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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA OS PARÂMETROS NAS ANÁLISES LÍTICAS NA ARQUEOLOGIA BRASILEIRA E SUA APLICAÇÃO NO SÍTIO CÉU AZUL 2 CURITIBA 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

OS PARÂMETROS NAS ANÁLISES LÍTICAS NA ARQUEOLOGIA BRASILEIRA E

SUA APLICAÇÃO NO SÍTIO CÉU AZUL 2

CURITIBA

2019

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ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

OS PARÂMETROS NAS ANÁLISES LÍTICAS NA ARQUEOLOGIA BRASILEIRA E

SUA APLICAÇÃO NO SÍTIO CÉU AZUL 2

Monografia apresentada ao curso de Graduação em Ciências Sociais – ênfase em Arqueologia e Antropologia, do Setor de Ciências Humanas, da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharela em Ciências Sociais – ênfase em Antropologia e Arqueologia. Orientador: Prof. Dr. Fabio Parenti.

CURITIBA

2019

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A meus pais, por todo amor e dedicação.

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“Um único sonho é mais poderoso do que mil realidades”.

(J.R.R. Tolkien)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiro a aquele me que rege, por permitir ser quem eu sou e aos

meus pais pelo amor incondicional, apoio necessário e por acreditarem na minha

capacidade de conquistar o que eu almejo.

Agradeço aos meus irmãos, pelo amor e carinho sempre presentes e a

minha pequena sobrinha, pela compreensão de que uma hora esse trabalho ia

acabar.

Te agradeço muito Luís, que me observa chegando onde quero e fica feliz.

Obrigada por compartilhar comigo as alegrias, estresses, ideias e toda uma vida.

Aos colegas e amigos que fiz durante a graduação, vocês me fizeram muito

feliz neste período e espero nos próximos também.

Aos amigos do CEPA, obrigada pelas alegrias compartilhadas, pelas

risadas, conversas e discussões.

A Mariana que me trouxe ao CEPA, isso foi muito valioso para minha

formação acadêmica e pessoal, meu muito obrigada!

Meu grande agradecimento ao professor Igor Chmyz por todo conhecimento

gerado sobre a Arqueologia paranaense.

Agradeço aos professores do DEAN, em especial Fabio e Laercio que me

ensinaram o quão linda e potente é a Arqueologia e me permitiram fazer parte de

suas pesquisas.

Laercio, obrigada por ter me levado para minha primeira escavação, eu

nunca vou esquecer isso.

Fabio, meu orientador, meu professor querido, um professorzão, obrigada

por todos os ensinamentos, sejam eles sobre Arqueologia, marcenaria, desenho ou

comida. Meu agradecimento é muito pequeno perto do que queria te dizer, você me

permitiu ser livre e isso é a coisa mais importante do mundo para mim. Meu profundo

agradecimento, admiração e carinho.

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RESUMO

Os objetivos deste trabalho são: primeiro, identificar os parâmetros utilizados por arqueólogos nas análises líticas a partir dos métodos tipológico, tecnotipológico e tecnofuncional em duas Tradições líticas dos grupos paleoíndios do Brasil, a Tradição Umbu e a Tradição Itaparica; segundo, aplicar os parâmetros identificados na análise do sítio Arqueológico Céu Azul 2 (São José dos Pinhais – PR), provável oficina lítica em terraço fluvial do Rio Pequeno, afluente da esquerda do Rio Iguaçu. Foram analisadas tecnotipologicamente 721 peças, subdivididas em 5 categorias: lascas, núcleos, peças retocadas, fragmentos de rocha e pré-formas. Posteriormente, o conjunto foi comparado com os artefatos dos sítios da fase Camburi, Itapuí e Umbu analisados por A. S. Dias em 2007. O resultado demostra que somente com porcentagens de alguns parâmetros não é possível fazer uma análise comparativa tecnológica, mas apenas tipológica. É necessário que mais dados sejam disponibilizados: de preferência os dados brutos divididos por sítios e definições claras. Palavras-chave: Arqueologia brasileira. Análise lítica. Tecnotipologia. Paleoíndio.

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ABSTRACT

The goals of this paper are: first, to identify the parameters used by archaeologists in the lithic analysis the typological, techno-typological and techno-functional methods, in two lithic traditions of the paleoindian groups of Brazil: the Umbu Tradition and the Itaparica Tradition. Secondly, to apply the parameters identified in the analysis of the Archeological Site Céu Azul 2 (São José dos Pinhais - PR), on from a lithic on tecnotypology to point of view fluvial terrace, a tributary possibly workshop of the left margin of the Iguaçu River. A total of 721 pieces were techno-typologically analyzed, subdivided into 5 categories: flakes, cores, retouched pieces, rock fragments and preforms. Subsequently, the was compared with the assemblage ones of the Camburi, Itapuí and Umbu phases, analyzed by A. S. Dias in 2007. The result shows that only by dealing with percentages of some parameters it is not possible to preform a technological comparative analysis, but only a typological one. More quantitative data needs to be made available: preferably raw data divided by sites.

Keywords: Brazilian archaeology. Lithic analysis. Technotypology. Paleoindian. Céu Azul 2 site.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 A - MATERIAL UTILIZADO E SEU ESTADO (LAMING-EMPERAIRE,

1967) ................................................................................................... 17

FIGURA 2 B - TÉCNICAS DE TRABALHO EM PEDRA (LAMING-EMPERAIRE,

1967) ................................................................................................... 18

FIGURA 3 C - DESCRIÇÃO DE UM OBJETO EM PEDRA (LAMING-EMPERAIRE,

1967) ................................................................................................... 19

FIGURA 4 D - UTILIZAÇÃO DO OBJETO (LAMING-EMPERAIRE, 1967) .......... 20

FIGURA 5 MAPA DE ABRANGÊNCIA DAS TRADIÇÕES UMBU E ITAPARICA 26

FIGURA 6 MAPA DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS ESTUDADOS .................... 30

FIGURA 7 LOCALIZAÇÃO DA BACIA DO RIO PEQUENO................................. 41

FIGURA 8 POSSÍVEIS TERRAÇOS FLUVIAIS NA BACIA DO RIO PEQUENO . 42

FIGURA 9 TRAJETO PEDÁGIO (A) - CÉU AZUL 2 (B) ....................................... 43

FIGURA 10 IMAGEM AÉREA DO SÍTIO CÉU AZUL 2 (PR CT 113) ..................... 44

FIGURA 11 VISTA DA ESTRADA EM 27/10/2017 E 16/05/2018 .......................... 45

FIGURA 12 CROQUI E FOTOGRÁFIA DO CORTE ESTRATIGRÁFICO .............. 46

FIGURA 13 FICHA CATALOGRÁFICA .................................................................. 47

FIGURA 14 GRÁFICO: REPRESENTAÇÃO PERCENTUAL DAS MATÉRIAS-PRI-

MAS DOS ARTEFATOS DO CÉU AZUL 2 ......................................... 49

FIGURA 15 GRÁFICO: PEÇAS ANALISADAS ...................................................... 50

FIGURA 16 GRÁFICO: INTEGRIDADE DAS LASCAS .......................................... 51

FIGURA 17 GRÁFICO: N° DE LASCAMENTOS NA FACE DORSAL NAS LASCAS

............................................................................................................ 51

FIGURA 18 GRÁFICO: TALÃO DAS LASCAS ...................................................... 51

FIGURA 19 GRÁFICO: DIREÇÃO DOS LASCAMENTOS NA FACE DORSAL DAS

LASCAS .............................................................................................. 52

FIGURA 20 GRÁFICO: COMPRIMENTO MÁXIMO MM DAS LASCAS ................ 52

FIGURA 21 GRÁFICO: COMPRIMENTO MÁXIMO EM MM DOS NÚCLEOS ....... 53

FIGURA 22 GRÁFICO: INTEGRIDADE DOS NÚCLEOS ...................................... 53

FIGURA 23 GRÁFICO: PESO DOS NÚCLEOS ..................................................... 53

FIGURA 24 GRÁFICO: N° DE CONTRA-BULBOS >10MM NOS NÚCLEOS ........ 54

FIGURA 25 GRÁFICO: TIPOS DE NÚCLEO ......................................................... 54

FIGURA 26 GRÁFICO: INTEGRIDADE DAS RETOCADAS ................................. 55

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FIGURA 27 GRÁFICO: SUPORTE ........................................................................ 55

FIGURA 28 GRÁFICO: TIPOS DE RETOQUES NAS RETOCADAS ................... 55

FIGURA 29 GRÁFICO: TIPO FP DAS RETOCADAS ............................................ 56

FIGURA 30 PONTA DE PROJÉTIL DE SILÉX (5377.31) ...................................... 57

FIGURA 31 FRAGMENTO MESIAL DE PONTA DE PROJÉTIL (5363.1) ............. 57

FIGURA 32 RASPADOR (5363.31) ....................................................................... 58

FIGURA 33 DESENHO TÉCNICO DE RASPADOR TRANSVERSAL .............. Erro!

Indicador não definido.

FIGURA 34 LESMA ................................................................................................ 60

FIGURA 35 DESENHO TÉCNICO DE LESMA (5348.3) ........................................ 60

FIGURA 36 DESENHO TÉCNICO DA PRÉ-FORMA DE PONTA (5369.5) ........... 61

FIGURA 37 PRÉ-FORMA DE BIFACE OU PONTA (5365.2) ................................ 62

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 AUTORES ESCOLHIDOS PARA A OBSERVAÇÃO DOS PARÂMETROS.

............................................................................................................... 29

TABELA 2 PARÂMETROS ANALISADOS BIBLIOGRAFICAMENTE [CHMYZ,(1968);

DIAS (2007); MORENO DE SOUSA (2017); SCHMITZ (1987); MORAES

(2008); FOGAÇA E LOURDEAU (2006)]. .............................................. 38

TABELA 3 RESULTADOS DAS ANÁLISES DOS PARÂMETROS ......................... 39

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 7 2 HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA BRASILEIRA.............................................. 9 3 ANÁLISES SOBRE INDÚSTRIAS LÍTICAS NO BRASIL ........................... 15 3.1 OS PRIMÓRDIOS: A CLASSIFICAÇÃO TIPOLÓGICA ................................ 16 3.2 CADEIA OPERATÓRIA ................................................................................ 21 3.3 ESTUDOS TECNOLÓGICOS ...................................................................... 22 3.3.1 Análise tecnotipológica ................................................................................. 23 3.3.2 Análise Tecnofuncional ................................................................................. 24 3.4 TRADIÇÕES ................................................................................................. 25 3.4.1 Tradição Umbu ............................................................................................. 26 3.4.2 Tradição Itaparica ......................................................................................... 27 4 PARÂMETROS OBSERVADOS NA ANÁLISE DA INDÚSTRIA LÍTICA

BRASILEIRA ................................................................................................ 29 4.1 TRADIÇÃO UMBU ........................................................................................ 30 4.1.1 Exemplos de Análise Tipológica ................................................................... 30 4.1.2 Exemplos de Análise Tecnotipológica .......................................................... 32 4.1.3 Exemplos de Análise Tecnofuncional ........................................................... 33 4.2 TRADIÇÃO ITAPARICA ............................................................................... 34 4.2.1 Análise Tipológica......................................................................................... 34 4.2.2 Análise Tecnotipológica ................................................................................ 36 4.2.3 Análise Tecnofuncional ................................................................................. 36 5 CÉU AZUL 2: UM ENCONTRO INESPERADO ........................................... 41 5.1 SITUAÇÃO ................................................................................................... 41 5.2 O SÍTIO ........................................................................................................ 44 5.3 MÉTODO DE ANÁLISE ................................................................................ 46 5.3.1 As análises ................................................................................................... 49 6 COMPARAÇÃO ENTRE O CÉU AZUL 2 E OS SÍTIOS DO VALE DO RIO

SINOS E ARROIO CAMPESTRE ................................................................ 64 7 CONCLUSÃO............................................................................................... 68

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 70 ANEXO ......................................................................................................... 75

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de estabelecer parâmetros

para a análise do material lítico do sítio arqueológico Céu Azul 2, bem como de

analisá-lo e compará-lo com outros sítios. Este sítio é objeto de estudo da iniciação

científica da qual faço parte desde 2017, intitulado Povoamento e difusão humana

na pré-história: estudo comparado entre América e Eurásia, e meu projeto, no último

semestre, foi a análise da indústria lítica deste sítio que se tornou o projeto de

pesquisa do presente trabalho. O sítio Céu Azul 2 entra no contexto do projeto por

ser um sítio de caçadores-coletores em terraço fluvial.

Para o estabelecimento destes parâmetros foram analisados os trabalhos de

seis autores que pesquisaram as indústrias da Tradição Umbu e Itaparica, e que

utilizam um destes três métodos de análise — o tipológico, o tecnotipológico e o

tecnofuncional.

Este trabalho se inicia com o capítulo Sumário Histórico da Arqueologia

brasileira, em que traço brevemente a história da arqueologia brasileira, desde a

chegada de Europeus no território, passando pelas expedições científicas do século

XVIII, pela “era dos museus” no século XIX, enfatizando o século XX, quando a

arqueologia científica se iniciou no país com pesquisadores estrangeiros, e

finalizando com a arqueologia de salvamento, nas últimas décadas.

No capítulo Análises sobre as indústrias líticas no Brasil, direciono para a

trajetória da arqueologia brasileira nos estudos líticos, contextualizando o

desenvolvimento das análises tipológicas por Annette Laming-Emperaire (1967); das

análises tecnotipológicas por Adriana Schmidt Dias e Sirlei Elaine Hoeltz (1997); das

análises tecnofuncionais por Emílio Fogaça e Antonie Lourdeau (2008); e, ainda,

contextualizo as Tradições Umbu e Itaparica.

No capítulo Parâmetros observados na análise da indústria lítica brasileira,

foi verificado os parâmetros utilizados nas análises líticas de seis autores que

posteriormente serviu como base para a análise do sítio Céu Azul 2 (PR CT 113). Os

autores selecionados foram: Igor Chmyz (1968),Adriana Schmidt Dias (2007), João

Carlos Moreno de Souza (2017) – para a Tradição Umbu; e, Pedro Ignácio Schmitz

(1987), Flavio Augusto de Aguiar Moraes (2008) e Emílio Fogaça e Antonie

Lourdeau (2008) — para a Tradição Itaparica.

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No capítulo Céu Azul 2: um encontro inesperado, analiso a indústria do sítio

arqueológico Céu Azul 2 (PR CT 113) a partir do método tecnotipológico e dos

parâmetros mais utilizados pelos autores. Bem como parâmetros estabelecidos por

Fabio Parenti para a análise desta indústria.

No capítulo Comparação entre o Céu Azul 2 e os sítios do Vale do Rio dos

Sinos e Arroio Campestre, comparo o sítio Céu Azul 2 com as fases líticas Camburi,

Umbu e Itapuí, pesquisadas por Adriana Schmidt Dias (2007).

Os parâmetros que foram utilizados por todos os autores são: matéria-prima,

cadeia operatória, dimensões, classe, integridade, retoque e faces. Se houver a

necessidade de comparação entre as indústrias estes parâmetros devem ser,

portanto, utilizados.

Na comparação com a pesquisa de A. S. Dias (2007), verificou-se que,

apesar da utilização dos mesmos parâmetros, o resultado foi uma comparação

unicamente qualitativa. Consequentemente, fica evidenciado que, sem a

apresentação dos dados quantitativos e qualitativos nas publicações ou em banco

de dados públicos e, ainda, sem definições explícitas dos parâmetros utilizados, ela

se torna não comparável tecnologicamente.

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2 SUMÁRIO HISTÓRICO DA ARQUEOLOGIA BRASILEIRA

O interesse por objetos do Novo Mundo inicia com a chegada dos primeiros

europeus ao continente. Ao avistar populações que eram completamente diferentes,

houve a chance em mostrá-las aos reis. Então, objetos etnográficos e arqueológicos

foram coletados e enviados para toda a Europa.

O século XVI é caracterizado pelas grandes navegações ibéricas e pela

localização e conquista de territórios desconhecidos pelos europeus e,

consequentemente, das populações indígenas. As descrições desses grupos estão

presentes desde as primeiras cartas enviadas para a Coroa portuguesa. Elas

relatavam o exotismo destas “novas” terras e de sua população. Além das cartas,

objetos arqueológicos e etnográficos foram coletados, trocados, roubados e

enviados aos Gabinetes de Curiosidades da dos príncipes europeus. Alguns sítios

arqueológicos também foram mencionados, como os sambaquis, por Fernão

Cardim, e inscrições rupestres encontradas por soldados do Capitão-mor Feliciano

Coelho, mas, naturalmente, sem o olhar arqueológico, que surgiu apenas no século

XVIII. Estes relatos auxiliam a arqueologia a estabelecer relações com populações

que atualmente só existem no registro arqueológico (BARRETO, 2000).

Já no século XVIII, as expedições científicas começaram a ter maior

impulso. As localidades mais procuradas eram aquelas onde a biodiversidade era

grande e quase inexplorada, como no caso da Amazônia. Diversos naturalistas

fizeram pesquisas no território brasileiro; dentre eles La Condamine (1745), Franz

Keller-Leusinger (1784) e Alexandre Rodrigues Ferreira (1785-1790) (SAMPAIO

apud BARRETO, 2000).

No século seguinte, com a vinda da Coroa portuguesa para terras brasileiras

em 1808, as expedições de naturalistas estrangeiros se intensificaram. A fundação

do Museu Real (1818), renomeado Museu Nacional na época da República, foi

importante, pois expedições brasileiras também começaram a ser realizadas. Elas

buscavam compreender a origem das populações indígenas, mas, principalmente,

conhecer a flora e a fauna do interior do país. Os naturalistas Carl Friedrich Philipp

von Martius (1794-1868) e Johann Baptist von Spix (1781-1826) merecem destaque

neste período (BARRETO, 2000).

O paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) encontrou

fauna pleistocênica e ossadas humanas associadas na Lapa do Sumidouro, em

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Lagoa Santa, Minas Gerais. Isso indicava a coexistência entre a fauna extinta e

seres humanos. Segundo Barreto (2000, p. 37), “até então não havia notícias de

restos humanos fossilizados em nenhuma outra parte do mundo, e tampouco era

aceita a idéia de tamanha antigüidade do ser humano”. Isso era algo novo e

implicaria na aceitação da existência de um homem “antediluviano”. Apesar da

controvérsia para a época, o imperador D. Pedro II incentivou e financiou as

pesquisas arqueológicas e paleontológicas em Lagoa Santa. Na Amazônia,

Domingos Soares Ferreira Penna (1818-1888) documentou pela primeira vez a

cultura Marajoara e fundou o Museu Emílio Goeldi (BARRETO, 2000).

A chamada “era dos museus” se inspirou nos grandes Museus de História

Natural europeus. O Museu Nacional, o Museu Paulista e o Museu Paraense

estavam nesse contexto. No Museu Nacional, a arqueologia era representada por

Ladislau de Souza Mello Netto (1838-1894). Sua pesquisa estava voltada para a

antropologia biológica com a antropometria e visava encontrar as origens das

populações indígenas. Teve muita importância também nos debates sobre a

artificialidade dos sambaquis e a hierarquia social apresentada nas urnas funerárias

do sambaqui de Pacoval (PA) (BARRETO, 2000).

No Museu Paulista, dirigido por Hermann Friedrich Albrecht von Ihering

(1850-1930), a arqueologia foi fomentada a partir de seu interesse pessoal, que

estava rigidamente ligado ao positivismo e ao que Barreto (2000, p. 38) chamou de

“taxonomismo cultural”, uma classificação evolutiva linear do material, que não

envolvia suas características humanas ou sociais.

O Museu Paraense de Belém foi criado em 1866 por Soares Ferreira Penna

e tinha como representante da arqueologia Emilio Goeldi (1859-1917). Em 1900, ele

passou a se chamar Museu Emilio Goedi e, novamente, em 1931, mudou de nome

para Museu Paraense Emilio Goeldi. Ele é muito importante, pois se tornou o ponto

inicial para expedições à Amazônia, devido à sua localização (MUSEU PARAENSE

DE BELÉM, 2019).

No século XX, com as Guerras Mundiais, somente as pesquisas promovidas

pelo Museu Nacional continuaram, o que acarretou a diminuição das publicações

arqueológicas. Porém, alguns intelectuais brasileiros já percebiam a necessidade de

formação de profissionais no país fazendo o caminho inverso do que então era feito:

ao invés de enviar estudantes para fora do país, passaram a trazer professores para

ministrar aulas no Brasil (DIAS, 2014).

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Nesse contexto, foram criados os primeiros centros de pesquisa em

arqueologia. Os intelectuais da época estavam preocupados com a constante

destruição de sítios arqueológicos e com a falta de profissionais qualificados para

resgatá-los, apresentando, portanto, um viés preservacionista. Assim surgiram o

Centro de Estudos Archeológicos – Museu Nacional, em 1935, com Luis de Castro

Faria (1913-2004); o Instituto de Pré-História/USP, em 1952, com Paulo Duarte

(1899-1984); e, em 1956, o CEPA (Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas)

UFPR, com José Loureiro Ascenção Fernandes (1903-1977), validando o status

acadêmico da arqueologia (BARRETO, 2000).

Com a inserção da arqueologia nas Universidades, a presença de

profissionais estrangeiros para ministrar as aulas e cursos influenciou muito a

arqueologia brasileira; principalmente, com o que Barreto (2000) chama de

“tecnicismo”, caracterizado pela ênfase nas técnicas de escavação, classificação,

datação e documentação. Para ela, houve uma transposição direta de conceitos e

técnicas que eram aplicados em seus contextos de origem, e não se aplicavam ao

contexto brasileiro.

Duas escolas influenciaram a formação de arqueólogos brasileiros nessa

época. A primeira foi a francesa, cujos principais expoentes foram Annette Laming-

Emperaire (1917-1977) e Joseph Emperaire (1912-1958), que ministraram aulas no

CEPA/UFPR e escavaram sambaquis no Paraná. É de autoria de Laming-Emperaire

o primeiro manual de análise de artefatos líticos da América do Sul. Esse guia foi

resultado do Seminário de Ensino e Pesquisa em sítios pré-cerâmicos, promovido

pelo CEPA/UFPR em 1967 (LAMING-EMPERAIRE, 1967). Mais detalhes sobre ele

serão abordados no capítulo Análises sobre indústrias líticas no Brasil, deste

trabalho.

A outra escola neo-evolucionista foi a norte-americana. Os principais

pesquisadores e coordenadores foram Betty Meggers (1921-2012) e Clifford Evans

(1920-1981), que ministraram cursos no CEPA/UFPR e coordenaram o PRONAPA

(Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas), que propunha fazer um

levantamento sistemático dos sítios arqueológicos do território brasileiro. Este foi

desenvolvido entre 1965 a 1970 e financiado pelo Smithsonian Institute de

Washington, ao qual os seus coordenadores estavam vinculados (BARRETO, 2000).

Por ser um programa nacional, havia pesquisadores em todas as regiões.

Segundo Ondemar Dias:

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Na Região Sul a pesquisa foi desenvolvida por José Brochado (RS) e depois também por Eurico Miller. No Paraná por Igor Chmyz e Wilson Rauth. Em Santa Catarina por Walter Piazza. Na Região Sudeste, em São Paulo por Silvia Maranca, no Rio de Janeiro e Minas Gerais por Ondemar Dias e no Espírito Santo por Celso Perota. No Nordeste por Valentím

Calderón, na Bahia e Nássaro Nasser no Rio Grande do Norte.Região Norte, por Mario Simões na Amazônia Legal (DIAS, 2014, não paginado).

Havia ainda um pesquisador que não estava diretamente vinculado ao

Programa, mas que participava das pesquisas: Pedro Ignácio Schmitz, no Rio

Grande do Sul, em Goiás e no Mato Grosso do Sul (DIAS, 2014).

Os levantamentos e análises eram discutidos anualmente em reuniões por

todos os membros, o que possibilitou uma visão integrada da arqueologia brasileira

e resultou no livro Arqueologia brasileira em 1968, publicado pelo Museu Emilio

Goeldi. Este plano:

[...] tornou possível identificar Tradições Culturais pelas comparações sistemáticas de trabalhos extensivos e intensivos, fundamentados nos mesmos parâmetros, articulados segundo a mesma metodologia e utilizando a mesma terminologia, postos a discussão e debate sob análise de especialistas diversos (DIAS, 2014, não paginado).

Esse sistema de trabalho era marcadamente norte-americano, porém, como

Ondemar Dias (2014) salientou, cada pesquisador mesclou o melhor, segundo seus

próprios entendimentos, de cada uma das escolas, o que tornou a arqueologia

brasileira diversa e metodologicamente consistente. Isso permitiu comparações e

adequações durante o Programa e deixou para os novos arqueólogos uma

possibilidade de verificação dos dados pesquisados.

O método de análise cerâmica utilizado pelo PRONAPA se baseava no

sistema Ford, que permite diferenciar tradições, fases e subfases dos materiais

arqueológicos. O principal objetivo do PRONAPA era “estabelecer um esquema

cronológico do desenvolvimento cultural no país, através de trabalhos prospectivos

de caráter regional e seriações” (FORD, 1962 apud DIAS, 2007, p. 60).

A metodologia pronapiana recebeu diversas críticas, inclusive de Barreto

(2000) e Schmitz (1987), por não publicar os seus resultados. Entretanto, Ondemar

Dias (1975) já evidenciou a dificuldade de se fazerem tais publicações, devido,

principalmente, ao volume de dados coletados.

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Temos, igualmente, divulgado as nossas Notícias Preliminares e Trabalhos Monográficos em mais de um veículo de informação cultural, mas mesmo assim torna-se clara a defasagem ao observarmos o volume dos dados publicados em comparação com aqueles elaborados ao fim do processo da análise interpretativa (DIAS, 1975, não paginado).

O PRONAPA foi finalizado em 1970 e, apesar das críticas, foi uma

contribuição fundamental ao conhecimento arqueológico do país, porque

proporcionou o primeiro levantamento sistemático de sítios arqueológicos e dos

materiais encontrados e propôs pressupostos teórico-metodológicos próprios para a

arqueologia brasileira, como é o caso da seriação das cerâmicas arqueológicas

brasileiras.

Em 1956, inicia-se a formação de profissionais especializados em

arqueologia no país e, somente em 1980, a SAB (Sociedade de Arqueologia

Brasileira) foi fundada. Nesse contexto, houve uma reaproximação da arqueologia

com a antropologia social, que permitiu que novas hipóteses surgissem (BARRETO,

2000; PROUS, 1991).

Nas últimas décadas do século XX, a arqueologia brasileira ainda não tinha

relevância internacional e nem dialogava com as arqueologias latino-americanas.

Isso provocou, segundo Barreto (2000), um isolamento dessa ciência. Além disso, a

arqueologia de contrato se intensificou, o que gerou uma grande quantidade de

material resgatado e não estudado, situação muito parecida com a do PRONAPA,

dificultando a pesquisa arqueológica mais aprofundada e o trabalho a partir de

hipóteses para o estudo destes materiais já na sua coleta.

A arqueologia de salvamento foi intensificada no país com a promulgação da

Constituição Federal de 1988, que, nos artigos 215 e 216, se refere aos bens

culturais brasileiros. Contudo, desde 1937, com a criação do SPHAN (Serviço do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), hoje IPHAN (Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional), os bens culturais começaram a ser preservados de

maneira sistemática. Não havia ainda, porém, profissionais suficientes para a

pesquisa e a descrição dos bens arqueológicos. Alguns estados, como São Paulo e

Paraná, possuíam legislações para a salvaguarda dos sítios arqueológicos,

principalmente os sambaquis, que eram destruídos para a construção de estradas.

Posteriormente, com a lei 3.924 de 1961, definiram-se os sítios arqueológicos e as

atribuições das pesquisas arqueológicas.

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As referidas leis estavam direcionadas à preservação dos materiais

arqueológicos expostos à destruição iminente.

[...] diante do surto desenvolvimentista, enquanto se escava um sítio segundo métodos tradicionais, obtendo-se do mesmo grande volume de informações, dezenas de outros são destruídos, sem que deles se tenha qualquer dado. (CHMYZ, 1986, p. 12).

Sendo assim, os métodos empregados para o salvamento se modificaram e

passaram a ser mais direcionados à coleta. Os projetos eram estruturados por

professores e pesquisadores, museus ou centros de pesquisa, e eram apresentados

para as empresas promotoras das obras, majoritariamente ligadas a hidroelétricas.

O custeio foi direcionado somente para o transporte, a alimentação e a hospedagem

dos pesquisadores. As empresas se responsabilizaram somente pelas atividades em

campo e de laboratório, e as publicações ficaram ao encargo dos pesquisadores.

Todas as pesquisas tinham relatórios parciais ou finais, que raramente eram

publicados (CHMYZ, 1986).

Atualmente, a parte quantitativamente dominante da arqueologia brasileira

está relacionada à atividade de salvamento, pois há a exigência legal imposta aos

empreendedores para a verificação da existência de material arqueológico no local

de suas operações (MORENO DE SOUSA, 2014). Um levantamento feito por

Zanettini (2009) demonstrou que menos de 10% das pesquisas realizadas no Brasil

tem enfoque estritamente acadêmico. Contudo, ele salienta que há muitas

publicações e recursos para a arqueologia, o que não indica necessariamente que o

conhecimento produzido por ela seja substancial e nem acessível à população do

país, levantando um relevante questionamento para os futuros arqueólogos: como

utilizar estes recursos para difundir a ciência de forma concreta para o público não

especializado?

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

15

3 ANÁLISES DAS INDÚSTRIAS LÍTICAS NO BRASIL

Neste capítulo, são contextualizados três métodos de estudo das indústrias

líticas utilizadas no Brasil: o tipológico, o tecnotipológico e o tecnofuncional. Eles

foram estudados visando identificar as semelhanças e diferenças entre os

parâmetros utilizados por cada um deles.

As análises de material lítico começaram a ser sistematizadas no Brasil com

o trabalho de Annette Laming-Emperaire, de 1967. O trabalho dela foi pioneiro tanto

na organização terminológica como de análise desse material. Havia uma carência

por parte dos pesquisadores brasileiros de terminologias próprias para as indústrias

da América do Sul, que se mostravam diferentes das indústrias da Europa.

A elaboração do Guia para análises de indústrias líticas na América do Sul

1967 e uma segunda redação em 1969 teve como objetivo sistematizar e interpretar

os vestígios líticos sul-americanos com terminologias adaptadas a este contexto,

tendo como base o texto de Brézillion, La dénomination des outils de pierre taillée,

de 1968. Ele foi criado devido à insistência dos alunos do seminário de ensino e

pesquisa dos sítios pré-cerâmicos, ocorrido em 1966. Por não haver padronização

terminológica e nem de análise das indústrias, a comparação entre as indústrias era

dificultada. Participaram deste seminário Pe. João Alfredo Rohr, Margarida Davina

Andreatta, Pedro Ignácio Schmitz, Celso Perota, Anamaria Beck, Braz Francisco

Raul Santiago Winker Pepe e Marcos Albuquerque (LAMING-EMPERAIRE, 1967).

Para Laming-Emperaire, a falta de terminologias consolidadas era de

alguma forma uma sorte, pois a formulação poderia ser pensada de forma lógica e

sistemática desde o princípio.

Infelizmente, na maioria dos casos, êsse vocabulário fixou-se em função de circunstâncias históricas, as quais, por sua própria natureza, não são nem lógicas, nem sistemáticas. Cada palavra pode ter um significado diferente ou ligeiramente diferente segundo os autôres e as tentativas de redefinição e de homogeneização dos têrmos se tornam mais difíceis em razão de sua utilização por grande número de autôres. A sorte dos países da América Latina é que êles se encontram em uma situação muito diferente (LAMING-EMPERAIRE, 1967, p. 13).

Sendo assim, a formulação de tipos próprios brasileiros ou sul-americanos

poderia ser facilitada, mas o maior desafio era conhecer os vestígios líticos

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

16

existentes no país, pois as pesquisas arqueológicas brasileiras ainda estavam no

começo.

3.1 OS PRIMÓRDIOS: A CLASSIFICAÇÃO TIPOLÓGICA

As análises de complexos líticos se padronizaram a partir deste guia. Ele

tinha como pressuposto classificatório a tipologia lítica. Bordes (1981, p. 11) define a

tipologia lítica como “[...] la science qui permet de reconnaître, de définir et de

classer les différentes variétés d'outils se rencontrant dans les gisements de cette

longue période de l'évolution de l'humanité”1. Uma vez que os objetos líticos têm

fundamental importância para entender o modo de vida de populações pretéritas,

objetos característicos, como, por exemplo, os bifaces para o Acheuleense na

Europa ou as pontas da flecha para a Tradição Umbu no sul do Brasil, eram

selecionados e usados como definidores de uma cronologia e de uma cultura. Esses

objetos característicos eram chamados de fósseis-guia ou artefatos-guia. Tal método

foi emprestado da Paleontologia, que desde o século XIX o utilizava para as

construções de cronologias relativas (PROUS, 1991).

Todavia, esse método, baseado na teoria evolucionista, requeria um

conhecimento amplo e preciso das tipologias. Essa compreensão já existia em

alguns contextos, como os da Europa, da África e do mediterrâneo oriental. Porém,

se mostrou ineficaz em áreas como o Brasil e América do Sul, em que quase não

havia coleções estudadas (PROUS, 1991).

Outra consequência desse método foi a dissociação entre as análises do

artefato e da população ou cultura que o produziu (ADAMS, 2008). Esse

distanciamento da antropologia e estudos culturais caracterizou toda a produção de

conhecimento arqueológico no Brasil, trazido já no método de Laming-Emperaire.

Com relação ao método de análise tipológica, Laming-Emperaire fez

algumas modificações. Para ela, os tipos gerais apareciam em todas as culturas,

mas não caracterizavam nenhuma, por essa razão era necessário desenvolver

subtipos (LAMING-EMPERAIRE, 1967). Outro autor, André Prous que trabalhou com

Laming-Emperaire, afirma que “instrumentos como facas, serras, raspadores,

plainas, furadores, percutores, trituradores ou mós encontram-se em todas as

1 “[...] a ciência que permite reconhecer, definir e classificar as diferentes variedades de ferramentas

encontradas nos depósitos deste longo período da evolução da humanidade” (tradução nossa).

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

17

comunidades humanas, assim como recipientes, independente das variações

culturais” (PROUS; FOGAÇA, 2017, p. 25, grifo do autor).

Laming-Emperaire (1967) analisa o maior número possível de objetos e

sistematiza os dados para, posteriormente, caracterizar tipos e subtipos sul-

americanos e então fazer este guia em conjunto com os pesquisadores que

participaram do Seminário. Contudo, a maior contribuição deste guia consistia em

tornar a análise mais rápida, precisa e completa, pois a partir dele seria possível

formar quadros com a mesma base de dados, não se permitindo que nenhum

parâmetro importante ficasse esquecido, além de se padronizar a nomenclatura.

Com isso, a ambiguidade e as falhas na comunicação diminuiriam, e a possibilidade

de comparação entre indústrias diferentes tornou-se possível.

Na primeira parte do trabalho, os termos foram divididos em quatro grandes

grupos, e depois subdividido segundo suas necessidades. Chegou-se, assim, a 168

definições, que foram feitas em francês e foram traduzidas em português por Pedro

Ignácio Schmitz. São eles: material utilizado e seu estado (FIGURA 1); técnicas de

trabalho em pedra (FIGURA 2); descrição de um objeto em pedra (FIGURA 3); e,

utilização do objeto (FIGURA 4).

FIGURA 1 A - MATERIAL UTILIZADO E SEU ESTADO (LAMING-EMPERAIRE, 1967)

FONTE: a autora.

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18

FONTE: a autora.

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20

FONTE: a autora.

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Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

21

As definições eram atribuídas pela forma dos objetos ou pela sua suposta

função. Os objetos recolhidos eram aqueles macroscopicamente identificados como

funcionais ou diagnósticos: peças elaboradas, “formais”, as que morfologicamente

poderiam ser identificadas como armas, utensílios, suportes ou adornos. Em alguns

casos não era possível reconhecer a função imediatamente, mas o trabalho

realizado na pedra era evidente, como é o caso exposto por Prous (1991, p. 78): “há

ainda artefatos do litoral sub-brasileiro, de uso desconhecido, que apresentam

perfurações e estrias. Alguns têm forma de anel, outros são alongados, e nenhum foi

enquadrado até agora em tipos definidos”. A maior ênfase, porém, era dada no

objeto “finalizado” e não no conjunto da indústria. Os refugos de preparação e os

objetos não diagnósticos eram desprezados (ADAMS, 2008; PROUS, 2017).

Este tipo de análise, a partir de fósseis-guia, foi predominante no Brasil entre

as décadas de 1960 e 1980. Segundo Prous e Fogaça:

Podem-se citar as propostas classificatórias tipológicas baseadas na morfologia — como aquelas das pontas bifaciais meridionais propostas por Mentz Ribeiro e Hentschke, e a classificação dos machados amazônicos, por M. Becker/Beltrão — ou a descrição pormenorizada de artefatos altamente elaborados das peças características do Altoparanaense de Itapiranga, por P.I. Schmitz e I. Becker (PROUS; FOGAÇA, 2017, p. 65).

Prous (2017) salienta que a ênfase dos pesquisadores do PRONAPA não foi

nos estudos das indústrias líticas. Porém, apesar das críticas, nenhum pesquisador

posterior desvinculou as indústrias das Tradições e fases definidas por eles.

3.2 CADEIA OPERATÓRIA

É importante salientar que o conceito de cadeia operatória já era corrente

naquele contexto. Ele modificava a maneira de coletar e analisar os artefatos, e tinha

como pressuposto o estudo da indústria; os pesquisadores da época (Laming-

Emperaire, Laplace, Clarke, Bordes, Leroi-Gourhan) já haviam o incluído na

arqueologia. O conceito de cadeia operatória é do antropólogo Marcel Mauss, que

propõe que “todos os objetos devem ser estudados: 1° em si mesmos; 2° em relação

às pessoas que deles se serviram; 3° em relação à totalidade do sistema observado”

(MAUSS, 1972, p. 37 apud GALHARDO et al, 2015). Nesse sentido, foi introduzida a

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

22

pressuposto de que os objetos possuíam uma história própria e que eram

produzidos segundo uma intencionalidade, para exercer uma ou mais funções.

Com isso, começou-se a indagar sobre a obtenção da matéria-prima, a

produção, o abandono, os processos pós-deposicionais e até mesmo as

modificações sofridas pelos objetos nas reservas técnicas. Partia-se da premissa de

que havia diversos motivos para o descarte de artefatos, como a perda, o desgaste

do gume, a quebra durante o lascamento, entre outros. Essas possibilidades

poderiam ser verificadas por um estudo tecnológico, porém alguns autores que

faziam análises tipológicas também usavam a noção de Cadeia Operatória, como é

o caso de Annette Laming-Emperaire (1967) e Solange Bezerra Caldarelli (1984)

(PROUS, 2017).

3.3 ESTUDOS TECNOLÓGICOS

Com a introdução do conceito de cadeia operatória, foi necessário alterar

todo o processo de análise das indústrias líticas, porque a tipologia não era

suficiente para sanar todas as questões que estavam surgindo. Os pesquisadores

da época começaram a perceber que havia indústrias que não priorizavam o retoque

e que nem sempre havia artefatos “formais”, como é o caso do Brasil (PROUS,

2017). Na segunda metade do século XX, principalmente nos EUA, Rússia e na

França, foi dada a ênfase em estudos experimentais, fazendo réplicas de artefatos

para entender como eles eram produzidos e utilizados. Isso permitiu encontrar

variações tecnológicas dentro da mesma “Tradição”.

O uso do termo tecnologia, citado por Inizan et al (1995, p. 13, grifo dos

autores), é ”[...] réservé à une approche conceptuelle de la culture matérielle en

préhistoire, fondée sur l'étude raisonnée des techniques, y compris celle des

gestes”2.

O enfoque tecnológico pode ser divido em tecnotipológico e tecnofuncional.

No contexto brasileiro, para a análise tecnotipológica usarei os trabalhos das

pesquisadoras Adriana Schmidt Dias e Sirlei Elaine Hoeltz (1997) e, para a análise

tecnofuncional, os de Emilio Fogaça e Antonie Lourdeau (2008) para análise

tecnológica, Marcio Alonso Lima e Maria Estela Mansur (1986/1990) e Marcio

2 “[...] reservado para uma abordagem conceitual da cultura material na pré-história, com base no

estudo fundamentado de técnicas, incluindo o de gestos” (tradução nossa).

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

23

Alonso Lima (2008) para a análise traceológica. E ainda para caracterizar e definir

os tipos Fabio Parenti (2001) este texto serviu de guia nas definições da análise.

3.3.1 Análise tecnotipológica

Esse método de classificação pressupunha que a evolução dos artefatos

fosse linear, e sua distribuição, cronologicamente universal. Este pressuposto foi

difundido por François Bordes na década de 1950. Ele visava o estudo de conjuntos

de artefatos, e não apenas dos artefatos retocados ou formais em si mesmos

(PELLEGRIN, 2001, p. 8986). Para Adams (2008) “François Bordes, developed a

method of studying and comparing assembles of lithic artefacts, as opposed to single

objets, which was both quantitative and qualitative”3. Assim, as listas tipológicas

começaram a se difundir.

Nesse contexto, vale lembrar o conhecido debate entre François Bordes e

Lewis e Sally Binford a respeito das indústrias do Musteriense francês. Para Bordes,

havia uma grande diferença entre as quatro fácies contemporâneas, interpretando

assim que seriam de grupos tecnológica e culturalmente diferentes que produziam

os artefatos, enquanto para Binford estas diferenças indicavam diferentes funções

dos artefatos, as atividades difeririam em diferentes sítios, em diferentes estações

do ano, como acontece entre os Esquimós (PELEGRIN, 2001; MAUSS, 2015;

BINFORD, 1978).

Os argumentos para sustentar ambas as teses são congruentes. Porém,

com o advento do uso dos computadores e da difusão da estatística, a interpretação

de Bordes foi confirmada por H. L. Movius. Os tipos apresentados por Bordes eram

mesmo muito distintos tecnologicamente (PELEGRIN, 2001). No Brasil, havia uma

definição direta dos sítios a partir de seus artefatos. Os sítios que apresentavam

pontas de projétil no sul do país eram diretamente relacionados à Tradição Umbu, e

com objetos “pesados”, como os machados polidos, a Tradição Humaitá e os

bumerangóide a Altoparanaense (DIAS; HOELTZ, 1997).

Trinta anos depois, mesmo havendo o uso do Guia de Laming-Emperaire,

Dias e Hoeltz (1997, p. 22) perceberam que havia apenas “descrições sumárias dos

principais tipos morfológicos de artefatos, sem um padrão analítico quantitativo ou

3 “François Bordes desenvolveu um método de estudo e comparação de conjuntos de artefatos líticos,

que eram quantitativos e qualitativos, em oposição a [o estudo de] objetos únicos” (tradução nossa).

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

24

qualitativo unificado”. Prous (1986/1990) salienta ainda que o estudo deste material

não demonstrava os parâmetros analisados, dificultando a análise sistemática dos

materiais.

Com essas críticas às análises puramente tipológicas e sob uma renovada

influência da escola francesa de Tixier, difundiram-se as análises tecnotipológicas,

que tinham como pressuposto observar a continuidade e as inovações da técnica no

tempo. Os artefatos eram relacionados também ao conjunto de ações de sua

confecção. Isso foi mais difundido a partir das experimentações de J. Tixier, que

lecionou nos anos 1980 no Brasil (comunicação pessoal - Fabio Parenti), e E.

Boëda, que trabalha na Serra da Capivara (PI).

A. Dias e S. Hoeltz (1997) utilizam como base os autores Collins (1975),

Hilbert (1994), Hoeltz (1995) e Dias (1994), e elaboram um método para os estudos

tecnológicos das indústrias líticas do sul do Brasil, incluindo os resíduos de

lascamento (DIAS; HOELTZ, 1997). Elas dividem os artefatos em três grupos:

resíduos de lascamento unipolar e bipolar (31 parâmetros); artefatos bifaciais e

unifaciais (23 parâmetros); e artefatos brutos e polidos (16 parâmetros).

Diversos autores utilizaram as análises tecnotipológicas em suas pesquisas,

tais como Dias (1994), Morais (2008) e Chmyz (2008).

3.3.2 Análise Tecnofuncional

A análise tecnofuncional estuda a fabricação, a função e uso dos artefatos.

Para isso, Eric Boëda e seus colaboradores, como Emilio Fogaça e Antonie

Lourdeau, subdividem os artefatos em três segmentos para determinar a sua função:

a parte preensiva, que tem contato com a mão ou outra parte do corpo do agente; a

parte transformativa, que entra em contato com o material a ser trabalhado; e a parte

transmissora de energia, que está localizada entre as duas. As UTF’s são diferentes

em cada tipo de artefato. Por essa razão, cada autor as utiliza de maneira a

responder a questão proposta. Porém, ainda há poucas análises com este tipo de

método (LOURDEAU; FOGAÇA, 2008).

Porém, apenas com a análise tecnológica não é possível definir a função do

artefato. É necessário haver a conjunção com métodos de análise de microtraços de

uso e experimentação, pois cada matéria-prima e cada material transformado

deixam traços diferentes. No Brasil, as primeiras análises conjugadas de

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

25

experimentação e microtraços de uso foram realizados por Lima e Mansur

(1986/1990) com as indústrias em quartizito do sítio Santana do Riacho.

Esses três tipos de análise lítica são utilizados no Brasil atualmente. A

tipologia é a menos frequente, pois, devido ao advento da análise tecnológica e à

falta de padronização dos artefatos, esse método se tornou menos utilizado. Para

observar e perceber as diferenças e semelhanças nos métodos de análise

empregados, foram escolhidas para os fins desta pesquisa duas Tradições líticas

bem definidas, como a Tradição Umbu e a Tradição Itaparica, que estão sendo

reavaliadas no que concerne à sua variabilidade técnica (BUENO, 2005;

OKUMURA; ARAÚJO, 2015; MORENO DE SOUSA, 2018).

3.4 TRADIÇÕES

O conceito de Tradição foi estabelecido pelo PRONAPA; é o “grupo de

elementos ou técnicas, com persistência temporal” (PRONAPA, 1976). Este conceito

vem da corrente histórico-culturalista americana, baseada na obra Method and

Theory in American Archaeology (1958), de Willey e Phillips, que pressupunham que

“os indicadores selecionados para a definição de um tipo devem representar uma

realidade comportamental, entendida como norma pelas sociedades que produziram

o artefato sob análise” (DIAS, 2007, p. 61). As Tradições líticas foram definidas a

partir de fósseis-guia, tipos “formais”, frequentemente com retoques que definiam

coleções inteiras pela sua ausência, presença ou quantidade relativa. A análise mais

refinada era limitada a esses artefatos, tidos como os mais informativos (DIAS;

HOELTZ, 2010; GALHARDO, 2015; PROUS, 2017). As áreas de abrangência das

Tradições Umbu e Itaparica se representam da forma abaixo (FIGURA 5).

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

26

FIGURA 5 MAPA DE ABRANGÊNCIA DAS TRADIÇÕES UMBU E ITAPARICA

FONTE: ANGELES FLORES et al. (2016) - modificado.

3.4.1 Tradição Umbu

A Tradição Umbu é uma tradição lítica definida por Eurico Miller na década

de 1970, através das pesquisas no sítio RS-LN-1, Cerrito Dalpiaz, publicadas em

1969 (PROUS, 1991). Nesse sítio foi verificada uma “sequência evolutiva baseada

não somente em datações radiocarbônicas e tipologia lítica, mas sobre uma boa

estratigrafia e uma visão completa do instrumental ósseo” (PROUS, 1991, p. 150). A

Tradição Umbu se caracteriza por artefatos líticos bifaciais em forma de ponta,

conhecidos como “ponta de projétil”, e pela grande quantidade de lascas, que

podem ser retocadas ou não. Ela se estende em toda a região sul do país, além do

estado de São Paulo e dos países limítrofes: Argentina, Paraguai e Uruguai

(SCHMITZ, 1987; PROUS, 1991; MORENO DE SOUSA, 2017).

Seu artefato-guia, a ponta bifacial, tem grande variabilidade morfológica,

apresentando pontas “foliáceas bifaciais ovais (frequentemente encontradas

quebradas transversalmente no meio) ou triangulares (isósceles); de corpo triangular

como pedúnculo, com ou sem aletas, por vezes com os bordos serrilhados (fases

Iguaçu e Araponga)” (PROUS, 1991, p. 151).

São também numerosos outros tipos de instrumento sobre lascas, cujo retoque invade freqüentemente as faces, lembrando o Solutreano e o Szeleitiano europeus, ou as técnicas das planícies norte-americanas. Encontram-se raspadores terminais com gumes de formas diversas, por

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

27

vezes pedunculados (fases Umbu, Rio Pardinho, Araponga) [...]; bifaces amigdalóides, retangulares (estes últimos no Paraná, fase Potinga) e facas sobre lascas freqüentemente bifaciais. Existem também buris verdadeiros: em geral buris de ângulo sobre troncatura reta (rio Pardinho, Potinga, Iguaçu), ou sobre troncatura oblíqua convexa lembrando um semi-raspador ogival (Alice Boér, SP); a fase Rio Pardinho mostra também magníficos furadores de ponta comprida e cuidadosamente retocada [...]. A literatura menciona, infelizmente sem descrições, lascas freqüentemente secundárias, lâminas e núcleos. Os únicos instrumentos plano-convexos mencionados, e nem sempre presentes, são as lesmas (fase Panambi, e região de Rio Claro) (PROUS, 1991, p. 152).

Sendo assim, as pontas de projétil são apenas um artefato “formal” presente

na Tradição Umbu, pois sua variação artefactual é grande.

3.4.2 Tradição Itaparica

A Tradição Itaparica foi definida por Valentin Calderón, em 1969, no quadro

do PRONAPA, a partir de achados da Gruta do Padre, próxima da cachoeira

Itaparica, em Petrolândia, Bahia. Os artefatos eram “raspadores líticos plano-

convexos, semicirculares, ou com tendência trapezoidal, lascas sem retoques ou

com pouco retoques, pontas-faca, pontas-raspador e buris” (CALDERÓN apud

MORAES, 2008).

Pedro Ignácio Schmitz, ao encontrar os mesmos tipos de artefatos em

Goiás, expandiu-a geográfica e cronologicamente, inserindo-a na transição

Pleistoceno/Holoceno (SCHMITZ, 1987). Esta Tradição é encontrada por toda a

região Nordeste, em parte do Centro-oeste e no sudeste do Brasil.

Além dos artefatos-guia, havia outros que compunham as indústrias, entre

eles estão: raspadores terminais, furadores, raspadores ou raspadeiras sobre

lâmina; facas; raspador de dorso alto; talhador entalhado; raspador denticulado;

fragmentos de pontas bifaciais; ponta de projétil; artefato bifacial; discos lascados,

picoteados ou alisados; pequenas pedras com uma das faces levemente côncava;

percutores pequenos; além dos núcleos, lascas e percutores. (SCHMITZ, 1987, p.

26, 30, 32 e 33).

Há diversas críticas ao sistema classificatório das Tradições e à sua

definição a partir de artefatos-guia, até mesmo vindo do próprio Valentin Calderón,

que em 1983 já anunciava o problema.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

28

Nem mesmo a terminologia, caótica em todas as Américas, e principalmente no hemisfério sul, foi devidamente estabelecida, apesar dos esforços, de Annette Laming e sua equipe da Universidade do Paraná. [...] Os complexos líticos têm sido insuficientemente descritos, preocupados que estavam os pesquisadores com a presença de pontas de projétil, usando uma terminologia arbitrária, sem sistematizar as classificações, com raros métodos estatísticos para sua caracterização (CALDERON [1983, p. 37] apud MARQUES; HILBERT, 2009).

Nesse período, como salientam Marques e Hilbert (2009) as pesquisas

arqueológicas estavam apenas começando e as primeiras generalizações eram

formuladas, como a difusão das pontas de flecha em todo o território brasileiro.

As críticas ao conceito de Tradição vinham dos próprios pesquisadores do

PRONAPA. Porém, ainda hoje esse conceito é utilizado, e poucos pesquisadores

desvincularam as indústrias das Tradições arqueológicas empregadas.

Há uma difusão de estudos tecnológicos que permitem identificar a

variabilidade técnica na confecção dos artefatos, permitindo observar que, além da

morfologia, as técnicas podem ser diferentes dentro da mesma Tradição. Algumas

perguntas agora podem ter respostas como: seriam, então, grupos diferentes

produzindo peças morfologicamente análogas? Seriam outras culturas? Seriam

variações dentro de um mesmo grupo? Algumas dessas questões já são tratadas

sistematicamente por pesquisadores como Lucas Bueno (2005), Antonie Lourdeau

(2010) e João Carlos Moreno de Sousa (2018), todos em suas teses de doutorado.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

29

4 PARÂMETROS OBSERVADOS NA ANÁLISE DA INDÚSTRIA LÍTICA

BRASILEIRA

Para se chegar a definições como a das fases e a das Tradições, é

necessário estabelecer parâmetros congruentes e claramente definidos que

permitam a realização da análise. No capítulo anterior, dissertou-se sobre os

principais autores que trataram disso no Brasil. Todos eles utilizavam pressupostos

diferentes para suas análises e estabeleciam os parâmetros que iriam observar no

material. Neste capitulo, será apresentada a análise de seis autores, dando ênfase

às características observadas por cada um. Inicialmente, serão abordados os sítios

ou fases arqueológicas que eles pesquisaram e, posteriormente, os parâmetros que

foram utilizados por esses autores serão comparados. Isso servirá para estabelecer

os parâmetros da análise do sítio Céu Azul 2 e, ainda, compará-la com a análise

efetuada por Adriana Schmidt Dias (2007). Os autores constam na Tabela 1 e foram

divididos em Tradição e tipos de análise — tipológica, tecnotipológica e

tecnofuncional.

TABELA 1 AUTORES ESCOLHIDOS PARA A OBSERVAÇÃO DOS PARÂMETROS.

Tradição Umbu Tradição Itaparica

Análise Tipológica I. Chmyz (1968)

Fase Bituruna, Iguaçu e Potinga P. I. Schmitz (1987)

Fase Parnaíba

Análise Tecnotipológica A. S. Dias (2007)

Fase Camuri, Umbu e Itapuí F. A. de A. Moraes (2008)

Sítio Lajedo

Análise Tecnofuncional J. C. Moreno de Sousa (2017)

Sítio RS-I-69

E. Fogaça e A. Lourdeau (2008)

GO-JA-1

FONTE: a autora.

A seleção dos autores se deu principalmente pela relevância nas pesquisas.

As apresentações das análises feitas pelos autores foram divididas primeiro por

Tradição, e depois, por tipo de análise. O mapa (FIGURA 6) a seguir sintetiza a

localização dos sítios analisados.

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30

FIGURA 6 MAPA DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS ESTUDADOS

FONTE: a autora.

4.1 TRADIÇÃO UMBU

4.1.1 Exemplos de Análise Tipológica

Igor Chmyz, em 1968, publicou suas Pesquisas no alto e médio rio Iguaçu,

realizadas no contexto do PRONAPA. A região foi prospectada e revelou sítios

líticos e cerâmicos. Nesta pesquisa, serão abordados apenas os sítios pré-

cerâmicos, que correspondem às fases Bituruna, Iguaçu e Potinga. Segundo o autor,

tais fases fazem parte da mesma Tradição. (CHMYZ, 1968, p. 105). Vale lembrar

que a Tradição Umbu ainda não havia sido definida.

N

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31

4.1.1.1 Fase Bituruna

Dois sítios definiram esta fase. Eles se localizam em um braço extinto do rio

Iguaçu, pouco abaixo de Salto Grande. Um dos sítios, PR UV 8, foi escavado

completamente, e a camada de ocupação estava entre 50 e 70 cm de profundidade.

No outro, não especificado, os artefatos estavam entre 20 e 35 cm (CHMYZ, 1968).

Nessa fase, foram coletadas mais de 2000 peças, fabricadas a partir de

lascas e núcleos de arenito-fritado e sílex. Os artefatos eram compostos de grandes

raspadores plano-convexos, terminais e laterais, pontas bifaciais espessas, folhas

bifaciais, elípticas e muito delgadas, e outras menores, com formato circular ou

quadrangular e, ainda, facas trapezoidais. O lascamento por pressão era

amplamente utilizado para o acabamento das peças (CHMYZ, 1968).

Para o autor, os artefatos mais informativos desta fase são as pontas de

projétil. Ele as divide em três grupos: o primeiro contém as que medem, geralmente,

10 cm de comprimento, apresentam pedúnculo e aletas e são confeccionadas em

arenito-fritado. O segundo, as que medem até 4 cm, com pedúnculo e aletas. Por

fim, no terceiro estão abrangidas as pontas foliáceas de base arredondada, que

medem 3 ou 5 cm (CHMYZ, 1968).

Chmyz (1968) salienta ainda que diversos artefatos estavam quebrados e

foram rejeitados; eles eram feitos, principalmente, de arenito-fritado.

4.1.1.2 Fase Iguaçu

Foram estudados 3 sítios desta fase, localizados no Vale do Rio Vermelho,

afluente de direita do rio Iguaçu. Os sítios distam 14 km deste rio. A camada de

ocupação estava entre 20 e 60 cm de profundidade. Nela foram coletadas cerca de

3000 peças. A escavação foi feita em dois sítios, e no terceiro foi feita somente a

coleta superficial. Os artefatos também foram confeccionados sobre núcleos e

lascas de arenito-fritado, e foram identificados como raspadores plano-convexos,

laterais, terminais com escotadura e facas (folhas) bifaciais. Empregou-se, também,

o sílex para produzir raspadores laterais, terminais, circulares, folhas bifaciais e

buris. A presença de pontas de projétil com aletas e pedúnculos, algumas

serrilhadas e não ultrapassando 4 cm de comprimento, também foi observado nesta

fase. O lascamento por pressão foi amplamente utilizado. Estruturas de fogão

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

32

formadas por blocos de diabásio, dispostas em círculos, foram encontradas em

diversos pontos dos sítios (CHMYZ, 1968).

4.1.1.3 Fase Potinga

Quatro sítios que caracterizaram esta fase, localizados nas proximidades do

rio Braço do Potinga, subafluente da margem direita do Iguaçu. Os sítios distam 30

km deste. Os artefatos estavam entre 15 e 30 cm de profundidade, exceto um, que

estava entre 40 a 50 cm de profundidade (CHMYZ, 1968).

Foram coletados cerca de 1500 artefatos dessa fase. Nela havia a utilização

exclusiva do sílex, e as peças foram elaboradas sobre lascas e lâminas. São elas:

raspadores laterais e terminais, perfuradores, buris, folhas bifaciais de formato

elíptico e quadrangular e numerosas pontas de projétil que mediam até 3 cm, com

pedúnculos e aletas. O lascamento por pressão foi utilizado em todas as peças

(CHMYZ, 1968).

Não há datações radiocarbônicas para estas fases no trabalho de Chmyz

(1968), porém o autor estabelece que as fases Bituruna, Iguaçu e Potinga são as

mais antigas da região através da estratigrafia. Expressa ainda que as fases

Bituruna e Iguaçu são semelhantes à fase Timburi, e que a fase Bituruna se

assemelha à fase Rio Pardinho, no Rio Grande do Sul (CHMYZ, 1968).

4.1.2 Exemplos de Análise Tecnotipológica

Adriana Schmidt Dias (2007) analisou indústrias do vale do Rio Sinos, no Rio

Grande do Sul. O principal enfoque do trabalho Novas perguntas para um velho

problema: escolhas tecnológicas como índices para o estudo de fronteiras e

identidades sociais no registro arqueológico foi testar a hipótese de que cadeias

operatórias e de produção de diferentes artefatos indicariam grupos sociais

diferentes e variações regionais, temporais e/ou funcionais da mesma tradição

tecnológica (DIAS, 2007). Neste trabalho, o enfoque será dado apenas à Tradição

Umbu. A autora estende a análise também à Tradição Humaitá.

No conjunto lítico desta região, foram identificadas três fases: Camuri, Umbu

e Itapuí, todas com presença de pontas de projéteis.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

33

4.1.2.1 Fase Camuri

É definida unicamente por sítios a céu aberto. A autora não expressa mais

características desta fase (DIAS, 2007).

4.1.2.2 Fase Umbu

É definida por sítios em abrigos sob rocha, tendo como artefatos pontas de

projétil pedunculadas de corpo triangular e pontas de projétil lanceoladas e datação

estimada 6000 e 4000 A.P. (DIAS, 2007).

4.1.2.3 Fase Itapuí

É definida também por sítios em abrigos sob rocha e com pontas de projétil

de corpo triangular e base de pedúnculo bifurcado, apresentando, em alguns casos,

bordas serrilhadas. Tem datação estimada 4000 e 1000 A.P. (DIAS, 2007).

Foi a partir dos estudos realizados nesta região por Eurico Miller, em 1974,

que a Tradição Umbu foi definida (DIAS, 2007).

Foram analisados 7 sítios líticos dessa Tradição, escavados pelo

PRONAPA. tendo um total de 21.491 peças. As matérias-primas mais utilizadas são

o basalto, o arenito silicificado, a calcedônia e o quartzo. Os sítios foram divididos

conforme a sua localização.

No vale do Arroio Campestre estão os sítios RS-S-358 e RS-S-359, e no

vale do rio Sinos, os sítios RSS-265, RS-S-327, RS-S-337, RS-S-360 e RS-S-361.

Os conjuntos artefatuais são compostos por peças bifaciais, artefatos

polidos e brutos, pontas de projétil, pré-formas de pontas de projétil, fragmentos de

peças bifaciais, pontas de projétil lanceoladas, bifaces sobre lascas, pré-formas e

pontas de projétil pedunculadas com bases e pedúnculos retos ou bifurcados, além

de algumas pontas de projétil com bordas serrilhadas (DIAS, 2007).

4.1.3 Exemplos de Análise Tecnofuncional

Foi utilizado para este tipo de análise o trabalho de João Carlos Moreno de

Souza (2017), Paleoindian lithic industries of southern Brazil: a technological study of

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

34

the Laranjito archaeological site, Pleistocene-Holocene transition, realizado a partir

de pesquisa no sítio Laranjito (RS-I-69), que se localiza na porção média da margem

esquerda do rio Uruguai, na cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. A pesquisa

foi motivada pela falta de análises tecnológicas na Tradição Umbu. Este sítio possui

diversas datações, sendo as mais antigas da transição Pleistoceno-Holoceno

(12.915 ± 116 a 11.904 ± 308 cal A.P.) Ele foi localizado em 1974 e escavado em

1976 por Eurico Miller, que estabeleceu que o sítio seria pertencente à Tradição

Umbu.

Os artefatos são de arenito silicificado, quartzito, ágata, basalto, quartzo e

sílex, e são núcleos, lascas, ferramentas e pré-formas. O autor não discorre

textualmente sobre as características morfológicas dos artefatos, pois seu foco de

análise é a tecnologia e as UTF’s (Unidades Tecnofuncionais), principalmente as

transformativas. Porém, ele inclui outros tipos de informação bastante relevantes a

partir das tendências de ângulo do gume, tipo de retoque e da relação entre

comprimento/largura. A partir das análises, ele conclui que há variações regionais

tecnológicas dentro da Tradição Umbu.

4.2 TRADIÇÃO ITAPARICA

4.2.1 Análise Tipológica

Pedro Ignácio Schmitz (1987) desenvolveu um trabalho de pesquisa em

diversos sítios na região de Serranópolis, sudoeste de Goiás, e o publicou como

Caçadores antigos no sudoeste de Goiás, Brasil. O projeto foi extenso, durou de

1975 a 1982, e contou com profissionais e estudantes da UNISINOS – Instituto

Anchietano de Pesquisa e da UCG – Instituto Goiano de Pesquisa em Pré-História e

Arqueologia.

Os sítios selecionados estavam relacionados à fase Parnaíba da Tradição

Itaparica. O autor separou os sítios conforme núcleos definidos por sua localização

e, posteriormente, apresentou os sítios que os compunham. Os sítios utilizados

nesta pesquisa foram GO-JA-01 (10.580 + 115 A.P. e 9.060 + 115 A.P.), GO-JA-02

(10.120 + A.P.), GO-JA-03 (9.765 + 75), GO-JA-14 (10.740 + 85 A.P.) e GO-JA-22

(não datado).

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

35

Núcleo A – Margem esquerda do rio junto com dois pequenos córregos perenes, com 10 abrigos, que distam de dois a três quilômetros. É provavelmente o núcleo mais rico devido a grande superfície coberta, à proximidade do rio e dos demais campos naturais. GO-JA 01 – 65 m de boca, profundidade média de 20m, estratos férteis de 170cm. Pinturas e gravuras abundantes. Foram realizados 3 cortes estratigráficos e uma escavação de 40 m², que produziram centenas de milhares de restos líticos e ósseos. GO-JA 02 – 43 metros de boca, profundidade média de uns 12m, estratos férteis de 300cm. Regular número de gravuras, mas sem pinturas. Foi realizado um corte estratigráfico. Núcleo B: Na margem esquerda do rio, junto a um córrego perene, onde existem 4 abrigos, distantes do rio aproximadamente 6 km. É um dos núcleos mais pobres, porque há pouca superfície coberta, os abrigos estão dispersos e o maior deles é úmido, escuro e não recebe insolação. As demais condições não seriam ruins. GO-JA 22 – 14m de boca, profundidade média uns 5m, estratos férteis de mais de 150cm. Muito poucas pinturas. Foi feito corte estratigráfico. Núcleo D – margem direita do rio, junto a um córrego perene, com várias nascentes, junto aos quais existem 8 abrigos. A distância do rio é de aproximadamente 5km. É um dos locais mais ricos porque há grande superfície coberta e concentração de seus recursos. GO-JA 03 – 80 m de boca, profundidade média 5m, estratos férteis até 270cm. Foram realizados 6 cortes estratigráficos. Núcleo F: Na margem direita do rio, sobre um córrego agora intermitente, junto ao qual existem 4 abrigos, que distam do rio aproximadamente 1,5 km. É um nicho mediamente rico e nos abrigos há problemas com insolação, taludes íngremes e talvez acesso à água. Abrigo GO-JA 14: 72 m de boca, profundidade media 5m, estratos 110cm. Foram feitos dois cortes estratigráficos. (SCHMITZ, 1987, p. 20; 24-25)

A análise do material não foi publicada seguindo a divisão em sítios, mas da

fase como um todo. Em razão disso, a caracterização dos parâmetros foi feita

seguindo a forma da publicação. Nele foram encontrados predominantemente

“lâminas grossas unifaciais, com boa técnica lítica e por raros implementos bifaciais,

entre os quais algumas pontas pedunculadas” (SCHMITZ, 1987, p.25), feitas em

arenito silicificado da formação Botucatu (98% da indústria), presentes nos abrigos.

Com relação à funcionalidade atribuída a partir da observação de desgastes, os

artefatos podem ser classificados como: raspadores terminais, furadores, raspadores

ou raspadeiras sobre lâmina; facas; raspador de dorso alto; talhador entalhado;

raspador denticulado; fragmentos de pontas bifaciais; ponta de projétil; artefato

bifacial; discos lascados, picoteados ou alisados; pequenas pedras com uma das

faces levemente côncava; percutores pequenos; além dos núcleos, lascas e

percutores. O autor encontrou também um sítio com marcas de extração de matéria-

prima (SCHMITZ, 1987).

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

36

4.2.2 Análise Tecnotipológica

O autor Flavio Augusto de Aguiar Moraes (2008) produziu a sua dissertação

As pedras que falam: uma análise intrasítio dos artefatos líticos do sítio Lajedo a

partir da pesquisa do sítio que consta no título, situado na Área Arqueológica do

Seridó, entre os estados de Paraíba e Rio Grande do Norte. Nessa área, há uma

grande concentração de sítios arqueológicos, principalmente com pinturas rupestres.

O Sítio Lajedo tem 120m x 240m, e é considerado um dos mais importantes da

região Nordeste. O autor analisou três áreas diferentes do mesmo sítio, pois o seu

objetivo da pesquisa era verificar, através da indústria lítica, se havia áreas

destinadas a atividades especificas. Porém, esta hipótese não foi confirmada. O que

interessa para os fins deste trabalho é a sua análise tecnotipológica.

O material do Sítio Lajedo é composto por 75% de sílex, 12% de quartzo,

12% de quartzito e 1% de outros não especificados. Moraes dividiu a análise em

cinco categorias: peças retocadas (PR), instrumentos sobre suporte natural (ISSN),

lascas (L), núcleos (N) e fragmentos (F). Foram encontradas 237 peças, sendo 123

retocados, 56 fragmentos, 45 lascas, 7 ISSN e 6 núcleos.

Com a análise tipológica, ele identificou os tipos faca, raspador, faca-

raspador, raspador-denticulado, furador, furador-raspador e faca-furador.

Buscou-se encontrar o sítio de exploração de sílex, porém esta é explorada

comercialmente desde a década de 1970, o que acabou dificultando o acesso a

afloramentos expostos anteriormente.

4.2.3 Análise Tecnofuncional

No trabalho Uma abordagem tecno-funcional e evolutiva dos instrumentos

plano-convexos (lesmas) da transição Pleistoceno/Holoceno no Brasil central, escrito

por Emílio Fogaça e Antonie Lourdeau (2008), propôs-se estabelecer as origens da

Tradição Itaparica, pois há um aumento na Transição Pleistoceno-Holoceno dos

artefatos conhecidos como lesmas, indicadores desta Tradição (FOGAÇA;

LOURDEAU, 2008).

O sítio selecionado é o GO-JA 01, que é um abrigo sob rocha arenítica,

escavado por P. I. Schmitz em 1978 e 1980. Ele está localizado na área

arqueológica de Serranópolis, sudoeste de Goiás, e possui datações que

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

37

perm0itiram recuar a Tradição Itaparica para a Transição Pleistoceno/Holoceno, com

a data entre 11.000 e 9.000 A.P. (FOGAÇA; LOURDEAU, 2008).

O material analisado foi constituído de 170 peças unifaciais inteiras, feitas

em arenito silicificado. Não foram encontrados núcleos nas escavações, portanto

uma parte da cadeia operatória ficou ausente. Contudo, quando foram a campo, os

autores encontraram evidencias de que a escolha dos núcleos era feita diretamente

nos afloramentos areníticos (FOGAÇA; LOURDEAU, 2008).

As análises foram feitas através das UTF’s – Unidades Tecnofuncionais. Foi

percebido pelos autores que uma das características mais importantes para as

lesmas era o comprimento. Consequentemente, eles dividiram as peças em quatro

setores: duas partes laterais e duas extremidades. Eles utilizam os parâmetros da

ângulo dos gumes e do seu arredondamento. Após as análises realizadas os

autores concluem que a ascendência desta técnica de lascamento é pleistocênica.

(FOGAÇA & LOURDEAU, 2008).

Posto que foram descritos os sítios e autores de onde as informações foram

extraídas, os parâmetros podem ser apresentados em uma tabela de síntese

(TABELA 2). Foram analisados, no total, 24 parâmetros.

Na primeira leitura dos textos, verificou-se a ausência ou a presença dos

parâmetros e as características de cada um dos sítios ou fases arqueológicas.

Metade dos autores publicou os resultados da análise tendo em vista o conjunto dos

artefatos de vários sítios, atribuindo-lhes fases arqueológicas. Foram os casos de

Chmyz (1968), Dias (2007) e Schmitz (1987). Porém, isso não afetou os resultados

da análise. Posteriormente, se descreveram os parâmetros. Uma vez verificados os

parâmetros nos textos, eles foram sistematizados em duas tabelas, uma referente à

Tradição Umbu, e outra, à Tradição Itaparica. Nelas constavam o nome da Tradição,

os autores, o ano da publicação, os sítios analisados e os parâmetros

presença/ausência. Os resultados são apresentados na Tabela 3.

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38

TABELA 2 PARÂMETROS ANALISADOS BIBLIOGRAFICAMENTE [CHMYZ,(1968); DIAS (2007); MORENO DE SOUSA (2017); SCHMITZ (1987); MORAES (2008); FOGAÇA E LOURDEAU (2006)].

Classe Identificação morfológica do artefato.

Integridade Se inteiro ou fragmentado.

Dimensões Tamanho dos artefatos (largura e/ou comprimento e/ou espessura).

Peso/volume Valor da massa ou do volume do artefato.

Matéria-prima Rocha em que o artefato foi fabricado.

Suporte De qual suporte saiu o artefato. Utilizou-se tanto o suporte da matéria-

prima (bloco, seixo, plaqueta, etc.) quanto o suporte já preparado (núcleo, lasca, lâmina).

Forma do suporte/artefato

Discoidal, retangular, prismática, alongada, etc.

Córtex ou neocórtex Superfície da rocha não trabalhada antropicamente.

Faces Se uni ou bifacial.

Façonagem ou Debitagem

Técnica empregada para a obtenção do artefato.

Polaridade Se o lascamento foi uni ou bipolar.

Plano de percussão Tipo de talão ou plataforma.

Tipo de percussão Duro, macio, por pressão.

Tipo de bulbo Se proeminente, plano, etc.

Retoque Presença ou ausência de retiradas no gume*.

Tipo de retoques Relacionados a tamanho, localização e direção dos retoques (marginal,

denticulado, intrusivo, invasor, etc.)

Marcas de utilização Se foram identificados macrotraços de uso.

Pátina Superfície alterada depois do “abandono” do artefato.

Alteração térmica Preparação térmica para lascamento ou rubefação.

Cadeia operatória Se foi realizado o estudo de cadeia operatória, visando a obtenção de

matéria-prima.

UTF Unidade Tecnofuncional**.

Análise diacrítica Análise da sequência de lascamentos.

Datação Se houve datações.

FONTE: a autora. *Aqui as definições dependiam do autor. Para melhor padronização segui as nomenclaturas que os autores davam aos lascamentos. ** Parâmetro atribuído por Eric Boeda e utilizado de formas diferentes pelos autores.

Os tons de cinza da tabela 3 se referem ao tipo de análise lítica realizada.

Foram 24 parâmetros e 6 autores no total. Os parâmetros utilizados por todos os

autores são matéria-prima, cadeia operatória, dimensões, classe, integridade,

retoque e faces. Isso equivale a 29% dos parâmetros escolhidos para a análise

bibliográfica. Aqueles que são utilizados por menos da metade dos autores

correspondem a 25% do total. São eles: peso/volume, marcas de utilização, pátina,

tipo de bulbo, análise diacrítica e alteração térmica.

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39

TABELA 3 RESULTADOS DAS ANÁLISES DOS PARÂMETROS

TRADIÇÃO UMBU TRADIÇÃO ITAPARICA

Referência Chmyz (1968)

Dias (2007)

Moreno de Souza

(2017)

Schmitz (1987)

Moraes (2008)

Fogaça e Lourdeau

(2006)

Sítio/Fase Bituruna, Iguaçu e Potinga

Camuri, Umbu e Itapuí

RS-I-69 Parnaíba Lajedo GO-JA 01

Classe 1 1 1 1 1 1 6

Integridade 1 1 1 1 1 1 6

Dimensões 1 1 1 1 1 1 6

Peso/volume 1 1 2

Matéria-prima 1 1 1 1 1 1 6

Suporte 1 1 1 1

1 5

Forma do suporte

1 1 1

1 4

Forma do artefato 1 1 1

1

4

Córtex ou neocórtex 1 1 1 1 4

Face (uni ou bi) 1 1 1 1 1 1 6

Façonagem ou debitagem

1 1 1 1 1 5

Polaridade (uni ou bi)

1 1 1

1 4

Plano de percussão

1 1 1

3

Tipo de percussão 1

1 1 1 4

Tipo de bulbo 1 1 2

Retoque (pres) 1 1 1 1 1 1 6

Tipo de retoque

1 1

1 3

Marcas de utilização 1 1 2

Pátina 1 1

Alteração térmica 1 1

Cadeia operatória 1 1 1 1 1 1 6

Utf’s

1

1 1 3

Análise diacrítica

1

1 2

Datação

1 1 1

1 4

Total por autor 12 13 18 17 15 20

FONTE: a autora.

Todos os autores que estudam a Tradição Itaparica utilizaram mais

parâmetros que os da Tradição Umbu, 72% e 60% em média, respectivamente.

Quatro parâmetros não foram utilizados por nenhum autor na Tradição Umbu:

peso/volume, marcas de utilização, pátina e tipo de bulbo, e somente um não foi

utilizado na Tradição Itaparica: a alteração térmica.

Com relação à comparação entre autores do mesmo tipo de análise e de

Tradições diferentes, é possível perceber que, na análise tipológica, peso/volume,

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

40

UTF’s e análise diacrítica não foram observados. Os autores da Tradição Itaparica

utilizaram 71%, e da Tradição Umbu, 50% dos parâmetros escolhidos para a análise

bibliográfica. Na análise Tecnotipológica, foram utilizados 62% e 54% dos

parâmetros, respectivamente, sendo que tipo de retoque, pátina e análise diacrítica

não foram observadas. Na análise tecnofuncional foram utilizados 83% e 75% dos

parâmetros, respectivamente, não sendo observada apenas a alteração térmica.

Com estes dados, é possível concluir que, se houver a necessidade ou o

interesse em comparar análises diferentes, os melhores parâmetros são: matéria-

prima, cadeia operatória, dimensões, classe, integridade, retoque e faces, em

primeiro lugar. Para uma comparação mais consistente, poderiam ser adicionados

suporte e façonagem ou debitagem.

Aqui cabe uma ressalva com relação à cadeia operatória: enfocou-se nesta

pesquisa apenas uma parte, a da obtenção da matéria-prima, e não a cadeia

operatória inteira.

Apesar de a Tradição Itaparica ter um número maior de parâmetros

observados, isso não indica, necessariamente, que ela seja mais informativa que a

Tradição Umbu, pois cada pesquisa tem um enfoque e um problema específico. Os

parâmetros, mesmo que em menor quantidade na Tradição Umbu, servem para o

que foi proposto.

A análise tecnofuncional apresenta mais parâmetros tecnológicos que as

outras duas. Por isso, quando o enfoque do trabalho for tecnológico, esta é a opção

mais indicada para uma análise mais refinada e detalhada do material, pois

considera a percepção das UTF’s diferentes. Porém, ela dá maior importância aos

artefatos “formais”. Para a análise da indústria como um todo, a análise

tecnotipológica é a melhor opção, pois não analisa apenas os artefatos “finalizados”,

mas também os seus refugos, e une a tecnologia com a tipologia.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

41

5 CÉU AZUL 2: UM ENCONTRO INESPERADO

Neste capítulo, será apresentada a análise tecnotipológica do sítio lítico Céu

Azul 2 (PR CT 113). Esse sítio foi encontrado pelo professor Dr. Laércio Loiola

Brochier em 2015, quando ele procurava um outro sítio, o homônimo Céu Azul,

cadastrado por Wilson Rauth na década de 1970. Rauth obteve datações de 3.705 +

130 e 755 + 60 anos BP (SI-1575 e 1578), e foi caracterizado como pertencente à

Tradição Umbu. Os materiais encontrados estão sob a guarda do Museu

Paranaense e se constituem principalmente de lascas de diabásio (PARELLADA,

sd).

5.1 SITUAÇÃO

Ambos os sítios se encontram na Serra do Mar, no município de São José

dos Pinhais, Paraná. Eles se localizam nas margens do Rio Pequeno, afluente da

margem esquerda do hídrico Iguaçu. O Rio Pequeno é utilizado para o

abastecimento da cidade de São José dos Pinhais.

FIGURA 7 LOCALIZAÇÃO DA BACIA DO RIO PEQUENO

FONTE: de Jesus Soares e de Souza (2012) – modificado.

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42

Diversas atividades foram realizadas sobre o sítio arqueológico Céu Azul 2

(PR CT 113). Ele faz parte da Iniciação Científica desenvolvida pelo professor Dr.

Fabio Parenti, que trata da difusão do gênero Homo nas Américas e na Eurásia. O

sítio Céu Azul 2 (PR CT 113) se encaixa na pesquisa pois no Paraná o objetivo era

encontrar e pesquisar sítios em contexto de terraços fluviais. Em razão disso, foi

desenvolvido um mapa das possíveis áreas com terraço fluvial da Bacia do Rio

Pequeno, através da análise de curvas de nível com equidistância vertical de 5m. O

mapa a seguir (FIGURA 8) é o resultado deste trabalho realizado por Gabriel

Procópio, Isabel Malgarini Perez e Luccas Abraão.

FIGURA 8 POSSÍVEIS TERRAÇOS FLUVIAIS NA BACIA DO RIO PEQUENO

FONTE: Isabel Malgarini Perez, Gabriel Procópio e Luccas Abraão (2018, não publicado).

A Bacia do rio Pequeno ocupa uma área de128 km², que corresponde a 14%

da área total do munícipio de São José dos Pinhais. A geologia do local consiste no

complexo Gnáissico Migmatítico (56%), no Complexo Gnáissico, nos Aluviões atuais

(23%), na formação Guabirotuba (18%) e nos terraços aluvionares (1%)

(CHUEH[2004] apud DE JESUS SOARES; DE SOUZA, 2012).

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43

A área apresenta clima quente-temperado subtropical com o mês mais

quente em janeiro, temperatura média de 16,5 °C, pluviosidade anua de 3470 mm e

estação chuvosa concentrada nos meses entre janeiro e março (Maack 1968, DE

JESUS SOARES; DE SOUSA 2012).

A vegetação é constituída de dois conjuntos: “à [sic] oeste, a Floresta

Ombrófila Mista (FOM) e, à [sic] leste a Floresta Ombrófila Densa (FOD). Além da

ocorrência de campos e campões” (DE JESUS SOARES; DE SOUZA, 2012, p. 22).

O Sitio Arqueológico Céu Azul 2 (PR CT 113), Lat 25°32’ 34’’S Long

48°59’10”W, se encontra dentro de Área de Preservação Ambiental – a APA da Mata

Atlântica. Ele dista cerca de 6,5 km do pedágio da Ecovia na BR-277 e 4,6 km em

uma estrada de chão construída pelos moradores. Para chegar ao sítio vindo de

Curitiba é necessário fazer um retorno no Km 41, já no fim da serra e voltar até o Km

53, onde há o início desta estrada. Ele é um sítio estratificado, mas ainda não possui

datação, porém foi inserido por Igor Chmyz correlacionando os artefatos ao

Holoceno Recente (comunicação pessoal). E ainda, material orgânico (carvão)

localizado no mesmo nível estratigráfico da indústria foi coletado, e possivelmente

será enviado para análise para a datação.

FIGURA 9 TRAJETO PEDÁGIO (A) - CÉU AZUL 2 (B)

FONTE: Google Earth. (2019).

A

B

3 km

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44

5.2 O SÍTIO

O sítio arqueológico Céu Azul 2 encontra-se em um terraço fluvial. “Os

terraços são feições que em determinado momento foram construídas e mantidas

como leito de um rio, mas que atualmente estão abandonadas” (STEVAUX;

LATRUBESSE, 2017, p. 242).

Porém, no caso deste sítio, houve uma destruição parcial feita por

moradores do local para a retirada de sedimentos usados na construção de um

aterro. O corte assim obtido de 20m e de comprimento e 1,80m de altura. Com esta

retirada de material, os artefatos ficaram descontextualizados e visíveis. O sítio é

ainda cortado por uma estrada utilizada por moradores. Nesta área onde o

sedimento foi retirado, inclusive, o ônibus escolar faz o retorno.

FIGURA 10 IMAGEM AÉREA DO SÍTIO CÉU AZUL 2 (PR CT 113)

FONTE: Google Earth (2019).

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

45

Além dessa retirada, após as primeiras visitas, um muro começou a ser

construído.

FIGURA 11 VISTA DA ESTRADA EM 27/10/2017 E 16/05/2018

FONTE: Gabriel Vezzani Cavada (2017 e 2018)

Em 2017, foi levantado do corte estratigráfico descrevendo camadas

sedimentológicas e a posição dos artefatos encontrados. Foram possíveis identificar

as seguintes feições (FIGURA 12):

Solo agrícola atual (pastagem) em matriz silto-arenosa, cor cinzenta, com fendas de dissecação, 25-40 cm, indústria lítica e nódulos de óxido de Fe. 2) Linha de cascalho com seixos arredondados (1-10 cm), 10 cm. 3) Camada silto-arenosa marrom, mais escuro na parte inferior, fragmentos de carvão vegetal, indústria lítica, 60-80 cm. 4) Superfície de erosão, com crostas de oxidação de 1 cm de espessura. 5) Areia fina in (sic) matriz siltosa. 6) Calscalho (sic) heterométrico com seixos arredondados de rochas cristalinas alteradas (1-15 cm), em matriz arenosa, 20-40 cm.” (PARENTI, 2018, não publicado).

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

46

FIGURA 12 CROQUI E FOTOGRÁFIA DO CORTE ESTRATIGRÁFICO

FONTE: Fabio Parenti (2018).

As coletas dos artefatos (2016-2019) foram superficiais. Escavações ainda

não foram realizadas, mas há um projeto encaminhado para o IPHAN POR Fabio

Parenti em 2018 que visa a obtenção de recursos financeiros via TAC (Termo de

ajustamento de conduta) para a sua realização.

A mais sistemática foi no dia 27/10/2017, em que foram delimitadas 5 áreas

(A, B, C, D e E). Em um primeiro momento, foram identificados todos os materiais

com bandeiras brancas e, posteriormente, eles foram recolhidos conforme haviam

sido demarcados. Houve mais coletas no ano de 2018, nas datas de 16/5, 22/5,

17/6, 1/9, 17/11 e, em 2019, nos dias 20/4 e 25/6.

5.3 MÉTODO DE ANÁLISE

Em um primeiro momento, as análises foram tipológicas e foram feitas pelo

aluno de IC Gabriel Procópio, que analisou 410 peças. Os parâmetros analisados

foram: número da coleção, classe, comprimento, peso, n° de contra-bulbos e, nas

lascas, tipo de talão. Posteriormente, o projeto de IC desta autora foi alterado para a

análise do material lítico, com o intuito de aperfeiçoar a análise para este trabalho. O

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

47

método utilizado foi o tecnotipológico, pois poderia complementar as análises já

realizadas anteriormente.

Trabalhando com as planilhas Excel, foi perceptível que uma ficha de análise

integrada seria mais adequada e necessária, pois, com uma planilha para cada

categoria de artefato, o trabalho ficava mais demorado e não havia a integralização

dos dados. O professor Dr. Fabio Parenti criou então um banco de dados relacional

no programa Filemaker, que foi usado em toda a análise. Ele possui a vantagem de

tornar desnecessária a mudança de planilhas no caso de alteração da categoria do

artefato, e de possibilitar uma visão do conjunto dos artefatos ao permitir a busca de

qualquer parâmetro. Outra vantagem, ainda, é a de que muitos parâmetros

analisados são iguais, e o banco de dados relacional criado torna desnecessário

repetí-los todas as vezes. Sendo assim, o sítio Céu Azul 2 (PR CT 113) tem um

catálogo único para todos os artefatos. Abaixo, há uma ficha catalográfica (FIGURA

13) com os parâmetros analisados.

FIGURA 13 FICHA CATALOGRÁFICA

FONTE: Fabio Parenti (2019).

Nessa ficha há dois quadros gerais, um apresentando as informações de

identificação dos objetos: sítio, n° da coleção, n° individual do objeto dentro da

coleção, data que foi feita a coleta, setor, nível, ponto, coordenada X, Y e Z,

quadrado, n° da folha e ID; e outro para as informações direcionadas à análise, que

são: estado superficial — se houve alterações pós-deposicionais; matéria-prima;

integridade; peso; comprimento máximo — comprimento do eixo morfológico; córtex;

comprimento, largura e espessura — a partir do eixo tecnológico.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

48

Há ainda uma subdivisão em três quadros, que correspondem à classe dos

artefatos. Essa individualização é necessária, pois cada classe de artefatos possui

parâmetros específicos de análise. Nos núcleos e percutores são analisados: os

tipos de núcleo e n° de contra-bulbos >1cm. Nas lascas são observados: o tipo de

talão, o n° de lascamentos na face dorsal, o tipo de núcleo de origem e o andamento

dos lascamentos — direção dos lascamentos na face dorsal. Nas peças retocadas

foram observadas: o suporte, o tipo definido por Fabio Parenti, o tipo definido por

Igor Chmyz e descrição de retoque. Há também um campo de observações, em que

informações não relacionadas aos parâmetros da ficha podem ser inseridas.

Para as peças retocadas as definições utilizadas foram as de Parenti (2001,

p. 158). Irei caracterizar brevemente as categorias utilizadas — Raspador reto:

raspador com suporte de lasca com talão liso ou cortical e córtex parcial; raspador

simples: direto, côncavo, convexo; raspador transversal: raspador com ângulo entre

margem retocada e eixo de debitagem superior a 45°; lesmas: raspador duplo e

convergente obtido de uma lasca alongada e com retoques que formam duas

extremidades arredondadas; raspadeira: ver Bordes (1961); denticulado: ferramenta

com bordas retocadas que formam uma série de entalhes adjacentes; ponta: é o

encontro de dois bordas retocadas, ou uma retocada e uma natural, debitada; buril:

unicamente sobre lasca, possui diversas denominações conforme sua forma; lasca

retocada: lasca com algum retoque, mesmo que irregular.4

Por ser um banco de dados relacional, ele permite verificar estatísticas no

ato da inserção de dados. Há também a possibilidade de se inserirem imagens dos

objetos, sejam elas desenhos, croquis ou fotografias.

Em todos os parâmetros qualitativos, há uma gama de características que

podem ser observadas e, se necessário, adicionadas conforme a necessidade da

indústria. Serão apresentados aqui somente os dados gerais, e não as

especificidades de cada parâmetro, pois estas constam nos gráficos adiante

(FIGURA 14-29).

Alguns parâmetros da ficha catalográfica não foram utilizados dimensões,

comprimento e espessura do eixo tecnológico; nas lascas, o tipo de núcleo de

origem; e o tipo definido por Igor Chmyz. A intenção primeira era comparar as

definições dadas por Fabio Parenti e Igor Chmyz, porém o trabalho se encaminhou

4 Em francês, respectivamente, racloir sur éclat cortical; racloir simple; racloir transversal; limace;

grattoir; denticule; pointe; burin; éclat retouché. (PARENTI, 2001, p. 158).

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

49

para outro tipo de pesquisa, podendo esta comparação ainda ser realizada em

breve.

5.3.1 As análises

No total, foram analisados 721 artefatos líticos. A matéria-prima do sítio é

basicamente constituída de basalto ou de rochas ígneas. Poucas são as ocorrências

de sílex (1%), quartzo (1%) e quartzito (1%), como consta na Figura 14. Algumas

matérias-primas não foram definidas, porém há perspectiva de em de análise

petrográfica.

FIGURA 14 GRÁFICO REPRESENTAÇÃO PERCENTUAL DAS MATÉRIAS-PRIMAS DOS ARTEFATOS DO CÉU AZUL 2

FONTE: a autora

Os artefatos deste sítio são, em sua maioria, lascas (78%). Foram

encontrados também núcleos (6%), fragmentos de rocha (5%), peças retocadas

(5%), peças que não tiveram modificação antrópica e que foram anuladas (5%),

lâminas (1%) e pré-formas (0,4%), conforme o gráfico (FIGURA15) abaixo:

519

11 6 21 7 6 11 5 4

131

0%

15%

30%

45%

60%

75%

90%

Bas

alto

Dia

bás

io

Vu

lcan

o C

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a

Vu

lcan

o C

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Qu

artz

ito

Gra

nit

o

Síle

x

a d

efin

ir

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

50

FIGURA 15 GRÁFICO: PEÇAS ANALISADAS

FONTE: a autora.

5.3.1.1 Lascas

As lascas são 565 (78%) peças. As lascas fragmentadas (66%) são maioria,

principalmente devido à destruição recente do sítio. Muitas apresentam quebras

recentes. Os outros parâmetros analisados foram o comprimento máximo, o tipo de

talão, o n° de contra-bulbos na face dorsal e a direção desses lascamentos.

A maioria das lascas tem 2 lascamentos na face dorsal (29%), seguida das

com 3 (20%). Frequentemente, os lascamentos na face dorsal são unidirecionais

(58%). O talão liso é o mais representativo (39%), seguido do ausente (34%), devido

principalmente à fragmentação das lascas. Como há um grande número de

fragmentos com quebras recentes, a análise dos talões foi dissociada. Os talões

ausentes dizem respeito a fragmentos de lascas mesial e distal, e os talões

irreconhecíveis, aos fragmentos da parte proximal que não tinham talão, mas

apresentavam bulbo (14%).

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

51

FIGURA 16 GRÁFICO: INTEGRIDADE DAS LASCAS

FONTE: a autora.

FIGURA 17 GRÁFICO: N° DE LASCAMENTOS NA FACE DORSAL NAS LASCAS

FONTE: a autora.

FIGURA 18 GRÁFICO: TALÃO DAS LASCAS

FONTE: a autora.

NOTA: O talão irreconhecível se refere aos fragmentos proximais com talão ausente ou que não

foram identificados.

190

103

62 88

45

77

0%

15%

30%

45%

Inte

iro

Frag

. Pro

x.

Frag

. Mes

ial

Frag

. Dis

tal

Frag

. Lo

ng.

Frag

men

to

38

218

20 12 12

190

75

0%

15%

30%

45%

Co

rtic

al

Liso

Die

dro

Lin

ear

Po

nti

form

e

Au

sen

te

Irre

con

hec

ível

29

88

167

117

77

27 16

6 5 2 2

29

0%

15%

30%

45%

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 12 Ind.

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

52

FIGURA 19 GRÁFICO: DIREÇÃO DOS LASCAMENTOS NA FACE DORSAL DAS LASCAS

FONTE: a autora

FIGURA 20 GRÁFICO: COMPRIMENTO MÁXIMO MM DAS LASCAS

FONTE: a autora.

O tamanho das lascas em média é de 30mm (30%) e 40mm (21%). As

lascas com menos de 20mm estão subrepresentadas devido a técnica de coleta sem

peneira.

5.3.1.2 Núcleos

Foram encontrados 21 núcleos. 81% estão inteiros e pesam até 100g (67%).

76 % deles têm, no máximo, 6 contra-bulbos >10 mm.

332

59

11

89 74

0%

15%

30%

45%

60%

75%

Un

id.

Ort

og.

Op

ost

o

Cen

trip

.

Ind

.

32

57

214

141

104

7 7 3 0%

15%

30%

45%

Ind

.

até

20

até

30

até

40

até

50

até

70

até

80

> 8

0

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

53

FIGURA 21 GRÁFICO: COMPRIMENTO MÁXIMO EM MM DOS NÚCLEOS

FONTE: a autora.

FIGURA 22 GRÁFICO: INTEGRIDADE DOS NÚCLEOS

FONTE: a autora

FIGURA 23 GRÁFICO: PESO DOS NÚCLEOS

FONTE: a autora.

7

9

5

0%

15%

30%

45%

até 50 até 100 até 150

4

17

0%

30%

60%

90%

Fragmento Inteiro

14

4 3

0%

15%

30%

45%

60%

75%

Até 100 Até 500 Até 1200

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

54

FIGURA 24 GRÁFICO: N° DE CONTRA-BULBOS >10MM NOS NÚCLEOS

FONTE: a autora.

FIGURA 25 GRÁFICO: TIPOS DE NÚCLEO

FONTE: a autora.

O tipo de núcleo mais comum é o informe (38%), seguido do com 1 plano de

percussão (29%) e centrípeto (24%). A maioria foi encontrado inteiro (81%), a massa

mais comum é de até 100g (67%). Porém, há grandes lascas primárias com

retoques bifaciais, o que indica que esse grupo poderia ter produzidos elas para

serem usadas como núcleos ou como ferramentas. A matéria-prima mais frequente

é o basalto (67%), seguida de vulcanoclástica com bandas (9%) e ainda, andesito

(5%) e diabásio (5%). O restante não foi identificado (14%).

5.3.1.3 Peças Retocadas

As peças retocadas são mais facilmente comparáveis. Nesse sítio foram

encontradas até agora, pontas de projétil, lesmas, raspadores, buris, uma raspadeira

e lascas retocadas. São utilizadas as definições de Fabio Parenti (2001), no que

concerne a sua tipologia e terminologia. Os retoques foram observados, verificando

2 2 2

3

1

2

1 1 1

2

1

3

0%

5%

10%

15%

1 2 3 4 5 6 7 9 11 13 14 Ind.

8

6

1

5

1

0%

15%

30%

45%

Informe 1 planoperc.

2 planos,orto

Centrípeto Discoidal

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

55

principalmente, sua forma e extensão. Segundo os parâmetros utilizados por Inizan

et al. (1995). Por serem as peças mais facilmente comparáveis, os dados

apresentados são mais extensivos, com o gráficos, fotos e ilustrações (FIGURAS 26-

38).

FIGURA 26 GRÁFICO: INTEGRIDADE DAS RETOCADAS

FONTE: a autora.

FIGURA 27 GRÁFICO: SUPORTE

FONTE: a autora.

FIGURA 28 GRÁFICO: TIPOS DE RETOQUES NAS RETOCADAS

FONTE: a autora.

21

1

8

2 4

1

6

0%

15%

30%

45%

60%

Inte

iro

Frag

men

to

Frag

. Dis

tal

frag

. Me

sial

Frag

. Pro

x.

Frag

. Lo

ng.

Irre

c.19 19

4

1

0%

15%

30%

45%

60%

Irrec. Lasca Núcleo Seixo

14

2 1

10

16

0%

15%

30%

45%

Mar

gin

al

Den

ticu

lad

o

Alt

ern

ante

Bif

acia

l

Ind

.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

56

FIGURA 29 GRÁFICO: TIPO FP DAS RETOCADAS

FONTE: a autora

Os retoques normalmente são marginais, porém e várias peças (24%) têm

retoques bifaciais, inclusive os raspadores. Os artefatos mais frequentes são as

lascas retocadas (12%) e as pontas de projétil (9%).

Há diversos artefatos interessantes, que serão caracterizados a seguir.

Primeiros, as 4 pontas de projétil. Duas inteiras e feitas em sílex; e duas estão

fragmentadas, feitas em basalto. A primeira em sílex é triangular, com aletas,

pedúnculo reto, acalenadura e bordas totalmente serrilhadas (FIGURA 30). A outra é

conhecida como ponta “estrela”, é pequena e feita por pressão. O primeiro

fragmento é da parte mesial da ponta, e tem a borda toda serrilhada (FIGURA 31). O

outro é o pedunculo bifurcado.

22

4

1 2 4

2

5

1 1 1

0%

15%

30%

45%

60%

Ñ d

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Ras

p. T

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sal

Ras

p. s

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les

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

57

FONTE: a autora.

FIGURA 31 FRAGMENTO MESIAL DE PONTA DE PROJÉTIL (5363.1)

FONTE: Gabriel Procópio (2018).

FIGURA 30 PONTA DE PROJÉTIL DE SILÉX (5377.31)

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

58

Os raspadores são 6, incluindo “lesmas”. Algumas tem retoques ou retiradas

bifaciais, possivelmente para o reavivamento do gume. Elas representam 13% da

indústria total. Eles são feitos majoritariamente de basalto (83%) e uma é de

vulcanoclástica com bandas. Há raspadores simples, transversais e as lesmas.

FIGURA 32 RASPADOR (5363.31)

FONTE: Gabriel Procópio (2018

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

59

FIGURA 33 DESENHO DE RASPADOR TRANSVERSAL

FONTE: Fabio Parenti (2018).

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

60

FIGURA 34 LESMA

FONTE: Gabriel Procópio (2018).

FIGURA 35 DESENHO TÉCNICO DE LESMA (5348.3)

FONTE: Fabio Parenti (2018).s

A lesma das Figuras 34 e 35 é de basalto e tem uma retirada na parte ventral

que se estente até o meio da peça. Os retoques são distribuídos por todo seu

perímetro e são unifaciais.

As 2 pré-formas representam 0,3% da indústria. São compostas por uma pré-

forma de ponta de projétil e uma pré-forma de “biface”. Ambas são lascadas

.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

61

bifacialmente e tem retoque marginal. A pré-foma de ponta (FIGURA 36) é espessa

e sobre lasca.

FIGURA 36 DESENHO TÉCNICO DA PRÉ-FORMA DE PONTA (5369.5)

FONTE: Fabio Parenti.

A Pré-forma de “biface”, definição de Fabio Parenti, (FIGURA 37) em

basalto, com tentativas de adelgaçamento na parte central, que é indicado por um

acidente de lascamento em “degrau”. Os retoques são denticulados e em apenas

em uma das laterais. Na tabela que está no anexo, ela está classificada como ponta,

devido à interpretação da autora, posto que existem pontas foliáceas que se

assemelham a ela na fase Bituruna.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

62

FIGURA 37 PRÉ-FORMA DE BIFACE OU PONTA (5365.2)

FONTE: fotos Gabriel Procópio (2018); desenho – Fabio Parenti (2018)

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

63

A indústria do Céu Azul 2 parece, por enquanto, ser composta por várias

etapas da produção dos artefatos. Foram econtrados lascas coriticais, grandes

núcleos, blocos de matéria-prima, artefatos “finalizados”, pré-formas e muitas lascas.

Há como inferir a partir desta variedade de categorias que o sítio Céu Azul 2 (PR CT

113) tinha uma atividade relacionada ao lascamento e à produção de artefatos.

Apesar do sítio ter sido parcialmente destruído, a indústria apresenta-se

“fresca” sem peças com sinais de rolamento, nem de desgaste fluvial. Vale reafirmar

que o sítio, apesar de ter sido em pequena parte alterado, ainda possui um potencial

informativo altissímo. É de suma importância que seja escavado, porque as coletas

superficiais já indicaram a alta densidade e integridade de material, sendo

encontrados artefatos “formais” inteiros. Portanto, a possibilidade de encontrar

restos arqueológicos em contexto original é muito alta. O que é confirmado pelos

artefatos no corte estratigrafico. Isso indica que o sítio não se concentrava apenas

na área em que foi parcialmente destruido, mas que se estende. No mínimo por 70m

ao sul como revelado através da observação da terra removida pela construção do

muro (FIGURA 11).

Há outros sítios na Bacia do Rio Pequeno que podem ser comparados com

o Céu Azul 2. Todos eles foram localizados no cadatro nacional de sítios

arqueológicos (CSNA) do IPHAN. O Fazenda Céu Azul 1 (PR CT 035) que

possívelmente está próximo a ele, pois a localização indicada por Rauth é a

nascente do Rio Pequeno e o Céu Azul 2 está a 2km da referida nascante. O Arroio

do André (PR CT 065) é descrito como sítio litico de habitação e associado a

Tradição Umbu, e está localizado na Bacia do Rio Pequeno. Este sítio já foi

parcialmente estudado por Sady do Carmo Jr. em sua dissertação de mestrado em

2015. O Rio Pequeno – 3 (PR CT 059) é um sítio multicomponencial litô-cerâmico

relacionado as Tradições Umbu e Taquara, apenas seu registro está constando no

CNSA. O Rio Pequeno – 1 é um sítio litico a céu aberto relacionado a Tradição

Umbu. O sítio Afonso Pena III é uma ofina lítica a céu aberto e também foi

relacionado a Tradição Umbu (IPHAN, 2019).

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

64

6 COMPARAÇÃO ENTRE O CÉU AZUL 2 E OS SÍTIOS DO VALE DO RIO

SINOS E ARROIO CAMPESTRE

Além da análise do material lítico do sítio Céu Azul 2, realizei também uma

análise comparativa de suas indústrias com as dos sítios de caçadores-coletores

que Adriana Schmidt Dias (2007) analisou. A escolha deste texto foi devido a: 1)

existência de datações; 2) identidade da matéria-prima; e, 3) pertinência da Tradição

Umbu.

Apresentarei apenas a compação entre os parâmetros, pois as fases e sítios

utilizadas por Dias (2007) já foram descritas no capítulo 3, e a análise do Céu Azul 2

(PR CT 113), no capítulo 4.

Os sítios diferem em seu contexto geomorfológico. Aqueles pesquisados por

Dias (2007) estão em abrigos sob rocha, com exceção dos sítios da fase Camuri,

que estão a céu aberto, tal como o Céu Azul 2 (PR CT 113).

Os sítios analisados por ela foram:

No vale do arroio Campestre (sítios RS-S-358: Toca Grande e RS-S-359: Aterrado) e na várzea do rio dos Sinos: sítios RSS-265: Campestre, RS-S-327: Sangão, RS-S-337: Monjolo, RS-S-360: Marimbondo e RS-S-361: Mato da Toca) (DIAS, 2007, p. 68).

Pela descrição de Dias (2007), os artefatos possuem as mesmas

características tipológicas que os do Céu Azul 2 (PR CT 113). Como não foram

publicados desenhos, croquis ou fotos, a análise é dificil, pois confrontar a imagem

com a descrição feita é essencial, pois sem isso a comparação fica deficiente. Os

tipos de artefatos que existem em ambos são: ponta de projétil com pedúnculo

bifurcado e borda serrilhada, peças bifaciais e pré-forma de ponta de projétil.

Com relação à obtenção de matéria-prima, especificamente o basalto, Dias

(2007) estabelece que foram coletados seixos e blocos carregados pelo rio. Na

região do Céu Azul 2 ainda não foram localizados afloramentos rochosos com sinais

de extração de matéria-prima. O córtex apresentado não permite ainda inferir com

certeza que os seixos são retirados do rio. A análise petrográfica dos artefatos será

feita em breve.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALINE CRISTINA BATISTA LIMA

65

Com relação à polaridade do lascamento, os bipolares apareceram nos

sítios onde a presença de calcedônia e quartzo era mais abundante. No sítio Céu

Azul 2 não foi identificado lascamento bipolar.

As lascas unipolares nos sítios analisados por Dias (2007) têm entre 1 e 2,5

cm. As obtidas no Céu Azul 2 apresentam tamanhos variados, 60% delas entre 3 e 4

cm. As lascas menores de 1 cm estão subrepresentadas, devido à coleta efetuada,

sem peneira.

Foram encontrados poucos núcleos nos sítios do Rio Grande do Sul; os

unipolares somam 0,71%, e os bipolares, 0,10%. No sítios do Paraná, eles somam

6% e se dividem em informes são maioria (29%), no Céu Azul 2, porém há a

ocorrência de um núcleo discoidal.

Nos sítios do arroio Campestre (RS-S-358 e RS-S-359), analisados por Dias

(2007, p. 69):

[...] as pontas de projétil representam entre 57 e 41% dos artefatos bifaciais dos sítios do vale do arroio Campestre, estando presentes também em suas coleções pré-formas de pontas de projétil (27 a 25%) e os fragmentos de peças bifaciais (23 a 11%). Dentre os sítios da várzea do rio dos Sinos, observa se um predomínio dos fragmentos de artefatos bifaciais, entre 42 e 50% dos conjuntos, destacando-se, em um segundo plano, a presença de pontas de projétil.

No Céu Azul 2, as pontas são 0,5% da indústria. O fragmento, de pedúnculo

é bifurcado e sem acanelura. A parte mesial de basalto tem as bordas serrilhadas,

assim como as bordas da ponta inteira de sílex. O pedúnculo desta é bifurcado com

acanelura. Há também uma pequena ponta estrela. Para melhor visualização dos

resultados da comparação os organizei nas tabelas 4, 5 e 6.

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TABELA 4 COMPARAÇÃO ENTRE AS MATÉRIAS-PRIMAS

FONTE: a autora.

Tabela 5 COMPARAÇÃO DA TECNOLOGIA

FONTE: a autora.

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TABELA 6 COMPARAÇÃO ARTEFATUAL

FONTE: a autora.

.

A conclusão é a de que, verificando os mesmos parâmetros, a comparação

é pouco informativa, como já foi exposto por BUENO (2004, p. 139)

[...] boa parte dos trabalhos feitos até hoje e as grandes sínteses elaboradas a partir deles, não fornecem parâmetros qualitativos e quantitativos necessários para estabelecer uma comparação baseada em aspectos tecnológicos significativos entre essas indústrias e aquelas descritas em

termos de listagens tipológicas.

Somente com as porcentagens de alguns parâmetros não é possível fazer a

comparação tecnológica entre indústrias. Os dados brutos e/ou a publicação mais

detalhada destes aspectos são indispensáveis para uma comparação.

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7 CONCLUSÃO

Com a análise tecnotipológica da indústria do Céu Azul 2 (PR CT 113), pode-

se perceber que é de suma importância escavar o sítio. A indústria estava fora de

contexto em razão da movimentação de sedimentos. Somente com a coleta

superficial foram encontrados artefatos e resíduos do lascamento, bem como

núcleos e blocos de matéria-prima. Além dessa coleta, foram encontrados artefatos

no corte estratigráfico e nos cortes ao longo da estrada, indicando que o sítio tem

ampla continuidade.

A indústria é composta de lascas, artefatos “acabados”, pré-formas e núcleos.

Essa variedade de categorias técnicas juntas indica que o sítio pode ter sido usado

como oficina de lascamento e também acampamento. Há artefatos tanto sobre

lascas, como os raspadores e lesmas, quanto sobre núcleos, como a pré-forma de

biface ou os núcleos retocados. As lascas são unipolares, com tamanhos variados, e

há, inclusive, a presença de lâminas. O lascamento é majoritariamente unifacial,

porém há lascas com presença de retoques bifaciais. As pontas de projétil são

variadas, apesar da sua fraca representatividade na indústria, informando que havia

escolhas tecnológicas diferentes; com exceção do fragmento mesial, em que não há

como inferir o pedúnculo, todos os outros eram bifurcados. Há, pelo menos, dois

tipos diferentes de pontas, uma com aletas e acanelura, e outra, menor, com aletas

e em forma de estrela.

Ao comparar o Céu Azul 2 com os sítios estudados por A.S. Dias (2007), de

sítios caçadores-coletores, é possível perceber que, a partir dos dados publicados

pela autora, não há como fazer uma comparação substancial entre as indústrias.

Alguns pontos convergiram, como a presença de pontas de projétil com pedúnculo

bifurcado, acaneluras e borda serrilhada. Porém, os dados que foram publicados

não permitem uma comparação tecnológica, apenas tipológica e descritiva. Portanto,

é necessária a publicação de dados quantitativos e qualitativos exaustivos para que

seja possível uma comparação interssítios sem a necessidade de uma nova análise

da indústria.

Essa característica de falta de dados não é exclusividade do texto de Dias

(2007); há uma constante inquietação dos pesquisadores com relação a isso, como

em Schmitz (1987) e a própria Dias (1994), quando criticam as listas tipológicas. Já

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há indicações da necessidade de mudança na forma de publicar os resultados.

Destarte, é necessária a publicação de dados que não se resumam à descrição de

atributos, formas e porcentagens. Poderiam ser publicados os dados brutos das

pesquisas, o que possibilitaria realizar comparações posteriormente, bem como o

resultado da análise poderia ser mais aprofundado e ir além da descrição.

Além dos resultados, os parâmetros de análise também precisam ser

expostos claramente. Para os estudantes que estão iniciando a análise lítica, os

parâmetros que são usados não são claros ou evidentes. A nomenclatura dos

artefatos não é padronizada, os atributos nem sempre são caracterizados e o léxico

usado difere conforme o pesquisador, dificultando o entendimento da análise

realizada. Um exemplo claro desta falta de caracterização dos parâmetros é com

relação às medidas, parâmetro que todos os pesquisadores analisados usam. Não

há indicação de como essas medidas foram tiradas, se a partir do eixo morfológico

ou do tecnológico.

Outra coisa que seria interessante também é o uso ou a atualização das

terminologias utilizadas por pesquisadores pretéritos. Ao definir um artefato, pode-se

utilizar uma nomenclatura “alternativa” de pesquisadores que também analisaram o

mesmo material. Uma análise comparativa das terminologias facilitaria o

entendimento das publicações. Vale enfim lembrar a importância do desenho técnico

e tipológico dos artefatos que é, frequentemente, ausente ou sumariamente

executado na maioria das publicações.

Por fim, cabe ressaltar que o Céu Azul 2 encontra-se em um terraço fluvial.

Uma pesquisa foi realizada para verificar as publicações nesta unidade

geomorfológica no Brasil. Como resultado, pode-se averiguar que quase não há

pesquisas direcionadas para este tipo de contexto, apesar de essa ser muito

frequente, devido à grande extensão da malha hidrográfica do país, principalmente

na região Sul, cuja geologia demonstra poucos ambientes cársticos (SOCIEDADE

BRASILEIRA DE ESPELEOLOGIA, 2019). Apesar de esta ser a região com menor

índice de cavernas no país, a Tradição Umbu ainda está relacionada, por exemplo, a

sítios em abrigos sob rocha. Como vimos, na Bacia do Rio Pequeno existem mais de

200 possíveis terraços fluviais. É preciso observar, portanto, que há a possibilidade

de encontrar materiais arqueológicos nessas áreas, utilizamos os cortes feitos pelo

próprio rio e proporcionando um grande avanço na arqueologia brasileira.

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