

vivência escolar, de que formas contribuem para a produção de “posições de sujeito”

generificadas?

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4 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: (RE)FAZENDO O GÊNERO NOS

SABERES SOBRE O SÉCULO XIX

Neste capítulo, desenvolvemos nossas observações e análises sobre

concepções de masculinidades e/ou feminilidades inscritas em livros didáticos de

História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Enquanto fontes principais,

definimos duas edições distintas da obra “História Global – Brasil e Geral”: a edição

volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em 2005; e a coleção

didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/2015.

Objetivando o diálogo entre os livros didáticos e a produção historiográfica,

centramos nossa atenção nas relações de gênero expressas nos contextos de

“endereçamento” de três “personagens” da história do Brasil: Pedro de Alcântara,

nomeado D. Pedro II durante o Segundo Reinado (1840-1889); D. Isabel, princesa

imperial do Brasil; e a República, em sua representação feminina, presente nas

narrativas sobre a história do Brasil no final do século XIX. Investigamos

especificamente os capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império”

(“O fim do Império, edição 2013) e “A instituição da República”, presentes nas edições

selecionadas.

Não nos propusemos a realizar uma análise de conteúdo, no sentido estrito,

considerando regras específicas de identificação, contagem e classificação dos

elementos da composição. Nos interessou analisar a produção e comunicação de

enunciados de gênero, por meio da “cenografia” das diferentes edições, destacando

rupturas e continuidades nos significados estabelecidos para as posições de sujeito

enunciadas.

Partindo das reflexões de Scott (1994, p. 19) sobre a produção do

conhecimento histórico, estivemos atentos a “como os significados subjetivos e

coletivos de homens e mulheres, como categorias de identidade, foram construídos”.

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4.1 “Caro aluno”: apresentação e estruturação das obras selecionadas

4.1.1 Edição 2005

Volume único publicado em 2005, “História Global– Brasil e Geral” compôs a

edição 2008 do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

(PNLEM/2008), voltada ao triênio 2009, 2010 e 2011.

Este impresso “abre-se” para o(a) leitor(a) por meio de uma “carta de abertura”,

endereçada ao “aluno” e assinada pelo autor. Trata-se da primeira cena após as

capas. Inspirados por Luciano Magnoni Tocaia (2015), compreendemos a “carta”

enquanto indício das motivações que orientaram a composição da obra apresentada.

Visando a observação e análise dessa comunicação, esquadrinhamos em nossa

leitura: os conteúdos temáticos, objetivos de formação e os “sentidos de leitura”

enunciados pela “carta”.

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Imagem 7 – “Carta de abertura”, edição de 2005 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado).

Fonte: COTRIM, 2005.

Consideramos que a mobilização do gênero textual carta buscou produzir um

“efeito de cumplicidade” (TOCAIA, 2005, p. 140): endereçada ao “caro aluno”–

instaurando o público imaginado através de um “masculino genérico” (VIANNA;

UNBEHAUM, 2004), discutido anteriormente–, a comunicação configurou o primeiro

contato entre o enunciador e enunciatário.

CO

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Operando enquanto recurso persuasivo, a “carta”, em linguagem direta,

anunciou os objetivos que constituíram o tema de sua comunicação: o livro didático

de História. Partindo da listagem dos conteúdos constituintes de uma “visão global da

história do Ocidente, incluindo a história do Brasil”, o remetente expressou as

expectativas e objetivos para a obra em questão: “refletir sobre o fazer histórico e dele

participar ativamente”; “estabelecer [...] a relação entre o passado e o presente”;

“ampliar a consciência do que fomos para transformar o que somos”.

O caráter categórico dessa “visão global” divergiu, entretanto, dos “sentidos de

leitura” sugeridos pelo remetente para o livro didático. Ao identificar a obra enquanto

“seleção de temas e interpretações” cujo conteúdo deve ser “discutido, ampliado,

questionado”, consideramos que a “carta” apresenta haver uma aparente contradição

entre a pretensão positiva e totalizante da obra– potencializada em articulação aos

objetivos estabelecidos para a publicação– e as possibilidades de contestação,

incompletude e desacordo reconhecidas.

Nessa perspectiva, a estratégia reiterativa no encerramento da “carta”

demonstrou uma contradição. Após a assinatura do remetente, identificado pela

função social “o autor”, seguiu a citação de Edgar Morin. Retomando, e

reestabelecendo, uma “visão global” associada a história ocidental, a citação pareceu

sintetizar o sentido e a motivação da obra anunciada:

Existe uma civilização mundial, saída da civilização ocidental, que desenvolve o jogo interativo da ciência, da técnica, da indústria e do capitalismo e que comporta um certo número de valores padronizados. Ao mesmo tempo em que compartilha múltiplas culturas em seu seio, uma sociedade também gera uma cultura própria (COTRIM, 2005).

Sob a perspectiva das relações de gênero, discutiremos os possíveis efeitos de

sentido anunciados para a composição, atentando às escolhas operadas e

“endereçadas” na construção de uma “visão global” quanto as concepções de

masculinidades e feminilidades no conhecimento histórico escolar.

Na sequência da “carta de abertura”, o livro didático apresentou sua

estruturação. Desenvolvida em quinze unidades, a obra foi distribuída ao longo de

cinquenta e sete capítulos, seguidos de uma síntese cronológica dos conteúdos

abordados e da relação das referências bibliográficas. Compreendidos, em nossa

análise, enquanto indícios da estrutura de “endereçamento” da comunicação,

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utilizaremos os conceitos mobilizados na obra para identificação dos componentes

que estruturaram a “cenografia” do livro didático.

Segundo Cotrim (2005), falando com o seu “leitor”, a abertura de cada unidade

(contendo três subitens) foi estruturada da seguinte maneira: subitem “Imagem”, cujas

escolhas iconográficas relacionaram-se a “um dos temas tratados na unidade”; o

subitem intitulado “Epígrafe”, no qual ocorreu a exposição (textual) de “um

pensamento ligado ao conteúdo da unidade”; e o subitem chamado “Investigando”, no

qual são apresentadas “questões que lhe possibilitam verificar seus conhecimentos

prévios a respeito do que será tratado nos capítulos [...]”.

Os capítulos tiveram suas estruturas (de endereçamento, na nossa

perspectiva) organizadas nas seções: Lead, “pequeno texto que comenta o conteúdo

do capítulo e apresenta uma problematização como ‘chave’ para o seu estudo”; “Texto

principal”, espaço de desenvolvimento dos “principais aspectos do processo histórico

em estudo”; “Quadros laterais”, “pequenas notas explicativas dos termos destacados

na página”; “Mapas e fotos”, “que ilustram e/ou complementam aspectos do conteúdo

estudado [...] acompanhados de atividades que o auxiliarão [o sujeito endereçado] na

leitura da imagem”; a seção “monitorando”, “distribuída em vários momentos do

capítulo, com questões que o auxiliarão a analisar e interpretar o conteúdo estudado”;

“oficina de História”, “seção no final do capítulo, com questões orientadas para o

desenvolvimento de atitudes de solidariedade e cidadania, a percepção de mudanças

e permanências históricas, a relação entre o passado e o presente [...]”; box “com

textos do autor ou reproduções de documentos históricos e de produção

historiográfica”; “Para Saber Mais”, “com sugestões de livros e vídeos [...]” e a seção

“Vestibulares”, constituída por “questões de exames vestibulares”.

Considerando os interesses específicos desta pesquisa, constatamos que o

século XIX é o único a ocupar duas unidades inteiras: “O mundo no século XIX” e “O

Brasil no século XIX”, compostas por onze capítulos. Objetivando uma análise das

relações de gênero impressas nas duas edições selecionadas, direcionamos nossa

atenção aos capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império” (“O fim

do Império, edição 2013) e “A instituição da República”.

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4.1.2 Edição 2013

Passamos à edição de 2013, selecionada pelo Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD/2015) para o triênio 2015, 2016 e 2017. A obra é composta por uma

coleção de três volumes correspondentes aos três anos do Ensino Médio brasileiro. A

exemplo da edição anterior, partimos da “carta de abertura”, comum aos três volumes:

Imagem 8 – “Carta de abertura”, edição de 2013 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado).

Fonte: COTRIM, 2013.

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O tom ponderado da tradicional comunicação ao “aluno” mereceu destaque. Ao

modificar o sentido atribuído aos conteúdos que compõem a obra anunciada– de uma

“visão global da história do Ocidente, incluindo a história do Brasil” (COTRIM, 2005),

para “[...] uma visão ampla de alguns conteúdos históricos gerais, incluindo aqueles

sobre a história do Brasil”–, consideramos que a comunicação atenuou o discurso

“globalizante” presente na edição anterior.

Quanto à estrutura, cada um dos três volumes da coleção organizou

cronologicamente seus “conteúdos” em quatro unidades. A abertura de cada unidade

introduziu uma “imagem-síntese dos assuntos tratados”, seguida de legendas e da

seção “Conversando”, tendo por objetivo uma reflexão quanto aos temas

apresentados. A introdução de cada capítulo seguiu a mesma estrutura,

acompanhada de um texto-síntese e de uma imagem utilizada para análise

documental nas seções “Treinando o olhar”. Acompanhando o texto principal, a obra

mobilizou uma série de caixas de texto (seções “Em questão” e “Documento”),

imagens (seção “Saiba mais” e “Observando”), exercícios e reflexões relacionados

(“Oficina de História”, “Vivenciar e refletir”, “Diálogo interdisciplinar”, “De olho na

universidade” e “Para saber mais”). As indicações dessas seções parecem

endereçadas aos professores e professoras, oferecendo um mapeamento de

atividades e leituras possíveis.

Consideramos que, em termos de apresentação e estruturação, o impresso

desestabilizou o aparente caráter categórico destacado na edição anterior. Investindo

em seções voltadas à problematização e interpretação dos conteúdos dos capítulos e

unidades, a obra anunciou o caráter interpretativo e “construído” dos conhecimentos

históricos “endereçados”. Tendo em vista as relações de gênero, investigamos os

efeitos de sentido dessa abordagem na produção de um conhecimento histórico

escolar acerca das masculinidades e feminilidades.

Seguindo a cronologia estabelecida pela coleção, o segundo volume mereceu

destaque pela preponderância de temáticas ligadas a abordagem do século XIX no

mundo ocidental: duas unidades, “Do liberalismo ao imperialismo” e “Brasil Império”,

dez capítulos dos vinte e dois disponíveis no volume. Voltado majoritariamente ao

século XX e XXI, o volume seguinte da coleção dedicou poucas considerações,

concentradas nas duas primeiras unidades, às temáticas do volume anterior.

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A exemplo da análise realizada na edição de 2005, centraremos nossas

observações nos mesmos três capítulos, dessa vez distribuídos, entre o segundo

volume (dois capítulos) e o terceiro volume (um capítulo) das edições selecionadas.

4.2 O Segundo Reinado (1840-1889)

4.2.1 Edição 2005

Nesta seção, centramos nossas observações e análises no capítulo “Segundo

Reinado (1840-1889)”. Considerando a “cenografia” dessa composição– mecanismo

de comunicação que envolve a narrativa, sua apresentação e as atividades–,

estruturamos um “quadro composicional” do capítulo (Quadro 4). Observando a

seleção e ordenamento dos dados, buscamos investigar os possíveis efeitos de

sentido da composição, atentando às estratégias de “endereçamento” de uma

comunicação atravessada por concepções de masculinidades e/ou feminilidades

atuantes nas disputas pelas representações de gênero.

Capítulo

Composição hierárquica

Referências:

“texto principal”

Referências:

boxes

Número

de atividades

Número

de boxes

Número

de imagens

41

1. Jogo Político– Pedro de Alcântara torna-se imperador; 1. 2 Disputas entre liberais e conservadores; 1. 3 Violência e fraudes nas eleições; 1. 4 Parlamentarismo no Brasil; 2. Praieira– A revolta liberal pernambucana; 2. 1 Eclosão do conflito; 2. 2 Fim da revolta; 3. Modernização– Transformações socioeconômicas; 3.1 Café: novo “ouro” brasileiro; 3. 2 O poder dos cafeicultores 3. 3 Os primeiros imigrantes;

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial/ Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, UFRJ/Relume-Dumará, 1996, p. 374. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 181. RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio. In: Revista Civilização Brasileira, n.

DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1858). São Paulo, Livraria Martins/Edusp, 1972, p. 206. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida privada e ordem privada no império. In: NOVAIS, Fernando A. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. v. 2. p. 24 -25, 28-29.

08

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3. 4 Crescimento industrial; 3. 5 Fim do tráfico negreiro internacional; 3. 6 Aumento das taxas de importação; 3. 7 Lei de Terras (1850);

1, julho 1978, p. 15-16.

Quadro 4 – Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, edição de 2005.

Além da observação dos componentes que estruturaram a narrativa, a

montagem deste quadro possibilitou visibilizar a pluralidade de conteúdos históricos

abordados e os referenciais historiográficos que orientaram a composição.

Considerando tal pluralidade, salientamos que uma análise pormenorizada de todas

as temáticas constituintes dos capítulos selecionados escapou aos objetivos desta

pesquisa.

Tendo em vista a estrutura composicional do capítulo, nossa análise partiu de

sua “abertura”. Elemento estratégico no “endereçamento” dos conteúdos a serem

comunicados, a abertura concentrou componentes cenográficos que mereceram

destaque: lead, “texto principal” e imagem.

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Imagem 9 – Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 384.

Introduzindo o capítulo, o lead– atrelando a imagem do monarca a estabilidade

do Estado– pareceu imprimir o sentido do texto: uma narrativa dos interesses de elites

comprometidas em “[...] preservar a unidade política do país, manter a união das

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províncias e garantir a ordem social” (COTRIM, 2005, p. 384). Reiterando a relevância

das “tarefas” anunciadas, as questões “chave” buscaram direcionar a leitura para os

aspectos políticos, sociais e econômicos que marcaram o período descrito.

Os “valores de relevância” antecipados no lead constituíram ainda o tópico

“Jogo Político– Pedro de Alcântara torna-se imperador”. Além do desenvolvimento do

discurso das expectativas dos “grupos dominantes” quanto a coroação de D. Pedro II,

mereceu destaque o caráter “viril” transferido ao jovem governo (e governante), cuja

autoridade pareceu realçada na mobilização de expressões como “liquidar” e

“submeter”.

Em diálogo com Alain Corbin (2012), compreendemos “virilidade” não enquanto

simples sinônimo de masculinidade– termo, segundo o autor, pouco utilizado no

século XIX. Correspondendo a um conjunto de qualidades morais, a virilidade “[...] se

identifica com a grandeza– noção essencial–, com a superioridade, a honra, a força–

enquanto virtude–, com o autodomínio, no sentido de sacrifício, com o saber-morrer

por seus valores” (CORBIN, 2012, p. 9).

Constituindo a “cenografia” da página, destacamos a imagem atribuída a

Debret, que retrata a aclamação de D. Pedro II31:

Imagem 10 – “Aclamação de D. Pedro II, segundo imperador do Brasil” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2005, p. 384.

31DEBRET, Jean-Baptiste. Acclamation de D. Pedro II. à Rio de Janeiro le 7 Avril, 1831. Paris, 1839. 1 gravura. Disponível em:< http://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/20006/acclamation-de-d-pedro-ii-a-rio-de-janeiro-le-7-avril-1831>. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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Embora não dialogando explicitamente com a narrativa, consideramos que a

imagem compôs o discurso da expectativa quanto ao governo do jovem imperador.

“Apresentando” a aclamação, em 1831, de Pedro de Alcântara aos 5 anos de idade,

destacamos a legenda:

Aclamação de D. Pedro II, segundo imperador do Brasil. Esta aclamação a Pedro de Alcântara, retratada por Debret, ocorreu em 7 de abril de 1831, depois de D. Pedro I ter abdicado do trono. Nessa época, Pedro de Alcântara tinha 5 anos de idade (COTRIM, 2005, p. 384).

Compondo a Missão Artística Francesa, chegada ao Rio de Janeiro em março

de 1816, o desenhista, pintor, decorador e cenógrafo Jean-Baptiste Debret (1768-

1848), foi o primeiro artista a realizar um conjunto de obras voltadas à representação

da corte portuguesa em território brasileiro (DIAS, 2006, p. 243).

Quanto ao quadro em questão, por ocasião da transferência do poder

monárquico após a abdicação de D. Pedro I, em 1831, a não problematização da

imagem, além da ausência da identificação do ano de sua produção, de 1834,

mereceu destaque. Acompanhando a imagem, a legenda conferiu um caráter

“objetivo” e “verdadeiro” à obra, suprimindo o aspecto “idealizado e celebrativo”

(SCHWARCZ, 1999, p. 51) implicado na construção simbólica da figura do pequeno

monarca– “inventado” sobre uma pequena bancada, vestindo verde e observando a

multidão que o aclamava (A01). Investigando os aspectos privilegiados na construção

da figura pública de D. Pedro II, Lilia Moritz Schwarcz (1999, p. 64) destacou:

Com efeito, as imagens constroem um príncipe diferente do antigo monarca d. Pedro I, quase seu anti-retrato: responsável já quando pequeno, pacato e educado. Não se esperava do futuro monarca os mesmos arroubos do pai, tampouco “a má imagem” de aventureiro, da qual d. Pedro I não pôde se desvincular. O novo imperador era um mito antes de ser realidade: seria justo mesmo se não o fosse, culto mesmo sem inteligência criativa, de moral elevada mesmo tendo amantes.

Quanto ao texto principal, a narrativa seguiu centrada nas ações do Estado,

entre os anos de 1840 e 1850. Partimos de uma descrição dos distintos grupos

políticos que acompanharam o novo governo, divididos entre o Partido Conservador

e Liberal, mas assemelhados em suas práticas políticas; seguidas da descrição dos

violentos processos eleitorais, as “eleições do cacete”; e da montagem dos órgãos de

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Estado, marcadas pela alternância restrita dos grupos políticos dominantes (COTRIM,

2005, p. 386). Nesta composição, o texto dialogou com José Murilo de Carvalho (1996)

e Boris Fausto (1995) para a descrição dos grupos políticos e das dinâmicas eleitorais.

Chamou a atenção um discurso de naturalização da violência na composição

do “jogo político”. Além da narrativa da “homogeneidade interna” da política imperial

(SCHWARCZ, 1999, p. 122), seguiu uma descrição da ação de capangas, tropas e

lideranças liberais e conservadoras– apontando um cenário de poucas mudanças

futuras: “Violência e fraude não ocorreram apenas nas eleições de 13 de outubro de

1840. Muitas outras eleições posteriores foram marcadas por fraudes e ‘cacetadas’”

(COTRIM, 2005, p. 386).

O tópico seguinte, “Praieira– A revolta liberal pernambucana”, conservou um

sentido bélico na narrativa. Apresentada como um evento resultante das divergências

entre os membros do Partido da Praia– dissidência liberal pernambucana dos grupos

políticos dominantes– e as indicações conservadoras para a presidência da província,

o desfecho da revolta expressou, segundo a narrativa, o fim do “[...] ciclo de revoltas

populares que acompanharam e sucederam o movimento de independência do Brasil”

(COTRIM, 2005, p. 387).

Salientamos a abordagem “reiterativa” no tratamento do “texto principal”.

Embora voltada a temáticas distintas, a narrativa seguiu restrita à atuação de grupos

políticos específicos, cujos interesses e expectativas orientaram toda a abordagem.

Compondo a cenografia, as atividades da seção “Monitorando” constituíram esta

estratégia:

Lista de atividades 1.Havia profundas diferenças ideológicas entre o Partido Liberal e o Partido Conservador no

Segundo Reinado? Quem eram seus representantes e o que defendiam? (COTRIM, 2005, p. 387)

2.Elabore um quadro-resumo da Revolução Praieira, mencionando: a) as causas; b) o período em que ocorreu; c) o grupo político envolvido; d) os objetivos dos revoltosos; e) o fim

da revolta. (COTRIM, 2005, p. 387)

Quadro 5 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.

Chegando ao tópico “Modernização– Transformações socioeconômicas” o

“texto principal” passou a explorar as transformações econômicas do Segundo

Reinado. Centrado na produção cafeeira do período, “Café: o novo ‘ouro’ brasileiro”

destacou a emergência de novos centros político-econômicos– as fazendas de café

da província de São Paulo– e a introdução da mão-de-obra imigrante europeia

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(COTRIM, 2005, p. 388). Destacada na “cenografia” da página, seguiu uma imagem

datada de 1875:

Imagem 11 – Tópico “Modernização– Transformações socioeconômicas” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 388.

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Seguida da legenda “A mão-de-obra escrava foi aproveitada para a produção

de café. Negros secando café na fazenda Quititi, Rio de Janeiro, 1875– fotografia de

Marc Ferrez” (COTRIM, 2005, p. 388), a imagem mereceu destaque32:

Imagem 12 – “Negros secando café na fazenda Quititi” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2005, p. 388.

Segundo Mariana de Aguiar Ferreira Muaze (2017, p. 36), a fotografia, invenção

francesa do final de 1830, foi difundida no cenário brasileiro do século XIX

essencialmente em duas modalidades: “os retratos, utilizados como meio de distinção

social pelos membros da classe dominante, e as vistas ou paisagens que auxiliavam

na elaboração de uma imagem da nação brasileira a ser projetada nos quadros da

cultura ocidental”.

As fotografias de vistas ou paisagem foram endereçados a um público amplo,

circulando, tanto em exposições, quanto como suvenires, disponíveis em lojas

especializadas. Nesse contexto, o franco-brasileiro Marc Ferrez (1843-1923) foi um

dos profissionais mais dedicados às “vistas e paisagens” brasileiras do século XIX,

32 LEUZINGER, Georges. Fazenda de Quititi. Rio de Janeiro, 1865. 1 fotografia. Disponível em: < http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/bras/2311 >. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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atendendo a uma nova modalidade de consumo da sociedade oitocentista: a fotografia

voltada ao mercado turístico (MUAZE, 2017, p. 38).

Reconhecido internacionalmente, o fotógrafo chamou a atenção dos grupos

produtores de café. Intencionando compor uma imagem nacional e internacional das

fazendas, os senhores de escravos do Vale do Paraíba chegaram, já em 1878, a

patrocinar exposições internacionais através do Centro da Lavoura e do Comércio

(CLC). Num momento histórico ameaçado pelo debate abolicionista, no qual as

contestações econômicas e sociais cresciam, suas fotografias das paisagens do café

cumpriram uma função específica como “representação conciliatória”:

Ferrez construiu imagens de uma escravidão “sem coerção”, “apaziguada”, “ordenada”, ou mesmo mimetizada com outros tipos de relação de trabalho livre como a parceria e o colonato, vivenciadas por imigrantes europeus em diversas áreas rurais do país [...]. Ao fim e ao cabo, suas imagens projetavam um futuro, um horizonte de expectativas, em que as tensões próprias da sociedade escravista estavam ausentes das fotos (MUAZE, 2017, p. 44).

Informando sobre determinada maneira “[...] de ver e de dar a ver a escravidão”

(MUAZE, 2017, p. 35), consideramos a imagem um importante elemento na

“cenografia” da página. Embora ausente nas considerações do “texto principal”–

característica recorrente na composição–, a imagem atuou no reforço de uma

narrativa centrada no reconhecimento da importância econômica do café, cujos lucros

“[...] possibilitaram a recuperação econômica do Brasil, que tinha suas finanças

abaladas desde o período da independência [...]” (COTRIM, 2005, p. 389).

Destacamos na fotografia a criança branca (C03), dividindo os primeiros planos

com homens, mulheres e crianças escravizadas (C02; C03). Retratando o possível

herdeiro da fazenda, consideramos que a imagem, como salientado por Muaze

(2017), “projetou um futuro”, a continuidade de relações de poder ancoradas na

escravidão e na autoridade atrelada a determinada masculinidade, atravessada por

questões de classe e raciais.

A autoridade anunciada pela masculinidade infantil do herdeiro pode ser lida

ainda na assimetria em relação a masculinidade dos homens escravizados (C02).

Como destacado pelo sociólogo Michel S. Kimmel (1998), no século XIX, marcadores

sociais como gênero, raça, etnicidade e sexualidade, por exemplo, despontam

enquanto elementos constitutivos na construção social de masculinidades

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“hegemônicas” e “subalternas” (KIMMEL, 1998, p. 105). Nessa perspectiva,

salientamos a reflexão de Marcus Carvalho (2003, p. 47) sobre a escravidão enquanto

“emasculação simbólica do homem”:

Seguindo uma tradição historiográfica bastante extensa [...] a escravização pode implicar na emasculação social do homem, submetendo-o a uma dupla humilhação: a do trabalho forçado e a de exercer trabalho feminino, como era o caso da agricultura e dos trabalhos domésticos para os bantus [...].

Destacamos ainda que a distância da criança branca em relação a mulher

branca ao fundo da imagem (C01), possivelmente sua progenitora, não é isenta de

significação. Em oposição a criança– representada entre suas “posses”, projetando

uma imagem de continuidade das relações de poder, reforçada na figura das crianças

negras com as quais divide os primeiros planos da imagem (C02, C03)–, a mulher

branca ocupa o fundo da imagem, próxima a casa, reinscrevendo às distâncias da

tradicional dicotomia público/privado.

Voltando ao “texto principal”, a problematização das relações sociais marcadas

pelo signo da escravidão escapou aos breves tópicos finais. Os temas “Fim do tráfico

negreiro internacional” (dedicado a Lei Eusébio de Queirós, de 1850); “Aumento das

taxas de importação” (dedicado a tarifa Alves Branco, de 1844); e “Lei de Terras

(1850)”; apresentaram, objetivamente, uma narrativa das questões econômicas e das

ações do Estado, em detrimento às dinâmicas sociais que atravessaram o período.

As atividades finais, a exemplo das anteriores, reforçaram essa centralidade:

Lista de atividades 1. Explique os fatores internos que favoreceram a expansão cafeeira no século XIX.

(COTRIM, 2005, p. 390) 2. Comente a importância dos cafeicultores na sociedade brasileira do século XIX.

(COTRIM, 2005, p. 390) 1. Mencione as principais transformações econômicas ocorridas no Brasil na segunda

metade do século XIX. (COTRIM, 2005, p. 392)

2. Explique por que, apesar dessas transformações, a população urbana não tinha papel importante na política do país.

(COTRIM, 2005, p. 387) 3. O que estabeleceu a Lei Eusébio de Queirós? (COTRIM, 2005, p. 387)

4. Cite os principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento industrial brasileiro no século XIX.

(COTRIM, 2005, p. 387) Quadro 6 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.

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Embora o tratamento das relações de gênero não tenha figurado enquanto

objetivo do capítulo, buscamos observar em que medida a composição reproduz e

atualiza definições normativas de gênero no período histórico retratado. Partindo do

centramento do “texto principal” nas ações dos grupos políticos atrelados ao poder

durante o Segundo Reinado brasileiro, voltamos nossa atenção ao que denominamos

“masculinidades agentes”– personagens cuja atuação informa sobre as dinâmicas

sociais inscritas nessa narrativa histórica escolar.

Tal centralidade nas atuações de uma determinada masculinidade não

significou, entretanto, a ausência das “outras” masculinidades e das feminilidades na

composição. Presentes na “cenografia” do capítulo, notadamente na Imagem 12,

“Negros secando café na fazenda Quititi”, consideramos que a apresentação não

problematizada dessas “outras” personagens naturaliza, na cenografia, as assimetrias

de poder historicamente situadas.

Tomadas enquanto “dado” histórico, indigno das considerações do “texto

principal” e das atividades que o retomam, as “masculinidades agentes”, identificadas

ao poder, foram contraponteadas às masculinidades e feminilidades “subalternas” dos

sujeitos submetidos à escravidão– aparente “dado” do período histórico retratado– e

as feminilidades brancas, “naturalmente” afastadas da centralidade e do poder (e da

história).

4.2.2 Edição 2013

A exemplo da abordagem anterior, voltamos nossa atenção para a composição

do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, presente na edição de 2013. Distribuindo

os tópicos abordados no capítulo em questão no Quadro 7, salientamos a aparente

estabilidade nos tópicos que estruturaram a narrativa do “texto principal”:

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Capítulo

Composição Hierárquica

Referências:

“texto principal”

Referências:

boxes

Número

de atividades

Número

de boxes

Número

de imagens

21

1. Política interna– o jogo político entre liberais e conservadores; 1. 2 Liberais e conservadores 1. 3 Diferenças e semelhanças 1. 4 Governo de D. Pedro II; 1. 5 Eleições do cacete; 1. 6 Revolta liberal; 1. 7 Instituição do parlamentarismo; 1. 8 Predomínio conservador; 2. Praieira– A revolta liberal pernambucana; 2. 1 Antecedentes gerais 2. 2 Formação do Partido da Praia; 2. 3 Eclosão do conflito; 2. 4 Repressão e alcances; 3. Modernização– o impacto das transformações econômicas; 3. 1 Café: a nova riqueza; 3. 2. Novo centro político-econômico; 3. 3 Primeiros imigrantes; 3. 4 Fim do tráfico negreiro internacional; 3. 5 Lei de Terras (1850); 3. 6 Crescimento industrial; 3. 7 Tarifa Alves Branco; 3. 8 Alcances e limites das transformações.

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial/ Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, UFRJ/Relume-Dumará, 1996, p. 374. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 181. RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio. In: Revista Civilização Brasileira, n. 1, julho 1978, p. 15-16.

DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1858). São Paulo, Livraria Martins/Edusp, 1972, p. 206. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida privada e ordem privada no império. In: NOVAIS, Fernando A. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. v. 2. p. 24 -25, 28-29.

09

04

07

Quadro 7 – Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”

Embora os tópicos tenham se mantido estáveis, percebemos um investimento

na “cenografia” do capítulo. Partindo da observação da “abertura”, consideramos que

a mobilização de outras estratégias de “endereçamento” dos conteúdos históricos

ofereceu indícios sobre os “valores de relevância” dessa composição:

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Imagem 13 – Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 251.

Embora preserve a abordagem já consagrada na edição anterior, salientamos

a reformulação do lead. Reestabelecendo, de maneira objetiva, o privilégio de uma

“visão dos grupos dirigentes”, consideramos que a substituição do significante “elite”,

utilizado anteriormente, por “dirigentes” contribuiu para “atenuar” a identificação

“categórica” de determinado grupo social através da imprecisão da nova designação.

Buscamos refletir em que medida essas reformulações expressaram, no decorrer do

capítulo, modificações no sentido dos “valores de relevância” do texto.

LEA

D 1

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M E

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LEA

D 2

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Acompanhando o lead, ganhou destaque uma reprodução da imagem,

atribuída a Manuel de Araújo Porto-Alegre, em 1840, “Sagração de D. Pedro II”33:

Imagem 14 – “Sagração de D. Pedro II” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 251.

Acompanhada da legenda “Sagração de D. Pedro II. Óleo sobre tela de Manuel

de Araújo Porto-Alegre, obra produzida aproximadamente em 1840” (COTRIM, 2013,

p. 251), consideramos que a imagem constitui um importante elemento cenográfico

de abertura. Segundo Schwarcz (1999, p. 74), elaborada em 1843, e assinada por

Manuel de Araújo Porto-Alegre, futuro barão de Santo Ângelo, a obra buscou a criação

de uma determinada memória da sagração do jovem monarca, então com 15 anos,

em 1841.

Coberto por um manto em veludo verde, forrado em cetim amarelo– lembrando

as cores de Habsburgo e Bragança–, além do cetro, espada e coroa, o imperador

(B02), sagrado e coroado, ostenta os principais símbolos de poder monárquico.

Compondo o cenário, cujo arquiteto também foi o autor dessa obra, a riqueza de

33PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. Estudo para a sagração de Dom Pedro II. 1841. 1 gravura. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Manuel_de_Ara%C3%BAjo_Porto-alegre_-_estudo_para_a_sagra%C3%A7%C3%A3o_de_Dom_Pedro_II_-_c._1840.jpg >. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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detalhes ocupou metade da pintura. Acima da multidão, D. Francisca e D. Januária

(A01), irmãs do imperador, parecem acompanhar o ritual.

Sob a perspectiva das relações de gênero, consideramos que a imagem

estabeleceu uma oposição na visibilização de D. Francisca e D. Januária (A01).

Concentrando a cena política na parte inferior (B01; B02), a composição pareceu

estabelecer as irmãs do imperador como parte da “cenografia” da sagração.

Diferentemente da imagem inventada do jovem imperador, ornamentado com os

símbolos de poder monárquico (B02), as figuras femininas constituem componentes

do cenário arquitetado por Manuel de Araújo Porto-Alegre, apartadas do ritual político

(e masculino) tema da pintura.

Acompanhando a imagem, mereceu destaque a seção “Treinando o olhar”.

Convidando a formulação de hipóteses quanto a imagem, consideramos que essa

abordagem, diferentemente da desenvolvida na edição anterior, possibilitou o

questionamento da imagem enquanto um artefato historicamente situado– não

enquanto expressão de um “fato” sobre determinado momento histórico. Foi possível,

por exemplo, formular hipóteses quanto às razões do desagrado do jovem imperador

em relação à obra referida.

Ao centrarmos nossa análise no “texto principal” do capítulo, entretanto,

destacamos a permanência dos objetos de atenção já desenvolvidos na edição

anterior. Nessa perspectiva, consideramos que a composição expressou em sua

“cenografia” os principais elementos de renovação. Buscando investigar as

estratégias de “endereçamento” desenvolvidas no capítulo, apresentamos a primeira

página da composição:

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Imagem 15 – Primeira página do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 252.

A exemplo da edição anterior, o primeiro parágrafo buscou “endereçar”

determinada leitura dos conteúdos históricos. Articulada a uma determinada visão a

respeito dos “grupos dirigentes”, a “cenografia” do capítulo “endereçou” a

comunicação do “texto principal” através do “quadro síntese”, reunindo os elementos

de destaque da abordagem já consagrada na edição anterior. Outros indícios da

estabilidade desta composição foram observados nas seções “Compreendendo”,

constituídas de atividades atentas aos objetos da narrativa:

PA

GR

AF

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ÍNT

ES

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Lista de atividades 1.É possível dizer que havia diferenças ideológicas profundas entre o Partido Liberal e o

Partindo Conservador no Segundo Reinado? (COTRIM, 2013, p. 253)

1. Com relação à Revolta Praieira, identifique: a) as causas; b) o período e o local em que ocorreu; c) o grupo político envolvido; d) os objetivos dos revoltosos; c) como se deu o fim da

revolta. (COTRIM, 2013, p. 255)

1. Explique os fatores externos e internos que favoreceram a expansão cafeeira no Brasil no século XIX.

(COTRIM, 2013, p. 261) 2. Mencione as consequências do grande êxito do café para a sociedade brasileira do

século XIX. (COTRIM, 2013, p. 261)

3. Com base nos dados contidos na tabela da página 258, elabore uma análise sobre o fluxo de importação de escravos desde o período regencial. (COTRIM, 2013, p. 261)

4. Explique o que estabelecia a Lei Eusébio de Queirós e quais foram suas consequências. (COTRIM, 2013, p. 261)

4. O que determinava a Lei de Terras e que dificuldade criou para desconcentração da propriedade da terra em nosso país?

(COTRIM, 2013, p. 261) 6. Cite os principais fatores que contribuíram para o surto industrial brasileiro no século XIX.

(COTRIM, 2013, p. 261) 7. Reflita e analise os alcances e limites das transformações econômicas ocorridas durante o

Segundo Reinado para a sociedade brasileira. Escreva um texto sobre o assunto. (COTRIM, 2013, p. 261)

Quadro 8 – Atividades da seção “Compreendendo”, edição 2013.

Na contramão de uma leitura desejada, investigamos de que maneiras a

composição do capítulo atuou na construção de saberes generificados.

A narrativa foi introduzida, retomando a abordagem já consagrada na edição

anterior, pelas dinâmicas da política interna, objeto dos tópicos “Liberais e

conservadores” e “Governo de D. Pedro II”, seguida pelo tratamento da revolta

Praieira, destacada em “Praieira: a revolta liberal pernambucana”. Neste último tópico,

entretanto, chamou a atenção a mobilização da litografia “Venda em Recife”, datada

de 1835 (portanto, anterior ao conflito iniciado em 1848), e atribuída a Rugendas.

Apresentamos a “cenografia” da página:

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Imagem 16 – Tópico “Praieira– A revolta liberal pernambucana ” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 254.

Posicionada abaixo do “texto principal”, ocupando menor porção da

“cenografia”, a imagem 16 foi seguida da legenda: “Venda em Recife. Litografia

“T

EX

TO

PR

INC

IPA

L”

IMA

GE

M E

LE

GE

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A

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colorida à mão, de Rugendas, datada de 1835. Seu olhar atento captava o cotidiano

de diversos grupos sociais” (COTRIM, 2013, p. 252)34:

Imagem 17 – “Venda em Recife” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 252

Vindo ao Brasil em 1822, acompanhando, como desenhista, o diplomata Georg

Heinrich von Langsdorff, o bávaro Johann Mortiz Rugendas (1802-1858) ficou

conhecido por seus registros de paisagens e costumes, notadamente da população

africana e seus descendentes no Brasil (FREITAS, 2009, p. 31).

Informando sobre os usos dos espaços urbanos no Recife oitocentista,

consideramos a imagem um importante componente cenográfico. Distante do objeto

e dos personagens do “texto principal”, a imagem ofereceu a possibilidade de

questionar as dinâmicas sociais, atravessadas por dinâmicas de gênero e raciais.

Localizadas a frente da venda (B02), mulheres negras aparecem retratadas em

atividades comerciais, distribuídas em todo desenvolvimento da imagem (B01; B02).

Há ainda um indivíduo, talvez um indígena, sugerindo embriaguez, deitado à porta do

estabelecimento (B02). Acima, sugerindo que além do ponto comercial, o prédio

34RUGENDAS, Johann Moritz. Venta a Reziffé. Paris, [1835]. 1 gravura. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon94994/icon94994_151.jpg>. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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comporta uma residência no andar superior, duas mulheres brancas na varanda (A01)

observam os produtos ofertados pela vendedora (B01) no canto esquerdo da imagem.

Como destacado por Maciel Henrique Silva (2005, p. 20), apesar “do certo

despojamento da mulher branca situada na varanda”– contrariando a tradicional

divisão entre o público e o privado, abordagem recorrente na historiografia do

período–, cumpre lembrar que:

Nesses primeiros anos do século XIX, as mulheres brancas ainda não haviam rompido os limites patriarcais que as mantinham reclusas, distantes da rua. Entretanto, as negras misturavam seus pregões aos cantos dos negros carregadores, tão comuns no bairro portuário do Recife, aumentando o burburinho das ruas.

Em linhas gerais, quando observada em relação a publicação anterior, a edição

de 2013 de “História Global– Brasil e Geral” apresentou modificações, em grande

medida, concentradas no investimento em quadros sínteses, voltados ao “texto

principal”, preservado em seus interesses analíticos. Consideramos que essas

modificações na “cenografia” da obra objetivaram estratégias para o “endereçamento”

de uma narrativa.

Constituindo ainda a “cenografia” desenvolvida, as relações de gênero

mereceram destaque. Contrapondo uma narrativa centrada, majoritariamente, nas

ações e interesses dos “grupos dirigentes”– em um contexto de política institucional

vedada a participação das mulheres–, as imagens operaram: ora no reforço de uma

narrativa do poder político masculino correspondente ao Segundo Reinado (como na

Imagem 14: “Sagração de D. Pedro II”), ora como espaço de visibilização de “outras”

masculinidades e feminilidades, cujos saberes não corresponderam aos objetos de

interesse do “texto principal” (como na imagem 17: “Venda em Recife”).

Observando a estabilidade das composições no tratamento das questões

referentes ao Segundo Reinado, questionamos a re-inscrição de uma narrativa

centrada na atuação de grupos específicos. A despeito das possibilidades analíticas

anunciadas na mobilização da imagem “Venda em Recife”– cuja autonomia em

relação ao “texto principal” constituiu um obstáculo na construção do conhecimento

histórico escolar articulado entre texto escrito e imagético–, a narrativa manteve seu

centramento na atuação das “masculinidades agentes”.

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4.3 A crise do império

4.3.1 Edição 2005

Complementar ao capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do

império” abrangeu, cronologicamente, os anos de 1850 a 1889. Indício da pluralidade

de temas históricos correspondentes ao capítulo em questão, apresentamos a

“estrutura composicional” da narrativa no Quadro 9:

Capítulo

Composição Hierárquica

Referências:

“texto principal”

Referências:

boxes

Número

de atividades

Número de boxes

Número

de imagens

42

1. Política Externa– Conflitos internacionais no Segundo Reinado; 1. 2 Questão Christie; 1. 3 Raiz do conflito; 1. 4 Incidentes; 1. 5 Rompimento; 1. 6 Questão platina; 1. 7 Intervenção contra Oribe e Rosas (1851-1852); 1. 8 Guerra contra Aguirre (1864-1865); 1. 9 Guerra do Paraguai (1865-1870) 1. 10 Descontentamento capitalista; 1. 11 A violência do conflito; 1. 12 Efeitos internos da guerra; 2. Abolicionismo– Lutas pelo fim da escravidão; 2. 1 Campanha abolicionista; 2. 2 A população negra depois da abolição; 3. Crise– Condições que levaram à queda da monarquia; 3. 1 A questão dos escravos; 3. 2 O movimento republicano; 3. 3 Conflito com a Igreja;

CHIAVENATO, Júlio José. Genocídio americano: a Guerra do Paraguai. São Paulo, Brasiliense, 1979, p. 104. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 216. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 22. REIS, João José. Nos achamos em campo de tratar da liberdade: a resistência negra no Brasil oitocentista. In: MOTA, Carlos Guilherme. Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000).

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 216. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 22. CARVALHO, José Murilo de. In: Folha de São Paulo, 13 de maio de 1988, p. B 8-9. SANTOS, Jose Rufino dos. Afinal, quem fez a república? São Paulo, FTD, 1989, p. 8-9.

07

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3. 4 Conflito com o exército; 3. 5 Proclamação da república.

Formação, histórias. São Paulo: Editora Senac, 2000, p. 245. KLEIN, Herbert. Tráfico de escravos. In: Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1987, p. 58.

Quadro 9 – Estrutura composicional do capítulo “A crise do império”, edição de 2005.

Visando analisar as concepções de masculinidades e/ou feminilidades

presentes e “endereçadas”, investigamos as estratégias mobilizadas para a

comunicação dos conteúdos históricos. Nessa perspectiva, partimos dos

componentes da abertura do capítulo: o lead e o texto principal.

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Imagem 18 – Abertura do capítulo “A crise do império” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 393.

Relacionando elementos da atual Constituição brasileira aos objetos de

atenção do capítulo, o lead “endereçou” nossa leitura ao debate abolicionista.

Buscando “estabelecer [...] a relação entre o passado e o presente”, como anunciado

na “carta de abertura” da obra, destacamos o fragmento:

LEA

D

“T

EX

TO

PR

INC

IPA

L”

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Esses artigos da Constituição são exemplos de conquistas dos negros e daqueles que defendem uma autêntica democracia nas relações sociais. Durante o Segundo Reinado, foram travadas importantes batalhas visando ao fim da escravidão. Como a abolição, aliada a outros motivos de ordem interna e externa, colaborou para o encerramento do regime monárquico no Brasil? (COTRIM, 2005, p. 393).

Ao analisarmos o “texto principal”, entretanto, a narrativa trilhou outros

caminhos. Diferentemente da abordagem “reiterativa” identificada na “cenografia” do

capítulo anterior– a edição 2005 do capítulo “Segundo Reinado”–, a narrativa foi

voltada, inicialmente, às questões da “Política Externa”. Considerando os objetivos

desta pesquisa, nos dedicamos, brevemente, aos primeiros tópicos da composição.

Iniciando no tópico “Questão Christie”, rompimento diplomático entre o governo

brasileiro e inglês motivado por fatores políticos e econômicos, de 1863 a 1865, cujo

desfecho, segundo o texto, “[...] afirmou a soberania nacional brasileira” (COTRIM,

2005, p. 394); partimos para a “Questão platina”, conjunto de conflitos desencadeados

entre 1851 e 1865, envolvendo a intervenção política e militar contra a República

Oriental do Uruguai e a Argentina, respectivamente; culminando com o tópico “Guerra

do Paraguai (1865-1870)”– onde o autor, em diálogo com a obra “Genocídio

americano: a Guerra do Paraguai”, de Júlio José Chiavenato (1979), identifica “os

interesses gerais dos capitalistas ingleses” (COTRIM, 2005, p. 398) enquanto um dos

principais desencadeadores do conflito35.

Retomando os conteúdos abordados, a seção “Monitorando” endereçou a

leitura para as questões principais da narrativa:

Lista de atividades 1.Qual a atitude do governo inglês, baseado na Lei Bill Aberdeen, em relação ao Brasil?

(COTRIM, 2005, p. 394) 2.Sintetize o que foi a Questão Christie e qual o seu desfecho.

(COTRIM, 2005, p. 394) 1. Sintetize os conflitos em que o Brasil se envolveu na região platina.

(COTRIM, 2005, p. 399) 2. Por que a política do Paraguai, após a independência, incomodava o governo inglês?

(COTRIM, 2005, p. 399) 3. Comente sobre as consequências da Guerra do Paraguai para o Brasil e para o Paraguai.

(COTRIM, 2005, p. 399) Quadro 10 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.

35 Identificando a Guerra do Paraguai enquanto momento de apogeu e início da decadência do Império de D. Pedro II, Schwarcz (1999, p. 301) avaliou diferentes abordagens historiográficas do conflito. Inspirada por Chiavenato (1979), a abordagem desenvolvida por Cotrim (2005) retoma uma interpretação na qual o Paraguai teria sido vítima da posição imperialista inglesa.

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O abolicionismo e a crise do período monárquico ocuparam a porção final da

narrativa. Partindo do tópico “Abolicionismo– Lutas pelo fim da escravidão”, o “texto

principal” situou o século XIX como aquele onde “[...] a escravidão africana atingiu seu

ponto máximo no Brasil” (COTRIM, 2005, p. 399). Nesse contexto, o autor identifica

quatro movimentos que, relacionados, precedem a assinatura da Lei Áurea em 1888:

a participação de “africanos e seus descendentes” em rebeliões, motins e quilombos;

a “campanha abolicionista”, apoiada por vários setores da sociedade brasileira, “[...]

parlamentares, imprensa, militares, artistas e intelectuais, como Joaquim Nabuco,

José Patrocínio, Raul Pompéia, Luís Gama e Castro Alves”; os interesses econômicos

da Inglaterra, desejosa de “[...] ampliar o mercado consumidor para seus produtos– o

que seria possível com o desenvolvimento do trabalho assalariado”; e as ações

governamentais expressas nas “Lei do Ventre Livre (1871)”, e a “Lei dos

Sexagenários (1885)” (COTRIM, 2005, p. 400).

Salientando os limites da ação governamental, o autor considerou-as

impulsionadoras da campanha abolicionista, compondo o momento no qual “pela

primeira vez na história do Brasil, ocorreram manifestações políticas e populares

favoráveis à causa da abolição” (COTRIM, 2005, p. 400).

O breve parágrafo seguinte encerrou a abordagem sobre a escravidão no país:

“Somente em 13 de maio de 1888 a escravidão foi extinta no Brasil, com promulgação

da Lei Áurea, pela princesa Isabel, regente do império” (COTRIM, 2005, p. 400, grifo

do autor). Compondo a “cenografia” da página, seguiu o box “Os sentidos do 13 de

maio”:

Imagem 19 – Box “Os sentidos do 13 de maio”.

Fonte: COTRIM, 2005, p. 400.

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Observada pela perspectiva historiográfica, destacamos a visibilização dada a

D. Isabel no “texto principal” e no box. Objetivando analisar a reciprocidade entre as

relações de gênero e o exercício do poder real no século XIX, Roderick J. Barman

(2005, p. 16) nos informou:

D. Isabel merece atenção. Durante quase quarenta anos (1851-1889), foi herdeira do trono. Em três ocasiões, entre 1871 e 1888, que somam três anos e meio, governou o país durante a ausência do pai, que estava no exterior. Na qualidade de regente, exerceu o considerável poder que a Constituição de 1824 conferia ao monarca. Nesse mesmo período, deu à luz três filhos, possíveis herdeiros do trono.

Num contexto no qual o poder, majoritariamente, era considerado um apanágio

masculino (PERROT, 1988), sua posição na linha sucessora ganhou projeção

internacional. Como destacou Barman (2005, p. 16), D. Isabel foi uma das nove

mulheres em todo o mundo ocidental do século XIX a ocuparem o posto de “autoridade

suprema” de seus países, seja na qualidade de regentes ou monarcas.

Assumindo a regência pela primeira vez em 1871, durante dez meses a

princesa esteve à frente do governo. A Lei do Ventre Livre, resultante das articulações

políticas de D. Pedro II, foi sancionada por D. Isabel, atraindo as suspeitas políticas

do interesse da princesa pelo debate abolicionista (BARMAN, 2005, p. 234).

Durante a terceira regência (1887-1888), ocasionada pelo afastamento por

razões médicas de D. Pedro II, D. Isabel assinou o projeto de abolição incondicional

da escravidão: a Lei Aurea. Considerada pela regente enquanto uma questão

“humanitária, moralizadora, generosa, grande, apoiada pela Igreja” (BARMAN, 2005,

p. 249), a questão abolicionista ganhou popularidade no debate político a partir dos

anos 70. A proposta assinada por D. Isabel, redigida pelo ministro da agricultura do

gabinete de João Alfredo Correia de Oliveira, resultou das disputas políticas que

encerraram o regime. Quanto a repercussão da assinatura do projeto, Barman (2005,

p. 256) nos ofereceu uma síntese:

De fato, a promulgação da Lei Áurea deu muita popularidade à princesa na massa de brasileiros, que passou a chama-la de Redentora. Ao mesmo tempo, seu papel na abolição suscitou ódio e até desprezo nas classes que controlavam a riqueza no Brasil. Sobretudo os proprietários rurais não lhe perdoavam ter apoiado a abolição sem nenhuma compensação pela “propriedade” perdida, pois, para eles, os ex-escravos não passavam disso. [...] Que uma mulher exercesse o poder já era motivo suficiente para ultraje, mas

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99

que se servisse desse poder para privá-los de sua propriedade era, em última instancia, um insulto a masculinidade.

Não buscamos aqui reabilitar a imagem, já há muito ultrapassada pela

historiografia, da princesa “redentora”. Consideramos que a obra, ao focar nas tramas

políticas que marcaram o Segundo Reinado brasileiro (1840-1889) e sua crise, diluiu

a atuação dos sujeitos históricos diante das ações, disputas e interesses de

determinados grupos políticos já implicados na própria constituição do Estado. Sob a

perspectiva das relações de gênero, essa abordagem– a semelhança do capítulo

analisado anteriormente–, restringiu a narrativa histórica às atuações de

masculinidades específicas, agentes.

Acompanhando o tópico “Crise– condições que levaram à queda da

monarquia”, dedicado aos fatores que contribuíram para o enfraquecimento do

império, a “cenografia” da página apresentou uma imagem da família real,

acompanhada da legenda: “Nesta reprodução de fotografia da família imperial em

Petrópolis, feita por Otto Hees (1889), vê-se D. Pedro II com sua filha Isabel e,

sentada, a imperatriz Teresa Cristina” (COTRIM, 2005, p. 401). Tendo em vista os

interesses analíticos desta pesquisa, destacamos toda a “cenografia” da página,

enfatizando o recurso imagético mobilizado:

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Imagem 20 – Tópico “Crise– Condições que levaram à queda da monarquia” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 401.

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Imagem 21 – “Família imperial em Petrópolis” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2005, p. 401.

Celebrizada como a última imagem da família imperial no Brasil (SCHWARCZ,

1999, p. 451) a imagem apresentou mais personagens do que os anunciados na

legenda36. Da esquerda para a direita: a imperatriz, D. Teresa Cristina (B01); D.

Antônio (C02), filho mais novo de D. Isabel (B02); D. Pedro (B02); D. Pedro Augusto

(B03), neto mais velho do imperador; D. Luís de Orleans e Bragança (B03),

acompanhado de seu pai, o Conde D’Eu (B03), e seu irmão, D. Pedro de Orleans e

Bragança (B03).

Nossa atenção recaiu sobre os personagens centrais, D. Pedro II e D. Isabel

(B02). Investigando a construção da figura pública do monarca, Schwarcz (1999, p.

36 HESS, Otto. [Fotografia da Família Imperial]. Petrópolis, 1889. 1 fotografia. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/asset/fotografia-da-familia-imperial/QQEJnjcOFeKo6A>. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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320) analisou como– após a Guerra do Paraguai (1865-1870)– D. Pedro II abandonou

as “vestes majestáticas”, passando a se portar e vestir como um “monarca-cidadão”:

[...] começa a se tornar comum d. Pedro II aparecer com uma certa postura corporal inédita: trazendo uma das mãos metida dentro da casaca, numa referência a famosa pose consagrada por Napoleão. [...] a pose que celebrizou o general francês surge interpretada pelo monarca americano (SCHWARCZ,1999, p. 333).

Nessa perspectiva, consideramos a fotografia um destacado elemento

“cenográfico”. Ao lado do monarca– cujo “jaquetão” e cartola buscaram transmitir uma

mensagem renovada de autoridade atrelada a civilidade–, D. Isabel pareceu retratada

como filha do imperador, não enquanto herdeira do trono.

A disposição de D. Isabel em relação aos outros integrantes da imagem

também mereceu destaque. Concentrados ao lado direito da fotografia, os

personagens masculinos (B03)– os netos mais velhos do imperador, tendo o conde

D’Eu na posição mais elevada da imagem–, ocupam uma posição de destaque,

favorecida pela perspectiva oblíqua da fotografia. No extremo oposto (B01; C01), a

imperatriz e o neto mais novo ocupam os espaços mais baixos da foto, acompanhados

por D. Isabel, antepenúltima desse lado.

Localizando mulheres e crianças menores de um lado e “varões” do outro,

tendo o imperador ao centro, consideramos que a fotografia estabeleceu uma

inferiorização da importância política da princesa, ofuscada mediante a valorização

das masculinidades visibilizadas em assimetria às feminilidades.

Tal leitura pareceu reforçada por uma narrativa que– a despeito da regência da

princesa, num contexto político majoritariamente masculino– resumiu sua atuação ao

episódio de assinatura da Lei Áurea, identificada como um dos componentes da

decadência do regime. Paradoxalmente, como problematizado por Barman (2005, p.

330), o principal exercício de poder de D. Isabel, “[...] pelo qual a posteridade a guarda

na memória – promulgação da Lei Áurea de 13 de maio de 1888–, contribuiu para sua

exclusão da vida pública e para seu banimento da terra natal”, desfecho da crise

imperial.

Concluímos que a perspectiva adotada pelo texto, além de dificultar a

compreensão das disputas políticas que antecedem a abolição– objeto de maior

atenção do capítulo–, reinscreveu narrativas (naturalizando-as) que, já no século XIX,

buscaram inviabilizar a atuação política da regente– e das mulheres, num contexto

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geral. No caso específico de D. Isabel, sob argumento de sua inescapável

incapacidade e submissão à autoridade, notadamente masculina e representada, ora

por seu esposo, o conde D’Eu, ora por D. Pedro II, último representante legítimo de

um regime decadente37.

Encerrando o capítulo, o desfecho da crise monárquica acompanhou a

constituição do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil.

Identificado ao marechal Deodoro da Fonseca, o “[...] golpe político que instaurou a

república no Brasil” (COTRIM, 2005, p. 402), aparentemente, já possuía personagens

principais.

4.3.2 Edição 2013

Diferentemente da edição de 2005, o capítulo dedicado aos últimos anos do

império brasileiro foi nomeado “O fim do império”. Consideramos que a alteração no

título do capítulo (de “crise” ao “fim”) pareceu imprimir certa objetividade a

composição. A exemplo da abordagem anterior, cabe uma observação da estrutura

composicional do capítulo:

Capítulo

Composição Hierárquica

Referências:

“texto principal”

Referências:

boxes

Número

de atividades

Número

de boxes

Número

de imagens

22

1. Política Externa– Conflitos internacionais no Segundo Reinado; 1. 2 Questão Christie; 1. 3 Problema da escravidão; 1. 4 Incidentes; 1. 5 Rompimento; 1. 6 Questão platina; 1. 7 Intervenção contra Oribe e

POMER, León. La Guerra del Paraguai: gran negocio. Buenos Aires: Caldén, 1968. DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 216. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro:

11

04

09

37 Para considerações sobre a unanimidade entre conservadores e progressistas do Segundo Reinado sobre a incapacidade política “inerente” às mulheres, ver: BARMAN, Roderick. “Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no século XIX” (2005, p. 101). Para uma leitura da passagem do período imperial ao republicano enquanto marcada pela transição simbólica de uma ordem política do masculino e viril para a feminilidade e “desvirilidade”, ver ALBUQUER JÚNIOR, Durval Muniz. “Nordestino: invenção do “falo”: uma história do gênero masculino (1920-1940)” (2013, p. 83). A imprensa republicana do final do século também buscou inviabilizar a figura política de D. Isabel, representando a herdeira do trono como pessoa submissa ao seu marido estrangeiro, “o francês”, ver: CARVALHO, José Murilo de. “A Formação das Almas: O Imaginário da República do Brasil” (1990, p. 79).

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Rosas (1851-1852); 1. 8 Guerra contra Aguirre (1864-1865); 1. 9 Guerra do Paraguai; 1. 10 Isolamento paraguaio; 1. 11 A violência do conflito; 1. 12 Efeitos internos; 2. Abolicionismo– A lutas pelo fim da escravidão no Brasil; 2. 1 Resistência negra; 2. 2 Campanha abolicionista; 2. 3 Leis emancipatórias; 2. 4. Abolição; 2. 5 Os negros depois da abolição; 3. Queda da monarquia– as condições que levaram à instituição da república; 3. 1 Crise do império; 3. 2 Questão dos escravos; 3. 3 Movimento republicano; 3. 4. Conflito com a Igreja; 3. 5 Conflito com o exército; 4. Proclamação da república.

Letras, 2002, p. 25. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 22. REIS, João José. Nos achamos em campo de tratar da liberdade: a resistência negra no Brasil oitocentista. In: MOTA, Carlos Guilherme. Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000). Formação, histórias. São Paulo: Editora Senac, 2000, p. 245. KLEIN, Herbert. Tráfico de escravos. In: Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1987, p. 58. REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês (1835). São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 245.

Relume-Dumará, 1995, p. 22. CARVALHO, José Murilo de. In: Folha de São Paulo, 13 de maio de 1988, p. B 8-9. .

Quadro 11 – Estrutura composicional do capítulo “O fim do império”, edição de 2013.

Contrapondo a aparente estabilidade da composição do capítulo em relação à

edição anteriormente analisada, sua “abertura” apresentou outros elementos.

Destacamos: lead, imagem e a seção “Treinando o olhar”.

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Imagem 22 – Abertura do capítulo “O fim do império” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 264

Salientamos a objetividade na elaboração do lead. Diferentemente da edição

2005, aparentemente interessada na “relação entre o passado e o presente”–

compromisso também assumido na carta de abertura desta coleção–, o pequeno texto

buscou “endereçar” a leitura através da questão: “Que condições históricas ensejaram

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esse processo?” (COTRIM, 2015, p. 264). Compondo a “cenografia” da página,

destacamos a reprodução da imagem “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto”38:

Imagem 23 – “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2018, p. 264.

Acompanhada da legenda “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto. Óleo

sobre tela de Almeida Júnior, de 1891” (COTRIM, 2013, p. 264), a imagem foi objeto

de atenção da seção “Treinando o olhar”. Dentre as perguntas elaboradas,

destacamos a primeira: “Esta obra do pintor Almeida Júnior é conhecida como Cena

de família de Adolfo Augusto Pinto. Observando a cena, é possível dizer a que grupo

social pertenciam essas pessoas? Elabore inferências” (COTRIM, 2013, p. 264).

Consideramos que essa abordagem estimulou a problematização dos

elementos que compõem a “cenografia”. Então, “treinando o olhar” sob a perspectiva

das relações de gênero, analisemos a imagem.

Conhecido nacionalmente enquanto expressão da temática “regionalista”,

Almeida Júnior (1850 – 1899) foi um importante pintor brasileiro do século XIX, tendo

sido aluno da Academia Imperial de Belas Artes, de 1869 a 1875 (CRIVILIN, 132, p.

29). Quanto à pintura em questão, encomendada pelo engenheiro de ferrovias Adolfo

38ALMEIDA JÚNIOR. Cena de família de Adolfo Augusto Pinto. 1891. 1 gravura. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/asset/family-scene/OwGQi9iigj2YRA>. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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107

Augusto Pinto, esta rendeu ao autor o convite para participação da Exposição

Internacional de Artes, Indústrias Manufatureiras e Produtos do Solo, das Minas e do

Mar, realizada em 1893, em Chicago, nos Estados Unidos.

Como destacou Tânia Maria Crivilin (2011, p. 85), realizada para atender

especificamente as recomendações de seu comprador, cabe considerar, na

observação da imagem, a expressão das possíveis expectativas para a composição:

destacado em primeiro plano, o patriarca (B02, B03) é acompanhado por seus filhos,

em plano médio (B01, B02, C01), tendo ao fundo sua esposa, ensinando bordado à

filha (B02).

Sob a perspectiva das relações de gênero, consideramos que a análise poderia

oportunizar uma reflexão voltada às dinâmicas de gênero durante o século XIX.

Embora o capítulo mantenha sua atenção nas decisões governamentais e na atuação

dos tradicionais grupos políticos– a exemplo da edição de 2005–, não objetivando,

explicitamente, abordar questões relacionadas aos papéis sociais desempenhados

por homens e mulheres, sua composição visibilizou, notadamente através das

imagens, posições normativas de gênero, naturalizadas através da não

problematização das imagens– as quais, tanto para a historiografia, quanto para a

história escolar, são fontes (dizem respeito a um outro tempo) e não meras ilustrações.

Tendo em vista visibilizar a manutenção dos interesses analíticos do capítulo,

retomando a abordagem já consagrada na edição 2005, a seção “Compreendendo”

nos ofereceu alguns indícios:

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Lista de atividades 1. Sintetize os incidentes que originaram a Questão Christie e explique qual foi o seu desfecho.

(COTRIM, 2013, p. 271) 2. Explique que relação se pode estabelecer entre o Bill Aberdeen e a questão Christie.

(COTRIM, 2013, p. 271) 3. Enumere as principais preocupações da diplomacia brasileira na região platina durante o

Segundo Reinado. (COTRIM, 2013, p. 271)

4. Comente os conflitos ligados à Questão Platina em que o Brasil se envolveu, contra Argentina e Uruguai. (COTRIM, 2013, p. 271)

5. Explique como se iniciou e se desenrolou a Guerra do Paraguai. (COTRIM, 2013, p. 271) 6. Comente as consequências dessa guerra para o Brasil e para o Paraguai. (COTRIM,

2013, p. 271) 1. Caracterize a dimensão e o papel das populações negras escravizadas na sociedade

brasileira do século XIX e sua aceitação da condição escrava. (COTRIM, 2013, p. 274)

2. Explique o que foi a campanha abolicionista e escreva um texto sobre o assunto. (COTRIM, 2013, p. 274)

3. Comente as leis abolicionistas, incluindo a que extinguiu a escravidão no Brasil, apontando os alcances e limites de cada uma delas. (COTRIM, 2013, p. 274)

4. Comente o que ocorreu com as populações negras e mestiças após o fim da escravidão, em 1888. (COTRIM, 2013, p. 274)

Quadro 12 – Atividades das seções “Compreendendo”, edição 2013.

Nessa perspectiva, exploramos as mudanças na cenografia do capítulo

relacionadas à abordagem das questões de gênero.

Partimos do tópico “Questão Christie”. Centrado no percurso do rompimento

diplomático entre o governo brasileiro e o inglês– a exemplo da edição anterior–, a

narrativa foi acompanhada da fotografia de 1874, atribuída a Alberto Henschel39:

39 HENSCHEL, Alberto. Babá com o menino Eugen Keller. 1874. 1 fotografia. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alberto_Henschel_-_Baba_com_o_menino_Eugen_Keller.jpg >. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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Imagem 24 – Tópico “Questão Christie” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 266.

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Imagem 25 – “Babá” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 266.

Mereceu destaque a legenda da imagem: “Babá com o menino Eugen Keller.

Fotografia de Alberto Henschel, Pernambuco, 1874. Era muito comum escravas

negras cuidarem de crianças de famílias aristocratas” (COTRIM, 2013, p. 266).

Compondo a “cenografia” da página, a imagem retrata uma mulher não nomeada

(A02), identificada apenas enquanto babá da criança que a acompanha (A01).

O retratista Alberto Henschel (1827-1882), judeu de ascendência alemã, foi um

bem-sucedido empresário do campo da fotografia, chegando a implantar estúdios em

quatro capitais brasileiras: Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Analisando

a representação do negro no Brasil do século XIX a partir dos retratos de Henschel,

entre os anos de 1866 e 1882, a pesquisadora Mônica Cardim (2012), destacou a

extensa produção do fotógrafo, com destaque para a quantidade de fotografias de

negros, feitas em estúdio. Segundo a pesquisadora, preservadas em instituições no

Brasil e no exterior, foram catalogadas cerca de 120 fotografias, destacando Henschel

como “[...] o maior produtor de retratos de africanos e seus descendentes em território

brasileiro” (CARDIM, 2012, p. 28).

Partindo da inter-relação entre identidade e poder, a autora identificou nessa

produção processos de hierarquização através do binário branco/não-branco: “[...]

brancos, moral e intelectualmente superiores e, por isso, naturalmente destinados ao

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poder; não-brancos como seres inferiores, diferentes e por isso destinados a serem

dominados (CARDIM, 2012, p. 127). Tal agenciamento foi inscrito, entre outros

aspectos, na ausência de identificação dos negros retratados, em contraposição a

nomeação dos brancos nas imagens.

Convêm reescrever parte da legenda da imagem disponível no livro didático de

História analisado: “Era muito comum escravas negras cuidarem de crianças de

famílias aristocráticas” (COTRIM, 2013, p. 266). Ausente nas considerações do “texto

principal”, a legenda pareceu naturalizar as dinâmicas sociais comunicadas na

imagem, tomadas enquanto “fato histórico” não problemático.

Diante das ausências no “texto principal”, o diálogo historiográfico nos ofereceu

outras perspectivas. Destacamos a análise desenvolvida por Elise Grunspan (1992)

na obra “O sujeito em perigo: identidade fotográfica e alteridade no Brasil do século

XIX até 1940”:

Nessas imagens, a ama-de-leite constitui uma espécie de figura emblemática, o suporte, o pilar da infância aristocrática. Mas essa mulher também é uma coisa. Sua força no mundo da criança é determinada pelo senhor e pelas convenções, da mesma maneira que sua pose, suas vestes. Seu poder de intervenção na imagem permanece extremamente limitado. A imagem fotográfica, na sua qualidade de memória da família, de entesouramento da herança do grupo, representou a ama-de-leite como elemento integrado no universo branco mas tendo uma posição periférica na família (GRUNSPAN, 1992 apud CARDIM, 2012, p. 118).

Voltando ao “texto principal”, destacamos o tópico “Abolicionismo– a luta pelo

fim da escravidão no Brasil”. Na edição de 2013, a composição foi acompanhada do

box “Saiba mais– Abolicionistas”. Partimos da “cenografia” da página:

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Imagem 26 – Tópico “Campanha abolicionista” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 272.

Destacamos que a visibilização de outras personagens difere da abordagem

centrada nas ações dos grupos hegemônicos desenvolvida no “texto principal”.

Mereceu destaque, entretanto, o “confinamento” dessas outras personagens aos

boxes. Espaços apartados do “texto principal”, cuja função– “Saiba mais”–, ao mesmo

tempo que expressou os limites do “texto principal”– destacando as escolhas

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operadas em sua composição–, estabeleceu um caráter “suplementar” aos saberes

ali “confinados”.

Imagem 27 – “Retratos dos abolicionistas Chiquinha Gonzaga (fotografia de 1847) e Luís Gama

(sem data)” Fonte: COTRIM, 2013, p. 272.

Consideramos que esta maneira de “dar a ver” personagens como Chiquinha

Gonzaga (1847-1935)– cujo talento e posicionamento político tencionaram as

expectativas generificadas das classes dominantes do Rio de Janeiro do início do

século XX40–, embora tenha possibilitado a visibilização de outros saberes no

desenvolvimento do capítulo, não desestabilizou o hiato entre as temáticas expressas

nesses “suplementos” e a temática do “texto principal”, reduzindo o próprio potencial

40 Para uma leitura dos significados da atuação de Chiquinha Gonzaga no cenário musical brasileiro, ver: GOMES, Rodrigo Cantos Savelli. SAMBA NO FEMININO: Transformações das relações de gênero no samba carioca nas três primeiras décadas do século XX. 2011. 157 f. Dissertação (Mestrado em Música, subárea: Músicologia-Etnomusicologia). Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Música. 2011.

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114

do uso das imagens e boxes na construção do conhecimento através da articulação

entre o texto escrito e o discurso iconográfico.

Sob a perspectiva das relações de gênero, a predominância no “texto principal”

do tratamento dos interesses políticos e econômicos de um grupo específico–

identificado a um tipo específico, no espectro das masculinidades–, dividiu espaço

com uma cenografia que informou sobre os significados atribuídos às masculinidades

e feminilidades no contexto histórico retratado.

Ocupando boxes e imagens, as feminilidades, através da ausência de

considerações no “texto principal”, oscilaram entre a naturalização de dinâmicas

sociais historicamente situadas– como nas imagens “Cena de família de Adolfo

Augusto Pinto” (Imagem 19) e “Babá” (Imagem 20)– e a secundarização na

construção do conhecimento histórico escolar– como no box “Retratos dos

abolicionistas Chiquinha Gonzaga (fotografia de 1847) e Luís Gama” (Imagem 21).

Nessa perspectiva, consideramos que a obra, além de atualizar posições normativas

de gênero, instituiu enquanto “fato” não problemático uma narrativa de subordinação

das feminilidades diante das ações de masculinidades específicas, identificadas com

os interesses dos grupos hegemônicos em disputa durante o fim do Segundo Reinado.

Em diálogo com Scott (1994, p. 15) não buscamos, com essas observações, a

construção de uma história “particularizada” para as mulheres em relação aos temas

já consagrados (e identificados a determinadas masculinidades) para a história

escolar. Defendemos a problematização de posições normativas de gênero reiteradas

em todos os capítulos analisados nesta pesquisa. Produtivas de um saber

generificado em narrativas históricas escolares, essas composições endereçaram o

olhar de meninas e meninos para posições de sujeito cujo caráter historicamente

construído precisa ser objeto de problematização.

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4.4 A instituição da república

4.4.1 Edição 2005

Direcionamos nossa atenção ao capítulo “A instituição da república”, presente

na edição 2005 da obra “História Global– Brasil e Geral”. Considerando a “cenografia”

dessa composição, estruturamos: um “quadro composicional” (Quadro 13),

correspondente ao desenvolvimento da narrativa apresentada:

Capítulo

Composição Hierárquica

Referências:

“texto principal”

Referências:

boxes

Número de atividades

Número

de boxes

Número

de imagens

43

1. Governo Provisório– As mudanças institucionais; 1. 1 Primeiras providências; 1. 2 Encilhamento: a especulação financeira; 2. A primeira Constituição da república

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 163-164

CARONE, Edgard. A primeira república (1889-1930). São Paulo, Difel, 1976, p. 13-14.

03

01

03

Quadro 13 – Estrutura composicional do capítulo “A instituição da República”, edição de 2005.

De maneira semelhante às abordagens anteriores, partimos da observação dos

elementos que constituíram a abertura do capítulo. Nessa perspectiva,

desenvolvemos nossas observações e análises sobre a “cenografia” da composição.

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116

Imagem 28 – Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 405.

Partindo da definição do conceito de república– elaborada em oposição ao

regime monárquico brasileiro e sintetizada enquanto “governo da coisa do povo, da

coisa pública, do bem comum” (COTRIM, 2005, p. 405)–, consideramos que é na

afirmação seguinte que o lead informou a possível questão central do capítulo,

implícita na problematização localizada em seu encerramento: ao afirmar que o “país

LEA

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TO

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117

mudava a forma de governo sem revolucionar a sociedade”, constituiu-se a

incoerência entre “o governo da coisa do povo” e o “clima de ordem que interessava

às elites”.

Tal “incoerência” foi objeto de atenção já no primeiro parágrafo do “texto

principal”. Iniciando o tópico “Governo Provisório– As mudanças institucionais”, a

narrativa localizou o tempo e as personagens principais da cenografia apresentada.

Afirmando objetivamente: na articulação do governo republicano a partir de 1889,

liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892) e organizada por “militares,

cafeicultores e profissionais liberais”, a participação popular foi “praticamente nula”

(COTRIM, 2005, p. 405).

Constituindo a cenografia, entretanto, sem dialogar explicitamente com a

narrativa, destacamos a reprodução da pintura identificada como “Alegoria da

república”41:

Imagem 29 – “Alegoria da república” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2005, p. 405.

Segundo a legenda disponibilizada:

Na reprodução da pintura a óleo Alegoria da república (autor desconhecido, 1889), líderes republicanos, como o marechal Deodoro à frente, entregam a bandeira à “nação brasileira”, simbolizada por

41 ALEGORIA à Proclamação da República e à partida da família imperial. 18--. 1 gravura. Disponível em: < http://www.faap.br/destaques/constituicoes/07.html>. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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118

uma mulher. Fundação Maria Luísa e Oscar Americano, São Paulo (COTRIM, 2005, p. 405).

Diante da ausência de problematização por parte da narrativa, o diálogo

historiográfico, atento às relações de gênero e história das mulheres, possibilitou

levantar algumas questões.

Como destacou José Murilo de Carvalho (1990, p. 75), de inspiração romana,

figurando enquanto símbolo da liberdade, a imagem feminina passou a ser mobilizada

no debate político francês já em 1792, momento de proclamação da Primeira

República francesa. Também a Segunda República, em 1848, reinscreveu a simbólica

figura feminina. Elemento marcante no imaginário republicano, inspirado na tradição

clássica, a alegoria republicana feminina também encontrou expressão no debate

político brasileiro no século XIX.

Diferentemente da famosa criação de Eugène Delacroix, La liberte guidant le

peuple, aux barricades, alegoria da insurreição de julho de 1830, a “Alegoria da

república” (Imagem 23) observada não ostenta a postura belicosa de liderança:

aparentemente sentada (B01; A01)– à semelhança da obra “A República” (1848), de

Honoré Daumier– e vestida seguindo a inspiração clássica, a personagem estende a

mão para receber do Marechal Deodoro, acompanhado por outros “líderes

republicanos”, o principal símbolo do novo regime político (A02; B02)42.

Merece destaque ainda a paradoxal mobilização da alegoria em um contexto

de impedimento da participação feminina nas decisões políticas, “impedimento” esse

que não ocorreu sem resistências. Traçando uma história do feminismo no Brasil, Céli

Pinto (2003, p. 16) nos lembrou que em meio às contradições da república oligárquica

surgiram as primeiras vozes do feminismo brasileiro e, nesse sentido, tal paradoxo

não é exclusividade do contexto político brasileiro.

Voltando sua atenção à França do século XIX, Perrot (1998, p. 182) destacou

determinado “superinvestimento” do imaginário simbólico masculino nas

representações do feminino ideal. Segundo a autora:

Inexistente no nível político, forte mas contido dentro da família, o lugar das mulheres no século XIX é extremo, quase delirante no imaginário

42 Para uma análise da veiculação e dos limites na recepção de alguns dos principais símbolos mobilizados pelos principais grupos republicanos brasileiros, notadamente, o positivista, ver: CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo. Companhia das Letras: 1990.

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público e privado, seja no nível político, religioso ou poético. A Igreja celebra o culto da Virgem Maria, cujas aparições geram grandes peregrinações. Os saint-simonianos sonham com a salvação por obra da Mãe, vinda do Oriente. A república encarna-se numa mulher, a Marianne. Poetas e pintores cantam a mulher, na mesma proporção de sua misoginia cotidiana.

A articulação das relações de gênero a outros marcadores sociais de diferença

também mereceu destaque. Embora, em comparação ao gênero, classe e raça não

apresentem estatutos equivalentes43, a disposição das personagens na cena poderia

servir de ponto de partida para o questionamento das desigualdades sociais firmadas

no contexto político representado. No extremo oposto à figura idealizada– quase

ocultada pelo recorte empreendido na imagem–, “outra” feminilidade, acompanhada

por duas crianças que parecem observar os acontecimentos em primeiro plano,

ocupou a cena (B03), informando sobre as desigualdades de poder articuladas aqui

em, ao menos, três eixos (SCOTT, 1995).

Quanto às masculinidades, salientamos o primeiro plano da imagem: os

“líderes republicanos”, tendo Deodoro à frente, reverenciam a alegoria do regime

republicano. Além dos representantes militares, destacados através da indumentária

dos personagens centrais à pintura (A02; B02), lideranças civis também acompanham

a reverência (A01; A02). Nossa atenção recaiu ainda para o gesto de entrega da

bandeira nacional à alegoria: realizado por Deodoro enquanto segura, com a mão

direita, a coroa, símbolo do poder imperial (B01).

Em contraste ao poder que este personagem inspira, ao fundo da imagem,

outras masculinidades parecem deixar a cena. Gesticulando em direção ao Palácio,

talvez o Paço de São Cristóvão, uma figura idosa guarda semelhança com próprio D.

Pedro II, seguido por seu genro, o conde D’Eu. Este último acompanha uma criança

em direção a uma figura feminina, aparentemente sentada na embarcação ao fundo

da pintura, possivelmente Luís (nascido em 1878), ou Antônio (nascido em 1881),

seguindo ao encontro de sua mãe, de D. Isabel, no extremo oposto à alegoria (B03)–

ocupando um plano superior apenas em relação a mulher e as crianças negras ao

canto e, literalmente, quase “saindo” da cena.

43 Como destaca Scott: “Enquanto a categoria “classe” tem seu fundamento na elaborada teoria de Marx [...] sobre a determinação econômica e a mudança histórica, “raça” e “gênero” não carregam associações semelhantes [...] Quando invocamos a classe, trabalhamos com ou contra uma série de definições que, no caso do marxismo, implicam uma ideia de causalidade econômica e uma visão do caminho ao longo do qual a história avançou dialeticamente. Não existe nenhuma clareza ou coerência desse tipo para a categoria de raça ou para a de gênero” (SCOTT, 1995, p. 73).

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120

Embora ausente nas considerações do “texto principal”, compreendemos que

a Imagem 23 constituiu um elemento destacado na cenografia do capítulo. Além de

restituir o discurso da “exclusão popular” na instituição da República, sob a

perspectiva das relações de gênero, a imagem ofereceu indícios sobre os principais

agentes na narrativa histórica retratada: as masculinidades compartilhadas nos

marcadores de toda a cenografia, “masculinidades agentes”, os “militares,

cafeicultores e profissionais liberais”.

Considerando a especificidade desse grupo, concordamos com a reflexão do

sociólogo Michael S. Kimmel (1998) quanto a uma “sobreposição de masculinidades”

no século XIX, fundamental à construção de definições “hegemônicas” e

“subalternas”. Plurais, variando entre as posições de poder visibilizadas, as

masculinidades da cenografia encontraram enquanto contraponto, tanto as

feminilidades idealizadas– motivo de reverência em um contexto de exclusão da

participação na política institucional–, quanto as feminilidades “subalternizadas”, no

extremo oposto das anteriores, e cuja visibilização contrariou os silêncios do “texto

principal”.

As ações dessas “masculinidades agentes”, afinadas a política institucional,

configuraram o conjunto hierárquico da composição narrativa, cujas temáticas foram

evidenciadas nos tópicos seguintes–“Primeiras providências”, “Encilhamento: a

especulação financeira” e “A primeira Constituição da república”– e no box, localizado

no primeiro tópico e intitulado “Manifesto do novo governo”. Esta cenografia

endereçou nossa leitura para as ações de um grupo restrito, cujas dominância refletiu

no próprio ordenamento narrativo.

No tópico “Primeiras providências”, o “texto principal” sintetizou as medidas do

governo provisório no processo de reorganização do Estado brasileiro. Dedicando um

parágrafo a cada temática, a narrativa apresentou: instituição do federalismo;

separação entre Igreja e Estado– dedicando uma linha a instituição do registro civil de

nascimento e ao casamento civil, tidos como resultado da extinção do regime de

padroado, “por meio do qual o Estado controlava a Igreja católica” (COTRIM, 2005, p.

406)–; criação de novos símbolos nacionais, atentando a criação da nova bandeira

nacional sob o lema Ordem e Progresso– apenas citado enquanto sugestão do

ministro da Guerra Benjamim Constant (1836-1891), em referência a obra de Auguste

Comte (1798-1857)–; e a Promulgação da lei da grande naturalização, identificada

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121

enquanto resposta ao sentimento “antilusitano de boa parte da população brasileira

urbana” (COTRIM, 2005, p. 407).

Na sequência, a narrativa tratou da política econômica, voltando sua atenção à

reforma financeira iniciada por Rui Barbosa, a política do Encilhamento. Justificando

a nova política econômica no interesse governamental por “estimular o crescimento

econômico, principalmente o desenvolvimento da indústria” (COTRIM, 2005, p. 407),

o texto seguiu discutindo o processo inflacionário e de especulação financeira

resultantes da reforma, levando o então ministro da Fazenda, Rui Barbosa, à

demissão do cargo em 1891.

Mereceu maior destaque o tópico seguinte: “A primeira Constituição da

república”. Voltado a constituição republicana de 1891, a exemplo da métrica dos

tópicos anteriores, cuja “objetividade” reitera a centralidade cenográfica na atuação

dos grupos hegemônicos, o texto sintetizou em pequenos parágrafos “alguns de seus

tópicos principais” (COTRIM, 2005, p. 408). Nesse sentido: a adoção do sistema

presidencialista de governo, seguida pela transformação política das antigas

províncias do Império em estados-membros; a divisão dos poderes em Executivo,

Legislativo e Judiciário; e o direito ao voto, estabelecido na exclusão de “analfabetos,

mendigos, soldados e religiosos sujeitos à obediência eclesiástica. As mulheres

também não podiam votar” (COTRIM, 2005, p. 408).

Em relação a este último tópico, a edição de 2005 de “História Global – Brasil

e Geral” dedicou um pouco mais de atenção. Recorrendo a obra “Os bestializados”,

de José Murilo de Carvalho (1987), o texto reforçou a ideia de exclusão popular das

práticas políticas institucionais. Citando o autor e salientando o envolvimento da

população da cidade do Rio de Janeiro nas associações e festas populares, a obra

destacou que “[...] Negros livres, ex-escravos, imigrantes, proletários e classe média

encontraram aos poucos um terreno comum de auto-reconhecimento que não era

propiciado pela política” (CARVALHO, 1987 apud COTRIM, 2005, p. 408).

Consideramos tal citação um recurso retórico significativo para o argumento

central do capítulo. Sob o signo da autoridade conferida pelo autor, no caso, José

Murilo de Carvalho (1987), a narrativa da “exclusão popular” assumiu um caráter

categórico, “amparado” historiograficamente e passível a mudanças apenas futuras:

o parágrafo seguinte buscou informar que, somente no decorrer do período

republicano, os “seguimentos sociais excluídos” passaram a “lutar pelo direito de voto”

(COTRIM, 2005, p. 408). Durante toda a narrativa, esse foi o primeiro momento no

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122

qual, aos “excluídos da história”, sinalizou-se a possibilidade, ainda que futura, de

algum espaço de agência44.

Talvez em reconhecimento aos limites impostos às “agências”, à atuação dos

sujeitos representados, o texto indicou, na sequência, de forma genérica em curto

parágrafo, que, em função das lutas sociais republicanas, “[...] Ao longo do século XX,

o voto passou a ser secreto e as mulheres, os religiosos, os analfabetos, assim como

os maiores de 16 anos, conquistaram o direito de votar” (COTRIM, 2005, p. 408). Tal

abordagem, entretanto, deixou escapar a contradição lógica da exclusão desses

grupos sociais em um contexto republicano. Como argumentou Pinto (2003, p. 18),

sem explicitar a exclusão das mulheres, a mobilização da carta constitucional de 1891

evidenciou a interpretação dos significados sociais correntes no contexto brasileiro do

século XIX: a “natural” exclusão das mulheres na participação política.

Perrot (1988) argumentou que, no contexto posterior a Declaração dos Direitos

do Homem e sua suposta declaração de igualdade entre os homens, o discurso de

naturalização da exclusão das mulheres da cena política encontrou sua renovação no

processo de significação das diferenças sexuais. Ancorado no discurso “naturalista”

da medicina e da biologia,

O século XIX acentua a racionalidade harmoniosa dessa divisão sexual. Cada sexo tem sua função, seus papéis, suas tarefas, seus espaços, seu lugar quase predeterminado, até em seus detalhes. Paralelamente, existe um discurso dos ofícios que faz a linguagem do trabalho uma das mais sexuadas possíveis. “Ao homem, a madeira e os metais. À mulher, a família e os tecidos” [...] (PERROT, 1988, p. 178).

Em linhas gerais, embora o “texto principal” não tenha objetivado abordar

explicitamente as questões relativas aos papéis sociais desempenhados por homens

e mulheres, na cenografia apresentada, predominam as ações de determinadas

masculinidades. Um indício desse “alinhamento” da composição à atuação de uma

“masculinidade agente” foi expresso na mobilização das atividades encerrando a

narrativa:

44 Nesse sentido, pensamos com Scott (1995, p. 86) o conceito de agência humana, compreendido como a tentativa “[...] para construir uma identidade, uma vida, um conjunto de relações, uma sociedade estabelecida dentro de certos limites e dotada de uma linguagem – uma linguagem conceitual que estabeleça fronteira e contenha, ao mesmo tempo, a possibilidade de negação, de resistência, da reinterpretação e permita o jogo da invenção metafórica e da imaginação”.

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123

Lista de atividades 1. Quais foram as primeiras medidas tomadas pelo governo provisório chefiado por Deodoro

da Fonseca? (COTRIM, 2005, p. 408)

2. O que foi o Encilhamento e quais as suas consequências para a economia do país? (COTRIM, 2005, p. 408)

3. Comente os pontos fundamentais da primeira Constituição republicana brasileira. (COTRIM, 2005, p. 408)

Quadro 14 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.

Consideramos que, ao reiterar o discurso da “exclusão popular”, “endereçado”

pelo conjunto cenográfico, o capítulo imprime um caráter “categórico” à exclusão: uma

“constatação” autorizada, em última análise, através do discurso historiográfico,

referenciado uma única vez no “texto principal”.

Inscritas nesse discurso, as relações de gênero mereceram destaque,

notadamente na “Alegoria da república” (Imagem 23). Aparentemente autônoma em

relação ao “texto principal”, a imagem possibilitou tanto uma leitura coerente às

questões “de relevância” sumarizadas pelo lead, quanto à observação dos símbolos

generificados culturalmente disponíveis. A alegoria feminina da República–

mobilizada em um contexto de política institucional vedada a participação das

mulheres– desempenhou o papel atribuído aos símbolos nacionais, signos de

expressão do poder dos personagens que de fato “atuaram” na imagem e no conjunto

cenográfico constituído pelo capítulo. Desigualdade de poderes não problematizada

na narrativa, mais do que a “constatação” da exclusão popular, consideramos que a

obra ofereceu uma “reencenação” dessas exclusões.

Se pensarmos com Perrot (1988), talvez, tais escolhas expressem a

reatualização, na produção de conhecimento no espaço escolar, de um saber sobre a

exclusão da atuação de determinados grupos sociais nos espaços da política

institucional no mundo ocidental do século XIX. Sob a perspectiva das relações de

gênero, concordamos com Scott (1998, p. 304) que a simples visibilidade de

marcadores de desigualdade não possibilita a compreensão das práticas e discursos

que subjazem sua produção. Ao encerrar a leitura do capítulo, compreendemos que

mecanismos de desigualdade existiram, mas não sabemos como (e que) estes foram

produzidos historicamente– não sendo em nada “naturais”, portanto.

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4.4.2 Edição 2013

Centramos nossa atenção no capítulo “A instituição da república”, presente na

edição de 2013. A exemplo da edição anterior, atentamos às maneiras como a

composição foi estruturada cenograficamente:

Capítulo

Composição Hierárquica

Referências:

“texto principal”

Referências:

boxes

Número de atividades

Número

de boxes

Número

de imagens

05

1. República – Governo Provisório e mudanças institucionais; 1. 1 Formação do novo governo; 1. 2 Primeiras providências; 1. 3 Encilhamento: a reforma financeira; 2. Primeira Constituição da república

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 163-164

Não informado 05

01

04

Quadro 15 – Estrutura composicional do capítulo “A instituição da República”, edição de 2013.

Chamou a atenção a aparente estabilidade da composição em relação a edição

anterior. A observação da “abertura” do capítulo, entretanto, anunciou uma possível

mudança nos “valores de relevância” do texto. Buscando investigar os efeitos de

sentido dessa reorganização, partimos dos componentes cenográficos da abertura:

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Imagem 30 – Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.

Partindo da listagem objetiva de algumas das medidas que acompanharam a

instituição do regime republicano no Brasil, o lead lançou a possível questão

norteadora do capítulo: “Qual foi o alcance social das transformações republicanas?”

(COTRIM, 2015, p. 72).

LEA

D 1

IMA

GE

M E

LE

GE

ND

A

LEA

D 2

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Operando enquanto recurso complementar ao lead, a abertura apresentou a

imagem “Alegoria à proclamação da República e à partida da família imperial”,

acompanhada por problematizações constitutivas da seção “Treinando o Olhar”.

Dentre as questões propostas, destacamos: “Descreva o grupo de pessoas que

aparentemente não participa de nenhum dos núcleos de ação. Como você interpreta

essa representação?” (COTRIM, 2013, p. 72).

Ao complementar a questão proposta no lead, consideramos que a seção

“Treinando o olhar” contribuiu para a problematização do discurso da “exclusão

popular”, objeto de debate na edição anterior.

Ocupando posição central na cenografia da página, a imagem mereceu

destaque. Além da mudança no próprio título da obra– identificada anteriormente

apenas como “Alegoria da república” (COTRIM, 2005, p. 405)–, a redefinição no

recorte da imagem, somada a qualidade da impressão do material, possibilitou outras

leituras.

Imagem 31 – “Alegoria à proclamação da República e à partida da família imperial” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.

A nova edição permitiu visibilizar alguns elementos ilegíveis na impressão

anterior. No canto direito da imagem (B03), notamos a família real, representada no

momento de sua partida, em 17 de novembro de 1889. A figura de perfil, apontada

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127

pelo conde D’Eu, pareceu representar D. Isabel, herdeira do regime prestes a deixar

a cena e a política nacional.

Outro elemento em destaque é o objeto que “paira” sobre a alegoria republicana

(A01). Retratada em um vestido branco e capa vermelha, a alegoria recebe um barrete

frígio branco (e não vermelho, como o ostentado por Marianne) de uma mão que

remete à própria “Providência Divina”. Como salientado por Joseph Jurt (2012, p. 471),

essa representação adiciona uma dimensão “sagrada” à idealização e mitificação dos

acontecimentos retratados. Consideramos ainda que a imagem pareceu estabelecer

uma oposição entre sagrado e o profano sugerida na disposição das personagens que

dividem, em planos distintos, as margens da pintura: de um lado, a alegoria feminina

idealizada e sagrada; do outro, D. Isabel, herdeira do regime anterior.

Um pouco abaixo, figuram ainda as “outras” feminilidades “não-sagradas” pela

imagem (C03). Esboçando um gesto que sugere o diálogo entre elas, as personagens

não parecem, entretanto, alheias aos acontecimentos “retratados” (ou inventados).

Em seu conjunto, consideramos que a composição cenográfica introdutória do

capítulo possibilitou problematizar o discurso da “exclusão popular” na instituição da

República.

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Imagem 32 – Primeira página do capítulo “A instituição da república” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 73.

A exemplo da edição anterior, o primeiro parágrafo do “texto principal” retomou

a questão destacada na abertura. Para melhor compreensão, reunimos os parágrafos

disponibilizados nas duas versões analisadas:

“T

EX

TO

PR

INC

IPA

L”

IMA

GE

M E

LE

GE

ND

A

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129

Imagem 33 – Parágrafos seguintes à abertura: à esquerda, o texto constituinte da edição de

2005 (adaptado), seguido, à direita, do parágrafo presente na edição 2013. Fonte: COTRIM, 2005, p. 405; COTRIM, 2013, p. 73.

Embora comum aos dois textos, o discurso da “exclusão popular” recebeu outro

tratamento na edição de 2013. Atenuando o caráter “categórico” da afirmação

referente ao texto de 2005– “Foi praticamente nula a participação popular na

instituição da república” (COTRIM, 2005, p. 405)–, na edição de 2013, a não

convocação popular figurou enquanto resultante do desinteresse político das elites

articuladoras da instituição da república.

Consideramos– a despeito da referência aos “bestializados” feita em seguida

(COTRIM, 2013, p. 73)– que esses deslocamentos poderiam sugerir uma redefinição

na orientação do “texto principal”: de uma análise centrada nas ações de um grupo

restrito de agentes para uma abordagem problematizadora das assimetrias de poder

marcantes no período descrito. Nessa perspectiva, exploramos as mudanças na

cenografia do capítulo que indicassem pistas quanto a abordagem das questões de

gênero.

Ironicamente, ao iniciar o tópico “Primeiras providências”, acompanhamos o

desenvolvimento de uma narrativa que reuniu objetivamente, a exemplo da edição

anterior, algumas das “providências” já listadas no lead do capítulo. Compondo a

cenografia da página, entretanto, mereceu destaque a introdução da imagem “A

Pátria”, datada do início do século XX45:

45 PEDRO BRUNO. A Pátria. 1909. 1 gravura. Disponível em: < http://museubenjaminconstant.blogspot.com/2012/11/desvendando-patria-de-pedro-bruno.html>. Acesso em: 1 de jul. 2018.

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130

Imagem 34 – “A Pátria” (adaptado)

Fonte: COTRIM, 2013, p. 73.

Acompanhada da legenda “A Pátria, obra de Pedro Bruno, de 1919. A esposa

de Benjamin Constant, positivista republicano, foi representada costurando a nova

bandeira do Brasil” (COTRIM, 2013, p. 73), a obra operou enquanto importante

recurso cenográfico, constituindo junto ao “texto principal”, embora ausente em suas

considerações, uma narrativa da “criação dos novos símbolos nacionais”.

Uma das reproduções mais importantes sobre a bandeira nacional, “A Pátria”

é uma composição assinada pelo pintor, escultor e paisagista Pedro Bruno (1888-

1949). Atrelados aos símbolos da pátria, a imagem evocou ainda representações

simbólicas de gênero e conceitos normativos que permitem interpretações desses

símbolos (SCOTT, 1995). Centralizada na criança abraçada a bandeira atribuída a

Décio Villares (1851-1931) (A02; B02), a imagem visibilizou ainda a esposa não

nomeada de Benjamin Constant, Maria Joaquina Bittencourt Costa (A03)–

apresentada em função de seu cônjuge na legenda que acompanhou a imagem.

Para além do contexto das disputas políticas entre os grupos positivistas pelo

novo símbolo nacional, “A Pátria” (Imagem 27) veiculou um dos principais construtos

do imaginário masculino sobre as feminilidades no século XIX: a maternidade

relacionada ao cuidado do lar, dos filhos e a determinados ofícios considerados

domésticos e, portanto, femininos. A esse respeito, salientamos a descrição de

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Carvalho (1990, p. 119) dos elementos generificados que constituem a composição.

Segundo o autor:

É uma exaltação tanto à bandeira e à pátria quanto ao papel moral da mulher na educação dos filhos e no culto dos valores morais da família e da pátria. O símbolo materno é também óbvio na mulher que amamenta e na outra que abraça e beija uma criança. A presença masculina limita-se a um velho quase escondido no canto direito. O quadro refere-se provavelmente ao fato de terem as filhas de Benjamin Constant bordado uma bandeira positivista, que foi oferecida à Escola Militar.

Além disso, enquanto República, velha conhecida, foi associada à uma mulher,

aquela invenção recente, “a Pátria”, podia, ela mesma, ser identificada às crianças

pequenas, dependentes das ações das mulheres e do olhar atento e próximo dos

homens.

Embora coerente quanto ao objeto de atenção do “texto principal”, chamou a

atenção a ausência, na narrativa, de considerações quanto à imagem. Consideramos

que a naturalização das posições normativas de gênero, constitutiva da cenografia,

reforçou uma abordagem orientada pela atuação das “masculinidades agentes” no

texto. Assim, os tópicos “Encilhamento: a reforma financeira” e “Primeira constituição

da república” retomaram a abordagem objetiva da edição anterior. Quanto ao

“Encilhamento: a reforma financeira”, vale ressaltar, consideramos que a substituição

do termo “especulação”, presente na edição anterior, por “reforma”, deu continuidade

a uma leitura “atenuante” dos objetos de atenção da narrativa.

Salientamos ainda que tal estratégia imprimiu, ao nível do subtítulo que introduz

a seção, certa “indefinição” quanto aos efeitos da política econômica desenvolvida por

Rui Barbosa, personagem central naquele ponto da narrativa. Comum aos gêneros

“noticiosos”, essa indefinição, em princípio, “protegeu” a narrativa de uma crítica à

categórica atribuição de valores em um texto marcado pela objetividade em relação

às realizações do personagem. Acompanhando o “texto principal”, o box “O que é

inflação” reforçou essa estratégia retórica, informando sobre o processo inflacionário

no início do período republicano brasileiro.

Em linhas gerais, a cenografia do capítulo buscou endereçar a leitura a uma

abordagem semelhante àquela desenvolvida na edição de 2005. Alguns indícios

dessa continuidade marcaram ainda a elaboração das questões disponibilizadas pelo

capítulo:

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Lista de atividades 1. Dentre as primeiras medidas adotadas pelo governo provisório, quais você considera mais

importantes para o regime republicano? (COTRIM, 2013, p. 75)

2. Explique o que foi o Encilhamento e quais foram suas consequências para a economia do país? (COTRIM, 2013, p. 75)

3. Comente os pontos fundamentais da primeira Constituição republicana do Brasil. (COTRIM, 2013, p. 75)

Quadro 16 – Atividades da seção “Observando”, edição 2013.

Embora a cenografia do capítulo, em princípio, enderece a leitura para uma

problematização do que chamamos discurso da “exclusão popular”– notadamente

através do lead na abertura do capítulo e do parágrafo que lhe foi consecutivo–, o

“texto principal” manteve sua atenção na atuação política dos grupos hegemônicos,

responsabilizados pelo “dado” da exclusão. A exemplo da edição anterior, essa

abordagem foi reestabelecida através do recurso à citação historiográfica (COTRIM,

2013, p. 75) e elaboração de questões voltadas à narrativa.

As principais mudanças da edição estiveram concentradas no aspecto editorial,

imprimindo outras possibilidades analíticas. Para além do alinhamento da narrativa a

atuação de uma “masculinidade agente” específica, mereceu destaque a mobilização

de imagens marcadas por uma “codificação generificada” (SCOTT, 1995), inscritas na

construção simbólica do período republicano brasileiro e reinscritas (reatualizadas e

revalidadas) na composição cenográfica do capítulo apresentado. Em uma oposição

constitutiva à uma narrativa de poucos agentes, coube às feminilidades apenas a

permanência atávica da passividade doméstica, embora sua reinscrição dentre

símbolos nacionais.

Ausentes no “texto principal”, salientamos que essas imagens poderiam

possibilitar a problematização dos símbolos culturalmente disponíveis, das

interpretações de sentido desses símbolos e dos agenciamentos políticos para

engendrar valores no período republicano. Eloquente na composição cenográfica,

consideramos que o silenciamento desses registros pelo “texto principal” endereça

posições normativas de gênero, naturalizadas e reinscritas na narrativa histórica

escolar.

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5 CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar as concepções de

masculinidades e/ou feminilidades presentes na materialidade discursiva de livros

didáticos de História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Enquanto fontes

principais, mobilizamos edições distintas da obra “História Global– Brasil e Geral”: a

edição volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em 2005; e a

coleção didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/2015. Presente

em todas as edições do Programa Nacional do Livro Didático, a obra foi destacada

enquanto uma das publicações mais distribuídas para o componente curricular história

no Ensino Médio público brasileiro.

Visando discutir os possíveis efeitos de sentido no evento da relação entre os

livros didáticos e o público imaginado e desejado por estas obras, mobilizamos o

conceito de “modo de endereçamento” (ELLSWORTH, 2001). Considerando o

endereçamento de sua comunicação para determinada posição de sujeito,

compreendemos que os livros didáticos de História partem de pressupostos sobre o

público visado, pressupostos impressos na materialidade de seus enunciados e

inscritos em determinado sistema de significação historicamente estabelecido,

transbordando enquanto acontecimento para além do texto. Nesta trama,

compreendemos ainda que essas obras– ao visibilizarem e valorizarem determinada

gama de posições de sujeitos em detrimento de outras experiências culturais–, atuam

reproduzindo e naturalizando relações desiguais de poder, comunicando perspectivas

normativas de ser masculinos e/ou femininos, produzindo sujeitos através de

processos hierarquizados.

No capítulo “Os livros didáticos de História no horizonte de pesquisa”,

apresentamos uma breve revisão bibliográfica das pesquisas acadêmicas voltadas a

problemática dos livros didáticos de História, enfatizando abordagens atentas a

perspectiva das relações de gênero e sexualidade. Mereceu destaque o reduzido

número de trabalhos voltados a esta temática, todos circunscritos aos programas de

pós-graduação em educação e voltados a análise de obras avaliadas e distribuídas

por diferentes edições do Programa Nacional do Livro Didático à educação básica

brasileira.

Tomando os livros didáticos enquanto fontes de pesquisa, as autoras centraram

sua atenção em diferentes aspectos das publicações, notadamente nas imagens

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mobilizadas (BERNARDELLI, 2016; FRANÇOSO, 2017) e nos “textos principais”

(CELESTINO, 2016; MONTEIRO, 2016; SILVA, 2013). Empreendendo abordagens

diversas, o principal elemento de aproximação entre as pesquisas– excetuando a

análise desenvolvida por Silva (2013), voltada às representações das

homossexualidades nos impressos– foi a atenção a presença ou ausência das

mulheres na composição do conhecimento histórico veiculado pelas obras,

identificando temáticas e sentidos na visibilização dessas personagens.

Quanto aos principais resultados alcançados nas pesquisas, destacamos que,

embora voltadas a obras distintas (e endereçadas a níveis de ensino também

distintos), as insuficiências no tratamento das questões de gênero, sexualidade e

história das mulheres figuraram enquanto uma constante nas fontes analisadas. Como

destacado notadamente por Monteiro (2016) e Bernardelli (2016), embora as relações

de gênero figurem enquanto pressuposto nos processos avaliativos do PNLD, as

abordagens efetivamente desenvolvidas nos livros didáticos de História permanecem

centradas no que as autoras identificaram enquanto uma “história masculina”, em

detrimento a personagens e experiências históricas femininas.

Chamou a atenção o papel atribuído às masculinidades no conjunto das

pesquisas. Destacamos que, embora o gênero enquanto categoria analítica

pressuponha uma abordagem relacional entre masculinidades e feminilidades, o

binômio inclusão/exclusão constituiu um limite na compreensão das masculinidades

enquanto construtos históricos, variáveis e atravessadas por marcadores sociais,

como gênero, raça, etnicidade e sexualidade. Partindo das possibilidades analíticas

oferecidas por estas pesquisas, delineamos as aproximações teórico-metodológicas

empreendidas nesta análise.

No capítulo seguinte, “Relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos

de História: o que dizem os Editais e Guias?”, observamos os Editais e Guias

correspondentes ao Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM/2007)

e do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2015), contemporâneos as edições

de 2005 e 2013 da obra “História Global– Brasil e Geral”, fonte principal desta

pesquisa. Partindo dos critérios de seleção anunciados nos documentos,

investigamos em que medida as relações de gênero e sexualidade constituíram as

diretrizes avaliativas dos livros didáticos de História inscritos no programa.

Quanto ao Edital do PNLEM/2007 e o Catálogo do PNLEM/2008, destacamos

a atenção às questões de gênero e sexualidade. Identificadas enquanto componentes

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dos preceitos éticos que compuseram os “critérios de eliminação” e de “qualificação”

na avaliação dos livros didáticos de História, as relações de gênero figuraram ainda

na “Ficha avaliativa”– instrumento, segundo o Catálogo, utilizado na avaliação e

produção das resenhas disponíveis pela publicação.

Já em relação ao Edital e Guia do PNLD/2015, destacamos o desenvolvimento,

por parte dos documentos, de considerações sobre o ensino de história e os desafios

da história escolar no diálogo com as “culturas juvenis” (BRASIL, 2013, p. 38). Quanto

às relações de gênero, embora o Edital tenha estabelecido enquanto critérios

eliminatórios comuns a veiculação de estereótipos e preconceitos por parte das obras

inscritas, o Guia do PNLD/2015, ao apresentar uma síntese dos critérios avaliativos

endereçada a professoras e professores da educação básica, não especificou este

debate– retomado, objetivamente, apenas na “Ficha de avaliação”, disponibilizada ao

final do documento.

Tendo em vista as normatizações previstas por esses documentos, passamos

a análise das diferentes edições da obra “História Global– Brasil e Geral”,

selecionadas nesta pesquisa.

No capítulo “Os livros didáticos de história: (re)fazendo o gênero nos saberes

sobre o século XIX”, visando o diálogo entre os textos e imagens disponibilizadas

pelas diferentes edições da obra e uma produção historiográfica atenta às relações

de gênero, centramos nossa atenção no contexto de “endereçamento” de três

“personagens” da história do Brasil: D. Pedro II durante o Segundo Reinado (1840-

1889); D. Isabel, princesa imperial do Brasil; e a República, em sua representação

feminina, presente nas narrativas sobre a história do Brasil no final do século XIX.

Especificamente, analisamos os capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise

do Império” (“O fim do Império”, edição 2013) e “A instituição da República”.

Não buscamos corrigir informações ou complementar os livros didáticos.

Problematizamos as escolhas operadas na construção das narrativas históricas,

discutindo os possíveis efeitos de sentido no “endereçamento” dos conteúdos de

narrativas históricas escolares. Exploramos (testamos), atentando às estratégias de

“endereçamento” de uma comunicação atravessada por concepções de

masculinidades e feminilidades, os mecanismos de comunicação desenvolvidos pelas

narrativas, o que denominamos “cenografia”.

Em linhas gerais, a composição expressou uma cenografia centrada na

atuação do que denominamos “masculinidades agentes”: masculinidades especificas,

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cuja atuação e interesses, alinhados a trama das transformações políticas e

institucionais entre o Segundo Reinado brasileiro e o início do período republicano,

constituíram os principais objetos de atenção.

Construindo saberes quanto às dinâmicas de gênero no período descrito,

consideramos que os capítulos, através da ausência de considerações nos “textos

principais” e nas atividades que o retomam, naturalizaram as relações de poder entre

masculinidades e feminilidades histórica e socialmente construídas durante o século

XIX. Tomadas enquanto “fato” histórico indigno de nota nos “textos principais”, a

composição atualizou, no conhecimento histórico escolar, posições normativas de ser

masculino e feminino.

Isso não significou, entretanto, a criação de uma “história masculina” indefinida.

As chamadas “masculinidades agentes”, àquelas centradas pela composição,

constituíram posições específicas nas relações de poder, atravessadas por questões

de raça e classe. Identificadas aos grupos políticos hegemônicos e brancos, essas

masculinidades construtoras dos “fatos” históricos atuaram em oposição às

masculinidades subalternizadas, não-brancas e marginalizadas na política

institucional.

Quando observadas em relação às determinações expressas nos Editais e

Guias do Programa Nacional do Livro Didático, tais abordagens destoam

completamente dos critérios assumidos na avaliação das obras. A esse respeito,

destacamos um dos critérios de qualificação, discutidos anteriormente, presente no

Catálogo do PNLEM/2008. Versando especificamente sobre os critérios de

qualificação no âmbito das obras de história, o documento definiu:

[...] espera-se que a obra didática aborde criticamente as questões de sexo, gênero, de relações étnico-raciais e de classes sociais, denunciando toda forma de violência na sociedade e promovendo positivamente as minorias sociais (BRASIL, 2007, p. 15).

Salientamos ainda a advertência efetuada pela síntese avaliativa do Catálogo

do PNLEM/2008 às “simplificações explicativas” (BRASIL, 2007, p. 76) apresentadas

pela obra “História Global– Brasil e Geral”. Segundo o Catálogo, embora ganhe

destaque a preocupação da obra em estabelecer uma reflexão entre a experiência

histórica no passado e a atualidade, “[...] em vários capítulos, o conteúdo do texto

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principal mantém-se preso à descrição factual e aos temas já consagrados nos livros

didáticos” (BRASIL, 2007, p. 79). O catálogo complementa:

A ausência de uma reflexão sistemática sobre os conceitos fundamentais da História implica desequilíbrios e insuficiências ao longo de toda a obra. Assim, mesmo não havendo identificação da História com heróis, fatos e datas, alguns capítulos dão grande destaque à atuação de líderes políticos, muito em função da opção por uma narrativa política e factual. Ressente-se nessas narrativas da ausência de uma abordagem mais analítica e sintética, que incorpore também aspectos culturais, sociais e até mesmo econômicos (BRASIL, 2007, p. 79).

A despeito da estabilidade entre as edições de 2005 e 2013, cumpre notar a

mudança no teor da avaliação empreendida por ocasião do Guia do PNLD/2015.

Segundo o Guia, o texto e as seções que acompanharam a edição de 2013

visibilizaram “diferentes experiências sociais em que se problematizam questões

como desigualdades, preconceitos e discriminações a fim de contribuir para a

formação cidadã” (BRASIL, 2014, p. 73). Reiterando esse aspecto:

[...] coleção diferencia-se na apresentação de textos e atividades que objetivam o desenvolvimento de saberes e atitudes voltados para distintas ações dos estudantes, destacando-se a interpretação crítica e a compreensão histórica. Apresenta discussões que possibilitam o reconhecimento das diferentes experiências históricas dos grupos sociais e contribuem para o entendimento de situações cotidianas do tempo em que vive o aluno (BRASIL, 2014, p. 70).

Se observadas em sua relação com os Editais e Guias dos programas

nacionais do livro didático, as diferentes edições de “História Global – Brasil e Geral”

apresentaram poucas mudanças, em grande medida concentradas em seu aspecto

editorial. Contrariando as possíveis expectativas formuladas com base na atenção às

questões de gênero e sexualidade propostas pelas normativas para a elaboração das

obras didáticas, a narrativa do “texto-base” permaneceu centrada na descrição de

estruturas econômicas e políticas, nas quais os agentes históricos permaneceram

diluídos no interior de categorias sociais aparentemente a-históricas.

Quanto aos usos das imagens empreendidos pela obra, destacamos mais uma

vez o caráter “ilustrativo” na mobilização dos registos imagéticos. Não abordadas

explicitamente nas considerações do “texto principal”, as imagens não figuraram

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enquanto fontes ou registros “endereçados” para a reflexão histórica– constituindo-se

em meras ilustrações dos “fatos” históricos objetiva e absolutamente narrados.

Embora a publicação seja bem-sucedida, tanto em relação às avaliações

estabelecidas pelos editais que orientam a execução do PNLD quanto em relação a

distribuição das obras relativas ao componente curricular história, o objetivo de

promover “reflexão crítica” e “construção da vida cidadã” (BRASIL, 2007; 2014) não

foi atendido nas obras analisadas.

Destacamos que essas diferentes formas de composição configuram novos

sentidos nas obras. Apartados do “texto principal”, boxes e imagens variadas dispõem

de estatutos distintos da abordagem consagrada. Consideramos inadequado haver

“compartimentação” de determinados saberes e posições de sujeito em boxes,

separados do “texto principal”. Contra uma possível leitura dos boxes enquanto

estratégia para “dar relevo”, “chamar a atenção”, ou ampliar o rol de conteúdos

disponíveis, argumentamos quanto a particularização e secundarização dos saberes

e sujeitos ali “encerrados”. Esses “suplementos”, quando relacionados às diretrizes

dos capítulos, operaram reestabelecendo a predominância do “texto principal” e da

narrativa consagrada nas diferentes edições analisadas.

Pela perspectiva das relações de gênero, essas “cenografias” construíram

posições específicas para as masculinidades e feminilidades representadas. Quando

estiveram presentes nos “textos principais”, as feminilidades foram “endereçadas”

atreladas a passividade doméstica ou circunscritas aos símbolos políticos em

contextos vetados a participação feminina.

Comunicando saberes alinhados a determinadas concepções de

masculinidades, geralmente relacionadas ao poder e às ações “dignas de nota”, os

“textos principais” contrapõem boxes e imagens ocupados na visibilização de

determinadas feminilidades, figurantes de curta participação numa narrativa que

oportuniza uma estreita gama de posições de sujeito.

Vale ressaltar que não perseguimos o ideal de um livro didático “perfeito”: uma

publicação que, independente das leituras e interpretações diversas, elabore uma

exposição completa e atemporal da “verdade” sobre as experiências dos grupos

humanos no passado. Buscamos identificar de quais formas tais publicações

reafirmam atitudes e valores sobre os sujeitos históricos, atualizando determinadas

visões normativas sobre a história, (re)estabelecendo a invisibilidade e/ou

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marginalização de experiências e sujeitos na construção do conhecimento histórico

em sala de aula.

Não buscamos esvaziar a margem de atuação dos sujeitos envolvidos nas

dinâmicas escolares, nem estabelecer um encadeamento simples entre os textos e

suas recepções. Cumpre lembrar, como destacou Choppin (2004, p. 553), que o livro

didático não é o único recurso escolar: “[...] a coexistência (e a utilização efetiva) no

interior do universo escolar de instrumentos de ensino-aprendizagem que

estabelecem com o livro relações de concorrência ou de complementaridade influi

necessariamente em suas funções e usos”. Componentes do universo dos textos

impressos ou de outros suportes.

Acreditamos que refletir sobre o livro didático na perspectiva das relações de

gênero, enquanto um modo de significar as relações de poder, constitui um importante

campo político para a formulação de uma educação comprometida com o igualitarismo

e o respeito absoluto às diferenças. Somos esperançosos do exercício de uma história

escolar problematizadora das estratégias de silenciamento e invisibilidade das

diferenças historicamente construídas e fortemente presentes na sociedade brasileira,

nas nossas práticas educativas majoritárias e, particularmente, nos materiais didáticos

disponibilizados para as escolas públicas no Brasil, a despeito dos vultuosíssimos

investimentos públicos no PNLD.

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