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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
RAFAEL PEREIRA DE BRITO
O CONCEITO DE CULTURA POPULAR - A CONTRIBUIÇÃO DO
CENTRO POPULAR DE CULTURA.
Curitiba
2011
2
RAFAEL PEREIRA DE BRITO
O CONCEITO DE CULTURA POPULAR - A CONTRIBUIÇÃO DO
CENTRO POPULAR DE CULTURA.
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de bacharel,
junto ao curso de Ciências Sociais, na área
de Sociologia, Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes da Universidade Federal do
Paraná.
Orientador: Prof. Angelo José da Silva.
Curitiba
2011
3
RAFAEL PEREIRA DE BRITO
O CONCEITO DE CULTURA POPULAR - A CONTRIBUIÇÃO DO
CENTRO POPULAR DE CULTURA.
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de bacharel,
junto ao curso de Ciências Sociais, na área
de Sociologia, Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes da Universidade Federal do
Paraná.
Orientador: Prof. Angelo José da Silva.
______________________________________
Prof.Dr. Osvaldo Heller da Silva
Universidade Federal do Paraná
Departamentos de Ciências Sociais
______________________________________
Prof.Dr. Ricardo Costa de Oliveira
Universidade Federal do Paraná
Departamento de Ciências Sociais
Curitiba
2011
4
ao povo,
que apodrece nas estradas de barro da América Latina
5
Agradecimentos
A meu pai pelo exemplo de pureza, a minha mãe por todo seu sacrifício,
e a meu irmão por sua amizade.
Ao Prof. Angelo José da Silva pela compreensão, paciência e pela
orientação desta monografia. Ao Prof. Adriano Codato pelo incentivo e apoio
em todos estes anos.
Aos amigos, que tenho a felicidade de não poder listar, por serem tantos,
eu amo vocês.
A Célia, em especial, amiga, mãe e companheira, obrigado.
Aos companheiros do Movimento Estudantil, Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra e Consulta Popular, por me ensinarem a ser
humano, a ser gente e a ser povo. Hasta Siempre!
A Cinara, pelo amor e fidelidade divididos comigo. Eu te amo.
A vida, que ela seja intensa e duradoura em sua plenitude.
6
“Os príncipes falam francês, e logo todos seguirão seu exemplo; e então,
vejam, a bem-aventurança raia no horizonte! A idade de ouro, quando todo o
mundo falará uma só língua, uma linguagem universal! Um só rebanho, e um
só pastor! Mas onde estão vocês, culturas nacionais?”
Johann Gottfried von Herder, 1969
“Receita de cultura popular:
Põe tudo que o homem já pensou,
Põe o Brizola, o Padre Lage e o Julião
Um sindicato, uma greve e um patrão
Põe Também o povo trabalhando
O povo cantando e criando
E no fim a revolução.”
CPC - Auto-Relatório
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Resumo
O Movimento Social Brasileiro tem-se identificado historicamente pela
busca e construção de uma luta popular. O Centro Popular de Cultura - CPC na
década de 60 se apresenta como um de seus grandes representantes no que
tange esta construção, baseada em uma determinada leitura da realidade. O
presente trabalho apresenta o processo de concepção e execução do conceito
de “popular” elaborado pelo CPC, a partir de uma abordagem teórico-histórica
dos discursos sobre as articulações identitárias que constituem sua noção de
“cultura popular”. Analisa-se particularmente como tais articulações se
apresentam objetivamente em suas produções artísticos/culturais. A
reinterpretação da realidade objetificada nestas produções apresenta-se como
um processo de mediação politicamente orientado, operando um metadiscurso
que tem por excepcionalidade uma construção simbólica e unificadora em torno
do conceito de “cultura popular”.
Palavras -chave: CPC, Cultura Popular, Teatro, Brasil - Versão Brasileira.
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Siglas
CPC – CENTRO POPULAR DE CULTURA
EAD – ESCOLA DE ARTE DRAMÁTICA - SP
FFLCH – FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS/SP
ISEB – INSTITUTO SOCIAL DE ESTUDOS BRASILEIROS
MAC – MOVIMENTO ANTI-COMUNISTA
MAM – MUSEU DE ARTE MODERNA
MCB – MOVIMENTO CULTURAL BRASILEIRO
MCP – MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR
MSB – MOVIMENTO SOCIAL BRASILEIRO
PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO
TA – TEATRO DE ARENA - SP
TBC – TEATRO BRASILEIRO DE COMÉDIA
TPE – TEATRO PAULISTA DE ESTUDANTES -SP
UME – UNIÃO METROPOLITANA DE ESTUDANTES - RJ
UNE – UNIÃO NACIONAL DE ESTUDANTES
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Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
1. UM OLHAR SOCIOLÓGICO SOBRE A CONSTRUÇÃO DO POPULAR NA
CULTURA BRASILEIRA ................................................................................. 16
1.1 Cultura Popular e Identidade Nacional: uma Relação de Poder. . 16
1.2 O Movimento Cultural Brasileiro como protagonista da “Cultura
Popular” (1960) .................................................................................. 20
2. TEORIA E ORGANIZAÇÃO. O NASCIMENTO DO CENTRO POPULAR DE
CULTURA E DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DE POPULAR (1959 – 1964) .. 26
2.1 O surgimento do Teatro de Arena como antecedente do CPC .... 26
2.2 A necessidade do surgimento do CPC ......................................... 29
2.3 O contexto sócio/político do universo conceitual do CPC. ........... 35
2.4 Conceito de povo, popular e cultura popular ................................ 37
3. A CONCEPÇÃO DE CULTURA POPULAR DO CPC OBJETIFICADA EM
SUA ARTE: UMA ANALISE DA OBRA BRASIL – VERSÃO BRASILEIRA .. 50
3.1 Um olhar sobre o autor: Oduvaldo Vianna Filho, indivíduo e
coletividade. ....................................................................................... 51
3.2 Brasil - Versão Brasileira. O Popular desmistificado. .................. 59
3.2.1 Apresentação. .......................................................................... 60
3.2.2 Análise. .................................................................................... 67
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 80
ANEXO ............................................................................................................ 84
10
INTRODUÇÃO
Graduar-me em uma Universidade Pública possibilitou-me mais do que
uma formação acadêmica. Nos últimos anos, ao navegar pelos horizontes da
Sociologia, Antropologia e Ciência Política, percebi que minha experiência não
se limitava a um programa inflexível das Ciências Sociais. Os movimentos
estudantis e docentes, de trabalhadores urbanos e camponeses, de luta pela
educação, moradia, anti-homofobia, gênero etc., e suas específicas
manifestações; ocupações, greves, eleições, marchas e passeatas estiveram
fortemente presentes e em pleno diálogo com a intelectualidade presente na
Universidade Federal do Paraná, participando assim, de minha formação
política e acadêmica como à de meus colegas de curso e professores.
A presença do Movimento Social Brasileiro – MSB parece ganhar mais
importância dentro de um curso como o de Ciências Sociais, pois temos a
oportunidade de ver e participar concretamente de parte de nosso objeto de
estudo a poucos metros da sala de aula. Assim, minha relação com o MSB se
deu graças à sua relação com a Comunidade Universitária e creio que estive,
na mesma proporção, presente nas duas realidades. É desta relação que
surgiu meu interesse de pesquisa.
Se pudesse pensar em uma meta-síntese que singularize a pluralidade
presente dentro MSB margearia a questão da luta do povo, um referencial de
ação definido pela ideia de popular, resultado de uma determinada leitura da
realidade. Definir o que é popular, quem é e o que quer o povo, é o resultado
de um esforço de compreensão da Realidade Brasileira que tem por objetivo a
construção de um determinado projeto político popular para o Brasil. Perceber
esta busca dentro do MSB me fez refletir sobre a possibilidade de singularizar,
sobre uma identidade, a pluralidade de um povo como o brasileiro. Obviamente
responder esta questão exigiria compreender como o conceito de popular é
formulado dentro do MSB, tarefa demasiada grande para uma monografia.
Seria necessário um recorte maior para um tema tão grande. E foi
olhando para nossa história recente que encontrei no Centro Popular de
11
Cultura – CPC (1959 – 1964) o melhor representante do MSB neste sentido,
quando do seu esforço de construção de uma “cultura popular”.
Dois grandes problemas se apresentaram no decorrer do nosso
trabalho, a saber, a) o golpe militar interrompeu bruscamente o trabalho do
CPC com o fechamento da UNE em março de 1964, e b) o limitado número de
fontes documentais primárias, dado ao quase total desaparecimento dos
documentos escritos, por conta do incêndio criminoso do prédio que abrigava a
sede da União Nacional de Estudantes -UNE no Rio de Janeiro. Estes dois
fatos permitem apenas uma visão parcial de seu processo de construção
Quanto ao limitado numero de documentos primários, recebemos por
parte do Prof. Osmar Fávero da Universidade Federal Fluminense um acervo
particular de documentos bem como informações sobre o Fórum Eja1, que
reúne uma boa quantidade de documentos digitalizados, os quais utilizamos
em nossa pesquisa e análise documental. Encontramos escape também pelas
inúmeras produções teóricas que abordaram o CPC em diferentes
perspectivas, sob a luz da história, filosofia, letras e sociologia. Tivemos
contato com os trabalhos de Marilena Chauí, Miliandre Gracia de Souza,
Manoel Tosta Berlink, Gianfrancesco Guarnieri, Haroldo Santiago, dentre
outros, que analisam e demonstram a questão teórica e metodológica do ponto
de vista da ideia de “popular”, mais especificamente de cultura popular.
Buscamos esta discussão teórica para verificarmos como essa ideia esta
presente nas produções concretas, ou seja, separando práxis, a concepção e
execução. Limitamo-nos às exigências de um trabalho monográfico,
selecionando as obras que, em nosso entendimento, tem mais conteúdo em
relação ao objeto. Destas, foram inúmeras as possibilidades que foram filtradas
em um segundo momento, como parte da tarefa de pesquisa em si, tais como;
Os Azeredo mais os Benevides de Oduvaldo Vianna Filho (Prêmio Serviço
Nacional de Teatro – 1966); Brasil – versão brasileira de Oduvaldo Vianna Filho
(escrita em fevereiro de 1962); O autodos 99%, de Carlos Estevam; Petróleo e
Guerra na Argélia, mural de Carlos Estevam; A mais-valia vai acabar, seu
Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho; O filho da besta torta do Pajéu, de Oduvaldo
Vianna Filho; O petróleo ficou nosso, mural de Armando Costa; Clara do
1 Fórum de Educação de Jovens e Adultos, disponível em http://forumeja.org.br/cpc
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Paraguai, de Armando Costa; A estória de um sultão muito do safado e suas
implicações imperialistas, mural de Milton Feferran; Mistério do Saci, peça
infantil de Helena Sanches; Não tem imperialismo no Brasil, mural de Augusto
Boal; Triste história do candidato cordato, de Olga Regina (escrita em março de
62); Miséria ao alcance de todos, de Arnaldo Jabor; Petróleo, conferência
ilustrada de Elísio Medeiros Pires Filho; Pátria livre (de autor desconhecido); O
autor do tutú tá no fim e Auto dos cassetetes (também de autor ou autores
desconhecidos). (BERLINCK, 1984).
O grande número de trabalhos artísticos produzidos em tão pouco tempo
constituiu um leque demasiadamente grande para uma análise monográfica.
Assim, com o auxilio das produções de Rosangela Patriota, Maria Silvia Betti e
Raissa Borges, Fernando Peixoto, dentre outros, acabamos por nos concentrar
na análise da peça “Brasil – Versão Brasileira” de Oduvaldo Vianna Filho, que
consideramos a mais representativa das obras de autoria do CPC em relação a
nosso objeto.
O objetivo desta monografia tornou-se assim compreender como o
conceito de popular, inscrito sobre a noção de “cultura popular” é construído e
apresentado na peça, o que nos leva a uma dupla abordagem: a construção
teórica do conceito e a execução das obras concretas, que para nós significa
um processo de objetificação do conceito.
Em nosso entendimento a escolha de uma única obra da instituição do
recorte é legítima, tanto pelo caráter de construção coletiva das produções do
CPC quanto pelo efeito cenográfico da peça em questão. O processo de
análise aqui utilizado leva em conta tanto a sua concepção quanto a execução
conceitual. A peça escolhida tem por mérito “formalizar esteticamente” a
realidade político/social inscrita em seu contexto, o que inclui a apresentação
das táticas e estratégias políticas adotadas pela esquerda, sintetizada pela
necessidade de aliança entre operariado e burguesia nacional para luta anti-
imperialista.
Com isto tínhamos condições de pesquisar a construção da ideia
abstrata de “cultura popular” a partir da formação histórica do CPC, como
poderíamos confirmá-la em sua objetificação; a execução de sua concepção
em uma de suas obras.
13
É daqui que surgiu nossa principal hipótese de pesquisa que afirmava
que, independente da autonomia frente ao movimento político para elaboração
do teatro popular, esta ideia aparece de maneira diferente em sua concepção e
execução. Na primeira um conceito em estudo e desenvolvimento, no segundo
um conceito materializado e apresentado para seu público. Cabe aferir a partir
do que se tem de consenso em torno de sua concepção como esta é
materializada (coisificada) nas execuções teatrais. Em outras palavras, como o
CPC transformou um conceito abstrato em um conceito concreto, e como se dá
sua relação.
Confirmar nossa hipótese inicial exigiria mais que analisarmos como o
conceito aparece em sua concepção teórica e em sua execução (objetificação)
artística. Era necessário compreendermos como o conceito foi construído para
obtermos um referencial qualitativo de analise. A discussão de Juarez Poletto
sobre o desenvolvimento da poesia nacional em função do desenvolvimento do
modernismo brasileiro e a análise de George Plekhanov sobre a função da arte
nos foram úteis neste processo como referencias de abordagem, mas foi em
Renato Ortiz, Cultura Brasileira e Identidade Nacional, onde encontramos uma
análise sociológica que desse conta da formação da ideia de cultura popular na
história do pensamento brasileiro. É sob a luz de sua teoria que levamos em
consideração a relação entre cultura popular, identidade nacional e relações de
poder, por onde orientamos nosso olhar e realizamos nosso exercício de
pesquisa.
Com isso estruturamos nosso trabalho nos seguintes capítulos; “Um
olhar sociológico sobre a construção do popular na cultura brasileira” onde
apresentamos a teoria sociológica de Renato Ortiz que reconhece a influência
da relação entre cultura popular, identidade nacional e relações de poder como
processos indissociáveis. Aqui também apresentamos a centralidade do
Movimento Cultural Brasileiro - MCB na década de 60, como fundamentador da
noção de cultura popular no período, bem com os autores que debatem o tema
até o lugar do CPC neste meio. Em seguida “Teoria e organização. O
Nascimento do Centro Popular de Cultura e de uma nova concepção de
Popular (1960)”, em que apresentamos, ao mesmo tempo, o surgimento do
CPC e o processo de construção do conceito de “cultura popular” em seu
14
interior. No capítulo “A concepção de cultura popular do CPC objetivada em
sua arte: uma análise da obra Brasil – Versão Brasileira” nos esforçamos para
demonstrar como aquele conceito abstrato do capítulo anterior aparece em sua
objetificação, na execução de uma obra artística. Por fim, nas “Considerações
finais” buscamos demonstrar como esta construção conceitual se relaciona
com nossa hipótese inicial, na medida em que demonstramos sua mediação
com as relações de poder do período, conforme demonstramos no primeiro
capítulo.
Metodologicamente, nossa análise leva em consideração os discursos
sobre as articulações identitárias que constituem a noção de “cultura popular”
dentro do processo de consolidação do conceito: sua concepção teórica e sua
execução artística. Assim seremos um analista de discurso, assumindo-o na
sua totalidade para então analisá-lo sob a luz das teorias sociológicas às quais
aqui nos filiamos e, assim, compreendermos em que sentido estes símbolos
são usados.
Para Ortiz a análise de discurso permite ao pesquisador a compreensão
de como determinados grupos trabalharam determinados conceitos e
posteriormente, compreender como tais conceitos são utilizados por estes
grupos para apreensão do mundo,
No entanto é necessário perceber que todo o discurso se
estrutura a partir de uma posição determinada, as pessoas
falam sempre de algum lugar. Essas situações concretas que
dão base material à linguagem não são exteriores ao discurso,
mas se insinuam em seu interior e passam muitas vezes a
estruturá-lo e constituí-lo. As mesmas falas, em situações
distintas, possuem significados diferentes. (ORTIZ, 1986, p. 67)
Em outras palavras, assumimos os discursos como efetivos para então
pesquisar as intencionalidades e as variáveis que o influenciam. Com esta
perspectiva passaremos pela constituição teórica e histórica de nosso conceito
objeto, passando pelo autor da peça, como forma de nos assegurarmos do
“lugar” da fala, para em seguida chegarmos a constituição objetiva (coisificada)
do conceito; a execução artística, que será analisada na medida em que
demonstramos as origens das articulações identitárias de cada personagem,
15
grupo ou contexto evidenciado. Cabe ressaltar que buscamos ainda,
compreender como na obra o autor se utiliza da realidade para criar em um
processo de mediação politicamente orientada para a construção de uma
cultura popular que tem por excepcionalidade uma construção simbólica e
unificadora, em torno de um determinado conceito de cultura popular.
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1. UM OLHAR SOCIOLÓGICO SOBRE A CONSTRUÇÃO DO POPULAR NA
CULTURA BRASILEIRA
1.1Cultura Popular e Identidade Nacional: uma Relação de Poder.
Há um debate antigo acerca do tema cultura brasileira, subjacente às
discussões que envolvem a questão da identidade nacional.
Para os subscritores deste debate a crítica segundo a qual as ideias que
circulam em nosso país são cópias de ideias estrangeiras ainda é válida.
Entender este debate pressupõe compreender o que é identidade nacional.
Renato Ortiz aponta dois aspectos que a caracterizam: 1) Toda identidade se
define em relação a algo que lhe é exterior, ou seja: ela é uma diferença,
somos diferentes dos outros povos; e 2) toda identidade possui uma dimensão
interna, que são as semelhanças que identificam seus componentes entre si.
Esta segunda característica é o ponto polêmico e um divisor de águas entre os
pensadores do tema. “Se existe uma unidade em afirmarmos que o Brasil é
‘distinto’ dos outros países, o consenso está longe de se estabelecer quando
nos aproximamos de uma possível definição do que viria a ser o nacional”
(ORTIZ, 1986, p. 8).
Se, de um lado, admitimos que identidade seja na verdade, um conjunto
de construções identitárias simbólicas, elaboradas por “diferentes grupos
sociais em diferentes momentos históricos” (Id, ib), por outro sabemos que
estas construções correspondem a igualmente diferentes interesses destes
grupos em sua relação com o estado. Neste sentido, tais construções se
constituem em uma relação de poder. Logo, a construção da ideia de “popular”
também tangencia a questão do poder e a relação entre os grupos sociais e o
estado. É nesta perspectiva que o conceito de cultura popular se mistura ao de
identidade nacional e ambos se desenvolvem dentro do espectro da definição
de um estado nacional em solo brasileiro. É o próprio Ortiz quem o aponta,
citando Silvio Romero quando este compreende meio e raça como fatores
internos que definem a realidade brasileira, em contraposição às imitações da
cultura europeia:
17
... são estes portanto os elementos imprescindíveis para a
construção de uma identidade brasileira: o nacional e o
popular. A noção de povo se identificando à problemática
étnica, isto é, ao problema da constituição de um povo no
interior de fronteiras delimitadas pela geografia nacional.
(ORTIZ, 1986, p. 17)
Representante dos precursores das Ciências Sociais no Brasil junto a
Nina Rodrigues e Euclides da Cunha no final do século XIX, Silvio Romero
procura na cultura popular os elementos que constituem o povo brasileiro,
fundamento do ser nacional, na perspectiva de compreender os problemas
sociais para possibilitar a elaboração de uma identidade nacional capaz de dar
bases ao novo Estado Nacional o que, neste período, significava a construção
da identidade de um Estado que ainda não existia.
Com as mesmas preocupações destes intelectuais, mas influenciado
pela teoria culturalista de Franz Boas, Gilberto Freyre nos anos 30 abandona o
conceito de raça e centraliza o conceito de cultura, desta forma“...transforma a
negatividade do mestiço em positividade, o que permite completar
definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo
desenhada” (ORTIZ, 1986, 41) uma vez que o elemento popular da
miscigenação cultural estaria na base da constituição do povo Brasileiro. O
período em que se insere seu movimento de compreensão da realidade
brasileira (e de seus contemporâneos) exige uma redefinição do nacional
quando da redefinição do Estado que se moderniza com a Revolução de 30, o
surgimento do Estado Novo, o processo acelerado de urbanização e
industrialização, o conseqüente surgimento do proletariado urbano,
desenvolvimento de uma classe média, etc.
As questões sócio/políticas que o Estado Brasileiro enfrentava nos anos
50 e 60 também definiram a problemática do nacional e o popular no
pensamento brasileiro do período. A produção dos intelectuais do ISEB (em
sua maioria sociólogos e filósofos) que buscavam a “verdadeira” essência do
nacional e do popular correspondem, para Ortiz, a um novo momento da luta
ideológica em torno do Estado.
18
A busca da autenticidade, de uma consciência crítica e
independente atestam, como já tínhamos destacado, a
necessidade de se elaborar uma identidade que se
contraponha ao pólo dominador. A teoria é, neste caso, uma
linguagem que procura dar conta desta realidade (ORTIZ,
1986, 66).
Tem-se assim que a relação entre nacional e popular, dentro do
pensamento histórico brasileiro, se dá como manifestação do “quadro mais
abrangente do Estado” e é assim que devemos compreendê-la.
O importante neste processo histórico é a fundamentação de que a
estreita relação estabelecida entre nacional e popular na história brasileira não
implica na identificação do primeiro pelo segundo. A “memória coletiva”, ligada
a idéia de popular, é qualitativamente diferente da “memória nacional” ligada a
idéia de identidade. (ORTIZ, 1986, p. 135)
A “memória coletiva”, que se aproxima a ideia folclórica de cultura
popular, refere-se à ordem da vivência que, por se manifestar ritualmente
podemos traduzi-la como mito uma vez que é encarnada enquanto tradição por
um grupo restrito da sociedade. Por ser tradição ela é a história dos sujeitos de
seu grupo de origem não se expressando imediatamente na vivência social. A
“memória nacional” por sua vez não se da imediatamente no cotidiano dos
sujeitos, mas na construção de uma história social que se vincula a construção
uma ideologia que não se expressa no passado, ou seja, na ritualização de
uma tradição. Ela se projeta para o futuro estendendo-se impositivamente para
toda sociedade como única concepção de mundo que, por sua vez, dissolve a
diferenciação social encontrada na pluralidade da “memória coletiva”, assim
... a memória coletiva dos grupos populares é particularizada,
ao passo que a memória nacional é universal. Por isso o
nacional não pode se constituir como o prolongamento dos
valores populares, mas sim como um discurso de segunda
ordem. (ORTIZ, 1986: 137)
19
Temos que a identidade nacional não reflete a ontologia do povo
brasileiro, mas uma entidade abstrata construída a partir de um discurso que se
sobrepõe à realidade social. A pluralidade que se encontra no conceito de
“cultura popular” – se o pensarmos em termos de tradição folclórica – está,
assim, singularizada por um discurso ideológico de segunda ordem: a
“identidade nacional”. A pluralidade da primeira não pode ser encontrada na
singularidade da segunda, pois neste processo existe uma transformação
simbólica da realidade nacional que, ainda que considere os elementos das
expressões culturais dos grupos populares, integra tais elementos em uma
realidade qualitativamente diferente e ampliada.
É aqui que encontramos na elaboração teórica de Ortiz a relação entre
“cultura popular”, “identidade nacional” e “relação de poder”, tomando o Estado
como agente integrador dos elementos plurais dos grupos populares no
processo de mediação política que determina a constituição de uma identidade
nacional. Nas palavras do autor:
É através de uma relação política que se constitui assim a
identidade; como construção de segunda ordem ela se
estrutura no jogo da interação entre o nacional e o popular,
tendo como suporte real a sociedade global como um todo. Na
verdade a invariância da identidade coincide com a
univocidade do discurso nacional. Isto equivale a dizer que a
procura de uma identidade brasileira ou de uma memória
brasileira que seja em sua essência verdadeira é na realidade
um falso problema. (ORTIZ, 1986, p. 139)
É a esta procura que se dedicavam os intelectuais do ISEB na década
de 60 e que influenciaria determinantemente o pensamento do CPC durante
toda sua história de concepção de uma “cultura popular” verdadeira. No
entanto, o que está sendo referenciado por Ortiz, é que não nos interessa em
que medida ou, por quais meios, a “identidade nacional” se constitui enquanto
expressão real e verdadeira da cultura popular brasileira. Mas, compreendendo
que o desenvolvimento destes conceitos no pensamento social brasileiro,
dentro e fora das Ciências Sociais, esteve envolvido por tais relações de poder,
20
o que se torna fundamental é nos perguntarmos quais elementos da cultura
brasileira foram escolhidos para a constituição desta identidade, a que grupos
sociais ela se vincula e a quais interesses ela se propõe servir.
Para Ortiz a análise sociológica que problematiza a construção do
conceito de “cultura popular”, deve considerar o momento histórico em que os
sujeitos pensantes estão envolvidos, o papel de mediação simbólica exercido
pelos intelectuais que se dedicam a uma interpretação de Brasil e as relações
de poder que permeiam o desenvolvimento de tais interpretações. Suas
considerações serão utilizadas neste trabalho para pensarmos o “popular”
dentro do CPC, em sua construção teórica e artístico/cultural.
1.2 O Movimento Cultural Brasileiro como protagonista da “Cultura Popular”
(1960)
A politização da “arte e cultura” nacional, traduzida sob a égide do
“nacional-popular”, foi discutida por inúmeros trabalhos das ciências sociais,
história, letras e artes. É a partir da década de 80, com ênfase na década de
90, que o tema ganhou maior centralidade, passando a ser discutido por
inúmeros autores, desde a crítica ao sectarismo que impõe palavras de ordem,
privilegia a expressão política à estética e a dicotomia entre a classe
trabalhadora e a revolução socialista até sua compreensão enquanto
movimento político-cultural importante para compreensão da realidade
brasileira naquele período, considerando a proposta teatral cepecista como
consequência da realidade sociopolítica vivenciada por seus protagonistas
(BORGES, 2010).
O movimento cultural do qual participava o CPC – CENTRO POPULAR
DE CULTURA, é analisado por Chauí como conseqüência da conjuntura
política em desenvolvimento (CHAUÍ, 1983), daí falarmos em movimento
político cultural como processos indissociáveis. Neste momento os atores
criadores e produtores da arte nacional encontraram viabilidade na busca das
tradições e costumes das classes populares, podendo conciliar engajamento
político a construções técnicas artísticas (SOUZA, 2002).
As produções do CPC são compreendidas por Borges como,
21
...manifestações artísticas em consonância com uma ação
política decorrente de uma tomada de posição em relação aos
fatos históricos, configurando-se como documentos estéticos
que buscam formalizar momentos importantes da experiência
histórica em andamento, colocando-se como forma de
interpretação e crítica da realidade. (BORGES, 2010).
Ainda que para a maior parte deste movimento encontrar uma
conciliação entre a produção engajada e a apropriação de parte do mercado
cultural para, em última instância, sua sobrevivência material, tenha se tornado
uma das maiores demandas da época (SOUZA, 2002), o CPC manteve-se
concentrado na questão política quando considerado o trinômio; estética,
política e mercado.
Essa característica é explicitada por Borges quando afirma que as
formas estéticas podem ou não estar submetidas à hegemonia embora, mesmo
estando submetida ao pensamento hegemônico, possa apresentar fissuras. Em
função disto não é viável uma leitura mecânica das formas estéticas. Torna-se
necessário entender o CPC como parte de um movimento que procura
encontrar espaço para uma produção que concilie forma e conteúdo, sem que
a primeira anule a segunda (BORGES, 2010). Para esta questão de
hegemonia, interessa-nos o estudo de Plekanov em Sociologia da Arte, onde
discute a questão da “arte pela arte” com ênfase na estética, e a “arte útil”,
conforme sua introdução ao tema,
O problema da relação da arte com a vida social sempre
desempenhou papel muito importante em todas as literaturas
que alcançaram certo grau de desenvolvimento. Esse problema
resolvia-se geralmente e ainda se resolve em dois sentidos
diretamente contraditórios. Uns diziam e dizem: ‘Não está o
homem para a coisa, senão a coisa para o homem’. Não é a
sociedade que serve ao artista, mas o artista quem serve a
sociedade. A arte deve contribuir para o desenvolvimento da
consciência humana, para a melhoria da ordem social. Outros
negam terminantemente essa concepção. Segundo seu
22
critério, em si mesma a arte é um fim, e converte-lo em meio
para alcançar outras finalidades acessórias, embora mais
nobres, significa desprezar a dignidade da obra artística
(PLEKHANOV, 1945, Introdução).
Esta questão nos será útil para discutir a dupla e genérica posição sobre
o CPC e o movimento político-cultural do período, entendida ou como crítica à
arte engajada ou como louvores a um movimento que poderia dar cores
nacionais a uma prática artística e funcional do ponto de vista da mudança
social, que, se por um lado venceu na cena teatral a opção da arte engajada, a
mesma foi derrotada pela força da Ditadura Militar em um breve período de
tempo. Daí a importância de se discutir a questão do “popular” presente nas
peças do CPC uma vez que em pleno desenvolvimento esta questão foi
interrompida pela ditadura, passando a não ser mais um movimento cultural em
si, mas um processo de resistência e tomada do poder.
Como já demonstramos, não basta o estudo do CPC enquanto
movimento, ainda que o mesmo tenha sido autônomo em relação às suas
decisões e produções. É necessário discutir a questão de sua formação
interna, seus atores, autores e pensadores. Para isso levamos em
consideração os estudos de Miliandre Garcia de Souza, que discute a questão
na seguinte perspectiva,
A leitura que se fez da cultura popular, mote para a elaboração
de políticas culturais, variou de sentido e significado conforme
o referencial teórico de cada protagonista que se dispôs
pensar, pressupondo sua função prática, uma definição
"correta" de cultura popular. Nesse contexto, de criatividade e
efervescência cultural como normalmente se define, o
"manifesto do CPC" não representa o pensamento de uma
geração de estudantes, artistas e intelectuais que se
engajaram às demandas políticas da época. (SOUZA, 2002).
Uma vez que o objetivo desta pesquisa é analisar, a partir da peça do
recorte, como a questão do “popular” aparece na produção artística do CPC
23
entre 1959 e 1964, levando em conta que elas foram produzidas de maneira
autônoma, sem preocupações com o mercado hegemônico, mas priorizando
um público específico, e que foram escritas coletivamente, por diversos
autores, o referencial apresentado por Souza torna-se importante ao destacar a
marcação teórica de cada personagem apresentado naquelas produções.
Assim, verifica-se a dupla linha de abordagem dos estudos já realizados
sobre o CPC e sobre o movimento cultural brasileiro daquele período, quais
sejam as análises das produções artísticas enquanto desenvolvimento geral do
Movimento Cultural Brasileiro destas produções em seu caráter de resultado de
definições políticas, teóricas e metodológicas dos indivíduos que
protagonizaram suas criações. Em O Centro Popular de Cultura da UNE, de
Manoel Tosta Berlinck, podemos encontrar informações sobre as condições
econômicas, sociais, políticas e culturais que possibilitaram seu
desenvolvimento, assim como apreender o significado e as implicações da
questão da “cultura popular” presente dentro do CPC. É no próprio trabalho de
Tosta que podemos encontrar, com maior relevância, os marcos teóricos e
metodológicos que orientaram aqueles protagonistas citados.
Carlos Estevam e Ferreira Gullar ocuparam papel central na produção
intelectual do CPC. Respectivamente, A questão da cultura popular e A cultura
popular posta em questão discutem o lugar do “popular” dentro do CPC,
diferenciando a arte do povo, a arte popular e a arte popular revolucionária.
Esta última acepção do termo é adotada pelo Centro, conforme Berlinck (1984)
Estevam sintetiza a proposta ideológica do CPC, desenvolvendo os conceitos
de cultura popular. Já Ferreira Gullar em sua publicação, às vésperas da
Ditadura Militar, apresenta a ruptura do ator com a vanguarda e o esforço de
justificar teoricamente a utilização da arte na luta ideológica. Sua principal
contribuição para este trabalho é a análise da autonomia cultural, livre do mito
do nacionalismo. Contrariando Estevam, Gullar defende a importância de se
fazer a arte popular pela arte, sem que esta esteja estreitamente subordinada a
matrizes ideológicas e objetivos políticos. Aqui a luz teórica elaborada por
George Plekhanov nos serve novamente de instrumento, referente à questão
do lugar da arte do ponto de vista do artista durante o decorrer da história. Faz-
se importante para compreender esta tripla divisão da teoria aplicada pelo
24
Centro — os três tipos de cultura — bem como o lugar do artista na sociedade,
discutido por Plekanov (1945) em torno da polêmica “Não é a sociedade que
serve ao artista, mas o artista quem serve a sociedade”, citada anteriormente.
Para Juarez Poletto (2007). “a arte não existe no vácuo, mas na vida e
na realidade histórica e assim não pode se desvincular desta” Nesta
perspectiva ele discute, por exemplo, o desenvolvimento da poesia nacional em
função do surgimento do modernismo brasileiro, e traça um paralelo deste com
o desenvolvimento político nacional. Em A Trajetória da Poesia Sobre o
Trabalho no Modernismo Brasileiro em Paralelo com a História do Trabalho
Nacional o autor discute esta relação dialética, demonstrando o
amadurecimento de um em função de outro. Deste processo resultam
perspectivas renovadas, entre elas a arte engajada, assumida pelo CPC,
proporcionando que este, de alguma forma, faça parte do movimento
modernista. Marilena Chauí, em Considerações sobre Alguns Cadernos do
Povo Brasileiro e o Manifesto do CPC, de 1980, demonstra na mesma
perspectiva de Poletto como se desenvolvem os conceitos de povo, vanguarda,
nacionalismo, imperialismo e revolução até a década de 60, e como o
desenvolvimento destas orientações influenciaram a perspectiva do Centro.
São numerosos os trabalhos que analisam e demonstram, para além
dos textos próprios do CPC e seus pensadores, a questão teórica e
metodológica do ponto de vista da ideia de “popular”, mais imediatamente,
teatro popular (BERLINCK, 1984). Buscamos esta discussão teórica para
verificar como essa ideia está presente nas produções concretas, ou seja, na
execução. Limitando-nos às exigências de um trabalho monográfico
escolhemos a obra que, em nosso entendimento, apresenta o conteúdo que
possui mais afinidade com nosso objeto. Inúmeras possibilidades foram
filtradas, em um segundo momento,como parte da tarefa de pesquisa em si. As
peças avaliadas neste momento do trabalho foram Os Azeredo mais os
Benevides, de Oduvaldo Vianna Filho (Prêmio Serviço Nacional de Teatro –
1966); O autodos 99%, de Carlos Estevam; Petróleo e Guerra na Argélia, mural
de Carlos Estevam; A mais-valia vai acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna
Filho; O filho da besta torta do Pajéu, de Oduvaldo Vianna Filho; O petróleo
ficou nosso, mural de Armando Costa; Clara do Paraguai, de Armando Costa;
25
A estória de um sultão muito do safado e suas implicações imperialistas, mural
de Milton Feferran; Mistério do Saci, peça infantil de Helena Sanches; Não tem
imperialismo no Brasil, mural de Augusto Boal; Triste história do candidato
cordato, de Olga Regina (escrita em março de 62); Miséria ao alcance de
todos, de Arnaldo Jabor; Petróleo, conferência ilustrada de Elísio Medeiros
Pires Filho; Pátria livre (de autor desconhecido); O autor do tutú tá no fim e
Auto dos cassetetes (também de autor ou autores desconhecidos) e Brasil –
versão brasileira,de Oduvaldo Vianna Filho (escrita em fevereiro de 1962).
26
2. TEORIA E ORGANIZAÇÃO. O NASCIMENTO DO CENTRO POPULAR DE
CULTURA E DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DE POPULAR (1959 – 1964)
Escrever sobre o Centro Popular de Cultura, conhecido como CPC da
UNE, quase meio século depois de sua extinção pelo golpe militar de 1964, e
do quase total desaparecimento de seus documentos escritos por conta do
incêndio criminoso do prédio que abrigava a sede da UNE no Rio de Janeiro é
uma tarefa que oferece inúmeras dificuldades. A quase inexistência de
registros a seu respeito junta-se à crítica que tentou desconstruir a sua
imagem, vinda tanto da direita quanto da chamada “esquerda renovada”
(BUONICORE, 2004) Isto, entretanto, não impediu que alguns estudiosos
tentassem resgatar a trajetória do CPC2.
2.1 O surgimento do Teatro de Arena como antecedente do CPC
A identificação da juventude com o teatro durante as décadas de 50 e 60
foi favorecida pela criação, no final da década de 40 do Teatro Brasileiro de
Comédia (TBC) por Franco Zampari e da Escola de Arte Dramática (EAD) por
Alfredo Mesquita. O primeiro fascinava pela oportunidade de profissionalização
e o segundo pela possibilidade de formação de atores.
O surgimento do TBC e da EAD trouxe, antes de qualquer coisa, um
aperfeiçoamento técnico para o teatro brasileiro, até aí completamente
precário. Desde a formação de atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, até a
formação de um público que aos poucos se habituava a frequentar as salas de
espetáculo, esta renovação conferiu às artes cênicas no Brasil ares de coisa
séria (CRUZ, 1956. p. 119). Mas este aperfeiçoamento acontecia somente na
forma, na aparência externa do teatro brasileiro, o que não correspondia aos
anseios dos grupos que desejavam a politização da nossa dramaturgia,
norteados pela recém elaborada ideologia do nacional-popular. O repertório
continuava sendo o clássico europeu e a platéia formada era de um público
2 Para um maior aprofundamento na história do surgimento do CPC ver BORGES, Rayssa. CPC da UNE: para além de reducionismos e preconceitos. Dissertação de Mestrado, UnB, 2010. Pag. 16 e s.
27
eminentemente burguês. De acordo com Cruz (1956, p. 120) a produção
nacional para o teatro permanecia esquecida nas gavetas, enquanto o público
sequer tomava conhecimento desta produção. Fazia parte da mentalidade
vigente à concepção de que só o que era produzido na Europa tinha a
possibilidade de aliar o sucesso de crítica com o êxito de bilheteria. Isto
impedia que tanto o governo quanto os empresários investissem no teatro e
estimulassem a formação de um teatro "genuinamente" brasileiro (GUARNIERI,
1959, p. 121). Embora a contribuição dos teatrólogos e dramaturgos europeus
que foram para cá trazidos não seja negada, visto que deram um impulso
estético a esta arte em nosso país, sabe-se que a própria concepção de teatro
que foi trazida “nos era socialmente estranha” (SANTIAGO, 1959, p.199), tendo
adiado assim, a formação de um teatro realmente brasileiro.
É a partir destas constatações que começa a ser gestada a ideia de que
a arte deveria estar vinculada à nossa realidade – ou seja, a arte deveria ser
engajada. Assim, o Teatro de Arena, que nasceu do TBC, passou a criticar o
caráter comercial do TBC, principalmente em função de ser o seu repertório
predominantemente europeu e seu público ser de classe média.
A primeira peça no gênero teatro de arena encenada no Brasil, no início
dos anos 50, foi O demorado adeus de Tenessee Williams, organizada pelo
crítico de teatro e professor da EAD Décio de Almeida Prado, orientador de
José Renato, ainda estudante, que mais tarde irá desempenhar importante
papel tanto no Arena quanto no CPC (MAGALDI,1984, p. 10-11). O êxito
alcançado por esta peça impulsionou a criação da Companhia de Teatro e
Sociedade de Arena cujo primeiro trabalho foi a montagem de uma peça de
Dickens (Esta noite é nossa), estreada em abril de 1953 no Museu de Arte
Moderna (MAM) por falta de sede própria. Esta foi montada na Rua Theodora
Bayma, n.º 94, em frente à Igreja da Consolação na cidade de São Paulo em
01 de fevereiro de 1955 (MAGALDI, 1984, p. 11-12).
A escolha do gênero arena teve razões estéticas, mas também
econômicas. No exemplar da revista Tempo Brasileiro de fevereiro de 1956, o
diretor José Renato afirmava que a razão pela qual havia escolhido criar um
teatro em formato de arena era desta ordem, pois
28
... nele não existe cenário e o palco é um simples espaço no
centro do círculo formado pelas cadeiras. Para um teatro de
pouco público, como o brasileiro, a única possibilidade de autos
suficiência, parece-me, está no teatro de arena, que despende
menos dinheiro. Numa montagem comum gasta-se a décima
parte do que exigiria um teatro normal (Apud: MAGALDI, 1984,
p. 15-16).
Justamente por isso o texto e a representação dos atores
desempenhavam uma importância primordial. De acordo com o balanço
realizado por José Renato,
... no teatro de arena, preocupamo-nos com um espetáculo
mais puro. Sua verdadeira vedete é o texto. Com a ausência de
cenários e a proximidade do palco, toda a atenção se
concentra sobre a peça e o desempenho. Os autores deveriam,
aliás, entusiasmar-se com o teatro de arena, porque é o que
mais os valoriza. Nos teatros comuns, uma rica montagem
pode iludir o espectador (Apud: MAGALDI, 1984, p. 16).
Mas o repertório adotado pelo Teatro de Arena no período de 1953 a
1955 é do mesmo teor que o repertório do TBC, contrariando a ideia de
fidelidade à produção nativa e aos temas nacionais. O sucesso de “Eles não
usam black-tie”, de Guarnieri provoca a virada do Teatro de Arena e, “de uma
espécie de TBC pobre, ou econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em
porta-voz das aspirações vanguardistas de fins dos anos cinquenta”
(MAGALDI, 1984, p. 7). Já na sequência a fusão entre o Teatro de Arena e o
Teatro Paulista de Estudantes (TPE) vem reforçar esta renovação e aprofundar
a politização das temáticas apresentadas pela ótica do nacional-popular. A
renovação estética e temática em curso no teatro brasileiro fortaleceu-se com a
contratação de Augusto Boal, em 1956.
O TPE havia sido fundado por estudantes da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas – FFLCH, da USP, e via na proposta de junção
oferecida por José Renato (diretor do Arena) uma possibilidade de
29
profissionalização paralela ao modelo tido como exclusivamente comercial pelo
TBC, enquanto para o pessoal do Arena, isto possibilitava a existência de dois
elencos: um permanente e um itinerante, atendendo assim a intenção de levar
o teatro a um público mais diversificado e de acesso mais fácil para estudantes
e operários, por exemplo. A presença de Oduvaldo Vianna Filho e
Gianfrancesco Guarnieri – originários do TPE – vinha reforçar a preocupação
com a formação de um teatro nacional popular, realista e crítico, sob forte
influência de Ruggero Jacobbi, o mais politizado encenador contratado pelo
TBC (PATRIOTA, 1999, p. 98).
Boal foi convidado por José Renato para atuar como segundo
encenador, já que o primeiro (e único até então) era o próprio José Renato.
Recém formado no curso de Dramaturgia e Direção da Universidade de
Colúmbia em Nova Iorque, Boal trouxe para o Arena toda a experiência
adquirida, e imediatamente passou a organizar um programa de estudos
através de seminários de dramaturgia, estimulando a produção e a
comunicação entre autores, atores e diretores. Assim, diferentes fatores
interferiram na configuração do Teatro de Arena. Nascido das dificuldades
financeiras do grupo de atores e autores mais engajados, o Arena politizou-se
com a presença dos estudantes do TPE e aprofundou-se nos debates e
discussões de ordem teórico-metodológicas acerca da própria linguagem a
partir da contribuição de Augusto Boal.
2.2 A necessidade do surgimento do CPC
O Centro Popular de Cultura (CPC) foi criado em 19613, no Rio de
Janeiro, ligado à União Nacional de Estudantes (UNE), reunindo artistas de
distintas procedências: teatro, música, cinema, literatura, artes plásticas etc., e
trazendo a proposta de construção de uma cultura popular por meio da
conscientização das classes populares, a partir de estratégias pedagógicas.
Rapidamente, atraindo a adesão de intelectuais da geração mais jovem, a ideia
dos CPC’s alastrou-se pelo país, dando origem a um novo tipo de artista
3Enquanto para o relatório do CPC, a entidade havia sido fundada em março de 1961 (RELATÓRIO, 1963. In: BARCELLOS, 1994, p. 441), para Manoel Tosta Berlinck o CPC foi criado em dezembro de 1961 (BERLINCK,1984, p. 9).
30
“revolucionário e consequente”. Sua arte, considerada “revolucionária”, se
reivindicava “instrumento a serviço da revolução social”, tinha como cenário as
ruas, as portas de fábrica, as favelas, os sindicatos e as comunidades rurais,
apresentando temáticas próprias de cada contexto. Por sua iniciativa constituiu-
se a UNE-volante, uma excursão que durou três meses e percorreu todas as
capitais brasileiras divulgando sua mensagem para universitários, operários e
camponeses.
Carlos Estevam Martins sistematizou, em 1962, o que seriam os
princípios norteadores do CPC no texto intitulado Anteprojeto do Manifesto do
Centro Popular de Cultura. Segundo o documento não existe arte popular se o
artista não estiver politicamente engajado nas lutas populares. Para Martins a
arte que brota do povo, sem a conotação política, serve apenas como atividade
lúdica e ornamental, sem qualidade artística e sem pretensões culturais. A arte
politicamente engajada conforme proposta no texto tinha como meta tirar as
massas do seu lugar de alienação e submissão.
O surgimento do CPC acontece em um cenário de grande mobilização
política, em um período de expansão das organizações de trabalhadores tanto
no meio urbano quanto no rural, no qual a presença do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), então na semi legalidade, exerce forte influência no quadro
cultural da época.
Entre dezembro de 1961 e dezembro de 1962, o CPC produz as peças
Eles Não Usam Black-Tie e A Vez da Recusa, de Carlos Estevam; o filme
Cinco Vezes Favela - que reúne Couro de Gato, de Joaquim Pedro de
Andrade; Um Favelado, de Marcos Faria; Escola de Samba e Alegria de Viver,
de Cacá Diegues; Zé da Cachorra, de Miguel Borges e Pedreira São Diogo, de
Leon Hirszman; a coleção Cadernos do Povo e a série Violão de Rua, das
quais participam Moacir Félix, Geir Campos e Ferreira Gullar. Promove, ainda,
cursos de teatro, cinema, artes visuais, filosofia e a UNE-Volante, excursão de
três meses pelas capitais do país para contatos com as bases universitárias,
operárias e camponesas. Posteriormente, o CPC fortalece a área de
alfabetização de adultos e o setor de arquitetura, que funciona
fundamentalmente para apoio das montagens teatrais. As oficinas de literatura
de cordel contam com a participação de Félix de Athayde e de Ferreira Gullar.
31
O projeto do teatro de rua, de Carlos Vereza e João das Neves, assim como o
teatro camponês, de Joel Barcelos, tem como objetivo levar a arte diretamente
ao povo, pela encenação das peças nos locais de trabalho, moradia e lazer. O
CPC promove ainda feiras de livros acompanhadas de shows de música - para
os quais convidam os "sambistas do morro", Zé Kéti, Nelson Cavaquinho e
Cartola - que contam com a adesão de Vinícius de Moraes. A coleção
Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio
Silveira (1925 - 1996), e História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré,
sugerem a intensa colaboração entre os intelectuais do ISEB e do CPC. No
campo das artes plásticas, de menor destaque que as demais, colaboram Júlio
Vieira, Eurico Abreu, Delson Pitanga e Carlos Scliar (Enciclopédia Itaú Cultural,
2011)
Embora a ênfase fosse posta no teatro, o CPC foi mais que isso em
nosso país: tratou-se de um movimento político-cultural, com manifestações em
diferentes áreas.
Esse movimento artístico surgiu como dissidência do grupo
paulista “Arena”, na medida em que alguns dos seus membros,
muito preocupados com a produção de uma dramaturgia crítica
da realidade social brasileira, destacavam a necessidade de
maior aproximação entre os artistas e o povo. (CATENACCI,
2001, p. 33)
Assim, resultado de um contexto histórico específico, o CPC surge como
um desdobramento do Teatro de Arena. Segundo o depoimento de Carlos
Estevam Martins em seu depoimento ao CEAC, em 23 de outubro de 1978,
“Parte do grupo se sentia insatisfeito com o tipo de público que as peças [Eles
não usam Black-tie e Chapetuba F.C.] atraíam”. Para esta parcela do grupo o
que o TA estava fazendo não se diferenciava do que o TBC fazia. O que se
queria era “uma comunicação direta com as massas populares, através de um
teatro feito diretamente para o povo”. Esta divergência gerou a cisão do grupo,
e os que permaneceram no Rio (a maior parte voltou para São Paulo)
decidiram montar uma peça improvisada. Assim surgiu A mais valia vai acabar,
Seu Edgar, com música de Carlos Lyra. “A peça era didática e tinha a intenção
de explicar como funcionava o mecanismo da mais valia”, explica Martins. O
32
espetáculo, apresentado na Faculdade de Arquitetura do Rio, fez um sucesso
razoável. E ele continua:
Quando foi chegando o fim da temporada do espetáculo de
Vianinha, Leon Hirszman e eu chegamos à conclusão que
havia um número enorme de pessoas, supostamente bem
dotadas para as artes, em uma perspectiva nova e
entusiasmada, e que se não houvesse alguma organização
que canalizasse aquele potencial, tudo se perderia com o fim
da temporada. A única coisa que nos ocorreu, por incrível que
pareça, foi dar continuidade ao agrupamento montando um
curso de filosofia.
O curso foi montado e contou com um público expressivo, acabando por
gerar um problema de espaço, o que por sua vez deu lugar à ideia de fazer
algo completamente novo. Conforme Martins:
Uma influência importante para isso foi a de Paulo Freire, que
frequentava o ISEB e ali fez algumas conferências divulgando
o trabalho do MCP [Movimento de Cultura Popular].
Se, de um lado, o MCP inspirou o CPC, por outro, este teria que ser
completamente diferente daquele, como continua explicando Carlos Estevam
Martins:
No nosso caso, no entanto, a coisa teria que ser diferente, já
que o MCP era um aparelho de Estado, um órgão da
Secretaria de Educação da Prefeitura de Recife. Nós, no Rio,
tínhamos que criar alguma coisa que fosse como uma entidade
privada e contar - ao contrário do MCP que foi inicialmente
montado via mobilização de professores primários - com
pessoal de outro tipo: basicamente pessoas que queriam ser
artistas. Nós tínhamos duas diferenças essenciais com relação
ao MCP: em primeiro lugar, não tínhamos nenhuma ligação
com o Estado e, em segundo lugar, o grosso do pessoal estava
ligado às artes, coisa que não ocorria no MCP. (MARTINS,
1990)
33
O momento de excepcional efervescência sócio-política e artística vivido
no país favorecia a que o movimento aglutinasse um número expressivo de
pessoas em torno da proposta de transformação social a partir da contribuição
da arte. Nelson Xavier, autor, ator e diretor de teatro, cinema e televisão, em
entrevista a Jalusa Barcellos dá o seguinte depoimento:
O Brasil, naquele momento, começava a despertar para o que
hoje nós chamamos de ‘identidade nacional’ que, naquele
instante era identificada pela expressão ‘realidade brasileira’. E
essa era uma expressão nova na política e, portanto, na
cultura. Bom, havia o ISEB, o Instituto Social de Estudos
Brasileiros4 [...] Crescia o juscelinismo, as reivindicações das
classes trabalhadoras começavam a ficar politicamente mais
definidas. Depois de 1945, o Partido Comunista tinha entrado
para a legalidade. Depois de todos esses anos, portanto,
começava a ter frutos uma luta política aberta. Começava a
nascer uma corrente nacionalista (apud BARCELLOS, 1994, p.
372).
A construção do CPC e a elaboração das formulações teóricas que o
orientaram foram acontecendo em processos intimamente articulados. Cada
obstáculo a ser vencido provocava discussões que, por sua vez, aprofundavam
o ideário do coletivo. Desta forma, a demanda pela mudança “de um público de
classe média para um público popular” (MARTINS, 1990) levou o grupo a,
primeiramente, tentar apresentar-se nas periferias. Na descrição de Martins,
duas surpresas os aguardavam: 1) a polícia de Lacerda agia muito mais nos
bairros do que no centro do Rio de Janeiro, e 2) os operários não estavam
onde o grupo esperava que eles estivessem, que eram os sindicatos. Diversos
espetáculos foram montados sem que houvesse público para assisti-los, o que
levou a outra dificuldade: “entrar em contato com o povo, uma vez que não
existiam estruturas de conexão entre o grosso da população e os grupos
4 O Instituto Social de Estudos Brasileiros (ISEB) foi criado em 1955 e era vinculado ao Ministério de Educação e Cultura, mantinha sua autonomia e liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra, destinado ao estudo, ao ensino e à divulgação das ciências sociais.
34
culturais politizados que queriam sair fora dos circuitos elitistas”. Foi assim que
surgiu o que depois foi chamado de Teatro de Rua – pequenos esquetes
montados com os recursos encontrados na hora. Deu certo, e do Teatro de
Rua surgiu a ideia de usar uma carreta, que foi idealizada e construída pelo
pessoal do departamento de Arquitetura. O passo seguinte foi “conseguir
recursos junto ao Serviço Nacional de Teatro para transformar o auditório da
UNE em um teatro. Em pouco tempo, o auditório, que não tinha acústica
nenhuma, foi transformado em um teatro para valer: palco, som, maquinaria
perfeita, camarins, etc… tudo feito para funcionar a contento”.
Para Martins (1990)
Apesar de termos feito algumas incursões interessantes junto
aos trabalhadores, o CPC acabou mesmo conquistando o
público estudantil. A UNE, como todo mundo sabe, não tinha
uma vinculação direta com a massa dos estudantes, poucos
estudantes sabiam o que era a UNE. A direção da entidade
percebeu então que teria seu acesso facilitado junto às suas
bases via CPC. O CPC fazia peças especiais para a abertura
de cada congresso, além disso participamos de várias UNE
volantes, corremos o Brasil todo com a UNE, levados pela UNE
e levando a UNE à massa estudantil. (MARTINS, 1990, p. 77-
82)
Este clima político-ideológico favorece o fortalecimento de temas
políticos (nacionalismo, democratização, modernização, valorização do povo)
no debate nacional, que marcam as manifestações artísticas e podem ser
percebidos na atuação dos artistas e intelectuais que idealizaram, organizaram
e dirigiram o CPC.
Segundo Martins (1990)
Para avaliar os resultados do CPC, devemos primeiro examinar
alguns dados. Primeiramente, com relação à produção, é
interessante observar como foi possível, dispondo de um
tempo tão curto, criar uma produção tão grande. A explicação
para isto está na vontade, na disposição para fazer e na crença
35
nos resultados. A análise de conjuntura está relacionada com
este entusiasmo. A queda de Jânio foi fundamental para o
surgimento do clima que originou o CPC, todo aquele fervor só
tinha uma justificação: a ideia de que íamos chegar lá, e muito
rapidamente. Com a renúncia de Jânio, armou-se um golpe de
direita para impedir a posse de Jango e instalar uma ditadura
de direita, e todos os que depois viriam a fazer parte do CPC
participaram da luta pela legalidade, junto com Brizola, o III
Exército, a UNE, a CGT, os sindicatos, o movimento
camponês, etc… Durante esse período, até 1964, tínhamos a
perfeita sensação de que as classes populares haviam
vencido, uma sensação que há 14 anos está enterrada. O CPC
surge daí, decorrente da ideia de que era necessário aumentar
as fileiras, politizando as pessoas a toque de caixa, para
engrossar e enraizar o movimento pela transformação
estrutural da sociedade brasileira. É preciso sacrificar o
artístico? Claro que sim, porque as classes populares vão
chegar ao poder logo, logo. A avaliação de conjuntura levava à
conclusão de que havia um ascenso do movimento de massas
e que tudo só dependeria do esforço que empregássemos para
multiplicar essas forças sociais em ascensão. Enfrentamos o
MAC - Movimento Anti-Comunista, que um dia chegou a
metralhar nossa equipe de cinema, e a polícia o tempo todo,
mas a sensação permanecia, daí esta paixão e esta dedicação
ao trabalho. (MARTINS, 1990, p. 77-82)
2.3 O contexto sócio/político do universo conceitual do CPC.
Os anos 50 e 60 foram marcados por uma grande agitação política e
cultural5.O país saiu da ditadura Vargas e entrou na era JK com sua política
desenvolvimentista (50 anos em 5) e caracterizada por intensa industrialização,
pela participação de multinacionais, por uma política de abertura ao capital
5 Para uma abordagem mais profunda sobre o assunto recomenda-se os trabalhos de SOUZA (2002) e CATENACCI (2001, p. 3) incluídos na bibliografia deste trabalho.
36
estrangeiro, pela inauguração de Brasília, fatos que ajudaram a compor um
cenário favorável a que muitos acreditassem em uma ruptura histórica.
O segmento operário organizava-se, desde o início dos anos 50, com o
fortalecimento de seus instrumentos de luta econômica por melhores condições
de vida e pressão política por uma participação mais ampla nas decisões
nacionais. Complementarmente, a sindicalização rural avançava e as Ligas
Camponesas traziam de volta um velho motivo de horror dos setores
conservadores: a Reforma Agrária. A classe média urbana, representada por
estudantes e intelectuais, dava sinais de aprovação às reformas estruturais
propostas pela atividade da militância política e cultural, bastante intensa. As
questões nacionais e as perspectivas de transformação eram debatidas
ardorosamente, permitindo o contato da intelectualidade com o nascente
movimento nacionalista brasileiro. O terreno onde esta fermentação mais se
manifestava era o da produção artística, dando origem à formação de uma
pedagogia estética orientada pelo conceito de nacional-popular e para a
construção de uma cultura nacional popular que visasse à transformação de
toda a sociedade brasileira.
O momento seguinte, com a renúncia de Jânio e o ascenso de Jango
apoiado pela esquerda, com a desaceleração no ritmo de desenvolvimento e o
desmantelamento dos esquemas tradicionais de manipulação populista
favoreciam as perspectivas de grandes mudanças e motivavam a reivindicação
da esquerda por mais coerência por parte do governo.
A expectativa de reformas de base no governo Goulart; as
desapropriações para a reforma agrária no governo Brizola, no
Rio Grande do Sul; o crescimento das ligas camponesas e dos
conflitos travados entre posseiros e latifundiários no nordeste
do país; e, no âmbito internacional, a Revolução Cubana,
apresentavam-se como indicativos de um processo
revolucionário. Acreditava-se que pela ação política, pela
militância partidária, transformações importantes ocorreriam na
sociedade em um prazo relativamente curto. (CATENACCI,
2001, p. 33).
37
Este clima político-ideológico favoreceu o fortalecimento de temas
políticos como nacionalismo, democratização, modernização, valorização do
povo, no debate nacional, marcando as manifestações artísticas e tornando-se
visíveis na atuação dos artistas e intelectuais que idealizaram, organizaram e
dirigiram o CPC.
2.4 Conceito de povo, popular e cultura popular
A grande preocupação do CPC com a função social da arte e a
consequente aglutinação da intelectualidade em torno da concepção de cultura
popular, compromisso com a politização da dramaturgia brasileira, era
traduzida pela apresentação do nacional-popular como temática central, mas é
impossível compreender esta preocupação sem compreender os antecedentes
históricos do Teatro de Arena6.
Para analisar com propriedade a forma como o CPC abordou a questão
da cultura popular é importante que se examine o seu conceito de povo e de
popular. Para os artistas e intelectuais cepecistas povo não era, exatamente, o
conjunto da população. Antes, era sua camada subalterna, isto é, a classe
trabalhadora. Para eles, era esta camada da sociedade que trazia em si o
germe da revolução, capaz de transformar a realidade e de fazer surgir o novo.
Na sua concepção este povo não tinha consciência desta sua missão, razão
pela qual chamavam para si a tarefa do despertamento desta consciência.
A ação do CPC era, pois, basicamente política, sendo a arte o seu
instrumento. Para seus pensadores a arte que não favorecesse a articulação e
a comunicação com este povo – ou seja, a arte revolucionária, era
simplesmente rejeitada como instrumento de alienação. Sendo assim, para
eles, a cultura popular (cultura dirigida para o povo) era algo a ser construído e
levado para a classe trabalhadora tendo como objetivo a transformação da
sociedade (BARCELLOS, 1994:217).
O sucesso de público e de crítica alcançado pela peça Eles não usam
Black-tie, estreada em 1958 e apresentada 512 vezes em 40 cidades do
6 Ver DO ARENA AO CPC: O DEBATE EM TORNO DA ARTE ENGAJADA NO BRASIL (1959-1964). Miliandre Garcia de Souza. Dissertação de Mestrado. 2002. UFPR..
38
interior paulista durante uma temporada de um ano (GUARNIERI, 1959),
motivou Guarnieri a escrever o artigo O Teatro Como Expressão Da Realidade
Nacional (GUARNIERI, 1959, p. 121-126), no qual são lançados “os
pressupostos teóricos do engajamento teatral com base no conceito nacional-
popular” (SOUZA, 2002, p. 40). O debate estético e ideológico deste período foi
profundamente marcado pelo artigo de Guarnieri, cujas ideias são visíveis nas
formulações de Vianninha, Martins, Gullar e Lyra (SOUZA, 2002, p. 41).
O compromisso da dramaturgia brasileira com uma forma nova de ver e
apresentar sua arte através da expressão do nacional-popular foi reforçada
pela lei do “dois por um”7, que garantiu a montagem de espetáculos com textos
nacionais, e os novos autores demonstraram sua preferência pelos temas
sociais, pelos problemas cotidianos e presentes naquele momento. A antinomia
representada pela oposição entre “forças nacionalistas-progressistas” e “forças
reacionário-entreguistas”, presente nas teses do Partido Comunista Brasileiro,
foi incorporada ao debate estético e ideológico daquele momento. A montagem
de A mais valia vai acabar, Seu Edgar, abordando um conceito marxista,
aponta para um desejo de aprofundamento das questões populares dentro
desta orientação teórica.
O debate sobre cultura popular, em consonância com o conceito de
nacional-popular está presente em diferentes iniciativas de cunho cultural. Para
Ridenti as propostas do Teatro de Arena, do CPC, do Grupo Opinião e do
Cinema Novo
... todos giram em torno da busca artística das 'raízes da
cultura brasileira, no povo, o que permite caracterizar essas
propostas, genericamente, como nacional-populares, típicas do
romantismo da época (RIDENTI, 2000, p. 128-129).
Considerando cultura popular “fruto direto dos mais autênticos
sentimentos populares”, “fontes inesgotáveis de ensinamentos e inspiração” e
“elementos indispensáveis para uma apreciação acertada de tudo o que se diz
sobre a vida, o homem, a sociedade” (GUARNIERI, 1959, p. 125),
7Essa lei (1960) previa que para cada três peças encenadas no Brasil, uma deveria ser de autor brasileiro, incentivando assim a produção de textos nacionais e valorizando nossos escritores.
39
Gianfrancesco Guarnieri aproximou-se bastante dos folcloristas quanto ao
sentido atribuído ao nacional e ao popular. Conforme Souza (2002, p. 44) esta
forma de conceituar, no entanto, tomando cultura popular como manifestação
"pura e ingênua" das classes populares, “será contestada pela (re)interpretação
realizada pelos artistas e intelectuais do CPC”. Na esteira da oposição aos
folcloristas foi organizado, no Rio de Janeiro, um seminário sobre dramaturgia
e um ciclo de estudos sobre Bertold Brecht e Erwin Piscator. É neste momento
que, com “a intenção de aprofundar a discussão de acordo com o vocabulário
marxista” (SOUZA, 2002. P. 48), o CPC se aproxima do ISEB e de Carlos
Estevam Martins.
A aceitação, por parte do público, de A mais valia vai acabar, Seu Edgar,
comprovou a validade da “utilização de recursos como a linguagem direta, [...]
cartazes, [...] slides e [...] números musicais” (SOUZA, 2002, p. 49) para facilitar
o entendimento de conceitos abstratos, aparentemente distantes da realidade,
e de como “tais conceitos interferiam diretamente na vida cotidiana dos
cidadãos” (SOUZA, 2002, p. 49).
Vianninha expõe em seu artigo Do Arena Ao CPC8 os principais
aspectos da fundação e organização do CPC. Rejeitando o objetivo
empresarial, que sujeitaria a atividade à necessidade de cativar um público
com capacidade de pagar, o dramaturgo realoca a atuação do CPC nos
marcos pedagógicos, priorizando a formação estética e política tanto dos
próprios quadros quanto do público a ser atingido.
A revisão constante a que Vianninha submetia a própria obra e os
escritos de outros teóricos explica porque aparecem, nesse período, tantas
formas e concepções diferentes de cultura popular. Houve, de fato, um
confronto entre “as formulações teóricas elaboradas por intelectuais e artistas
sobre o modo como deveria ser representado o nacional-popular na cultura
brasileira” (SOUZA, 2002, p. 58). A riqueza destas formulações contraria o
caráter monolítico atribuído ao “manifesto do CPC”, redigido por Carlos
8O artigo foi publicado primeiramente na revista Movimento, depois seria reproduzido na coletânea de textos de Oduvaldo Vianna Filho, organizada por Fernando Peixoto (VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 90-95).
40
Estevam Martins, que nada teve de agregativo e que, pelo contrário, deu lugar
a uma série de dissidências dentro do CPC. Segundo Leandro Konder,
...o CPC nasceu muito sectário. O documento programático, de
autoria do Carlos Estevam Martins, era um negócio meio
aterrador, aquela divisão de arte popular, arte para o povo, arte
popular revolucionária, sendo que só a arte popular
revolucionária era boa, as outras duas eram alienadas.
(KONDER. Apud: RIDENTI, 2000a, p. 76).
Para Martins havia somente três alternativas possíveis para os
militantes: conformismo, inconformismo e atitude revolucionária (ESTEVAM,
1962. In: HOLLANDA, 1980, p. 126). A simples negação da ideologia opressora
caracterizada pelo inconformismo não é suficiente para a atitude revolucionária.
Arte do povo, arte popular e arte popular revolucionária foram assim
entendidas por Carlos Estevam Martins:
... a arte do povo é predominantemente um produto das
comunidades economicamente atrasadas e floresce de
preferência no meio rural ou em áreas urbanas que ainda não
atingiram as formas de vida que acompanham a
industrialização. O traço que melhor a define é que nela o
artista não se distingue da massa consumidora. Artista e
público vivem integrados no mesmo anonimato e o nível de
elaboração artística é tão primário que o ato de criar não vai
além de um simples ordenar os dados mais patentes da
consciência popular atrasada. A arte popular, por sua vez, se
distingue desta não só pelo seu público que é constituído pela
população dos centros urbanos desenvolvidos, como também
devido ao aparecimento de uma divisão de trabalho que faz da
massa a receptora improdutiva de obras que foram criadas por
um grupo profissionalizado de especialistas. Os artistas se
constituem assim num estrato social diferenciado de seu
público, o qual se apresenta no mercado como mero
consumidor de bens cuja elaboração e divulgação escapam ao
41
seu controle (ESTEVAM, 1962. In: HOLLANDA,1980, p. 129-
130).
Segundo ele, “a arte do povo e a arte popular quando consideradas de
um ponto de vista cultural rigoroso dificilmente poderiam merecer a
denominação de arte; por outro lado, quando consideradas do ponto de vista
do CPC de modo algum podem merecer a denominação de popular ou do
povo” (ESTEVAM, 1962. In:HOLLANDA, 1980, p. 130). Para o autor, “só se
pode falar de uma arte do povo e de uma arte popular porque se tem em vista
uma outra arte ao lado delas, ou seja, a arte destinada aos círculos culturais
não populares” (ESTEVAM, 1962. In: HOLLANDA, 1980, p. 130). Arte popular
revolucionária é conceituada como “a declaração dos princípios artísticos do
CPC [...] resumida na enunciação de um único princípio: a qualidade essencial
do artista brasileiro, em nosso tempo, é a de tomar consciência da necessidade
e da urgência da revolução brasileira, e tanto da necessidade quanto da
urgência” (ESTEVAM, 1962. In: HOLLANDA, 1980, p. 143).
Segundo Marilena Chauí, a cultura de massa é reduzida pelo "manifesto
do CPC" à distração e ao escapismo, com brevíssima alusão às demandas e
determinações de mercado (CHAUI, 1983, p. 91).
A divisão de arte nas categorias arte do povo, arte popular e arte popular
revolucionária, proposta pelo “manifesto do CPC”, nega explicitamente a
interpretação de arte dada pelos folcloristas. Para estes o termo “popular” está
diretamente ligado às manifestações culturais das classes populares
Segundo Carlos Estevam Martins,
... repudiamos a concepção romântica própria a tantos grupos
de artistas brasileiros que se dedicam com singela abnegação
a aproximar o povo da arte e para os quais a arte popular deve
ser entendida como formalização das manifestações
espontâneas do povo. Para tais grupos o povo se assemelha a
algo assim como um pássaro ou uma flor, se reduz a um objeto
estético cujo potencial de beleza, de força primitiva e de
virtudes bíblicas ainda não foi devidamente explorado pela arte
erudita (ESTEVAM, 1962.In: HOLLANDA, 1980, p. 132).
42
A opção pedagógica, de levar para as camadas populares a mensagem
política da esquerda, colocava o CPC diante de três contradições: entre forma
e conteúdo, entre qualidade e popularidade e entre comunicação e expressão,
tudo isto tomando como ponto de partida uma suposta falta de liberdade de
criação do artista e uma pretensa incapacidade do público em assimilar uma
mensagem cujos conteúdos fossem mais abstratos. Para Carlos Estevam
Martins o artista revolucionário tem que “privar-se conscientemente de alguns
recursos técnicos e formais próprios à sua classe de origem, com a finalidade
de ser entendido pelo público que escolheu defender” (ESTEVAM, 1962. In:
HOLLANDA, 1980, p. 127). Em função disto a orientação era escolher
conteúdo e comunicação, em detrimento de seus pólos opostos. Restava o
desafio do binômio qualidade x popularidade. (SOUZA, 2002)
...surge para o artista revolucionário na razão direta do seu
pertencimento a um estrato cultural distinto e superior ao do
seu público (ESTEVAM, 1962. In: HOLLANDA, 1980, p. 138).
...desejando acima de tudo que sua arte seja eficaz, o artista
popular não pode jamais ir além do limite que lhe é imposto
pela capacidade que tenha o espectador para traduzir, em
termos de sua própria experiência, aquilo que lhe pretenda
transmitir o falar simbólico do artista (ESTEVAM, 1962. In:
HOLLANDA, 1980, p. 138).
...cabe-lhe ainda realizar o laborioso esforço de adestrar seus
poderes formais a ponto de exprimir correntemente na sintaxe
das massas os conteúdos originais de sua intuição, sem que
percam todo o seu sentido ao serem convencionalizados e
transplantados para o mundo das relações inter-humanas em
que a massa vive sua existência cotidiana (ESTEVAM, 1962.
In: HOLLANDA, 1980, p. 139).
43
De acordo com as proposições do “manifesto do CPC” a categoria arte
popular revolucionária sobrepõe-se às outras formas de manifestação por ser
capaz de criar a partir da realidade concreta, das condições sociais objetivas.
... só a arte revolucionária, que não teme o real porque tudo
que dele vem caminha em seu beneficio, está em condições de
tomar fenômenos e essências sem mistificar o seu verdadeiro
significado, sem isolá-los abstrata e mecanicamente
(ESTEVAM, 1962. In: HOLLANDA, 1980, p. 141).
Os pressupostos do manifesto foram questionados tanto por Vianninha
quanto por outros intelectuais do circuito CPC. Para Napolitano (NAPOLITANO,
1999a, p. 56), entretanto, tomar o manifesto como síntese da produção
engajada da época é uma visão de superfície. O manifesto foi muito mais uma
carta de intenções do que um documento normativo. São inúmeros os
problemas encontrados nas abordagens que tomam o manifesto como um fim
em si mesmo, sem promover uma interface entre o proposto e o produzido pelo
CPC.
O relatório do CPC (1963, p. 3) propõe uma ação direta junto aos grupos
sociais a ser realizada em etapas e voltada para a organização e formação de
uma intelectualidade comprometida com a realidade brasileira. O artigo Cultura
Popular: Conceito e Articulação, seguindo as diretivas do manifesto, coloca a
necessidade de uma opção definitiva diante do povo:
... o povo sendo um mero consumidor de cultura criada pelas
minorias e pelas elites; ou o povo sendo o criador das
condições materiais que permitem a elaboração da cultura não
podendo o povo ser dela alienado (CULTURA, 1962. In:
MOVIMENTO, 1962).
Segundo o artigo, a politização do povo brasileiro deveria passar pelas
seguintes fases: 1) criação de um movimento de cultura popular e mobilização
da intelectualidade da Guanabara e 2) ampliação do conhecimento da
realidade brasileira e aprofundamento dos estudos de comunicação com o
44
povo, no entendimento de que este não é apenas o recebedor, mas também
criador de cultura. (BARCELLOS, 1994, p. 444).
Mesmo assim, a conscientização do povo é o objetivo principal exposto
nas formulações teóricas do CPC sobre cultura popular e veiculadas
principalmente através da revista Movimento da UNE e do jornal O
Metropolitano da UME9. É preciso dizer, no entanto, que apesar de falar
constantemente do povo e não para o povo e considerar os intelectuais como
“levadores” de cultura (CULTURA, 1962. In: MOVIMENTO, 1962), havia uma
constante revisão das atividades em busca de solução para as contradições. A
atuação cepecista não foi pautada por um projeto previamente elaborado: “a
prática levou à teoria, e não o inverso” (SOUZA, 2002, p. 67).
O manifesto também suscitou críticas vindas de fora do ambiente
cepecista. Uma delas, apontando fatores reducionistas, veio de José Guilherme
Merquior, a partir da ideia de que a conceituação de cultura e arte popular do
CPC foi feita de modo desordenado. Ele apontou
... o perigo de se atribuir à divulgação popular um valor
exclusivo, o perigo de se impor unicamente uma arte plebeia,
mudando «popular» em «populista»; o perigo de instituir, como
conceito de arte empenhada, um desprezo geral pela nossa
comum cultura burguesa, erro dos mais fáceis, dos mais
sedutores para a ignorância e para o improviso, e que repousa
na cândida ideia de que o mundo começa com o socialismo; o
perigo sectário, que pode substituir ao alargamento político e
estreitamento partidário; o perigo de estabelecer um
«dirigismo» cultural às custas da livre crítica e da criação
desempedida (MERQUIOR, 1963, p. 17).
É ainda Carlos Estevam Martins quem explica o conceito como é
utilizado na produção cultural cepecista, em entrevista a Marcos Konder Reis:
9A revista Movimento e o jornal O Metropolitano foram palcos de debates e discussões sobre a cultura popular nos anos 60. Segundo Raquel Gerber, o jornal O Metropolitano, editado no Rio de Janeiro pela UME, circulou durante algum tempo como veículo autônomo, sendo a partir de 1960 um encarte de fim de semana do jornal 'Diário de Notícias ', dentro da política de maior contato com a população (GERBER, 1982, p. 10).
45
... a cultura que o CPC propõe-se a levar ao povo é aquela que
seus membros chamam de cultura para a libertação. Trata-se
da utilização da vanguarda cultural para a conscientização do
povo, o que lhe facultará, posteriormente, a tomada do poder.
A cultura para a libertação é, portanto, como podemos inferir,
uma cultura essencialmente política (Apud: REIS, 1963, p. 79),
No entendimento de Martins “fora da arte política não há arte popular”
(ESTEVAM, 1962. In: HOLLANDA, 1980, p. 131), confirmando a inserção do
conceito “nos quadros da efervescência política e da ideologia do nacionalismo
no Brasil” (SOUZA, 2002, p. 71). Havia, pois, um propósito no esforço de
diferenciar os termos cultura popular e folclore, anteriormente apresentados
como similares. Para Ferreira Gullar, no texto Cultura posta em questão, coloca
a “cultura popular”, grafada entre aspas, como um fenômeno novo (GULLAR,
1965a, p. 1). Elias Chaves Neto, redator da Revista Brasiliense, corrobora esta
visão, ao comentar a primeira apresentação da peça Eles Não Usam Black-
Tie,montada pelo CPC em São Paulo no dia 18 de junho de 1962, para quem
... tudo isto é novo. Tudo isto faz pressentir o aparecimento de
um novo tipo de cultura, cultura popular, cultura viva, ligada à
solução dos problemas do nosso País e aos ideais de paz e
felicidade pelos quais aspira toda a humanidade. (...). O Centro
Popular de Cultura está sendo no momento o porta-estandarte
deste novo tipo de cultura que está se formando em nosso País
(CHAVES NETO, 1962, p. 142).
Segundo Ortiz (1986, p. 109-110) toda esta preocupação em torno do
conceito indicava uma convicção da originalidade e singularidade do processo
dentro do momento histórico brasileiro em andamento na ocasião, cimentando
a ideia de que a cultura popular se constituía, de fato, em uma possibilidade de
transformação da sociedade, capaz de promover mudanças na estrutura
socioeconômica e nas relações de poder (GULLAR, 1965, p. 4). Cultura
popular foi entendida como revolucionária (não reformista) pelos teóricos que
46
olhavam para o CPC, tanto a partir de dentro quanto para os que o observavam
de fora. Para Gullar era possível, com uma visão correta de cultura, partir “da
constatação para a ação” (GULLAR, 1965a, p. 5). Este entendimento do
conceito rendeu ao CPC pesadas críticas, com a acusação de que a arte foi
usada como instrumento de ação política.
Para Miliandre Garcia de Souza (2002, p. 74)
Levado em conta todos os possíveis equívocos da definição de
cultura popular, não se questiona a importância da produção
artística e intelectual da época,principalmente como documento
histórico. Mas, é preciso considerar que o "produto" artístico
produzido durante a década de 60 - entendido como resultado
da interação entre produção(artista, tema e tecnologia),
divulgação (mecanismos mercadológicos) e recepção (público)
-não pode ser analisado tão somente como reflexo das
formulações teóricas acerca da definição de cultura e arte
popular empreendida por artistas e intelectuais do CPC.
É Carlos Estevam Martins quem vai apresentar10 as diferenças
existentes entre a arte como se queria praticar no CPC e o que era conhecido
como arte do povo e arte popular. Para Martins arte do povo é a arte própria
das comunidades arcaicas, atrasadas, em que o artista não se distingue do
povo e se limita, devido à simplicidade da sua criação a ordenar os fatos do
cotidiano, da realidade da qual faz parte. A arte do povo é “[...] tão desprovida
de qualidade artística e de pretensões culturais que nunca vai além de uma
tentativa tosca e desajeitada de exprimir fatos triviais dados à sensibilidade
mais embotada. É ingênua e retardatária e na realidade não tem outra função
que a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento” (Hollanda,
1981:130). Na interpretação de Martins esta era a arte das comunidades rurais,
enquanto que nos centros urbanos, já industrializados, o que se praticava era a
arte popular. Tais artistas urbanos pertenciam, em geral, a classes sociais
diferentes das de seu público.
10Anteprojeto do Manifesto do CPC
47
A arte cepecista podia ser qualificada de popular revolucionária porque
partia da essência mesmo do povo. O artista cepecista devia estar tão imerso
na realidade social deste povo que seria capaz de captar o seu drama de
classe — estar destituído de qualquer poder sobre seu destino e, ainda assim,
sustentar a sociedade com sua força de trabalho. Só este artista, assim
identificado com o povo, seria capaz de se unir a ele na luta pela direção do
conjunto da sociedade.
Para Ortiz (1986), no entanto, com estas definições, a intelectualidade
cepecista acabou por negar a validade das manifestações populares
enunciando o mesmo preconceito vigente quanto à cultura popular, encontrado
nos setores conservadores. Mas a principal crítica ao CPC foi a de atuar de
cima para baixo, como se o povo fosse uma massa alienada, que precisasse
de uma vanguarda para orientá-lo; linguagem exageradamente política.
Como qualquer empreendimento humano o CPC esteve sujeito aos
limites históricos e conjunturais do seu tempo. Não se pode, entretanto, negar
sua qualidade de exemplo como politização da arte, propondo uma vinculação
com os processos materiais concretos que definem a existência objetiva da
sociedade, de modo que a arte pudesse ir além de propósitos meramente
estéticos. O artista [para ser] cepecista não podia negar sua condição de
homem inserido no cotidiano, com responsabilidades, esforços, derrotas e
conquistas comuns a todos. Em contrapartida a arte cepecista deveria ser
capaz de romper com os paradigmas que faziam do homem comum um
indivíduo submetido a uma ordem social de cuja definição ele não participara.
Nesta perspectiva artistas e intelectuais brasileiros eram divididos nas
categorias conformistas, inconformistas e revolucionários (SOUZA, 2004),
divisão segundo a qual conformistas eram - como o nome já diz - totalmente
adequados à ideologia dominante; inconformistas eram aqueles que embora
não concordando com o sistema nada faziam pela mudança; e, finalmente,
revolucionários os que repeliam vigorosamente o sistema e faziam sua arte
com o propósito de mudá-lo. Essa temática era a principal linha de atuação do
coletivo, baseado em uma ideologia do nacional popular.
48
Não se tratava, no entanto, do conceito como é visto em Gramsci. Para
Ferreira Gullar, não havia uma teoria que orientasse as atividades culturais da
época,
...nós não tínhamos teoria, essas teorias complicadas do
nacional-popular, ninguém pensava isso. Agora, nós
achávamos que devíamos valorizar a cultura brasileira, que
devíamos fazer um teatro que tivesse raízes na cultura
brasileira, no povo, na criatividade brasileira. Nós achávamos
que imitar as vanguardas europeias era uma coisa que
empobrecia a cultura brasileira (Apud: RIDENTI, 2000, p. 128).
Conforme Celso Frederico,
...não se falava, ainda, no nacional-popular de Gramsci, autor
praticamente desconhecido entre nós. Trilhando um caminho
paralelo, os comunistas acenavam para uma conceituação
próxima à gramsciana. E difícil precisar a origem dessa
formulação (FREDERICO, 1998, p. 277).
A tentativa de se caracterizar o que seria esta “cultura popular”, no
entanto, não poderia ser sempre fiel à realidade, uma vez que isto era feito por
pessoas originariamente alheias àqueles contextos. A visão romantizada do
“bom povo”, do trabalhador, do homem do campo e da favela, acabava por
ignorar as diferenças e contradições de toda uma classe.
Ferreira Gullar aponta a não correspondência do público (operários,
moradores das favelas) às tentativas de contato do CPC.
Levavam-se à sede da UNE grupos folclóricos, cantores
populares e gente das escolas de samba; criou-se um
movimento muito amplo e muito importante, mas a resposta
procedia basicamente do setor universitário. Quando
começamos a ampliar o movimento em direção aos sindicatos,
às favelas e tal, a coisa começou a complicar. Os operários
não tinham experiência de teatro e, quando íamos aos
49
sindicatos, em geral não havia operários para ver as peças.
(GULLAR, 1965)
A hostilidade do contexto de então (golpe militar, incêndio da sede da
UNE, prisão e exílio de militantes) explica algumas falhas históricas do CPC.
A principal contribuição do CPC foi a integração de intelectuais e artistas
de classe média com artistas populares e inclusão da temática “popular” na
pauta política.
Para Heloísa Buarque de Hollanda, “é importante lembrar, contudo, que
a função desempenhada pela ‘arte popular revolucionária’ correspondeu a uma
demanda colocada pela efervescência político-cultural da época. Apesar do
seu fracasso enquanto palavra política e poética conseguiu, no contexto, um
alto nível de mobilização das camadas mais jovens de artistas e intelectuais a
ponto de seus efeitos poderem ser sentidos até hoje”. (HOLANDA, 1980. p. 28)
50
3. A CONCEPÇÃO DE CULTURA POPULAR DO CPC OBJETIFICADA EM
SUA ARTE: UMA ANALISE DA OBRA BRASIL – VERSÃO BRASILEIRA
De acordo com Maria Silvia Betti (1997) entre o final dos anos cinquenta
e a metade dos 60 o teatro brasileiro preocupou-se em contribuir na construção
de uma identidade brasileira através de projetos culturais que incorporassem
os debates políticos da época, estabelecendo assim a ideia de uma
dramaturgia nacional disposta a interferir na realidade brasileira, com todas as
contradições de classe nela presentes. Este teatro, representado
principalmentepor Vianna Filho, tinha como objetivo reunir os traços que
constituíam a realidade nacional através da sua representação. A proposição
era a de um teatro que expressasse o país, e que esta expressão constituísse
uma identidade construída a partir das características das classes subalternas,
sobretudo que apresentasse os elementos que a constituíam como detentora
de força histórica.
A identidade brasileira projetada nesta concepção de nacional ficaria
associada à ideia de popular, tomada como modelo “ideologicamente”
apropriado para sua expressão. Alinhada às concepções partidárias do
momento, em especial as referidas ao PCB – Partido Comunista Brasileiro, a
equação que o teatro se propunha realizar desaguava na estratégia de
desenvolvimento nacional e dos programas políticos nacionais, uma vez que se
chocavam com os interesses da exploração capitalista americana. A esquerda,
neste momento, não estava preocupada com a contradição de classes no
contexto nacional, mas em construir a tarefa urgente da luta anti-imperialista
como tendência que, a longo prazo, promoveria o fortalecimento do
proletariado enquanto classe.
O teatro, representado particularmente pelo Arena, toma para si a tarefa
de revelar a “verdadeira” identidade brasileira. Neste processo o nacional,
representado pelo popular,era o primeiro passo para o desenvolvimento e a
organização do proletariado como força histórica.
51
Cria-se assim, um núcleo ordenador da práxis e atribui-se
implicitamente a esta um caráter de missão: é necessário fazer
surgir o modelo novo, calcado sobre a “realidade nacional”, e,
através dele, elucidar o público, a fim de sintonizá-lo com a luta
política ‘necessária’,‘justa’ e ‘verdadeira’. (BETTI, 1997, p. 18)
Como vimos, o desenvolvimento do teatro nacional deste período vai
encontrar no CPC seu maior referencial. De suas produções artísticas a peça
Brasil – Versão Brasileira se apresentou para nós como a mais significativa
obra para análise em nosso trabalho. Nela encontramos a “formalização
estética da experiência política mais importante em andamento no Brasil”.
Assim este capítulo procura relacionar a construção teórica em torno da
questão “cultura popular” elaborada pelo CPC, com a sua objetificação ou seja,
a aplicação da concepção de “popular” que, como vimos não diz respeito
exatamente a uma tradição folclórica, em uma de suas execuções artísticas.
3.1 Um olhar sobre o autor: Oduvaldo Vianna Filho, indivíduo e coletividade.
Quando nos propomos a compreender como a questão do “popular”
aparece dentro de uma das obras do CPC, entendemos que a tarefa exige uma
visão de totalidade para sustentar a análise. Até aqui trabalhamos questões
52
históricas e teóricas em termos da formação filosófica e sociológica do CPC e
de sua “cultura popular”, o passo seguinte parece ser uma análise de “obra”
que por sua vez, implica dentre outras coisas em uma contextualização do
autor da mesma. Estes dois elementos; concepção (formação histórica e
teórica) e execução (construção do discurso através da obra e do autor) dentro
das limitações deste trabalho parecem conter os elementos necessários para
sustentar nossa análise e corresponder positivamente com os objetivos desta
monografia.
Assim, quando trazemos elementos de significância quanto ao autor da
obra estudada, não estamos dando a ele alguma centralidade, mas
constatando a necessidade de visão total dos elementos estruturantes do
conceito de “cultura popular” dentro do CPC que, em última instancia se
apresentam plenamente desenvolvidos em suas produções artísticas.
Essa importância descentralizada do autor se fundamenta em nossa
concepção de que o discurso objetificado pelo indivíduo (o autor) não é uma
mediação primária da realidade. Quando da produção individual dentro do
CPC, seus autores não analisam imediatamente a realidade para em seguida
realizar a mediação política (releitura da realidade) que da forma ao discurso
objetificado (a obra). Como parte de uma coletividade, política, cultural e
organizacional, a objetificação do discurso (ou seja, a construção da obra
artística) se da sob a mediação da realidade realizada primeiramente pelo
CPC. Verificamos assim, uma estrutura organizacional definidora; é a
organização (CPC) construída coletivamente que realiza uma determinada e
particular leitura da realidade, sobre a qual os autores (indivíduos) operam uma
“formalização estética” (LIVTIN, 2009). Daí optarmos por um olhar
descentralizado para o autor, uma vez que este é em última instancia e
teoricamente, um reprodutor das concepções da coletividade em que se insere,
assim como estas concepções não se dão no vácuo, mas intrinsecamente
vinculadas a realidade histórica de seu tempo (POLETTO, 2007).
Temos que Oduvaldo Vianna Filho é ao mesmo tempo, individuo e
coletividade. Sua individualidade se insere em sua particularidade dramatúrgica
(todos os recursos teatrais dos quais lança mão para construção de um
53
discurso) e sua coletividade no limite das concepções teóricas elaboradas pelo
CPC e que definem o conteúdo do discurso artístico.
Poderíamos fazer a mesma referencia dizendo que sua individualidade
se insere na sua condição de “autor” e sua coletividade se materializa na
“obra”. Veremos que esta necessária condição de autor influenciará sua
produção, o que nos levaria a questionar se o autor, a partir de suas
concepções particulares, não estaria se distanciando das concepções coletivas
de “cultura popular” construídas pelo CPC. Consideramos esta problemática
sempre que ela apareceu no processo de pesquisa, contudo a compreendemos
dentro do entendimento de que a obra não necessariamente assume de forma
explicita as concepções do CPC, o que não significa ausência das mesmas.
Para Rosangela Patriota essa problemática, ao contrário, se da em função da
opção do autor (de forma consciente ou não) em revelar na obra as
concepções que a nortearam (PATRIOTA, 1999)
Neste sentido, alguns elementos são interessantes para nosso trabalho
em relação a Oduvaldo Vianna Filho; sua condição de dramaturgo e intelectual,
suas filiações políticas e sua inserção no CPC. Por sua vez estes elementos
nos demonstram como sua inserção política mediada por sua intelectualidade
construiu uma concepção de sociedade que por sua vez seria objetificada
através de sua dramaturgia e como este processo coube a fundação do CPC.
Sua atuação e concepção sobre o teatro nacional começam a ganhar as
características que mais tarde estariam na base de fundamentação de Brasil –
Versão Brasileira, a partir de sua militância junto ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB) onde se estabeleceram suas concepções político ideológicas
(PEIXOTO, 1983). Esta articulação entre teatro e política não se daria junto à
estrutura partidária, mas nos grupos teatrais em desenvolvimento no Brasil
(TBC, TPE, ARENA, CPC). Será principalmente no Teatro Paulista de
Estudantes (TPE) em 1950 ao lado de Gianfrancesco Guarnieri que sua
dramaturgia começa a ser pensada e elaborada sobre a influencia desta
articulação.
A fusão do TPE e do Teatro de Arena, da qual participou, trouxe para o
palco essa esta perspectiva buscada pelo dramaturgo; os problemas e conflitos
mais significativos da sociedade trabalhados pela arte, sendo que esta passava
54
a ser considerada instrumento de luta e de conscientização. O Arena tornou-se
fértil para Vianna interpretar a realidade brasileira ao lado da trajetória do teatro
nacional, entendendo que este sempre porta a realidade social do período em
que se insere, o que o levou a compreender que a relação entre os homens e
arte só poderia ser compreendida dentro da compreensão do processo
histórico (GUIMARÃES, 1984).
Suas contradições individuais com o Arena ocorreram na medida em
que foram se desenvolvendo suas concepções em torno da relação entre
teatro e política, que por sua vez eram influenciadas tanto pelo momento
histórico quanto por suas concepções político/ideológicas adquiridas em sua
militância junto ao PCB. Neste momento o teatro Arena não atingia o publico
“popular” bem como não mobilizavam intelectuais e estudantes que poderiam
se engajar naquele projeto de conscientização, fatos que para Vianna o
impediam de intervir positivamente na realidade (PEIXOTO, 1983),
A solução para mim [Vianna] é a imediata ligação do teatro de
arena a entidade que facilitem e ampliem a capacidade
administrativa do Arena. Não imediata, feita de estudos, de
relações, de ligações lentas e necessárias, ISEB, FAU,
sindicatos, partidos políticos que expressem ou procurem
expressar sua intervenção política na realidade, da mesma
maneira que nós queremos intervir culturalmente. Não digo que
o teatro de arena deva se subsidiário do Partido Comunista. A
ligação porem seria fecunda, mantidas as independências. Os
contatos seriam abertos por ele. Ele auxiliaria a administração
do arena. É preciso um grande plano de reformas radicais na
estrutura do teatro brasileiro. É lento, mas precisa ser feito em
cima de conhecimentos seguros e possibilidades efetivas.
Trabalho de coligação da classe teatral interessada no
desenvolvimento do teatro brasileiro. As companhias teatrais
brasileiras estão sumindo. É preciso enfrentar o problema de
frente. Um teatro brasileiro que faça viver no homem o sentido
de sua responsabilidade na criação dos valores a que se
encontra submetido. Não é um teatro político, é um teatro que
vai ter que se incluir na mediação que o homem tem da
55
realidade concreta, para poder aguçá-la e permitir intervenção
precisa. O problema brasileiro é de cultura política (...) as
condições estão dadas para a modificação. É preciso que isto
ganhe a consciência. Esta é a nossa tarefa. Que só poderá ser
realizada com a disciplina e o estudo que os que procuram sua
liberdade precisam ter. (VIANNA FILHO, 1983, p. 61-62)
Em 1960, Vianna e o Arena tinham um projeto político semelhante, mas
a forma escolhida para executá-lo na linguagem teatral, particularmente ao
que se refere ao publico, tornou-se pouco a pouco muito incoerente, forçando-o
a se desligar do grupo para procurar um espaço em que a organização e a
conscientização do povo ocupasse lugar central,
Quero deixar bem claro que a posição que tenho não é a de
deixar o teatro para trabalhar politicamente... Não, o que eu
quero é ser artista mesmo. Com todas as responsabilidades
culturais que se impliquem neste termo... o que eu preciso com
a arte é ter o meu arsenal inconsciente, o meu arsenal cultural,
organizado para responder desta ou daquela maneira aos
problemas que surgem para mim... Acredito que a função do
teatro é ser educativo. Não no sentido didático e informativo.
Educativo no sentido da organização subjetiva do homem.
(VIANNA FILHO, 1984, p. 43).
O que define sua saída do grupo é a falta dos meios que o permitissem
executar sua proposta teatral. É a falta destes meios que o leva a refletir e
analisar os pressupostos teóricos que embasavam sua concepção de teatro,
que definia sua maturidade e direção dramatúrgica e política do momento,
O realismo brasileiro ainda tem o sabor de revolta e protesto.
Levantou-se diante da cultura importada que somente
esclarecia e afirmava nossa natural e necessária e folclórica
inferioridade. O realismo brasileiro surge para modificar esta
posição e tentar caracterizar nossa realidade como resultado
desse servilismo absurdo, da imensa irresponsabilidade
56
cultural, da exploração violenta de um povo, de sua
desfiguração progressiva. As peças são primárias, mas estão
do nosso lado; não são obras-primas da irresponsabilidade.
(...) É preciso uma outra forma de teatro que expresse a
experiência mais ampla de nossa condição. Uma forma que se
liberte dos dados imediatos, que organize poeticamente valores
de intervenção e de responsabilidade. Peças que não
desenvolvam ações; que representem condições. Peças que
consigam unir, nas experiências que podem inventar e não
copiar, a consciência social e o ser social mostrando o
condicionamento da primeira pela última. Isto não será mais
um teatro apenas político embora o teatro político seja
fundamental nas atuais circunstâncias. (VIANNA FILHO, 1981,
p. 220-221)
A necessidade de viabilizar um Teatro engajado que viabilizasse a partir
de projetos e lutas a politização da sociedade brasileira revela o compromisso
político da sua dramaturgia. Esta, como é o caso da peça “A Mais-Valia Vai
Acabar, Seu Edgar”, passa a corporificar categorias sociais em personagens,
explorando a opressão e exploração dos capitalistas sobre o operariado nos
níveis material, moral, emocional e sexual. A manifestação didática da
opressão é a objetificação de seu discurso e tem por finalidade a
conscientização da classe trabalhadora e sua consequente organização
política. (GUIMARÃES, 1984).
O instrumento que lhe possibilitaria os meios para execução de sua
proposta teatral viria a surgir em 1961 quando funda junto a Leon Hirszman e
Carlos Estevam Martins o CPC. Como mencionamos no inicio deste capitulo, é
neste momento que Vianna passa a ser ao mesmo tempo individuo e
coletividade, ao passo que suas construções e concepções a cerca da
dramaturgia e da realidade nacional passam a ser pensadas e elaboradas
coletivamente. São desse período as peças que escreve em co-autoria; “Auto
dos Cassetete” ,” Auto dos 99%”, Auto do Tutu Tá no Fim”. Peças simples e de
linguagem popular que abordam os problemas de injustiça social e da opressão
do operário, todas assinadas pelo grupo. Executando assim, nas dimensões de
temática, linguagem e publico sua proposta teatral,
57
De alguma forma, nós do CPC achávamos que nos devíamos
incorporar a esta luta levando aos setores de vanguarda da
classe trabalhadora novos instrumentos culturais, desde a
informação artística e social até o teatro. A possibilidade de
contato entre as classes nunca fora tão fervente porque nos, ao
mesmo tempo que lhes oferecíamos cultura, recebíamos das
classes trabalhadoras todas as informações sobre suas
condições de luta, sobre suas aspirações e essa era uma coisa
não literária, mas uma coisa vivida, uma coisa real ... quem
aproveitou melhor esse trabalho fomos nos, integrantes do
CPC. ( VIAANA FILHO, 1974, p. 180-181)
O CPC passa a ser assim o instrumento pelo qual a dramaturgia de
Vianna se refina e se materializa. A relação com o PCB, seu processo de
formação intelectual entre o TPE e o ARENA, seu constante desenvolvimento
dramatúrgico agora infra assinado pelo Centro revelam sua perspectiva de
progresso através da conscientização e organização do operariado. A
perspectiva revolucionaria encontrada dentro de temas como a soberania
nacional, a industrialização, independência do capital internacional e
organização de setores sociais, em particular o operariado, que permeou o
Governo Goulart se apresenta como o contexto político e histórico que definiu a
pratica teatral de Vianna.
É neste momento (1962) que Vianna, já um dos principais dramaturgos a
frente do CPC, redige a peça “Brasil – Versão Brasileira”, apresentando dois
debates políticos fundamentais do período, a luta contra o imperialismo e a luta
em defesa da indústria brasileira, que por sua vez representam a necessidade
de aliança entre o operariado e a burguesia nacional (BETTI, 1997).
A análise de Brasil versão brasileira (1962) ressalta três feitos
da peça que fazem da obra expressão madura da consciência
do subdesenvolvimento no teatro brasileiro. Pela primeira vez,
na dramaturgia nacional, é colocada em cena uma assembleia
de operários. Em termos formais, procedimentos estéticos do
58
teatro de agitação epropaganda são organizados numa
estrutura épica, evitando o risco da supremacia da forma
dramática. No plano político, em momento anterior ao golpe
militar de 1964, a peça toma como alvo a política de aliança de
classes com a burguesia nacional, proposta majoritária das
forças de esquerda da época. (LIVTIN, 2009, p. 118)
A formalização estética da experiência política em andamento no Brasil,
particularmente dentro da perspectiva “majoritária das forças de esquerda da
época” é evidente”. (LITVIN, 2009). Trata-se da questão conjuntural mais
relevante para o processo de transformação social, o conflito e interesses de
classes relacionados a exploração nacional do petróleo. Apresentando o
Capital Internacional representados por bancos e multinacionais estrangeiras, o
Governo Executivo na figura de um Presidente vendido, a Burguesia Nacional
volúvel e dependente do Capital Internacional, e o operariado e suas
contradições internas, a obra trabalha a conscientização dos militantes da
esquerda, particularmente do PCB, apresentando as limitações da política de
aliança de classes, e a consciência do operariado, tanto no nível de sua
exploração pelo imperialismo e burguesia nacional, quanto no nível de sua
organização política e a limitada, mas necessária, aliança de classes para luta
anti-imperialista.
É aqui que verificamos uma das características marcantes da
dramaturgia de Vianna; a evidenciação em termos populares, das proposições
teóricas da conjuntura especifica de sua produção, dentro da ótica política do
PCB e da ótica político/cultural do CPC. Dentro desta proposta sua produção
se concentrou na criação de um teatro nacional que pudesse ao mesmo tempo
se referenciar, denunciar e conscientizar as expectativas das camadas mais
pobres da sociedade brasileira. É neste momento que a relação entre política e
teatro se apresenta em sua dramaturgia plenamente desenvolvida, fato que
torna Brasil – Versão Brasileira um referencial de análise.
É possível percebermos, a aproximação entre os elementos de
concepção (construção teórica e histórica) e execução (construção do discurso
através da obra e o autor). Ainda que falemos em estrutura organizacional
definidora, a trajetória de Vianna se apresenta dramatúrgica e ideologicamente
59
semelhante a do CPC. Tornando-se ainda mais difícil falarmos em
distanciamento entre o autor e a organização que se insere. Essa tríplice
condição de dramaturgo, intelectual e militante lhe confere um caráter de
produtor coletivo. Brasil – Versão Brasileira é, antes de tudo, a formalização
estética do conceito de “cultura popular” do CPC, ou seja, a objetificação (ou
mediação política) da sua leitura da realidade.
Munidos desta perspectiva, passaremos a apresentar e analisar a obra
Brasil – Versão Brasileira, entendendo o autor como individuo orientado
coletivamente, e a obra possuidora de um tempo e um lugar que implicam
discussões e disputas específicas ao momento de sua concepção (o meio
social em ela é embasada conceitual e coletivamente; intelectuais,
dramaturgos, militantes, o CPC) e ao momento de sua execução (o meio social
em que ela é produzida e recebida objetivamente; o autor e o operariado). É á
luz deste movimento histórico que procuramos compreender como o discurso
de “cultura popular” se apresenta nas formulações dramatúrgicas presentes na
peça, em um momento onde a aliança de classes entre operariado e burguesia
nacional se apresentam como estratégia inevitável para o desenvolvimento
nacional. (PATRIOTA, 1999).
3.2 Brasil - Versão Brasileira. O Popular desmistificado.
Ao analisarmos a peça Brasil – Versão Brasileira é importante
destacarmos a leitura feita por Costa (1996), citado por Rafael Litvin Villas
Bôas (2009), de como esta obra formaliza “esteticamente a experiência
histórica em andamento tecendo uma consistente crítica à diretriz de aliança de
classe propagada pelo Partido Comunista Brasileiro”. Segundo Maria Silvia
Betti (1997), esta peça sintetiza três das questões mais representativas
daquele contexto de engajamento: “o papel da burguesia, o problema do
petróleo e a penetração de capitais estrangeiros”. Em suma: o tema de Brasil,
versão brasileira é “o conflito de interesses de classe em torno da política para
exploração do petróleo no Brasil. Multinacionais, governo federal, sistema
60
financeiro, burguesia nacional e classe operária são os principais segmentos
envolvidos no confronto” (LIVTIN, 2009, p. 119), em outras palavras, como
veremos, a temática da peça é uma re-leitura da realidade nacional.
3.2.1 Apresentação.
A burguesia nacional é representada pelo personagem Vidigal, dono de
uma indústria que vende sua produção para a Petrobras. Sua posição
econômica e política, relacionada à Presidência da Federação das Indústrias,
torna-o peça chave para a consolidação dos interesses nacionais no país. Para
tanto é pressionado pelo Presidente da República para votar a favor da
renovação de contrato com a empresa Kellog que está à frente da construção
da refinaria de Capuava, que vem sofrendo diversos boicotes, visto que a
refinaria é a expressão da produção nacional de petróleo, e sua apropriação
pelo capital nacional é diretamente oposta ao interesse imperialista.
LINCOLN: Houve contrabando no Pará. A sinceridade é necessária, senhor Prudente. Estamos juntos. Como irmãos siameses. Juntos. A pergunta e essa: a Petrobrás interessa a quem? A nós ou ao povo? Então, precisa desaparecer. Aos poucos, com cuidado, mas precisa desaparecer. Mesmo que tenhamos de agir em silêncio. Mesmo que às vezes nos repugnem nossas ações. Nós dizemos ao povo que é ele quem decide, mas não precisamos acreditar nisso senhor Vidigal. (SILÊNCIO)
Vidigal, por sua posição nacionalista é contra a renovação do contrato,
mas uma vez que sua produção é absorvida pela Petrobrás por influência do
presidente da Republica a manutenção desta relação econômica está
condicionada ao seu voto a favor no Conselho Nacional do Petróleo. Na
medida em que Vidigal mantém sua posição contrária, as pressões do Governo
brasileiro e do Capital Internacional aumentam. Quando busca atender as
reivindicações de aumento salarial requisitado em assembleia sindical de seus
trabalhadores, é-lhe negada qualquer forma de empréstimo por parte do Banco
do Brasil e Citibank.
61
VIDIGAL Meus operários estão aqui com um pedido de aumento. Será que consigo um empréstimo no Banco do Brasil? Coisa pouca. PRES. É uma ordem, Hipólito. VIDIGAL Preciso só de um bom prazo de pagamento. PRES. Pois não, Hipólito. Você vota hoje comigo, não é? VIDIGAL Não, Dionísio. Claro que não. PRES. Ora, ora, ora. Vamos lá. VIDIGAL Por favor, Dionísio. PRES. Está bem. Silêncio. Não se fala mais nisso. VIDIGAL Quando posso sacar o empréstimo? PRES. O empréstimo? VIDIGAL Amanhã? PRES. Não sei se será possível tão já, Vidigal. Temos que pagar as Forças Armadas, o café... VIDIGAL Você disse que era possível para... PRES. Me lembrei agora das Forças Armadas e você... VIDIGAL É coisa pouca... PRES. Acho que não será possível, Vidigal. (SILÊNCIO
PROLONGADO) Sua senhora vai bem? (SILÊNCIO) Um grande
abraço, Hipólito.
A trama que busca trabalhar as limitações progressistas da Burguesia
Nacional atinge seu ponto crítico quando Vidigal financia uma campanha para a
instalação de uma CPI para investigar a explosão da refinaria Duque de Caxias
que resultou na morte de vários operários tendo prejudicado também material e
financeiramente a produção nacional. Para impedi-lo a Esso do Brasil, na
figura do Sr. Lincon Sanders, cobra uma antiga dívida por ele adquirida, e o
pressiona com argumentos de interesses de classe.
LINCOLN – Eu explico, Excelência. Sempre explico: se os Estados Unidos não fizerem mais empréstimos para o Brasil, o Brasil cairá nas mãos do povo faminto e desesperado. E onde o povo conseguirá dinheiro para viver, Excelência? Ah, senhor Vidigal, conseguirá dinheiro cortando suas contas bancárias, seu conforto, sua roupa elegante, seu automóvel de luxo, sua casa de praia...
VIDIGAL – Não me importa! Não me importa. Será uma vida mais humana. Estou cansado de viver dando dentadas, distribuindo coices. Farto. Farto! LINCOLN – Isso é fácil de ser dito, Excelência. Mas é muito difícil ver o povo nos nossos escritórios, muito difícil passar a andar a pé. Muito difícil receber ordens de operários magros e suados. Muito difícil.
A tensão também se dá no conflito inserido dentro da classe operária,
entre as lideranças sindicais católicas representadas por Claudionor e seu filho
Tiago, que no momento pleiteiam 30% de aumento, e pela oposição comunista
representada por Diógenes e seu filho Espártaco, que defendem 50% mais
abono salarial como exigência mínima dos operários. As criticas da vertente
62
católica se apresentam em uma conversa em que Tiago e Claudionor falam
sobre Vidigal:
TIAGO – Ele tem muito de razão, não é pai?
CLAUDIONOR – Tem, meu filho. É patrão honesto, trabalhador. Tem muito de razão.
TIAGO – Mas por que a gente ganha pouco? A gente é trabalhador, é honesto.
CLAUDIONOR – Doutor Vidigal é homem estudado. A gente tem cabeça pequena.
TIAGO – Se eu fosse estudado, era como ele, não era?
Viana, por um lado, combate a vertente católica comparando suas
expectativas como semelhantes às da classe dominante, bem como sua
incapacidade de levar as reivindicações dos trabalhadores para além de uma
ameaça de greve. Contudo, ao trabalhar o elemento católico, a peça apresenta
uma realidade presente e inevitável que exige uma resolução de conflitos
internos como condição de dar lastro a unificação e luta operária, trabalhada
mais tarde conforme os interesses comuns da classe vão se tornando mais
claros. A critica às vertentes também se direciona à fração comunista em
diversas falas.O trecho a seguir parece ser sintomático:
TIAGO: É assim. É assim que são os comunistas, companheiros. Quem não concorda com eles é pelego. Quem não pensa com raiva é corno manso, quem não quer brigar é covarde, é vendido, é patronal. Que respeito eles tem pela gente? Isso é que eu pergunto. Eu não trabalho tanto quanto comunista? Como é que pode me jogar na cara que sou a favor de patrão? Não foram os comunistas que ficaram na presidência do Sindicato faz dois anos? O que e que eles fizeram? Passeata que não ia ninguém e mais que? Não reconheciam a justiça do trabalho. Os operários perderam todas as questões. Que mais? Queriam tirar greve até para mudar relógio de ponto de fábrica!
Durante a peça vários segmentos de classe abordam a questão. Estas
falas, por sua vez, aparecem com duas funções; a) criticar a postura
esquerdista e inflexível dos comunistas ortodoxos em suas ações políticas e,b)
desmistificar sua figura frente ao publico operário e procurar soluções para o
conflito, uma vez que o comunista dentro do contexto de Vianna é a fração de
classe minimamente politizada, aquela que organiza politicamente as massas.
Para Betti (1997) trata-se da postura ortodoxa que se preocupa mais com a
doutrina que com a realidade conjuntural, gerando um distanciamento dos
comunistas que se mantém longe da consolidação de suas bases
63
Assim, Diógenes representa a esquerda ortodoxa e Claudionor a
vertente católica progressista, mas seus filhos personificam jovens operários
militantes em um processo de aprendizagem e contradições com a ortodoxia
dos pais,o que,em última instância, atende a uma postura inversa à de seus
pais, encontrando na aliança com a burguesia nacional a resolução dos seus
problemas e os do país.
ESPÁRTACO Nós vamos fazer uma greve. Isso é luta de classe ou não? Mas não pode esquecer que tem um inimigo principal que está apodrecendo o Brasil inteiro. Precisa é tirar o americano daqui. Se burguês quer tirar americano também, pode vir. Eu aceito tudo para mudar essa vida, companheiro. Tudo. O que eu quero é um Brasil novo. Já. Amanhã.
Esta resolução apresenta as dificuldades do operariado em realizar uma
aliança com a Burguesia Nacional, uma vez que seus interesses estão
atrelados tanto à hierarquia de poder que a consolida como dominante quanto
à sua dependência ao Capital Internacional que se dá através de dividas e
empréstimos que realiza junto ao mesmo.
No desenrolar da peça, percebendo as consequências econômicas que
a política de consolidação dos interesses internacionais causaria à sua e às
demais indústrias brasileiras, bem como ao povo, Vidigal mantém a
CPI,apesardas pressões sofridas pelo Governo Federal e do Capital
Internacional. Isso se dá quando Sanders, representante da Esso no Brasil,
apresenta um relatório de estudos oficiais que concluem que não há petróleo
no Brasil, ou pelo menos não na quantidade necessária. Ao passo em que
apresenta a disposição da Esso em oferecer a quantia complementar aquela
necessária para suprimir a demanda brasileira, desde que para sua garantia
um contrato de cinco anos fosse assinado.
JORNALEIRO Olha o Globo. O Globo: “Não há petróleo no Brasil”.
Olha o Semanário. O Semanário. “Há petróleo no Brasil”. Olha o
Correio da Manhã. O Correio. “Petróleo há. Mas não é comerciável.”
(ENTRA UM OPERÁRIO. OPERÁRIO C E MULHER. MULHER
CHORA NO OMBRO DO OPERÁRIO C. OPERÁRIO C. COMPRA
UM JORNAL) É dez mil réis agora. (OPERÁRIO PÕE A MÃO NO
BOLSO. NÃO TEM DINHEIRO)
64
A CPI propagandeada por Vidigal não impede que o governo assine o
contrato com a Esso estabelecendo a política de extração de petróleo no Brasil
pelos próximos cinco anos. As conseqüências diretas dessa movimentação
política são as demissões em massa, que por sua vez intensifica a situação
economicamente frágil da classe operária que é apresentada por Espartáco
como principal motivo da luta operária:
ESPÁRTACO É só nascer no Brasil, não. Brasileiro é ser explorado. A nova linha do Partido estava certa, certa. Todo mundo tem conta pra ajustar com americano. E a gente trabalhando mais e ganhando menos. Lá na fábrica todo mundo sai às seis horas e ainda vai fazer extraordinário. Zizinho vai vender amendoim na Leopoldina, o Adolfo Bigode lava pátio de hospital, Serzedelo vende água na Catacumba. Mané Grosso é camelô de meia de homem, Salatiel toca pandeiro em festa de pervertido, Eustáquioengole lista de jogo de bicho, Reminho vigia casa de prostituta da polícia. Nepomuceno, nem sei o que faz. Ninguém fala com ele... Vive dormindo pelos cantos. (DIÓGENES ENTRA) (SILÊNCIO)
Os operários se mobilizam em torno de uma tática de greve que irá
definir a divisão de forças no interior do movimento. Os filhos Espártaco e
Tiago votam pela greve que é a decisão da maioria,
ESPÁRTACO (DE PÉ NA CADEIRA. OS OPERÁRIOS VÃO CHEGADO; MULHERES COM CRIANÇAS. OS COMPANHEIROS DISTRIBUEM OS FOLHETOS) É porque a Petrobrás está sendo sabotada. Por causa de um acordo com a Esso que fizeram. Precisamos ir à greve, companheiros. Parar essa fábrica (APONTA) e todas as outras. (TIAGO ENTRA EM CENA) MULHER Fazer greve agora, companheiro? Quarenta já vão embora. Vai acabar todo o mundo na rua. ESPÁRTACO Vai acabar todo o mundo na rua se a gente não reage, companheira. OPERÁ. A Eles despedem a gente e arranjam outros vagabundos para trabalhar. ESPÁRTACO Se a gente não reagir não vai mais ter trabalho. Nem para nós, nem para vagabundo nem para ninguém. OPERÁ. B Greve é coisa de comunista. VOZES Coisa de comunista. Coisa de comunista. Coisa de comunista. TIAGO (SOBE MO CADEIRÃO) Que é que tem que é coisa de comunista? Eles querem que a gente viva melhor. A diferença é que eles dizem que precisa brigar. OPERÁ. A Coisa de comunismo, Claudionor tem razão. Não deve se meter... TIAGO Claudionor esqueceu uma coisa, companheiro. Até hoje nós não fizemos greve, fizemos? E a miséria não aumentou? Quem tem mais de cinquenta mil réis no bolso? Cada dia como menos e o mundo foge mais de mim, cada vez fico mais no canto... OPERÁ. A Tiago virou comunista. Tiago virou comunista. TIAGO Não, companheiro. Eu descobri meu Deus. Meu Deus diz que obrigação do homem não é sofrer, é fazer vida sem sofrimento. Eu descobri que nossa vida, do jeito que vai, já está escrita. Minha vida já está escrita e eu não me mexo? Não. Deus não aceita isso. Céu
65
não é lá em cima, não. É aqui. Dentro da gente! Deus diz que não pode deixar quarenta companheiros no infortúnio. Se o único jeito é greve, é greve companheiro. É greve! É greve, companheiro! É greve, companheiro! OPERÁ. C É greve, companheiro. É greve, companheiro. CORO É greve, companheiro. É greve, companheiro. É greve, companheiro. É greve, companheiro. Queremos vida por inteiro. Queremos Brasil brasileiro. É greve, companheiro. (ESPÁRTACO E TIAGO SE ABRAÇAM)
Já Diógenes é contra uma vez que a greve ira dar um novo fôlego a vida
política de Claudionor. A postura de Diógenes esta relacionada com a
ideiaanteriormente levantada das poucas possibilidades de aliança com a
burguesia progressista;
DIÓGENES Greve para defender operário que e contra nós? Greve
para reforçar esse Sindicato vendido e o Claudionor vendido? Deixa ir
para a rua. Precisa aprender. Precisa aprender.
ESPÁRTACO Operário só aprende alguma porra se agir
politicamente, companheiro. Não adianta miséria aumentar, perder
filho e o diabo se ele não age politicamente.
DIÓGENES Sou contra. Sou contra. (FICA REPETINDO ISSO
ENCIMA DA FALA DE ESPÁRTACO)
ESPÁRTACO Precisa mostrar para a massa que os operários foram
despedidos porque a Petrobrás está sendo sabotada. Mostrar que o
Vidigal prefere abrir a perna para os americanos que ficar com
trabalhador. (A DIÓGENES) Por favor, companheiro...
DIÓGENES (PEGANDO O PAPEL) Sou contra. Sou contra. Isso é
baboseira. Sou contra. Sou contra essa nova linha do Partido. Eu lutei
toda a minha vida e agora o Partido vem me dizer que patrão e
operário são aliados? Então sou um merda. Pensei que havia luta de
classe.
[...]
DIÓGENES Partido de menina agora. Partido de enfermeirinha. Vão
ajudar quem mata a gente, quem comeu minha vida, quem me deixou
velho mais cedo, quem me tirou mulher e filho pequeno, quem me
meteu num barraco no meio de porco. Não quero assim. Tenho vinte
anos de Partido! Tem que me respeitar. Não vai ter revolução assim.
Chega de reunião. Chega de reunião.
66
O desfecho da trama apresenta uma série de derrotas: para interromper
as manifestações populares o governo pressiona a Justiça do Trabalho a dar
ganhos de causa aos operários, para que os mesmo sejam reintegrados no
processo de produção. A aparente vitória na justiça é uma estratégia para
dividi-los e interromper a greve; as empresas americanas acabam por se
associar, de um lado comprando a produção industrial brasileira e de outro
vendendo o petróleo estrangeiro para o Brasil.Por sua vez os operários passam
a trabalhar em fábricas que atendem aos interesses da Esso. Por fim, diante de
uma série de manifestações desencadeadas após os operários decidirem
manter a greve, o governo reage com repressão absoluta o que leva a morte
de Diógenes,
CORO Levanta Brasil (COMEÇOU A CANTAR COM A BOCA
FECHADA NO MEIO DO DISCURSO)
Levanta Brasil
ESPÁRTACO Adeus, camarada. Adeus, comunista Diógenes.
Não é mais hora de fraternidade. (TODOS SE DÃO OS
BRAÇOS ESPÁRTACO FICA COM DIÓGENES)
Levanta Brasil, levanta Brasil
Lá na frente está a humanidade.
CORO (AVANÇANDO PARA O PÚBLICO. ESPÁRTACO E O
COVEIRO FICAM) Trazendo um novo mundo nos braços.
Revolta pelo primeiro amanhã.
Revolta pelo eterno amanhã.
Levanta Brasil. Levanta Brasil.
Lá na frente esta a humanidade!
Betti considera que Diógenes “... é convertido em modelo e herói de
comunistas e católicos, personificando assim, com sua morte, a reintegração
redentora da consciência cindida do explorado” (BETTI, 1997:136).
67
3.2.2 Análise.
Ainda dentro das preposições de Betti, sob o ponto de vista ideológico, a
concepção desenvolvida pelo CPC que por sua vez se apresenta na
dramaturgia de Vianna, é uma relação entre o mediador e o receptor que
inaugura parâmetros de ação transportados para o interior de seu plano
histórico e que resulta na intervenção de sua condição de existência. Este é o
processo de movimentação da consciência, portadora de contingências
coletivas de seu tempo, trazendo marcas que a identificam e por serem
coletivas apresentam suas potencialidades para a ação (BETTI, 1997) É o
artista portanto o elemento que cria essa possibilidade no processo, quando
mergulha na dimensão do plano histórico do seu público ele busca os
elementos que reinterpretados e apresentados como criação cultural permitem
ao receptor se reconhecer, intervir e transformar.
Como saldo desse arcabouço conceitual, tem-se um modelo de
cultura montado sobre a idéia de intervenção. Seu arquétipo
por excelência é a construção simbólica e unificadora do
nacional, construção essa que se viabiliza através da
expressão popular que lhe imprimirem seus modelos e o
destinatário ao qual direcionar sua mensagem, ou seja, as
massas populares. É do processamento destas concepções
que o CPC construiu seus mitos e será do acionamento crítico
a eles dirigido que seus ex-dirigentes procurarão, após 1964,
reorientar seus projetos. Vianna será, mais uma vez, uma das
figuras centrais nesse processo. (BETTI, 1997, p. 150)
Para Livtin (2009, p. 119)
Por meio da análise dessa temática a peça expõe a estratégia
e as táticas da ação imperialista no Brasil, em conluio com os
governantes; a posição volúvel da burguesia nacional e o
caráter de classe de seu discurso nacionalista.
68
Indo além, COSTA aponta a abordagem das diferenças de posição e
atritos daí decorrentes entre três vertentes atuantes no movimento sindical: “a
católica, a comunista ortodoxa e a ala mais jovem da militância do partido
comunista, disposta a parcerias e conciliações impensáveis para a ala mais
antiga do partido”. (COSTA, 1996, p. 91)
Brasil, versão brasileira foi escrita em 1961 por Oduvaldo Vianna Filho, e
montada em 1962 pela UNE-Volante, em Porto Alegre, como parte de um
conjunto de peças curtas produzidas para o CPC, logo depois do seu
afastamento do Arena, num momento de sua vida em que a politização do
cotidiano expresso na arte passava a ser uma prioridade. Assim, se para fazer
uma análise deste trabalho foi necessário uma leitura da sua obra como um
todo, para compreender seus objetivos é preciso que se examine o contexto da
época em que esta peça foi escrita, em que a conjuntura foi marcada pela
censura e pela repressão.
O percurso criador de Vianninha pretendia incluir a construção de uma
linguagem que pudesse, a um só tempo, revelar os conflitos cotidianos vividos
pela população, apontar as questões mais urgentes da nossa sociedade,
problematizando a vida dos indivíduos comuns, reais, e, assim, politizar o
cotidiano. Neste sentido, Brasil, versão brasileira pode ser qualificado como
uma reflexão sobre a conjuntura do momento, que era marcado por intensas
mobilizações políticas e debates acalorados abordando a cultura e a
modernização, de uma forma que pudesse formalizar esteticamente as tensões
que existem entre arte e política, em outras palavras, arte engajada e cultura
de massas. A peça é resultante desta movimentação cultural em busca de
referências que pusessem no palco as discussões acerca da realidade
nacional.
O que Vianninha desejava representar, dentro da perspectiva
estabelecida pelo CPC, eram as demandas e anseios dos trabalhadores. Esta
proposta está intimamente ligada às opções políticas dos artistas e intelectuais
que ali militavam, a maioria ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Dois problemas se antepunham à proposta: perceber as temáticas dos
trabalhadores e construir a linguagem adequada para ser entendida por estes.
Atender a estas demandas significava mudar tanto a linguagem quanto o
69
formato das encenações. Brasil, versão brasileira coloca em sua estrutura
essas duas preocupações. O tema da peça é a contradição entre o capital
nacional e o capital estrangeiro, entre as frações da liderança sindical de
comunistas ortodoxos e comunistas heterodoxos e entre as ideologias que
norteiam operários comunistas e operários anticomunistas, dramaturgia que se
aproxima da platéia pela aproximação dos atores no formato de arena.
Imperialistas e trabalhadores são as duas frentes a partir das quais os
personagens são estruturados. O Estado, representado na peça pela figura do
Presidente da República, e a burguesia nacional, representado por Prudente de
Sotto Maior, presidente do Banco do Brasil e importante acionista da Refinaria
Capuava, são os aliados do capital estrangeiro, representado pelo personagem
Lincoln Sanders. A burguesia nacional está presente na pessoa do
personagem Vidigal. O quadro se completa com a presença do proletariado
industrial, que são os operários da Fundição Vidigal.
É entre estes que aparecem as diferentes visões ideológicas existentes.
Diógenes encarna o comunista ortodoxo, autoritário e sectário, que tenta impor
aos companheiros a sua visão de prática sindical correta, sob a alegação de
uma pretensa superioridade, em nome do seu tempo de militância. Espártaco
representa o comunista moderno, mais flexível, que até negocia com os
anticomunistas, que nada mais são que os representantes do sindicalismo
cristão. No texto eles são vividos pelos personagens Tiago e Claudionor. Este
conjunto de personagens mostra o pensamento de Vianninha, que retratou
assim a crítica de uma parcela da intelectualidade brasileira ao stalinismo,
defendido pelos quadros mais antigos do PCB.
São poucas as indicações cênicas, ou rubricas11 - textos que são
escritos para fornecerem indicações sobre a peça, mas que não devem ser
pronunciados pelos atores, e que auxiliam na compreensão da obra. Isto
caracteriza a construção de um texto aberto pelo autor, dando espaço para que
os diretores, encenadores, atores, pudessem acrescentar algo de seu ou do
entorno à peça. Ele não impõe nenhum modelo à representação e as falas
propriamente ditas, assumem grande importância.
11RAMOS, Luiz Fernando. O Parto de Godot e outras Encenações Imaginárias. A Rubrica como Poética da Cena. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 1999.
70
Das poucas rubricas utilizadas em Brasil, versão brasileira os nomes dos
personagens compõem uma indicação interessante. Lincoln Sanders e
Prudente de Sotto Maior, por exemplo – um nome típico da cultura
estadunidense e um sobrenome tradicional da sociedade brasileira – fornecem,
por si sós, pistas sobre seus personagens.
Esse tipo de personagem é um dos grandes elementos de cena do
teatro engajado, visto como ajuda a compor o espaço trabalhado pelo
dramaturgo. No caso desta peça tem-se o espaço do trabalho urbano, da
fábrica e das relações de trabalho. As poucas cenas em espaço fechado
(Palácio do Governo, Fundição Vidigal, delegacia e sindicato) servem para
complementar o ambiente principal, que é a rua, onde acontece a
movimentação da greve.
Vianninha usa determinadas indicações de modo bastante sutil. Além do
tradicional ele usa bastante os efeitos sonoros ou a ausência deles – no caso,
os silêncios, assim como os efeitos visuais. Vale notar que os slides utilizados
são tão significativos que acabam tendo na cena um peso igual ao dos diálogos
como podemos comprar nestes dois trechos de respectivamente de slides e
diálogo. .
Slides:
69 - Vidigal embarcando num avião. Adeuses.
70 - Vidigal numa piscina. Um garçom serve-lhe a mesa com
whiskey.
71 - Vidigal de smoking no baile do Municipal. Uma artista de
cinema ao seu lado. Dá adeusinhos do seu camarote. Vidigal
tem um chapeuzinho carnavalesco na cabeça. E ri.
72 - Vidigal embarcando num avião. Adeuses.
73 - Vidigal no seu automóvel. Um chofer lhe abre a porta
Diálogo:
Lincoln - Se os Estados Unidos, não fizerem mais empréstimos
para o Brasil, onde o Brasil arranjará dinheiro para continuar a
viver? Ah, senhor Vidigal: conseguirá dinheiro cortando suas
71
contas bancárias, cortando seu conforto, sua roupa elegante,
seu automóvel de luxo, sua casa na praia, na praia...
Vidigal: - Não me importa, senhor Lincoln. Não me importa.
Lincoln - Isso é fácil de ser dito, Excelência. Mas é muito difícil
ver o povo nos nossos escritórios. Muito difícil passar a andar a
pé. Muito difícil receber ordens de operários magros e suados.
Operários magros e suados. Operários magros e suados.
Mas Vianninha também usa recursos cênicos que interrompem o clima
de drama e a sensação de que o espectador está inserido na cena, como é
próprio do teatro clássico. São o coro e os slides. Do mesmo modo como os
slides informam a plateia sobre o entorno da cena, o coro indica o clima ou a
mensagem.
CORO: A gente estava só discutindo. Mataram Diógenes!
Mataram meu Diógenes! Mataram meu Diógenes! É greve! É
greve! É greve!
[...]
CORO: Levanta, Brasil. Levanta, Brasil.
Não é mais hora de fraternidade. Levanta, Brasil, levanta,
Brasil. Lá na frente está a humanidade. Trazendo um novo
mundo nos braços. Revolta pelo primeiro amanhã. Revolta pelo
eterno amanhã. Levanta, Brasil. Levanta, Brasil. Lá na frente
está a humanidade.
Esta conclamação à luta exemplifica como é construída a estética
cepecista, e confirma a utilização de elementos do agit-prop12 soviético assim
como aponta para a presença da influência de Erwin Piscator e Bertold Brecht,
fundamentais para a reflexão sobre o teatro político.
Algumas concepções cênicas de Piscator podem ser identificadas como,
por exemplo, a proposta do diretor alemão de levar a realidade social para a
12 Teatro de agitação e propaganda política.
72
cena. Foi Piscator quem, embalado no clima da República de Weimar e junto
de Brecht, participando do movimento da chamada “arte direta”, propôs um
redimensionamento de toda a concepção cênica do teatro clássico.
Caracterizado como teatro de agitação e propaganda (anos 20, Alemanha), o
teatro de Piscator se apresenta a partir das noções de "teatro proletário",
"teatro didático" e "teatro propagandístico" (PISCATOR, 1968). É a partir daqui
que as teses de Piscator vão orientar a estética cepecista, que pretendeu expor
tanto temas quanto soluções para o operariado urbano, de modo a motivar a
tomada de decisões no âmbito da luta de classes. A utilização de recursos de
cena inesperados para o teatro clássico, como projeções, fitas, cenários
giratórios, cartazes, etc, quer assim, atender a demanda criada por esta
concepção. A ideia é substituir o espaço como confluência de pontos e o tempo
como mera sucessão linear e sistemática de momentos. O uso de espaços
abertos tende a favorecer a realização desta ideia. Nesta perspectiva (a
transformação do espaço cênico) o público assume uma importância
fundamental.
Para Piscator
... teatro como lugar/instrumento de uma cultura alternativa e
coletiva, elaborada em comum pelo grupo dos trabalhadores
teatrais em relação orgânica com o público de trabalho. Então,
o teatro se propõe como um ponto de encontro, para um
crescimento comum dos dois coletivos, qual seja, dos
trabalhadores teatrais e dos espectadores, unidos em uma
relação de dialética contínua: 'a profundidade das ideias
comunistas não podem ser naturalmente, competição de uma
única profissão, mas também aspiração de uma coletividade na
qual o público não é menos importante que os atores.
(PISCATOR, 1968, p. 61)
Para se contrapor ao teatro burguês Piscator propõe uma ruptura com a
unidade de ação e a adoção de uma estrutura própria de situações
sobrepostas, mesmo com o risco de tornar-se “ingênua na simplicidade de
suas apresentações”. Por isso mesmo, pelo despojamento das montagens, o
uso de elementos como projeção de slides, canções, acrobacias, atende aos
73
objetivos de comunicação direta com o público para colocar a discussão
política como mais um, senão o mais importante, elemento cênico.
Na definição de Piscator
A missão do teatro atual, todavia, não pode esgotar-se na
apresentação de fatos históricos por amor a tais fatos. Cabe-
lhe desses fatos tirar o ensinamento para o presente, cabe-lhe
advertir a nossa época mostrando-lhe as íntimas relações
políticas e sociais, e, de conformidade com as suas forças,
tentar intervir determinantemente no curso da evolução. Não
entendemos o teatro apenas como espelho da época, senão
como meio para mudar a época. (PISCATOR, 1968, p. 208)
Vale ressaltar então, que as transformações introduzidas pelo encenador
alemão se deram a partir desta definição de teatro político, que criou a
demanda de encontrar uma técnica subordinada ao conteúdo, e que foi
assumida pela estética cepecista. Brasil, versão brasileira se encaixa dentro
desta proposta.
Finalmente, o sentido geral que extraímos da objetificação do conceito
abstrato de cultura popular visto no capítulo anterior, se apresenta aqui como
uma relação entre o mediador (Vianna e CPC) e a realidade (do publico
receptor). Este processo se da na imersão do plano histórico, real e concreto,
de seu publico, que busca elementos (escolhidos de acordo com as
concepções ideológicas do CPC) populares para estabelecer sua
reinterpretação politicamente mediada, seguida da sua apresentação (sua
objetificação) na peça como uma criação cultural que permita ao publico
receptor, se reconhecer, intervir e, transformar.
A noção de popular, configurada teoricamente dentro da problemática da
cultura popular se apresenta como modelo de cultura baseado na idéia de ação
orientada para intervenção, dentro de uma construção simbólica que unifica os
atores mobilizados em torno de uma determinada identidade nacional, e no
caso, nacionalista. Em outras palavras, o processo de mediação politicamente
orientado para a construção de uma cultura popular que tem por
74
excepcionalidade uma construção simbólica e unificadora que, “se viabiliza
através da expressão popular que lhe imprimem seus modelos e o destinatário
ao qual quer direcionar sua mensagem, ou seja, as massas populares” (BETTI,
1997), contextualizando-as em sua conjuntura política imediata.
A noção de popular se constitui portanto, dentro das expressões
artísticas do CPC, enquanto uma metalinguagem politicamente orientada,
sendo que seu padrão de orientação se dá através das relações de poder em
desenvolvimento naquele contexto político.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão da cultura popular foi apresentada muito recentemente pelos
romancistas e folcloristas. No entanto, as obras produzidas para discutir ou
reivindicar uma determinada concepção desse tema são inúmeras e
diversificadas. Neste trabalho, foram apresentadas duas concepções, que
compreendem os contextos históricos, sociais, políticos e econômicos nos
quais foram construídas. Buscou-se, ao apresentá-las dessa forma, destacar
que o modo pelo qual se entende e se define cultura popular, é ao mesmo
tempo produto de um contexto determinado e das relações de poder aí
presentes. Expomos as formas pelas quais o pensamento social brasileiro (até
os anos 50), e os membros do movimento cultural cepecista trabalharam a
problemática em torno da questão do povo brasileiro em seu tempo.
As concepções dos primeiros folcloristas brasileiros e a dos cepecistas
faziam parte de um movimento político de caráter nacionalista e ambas
estiveram inseridas em um momento histórico brasileiro de grandes e
significativas mudanças. Para os pensadores folcloristas do final do século XIX,
representados aqui por Silvio Romero, alguns problemas entendidos como
centrais para o desenvolvimento de um Estado Nacional tinham que ser
trabalhados de forma imediata. Problemas que diziam respeito tanto a política e
economia (quanto ao problema da emancipação dos escravos) quanto a
problemática social da colonização estrangeira, e a problemática cultural que
se relacionava ao programa de branqueamento social (através da política de
imigração), na qual se depositava as esperanças de sucesso do país. É neste
contexto, que as discussões em torno do “popular” se iniciam, trabalhadas ao
lado de uma prática de registro das manifestações populares, que tinham por
função aproveitar os principais elementos e saberes (positivos) de cada uma
das culturas presentes no país, – que até então eram definidas pela idéia de
raça – o que formaria sua concepção de brasilidade. O desenvolvimento deste
contexto vai apresentar a modernidade como um perigoso inimigo o que leva
os folcloristas a criação de métodos de registro e de análise das tradições
populares, para que estas não fossem perdidas no processo modernizador. É
esta necessidade metodológica que vai transformar o folclore em ciência.
76
O povo ganha a condição de detentor de denominados saberes
tradicionais, por sua vez imbuídos de especificidades nacionais, que por fim
seriam os elementos de composição da identidade nacional. O avanço neste
pensamento não considerou a importância da preservação das condições
materiais e espirituais dos detentores e promotores dos saberes que seriam
base da nacionalidade brasileira. Assim, o contexto e o sentido de sua
produção não eram relevantes, frente á imediata necessidade do registro
daquilo que se tinha produzido até o momento.
Mesmo assim, as manifestações populares ganham neste período o
status de saber e, ainda que não elevados ao status do saber científico,
tornam-se um saber merecedor de estudo e investigação. Neste processo a
identificação das manifestações populares é em sua mediação intelectual,
politicamente orientada, apresentada em termos de construções identitárias, o
que para Ortiz (1986) ocorreu no pensamento brasileiro do final século XIX com
as teorias raciológicas, na década de trinta com os primeiros pensadores que
assumem o conceito de cultura e, nas décadas de cinqüenta e sessenta com
as produções dos intelectuais do ISEB que assumem a perspectiva sociológica
e filosófica de análise.
Os cepecistas, que se apresentam na cena histórica neste período,
também reivindicavam para si uma determinada concepção de cultura popular
– a única verdadeira – participando de um momento de grandes turbulências
políticas e econômicas, da mesma forma que os pensadores dos períodos
anteriores. Contudo, como vimos às motivações, meios e relações políticas que
gestaram a produção de sentido destas transformações e, consequentemente,
as concepções de povo e de cultura popular inauguradas pelos pensadores,
militantes e dramaturgos do Centro Popular de Cultura, eram muito diferentes
daquelas realizadas anteriormente.
O contexto social brasileiro no momento da criação do CPC era definido
pelo processo de modernização, contudo, ao contrário dos momentos
anteriores do desenvolvimento de nosso pensamento social, o capitalismo já
estava desenvolvido e, as esferas econômica, política e social passavam por
uma crise inédita que abria inúmeras possibilidades para o destino do país.
Para Catenacci,
77
“A expectativa de reformas de base no governo Goulart; as
desapropriações para a reforma agrária no governo Brizola, no
Rio Grande do Sul; o crescimento das ligas camponesas e dos
conflitos travados entre posseiros e latifundiários no nordeste
do país; e, no âmbito internacional, a Revolução Cubana,
apresentavam-se como indicativos de um processo
revolucionário. Acreditava-se que pela ação política, pela
militância partidária, transformações importantes ocorreriam na
sociedade em um prazo relativamente curto”. (CATENACCI,
2001, p. 33).
Podemos observar em sua descrição a grande diferença entre os
contextos sociais em que estavam inseridos os folcloristas e os cepecistas. Os
primeiros se percebiam em uma situação social de transformações inevitáveis,
o que tornava o registro das manifestações populares a única forma de
preservar-las. Os segundos, artistas e intelectuais do CPC vivenciavam um
momento nacional e internacional – Revolução Cubana – no qual se abria a
possibilidade de alterar as correlações de forças, possibilitando novos rumos à
sociedade brasileira. Contudo, embasados pelas teorias marxistas, tal
transformação social só poderia ser operada no momento em que a classe
trabalhadora – a camada subalterna da sociedade – tomasse consciência de
seu papel revolucionário. Situação em que as manifestações populares cedem
seu referencial identitário, para a necessária consciência de classe.
Camada subalterna constitui-se assim no elemento definidor de povo
brasileiro, tanto para os folcloristas quanto para os cepecistas, no entanto para
estes o povo não é detentor de um saber, mas de um poder, identificado a sua
força revolucionária, capaz de transformar a sociedade. Este poder estabelece
para o povo uma tarefa histórica que só pode ser alcançada por meio de sua
desalienação, que para os cepecistas se da por meio de uma verdadeira
cultura popular; a revolucionária.
As duas concepções de cultura popular (folclórica e cepecista) se
apresentam distintas dentro da uma contradição que opõe tradição e
transformação. O conceito de cultura popular no CPC se constitui enquanto
expressão de uma cultura transformadora por oposição a uma cultura
78
tradicional, incapaz de romper com o status co dominante. No entanto, o
posterior desenvolvimento dos estudos em torno da questão da cultura popular
abordam esta contradição positivamente, pensando-a como complementares
ao invés de excludentes, uma vez que a idéia de tradição não implica
necessariamente em uma recusa a transformações diversas, na mesma
medida em que a globalização não implicada na extinção das tradições
(CANCLINI, 1989, p. 239).
Neste sentido, Manuela Carneiro da Cunha (2009) fala sobre o processo
de indigenização da “cultura” na modernidade, ao afirmar que “Há um trabalho
dialético que permeia os diferentes níveis em que a noção de ‘cultura’ emerge,
que permite jogar em vários tabuleiros a um só tempo. Um trabalho que lança
mão de cada ambigüidade, de cada contradição introduzida pela reflexividade”
(CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 371). Neste sistema interétinico, os saberes
tradicionais não negam e não se submetem a noção de cultura imposta pela
globalização, mas a reorganiza em seu próprio sistema de mundo. Da mesma
forma, Marshal Sahlins (1997) afirma que apesar da condição de dependência
dos saberes tradicionais em relação as “formas especificas de racionalização
cientifica, econômica e tecnológica da modernidade ocidental”, eles são
capazes de manter sua compreensão do mundo através da construção de uma
contracultura. Usando o exemplo dos efeitos do colonialismo sobre as
comunidades colonizadas o autor diz que “a capacidade dos povos de forjar
significado permaneceram intactas, o colonialismo não é capaz de forçá-los a
internalizar seus próprios pressupostos sobre a natureza humana (SAHLINS,
1997, p. 57)
Desta forma podemos pensar em uma noção de cultura popular que não
negue nem a sua origem nas manifestações tradicionais e populares do povo
brasileiro, nem a sua capacidade transformadora. Não podemos afirmar,
contudo, que o desenvolvimento da produção intelectual e artística do CPC
continuaria a se afastar demasiadamente desta preposição. É aqui que se
insere uma das grandes limitações de nossa pesquisa; o encerramento das
atividades do CPC pela repressão da Ditadura Militar em 1964 impediu o pleno
desenvolvimento de seu projeto político/cultural. Assim, analisamos apenas
aquilo que seus atores puderam em um intervalo de menos quatro anos pensar
79
e produzir. Este fato nos afasta definitivamente de uma compreensão total de
seu conceito de cultura popular, não podemos afirmar nem imaginar quais
seriam os rumos de seu desenvolvimento caso o Centro mantivesse sua
atuação.
Não desconsideramos tais limitações nesta monografia, e assim não
estivemos exatamente interessados em compreender as relações entre
tradição e transformação presentes em sua noção de cultura popular, em
termos de concepção e execução. Mas em como se deu seu processo de
construção, especificamente a partir de sua objetificação nas obras artísticas.
Não poderíamos com isso apresentar o desenvolvimento pleno do conceito
mas, tínhamos um período de ação relativamente longo para nos apropriarmos
dos processos que influenciaram e determinaram sua construção conceitual.
Este foi nosso esforço, e esperamos de alguma forma contribuir.
80
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84
ANEXO
Anexo A
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projeto para a cultura brasileira nos anos 60: análise sociológica do Centro
Popular de Cultura. Relatório de pesquisa patrocinada pela Fundação à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), 1984.” Documento acessado através do Fórum Eja, em
21 de Maio de 2011, disponível em http://forumeja.org.br/teatro.cpc
A LUZ SE APAGA. MUSICA UM CORO CANTA "OU FICAR A PÁTRIA LIVRE OU MORRER PELO BRASIL" O CORO CONTINUA CANTANDO. NÃO DIZ MAIS A LETRA. SÓ A MELODIA. VARIANDO DENTRO DELA. INSISTENTE. O MESMO VERSO. SLIDE l O SÍMBOLO DA PETROBRAS
2 UM HOMEM FAZENDO COMÍCIO ENCIMA DE UMA ESTATUA. ÉPICO. 3 A POLICIA DISPERSANDO MANIFESTANTES. 4 UMA CARA OPERARIA. CORRE SANGUE NELA. 5 O SÍMBOLO DA PETROBRAS NUMA TORRE EM PRAÇA PUBLICA.
VOZ A Petrobrás está ameaçada, companheiro. SLIDE 6 O SÍMBOLO DA ESSO
7 O SÍMBOLO DA PETROBRÁS 8 O SÍMBOLO DA ESSO SE SUPERPÕE AO SÍMBOLO DA PETROBRÁS. 9 JUSCELINO KUBISTCHEK E FOSTER DULLES RINDO. 10 SÓ JUSCELINO RINDO 11 SÓ FOSTER DULLES RINDO 12 AUGUSTO FREDERICO SCHIMITD RINDO 13 HORÁCIO LAFER RINDO 14 CARLOS LACERDA RINDO 15 ASSIS CHATEAUBRIAND RINDO 16 EISENHOWER RINDO 17 KENNEDY RINDO
VOZ (A PARTIR DO SLIDE 10) A Petrobrás economiza... dólares por ano para o Brasil. Com esse dinheiro...casas podem ser construídas... quilômetros de estrada. Com esse dinheiro pode-se produzir energia elétrica para uma cidade de... habitantes.
SLIDE 18 UM PETROLEIRO DA PETROBRÁS 19 UM POÇO DE PETRÓLEO. UM OPERÁRIO SUJO DE PETRÓLEO RI. 20 A REFENIRARIA DUQUE DE CAXIAS DE NOITE. 21 DOIS POLÍTICOS COCHICHAM. 22 UM POLÍTICO COCHICHA COM JUSCELINO NUM BANQUETE. 23 UM FUNCIONÁRIO PUBLICO. MILHARES DE PASTAS DIANTE DELE. SLIDE 24 UMA PASTA DA PETROBRAS 25 UM GENERAL COCHICHA COM JUSCELINO KUBISTCHEK 26 A PASTA DA PETROBRAS NO LIXO
VOZ (A PARTIR DO SLIDE 22) A refinaria de Mataripe ainda não ter minou de construir sua unidade de refino de óleo lubrificante. Há seis anos as obras se arrastam lentamente. Enquanto isso a Esso em 1958 teve sete bilhões de cruzeiros de lucro com a venda de óleo lubrificante. Sete bilhões de cruzeiros de lucro. De lucro. De lucro.
SLIDE 27 O POÇO DE MAPELE PEGANDO FOGO 28 BOMBEIROS LUTANDO CONTRA O FOGO 29 OPERÁRIOS CHORANDO 30 JUSCELINO KUBISTCHEK DE OLHOS FECHADOS
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31 CARLOS LACERDA RINDO 32 FOTO DA BAHIA COM O POÇO DE MAPELE INCENDIANDO O CÉU.
VOZ (A PARTIR DO SLIDE 29) O poço de Mapele 2, no Recôncavo Baiano, com uma reserva de... barris. Reserva que forneceria petróleo para o Brasil durante... anos, está pegando fogo ha cinco meses. Foi criminosamente incendiado. Criminosamente.
SLIDE 33 O SÍMBOLO DA ESSO PERTO DE UMA FAVELA 34 O SÍMBOLO DA ESSO NUMA CIDADE AFRICANA. ENCIMA DE MISÉRIA. 35 UM EXÉRCITO DE EMPREGADOS DA ESSO COM O UNIFORME DA ESSO 36 UMA FESTA DA DIREÇÃO DA ESSO NOS ESTADOS UNIDOS 37 O SÍMBOLO DA ESSO GRAVADO NO MUNDO 38 KENNEDY DE OLHOS FECHADOS
VOZ Lucro da Esso... Lucro da Shell... O custo de produção de um barril de petróleo é de... E vendido a... O orçamento militar nos Estados Unidos e de... vezes maior que a renda nacional do Brasil. E o lucro do petróleo que compra e paga as guerras. O lucro do petróleo paga o silêncio. O lucro do petróleo paga a miséria.
A MÚSICA DE FUNDO PARA DE ESTALO. SILENCIO. SLIDES DE 38 A 60-GUERRA. EXÉRCITOS DESFILAM. HIROSHIMA. GUERRA. GUERRA.
OS SLIDES SE REPETEM. A LUZ ABRE EM RESISTÊNCIA. UM FOCO BAÇO DE LUZ. UM CORO DE OPERÁRIOS. CANTA PARA O PUBLICO.
CORO Brasil. Servil. Brasil. Sem glória. Brasil. Sem história. Brasil. Sem céu cor de anil. A Petrobrás foi nossa vitória, nossa primeira vitória. Ganha por um povo inteiro, povo que virou companheiro. A Petrobrás está ameaçada, brasileiro. A Petrobrás esta ameaçada, companheiro. A Petrobrás é sabotadaÉ amordaçada
É encurralada A Petrobrás está ameaçada, companheiro. A Petrobrás é da massa, A Petrobrás é tua Ganha a grito na praça, Com berro no meio da rua. Brasileiro. Companheiro. (SEGUEM OS SLIDES) É preciso nova vitória, outra vitória, encima de vitória, Para outra vitoria; é assim que se escreve história – com vitória, sobre vitória, para outra vitória, encima de vitória.
A Petrobrás está ameaçada, companheiro. A Petrobrás está ameaçada, companheiro. (A LUZ SE APAGA) Companheiro. Companheiro. VOZ Esta história começa por volta de 1955. A Petrobrás já estava em pleno funcionamento
pela lei 2.004, de 3 de outubro de 1953. SLIDE 61 A LEI QUE CRIOU A PETROBRÁS VOZ Dá à Petrobrás o monopólio de pesquisa, de lavra, de refino e de transporte de
petróleo. Começaram a ser construídas as refinarias de Duque de Caxias, de Cubatão. Mas já existiam refinarias particulares em funcionamento, antes da criação da Petrobrás. Todas elas, pela lei, sendo particulares, não podiam continuar a refinar o petróleo. Todas elas, pela lei, deviam ter sido encampadas. Não foram, Cada uma delas recebeu uma cota de petróleo para refinar.
SLIDE 62 AS COTAS DE REFINO: REFINARIA DE MANGUINHOS... 10.000 barris diários REFINARIA (?).......... 9000 barris diários REFINARIA DE CAPUAVA...20000 barris diários ESSE SLIDE DEVE SER FEITO COMO SE FOSSE NOTICIA DE JORNAL RECORTE
DE DIÁRIO OFICIAL. O NOME DE CAPUAVA É GRIFADO. VOZ (DEPOIS DE UM TEMPO) Esta história começa quando a companhia Kellog, firma
americana encarregada da construção da Refinaria Duque de Caxias; refinaria da Petrobrás, do povo; pela terceira vez não cumpriu o prazo marcado para o término da construção das obras. Na mesma época, descobriu-se que a Refinaria de Capuava, refinaria particular, clandestinamente refinava mais petróleo do que era permitido. Não refinava 20.000 barris diários. Refinava 31.000. Onze mil a mais. A Refinaria Duque de
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Caxias praticamente parada. Capuava refinando onze mil barris a mais. O governo devia tomar uma decisão a respeito. Foi marcada uma reunião do Conselho Nacional de Petróleo.
_______________________________________________________ SLIDE 63 FACHADA DE FABRICA - "FUNDIÇÃO VIDIGAL" 64 OPERÁRIOS TRABALHANDO COM CADINHO. FERRO DERRETIDO NO CHÃO.
OS OPERÁRIOS DESCALÇOS, SEM PROTEÇÃO. 65 O ROSTO DE UM OPERÁRIO. ROSTO TERMINADO, BATIDO, FOSCO 66 O ESCRITÓRIO DA COMPANHIA. PERSIANAS, TAPETES. 67 OPERÁRIOS COMENDO MARMITAS NAS RUAS. 68 AR REFRIGERADO NO ESCRITÓRIO. UMA GARRAFA DE WHISKY ENCIMA DO
APARELHO; BISCOITINHOS. 69 VIDIGAL EMBARCANDO NUM AVIÃO. ADEUSES. 70 VIDIGAL NUMA PISCINA. UM GARÇON SERVE-LHE A MESA COM WHISKY.
71 VIDIGAL DE SMOKING NO BAILE DO MUNICIPAL. UMA ARTISTA DE CINEMA AO SEU LADO
,DÁ ADEUSINHO DO SEU CAMAROTE. VIDIGAL TEM UM
CHAPEUSINHO CARNAVALESCO NA CABEÇA. E RI. 72 VIDIGAL EMBARCANDO NUM AVIÃO. ADEUSES. 73 VIDIGAL NO SEU AUTOMÓVEL. UM CHOFER LHE ABRE A PORTA. 74 UMA ASSEMBLÉIA DE OPERÁRIOS. SALA ENFUMAÇADA. À CUNHA. 75 UM VELHO OPERÁRIO FALANDO. SEM DENTES. 76 UM OPERÁRIO JOVEM. PUNHOS CERRADOS. 77 UMA MULHER AMAMENTA SEU FILHO. 78 OPERÁRIOS BATEM PALMAS DE PÉ. 79 UM VELHINHO E UMA VELHINHA; OUVEM. 87 BARRAQUINHAS PEGANDO AS IMATURAS 88 UMA MULHER FAZENDO UM DISCURSO NUMA CAMIONETA. 89 DEPUTADOS DORMEM. 90 MURO PIXADO: "COMISSÃO PARA O CAPITAL ESTRANGEIRO" 91 DADOS RELATIVOS AS DENÚNCIAS FEITAS PELAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO 96 PORTA DE FÁBRICA. TABULETA "NÃO HÁ VAGA" 97 FILA DE GENTE PROCURANDO EMPREGO. 98 FILA DE GENTE DORMINDO NA RUA. 99 MANCHETE DE "O GLOBO" – "NÃO HÁ PETRÓLEO NO BRASIL". 100 MANCHETE DE "O SEMANÁRIO" - "HÁ PETRÓLEO NO BRASIL". 101 MANCHETE DE "O CORREIO DA MANHA" - PETRÓLEO HÁ. MAS É COMERCIÁVEL. 102 PRESOS ENGAVETADOS NUMA CELA. 103 PRESOS DE MOTIM DE PRESIDIO AJOELHADOS. 104 UM HOMEM NO PAU DE ARARA PENDURADO. OS OLHOS ESBUGALHADOS. 105 UM CORPO DE HOMEM. QUEIMADURAS DE CIGARRO. 106 "É necessário o início das atividades internacionais do Brasil em matéria de exploração petrolífera através da associação da Petrobrás com outras companhias nacionais e estrangeiras ou por intermédio de empresas brasileiras privadas". (DO PROGRAMA DE GOVERNO PUBLICADO NO DIÁRIO DO CONGRESSO EM 29 DE SETEMBRO DE 1961) 107 UM ESTUDANTE FALA. ATRÁS DELE O SÍMBOLO DA UNE. 108 UM PADRE COM CAMPONESES. DISCURSO. 109 BRIZZOLA FALA. 110 SÉRGIO MAGALHÃES FALA. 111 FRANCISCO JULIAO FALA. 112 LUÍS CARLOS PRESTES FALA.
(ABRE A LUZ. QUATRO CALDEIRÕES EM CENA. SERVIRÃO PARA TUDO. UMA PEQUENA MESA, CADEIRA E TELEFONE EM CADA LATERAL. NO FUNDO ESTÃO TRÊS HOMENS. PRUDENTE DE SOTTO MAIOR. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, COM A FAIXA PRESIDENCIAL. LINCOLN SANDERS) (HIPÓLITO VIDIGAL, NO PROSCÊNIO, DIRIGI-SE AO PÚBLICO)
VIDIGAL Meu nome é Vidigal. Hipólito Vidigal. Brasileiro. Industrial. Em minha fábrica não há um centavo estrangeiro. Nem um centavo. Oitenta por cento do que produzo é comprado
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pela Petrobrás. Sou o representante da Confederação das Indústrias no Conselho Nacional do Petróleo. Amanhã o Conselho vai se pronunciar sobre as irregularidades que se têm verificado na construção da Refinaria Duque de Caxias. Fui chamado, no meio da madrugada, para uma reunião a portas fechadas com o presidente da República,(O PRESIDENTE SE LEVANTA), com mr. Lincoln Sanders (LINCOLN SE LEVANTA), representante da Esso no Brasil e com Prudente de Sotto (PRUDENTE SE LEVANTA), presidente do Banco do Brasil e um dos maiores acionistas da Refinaria Capuava. Eles sabem que vou votar pela suspensão do contrato com a Kellog, firma americana que constrói a Refinaria Duque de Caxias. Querem que eu mude meu voto... (VAI PARA ELES) Já disse que não. Não mudo meu voto. Sou pela suspensão do contrato com a Kellog. Suspensão de contrato imediata!
PRUDENTE É uma loucura, senhor Vidigal. Uma ofensa a um país amigo! VIDIGAL Suspensão do contrato. Suspensão... PRUDENTE É preciso verificar primeiro quais as razões do atraso, estudar o que... VIDIGAL Sabotagem. Sabotagem pura e simples e des... PRUDENTE Isso é uma ofensa a um país amigo, é uma... VIDIGAL Parece que lhe deram corda, senhor Prudente: uma ofensa a um país amigo, uma
ofensa a um país amigo, uma ofensa a um... PRUDENTE Não admito que fale assim, eu... VIDIGAL Pode não admitir, mas eu falo assim e... PRUDENTE Já disse que não admito. VIDIGAL Já disse que falo. PRESID. Meus senhores. Meus senhores. (SILÊNCIO) Por favor, senhores. Estamos no palácio
do governo. (PAUSA LONGA) VIDIGAL Queira desculpar. PRUDENTE Confesso que me excedi. (APERTAM-SE AS MÃOS) VIDIGAL Não posso mudar meu voto, Excelência. Perdão. Esta companhia por três vezes já
adiou o prazo do término da construção da Refinaria Duque de Caxias. Perdão. Não posso mudar meu voto.
PRESID. Talvez Vossa Excelência não esteja sentindo bem a repercussão política de uma atitude assim. Como pensarão os capitalistas americanos? Continuarão a trazer dinheiro para um país que suspende contratos...?
VIDIGAL Não posso mais pensar como pensarão os capitalistas americanos, Excelência. Preciso pensar no Brasil. Não acha, Excelência?
PRUDENTE Vossa Excelência sabe perfeitamente que estamos pensando no Brasil. VIDIGAL Eu estou, senhor Prudente. PRUDENTE Vossa Excelência sabe perfeitamente que sem o capital americano este país para. VIDIGAL Este país está parado, senhor Prudente. Este país esta paralisado e... PRESID. Por favor, senhor Vidigal. Por favor. Estamos discutindo um assunto vital. Estamos
procurando conciliar pontos de vista. VIDIGAL Não ha conciliação. É isso. Todos nós sabemos que não há conciliação. Todos nós
sabemos porque a Refinaria Duque de Caxias não foi construída até agora. Sabotagem. Sabotagem deslavada. Enquanto isso a Refinaria Capuava esta refinando onze mil barris a mais de sua cota. Ganhando dinheiro que devia ser da Petrobrás.
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PRUDENTE A Refinaria Capuava está refinando além da cota porque trabalhou. É a livre iniciativa. A superioridade da iniciativa privada sobre as empresas do Estado. Trabalho livre. Viva o Trabalho livre!
VIDIGAL Trabalho de contrabandear aparelhagem pelo porto do Pará, comprando meio Brasil! Com empréstimos do Ranço do Brasil, que Vossa Excelência mesmo fazia à sua empresa. Me comove as lágrimas o esforço da Capuava. As lágrimas. Assim, até meu cachorro fox-terrier refina mais petróleo...
PRUDENTE Vossa Excelência está colocando em cheque minha gestão a frente do Banco do Brasil? Está colocando em cheque?
VIDIGAL Claro que estou. O Banco do Brasil só empresta dinheiro a americano. O Banco do Brasil segura as verbas da Petrobrás!
PRUDENTE Prove isto. Prove isto. VIDIGAL Deixe de ser estúpido, Prudente. PRUDENTE Cale a boca. Cale a boca. VIDIGAL Mesmo que eu cale a boca você continua sendo estúpido. (VIDIGAL E PRUDENTE SE
SEGURAM. LINCOLN E O PRESIDENTE PROCURAM SEPARÁ-LOS) LINCOLN Excelências. Excelências. PRESID. Parem com isso. O decoro... PRUDENTE Inocente útil. Inocente útil. VIDIGAL Cavalo de aluguel dos americanos. LINCOLN Protesto. Protesto. PRESID. Parem com isso. Parem com isso. (OS DOIS SE SOLTAM. SILÊNCIO DEMORADO.
MUITO DEMORADO) Não conseguimos nos entender. Tão pouca coisa nos une... (SILÊNCIO) (OUTRO SILÊNCIO DEMORADO)
LINCOLN Excelência. Estou perfeitamente de acordo com o senhor Hipólito Vidigal. Não haverá conciliação possível se pensarmos só nos nossos pobres interesses. É preciso buscar alguma coisa comum e bela que seja minha, de Vossa Excelência, de todos nós. Usamos gravata, temos unhas limpas... Que mais? Existe outra coisa que nos ligue e nos faça iguais? Existe. Felizmente existe, senhor Presidente: o poder. Somos nós que temes o poder político em mais da metade do mundo. Temos a responsabilidade do seu destino. Para isso somos obrigados a ser inteligentes, amar o próximo, conhecer leis enfadonhas. É muito difícil ser responsável, não ter medo do mundo. Ilusão pensar que o povo pode-se dirigir. Ilusão pensar que sem autoridade ele continuara a trabalhar e a respeitar seu semelhante. É difícil, tão difícil descobrir que somos semelhantes. É esse o mundo que temos para defender. Tudo o que fazemos só pode ser certo se o mundo continuar a ser nosso. A Petrobrás nos ajuda a isso? Não, Excelência. Não, Excelência. Não pelos lucros que conta a meu país. Isso é o de menos: somos ricos. É o mau exemplo que a Petrobrás dá ao mundo. Se todos os países fizerem como o Brasil, em pouco tempo o preço do petróleo cairá. Cairá irremediavelmente. Será a catástrofe. Excelências! Não teremos mais dólares para emprestar ao Brasil. Não podem existir Petrobrás, Excelências. Sob pena de perdermos mais pedaços do mundo. O senhor Vidigal tem razão: o atraso na construção da Duque de Caxias foi deliberado...
PRUDENTE Mas, sr. Lincoln, por favor... LINCOLN Houve contrabando no Pará. A sinceridade é necessária, senhor Prudente. Estamos
juntos. Como irmãos siameses. Juntos. A pergunta e essa: a Petrobrás interesse a quem? A nós ou ao povo? Então, precisa desaparecer. Aos poucos, com cuidado, mas precisa desaparecer. Mesmo que tenhamos de agir em silêncio. Mesmo que as vezes nos repugnem nossas ações. Nós dizemos ao povo que é ele quem decide, mas não precisamos acreditar nisso senhor Vidigal. (SILÊNCIO)
VIDIGAL Me recuso a acreditar no que ouvi. Me recuso a acreditar. Realmente, senhor Lincoln. Sua sinceridade é espantosa. Espantosa
LINCOLN (A VIDIGAL) É que Vossa Excelência defende a Petrobrás e esquece que defende sua própria morte, Excelência.
VIDIGAL Morte? Porque morte, senhor Lincoln. Que morte? Que morte? LINCOLN Eu explico, Excelência. Sempre explico: se os Estados Unidos não fizerem mais
empréstimos para o Brasil, o Brasil cairá nas mãos do povo faminto e desesperado. E onde o povo conseguirá dinheiro para viver, Excelência? Ah, senhor Vidigal, conseguira dinheiro cortando suas contas bancárias, seu conforto, sua roupa elegante, seu automóvel de luxo, sua casa na praia...
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VIDIGAL Não me importa! Não me importa. Será uma vida mais humana. Estou cansado de viver dando dentadas, distribuindo coices. Farto. Farto!
LINCOLN Isso é fácil de ser dito, Excelência. Mas é muito difícil ver o povo nos nossos escritórios, muito difícil passar a andar a pé. Muito difícil receber ordens de operários magros e suados. Muito difícil.
VIDIGAL Peço licença para me retirar. LINCOLN Mude seu voto, senhor Vidigal. VIDIGAL Nunca LINCOLN O voto de Vossa Excelência vai ser o único voto contrário. Era preciso uma votação
unânime. VIDIGAL Não sei se serei o único voto contrário. PRUDENTE Vamos ganhar esta votação, Vidigal. Vamos ganhar. VIDIGAL É o que veremos. É o que veremos, Prudente. PRUDENTE Não precisamos do seu voto. VIDIGAL Então porque vieram pedi-lo? PPESID. Senhores. Senhores. Tenho uma proposta. Vamos ver, senhor Vidigal. É uma proposta
conciliatória. Vossa Excelência votara a favor da firma americana... VIDIGAL Nunca... PRESID. Um momento, senhor Vidigal. Por outro lado, o lucro que a Refinaria Capuava obtém
com os onze mil barris que refina a mais serão entregues ao Fundo de Pesquisa da Petrobrás. (PAUSA)
PRUDENTE Eu, aceito, presidente. Aceito em nome dos acionistas da Capuava. Fere meus interesses particulares, mas acima de tudo os interesses da pátria...
PRESID. Senhor Vidigal. Que nos diz? VIDIGAL Mas dizer o que? Todos nós sabemos que no Fundo de Pesquisa da Petrobrás estão
homens de confiança dos americanos. Todos nós sabemos que a Capuava não vai dar nem um centavo para o Fundo? Não sabemos Presidente?
PRUDENTE O Senhor está me chamando de desonesto? (O PRESIDENTE VAI CONDUZINDO LINCOLN E PRUDENTE A SAÍDA) Eu desonesto? Eu? Sou da família SottoMayor, entende? Meu bisavô foi o braço direito do Império, Meu avô desenhou a farda do exército brasileiro...
PRESID. Eu conversarei com ele. LINCOLN Muito hábil, senhor Presidente. Os nacionalistas não poderão reclamar. Muito hábil. A
América Latina precisa de mais homens como Vossa Excelência. (SAI. O PRESIDENTE VOLTA. LONGA PAUSA. SE OLHAM)
PRESID. Está mais calmo, Hipólito? VIDIGAL Dionísio! O que é que você está fazendo? Dionísio! PRESID. É preciso andar com cuidado. Muito cuidado... VIDIGAL Você! Você ajudando a enterrar a Petrobrás? A Petrobrás é onde ainda garantimos um
pouco de dinheiro! Você ajudando a enterrar o Brasil? Meus operários estão caindo de cansaço, de falta de vontade de viver! E pedem mais salários e não posso dar um centavo. Um tostão furado! E eles caindo em farrapos!
PRESID. Você não está no meu lugar. Eles são fortes, Terrivelmente fortes. As Forças Armadas, Hipólito. Eles ensinam esses generais a serem a favor dos americanos. Passam a vida fazendo isso! São fortes!
VIDIGAL Como é possível alguém se transformar assim? Você parece feito de manteiga agora. Ainda me lembro dos seus gritos nos comícios: o petróleo é nosso, o petróleo é nosso...
PRESID. Conto com seu voto, Hipólito. VIDIGAL Você está apertando meu braço, Dionísio. PRESID. Conto com você. Conto com a Confederação das Indústrias. Não esqueça que a
Petrobrás compra na sua fábrica por interferência minha e... VIDIGAL Você está me ameaçando, Dionísio? Ameaças? Ameaças? PRESID. (VIDIGAL SAINDO) Hipólito. O que fazem de nós? O que fazem de nós? Não posso
terminar minha carreira política, Hipólito. Entenda isso. É preciso conceder um pouco. (VIDIGAL SAI) Sou um político. Vote comigo. Sou seu amigo. Hipólito. Hei de libertar o Brasil. Aos poucos. Hei de libertar esta terra. E então cantaremos: ouviram do Ipiranga as margens plácidas... Nos dois, Hipólito. Ouviram do Ipiranga as margens... Cante, Hipólito. Cante, Margens de merda... margens de merda... (SENTA-SE. UM CORO ENTRA. MULHERES COM CRIANÇAS NO COLO, VELHOS, OPERÁRIOS, CANTAM
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E DÃ0 TAPAS MA CABEÇA DO PRESIDENTE QUE OS RECEBE COM A MAIOR DIGNIDADE, SEM OLHAR, SEM RECLAMAR. ACEITANDO)
CORO Ah, Esses políticos que sabem o que o povo sofre. Ah, Esses políticos que sabem o que o povo vive. Ah, Eles sabem o que é preciso ser feito. CORO Ah, Mas eles todos tem um grave defeito. Tem cama macia, mulher redondinha. Só se lembram do povo em dia de Natal, Gostam muito da cadeira onde põe a bundinha. Só de pensar que precisam ser homens, se sentem mal. Ah. Esses políticos querem vida sossegada. Não querem mais vida vivida
,
Querem vida amansada, Sossegada, regalada, Recostada, descansada
,
Desmanchada, atapetada. Mesmo que seja castrada. Não se importam com o Brasil. Ele pode ir pra... Pra onde nunca se viu. APAGA A LUZ. BAIXA A TELA.
SLIDE 63 a 68 SOBE A TELA. A LUZ ACENDE. CLAUDIONOR VEFI PARA O PÚBLICO. NO FUNDO TIAGO. FILHO DE CLAUDIONOR.
CLAUD. Meu nome e Claudionor da Rosa. Sou o Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Vim saber a resposta do doutor Hipólito Vidigal sobre o podido de aumento de salário feito pelos operários da empresa. Quinhentos operários.
VIDIGAL (ENTRA NO FUNDO. PAPÉIS NA MÃO. OS DOIS SE APROXIMAM. VIDIGAL SE SENTA. Não é possível o aumento. Não é possível. Esta fábrica produz quase que só para a Petrobrás. E uma questão de patriotismo! Os operários não são capazes de entender isso? A Light aumentou o preço da energia elétrica, o estado dobrou a taxa de água. Não é possível o aumento.
CLAUD. Eu entendo, doutor, mas é que... VIDIGAL Ainda não terminei. Não admito dentro de minha fábrica agitação de comunistas! CLAUD. Sou católico, doutor. Quase fui padre. TIAGO Não é comunista, não, doutor. Foi ele que afastou o Diógenes do Sindicato. Diógenes é
comunista. O Senhor conhece o Diógenes, não é doutor? (SILÊNCIO) CLAUD. Deixe o doutor falar, Tiago. (TIAGO SE CALA) VIDIGAL Que adianta aumentar salário num país pobre? É preciso esperar. Primeiro vamos
fazer um Brasil forte, rico, satisfeito. Comunista é contra o Brasil. Nós andamos devagar, mas livres entenderam? Livres!
CLAUD. O doutor tem muito de razão. VIDIGAL Passar bem. (SILENCIO) Mais alguma coisa? CLAUD. Entendo tudo isso, doutor. Mas é que o salário anda mesmo muito pequenino. Teve um
companheiro antes de ontem que não tinha dinheiro nem pra comprar remédio para o filho.
VIDIGAL Nada posso fazer. Também tenho problemas. CLAUD. O menino morreu. (SILÊNCIO) TIAGO Nós lutamos contra os comunistas na assembléia, doutor. Eles queriam pedir cinquenta
por cento e mais abono. A assembléia acabou pedindo trinta por cento e o senhor... CLAUD. Doutor não perguntou sobre isso, Tiago. (SILÊNCIO)Vou ocupar sua paciência mais
um instante, doutor. Perdoe. Não sei se tenho força do evitar uma greve se voltar assim de mão abanando. É difícil operário entender que precisa apertar mais ainda a barriga na costela. Eu mesmo não entendo muito. Se vê tanta riqueza esbanjando por aí...
VIDIGAL Aonde vamos, Brasil? (VEM ATÉ O PROSCÊNIO. SENTA-SE PARA TELEFONAR. O PRESIDENTE DA REPÚRLICA APARECE DO OUTRO LADO) E Vidigal, Dionísio.
PRES. Hipólito. Meu bom Hipólito. Ainda está zangado comigo? VIDIGAL Não é prudente ficar zangado com o Presidente da República. PRES. Isso, meu bom Hipólito. Suas ordens, meu amigo. VIDIGAL Meus operários estão anui com um pedido de aumento. Será que consigo um
empréstimo no Banco do Brasil? Coisa pouca.
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PRES. É uma ordem, Hipólito. VIDIGAL Preciso só de um bom prazo de pagamento. PRES. Pois não, Hipólito. Você vota hoje comigo, não é? VIDIGAL Não, Dionísio. Claro que não. PRES. Ora, ora, ora. Vamos lá. VIDIGAL Por favor, Dionísio. PRES. Está bem. Silêncio. Não se fala mais nisso. VIDIGAL Quando posso sacar o empréstimo? PRES. O empréstimo? VIDIGAL Amanhã? PRES. Não sei se será possível tão já, Vidigal. Temos que pagar as Forças Armadas, o café... VIDIGAL Você disse que era possível para... PRES. Me lembrei agora das Forças Armadas e você... VIDIGAL É coisa pouca... PRES. Acho que não será possível, Vidigal. (SILÊNCIO PROLONGADO) Sua senhora vai
bem? (SILÊNCIO) Um grande abraço, Hipólito. VIDIGAL Outro. (DESLIGAM. O PRESIDENTE SAI. VIDIGAL CABISBAIXO) TIAGO Ele tem muito de razão, não é, pai? CLAUD. Tem, meu filho. É patrão honesto, trabalhador. Tem muito de razão. TIAGO Mas porque a gente ganha pouco? A gente é trabalhador, é honesto. CLAUD. Doutor Vidigal é homem estudado. A gente tem cabeça pequena. TIAGO Se eu fosse estudado, era como ele, não era? CLAUD. Deus só ficou trinta e três anos na terra; não limpou o mundo de gente malvada por
inteiro. Gente sem coração. TIAGO Por que os comunistas estão errados, pai? CLAUD. O que eles dizem é bonito: querem que tudo seja de todos. Mas para conseguir isso
brigam, gritam, xingam, fazem mais raiva ainda, mais desconfiança. Envenenam a alma do operário, operário desacredita de justiça, perde animo de trabalhar. Patrão reclama, as vezes reclama forte demais. Dai ninguém mais segura a vida como Deus pediu.
TIAGO Eles tiram a liberdade da gente? CLAUD. É TIAGO O que é que eles fazem? CLAUD. Se você quiser construir uma fábrica, eles não deixam. TIAGO Operário constrói fábrica no Brasil? CLAUD. Não conheço nenhum. Mas pode construir, se quiser. TIAGO Tudo de todos? É difícil. CLAUD. É. TIAGO Mas é bonito. (VIDIGAL LIGA O TELEFONE OUTRA VEZ. LIMCOLM ATENDE) VIDIGAL Senhor Lincoln? Aqui fala Vidigal. Hipólito Vidigal. Quero saber se o City Bank Pode me
fazer Um empréstimo. LINCOLN Com muito prazer, Senhor Vidigal. VIDIGAL São quinhentos operários com um aumento médio de dois mil cruzeiros. Dois milhões,
senhor Lincoln. LINCOLN Com muito prazer, senhor Vidiqal. O City Bank está aqui para ajudar a indústria
brasileira. VIDIGAL Muito obrigado, senhor Lincoln. LINCOLN Nós faríamos somente uma pequena exigência, senhor Vidigal. Ficaríamos muito
gratos se Vossa Excelência não votasse péla suspensão do contrato com a firma americana que constrói a Duque de Caxias. Vote conosco, senhor Vidigal. Não nosso fazer isso Lincoln. (PAUSA) Vamos, senhor Lincoln. (PAUSA). Preciso desse dinheiro. (PAUSA) Eu votarei com vocês. Eu votarei com vocês.
LINCOLN Agradecido, senhor Vidigal. Emocionado e agradecido. Recomendações a senhora Vidigal. Seu filho vai bem? Já está curado da catapora? (VIDIGAL DESLIGOU. ESMAGADO NA CADEIRA) Senhor Vidigal. (DESLIGA) Cretino. (SAI. VIDIGAL VAI PARA OS DOIS)
VIDIGAL Vinte por cento. Nada mais que isso. TIAGO A assembléia pediu trinta, doutor. VIDIGAL Esses comunistas. É preciso acabar com os comunistas! Vinte por cento, moço. Nem
mais um centavo! Estou sendo esmagado, entendem? Façam greve, façam o que
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quiser; eu abro falência, moço. E vocês os comunistas, os filhos que morrem, todos ficarão na rua apanhando comida nas latas de lixo se sobrarem latas de lixo!
TIAGO Mas, doutor, não foi comunista... CLAUD. Vamos embora, Tiago. Deixe o doutor. Doutor tem trabalho. (CUMPRIMENTAM E
SAEM SILENCIOSAMENTE) TIAGO Aumentar o salário prejudica o Brasil. Não aumentar salário faz a gente passar fome. É
difícil. É difícil, hein, pai? (SAEM) LINCOLN (SÓ A VOZ. NO FILTRO) Se os Estados Unidos não fizerem mais empréstimos para o
Brasil, onde o Brasil arranjará dinheiro para continuar a viver? Ah, senhor Vidigal: conseguirá dinheiro cortando suas contas bancárias, cortando seu conforto, sua rotina elegante, seu automóvel de luxo, sua casa na praia, na praia... VIDIGAL Não me importa, Senhor Lincoln. Mão me importa. LINCOLN Isso é fácil de ser dito, Excelência, mas é muito difícil ver o povo nos nossos escritórios. Muito difícil passar a andar a pé. Muito difícil receber ordens de operários magros e suados. Operários magros e suados. Operários magros e suados.
VIDIGAL Merda. (A VOZ DE LINCOLN PARA DE ESTALO. VIDIGAL SAI) APAGA A LUZ. BAIXA A TELA DE SLIDE.
SLIDES 69 a 73 ACENDE A LUZ, ESPÁRTACO, UM JOVEM, ADIANTA-SE PARA O PÚBLICO. NO FUNDO. DIÓGENES JOSÉ E MAIS DOIS OPERÁRIOS: LÚCIO DA BAIANA E MARTINHO.
ESPARTACO Meu nome é Espártaco. Nome grande demais que nem parece que cabem em mim. Tenho mais cara de Quintino, Ênio, André, Altair... mas me chamo Espártaco. É nome de um homem que foi escravo e brigou. Desses que carregam um pedaço de povo atrás dele. Desses homens que brilham feito sol. Quem me botou esse nome foi meu pai Diógenes. Aquele ali. Meu pai o comunista. Também sou. Nós trabalhamos na Fundição Vidigal. Essa é uma reunião da base do Partido Comunista na fábrica. Vamos decidir o que e que os comunistas vão dizer na assembléia de hoje à noite. O patrão disse que só da vinte por cento de aumento. A assembléia pediu trinta... (VAI PARA A REUNIÃO)
DIÓGENES Os companheiros podem ver que eu tinha razão. Podem ver que aquilo que falei foi dito e feito. O presidente do nosso sindicato, o Claudionor, é um vendido. Foi fazer conchavo com o patrão. Vem propor vinte por cento hoje de noite. Um capacho de burguesia. Um vendido. Não foi atoa que ele me afastou do cargo de conselheiro do Sindicato.
ESPÁRTACO O companheiro não pode se esquecer... DIOGENES Estou falando, companheiro. Estou falando. ESPÁRTACO Eu só queria... DIOGENES Estou falando, companheiro. Acho que a gente deve é desmascarar esse traidor da
classe operária lá na assembléia... JOSÉ Me dá um aparte, companheiro. DIÓGENES Não dou aparte. ESPÁRTACO Precisa dar um aparte, companheiro. DIÓGENES Eu ainda não terminei. Os companheiros estão me perturbando. Um pouco de
disciplina, camaradas. (SILÊNCIO) Agora esqueci o que estava dizendo. ESPÁRTACO Desmascarar o Claudionor na assembléia e... DIÓGENES Ah, não adianta mais, não. Perdi a meada. Era só isso que eu tinha a dizer. (PAUSA) ESPÁRTACO O patrão ofereceu só vinte por cento de aumento. Eu acho que se a gente ainda for
brigar com o Claudionor na Assembléia, aí é que a massa se divide de uma vez e não consegue nem os trinta que pediu cinquenta por cento de aumento, sem nenhuma base legal, sabendo que a massa não ia aceitar. Ficamos isolados!
DIÓGENES Os comunistas são isolados, É diferente. Somos isolados! ESPÁRTACO Quando o companheiro estava no Sindicato queria que o Sindicato não reconhecesse
mais as decisões da justiça do trabalho! É aí que a gente se isola. A massa não entende isso. Se divide. Foge do sindicato. Não podemos levar mais divisão ainda lá na assembléia.
DIÓGENES O Sindicato é dirigido por um católico que só sabe arranjar festinha para operário. Que só sabe comprar mesa da ping-pong. É culpa dos comunistas se o Claudionor acha que operário deve passar a vida com fome e jogando ping-pong? Os comunistas são
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culpados de haver patrão, de haver exploração? Então é melhor mesmo acabar com o comunismo, companheiro!
ESPÁRTACO Quando comunista pede coisa que a massa não entende, deixa de ser comunista, companheiro!
DIÓGENES Defensiva. Isto é linha perna aberta! O companheiro não está atuando de acordo com a linha do partido. Isso é reunião de comunista, companheiro. Não é reunião de guarda salva-vida (SILÊNCIO)ESPÁRTACO Não tenho mais nada para dizer. Não sei. Não sei.
DIÓGENES Proponho que denuncie o Claudionor na assembléia. Cinquenta por cento e abono. Mais alguém vai falar? (SILENCIO) José.
JOSÉ Bem, companheiros... Não sei se devo votar. Vou me desligar aqui da base. Agora vou trabalhar na Refinaria Duque de Caxias... Começo amanhã... Vou me ligar à base de lá...
DIÓGENES Hoje vota aqui, companheiro. JOSÉ A Refinaria Duque de Caxias é coisa bonita. DIÓGENES Vamos, companheiro. JOSÉ Não sei. É melhor não votar. DIÓGENES É matéria importante, companheiro e a ... JOSÉ Acho que o Espártaco tem razão. Também sinto assim. É isso. Sou pelo Espártaco... DIÓGENES Sei. Sei. Martinho. COMP.1 Diógenes. DIOGENES Lúcio da Baiana. COMP.2 Com você, Diógenes. Com você. DIÓGENES LEVANTA) Vamos denunciar o Claudionor da Rosa. (OS OUTROS TAMBÉM VÃO SE
LEVANTANDO) JOSÉ Diógenes. Você desculpa. DIÓGENES O que? JOSÉ Votei com Espártaco... DIÓGENES Nada. JOSÉ A amizade é a mesma, hein? DIÓGENES Tenho vinte anos de partido. (SAI) JOSÉ Ainda lhe dedico a mesma admiração, Diógenes. (A ESPÁRTACO) Grande homem.
Espártaco. Um pouco zangado demais. Ah, um dia isso melhora, menino. Aparece por lá, Espártaco. Me ajuda a dar martelada no barraco. Me ajuda a cuidar das crianças... Bom convite, o convite de pobre, não é? Vai lá. (SAEM)
APAGA A LUZ. DESCE A TELA. SLIDE 74 a 79
ACENDE A LUZ. CLAUDIOR SENTADO. UMA CAMPAINHA NA MÃO DIÓGENES TREPADO EM CIMA DE UMA CADEIRA. É A TRIRUNA)
DIÓGEMES Nós os comunistas queremos denunciar o presidente Claudionor da Rosa. CLAUD. Estamos discutindo o aumento, companheiro Diógenes. Peço que o companheiro não
saia da matéria em pauta. (PALMAS) DIÓGENES A matéria em pauta é a vida de operário. O companheiro traz uma contra-proposta do
patrão e pede para a assembléia bater palma. Traz miséria e pede para bater palma? CLAUD. Não estou obrigando ninguém a fazer nada, companheiro. Neste país os homens ainda
são livres para decidir. (PALMAS) DIÓGENES Quem decide é o Sindicato. O companheiro sabe disso. Sabe que o Sindicato foi feito
para decidir em nosso nome que a gente é muito fraco para falar sozinho. Para decidir bonito Sindicato tem que ser macho. Tem que pensar sempre que operário é gente esquecida. Sindicato para ser macho tem que ser político. Não pode correr atrás de conciliação sempre, com rabo entre as pernas! Sindicato tem que ensinar operário a falar grosso. O que é que o Sindicato está fazendo em nosso nome? Está enterrando a classe operária! Claudionor Rosa vende o trabalhador em troca de elogio de patrão e do SESI e do vigário!
CLAUD. Vendo operário porque não quero matar ele de pancada? Porque não quero ver polícia invadindo nossa casa honesta? Vendo operário porque quero que ele tenha tranquilidade?
DIÓGENES Que tranquilidade, companheiro? Com fome! Com fome em casa? Devendo dinheiro para todo mundo? Fugindo do botequim, da venda, do tintureiro para não ser cobrado? Sem escola, sem água, sem luz?
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CLAUD. Não é o Sindicato que dá água, companheiro. O Sindicato não é o Departamento de Águas e Esgotos. (RISOS E PALMAS)
DIÓGENES Cinquenta por cento e abono. Senão é greve, Senão é greve! CLAUD. Vamos evitar greve, companheiros. Greve é fome, e desemprego, é parar a produção,
é anarquia... DIÓGENES Precisa dizer mais, companheiros? Precisa? Olha aí. Claudionor da Rosa é pelego. É
vendido! É pelego! (TIAGO APARECE EM CENA) TIAGO É assim. É assim que são os comunistas, companheiros. Quem não concorda com eles
é pelego. Quem não pensa com raiva é corno manso, quem não quer brigar é covarde, é vendido, é patronal. Que respeito eles tem pela gente? Isso é que eu pergunto. Eu não trabalho tanto quanto comunista? Como é que pode me jogar na cara que sou a favor de patrão? Não foram os comunistas que ficaram na presidência do Sindicato faz dois anos? O que e que eles fizeram? Passeata que não ia ninguém e mais que? Mão reconheciam a justiça do trabalho. Os operários perderam todas as questões. Que mais? Queriam tirar greve até para mudar relógio de ponto de fábrica!
DIÓGENES Os comunistas não lutam por migalhas de patrão. Os comunistas lutam nela felicidade da classe oneraria!
TIAGO E felicidade é viver fazendo greve, companheiros? É viver xingando, pintando muro, sem dar bom-dia? É viver inventando inimigo? Se tudo isso aqui no Brasil fosse nosso, o que e que a gente tinha? Miséria do mesmo jeito. Trabalho que precisa. Aprender a ser melhor operário.
DIÓGENES Você quer aprender a trabalhar para patrão, os comunistas querem aprender a fazer um mundo sem patrão!
TIAGO Mundo sem patrão? Então não se dá mais prêmio para quem trabalha e aprende a se esforçar? O que adianta trabalhar então? Vida de uniforme? Onde todo mundo é igual. Quem cospe Deus e quem respeita Deus é igual? Vai demorar ainda muito para o homem ser gente como Deus pediu. O que não pode é fazer o homem não ter mais paixão de viver. É trabalho e trabalho. Não é feio ser nobre, não, companheiro! Feio é não respeitar a vida!
DIÓGENES É feio ser nobre, sim, menino. É muito feio. O seu Deus esta bêbado por aí se elo disse que é bonito ser pobre. Cada vez tem menos patrão no mundo e mais operário. É brigar, companheiro. Se o seu Deus disse que ver morrer filho, morrer mulher, morrer cachorro e não lutar é bonito, seu Deus não vale nada. Seu Deus vive no céu. De lá não se vê miséria. He lá só se vê avião onde passa gente rosada e satisfeita. O seu Deus fugiu.
TIAGO Isso é comunista! Isso é comunista! DIGGEMES Isso é católico. Isso é católico. Capacho por natureza. Tem vergonha de deixar de ser
pobre. Tem vergonha de ficar de pé. Quer ficar crucificado como Cristo. Mas Cristo brigou. Cristo era macho!
TIAGO (VAIAS AUMENTAM) Respeito, companheiro. Respeito. DIÓGENES Papa-óstia vocês são. Pelegada! Acreditam em Virgem Maria, não é? Aqui que ela é
virgem! Aqui. (TIAGO PULA EM CIMA DELE. VAIAS E VAIAS). CLAUD. Tiago. DIÓGENES Que é isso, menino? Vai apanhar agora. Vai apanhar na bunda. (BATE EM TIAGO.
ENTRA UM OUTRO OPERÁRIO). OPERÁRIO Comunista. Comunista cachorrão. Vai aprender o devido respeito. CLAUD. Tiago. Tiago. (TOCA A CAMPAINHA. ALARIDO. MAIS OPERÁRIOS CHEGAM).
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VOZES Comunista. Isso aqui não é Rússia, não! Antes de falar em Deus, precisa lavar a boca. Não tem respeito pela gente? Como é que diz que luta por nós?
DIÓGENES Vem. Vem seus papa-óstia! Vem. Vem que tem homem. Deus não vale nada (OS OPERÁRIOS EM CIMA DE DIÓGENES. OS OPERÁRIOS COMUNISTAS ENTRAM PROCURANDO SEPARAR. ESPÁRTACO NO MEIO)
ESPÁRTACO Sai daí. Sai daí. Vocês não são católicos? Estão massacrando o homem! Companheiros... (PARA A ASSEMBLÉIA) Não pode dividir companheiros. Não sei se Deus existe ou não. Sei que a gente vive mal junto! Gente. Precisa ouvir... (PEGA TIAGO) Sai daí. Sai daí. Católico, não é? Olha lá, católico. Olha lá...
TIAGO Vamos parar com isso. Vamos parar com isso. (OS OPERÁRIOS DEIXAM DIÓGENES AOS POUCOS. OS COMUNISTAS PROCURAM CUIDAR OE DIÓGENES. DIÓGENES OS AFASTA. SAEM TODOS)
CLAUD. Diógenes, companheiro o que fizeram com você! Precisa cuidar disso, companheiro, o que fizeram com você!
DIÓGENES Sai daí. Sai daí. (TIAGO PUXA CLAUDIONOR. SAIEM LENTOS) Vem. Vem de novo, seus papa-óstia. Aposto que o vigário come a mulher de vocês todos... Vem. Vem de novo...
ESPÁRTACO Chega, pai. Chega. Viu? Viu o que adiantou dividir e mais o que. Não tirou ação. Nunca a gente vira ação. Viu? Aceitaram os vinte por cento... Nem sabe se aceitaram. Até o Claudionor era capaz de aceitar os trinta por cento... Viu? Viu o que você fez?
DIÓGENES Tu vai ser sempre escravo. Tu vai ter sempre os cornos no chão. Tu só sabe ser coisa nenhuma. Tem medo do ideal que aprendeu. Tu tem medo de decidir sozinho. Tu quer estar sempre de rastro por aí. Aí tu te conforma. (LEVANTA COM DIFICULDADE. DÁ UM TAPA EM ESPÁRTACO) SAI. DÁ ALGUNS PASSOS. CAI) Vem cá. Me levanta. Me levanta... (PAUSA. ESPÁRTACO NÃO VAI. DIÓGENES SE LEVANTA LENTO E SAI)
ESPÁRTACO (CANTA) Ah, meus senhores, vida é difícil lição. Tudo o que faço vem cheio de vontade, De ver o homem afinado, sem maldade. Mas a vontade não basta, morre afogada. No meio de tanta certeza desencontrada Termino engasgado, a cabeça derrubada. A vida é uma difícil lição. (ENTRA UMA MULHER)
MULHER Espártaco. ESPÁRTACO Vai embora. Vai embora. MULHER Ih. Que é isso? ESPARTACO Vai embora. MULHER Que é isso? Preciso de dinheiro e não saí hoje com marinheiro americano por sua
causa. Minha filha doente. Que embora é esse? ESPÁRTACO Vai embora. Vai embora. MULHER Depois não vem me procurar, meu filho. Vai dormir com galinha se quiser. Depois não
vem me procurar, não... (A MULHER SAI. ENTRA JOSÉ. ESPÁRTACO SE ABRAÇA COM ELE. CHORA)
JOSÉ Espártaco. Espártaco, meu irmão. Que á isso? ESPÁRTACO Estou na merda, não esta vendo? Tem que chorar todo mumdo. Vive essa mesma vida
esfarrapada e briga. E briga. Chora aí. O que é que você viveu? Hein? Tem um filho magro e que mais? Dívida na farmácia. Que mais? Sabe que amanhã tem que trabalhar. Para que? Para quem? Que mais?
JOSÉ O que é que houve com você... ESPÁRTACO Diógenes me bateu na cara. Diógenes me bateu na cara. Não vou voltar para casa.
(ESPÁRTACO SAI) JOSÉ Onde vai menino? Isso melhora, filho. É mundo errado mas é operário que constrói ele,
é mais fácil construir mundo certo. Isso melhora, menino. Vai Espártaco. Vai brigar por aí. Tua vida vai valer mais que a minha, sim. Já tem mais operário no mundo. Isto está que é só companheiro. Vai, menino... (JÓSE SAI. ESPÁRTACO VOLTA. GARRAFA DE CACHAÇA NA MÃO. TIAGO ENTRA. PELO OUTRO LADO DA CENA)
ESPARTACO Tiago. Tiago da Rosa. (TIAGO PARA) Católico, não é? Você viu como ficou Diógenes? Você sabe se ele ainda está vivo? Como é católico? (COMEÇA A ENTRAR GENTE E RODEAR) A bondade? Onde esta e bondade?
TIAGO Não sei, Espártaco. Não sei. ESPÁRTACO Fala agora. Tem que dar na cara para todo mundo ficar bom? Como é? TIAGO Não é tudo de todos? Como é que diz que a gente não vale nada? Não é tudo de
todos? Como é que pode ser de todos se eu não valho nada?
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ESPÁRTACO Não sei, não sei. UM Pega ele, crioulo. DOIS Sou mais o branco. Sou mais o branco. TRÊS Sou o crioulo. Cinquenta pratas? QUATRO Amarro. Vamos, branquinho. Mostra que raça é raça. CINCO Não vai brigar, não. Nada de brigar. CORO Eh, palhaço. Ih, esse é padre enrustido. UM Ninguém vai fazer o bonzinho que quero ver essa briga. DOIS E se não brigar os dois entram no braço, está bem? TRÊS Tenho cinquenta pratas amarradas aí. QUATRO Vamos lã. Chega de bla-blá-blá. Quem decide no blá-blá-blá é locutor esportivo. Como
e? Vão brigar ou estão apaixonados? (RISADAS) ESPÁRTACO (SE ENGALFINHAM) Vai ver minha bondade, sacristão. Começa a rezar, sacristão. TIAGO Vou rezar por você (ROLAM NO CHÃO) UM Ih. Que briga mais chata de falatório. DOIS Estão brigando ou estão brincando de minhoca? TRÊS Como é? Isso é macho ou e frescura? (UM DA UM PONTAPÉ NOS DOIS QUE
ROLAM NO CHÃO) UM Como é? CINCO Vamos parar com isso. (UM EMPURRA CINCO) DOIS Seus maricas. Quero ver porrada. TRÊS Essa calça é para que, crioulo? É disfarce. Está fantasiado de homem? (CONTINUAM
COTUCANDO E DANDO PONTAPÉS) ESPÁRTACO (PEGA UM PELO PÉ) Vem cá, safado. Você é meu. UM Que é isso? Quer me pôr no rolo, é? Eu vou, meu. Eu vou. (DÁ UM SOCO EM
ESPÁRTACO. A CONFUSÃO SE GENERALIZA) VOZES Ah. Mordida vale, é? Mordida vale. Tira a mão daí, cachorro. Pó, cara. Briga limpo. Ah.
Mordida outra vez, e? É! (OUVE-SE UM APITO. OS HOMENS SAEM CORRENDO. ESPÁRTACO E TIAGO NO CHÃO)
UM Eu te pego, crioulo. Não fica assim. DOIS Seus cachorros. Marquei a cara. Marquei a cara. (OS DOIS SENTADOS NO CHÃO.
CANSADOS. PASSA UM PADRE DEPOIS DE UM TEMPO) PADRE Como e? Nem a rua mais se respeita? Mão se pode mais andar na calçada? É? Quer
dizer que tenho que andar no meio da rua, com perigo de ser atropelado? É? É? Sei. Entendi. Ah. Aonde vamos parar, mundo? Tenho a garganta seca de rezar. Aonde vamos parar? (SAI! ESPÁRTACO OLHA TIAGO. COMEÇA A RIR. PI CADA VEZ MAIS)
ESPÁRTACO É tão fácil resolver tudo. Basta não sentar na calçada. TIAGO Vai, Espártaco. Vai. ESPÁRTACO É só aumentar a calçada. Mais dois palmos de calçada e olha o mundo florido. Vamos
aumentar a calçada, companheiros. (COMEÇA A MARCHAR) Vamos aumentar a calçada, companheiros. (BEBE)
(CANTA) Para fazer calçada, precisa operário, Operário para andar, precisa calçada. Mais calçada, mais operário, e tome calçada. É a rua nunca deixa de ficar entulhada. Ó, que cagada. Ó, que verdadeira cagada. Para a rua não ficar mais atapetada. É melhor acabar com operário e filharada. Ficava só a granfinada. Más sem operário ela não vale nada. Que granfino só trabalha para tomar laranjada. Ó, outra cagada. Ó, uma segunda cagada. Mas como granfino não precisa de mão, Podia comer a mão ao invés de comer pão. Acabava operário, acabava problema de calçada. Ó, que linda solução. Ó, ó, ó, que linda solução.
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(TIAGO DURANTE A CANÇÃO COMEÇOU A RIR. ROLA NO CHÃO DE RIR) ESPÁRTACO (GRITA) O mundo está podre, gente! Podre da silva! TIAGO Ai daquela grande cidade que estava coberta de linho finíssimo e de escarlate, e grã, e
que se adornava de ouro... VOZES Silêncio. Cala a boca, vagabundo. Deixa os outros dormirem! ESPÁRTACO Dormir para que, palhaço? Acorda e fica pensando. Acorda sua mulher também. Fica
olhando um para a cara do outro. TIAGO Aquele que matar à espada, importa que seja morto á espada. Aqui está a paciência e a fé dos santos. Acorda para ouvi Deus!
VOZES Deus de noite não quer barulho. Vai fazer sermão na... Missa é de manhã ó, São Sebastião.
ESPÁRTACO Diógenes me bateu na cara. Diógenes me bateu na cara. TIAGO Diógenes bateu na cara dele. Vão ficar dormindo? Diógenes bateu na cara dele. VOZES Diógenes fez muito bem. Diógenes bateu pouco. Psiu. Psiu. ESÁRTACO Vem pra cá pra rua. Vem. Vem dizer psiu na minha cara. TIAGO Vem dizer psiu na cara dele. Vem cá. Não vim trazer a paz, mas a espada. A espada.
Engole o psiu e engole os dentes. VOZES (AUMENTAM) Vou chamar a polícia. Silêncio. Tenho minha sogra doente. Fica quieto
comunista. Meu pai é general. Ele também vai trazer a espada. ESPÁRTACO Que silêncio. Silêncio é que existiu sempre. Seus merdas. Seus merdas. TIAGO Precisa é botar a boca no mundo! Precisa ouvir Deus! (COMÍCIO) Brasileiros! Porque
todas as nações beberam o vinho da ira da sua prostituição; e os reis se corromperam e os mercadores se fizeram ricos... Cala a boca que estou fazendo um discurso. (COMEÇAM A CAIR LATAS EM CIMA DELES. É ÁGUA) Vai molhar a mãe. Vai molhar a mãe.
ESPÁRTACO O companheiro está se dirigindo ao povo. Atenção. (PEGA AS LATAS E COMEÇA A ATIRAR DE VOLTA) Essa é para você, careca.
TIAGO Aquele lá. Aposto que aquele lá tem fábrica de cueca. ESPÁRTACO Rouba no pano, não cuequeiro? Aposto que diminui um botão em cada cueca que
fabrica. TIAGO É por isso que cueca de proletariado brasileiro fica sempre solta dentro da calça. ESPÁRTACO Companheiros. É preciso acabar com a cueca solta. (AS LATAS CAEM. A POLÍCIA E
APITOS SE FAZEM OUVIR) Nós enfrentaremos a polícia. Nós enfrentaremos a polícia. O operariado brasileiro não teme a força das armas. Ele tem Deus consigo. Seus cuequeiros. Seus alcaguete. Pau mandado. (ENTRAM DOIS POLICIAIS. TIAGO E ESPÁRTACO ATIRAM LATAS SOBRE ELES)
POLÍCIA 1 Vamos lá. Vamos lá. Com calma... TIAGO Com calma é a mãe. Vem me buscar, soldadinho. Vem me buscar. (ATIRAM LATAS E
SAEM CORRENDO. OS POLICIAS VACILAM) POLÍCIA 1 Puxa vida. Nem uma descansada a gente pode dar. Amanhã as sete pego no
batente. POLÍCIA 2 Não vou correr atrás deles, não. POLÍCIA 1 Agora já começou. (CORREI ATRÁS) Depois tem reclamação na chefatura. Bairro
rico é uma merda. (SAEM) SOM ESCURO TOTAL. RUÍDO DE ASSISTÊNCIA VAI AUMENTANDO. EMENDANDO COM O TEMA CARACTERÍSTICO DO REPÓRTER ESSO. VOZ Terrível explosão na unidade de craqueamento da Refinaria Duque de Caxias, no fim da tarde de hoje. Oito mortos. Perto de vinte feridos. Trágico acidente enluta a família brasileira. A firma americana Kallog, que constrói a refinaria, pagará a hospitalização de todos os acidentados. Os Estados Unidos é o primeiro país a hipotecar solidariedade, Plasma sanguíneo foi enviado pelo país irmão do Norte. Voltaremos ás 22 horas ou a qualquer momento em Edição
Extraordinária, sempre numa cortesia da Esso do Brasil. (O RUÍDO DA ASSITÊNCIA AUMENTA) Sempre numa cortesia da Esso do Brasil.
VOZES Me salva. Me salva. VOZ 1 Meu braço. Não sinto meu braço. Me salva... VOZ Sempre numa cortesia da Esso do Brasil. VOZ 2 Estou morrendo devagar. Estou morrendo. Não quero fechar os olhos. Me salva. VOZ Sempre numa cortesia da Esso do Brasil.
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VOZES Me salva. Me salva. (PAPA TUDO DE ESTALO. ACENDE A LUZ. SILÊNCIO. JOSÉ ESTÁ MORTO NO MEIO DO PALCO. UMA MULHER ESTENDIDA AO LADO DELE. MORTA. SILÊNCIO. ENTRA UMA MULHER. PROCURA)
MULHER (VÊ JOSÉ. PARA. PAUSA) Ó, José. Foi você que morreu? Que pena. Logo hoje que o filho disse que não quer mais estudar. Logo hoje que precisa pagar a conta na birosca. Que pena. Ia te avisar que o Ramiro disse que quer entrar para o Partido, que você tinha razão. O Ramiro, José. Comissário de polícia. Você aumentou esse Partido, hein, José? O Ramiro. O Tadeu. Tadeu era gigolô. Que pena, José. Vai faltar um homem em casa. Essa gente é abusada. (ESPÁRTACO ENTRA. TIAGO COM ELE. APROXIMAM-SE LENTOS) José está morto, Espártaco. Hoje era dia de folga dele. Veio por causa dos operários. (TIAGO AJOELHA. ESPÁRTACO SE AGACHA AO LADO DE JOSÉ, TIAGO REZA BAIXINHO)
TIAGO Ave-Maria, cheia de graça, o senhor é convosco... Ave-Maria cheia de graça. José não acreditava nisso... Ave-Maria... (DIÓGENES E CLAUDIONOR APARECEM NO FUNDO DA CENA)
ESPÁRTACO Não consigo chorar, José. Tenho medo, mas tenho vergonha de você, José. Assim estendido, quieto, cheio de terra no cabelo, essa cara de susto. Isso não vai acontecer comigo, José. SÓ penso nisso. É feio terminar assim, José. No chão, na rua, com todo mundo olhando. Agora vão tirar fotografia tua, José. Não choro uma gota. Vou lutar. Só isso. Mas termino em pé, com respeito, morrendo na hora de morrer com canto em volta de mim, com trombeta, com banda tocando coisa triste. Não choro, José. Não choro. Não adianta que não choro...
MULHER É bom ele tomar um copo de água com açúcar. Vem, Espártaco. Vem com a gente... ESPÁRTACO É feio perder, José. Lutar e perder é feio. Tem que ganhar. Lutar é para ganhar. Só
para ganhar. MULHER Você pode continuar lá no barraco se quiser Espártaco. Me ajuda a dar um jeito na vida
dos filhos. ESPÁRTACO É lutar para ganhar. Só para ganhar. (SAEM. DIÓGENES E CLAUDIONOR SE
APROXIMAM. CLAUDIONDR TIRA, O CHAPÉU E FAZ O SINAL DA CHUZ. DIÓGENES PÕE A MÃO NO ROSTO) (SILÊNCIO. ENTRA UM OPERÁRIO. VAI DIRETO PARA A MULHER)
OPERÁRIO Anita. Anita. Foi você mesmo, Anita! Foi você. (SILÊNCIO LONGO) Ela só veio me trazer a marmita. Filho da puta que eu sou, companheiro. Deixei minha mulher morrendo por que fui beber cachaça em hora de trabalho. Essa explosão. Desde um mês a gente avisava que o aço era franzino. José até greve quis fazer. Não ia aguentar o calor. Eu avisei, avisei. Mas tenho a língua pequena. Nem explicar direito consigo. Começo a contar uma história, quando vejo, estou brigando... SLIDE DESCE. LENTAMENTE ELES SAEM! OS SLIDES 10 AO 17. CARAS RINDO. RINDO QUE VOLTAM E VOLTAM E VOLTAM.
SOM GARGALHADAS. UM MINUTO INTEIRO DE GARGALHADAS. UM JORNALEIRO PASSA NA FRENTE DA CENA. SÓ UM FOCO ILUMINA O
JORNALEIRO E OS MORTOS. AS GARGALHADAS E OS SLIDES CONTINUAM JORN. (CANTA) Trágico acidento.
Morreu gente. O Brasil está doente. Quem é o culpado? Culpado é o homem que gosta de viver. Culpado é o homem que arrisca viver. Ninguém é o culpado, pois se trata de acidente. Mesmo que tenha morrido muita gente. Muitos dizem que o culpado é a miséria. Mas miséria é outro acidente também. Pois neste Brasil não se conhece ninguém. Ninguém que seja a favor da miséria.
SLIDES OS POLÍTICOS VOLTAM NUMA SEQUÊNCIA IMPRESSIONANTE. AS GARGALHADAS SÃO OUVIDAS NO PALCO AGORA. UMA VALSA. DANÚBIO AZUL. ACENDE A LUZ. DOIS PARES VALSEIAM. E RIEM. RIEM MUITO. COM COPOS DE CHAMPAGNE NA MÃO. OS MORTOS CONTINUAM EM CENA. UMA VELA ESTÁ ACESA AO LADO DA MULHER MORTA.
HOMEM 1 Onde está o seu marido, meu amor?
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MADAME 1 No banheiro. Ele vive no banheiro! (RIEM HOMEM 2 Quando chegou de Paris Heleninha MADAME 2 Cheguei hoje. Só para a festa da Embaixada. Mas volto amanhã. O Brasil esta cada
vez mais mal cheiroso. Minha pele logo embola. É horrível. Brasil dá urticária. (RIEM) (OS PARES CONTINUAM VALSADO EM TORNO DOS
MORTOS) SOM O PREFIXO DO REPÓRTER ESSO EM RÍTMO DE VALSA VOZ A embaixada americana recebo hoje a alta sociedade brasileira para saudar a chegada
do senhor Walter Link que assumirá a direção das pesquisas da Petrobrás. Novas notícias às 22 horas ou a qualquer momento em edição extraordinária, sempre numa cortesia da Esso do Brasil. (ENTRAM VIDIGAL E O PRESIDENTE)
VIDIGAL É preciso uma Comissão Parlamentar de Inquérito, Dionísio. Esta sabotagem não pode passar em brancas nuvens. Matamos oito operários...
PRESID. Um acidente Hipólito. Um triste acidente. VIDIGAL Vamos, Dionísio. Você está falando comigo, não está na televisão. Eles explodem a
refinaria nas nossas fuças e nós ainda aceitamos esse Walter Link? Isso não é uma festa. É um velório. Aqui está se enterrando o país.
PRESID. Vidigal, entenda. Estou negociando um empréstimo com os americanos. Estou ameaçando com a Comissão de Inquérito... Mas ela não pode sair.
VIDIGAL Mas assim? Conseguimos empréstimos em troca de mortos? Somos pagos para, continuar a morrer?
PRESID. Não posso. Não posso, Vidigal. É o Brasil. Não posso pedir abertamente uma Comissão de Inquérito. É o Brasil. Mal ou bem: é o Brasil.
VIDIGAL Pelo menos não aceite esse Walter Link. PRESID. Não posso Vidigal. É o Brasil. Mal ou bem: é o Brasil, (ENTRAM LINCOLN,
PRUPEMTE E WALTER LINK, TUDO PARA. TODOS BATEM PALMAS. INCLUSO VIDIGAL. TODOS CANTAM. INCLUSO VIDIGAL)
CORO Chegou, chegou. Chegou a mais importante figura Chegou, chegou. Veio direto do país das figuras. Chegou, arrebatou. Traz o jeito de país grande. Talvez agora o Brasil ande. Brasil. PRESID. Bem-vindo, senhor Walter Link. LINK What? LINCOLN Welcome. LINK Oh, yes. Welcome. O.K. He is the president? LINCOLN Yes. LINK Big shot, hey? Big shot! (ENTRA UM CRIADO) CRIADO O jantar está servido, Excelências, (WALTER LINK E O PRESIDENTE SAEM
ABRAÇADOS NA FRENTE. CORO ATRÁS) (VIDIGAL E LINCOLN FICAM) LINCOLN Nós nunca poderemos chegar a um acordo, senhor Vidigal? O senhor é um homem
inteligente: Sabe que meu país joga um papel decisivo no mundo de hoje. VIDIGAL Sei. Decisivo para o senhor, sua família, Rockfeller. E, quem mais? LINCOLN E jogando um papel decisivo não pode ter contemplação com quem pretende tolher
seus passos. VIDIGAL E então? LINCOLN E então não nos interessa a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
sobre as atividades do capital estrangeiro no Brasil. VIDIGAL Que mais, senhor Lincoln? Fale claro. LINCOLN Sempre falo claro, senhor Vidigal. Pensei que o senhor já havia se acostumado. O
senhor nos deve quantias importantes. Com esse dinheiro o senhor tem pagado a campanha para a formação dessa Comissão. Ou o senhor suspende a campanha ou cobraremos a dívida imediatamente.
VIDIGAL Pagarei, Lincoln. Pagarei. Uma vez eu cedi. Matei oito operários. Não me submete mais. Pagarei a dívida mesmo que termine nu. Mas a Comissão Parlamentar de Inquérito há de sair. APAGA A LUZ. (DESCE A TELA. SLIDE 87 a 90) ACENDE A LUZ. ESPÁRTACO SE DIRIGE AO PÚBLICO.
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ESPÁRTACO A Comissão do Inquérito saiu, sim senhor. Foi bom. Mostrou a mão do americano em todo lugar, enforcando a gente. Americano em todo lugar. Dono do Brasil, Nossa Senhora. Na Petrobrás furam poço onde não tem petróleo, arrebentam aparelhagem, compram engenheiro. Pagavam cinco cruzeiros por cada jornal, desses respeitadões, para vomitar mentira encima da gente. Nossa Senhora! É gente decidida a raspar-nos a vida ate o fim, sem vamos com calma. Cinco cruzeiros por cada jornal. Brasileiro não...
ESPÁRTACO É só nascer no Brasil, não. Brasileiro é ser explorado. A nova linha do Partido estava certa, certa. Todo mundo tem conta pra ajustar com americano. E a gente trabalhando mais e ganhando menos. Lá na fábrica todo mundo sai às seis horas e ainda vai fazer extraordinário. Zizinho vai vender amendoim na Leopoldina, o Adolfo Bigode lava pátio de hospital, Serzedelo vende água na Catacumba. Mané Grosso é camelô de meia de homem, Salatiel toca pandeiro em festa de pervertido, Eustáquio engole lista de jogo de bicho, Reminho vigia casa de prostituta da polícia. Nepomuceno, nem sei o que faz. Ninguém fala com ele... Vive dormindo pelos cantos. (DIÓGENES ENTRA) (SILÊNCIO) Como vai?
DIÓGENES Amanhã tem reunião na minha casa. ESPÁRTACO Sei. DIÓGENES Vamos tirar um documento denunciando o Claudionor. Vai receber dinheiro do SESI.
Vai fazer quadra de bola ao cesto, os cambáu. Mas não vai falar em política... ESPÁRTACO Denunciar o Claudionor outra vez? DIÓGENES É. ESPÁRTACO Precisamos dele pra pedir que o governo tome providências. Precisa acabar com o que
a Comissão Parlamentar de Inquérito denunciou. DIÓGENES Precisa acabar é com operário capacho. ESPÁRTACO É a nova linha do Partido. DIÓGENES Na minha opinião é linha burguesa. Às sete. (PAUSA) Lembra de onde eu moro, não
e? (SAI) ESPÁRTACO A denúncia ficou no papel. Faltou força para fazer o governo tomar uma atitude. Faltou
apoio de muito Claudionor da Rosa que existe por aí. E a culpa era muito nossa. No fim, americano continuou, Walter Link continuou... (APAGA A LUZ. NO ESCURO OUVE-SE A VOZ DE LINCOLN SANDERS ACENDE A LUZ NO MEIO DA FALA. WALTER LINK ESTÁ TERMINANDO DE ESCREVER UM RELATÓRIO) (SÓ EM CENA)
LINCOLN A Petrobrás precisa desaparecer. Aos poucos. Com cuidado. Mas precisa desaparecer. CORO (FORA DE CENA) Chegou. Chegou.
Chegou a mais importante figura. Veio elevar o Brasil a Brasil. Veio tornar o Brasil, Brasil. Veio fazer do Brasil, um Brasil.
QUANDO LINK COMEÇA A LER O RELATÓRIO QUE TEM NAS MÃOS, ENTRAM O PRESIDENTE, PRUDENTE E VIDIGAL. VIDIGAL SENTA-SE NUMA CADEIRA. AFUNDA DESMORONADO) E concluindo meu relatório, posso afirmar com segurança que não há petróleo comercialmente explorável no Brasil. Afirmo isso sem nenhuma paixão política, sem nenhum outro interesse senão o de colaborar na construção de um Brasil verdadeiro e belo. Não há petróleo no Brasil.
PRESID. É espantoso. É espantoso. VIDIGAL Mentira. Empulhação. Há petróleo no Brasil. Há petróleo. PRUDENTE Eu compreendo seu furor, senhor Vidigal. Sei que seus negócios vão piorar... VIDIGAL Vá a merda. Vá a merda! PRUDENTE Como? Como disse? Come disse? VIDIGAL Vá a merda! Vá a merda! PRESID. Silêncio. VIDIGAL Empulhação. Empulhação. PRESID. Silêncio. VIDIGAL Perdão. Não sei mais o que digo... PRESID. É a terceira vez que peço silêncio. (VIDIGAL SE CALA) Pela previsão do relatório do
senhor Link nós só podemos conseguir 90.000 barris diários. O país precisa de
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270.000. Temos, portanto um déficit de 110.000 barris. Este déficit não pode ser coberto com o nosso petróleo. Não o temos.
LINCOLN A Esso está disposta a fornecer a quantidade que falta, Excelência. PRESID. É uma confortável notícia, Excelência. LINCOLN Sabemos que nossos depósitos poderão ser confiscados de uma hora para outra. Mas
confiamos no Brasil. Confiamos nos seus líderes. PRESID. Agradecemos. LINCOLN Só queremos uma garantia, Excelência. Um contrato no mínimo de cinco anos.
Precisamos de prazos longos para nossas operações. Cinco anos é o mínimo que precisamos.
VIDIGAL Cinco anos? Cinco anos? Mas é uma loucura! Para comprar esse petróleo da Esso durante cinco anos, não poderemos mais tirar uma gota do nosso petróleo. Não poderemos furar mais um poço sequer. Vamos ficar parados no que já produzimos. Loucura! Loucura!
PRESID. Vossa Excelência parece que ainda não entendeu. Não há mais petróleo no Brasil. Temos que parar as explorações.
VIDIGAL Se não houver mais explorações de petróleo, minha fábrica vai parar. A Petrobrás não vai comprar mais nada de ninguém. Muitas fábricas vão parar. Entenda. Estamos narrando o Brasil.
PRESID. Não há mais petróleo em nossa terra. VIDIGAL Será a falência, o desemprego. E estaremos nas mãos da Esso. Durante cinco anos,
para qualquer máquina andar neste país, precisaremos da Esso. Teremos de andar com as pernas deles. Para onde? Para onde eles quiserem. Para suas guerras alucinadas, para...
LINCOLN Protesto. Protesto com veemência. VIDIGAL Não assino esse contrato, Dionísio. Fora com essa gente de nossa terra! Fora com os
Prudente, os Walter Link... PRUDENTE Subversão. Subversão da ordem! LINCOLN Protesto. Em nome do senhor Walter Link e em meu nome pessoal. VIDIGAL Vamos lutar, Dionísio. Vamos lutar! (SILÊNCIO PROFUNDO) Não assine esse
contrato. Fora com o acordo Esso-Brasil. Eu farei dumping. Fecharei as portas de todas as fábricas. Não haverá o que comer. Sou diretor da Federação das Indústrias. Eu paro toda essa merda!
LINCOLN Para a fábrica de quem senhor Vidigal? Do industrial Miranda e Silva? Nos deve dezoito milhões. A do industrial Pacheco Marques? Nos deve dez milhões e quatrocentos e vinte e sete mil. A do industrial Gonzaga Ferreira? deve cinco milhões...
VIDIGAL É a minha falência... Tenho que despedir operários... A quem apelar? Ao povo? Mas tenho que despedir o povo. Vendidos. Vocês terminarão mais cedo ou mais tarde. Ninguém compra povos. Ninguém. Vendidos... (AO PRESIDENTE) Dionísio. Dionísio, meu irmão. É a falência. Dionísio. Dionísio. (BERRA) Dionísio. (SAINDO E BERRANDO) Dionísio. Dionísio. (O PRESIDENTE ESTÁ DE CABEÇA BAIXA)
PRUDENTE (TINHA O CONTRATO NA MÃO) Quer assinar aqui, Excelência? (PAUSA) (O PRESIDENTE LEVANTA A CABEÇA)
PRESID. Eu gostaria talvez de refletir mais um pouco. (PAUSA LONGA) Não. Para que refletir? Está tudo claro, não e? (ASSINA. OS HOMENS CUMPRIMENTAM-SE. EMOCIONADOS SAEM O PRESIDEMTE LENTAMENTE SE AJOELHA. APAGA A LUZ. DESCE A TELA)
SLIDES DE 96 A 101. ENTRA O JORNALEIRO. O PRESIDENTE NÃO CHEGOU A SAIR DE CENA
JORNALEIRO Olha o Globo. O Globo: “Não há petróleo no Brasil”. Olha o Semanário. O Semanário. “Há petróleo no Brasil”. Olha o Correio da Manhã. O Correio. “Petróleo há. Mas não é comerciável.” (ENTRA UM OPERÁRIO. OPERÁRIO C E MULHER. MULHER CHORA NO OMBRO DO OPERÁRIO C. OPERÁRIO C. COMPRA UM JORNAL) É dez mil réis agora. (OPERÁRIO PÕE A MÃO NO BOLSO. NÃO TEM DINHEIRO)
MULHER Ele foi despedido, moço. Lá da Fundição Vidigal... JORNALEI. Eu sei. Mas agora é dez mil réis... MULHER Ele foi desmedido. Eu quero procurar emprego... JORNALEI. Eu sei. Mas agora é dez mil réis... OPERÁ.C Você não vai trabalhar fora, não.. Não aguenta. Já lava roupa, cuida da criança. Essa
asma...
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MULHER Vou trabalhar fora, sim... OPERÁ. C A gente vai ter que arcar com o barraco... MULHER Não fala. Não fala... OPERÁ. C Se o filho ainda fosse vivo... (SAEM) (PASSAM OPERÁRIOS) VOZES O Sindicato ajuda a gente. Sindicato não tem dinheiro! Não posso ficar na rua,
companheiro. Minha mulher tem que fazer radiografia... É melhor quando a gente é solteiro... Vai dormir na Praça da República... (SAINHO) É melhor ser solteiro...
JORNAL. (CANTA) Desemprego. Desemprego. O Brasil está doente.
Quem é o culpado? Culpado é o homem que quer trabalhar. Culpado é o homem que é viciado em comida. Ninguém é culpado, pois se não há trabalho, Deve ser porque tudo corre muito bem. Pois no Brasil não se conhece ninguém, Ninguém que seja a favor do desemprego. (SAI DE CENA. APAGA A LUZ. BAIXA A TELA. VOLTAM OS SLIDES 96 A 101)
SLIDE 96 A 101 ABRE A LUZ. REUNIÃO NA BASE DO PARTIDO NA VIDIGAL. COMP. l DISTRIBUE UM BOLETIM ENTRE ELES. TEM MAIS DOIS PACOTES COM ELE. COMP. 1 Greve. Vamos à greve. COMP. 2 Greve. Temos que defender os quarenta operários que foram despedidos. DIÓGENES Greve para defender operário que e contra nós? Greve para reforçar esse Sindicato
vendido e o Claudionor vendido? Deixa ir para a rua. Precisa aprender. Precisa aprender.
ESPÁRTACO Operário só aprende alguma porra se agir politicamente, companheiro. Não adianta miséria aumentar, perder filho e o diabo se ele não age politicamente.
DIÓGENES Sou contra. Sou contra. (FICA REPETINDO ISSO ENCIMA DA FALA DE ESPÁRTACO)
ESPÁRTACO Precisa mostrar para a massa que os operários foram despedidos porque a Petrobrás está sendo sabotada. Mostrar que o Vidigal prefere abrir a perna para os americanos que ficar com trabalhador. (A DIÓGENES) Por favor, companheiro...
DIÓGENES (PEGANDO O PAPEL) Sou contra. Sou contra. Isso é baboseira. Sou contra. Sou contra essa nova linha do Partido. Eu lutei toda a minha vida e agora o Partido vem me dizer que patrão e operário são aliados? Então sou um merda. Pensei que havia luta de classe.
ESPÁRTACO Nós vamos fazer uma greve. Isso é luta de classe, ou não? Mas não pode esquecer que tem um inimigo principal que está apodrecendo o Brasil inteiro. Precisa é tirar o americano daqui. Se burguês quer tirar americano também, pode vir. Eu aceito tudo para mudar essa vida, companheiro. Tudo. O que eu quero é um Brasil novo. Já. Amanhã.
DIÓGENES Partido de menina agora. Partido de enfermeirinha. Vão ajudar quem mata a gente, quem comeu minha vida, quem me deixou velho mais cedo, quem me tirou mulher e filho pequeno, quem me meteu num barraco no meio de porco. Não quero assim. Tenho vinte anos de Partido! Tem que me respeitar. Não vai ter revolução assim. Chega de reunião. Chega de reunião.
ESPÁRTACO Quem põe a gente na merda é todo mundo. Até você, até eu que não entendo as coisas direito. Tem é que descobrir o mais filho da puta e acabar com ele. Acabar primeiro com ele...
DIÓGENES Chega de reunião. Acabou a reunião. ESPÁRTACO Que acabou a reunião é esse? Que acabou a reunião é esse? DIÓGENES Sou o secretário da base. Tenho vinte anos de Partido. Não admito. ESPÁRTACO Chega de não admito. Chega de falar sozinho. Aqui não tem mais não admito. Mão tem
mais. DIÓGENES Tenho vinte anos de partido. ESPÁRTACO Essa base tem quatro comunistas há três anos. Não aumenta. Chega. Chega. DIÓGENES Tenho vinte anos de partido. ESPÁRTACO Vamos votar. COMP. 1 Greve.
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COMP. 2 É greve. DIÓGENES Eu saio desse Partido. Eu saio desse Partido. (QUER PEGAR OS FOLHETOS) Me dá
isso. (LEVANTA E VAI SAINDO. NÃO PEGOU OS FOLHETOS) Tenho vinte anos de luta. De borracha... Eu saio desse Partido. Eu saio...
ESPÁRTACO (DE PÉ NA CADEIRA. OS OPERÁRIOS VÃO CHEGADO; MULHERES COM CRIANÇAS. OS COMPANHEIROS DISTRIBUEM OS FOLHETOS) É porque a Petrobrás está sendo sabotada. Por causa de um acordo com a Esso que fizeram. Precisamos ir à greve, companheiros. Parar essa fábrica (APONTA) e todas as outras. (TIAGO ENTRA EM CENA)
MULHER Fazer greve agora, companheiro? Quarenta já vão embora. Vai acabar todo o mundo na rua.
ESPÁRTACO Vai acabar todo o mundo na rua se a gente não reage, companheira. OPERÁ. A Eles despedem a gente e arranjam outros vagabundos para trabalhar. ESPÁRTACO Se a gente não reagir não vai mais ter trabalho. Nem para nós, nem para vagabundo
nem para ninguém. OPERÁ. B Greve é coisa de comunista. VOZES Coisa de comunista. Coisa de comunista. Coisa de comunista. TIAGO (SOBE MO CADEIRÃO) Que é que tem que é coisa de comunista? Eles querem que a
gente viva melhor. A diferença é que eles dizem que precisa brigar. OPERÁ. A Coisa de comunismo, Claudionor tem razão. Não deve se meter... TIAGO Claudionor esqueceu uma coisa, companheiro. Até hoje nós não fizemos greve,
fizemos? E a miséria não aumentou? Quem tem mais de cinquenta mil réis no bolso? Cada dia como menos e o mundo foge mais de mim, cada vez fico mais no canto...
OPERÁ. A Tiago virou comunista. Tiago virou comunista. TIAGO Não, companheiro. Eu descobri meu Deus. Meu Deus diz que obrigação do homem
não é sofrer, é fazer vida sem sofrimento. Eu descobri que nossa vida, do jeito que vai, já está escrita. Minha vida já está escrita e eu não me mexo? Não. Deus não aceita isso. Céu não é lá em cima, não. É aqui. Dentro da gente! Deus diz que não pode deixar quarenta companheiros no infortúnio. Se o único jeito é greve, é greve companheiro. É greve! É greve, companheiro! É greve, companheiro!
OPERÁ. C É greve, companheiro. É greve, companheiro. CORO É greve, companheiro. É greve, companheiro.
É greve, companheiro. É greve, companheiro. Queremos vida por inteiro. Queremos Brasil brasileiro.
É greve, companheiro. (ESPÁRTACO E TIAGO SE ABRAÇAM) COMP. 1 (DISTRIBUINDO OS BHLETINS) Precisa falar com os outros. Precisa parar tudo.
Precisa ir para todas as portas da fábrica... (OS OPERÁRIOS SAEM CANTANDO. FICAM O OPERÁRIO C E O A, DIÓGENES ENTRA MO MEIO DELES. DIÓGENES AVANÇA. ESTÁ CEGO. CAMBALEANTE)
ESPÁRTACO (CORRE ATÉ DIÓGENES) Aonde vai, companheiro? DIÓGENES Vou entrar na fábrica. Por quê? ESPÁRTACO O que é? DIÓGENES Vou entrar na fábrica. Vou entrar nessa merda que hoje e dia de trabalho! OPERÁ. A Estou com Diógenes. Também vou trabalhar. ESPÁRTACO Vão trabalhar coisa nenhuma. DIÓGENES Não faço greve de perfume, menininho. Não sou de seu Partido de fresco. ESPÁRTACO (CORTA DIÓGENES QUE AVANÇOU) Nós vamos fazer greve, companheiro. TIAGO Que é isso, Diógenes? DIÓGENES Quem é que vai me segurar? OPERÁ. A É Quem é que vai me segurar? ESPÁRTACO Ora. Eu, porra. Seguro tudo, esta bem? Seguro qualquer porra, Porra. Você está
expulso do Partido, Diógenes. Sai daí. Sai daí, menino. (AVANÇA.ESPÁRTACO SEGURA APITO DE POLÍCIA)
OPERÁ. C Não faz assim. A gente é operário. Pelo amor de Deus. Eu vou ser despedido. Tem que me ajudar. Eu e os quarenta. Minha mulher tem asma... (ENTRAM DOIS POLICIAS. UM SEGURA ESPÁRTACO. OUTRO PEGA TIAGO)
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POL.l Greve, não é, comunista? Não deixando os outros trabalhar? Greve, não é? Não ouviu o discurso do Presidente? (DÁ UM SOCO EM ESPÁRTACO) Não pode fazer baderna...
OPERÁ. C Estão prendendo Espártaco. Estão prendendo Tiago. Tenho medo de ajudar. ESPÁRTACO Diógenes, filho da puta! (LEVAM O CORO NO FUNDO. NÃO SAIU NUNCA. O
OPERÁRIO COSPE NOS PÉS DE DIÓGENES) OPERÁ. C Prenderam Espártaco e Tiago. (SAI) OPERÁ. A Bem feito. E quero trabalhar. Sou livre, não sou? Então! DIÓGENES Espártaco. Espártaco. Espártaco. A TELA DESCE O CORO CONTINUA NO FUNDO. BAIXO. SLIDE 102 a 105 A SIRENE DE POLÍCIA SE OUVE ENCIMA DISSO. SOBE A TELA. ACENDE A LUZ.
ESPÁRTACO E OS DOIS POLICIAIS. UMA BARRICA PRETA. CHEIA DE ÁGUA. OS DOIS TIRAS AFUNDAM A CABEÇA DE ESPÁRTACO DE IDA E VOLTA NA ÁGUA.
POL. l Fala, cachorro. Fala. POL. 2 Quem que está na cabeça da greve? Fala. Desembucha. ESPÁRTACO Juro que... (AFUNDA), (AFUNDA) Para com isso... (AFUNDA). Minha mãe...
(AFUNDA) Por favor... Moço... (AFUNDA) Moço... (AFUNDA) POL. l Ele quer que pare. POL. 2 Então para. Então para. Coitado! Vai ver o menino está se sentindo mal. O menino é
tão bonzinho. Ele cumpre as ordens e as leis. Aposto que não faz greve não é? Aposto que e contra o comunismo? Aposto que quer ver todo mundo livre nesta terra. Não é? Não é, meu cachorro? (AFUNDA) Não é meu cachorro? (AFUNDA) Não é, meu cachorro?
ESPÁRTACO Não aguen... (AFUNDA) Para com... (AFUNDA) Não aguen... (AFUNDA) Não sei de nada...
POL. l Quem é que está fazendo greve na fábrica Vidigal? POL. 2 Quem é que está arrumando greve na Lopes Coelho? POL. 1 Quem é que esta fazendo greve na Gonzaga e Cia? POL. 2 Fala. ESPÁRTACO Não sei de nada... Juro. Nem sei onde é a fábrica Lopes Coelho... (OS POLICIAIS O
TRAZEM DE VOLTA) Não. Na água, não. Pelo amor de Deus. Na água, não! Na água, não! (AFUNDA) (COMEÇA A ENGULIR MAIS ÁGUA) Eu não faço mais, juro... (AFUNDA) Me dá uma chance... (AFUNDA) Vou morrer, (AFUNDA) Vou morrer...
POL. 2 (AFUNDANDO ESPÁRTACO DESMAIADO) Tu és cachorro, menino. Tá é cachorro, menino. (RAIVA. QUASE CHORA) Te faço falar, menino. Pela minha mãe que está no céu. Vai acabar comunista nessa terra, meu filho. Aqui vai ter liberdade sempre, entendeu? Sempre! (PARA CANSADO. PUXA ESPÁRTACO PELO CHÃO! POLÍCIA 3 APARECE TRAZENDO TIAGO) TIAGO Espártaco! Espártaco! O que fizeram com ele? O que vocês fizeram com ele? O que é que vocês fizeram?
POL. 5 Calma, meu filho. Calma. Que é isso? É só uma conversa que a gente vai ter... TIAGO Operário quer viver de jeito decente... POL. 3 Ah! Sei. É coisa justa. Mas você não queria deixar um operário trabalhar. Isso é coisa
justa? TIAGO Ele ia furar uma greve. POL. 3 E não pode furar greve, meu filho? TIAGO Não pode. Não pode furar greve. POL. 3 Você sabe quanto uma greve dá de prejuízo para o Brasil? TIAGO Não sei para mim não dá prejuízo. POL. 3 Quer dizer que o Brasil não importa? TIAGO O Brasil se importa comigo? POL. 3 Acho que sim, meu filho. Brasil constrói estrada, arranja comida para a gente. Brasil é
muito importante! Sabe, comunista? Brasil é muito importante! Não é? Não é, comunista? Não é comunista? (AFUNDA)
TIAGO Que é isso? (AFUNDA) Isso é contra a lei. (AFUNDA) para com isso (AFUNDA) Vou reclamar isso... (AFUNDA) POL. 1 Para. Para César. Para. (PUCHA TIAGO PARA ELE) Não se faz assim, César. O rapaz é menino decente. Não é assassino, não é ladrão. Vem cá, meu filho. Seu amigo já deu o serviço todo. Já deu o nome de todo o mundo que anda fazendo desordem. Falta o nome da turma da fábrica Lopes. Quem são?
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TIAGO Espártaco falou? POL. 1 É bom menino. TIAGO É mentira. POL.1 Eu ia mentir para você? TIAGO É mentira. POL. 1 Fala comigo. Não deixo fazerem malvadeza com você... TIAGO Espártaco não falou nada. ESPÁRTACO FORA DE CENA. GRITA) Não. Para. Para. Pelo amor de Deus. TIAGO Espártaco. Espártaco. Falou nada. Espártaco é homem, moço. Espártaco é feito de
classe operária, moço. É feito de sofrimento. Espártaco! Estou contigo, Espártaco! (OS POLICIAIS PEGAM TIAGO)
POL. 1 Fala, puto. POL. 3 Fala, cachorro. Vou te arrancar os olhos, menino. Fala, senão tu fica velho aqui dentro. TIAGO Estou contigo, Espártaco. Estou contigo, Espártaco! (AFUNDAM TIAGO COM FÚRIA)
Estou contigo, Espár... (AFUNDA) Não acredita neles... (AFUNDA) Eles não podem nada... (AFUNDA) É greve, companheiro... (COMEÇA A CANTAR E AFUNDAR) (A LUZ VAI DIMINUINDO. O POLÍCIA 2 APARECE NA FRENTE DO PALCO. CLAUDIONOR E MAIS OPERÁRIOS EM COMISSÃO. APARECE NA FRENTE DELE) (A LUZ VAI DIMINUINDO)
POL. 2 Espártaco Santos e Tiago da Rosa. Não. Não está aqui não companheiros. Não sei onde estão! Vai ver nem foram presos... Vai ver andam na farra por aí e vocês preocupados... Isso é farra. Farra. (A LUZ DIMINUE DE TODO. ESCURO) (O CORO CANTA NO ESCURO EM AUMENTO) (É GREVE, COMPANHEIRO...) (DESCEM A TELA)
SLIDE 106 ACENDE A LUZ. TRÊS CAPITALISTAS E MAIS VIDIGAL EM REUNIÃO COM O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, BÊBADO. QUEM SE DIRIGE AOS CAPITALISTAS É PRUDEMTE. O PRESIDENTE TEM A CABEÇA AFUNDADA NUMA DAS MESAS LATERAIS DA CENA. CAP. 1 Absurdo. Absurdo. CAP. 2 É o caos. CAP. 3 Este governo perde toda a autoridade! CAP. 1 País à matroca! CAP. 2 Navio sem rumo. Navio fantasma. VIDIGAL Não podemos aceitar as decisões da Justiça de Trabalho. Ela dá ganho de causa aos
operários. Temos que readmitir os operários que foram despedidos. Como? Estamos à porta da falência. Como receber os operários de volta? Como? (PALMAS)
PRUDENTE Senhores. Senhores. VIDIGAL Não é possível que seja a indústria brasileira quem pague o desatino do governo! Para
readmitir os operários, nossas fábricas precisam ter para quem vender, o governo fez um acordo com a Esso. A Petrobrás foi paralisada. Não pode nos comprar nada! Não podemos receber os operários devolta. Não há para quem vender! (PALMAS)
PRUDENTE Por favor, Senhores. Um pouco de sobriedade. A situação é grave. VIDIGAL Abaixo o acordo Esso-Brasil (PALMAS) PRUDENTE Por favor. Senhor Vidigal. Estamos diante de uma situação de fato: não há petróleo no
Brasil. Havia rios de petróleo só nas nossas cabeças. Voltemos à realidade: não há petróleo em nossa terra. O acordo Esso-Brasil é inevitável. VIDIGAL Empulhação.
CAP. 1 Derrotismo. CAP. 2 Estamos à beira da falência. CAP. 3 Greve e greves e greves... PRUDENTE Quando os senhores se acalmarem, o governo exporá seus pontos de vista.
(SILÊNCIO) Viemos aqui reconhecer um erro: o governo sabia das repercussões que teria o acordo Esso-Brasil. Sabia que haveria desemprego. Não prevíamos a reação popular. Foi nosso erro. As greves estalaram com força imprevista. Lá estão os comunistas, senhores. É preciso pensar que antes de tudo estamos diante do fantasma do comunismo!
VOZES Diante da fome. Desemprego. Miséria! O único responsável é o governo! PRUDENTE O único responsável é a vida. O governo não pode ser culpado por não haver petróleo
no Brasil. Tentaremos reprimir as greves. Mas elas ganharam as ruas. Não podemos mais continuar com as regressões. Fomos obrigados a fazer com que a Justiça do
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Trabalho desse ganho de causa aos operários. O movimento operário com isso vai se dividir. Uma boa parte dos operários pode voltar ao trabalho. Isso os dividirá. Fomos obrigados a lançar mão desse re-curso, senhores. Em nome de nossa paz.
VOZES Não posso receber operários de volta. Não tenho para quem vender. Falência. Será a falência!
VIDIGAL Absurdo. O governo passa uma semana dando borrachadas nos operários e agora lhes dá ganho de causa? VOZES Não aceitamos. Não aceitamos a decisão.
PRUDENTE Silêncio. Silêncio. Sou obrigado a usar energia. Esta reunião foi convocada porque temos propostas a apresentar. Até agora não pudemos falar. Sua Excelência, o presidente da República, vai apresentar as propostas que solucionarão os impasses. (SILÊNCIO. DIONÍSIO SE LEVANTA. ESTÁ RÊBADO)
DIONÍSIO Vocês gritam. Gritam e gritam e daí? O Brasil é esta merda. Não admito o Brasil assim, entendem? Sou o presidente. Sou o Brasil.
PRUDENTE Excelência... DIONÍSIO Silêncio. É você, Vidigal. É você quem faz tudo isso. Querem se libertar dos
americanos, não é? Mas nós somos americanos. É impossível ser brasileiro, entenderam? Brasileiro é um homem sujo...
PRUDENTE Excelência... DIONÍSIO Sei. Sei. As propostas... Eles não querem a verdade. Querem propostas. Nós
propomos que... Nós propomos que... (VOLTA PARA O SEU LUGAR. SENTA-SE OLHA FIXO PARA ELES DOIS) (CANTA BAIXO) God save América... (RESMUNGA)
PRUDENTE (DEPOIS DE PROLONGADO SILÊNCIO) Sua Excelência está fatigado. Peço que entendam. (SILÊNCIO) Firmas brasileiras vão se associar a empresas estrangeiras para explorar petróleo boliviano. Estas firmas comprarão a produção de Vossas Excelências. As fábricas não pararão. Oferecemos empréstimos. Bons empréstimos. Houve cortes... na verba da Saúde... Bons empréstimos...
VIDIGAL Não posso aceitar. Não posso aceitar. Não posso aceitar. É a morte da Petrobrás. Definitiva. Estas companhias vão comprar nossa produção, muito bem. Mas são elas que vão nos vender petróleo, não é? Não é a Esso? Não é a Esso? Vão nos vender petróleo a preço de ouro. E cada vez mais caro. Cada vez mais caro. Teremos que parar da mesma maneira. Não sobrará dinheiro nem para comida. (PALMAS)
PRUDENTE Ou isso ou a falência, senhores. Previno que as Forças Armadas estão de acordo conosco! Ou isso ou a falência (SILÊNCIO)
PRESID. God save América... CAP. 1 (PRUDENTE DÁ CONTRATOS) Não há outro remédio. CAP. 2 Pelo menos teremos paz. CAP. 3 O Brasil precisa de paz. (COMEÇAM A ASSINAR OS CONTRATOS) VIDIGAL Não assinem! É a nossa morte. A Petrobrás não vai tirar mais una gota de petróleo!
Tudo ficará insuportavelmente caro. Teremos que vender nossas estradas, nossas fábricas... Não assinem isso. Não podemos mais voltar atrás no tempo. Só se assassinarmos nosso povo. E nosso atestado de óbito. Não assinem...
CAP. 1 As Forças Armadas concordam, senhor Vidigal. CAP. 2 A falência, senhor Vidigal. CAP. 3 Lembre-se de sua família. Seus netos. O senhor tem netos? PRESID. (CANTANDO E RESMUNGANDO DURANTE A FALA DE VIDIGAL) God save
América... APAGA A LUZ VOZES (NO ESCURO) Vitória. Ganhamos na justiça. Vamos voltar ao trabalho. Ninguém será
punido. Vitória. Vitória. Viva Claudionor. Viva a classe operária! ACENDE A LUZ. UM GRUPO DE OPERÁRIOS CARREGA CLAUDIONOR EM TRIUNFO. OP. l Vitória. Vitória. Vamos voltar ao trabalho. OP. 2 Viva a classe operária! OP. 3 Viva o Sindicato dos Metalúrgicos! MULHER 1 Já estava com medo. Não havia mais feijão em casa. MULHER 2 Eu também. Ontem não jantei. Hoje não almocei. MULHER 3 Vai melhorar agora. Agora a gente ganhou. VOZES Claudionor! Claudionor! Claudionor! (CLAUDIONOR É DEIXADO EM CIMA DO
CADEIRÃO)
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CLAUD. Companheiros. Vencemos. Os companheiros sabem que sou contra greves. Sabem da minha posição. Mas esta foi uma greve justa. Patrão de vez em quando esquece da gente! Foi isso que descobri. A gente precisa falar então! Sem fazer baderna. Mas precisa falar, sim. E estamos aí com uma vitória, companheiros. Deus abençoe a classe operária. Deus abençoe o Brasil... Podem voltar ao trabalho... (ENTRAM DIÓGENES E O OPERÁRIO C. O VELHINHO. DIÓGENES ESTÁ ABATIDO. CAMINHA FIRME PORÉM)
VOZES (VAIAS EM CIMA DELES) Fura greve. Diógenes fura greve... nem devia mais passar na frente da fábrica. Sai. Sai. (DIÓGENES SUIU NO CADEIRÃO)
DIÓGENES (FALA. AS VAIAS CONTINUAM) Companheiros. Bonita vaia companheiros. Assim é que é! Não pode perdoar. Fiquei velho em dois dias companheiros. Minha cabeça ardendo. Acho que errei em tudo na minha vida. Errei tudo. Terminei provocador até queria fazer tanta coisa boa. Acho que tive muita raiva do mundo demais para querer mudar ele! Vai ver queria distância. Errei tudo. Me ouçam agora, companheiros. Me ouçam. É coisa importante... Não pode voltar para o trabalho, companheiros. É manobra de patrão. É manobra de americano para dividir a gente. Tem muito operário na rua ainda. Tem muita fabriqueta fechando. Essa fábrica trabalhava para a Petrobrás. Agora vai trabalhar para a Esso? A Esso gasta dinheiro em bomba. A Petrobrás, não. Gasta em coisa para a gente viver. É greve política, companheiro. Não pode deixar vitória na metade... Me ouçam... (O VELHINHO SOBE NO CADEIRÃO)
OP. C Companheiros... Ouçam o Diógenes. Ele tem razão, Claudionor. Ouça isso. (AS VAIAS DIMINUEM. DIÓGENES BATIDO) Companheiros. A gente viveu essa semana bonita, como? Foi com o dinheiro que o Sindicato dos Trabalhadores em Estanho na Bolívia mandou para nós. Não foi. Agora a gente vai trabalhar para a companhia que vai tirar petróleo da Bolívia? Vamos cuspir nos nossos companheiros? Vamos enterrar os bolivianos naquelas minas? (ALGUMAS PALMAS)
CLAUD. Não. Companheiros. Nós já conseguimos vitória. O resto é agitação. OP. C Fala, Diógenes. Não sei falar. Fala. Vamos voltar para o trabalho com Espártaco e
Tiago na cadeia? A gente não tem vergonha na cara? VOZES (PALMAS. DIVISÃO) Vamos trabalhar! Não. Santinho tem muito de razão. Vamos
deixar vitória na metade!? Diógenes tem razão, gente! Diógenes é fura greve. Quer desordem! (A DISCUSSÃO AUMENTA. ENTRA VIDIGAL. PARA DE LONGE. O POVO O VÊ. VAIA. VAIA FIRME) (VIDIGAL ESPERA) (A VAIA PARA QUANDO CLAUDIONOR LEVANTA O BRAÇO)
VIDIGAL Estão retalhando o povo nos gabinetes, minha gente. Retalhando. Precisa vocês agora. O povo brasileiro. Minha fábrica vai ficar fechada. Podem fazer o que quiser esses reis! Podem cortar empréstimo, cortar energia elétrica. Podem fazer. Fica fechada. Até acabar com esse acordo Brasil-Esso. Até esse Walter Link ir embora. Até se poder viver nessa terra. Estou com vocês. Estou com vocês. (PAUSA LONGA. SAI PARA DENTRO DA FÁBRICA)
VOZES (DEPOIS DE SILÊNCIO) (AO LONGE COMEÇAM A SE OUVIR SIRENE DE POLÍCIA) Diógenes tem muito de razão. Não pode trabalhar para a Esso. Muita gente na rua. Miséria vai aumentar...
OP. C É greve, companheiro. É greve, companheiro. VOZES (A MINORIA) Vamos trabalhar. CORO A MAIORIA) Queremos Brasil brasileiro. É greve companheiro. VOZES Greve, companheiro. Vamos trabalhar. Desordem não pode. (A SIRENE AUMENTOU.
TIROS SE OUVEM. EMTRA O COMP. 1) COMP. l É a polícia. Prendaram Lúcio da Baiana no barraco dele. Vem com tiro. Tudo armado. Que é proibido fazer greve política... Não pode fazer ajuntamento... Vem com tiro... (OS TIROS SE APROXIMAM)
VOZES Meu Deus do céu. Socorro! Vamos enfrentar. Não foge para a fábrica. Para casa. VOZES (NO FILTRO) Vamos cachorrada. Não pode fazer greve política. Trabalhar. Trabalhar.
Comunista. Comunista. (A MASSA CORRE. TODA ELA SE ENCOSTA NUM CANTO. UNS SE PROTEGEM NOS OUTROS. CLAUDIONOR COM ELA. DIÓGENES EM CIMA DO CADEIRÃO)
CLAUD. Eles não podem fazer nada. Nós temos o direito de discutir... DIÓGENES (COMEÇA A CANTAR) (OS TIROS AUMENTAM) (AS VOZES NO FILTRO TAMBÉM)
(COMO SE UM ALTO FALANTE SE APROXIMASSE) Levanta Brasil,
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Levanta Brasil, Nunca mais servil. O dono desta terra é o povo Vamos começar um Brasil de novo (FALA) Vamos gente. Força. Eles tem medo. Força. Eles não podem matar um novo...
DIÓGENES VOLTA A CANTAR. OP. C (OS TIROS AUMENTAM) Vamos, companheiros. (CANTA) Vamos. MULHER Vamos gente. É pela nossa vida... (VEM CHEGANDO E CANTANDO JUNTO COM
DIÓGENES) DIÓGENES Levanta Brasil.
Levanta Brasil. Nunca mais a boca calada. Nunca mais vida emprestada. Queremos vida na nossa mão, Vamos fazer um Brasil irmão. (TODOS CANTAM AGORA. ÉPICOS) Levanta Brasil
O acordo Esso-Brasil continua, Walter Link foi embora e deixou outros Walter Link. Eles são poucos. Nós somos a humanidade! É ela chegará, camarada. Com ou sem tiros. O homem chegará, carregando um outro nos braços, trazendo a verdade consigo, com a vida nas mãos como tochas a queimar as distâncias que nos separam. E finalmente seremos um só, porque seremos todos. E todos existirão. E o homem que esmaga, existirá. O homem será Deus, do seu verdadeiro tamanho, com a cabeça nos céus com os séculos nos olhos. E os Deuses estarão nas ruas!
CORO Levanta Brasil (COMEÇOU A CANTAR COM A BOCA FECHADA NO MEIO DO DISCURSO)
Levanta Brasil ESPÁRTACO Adeus, camarada. Adeus, comunista Diógenes. Não é mais hora de fraternidade.
(TODOS SE DÃO OS BRAÇOS ESPÁRTACO FICA COM DIÓGENES) Levanta Brasil, levanta Brasil
Lá na frente está a humanidade. CORO (AVANÇANDO PARA O PÚBLICO. ESPÁRTACO E O COVEIRO FICAM) Trazendo um
novo mundo nos braços. Revolta pelo primeiro amanhã. Revolta pelo eterno amanhã. Levanta Brasil. Levanta Brasil. Lá na frente esta a humanidade!
Fevereiro de 1962.