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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO EFEITOS PATÊMICOS EM TÍTULOS DE NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE OS JORNAIS O GLOBO E MEIA HORA Josiane Murillo Monteiro Rio de Janeiro Fevereiro de 2019

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO · A Jair Alves Murillo, meu pai e amigo, dedico esta Dissertação. 7 RESUMO ... En cuanto a la metodología, se trata de un análisis cualitativo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

EFEITOS PATÊMICOS EM TÍTULOS DE NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS: UM ESTUDO

COMPARATIVO ENTRE OS JORNAIS O GLOBO E MEIA HORA

Josiane Murillo Monteiro

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2019

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EFEITOS PATÊMICOS EM TÍTULOS DE NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS: UM ESTUDO

COMPARATIVO ENTRE OS JORNAIS O GLOBO E MEIA HORA

Josiane Murillo Monteiro

Dissertação de Mestrado apresentada

ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como

quesito para a obtenção do título de

Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Orientadora: Profa. Dra. Lúcia Helena

Martins Gouvêa

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2019

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Agradecimentos

A Deus, pois sem Ele eu não teria chegado até aqui. Tudo o que sou, tudo o

que tenho vem dEle. A Deus, toda honra, glória, poder e a minha eterna

gratidão.

Aos meus amados pais, pela força, pelas orações, pelos incentivos. À minha

mãe, pela sua parceria, pela sua dedicação, pelo seu cuidado, pelo seu amor e

pelas suas orações. Ao meu pai, in memorian, meu amigo e maior incentivador,

pelas horas as quais passou de joelhos intercedendo a Deus por mim. Amor

eterno...

Ao meu esposo e filho, pelo apoio, pela compreensão, pelo amor e carinho

nesta difícil jornada. Amo vocês!

À minha querida orientadora, Lúcia Helena, por ter me orientado com

excelência, por ter acreditado em mim, pelo discernimento em combinar

docilidade, humanidade e seriedade nas orientações que dela recebi.

Às professoras Regina Gomes e Violeta Rodrigues, que compuseram à banca

de arguição do meu Projeto de Pesquisa.

Obrigada, obrigada a todos!

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A Jair Alves Murillo, meu pai e

amigo, dedico esta Dissertação.

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RESUMO

EFEITOS PATÊMICOS EM TÍTULOS DE NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS: UM ESTUDO

COMPARATIVO ENTRE OS JORNAIS O GLOBO E MEIA HORA

Josiane Murillo Monteiro

Orientadora: Profa. Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de

Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

A proposta deste trabalho é estudar a subjetividade em títulos de notícias

jornalísticas sob o ponto de vista argumentativo e persuasivo. Tomando como

base as propostas da Teoria Semiolinguística do Discurso, de Patrick

Charaudeau, e o conceito de pathos proposto por Aristóteles, serão analisadas

as estratégias linguístico-discursivas utilizadas pelos jornais O Globo e Meia

Hora para buscar a adesão do público-leitor. Para Charaudeau e Maingueneau

(2014), a noção de pathos é utilizada para assinalar as discursivizações que

funcionam sobre efeitos emocionais com fins estratégicos. Charaudeau se

utiliza do termo efeitos patêmicos para descrever o agir do locutor sobre o

componente emocional do interlocutor. Sendo assim, o orador se utiliza de

estratégias discursivas que tendem a tocar a emoção e os sentimentos dos

ouvintes com a finalidade de persuadi-los. Além da Teoria Semiolinguística do

Discurso também serão consideradas algumas abordagens de Christian

Plantin, Ingedore Koch, Antônio Soares de Abreu e da pesquisa pós-doutoral

da Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa. Quanto à metodologia,

trata-se de uma análise qualitativa e quantitativa, na medida em que há a

identificação e a produtividade das estratégias utilizadas pelos jornais.

Palavras-chave: Semiolinguística; efeitos patêmicos; estratégias linguístico-

discursivas; persuasão; discurso midiático.

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RESUMEN

EFECTOS PATÉMICOS EN TÍTULOS DE NOTICIAS PERIODÍSTICAS: UN ESTUDIO COMPARATIVO ENTRE LOS PERIÓDICOS EL GLOBO Y MEDIA HORA

Josiane Murillo Monteiro

Orientadora: Profa. Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de

Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

La propuesta de este trabajo es estudiar la subjetividad en títulos de noticias

periodísticas desde el punto de vista argumentativo y persuasivo. Con base en

las propuestas de la Teoría Semiolinguística del Discurso, de Patrick

Charaudeau, y el concepto de pathos propuesto por Aristóteles, se analizarán

las estrategias lingüístico-discursivas utilizadas por los periódicos O Globo y

Media Hora para buscar la adhesión del público-lector. Para Charaudeau y

Maingueneau (2014), la noción de pathos es utilizada para señalar las

discursivizaciones que funcionan sobre efectos emocionales con fines

estratégicos. Charaudeau se utiliza del término efectos patémicos para

describir el actuar del locutor sobre el componente emocional del interlocutor.

Siendo así, el orador se utiliza de estrategias discursivas que tienden a tocar la

emoción y los sentimientos de los oyentes con la finalidad de persuadirlos.

Además de la Teoría Semiolinguística del Discurso también se considerarán

algunos enfoques de Christian Plantin, Ingedore Koch, Antônio Soares de

Abreu y de la investigación posdoctoral de la Profesora Doctora Lúcia Helena

Martins Gouvêa. En cuanto a la metodología, se trata de un análisis cualitativo

y cuantitativo, en la medida en que hay la identificación y la productividad de

las estrategias utilizadas por los periódicos.

Palabras clave: Semiolinguística; efectos patémicos; estrategias linguístico-

discursivas; persuasión; discurso midiático.

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ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Formatações diferentes nas primeiras páginas do jornal O Globo e Meia

Hora...............................................................................................................................65

Gráfico 2 - Índice das estratégias linguístico-discursivas no jornal O Globo................77

Gráfico 3 - Índice das estratégias linguístico-discursivas no jornal Meia Hora.............78

Gráfico 4 - Percentuais da estratégia palavras que descrevem de modo transparente

emoção nos dois jornais................................................................................................79

Gráfico 5 - índice da estratégia palavras ou expressões que desencadeiam emoção no

jornal O Globo...............................................................................................................80

Gráfico 6 - índice da estratégia palavras ou expressões que desencadeiam emoção no

jornal Meia Hora............................................................................................................81

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ABREVIATURAS

EUc = sujeito comunicante EUe = sujeito enunciador TUi = sujeito interpretante TUd = sujeito destinatário

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................12

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .....................................................................15

2.1 A Teoria Semiolinguística do Discurso...................................................15

2.1.1 O contrato de comunicação......................................................................17

2.1.2. O Contrato de informação midiático........................................................22

2.1.2.1. O gênero notícia jornalística.................................................................29

2.1.2.2 O Gênero “título” em noticias jornalísticas.............................................30

2.1.3 Modos de organização do discurso..........................................................32

2.2. O conceito de pathos..............................................................................38

2.2.1 A Retórica clássica...................................................................................39

2.2.2 O Pathos nesta pesquisa..........................................................................41

3 OS JORNAIS “O GLOBO” E “MEIA HORA”........................................................

4 METODOLOGIA.............................................................................................47

5 ANÁLISE DO CORPUS.................................................................................49

5.1 Análise qualitativa.....................................................................................49

5.2 Análise quantitativa..................................................................................67

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................83

REFERÊNCIAS................................................................................................85

ANEXOS............................................................................................................88

1 INTRODUÇÃO

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A proposta deste trabalho é analisar a subjetividade em títulos de

notícias dos jornais O Globo e Meia Hora publicados no período de janeiro a

dezembro de 2017, sob o ponto de vista da Teoria Semiolinguística do

Discurso, de Patrick Charaudeau – dialogando, também, com outras teorias e

perspectivas de estudo em Análise do Discurso. O estudo dessa subjetividade

se dá por meio da identificação de estratégias linguístico-discursivas

favorecedoras de efeitos patêmicos.

A partir do levantamento e da análise dessas estratégias utilizadas

pelos dois jornais, averigua-se como os periódicos constroem seus títulos

intentando atuar sobre o sistema emocional do leitor.

No tocante à noção de estratégia, Charaudeau (2014, p. 56), propõe a

hipótese de que “o sujeito comunicante concebe, organiza e encena suas

intenções de forma a produzir determinados efeitos de persuasão ou de

sedução sobre o sujeito interpretante”. Desse modo, investiga-se quais são os

mecanismos linguístico-discursivos utilizados pelos jornais para desencadear

no leitor algum tipo de reação afetiva e as estratégias utilizadas para persuadi-

lo.

Nesse aspecto, é relevante elencar-se algumas estratégias linguístico-

discursivas observadas no corpus:

enunciados que podem produzir efeitos patemizantes;

expressões modalizadoras;

palavras ou expressões que desencadeiam emoção;

palavras ou expressões que designam calamidades;

palavras que descrevem de modo transparente emoção;

princípio da quantidade.

Dessa forma, por meio dessas marcas linguísticas, buscou-se

comprovar a subjetividade nas notícias jornalísticas e, consequentemente, o

reconhecimento das intenções persuasivas dos jornais sobre o público-leitor.

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No que diz respeito à constituição do corpus, analisou-se um total de 40

títulos de notícias publicadas no jornal O Globo e no jornal Meia Hora, sendo

20 de cada periódico. Cabe esclarecer que os títulos analisados são de notícias

veiculadas no mesmo dia e que dizem respeito ao mesmo assunto.

Quanto às hipóteses que nortearão este trabalho, levantaram-se as

seguintes:

a) a mesma matéria publicada na capa do jornal O Globo e na do jornal

Meia Hora receberiam tratamento diferente: um periódico veicularia a matéria

como manchete, e o outro, como manchetinha;

b) enunciados que podem produzir efeitos patemizantes, expressões

modalizadoras, palavras ou expressões que desencadeiam emoção, palavras

ou expressões que designam calamidades, palavras que descrevem de modo

transparente emoção e princípio da quantidade constituiriam estratégias

linguístico-discursivas para alcançar efeitos patêmicos no corpus em apreço;

c) o jornal Meia Hora apresentaria um percentual maior da estratégia

palavras que descrevem de modo transparente emoção do que o jornal O

Globo;

d) a estratégia palavras ou expressão que desencadeiam emoção seria

a mais produtiva nos dois jornais.

No que diz respeito à composição desta dissertação, inicia-se pelo

capítulo introdutório, em que se expõe, brevemente, o objeto de estudo.

No capítulo 2, apresentam-se os pressupostos teóricos, buscando-se

fundamentar os conceitos que serão utilizados na análise do corpus e explica-

se o modo como eles são abordados pelos autores selecionados. Além disso,

apresentam-se informações sobre o gênero dos textos analisados (notícias e

títulos de notícias jornalísticas).

No capítulo 3, discorre-se sobre os jornais O Globo e Meia Hora, a fim

de que se possa compreender melhor o perfil desses jornais, bem como o dos

seus leitores.

O capítulo 4 aborda a metodologia empregada na análise do corpus,

contemplando o modo pelo qual foi conduzida a análise qualitativa e

quantitativa dos dados.

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No capítulo 5, será apresentada a análise qualitativa e quantitativa do

corpus, momento em que as hipóteses que motivaram este trabalho serão

confirmadas ou não com base nas conclusões extraídas dos títulos analisados.

Por último, nas considerações finais (capítulo 6), serão acrescentados, à

guisa de conclusão, alguns comentários que ratifiquem o percurso percorrido

nesta pesquisa, seja para confirmar as hipóteses postuladas inicialmente, seja

para infirmá-las.

Vejam-se a seguir os pressupostos teóricos desta pesquisa.

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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Conforme foi dito anteriormente, neste capítulo, serão abordados os

pressupostos teóricos que nortearão esta pesquisa. Dentre eles, encontram-se

a Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau, algumas abordagens

de Christian Plantin, Ingedore Koch, Antônio Soares de Abreu e da pesquisa

pós-doutoral da Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa.

A partir da reflexão teórica proposta neste capítulo, será possível tecer

considerações específicas sobre os diferentes aspectos envolvidos no estudo

dos efeitos patêmicos nos títulos de notícias publicadas nos jornais O Globo e

Meia Hora.

2.1 A Teoria Semiolinguística do Discurso

A Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau, é uma teoria

que entende a língua como meio de significar a relação que se estabelece

entre sujeitos enunciadores.

Em “Semiolinguística”, Semio –, vem do grego semiosis – a construção

do sentido e sua configuração se fazem por meio de uma relação forma-

sentido; já o termo linguística lembra que a forma de ação pretendida pelo

sujeito-comunicante é, sobretudo, constituída por um material linguageiro

oriundo das línguas naturais (CHARAUDEAU, 1995).

Com base nessa definição, Charaudeau (2007) propõe que a linguagem

é a responsável pela semiotização do mundo, e para que essa semiotização se

realize, é necessário que ocorram simultaneamente dois processos: o processo

de transformação e o processo de transação.

Figura 1. Fonte: Charaudeau (1993).

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O processo de transformação parte de um “mundo a significar” para um

“mundo significado” sob a ação de um sujeito falante. O processo de transação

faz desse mundo significado um objeto de troca com outro sujeito, o qual

desempenha o papel de interlocutor.

No processo de transformação quatro tipos de operações são

primordiais para que “mundo a significar” torne-se “mundo significado”:

identificação, qualificação, ação e causação.

A identificação estabelece e conceitua os seres do mundo,

transformando-os em identidades nominais. A qualificação aponta as

propriedades e características desses seres, transformando-os em identidades

descritivas. A ação confere aos seres do mundo identidades narrativas, a fim

de que possam praticar ou sofrer uma ação. Por fim, na causação, os seres do

mundo vão agir ou sofrer a ação em razão de certos motivos, os quais irão

inscrevê-los numa cadeia de causalidade.

O processo de transação, por sua vez, realiza-se a partir de quatro

princípios básicos: alteridade, pertinência, Influência e regulação.

O princípio da alteridade postula que o ato de comunicação é uma

situação de troca entre dois parceiros que se identificam, pois compartilham

saberes e têm características em comum. Esses parceiros também se

diferenciam, já que desempenham papéis distintos no que se refere à troca

linguageira. Sendo assim, um é emissor (sujeito comunicante) e o outro

receptor (sujeito interpretante).

Já o princípio de pertinência defende que haja compartilhamento dos

saberes envolvidos entre os parceiros em uma troca comunicativa, isto é, que

exista compartilhamento do universo de referências em que estão inseridos,

como os saberes sobre o mundo, questões psicossociais ou de ordem

comportamental.

O princípio de influência corresponde à intenção de o sujeito

comunicante atingir o sujeito interpretante. Isso depende dos interesses

envolvidos naquela situação comunicativa, ou seja, o primeiro trabalha para

envolver e influenciar emocionalmente o segundo.

Figura 1.

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Finalizando esses quatro princípios básicos, o princípio da regulação

ajusta as estratégias necessárias à intercompreensão, impondo um conjunto de

restrições do sistema à situação interacional.

No que diz respeito ao ato de linguagem, a Teoria Semiolinguística o

organiza a partir de uma mise-en-scène, ou seja, de uma encenação.

Comunicar-se, para essa teoria, é um procedimento de encenação, pois,

segundo Charaudeau (1992), da mesma forma que um ator em cena de teatro

se utiliza do espaço cênico, da cenografia, da iluminação, da sonorização, de

um texto, para produzir os efeitos de sentido para um público que ele imagina,

o locutor, que queira falar ou escrever, utiliza-se dos componentes do

dispositivo de comunicação em função dos efeitos que ele quer produzir sobre

seu interlocutor.

Para que essa encenação ocorra, deve haver uma interação entre os

aspectos explícitos e implícitos do discurso, pois só será possível atingir os

efeitos discursivos desejados caso haja determinados conhecimentos prévios e

algumas informações partilhadas. Nesse sentido, o ato de linguagem significa

não somente pela sua configuração semiológica visível (combinação do

semantismo dos vocábulos de um enunciado, em termos de suas propriedades

lexicais e relações gramaticais), mas também pelos saberes que são acionados

pelos sujeitos durante os processos de produção e interpretação desse ato, o

que permite inferir o que não é dito de maneira explícita.

Para o entendimento das relações que envolvem o ato da linguagem,

Charaudeau (2009) propõe um contrato de comunicação. Veja-se mais

detalhadamente esse contrato a seguir.

2.1.1 O Contrato de comunicação

O contrato de comunicação representa o conjunto das condições em que

se realiza qualquer ato comunicativo. Implica a existência de normas,

convenções, acordos e saberes que são compartilhados pelos membros de

uma comunidade, possibilitando, assim, a intercompreensão. Charaudeau

(2014), no tocante à noção de contrato, pressupõe que

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[...] os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais estejam suscetíveis de chegar a um acordo sobre as representações linguageiras dessas práticas sociais. Em decorrência disso, o sujeito comunicante sempre pode supor que o outro possui uma competência linguageira de reconhecimento análoga à sua. Nessa perspectiva, o ato de linguagem torna-se uma proposição que o EU faz ao TU e da qual espera uma contrapartida de conivência (CHARAUDEAU, 2014, p. 56).

Pode-se perceber, conforme as palavras do autor, que sujeitos que

possuem as mesmas práticas sociais e uma relação de convivência são

regidos por um contrato social que os leva a um acordo prévio sobre como

deve ser estabelecida a comunicação entre eles. Desse modo, o sujeito

comunicante supõe que o outro disponha de uma competência linguageira de

reconhecimento compatível com a sua.

Segundo Charaudeau (2015), o contrato de comunicação é determinado

por características da situação de troca (dados externos) e por características

discursivas decorrentes (dados internos).

Nesse sentido, no que se refere à estrutura desse contrato, Charaudeau

(1995) propõe três níveis: situacional, comunicacional e discursivo. O nível

situacional se refere aos dados externos, os níveis comunicacional e

discursivo, aos dados internos.

No nível situacional estão presentes os elementos ligados aos dados

externos da enunciação e compreende quatro condições da produção

linguageira: as condições de identidade, de finalidade, de propósito e de

dispositivo.

A primeira condição de enunciação refere-se às identidades dos

parceiros envolvidos na comunicação. “A identidade dos parceiros engajados

na troca é a condição que requer que todo ato de linguagem dependa dos

sujeitos que aí se acham inscritos”. (Charaudeau, 2015, pág. 68). Sendo assim,

é preciso que se entenda quem são os sujeitos da linguagem que fazem parte

desse contrato de comunicação.

Primeiramente, devemos entender que há duas identidades diferentes: a

identidade social e a discursiva. A identidade social baseia-se na situação de

comunicação do sujeito falante e necessita do reconhecimento por parte do

ouvinte numa dada situação. Ela é o que confere ao sujeito seu ‘direito à

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palavra’, o que funda sua legitimidade. O autor de uma notícia garante seu

direito à palavra em virtude de sua identidade social de jornalista, de sua

experiência profissional veiculada a grandes empresas jornalísticas. Desse

modo, ele fundamenta sua legitimidade sendo reconhecido por meio das

normas sociais e de seus excelentes trabalhos. Já a identidade discursiva

constrói-se baseada na forma com que se toma a palavra, na organização

enunciativa do discurso e na manipulação dos imaginários sociodiscursivos.

Resulta das escolhas do sujeito, porém, certamente, precisa de uma base na

identidade social.

Na relação entre essas identidades, realiza-se a influência discursiva.

Dependendo de uma intencionalidade, os sujeitos, participantes do ato, podem

valer-se de uma única identidade – a identidade discursiva adere à identidade

social, ou ainda, as duas podem, em consonância, formar uma identidade

dupla. Cabe destacar que tudo isso é construído por meio do ato enunciativo.

Nesse sentido, de acordo com a Teoria Semiolinguística, o ato de comunicação

se dá a partir da combinação indissociável entre o dizer (circuito interno) e o

fazer (circuito externo).

O fazer é o lugar da instância situacional onde atuam os parceiros –

sujeitos comunicante e interpretante (seres sociais de troca). Já o dizer é o

lugar da instância discursiva, onde participam discursivamente os sujeitos

enunciadores e destinatários (seres da palavra). Sendo assim, pode-se afirmar

que há quatro sujeitos envolvidos na enunciação: dois sujeitos sociais e dois

sujeitos discursivos.

O ato de linguagem é, portanto, composto por dois processos: o de

produção e o de interpretação. O primeiro está relacionado à produção efetiva

do enunciado, e o segundo envolve a construção de uma imagem do

interactante. Nesse sentido, o processo de produção faz parte do universo de

produção do EU comunicante (EUc), que se dirige a um TU destinatário (TUd),

por meio do EU enunciador (EUe). Já o processo de interpretação faz parte do

universo do TU interpretante (TUi), que constrói uma imagem do EUc por

intermédio do TUd. Desse modo, o EUc (ser de carne e osso) constrói a figura

de um EUe (ser discursivo) que se responsabiliza pelo discurso.

No que concerne ao gênero títulos em notícias jornalísticas, que compõe

o escopo deste trabalho, tem-se como seres do fazer (circuito externo) o

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jornalista que escreve a notícia – sujeito comunicante (EUc) – e os leitores da

notícia – sujeitos interpretantes (TUi). Já os seres do dizer (circuito interno),

são o sujeito enunciador (EUe) – representado pela imagem criada nas notícias

pelo EUc – e sujeito destinatário (TUd) – imagem do público leitor idealizada

pelo EUc.

No contrato de comunicação existe um conjunto de restrições e um

conjunto de manobras. As restrições correspondem ao conjunto de regras que

devem ser seguidas, sob pena de não se estabelecer a comunicação. As

manobras compreendem os diferentes modos de configurações discursivas

que o sujeito comunicante pode recorrer para atingir sua intenção

comunicativa. Os títulos em notícias jornalísticas, como os demais gêneros

discursivos, constituem, pois, um contrato de comunicação, apresentando um

espaço de restrições e um espaço de manobras relacionado às suas

características.

Costa (2008) propõe algumas orientações para a construção de títulos.

Nessas orientações observa-se, pois, o espaço de restrições. Além disso,

embora os títulos em notícias jornalísticas constituam um gênero textual

voltado para a objetividade, é possível aparecerem marcas linguísticas

indicadoras da subjetividade do locutor (foco desta pesquisa). Isso constitui o

espaço de manobras, de estratégias que o jornal utiliza para atuar sobre o

leitor.

A segunda condição de enunciação envolvendo o nível situacional do

contrato de comunicação é a finalidade desse contrato. A finalidade, segundo

Charaudeau (2015), é a condição que requer que todo ato de linguagem seja

ordenado em função de um objetivo, ou seja, é o que vai determinar as

expectativas de sentido em que se fundamenta a troca linguageira. Para o

autor, a resposta ao questionamento sobre o motivo de se estar em uma

situação comunicativa, se dá a partir de quatro tipos de visadas: prescritiva

(fazer fazer), informativa (fazer saber), incitativa (fazer crer) e patêmica (fazer

sentir).

A visada prescritiva – “fazer fazer” – consiste em levar o outro a agir de

determinada maneira, isto é, em persuadi-lo. A visada Informativa – “fazer

saber” – consiste em se transmitir um saber para quem, presumidamente, não

o detém. Ela é tida como uma visada central no discurso científico e no

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jornalístico. A visada incitativa – “fazer crer” – consiste em levar o outro a

pensar que o que está sendo enunciado é verdadeiro, envolve o nível mental, o

convencimento. Já a visada do pathos – ”fazer sentir” – consiste em tocar o

sistema emocional do outro. Utiliza-se, pois, de recursos de dramatização e

encenação da informação, que movem a afetividade do leitor com o intuito de

fazê-lo se interessar pelo texto.

A terceira condição envolvendo o nível situacional do contrato de

comunicação é o propósito. Essa condição “requer que todo ato de

comunicação se construa em torno de um domínio de saber” (Charaudeau,

2015, p. 69). Está, pois, relacionada com a temática sobre a qual se baseia o

ato comunicativo.

A última condição é o dispositivo, o qual diz respeito às circunstâncias

materiais nas quais se desenvolve o ato de comunicação, em resposta à

pergunta “Em que ambiente se inscreve o ato de comunicação, que lugares

físicos são ocupados pelos parceiros, que canal de transmissão é utilizado?”

(Charaudeau, 2015, p.70).

O nível comunicacional relacionado ao contrato de comunicação (dados

internos) é o “lugar” em que estão especificadas as maneiras de falar

(escrever), em função da situação, ou seja, é o nível que vai definir o direito à

fala dos sujeitos de acordo com seus papéis linguageiros (como se fala?).

Por último, o nível discursivo (dados internos) corresponde ao “lugar” de

intervenção do sujeito enunciador, devendo atender às condições de

legitimidade, credibilidade e de captação.

A legitimidade é a condição que determina a posição de autoridade do

sujeito, permitindo-lhe tomar a palavra. Segundo Fernandes (2010), a

estratégia de legitimidade é externa ao falante e é esta que dá o poder de

dizer. No caso do âmbito jornalístico, a legitimidade é explicitada com a

publicação do nome do jornal, dos diretores, dos editores, do jornalista.

A credibilidade é uma estratégia que vai sendo adquirida ao longo do

processo de trocas linguageiras. Para ser credível, o locutor deve ser julgado

como aquele que diz a verdade. Encontram-se, nesse espaço, as estratégias

que tendem a comprovar a habilidade do locutor em “saber dizer”. O jornal, por

exemplo, usa diversos recursos, como detalhamento do local, fotos, números,

nomes, testemunhas, apresentação do saber de especialistas, entrevistas etc.

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A captação é a condição que faz uso mais frequente do pathos

(persuadir pela emoção). Conforme Charaudeau (1995), a estratégia de

captação consiste em tocar o afeto do auditório, em provocar nele certo estado

emocional que seja favorável a uma visada de influência do sujeito falante.

No jornalismo, o uso da captação, segundo Charaudeau (1996 apud

Fernandes 2010), envolve três objetivos. O primeiro objetivo refere-se a trazer

algo novo ao leitor, ou seja, transmitir fragmentos de saber que este parece

ignorar. O segundo está relacionado à persuasão e consiste em atuar sobre o

outro, em “fazer crer” alguma coisa ao outro por meio de argumentos lógicos e

não-contraditórios. O último, diz respeito à sedução, àquilo que atrai o

interlocutor, agradando-o, levando-o a sentir prazer, emoções, por meio de

jogos de palavras e até de discursos não-racionais e de imaginário mítico.

O contrato de comunicação proposto por Charaudeau traz, portanto,

normas e convenções que são compartilhadas pelos membros de uma mesma

comunidade. Veja-se a, seguir, esse contrato especificamente no contexto

midiático.

2.1.2 O Contrato de informação midiático

O contrato de informação midiático foi profundamente estudado por

Charaudeau (2015) com a finalidade de descrever o modo como a mídia

constrói seu discurso. Segundo o linguista, como em todo ato comunicativo, o

contrato de informação midiático envolve duas instâncias: uma de produção e

outra de recepção. Nesse contexto, a instância de produção teria o duplo papel

de fornecer as informações e de levar seu público a consumi-las. Já, à

instância de recepção, caberiam os papeis de receber as informações e

expressar seu interesse e/ou seu prazer em absorvê-las.

A instância de produção envolve vários tipos de profissionais (atores), os

quais estão relacionados à área econômica da empresa, à captação do público,

à redação das notícias e aos operadores técnicos. Para Charaudeau (2015),

[...] todos contribuem para fabricar uma enunciação aparentemente unitária e homogênea do discurso midiático, uma coenunciação, cuja intencionalidade significante corresponde a um projeto comum a esses atores e do qual se pode dizer que, por ser assumida por esses

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atores, representa a ideologia do organismo de informação”. (CHARAUDEAU 2015 p. 72)

Há, portanto, uma instância global de produção integrada por diferentes

atores que contribuem para determinar a instância de enunciação discursiva.

Essa instância global é denominada, por Charaudeau (2015), de Instância

Midiática. Nessa instância, embora haja participação significativa de vários

atores, o jornalista constitui a figura mais importante.

O jornalista tem por função precípua transmitir informações. Ele precisa

coletar acontecimentos e tratar a informação antes de torná-la pública. Para

isso, tem de desempenhar dois papéis: o de pesquisador-fornecedor e o de

descritor-comentador.

No que tange à função de pesquisa e fornecimento da informação, o

jornalista, pesquisador-fornecedor, encontra problemas no tratamento das

fontes, pois as mídias precisam abranger o máximo de acontecimentos

possíveis, selecioná-los e verificá-los, antes de transmiti-los, para que não se

divulgue uma informação prematura (que pode não ser confirmada

posteriormente) ou falsa (o que pode levar o organismo de informação a perder

credibilidade).

Quanto ao papel de descritor-comentador, o jornalista também enfrenta

dificuldades na execução de sua função, já que o jornalismo não pode repassar

informação de forma científica, histórica ou didática (Charaudeau, 2015, p. 75).

Charaudeau (2015) explica que o descritor-comentador não pode visar a um

discurso científico, pois este não satisfaz às condições de captação. Além

disso, também não pode pretender a um discurso histórico, já que a exigência

de distância no tempo, envolvendo trabalhos e pesquisas não é compatível

com relatos cotidianos, semanais ou mensais da atualidade. Por último, o

jornalista também não pode visar a um discurso didático, pois sua construção,

que prevê provas de verificação e de avaliação, mostra-se incompatível com

uma informação que deve captar o público em geral.

Em se tratando da instância de recepção, para muitos estudiosos, ela é

composta pelo público. Charaudeau (2015), no entanto, afirma que o público é

uma entidade compósita que não pode ser tratado de maneira global.

Primeiramente, porque, de acordo com o suporte de transmissão, o público vai

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se diferenciar. Serão, então, leitores para a imprensa, ouvintes para o rádio e

telespectadores para a televisão. Em segundo lugar, torna-se difícil para a

instância midiática presumir uma identidade social para a instância de

recepção. Isso porque, por um lado, os receptores não estão presentes na

situação de comunicação e, por outro, porque não se consegue determinar

categorias quanto ao status social e cognitivo do receptor público, ou seja, não

é possível definir de que forma essa instância apreende os acontecimentos, os

compreende e interpreta.

Apesar disso, alguns organismos de informação baseiam-se em

hipóteses e fazem escolhas quanto ao seu alvo em função de opiniões

políticas, de classes sociais, de faixas etárias, de profissões etc.

Charaudeau (2015) assevera que a instância de produção não deixa de

fazer previsões acerca da avaliação do público enquanto receptor da

informação. Desse modo, a instância de recepção se desdobra em: receptor-

público e destinatário-alvo.

Receptor-público (TUi) é aquele alvo localizado nos estudos que medem

o sucesso e aceitação de um determinado produto midiático e também nos

estudos de impacto, cujos efeitos são abarcados pelas sondagens de opinião.

O receptor-público consiste, portanto, numa tentativa de considerar a

importância dos contextos na instância de recepção.

O destinatário-alvo (TUd) é aquele a quem se destina os efeitos visados

pela instância midiática. Sendo, pois, esse alvo portador de um conjunto

impreciso de valores ético-sociais e afetivos sociais, estes serão levados em

conta pela instância midiática para poder apresentar informações de acordo

com suas expectativas. Charaudeau (2015, p. 80,81) subdivide o destinatário-

alvo de duas maneiras, a saber: em alvo intelectivo e alvo afetivo.

O alvo intelectivo é aquele capaz de avaliar seu interesse de acordo com

o que lhe é proposto. Caracteriza-se por ser mais racional e, de certa forma,

aplica a informação à sua vida interpessoal, profissional etc. Por isso, tem

interesse por política, economia e pode atribuir ou não credibilidade à instância

midiática que lhe transmite a informação. Nesse sentido, podem-se identificar

os leitores do jornal O Globo como alvos intelectivos da instância midiática.

O alvo afetivo, diferentemente, é aquele capaz de construir suas

avaliações de modo inconsciente por meio de reações de ordem emocional.

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Sendo assim, o jornal pode organizar sua pauta focada na afetividade do

sujeito, baseando-se em categorias socialmente codificadas de representações

das emoções. Pode-se depreender que o alvo afetivo apresenta características

próprias dos leitores do jornal Meia Hora.

No processo de construção do destinatário-alvo, cabe esclarecer que a

instância midiática leva em consideração a integração entre o alvo intelectivo e

o afetivo, dando origem, assim, à opinião pública.

Além disso, o receptor-público não é construído a partir de visadas, de

hipóteses sobre o que o motiva e o emociona, em sua maneira de reportar o

mundo, mas é considerado sob o ponto de vista comportamental enquanto

consumidor de um produto comercializado: a mídia. Sendo assim, a instância

midiática age não mais como construtora da informação, mas como uma

empresa lucrativa empenhada em captar o maior número de consumidores.

Veja-se no quadro abaixo uma síntese da representação dos sujeitos da

linguagem no contrato midiático: 1

No tocante à finalidade do contrato de comunicação midiático,

Charaudeau (2015) explica que esta se dá numa tensão entre duas visadas:

fazer saber e fazer sentir. A primeira diz respeito à informação que se constitui

seguindo uma lógica cívica: informar o cidadão. Já a segunda é a visada da

captação, que tende a produzir um objeto de consumo segundo uma lógica

comercial: captar as massas para sobreviver à concorrência.

1 Esquema elaborado por Azerêdo (2015, p. 30).

Figura 2.

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Na visada de informação, a instância midiática quer fazer saber ao

cidadão o que está acontecendo no mundo e na vida social. Sendo assim, dois

tipos de atividades linguageiras são usados nessa visada: a descrição-

narração, para relatar o acontecimento; e a explicação, para tornar

compreensível ao destinatário as causas e as consequências do

acontecimento.

A visada de captação, o fazer sentir, procura persuadir e seduzir o leitor

que ainda não foi conquistado pelo interesse da mensagem. Por meio dessa

visada, a instância midiática procura emocionar seu público, mobilizar sua

afetividade e, assim, despertar o interesse pela informação que lhe é

transmitida. Visando, pois, a essa captação, a instância midiática se utiliza de

estratégias discursivas que tendem a tocar a emoção e os sentimentos dos

leitores com a finalidade de persuadi-los.

No contrato de informação midiático encontra-se a tensão entre informar

para expor o produto e suas qualidades e seduzir para levar o maior número de

pessoas a consumir. Sobre esse aspecto, Charaudeau (2015), embora admita

que o discurso de informação se sustente, muitas vezes, no fazer sentir, para

ele, é a visada do fazer saber que prevalece. O autor esclarece que a captação

não seria aceitável sob o ângulo das representações sociais. Afirma, no

entanto, que há um jogo de mascaramento de uma visada pela outra.

No que se refere ainda à visada de captação e o fato de esta envolver

um parceiro de troca que tem como objetivo ser persuadido, seduzido,

Charaudeau (2015) atesta que a instância midiática apresenta-se em uma

situação problemática. Sendo, pois, necessário que ela se mostre credível para

a maioria do público e que esteja engajada na busca pelo maior número de

consumidores de informação, os meios para atingir tal meta dependerão menos

de atitudes racionalizantes. Isso poderá acarretar perda de credibilidade para a

instância midiática. Veja-se o que declara Charaudeau (2015):

Na tensão entre os polos de credibilidade e de captação, quanto mais as mídias tendem para o primeiro, cujas exigências são as da austeridade racionalizante, menos tocam o grande público; quanto mais tendem para a captação, cujas exigências são as da imaginação dramatizante, menos credíveis serão. As mídias não ignoram isso, e seu jogo consiste em navegar entre esses dois polos ao sabor de sua ideologia e da natureza dos acontecimentos. (CHARAUDEAU, 2015, p. 93)

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Diante do exposto, é possível depreender que a instância midiática

vivencia uma tensão entre os polos da credibilidade e da captação: se pendem

para a racionalização, atingem cada vez menos ao grande público; por outro

lado, se exacerbam o foco na dramatização, tendem a ser menos credíveis. A

instância midiática, portanto, ciente de tudo isso, põe-se entre esses dois polos

visando às suas ideias.

Nesse sentido, Charaudeau (2015) assevera que discutir acerca da

“objetividade da informação”, como fazem as mídias ininterruptamente,

constitui uma falácia, pois, a dupla finalidade (fazer saber e fazer sentir) está

inscrita no contrato de informação. Para o autor, “uma mídia (imprensa, rádio,

televisão) que só satisfizesse ao rigor sóbrio e ascético do fazer saber estaria

condenada a desaparecer” (Charaudeau, 2015,p. 93).

No que concerne ao propósito da informação midiática, Charaudeau

(2015) propõe que este “é a condição que requer que todo ato de comunicação

se construa em torno de um domínio de saber, uma maneira de recortar o

mundo em universos de discurso tematizados” (pág. 69). Sendo assim, é

possível entender o modo como a instância midiática organiza as informações

em temáticas. Essa tematização é resultado da uma estruturação provocada

pelo universo do discurso quando este compreende os acontecimentos do

mundo.

O acontecimento “passa pelo trabalho de construção de sentido de um

sujeito de enunciação que o constitui em ‘mundo comentado’, dirigido a outro

do qual postula, ao mesmo tempo, a identidade e a diferença” (CHARAUDEAU,

2015, p. 95). Charaudeau explica que o acontecimento nunca é reproduzido em

estado “bruto”, tal como ele surgiu. No discurso informativo, há um “mundo a

descrever e a comentar”, ou seja, é a realidade cotidiana, é a esfera na qual os

fatos surgem. A realidade passa pelo processo de transformação através da

instância de produção de informação (os meios de comunicação) que gera um

“mundo descrito e comentado”. Nesse processo, os jornalistas, por exemplo,

percebem, selecionam (enquadram) e transformam a matéria-prima

(acontecimento).

Simultaneamente, ocorre o processo de transação. Nesse processo, o

sujeito produz um ato de linguagem, a instância de recepção-interpretação dá

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significado e contextualiza esse ato para que a comunicação se realize. O

produto jornalístico final é o “mundo interpretado”. O jornalista, portanto,

precisa traduzir os acontecimentos, dar-lhes significado e ordená-los para o

público receber a informação de forma pronta (notícia), a fim de que possa

reinterpretá-la e dar novos sentidos a ela.

Os acontecimentos construídos (notícias) precisam de um espaço físico

para sua realização. É importante a forma como a informação se constitui, ou

seja, a condição de dispositivo (em que condições se diz). Dessa forma, é

possível identificar três grandes suportes de mídia: o rádio, a televisão e a

imprensa escrita. Cada suporte tem a sua própria expressão: a “voz” para o

rádio, a “imagem” para a televisão, a “escrita” para o suporte imprensa. Como

esta pesquisa tem, como corpus, títulos em notícias jornalísticas, será

focalizada, a seguir, apenas a imprensa escrita.

A imprensa escrita, segundo Charaudeau (2015), caracteriza-se por uma

relação distanciada entre aquele que escreve e aquele que lê, isto é, entre a

instância midiática e o leitor do jornal. A ausência física entre eles impossibilita

que o tempo de escritura e o tempo de leitura coincidam. Há um tempo

reservado para a fabricação do texto, depois um tempo para a distribuição do

material e, ainda, um tempo para a leitura. Para o autor, todos esses passos

produzem uma grande defasagem entre o surgimento do acontecimento e o

momento em que o leitor toma conhecimento dele. Isso, no entanto, não

constitui um problema para a imprensa escrita, a qual Charaudeau considera

universo por excelência do legível, e particularmente eficaz,

[...] por um lado nas análises e comentários, nos editoriais, nas tribunas e reflexões, nas crônicas, em tudo o que aprofunda a informação, que a coloca em perspectiva e que indaga sobre as prováveis consequências dos acontecimentos; por outro lado, nas narrativas, nas notícias locais (os faits divers) e na montagem de dossiês; e ainda, nas informações dos classificados, das variedades, local por excelência de um percurso sinótico; enfim, nas manchetes que, funcionando como anúncios sugestivos semelhantes aos slogans publicitários, são destinados a desencadear uma atividade de decifração, isto é, de inteligibilidade. (CHARAUDEAU, 2015, p 114)

Charaudeau acrescenta, ainda, que a atividade de conceitualização na

escrita é mais analítica do que na oralidade, pois o leitor realiza uma leitura que

percorre seguidamente o texto do início ao fim. Além disso, em uma situação

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de instauração da verdade, a escrita conta com elemento de prova, o que não

é possível na oralidade.

No contrato de informação midiático, além das quatro condições da

produção linguageira – identidade (quem informa quem?), finalidade (informar

pra quê), propósito (informar sobre o quê) e dispositivo (informar em que

circunstâncias) –, há as estratégias discursivas, ou seja, a habilidade de como

dizer, de como construir a informação.

Nesse sentido, o sujeito informante (jornalista e instância midiática),

levando em conta as restrições e finalidade (credibilidade e captação) do

contrato de comunicação midiático, encontra-se preso e livre na encenação de

seu discurso, ou seja, “ele deve levar em conta os componentes da situação de

comunicação, sem o que não seria compreendido, mas, ao mesmo tempo,

pode jogar com tais componentes, combiná-los de uma maneira particular e

apresentá-los de diversas formas” (CHARAUDEAU, 2015, p. 129).

Sendo assim, o jornalista poderá se utilizar de certas estratégias em

função dos desafios de credibilidade e de captação. Como exemplo, na

veiculação de uma notícia sobre um suicídio coletivo dos membros de uma

seita, esta será relatada conforme um modo discursivo, descrevendo

detalhadamente os fatos, produzindo, assim, um efeito de subjetividade e,

também, com uma descrição dramatizante capaz de produzir certo efeito

emocional no leitor.

Nesse sentido, vejam-se a seguir algumas considerações acerca do

gênero textual notícia jornalística.

2.1.2.1 O gênero notícia jornalística

Segundo Costa (2008), notícia é um relato ou narrativa de fatos,

acontecimentos, informações, recentes ou atuais, do cotidiano. Sua finalidade é

informar os leitores de forma neutra e fidedigna. Raramente vem assinada e,

de modo geral, inicia-se com o lead/lide que deve informar quem fez o quê, a

quem, quando, onde, como, por que e para que. Logo em seguida, continua-se

o relato dos fatos, seguindo-se a ordem previamente selecionada.

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Para Charaudeau (2015, p.132), “notícia é um conjunto de informações

que se relaciona a um mesmo espaço temático, tendo um caráter de novidade,

proveniente de uma determinada fonte e podendo ser diversamente tratado”.

Ao explicar essa definição, o autor esclarece que um mesmo espaço

temático significa que o acontecimento é um fato que se inscreve num certo

domínio do espaço público e que pode ser reportado sob a forma de

minirrelato. Além disso, o caráter de novidade da notícia não significa que não

se tenha falado antes do acontecimento, mas que é trazido um novo elemento

que até então era desconhecido do público. Ele esclarece, ainda, que ser

proveniente de uma determinada fonte significa que o acontecimento é

convertido em informação por uma determinada instância, e que a notícia ser

diversamente tratada significa que no mesmo instante em que ela se dá, esta é

tratada sob uma forma discursiva (descreve o que se passou, reporta reações,

analisa fatos).

Ainda no que se refere à estrutura da notícia, esta é iniciada pelos

títulos, os quais sintetizam o assunto abordado na matéria. Veja-se, a seguir,

esse gênero textual mais detalhadamente.

2.1.2.2 O gênero “título” em noticias jornalísticas

Segundo Costa (2008), título é um enunciado curto e objetivo que

sintetiza, com precisão, a informação mais importante do texto. Conforme o

autor, para a construção de títulos jornalísticos não se deve usar ponto, dois

pontos, ponto de interrogação, de exclamação, reticências, travessão ou

parênteses, e deve-se evitar ponto e vírgula. Além disso, preferencialmente, os

verbos devem estar na voz ativa e no tempo presente.

O título deve contemplar o significado global ou total do texto produzido

e não constituir um mero enfeite. Nesse sentido, é comum a ideia de que esse

componente textual não passa de um adereço, um detalhe do texto, no

entanto, Guimarães (1995) chama a atenção para o fato de que os títulos não

são meros artifícios publicitários, mas chaves para a decodificação da

mensagem, se convenientemente propostos.

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No tocante ao gênero textual "notícia jornalística", o título não deixa de

desempenhar seu papel fundamental. Pelo contrário, assume a importante

função de chamar a atenção do leitor.

Segundo Gradim (2000, pág. 68), "os títulos anunciam o texto

jornalístico que encabeçam, e são aquilo que em primeiro lugar o leitor

apreende quando se debruça sobre as páginas de um jornal". Para a autora, os

títulos, juntamente com as fotografias, são a primeira coisa e, por vezes, a

única para a qual o leitor atenta no jornal. Sabendo disso, o redator, ao

construir o título de uma notícia, utiliza-se, muitas vezes, de estratégias para

captar e persuadir o leitor.

Mello (2003, p.90) atesta que “usar ou não títulos como instrumento para

a manifestação explícita da opinião é uma decisão que os jornais não titubeiam

em tomar”. Dessa forma, embora os gêneros jornalísticos busquem passar

imparcialidade, os jornais não hesitam em construir títulos de notícias com

certo teor de subjetividade, a fim de chamar a atenção de seu público-alvo.

No tocante às manchetes jornalísticas, segundo Costa (2008), estas

correspondem ao título principal, de maior destaque, em letras grandes, no alto

da primeira página de jornal ou revista. São os títulos considerados pela

redação do jornal, como os de maior importância entre as notícias contidas na

edição. Visualmente elas contribuem na estruturação das capas de jornal,

tornando-as mais atraentes. São estampadas, geralmente, na parte de cima ou

no centro da capa e contribuem para que o leitor crítico possa criar uma

imagem da identidade do jornal ou de sua linha de informação (Faria 2001).

Há de se frisar que toda manchete é um título, mas nem todo título é

uma manchete. A manchete é o título principal, havendo, porém, outros títulos

na página ou em seções do jornal. Sendo assim, nesta pesquisa, as manchetes

serão tratadas como títulos de um modo geral.

Costa (2008), ainda, no tocante aos títulos, faz referência ao termo

“manchetinha”. A diferença entre a manchete propriamente dita e a

manchetinha se dá por esta ser um segundo título, com tamanho e importância

menores do que aquela.

Veja-se, no item seguinte, o tratamento dado aos modos de organização do discurso.

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2.1.3 Modos de organização do discurso

Segundo Charaudeau (2014, p. 68) os modos de organização do

discurso “constituem os princípios de organização da matéria linguística,

princípios que dependem da finalidade comunicativa do sujeito falante:

enunciar, descrever, contar, argumentar”. Sendo assim, diante de um a

situação de comunicação o sujeito falante articula elementos da língua para

encenar seu discurso, a fim de produzir um sentido específico. Veja-se o

quadro abaixo:

Quadro 1. Fonte: Charaudeau, 2014, p. 75.

Pode-se depreender do quadro acima que o locutor, dependendo de sua

intenção comunicativa, utiliza-se dos modos de organização do discurso para

produzir sentido. É, pois, segundo Charaudeau (2014), uma questão de

estratégia, é como se o locutor se perguntasse: “como é que eu vou/devo falar

(ou escrever), levando em conta o que percebo do interlocutor, o que imagino

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que ele percebe e espera de mim, do saber que eu e ele temos em comum, e

dos papéis que eu e ele devemos desempenhar” (CHARAUDEAU, 2014, p.

75).

Desse modo, se a finalidade é identificar e qualificar seres, coisas e

processos, o modo de organização escolhido é o descritivo; se a finalidade é a

de mostrar a sucessão de ações de uma história, o modo é o narrativo; se o

propósito é expor um ponto de vista e defendê-lo com o estabelecimento de

relações de causalidade, a fim de influenciar o interlocutor, o modo de

organização é o argumentativo; se a função é identificar a posição do sujeito

falante com relação ao alocutário, a si mesmo ou aos outros, então o modo de

organização é o enunciativo.

Vale mencionar que, nesta pesquisa, será focalizado o modo enunciativo

devido ao fato de ele estar presente em todos os demais modos de

organização do discurso, e corresponder à subjetividade do locutor.

O modo de organização enunciativo é, portanto, uma categoria de

discurso que diz respeito à maneira selecionada pelo sujeito comunicante para

fazer o sujeito enunciador agir na encenação de um ato de comunicação.

Sendo assim, o primeiro, ao se anunciar, utiliza categorias da língua e, por

meio delas, vão se estabelecer algumas posições em relação ao segundo.

Além disso, esse modo é responsável por marcar não só a posição do locutor

diante do interlocutor, mas também diante de si mesmo e dos outros. O modo

enunciativo apresenta três funções:

I. Estabelecer uma relação de influência entre locutor e interlocutor num

comportamento alocutivo: o sujeito falante mostra sua posição ao interlocutor

ao mesmo tempo em que lhe solicita um comportamento, ou seja, o interlocutor

é levado a reagir ao ato de linguagem do locutor. A modalidade alocutiva é

normalmente marcada pela 2ª pessoa do discurso.

II. Revelar o ponto de vista do locutor, num comportamento elocutivo:

trata-se da relação que o locutor estabelece com ele próprio. Ocorre a

exposição do ponto de vista do sujeito falante sem que o interlocutor seja

implicado na tomada de posição. De maneira geral, utilizam-se marcas de 1ª

pessoa do discurso nesse tipo de modalidade.

III. Retomar a fala de um terceiro num comportamento delocutivo: o

sujeito falante se apaga de seu ato de enunciação e não implica o interlocutor.

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Sendo assim, não há marcas de 1ª ou 2ª pessoas do discurso. O sujeito é uma

espécie de testemunha dos discursos que o mundo lhe impõe, o que resulta

em uma enunciação aparentemente objetiva: o locutor diz como o mundo

existe ou relata o que o outro disse e de que forma. Vale destacar que a

influência em relação ao outro ocorre sempre, independentemente de ser

alocutivo, elocutivo e delocutivo.

No que concerne ao gênero títulos em notícias jornalísticas, corpus

desta pesquisa, irá predominar o comportamento delocutivo, uma vez que o

jornalista constrói seu título sem marcas de 1ª ou 2ª pessoas. Embora não haja

marcas explícitas de subjetividade (primeira pessoa), é possível que ela esteja

presente nos títulos por meio de algumas estratégias linguístico-discursivas

utilizadas pelo jornal. Isso será detalhado mais adiante.

O comportamento delocutivo vai abarcar duas modalidades: modalidade

do discurso relatado e modalidade da asserção. Na modalidade do discurso

relatado, o enunciador toma por base um outro ato de enunciação. Segundo

Charaudeau (2014), é uma modalidade complexa, que depende da posição dos

interlocutores, das maneiras de narrar um discurso já enunciado e da descrição

dos modos de enunciação de origem.

Dessa forma, no discurso relatado, os interlocutores podem ocupar

diferentes posições. Por exemplo, um locutor relator (L.R) se dirige a um

interlocutor (I.R), em um certo tempo (T.R) e num certo espaço (E.R), para

relatar o discurso de origem (D.O) por um locutor de origem (L.O) que se tenha

endereçado a um interlocutor (I.O), em um certo tempo (T.O) e num certo

espaço (E.O). Assim, de acordo com Charaudeau (2014, pág. 103), vários

casos de relação entre esses diferentes interlocutores podem-se apresentar.

Eis, abaixo, alguns exemplos dados pelo autor:

“Eu Tinha dito a você para / que...”

“Eu tinha dito a ele para/ que...”

“Você me tinha dito para / que...”

“Você tinha dito a ele para / que...”

“Ele me tinha dito para / que...”

“Ele tinha dito a você para / que...”

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Conforme essa lista, o locutor relator não coincide necessariamente com

o interlocutor de origem. Um ou vários intermediários podem intervir entre o

locutor de origem (L.O) e o locutor relator (L.R), o que pode ocasionar alguns

problemas em relação ao grau de fidelidade, ao modo de reprodução e ao tipo

de "distância" do locutor.

Nos problemas relacionados ao grau de fidelidade, o discurso

precedentemente anunciado pode ser relatado, dependendo de sua intenção

na hora de proferi-lo, com mais ou menos fidelidade pelo relator. Por exemplo,

o discurso de origem (D.O), “Ele morreu”, pode ser alterado para “Ele foi

assassinado” (D.Relatado). Assim, a fidelidade pode estar presente no discurso

reportado, em graus diferentes, de acordo com uma intenção clara ou não, da

parte do relator.

Nos problemas relacionados ao modo de produção, o discurso de

origem pode ser repetido conforme sua forma original, mas interpretado de

maneira diferente. A frase – “Mas...mas ele está traindo você!” –, enunciada

com uma hesitação balbuciada, poderá ser reproduzido com certa surpresa:

“Ele está traindo você!”. O discurso relatado aparentemente permanece fiel ao

de origem, mas o modo como foi enunciado traz uma interpretação diferente.

Nos problemas relacionados ao tipo de distância do locutor em relação

ao discurso de origem, este pode ser relatado de maneira mais objetiva

possível, ou, ainda, manifestar adesão ou não adesão por parte do relator em

relação ao discurso. Nesse caso, isso pode ser observado por meio dos verbos

de modalidade, como, por exemplo, em: “Eu alego que...” / =“Eu afirmo que” e

“Ele imagina que...” / = ”Ele acredita sem razão”).

No que concerne às maneiras pelas quais o locutor pode relatar o

discurso de origem, ele pode ser citado, integrado, narrativizado ou evocado.

O discurso de origem é citado numa construção que o reproduz tal como

foi enunciado. Esse tipo de discurso corresponde àquele que a gramática

tradicional chama de "estilo direto” e se apresenta em formas do tipo: “Ele

disse: ‘meu carro está ferrado’”.

O discurso de origem é integrado quando faz parte de uma construção

que o integra parcialmente ao dizer daquele que relata. Esse tipo de discurso

provoca uma transformação no enunciado que passa a ser relatado em terceira

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pessoa. Desse modo, os pronomes e os tempos verbais dependem, não do

momento de enunciação de origem, mas do momento de enunciação do locutor

que relata. Assim, o enunciado: "Meu carro está ruim" será relatado: "Ele disse

que o carro dele estava ruim". Nesse caso, a gramática tradicional fala de

"estilo indireto" e "estilo indireto livre".

O discurso de origem pode, ainda, ser narrativizado. Isso ocorre quando

o discurso é relatado de tal forma que se integra totalmente, ou mesmo

desaparece, no dizer de quem relata. O locutor de origem torna-se agente de

um ato de dizer. Assim, “Estou decepcionado” será relatado como “Ele

confessou sua decepção”.

Por fim, o discurso de origem aparece apenas como um dado evocador

do que o locutor de origem disse. É um tipo de discurso frequentemente

configurado por uma palavra ou um grupo de palavras entre aspas, travessões

ou parênteses, correspondendo a um "Como você diz", "Como ele diz", "Como

se diz" ou "Como eu gosto de dizer”. Assim, em "Você sabe, seu carro está

'ruim' ", a palavra entre aspas pode ser uma alusão à: "Como ele mesmo diz".

A classificação proposta por Charaudeau não só amplia o que a tradição

gramatical considera como discurso relatado (discurso direto, discurso indireto

e discurso indireto livre), como também, mostra que o discurso relatado é mais

do que forma, ou seja, é a língua em uso.

No que se refere, ainda, ao comportamento delocutivo, conforme foi

mencionado, este pode envolver, também, a modalidade da asserção. Essa

modalidade caracteriza-se pela forma de apresentar a verdade de uma

proposição, ou seja, um modo de dizer, de enunciá-la. A modalidade da

asserção se desdobra em diversos tipos. A seguir, eles serão apresentados

acompanhados de seus respectivos exemplos:

Constatação: “Admite-se que...” / “É visível que...”

Evidência: “É evidente que...” / “É certo que...”

Probabilidade: “É provável que...” / “Pode ser que...”

Apreciação: “É bom que...” (favorável) / “É pena que...” (desfavorável)

Obrigação: “É preciso que...” / “É necessário que...”

Possibilidade: “É possível (fazer)...” / “É factível (de fazer)..”

Anseio: “É desejável que...”

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Exigência: “Exige-se que...”

Aceitação: “É aceitável que...”

Recusa: “Não é aceitável que...”

Confissão: “É inconfessável que...”

Confirmação: “É verdade que...” / “É certo que...”

Todos esses exemplos constituem, pois, configurações explícitas da

modalidade de asserção. Pode-se perceber que, em sua maioria, as

construções acima se iniciam pelo verbo ser + adjetivo ou substantivos

abstratos. Essas construções são chamadas por Koch (2009) de orações

modalizadoras.

Para a autora, os elementos linguísticos ligados à produção do

enunciado e que funcionam como indicadores das intenções, sentimentos e

atitudes do locutor chamam-se modalizadores. A modalização é, pois, a marca

que o sujeito deixa no seu discurso e, por meio dela, pode-se perceber se a

sua tomada de posição é dada com engajamento ou distanciamento (de modo

mais explícito ou discreto). Quando o locutor inicia o seu discurso dizendo “é

evidente”, “é certo”, percebe-se um engajamento, um posicionamento aparente

visando à adesão do alocutário.

Segundo Koch, dentre os vários tipos de lexicalização possíveis das

modalidades podem-se citar:

a) performativos explícitos: eu ordeno, eu tenho, eu permito etc.;

b) auxiliares modais: poder, dever, querer, precisar etc;

c) orações modalizadoras: é evidente, é possível, é lamentável etc.;

d) advérbios modalizadores: provavelmente, certamente etc.;

e) formas verbais perifrásticas: dever, poder, querer etc + infinitivo.

f) modos e tempos verbais: imperativos; certos empregos de

substantivos; uso do pretérito com valor de probabilidade, hipótese,

notícia não confirmada; uso do imperfeito do indicativo com valor de

irrealidade etc.;

g) verbos de atitude proposicional: eu creio, eu duvido, eu acho etc.

h) entonação: (que permite, por ex.: distinguir uma ordem de um

pedido, na linguagem oral);

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i) operadores argumentativos: pouco, um pouco, quase, apenas etc.

A partir deste momento, faz-se necessário explicitar o conceito de

pathos, que será abordado na próxima seção desta pesquisa.

2.2 O conceito de pathos

Para Charaudeau e Maingueneau (2014), a noção de pathos é utilizada

para assinalar as discursivizações que funcionam sobre efeitos emocionais

com fins estratégicos. Gallinari (2007, p. 229) entende por pathos:

[...] todos e quaisquer aspectos linguísticos discursivos que, numa circunstância determinada, seriam capazes de desencadear no auditório algum tipo de reação afetiva. O pathos é, portanto, uma tentativa, uma experiência ou uma possibilidade contida nos discursos sociais, no sentido de despertar alguns sentimentos no alocutário. Nessa linha de raciocínio, o pathos não compreende propriamente as emoções, mas sim, as garantias simbólicas (...)

Conforme esclarece o autor, pathos não corresponde à emoção sentida

pelos ouvintes/leitores, mas aos efeitos possíveis a serem deflagrados no

receptor. Nesse sentido, Charaudeau (2007) assevera que a Análise do

Discurso, por não possuir meios metodológicos, não estuda as emoções como

uma realidade manifesta, vivenciada por um sujeito, mas procura estudar o

processo discursivo pelo qual a emoção pode ser despertada, ou seja, como

um efeito visado. O autor se utiliza do termo efeitos patêmicos para descrever o

agir do locutor sobre o sistema emocional do interlocutor.

Dentro dessa perspectiva, o linguista afirma que qualquer estudo dos

efeitos patêmicos deve apoiar-se em três condições:

1) que o discurso produzido se inscreva em um dispositivo comunicativo.

O corpus desta pesquisa corresponde à comunicação midiática,

especificamente a títulos em notícias jornalísticas.

2) que o campo temático sobre o qual se apoia o dispositivo preveja a

existência de um universo de patemização. As notícias, de um modo geral,

apresentam temáticas possíveis de produzir emoção no sujeito leitor.

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3) que, no espaço de estratégia deixado disponível pelas restrições do

dispositivo comunicativo, a instância de enunciação se valha da encenação ou

mise en scène discursiva com visada patemizante (CHARAUDEAU, 2004, p.

23). Sendo assim, a enunciação deve compreender uma encenação discursiva

que trabalhe para um fazer-crer e um fazer-sentir.

Dessa forma, para que se alcancem efeitos patemizantes, é necessário

que o discurso se inscreva em um dispositivo comunicativo, que apresente

temáticas aptas a provocar emoção e que se valha da mise en scène

discursiva peculiar da emoção.

Para que haja um melhor entendimento do conceito de pathos, veja-se,

a seguir, a retórica clássica, de Aristóteles.

2.2.1 A Retórica clássica

Segundo Henriques (2011), a palavra Retórica vem do latim rhetorica e é

oriunda do grego rhetor, que significa orador, que, por sua vez, deriva de

rhema, que significa “palavra”.

O surgimento histórico da retórica se deu na Sicília – Siracusa, na

magna Grécia, hoje, Itália –, no século V a.C. Conta-se que dois tiranos –

Hierón e Gélon –, com a finalidade de povoar Siracusa, subtraíram terras e

distribuíram propriedades. Diante disso, os legítimos proprietários formaram

júris populares, a fim de reaverem suas terras. As partes em litígio, então,

procuraram aperfeiçoar seus discursos com o propósito de convencer os juízes

acerca de suas ações.

Córax e seu discípulo Tísia propuseram-se a defender as vítimas dos

arbítrios cometidos pelos déspotas. Assim, redigiram um tratado sobre a arte

da palavra – a Teoria Retórica –, que suscitou o estudo da linguagem em uma

perspectiva discursiva. Nesse sentido, Citelli (2004) afirma que o aparecimento

da retórica como disciplina específica é o primeiro testemunho, na tradição

ocidental, de uma reflexão sobre a linguagem. Desse modo, começa-se, a

estudar a linguagem não enquanto “língua”, mas enquanto “discurso”. Assim,

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nesse espaço do dizer, em que o discurso se impõe potentemente, encontra-se

a retórica.

A partir de então, a sociedade passou a entender que havia uma nova

forma de gerenciar os conflitos de interesse. Em substituição ao confronto

físico, a exposição de ideias perante um público trouxe a possibilidade de

inflamar multidões, alterar pontos de vista e mudar conceitos pré-formados. A

Retórica tinha, em seus primeiros tempos, um caráter pragmático: convencer o

interlocutor da justeza de uma causa. Sua utilidade estava diretamente ligada à

predominância da verdade e da justiça, pois, se os discursos não fossem ditos

da melhor maneira, a eficiência deles seria comprometida.

Para os cidadãos atenienses, portanto, especialmente para certas

camadas sociais, dominar a boa argumentação era algo imprescindível, já que,

segundo Citelli (2004), tal domínio representava a possibilidade de formação

dos consensos de mando. Nesse contexto, surgiram, assim, reflexões a

respeito das dificuldades envolvendo a linguagem verbal. Os pensadores

gregos, de Sócrates a Platão, posicionaram-se, escrevendo tratados sobre a

expressão convincente e elegante das ideias, porém, foi com Aristóteles que o

discurso foi dissecado em sua estrutura e funcionamento.

Aristóteles, um dos maiores representantes da arte da palavra, sendo

um dos primeiros a sistematizar as regras da comunicação eficaz, escreveu A

Arte Retórica, um livro que inovou e sintetizou as visões dos estudos retóricos

de seu tempo e, que, permanece, até hoje, como referência para quem almeja

estudar questões relacionadas aos processos compositivos dos textos. Tal

obra teve como intuito esclarecer os procedimentos retórico-persuasivos.

A retórica aristotélica ocupava-se, pois, da arte da comunicação, do

discurso feito em público com fins persuasivos. Conforme Aristóteles (2005),

entre os princípios que caracterizavam seu esquema argumentativo estava a

distinção de duas categorias formais de persuasão: provas não artísticas (não

técnicas) e provas artísticas (técnicas).

As provas não artísticas tinham como escopo estruturar um raciocínio

por meio de exemplos, ou seja, argumentos por intermédio de fatos,

documentação, objeto testemunhal. Já as provas artísticas constituíam um

meio de persuasão engendrado pelo orador.

As provas artísticas dividem-se em três:

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argumentação pelo caráter (Ethos) - a persuasão se dá pela

imagem transmitida pelo orador através de seu discurso, de sua

credibilidade;

argumentação pela emoção (Pathos) - a persuasão se dá pelos

efeitos provocados pelo orador no auditório;

pelo discurso (Logos) - a persuasão se dá por intermédio do

conteúdo informado pelo orador, isto é, argumentação pelo

discurso.

A persuasão, portanto, poderá ser alcançada pelo caráter moral do

orador, pelo efeito emocional suscitado no auditório e pelo próprio discurso.

Cabe lembrar que se dará ênfase, nesta pesquisa, à persuasão por meio

da emoção (pathos).

Veja-se, a seguir, como o conceito de pathos será embasado nesta

pesquisa.

2.2.2 O Pathos nesta pesquisa

Com o fim precípuo de destacar a força argumentativa da persuasão

pela emoção, o pathos, nesta pesquisa, constitui-se basilar para o estudo da

subjetividade em títulos de notícias jornalísticas.

É perceptível que, no âmbito jornalístico, o sujeito comunicante – o

jornalista –, a fim de desencadear algum tipo de reação afetiva, utiliza-se,

muitas vezes, de estratégias discursivas que tendem a tocar a emoção e os

sentimentos do sujeito interpretante – leitor –, com a finalidade de persuadi-lo.

Essas estratégias referem-se a alguns termos desencadeadores de

patemização, isto é, elementos linguísticos que podem aflorar estados

emotivos no leitor.

Nesse sentido, Charaudeau atesta que:

[...] a noção de estratégia repousa na hipótese de que o sujeito comunicante concebe, organiza e encena suas intenções de modo a

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produzir determinados efeitos de persuasão ou de sedução sobre o sujeito interpretante. (CHARAUDEAU, 2014, p.56).

Dessa forma, em se tratando da mídia, de um modo amplo, pode-se

inferir que os jornalistas constroem estrategicamente títulos de notícias visando

a atuar sobre o sistema emocional do leitor e, assim, persuadi-lo.

No discurso jornalístico, há, pois, alguns termos desencadeadores de

patemização, isto é, elementos linguísticos que podem aflorar estados

emotivos no leitor. Plantin (1999b, apud Fernandes, 2010) apresenta algumas

possibilidades de se utilizarem técnicas de análise discursivas que permitam

recuperar a emoção nas argumentações explicitadas em certos dados lexicais

e sintáticos. Sendo assim, algumas palavras e expressões podem suscitar a

emoção no leitor.

Nesse aspecto, Charaudeau (2000) aponta que os efeitos patêmicos

podem ser provocados não só pelo emprego de palavras pertencentes ao

universo emocional como "raiva", "ansiedade", "horror", "indignação", mas

também por meio de palavras que não descrevem emoções, como

“assassinato”, “conspiração”, “vítimas”, “manifestação”. Isso significa que o

efeito visado pode partir de um discurso explícito e direto ou de um discurso

implícito e indireto.

Dentro dessa perspectiva, Abreu (1999) diz que somos seres

emocionais. Segundo o autor, a primeira lição de persuasão que temos a

aprender é educar nossa sensibilidade para os valores que o outro hierarquiza.

Para ele, em um processo persuasivo, é mortal rejeitar um valor do auditório.

Sendo assim, com vistas a buscar a adesão deste, propõe que haja uma

rehierarquização desses valores, ou seja, que estes sejam analisados e

subordinados a outros valores do próprio auditório.

Nesse processo, podem-se utilizar algumas técnicas conhecidas como

Lugares da Argumentação – “premissas de ordem geral usadas para reforçar a

adesão a determinados valores” (ABREU, p,79). O termo lugares era utilizado

pelos gregos para denominar locais virtuais de fácil acesso, onde o orador

pudesse ter argumentos disponíveis quando necessitasse. Os lugares da

argumentação são: (1) lugar de quantidade, (2) lugar de qualidade, (3) lugar de

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ordem, (4) lugar de essência, (5) lugar de pessoa, (6) lugar do existente. Cabe

esclarecer que, nesta pesquisa, utilizaremos o lugar/princípio de quantidade –

técnica que se utiliza de números ou dados estatísticos para envolver o

auditório e, assim, persuadi-lo.

Em se tratando ainda de termos desencadeadores de emoção, Ingedore

Koch (2010), ao considerar elementos que permitem indicar a orientação

argumentativa do enunciado, aponta os modalizadores. Dentre as diversas

marcas linguísticas que funcionam como modalizadores (advérbios, tempos e

modos verbais, assim como orações do tipo: é claro, é provável...), estão,

também, os operadores argumentativos, que a autora apresenta como: até,

quase, apenas, mas, embora, inclusive, também etc.

Gouvêa (2016), ao estudar acerca da subjetividade em crônicas

jornalísticas, propõe, apoiada em Patrick Charaudeau, a identificação de

estratégias linguístico-discursivas consideradas favorecedoras de efeitos

patêmicos. Segundo a pesquisadora, trata-se de estratégias por meio das

quais são identificadas algumas emoções possivelmente provocadas no leitor.

Sendo assim, o sujeito que argumenta pode lançar mão de diferentes

estratégias patêmicas visando à adesão do público.

Dentre as estratégias listadas pela autora, dar-se-á, nesta pesquisa,

destaque às estratégias relacionadas ao uso de palavras, expressões ou

enunciados que podem, de acordo com o contexto, produzir efeitos patêmicos

e, também, às relacionadas ao princípio de quantidade. Vejam-se:

enunciados que podem produzir efeitos patêmicos;

expressões modalizadoras;

palavras ou expressões que desencadeiam emoção;

palavras ou expressões que designam calamidades;

palavras que descrevem de modo transparente emoção;

princípio da quantidade.

Assim, por meio dessas marcas linguísticas, pretende-se comprovar a

subjetividade nos títulos em notícias jornalísticas e, consequentemente,

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reconhecer as intenções persuasivas do jornal sobre o leitor. Além disso,

objetiva-se identificar os efeitos patêmicos que, possivelmente, são usados

como estratégias de persuasão.

A seguir, serão apresentadas algumas considerações sobre os jornais O

Globo e Meia Hora.

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3 OS JORNAIS O GLOBO E MEIA HORA

Conforme o site História/Grupo Globo1, o jornal O Globo foi lançado em

1925 e, desde o seu lançamento, caracteriza-se por ser essencialmente

noticioso e voltado para a prestação de serviços. Com grande circulação no Rio

de Janeiro, é considerado jornal de referência por ter certa credibilidade e

prestígio frente ao seu público.

Já o site Infoglobo2 informa que o periódico conta com 1.194.000

leitores, 286.944 exemplares nos dias úteis e 352.516 exemplares aos

domingos.

Como se pode observar nos gráficos, no jornal O Globo a classe social

predominante é a B, embora haja também leitores das classes A, C e D. Já no

tocante à escolaridade, a maioria de seus leitores tem nível superior, o que

justifica a inserção desse jornal na categoria não popular.

De um modo geral, os jornais são dirigidos a quem deseja se informar,

entretanto, ao serem formulados, são pensados para determinada(s) classe(s)

e/ou grupo(s). No caso do jornal O Globo, sua linguagem, assunto, preço e

anúncios estão voltados para os leitores da classe B, com nível superior de

escolaridade. No tocante à temática, predominam notícias e reportagens sobre

Política e Economia.

Já o jornal Meia Hora é um tabloide popular que circula no Rio de

Janeiro. Segundo Amaral (2018), é destinado às classes C e D e concorre com

o Extra. Pode-se pressupor, devido às classes para as quais o jornal se

destina, que a maioria do público-leitor tem o Ensino Fundamental / Médio.

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Ligado ao grupo O Dia, sua circulação iniciou-se em setembro de 2005

e, em novembro do mesmo ano, já apresentava uma tiragem de mais de 70 mil

exemplares nos dias úteis. De acordo com o Instituto Nacional de Jornais

(ANJ)3, o jornal Meia Hora encontra-se entre os maiores jornais de circulação

do Brasil. É conhecido pelas capas com expressões criativas e tem como

objetivo ser útil, interativo e moderno. Sua proposta é publicar notícias sobre

polícia, esportes, utilidade pública, oportunidades e entretenimentos em textos

curtos e numa linguagem direta em simples.

Vejam-se, a seguir, as diversas etapas que foram adotadas para a

realização desta pesquisa.

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4 METODOLOGIA

Quanto à metodologia, esta pesquisa envolveu várias etapas, desde a

reunião do corpus até a confirmação das hipóteses. O trabalho, portanto,

adotou os passos que se seguem:

a) reunião do corpus, sendo constituído por 20 títulos de notícias

jornalísticas veiculadas pelo jornal O Globo e 20 títulos de notícias jornalísticas

veiculadas pelo jornal Meia Hora;

b) análise comparativa entre os dois jornais, identificando as estratégias

linguístico-discursivas utilizadas pelos dois periódicos;

c) observação do percentual de estratégias utilizadas pelos jornais,

verificando quais são as mais produtivas;

d) análise das motivações para o emprego das estratégias mais

recorrentes nos dois jornais.

A partir dos passos supracitados, pode-se perceber que, primeiramente,

para formar o corpus foram selecionados, no período de março a dezembro de

2017, 40 títulos de notícias jornalísticas – 20 de cada jornal –, envolvendo

títulos que constituem manchetes de primeira página e títulos do interior do

jornal. Cada notícia publicada no mesmo dia abordava o mesmo assunto nos

dois periódico, isto é, seguia uma mesma temática.

Em um segundo momento, foi feita a análise qualitativa do corpus.

Foram identificadas as estratégias linguístico-discursivas utilizadas pelos

jornais, a fim de provocar determinados efeitos patêmicos no leitor. Como o

corpus constitui-se de textos de dois jornais, foram cotejadas as estratégias

utilizadas por um e por outro.

No tocante à análise quantitativa do corpus, foi verificado o percentual

de cada estratégia em cada jornal analisado, constatando quais são as mais

recorrentes e as menos frequentes, assim como a motivação do emprego mais

produtivo de determinada estratégia pelos dois jornais.

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Cabe esclarecer que, dos 40 títulos analisados, apenas 38 constam na

analise qualitativa desta pesquisa. Já, na quantitativa, todos os 40 títulos são

considerados.

No que se refere aos gráficos, no primeiro, o termo “formatação” diz

respeito ao fato de um jornal apresentar determinada matéria como principal –

manchete –, enquanto o outro jornal apresenta como manchete uma matéria

diferente. Assim, serão apresentados exemplos de capa de cada jornal para

ilustrar o gráfico.

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5 ANÁLISE DO CORPUS

O presente capítulo demonstrará como a fundamentação teórica que

embasa esta investigação pode ser comprovada a partir da análise dos títulos

selecionados.

Para esse fim, contar-se-á com duas etapas de análise: a primeira,

destinada a uma leitura qualitativa do gênero pesquisado e, a segunda, um

levantamento percentual para apreciação das estratégias mais utilizadas pelos

jornais.

Assim, veja-se, no primeiro momento, a análise sob o ponto de vista

qualitativo.

5.1 Análise qualitativa

Exemplo 1

Os jornais O Globo e Meia Hora, ao noticiarem a crise econômica na

saúde, no Estado do Rio de Janeiro, constroem seus títulos utilizando-se de

estratégias linguístico-discursivas que visam à persuasão do leitor. Vejam-se

os títulos:

Título 1

Estado dispensa 73 médicos do hospital Getúlio Vargas. (O Globo 08/07/2017)

Título 2 O povão é quem sofre!

(Meia Hora 08/07/2017)

O jornal O Globo, por meio do numeral 73, que constitui uma quantidade

fora do normal no que se refere a demissões de médicos, pode despertar no

leitor um efeito patêmico de tristeza e revolta. Sendo assim, o jornal utiliza-se

da estratégia linguístico-discursiva princípio da quantidade (“73”) para agir

sobre emocional do leitor e, assim, persuadi-lo a tornar-se coparticipante em

uma atitude denunciativa no tocante à dispensa dos profissionais da saúde.

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Já o Meia Hora, ao construir seu título, emprega a palavra “povão”, que

remete às pessoas menos favorecidas, já envolvendo de certa forma o leitor.

Além disso, o verbo “sofrer” pode despertar nele um efeito patêmico de

abandono e sofrimento. O Jornal utiliza-se da estratégia palavras ou

expressões que desencadeiam emoção (“povão”, “sofre”) para agir sobre o

emocional do leitor e, assim, persuadi-lo a se engajar, de alguma maneira, na

luta para a solução do problema do descaso e da falta de respeito das

autoridades do Estado do Rio de Janeiro em relação à população.

Exemplo 2

Ao redigirem notícias sobre o fato de a filha de Fernandinho Beira Mar

tornar-se vereadora no Estado do Rio de Janeiro, os jornais O Globo e Meia

Hora, visando à persuasão do leitor, constroem seus títulos, utilizando-se de

estratégias linguístico-discursivas. Vejam-se os exemplos:

Título 1

Filha de Beira-Mar pode se tornar vereadora. _________________ (O Globo 11/10/2017)

Título 2

Filha de Beira-Mar vai ser vereadora. _______ (Meia Hora 11/10/2017)

A filha do traficante Fernandinho Beira Mar, Fernanda Costa, devido aos

3.098 votos que recebeu na eleição de 2016, poderá assumir mandato na

Câmara dos Vereadores de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Por ter

recebido um número expressivo de votos, a filha de Beira Mar ficou como

suplente do Vereador Sebastião Ferreira da Silva. Este, por sua vez, encontra-

se com um mandato de prisão expedido contra ele. Esse mandado de prisão

poderá causar o afastamento do correligionário de Fernanda e abrir uma vaga

para ela na Câmara.

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O jornal O Globo, a fim de noticiar tal fato, por meio da expressão “filha

de Beira Mar pode se tornar vereadora”, despertará, possivelmente, um

sentimento de revolta, indignação no leitor, já que, em eleições passadas,

outros componentes da família do traficante já assumiram cargos na Câmara

de Vereadores no município de Duque de Caxias, configurando um possível

domínio de Beira Mar tanto nas eleições, quanto em toda a região, no que se

refere ao tráfico de drogas.

Além disso, o jornal também por meio da locução “pode se tornar”, que

transmite a modalidade de possibilidade, hipótese, poderá despertar no leitor

um sentimento de dúvida, de incerteza, mas também de esperança de que o

que está delineando-se não aconteça. Afinal, trata-se da filha de um homem

criminoso, e os desdobramentos da eleição da candidata seria uma incerteza

para todos.

O Jornal Meia Hora por intermédio do enunciado “Filha de Beira Mar vai

ser vereadora”, assim como o jornal O Globo, poderá despertar no leitor

também um efeito patêmico de indignação e revolta.

A locução verbal “vai ser”, que transmite a modalidade de certeza,

poderá intensificar no leitor o sentimento de indignação. O periódico, mesmo

sem a certeza de que a filha do traficante Fernandinho Beira-Mar seria

realmente empossada ao cargo de vereadora, usa um verbo modal que ratifica

a posse. Com isso, o leitor fica supostamente indignado e é persuadido a iniciar

a leitura da notícia para se certificar da veracidade da informação.

No tocante às estratégias linguístico-discursivas, ambos os jornais se

utilizam de enunciados que podem produzir efeitos patemizantes (“Filha de

Beira Mar pode se tornar vereadora/ Filha de Beira Mar vai ser vereadora) e

expressões modalizadoras (“pode se tornar/ vai ser”) a fim de tocar o sistema

emocional do leitor.

Exemplo 3

Neste exemplo, o suposto envolvimento do presidente Michel Temer na

soltura do senador Aécio é noticiado pelos jornais O Globo e Meia Hora, que

constroem seus títulos utilizando-se de estratégias para persuadir o leitor a ler

a matéria. Observem-se:

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Título 1

Com a ajuda de Temer, Aécio reassume mandato no Senado.

(O Globo 18/10/2017)

Título 2

Carreira garantida. (Meia Hora 18/11/2017)

Por meio da expressão “com a ajuda de Temer”, e do enunciado “Aécio

reassume mandato no Senado” o jornal O Globo pode despertar no leitor um

efeito patêmico de indignação. Após duas denúncias contra o Chefe de Estado,

ele ainda favoreceu a volta de um político que havia sido preso por corrupção,

o senador Aécio Neves. Desse modo, por meio das estratégias linguístico-

discursivas palavras ou expressões que desencadeiam emoção (“com a ajuda

de Temer”) e enunciados que podem produzir efeitos patemizantes (“Aécio

reassume mandato no senado”), o jornal pode atuar sobre o sistema emocional

do leitor e persuadi-lo a coparticipar da oposição que se vem levantando contra

políticos corruptos e contra o presidente Temer.

O jornal Meia Hora usa a expressão “carreira garantida” e

especificamente o adjetivo “garantida” para supostamente despertar também

no leitor um efeito patêmico de indignação, pois um político que, por seus atos

ilícitos deveria permanecer preso, é posto em liberdade para continuar

exercendo normalmente o cargo de senador. Diferentemente do jornal O Globo,

o Meia Hora, por apresentar um engajamento menor quando o tema é política,

constrói seu título com um teor de caráter jocoso, para se referir à liberdade de

Aécio, tratamento que é peculiar a esse jornal. O jornal utiliza-se da estratégia

palavras ou expressões que desencadeiam emoção (“carreira garantida”) para

envolver o leitor e, assim, persuadi-lo a também ter um comportamento crítico,

a exemplo do leitor do jornal O Globo.

Exemplo 4

A fim de retratarem a violência contra policiais no Estado do Rio de

Janeiro, os jornais O Globo e Meia Hora, ao redigirem notícia sobre a temática

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em questão, utilizam-se de números em seus títulos para fazerem referência à

morte desses PMs e, assim, envolver o leitor. Vejam-se os títulos:

Título1

Rio tem dois PMs mortos em menos de 12 horas.

(O Globo 19/12/2017)

Título2

Mais dois PMs mortos.

(Meia Hora 19/12/2017)

O Jornal O Globo, com vistas a provocar emoção no leitor, informa, no

próprio título, por meio do numeral “dois” a quantidade de PMs que foram

vítimas, ou seja, “mortos”, pela criminalidade desenfreada que ocorre no Rio de

Janeiro. Além disso, acrescenta que os crimes ocorreram “em menos de 12

horas”, expressão que também indica quantidade, para destacar o curto

período envolvendo o assassinato de policiais. Nesse caso, o jornal utiliza-se

das estratégias linguístico-discursivas princípio da quantidade (“dois”, “em

menos de ‘12’ horas”) e palavras ou expressões que designam calamidades

(“mortos”), para despertar no leitor o efeito patêmico de indignação e de medo

em relação ao perigo que todos estão correndo.

O jornal Meia Hora também emprega o numeral “dois”. Além disso, usa o

advérbio “mais” – operador argumentativo que desencadeia conteúdos

pressupostos. É triste ter dois policiais mortos; mais triste ainda é saber,

através do “mais”, que outros já foram mortos antes. Tem-se, então, um sentido

de acréscimo a uma extensa lista já existente de policiais assassinados. Desse

modo, a fim de sensibilizar o leitor no tocante à recorrência da morte desses

agentes, o jornal utiliza-se da estratégia linguístico-discursiva princípio da

quantidade (“dois”) e expressões modalizadoras – o operador argumentativo

“mais” – a fim de despertar no leitor também o efeito patêmico de indignação,

de apreensão.

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Exemplo 5

O abandono de um bebê às margens da Av. Brasil é noticiado pelos

jornais O Globo e Meia Hora, que, ao redigirem as notícias, constroem seus

títulos com o intuito de sensibilizar o leitor. Vejam-se:

Título 1

Agente da CET-Rio acha bebê em matagal às margens da Av. Brasil.

(O Globo 19/12/2017)

Título 2

Bebê largado na Av. Brasil.

(Meia Hora 19/12/2018)

O jornal O Globo, por meio da locução adverbial “em matagal”, pode

despertar no leitor um efeito patêmico de indignação, comoção e repúdio, já

que o fato de o bebê ter sido encontrado em um matagal caracteriza abandono

de um ser frágil, incapaz.

O jornal Meia Hora por intermédio do adjetivo largado pode despertar

também no leitor um efeito patêmico de indignação, comoção e repúdio.

No tocante às estratégias linguístico-discursivas, os dois jornais utilizam-

se de palavras ou expressões que desencadeiam emoção (“em matagal”,

“largado”) para tocar o sistema emocional do leitor.

Exemplo 6

Os títulos abaixo encabeçam notícias sobre a derrota do Flamengo para

o Independiente, time argentino. Veja-se como os jornais O Globo e Meia Hora

constroem-nos com vistas a tocar emocionalmente o torcedor/leitor:

Título 1

Faltou bola.

(O Globo 14/12/2017)

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Título 2

Desgosto no Maracanã.

(Meia Hora 14/12/2018)

O jornal O Globo, por meio do verbo “faltar”, traz uma opinião explícita

acerca da atuação do Flamengo: os jogadores não jogaram o suficiente para

chegar à vitória, ou seja, faltou competência. Com isso, o jornal utilizando-se da

estratégia linguístico-discursiva palavras ou expressões que desencadeiam

emoção – “faltar” com valor de “ausência” –, pode despertar no leitor/torcedor

um efeito patêmico de frustração.

Já o jornal Meia Hora, ao construir seu título, emprega o substantivo

“desgosto” para se referir ao desempenho dos atletas em campo. O uso dessa

palavra pode causar certo furor nos leitores/flamenguistas pelo fato de o

Flamengo não ter sido vencedor. O jornal utiliza-se, portanto, da estratégia

linguístico-discursiva palavras que descrevem de modo transparente emoção

(“desgosto”) para, despertar no público leitor, e/ou nos torcedores do

Flamengo, efeitos patêmicos de frustração e tristeza.

Exemplo 7

Os jornais O Globo e Meia Hora, ao redigirem notícias sobre um

enfrentamento entre torcedores do Flamengo e do time argentino

Independiente, constroem seus títulos empregando palavras que,

supostamente, despertarão efeitos patêmicos no leitor/torcedor. Vejam-se elas:

Título 1

Cena se repete: Vandalismo.

(O Globo 14/12/2017)

Título2

Cenário de guerra antes da decisão.

(Meia Hora 14/12/2017)

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Por meio do substantivo “vandalismo”, o jornal O Globo pode despertar

no leitor um efeito patêmico de indignação, já que torcedores do Flamengo e do

Independiente se enfrentaram com extrema violência, antes e depois do jogo,

caracterizando um contexto de devastação e selvagerismo. O jornal utiliza-se

da estratégia linguístico-discursiva palavras ou expressões que designam

calamidades (“vandalismo”) para impactar o leitor e, assim, persuadi-lo a não

aceitar atos de vandalismo entre torcedores de clubes brasileiros.

O jornal Meia Hora, por intermédio da palavra “guerra”, pode despertar

no leitor um efeito patêmico de pânico e revolta, pois o cenário que deve

envolver um jogo de futebol não é o de confronto entre torcedores, mas, de

uma saudável competição entre os jogadores. Sendo assim, o jornal utiliza-se

da estratégia linguístico-discursiva palavras ou expressões que designam

calamidades (“guerra”) para emocionar o leitor e, assim, envolvê-lo numa

postura denunciativa contra as atitudes dos torcedores.

Exemplo 8

A prisão do traficante Rogério 157 causou grande impacto entre os

policiais envolvidos na sua captura. Observe-se como os jornais construíram

seus títulos a fim de tocarem o sistema emocional do leitor no que se refere às

atitudes dos PMs:

Título 1

O traficante e eu.

(O Globo 07/12/2017)

Título 2

Em vez de vagabundo, cole aqui as fotos de quem REALMENTE

merece sair numa selfie.

(Meia Hora 07/12/2018)

O jornal O Globo constrói seu título fazendo referência ao fato de

policiais sorridentes postarem em redes sociais selfies com o traficante Rogério

157. Por meio da expressão “o traficante e eu”, observa-se o fenômeno da

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intertextualidade, pois o jornal remete ao título do filme americano “Marley e

Eu” – uma verdadeira história de amizade e companheirismo entre um cão e

seu dono –, para denunciar uma aproximação incomum dos policiais com o

traficante. Desse modo, o título poderá despertar no leitor sentimento de

indignação e revolta frente à atitude dos policiais, já que se trata de uma

postura reprovável e excessiva no meio da Corporação. Os policiais poderiam

comemorar de diversas formas o sucesso da operação, mas não por meio de

selfies, já que essa atitude é tomada entre pessoas que se admiram, o que não

seria o caso.

Já o jornal Meia Hora reserva toda a sua primeira capa para chamar a

atenção do leitor para o fato. O periódico também constrói seu título com base

na imagem de policiais posando para fotos juntamente com Rogério 157, no

entanto o rosto do traficante foi intencionalmente omitido, a fim de dar a

entender que, no lugar dele, deveriam estar pessoas de bem, ou seja, pessoas

que não se encontram à margem da sociedade. O jornal utiliza a palavra

“vagabundo”, e o enunciado “realmente merece” para denunciar um ato

inconsequente e inesperado dos policiais. Com isso, pode despertar no público

leitor efeitos patêmicos de indignação, de censura.

O jornal O Globo utiliza-se da estratégia linguístico-discursiva palavras

ou expressões que desencadeiam emoção (“O traficante e eu”), o Meia Hora

utiliza-se da mesma estratégia palavras ou expressões que desencadeiam

emoção (“vagabundo”), além de enunciados que podem produzir efeitos

patemizantes (“realmente merece”) para atuar sobre o leitor e, assim, persuadi-

lo a reprovar as atitudes dos policiais.

Exemplo 9

Ao retratarem a violência no Estado do Rio de Janeiro, os jornais O

Globo e Meia Hora encabeçam suas notícias com os títulos abaixo:

Título 1

Eletricista é morto por bala perdida.

(O Globo 08/07/2017)

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Título 2

Guerra no Rio destrói outra família.

(Meia Hora 08/07/2017)

Por intermédio da palavra “morto” e da expressão “bala perdida”, o jornal

O Globo pode despertar no leitor um efeito patêmico de medo e tristeza devido

à violência e à insegurança que assolam o Estado do Rio de Janeiro. O jornal

utiliza-se da estratégia linguístico-discursiva palavras ou expressões que

designam calamidades (“morto” / “bala perdida”) para atuar sobre o sistema

emocional do leitor.

Já o jornal Meia Hora, para se referir à morte do trabalhador, inicia seu

título com a palavra “guerra”, que pode despertar no leitor também sentimento

de medo e tristeza, já que este se sente totalmente indefeso e ameaçado

diante do cenário violento em que se encontra o Estado do Rio de Janeiro. O

jornal utiliza-se da estratégia palavras ou expressões que designam

calamidades (“guerra”) e palavras ou expressões que desencadeiam emoção

(“destrói”), provocando, possivelmente, no público-leitor um sentimento de

medo e tristeza pelo que está ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro.

Exemplo 10

Um bebê ter sido baleado dentro do útero materno é noticiado pelos

jornais O Globo e Meia Hora para retratar o ápice da violência no Estado do

Rio de Janeiro. Desse modo, constroem estrategicamente seus títulos, a fim

de, nesse sentido, envolverem emocionalmente o leitor. Vejam-se

Título 1

Bebê baleado dentro do útero pode ter salvado a vida da mãe.

(O Globo 08/07/2017)

Título 2

A esperança na cirurgia para bebê.

(Meia Hora 08/07/2017)

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O enunciado “Bebê baleado dentro do útero” constitui, certamente, uma

informação que apavora qualquer pessoa. Trata-se do caso, de impacto

nacional, compartilhado pelo jornal O Globo, cujo título destaca não só o fato

em si, mas também a possibilidade de, na tragédia, uma criança ter ajudado a

salvar sua mãe da morte. O segundo enunciado, “pode ter salvado a vida da

mãe”, ao contrário do primeiro, pode ter levado o leitor a agradecer a Deus por

alguma coisa ter sido positiva na tragédia.

O jornal Meia Hora inicia seu título com a palavra “esperança”, que pode

despertar no leitor um efeito patêmico de solidariedade e expectativa em

relação à recuperação do bebê.

Em se tratando das estratégias linguístico-discursivas, o jornal O Globo

utiliza-se de palavras ou expressões que desencadeiam emoção (“Bebê

baleado dentro do útero”) e enunciados que podem produzir efeitos

patemizantes (“pode ter salvado a vida da mãe”) e, o Meia Hora, palavras que

descrevem de modo transparente emoção (“esperança”) para atuar sobre o

sistema emocional do leitor.

Exemplo 11

Os jornais O Globo e Meia Hora, ao noticiarem a morte do centésimo

policial morto por bandidos, constroem seus títulos utilizando-se de numerais

para sensibilizar o leitor no tocante à violência contra esses agentes.

Observem-se os exemplos:

Título 1

100 PMs mortos.

(O Globo 27/08/2017)

Título 2

100 PMs mortos: Sem esperança, sem segurança, sem governo, sem

pacificação, sem comando, sem proteção, sem respostas, sem sossego,

sem apoio, sem piedade, sem saída?

(Meia Hora 27/08/2017)

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O jornal O Globo para fazer referência à quantidade de PMs mortos

desde janeiro de 2017, faz uso do numeral ordinal “100”. Por meio desse

numeral, que constitui uma quantidade fora do normal no que se refere a

mortes de policiais, o jornal O Globo pode despertar no leitor um efeito

patêmico de revolta, indignação e medo.

O Jornal Meia Hora emprega o numeral cardinal “100” em seu título.

Esse numeral poderá despertar, também, no leitor, efeitos patêmicos de revolta

e indignação. O jornal faz, ainda, uma relação de sentido entre o numeral “100”

– contingente de PMs mortos – e a preposição “sem”, ao destacar a

homonímia entre eles, para marcar a ausência de “esperança”, “segurança”,

“governo”, “pacificação”, “comando”, “proteção”, “respostas”, “sossego”, “apoio”,

“piedade”. Todas essas palavras, palavras que descrevem de modo

transparente emoção (esperança, segurança, pacificação, proteção, piedade) e

que desencadeiam emoção no contexto em apreço (governo, comando,

respostas, sossego, apoio) contribuem para intensificar o sentimento de

indignação e revolta possivelmente despertado no público-leitor.

Como se vê, ambos os jornais utilizam-se da estratégia linguístico-

discursiva princípio da quantidade (“100”). Além disso, o jornal Meia Hora utiliza

também as estratégias palavras que descrevem de modo transparente emoção

para atuar sobre o sistema emocional do leitor.

Exemplo 12

Os títulos abaixo encabeçam noticias sobre o fato de o irmão de Suzane

Richthofen ter sido encontrado supostamente drogado. Veja-se como os jornais

constroem seus títulos:

Título 1

Dois destinos, 15 anos depois.

(O Globo 31/05/2017)

Título 2

Parecendo cracudo, irmão de Suzane Richthofen é internado.

(Meia Hora 31/05/2017)

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Suzane Richthofen, condenada a 40 anos de prisão por ter sido coautora

da morte de seus pais, teve seu nome veiculado mais uma vez na mídia.

O jornal O Globo, ao noticiar o fato de o irmão dela ter sido preso ao

tentar pular o muro de uma residência e ter sido supostamente considerado

drogado, constrói seu título, descrevendo a vida de duas pessoas com o passar

do tempo. O jornal faz uma analogia entre o jovem, que, há 15 anos viveu a

perda trágica dos pais, e outro jovem que foi sequestrado, ainda na

maternidade, poucas horas após o nascimento, ficando, também, 15 anos longe

de seus pais biológicos.

A expressão “dois destinos” e o numeral “15” podem despertar efeitos

patêmicos no leitor – a expressão por comparar duas situações que envolvem

tristeza e perda dos pais, e o numeral por fazer referência ao tempo que os

dois rapazes vivenciaram essa perda. O jornal utiliza-se da estratégia palavras

ou expressões que desencadeiam emoção (“dois destinos”) e princípio da

quantidade (“15”) para sensibilizar o leitor no tocante aos fatos ocorridos com

os dois rapazes.

Já o jornal Meia Hora constrói seu título estabelecendo uma relação de

semelhança entre o irmão de Suzane e um usuário de crack, já que o rapaz

encontrava-se visivelmente desorientado. Para estabelecer essa relação, o

jornal emprega o enunciado “parecendo cracudo”, que pode despertar no leitor

efeitos patêmicos de piedade e tristeza. Sendo assim, o jornal Meia Hora

utiliza-se da estratégia linguístico-discursiva enunciados que podem produzir

efeitos patemizantes (“parecendo cracudo”) para emocionar o leitor e, assim,

fazê-lo ler a notícia.

Exemplo 13

Os jornais O Globo e Meia Hora, ao noticiarem o fato de policiais terem

sido baleados no Estado do Rio de janeiro, constroem seus títulos a fim

sensibilizar o leitor no tocante à quantidade de PMs feridos por traficantes.

Vejam-se:

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Título 1

Quatro PMs são baleados por traficantes no Alemão.

(O Globo 31/05/2017)

Título 2

Após tragédia, quatro policiais são baleados.

(Meia Hora 31/05/2017)

O jornal O Globo introduz o título por intermédio do numeral “quatro”,

que representa a quantidade de policiais baleados por traficantes. Quatro

policiais baleados é quatro vezes mais lamentável do que um baleado. A

notícia pode despertar no leitor efeitos patêmicos de revolta e insegurança. O

jornal utiliza-se da estratégia linguístico-discursiva princípio da quantidade

(“quatro”) e palavras ou expressões que designam calamidades (“baleado”)

para tocar o sistema emocional do leitor no que se refere ao número de

policiais feridos.

O jornal Meia Hora constrói seu título empregando a palavra “tragédia”,

para se referir à morte de uma mulher ocorrida um dia antes de os policiais

terem sido baleados. Além disso, assim como o jornal O Globo, o Meia Hora

faz menção ao numeral ”quatro” representando os agentes feridos. Desse

modo, tanto a palavra “tragédia” quanto a palavra “quatro” podem despertar no

leitor efeitos patêmicos de terror, indignação e insegurança. O jornal utiliza-se

das estratégias princípio da quantidade (“quatro”) e palavras ou expressões

que designam calamidades (“tragédia”) para agir sobre o sistema emocional do

leitor.

Exemplo 14

Os títulos abaixo, redigidos pelos jornais O Globo e Meia Hora,

encabeçam a notícia acerca da prisão do Sr. Geddel Vieira Lima, ex-homem

forte da articulação política do ex-presidente Michel Temer (PMDB), na época

em exercício, que estaria decidido a participar de uma delação premiada.

Vejam-se os casos:

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Título 1

Prisão de Geddel reabre temor no PMDB de delação contra governo.

(O Globo 09/09/2017)

Título 2

Ex-ministro de volta ao xadrez.

(Meia Hora 09/09/2017)

O jornal O Globo, diante de sua aparente oposição ao ex-presidente

Temer, constrói seu título empregando a palavra “temor” e o enunciado

“delação contra governo”. Com isso, o jornal chama a atenção do leitor para

uma possível culpabilidade do governo no que refere a atitudes corruptas

Desse modo, pode despertar no leitor um efeito patêmico de alívio, de justiça e

de indignação. De alívio e justiça, por estar sendo preso mais um político

envolvido em corrupção, e de indignação pela postura incorreta e inesperada

de um ex-ministro veiculado ao atual governo.

O jornal Meia Hora, diferentemente de O Globo, não possui

engajamento político. Sendo assim, em seu título, não faz menção ao

presidente, nem ao governo atual. O leitor, ao lê-lo, fica ciente apenas de que

se trata de um ex-ministro, de alguém a quem foi dado credibilidade para

assumir um cargo e que, no entanto, não cumpriu com os seus deveres. Diante

disso, o jornal pode despertar no leitor o efeito patêmico de alívio e justiça, já

que o ex-ministro havia saído da prisão, mas retornou a ela.

No tocante às estratégias linguístico-discursivas, o jornal O Globo

utilizou-se de palavras que descrevem de modo transparente emoção (“temor”)

e palavras ou expressões que desencadeiam emoção (“delação contra

governo”) O jornal Meia Hora utilizou-se de enunciados que podem produzir

efeitos patemizantes (“de volta ao xadrez”).

Exemplo 15

A corrupção envolvendo policiais é noticiada pelos jornais O Globo e

Meia Hora, que constroem seus títulos a fim de despertar efeitos patêmicos no

leitor. Vejam-se:

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Título 1

A maior operação contra PMs corruptos.

(O Globo 30/06/2017)

Título 2

Civil desbarata quadrilha de PMs.

(Meia Hora 30/06/2017)

Por meio da expressão “PMs corruptos”, o jornal O Globo pode

despertar no leitor o efeito patêmico de indignação, pois o que se espera de

policiais não são atitudes corruptas.

O jornal Meia Hora emprega em seu título a expressão “quadrilha de

PMs” para fazer referência à corrupção policial. Por intermédio dela, o jornal

pode despertar no leitor, também, um efeito patêmico de indignação, já que

“quadrilha” – termo comumente usado para se referir a bandidos – foi usado

para qualificar a postura incorreta dos PMs.

Os jornais utilizam-se da estratégia linguístico-discursiva palavras ou

expressões que desencadeiam emoção (“PMs corruptos”, “quadrilha de PMs”)

para impactar o leitor e, assim, provocar-lhe um efeito patêmico de desilusão,

diante da postura incorreta dos PMs.

Exemplo 16

Os jornais O Globo e Meia Hora, ao noticiarem o fato de uma escola em

Santa Catarina ter solicitado a seus alunos que fossem a uma festa à fantasia

vestidos de “favelados do Rio de Janeiro”, constroem seus títulos a fim de tocar

emocionalmente o leitor. Veja-se.

Título 1

‘Favelados do Rio’ em festa à fantasia.

(O Globo 30/06/2017)

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Título 2

Aula de puro preconceito.

(Meia Hora 30/06/2017)

Atendendo à realidade de exclusão social para qual remete a palavra

“favelados” e sua consequente carga negativa, é provável que, ao usar

expressão “Favelados do Rio”, o jornal O Globo desperte no leitor o efeito

patêmico de indignação.

Já o jornal Meia Hora, ao construir seu título, emprega o expressão

“puro preconceito” para se referir à postura do colégio em relação ao traje

determinado para a festa. Essa construção, que qualifica claramente a atitude

do colégio, pode despertar, também, efeitos patêmicos de indignação e furor.

Ambos os jornais utilizam-se da estratégia linguístico-discursiva palavras

ou expressões que desencadeiam emoção (“favelados do Rio”, “puro

preconceito”) para despertar no leitor um sentimento de aversão acerca da

postura preconceituosa da Instituição Escolar.

Exemplo 17

A violência no Estado do Rio de Janeiro é noticiada pelos jornais O

Globo e Meia Hora que constroem seus títulos empregando palavras que

podem despertar efeitos patêmicos nos leitores. Veja-se:

Título 1

Bando faz arrastão na Praça Tiradentes.

(O Globo 04/06/2017)

Título 2

Novo arrastão no Centro.

(Meia Hora 04/06/2017)

Por meio da palavra “arrastão”, o jornal O Globo pode despertar no leitor

um efeito patêmico de medo.

O Jornal Meia Hora, ao construir seu título, usa a expressão “novo

arrastão” o qual pode despertar no público leitor um sentimento de pânico, uma

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vez que ao empregar o adjetivo “novo” o jornal demonstra que há reincidência

do ato.

No tocante às estratégias, ambos os jornais utilizam-se de estratégia

linguístico-discursiva palavras ou expressões que desencadeiam emoção

(“arrastão”, “novo arrastão”) a qual pode produzir efeito patemizante de pânico.

Exemplo 18

Os jornais O Globo e Meia Hora, ao noticiarem a ida de Adriana

Ancelmo – ex-primeira dama do Estado do Rio de Janeiro – para a cadeia, em

Benfica, constroem seus títulos a fim de despertar efeitos patêmicos no leitor.

Veja-se:

Título 1

Adriana, a mais nova presa.

(O Globo 24/11/2017)

Título 2

Sextou em Benfica.

(Meia Hora 24/11/2017)

O jornal O Globo constrói seu título empregando a expressão “a mais

nova presa”, já que, lá, encontra-se, também, seu esposo Sergio Cabral – ex-

governador –, Antony Garotinho – também ex-governador – e sua esposa

Rosinha Matheus, além de Jorge Picciani – presidente afastado da Alerj.

A expressão pode despertar no leitor efeitos patêmicos de alívio e

revolta. Alívio porque a lei está sendo cumprida, justiça sendo feita e, revolta,

porque homens que um dia prometeram cuidar e melhorar o Estado estão

presos por desvio de dinheiro público para fins privativos.

O jornal Meia Hora, de modo sarcástico, constrói seu título empregando

o termo “sextou” – comumente utilizado para representar uma reunião de

amigos em comemoração ao final de semana –, para fazer referência ao

encontro dos ex-políticos dentro do presídio, uma vez que Adriana Ancelmo

chegou à prisão numa sexta-feira e se juntou aos demais.

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12%

88%

MATÉRIAS PRESENTES NAS PRIMEIRAS PÁGINAS DOS JORNAIS O GLOBO E MEIA HORA COM

TRATAMENTO DIFERENTE

A mesma matéria veiculada comomanchete pelo jornais O Globo e MeiaHora (12%).

A mesma matéria veiculada comomanchete pelo jornal Meia Hora e comomanchetinha pelo jornal O Globo (88%).

A palavra “sextou” utilizada pelo jornal pode, portanto, despertar no leitor

efeito de riso, pois o neologismo, nesse contexto, representa zombaria,

deboche, sarcasmo. A “festa” dos políticos, desta vez, é dentro da cadeia e, a

comemoração, quem faz é o povo/leitor.

No tocante às estratégias, os dois jornais, O Globo e Meia Hora,

utilizam-se de palavras ou expressões que desencadeiam emoção (“a mais

nova presa”, ”sextou”).

É importante observar que, ao longo desta seção, foi feita uma análise

qualitativa dos títulos de notícias jornalísticas retirados dos jornais O Globo e

Meia Hora, aplicando-se os conceitos que foram explicados no capítulo

destinado aos pressupostos teóricos. Na próxima parte desta dissertação, será

apresentada a análise quantitativa dos dados.

5.2 Análise quantitativa

Apresentam-se, aqui, os resultados da análise quantitativa dos 20 títulos

analisados, relacionando esses resultados às hipóteses desta pesquisa.

No tocante à primeira hipótese da pesquisa, segundo a qual a mesma

matéria publicada na capa do jornal O Globo e na do jornal Meia Hora

receberiam tratamento diferente: um periódico veicularia a matéria como

manchete, e o outro, como manchetinha, verificou-se, como se esperava, a sua

confirmação. Veja-se um gráfico a seguir:

GRÁFICO 1

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(O Globo 18/10/2017)

Os dados desse gráfico confirmam a primeira hipótese, já que 88% (7

oc.) das matérias veiculadas nas primeiras páginas dos jornais O Globo e Meia

Hora tiveram tratamento diferente. De um total de 8 matérias publicadas, em

apenas 12% (1 oc.), a mesma notícia foi veiculada pelos dois jornais como

manchete. Cabe destacar que as matérias como um todo, ou seja, as oito,

apresentavam temáticas como política, ética, futebol e violência.

O jornal Meia Hora, independentemente da temática, deu destaque às

oito matérias, constituindo-as como as principais, ou seja, aquelas que são

intituladas por manchetes, redigidas em letras grandes, no alto da primeira

página.

Já no jornal O Globo, das oito matérias veiculadas em sua primeira

página, somente uma coincidiu com a matéria principal do jornal Meia Hora,

Essa matéria, especificamente, tratava sobre política.

Vejam-se, a seguir, as oito matérias e a comparação entre os dois

jornais:

Exemplo 1

No exemplo 1, tem-se a única ocorrência em que os dois jornais

fazem referência à mesma matéria e constroem seus títulos constituindo-os

como manchetes.

O jornal Meia Hora, ao noticiar o fato de o senador Aécio Neves

reassumir o cargo após ter sido afastado de suas atividades laborais por

(Meia Hora 18/10/2017)

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suposta prática de corrupção, dá destaque à notícia formatando-a como a

principal da capa. O título “Carreira garantida” foi redigido em letras grandes a

fim de chamar a atenção do leitor para o retorno imoral do parlamentar ao

senado.

O jornal O Globo também dá destaque à mesma notícia, e o faz por

meio da manchete “Com a ajuda de Temer, Aécio reassume mandato no

senado”. Em uma clara oposição ao ex-presidente Michel Temer, o jornal

chama a atenção do leitor para o fato de o Chefe de Estado, na época em

exercício, estar envolvido na volta do senador Aécio Neves ao Senado.

O jornal Meia Hora e o jornal O Globo, portanto, dão destaque a uma

matéria que trata de política. Ambos os jornais constroem seus títulos,

constituindo-os como os principais da capa (manchetes).

Exemplo 2

.

No exemplo 2, é possível observar que o jornal Meia Hora utiliza toda a

extensão da primeira página para chamar a atenção do leitor acerca da

centésima morte de policiais ocorrida no Estado do Rio de Janeiro. A manchete

“100 PMs mortos....Sem saída?” foi construída a fim de dar grande destaque

à violência contra os policiais.

100

PMs mortos

(Meia Hora 27/08/2017)

(O Globo 27/08/2017)

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Já o jornal O Globo não dá o mesmo destaque à matéria. O título “100

PMs mortos” não constitui a manchete principal da capa. A notícia acerca da

morte dos policiais é formatada como manchetinha, do lado direito da primeira

página. A manchete principal “No território perdido do Jacarezinho” recebe,

portanto, o destaque por parte do jornal.

Exemplo 3

No exemplo 3, o jornal Meia Hora dedica grande parte da primeira

página para veicular a notícia sobre a prisão, numa sexta-feira, da ex-primeira

dama Adriana Anselmo, esposa do ex-governador do Estado do Rio de

Janeiro, Sérgio Cabral. A manchete “Sextou em Benfica”, redigida com letras

grandes evidencia a intenção do jornal de chamar a atenção do leitor, de modo

satírico, para a prisão da ex-primeira dama.

Já o jornal O Globo formata de modo diferente a notícia envolvendo a

prisão da ex-primeira dama, que, embora esteja na parte superior da capa, não

constitui a manchete principal. A manchetinha “Adriana, a mais nova presa de

Benfica” faz referência ao fato de a ex-primeira dama juntar-se com outros

políticos, já que, lá, encontravam-se, também, seu esposo Sergio Cabral – ex-

governador –, Antony Garotinho – também ex-governador – e sua esposa

Rosinha Matheus, além de Jorge Picciani – presidente afastado da Alerj. Cabe

Adriana, a mais nova presa de Benfica

(Meia Hora 24/11/2017) O Globo 24/11/2017

Adriana, a mais nova

presa de Benfica

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ressaltar que, apesar de a matéria envolver líderes políticos do Estado do Rio

de Janeiro, tem-se como temática a corrupção.

O jornal O Globo, portanto, diferentemente do jornal Meia Hora, dá

destaque a uma matéria que trata sobre política, intitulada “Maioria do STF

limita foro, mas Toffoli adia decisão”. Sendo assim, é possível explicar a

formatação utilizada pelo jornal, já que este prioriza, em suas manchetes de

primeira página, a temática política.

Exemplo 4

No exemplo 4, o jornal Meia Hora dá destaque à notícia envolvendo a

morte de um eletricista por bala perdida no Estado do Rio de Janeiro. Observe-

se que o jornal utiliza a matéria intitulada “Guerra no Rio destrói outra

família” para ser a principal – a manchete – de sua capa.

Já o jornal O Globo formata a mesma notícia de modo diferente. Do lado

direito na parte inferior da capa, o jornal constrói uma manchetinha: “Eletricista

é morto por bala perdida”. É possível observar que o jornal não a constitui

como matéria principal da primeira página. Em se tratando de uma notícia que

trata de violência, é comum que esta não obtenha por parte do jornal destaque

em sua primeira página. O destaque foi dado à matéria, que também trata

sobre política, envolvendo mais uma vez o ex-presidente Michel Temer. Ei-la:

“Mercado já vê cenário mais favorável sem Temer”.

Eletricista é morto

por bala perdida

(Meia Hora 08/07/2017) (O Globo 08/07/2017)

Eletricista é morto

por bala perdida

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Exemplo 5

(Meia Hora 07/12/2017) ( O Globo 07/12/2017)

No exemplo 5, o jornal Meia Hora utiliza toda a primeira página para

denunciar uma atitude antiética de alguns policiais: comemorarem a prisão do

traficante Rogério 157 por meio de “selfies” ao lado dele. Para tanto, o

periódico, como lhe é peculiar, de forma lúdica, constrói a manchete “Em vez

de vagabundo, cole aqui as fotos de quem realmente merece sair numa

selfie”, dando, assim, um grande destaque à notícia.

Já o jornal O Globo veicula a mesma notícia, mas não a constitui como

manchete. A manchetinha “O traficante e eu” não representa a principal da

primeira página. Nessa matéria, embora tenha sido dado certo destaque à

fotografia que foi alvo de crítica, é possível observar que o título da notícia

veiculado como manchete por parte do jornal refere-se à política: “Decisão de

Trump sobre Jerusalém isola EUA”.

O traficante e eu O traficante e eu

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Exemplo 6

(Meia Hora 20/10/2017)

No exemplo 6, o jornal Meia Hora veicula uma notícia acerca da guerra

entre facções criminosas. A matéria, cuja temática é violência, intitulada

“Rocinha: ataque teve a ajuda de bando paulista” recebeu destaque e foi

formatada para ser a principal, no alto da primeira página.

Já o jornal O Globo veicula, em sua primeira página, a mesma notícia

com a seguinte manchetinha: “Fuzis da Rocinha teriam saído de SP”. É

possível observar que o título foi construído com letras pequenas e de modo

quase imperceptível. A matéria que recebe destaque por parte do jornal trata

de Economia e encontra-se na parte superior da primeira página, tendo este

título: “Investimentos só devem se recuperar em 7 anos”.

(O Globo 20/10/2017)

Fuzis da Rocinha

teriam saído de SP

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Exemplo 7

No exemplo 7, o jornal Meia Hora veicula uma notícia acerca de atitudes

corruptas de policiais. É possível observar que o jornal utiliza grande parte de

sua primeira página para a matéria, constituindo-a como a principal da capa. A

manchete “Civil desbarata quadrilha de PMs...Salve-se quem puder” recebe

destaque por parte do jornal a fim de denunciar uma postura incorreta dos

policiais.

Já o jornal O Globo dedica espaço menor à matéria, formatando-a

diferentemente do jornal Meia Hora. Mais uma vez, o jornal O Globo, engajado

em sua luta contra o ex-presidente da República Michel Temer, constitui como

matéria principal de capa uma notícia cuja temática é política: “Denúncia

contra Temer é acelerada”.

(Meia Hora 30/06/2017)

(O Globo 30/06/2017)

A maior operação

contra PMs corruptos

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Exemplo 8

No exemplo 8, o jornal Meia Hora veicula, em sua primeira página, a

notícia de o irmão de Suzane Richthofen – condenada pela justiça como

coautora da morte de seus pais – ter sido encontrado visivelmente

desorientado. O título “Parecendo cracudo, irmão de Suzane é internado” é

redigido com letras grandes, pois se refere à matéria de destaque da primeira

página.

Já o jornal O Globo formata de modo diferente a mesma notícia,

intitulando-a como “Dois destinos, quinze anos depois”. Pode-se observar

que essa notícia não é a principal da primeira página. O título “Temer não quer

responder à PF sobre áudio de Joesley” ocupa a posição de destaque na

primeira página, já que representa a manchete principal e trata sobre política.

Diante do exposto, foi possível depreender que o tratamento dado pelos

jornais às matérias de primeira capa é diferente porque ambos os jornais, no

tocante à primeira página, veiculam suas matérias de acordo com seu

destinatário-alvo.

O jornal O Globo priorizou a temática política para estar entre as

matérias de destaque. Outras, relacionadas a temáticas diferentes, até foram

veiculadas na capa, mas a prioridade para ser a principal foi dada àquela que

se referia à política.

Dois destinos,

15 anos depois

(O Globo 31/05/2017)

(Meia Hora 31/05/2017)

Dois destinos, 15 anos depois

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Sendo assim, depreende-se que essa temática é prioritária para

estampar a capa do jornal, porque atrai seu destinatário-alvo, mais

especificamente, conforme proposta de Charaudeau (2015, p. 80,81), seu alvo

intelectivo, que se caracteriza por ser um leitor mais racional e por apresentar

interesse por Política, Economia.

O jornal Meia Hora, de cunho popular, diferentemente, não priorizou uma

temática específica, por isso todas as oito matérias foram veiculadas como as

principais. O periódico, embora veicule com bastante frequência notícias sobre

futebol em sua matéria principal de primeira capa, não é fiel a essa temática,

nem a nenhuma outra. Em um jornal de segmento popular, “muitas vezes, o

interesse do público suplanta o interesse público não em função da temática da

notícia, mas pela forma como ela é editada” (Amaral, 2018, p.52).

De um modo geral, foi possível perceber que as capas do jornal são

atraentes, as matérias de primeira página são especialmente elaboradas para

seduzir o leitor. Essa sedução, muitas vezes, não está relacionada à temática

em si, mas ao modo como o jornal edita suas matérias.

Dentro dessa perspectiva, o jornal Meia Hora segue a tendência de

destacar notícias que interfiram no cotidiano dos leitores. Sendo assim, o leitor

do periódico, não muito exigente, ao se deparar com as diferentes temáticas,

envolve-se intensamente: diverte-se com as mais lúdicas, devido ao caráter

humorístico do jornal e entristece-se com outras mais trágicas.

Por tudo isso, foi possível concluir que os dois jornais dão tratamento

diferente às suas matérias de primeira página. O Globo prioriza a temática

‘política’ para ocupar sua matéria principal de capa, já o Meia Hora, nâo.

A segunda hipótese da pesquisa, de acordo com a qual palavras que

descrevem de modo transparente emoção, palavras ou expressões que

desencadeiam emoção, palavras que designam calamidades, enunciados que

podem produzir efeitos patemizantes, expressões modalizadoras e princípio da

quantidade constituiriam estratégias linguístico-discursivas para alcançar

efeitos patêmicos, foi confirmada.

Vejam-se os gráficos com os índices das estratégias linguístico-

discursivas nos jornais O Globo e Meia Hora:

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10%

3%

40% 20%

7%

20%

ÍNDICE DAS ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICO - DISCURSIVAS NO JORNAL O GLOBO

Enunciados que podem produzirefeitos patemizantes (10%).

Expresssões modalizadoras (3%).

Palavras ou expressões quedesencadeiam emoção (40%).

Palavras ou expressões designamcalamidades (20%).

Palavras que descrevem de modotransparente emoção (7%).

Princípio da quantidade ( 20%).

GRÁFICO 2

Dos 40 títulos analisados, 20 do jornal O Globo e 20 do jornal Meia Hora,

obtiveram-se 62 ocorrências de expressões com potencial de provocar

emoção, sendo 30 ocorrências no jornal O Globo e 32 ocorrências no jornal

Meia Hora, totalizando seis estratégias: enunciados que podem produzir efeitos

patemizantes, expressões modalizadoras, palavras ou expressões que

desencadeiam emoção, palavras ou expressões que designam calamidades,

palavras que descrevem de modo transparente emoção e princípio da

quantidade. Para esse mapeamento, tomou-se como base a proposta de

Gouvêa (2016).

Considerando-se a representação das estratégias no gráfico acima,

observou-se que no jornal O Globo palavras ou expressões que desencadeiam

emoção tiveram uma frequência de 40% (12 oc.). A seguir, em ordem

decrescente de frequência, vem princípio da quantidade, com 20% (6 oc.),

palavras ou expressões que designam calamidades, também com 20% (6 oc.),

enunciados que podem produzir efeitos patemizantes, também com 10% (3

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10%

5%

37% 21%

16%

11%

ÍNDICE DAS ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICO - DISCURSIVAS NO JORNAL MEIA HORA

Enunciados que podem produzirefeitos patemizantes (10%).

Expressões modalizadoras (5%).

Palavras ou expressões quedesencadeiam emoção (37%).

Palavras que descrevem de modotransparente emoção (21%).

Palavras ou expressões que designamcalamidades (16%).

Princípio da quantidade (11%).

oc), palavras que descrevem de modo transparente emoção, com 7% (2 oc.) e,

finalizando, expressões modalizadoras, com 3% (1 oc.).

Veja-se, agora, no gráfico a seguir, a ocorrência das estratégias no

jornal Meia Hora:

GRÁFICO 3

Considerando-se a representação das estratégias no gráfico acima,

observou-se que no jornal Meia Hora palavras ou expressões que

desencadeiam emoção tiveram uma frequência de 37% (14 oc.). A seguir, em

ordem decrescente de frequência, vêm palavras que descrevem de modo

transparente emoção, com 21% (8 oc.), palavras ou expressões que designam

calamidades 16% (6 oc.), princípio da quantidade, com 11% (4 oc.),

enunciados que podem produzir efeitos patemizantes, com 10% (4 oc.) e,

finalizando, expressões modalizadoras, com 5% (2 oc.).

Diante do exposto, fica, portanto, comprovado o uso das seis estratégias

linguístico-discursivas pelos jornais O Globo e Meia Hora.

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A terceira hipótese levantada nesta pesquisa – o jornal Meia Hora

apresentaria um percentual maior de palavras que descrevem de modo

transparente emoção do que o jornal O Globo – também foi confirmada.

Observe-se o gráfico a seguir:

GRÁFICO 4

Por meio do gráfico 3, comparando-se os dois jornais, verifica-se que a

estratégia palavras que descrevem de modo transparente emoção foi mais

produtiva no jornal Meia Hora, com 80%, (8 oc.) ficando o jornal O Globo em 2º

lugar, com 20% (2 oc.).

Como era esperado, o jornal Meia Hora apresentou um número mais

expressivo de palavras que descrevem de modo transparente emoção. Pôde-

se observar que o periódico, de cunho popular, investe mais intensamente, se

comparado ao jornal O Globo, em palavras pertencentes especificamente ao

campo emocional.

O destinatário-alvo do jornal Meia Hora é o alvo afetivo, que, segundo

Charaudeau (2015), é aquele capaz de ser atraído pelas suas emoções. De

acordo com as características do alvo afetivo, o jornal pode organizar sua

pauta focada na afetividade do sujeito, baseando-se em categorias socialmente

codificadas de representações das emoções. Nesse sentido, segundo Amaral

80%

20%

PERCENTUAL DA ESTRATÉGIA PALAVRAS QUE DESCREVEM DE MODO TRANSPARENTE EMOÇÃO NOS

JORNAIS O GLOBO E MEIA HORA

Meia Hora (80%).

O Globo (20%).

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(2018, p. 59), “se a função do jornal é ‘fazer saber’ e ‘fazer crer”, na imprensa

popular o ‘fazer sentir’ passa também a ser uma das atribuições do jornal (...)

com a intenção de seduzir o leitor”.

Quanto à quarta hipótese – a estratégia palavras ou expressões que

desencadeiam emoção seria a estratégia mais produtiva nos dois jornais –

verificou-se, como se esperava, a sua confirmação. Veja-se o gráfico:

GRÁFICO 5

Considerando-se a representação das estratégias no gráfico acima,

observou-se que no jornal O Globo palavras que desencadeiam emoção, em

relação às outras estratégias, tiveram uma frequência de 40% (12 oc.). A

seguir, em ordem decrescente de frequência, vem princípio da quantidade, com

20% (6 oc.), palavras ou expressões que designam calamidades, também, com

20% (6 oc.), enunciados que podem produzir efeitos patemizantes, com 10%

(3 oc), palavras que descrevem de modo transparente emoção, com 7% (2 oc.)

e, finalizando, expressões modalizadoras, com 3% (1 oc.).

10%

3%

40% 20%

7%

20%

ÍNDICE DA ESTRATÉGIA PALAVRAS OU EXPRESSÕES QUE DESENCADEIAM EMOÇÃO NO JORNAL O GLOBO

Enunciados que podem produzirefeitos patemizantes (10%).

Expressões modalizadoras (3%).

Palavras ou expressões quedesencadeiam emoção (40%).

Palavras ou expressões quedesignam calamidades (20%).

Palavras que descrevem de modotransparente emoção (7%).

Princípio da quantidade (20%).

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10%

5%

37% 21%

16%

11%

ÍNDICE DA ESTRATÉGIA PALAVRAS OU EXPRESSÕES QUE DESENCADEIAM EMOÇÃO NO JORNAL MEIA

HORA

Enunciados que podem produzirefeitos patemizantes (10%).

Expressões modalizadoras (5%).

Palavras ou expressões quedesencadeiam emoção (37%).

Palavras que descrevem de modotransparente emoção (21%).

Palavras ou expressões quedesignam calamidades (16%).

Princípio da quantidade (11%).

Veja-se, agora, o gráfico com os resultados obtidos no jornal Meia Hora:

GRÁFICO 6

Considerando-se a representação das estratégias no gráfico acima,

observou-se que no jornal Meia Hora palavras ou expressões que

desencadeiam emoção tiveram uma frequência de 37% (14 oc.). A seguir, em

ordem decrescente de frequência, vêm palavras que descrevem de modo

transparente emoção, com 21% (8 oc.), palavras ou expressões que designam

calamidades 16% (6 oc.), princípio da quantidade, com 11% (4 oc.),

enunciados que podem produzir efeitos patemizantes, com 10% (4 oc.) e,

finalizando, expressões modalizadoras, com 5% (2 oc.)

Os dados dos gráficos 5 e 6 confirmam, portanto, a quarta hipótese, já

que a estratégia palavras ou expressões que desencadeiam emoção, em

relação às outras, foi a mais produtiva nos dois jornais.

Pode-se explicar o resultado quantitativo maior da estratégia palavras ou

expressões que desencadeiam emoção pelo fato de os jornais terem a seu

dispor uma quantidade maior de palavras que não se limitam ao universo

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emocional e que, embora não pertençam a esse campo específico, podem, em

determinados contextos, suscitar emoções. Nesse aspecto, conforme foi citado

na seção “2.2.2 O Pathos nesta pesquisa”, Charaudeau (2000) aponta que os

efeitos patêmicos podem ser provocados não só pelo emprego de palavras

pertencentes ao universo emocional como "raiva", "ansiedade", "horror",

"indignação", mas também por meio de palavras que não descrevem emoções,

como “assassinato”, “conspiração”, “vítimas”, “manifestação”.

Outro fator que explica o porquê de a estratégia palavras ou expressões

que desencadeiam emoção ser mais produtiva nos dois jornais é o fato de que,

com o uso dessas palavras e expressões, a subjetividade fica de certa forma

mais velada, mais implícita, o que favorece aos jornais, já que pregam uma

falsa imparcialidade.

Passa-se, a seguir, às últimas considerações.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa apresentou um estudo de estratégias patemizantes e de

possíveis efeitos patêmicos despertados nos leitores, por meio de títulos de

notícias dos jornais O Globo e Meia Hora. Pôde-se comprovar que ambos os

jornais utilizaram-se de diferentes estratégias linguístico-discursivas para atuar

sobre o componente emocional do leitor e, assim, induzi-lo a aderir às suas

ideias.

No tocante às hipóteses, todas foram comprovadas. A primeira

postulou que a mesma matéria publicada na capa do jornal O Globo e na do

jornal Meia Hora receberiam tratamento diferente: um periódico veicularia a

matéria como manchetinha, e o outro, como manchete.

A segunda hipótese propôs que enunciados que podem produzir

efeitos patemizantes, expressões modalizadoras, palavras ou expressões que

desencadeiam emoção, palavras ou expressões que designam calamidades,

palavras que descrevem de modo transparente emoção e princípio da

quantidade, constituiriam estratégias linguístico-discursivas utilizadas pelos

dois jornais. Essa hipótese também foi confirmada por meio dos gráficos 2 e 3.

Todas essas estratégias foram empregadas pelos dois jornais, totalizando 62

ocorrências.

A terceira hipótese da pesquisa, segundo a qual o jornal Meia Hora

apresentaria um percentual maior de palavras que descrevem de modo

transparente emoção do que o jornal O Globo, confirmou-se também por meio

do gráfico 4.

A quarta hipótese levantada dizia que a estratégia palavras ou

expressões que desencadeiam emoção seria a estratégia mais produtiva nos

dois jornais. Os gráficos 5 e 6 ilustraram plenamente a sua confirmação.

Por meio da identificação de algumas estratégias linguístico-discursivas,

comprovou-se a subjetividade no âmbito jornalístico, pois todas elas visavam à

captação do leitor. Comprovou-se também que a adesão do auditório pode ser

conquistada não só por meio de estratégias argumentativas que utilizam o

raciocínio lógico, mas também por meio da emoção.

Acredita-se que esta pesquisa possa contribuir para o campo da análise

discursiva, já que apresenta um trabalho não apenas conceitual, mas também

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prático do estudo do pathos com base em conceitos da Teoria Semiolinguística

do Discurso. Além disso, acredita-se, também, que possa contribuir, em sala de

aula, para o estudo das emoções como recurso persuasivo.

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REFERÊNCIAS

ABREU, António S. (2004). A arte de argumentar. 7ª. ed. São Paulo: Ateliê Editorial.

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ANEXOS

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