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Universidade Federal do Rio de Janeiro INTELECTUAIS E TESTEMUNHAS NO MÉXICO CONTEMPORÂNEO EM EL TESTIGO DE JUAN VILLORO Simone Silva do Carmo Rio de Janeiro 2013

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

INTELECTUAIS E TESTEMUNHAS NO MÉXICO CONTEMPORÂNEO EM ELTESTIGO DE JUAN VILLORO

Simone Silva do Carmo

Rio de Janeiro2013

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INTELECTUAIS E TESTEMUNHAS NO MÉXICO CONTEMPORÂNEO EM ELTESTIGO DE JUAN VILLORO

SIMONE SILVA DO CARMO

Dissertação de Mestrado apresentadaao Programa de Pós-graduação deLetras Neolatinas da Faculdade deLetras da Universidade Federal doRio de Janeiro como requisito para aobtenção do título de Mestre emLetras Neolatinas (Área deconcentração: Estudos Literários –Opção Literaturas Hispânicas)

Orientador: Professor Doutor VíctorManuel Ramos Lemus.

Rio de JaneiroJaneiro de 2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

C287i

Carmo, Simone Silva do.

Intelectuais e testemunhas no México contemporâneo em El testigo de JuanVilloro / Simone Silva do Carmo. -- Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2013.

250 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Prof.º Dr. Víctor Manuel Ramos Lemus.

Dissertação (mestrado) – UFRJ / Programa de Letras Neolatinas (Faculdadede Letras), 2013.

1. Literatura mexicana. 2. Vanguardas mexicanas. 3. Juan Villoro. 4. RamónLópez Velarde. I. Lemus, Victor Manuel Ramos. II. Universidade Federal do Rio deJaneiro. III. Intelectuais e testemunhas no México contemporâneo em El testigo deJuan Villoro.

CDD 860.9

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Intelectuais e testemunhas no México contemporâneo em El testigo de JuanVilloro

Simone Silva do Carmo

Orientador: Professor Doutor Víctor Manuel Ramos Lemus

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em LetrasNeolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dosrequisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas(Área de concentração: Estudos Literários – Opção: Literaturas Hispânicas).

Aprovada por:

Presidente, Prof. Doutor Víctor Manuel Ramos Lemus - UFRJ

Prof. Doutor Ary Pimentel - UFRJ

Prof. Doutor Juan Pablo Chiappara Cabrera - UFV

Prof. Doutor Miguel Ángel Zamorano Heras - UFRJ, Suplente

Prof. Doutor Luis Alberto Nogueira Alves – UFRJ, Suplente

Rio de JaneiroJaneiro de 2013

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A Luís Paulo Faria do Carmo, esposo e companheiro queesteve sempre presente em todos os momentos importantes deminha vida. Nunca estarei suficientemente agradecida pelaconfiança e apoio nos momentos mais difíceis.

A Paulo Vinícius e Nycollas Henrique, meus amados filhos,pelo carinho e compreensão de minhas ausências naconstrução deste sonho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus que permitiu a realização deste sonho.

Aos meus pais Lúcia, Diorge e a minha avó Altiva, como tantos outros brasileirosdesse imenso país não tiveram a oportunidade de estudar, mas nunca deixaram deme apoiar e incentivar, com certeza parte deles está aqui neste trabalho.

Aos meus seis irmãos: Sergio, Eduardo, Janete, Ricardo, Rodrigo e Rafael que meapoiaram ao longo da vida.

A quatro incríveis mulheres, minhas grandes amigas que foram meu ombro sempreque precisei: Alessandra, Lúcia, Luciára e Zenilma meus sinceros agradecimentos.

Ao Professor Doutor Víctor Manuel Ramos Lemus não há palavras para agradeceras palavras certeras e as broncas na hora certa para trilhar esse caminho até aqui.Com certeza, ele se tornou menos árduo graças a sua orientação precisa e seguradesde a Especialização.

Aos Professores Doutores Julio Aldinger Dalloz e Ary Pimentel um agradecimentoespecial pelo incentivo e generosidade desde a Especialização.

À Professora Doutora Helena Parente Cunha pelo delicado acolhimento decompartilhar comigo tanta sabedoria.

À Professora Doutora Elena Palmero González, agradeço a descoberta que mepermitiu deslocar por muitos lugares.

Ao Professor Doutor Marco Luchesi pela ampliação dos conhecimentos sobre afilosofia da história, tema relevante para o amadurecimento deste trabalho.

Aos Professores Doutores Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina e Maria AuroraConsuelo Lagorio, pelas primeiras observações a respeito deste texto quepermitiram desenvolvê-lo de forma organizada.

Ao amigo distante Sergio Gutiérrez Negrón que com tamanha generosidade edesprendimento indicou um sólido caminho, meus sinceros agradecimentos.

Aos meus amigos e companheiros de jornada do “Café Maria Sabina”: Sylvia Helenade Carvalho Arcuri, Tarciso Gomes do Rego, Mario Rodríguez, Rodrigo Valdés,Diego Almada Pires, Viviane Soares Fialho de Araújo e Taiana Cristina da RochaBraga muito obrigada pelo ombro amigo, pelas preciosas palavras e empréstimo detextos teóricos ao longo desta pesquisa.

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Todos absolutamente todos los pueblos deAmérica, desde el Mississipi hasta Canelones,tienen un pozo. Si no es en una calle es en el alma.

Mario Delgado Aparaín

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RESUMO

CARMO, Simone Silva do. Intelectuais e testemunhas no México contemporâneoem El testigo de Juan Villoro. Rio de janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado emLetras Neolatinas (Área de concentração: Estudos Literários Neolatinos - Opção:Literaturas Hispânicas) Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio deJaneiro.

El testigo do escritor mexicano Juan Villoro, publicado em 2004, tece uma reflexãosobre a testemunha, figura colocada em questão por diversas tendênciascontemporâneas. Composto quase todo no estrangeiro após a derrota eleitoral doPRI (Partido Revolucionario Institucional) nas eleições presidenciais de 2000, fatoque, a princípio, colocaria fim à hegemonia de 71 anos do “governo da RevoluçãoMexicana”, trata-se de um romance que aproveita a forma romanesca do século XIXpara traçar um panorama do México, incluindo o campo e a cidade, os ricos e ospobres, o antigo e o moderno, procurando discutir a nação. Para tanto, Villororetorna ao início da poesia mexicana moderna e à tradição da narrativa literária domeio do século, invocando escritores e temas desses períodos. No entanto, desde oinício, sabe-se, por diversas marcas e indícios, que essa obra está situada após oano de 2000, num contexto que parece tirar de cena a figura do intelectual,passando por isso mesmo, inicialmente, a tratar os personagens como testemunhas.Deste modo, este trabalho demonstra que, no romance em que aparecem muitospersonagens ocupando o papel de “testemunha” e no qual o termo intelectual não édestacado, é desta figura que, na verdade, se tece uma reflexão. Para tal, discute-sea relação do intelectual mexicano com a história e com o poder num contextocaracterizado pela violência do narcotráfico, pela contínua manipulação dos meiosde comunicação a favor do poder hegemônico e pela interferência da Igreja nocontexto social e político do México. É, portanto, a figura do intelectual que permiteentender o porquê da reflexão sobre o poeta Ramón López Velarde, a recuperaçãodas vanguardas mexicanas e a colocação de personagens caracterizados comoprodutores de discurso.

Palavras-chave: Juan Villoro, Literatura Mexicana, Intelectual, Testemunha, RamónLópez Velarde, Vanguardas mexicanas.

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RESUMEN

SILVA do CARMO, Simone. Intelectuales y testigos en el México contemporáneoen El testigo de Juan Villoro. Rio de janeiro, 2013. Disertación sometida alPrograma de Postgrado en Letras Neolatinas en la Universidad Federal de Rio deJaneiro – UFRJ, como parte de los requisitos necesarios para la obtención del títulode Master en Letras Neolatinas (Área de concentración: Estudios LiterariosNeolatinos - Opción: Literaturas Hispánicas).

El testigo del escritor mexicano Juan Villoro, publicado en 2004, hace una reflexiónsobre el testigo, figura cuestionada por diversas tendencias contemporáneas.Compuesto casi todo en el extranjero después de la derrota electoral del PRI(Partido Revolucionario Institucional) en las elecciones presidenciales de 2000,hecho que, al principio, pondría fin a la hegemonía de 71 años del “gobierno de laRevolución Mexicana”, es una novela que trata de la forma novelística decimonónicapara hacer un dibujo de México, incluyendo el campo y la ciudad, los ricos y lospobres, lo antiguo y lo moderno. Por lo tanto, Villoro vuelve al principio de la poesíamexicana moderna y la tradición de la narrativa literaria de mediados de siglo,invocando escritores y temas de esos períodos. Sin embargo, desde el inicio, essabido por diversas marcas e indicaciones que esta novela está ubicada despuésdel año 2000, contexto que parece quitar la figura del intelectual de la escena y, porconsiguiente, los personajes son inicialmente tratados como testigos. Así esteestudio demuestra que en la novela donde aparecen muchos caracteres ocupandoel papel de “testigo”, y en la cual el término intelectual no es destacado, de hecho, esrealmente acerca de esta figura que se hace una reflexión. Con este fin, se discutela relación del intelectual mexicano con la historia y con el poder en un contextocaracterizado por la violencia del narcotráfico, la manipulación constante de losmedios de comunicación en favor del poder hegemónico y la injerencia de la Iglesiaen el contexto político y social de México. Por lo tanto, es la figura del intelectual quepermite entender el porqué de la reflexión sobre el poeta Ramón López Velarde, larecuperación de las vanguardias mexicanas y la colocación de personajes que secaracterizan como productores de discurso.

Palabras-clave: Juan Villoro, Literatura Mexicana, Intelectual, Testigo, RamónLópez Velarde, Vanguardias mexicanas.

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ABSTRACT

CARMO, Simone Silva do. Intellectuals and witnesses in Mexico's contemporaryEl Testigo of Juan Villoro. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (MA in RomanceLanguages Literature (Major: Literary Studies Neolatinos - Option: HispanicLiteratures) Faculty of Arts, University Federal of Rio de Janeiro.

El Testigo of the Mexican writer Juan Villoro, published in 2004, makes a reflectionon the witness, figure into questions by several contemporary tendencies. Writtenalmost all abroad, after the electoral defeat of the PRI (Partido RevolucionarioInstitucional) in the presidential elections of 2000, a fact that, at first, would put anend to the hegemony of 71 years of "government of the Mexican Revolution," this is anovel that takes advantage of the nineteenth-century novel way to draw a picture ofMexico, including country and city, rich and poor, old and new, in order to discussesthe nation. Therefore, Villoro returns to the beginning of modern Mexican poetry andtradition of literary narrative mid-century, invoking writers and themes of theseperiods. However, from the beginning, it is known by various marks and signs thatthis book was written before the year 2000, in a context that seemed to abolish theintellectual, and began to treat the characters initially as witnesses. Nevertheless, theidea of a complete witness, one that could go to the end of an event where there wasa total destruction, is not possible. Thus, the text puts producers and promoters ofspeeches in order to fill that role as witness. Therefore, as the intellectual term is notmentioned, this study intends to reflect on the witness, since many characters occupythis role. To this end, he discusses the relationship between the history of theMexican intellectual with the power, in a place characterized by violence of drugtrafficking, the ongoing manipulation of the media in favor of hegemonic power andthe interference of the Church in social and political context of Mexico. It is thereforethe figure of the intellectual that allows us to understand the reason for reflection onthe poet Ramón López Velarde, the recovery of the Mexican avant-garde and theplacing of characters posed as producers of discourse.

Keywords: Juan Villoro, Mexican Literature, Intellectual, Witness, Ramón LópezVelarde, Mexican Vanguards.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1 - Juan Villoro: obra e crítica 23

1.1 Panorama da narrativa de Juan Villoro no contexto literário mexicano 24

1.2 A trajetória intelectual de Juan Villoro 61

1.3 El testigo diante da crítica 70

CAPÍTULO 2 – Ramón López Velarde: vanguarda como nação intelectualem El testigo 78

2.1 Os intelectuais e o período revolucionário mexicano 79

2.2 Ramón López Velarde e as vanguardas mexicanas no início do século XX

86

2.3 Ramón López Velarde em El testigo 100

CAPÍTULO 3 - Literatura e testemunho em El testigo 110

3.1 Testemunho: ficção, poder e realidade 110

3.2 Julio Valdivieso 121

3.3 O vínculo com a Igreja 130

3.4 O envolvimento com a mídia 144

3.5 Aproximação ao narcotráfico 150

3.6 Flaco Cerejido 160

CAPÍTULO 4 - O intelectual no México contemporâneo 162

4.1 A Cidade letrada como testemuha 162

4.2 Os intelectuais e o poder no México contemporâneo 175

4.3 A figura do intelectual no México contemporâneo de El testigo de JuanVilloro 186

CONCLUSÂO 201

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 215

ANEXOS 236

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INTRODUÇÃO

La novela mexicana vista desde un contexto socio-político y económico hasido un vehículo de conocimiento de la realidad de Latinoamérica en crisis.La novela raramente es entretenimiento, al contrario, la mayoría de lasveces es una densa exploración de lo real.

Jorge Ruffinelli

Um dos fenômenos a que se assiste nas últimas décadas, principalmente na

América Latina, é o debate sobre a recuperação da memória como estratégia

política e cultural numa tentativa de iluminar o futuro. Esse resgate da memória,

entretanto, não se dá de maneira pacífica. Após longos períodos ditatoriais, como

ocorreu em muitos países latino-americanos, diversos grupos reivindicam para si a

legitimidade de representação do passado para contrapor-se a uma versão da

chamada “história oficial”. Assim, quando se trata de analisar a história, utilizar-se

da memória como uma forma de disputa pelo poder é bastante usual. Desta forma, o

tema da memória é central para o debate das mudanças no presente, pois obriga a

uma releitura do passado, a uma nova interpretação. Isso porque o fato histórico

interessa mais ao presente que ao passado.

Nesse contexto, a tensão memória-história vem sendo amplamente discutida,

não só pelos historiadores, mas também por críticos literários. Essa tensão provoca

uma disputa entre diferentes grupos de poder uma vez que cada qual quer ser o

representante da história “verdadeira”, narrando-a ou tentando narrá-la de seu ponto

de vista e questionando as versões apresentadas pelos outros grupos. Afinal, disso

depende a hegemonia social, a imposição da agenda histórica e dos interesses de

cada um desses grupos.

Sendo assim, durante os períodos ditatoriais, mais ainda do que em outros, a

história é representada pela palavra dos que estão no poder, tornando-a sinônimo

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de “história oficial”. Deste modo, a figura da testemunha ganha relevada importância

no período da pós-ditadura, pois essa voz pretende resgatar e reinterpretar o que o

discurso oficial tenta omitir ou manipular, possibilitando o resgate de perspectivas e

interesses da história conhecida até o momento.

No entanto, cabe destacar que a testemunha ocupa uma posição

problemática, pois algumas vezes não apresenta um posicionamento crítico,

havendo também o oportunismo como tentativa de legitimação. Destaque-se que

seu discurso, não rara vez, é reduzido ao subjetivo e, quando aceito para debate,

vem mediado pela figura do intelectual.

Nesse contexto, encontra-se o romance El testigo1 (2004), do escritor

mexicano Juan Villoro, composto quase todo no estrangeiro após a derrota eleitoral

do Partido Revolucionario Institucional (PRI)2 nas eleições presidenciais ocorridas no

México no ano 2000, fato que, na teoria, colocaria fim à hegemonia do “governo da

Revolução Mexicana”.

Juan Villoro nasceu no Distrito Federal da cidade mais povoada do continente

e pertence a uma geração que se distancia dos desafios literários ao qual estavam

submetidos os escritores dos anos cinquenta e sessenta: “de la ambición de novelar

los grandes conflictos sociopolíticos del continente. En cambio, como muchos

intelectuales de su edad, padece la fascinación por la cultura popular: la música

rock, las tiras de cómic, los deportes de masas.” (DÉS, 2005, p. 2)

A obra em questão marca, em sua estrutura narrativa, dois períodos

importantes da história do México, através de dois personagens. No caso do

1 Daqui em diante todas as vezes que se tratar de El testigo se estará referindo à edição de 2004 deJuan Villoro publicado pela Editora Anagrama.2 O PRI foi fundado em 4 de março de 1929 pelo então presidente Plutarco Elías Calles sob o nomede Partido Nacional Revolucionario (PNR). Nove anos depois, em 1938, o também presidente LázaroCardenas muda o nome para Partido de la Revolución Mexicana (PRM). Finalmente em 18 de janeirode 1946, Miguel Alemán nomeia da maneira que é conhecido atualmente. (DISCUTAMOS MÉXICO,2010, programa 44).

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primeiro, trata-se do personagem histórico Ramón López Velarde, o poeta nacional

por excelência, o qual, em sua curta vida, foi extremamente criticado por ser: “un

hombre que iba a la vanguardia del arte y a la retaguardia de la política”.

(GONZÁLEZ ROJO, 2008, p. 28). Foi, enfim, um intelectual mexicano que viveu num

período de mudanças ocasionadas, em grande parte, pela Revolução. Em relação

ao segundo, trata-se do protagonista do romance, Julio Valdivieso, o filho intelectual

de uma família de fazendeiros. É um personagem complexo, cuja história pessoal e

familiar se confunde com a nacional, visto atravessar esse complicado período de

transição para a democracia. Ambos são intelectuais e testemunhas de períodos de

euforia e desilusão.

No entanto, cabe salientar que El testigo, não se coloca como um romance de

testemunho, no estilo de Hasta no verte Jesús mío (1969) de Elena Poniatowska ou

Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia (1985) de Elizabeth

Burgos-Debray e Rigoberta Menchú, serve como um balanço do México visto do

ângulo dos primeiros anos do século XXI, debruçado sobre o seu processo histórico

pós-revolucionário.

Considerando aqui que essa testemunha não é mais o subalterno, aquele que

tem o intelectual como mediador, já que, nessa obra, o próprio intelectual é chamado

a dar fé, a prestar testemunho, até que ponto se pode aceitar como verdade aquilo

que diz a testemunha? Através do romance, pode-se observar, numa fragmentação

apresentada por diversos personagens, como se dá a multiplicidade de visões que

exploram as distintas faces da testemunha.

A temática que guiará esta dissertação é tentar responder a uma pergunta

que percorre todo o romance: é preciso ter visto ou ter vivido o horror para ser

testemunha? O que se destacará, no entanto, não é o gênero testemunhal, nem a

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figura do intermediário, do mediador, mas da problemática figura da testemunha,

cuja fidedignidade é questionada o tempo todo no romance.

No que tange as eleições presidenciais ocorridas no México no dia 2 de julho

de 2000 marcam o fim de um sistema político que se apresentava como democrático

ao longo de 71 anos. Afinal, havia uma alternância presidencial através de eleições,

e esse fato escondia que se tratava de uma ditadura de partido, representando os

interesses de alguns setores das elites mexicanas. Entretanto, decorrente de um

acordo entre as elites (já que quem arquiteta as eleições são elementos da máquina

eleitoral montada pelo PRI ao longo de décadas), venceu Vicente Fox, o candidato

do Partido de Acción Nacional (PAN).

É preciso lembrar, porém, que a disputa pelo poder e pela memória-história

tornou-se ainda mais acirrada do que quando o PRI estava no comando da política

nacional. Aliás, esse partido, como menciona Igor Fuser em seu livro México em

transe (1995), ressaltando o discurso de Mario Vargas Llosa em visita ao México em

1990, como se observa nesse trecho:

Um partido que é inamovível, um partido que concede espaço àcrítica na medida em que esta lhe serve, porque confirma que é umpaís democrático, mas suprime por todos os meios, inclusive ospiores, aquela crítica que de alguma maneira põe em perigo suapermanência no poder. (VARGAS LLOSA apud FUSER, 1995, p. 14)

Desde a consolidação da Revolução Mexicana, o México passou a ter o PRI

como único partido a ocupar o poder. Formado por membros vitoriosos do

movimento armado em 1910, tal partido fundamentou-se na obrigatoriedade de

filiação para todos os funcionários públicos e sindicalistas, dentre outros indivíduos.

Com o irrestrito apoio do Congresso, tornou-se absoluto, conseguindo exercer poder

total sobre os Três Poderes, as Forças Armadas, a mídia, as associações de

trabalhadores, os empresários, os sindicatos e os camponeses.

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Inicialmente concebido como um partido de massas, defensor dos direitos dos

trabalhadores, da reforma agrária e da estatização, o PRI mudou radicalmente nos

anos oitenta e noventa, voltando-se para uma política neoliberal alinhada com seu

vizinho do norte, os Estados Unidos. Desde sua independência em 1821, até os dias

atuais, o México convive com as incontáveis interferências desse gigante na sua

política interna e externa. Essa situação ficou muito clara na famosa frase de Porfirio

Díaz: “Pobre México, tan lejos de Dios y tan cerca de Estados Unidos”. (DÍAZ apud

SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 205)

Entre as mais relevantes interferências, podem-se destacar a perda de parte

de seu território na guerra do século XIX3, diversas investidas durante a Revolução

de 1910 e, mais recentemente, no revezamento de forças políticas do PRI, que

lutavam para manter-se no poder à custa de grandes concessões, resultando,

finalmente, a aprovação, pelo Congresso dos EUA a entrada do México no Tratado

de Livre Comércio Norte-Americano (TLCAN)4 em dezessete de novembro de mil

novecentos e noventa e três.

É preciso considerar também que o PRI, muitas vezes, com uma política

interna e externa ambígua, intercalou linhas de direita e esquerda, pois, como

membro atuante da Internacional Socialista, recebeu refugiados políticos europeus e

latino-americanos, mas manteve uma dura política interna de combate às

contestações sociais, além de transformar os sindicatos em máfias e ter membros de

seu alto escalão envolvidos com o tráfico internacional de drogas. Não obstante, ao

longo dos anos, o poder do PRI começou a diminuir em decorrência de episódios

3 Na Guerra contra os Estados Unidos da América ocorrida entre 1846 e 1848, o México perdeugrande parte de seu território, as regiões que hoje compreendem os estados: Califórnia, Nevada,Texas, Novo México, Arizona além de partes de Utah e Colorado. (CALDAS, 2009, p.1)4 Esse termo apresenta siglas diferentes de acordo com o idioma. Em inglês: North American FreeTrade Agreement (NAFTA); Opta-se aqui pela sigla em espanhol para Tratado de Libre Comercio deAmérica del Norte (TLCAN). (PADILLA TORRES, 2008, p.1)

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como a Matança de Tlatelolco, a grave crise econômica a partir de 1970 e as

eleições federais de 1988.

Essa matança aconteceu quando, dias antes dos Jogos Olímpicos de 1968,

estudantes protestaram contra a instabilidade política do país. O então presidente

Gustavo Díaz Ordaz ordenou que o exército invadisse a Universidad Nacional

Autónoma de México (UNAM), onde os jovens se haviam refugiado. O número de

mortos é impreciso, variando entre duzentos e trezentos. A grave crise econômica

instalada a partir de 1970 é, certamente, uma das consequências para a diminuição

do poder aquisitivo da população, gerando desvalorizações, desemprego e

ampliação da pobreza. No caso das eleições federais de 1988, foi marcante o

episódio da queda do sistema durante a contagem de votos, pois esse saiu do ar no

momento em que o candidato Cuauhtémoc Cárdenas do Partido de la Revolución

Democrática (PRD) levava vantagem. No dia seguinte, o sistema voltou a funcionar

com larga vantagem para o candidato do PRI, Carlos Salinas de Gortari, que

acabaria por vencer as eleições.

Certamente a obra em questão não é uma crônica jornalística do que ocorreu

no México após a derrota do PRI. Apresenta, entretanto, um pano de fundo político,

cuja leitura toca em temas relacionados com o México contemporâneo, como as

feridas abertas pela guerra cristera na história recente, reflexões sobre os meios de

comunicação, principalmente a televisão, e a influência do narcotráfico no contexto

cultural, político e social do país.

Em linhas gerais, o romance narra a história de um professor universitário,

Julio Valdivieso, que vive há vinte e quatro anos na Europa. Ele é casado com a

tradutora italiana Paola (que traduz os best-sellers de Constantino Portella), com

quem tem duas filhas: Claudia e Sandra. Em sua juventude, Valdivieso foi

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apaixonado por sua prima Nieves, porém, quando o romance começa, ela já havia

falecido num acidente de carro com o marido, deixando aos cuidados dos tios

Donasiano e Florinda seus dois filhos: Alicia e Luciano. Assim que chega ao país, o

professor é abordado pelos antigos amigos da Oficina Literária da qual fizera parte:

Juan Ruiz (El Vikingo), Ramón Centollo, Félix Rovirosa, Olga Rojas e Flaco Cerejido,

sendo que os dois primeiros são assassinados durante o desenvolvimento do

romance. Além desses personagens mais próximos do protagonista, outros também

são importantes, como o dono da rede de TV, José Atanasio Gándara, o padre

Monteverde e os policiais que investigam as mortes dos personagens: Ogarrio e

Rayas. Já o personagem histórico-narrativo Ramón López Velarde atravessa todo o

romance com passagens de sua biografia e inclusão de trechos dos seus poemas.

Desta forma, acredita-se que esse romance, situado entre o documental, o

histórico e o ficcional, considerado por críticos como Mihály Dés e Christopher

Domínguez Michael, uma obra da maturidade, apresenta uma crítica ao não

posicionamento do intelectual que assiste ao horror na condição de testemunha. É o

que se pode depreender a partir do peculiar matiz sarcástico e irônico de Villoro ao

apresentar muitos personagens ocupando o papel de “testemunha”, sem destacar,

porém, o termo intelectual, mas tecendo uma reflexão da imagem projetada por essa

figura.

A questão do testemunho na América Latina, tendo como ponto de partida a

experiência histórica da ditadura, a repressão das minorias e a exploração

econômica, apresenta muito mais um peso de política “partidária” do que cultural,

num posicionamento a favor da luta de classes e da defesa dos oprimidos. Neste

caso, o discurso da testemunha, bem diferente do que ocorre na reflexão sobre

testemunho em âmbito europeu e norte-americano, onde o trabalho da memória está

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estruturado em torno das experiências traumáticas da Segunda Guerra Mundial e da

Shoah5, vem geralmente mediado pela figura do intelectual.

Com base nessa concepção, quando se trata de analisar o testemunho

literário, é natural a sua vinculação à historiografia, ao estudo etnográfico, biográfico

ou autobiográfico. No entanto, não se pode desconsiderar que o termo testemunho

apresenta também uma ligação jurídica e religiosa. Em ambos os campos, esse

termo está muito bem definido; no campo literário, porém, provoca dúvidas e

controvérsias.

Sendo assim, tanto a testemunha quanto o intelectual são figuras que

ocupam a tribuna de debate nas últimas décadas na América Latina, provocando

inúmeras críticas, autoelogios e incontáveis polêmicas. Deste modo, são diversas as

questões levantadas, principalmente com relação ao seu engajamento,

comprometimento e participação na sociedade.

Cabe ressaltar que a escrita literária teve, durante boa parte do século XX, o

papel de formar opinião e até de usurpar as funções do discurso historiográfico,

político e jornalístico. Por sua natureza, essa escrita é ambígua e metafórica,

essencialmente esquiva, por mais literal que se pretenda.

Desta forma, o que El testigo propõe é uma reflexão sobre o posicionamento

da figura do intelectual nesse período de mudança, demonstrando que, tanto numa

era de ditadores como na de um governo institucionalizado, os intelectuais ocupam

um importante espaço como interlocutores entre o poder e os cidadãos. É, portanto,

a figura do intelectual que permite entender o porquê da reflexão sobre o poeta

5 Adota-se aqui o termo Shoah em lugar de Holocausto, pois o grego holócauston significa queimartotalmente, e era usado para denominar o sacrifício ritual; já o termo hebraico Shoah é aceito pormuitos estudiosos e também pela maioria dos judeus e significa catástrofe, destruição eaniquilamento. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 41)

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Ramón López Velarde, a recuperação das vanguardas mexicanas e a colocação de

personagens que se caracterizam como produtores de discurso.

No entanto, nesse país em que a mídia continua controlada, os partidos

políticos são marcados por escândalos de corrupção, a violência do poder paralelo

do narcotráfico se acentua e a influência da Igreja Católica, fortemente abalada pelo

processo revolucionário, havia sido reativada, forças, que parecem incrustadas em

várias esferas de poder, torna isso problemático. Afinal, tudo que o protagonista

descobre, ou conhece via “testemunha” a respeito desse período do qual esteve

ausente por tanto tempo, retira dele a responsabilidade, tanto no acontecido como

na práxis que está por vir.

O crítico mexicano e autor da Antología de la narrativa mexicana del siglo XX

(1996), Christopher Domínguez Michael, comenta em seu artigo “La vitalidad

histórica de los muertos mexicanos: El testigo de Juan Villoro” (2011), que Villoro:

“se atrevió a presentar una imagen novelesca de México a la manera decimonónica.”

(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p.191), ou seja, em pleno século XXI, esse autor

opta por produzir um romance com as características da tradição literária do século

XIX, que valoriza as contradições das relações humanas e a reflexão do mundo

vivido, ao mesmo tempo em que estabelece uma literatura engajada, na qual

aparece um equilíbrio entre o erudito e o popular, na passagem para a chamada

cultura de massa.

Esse autor educado “en la mejor escuela balzaquiana, aquella que concibe la

novela como el envés de la sociedad.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 192)

produz um romance com a pretensão de narrar a nação, a cultura, a política, a

sociedade e o sistema literário, principalmente a partir da segunda metade do século

XX, fato que o romance contemporâneo, em sua maioria, já não alcança.

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Para tanto, Villoro convoca, ainda que não explicitamente, as escolas

literárias, desde as vanguardas da década de 1920 e 1930, passando pela literatura

do meio do século, com Juan Rulfo, Juan José Arreola, José Revueltas, Carlos

Fuentes e os poetas infrarrealistas dos anos 70, até a literatura nortenha mexicana,

com David Toscana, Eduardo Antonio Parra e Luis Humberto Crosthwaite. Isso fica

bem claro a partir do momento em que se constata ser um dos personagens do

romance o poeta modernista Ramón López Velarde, e é justamente ele “quien

permite dar cuenta de la transición del modernismo a la vanguardia”. (SÁNCHEZ-

PRADO, 2006, p. 28)

Desse modo, será traçado, no primeiro capítulo, um breve panorama da

narrativa mexicana a partir da segunda metade do século XX, procurando vincular o

romance corpus dessa pesquisa às questões levantadas nas narrativas desse

período, destacando, principalmente, a trajetória intelectual de Juan Villoro e a crítica

literária em torno de El testigo. A relevância de iniciar essa pesquisa com tal

proposta leva em consideração que, tanto o protagonista quanto o escritor do

romance nasceram e produziram a partir de referida data e que várias questões

presentes nas obras desse período foram retomadas por Villoro nesse romance.

A disputa pela interpretação do passado no romance está representada pela

figura do poeta nacional, tido como um dos pilares da literatura mexicana moderna.

O poeta Ramón López Velarde é a figura da pátria, o leitmotiv que dá legitimidade à

questão dos intelectuais, percorrendo todo o romance. Muitas dúvidas em El testigo,

entretanto, pairam sobre o posicionamento político desse poeta, falecido no fim da

Revolução Mexicana. Na verdade, discute-se se ele teria tido tempo ou não para se

manifestar contra ou a favor de algumas das posições em disputa, transformando-se

no poeta nacional e gerando em diversos grupos especulações de posições que

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muitos acreditam teria sido tomada por ele se tivesse vivido mais alguns anos.

Afinal, os intelectuais desse período revolucionário são criticados tanto pela

participação política mais efetiva quanto pela preocupação estética literária. No

entanto, o que se questiona no romance não é nem uma coisa nem outra, mas a

posição confortável ocupada por López Velarde.

No segundo capítulo, serão desenvolvidas reflexões sobre os intelectuais,

desde o porfiriato, passando pelo período revolucionário, destacando,

principalmente, a figura do já citado poeta Ramón López Velarde, juntamente com

as vanguardas mexicanas do início de século XX, assunto que interessa a todos os

personagens de El testigo, os quais, direta e indiretamente, contribuíram para a

formação de um discurso nacionalista e cultural.

Desde o título, El testigo indaga sobre a figura da testemunha, muito bem

definida em diversos meios, mas não na literatura. Em latim, pode-se denominar o

testemunho com duas palavras: testis e superstes. A primeira indica o depoimento

de um terceiro em um processo de litígio entre duas partes. Já a segunda indica a

pessoa que atravessou uma provação e subsistiu, ou seja, o sobrevivente. Desta

forma, muitos personagens denominam o protagonista, Julio Valdivieso, a

testemunha perfeita, quer dizer, um testis, pois acreditam que ele pode dar fé dos

fatos, pelo distanciamento deles. No entanto, para ele, todos os outros personagens

deveriam ocupam essa posição, pois haviam atravessado um duro período de

transição, do qual Valdivieso esteve ausente.

Já o terceiro capítulo estará centrado na análise dos personagens que, a

princípio ocupam o papel de testemunhas no romance. Antes, porém, serão

apresentadas algumas considerações a respeito do testemunho na América Latina,

na Europa e nos Estados Unidos. Na análise do universo romanesco, será levada

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em consideração a relação dos personagens com a história e com o poder no

México atual.

Cabe destacar que dos personagens que ocupam a posição de testemunhas

em El testigo são produtores de discurso, além de manterem uma relação de

proximidade com várias esferas de poder. Fato que está presente no romance desde

o poeta da pátria, Ramón López Velarde ao protagonista Julio Valdivieso.

Nesse contexto, o último capítulo desta pesquisa se centrará na tensão

intelectual-testemunha e trará à discussão a relação do intelectual e o poder no

México contemporâneo, pois El testigo tece uma reflexão sobre a testemunha e se

pergunta sobre a tradição romanesca mexicana, cifrada na forma literária da qual

Villoro se alimenta.

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CAPÍTULO 1 - JUAN VILLORO: OBRA E CRÍTICA

Pero eso que sé, mientras observo a Villoro que mira el Mediterráneo, no eslo importante. ¿Lo importante es que seguimos vivos? Tampoco, aunque noes poco. Lo importante es que tenemos memoria. Lo importante es que aúnpodemos reírnos y no manchar a nadie con nuestra sangre. Lo importantees que seguimos en pie y no nos hemos vuelto ni cobardes ni caníbales.

Roberto Bolaño

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o existencialismo invade o âmbito

intelectual do ocidente. A militância de Jean-Paul Sartre toma conta do pensamento

dos jovens da América Latina, principalmente nas grandes capitais. E a Cidade do

México não é diferente. Martin Heidegger, Ortega y Gasset e o magistério pessoal

de José Gaos ocupam a centralidade da crítica acadêmica.

Juan Villoro, assim como Julio Valdivieso, o protagonista de El testigo,

nascem na década de cinquenta, momento em que paira sobre a intelectualidade

mexicana a filosofia do “ser mexicano”. Essa filosofia, embalada por Octavio Paz,

Luis Villoro (pai do autor sobre o qual esta pesquisa se ocupa) e Leopoldo Zea, entre

outros, partem da premissa “de que un pueblo mexicano era sólo posible por una

identidad psicológica común”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 371)

Desta forma, não de maneira exaustiva, pois não é objeto deste trabalho a

história literária do México, será feita, nas páginas seguintes, uma breve revisão da

literatura mexicana a partir da década de cinquenta. Trata-se, entretanto, de uma

revisão sem aprofundamentos ideológicos ou estéticos, criando apenas um

panorama, cuja tentativa seria localizar Villoro e El testigo dentro do contexto

narrativo mexicano. Os comentários sobre os autores e as obras que seguem nesse

capítulo se baseiam principalmente na visão crítica de Christopher Domínguez

Michael, José Joaquín Blanco e Ignacio Sánchez-Prado.

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1.1 Panorama da narrativa de Juan Villoro no contexto literário mexicano

No meio literário, a segunda metade do século XX é marcada pelo surgimento

de escritores profissionais mexicanos. São os chamados pais fundadores da nova

literatura: “el poeta Octavio Paz, un prosista como Juan José Arreola y quienes dan

a la novela mexicana su primer grupo de magnitud histórica: Agustín Yánez,

Fernando Benítez, José Revueltas e Juan Rulfo” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.

1001), que praticamente constituem uma geração.

É importante salientar que, em sua maioria, esses escritores nasceram nos

anos dez e vinte, e suas publicações apareceram simultaneamente com: Adán

Buenosayres (1948) de Leopoldo Marechal, El túnel (1948) de Ernesto de Sábato, El

Aleph (1949) de Jorge Luis Borges, Los pasos perdidos (1954) de Alejo Carpentier,

La hojarasca (1955) de Gabriel García Márquez e Los ríos profundos (1958) de José

María Arguedas, para citar algumas obras de importantes escritores hispano-

americanos.

Em ensaio publicado no início dos anos oitenta intitulado Aguafuertes de la

literatura mexicana: 1950-1980, José Joaquín Blanco destaca que o assunto

fundamental da literatura mexicana da segunda metade do século XX:

es la modernización del país, la brusca y forzada transformación deuna Nación preindustrial, rural y campesina, con poderosasatmósferas indígenas, aparentemente aislada de la vida occidental yarraigada en modos tradicionales, en un país industrial y urbano.(BLANCO, 1982, p. 1)

Cabe ressaltar que esse processo se iniciou no governo de Porfirio Díaz6

com a chegada das estradas de ferro em terras mexicanas. No entanto, o emblema

desse projeto e o consolidador do capitalismo no país é certamente Miguel Alemán

6 Porfirio Díaz ocupou a presidência do México em dois períodos entre 1877-1880 e 1884-1911.(SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 192)

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(1946-1952). Esse momento histórico cabe na significativa frase do escritor e

jornalista mexicano Luis Spota: “La revolución se bajó del caballo y subió al cadilac.”

(SPOTA apud SEFCHOVICH, 1990, p. 172)

No contexto político e social, a segunda metade do século passado se inicia

com um forte desenvolvimento impulsionado pelo fim da Segunda Guerra Mundial,

pelo civilismo e pelo fortalecimento do PRI. Em contrapartida, há a repressão aos

movimentos sociais associada à corrupção. Nesse período, o México já não é um

país de massas, mas de anúncios publicitários, e tanto o índio, quanto o camponês

ou o simples morador da cidade se transformam em consumidores.

E assim, muito raramente se encontra uma vida cultural isenta das malhas do

poder, pois não há público independente, vida sindical livre, comunidades rurais ou

urbanas autônomas, já que quase tudo está incluído no sistema do Estado e no

sistema privado parasita dos benefícios estatais. Observa-se que, de uma maneira

ou de outra, os intelectuais trabalham para o governo. Literatura independente,

crítica, autônoma, destaca Blanco “sólo en los sótanos, en las cárceles y en difíciles

y raros espacios académicos” (BLANCO, 1982, p. 3), se pode encontrar.

No campo filosófico, a chegada de José Gaos é a origem da transformação

mais importante do pensamento mexicano no século XX, pois “bajo su influencia, el

campo filosófico adquirió, en gran medida, los temas y problemas que lo siguen

ocupando hasta nuestros días”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.166) Entre as

contribuições de Gaos destacam-se duas: a atualização e a transformação do

arquivo filosófico do pensamento, pois antes dele a filosofia mexicana se mantinha

muito próxima do positivismo, do indigenismo e de outras correntes emanadas do

nacionalismo cultural e ligadas a projetos hegemônicos do Estado; depois de Gaos,

linhas filosóficas como historicismo, o existencialismo e a fenomenologia entram no

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debate. A outra é a chamada “filosofia da filosofia”, ou seja, “una filosofía que se

ocupa de las condiciones concretas del sujeto en su devenir histórico abre la puerta

a lo que se llamará la “filosofía de lo mexicano”” (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 168).

Nesse sentido, o México do contraste parece desaparecer, criando um culto

em torno da personalidade do presidente, transformando-o não somente no eixo

político e econômico, mas também cultural, intelectual e do espetáculo.

Uma vez consolidado o campo do poder, a cultura se converte em

instrumento que tenta alcançar alguma definição. Encontrar-se, o cenário da

obsessiva busca pelo ser nacional, o qual esteve a cargo do grupo Hiperión7

formado por estudantes mexicanos de José Gaos por volta de 1947 e encabeçado

por Leopoldo Zea e Luis Villoro, entre outros. Surge então a filosofia do “ser

mexicano”.

A operação central desse grupo no debate sobre a mexicanidade está no

deslocamento da “essência à existência”, como menciona Sánchez-Prado (2006) “de

características transhistóricas a contingencia histórica, en la descripción de la

ontología del mexicano.” (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.186) Ou seja, nos anos

cinquenta, essas ideias estão incorporadas na fala cultural, ou melhor dizendo, na

força do projeto hegemônico do nacionalismo e no contexto do campo do poder,

fatos que impedem uma posição mais crítica e autônoma no campo cultural.

Na medida em que há a identificação da população com a imagem de si

mesma no cinema, na literatura, na música popular e no muralismo, essa é a

maneira através da qual o poder do Estado pode neutralizar, de forma bastante

7Hiperión é a figura menor da Titanomaquia grega que foi recuperado com particular intensidadedurante o romantismo e, com clara filiação germânica, sobretudo de Hegel e Dilthey. Além dos doismembros mencionados pode-se destacar também Emilio Uranga, Joaquín Sánchez MacGregor,Ricardo Guerra e Jorge Portilla. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 191)

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eficiente, a resistência. E sem dúvida, muitos intelectuais contribuíram para essas

formas alternativas de constituição de “povo”.

Cabe salientar, no entanto, que, desde os anos trinta, os Contemporáneos

(assunto que será desenvolvido no próximo capítulo) não se submeteram ao

nacionalismo estatal, como se pode observar na ironia de Salvador Novo em

Poemas proletarios (1934), composto por quatro poemas, no qual se destaca um

pequeno trecho do mais longo “Del pasado remoto” (1934):

Revolución, revolución,siguen los héroes vestidos de marionetas,vestidos con palabras signaléticas,el usurpador Huertay la Revolución triunfante,don Venustiano disfrazado con barbas y anteojoscomo en una novela policiaca primitiva[...]la clase laborante y el proletariado organizado,la ideología clasista,los intelectuales revolucionarios,los pensadores al servicio del proletariado,el campesinaje mexicano,la Villa Álvaro Obregón, con su monumento,y el Monumento a la Revolución.(NOVO, 1934, p. 2)

Com relação à produção literária da segunda metade do século, Blanco

(1982) a caracteriza como uma literatura esquecida dos matizes indigenistas, rurais,

revolucionários e cristeros, para embrenhar-se na vasta e caótica vida urbana, na

qual a literatura de Juan Rulfo, José Revueltas, Carlos Fuentes, Octavio Paz, Elena

Poniatowska e Carlos Monsiváis desafiam a visão oficial montada pelo PRI e

transcendem o espaço literário, chegando a ser, nos anos setenta, uma bandeira

política, opinando:

México no es en esas obras [de los autores mencionados] la meraconmemoración oficial de héroes y episodios heroicos prefabricados,la exhibición de artesanías y ruinas indígenas, la exhibición demercados floridos atendidos por indios típicos: es la modernísima,industrial, urbana, tecnológica situación de masas desempleadas, deobreros reprimidos, de cárceles clandestinas, de sindicatoscooptados y corrompidos, de nuevos latifundistas que son al mismo

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tiempo las autoridades agrarias oficiales, de comunidadescampesinas despojadas, de ciudades caóticas y brutalmentedesordenadas a fin de ser más exprimidas por los negociosinmobiliarios. Frente a esta modernidad del desastre, se necesitónuevos autores. (BLANCO, 1982, p. 3)

Ao se avançar demais, é preciso retroceder aos pais fundadores da nova

literatura mexicana, “denominación justa aunque sin duda bombástica”

(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.1004) e convém iniciar por El laberinto de la

soledad (1950) do poeta Octavio Paz (1914-1998), não somente porque é publicada

no meio do século passado, mas principalmente para destacar a imagem oficial do

“ser nacional”, que entra na esfera pública a partir dessa obra, e que o discurso

filosófico de Hiperión fica restrito ao âmbito acadêmico.

A importância de traçar esse cenário é para que se possa compreender o

meio em que Villoro se desenvolveu culturalmente e como alguns autores e obras

apresentadas nesta parte inicial contribuíram direta ou indiretamente para sua

formação intelectual, destacando, neste caso, a relação de Villoro com a filosofia do

“ser nacional”, pois é contra essa filosofia que ele se “rebela”, como deixa claro na

entrevista Villoro en Villoro (2009):

Cuando yo empecé a escribir y leer por mi cuenta había unasaturación de autodefinición nacionalista y creo que buena parte delas cosas que yo he escrito han sido un ejercicio de ironizar y dedesmontar esos procesos. Creo que el camino que va de 1950 con elLaberinto de la soledad a fines del siglo veinte con la Jaula de lamelancolía de Roger Bartra es el camino para entender que elmexicano es múltiple, es híbrido es provisional, que no hay unmexicano emanante […] todas las escrituras de mis cuentos, de misnovelas y de mis ensayos tienen que ver con ese proceso dedesmontaje de una identidad unívoca y de una identidad retórica […].(VILLORO, 2009, p. 1)

Esse processo a que se refere Villoro na entrevista, o de demonstrar através

de suas obras que não há idiossincrasia mexicana, aparece em diversos momentos

de El testigo, sempre com muita ironia, como quando Valdivieso, assim que chega

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ao país, encontra seu amigo Vikingo no restaurante Los Guajolotes, e o narrador

comenta “el rostro asombrosamente familiar de un mesero – bigote canónico, nariz

de muñeco de palo – le hicieron sentir que no había salido de México.” (VILLORO,

2004a, p. 20)

Ocorre também mais adiante, quando o protagonista comenta a respeito da

tristeza que sentia assim que chegou à Europa com saudades de casa e

principalmente de seu amor, Nieves, e comenta:

Paola estaba al tanto de esa oportunidad perdida, la única sombraantes que ella. Conoció a Julio cuando parecía un huérfano con másdeseos de ser adoptado que de ligar. Por suerte para ambos, ellaasoció su insoportable tristeza con la cultura mexicana. Había leídoEl laberinto de la soledad y se disponía a traducir a autores de esepaís desgarrado, que reía mejor en los velorios. En los ojos de Juliovio el culto a la muerte y la vigencia de los espectros. (VILLORO,2004a, p. 39)

Nesses dois trechos se observa a maneira irônica com que Villoro se

aproxima desse tema, questionando a construção de tipicidade do mexicano, das

características estereotipadas que havia recebido no estrangeiro a respeito de uma

identidade nacional comum.

Tal fato aparece também em seu romance Materia dispuesta (1996), em cujo

último capítulo, intitulado “Las pieles infrarrojas”, há um grupo de artistas mexicanos

contratados para ir ao estrangeiro e atravessam um drama, o de não parecerem

tipicamente mexicanos, pois uns são brancos; outros, mestiços ou loiros. Resolvem

então tomar banhos de bronzeamento artificial, com medo de que lhe tirem os

empregos, como se observa na conversa entre os personagens Fredy, Jimmy e

Mauricio (protagonista):

“La siguiente meta es Estados Unidos; la siguiente meta es Europa.”_ “Los empresarios extranjeros están entusiasmados con las ráfagasde luz y sonido (…), pero hay un detalle” (…) “El problema … hayque decirlo …es la mera neta … el problema es que no parecenmexicanos. Sí, sí, ya lo sé: a nadie le importa que los noruegos

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parezcan suecos o los finlandeses húngaros, pero nosotros nopodemos negar la cruz de nuestra parroquia” Jimmy torció elargumento para que la falta de color local pareciera una traición alorigen - . […] _ ¿cuál es la solución? ¿Disfrazarse de mexicanos?(VILLORO, 2011, pp. 248-249)

Cabe reforçar que esse processo ironizado por Villoro em suas narrativas no

início do século passado, momento em que foi pensado, era válido, pois havia então

a necessidade de fortificar a identidade nacional em construção. Essa tipicidade e

essa autenticidade, no entanto, não são possíveis.

Villoro lê com muito respeito a tradição literária mexicana. E essa referência

aparece em El testigo através da convocação tanto de narrativas quanto de

escritores ditos canônicos. Entretanto, esse autor deixa para trás as questões do

“ser nacional” e avança com muita clareza para a cultura de massa, manejando a

alta e a baixa cultura com a mesma desenvoltura, tecendo poetas malditos e

estrelas de televisão com uma variação de cenários dissímiles entre o cinismo e o

disparate.

Para José Ramón Ruisánchez, Villoro é herdeiro de três vertentes mexicanas:

primero, la que va de la novela de la Revolución a Carlos Fuentes,releyendo productivamente a Rulfo; en segundo lugar, el canon querecupera la manera heterodoxa de los Contemporáneos por mediode la Generación de la Casa del Lago y de sus excursiones aliteraturas “marginales” que permiten regresar a la novela y al cuentodesde la riqueza de una ruptura con el género rígido, lo que llamaron“escritura” siguiendo a los teóricos franceses de la écriture;finalmente, el atrevimiento progresista que bebe por una parte de lasgrandes narraciones sociales del 68 y del 85 y, por otra, de loshallazgos pop de la Onda. (RUISÁNCHEZ, 2008, p. 144)

Nesse contexto, sua geração, ou seja, a dos nascidos na década de

cinquenta, recebem uma forte influência da geração do boom, como já declarou

Villoro em entrevista:

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Mi generación, o sea la de los escritores nacidos en los añoscincuenta, ha sentido un doble y fuerte atracción, proveniente de losdos polos continentales: la llamada literatura fantástica del Río de laPrata (muy señaladamente Felisberto Hernández, Borges, BioyCasares, Cortázar, hasta el mismo Onetti) y la literaturanorteamericana, una literatura de velocidad, con ritmocinematográfico, con yuxtaposición cinematográfica de escenas yuna construcción de secuencias tomadas del montaje de los filmes,los escritores posteriores a la «generación perdida»: Saúl Bellow,John Updike e Truman Capote. (VILLORO, 1997, p. 121)

Levando-se em consideração que, no início dos anos cinquenta, as obras

literárias que circulavam em sua maioria eram os romances da Revolução, os

poemas de López Velarde e os conteúdos pedagógicos do sistema educativo

construído sob a tutela de José de Vasconcelos, Paz utiliza o recurso literário

ausente da obra do grupo Hiperión, que é basicamente a “superioridade estilística” e

potencializa a circulação de seu livro no espaço público. Não se trata, como comenta

Sánchez-Prado, de enfatizar a superioridade de Paz, “sino la forma en que las

modalidades literarias del discurso superan a las filosóficas en la capacidad de

articulación a la esfera pública”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 211)

El laberinto de la soledad fecha um ciclo, estabelecendo a conclusão de um

processo de formação intelectual iniciado nos anos trinta, pois, como comenta

Domínguez Michael:

La filosofía de lo mexicano va desapareciendo como encrucijadaintelectual cuando su propio proceso la degenera en una ontologíalocalista y a menudo pintoresca. Octavio Paz lo entendió al afirmarque el mexicano no era una esencia sino una historia. Historiaestrechamente ligada al mito: la combinación correspondió a laliteratura. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p. 1004)

O sonho de emancipação intelectual dos hiperiones e de Paz parece que fica

reduzido a uma caricatura, o pensamento crítico confinado nas instituições

acadêmicas, enquanto na esfera pública se consagram os mitos que os mexicanos

começam a acreditar como próprios.

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Outro importante escritor desse período, no qual se observa muito das

características de sua obra em El testigo, é Juan José Arreola (1918-2001), o qual,

com seu peculiar sentido de humor e grande habilidade para apagar fronteiras entre

a fantasia e a realidade, publica em 1949 Varia invención. Arreola é um autor difícil

de ser classificado, pois está “a mitad de camino entre Kafka y Borges”.

(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.1007). Sua matéria prima, segundo Octavio Paz,

citado por Domínguez Michael “es la vida misma pero inmovilizada o petrificada por

la memoria, la imaginación y la ironía” (PAZ apud DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.

1009).

Memória, imaginação e ironia não faltam nas obras de Villoro, principalmente

no romance que constitui o corpus dessa pesquisa, cujo protagonista oscila em

diferentes tempos, e a memória funciona como catalizadora de múltiplas tensões

entre as contradições da história e um presente sem rumo claro.

Em 1966 se reúnem em Confabulario total (Confabulario e Bestiario) as obras

mais representativas de Arreola, que são um impulso decisivo na prosa mexicana

culta. Esse autor inventou a oficina da prosa, na qual ensinava a escrever,

artesanalmente, textos sonoros sem assonâncias ou repetições, e por lá passaram

Carlos Fuentes, Elena Poniatowska e José Agustín, entre outros. Além de ter

ajudado a tantas gerações, ele é autor também de La feria (1963), um curioso

romance verdadeiramente popular, cujo protagonista são as massas, mais

especificamente, o povo de uma cidade. Conseguindo reunir, dentro de um texto

moderno, a picaresca com o artesanato fantástico, o culto e o vernáculo em uma só

unidade, Arreola é “ya un escritor plenamente hispanoamericano y universal, como

nadie había sido antes en el terreno de la ficción.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a,

p. 1009)

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Herdeiro da hagiografia cristera e do romance proletário, José Revueltas,

(1914-1976) escritor, roteirista e ativista político mexicano, é autor de El luto humano

(1943) com seus miseráveis camponeses presos até a morte pela inundação, pois

em Revueltas “el paraíso se transforma en infierno; la irrigación rural en diluvio

universal; el realismo de la Revolución Mexicana en escenario apocalíptico”.

(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p. 1014)

O tema cristero é, sem dúvida, uma das chaves de leitura de El testigo, já que

apresenta uma visão mais fresca, porém não menos engajada que em Revueltas,

mesmo utilizando uma telenovela para resgatar a discussão, pois, como comenta

Ruisánchez (2008), a obra de Villoro:

no sólo corre hacia delante en dirección de lo que va a pasar, de lonuevo, traído por la “transición” democrática, sino, simultáneamente,hacia el pasado cristero, porfirista, acaso colonial. Y también hacia elpasado como un esclarecimiento —siempre provisional: esa es sulección, la ética de su historiografía— de lo que sucedió tanto en lavida como en la Historia. En todos estos sentidos, El testigo es unaficción archívica. Los cambios en el presente, una y otra vez, obligan auna relectura que violenta el pasado, que lo vuelve críptico no sóloporque en él habitan los muertos, sino también porque desde él losmuertos exigen respuestas a sus preguntas. (RUISÁNCHEZ, 2008, p.146)

Em 1947, Revueltas declara ironicamente que: “la revolución mexicana

llegaba al medio siglo muerta, o de que había nacido muerta”. (REVUELTAS apud

BLANCO, 1982, p. 5) Essa história, exaltada pelos muralistas nos espaços estatais,

ganha um novo olhar sobre essa paisagem, agora macabra, da realidade social na

consciência humana, concebida como câmara de tortura. Algumas de suas obras

são: Los muros de agua (1941), Dios en la tierra (1944), Los días terranales (1949),

Los errores (1964), El apando (1969) entre outras. Vale reforçar que, com exceção

de Revueltas, a participação do campo literário mexicano nos movimentos políticos

nos anos finais de cinquenta e início de sessenta são muito limitados, pois, como

destaca Sánchez-Prado:

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Octavio Paz se encontraba en medio de su labor diplomática en laIndia, Carlos Fuentes no tenía ninguna participación política enparticular, Juan Rulfo trabajaba en el Instituto Indigenista del régimeny no tuvo ninguna participación de consideración en las marchas,Agustín Yáñez era secretario de Estado y los miembros de Hiperiónnunca trascendieron del todo las fronteras de la academia.(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 298)

A limitação que menciona Sánchez-Prado não dura muito, pois, no final dos

anos sesenta, não há como ficar indiferente ao ocorrido na Plaza de las Tres

Culturas em Tlatelolco no dia 2 de outubro de 1968. Paz “renunció al cargo de

embajador en la India para protestar contra la represión policiaca al movimiento

estudiantil.” (LOAEZA, 1998, p.2) e o narrador tardio, Agustín Yáñez (1904-1980)

autor de Al filo del agua (1947), obra considerada por muitos anos o maior romance

mexicano, tem uma efetiva participação nesse movimento.

Yáñez foi governador do Estado de Jalisco entre 1953 e 1959, e Secretário

de Educação em 1968 (durante o massacre de Tlatelolco), substituindo Jaime Torres

Bodet, que havia desempenhado a função no sexênio anterior. E como comenta

Blanco (1982), Yáñez era “precisamente la autoridad a la que correspondía

directamente el "problema" estudiantil, y Revueltas como el principal preso por las

arbitrariedades y depredaciones oficiales de entonces”. (BLANCO, 1982, p. 5) Ou

seja, esses dois importantes escritores marcaram os extremos desse período.

Ressalte-se que com extrema ambição formal, na obra de Yáñez se

destacam: La creación (1959), La tierra pródiga (1960), Las tierras flacas (1962) e

Las vueltas del tiempo (1973), entre outras. Nessas obras, observa-se a utilização

de procedimentos contemporâneos, como a ‘collage’, o monólogo interior e a

simultaneidade; por outro lado, percebe-se a presença de uma linguagem rica,

pesada, lenta e, às vezes, barroca.

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Nos romances El rey viejo (1959) e El agua envenenada (1961), Fernando

Benítez (1912-2000) deixa transparecer toda a qualidade de sua prosa, que, como

destaca Blanco “llana y a la vez abundante en matices, con una fluencia de

conversación que, sin embargo, no prescinde del aparato, de la tensión ni de la

profundidad del discurso escrito.” (BLANCO, 1982, p.10)

Além de escritor, Benítez foi também editor, antropólogo, etnólogo e

historiador, recursos que permitiram o enriquecimento de seu trabalho com aspectos

críticos da realidade nacional, como se pode observar em: Los indios de México

(1967-1981), em cinco tomos, e Lázaro Cárdenas y la revolución mexicana (1977-

1978) suas maiores obras.

Outro importante escritor desse período é Juan Rulfo (1917-1986), cuja obra

se compõe do livro de contos El llano en llamas (1953) e do romance Pedro Páramo

(1955). Neles se observa um narrador cuja dimensão dá: “el testimonio del campo

mexicano, hundido en la pobreza, en el caciquismo, en el fanatismo y las

supersticiones, antes de ser aplastado por los tiempos modernos. (BLANCO, 1982,

p.4)

Rulfo acabou com a investidura pitoresca do índio e mostrou, através de sua

obra, uma resposta à crise do “realismo mexicano” dos anos quarenta. Para

Domínguez Michael (1996a), é um erro chamá-lo de indigenista, como já o fizeram

alguns norte-americanos, ou que esteja ligado à Literatura da Revolução, pois a

guerra de Rulfo havia sido outra, a Cristiada e sua “ideologia” (DOMÍNGUEZ

MICHAEL, 1996a, p.1030), na qual perdera o pai e dois tios. Como comenta

Sánchez-Prado (2006) a respeito do romance de Rulfo:

Lo que la novela de Rulfo plantea es una perspectiva sobre elproceso revolucionario que excede tanto los discursos de nación delcampo literario de vanguardia y del campo académico, ubicadosparticularmente en una experiencia urbana de la revolución, como la

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estructura narrativa de la novela de la Revolución que, en su impulsomemorialista, pierde por completo la reflexión sobre el problema delimpacto del movimiento histórico en los espacios comunitarios delinterior del país. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 233)

O que hoje parece óbvio, naquele momento não era, pois a obra de Rulfo é

produto tanto de uma experiência histórica como de uma forma de incorporação ao

campo literário, que caracterizou tanto o debate sobre o nacionalismo como a

articulação com o campo acadêmico.

Os diálogos intertextuais entre Pedro Páramo (1955) e El testigo são

inúmeras, indo desde os protagonistas que vagam como sonâmbulos, ou melhor,

fantasmas: Juan Preciado e Julio Valdivieso; passando pelo espaço de possibilidade

da memória: o povoado de Comala e a fazenda Los Cominos que “por más que en

Los Cominos no encuentre Valdivieso un mundo de muertos si que encuentra un

ahogado y extrañificante paisaje de vivos en trance de descomposición.”

(HERMOSILLA SÁNCHEZ, 2010, p. 3); culminando com a violência presente no

tema cristero, pois, como menciona Carlos Fuentes:

Villoro hace una incursión notable al mundo del campo mexicano. Yano es, claro, el campo de Yánez o Rulfo, porque los campesinosmexicanos han perdido todas sus luchas. Villoro recrea la grannostalgia de la acción campesina, no sólo en la Revolución deZapata y Villa, sino en ese singular momento que fue la Cristiada, larebelión del interior católico contra las leyes civiles de la Revolucióny, en particular, contra los gobiernos “ateos” de Obregón y Calles enla década de 1920-1930. Acción desesperada, heroica, insensata, laCristiada es en Villoro el símbolo histórico de una derrota de la tierra.(FUENTES, 2011, p. 118)

As referências a Rulfo e a Pedro Páramo são, na maioria das vezes,

discretas, mas, no enterro de Vikingo, o amigo de Valdivieso, tornam-se explícita:

Julio abrazó a conocidos que podían no serlo, veinticuatro añoscambian tanto a las personas. Sonreía con la amabilidaddescolocada de alguien que mira a extraños que sin embargo sabenquién es él. Juan Preciado en Comala. Espectros. Sombras de

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voces. Rostros parecidos a recuerdos. Apariciones. (VILLORO,2004a, p. 322)

Como se observa, Valdivieso se converte, por um instante, em Juan Preciado,

enquanto vê passar e cumprimentar pessoas que não reconhece em um vísivel

estranhamento, como Villoro comenta em um artigo sobre o romance de Rulfo: “El

proceso de extrañamiento, esencial a la invención fantástica, se cumple en el más

común de los territorios”. (VILLORO, 2001, p. 3)

Depois de libertados pelos pais fundadores, os autores que seguem não têm

outra pretensão a não ser narrar. Antes, porém, de tratar desses escritores, vale a

pena destacar a entrada das mulheres nesse espaço masculinizado, uma vez que,

até por volta da década de cinquenta, a participação delas nos debates culturais que

deram forma à cultura e à literatura nacional era bem modesta. Sanchéz-Prado

(2006) destaca que:

Hasta 1950, las mujeres habían estado sistemáticamente excluidas yausentes de los debates culturales que dieron forma a la cultura y laliteratura nacional. Algunos autores, como Margo Glantz, atribuyeneste fenómeno a la definición hegemónica de la literatura como virilen los años veinte, que significó una localización en el cuerpomasculino de la experiencia nacional, lo que se tradujo en unadescalificación de la experiencia de la mujer en la literatura. […] Todoesto implica que atribuir a la literatura viril el borramiento de la mujerdel espacio público es incorrecto porque oculta el hecho de que esteborramiento es mucho mayor y dejó a la mayoría de las mujeresfuera de los ámbitos culturales. […] De hecho, la “obstinadainvisibilización de la mujer” (Valenzuela Arce, Impecable 118) fueparte constitutiva de muchos de los discursos de lo nacionalproducidos por Hiperión y sus contemporáneos, cuyo punto más altoes la famosa descripción del rol “enigmático” de la mujer en Ellaberinto de la soledad. (SANCHÉZ-PRADO, 2006, p. 265)

Nesse contexto, poucas mulheres conseguiram intervir no campo cultural dos

anos trinta, com exceção da pintora Frida Kahlo (1907-1953), a escritora Nellie

Campobello (1909-1986), a modelo e romancista Guadalupe Marín (1895-1983) e a

jornalista, pensadora, dramaturga e mecenas do grupo Contemporáneos Antonieta

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Rivas Mercado8 (1900-1931), que o fizeram desde uma performance pública, não

tendo conseguido, porém, impor-se verdadeiramente no campo cultural.

Dentro dessa perspectiva, a publicação de El libro vacío (1958) de Josefina

Vicens (1915-1988) significou uma grande ruptura responsável pela transformação

da condição feminina no meio do século XX, principalmente a partir do sufrágio

universal em 1953. Destaca-se ainda Rosario Castellanos (1925-1974) com Balún

Canán (1957), que propõe uma releitura da história marcada, simultaneamente, pelo

gênero, nostalgia e crítica ao poder. Além de Elena Garro (1920-1998) com Los

recuerdos del porvenir (1963), uma obra que traça um paralelismo com Pedro

Páramo (1955) de Rulfo, com a diferença, porém, de que essa autora não conta a

história de um povoado consumido pela estrutura do poder pós-revolucionário, mas

“una alegoría del conflicto histórico entre las burguesías regionales y los intentos del

Estado de incorporar estas regiones al proyecto de la reforma agraria”. (SANCHÉZ-

PRADO, 2006, p. 272)

Nesse meio do século, além dos escritores destacados, encontram-se

também: Francisco Tario (1911-1977), Archibaldo Burns (1914-2011), Edmundo

Valadés (1915-1994), Jorge López Páez (1922), Luis Spota (1925-1985), Rodolfo

Usigli (1905-1979) entre outros. Cabe ressaltar que este último, com a obra Ensayo

de un crimen (1944), dá ao espaço urbano a densidade labiríntica de que carecia. É

quando aparece, pela primeira vez no romance mexicano, a cidade moderna vista

por dentro:

8 Sobre a vida cultural de Antonieta Rivas Mercado vale a pena ler o artigo “Escritura y biografia enlas cartas de Antonieta Rivas Mercato” de Ana María González Luna (2002), no qual destaca entreoutros o financiamento que proporciona aos Contemporáneos editando Dama de corazones de XavierVillaurrutia, Novela como nube de Gilberto Owen e contribuindo ativa e economicamente nacampanha eleitoral de José de Vasconcelos em 1929. (GONZÁLEZ LUNA, 2002, pp. 409-421)

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La ciudad de México en Usigli aparece como un pardo crepúsculocuyos signos son apenas discernibles. Calles y cafés, pasajesurbanos y jardines, taxis y cabarets: todos son lugares a punto dedesvanecerse, funcionando en cámara lenta, intangibles. Elhomenaje de Usigli es a una ciudad cuyo esplendor del medio sigloes el anuncio de su decadencia: los ciudadanos que la habitan vivencomo especies terminales. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.1060)

A Cidade do México, nesse período, estreava, radiante em sua modernidade,

com muitos cafés, teatros, cinemas, livrarias e restaurantes em ruas iluminadas, pois

os governos de Manuel Ávila Camacho (1940-1946) e de Miguel Alemán (1946-

1952), ao contrário de seus predecessores desde o período da Revolução,

caracterizaram-se por uma relativa estabilidade política, crescimento e diversificação

da economia. Sendo assim, a cidade atrai outros escritores, como Rafael Bernal

(1915-1972), com El complot mongol (1969), romance em que desaparecem as

referências sociais e cafés da moda de Usigli, fazendo surgir uma cidade mostrada

através dos bairros mais simples.

A denominada Generación del Medio Siglo ou Generación de la Casa del

Lago, cresceu em um meio literário influenciado por três destacadas situações: a

presença da figura de Alfonso Reyes; a herança de seus antecessores, como o

grupo dos Contemporáneos e a inspiração e estímulo de Octavio Paz. Essa geração

é integrada por escritores como Inés Arredondo, Tomás Segovia, Huberto Batis,

Juan García Ponce, Juan Vicente Melo, Salvador Elizondo, Sergio Pitol, José Emilio

Pacheco entre outros, que não somente desenvolveram obras próprias, mas um

destacado trabalho de crítica em diferentes campos (teatro, cinema, pintura, música,

romance, ensaio e poesia), como também no âmbito da tradução.

O perfil dessa geração poderia ser definido por vários aspectos, como

destaca a professora e pesquisadora Claudia Albarrán em um artigo publicado na

Revista Difusión Cultural em 1998:

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1) La adopción de una postura contraria a ciertas tendenciasnacionalistas de los años cuarenta, sustentada en el cuestionamientode los presupuestos de la Revolución Mexicana y en la denuncia delas promesas revolucionarias incumplidas por parte del gobiernomexicano; 2) El cosmopolitismo, gracias al cual se fomentó yenriqueció una labor cultural con pocos precedentes en la historianacional; 3) El pluralismo, que implicó la apertura de sus miembros alquehacer cultural y literario de otros países; 4) El apoyo de susintegrantes a otros jóvenes intelectuales y escritores, tantonacionales como extranjeros, quienes mostraron a la sociedadmexicana de los años sesenta otros rumbos y puntos de vista sobreel quehacer literario y cultural de México; 5) Su participación endistintas instituciones culturales, como el Centro Mexicano deEscritores, y en distintas dependencias de la Universidad NacionalAutónoma de México (UNAM); 6) Su actitud crítica ante la cultura engeneral y ante algunas instituciones en particular, la cual ejercieronen diversas revistas del país --como Universidad de México, RevistaMexicana de Literatura (en adelante RML), Cuadernos del Viento,S.Nob y La palabra y el hombre, entre otras--, y en los suplementos"México en la Cultura" (del periódico Novedades) y "La Cultura enMéxico" (de la revista Siempre!), y 7) El apoyo que recibieron dediversas editoriales, como la Imprenta Universitaria de la UNAM, Era,Empresas Editoriales, Joaquín Mortiz, el Fondo de CulturaEconómica (FCE) y la editorial de la Universidad Veracruzana, porcitar sólo algunas. (ALBARRÁN, 1998, p.1)

Apesar de longa, a citação se justifica, pois, através de várias instituições que

se prolongam até os dias atuais, pode-se observar claramente a participação direta

de verbas do governo com o intuito de incentivar a cultura nacional nesse período.

Em relação a esse aspecto, O Centro Mexicano de Escritores foi uma dessas

entidades de suma importância para os membros dessa geração. Fundado em 1951,

inicialmente com financiamento da Fundação Rockefeller, anos depois, o apoio de

destacados homens de negócios e de empresas mexicanas públicas e privadas

permitiu que o Centro abandonasse o patrocínio dessa Fundação e se

transformasse numa instituição independente. Ela funcionava como uma oficina na

qual os escritores recebiam críticas de seus trabalhos. Com o tempo, entretanto,

iniciou-se a distribuição de bolsas para jovens escritores.

Para que se possa ter uma dimensão do que significou o apoio do Centro aos

escritores da Generación del Medio Siglo, basta enumerar os nomes e datas de

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alguns escritores que receberam as bolsas: “Jorge Ibargüengoitia (1954-1955 y

1955-1956), Tomás Segovia (1954-1955 y 1955-1956), Juan García Ponce (1957-

1958 y 1963-1964), Inés Arredondo (1961-1962), Salvador Elizondo (1963-1964 y

1966-1967) y José Emilio Pacheco (1969-1970)”. (ALBARRÁN, 1998, p. 4)

No entanto, vale ressaltar que esse papel de educador desempenhado pela

Fundação Rockfeller fazia parte de um projeto muito maior, do Banco Mundial, cujo

objetivo seria levar a educação a povos periféricos, através do financiamento de

projetos orientados à promoção da modernização econômica como forma de conter

o avanço do ideário comunista. O projeto também objetivava a dinamização das

relações desiguais entre centro e periferia e, principalmente, tinha a preocupação de

“formar intelectuais capazes de disseminar tais ideias”. (FALLEIROS, PRONKO,

OLIVEIRA, 2010, p. 52)

Dentre tantas contribuições do Centro, destaca-se também o projeto cultural

Casa del Lago9, fundada em 1959 e, como ressalta Albarrán (1998) sobre o dia da

inauguração: “encabezada por Josefina Lavalle, y Gurrola y Arreola, subidos en una

panga, recitaron fragmentos de la "Suave patria" de López Velarde”. (ALBARRÁN,

1998, p. 8)

A íntima relação entre os intelectuais e o poder percorre toda narrativa de El

testigo. É possível observar, logo nas primeiras páginas, a crítica aos intelectuais

que recebem bolsas do governo e o destaque dado à não participação do

protagonista nesse sistema:

Leiris estudiaba la literatura latinoamericana como una vastaoportunidad de documentar oprobios. El machismo, el cacicazgo, elecocidio, la corrupción integraban la mitad yin de sus estudios; lamitad yang constaba de la barroca sofisticación con que losintelectuales mexicanos avalaban el régimen que los protegía. Leiris

9 É o primeiro centro cultural da UNAM situado fora do campus universitário, fundado em 1959, tendocomo diretor fundador Juan José Arreola. (ALBARRÁN, 1998, pp.1-7)

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estaba en contacto con una difusa ONG que lo ponía al tanto de losabusos y las prebendas de la cortesana sociedad literaria del país delos aztecas. Aceptaba a Julio porque, a diferencia de sus paisanos,no tenía subsidios del gobierno (y sobre todo porque no teníasirvienta). Sí, lo aceptaba, pero como se acepta un té cuando no haycafé”. (VILLORO, 2004a, p. 24)

Como se percebe nesse trecho do romance, Villoro ressalta o olhar exótico

capaz de despertar interesse aos estrangeiros sobre a literatura hispano-americana

e a relação entre os intelectuais e o regime priísta.

Como já mencionado, o escritor Salvador Elizondo (1932) pertence a essa

geração e publica, em 1965, um dos romances mais complexos da literatura

mexicana até o momento: Farabeuf o la crónica de un instante (1965), um livro de

intrínseca e fascinante escuridão, um espaço de horror e erotismo, fictício e

imaginário, no qual o texto denuncia qualquer forma de certeza e conhecimento “es

una emoción incomprensible e indecifrable. Nada más que una sensación a la que

las palabras son insuficientes.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 41)

No mesmo ano em que se publica Farabeuf, encontram-se outros títulos de

suma importância como: Gazapo (1965) de Gustavo Sainz (1940) e La señal de Inés

Arredondo (1928-1989). Com as obras desses três autores, destaca Domínguez

Michael (1996b), citando o crítico José Luis Martínez, que pela primeira vez um ciclo

de renovação se dá antes na narrativa que na poesia. (DOMÍNGUEZ MICHAEL,

1996b, p. 40)

A vasta e variada obra do primeiro diretor da Casa del Lago, Juan García

Ponce (1932-2003), em sua diversidade explora temas como: o erotismo, a polêmica

intelectual, a crítica, a pintura metafísica e a reflexão moral entre outros. Como se

pode observar em: Imagen primera (1963), La casa en la playa (1966), El hombre

olvidado (1970) ou Inmaculada o los placeres de la inocencia (1989), nas quais

predomina “la compulsión por elevar lo cotidiano a un orden metafísico o estético,

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aunque sea una cotidianeidad un tanto predispuesta y con alcances esteticistas

demasiado facilitados.” (BLANCO, 1982, p. 17)

Nos anos finais de 1950 e princípios de 1960, a intervenção no discurso

literário mais significativo está na tríade romanesca de Carlos Fuentes (1928-2012),

composta por La región más transparente (1958), La muerte de Artemio Cruz (1962)

e Aura (1962), destacando o renascimento de uma literatura de vocação urbana que

não era vista desde os romances líricos dos Contemporáneos e dos Estridentistas.

Em La región más transparente aparece um retrato, sem complacência, do México

do meio do século, um projeto ambicioso no qual culminam as obsessões mais

profundas “la noche de los menesterosos y la culpa de los vencedores, el día de la

oligarquía y la persistencia sacarrona de la muerte, así como el desfile de una

intelectualidad dudosa entre las obligaciones de la consciencia nacional y la divertida

iluminación cosmopolita”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p.18)

Carlos Fuentes e o impulso moderno e ambicioso desse período, que é La

región más transparente, exerceram muita influência na narrativa de Villoro, como

destaca o próprio Fuentes em seu artigo sobre El testigo, comentando a diferença

entre a cidade do México em 1958, ano de publicação de sua obra e em 2004,

quando se publica a de Villoro. Se, naquela época, a cidade tinha cinco milhões de

habitantes, nessa obra mais recente, cerca de vinte milhões. Fuentes destaca

também que o México do romance El testigo é um espaço literário, que “La novela

es ciudad sin límites, por ausencias, por nostalgias”. (FUENTES, 2011, p.116). E

que Villoro sabe que o todo não pode ser abarcado, e que não tem essa pretensão,

então opta por criar uma cidade “parcelada, más identificable por lo que no es que

por lo que es; más por sus maneras de engañarse a sí misma que por las verdades

que se dice a sí misma o que se dicen de ella.” (FUENTES, 2011, pp.116-117).

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Villoro parte da impossibilidade de abarcar o todo e entende de antemão que

sua cidade, muitas vezes, são várias dentro de uma, ou seja, é “un territorio que

excede la experiencia humana [...] un palimpsesto mil veces corrigido [...] um caos

[grifo nosso] que nos rebasa a diario con frenética intensidad.” (VILLORO, 2002b, p.

62) Afastando-se de Fuentes e aproximando-se do “primer escritor libre del México

moderno, el primero que empieza a tomarse las grandes libertades y a decir las

grandes barbaridades” (BLANCO, 1982, p. 23), Carlos Monsiváis, o qual o lê “no

sólo como un renovador de su género, sino como un precursor de la narrativa de las

generaciones posteriores” (RUISÁNCHEZ & ZAVALA, 2011, p.12), pois Villoro sabe

que necessita continuar narrando a cidade, não a de Fuentes, mas a cidade em

camadas, de céu cinzento, uma Blade Runner, talvez. Neste caso, com improvisada

imaginação política e estética, que inclui o artigo, a crônica e o ensaio em sua

composição prosística, com a mesma facilidade que absorve os recursos da poesia,

em um constante e consciente malabar monsivaniano.

A partir da década de 60 e 70, observa-se uma clara vontade de superar e

lutar contra o fanatismo historicista. Surge assim o primeiro grupo de escritores a

romper com essa obsessão: La Onda10. Nesse contexto, o renovador e vigoroso

José Agustín (1944), que com La tumba (1964) funda o novo mito narrativo do

México: “el joven como módico rebelde, simpático y anticonvencional cuando es de

clase media y su papá le presta el coche, con mucho sentido del humor y, [...] capaz

de encontrar aventuras entre rascacielos y unidades habitacionales.” (BLANCO,

1982, p. 25) Além de De perfil (1966), Inventando que sueño (1968) ambos de

10La Onda movimento literário surgido no México por volta de 1960 e considerado em muitosaspectos como contracultural. Denominado em sentido pejorativo de Literatura de la Onda por MargoGlantz. Através de uma ruptura com a literatura tradicional, jovens demonstravam desacordo com oregime autoritário do PRI, utilizando temas irreverentes como: o rock and roll, a Guerra do Vietnã, osexo, as drogas entre outros. Seus integrantes mais destacados são: José Agustín, Gustavo Sainz eParménides García Saldaña. (SANCHÉZ-PRADO, 2006, p. 321)

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Agustín e o já citado Gazapo (1965) de Gustavo Sainz, entre outros, surge uma

nova maneira de narrar, caracterizada pela linguagem coloquial da classe média da

capital no âmbito literário, da qual Agustín é considerado o pioneiro.

É importante ressaltar que muito há de contracultura na obra de Villoro, e a

inegável presença de José Agustín e Gustavo Sainz em suas obras. A visão do

adolescente influenciado pela contra cultura norte-americana aparece em La noche

navegable (1980) e Albercas (1985), suas primeiras obras.

Figura importante do conto breve e da imaginação, assim é a obra de Augusto

Monterroso (1921-2003), autor que muito influenciou na formação de Juan Villoro,

em que claramente se pode perceber uma fabulação cheia de humor e ironia, como

opina Blanco: “Como picotazos de abeja en una cultura dada a monumentalidades y

profusiones tropicales, constituye una reivindicación de la inteligência, la simpatía y

especialmente de la prosa.” (BLANCO, 1982, p. 9).

Monterroso é um sagaz observador da atualidade moral e destacado

narrador. Esse guatemalteco radicado no México é uma discreta e sorridente voz da

literatura hispano-americana. Com suas Obras completas y otros cuentos (1959), La

oveja negra (1969) e Movimiento perpetuo (1972) o autor demonstra de maneira

magistral toda sua ironia, e sobre a sua produção comenta o crítico Adolfo Castañón

citado por Domínguez Michael:

Un narrador preocupado por hacernos reflexionar y reír – sólopiensan quienes tienen sentido del humor – y deseoso de actualizaren su obra lo que para él es esencial en la literatura: una escrituraprecisa e imaginativa, conocedora del valor de las anécdotassignificativas (y cualquier anécdota puede ser significativa), cruel yconsciente de la elocuencia de las imágenes, de lo imprescindibleque resulta al escritor de brevedades, relatos y viñetas hacerse – encada uno de sus textos – de una voz atenta a las reacciones dellector – una voz conversada y sugestiva, no autoritaria. (CASTAÑÓNapud DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 48)

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Em meio a todos esses narradores, vale destacar um grupo de jovens poetas

inspirados em José Revueltas e Efraim Huerta que, ainda em meados dos anos 70,

mais precisamente em 1976, fundaram no México uma corrente literária de

vanguarda e de verdadeira ruptura com o establishment literário mexicano, o

Infrarrealismo.

Heriberto Yépez em seu artigo “Historia de algunos infrarrealismos” (2009)

menciona que “Las antologías y los libros de crítica de poesía mexicana, por

supuesto, ignoran a este movimiento y cuando se le menciona es para

descualificarlo”. (YÉPEZ, 2009, p.1). Esse período foi marcado pelo fim do governo

de Luis Echeverría, época em que houve uma proliferação de atividades culturais

nas universidades ligadas à arte e à humanidade como parte de um movimento de

conciliação com a juventude mexicana.

Esse grupo era composto pelos poetas chilenos Roberto Bolaño (1953-2003)

e Bruno Montané (1957); o peregrino do Norte José Vicente Anaya (1947); ou

“chilangos marginales, defeños descontentos, caifanes cuasi-infernales” (YÉPEZ,

2009, p.3), como os mexicanos Mario Santiago Papasquiaro11 (1953-1998),

Cuauhtémoc Méndez (1956-2004), Ramón Méndez Estrada (1954); e mulheres

como Mara Lorrosa (1955), Guadalupe Ochoa, Lorena de la Rocha (1956) entre

outros.

Villoro é da mesma geração dos infrarrealistas e foi nesta época que

conheceu Roberto Bolaño e Mario Papasquiaro. Ele recorda que eles se

apresentaram como um grupo de ruptura “muy bronco y áspero, que iba a

desestabilizar la realidad mexicana.” (VILLORO apud CARO, 2010, p. 68)

11O verdadeiro nome desse poeta e fundador do movimento Infrarrealista é José Alfredo ZendejasPineda, mas mudou para Mario Santiago argumentando que José Alfredo somente havia um (JoséAlfredo Jiménez, o compositor de rancheiras) e posteriormente acrescentou Papasquiaro emhomenagem à cidade natal do escritor José Revueltas. (YÉPEZ, 2009, p.1)

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A presença desses poetas em El testigo é representada pelo personagem

Ramón Centollo, que será abordada mais detalhadamente no terceiro capítulo. Por

hora, cabe destacar que, como os infrarrealistas, Centollo não aceita fazer parte do

sistema nem da tradição poética convencional, representada em sua época por Paz

e Monsiváis, verdadeiros ícones da cultura oficial. O próprio Villoro menciona que

eles “no eran otra cosa que una manera inaudita de manifestar el repudio que

sentían ante la estrecha relación entre el intelectual de la época y el gobierno, o el

«compromiso tan prostituido con las esferas del poder» como lo expresa Ochoa”.

(VILLORO apud CARO, 2010, p. 68)

O ensaísta, romancista e contista José Emilio Pacheco (1939), comprometido

com todos os gêneros, iniciou-se como poeta e publicou um caderno de contos: La

sangre de Medusa (y la noche del inmortal) em 1958. Em Morirás lejos (1967), um

curioso romance experimental em torno da Shoah e, com Las batallas en el desierto

(1981), aparece um relato nostálgico do México dos anos cinquenta. A respeito de

seu pessimismo histórico, uma prosa que vem da tradição literária escrita e não da

linguagem falada é o que o separa da Onda, pois, como destaca Domínguez

Michael (1996b): “Pacheco nace como lector frente al apocalipticismo rulfiniano,

tomó de Fuentes algo de su ladera fantástica y fue alumno directo y amanuense de

Arreola”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 63)

Nesse contexto, ao privilegiar a meditação subjetiva entre o presente e o

passado, é clara a influência, na narrativa de Villoro, de Pacheco, o homem de letras

tradicional. Afinal, em Pacheco há sempre alguém que recorda o passado de

maneira melancólica, e o autor de El testigo, herdeiro desses procedimentos de

memória, renova o arquivo como forma de iluminar os interstícios da história, local

em que a história questiona a História.

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É importante mencionar também Jorge Ibargüengoitia (1928-1983), autor com

um aguçado sentido de humor e de crítica, obtido, algumas vezes, através da ironia

e do sarcasmo. Começou no teatro, mas nunca abandonou a farsa histórica, criando

então a paródia do romance da Revolução em Los relámpagos de agosto (1965). Já

em Maten al León (1969), La ley de Herodes (1967), Estas ruinas que ves (1973),

Dos crímenes (1979), Las muertas (1977), Ibargüengoitia apresenta obras cujos

temas criticam o moralismo da classe média, deixando transparecer em cada um de

seus protagonistas o ser ridículo, como representação paródica de personagens

reais ou possíveis. E como menciona Domínguez Michael, citando Blanco:

“Ibargüengoitia es una de las respuestas más eficaces que el poder ha recibido de

parte de la novela crítica en México”. (BLANCO apud DOMÍNGUEZ MICHAEL,

1996b, p. 67)

Humor e crítica também não faltam à obra de Villoro, obtidos, assim como em

Ibargüengoitia, através da ironia, do sarcasmo e da paródia, representando uma

clara crítica ao poder que os romances haviam recebido no México nas últimas

décadas. Seus personagens levam a uma reflexão a respeito da situação política,

econômica, social e cultural do país.

Sergio Pitol (1933), escritor, tradutor, professor e diplomático de reconhecida

trajetória intelectual no campo da criação literária e da difusão da cultura,

principalmente no que se refere à preservação e promoção do patrimônio artístico e

histórico mexicano, apresenta personagens solitários e excêntricos, tanto nos

romances como nos contos. Entre suas obras mais destacadas encontram-se:

Tiempo cercado (1959), El infierno de todos (1964), Los climas (1966), No hay tal

lugar (1967), Del encuentro nupcial (1970), El tañido de una flauta (1972), Nocturno

de Bujara (1981), Asimetría (1981), Juegos florales (1982) e El desfile del amor

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(1985). Pitol é um dos poucos escritores de sua geração que merece aprovação de

Blanco, o qual, com sua crítica ácida e feroz, destaca que seus personagens são

naturalmente solitários e que:

Pocas veces la literatura mexicana ha tenido un defensor tanentrañable, tan conmovido, tan apto como Sergio Pitol para losmundos de la soledad y los solitarios, los desamparados ydesesperados, de los locos y los avergonzados, de los torpes yperdidos de sí mismos: las víctimas de la honorable familia burguesa:los niños, los viejos, los solos, que frente a la realidad no sólo banal,sino autoritaria y ajena, oponen el recurso de su retórica: inventanprofusos y laberínticos mundos alternativos, totalmente teatralizadose inverosímiles, desbordantes de una vitalidad exagerada y a vecescomo de ópera. (BLANCO, 1982, p. 15)

Com Sergio Pitol “el camino de la memoria es tortuoso, uno no recuerda lo

que quiere sino lo que puede.” (RUISÁNCHEZ & ZAVALA, 2011, p.13), assim como

em Villoro, é estar dentro e fora, um olhar deslocado, solitário e desamparado, que

aparece em vários personagens, principalmente em seus protagonistas como

Balmes (El disparo de argón, 1991), Mauricio (Materia dispuesta, 1996) e Julio

Valdivieso (El testigo, 2004).

Outra figura importante para que se possa compreender a cultura mexicana

das últimas três décadas é Carlos Monsiváis (1938-2010). Um analista cultural e

literário com a escrita naturalmente carregada de ironia, Monsiváis foi um outsider

crítico e ávido ensaísta, incluindo a crônica e o artigo para absorver recursos da

poesia. Publica o romance Días de guardar (1970) e Amor perdido (1977), este

último um livro de plenitude barroca, sem abandonar as crônicas dos fatos, as

reconstruções históricas e os movimentos sociais. Com essas duas obras,

Monsiváis:

se ubican en la fundación de un ethos de la izquierda en la estela del68. Este ethos emerge en el contexto de dos problemáticas: lacreciente represión política en México, que alcanza su puntoculminante en el régimen de Luis Echeverría, y el ingreso definitivo

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de la cultura americanizada y mediática al imaginario nacional”.(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 335)

Villoro se aproxima dessa questão em El testigo através do personagem

Alicia, a filha mais velha de sua prima Nieves, que vive em Los Angeles, pois, como

demonstra a narrativa, ela incorporou o inglês em sua fala e tem dificuldade de

pronunciar seu próprio idioma: “Alicia hablaba en español como un cojo que insiste

en correr.” (VILLORO, 2004a, p. 123)

A escritora, ativista política e jornalista Elena Poniatowska (1932) publica seu

primeiro livro de ficção Lilus Kikus (1954), no qual, de maneira irônica, apresenta

atmosferas infantis e cotidianas. Já a obra Hasta no verte, Jesús mío (1969) é um

romance baseado em uma longa entrevista da lavadeira Josefina Bórquez, na qual

aparece como a protagonista Jerusa Palancares. No entanto, La noche de Tlatelolco

(1971) é sua obra mais destacada, pois, nela, Poniatowska brinda o leitor com um

panorama do movimento estudantil de 68, apresentando muita qualidade crítica,

sem cair, entretanto, no panfletário ou no tratado sociológico. Afastando-se do papel

testemunhal característico desses romances e utilizando a ironia picaresca para fugir

do lugar comum, Elena deixa aflorar, nessa obra, personagens oprimidos,

marginalizados da cidade, vítimas de massacres e mães de desaparecidos.

Embora se considere aqui o mesmo que o crítico Domínguez Michael

(1996b) sobre o romance de 68, “No hay novela del 68. Quizá sea un género por

venir”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 502). É preciso levar em consideração

que foram publicadas muitas obras sobre esse importante período histórico. Além da

já mencionada obra de Poniatowska, há também Los días y los años (1971) de Luis

González de Alba (1944), que é antes de tudo um diário, “un hecho afortunado para

la literatura mexicana […] una prueba no de heroísmo, sino de templanza.”

(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 503)

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Outra obra de relevância desse período é Muertes de Aurora (1980) do

escritor, crítico literário e roteirista de televisão Gerardo de la Torre (1938). Nessa

narrativa alusiva a 68, o autor destaca a participação de um grupo de operários

petroleiros no Movimento estudantil. No entanto, cabe ressaltar que não se trata de

um romance ideológico, uma vez que temas como o combate, a esperança e o

herói, todos considerados grandes pela tradição literária, estão ausentes.

O escritor e guerrilheiro Salvador Castañeda (1946) publica ¿Por qué no

dijiste todo? (1980), obra que narra o enfrentamento entre a esquerda armada e as

forças repressivas estatais. Como comenta Domínguez Michael (1996b), esse

romance “recuerda el clima de las novelas cristeras: México es un río de sangre que

no cesa.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 505)

Após esse trio de obras (Los días y los años, Muertes de Aurora e ¿Por qué

no dijiste todo?) onde reinam a tortura e a negação, aproxima-se a uma leitura mais

fresca, Paco Ignacio Taibo II (1949), que parece ser um pouco mais otimista e

pragmática. Em Cosa fácil (1977), apresenta um herói “chilango”, prototípico,

responsável pela descoberta de um Distrito Federal triangulado. Taibo II reafirma

sua crença na natureza das lutas sociais e dessacraliza as feridas deixadas por 68.

Entre sua extensa lista de publicações, destacam-se: Héroes convocados (1980),

Revolucionario del paisaje (1986), La misma ciudad, la misma lluvia (1989),

Retornamos como sombras (2001), que é uma obra entre o romance policial e a

história durante a II Guerra Mundial, entre outras.

Agustín Ramos (1952) com Al cielo por asalto (1979) encerra essa sequência.

Além desse livro, ele publica também La vida no vale nada (1982), Ahora que me

acuerdo (1985) e Como la vida misma (2005), entre outras. Ramos é um narrador

de excelente prosa e, para o crítico Ignacio Trejo Fuentes, sua narrativa pode ser

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dividida em três assuntos: “la política, la historia y los tiempos modernos”. (TREJO

FUENTES, 2007, p. 45)

Ao serem destacados os escritores anteriormente mencionados, não se trata

aqui de relatar que outros autores desse período tenham sido indiferentes diante do

massacre de 68, pois muitos refletiram e publicaram sobre esse tema, como

Fernando del Paso (1935) em Palinuro de México (1977), Jorge Aguilar Mora (1946)

em Si me muero lejos de ti (1979) e Juan García Ponce em Crónica de la

intervensión (1982).

Nesse contexto, Fernando del Paso é uma resposta fértil dada pela literatura

mexicana a esse estado de ânimo. Del Paso publicou outros romances, como: José

Trigo (1966), Noticias del imperio (1987) e Linda 67. Historia de un crimen (1965),

além de ensaios, contos, poesias e peças de teatro. Em suas obras, ele optou pelo

erotismo como tema principal:

Del Paso […] olvida el culto de las llagas o los meandros de la Identidad.Lo suyo es el delirio y el festín. Para él la carne, lejos de ser triste, es lasuma de todo conocimiento. Carne pútrida, carne apetecible. En suscuerpos esa materia total tiene la misma textura taxonómica del mundo:geología, zoología, botánica. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 522)

No entanto, deve-se levar em consideração que a obra mais destacada pela

crítica literária de 68 é El apando (1969) porque precisamente não volta ao

acontecimento trágico tantas vezes mencionado, pois Revueltas retrata o cárcere de

Lecumberri, lugar no qual esteve preso após o movimento estudantil, procurando

narrar a dor do homem, mostrando o terror da força repressora que invade e destrói

a vida dos presos políticos.

Leonardo Da Jandra (1951), que sem remeter diretamente a 68, mas

pretendendo interpretar com muito cuidado sua geração, publica Entrecruzamientos

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(1986 e 1988) em dois tomos, participando da resposta literária à dissolução ou

estancamento das utopias políticas e cotidianas.

Adentrando os anos de 1970, dois romances rompem de vez com a tradição:

Lapsus (1971) de Héctor Manjarrez (1945) e Cadáver lleno de mundo (1971) de

Aguilar Mora. Essas obras são, em grande medida, produtos da estada desses

autores na Europa, deixando nelas transparecer:

la provinciana "onda" mexicana se vio pequeñísima y anticuadafrente a la onda inglesa y el estructuralismo francés, y los leyó encierto sentido como manuales de modernización -e intelectualización-en "la onda": refinamientos de capacidad satírica, situacionesepatantes, ultrabarroquismo verbal, extremada politización,referencias archiliterarias, sabiduría sicoanalítica, etc. (BLANCO,1982, p. 26)

Além de Lapsus, Manjarrez publica também No todos los hombres son

románticos (1983), obra na qual aparece um escritor sentimental. Outros romances

seus são: Acto propiciatorio (1970), Pasaban en silencio nuestros dioses (1987) e Ya

casi no tengo rostro (1996).

Caber ressaltar que muitos autores escreveram sobre temas radicais, como a

exploração de outra identidade amorosa e a vida homossexual. O primeiro romance

desse tema surgiu no México com Miguel Barbachano Ponce (1930), em El diario de

José Toledo (1964), mas é com Luis Zapata em El vampiro de la colonia Roma

(1979) que o amor homossexual aparece de forma mais explícita, com Zapata

apresentando uma valorosa reflexão crítica à rejeição. E, não casualmente, a

publicação dessa obra coincide com as primeiras manifestações públicas e políticas

no México sobre esse tema.

O mérito desse romance, no entanto, não está nas aventuras nem no aspecto

dramático do protagonista, mas na descoberta do ambiente citadino como

submundo de uma cidade que carece de luz solar. A marginalização da sociedade é

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resgatada por escritores como: Ignacio Trejo Fuentes (1955) em Crónicas Romanas

(1990), Chin Chin el teporocho (1972) e Tepito (1983) de Armando Ramírez (1951),

onde se pode ver a volta da picaresca. São vários os narradores que incursionaram

pelo tema da paixão homossexual, dentre os quais podemos citar: Alberto Dallal

(1936) com Mocambo (1976); Raúl Rodríguez Cetina (1953-2009) com El

desconocido (1977); Carlos Eduardo Turón (1935-1992) com Sobre esta piedra

(1982); José Joaquín Blanco (1951) com Las púberes canéforas (1983); e José

Rafael Calva (1953-1997) com Utopía gay (1983) entre outros. (GUTIÉRREZ, 2009,

p. 285)

Villoro em sua obra Materia dispuesta (1996) explora o tema de gênero

através de um bildungsroman latino-americano, com o narrador e protagonista

Mauricio Guardiola demonstrando uma visão particular da masculinidade

hegemônica e patriarcal, como se observa já na primeira frase do romance: “Mi

padre siempre usó el lado rasposo de la toalla. Si algo definía su carácter era la furia

para frotar y admirar su carne enrojecida”. (VILLORO, 2011, p. 13)

Sendo assim, em uma narrativa onde o protagonista deambula pela cidade

como “materia dispuesta”, essa obra de Villoro pode ser lida como uma

alegoría histórica de la desintegración del concepto del “México viril”promulgado en el imaginario pos-revolucionario, se invita a apreciarla mirada postmoderna, pos-nacional y decididamente pos-patriarcal[...], que a la vez logra “fisurar las lecturas establecidas” de lamasculinidad y la nación en la historia de la literatura mexicana”(WILLIAMS, 2011, p. 337)

O escritor Roberto López Moreno (1942) exerce a narrativa e o jornalismo

com a mesma desenvoltura, passando pela poesia, o conto e o teatro. Em uma

narrativa sem novos heróis, pode-se encontrar uma galeria de retratos urbanos,

como em Yo se lo dije al Presidente (1982). Nesse espaço, personagens como o

boxeador aparecem, frequentemente, em autores tão diferentes como Rafael

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Ramírez Heredia (1942) e José Aguilar Mora. A figura do boxeador nesses

romances enfrenta a última possibilidade de encarar os mitos em um país onde os

esportes coletivos estão condenados ao fracasso. Sendo assim, essa figura

“literalmente a golpes, esos descamisados representan la vanguardia heroica de un

pueblo llano degradado por el anonimato urbano.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b,

p. 546)

A discussão de identidade do mexicano volta à esfera de debate em 1986

com a publicação de La jaula de la melancolía. Identidad y metamorfosis del

mexicano de Roger Bartra, ensaio de indiscutível contribuição baseada na metáfora

do axolote12, que é apresentada como “un juego” (BARTRA, 2007, p. 21) através

desse curioso animal que ele chama em algum momento de “ese mexicanísimo

anfibio” (BARTRA, 2007, p.21) e, em outro, de “el famoso anfibio del mestizaje”

(BARTRA, 2007, p. 30).

Bartra, com uma extensa investigação sobre o axolote, cobre vários campos

possíveis, desde o histórico até o literário, passando pelo biológico e pelo político,

analisando os estudos sobre “o mexicano” como “una expresión de la cultura política

dominante” (BARTRA, 2007, p. 14), como se observa no trecho que segue:

Los estudios sobre «lo mexicano» constituyen una expresión de lacultura política dominante. Esta cultura política hegemónica seencuentra ceñida por el conjunto de redes imaginarias de poder, quedefinen las formas de subjetividad (destacado no original)socialmente aceptadas, y que suelen ser consideradas como laexpresión más elaborada de la cultura nacional. Se trata de unproceso mediante el cual la sociedad mexicana posrevolucionariaproduce los sujetos (destacado no original) de su propia culturanacional, como criaturas mitológicas y literarias generadas en el textode una subjetividad históricamente que «no es sólo un lugar decreatividad y de liberación, sino también de subyugación yaprisionamiento». (a citação interna pertence a Terry Eagleton etraduzida por Bartra) (BARTRA, 2007, pp. 14-15)

12 Hay quien traduce la palabra nahua axolotl como «juego de agua», y es evidente que su misteriosanaturaleza dual (larva/salamandra) y su potencial reprimido de metamorfosis son elementos quepermiten que ese curioso animal pueda ser usado como una figura para representar el carácternacional mexicano y las estructuras de mediación política que oculta. (BARTRA, 2007, pp. 21-22)

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Para Bartra, a constituição de discursos identitários é uma forma de submeter

os cidadãos ao poder. Deste modo, ele questiona toda e qualquer definição de

“mexicano” ou “nacional”, afirmando que ela forma parte das por ele denominadas

“redes imaginárias de poder.” (BARTRA, 2007, p.14) Acredita, então, que se deve

buscar “nuevas formas de constitución de lo político más allá de los códigos del

PRI”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 9)

Villoro se aproxima a essa questão, de maneira explícita em Materia

dispuesta (1996), através de Mauricio, que desde menino pesca axolotes e os

coloca em aquários em casa. O romance apresenta uma interpretação do axolote

como símbolo de metamorfose, desse personagem que é metade menino-metade

homem, que não quer que os axolotes se transformem em salamandras, assim

como ele também não deseja transformar-se em homem.

A professora e pesquisadora An Van Hecke em seu artigo “Hibridez y

metamorfosis en Juan Villoro: el universo mágico-mitológico de ajolote” (2009)

menciona a associação presente na obra de Villoro entre o axolote e o jovem

protagonista Mauricio Guardiola, comparando essa situação a nível nacional:

se trata aquí claramente de la metamorfosis del mexicano. Tambiéneste tema, el del crecimiento y la búsqueda de identidad delmexicano, es muy recurrente en las obras de Villoro. Es además untema que corre paralelo con la vida del adolescente y que secompara a veces. El mexicano es como un adolescente en busca desu identidad. Es precisamente lo que ha analizado Bartra en La jaulade la melancolía: el axolote (escrito con x, al igual que México) comometáfora del mexicano, por “su misteriosa naturaleza dual(larva/salamandra) y su potencial reprimido de metamorfosis”. Comoel ajolote, el mexicano se transforma pero no alcanza la madurez.(HECKE, 2009, p. 48)

Em Materia dispuesta (1996), nota-se o que foi destacado nesse trecho, que

para referir-se aos discursos sobre a identidade mexicana do século XX, Villoro

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utiliza esse personagem para apoiar tal discussão.

Alguns escritores nos últimos anos do século XX se preocuparam em oferecer

uma literatura na qual o humor e a ironia desempenhavam um papel condutor.

Dentre eles, podemos citar o filósofo e escritor Alejandro Rossi (1932-2009) em:

Manual del distraído (1979), El cielo de Sotero (1987), La fábula de las regiones

(1988); Hugo Hiriart (1942) com Disertaciones sobre las telarañas y otros escritos

(1980); Bárbara Jacobs (1947) em: Doce cuentos en contra (1982); Agustín

Monsreal (1941) em: La banda de los enanos calvos (1986); Lazlo Moussong (1936)

em: Castillos en la letra (1982); Manuel Mejía Valera (1928) em: Adivinanzas(1988).

Nesse contexto, a presença feminina no campo literário é cada vez mais

marcante. Cabe destacar, no entanto, que a crítica é também cada vez mais ácida,

pois muitos críticos consideram a maior parte das obras escritas por muheres “una

pseudoliteratura cuyas notas más estridentes son la cursilería, la prosa de

estanquillo, la algarabía comercial y el machismo invertido.” (DOMÍNGUEZ

MICHAEL, 1996b, p.532) É o que destaca Domínguez Michael (1996b) a respeito

da obra de Ángeles Mastretta (1949) em Arráncame la vida (1985). Mastretta publica

também Mal de amores (1996), outro romance que, para além de querelas

machistas ou feministas, demonstra que a presença de mulheres no campo reflete a

abertura política e cultural ocorrida no país.

Já a nostalgia está presente em Arturo Azuela (1938), romancista,

matemático, professor universitário e neto de Mariano Azuela. Suas obras mais

destacadas são: El tamaño del infierno (1973) e La casa de las mil vírgenes (1983),

na qual se pode observar a tentativa de restabelecer as condições para o

revigoramento dessa tradição nostálgica.

A cidade como tema surge em diversos romances, como, por exemplo, Gente

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de la ciudad (1986) de Guillermo Samperio. O que lhe interessa, no entanto, são os

objetos apresentados na metrópole. No caso de María Luisa Puga (1944), porém,

desde seu primeiro romance, Las posibilidades del odio (1978), aparece a vida

urbana de classe média.

A renovação da narrativa rural se dá com a aparição de uma geração nascida,

em sua maioria, a partir de 1950, e oriunda da província, principalmente do norte,

porém sem pretensões localistas, como: Ricardo Elizondo Elizondo (1950) cuja

influência de Gabriel García Márquez é mais ampla. Suas obras mais destacadas

são Relatos de mar, desierto y muerte (1980) e Setenta veces siete (1987); Daniel

Sada (1953) apresenta o norte não somente de terras inóspitas, mas também onde

a miragem e o oasis se alternam, através do romance Albedrío (1989), Sada

demonstra que a província “no es el páramo de los arquetipos ni el basural de un

realismo costumbrista y obsoleto.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p.560) e Jesús

Gardea (1939), que para Domínguez Michael (1996b) é um narrador macondiano,

pois a maior parte de suas obras, (que são sete romances, além de quatro coleções

de contos até 1989) transcorrem no povoado ficcional de Placeres, referência feita a

sua terra natal, Delicias, no deserto de Chihuahua, fato que se pode perceber desde

seu primeiro romance El sol que estás mirando (1981).

Nas últimas décadas do século passado, observam-se, no cenário literário

mexicano, romances em que são frequentes os temas ligados mais diretamente ao

Estado. Em 1985, encontra-se Morir en el golfo, do jornalista, romancista e

historiador Héctor Aguilar Camín (1946), cujo tema explora os labirintos dos

sindicatos e a imprensa do país. O tema da guerrilha urbana também ocupou a

atenção de Aguilar Camín em Guerra de Galio (1991), que é um testemunho da

repressão contra os diferentes setores da sociedade, no âmbito político e social.

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Outro romance que tem como tema a guerrilha, publicado como o de Camín

em 1991, é Guerra en el paraíso do escritor, tradutor e ativista social em defesa das

comunidades indígenas Carlos Montemayor (1947-2010). Nessa obra, desmitifica-se

a guerrilla de Lucio Cabañas (professor rural, lider estudantil e chefe do grupo

armado Partido de los Pobres), tratando de aclarar os motivos que levaram à

destruição do movimento. Desde uma perspectiva literária, Montemayor apresenta

um questionamento crítico da versão oficial dos fatos ocorridos entre 1969 a 1974

que culminaram com a perseguição e morte do guerrilheiro.

Ao se aproximar da virada do século XX, surgem obras de um grupo de

escritores interessados na prosa de imaginação, na qual a escritura é fragmentada e

os textos são tão dessemelhantes, indo do fantástico ao romance policial, passando

por temas políticos e econômicos. Encontram-se nesse grupo: Jordi García Bergua

(1956-1979), autor póstumo de Karpus Minthej (1981); Federico Patán, que, com o

livro de contos Nena, me llamo Walter (1985), trata da incômoda situação de exílio.

Outras obras de Patán são: Último exilio (1986), Puertas antiguas (1989) e El rumor

de su sangre (1999); já com Dicen que me case yo (1989), Imagen de Héctor (1990),

Un hombre cerca (1992), Silvia Molina (1946) explora a falida instituição familiar

através do olhar feminino; Uno soñaba que era rey (1989), El seductor de la patria

(1999), Ángeles del abismo (2003) são algumas das obras de Enrique Serna (1959),

nas quais explora os sentimentos mais escondidos das relações humanas.

Nos anos finais da última década do século XX e princípios do XXI, aparecem

com mais destaque, no jornalismo e na literatura, obras, cujo tema é o narcotráfico.

Muitas poderiam ser as denominações dadas a elas: nova narrativa do norte,

narconarrativas ou narcoliteratura (assunto que será abordado mais detalhadamente

no capítulo 3). No entanto, cabe ressaltar, nesse momento, as obras e os autores

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mais relevantes. Entre eles encontram-se David Toscana (1961), Cristina Rivera

Garza (1964), Eduardo Antonio Parra (1965), Luis Humberto Crosthwaite (1962) e

Gerardo Cornejo (1937), todos eles nascidos na fronteira do país. Algumas obras

foram precursoras como Diario de un narcotraficante (1967) de A. Nacaveva,

Sueños de frontera (1990) de Paco Ignacio Taibo II e Un asesino solitario (1991) de

Élmer Mendoza (1949). Nesse contexto, o narrador e dramaturgo Mendoza, nascido

em Culicán, consegue apropriar-se da linguagem local e mostrar os submundos de

sua cidade natal.

No entanto, cabe reforçar que as obras e os autores destacados no parágrafo

anterior, apesar de terem o narcotráfico como um de seus temas, na maior parte de

seus romances, essa atividade não ocupa o centro da narrativa. Na verdade, os

romances retratam alguns fatos de uma guerra violenta, analisando a relação

estabelecida entre o narcotráfico e o cidadão comum, a polícia, a igreja e a indústria

de entretenimento. Nesse contexto, sobressai La conspiración de la fortuna (2005)

de Héctor Aguilar Camín, obra que retrata a união entre os mafiosos e os candidatos

presidenciais do norte do país; e El testigo (2004), o romance corpus dessa

pesquisa, o qual aborda, entre outros temas, a relação de poder entre o

narcotráfico, a igreja e a mídia, tema que será analisado mais adiante. Entretanto, é

preciso ressaltar que esse não é o cerne desse estudo.

Juan Villoro, em entrevista concedida a Cuadernos Hispanoamericanos

(1997), comenta sobre a narrativa que está sendo produzindo nos últimos anos no

México e destaca a literatura de fronteira de Daniel Sada, o qual, segundo Villoro,

pertence ao grupo dos que se denominam “«escritores del desierto o de la frontera»

y que están animados pela mezcla del español y del inglés, el spanglish o

espanglés” (VILLORO, 1997, p. 120) Outra narrativa abordada pelo autor de El

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testigo é a escrita por mulheres, relatando que escritoras sérias negam o rótulo de

literatura feminina, ainda que “siempre ha habido escritoras notables, desde Sor

Juana Inés de la Cruz hasta Elena Garro o Rosario Castellanos”. (VILLORO, 1997,

p. 120)

Cabe ressaltar que, conforme já mencionado, não existe aqui a pretensão de

abordar todos os escritores mexicanos da segunda metade do século, mas

demonstrar o respeito com que Villoro lê a tradição central da narrativa mexicana,

que vai desde Manuel Payno a Martín Luís Guzmán ou a Carlos Fuentes, passando

pelo infra-mundo de Juan Rulfo, sem se esquecer do gênio de Monterroso, da

oralidade de José Agustín e da familiaridade de Octavio Paz, que, para Villoro

lo que podríamos llamar herencia, la figura central es la de OctavioPaz. Aunque no ha escrito narrativa, ha dejado su impronta por susensayos, crónicas y reflexiones, en los prosistas de mi generación, alo que conviene sumar la diversidad de zonas que ha frecuentado,desde el erotismo y el amor a las culturas orientales. Octavio en símismo es una especie de civilización” (VILLORO, 1997, p. 121).

A narrativa de Villoro ocupa no campo literário mexicano uma posição de

destaque, aproximando-o da nação intelectual mexicana de Juan Rulfo, Carlos

Fuentes, Elena Poniatowska, Sergio Pitol, Fernando del Paso, Carlos Monsiváis e

José Emilio Pacheco, dentre outros.

1.2 A trajetória intelectual de Juan Villoro

Nesta parte, será apresentada a trajetória intelectual de Juan Villoro no

contexto literário mexicano, utilizando, para tanto, as reflexões críticas dos ensaios e

artigos que compõem Materias dispuestas: Juan Villoro ante la crítica (2011),

procurando demonstrar a composição de suas obras, principalmente de El testigo.

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Juan Villoro, nascido em 1956, na Cidade do México, é filho do filósofo

catalão Luis Villoro e herdeiro direto dos escritores da Onda. Ele e sua geração

foram os primeiros a se libertar da obsessiva busca da identidade nacional, resolvida

de maneira bastante humorística. Estudou em colégio alemão, no México, e se

licenciou em Sociologia na Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), campus

Iztapalapa.

Cabe salientar que sua obra abrange diversos campos, ainda que tenha se

iniciado, em 1977, como roteirista radiofônico para o programa El lado oscuro de la

luna na Rádio Educação. Aluno da oficina literária de Augusto Monterroso entre

1976 e 1977, exerceu o cargo de adido cultural na Embaixada do México em Berlim,

entre 1981 e 1984. Além da narrativa, da crônica, dos artigos jornalísticos, do

ensaio, da literatura infantil e da tradução, Villoro produziu também roteiro para

teatro e cinema.

Esse autor se desenvolveu culturalmente cercado de figuras importantes. No

entanto, a “lectura de De perfil, de José Agustín, [foi] la que despertó su vocación

literaria a los quince años”. (ESQUEMBRE, 2011 p.1) Suas primeiras criações

literárias foram três contos incluídos em Zeppelín compartido, uma coletânea

organizada por Miguel Donoso Pareja, que se iniciou como escritor. Mas foi na

narrativa breve que fez sua estreia, com um conjunto de onze contos em seu

primeiro livro, La noche navegable (1980).

Como os escritores da Onda, os contos de Villoro têm características de

crônica, o que se observa desde sua primeira obra. Cinco anos depois, lança seu

segundo livro de contos, Albercas (1985), no qual o fantástico e o realismo se

fundem em uma clara “homenaje a Onetti, a Borges, a Bioy Casares y a Cortázar”.

(ESQUEMBRE, 2011 p.1)

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Nos dez relatos de La casa pierde (1999), nota-se que o olhar atua em uma

perspectiva horizontal, percorrendo circularmente uma variada realidade de

protagonistas, que, em geral, configuram uma galeria de gloriosos perdedores: um

boxeador, um escultor, um fazendeiro, um treinador de futebol, um aprendiz de

escultor, um professor de economia, entre outros. No entanto, cabe destacar que

tais protagonistas estão afastados da problemática da Onda, que “fue una literatura

sobre adolescentes capitalinos, centrada en la problemática que estos enfrentaban

en los sesenta, en especial la de beber y la de las drogas.” (PATÁN, 2011, p. 174)

Tal ideia foi comentada por Ignacio Echevarría em seu artigo “Lo que empieza

cuando la gasolina se acaba: La casa pierde de Juan Villoro” (2011) que:

En todos los relatos se produce una revelación, o la inminencia deuna revelación, a la que suele ir asociada una claudicación, unaexperiencia de fracaso. Esa claudicación, ese fracaso son elconocimiento – siempre particular y sin embargo universal – a que sellega en cada caso. En la partida que cada uno emprende con supropia vida, la ganancia consiste en el juego mismo, pues la casasiempre pierde” (ECHEVARRÍA, 2011, p. 170)

Em Los culpables (2006) estão reunidos seis contos e uma nouvelle. Neles,

Villoro mostra com enganosa simplicidade que, se a confissão religiosa é para

descarregar a culpa, nesses relatos ocorre exatamente o oposto, pois os

protagonistas se incriminam pelo que revelam para tentar se desculpar.

Outro gênero que Villoro pratica há muitos anos é a crônica, exercendo-a em

vários jornais. Em Tiempo transcurrido (1986), seu primeiro livro de crônicas, Villoro

destaca a juventude rockera que havia surgido como resposta à rigidez do

establishment mexicano. Três anos depois, publica Palmeras de la brisa rápida: un

viaje al Yucatán (1989), no qual um jovem cronista percorre de carro a península de

Yucatán e apresenta com muita ironia o ponto de vista desse viajante.

Além desses, há também Los once de la tribu: crónicas de rock, fútbol, arte y

más (1995), obra em que, como menciona o crítico español Juan Antonio Masoliver

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Ródenas em seu artigo, “Juan Villoro: itinerarios de la invención” (2011),

“encontramos las claves que explican toda la escritura de Villoro. Cada uno de los

aspectos que hemos visto de forma dispersa en sus otros libros aparecen ahora

plenamente desarrollados”. (MASOLIVER RÓDENAS, 2011, p. 38)

Já no livro de crônicas Safari accidental (2005), que aparentemente trata de

uma coletânea de temas separados, mas, certamente, não é, pois nos eventuais

encontros com celebridades do rock ou em viajes pelo México com Salman Rushie

ou nas oficinas literárias de Augusto Monterroso, Villoro tece a memória de eventos

e expressa conclusões sobre a vida no México pós-68, recordando a participação de

seu pai durante o movimento estudantil. Já o livro de crônicas 8.8: El miedo en el

espejo (2011), sua publicação mais recente, relata, desde uma perspectiva

descentrada e insólita, o violento terremoto de intensidade 8.8 que fez tremer o Chile

e do qual foi testemunha.

Villoro, assim como Julio Cortázar, Eduardo Galeano, Mempo Giardinelli,

Roberto Bolaño, entre outros; também tem contos centrados no esporte, como

“Campeón ligero” e “El extremo fantasma” em La casa pierde (1999), obra elaborada

ao longo de doze anos. Nela, é apresentada uma galeria de gloriosos perdedores,

pois, frequentemente, quem perde ganha, e vice-versa.

Em Dios es redondo (2006), uma pequena blasfêmia infantil, observa-se a

combinação de crônica jornalística com reflexões sociológicas e anedotas pessoais

do vivido e sentido no trabalho cotidiano, rendendo tributo velado a Diego Armando

Maradona e registrando, de maneira divertida, as mitologias e superstições em torno

do futebol. Através de uma exploração narrativa, analisam-se os meandros dessa

cultura de massa, característica que remete ao prólogo de Su majestad el fútbol

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(1968) de Eduardo Galeano sobre o posicionamento dos intelectuais diante de um

esporte como o futebol:

Hay intelectuales que niegan los sentimientos que no son capaces deexperimentar ni, en consecuencia, de compartir: sólo podríanreferirse al fútbol con una mueca de disgusto, asco o indignación. Noes menos típica la búsqueda de chivos emisarios para expiar lapropia impotencia, y el fútbol es ideal en este sentido; está allí, tan amano del intelectual como de cualquiera, sin ganas ni necesidad dedefenderse: el fútbol es, pues, cómodamente, señalado con el dedoíndice como la causa primera y última de todos los males, el culpablede la ignorancia y la resignación de las masas populares […].(GALEANO, 1968, p. 5)

Villoro, nesse livro de crônicas, aproxima o futebol da literatura e demonstra

que parte da racionalização do jogo está em mostrar sua importância política. Ele

comenta que, na inauguração do Mundial do México em 1986, o futebol transformou

a massa e fez o presidente saber que o povo não estava contente com ele. Sobre

esse incidente, comenta “no es exagero decir que ahí nació una sociedad civil

consciente de su poder que emprendería la larga marcha para derrocar al PRI 14

años después”. (VILLORO apud MARROQUÍN, 2011, p. 252)

O cronista e romancista Villoro também escreve roteiro para cinema, como

Vivir mata (2002), dirigida por Nicolás Echevarría, para o qual escreveu inclusive as

letras das várias canções inéditas musicalizadas pelo grupo de rock Café Tacuba.

Embora Villoro se considere um escritor que às vezes traduz e que suas

traduções são “hijos solitarios de un padre disperso” (POLLACK, 2009, p. 2.), suas

publicações são bastante extensas, indo desde Engaños (1985) de Arthur Schnitzler,

Aforismos de Christoph Linchtenberg, sua tradução mais destacada publicada em

1989, Memorias de un antisemita (1988) de Gregor Von Rezzori, Un árbol de noche

(1989) de Truman Capote a El teniente Gustl (2006), também de Arthur Schnitzler,

entre outras.

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Ler para escrever ou escrever para ler, as reflexões críticas do ensaísta

Villoro aparecem desde seu primeiro livro de ensaios: Efectos personales (2001),

que propõe um fluido diálogo entre as literaturas de América e Europa, no qual, já a

partir do prólogo, deixa claro o conflito estabelecido quando um escritor se torna

também ensaísta:

Los ensayos literarios se ocupan de voces ajenas, delegan lasemociones y los méritos en el trabajo de los otros; sin embargo,incluso los más renuentes a adoptar el tono autobiográfico delatan untemperamento. Con los efectos personales, entregan el retrato íntimoy accidental de sus autores. (VILLORO, 2001, p. 8)

Já em De eso se trata (2008a), Villoro relata que o ensaísta é como um dedo

indicador apontado para um fato que não havia sido visto, e que não há como captar

em fotografia esse instante, entre a mão que aponta e o olhar de quem observa. E é

desse gesto que depende o ensaio.

Deste modo, se, em seu primeiro livro de ensaios, o autor de El testigo se

concentra em autores do século XX, em De eso se trata (2008a), amplia o arco, indo

desde o Renascimento até os autores hispano-americanos, os quais, como ele

mesmo relata, são essenciais para sua formação, como Onetti, Borges e Bioy

Casares, uma vez que, entre as muitas conceituações de ensaio para Villoro,

destaca-se:

Ensayar es una forma de ejercer la traducción, un intento de volverpróximo lo ajeno, buscar que autores de épocas y territorios distantesdispongan de una lengua y de una moneda común. […] Un viajetiene sentido por la emoción cómplice que cristaliza cuando alguiencomenta lo que ve. Ensayar: leer en compañía. De eso se trata.(VILLORO, 2008a, p. 10)

Na já extensa trajetória literária de Villoro, encontra-se também a literatura

infantil, sendo Las golosinas secretas (1985) a primeira obra desse gênero. Nela, o

autor aborda, com muita sutileza, temas como amor, ódio e inveja. Esse último

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sentimento aparece também em sua obra infantil mais destacada: El profesor Zípez

y la fabulosa guitarra eléctrica (1992).

Além das já citadas, ele publicou diversas outras obras infantis, como El libro

salvaje (2008), a qual tem como protagonista um menino que tenta ler um livro

resistente à leitura. A última obra infantil do autor conhecida até o momento é La

cavalera de cristal (2011). Povoada por heróis e vilões, os personagens tentam,

através de uma mítica história de paragens arqueológicas, decifrar pistas e desfazer

enigmas.

Cabe ressaltar, no entanto, que a variedade de gêneros não é um privilégio

particular de Villoro, pois parece mais geracional, uma vez que é também

característica de outros escritores mexicanos. O reconhecimento aparece numa

coletânea de prêmios importantes, como: Premio Xavier Villaurrutia por La casa

pierde em 1999, Premio Herralde de Novela por El testigo em 2004 (com um jurado

composto por Enrique Vila-Matas, Salvador Clotas, Juan Cueto entre outros) e

Premio Internacional de Periodismo “Rey de España” por La Alfombra roja, el

imperio del narcotráfico em 2010, entre outros.

Villoro, aficionado pelo rock e pelo futebol, é colaborador ativo do jornalismo

mexicano, tendo trabalhado em diversos órgãos de imprensa, como: Vuelta, Nexos,

Proceso, Cambio e La Reforma. Atualmente, colabora na revista literária Letras

Libres e nos jornais La Jornada e El País, entre outros. Também é professor de

literatura da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e professor

convidado das Universidade de Yale, Boston, Pompeu Fabra e Princeton.

Desta forma, a vasta experiência permite que esse escritor percorra uma

diversidade de gêneros, tendo como fio condutor a sociedade mexicana. “Con Villoro

todo empieza en la Ciudad de México” (TEDESCHI, 2006, p. 1), assim inicia Stefano

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Tedeschi seu artigo “El testigo y las monedas en la obra narrativa de Juan Villoro”,

ao abordar a cidade como um tema recorrente em sua obra, assim como o habitante

dos grandes centros urbanos no final do século XX.

Ainda que em seus inúmeros artigos e ensaios transpareçam um caráter

social, não há uma busca pela tipicidade nem pelo espírito nacional, tratando-se

basicamente de uma visão crítica diante dos fatos de relevância ocorridos na

sociedade mexicana.

Desde os primeiros contos, ensaios e narrativas de Villoro, transparece a

vertiginosa, acelerada e desestabilizadora prosa de seu primeiro romance, El

disparo de argón (1991), no qual submerge, assim como em Materia dispuesta

(1996), uma experiência irônica. Em ambas aparecem a classe média baixa e os

velhos bairros, que não conseguem ser subúrbios norte-americanos nem possuem o

glamour das antigas cidades espanholas.

Dentro da cidade e ao redor dela se movem seus protagonistas, habitantes

das metrópoles no final do século XX. São seres inseguros, fracassados, em

espaços agonizantes, como doutor Balmes, o oftalmologista, protagonista de seu

primeiro romance, El disparo de argón (1991). Esse personagem vive somente para

o trabalho, não tem caráter, apresenta uma vida amorosa desastrosa e, no momento

crucial de sua vida, não lhe resta outra opção a não ser duvidar. Nessa mesma

linha, podem ser citados: Mauricio Guardiola, o jovem indeciso a respeito de sua

identidade sexual de Materia dispuesta (1996), vivendo na sombra de uma família

desestabilizada, e Julio Valdivieso, o intelectual mexicano definido por sua

“possessão por perda”.

A visibilidade e importância que a literatura de Villoro ganha nos círculos da

crítica e da leitura nos últimos anos justifica sua atenção também pela academia. O

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crítico mexicano Christopher Domínguez Michael, seu contemporâneo, menciona

que El testigo “entusiasma y sorprende por el descaro con que Villoro decidió volver

a intentar la Gran Novela Mexicana, como no se hacía desde que Carlos Fuentes,

Fernando del Paso, Juan García Ponce o Jorge Aguilar Mora escribieron las suyas.”

(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 191). E continua, destacando a benéfica sombra

de Roberto Bolaño e Enrique Vila-Matas nessa obra:

Es imposible no leer a san Ramón López Velarde a los ojos del juegoliterario bolañesco o de la idea, tan vilamatasiana, del escritor comoprotagonista de una sola novela universal: redundantemente, laliteratura mundial. No culpo a Villoro: si yo escribiese novelas mesería igualmente difícil escribir sin Bolaño y sin Vila-Matasrevoloteando a mis espaldas. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 193)

Em 2000, ano emblemático, principalmente pelo cenário político mexicano,

Juan Villoro e Jorge Volpi, este último um dos fundadores do Crack13, são indagados

na revista El Cultural sobre muitos assuntos. Questionados por que os intelectuais

latino-americanos, tradicionalmente, estão comprometidos com seu tempo, sempre

refletindo de maneira lúcida sobre o período em que se encontram, ambos

respondem separadamente, mas, em conjunto suas respostas traçam um perfil de

desconfiança diante desse novo cenário, como afirma Villoro:

El intelectual tiene un papel social protagónico en países atrasados.Como domina una forma de la dificultad (la escritura), a la que pocostienen acceso, se convierte en intérprete de emergencia y gurúaccidental de todos los asuntos. La participación de los intelectualescomo profetas de lo real ha ayudado a evitar males peores y enmuchas ocasiones ha sido heroica; sin embargo, también ha dotadoal escritor de una aura casi religiosa. En el futuro, con más

13Movimento literário mexicano composto por Jorge Volpi, Pedro Ángel Palou, Vicente Herrasti,Ignacio Padilla, Ricardo Chávez Castañeda e Eloy Urroz que lançaram em 1996 um manifesto,inicialmente concebido como ruptura com o postboom latino-americano. Definido por ElenaPoniatowska como: “una fisura, un hueso que se rompe, un vidrio que se estrella, una rama de árbolque cae y hace precisamente eso: crack” (PONIATOWSKA, 2003, p. 1). Crack é o mesmo que boom,só que para dentro, é o auge da derrota. Com o tempo os traços mais radicais foram suavizados ederam um abraço apertado aos seus “pais” e “avôs” literários: Salvador Elizondo, Juan García Ponce,Sergio Pitol, Fernando del Paso, etc; e os “pais” José Agustín, Gustavo Sainz, Juan Tovar eParménides García Saldaña. (PONIATOWSKA, 2003, pp. 1-5)

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democracia e igualdad, los escritores mexicanos serán menosimportantes como guías morales y más como poetas o contadores dehistorias. (VILLORO y VOLPI, 2000, p.3)

O papel protagônico que menciona Villoro nessa entrevista fica claro desde

seu primeiro romance, o qual, alegoricamente, ocupa-se na representação das

consequências do TLCAN na vida cotidiana de um bairro na Cidade do México.

Villoro inicia suas publicações durante a presidência de José López Portillo y

Pacheco (1976-1982), governo que ficou caracterizado por uma grave crise

econômica herdada do governo anterior de Luis Echeverría Álvarez (1970-1976. É

evidente que o escritor não fica indiferente a essa situação, uma vez que sua obra

segue a linha dos escritores que discutem a decadência social e os aspectos

políticos de seu tempo. Desse modo, o sentido irônico presente em suas obras não

tem, claramente, o objetivo de provocar o riso, mas de fazer uma crítica à realidade

histórico-social à qual pertence.

1.3 El testigo diante da crítica

Em relação à crítica especializada desse romance, deve-se considerar que o

mesmo já foi exposto a partir de diversas perspectivas. No entanto, serão abordados

pontos de vista cuja atenção esteja mais centrada na proposta dessa pesquisa ou

que, de alguma maneira, contribuirá para sua análise. Opta-se aqui por reunir os

críticos em ordem cronológica, levando em consideração a data de publicação de

seus comentários.

Sendo assim, cabe iniciar pelo ensaísta, jornalista e tradutor húngaro Mihály

Dés, autor do ensaio intitulado “Juan Villoro: Paisaje del post-apocalipsis” (2005), o

qual, em seu comentário, destaca que, após o boom, descontando-se o romance

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rosa e o chamado grupo do Crack, quase não se detectam movimentos literários na

narrativa hispano-americana atual.

Ele continua destacando que, nesse panorama variado e disperso, surge

Juan Villoro, uma já bem sucedida promessa desde os primeiros passos literários, o

que acabaria por se cumprir posteriormente. Villoro pertence a uma geração que

está longe dos desafios literários dos anos cinquenta e sessenta, o de escrever

romances de grandes conflitos sociopolíticos e, como muitos intelectuais de sua

idade, prefere a cultura popular: a música rock, histórias em quadrinhos, esportes de

massa, etc. Cabe ressaltar que, para Villoro, a cultura popular não é um programa,

senão uma paisagem. (DÉS, 2005, p. 1)

Além da paisagem desoladora em processo de decomposição relatada por

Dés (2005), nas obras de Villoro, pode-se destacar também a análise dos

protagonistas dos romances e dos contos, que para ele são protagonistas-

raisonneur com olhares irônicos e atônitos, exatamente como os protagonistas

hamletianos. E depois de ressaltar as características dos protagonistas de diversas

obras, no que se refere a El testigo, comenta “él es también Julio Valdivieso, el

escéptico y nostálgico intelectual mexicano que, después de casi un cuarto de siglo,

vuelve a su país en busca del tiempo perdido.” (DÉS, 2005, p. 5)

Stefano Tedeschi em seu artigo “El testigo y las monedas en la obra narrativa

de Juan Villoro” (2006) centra sua análise no cenário escolhido por Villoro para todos

os seus romances, ou seja, o México. Comenta que, após a década de cinquenta,

tanto nas narrativas europeias e norte-americanas, quanto na literatura mexicana,

desaparece a linha “rural” predominante até o momento, sendo substituída por uma

preocupação com a vida urbana, em seus diferentes aspectos geracionais, políticos

e de gênero.

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Depois de comentar sobre a influência da crônica nos romances de Villoro,

Tedeschi (2006) parte para a análise da estrutura do romance e comenta:

La estructura de El testigo es más compleja, con el personaje deJulio Valdivieso, al centro de toda la narración, que compaginatiempos diferentes con pausas de la narración que corresponden aagujeros de la memoria, oscilante entre espacios distantes.(TEDESCHI, 2006, p.8)

A complexa estrutura de El testigo relatada pelo crítico permite, não só que o

passado se misture continuamente com o presente, mas que ocorra também uma

difusa intertextualidade. Os espaços oscilantes mencionados por Tedeschi (2006)

demonstram múltiplas tensões acumuladas nas páginas do livro, como: a incerteza

da infância e da maturidade, as contradições da história e a falta de rumo para o

presente, expostos entre o fascinante caos da cidade e o poder sedutor do campo.

Já o artigo “Hacia la lectura ética de El testigo de Juan Villoro” (2008) de José

Ramón Ruisánchez trata da relação entre a memória pessoal e a história oficial

presente no romance, analisando a memória como uma maneira de iluminar os

interstícios da história.

Apoiando-se na leitura de Jacques Derrida e Emmanuel Levinas de “ficção

arquívica”, Ruisánchez propõe que Los Cominos, a fazenda na qual Julio Valdivieso

passou a infância e parte da adolescência, local onde estão guardados diversos

documentos de época, é também o ponto de cruzamento de diferentes cartéis de

tráfico de drogas, sendo o espaço de memória da obra, ou seja, o lugar da

recordação ou da possibilidade de memória encontrada ali e comenta:

El deseo archívico rompe con la homogeneidad vacía del tiempo yactiva encuentros, la acción presente excita virtualidadesincumplidas. El sonido proviene de un espacio lleno de cosas que, alhaber abandonado sus trabajos, se convierten ellas mismas enarchivo. (RUISÁNCHEZ, 2008, p.6)

Nessa perspectiva, o questionamento se faz importante, pois Ruisánchez

(2008) apresenta a visão cada vez menos equivocada que Julio Valdivieso tem de

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seus amigos, de sua geração, de López Velarde, de si mesmo e desse país, que

parece ter mudado para trás, deixando aflorar a notável decepção da experiência

democrática.

Jorge A. Rodríguez Castro em seu artigo “La figura de Ramón López Velarde

en El testigo”, de Juan Villoro (2009), traça um breve resumo dos gêneros

abordados por Villoro e de como a sua narrativa é ácida e irônica ao mesmo tempo.

Em seguida, centra-se na problemática de seu artigo, pois, desde uma perspectiva

hermenêutica de Roman Ingarden, analisa o poema El retorno maléfico que percorre

todo romance El testigo. Para que se possa compreender a importância de López

Velarde, Rodríguez Castro (2009) segue um apanhado bastante detalhado de sua

obra e da crítica especializado desse poeta nacional. Após análise da obra de Villoro

e do poema de López Velarde, posto na integra nesse artigo, Rodríguez Castro

encerra mostrando o reencontro de Julio Valdivieso com o presente, “Julio no

regresa para reanudar algo, sino solamente para continuar el tránsito de la vida.”

(RODRÍGUEZ CASTRO, 2009, p.11). Afinal, na visão de Rodríguez Castro,

Valdivieso consegue se desprender do passado e reencontrar-se consigo mesmo.

O artigo intitulado “Un viaje de ida y vuelta a México: El testigo de Juan

Villoro” de Alejandro Hermosilla Sánchez (2010) procurou traçar um panorama de El

testigo, focando sua análise em como e de que maneira aparece o México nesse e

em outros romances de Villoro. Ele leva também em consideração a importância de

Ramón López Velarde e o significado da ironia nessa obra. O artigo está dividido em

quatro partes, sendo que a primeira aborda o tema e o argumento da narrativa:

Villoro nos plantea un argumento que teje la metáfora kafkiana y lade Homero con la formulada en Pedro Páramo por Rulfo – […] paranarrarnos una historia de supervivencia en un país mexicano plagadode panteras dispuestas a cebarse en el festín incoloro que concedeuna tierra desprovista de Dioses. De hecho, la búsqueda emprendidapor Valdivieso en la novela por reencontrarse a sí mismo y sus raíces

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originales en México, ocurre justo cuando el PRI, último bastiónsuplantador de las antiguas divinidades tan heroicas como trágicasde su país –Cuauhtemoc, Hernán Cortés, Benito Juárez, PorfirioDiaz, Emiliano Zapata, Pancho Villa o Venustiano Carranza- ha sidodoblegado y vencido por vez primera en las elecciones democráticascelebradas en julio del año 2000. (HERMOSILLA SÁNCHEZ, 2010,p. 3, grifo do autor)

As outras três partes estão centradas respectivamente em como aparece nas

obras de Villoro o México, a figura de López Velarde e uma detalhada análise a

respeito da ironia nessa obra. Para Hermosilla Sánchez (2010), El testigo é uma

trama na qual o protagonista é comparado a um Ulisses perdido entre ilhas,

aventuras e sombrios cânticos das sereias de nossa contemporaneidade, em busca

de sua Penélope perdida (Nieves) e de sua pátria que, após a derrota do PRI,

encontra-se agora cercada por novos rivais, todos lutando pelas sobras dos pastos

da jaula feroz na qual o país se converteu.

Certamente esse é um dos temas do romance; não o mais relevante, porém.

Em algumas discretas passagens, Hermosilla Sánchez (2010) comenta sobre a

testemunha e a figura do intelectual, mas considera que o tema e o argumento do

romance estão centradas na complicada relação dos personagens e não na posição

que ocupam na sociedade mexicana.

Outro artigo analisa El testigo a partir da perspectiva da volta à pátria como

um retorno ominioso. É o caso do colombiano Gabriel Andrés Eljaiek Rodríguez em

“Extrañamiento y retorno siniestro en El testigo de Juan Villoro” (2010), o qual

assinala que fatores políticos, sociais e econômicos haviam desfamiliarizado o

protagonista com aquilo que lhe deveria ser mais familiar: seu país, sua família e

seus amigos.

Eljaiek Rodríguez (2010), apoiando-se na acepção freudiana de “ominioso”,

termo utilizado para nomear algo que em algum momento foi familiar e deixou de sê-

lo, analisa El testigo pela via de uma motivação de forças sinistras, do além-túmulo,

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que fazem o protagonista regressar, não como um zumbi, mas como os mortos-

vivos, pois sua vontade está condicionada à vontade de quem o controla. Sendo

assim, a dimensão fantasmagórica adquirida pelo romance e sua influência nos

personagens começam a tomar forma à medida que as razões que mediam o

regresso se dissipam ou, pelo menos, se tornam menos claras. Os múltiplos

fenômenos nos quais Valdivieso se vê envolvido produzem um estranhamento

capaz de levá-lo ao terreno do fantasmagórico, convertendo-o em testemunha de

espectros, de sombras e de sombras de sombras.

Isabel Quintana, em “La revolución mexicana y sus fantasmas: ¿cómo narrar

la violencia?” (2011), propõe-se a analisar uma série de narrativas mexicanas em

torno da representação da história e da identidade nacional a partir da violência. A

proposta da autora procura mostrar como determinados temas relacionados a

momentos complexos, como a Revolução Mexicana, a Guerra Cristera, a

consolidação de uma economia neoliberal, a decadência e a crise do PRI são

recorrentes nos romances desde Los de abajo (1916) até El testigo (2004).

A aproximação de Quintana a El testigo ocorre através da seguinte pergunta

“por qué algunas narraciones necesitan volver a aquellos acontecimientos históricos

percibidos de manera problemática”. (QUINTANA, 2011, p. 5) A autora comenta,

desde uma nova perspectiva utilizada por Villoro para se aproximar a esses temas

recorrentes, como a relação entre a história e a literatura se apresenta em sua

narrativa. Propor essa pergunta é desarticular os modos que regem

anacronicamente o universo social, político, religioso e cultural no México.

Após um apanhado de obras de Villoro, Christopher Domínguez Michael no

artigo “La vitalidad histórica de los muertos mexicanos: El testigo de Juan Villoro”

(2011) comenta que “El testigo es una de esas obras que dan sentido a una vida en

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la literatura”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p.191) E segue destacando a imagem

romanesca do México nessa obra e a maneira decimonônica em forma de mosaico

que:

incluye al campo y la ciudad, a los ricos y a los pobres, a losusufructuarios del poder cultural y a sus mecenas, a losescritorzuelos y a los criminales, al conflicto, en fin, de lo antiguo y delo moderno. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 191)

Desta forma, a vitalidade dos mortos passa necessariamente por López

Velarde, e, ao relatar a respeito da parte final do romance, Domínguez Michael

(2011) menciona a perspicácia de Villoro ao encerrar com “ese trago amargo de la

madre tierra que permite al intelectual encontrar [...] la metáfora redentora de una

vieja nación cuya salvaje modernidad le duele y le repugna”. (DOMÍNGUEZ

MICHAEL, 2011, p. 194)

Oswaldo Zavala em “La mirada exógena: Villoro, López Velarde y la

modernidad periférica en El testigo” (2011) questiona, através de uma sofisticada

leitura da nova ordem política e econômica consolidada no México nos últimos vinte

anos, os alcances da ideologia neoliberal.

O perfil do protagonista do romance, o qual, como os de muitos intelectuais

educados e empregados no estrangeiro, é de um sujeito dissonante com a realidade

neoliberal produtora de um novo conservadorismo. Nessa perspectiva, a proposta de

Zavala (2011) é abordar o olhar exógeno de Valdivieso como possibilidade de

analisar a reconfiguração literária, histórica e econômica do México após a suposta

abertura democrática.

Desta forma, logo após apresentar a definição de olhar exógeno, tendo por

base a concepção de Jean Starobinski, Zavala (2011) demonstra que os

personagens principais do romance são “testigos subyugados que desean, cada uno

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por su cuenta, ser también subyugantes.” (ZAVALA, 2011, p. 230) E destaca o jogo

do olhar de Julio Valdivieso, o qual, como representante intradiegético de Juan

Villoro, ganha maior complexidade com as iniciais do nome J.V.

Observa-se nos artigos apresentados uma diversidade de temas, ressaltando-

se que a maioria dos críticos vê nesse romance, não somente uma irônica revisão

de mitos ou uma nova viagem de regresso a Ítaca, ou apenas uma condição

midiática do mundo contemporâneo, mas um estimulante romance, capaz de propor,

entre outros temas relevantes, uma reflexão sobre esse importante período de

transição para a democracia e da reconfiguração da testemunha nesse novo-velho

cenário.

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CAPÍTULO 2: RAMÓN LÓPEZ VELARDE: VANGUARDA COMO NAÇÃOINTELECTUAL EM EL TESTIGO

Testigo de la matanza entre facciones, López Velarde rechazó, pese a sufervor maderista, la subversión de su mundo íntimo por culpa de unaRevolución incontrolada.

José Emilio Pacheco

Desde as primeiras linhas de El testigo, ecoa a presença de Ramón López

Velarde, o qual é apresentado no romance como um personagem histórico e

narrativo ao mesmo tempo. Sua obra habita todo o texto, não como mera

demonstração de erudição, pois seus poemas são introduzidos como comentários,

citações ou expressões de sentimentos vinculados aos personagens. Dessa forma

um duplo jogo literário e histórico se desenvolve ao longo do romance, no qual ficção

e realidade se misturam na mesma narração.

Muitas questões são levantadas no romance a respeito de sua biografia. No

entanto, o maior questionamento parte do posicionamento político e do compromisso

intelectual de López Velarde. Essas dúvidas são levantadas de maneira irônica, com

uma releitura crítica da tradição literária mexicana, provocando disputas entre

diversos grupos, pois ele falece antes do fim da Revolução Mexicana sem poder ver

o resultado das transformações sofridas pelo país. Se tivesse vivido um pouco mais,

talvez não fosse considerado o poeta nacional, pois as posições que todos

acreditam terem sido tomadas por ele não passariam de meras especulações. No

entanto, por que grupos tão distintos e de diferentes correntes ideológicas, como a

mídia, a igreja e o narcotráfico reivindicariam para si, no romance, o posicionamento

de um poeta que viveu somente trinta e três anos?

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Nas páginas que seguem, com o intuito de culminar com a análise do

romance, será apresentado um panorama da intelectualidade no período que

envolve a Revolução Mexicana, os principais grupos vanguardistas desse período e

a relação destes com o poeta Ramón López Velarde. Antes, porém, será feita uma

aproximação ao termo intelectual, pois a polêmica que envolve essa palavra

coincide com o período que se pretende comentar.

2.1 Os intelectuais e o período revolucionário mexicano

O termo “intelectual” entra como derivado da memória coletiva no vocabulário

europeu ocidental desde o Iluminismo, e é nesse período que se estabelece a

síndrome poder/conhecimento, “o atributo mais visível da modernidade”. (BAUMAN,

2010, p.16) No entanto, ele se propaga a partir de 1898 quando o jornal L` Aurore

publica carta dirigida ao presidente da República por Émile Zola, exigindo revisão do

processo do Caso Dreyfuss, como menciona Carlos Monsiváis em seu artigo “De los

intelectuales en América Latina” (2007) que:

El término se propaga durante el Caso Dreyfuss para reconocer a losimpugnadores del antisemitismo y, de fines del siglo XIX a 1930, seesparce en América. Sin embargo, sólo se difunde masivamente enla década de 1930, luego del auge de algunos escritores, cuyaautoridad moral hace que se les conceda el rol de Maestros de laJuventud, augures y guías exaltados por las multitudes. Durante unaetapa desempeñan notablemente ese papel José Vasconcelos yAntonio Caso en México […]. (MONSIVÁIS, 2007, p.19)

O termo em questão ocupa espaço em várias tribunas, merecendo atenção

particular as reflexões críticas de Julien Benda, Antonio Gramsci e Jean Paul-Sartre,

entre outros. Cabe destacar também que A traição dos intelectuais de Julien Benda

“fue leído por los intelectuales mexicanos de los años 30 con particular atención

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suscitando debates abiertos y sigue siendo citado incluso en los años 90.”

(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 37)

No que se refere às acepções adquiridas em relação ao papel dos intelectuais

na sociedade, pode-se destacar a de Gramsci, a qual relata que “todos os homens

são intelectuais, poder-se-ia dizer então: mas nem todos os homens desempenham

na sociedade a função de intelectuais”. (GRAMSCI, 1982, p. 7)

A noção clássica de “intelectual orgânico” de Gramsci, ou seja, o que se

envolve nas transformações de uma sociedade democrática, em oposição, segundo

ele, ao tipo comum de intelectual, como os administradores, os professores, os

clérigos, devido à postura mantenedora da ordem tradicional, é bastante útil para

discutir os intelectuais nessa pesquisa, pois permite pensar nos intelectuais

relacionados a uma classe, em oposição aos intelectuais hegemônicos.

Cabe destacar, entretanto, que a noção de intelectual de Gramsci é muito

ampla, uma vez que não envolve somente os homme de lettres, mas também a

classe profissional. Essa noção, porém, permite compreender as articulações entre o

intelectual e o Estado, mesmo que o objetivo aqui seja especificamente no campo

literário. Em conhecida passagem sobre a origem e a tarefa dos intelectuais

orgânicos, Gramsci define:

Uma das mais marcantes características de todo grupo social que sedesenvolve no sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pelaconquista "ideológica" dos intelectuais tradicionais, assimilação econquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupoem questão elaborar simultaneamente seus próprios intelectuaisorgânicos. (GRAMSCI, 1982, p.7)

Com base nessa concepção, o intelectual orgânico não é somente o que

representa ideias de um grupo hegemônico, mas, sobretudo, “aquél que es capaz de

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generar consensos hacia dentro de los grupos intelectuales “tradicionales””

(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.38)

Sendo assim, observa-se que no México, como na maioria dos países que

experimentaram uma mudança social brusca introduzida pelas novas formas

econômicas, o termo intelectual: “ha llegado a tener una connotación tan amplia

como la que habría que tener en una sociedad capitalista establecida como a de los

Estados Unidos” (COCKCROFT, 2005, p. 8). Tal ocorre porque a situação

econômica de crescimento rápido em que se encontrava, devido ao progresso

burguês, grande parte das nações latino-americanas por volta de 1900, propiciou

conforto e distinção no período que se convencionou chamar de belle époque.

Esse padrão um tanto mais elevado incrementou o volume de trabalhadores

assalariados e a formação de uma classe média, particularmente urbana. É nesse

“patrón social decimonónico, [...] que en la segunda mitad de la centuria habrán de

convertirse en la gran cantera para el reclutamiento de intelectuales.”

(ALTAMIRANO, 2010, p. 13)

A belle époque mexicana se deve em parte ao governo de Porfirio Díaz. No

entanto, cabe ressaltar que “gran parte de las naciones latinoamericanas se

encuentran en rápido crecimiento económico, incluidas en la órbita mundial del

progreso burgués, en pleno apogeo por entonces”. (ALTAMIRANO, 2010, p. 13)

Assim que assume a presidência, Díaz se declara defensor e representante de

grupos regionais. Recebe o apoio dos camponeses que defendem a autonomia

política e levanta a bandeira “antiautoritarista y anticentralista, pues rechazaba el

excesivo poder del presidente de la república frente a los poderes legislativo y

judicial y frente a los gobiernos estatales”. (SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 192)

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No entanto, o resultado entre o que Díaz declara e o que acontece nos anos

seguintes demonstra oposição entre o discurso e a prática. Ao final de seu primeiro

mandato, Díaz entrega o cargo a seu compadre Manuel González (1880-1884), que

o devolve quatro anos depois. No início de seu segundo mandato, elimina da

Constituição qualquer restrição à reeleição. Seu governo é caracterizado pela

estabilidade política e econômica, à custa, principalmente, de grandes

desigualdades sociais e supressão de liberdades civis entre a população. A

concentração da riqueza nas mãos de um pequeno grupo, que contribuiu para

incentivar investidores atraídos pelos baixos salários dos operários. A divisão de

classes é acentuada, com a população indígena passando a ser tratada como um

obstáculo ao progresso.

Entre os muitos desafios do governo de Díaz, destaca-se a dificuldade de

consolidação da Constituição promulgada em 1857, que contempla, entre outras

leis, a divisão de poderes entre executivo, legislativo e judiciário, encarregando o

povo de escolher seus membros. Ocorre, também a separação entre o Estado e a

religião, colocando nas mãos do governo a responsabilidade pela educação. Nesse

período, a igreja estava proibida de possuir bens, de celebrar fora dos templos e de

permitir que religiosos, dependendo economicamente do governo, atendessem em

centros educativos, beneficentes e hospitalares. Díaz, porém, não revoga nem

cumpre todas as leis, permitindo que a igreja recupere propriedades e mantenha

centros educativos. Com isso, o ditador recebe o apoio da hierarquia eclesiástica, a

qual:

desconoció los levantamientos populares hechos en nombre de lareligión [...]. Por otro lado, al reintegrarse a la labor benéfica yeducativa, cubrió espacios que el gobierno difícilmente podía llenarcon recursos propios (SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 196)

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Em um período que oscila entre “construcción, unificación, pacificación,

conciliación y negociación, pero también de represión” (SPECKMAN GUERRA,

2007, p. 194), Díaz obtém o reconhecimento internacional, principalmente dos

Estados Unidos da América, e restabelece relações diplomáticas com a França, a

Inglaterra, a Alemanha e a Bélgica, países com os quais tais relações haviam sido

rompidas após a moratória decretada por Benito Juárez, presidente por cinco

períodos entre 1858 e 1872. Entre a legalidade e a aparência de legalidade, Díaz

manipula as eleições de deputados, senadores e magistrados federais. Uma farsa

muito bem montada que, mais adiante, será novamente observada nas atuações do

governo pós-revolucionário do PRI.

Dentro desse contexto, acentua-se o centralismo e o autoritarismo de Díaz e

de seus governadores, com um regime mais repressivo em relação aos protestos

sociais e à imprensa não oficial, composta majoritariamente por liberais, católicos e

operários. O descontentamento toma as ruas, provocando manifestações e ataques

a prédios públicos, saques, greves operárias e rebeliões agrárias. A esse período,

remonta as origens do Partido Liberal Mexicano (PLM)14.

Nesse período as artes e a literatura exercem um importante papel na

reflexão crítica sobre o movimento armado iniciado em 1910. A Revolução Mexicana

tem como um de seus objetivos acabar com a ditadura de Porfirio Díaz, que governa

o país durante trinta dos trinta e quatro anos que correm entre 1876 e 1911. Essa

etapa, conhecida como o porfiriato, termina quando, devido à Revolução

14 Esse partido foi inicialmente formado com o intuito de reorganizar os apoiadores do Partido Liberalque haviam conseguido promulgar a Constituição de 1857. Em 28 de setembro de 1905 se instalouuma Junta Organizadora del Partido Liberal Mexicano, da que se designou presidente Ricardo FloresMagón; vice-presidente Juan Sarabia; secretário Antonio I. Villarreal; tesoureiro Enrique Flores Magóne redatores: Manuel Sarabia, Rosalío Bustamante e Librado Rivera. Depois de sucessivas prisões efugas para os Estados Unidos e Canadá esse partido transitou do liberalismo ao anarquismo.Utilizando o jornal Reneración, surgido em 1900 como meio de divulgação de suas ideias. Eles sãoalguns dos autores que tiveram uma participação efetiva nos antecedentes que deram origem aRevolução de 1910. (BARRERA FUENTES, 1973, pp. 86-91)

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encabeçada por Francisco Ignacio Madero, Francisco Villa, Emiliano Zapata e os

irmãos Ricardo e Enrique Flores Magón, Porfírio renuncia à presidência.

No entanto, desde 1900, um pequeno grupo de intelectuais de San Luis de

Potosí (Camilo Arriaga, Juan Sarabia, Librado Rivera e Antonio Díaz Soto y Gama)

“cuna de la Revolución” (COCKCROFT, 2005, p. 8), juntamente com Madero e os

irmãos Flores Magón, começaram uma disputa para alcançar os objetivos do

liberalismo do século XIX: “democracia, anticlericalismo y libre empresa”.

(COCKCROFT, 2005, p. 9) Esses intelectuais dirigiram suas exortações às classes

alta e média, que estavam descontentes com a política ditatorial de Díaz.

É importante salientar que o governo de Díaz tem uma proposta de renovação

nos âmbitos culturais e educativos. A relação dos intelectuais mexicanos com esse

governo no período que se estende dos finais do século XIX a princípios do XX, em

geral, não é áspera, pois, de certo modo, eles se beneficiam do crescimento do

aparato educativo, jornalístico e da estabilidade de um governo com demanda

crescente de profissionais para a modernização da economia nacional.

No entanto, a queda do porfiriato é também a de seus intelectuais, levando

muitos a padecerem longos ou definitivos exílios, como é o caso de: Francisco

Bulnes, Federico Gamboa, Victoriano Salado Álvarez, Pablo Macedo, Rodolfo Reyes

e Nemesio García Naranjo (GARCIADIEGO, 2010, p. 37), dando espaço ao

surgimento de uma classe intelectual de origem popular. Cabe destacar que, antes

da Revolução, já havia algum espaço para esses novos intelectuais, mas é somente

após esse período que eles ascendem ao poder15.

15 Destaca-se aqui duas importantes figuras: o humilde professor rural Otilio Montaño (1877-1917),redator do Plan de Ayala – bandeira do exército zapatista e fundador da definição política agráriarevolucionária; e o tipógrafo e sindicalista Rosendo Salazar (1888-1971) um dos fundadores da Casadel Obrero Mundial. Sua participação tornou possível a inclusão dentro da Constituição de 1917 umCapítulo do Trabalho e Previdência Social. (GARCIADIEGO, 2010, p. 33)

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Desta forma, de maneira diferenciada, desponta uma atividade política

profissionalizada e uma crescente especialização de escritores e de homens de

saber, em geral, esboçando assim, o que mais tarde será conceituado por Pierre

Bourdieu como “campo intelectual”.

Ressalte-se, nesse contexto o poeta Ramón López Velarde, a figura

fundacional da poesia mexicana moderna. Esse poeta de província, afastado das

disputas de um campo literário em definição, não forma parte de nenhum dos grupos

que entram em disputa, como os científicos, os ateneístas e os estridentistas.

Os intelectuais, quando convocados, não pensaram ou se prepararam para a

Revolução, pois “tuvieron que imaginar proyectos culturales e institucionales para el

México que había brotado de la Revolución” (ALTAMIRANO, 2010, p. 16), o que os

levou a negociar com chefes políticos com o intuito de defender um processo

popular e nacionalista. Desse grande grupo de novos intelectuais surgidos com a

Revolução, trazendo consigo múltiplos ofícios, Javier Garciadiego destaca que eles:

redactaban planes y proclamas propios, respondían a los ajenos yanalizaban la situación política nacional e internacional, eranresponsables de las oficinas político-administrativas y dirigieron losmuchísimos periódicos que circularon durante esos años.(GARCIADIEGO, 2010, p. 33)

De modo geral, a Revolução produz pintura, literatura e música inéditas,

destacando, principalmente, a obra literária de ruptura mais significativa desse

período, o romance Los de abajo, de Mariano Azuela, publicada no diário El paso del

Norte entre outubro e dezembro de 1915.

A passagem da geração que chega ao poder com Porfirio Díaz, conhecida

como científicos16, ocorre de maneira natural, uma vez que, na virada do século XIX,

16 Os científicos foram um círculo de tecnocratas imersos no positivismo de Comte formado por:Gabino Barreda (1820-1881), precursor do grupo, médico e professor de medicina, Barreda estudouem Paris com Auguste Comte entre 1847 e 1851 e é amplamente reconhecido como o introdutor dopositivismo no México e, também o organizador da Escuela Nacional Preparatoria, a primeira escola

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muitos já haviam falecido ou contavam com idade avançada. Esse grupo de grande

influência em seu governo era formado por homens de negócios, intelectuais

destacados e membros de seu gabinete. Dentre eles estavam Gabino Barreda,

Ramón Corral, José Limantour, Justo Sierra entre outros. No entanto, esse grupo,

assim como Díaz já bastante envelhecido, não cede espaço à nova geração que o

reclamava. Almejando o cargo de presidente, os científicos diminuem o poder dos

reyistas17, que passam então a fazer oposição ao governo.

2.2 Ramón López Velarde e as vanguardas mexicanas no início do século XX

Nos últimos anos do século XIX, gozando de uma situação acadêmica nas

principais instituições do país, impera no México a filosofia positivista nas versões de

Comte, Mill e Spencer. Com a chegada do novo século, um grupo de jovens começa

a ganhar destaque no ambiente cultural e a se rebelar contra a opressão filosófica

exercida pelo positivismo. Assim, em outubro de 1909, surge o primeiro grupo de

intelectuais identificados com a Revolução: Ateneo de la juventud, que mais tarde

passaria a se chamar de Ateneo de México, sob o patrocínio de Justo Sierra e com o

respaldo da estrutura institucional da Universidad Nacional e da Escuela Nacional

laica de educação superior do México, inaugurada 1868 e que se converte no campo de treinamentopara muitos jovens; Ramón Corral (1854-1912) vice-presidente do México sob Porfirio Díaz desde1904 até sua deposição em 1911; José Yves Limantour (1854-1935) Ministro de Fazenda desde 1893até a queda do regime de Díaz, considerado o líder político da facção; Justo Sierra (1848-1912)escritor, historiador, poeta e destacado político mexicano. Sierra foi também Secretário de InstruçãoPública e Belas Artes entre 1901 e 1911 e decisivo promotor da fundação da Universidad Nacional deMéxico, hoje Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), responsável por diversos trabalhosde matéria educativa e que ficou conhecido como “Maestro de América”; Juan Francisco Bulnes(1847-1924), político, orador, jornalista e professor da Escola Nacional de Engenharia; Emilio Rabasa(1856-1930), advogado, escritor e político; Enrique C. Creel:(1854-1931), rico empresário efazendeiro, um influente membro do poderoso clã Terrazas-Creel, que dominou o estado nortenho deChihuahua, da que foi governador desde 1904 até o fim do porfiriato. (BOLÍVAR MEZA, 2008, p. 23)17 Os reyistas foram um grupo de políticos liderados pelo general Bernardo Reyes, pai de AlfonsoReyes. (BOLÍVAR MEZA, 2008, pp. 20-30)

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Preparatoria. Certamente, na história intelectual do México, a crítica ao positivismo é

um dos antecedentes da Revolução.

Cabe ressaltar que a identificação desse grupo com a Revolução foi parcial e

limitada, pois vários integrantes ateneístas pertenciam às elites porfirianas, e aos

governos de Díaz e Huerta. Como destaca Francisco Javier Mora:

aquellos escritores que habían vivido de forma acomodaticia en laépoca de Porfirio Díaz, seguían en la misma situación tras laascensión de Madero al poder, y, subsiguientemente, tras el golpemilitar de Victoriano Huerta, con lo que los dioses mayores de laliteratura permanecían indemnes sobre sus pedestales. (MORA,2000, p. 259)

No entanto, deve-se levar em consideração que o Ateneo pode ser

identificado com o processo revolucionário, pois, além de desafiar o positivismo,

corrente de pensamento dominante nesse período, reivindicando outras formas de

conhecimento, como o estudo das humanidades, o grupo também, através da

Universidade Popular Mexicana fundada por eles em 1912, é responsável por um

intenso trabalho de difusão educativa e cultural.

Muitos foram os integrantes do Ateneo de la Juventud, como: escritores,

pintores, arquitetos, advogados, médicos e estudantes, sendo os mais destacados:

Alfonso Reyes, filho do general Bernardo Reyes, governador de Nuevo León e sério

aspirante a suceder a Díaz na presidência; Antonio Caso, filósofo e reitor da

Universidad Nacional de México entre 1921-1923; Pedro Henríquez Ureña,

intelectual, filósofo, crítico e escritor dominicano; Alberto J. Pani, alto funcionário em

quase todos os governos revolucionários; Martín Luís Guzmán, filho de militar

federal e um dos maiores cronistas e jornalistas da primeira metade do século; e,

sobretudo, José Vasconcelos, advogado, escritor, educador e filósofo, filho de um

burocrata porfirista. Vasconcelos, juntamente com Caso, é fundador desse grupo,

desfeito em 1914, após haver contado com cerca de cem membros.

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Muito se poderia dizer de cada um dos membros desse grupo, pois suas

contribuições na composição do cenário político, cultural e educativo mexicano são

de extrema relevância. Isso, porém, excede os propósitos dessa pesquisa. No

entanto, as contribuições de José de Vasconcelos ao discurso de nacionalidade e de

configuração ideológica e intelectual do campo filosófico merecem destaque.

Nesse contexto, Vasconcelos, o animador da política educativa da Revolução

é também quem propicia o nacionalismo cultural pós-revolucionário, atitude que

define a identidade cultural do mexicano no século XX. Como político, participa da

Revolução Mexicana ao lado de Madero e Pancho Villa. Após a pacificação da luta

armada, é nomeado Reitor da UNAM (1920-1921) e Secretário de Educação Pública

(1921-1924) por Álvaro Obregón.

Ao longo dos quase três anos em que esteve à frente da Secretaria, realizou

um profundo trabalho educativo em três vertentes: escolas, bibliotecas e editoras,

contando com o apoio de muitos intelectuais, principalmente membros do que seria

o grupo Contemporáneos, como Carlos Pellicer, Jaime Torres Bodet (seu secretário

particular) e Bernardo Ortiz de Montellano, pois, de qualquer modo, colaborar com

Vasconcelos naquele momento era a melhor maneira de ganhar a vida e obter

prestígio. Outra figura de suma importância, trazida ao México por Vasconcelos, é

Gabriela Mistral, a qual colaborou na publicação da antologia de Lecturas clásicas

para niños.

No que tange à filosofia mexicana dos anos vinte, ela é definida, certamente,

por La raza cósmica (1925). Nessa obra, o discurso racial se converte na pedra

angular, e a principal característica dessa utopia vasconcelista enraíza-se na

identificação de “espírito” nacional e de raça. Daí surge o famoso lema da UNAM,

acunhado por Vasconcelos “Por mi raza hablará el espíritu” (VASCONCELOS apud

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GARCÍA SANDOVAL, 2010, p. 2). O “espíritu” que ele menciona são os intelectuais.

É, portanto, essa identificação entre raça e cultura que potencializará os discursos

dos anos seguintes, ou seja, essa obra de certa forma materializaria “não apenas a

euforia do filósofo, mas o fracasso anunciado do político, que, por não poder pôr em

prática suas grandes ideias, acabou por transformá-las numa utopia muito próxima

da literatura”. (CRESPO, 2003, p. 9)

A relação orgânica de Vasconcelos com o Estado pode ser percebida através

do positivismo, como a ênfase na educação e na estrutura teleológica da narrativa

histórica. Por outro lado, são inegáveis as ideias que o separam dessa doutrina, pois

ele, assim como os ateneístas, fez parte de uma reação intelectual ao positivismo.

Outro momento importante da história dos intelectuais mexicanos é a dos

Siete Sabios de México ou Generación de 1915, nome dado por Manuel Gómez

Morín para batizar sua geração, cuja meta é propagar a cultura no início do século

XX. Esse movimento universitário e cultural composto por Antonio Castro Leal,

Alberto Vázquez del Mercado, Vicente Lombardo Toledano, Manuel Gómez Morín,

Teófilo Olea y Leyva, Jesús Moreno Baca e Alfonso Caso vem, num momento de

tormenta revolucionária, substituir os ateneístas.

O ambiente político de reconstrução do país continua, e diversos grupos

revolucionários disputam o poder. O exército não consegue conter os levantamentos

armados, e o general Álvaro Obregón favorece a candidatura de Elías Calles, que

será seu sucessor no poder.

Além disso, a década de vinte é também a da guerra cristera, movimento que

reflete a tensão entre o governo e a igreja. Com a produção industrial praticamente

estagnada, num país que tenta se livrar do caudilhismo e passar para uma nova

etapa, mais de acordo com a modernidade de nações mais avançadas, a

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democracia é constantemente ameaçada. Esta é também uma época de grande

enfrentamento geracional, que demonstra a luta interna entre os intelectuais no

campo do poder, “entre jóvenes que intentan ser partícipes de la reconstrucción

nacional y las generaciones anteriores que tratan por todos los medios de copar y

conservar los puestos más destacados de la administración.” (MORA, 2000, p. 260)

No contexto literário mexicano, a herança dos poetas Juan José Tablada,

López Velarde, dos romancistas Federico Gamboa e Manuel Payno, ecoam sobre os

jovens do país interessados por literatura. Há também a forte presença de

Vasconcelos sobre os ateneístas e aqueles que virão a formar os Contemporáneos.

Dentro desse contexto, entre os anos de 1921 e 1927, surge um grupo que,

inspirado no futurismo de Maiakovski e Marinetti, entrará em combate pela

hegemonia cultural e literária: o Estridentismo. Certamente esse movimento,

proveniente da cultura urbana e procurando se estabelecer à base da modernidade

tecnológica, representa o primeiro passo dado pelas vanguardas no México.

Com uma busca pela renovação da literatura e das artes plásticas e cênicas,

esse movimento rompe com a tradição, afastando-se da academia e das técnicas

premeditadas. É o que pode observar no lema contracultural: “¡Viva el mole de

guajolote!” (SCHWARTZ, 1995, p.163) Muito diferente de outros grupos, os

estridentistas dirigem sua arte ao operário, ao camponês, ao soldado revolucionário,

ou seja, ao povo.

O primeiro manifesto denominado Actual no. 1, que o líder do movimento

Manuel Maples Arce (1900-1981) cola nos muros e paredes nas ruas da Cidade do

México em dezembro de 1921, demonstra a preocupação com o presente, com uma

arte nova, juvenil e entusiasta, a qual utiliza cartazes como forma de comunicação

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direta com a esfera pública, sem o intermédio de instituições literárias. Como se

pode observar no trecho do início do manifesto:

Em nome da vanguarda atualista do México, sinceramentehorrorizada com todas as placas notariais e rótulos consagrados desistema cartorário, com vinte séculos de êxito efusivo em farmácias edrogarias subvencionadas pela lei, centralizo-me no vértice eclatanteda minha insubstituível categoria presentista, equilateramenteconvencida e eminentemente revolucionaria, enquanto todo mundoque está fora dos eixos contempla-se esfericamente atônito com asmãos torcidas, imperativa e categoricamente afirmo, sem exceçõesaos players diametralmente explosivos em incêndios fonográficos egritos encurralados, meu estridentismo desfazente e puro para medefender as pedradas literais dos últimos plebiscitos intelectivos.(MAPLES ARCE apud SCHWARTZ, 1995, p.156)

Os estridentistas abandonam o campo revolucionário e avançam pela

metrópole. Esse constante peregrinar pelas ruas os confronta com a primeira

literatura urbana do México e o primeiro teatro experimental do país, o Teatro

Murciélago, obra de Luis Quitanilla, Carlos González e Francisco Domínguez.

Maravilhados pelos avanços tecnológicos, demonstram sua paixão pelo telégrafo, o

trem, o carro, o avião e, principalmente, o rádio, com a participação do poeta Maples

Arce na primeira estação de rádio a ir ao ar na Cidade do México em 8 de maio de

1923, lendo um poema estridendista T.S.H, que havia sido publicado dias antes em

El Universal Ilustrado (MORA, 2000, p. 267).

Para ilustrar a presença estética da cidade na obra dos estridentistas,

ressalta-se Urbe18 – o terceiro livro de Maples Arce, e o primeiro de poesia de um

mexicano traduzido ao inglês, além de ser o primeiro de toda a vanguarda em língua

espanhola. (SCHNEIDER, 1985, p.14)

Entre os integrantes mais destacados desse movimento estão: Arqueles

Vela, Germán List Arzubide, Luis Quintanilla, Salvador Gallardo, Ramón Alba de la

18 Urbe, de Manuel Maples Arce, foi publicada em inglês sob o título Metrópolis pela editora The T. S.Book Company of New York em julho de 1929. (SCHNEIDER, 1985, p.14)

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Canal, Leopolo Méndez, Germán Cueto, Luis Felipe Mena, Rafael Sala, Silvestre

Revueltas, Tina Modotti e Diego Rivera.

Cabe destacar também que os estridentistas foram a inspiração para o

movimento lançado 1976 por Roberto Bolaño e Mario Papasquiaro. Como comenta

a jornalista e pesquisadora chilena Cecilia García Huidobro em seu artigo “Bolaño, el

estridentismo y Cesárea Tinajero o como hacer una literatura de sombra” (2008),

referindo-se ao primeiro manifesto Infrarrealista,

Es posible observar, entonces, una clara sintonía entre lascaracterísticas que Bolaño le atribuye al estridentismo y los rasgosque le asigna al infrarrealismo de acuerdo al primer manifiestollamado “Déjenlo todo, nuevamente”. Basta pensar como coincidenambos en conceptos como subversión, aventura y riesgo. (GARCÍAHUIDOBRO, 2008, p. 6)

Em relação aos meios de divulgação dos estridentistas, encontram-se o

Universal Ilustrado, o Irradiador e Horizonte. Eles escolhem como “trincheira” o Café

de Nadie, local onde o grupo se reúne para, entre café e cigarros, traçar suas

atividades.

Convém ressaltar que a consciência política do grupo se manifesta

claramente desde o início do movimento, como se pode observar na introdução do

artigo de Maples Arce publicado em 28 de dezembro de 1922, uma espécie de

balanço das ideias da Revolução e do pensamento de esquerda no país naquele

momento, do qual se cita um trecho tomado do artigo de Javier Mora:

La revolución social de México se proclamó en la incidencia de dosfuerzas convergentes: el impulso dinámico del pueblo y el esfuerzointegral de los políticos. Al terminar la revolución por razones deorden estructural, la primera quedó trasegada en la segunda, y, ésta,que en materia social y económica formaba «las izquierdas», encuestiones literarias y estéticas, por falta de preparación intelectiva,no era sino una suma reaccionaria. Los pocos intelectuales quefueron a la revolución estaban podridos. La tiranía intelectual siguiósubsistiendo y la revolución perdió toda su significación y todo suinterés. [...] Pero las inquietudes post-revolucionarias, las explosionessindicalistas y las manifestaciones fueron estímulo para nuestrosdeseos iconoclastas y una revelación para nuestras agitacionesinteriores. Nosotros también podíamos sublevarnos. Nosotros

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también podíamos rebelarnos. (MAPLES ARCE apud MORA, 2000,pp. 272-273)

Apesar de longa, a citação é importante para que se possa compreender a

dimensão da relação dos intelectuais, antes, durante e após o movimento

revolucionário, com o poder, ocupando cargos políticos com clara tendência social-

comunista. Para entender também o motivo do desaparecimento dos estridentistas,

que se deve em grande parte ao envolvimento de seu líder e de alguns integrantes

com a política, uma vez que, quando a política entra pela porta, a vanguarda sai pela

janela, pois a queda do poder do General Heriberto Jara, governador de Veracruz,

significou o fim do estridentismo. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.20) Maple Arce,

Secretário de Governo do Estado de Xalapa e Germán List Arzubide, seu secretário

particular e professor da Escuela de Bachilleres de Xalapa, também caíram com o

general.

Esses fatos demonstram o fracasso do projeto estridentista, o qual, na prática,

não construiu uma posição política autônoma. Uns haviam-se convertido em

intelectuais orgânicos do poder, enquanto outros foram relegados ao esquecimento,

inclusive dentro do campo literário. Apesar do destaque de membros como Arqueles

Vela e Kin Taniya19, a ascensão de Mariano Azuela e dos Contemporáneos os levou

ao ostracismo.

No entanto, não somente esse grupo elabora propostas literárias específicas

e procura se erguer como representante legítimo de nação; se, de um lado, no plano

político encontram-se os Estridentistas, de outro, no plano estético estão os

Contemporáneos.

19 Kin Taniya é o pseudônimo do diplomata, escritor e professor estridentista Luis Quintanilla.(SÀNCHEZ-PRADO, 2006, p. 25)

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Um dos grupos mais importantes da Literatura Mexicana do início do século

passado, os Contemporáneos foram compostos por Carlos Pellicer, Enrique

González Rojo, Bernardo Ortiz de Montellano, José Gorostiza, Jaime Torres Bodet,

Xavier Villaurrutia, Salvador Novo, Gilberto Owen, Celestino Gorostiza e Rubén

Salazar Mallén. Como destaca Sheridan (1993), “[…] casi todos son críticos, si no se

puede decirse que son críticos, han adoptado una actitud crítica”. (SHERIDAN,

1993, p.12)

No grupo os Contemporáneos coincidiram diversos discursos e formas de

exercer a tarefa literária e cultural entre os anos de 1920 e 1932 (SHERIDAN, 1993,

11). Optaram pelas revistas (La Falange, Ulises, Gladios, El Universal, Prisma,

Contemporáneos) como meio de divulgação de sua arte, por acreditarem ser mais

rápido, uma vez que grande parte da população não era alfabetizada e as edições

de livros costumavam ter em média trezentos exemplares. As revistas, ao contrário,

devido ao gancho informativo e ao apelo de novidades editorias, chegavam mais

rapidamente a um grande número de leitores.

A revista Contemporáneos (título inventado por José Gorostiza), que deu

nome ao grupo, tinha como subtítulo Revista Mexicana de Cultura, o que mostra

claramente sua preocupação com o nacional, através de seções que tratavam dos

últimos livros lançados no México e sobre o México, além de artigos sobre literatura,

música, pintura, ilustrações mexicanas e traduções de artistas europeus e norte-

americanos.

Archipiélago de soledades, segundo Torres Bodet, Grupo sin grupo a que se

refere Xavier Villaurrutia, Grupo de forajidos, assim percebeu Jorge Cuesta, são

algumas das nomenclaturas dadas aos Contemporáneos, os quais, por diversas

vezes, tiveram contestada sua condição de grupo ou de geração. Manuel Durán, em

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seu artigo “¿Contemporáneos: grupo, promoción, generación, conspiración?” (1982),

relata que, em 1964, Merlin H. Foster negava que pudesse ser uma geração aquilo

que não passava de um grupo de amigos. Frank Dauster, segundo ele, afirmava o

contrário, pois os considerava uma geração por serem coetâneos, por sua formação

cultural homogênea, por empregarem uma linguagem comum, por todos terem

compartilhado da experiência da Revolução. Outro fato relevante e que não pode ser

desconsiderado é que “todos pertenecían «a una de las clases más afectadas por la

Revolución, la media alta, que fue desalojada de sus posiciones y de sus

prebendas»” (DURÁN, 1982, p. 40).

Guillermo Sheridan (1993), autor de uma ampla pesquisa sobre esse grupo,

publicada na obra Los Contemporáneos ayer (1993), relata que “más que un grupo

constituido para la beligerancia, más que un círculo o una plataforma de principios,

los Contemporáneos conforman una actitud a duras penas reducibles a postulados

precisos” (SHERIDAN, 1993, p.11).

A polêmica em torno do grupo possui relevância, pois não houve um

manifesto que os unisse, ato comum entre os vanguardistas. Mesmo assim, são

considerados a segunda geração de vanguarda mexicana. Villaurrutia, em 1934,

publica um texto com o propósito de definir a natureza do grupo:

“Grupo sin grupo” le llamé la primera vez que comprendí quenuestras complicaciones privadas, nuestras desemejanzas corteses,nuestras intenciones, diversas en el recorrido pero unidas en elobjeto de nuestra ambición, tenían que transcender al público, comosucedió en efecto. […] Sin quererlo, sin pretenderlo, pero sinrechazarlo ni negarlo lo se ha formado, más en la mente de losescritores que nos preceden o nos siguen que en la realidad misma,un grupo, una generación. […] Ni un programa, ni un manifiesto queprovoquen esta idea hemos formulado. Pero, puesto que la ideaexiste, la aceptamos y seguimos juntando nuestras soledades enrevistas, en teatros, en obras, y hasta en lo que usted llama nuestrainfluencia.” (VILLAURRUTIA apud SHERIDAN, 1993, p. 14)

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Os Contemporáneos se negaram à simples solução de um programa, de um

ídolo ou de uma falsa tradição. Ao contrário dos estridentistas, nunca renegaram as

gerações literárias que precederam a sua, como o Ateneo, ou a de 1915. Em seu

ecleticismo, aproximaram-se das vanguardas espanholas, principalmente da

Geração de 27. Do mesmo modo, estabeleceram uma relação de harmonia e

respeito com escritores que professavam tendências literárias opostas, como os

colonialistas e os romancistas da Revolução (DURÁN, 1982, p. 38). Esse grupo

também foi considerado seguidor da vanguarda lopezvelardiana.

Ramón Modesto López Velarde Berumen é a figura que permite dar conta da

transição do modernismo à vanguarda “y, más importante aún, de una idea de la

cultura nacional que no se finca en las ideologías urbanas de buena parte de los

grupos en cuestión” (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 21). Um intelectual extremamente

criticado por, num tempo de violenta transição, ir, simultaneamente, na vanguarda

da arte e na retaguarda da política.

Nasce em Jerez, Estado de Zacatecas, em 1888, no mesmo ano em que

Rubén Darío publica seu livro Azul. Começa a escrever quando ingressa no

Seminario Conciliar de Zacatecas no ano de 1900. Em 1908 entra no Instituto

Científico y Literario de San Luis Potosí e colabora em jornais e revistas da

província.

Forma-se advogado em 1911 e passa a exercer a profissão de juiz em San

Luis Potosí. No entanto, talvez pela tormenta revolucionária, em 1914, muda-se

definitivamente para a capital, e lá, além de ocupar modestos postos burocráticos,

publica, regularmente, ensaios e poemas.

Em vida, publica somente dois livros de poesias: La sangre devota (1916) e

Zozobra (1919); depois de sua morte, são editados três volumes: um de poesia, El

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son del corazón (1932) e dois de prosa, El minutero (1923) e El don de febrero

(1952).

Em 1920, nas proximidades do aniversário do centenário da Independência,

escreve seu poema mais conhecido: La suave Patria (Anexo I). Um ano mais tarde,

em 1921, morre na madrugada de 19 de junho, asfixiado pela pneumonia e pela

pleuresia. A respeito de sua morte, relata o crítico José Luís Martínez: “Lo habían

matado dos de esas fuerzas malignas de las ciudades que tanto temiera: el vaticinio

de una gitana que le anunció la muerte por asfixia y un paseo nocturno.”

(MARTÍNEZ, 1998, p. XXVII)

Poeta da província, poeta católico, poeta do erotismo, poeta da morte e

também poeta da Revolução, López Velarde é poeta da província, mas, como

acrescenta Octavio Paz: “no es un poeta provinciano, aunque el terruño natal sea

uno de sus temas” (PAZ, 1972, p. 78). Embora tenha conhecido Francisco I. Madero

em 1910, simpatizado com o movimento revolucionário, não pode ser considerado

um poeta revolucionário, pois não foi seguidor desta causa, embora se tenha

deixado influenciar por ela, como destaca Villoro em Ramón López Velarde: la

tradición de un fantasma:

Poeta católico muy arraigado a las costumbres de la provinciamexicana, se dejó influir por la Revolución de 1910 y participó en elanhelo de cambiar el mundo; de temple liberal, escogió lademocracia en un momento en que se votaba con balas. [...] murió alos 33 años, sin conocer el mar ni tener una casa. (VILLORO, 2004b,p. 4)

Um poeta desconhecido ou incompreendido? As duas coisas. Por que é tão

menos conhecido que o muralismo mexicano, por exemplo? Ambos são

extremamente importantes para a ressonância do nacionalismo. Mas as pessoas

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cultas do ocidente conhecem o muralismo mexicano20, e não López Velarde. O

crítico Gabriel Zaid, na introdução da obra poética do poeta nacional, tenta

responder a esse questionamento. Não chega a uma conclusão, mas levanta

possíveis respostas: “murió a los 33 años, nunca salió del país y militó en el partido

erróneo: el Partido Católico Nacional.” (ZAID, 1998a, p.XXI) Os muralistas, ao

contrário, viveram mais, militaram na Internacional Comunista e passaram

temporadas em Paris e Nova York.

No entanto, cabe ressaltar que sua imagem não está associada ao

catolicismo, mas ao nacionalismo revolucionário. Associação equivocada? Não,

levando em consideração seu poema mais conhecido: La suave Patria, cuja base

teórica já havia sido lançada no ensaio em 1921, intitulado Novedad de la Patria,

como se pode observar no trecho que segue:

Correlativamente, nuestro concepto de la Patria es hoy hacia dentro.Las rectificaciones de la experiencia, contrayendo a la justa medidala fama de nuestras glorias sobre españoles, yanques y franceses, yla celebridad de nuestro republicanismo, nos han revelado unaPatria, no histórica ni política, sino íntima. (LÓPEZ VELARDE, 1998,p. 308)

López Velarde e seu único poema de inspiração cívica, La suave Patria,

ocupam um lugar central na constituição do campo literário mexicano, pois propõe

uma poesia que deixa de ser algo distante e passa a ser cotidianizada como nação.

Como destaca Gabriel Zaid sobre o poema, “sería un error pensar que el

acontecimiento se redujo a eso. El verdadero acontecimiento fue literario. Sucedió

en las palabras del poeta y en la conciencia del lector” (ZAID, 1998a, p. XXIII).

20 O muralismo mexicano ressurge como manifestação nacional nas primeiras décadas do século XX,como caminho que os artistas da época encontram para manifestar suas ideias sobre uma artepopular e engajada. As primeiras obras surgem em 1910 para decorar os murais da EscuelaPreparatoria. Os integrantes desse movimento que torna a arte acessível às massas são: DiegoRivera (1886-1957), José Clemente Orozco (1883-1949), David Siqueiros (1896-1974) entre outros.(BOLÍVAR MEZA, 2008, p.112)

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José Gorostiza, integrante do grupo Contemporáneos, em 1924, relata em

ensaio sobre a descoberta: “La patria fue, sin duda, el descubrimiento más plausible

de López Velarde, porque, teniéndola al alcance de la mano, nadie antes de él quiso

enterarse de su existencia.” (GOROSTIZA, 2008, p. 23)

No entanto, há que se considerar a perspicácia de José de Vasconcelos, que

transforma a morte do poeta em um acontecimento, o poema em uma espécie de

“hino nacional”, pois “hizo llegar La suave Patria a todos los maestros de la república

en la revista El Maestro (con un tiraje de 60.000 ejemplares).” (ZAID,1998a, p.XXII).

Com isso, converte o poema em um modelo de cultura nacional revolucionária. El

Maestro era distribuído por toda Hispano-américa, como destaca José Emilio

Pacheco “Uno cayó en manos del joven Borges. Se aprendió de memoria La suave

Patria y no la olvidó nunca.” (PACHECO, 2001, p. 1)

O poeta nacional de má sorte amorosa, econômica e política recebe em sua

curta vida o reconhecimento de escritores com os quais conviveu naquele momento,

como: José Juan Tablada (modernista), Julio Torri (ateneísta), Xavier Villaurrutia,

Salvador Novo, José Gorostiza y Carlos Pellicer (futuros Contemporáneos) e Manuel

Gómez Morín (Los Siete Sabios) que diz, como destaca Gabriel Zaid: “López

Velarde cantaba un México que todos ignorábamos, viviendo en él.” (GOMÉZ

MORÍN apud ZAID, 1998a, p. XXIII)

Como se pode observar, López Velarde convive com todos os grupos de

grande importância na fundação ideológica do campo intelectual, mas não integra

nenhum deles, o que demonstra um período de profunda indeterminação. Para

ilustrar, observem-se Vicente Lombardo Toledano e Manuel Gómez Morín. O

primeiro, fundador da estrutura sindical futuramente incorporada ao PRI e criador do

Partido Popular (Socialista), e o outro, um intelectual de direita, fundador do Banco

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Nacional do México, o qual, após romper com o governo, funda o PAN. Deste modo,

destaca Sánchez-Prado:

muchos de los elementos culturales que flotaban en los debates de laépoca, como el humanismo clásico del Ateneo, la ideologíasindicalista de Lombardo Toledano o el sinarquismo de Gómez Moríneran formas de ejercer una identidad cultural y política en unmomento en que el Estado no había logrado armar todo su versiónhegemónica. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.16)

Em meio a todo esse processo, e afastado das disputas do campo literário em

formação, encontra-se o poeta Ramón López Velarde, figura fundacional da poesia

mexicana moderna.

2.3 Ramón López Velarde em El testigo

Com uma linguagem que alterna prosa e poesia, Juan Villoro concede a esse

personagem histórico e narrativo um papel fundamental durante todo o desenrolar

de El testigo. Essa relação aparece desde a primeira página através da quantidade

de capítulos e o número do quarto em que se hospeda Julio Valdivieso, numa clara

referência ao número trinta e três, que é a idade em que falece López Velarde.

O cenário da volta do protagonista, Julio Valdivieso, ao México, ocorre após

vinte quatro anos de exílio voluntário, concluídas as eleições presidenciais de 2000,

quando o PAN (partido de direita – conservador e cristão, capaz de estabelecer um

contato mais estreito entre Igreja e Estado) assume o poder, o que em tese colocaria

um fim aos 71 anos de hegemonia do PRI, prometendo instaurar, finalmente, uma

democracia. Tal fato não se concretiza, provocando uma profunda revisão do valor

da Revolução Mexicana na consolidação das Instituições políticas e culturais, assim

como dos poderes econômicos do país.

A trama se desenrola quando Valdivieso, chegando ao país, é abordado

imediatamente pelos antigos amigos da Oficina Literária da qual fez parte: Juan Ruiz

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(El Vikingo), um importante publicitário, e Félix Rovirosa, seu ex-colega de

graduação em Letras na UNAM e alto funcionário de um consórsio televisivo (que se

presume tratar da Televisa – um grande consórcio de telecomunicações do México).

O regresso ao país em seu ano sabático implica também uma revisão em seu

arquivo familiar. Isso contribuirá para escrever o roteiro de uma telenovela histórica

intitulada Por el amor de Dios, na qual se encenará a gesta dos cristeros, fato

posterior à Revolução e silenciada durante a hegemonia do PRI. Paralelamente à

telenovela, será rodado um documentário sobre a vida do “poeta da pátria”, Ramón

López Velarde.

O romance está dividido em três partes: “Posesión por pérdida”, “La mano

izquierda” e “El tercer milagro”, contendo, no total, trinta e três capítulos. Não há

como dividi-lo cronologicamente, pois se percebe que o protagonista regressa ao

México fisicamente, mas que sua memória vaga entre a vida na Europa e o passado

em seu país.

Dentro desse contexto, longe de uma literatura de exílio ou de uma ideologia

nacionalista, a obra apresenta em suas epígrafes invocações a Ulisses. Fazendo

referência à viagem, principalmente ao ponto de chegada e aos enigmas do

regresso, Villoro relaciona o retorno do protagonista com o poema velardiano El

retorno maléfico (Anexo II). Vale-se, então, do tema da viagem como um

deslocamento geográfico e imaginário, não apenas entre o mundo interior e exterior,

mas também entre o presente e o passado. Nesse caso, Valdivieso está no México

e recorda seus últimos dias em Lovaina, relacionando já, desde as primeiras

páginas, os temas que pretende destacar no romance, os quais passam por

questões estéticas e literárias, mas, principalmente, por preocupações atuais em

relação à sociedade.

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Assim, uma complexa estrutura narrativa é apresentada, e o autor procura

conciliar tempos diferentes com longas pausas na narração, que mais parecem

buracos na memória, pois oscilam entre espaços e tempos distantes. Em meio a

tudo isso, está Julio Valdivieso, que se assemelha a um sonâmbulo, vagando no

presente em busca de um passado não concretizado, à procura de um tempo

perdido, capaz de ser encontrado apenas no passado.

Assim, os vínculos intertextuais com a Odisseia não são gratuitos, pois

Valdivieso, após quase um quarto de século, resolve voltar a sua Ítaca natal

(México), como um Ulisses que vai ao encontro de sua Penélope (Nieves). Perdido

entre aventuras e sombrios cânticos das sereias, encontra um país mergulhado na

violência e no tráfico de drogas, com sérios problemas políticos e econômicos,

apesar de acabar de sair de uma longa ditadura de partido que havia durado mais

de setenta anos.

É importante salientar que, em sua chegada, Valdivieso e Vikingo se

encontram para almoçar em um restaurante chamado Los guajolotes, ou seja, “Os

perus”, título do primeiro capítulo do romance, fato que remete à frase emblemática

com que se encerra o 2º Manifiesto Estridentista, de 1923, “¡VIVA EL MOLE DE

GUAJOLOTE!” (SCHWARTZ, 1995, p.163), o qual, em suas ideias centrais,

propunha “cagar” em cima dos heróis que estavam encarapitados “sobre o pedestal

da ignorância coletiva. Horror aos ídolos populares. Ódio aos panegiristas

sistemáticos”, no qual Maples Arce convocava a “defender a nossa vergonha

intelectual” (SCHWARTZ, 1995, pp. 162-163).

Já o Manifiesto Estridentista n° 3, de 1925, inicia-se com uma crítica ao

“garimpeirismo de López Velarde” (SCHWARTZ, 1995, p. 163). E é nestas

referências à morte de uma estética literária que teve seu auge durante o porfiriato,

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que os estridentistas, ao assinarem o manifesto, propõem rebelar-se contra “os

espíritos acadêmicos que continuam preparando seus cozidos com ingredientes

passados” (SCHWARTZ, 1995, p. 163).

Para complementar o esboçado nesse parágrafo, é preciso não esquecer

que, tanto as gerações imediatamente anteriores quanto as posteriores ao poeta

zacatecano contribuíram para a construção das estruturas do país (no que tange ao

aspecto econômico, político, cultural e artístico) que estavam por ser feitas. Do

mesmo modo, tal pode ser dito em relação aos Científicos, Justo Sierra e Gabino

Barreda, antes da Revolução mexicana, e de figuras como as dos ateneístas José

Vasconcelos e Antonio Caso; dos Estridentistas Maples Arce e Arqueles Vela; dos

Contemporáneos Salvador Novo e Torres Bodet, os quais, entre outros, depois da

Revolução, postulavam-se a si próprios como intelectuais.

Villoro centraliza grande parte do romance em San Luis Potosí, local de

nascimento de Valdivieso, onde está localizada a fazenda de sua família,

denominada Los cominos, exatamente na rota do narcotráfico. Essa cidade foi

também o local em que Ramón López Velarde passou um período, como diz o

personagem padre Monteverde, entusiasta do projeto de canonização do poeta:

Los biógrafos pierden la pista de Ramón de diciembre de 1912 ymayo de 1913. Son momentos decisivos de la Revolución. Nadiesabe dónde estuvo durante el asesinato de Madero ni durante laDecena Trágica. Después de su estancia en Venado, regresó a SanLuis. Ahí lo tenemos en diciembre. En mayo aparece en la capital.¿Qué pasó en medio? Eran días terribles para el país. La Revoluciónparecía abortada, Victoriano Huerta iniciaba una nueva tiranía. Fue lagran jornada del éxodo, la gente buscaba refugio en sitios alejados.”(VILLORO, 2004a, p. 144)

É desse período que lhe atribuem vários milagres, que, na verdade, podem

ser reduzidos a um único: “salvar a alguien de ahogarse en un estanque.” (ZAVALA,

2011, p. 239) E isso ocorre, apesar dos argumentos do protagonista, mostrando que,

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a partir de 1912, pode-se perceber nos artigos de López Velarde um extremo

conservadorismo católico. Esses escritos beiravam ao fanatismo, chegando a

chamar de “animal” uma das figuras mais emblemáticas da Revolução – Zapata, o

que não é suficiente para o padre Monteverde, que contesta argumentando tratar-se

de “un alma confundida partida en dos.” (VILLORO, 2004a, p.144) Ou seja, não

importa a argumentação, pois se percebe que há sempre uma tentativa de

reposicionar o rumo da história com reescrituras improváveis, infundadas e capazes

de beneficiar determinadas correntes encasteladas no poder, numa tentativa de

fazer prevalecer a imagem mítica, religiosa e patriarcal do poeta da pátria.

Ainda em relação a essa cidade, cabe ressaltar que é também o local em que

foi criado o Plan de San Luis Potosí21, de Francisco I. Madero, no qual se convocava

para um levantamento de armas:

Conciudadanos: si os convoco para que toméis las armas yderroquéis al Gobierno del general Díaz, no es solamente por elatentado que cometió durante las últimas elecciones, sino para salvara la Patria del porvenir sombrío […] No vaciléis pues un momento:toma las armas, arrojad del poder los usurpadores, recobrad vuestrosderechos de hombres libres y recordad que nuestros antepasadosnos legaron una herencia de gloria que no podemos mancillar. Sedcomo ellos fueron: invencibles en la guerra, magnánimos en lavictoria. SUFRAGIO EFECTIVO. NO REELECCIÓN. San Luis Potosí,octubre 5 de 1910. (MADERO apud ARCEO MOLINA, 2010, p. 2,grifo nosso)

Em relação a esse trecho retirado do documento, observa-se a referência

dada a alguns dos conteúdos pelos quais lutavam as diversas facções envolvidas no

conflito: maderistas, zapatistas, villistas, carrancistas, obregonistas, magonistas... No

entanto, o viés liberal do poeta o ligava à tradição porfirista, e distanciava seu

projeto, por exemplo, dos de Ricardo Flores Magón (anarquista), Pancho Villa

(reforma agrária no modelo de pequena propriedade privada) e Emiliano Zapata

21 O Plan de San Luis Potosí foi um documento político no qual Francisco I. Madero convocava a umlevantamento em armas no dia 20 de novembro de 1910, com o objetivo de derrubar Porfírio Díaz, oestabelecimento de eleições livres e democráticas e se comprometia a restituir aos camponeses asterras que lhe haviam sido arrebatadas pelos fazendeiros. (ARCEO MOLINA, 2010, p.1)

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(reforma agrária com terras comunais). Ramón López Velarde, como já foi

mencionado, não participou ativamente do movimento revolucionário.

Acredita-se que, ao resgatar López Velarde, o romance quer repor o debate

através do discurso literário uma vez que, nele, está reunida, de maneira singular,

grande parte das contradições do México revolucionário:

López Velarde admitía en sus poemas las pugnas favoritas de lacultura mexicana: la provincia y la capital, las santas y las putas, loscreyentes y los escépticos, la tradición y la ruptura, nacionalismo ycosmopolitismo, barbarie y civilización. (VILLORO, 2004a, p. 52)

E também, como destaca Alejandro Hermosilla Sánchez em seu artigo “Un

viaje de ida y vuelta a México: El testigo de Juan Villoro” que López Velarde:

es ubicado certeramente por Villoro en el punto nodal de su narraciónporque mostró, desde su particularidad regional abierta a los airesnovedosos de la modernidad literaria, el cómo todo un país pudohaber también efectuado este cambio en lo que se refiere a sudirección política e histórica. (HERMOSILLA SÁNCHEZ, 2010, p. 8)

Villoro deixa claro o paralelismo que leva o acadêmico de origem potosina a

se ocupar do poeta nacional que também viveu e escreveu em outro período de

transição, o da Revolução. Como se poderá observar na citação que segue, quando

o personagem padre Monteverde, de maneira lúcida, em uma reflexão sobre os

movimentos contraditórios produzidos pela Revolução e que, de alguma maneira,

estão relacionados à vida e à obra do poeta:

La Revolución tuvo dos caras [...] Pensemos en López Velarde. Lapolítica lo sacó de la provincia monótona, lo acercó a conviccionesmodernas que no hubiera tenido de otro modo, lo llevó a la capital.¿Qué hubiera sido de él encerrado para siempre en Jerez? Lanostalgia mejora las alacenas de compotas y los dulces de lainfancia. Sin ese viaje no hubiera extrañado «el santo olor de lapanadería» ni «la picadura del ajonjolí». Fue progresista en la políticapero entrañablemente reaccionario en los recuerdos. La Revoluciónle permitió ese doble movimiento. (VILLORO, 2004a, p. 80)

E por que resgatar esse personagem histórico após tantos anos? Em primeiro

lugar, porque Villoro não faz voo rasante e, depois, como destaca José Emilio

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Pacheco (2001), é porque López Velarde não se esgota, pois “que en el México sin

PRI él puede ser el "poeta nacional" que antes tratamos en vano de inventarnos”

(PACHECO, 2001, p.2).

O resgate também se dá porque, já no início do século passado, López

Velarde inventa uma nova forma de escrever sobre a nação e propõe uma literatura

que opere de maneira autônoma num período em que a relação entre o Estado e a

poesia destrói o potencial estético de escritura, pois um campo literário autônomo é

construído por uma poesia autônoma, democrática, cotidianizada, ou melhor,

cidadanizada (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 56). Como afirma Carlos Monsiváis:

“López Velarde es, en rigor, la vanguardia, pero nunca lo reconocen como tal

quienes sólo otorgan el rango de vanguardia a los que exhiben con estrépito

sentimientos disonantes.” (MONSIVÁIS, 1998, p. 692, destaque do autor), pois as

poesias de López Velarde não são menos profundas ou radicais que a dos

estridentistas, mas, devido a sua temática, é visto com suspeita no meio cultural. Por

uma estranha coincidência, Monsiváis e López Velarde faleceram no mesmo dia, 19

de junho, com uma diferença de quase noventa anos.

Mesmo levando em conta a distância temporal entre López Velarde e Juan

Villoro, para todos os caminhos que se tome, encontra-se o México, caso não muito

comum tanto naquele período como no presente.

É preciso que fique claro, portanto, que esse questionamento se faz

importante quando o PAN vence as eleições, pois se percebe que ele reafirma a

presença de antigos atores político-culturais que consolidam sua presença na vida

política e cultural do México moderno.

López Velarde é importante para discutir a figura do intelectual através de

sua posição inquestionável. Como destaca Monsiváis (1998), as adulações cívicas

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em torno de La suave Patria “Ahorra la interpretación crítica” (MONSIVÁIS, 1998, pp.

691-692) não somente desse poema, mas de toda sua obra. Jorge Ruffinelli, citado

por Sánchez-Prado, comenta a respeito da falta de tradição literária no panorama

crítico do país em 1990, e conclui que “uno de los mitos hacia dentro del campo

literario en México es la ausencia de crítica literaria” (RUFFINELLI apud SÁNCHEZ-

PRADO, 2006, p. 4).

A releitura de Villoro sobre esse poeta, com personagens que chegam propor

a sua canonização, é irônica, ainda que pareça um disparate, pois o próprio

Valdivieso sabe que o catolicismo e suas ideias liberais estavam em conflito:

Su alma dividida lo volvió atractivo para bandos irreconciliables.¿Cómo hubieran coexistido esas contradicciones en los años que nollegó a vivir? La pregunta era inútil y retórica, pero señalaba la trágicaoportunidad de esa muerte. El poeta expiró antes de que la realidadlo forzara a simplificar su espíritu escindido. [...] Pero ¿cómo habríatomado López Velarde la guerra cristera, ese copioso derrame de«sangre devota», los pueblos arrasados, los graneros quemados, latribu de David en su martirio pueblerino, abandonada por todos lospoderes? ¿De qué modo lo habría tocado esa gigantesca oraciónfúnebre? Ramón López Velarde murió con su futuro intacto.Imposible saber cómo se habría movido en el país despedazado quevino después. La fractura, la vida rota había sido de sus lectores.(VILLORO, 2004a, p. 235)

No romance, a mídia, a Igreja e até os narcotraficantes disputam o poder de

representação e reinterpretação da memória, reivindicando a imagem do poeta

nacional, tido como um dos pilares da literatura mexicana moderna, convocando

Julio Valdivieso ao país para dar testemunho, dar fé aos seus interesses.

Valdivieso logo percebe que o esforço de determinado grupo da Igreja em sua

insistente luta pela canonização do poeta, focando principalmente nos motivos

religiosos de sua poesia, associado à releitura da guerra cristera através de uma

telenovela, são projetos que evitam o debate histórico sobre a Cristiada e as

complexidades estéticas da obra de López Velarde. O que se propõe em realidade é

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uma reconfiguração do imaginário nacional, utilizando-se de meios midiáticos como

um mecanismo contundente de convencimento, como se pode observar na fala de

um dos criadores do projeto: “Por el amor de Dios va a tener gancho con su

reivindicación del morbo católico.” (VILLORO, 2004a, p. 188) Enquanto que a

santidade do poeta será construída com base em documentos duvidosos e golpes

midiáticos.

O poeta nacional se revela, por um lado, de maneira ambígua, como um herói

imaculado, quase um santo, e, por outro, transformado em mercadoria, nos postais,

em nome de lojas, com poemas estampados em toalhas de mesa e, como diz a

personagem Alicia: “Del poeta. Vi un mural en Los Ángeles, «The Suave Patria

Bulevar», con imágenes de la muerte y la magia, en colores cabrones. Está fuerte, el

bato.” (VILLORO, 2004a, p. 124 ) E até em sorvetes, como diz o capataz da fazenda

Eleno: “ —¿López Velarde, le suena de algo? —Hombre, en Jerez hay unos helados

que se llaman así.” (VILLORO, 2004a, p.463) É por isso que na obra querem

canonizá-lo, porém o seu espírito volúvel, voluntarioso, mulherengo, enfim, um

homem de carne e osso, cai do pedestal, sem que isso afete sua poesia.

O processo de mercantilização nega a memória, pois é sua função mesma

substituir o novo pelo anterior. Ao transformar López Velarde, no romance, em

mercadoria, fica claro esse processo de apagamento ocorrido com o poeta, como

mercadoria reificada “como substituto compensatório de tudo o que nele houve de

derrota, fracasso e miséria” (AVELAR, 2003, p. 238), que se tenta esquecer.

Julio Valdivieso volta ao México em meio à euforia dos que acreditam na

construção da democracia e no fim da ditadura priísta. No exterior, ele é especialista

nos Contemporáneos – uma geração que se perguntava em outro momento pelos

caminhos da modernização do México logo após a Revolução. Mas a existência de

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um arquivo familiar e o fato de um ser estudioso de literatura hispano-americana são

recursos que na narrativa colocam Valdivieso em condições de escrever um roteiro

televisivo e reconstruir a história de sua família, da Cristiada e de López Velarde.

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CAPÍTULO 3: LITERATURA E TESTEMUNHO EM EL TESTIGO

Villoro formula, en cada uno de los personajes principales de “El testigo”, lasmismas interrogantes: testigos subyugados que desean, cada uno por sucuenta, ser también subyugantes.

Oswaldo Zavala

El testigo, como o nome já indica, é uma obra que, de maneira

preponderante, faz uma indagação sobre a figura da testemunha e dos fundamentos

do ato testemunhal. Em consequência disso, a galeria de personagens que, no

romance, ocupa essa posição de testemunha, em sua diversidade, atesta sobre o

caráter problemático dessa figura.

3.1 Testemunho: ficção, poder e realidade

Numa primeira leitura do romance, pode-se interrogar por que se chama El

testigo, ou seja, A testemunha, se aparentemente não há nenhum crime, catástrofe

ou genocídio. No entanto, após algumas leituras, descobre-se que:

Não é preciso passar por uma catástrofe, no sentido geológico,biológico ou histórico, para reconhecer as contingências traumáticasda experiência, como se representa em obras e textos fundamentaisdo presente. O que aconteceu deixou marcas. As marcas deixamque o acontecido retorne, presumivelmente num outro modo, não sótraumático, nem reparatório. (NESTROVSKI E SELIGMANN-SILVA,2000, p.7)

Mas o que significa ser testemunha? Certamente não é preciso ter

atravessado um trauma ou uma catástrofe para testemunhar. Afinal, o testemunho é,

sem dúvida, uma prática discursiva, que apresenta um relato incompleto, não

totalizador, dos eventos traumáticos, sem necessidade de constatação, pois é:

o modo literário ou discursivo por excelência de nosso tempo e quenossa era pode ser definida precisamente como a era dotestemunho. “Se os gregos inventaram a tragédia, os romanos aepístola e a Renascença o soneto”, escreve Elie Wiesel (1977: p. 9),“nossa geração inventou uma nova literatura, a do testemunho”(FELMAN, 2000, p.18)

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A figura da testemunha está muito bem definida em outros campos, como

relata Villoro em uma entrevista a David Morán (2007): “está muy bien definida en

términos jurídicos, pero que en el resto de ocasiones es poco fiable, ya que es difícil

saber quién está capacitado para dar fe de algo.” (MORÁN, 2007, p. 1) No entanto,

essa certeza não está na literatura.

O termo em questão tem sido utilizado para referir-se a uma grande

quantidade de textos, desde as crônicas da conquista e colonização, passando

pelos relatos vinculados às lutas sociais, militares e até os textos documentais,

englobando não apenas os que relatam a trajetória de indivíduos de classes sociais

populares, mas também os textos literários mais complexos.

Na teoria literária, de modo geral, o conceito de testemunho se apresenta em

dois grandes campos de discurso. De um lado, está a noção fortemente ligada à

experiência histórica do eixo Europa e Estados Unidos em torno da Segunda Guerra

Mundial e da Shoah. Do outro, está a América Latina e, neste caso, o conceito tem

um peso muito mais de política partidária, com perspectiva de luta de classes, uma

convergência entre política e literatura, levando em conta, principalmente, a ditadura,

a repressão às minorias, a exploração e a submissão econômica da população.

Sendo assim, hoje se percebe que o conceito de testemunho é utilizado: “não

apenas para se tratar de sobreviventes da Shoah, mas também para sobreviventes

de outras guerras, de genocídios e para qualificar o discurso, ou contradiscurso, das

mulheres, das minorias, dos soropositivos, etc”. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p.86)

Cabe ressaltar que, inicialmente, a questão do testemunho foi discutida na

Europa a partir da famosa frase de Theodor W. Adorno em seu ensaio Crítica cultura

e sociedade, de 1949, no qual diz que: “escrever um poema após Auschwitz é um

ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de porque hoje se tornou

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impossível escrever poemas.” (ADORNO apud SELIGMANN-SILVA, 2005, p.86)

Com essa citação, observa-se qual é o ponto de partida da discussão sobre

testemunho na Europa e nos Estados Unidos, a qual passa, na maioria das vezes,

pelo assassinato de judeus.

Não cabe dúvida de que o século XX foi marcado por ditaduras e

totalitarismos, que deixaram um rastro de violência e morte: “Uma era das

catástrofes. (grifo do autor) Paralelamente a todas as práticas genocidas, segue um

processo de apagamento dessa história, de negação das práticas assassinas, seja

nos regimes totalitários ou ditatoriais” (ALVES, 2010, p. 105). Em outras palavras, há

uma tentativa de negação da violência, das torturas e dos assassinatos nos regimes

totalitários, como o nazismo e o fascismo, como também nas ditaduras de países

latino-americanos: Brasil, Argentina, Cuba, Chile, Uruguai, México, entre outros.

Sendo assim, o termo zeugnis (em alemão significa testemunho) apresenta

contorno diferente da noção de testimonio (testemunho em espanhol). O primeiro

leva em consideração a psicanálise e a história da memória, já o segundo é pensado

a partir da tradição religiosa da confissão, da hagiografia, do testemunho bíblico e

cristão, da tradição da crônica e da reportagem. (SELIGMANN-SILVA, 2002, p. 68)

Ao pensar nas principais características do discurso testemunhal no âmbito

germânico e hispânico, Seligmann-Silva apresenta cinco, que podem ser resumidas,

no caso germânico, da seguinte forma:

1) O evento: a Shoah aparece como evento central da teoria dotestemunho. [...] porque mais do que qualquer fato histórico, do pontode vista das vítimas e das pessoas nele envolvidas, ele não se deixareduzir em termos do discurso. 2) A pessoa que testemunha: anoção de testemunha primária normalmente é aplicada aosobrevivente. 3) O testemunho: literalização e fragmentação são asduas características centrais (e apenas a primeira vistaincompatíveis) do discurso testemunhal. Ele é ainda marcado poruma tensão entre oralidade e escrita. A literalização consiste naincapacidade de traduzir o vivido em imagens ou metáforas. [...] Afragmentação de certo modo também literaliza a psique cindida do

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traumatizado e a apresenta ao leitor. 4) A cena do testemunho: elatende a ser pensada antes de mais nada como a cena do tribunal: otestemunho cumpre um papel de justiça histórica. Nessa mesmalinha, o testemunho pode ser também servir de documento para ahistória. 5) A literatura de testemunho: a noção de literatura detestemunho é mais empregada no âmbito anglo-saxão – também sobo influxo dos estudos literários latino-americanos – do que no delíngua gemânica, onde se costuma falar de “Holocaust-Literatur”.(SELIGMANN-SILVA, 2002, pp. 71-73, grifo do autor)

Já o conceito de testemunho/testimonio no âmbito hispânico foi desenvolvido

a partir do início dos anos sessenta. Neste caso, a revista Casa de las Américas

teve um papel importante, pois foi ela que, em 1970, criou o “Premio Testimonio

Casa de las Américas.” (ALZUGARAT apud SELIGMANN-SILVA, 2002, p. 74) Essa

revista, criada com o objetivo de fazer uma ponte entre os países do continente,

surgiu a partir do Centro Cultural Casa de las Américas, fundado em 1959, ano, do

triunfo da Revolução em Cuba.

Desta forma, vários acontecimentos foram responsáveis pela consolidação da

literatura de testemunho na América Latina, como a Revolução cubana (1959), o

governo Allende e a ditadura chilena (1973), além do regime sandinista na

Nicarágua (1980). Diversos autores, no entanto, questionam essa classificação,

considerando o testemunho não um gênero literário, mas uma modalidade de

discurso referencial capaz de adotar formas literárias diversas.22

Sendo assim, tentando traçar um esquema paralelo ao que foi apresentado

para a literatura testemunhal da Shoah, Seligmann-Silva apresenta as

características da literatura de testimonio da forma como ela vem sendo refletida nas

últimas décadas:

22 Nesse grupo se insere Georges Tyras e Marcio Seligmann-Silva, este último em seu artigo“Testemunho e a política da memória: o tempo depois das catástrofes” comenta: “ao invés de se falarem “literatura de testemunho”, que não é um gênero, percebemos agora uma face da literatura quevem à tona na nossa época de catástrofes” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 85, grifo do autor).

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1) O evento: a literatura de testimonio antes de mais nadaapresenta-se como um registro da história. Na qualidade de contra-história ela deve apresentar as provas do outro ponto de vista,discrepante do da história oficial. 2) A pessoa que testemunha: aênfase recai na testemunha como testis, terceiro elemento na cenajurídca, capaz de com-provar, certificar, a verdade dos fatos. [...]Evidentimente o ponto de vista é essencial aqui e o testimonio éparte da política tanto da memória como da história. 3) Otestemunho: enfatiza-se o realismo das obras. [...] O testemunho éexemplar, não-fictício (nesse ponto, coincidindo com o testemunhoda Shoah) e é profundamente marcado pela oralidade. Esse últimoaspecto é particularmente importante na teoria do testimonio: essaliteratura nasce da boca e não da escritura, de uma populaçãoexplorada e na maioria das vezes analfabeta. 4) A cena dotestemunho: aqui prevalece a cena do tribunal. A estratégia realistaque pretende fundir literatura e tribunal encontra na figura da citação(que pode ser tanto literária quanto diante de um tribunal) odenominador comum. 5) A literatura de testemunho: Desde osanos 60 procura-se vincular a literatura de testimonio aos gêneros dacrônica, confissão, hagiografia, autobiografia, reportagem, diário eensaio. (SELIGMANN-SILVA, 2002, pp. 71-73, grifo do autor)

Ambas, Europa e América Latina, apresentam semelhanças, como o resgate

da memória e a tentativa de superação do trauma da violência, mas o diferencial

está na abordagem, pois o termo passa de uma reflexão sobre a função testemunhal

da literatura para a conceituação de um novo gênero literário: a literatura de

testemunho/testimonio.

Mas o que significa o testemunho nos dias atuais?

testemunho seria hoje em dia este registro bruto (liminarmentemimético) da prática não de um herói problemático, mas de umasituação coletiva problemática (BEVERLEY, 1996, p.27) e que,exatamente como a picaresca no século XVI, tem uma inserçãocomplicada no corpus literário é considerado um gênero extraliterárioou não literário. (PENNA, 2003, p. 330)

Observa-se, nesse trecho, a dificuldade para aceitar o testemunho como

gênero literário, destacando o trabalho de Beverley, que enumera as semelhanças

entre a picaresca e o testemunho, demonstrando que, assim como já ocorreu no

século XVI com aquele, também este passa pelo mesmo processo e:

Assim como hoje não temos problema em aceitar a novela picarescacomo literatura, também o testemunho será incluído no futuro dentrodo espaço literário num processo de expansão ou incorporação de

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suas margens, que já podemos comprovar em nossa época atravésdos avatares do testemunho na novelística contemporânea. (PENNA,2003, p. 330)

O termo testemunho é motivo de controvérsia, uma vez que desperta o

interesse de estudiosos de várias áreas do conhecimento, como a Teologia, a qual

estuda o testemunho como afirmação e revelação da fé, passando pelos estudos

jurídicos, os quais, para além das técnicas de entrevistas das testemunhas e dos

réus, estudam criticamente a própria possibilidade do testemunho, até a Psicologia,

que aborda o testemunho do ponto de vista comportamental e da narrativa da

situação traumática, sem se esquecer, porém, da Psicanálise, totalmente baseada

na situação dialógica da clínica, a qual apresenta o testemunho em seu centro e da

Etnologia, que desenvolveu técnicas de entrevistas com informantes, criando uma

vasta bibliografia. Finalmente, focalizem-se a Literatura e os Estudos Literários, em

cujos escritos o conceito de testemunho tem servido para repensar vários temas

desse vasto campo, como as fronteiras entre a ficção e o factual, a relação entre a

literatura e a ética etc. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 72)

Na prática cotidiana do testemunho, podem-se discernir com mais clareza o

uso jurídico e o uso histórico do termo em questão, conforme mencionado por Villoro

na entrevista a Morán (2007). A psicologia judiciária, por exemplo, apresenta um

formato científico para levantamento das provas básicas. O teste supostamente

permite medir a confiabilidade do espírito humano, no que diz respeito às operações

propostas. Esse modelo, porém, não pode ser utilizado quando se trata de uma

testemunha literária.

Considerem-se as acepções dadas pelo filósofo italiano Giorgio Agamben em

O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (2008), texto com o qual,

notadamente, Juan Villoro dialoga em El testigo. Nesse caso, há dois termos em

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latim para representar etimologicamente o vocábulo testemunha. O primeiro é testis,

significando aquele que se põe como terceiro em um processo entre duas partes,

enquanto o segundo, superstes “indica aquele que viveu algo, atravessou até o final

um evento e pode, portanto, dar testemunho disso. (AGAMBEN, 2008, p. 27)

Já o tradutor e crítico literário Márcio Seligmann-Silva, no artigo “Testemunho

e a política da memória: o tempo depois das catástrofes” (2005), destaca a ligação

do termo testemunho com a cena jurídica de um tribunal, sendo originário do grego

mártir, martur – aquele que dá fé de algo. E, segundo Benveniste, citado por

Seligmann-Silva, tanto a testemunha quanto o testemunho estão vinculados à visão.

Benveniste recorda também que “[...] o sânscrito vettar tem o mesmo sentido de

testemunha (téimon) e significa ‘o que vê’”. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 80).

Considerando que o que vê testemunha, aproxima-se tanto da historiografia

como da cena do tribunal. O modelo de superstes tem a audição e não a visão em

seu centro. Desta forma, tanto testis como superstes são importantes, e não se deve

pensar o testemunho com esses sentidos separados, “assim como não se deve

separar a historiografia da memória. Devemos aceitar o testemunho com seu sentido

profundamente aporético”. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 80)

Cabe ressaltar que Seligmann-Silva difere de Agamben, pois este considera

que a testemunha verdadeira, “as testemunhas autênticas foram os mortos”

(AGAMBEN, 2008, p.16), somente eles poderiam contar o horror, mas, por definição,

não podem falar. Enquanto que, para o crítico brasileiro, não se deve valorizar um

modelo sobre o outro, ou seja, o superstes pelo testis, pois implicaria em uma

negação da possibilidade de testemunhar. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 81)

Desta forma, destaca-se que juridicamente existem várias qualidades de

testemunha, sendo as principais: abonatória – que assina em abono da firma de

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outra; a auricular – que depõe sobre fatos por ouvir dizer; a de acusação – que

depõe contra o processado; de defesa – que depõe a favor do processado; ocular –

que depõe sobre um fato presenciado e outros. (BUSTAMANTE, 1994, p. 63,

tradução nossa) Há ainda a testemunha suspeita que “é a condição daquele que,

por motivo de condenação em crime de falso testemunho; por ser indigno de fé em

razão de seus costumes ou por interesse no litígio, não pode depor como

testemunha”. (SIDOU, 1991, pp.558-559)

No entanto, em relação ao testemunho literário, destaca-se a tipologia

apresentada por Anselmo Peres Alós, em seu artigo “Literatura de resistência na

América Latina: a questão das narrativas de testimonio” (2008), no qual, baseado na

obra de Elzbieta Sklodowska, mostra os principais traços do testemunho, dentre os

quais, quatro são considerados relevantes: os documentos antropológicos – quando

a narrativa-testemunho apropria-se principalmente de histórias de vida; a crônica

periodística documental – que tem como pressuposto o re-ordenamento de fatos

jornalísticos a partir de uma visada ficcionalizante; a literatura autobiográfica ou

memorialística – que apresenta principalmente características confessionais da

autobiografia e o Bildungsroman, que traz sua colaboração através de duas vias. A

primeira, tal como a narrativa memorialística, é a narrativa confessional; a segunda

apresenta a ideia de formação. (ALÓS, 2008, p. 4)

Outro aspecto importante é o grau de credibilidade da testemunha, que, em

relação ao Direito, apresenta procedimentos formais bastante elaborados, capazes

de determinar o valor do testemunho perante um tribunal. Em um interrogatório, por

exemplo, não se podem fazer perguntas afirmativas, pois elas devem ser claras e

concretas. Também não se pode fazer referência de caráter técnico às testemunhas

não expertas no que se refere ao assunto discutido.

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Quem pode ser testemunha? Em termos jurídicos, praticamente, todos. No

Direito anglo-americano, isso inclui as partes, os expertos, as crianças e até as

pessoas insanas; porém os critérios que estabelecem a credibilidade são bastante

restritos.

Quanto ao uso literário do termo “testemunho”, está carregado por conotação

de litígio, e as realidades silenciadas são, sem dúvida, o referente. No entanto, a

diferença entre o testemunho judicial e o testemunho textual, aparentemente, é que

este não é forçado a testemunhar e, se o faz, é porque acredita na efetividade do

seu ato. Assim, a validade do testemunho literário, principalmente na América

Latina, segue um critério que caminha na contramão da História oficial, quando as

vozes desprezadas pelo prestígio social, como as mulheres, os operários, os

escravos etc, são aportados pela literatura, em sua maioria, através de um mediador

letrado.

Ao se abordar a um termo como o testemunho em literatura com o intuito de

tratar de uma testemunha ficcional num contexto ficcional, mas referindo-se, o tempo

todo, aos acontecimentos do mundo real, coloca-se em questão a fidedignidade da

testemunha e a possibilidade de se é preciso ter visto ou ter passado por um evento

traumático para ser testemunha. Neste caso, é importante salientar que o objetivo

aqui não é questionar o ato de testemunhar per si ou a literatura testemunhal

daqueles que atravessaram um evento traumático como a Shoah ou os períodos

ditatoriais, mas dos que não passaram pelo evento e, no entanto, são chamados a

testemunhar, não apenas eventos do passado traumático coletivo, mas também do

momento atual, estando dentro ou fora desse. Ou seja, aqueles que são instigados a

prestar testemunho do passado para o presente através de uma reavaliação das

questões envolvidas.

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Ricardo Piglia em 2007 visitou México e, numa conversa com Juan Villoro,

travaram, entre outros temas, uma discussão sobre ficção e realidade, enfatizando a

questão do romance histórico e o uso da história no romance. Nesse encontro,

ambos tomaram como base a obra e os conceitos do escritor argentino Juan José

Saer. (VILLORO y PIGLIA, 2007, p. 2). Villoro comenta a respeito da diferenciação

que Saer faz em El concepto de ficción (1997) sobre realidade e ficção, ao dizer que

“no se trata de una diferencia equivalente a la de la verdad y la mentira, sino que la

ficción es otra forma de lo real” (VILLORO y PIGLIA, 2007, p. 2). E segue,

explicando que a ficção não precisa ser verificada, já que nela se pode acreditar sem

ter que comprovar. El testigo passa por esse conceito, pois relata algumas

passagens da história, como a Revolução mexicana e a guerra cristera, e, mais

recentemente, as eleições presidenciais de 2000, mas, por se tratar de ficção, pode-

se acreditar que é verossímil, sem necessidade de comprovação.

Então, pode-se dizer que a literatura não é mera imitação do mundo e que a

diferença entre ficção e não-ficção não é uma oposição entre mentira e verdade,

mas que a ficção forma parte do que é “real”, não devendo ser confundida com a

“realidade”, tal como no romance realista e naturalista. Retomando aqui a acepção

de trauma na psicanálise através de Freud e de Kant, o “real” é representado na

literatura de testemunho a partir de uma ferida na memória, ou seja, a chave

freudiana do trauma. Esse conceito mostrou-se eficaz para a atual teoria da história

(e da literatura) justamente porque problematiza a possibilidade de um acesso direto

ao “real”, pois revoluciona a concepção do mesmo (NESTROVSK e SELIGMANN-

SILVA, 2000, p. 84-87). Como resultante, surge a “literatura de trauma” de um

evento que resiste à representação, pois se trata de representar o irrepresentável,

de dar forma ao que transborda a capacidade de pensar.

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A tensão que circula entre a literatura e sua dupla relação com o “real” de

afirmação e negação encontra-se no cerne do testemunho, pois Literatura e

Testemunho só existem no espaço entre as palavras e as “coisas”, levantando

sempre a possibilidade de dúvida, de ficção, de perjúrio ou de mentira. Mas quando

se elimina essa possibilidade, o testemunho não tem mais sentido. (SELIGMANN-

SILVA, 2003, p. 374)

Cabe ressaltar que não se trata de transgredir a verdade ou de iludir o leitor:

La ficción, desde sus orígenes, ha sabido emanciparse de esascadenas. Pero que nadie se confunda: no se escriben ficciones paraeludir, por inmadurez o irresponsabilidad, los rigores que exige eltratamiento de la “verdad”, sino justamente para poner en evidenciael carácter complejo de la situación, carácter complejo del que eltratamiento limitado a lo verificable implica una reducción abusiva yun empobrecimiento. (SAER, 1997, p. 107)

Há também algumas obras que incorporam “o falso” de maneira mais

deliberada, como é o caso de Literatura nazi en América (2004), do escritor chileno

Roberto Bolaño, que se apresenta em forma de um dicionário, com fontes falsas,

falsos escritores e confusão de dados históricos. É importante, porém, destacar que

não “lo hacen para confundir al lector, sino para señalar el carácter doble de la

ficción, que mezcla, de un modo inevitable, lo empírico y lo imaginario” (SAER, 1997,

p. 107).

Na tese de Maria Madalena Rodrigues (2006) sobre ficção, história e

testemunho, a autora propõe uma pergunta para separar as fronteiras entre a

história e a ficção, “pode o historiador abandonar, por completo, a ficcionalização,

dos eventos, e reproduzi-los sem a interferência de seu imaginário?” (RODRIGUES,

2006, p. 70). A resposta a essa pergunta envolve aspectos problematizados tanto

pela teoria literária quanto pela historiografia e, após longos aportes teóricos, pode-

se concluir de forma resumida que a oposição não se dá entre mentira e verdade,

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mas sim do compromisso do que pode ou não ser verificado, pois, muitas vezes, a

realidade descrita nem sempre é a realidade literária.

Sendo assim, El testigo apresenta uma problematização da figura da

testemunha, que percorre toda a obra, uma vez que indiretamente se indaga se é

preciso ter vivido o horror para ser testemunha. O México não passou por uma

ditadura como outros países latino-americanos, mas isso não significa que não

tenha atravessado um duro período de repressão e violência. Deste modo, o

testemunho é também, nesse romance, uma forma de reunir fragmentos do passado

(que não passa), uma maneira de dar nexo a um determinado contexto.

(SELIGMANN-SILVA, 2005, p.87) Na obra, Julio Valdivieso, o protagonista, que

havia deixado o país há vários anos, é convocado a dar testemunho do período em

que esteve fora. Todos os outros personagens o consideram a verdadeira

testemunha, uma vez que, para este, só pode dar testemunho quem vivenciou todo

esse período.

É importante lembrar que, no romance, são muitas as figuras que podem ser

lidas como testemunhas. No entanto, essa aproximação ocorre apenas com os

personagens que disputam o poder de reinterpretação da realidade e do passado

histórico no México contemporâneo.

3.2 Julio Valdivieso

A constelação de personagens de El testigo apresenta como protagonista

Julio Valdivieso, que compartilha as iniciais do nome e a idade com Juan Villoro. É

professor de Literatura Hispano-americana, especialista nos poetas do grupo

Contemporáneos, trabalhando na Universidade de Nanterre-França, cenário da

explosão estudantil de 1968. Valdivieso deixou seu país natal num exílio voluntário

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em meados dos anos 70, período de grande conflito no México após o massacre de

Tlatelolco. Regressa, em seu ano sabático, com uma bolsa de estudos da Casa del

Poeta – uma instituição cultural patrocinada pelo governo, dedicada à obra de

Ramón López Velarde. Ter como protagonista esse personagem é, sem dúvida, um

bom caminho para falar de literatura, o que permite a introdução de diferentes

recursos.

Valdivieso, que vaga como um sonâmbulo, tem o olhar perplexo para sua

própria pátria, uma vez que não pode enfrentar a realidade como tal, pois, para ele,

trata-se do realismo mágico, havendo, neste caso, muita dificuldade para diferenciar

a ficção da realidade.

Jean Pierre Leiris, o companheiro francês da Faculdade onde Valdivieso

leciona, funciona como uma espécie de consciência crítica do protagonista que,

desde o início do romance, faz reclamos revolucionários ao protagonista,

conclamando-o à responsabilidade para com a nação nesses novos tempos

democráticos.

O narrador de El testigo está sempre refletindo sobre o que acontece ao seu

redor, um raisonneur. O próprio Villoro já declarou em entrevista que sua narração

costuma ter esse formato: “En todo lo que escribo la narración ocurre en dos

velocidades: la acción y el comentario sobre la acción”. (VILLORO apud BRADU,

2005, p.1)

A narrativa está composta de maneira tradicional e contemporânea ao mesmo

tempo, pois tem um narrador onisciente em terceira pessoa, uma divisão em

capítulos, não apresentando, portanto, uma ruptura abrupta com a narrativa do

boom, ao contrário da narrativa de testemunho tradicional, quando ocorre a narração

em primeira pessoa, com um discurso mediado por um intelectual para dar voz ao

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discurso do subalterno. No entanto, é, ao mesmo tempo, contemporânea, pois

aparece claramente no romance uma eliminação de fronteiras entre o erudito e o

popular, remetendo a um hibridismo de culturas causado, principalmente, pela

interferência da comunicação de massa, representada pela telenovela “Por el amor

de Dios” e da erudição com a introdução dos textos do poeta mexicano Ramón

López Velarde. Tudo isso, numa clara combinação de poetas malditos e estrelas de

televisão, misturando a alta e a baixa cultura, com cenários que vão desde palácios

na embaixada a ranchos paupérrimos no deserto.

É importante perceber que aparece uma cuidadosa linguagem genuinamente

mexicana, “cheia de gírias”, reforçando a caracterização dos personagens e do

ambiente a que pertencem, dentro de uma narrativa que mistura diálogos,

intertextualidades, reflexões e, principalmente, personagens que não podem ser

classificados como heróis ou vilões, pois estão todos encharcados de todos os

males, e não há certeza de nada. Tudo isso reforça essa não ruptura de Juan

Villoro, que é grande admirador de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, como se

pode observar desde as primeiras páginas do romance, fato também declarado

recentemente em entrevista a uma revista argentina:

Cortázar fue un autor al que yo leí como libro de autoayuda, con unaidolatría absoluta, sin distanciarme de él, queriendo enamorarme deLa Maga, irme a vivir a París, fumar tabaco oscuro, oír discos dejazz... Yo quería ser un personaje de Cortázar. Nunca pensé queestaba distanciándome de su escritura. (VILLORO apud ARIAS,2008, p.1)

Partindo, então, de Valdivieso, um escritor fracassado, cuja carreira terminou

antes de começar, pode-se confirmar a predileção de Villoro pelos personagens

derrotados, os quais perpassam sua obra, já que o fracasso é “ uma das chaves de

sua escritura ao longo de sua carreira.” (PATÁN, 2011, p. 177) Esse fato determina

o ângulo da narração, uma vez que se percebe a presença do fracasso em todos os

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personagens. Afinal, eles não têm princípios, nem moral e, muito menos valores. O

protagonista, viciado em drogas, torna-se um respeitado especialista em poetas

esquecidos através do roubo de uma tese e passa a participar de um perigoso jogo

duplo, prometendo para grupos rivais o que não pretende cumprir. Diante desses

fatos envolvendo um professor, é natural que se pergunte onde está sua ética e o

que ocorreu com seus valores e princípios.

Em seu artigo A crise da ética (2001), Emmanuel Carneiro Leão destaca que

“Não vivemos apenas uma crise de ética. Vivemos a radicalidade da crise.” (LEÃO,

2001, p.5) Há uma crise de regras, de valores, de parâmetros e de princípios, com a

economia se configurando como o valor preponderante no lugar da ética. Como

resultante disso, é evidente que o dinheiro tornou-se o elemento capaz de fazer

esquecer os princípios mais importantes para a formação do ser humano. Mas

adiante, Leão destaca: “Não é difícil perceber que nenhuma ética poderá sobreviver

a esta atropelada do valor econômico.” (LEÃO, 2001, p.7)

O protagonista sofre, tenta entender quem realmente é, procura suas raízes e

chega a estranhar seu próprio nome, refletindo:

“En cambio, su propio nombre, escrito en la tarjeta de registro delhotel, le produjo repentina extrañeza: «Julio Valdivieso», leyó ensilencio, como si tuviera que cerciorarse de que regresaba enrepresentación de sí mismo.”(VILLORO, 2004a, p. 15).

Julio Valdivieso é apaixonado por sua prima Nieves, um amor extraviado que

o consome em segredo: “Durante su primera década en Europa recibió pocas

noticias de Nieves, hasta que ella murió en la carretera. La noticia lo devastó, pero ni

así habló de ella” (VILLORO, 2004a, p. 42). Esse amor percorre toda a narrativa, e

era com ela que pretendia fugir para se casar na Itália. No entanto, no dia marcado,

ele confundiu o local e nunca soube se sua prima havia ido ou não ao encontro.

Quando o romance se inicia, ele já é casado com a filha de seu antigo orientador,

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Paola, italiana, tradutora de Best sellers, figura que ajuda a divulgar no exterior a

imagem de um país exótico, uma vez que os escritos vão desde as Cartas de

relação de Hernán Cortés, passando pela presença dos surrealistas (André Breton e

Antonin Artaud), pelas gravuras de José Guadalupe Posada, por El laberinto de la

soledad, de Octavio Paz, até a presença do tráfico. Essas imagens, no entanto, pelo

que sugere a constelação de personagens criada no romance de Villoro, pouco

contribuem para o debate sobre o país.

É relevante destacar também que, além de Nieves e Paola, Valdivieso,

durante a obra, relaciona-se com várias prostitutas. E no final do romance, através

de um telefonema, termina sua relação de doze anos com a esposa, mantendo um

relacionamento amoroso com Ignacia, uma jovem muito pobre. Ela vive numa tapera

no deserto do México com seus três filhos, não tem marido, e a cidade suspeita que

os filhos dela sejam fruto do relacionamento com o Padre Monteverde.

Outro personagem importante é o pai do protagonista, Salvador Valdivieso.

Ele era o principal especialista do país na figura jurídica da testemunha, fato que o

filho somente toma ciência durante a homenagem póstuma recebida em um discurso

na Faculdade de Direito da UNAM, na qual Salvador lecionava. Julio Valdivieso fica

sabendo também que, depois da tese de licenciatura, seu pai havia ocupado a vida

inteira para tentar responder esta pergunta: “¿Qué requisitos legales se necesitan

para que alguien rinda confiable testimonio de los hechos?” (VILLORO, 2004a,

p.249)

Salvador Valdivieso era um desconhecido para o filho, e fatos muito

importantes de sua vida somente vieram à tona após sua morte repentina por um

aneurisma. De todos eles, o que mais perturbou Julio foi o de ter descoberto que seu

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pai também havia tido um amor extraviado com Teresa, a mulher com quem seu pai

havia passado toda a vida como se fosse um vizinho invisível.

Julio Valdivieso é um personagem eticamente ambíguo, pois se compromete

com o padre Monteverde, dizendo que o apoiará no processo de canonização de

López Velarde. Entretanto, promete o oposto para os companheiros da Casa do

Poeta, visto serem estes radicalmente contra tal ideia. É também uma figura de

moral duvidosa, que põe em xeque a fidedignidade da testemunha, pois sua

convocação está baseada em documentos de sua família, visto esses poderem

comprovar o milagre do qual o padre necessita. Entretanto, não há nada consistente

em relação a esse fato, e seu saber não é suficiente para que se possa extrair algum

valor capaz de, no México posterior ao ano 2000, conduzir uma discussão a respeito

de tal assunto.

Valdivieso é um protagonista notavelmente passivo, com um olhar sempre

sério e melancólico. E isso é utilizado pelo autor como pretexto para denunciar a dor

que um exilado sente ao voltar às suas origens e constatar que tudo permanecia

igual, ou pior do que quando havia partido, ou seja, um país dividido por diferenças

econômicas, por convicções políticas e religiosas e por cartéis de drogas. Além

disso, ele descobre que atrás da telenovela (e de seu financiamento) estão os

narcotraficantes. Como diz o personagem Vikingo: “cualquier dinero tiene que ver

con el narco. Así funciona este pinche país. La droga mueve tanta lana como el

petróleo en un buen año”. (VILLORO, 2004a, p. 163)

Juan Villoro, no artigo intitulado “Carnaval y apocalipsis” (2010), menciona

que o dinheiro que circula no México vem geralmente de três fontes que complicam

a ideia de patrimônio: do narcotráfico, das remessas de imigrantes e do petróleo. É

sabido que essas fontes não são duradouras, como comenta o autor de El testigo:

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El petróleo no es renovable y a falta de una política a largo plazo sediscute su privatización; los paisanos que mandan dinero son laprueba del fracaso de una nación que no pudo retenerlos (llegará elmomento en que todos sus parientes estén del otro lado y no tengana quién mandarle dólares, o sólo mandarán los que sirvan paramantener las tumbas de sus antepasados); el crimen organizadocontrola más pistas de aterrizaje que la aviación civil (no sólo está almargen de la fiscalización, sino que se ha apoderado del cielo quelos mayas escrutaban para planear sus siembras). El dinero no esresultado del desarrollo; sigue rutas evanescentes, transitorias osecretas, determinadas por el petróleo, la emigración y el narco.(VILLORO, 2010, p. 27)

Villoro apresenta em El testigo uma visão crua e desesperançada do México

atual, o qual, após décadas com o PRI no poder, sonha conseguir se aproximar do

modelo democrático do ocidente. Com muita precisão, o olhar do autor abarca uma

sociedade que vai desde os empregados mais comuns de uma fazenda, os

chamados domésticos, a magnatas do mundo da comunicação.

O olhar dos protagonistas nas obras de Villoro aparece desde seu primeiro

romance, El disparo de argón (1991). Ele já declarou em entrevista que lhe interessa

muito a literatura como registro óptico: “Cuando la literatura está funcionando

verdaderamente, no vemos las letras ni las palabras, sino las imágenes. Lo verbal

viene como consecuencia” (VILLORO, 1997, p. 122).

Nesse contexto, observa-se que Valdivieso dialoga com a definição de testis

presente na obra de Agamben (2008), respeitando a devida distância, pois o filósofo

italiano fala da testemunha no caso limite, a Shoah. Nesse caso, conforme já

mencionado, a testemunha é alguém fora dos fatos, mas que deve narrá-los. Essa

distância, por si mesma, já comporta uma limitação e, ao mesmo tempo, supõe uma

obrigação. Villoro, em entrevista a Fabienne Bradu, comenta:

un testigo de interés cuestiona su propia fiabilidad, en qué medidapodemos rendir testimonio genuino de lo que vemos, puesto que sonnuestros anhelos, nuestros nervios, nuestros prejuicios los que noshacen ver determinada manera. [...] Cualquier testigo mínimamentehonesto cuestiona si las cosas ocurrieron realmente como las vio. [...]

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es difícil que alguien diga: “soy el testigo certero” (VILLORO apudBRADU, 2005, p. 1)

A figura da testemunha ganha relevada importância dentro desse contexto,

pois os personagens que ficaram exigem que Julio Valdivieso, a quem consideram a

testemunha perfeita – um testis –, dê testemunho de algo que não viveu, uma vez

que não estava em seu país. Eles acreditam que, devido ao fato de ser um experto,

um perito, tem uma posição privilegiada diante de quem ficou, enquanto que, para

Valdivieso, as testemunhas perfeitas são aquelas que permaneceram em seu país,

os sobreviventes – superstes –, pois somente eles viram no que o país se havia

transformado. Em meio a tudo isso, quem pode ser a testemunha perfeita? É preciso

ter visto, ter vivido, ter passado por um evento traumático para testemunhar? Nas

últimas páginas do romance, Valdivieso reflete sobre o posicionamento dos que

saíram e dos que permaneceram:

la gente se divide entre los que se van y los que se quedan, los queviven para una constancia y una repetición y los que necesitan unaire siempre extranjero, un idioma en el que encajan palabrasinseguras, la falta de pertenencia como mayor seguridad. (VILLORO,2004a, p. 434)

Valdivieso é testemunha desse tempo de conflito, porém não é uma

testemunha de primeira hora, nem uma vítima pessoal dos problemas econômicos e

políticos que aconteceram no México enquanto esteve fora: ele é uma testemunha

distanciada, um “testis tardio” (RODRIGUES, 2006, p. 112), que assiste como

espectador e participa como especialista. Na verdade, ele é uma testemunha num

contexto ficcional, que dá seu testemunho num momento posterior, contribuindo

para criar uma reflexão a respeito das sequelas deixadas pelos eventos traumáticos

de seu país. Ele é aquele que chega atrasado à cena, aquele que tem a

oportunidade de exercitar um olhar retrospectivo e analítico, mas também

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prospectivo, pois pode lançar perguntas ao passado com vistas às perguntas

abertas pelo presente.

Mesmo o romance propondo, desde o começo, um rompimento na história

dos últimos oitenta anos, a partir da perda nas eleições por parte do PRI, percebe-se

que tudo está ancorado no passado e que o futuro é apenas uma reatualização do

que já ocorreu. A história pessoal e familiar de Valdivieso se confunde com a

nacional, num híbrido de realidade, ficção e metaliteratura, estabelecendo um

processo que questiona e incomoda a História do país. Ele é um personagem

complexo, cheio de incertezas e dúvidas, assim como o romance, pois: “Su nombre

no venía de un mártir sino de alguien que miraba el mundo como si sobrara”.

(VILLORO, 2004a, p. 209)

Julio Valdivieso não voltou ao México para julgar, já que não tem autoridade

para isso, e muito menos para ser julgado: “parece que lhe interessa apenas o que

torna impossível o julgamento, a zona cinzenta na qual as vítimas se tornam

carrascos, e os carrascos, vítimas.” (AGAMBEN, 2008, p.27). Ele vive há muitos

anos na Europa, tendo reduzido voluntariamente seu campo de estudo para se

esconder. Por um amor extraviado, pelo escritor que não foi e por ausências e

frustrações, define-se como um perdedor. É então convocado por todos os outros

personagens para ser a testemunha perfeita: “Eres el testigo perfecto; ni siquiera

eres creyente” (VILLORO, 2004a, p. 270), comenta o personagem Félix Rovirosa, se

é que a testemunha perfeita realmente existe.

Valdivieso é convocado por ser um especialista, um perito, não em López

Velarde, mas no grupo que o rodeava, os Contemporáneos. Ele se tornou um

experto através do roubo da tese de um estudante uruguaio morto durante a

ditadura militar naquele país e a utilizou para conseguir uma bolsa de doutorado na

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Itália. Escreveu um único conto bom em toda sua vida, Rubias de sombra, e foi

justamente a desconfiança de Félix Rovirosa em relação a esse prodígio que o levou

à tese roubada.

No entanto, não há posição privilegiada, pois todos são convocados a

testemunhar. E num país onde a corrupção domina importantes grupos de poder,

não há a auratização de classes ou grupos. Deste modo, se Valdivieso é

considerado por todos um testis e, portanto, a testemunha mais importante, todos

seriam considerados superstes, sobreviventes, e, por isso mesmo, aptos a

testemunhar. Retomando Seligmann-Silva (2005), não se deve valorizar um

paradigma sobre o outro, deve-se entender o testemunho “na sua complexidade

enquanto um misto entre visão, oralidade narrativa e capacidade de julgar: um

elemento complementa o outro, mas eles se relacionam também de modo conflitivo”.

(SELIGMANN-SILVA, 2005, pp.81-82)

Com exceção de Valdivieso, todos os outros personagens são figuras

comprometidas ideologicamente e estão vinculadas a um saber institucionalizado,

como, por exemplo: Padre Monteverde (Igreja); Vikingo e Felix Rovirosa (mídia); e

Constantino Portella (narcoliteratura). Grupos que no México pós TLCAN, logo

depois da queda do PRI, reivindicam com mais força o poder de representação.

3.3 O vínculo com a Igreja

A problemática religiosa percorre todo o romance, e um documentário sobre a

Guerra Cristera foi inspiração para Villoro escrever o romance. Leve-se em conta

que ele havia acabado de traduzir Graham Greene23, e que, como se pode observar

23 Graham Greene (1904-1991) autor britânico que publica Camino sin ley (1938) um livro de crônicastraduzido por Villoro pouco antes de publicar El testigo. Não é que esta obra tenha servido deinspiração para o romance, mais foi uma maneira de se aproximar do assunto, como declara Villoro

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no próprio romance, havia lido também La cristiada de Jean Meyer24: “el libro que

durante años fue la solitaria vindicación de la insurrección católica en la academia”

(VILLORO, 2004a, p. 54). A reconhecida obra é citada por García Dávalos (2009),

que afirma ser possível ler a Cristiada como a Ilíada: “Uno puede sentirse griego o

troyano, no dejará de probar una emoción profunda al leer cada uno de los episodios

de esa epopeya que pertenece al patrimonio de la humanidad” (GARCÍA DÁVALOS,

2009, p. 280).

Mas por que um tema esquecido como a Cristiada se tornou pano de fundo

para duas obras no mesmo ano (2004), Una ventana para el norte do escritor

espanhol Álvaro Pombo e El testigo, de dois escritores tão diferentes, em pleno

século XXI? Ao analisar-se a obra de Pombo, percebe-se que ela apresenta outro

enfoque: uma jovem inconformista pertencente à sociedade santanderina, que se

muda para o México no final dos anos 20 do século passado. Já em El testigo, o

protagonista, Julio Valdivieso, é um cético, ajudado também pela pouca credibilidade

do tema da telenovela sobre os cristeros, chamada Por el amor de Dios, e a

beatificação do poeta católico carregado de dualidades por ter vivido entre o

religioso e o profano, Ramón López Velarde. Os dois romances, entretanto, retomam

essa rebelião esquecida pela historiografia do México durante longos anos, tornando

a literatura de tema cristero fundamental para a compreensão da literatura mexicana

desse período. Esse tema, entretanto, por tanto tempo negado e repleto de lacunas,

criou motivações para que esse acontecimento fosse resgatado inúmeras vezes pela

“En esa obra, Greene critica la persecución religiosa y la comunidad mexicana. Pero muchas veceslos viajeros escriben desde de el desconocimiento” (ASTORGA, A. p. 1, 2004).24 Jean Meyer (1942) historiador mexicano de origem francesa que nasceu em Nice (França). Em 11de setembro de 1971 defende sua tese de doutorado na Sorbone com o título: La Christiade: societéet idéologie dans le Mexique contemporain (1926-1929), que depois foi publicada pela Editora SigloXXI em três volumes entre os anos de 1973 e 1974, sob o título de La Cristiada. (GARCÍA DÁVALOS,2009, p. 279)

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literatura e continuasse sendo no início do século XXI. Álvaro Ruiz Abreu, em seu

livro La cristera, una literatura negada (2003) destaca que:

Y la Guerra Cristera, a su vez, dio origen a una literatura, como elcuento y la novela, la crónica y las memorias, el teatro, la canciónpopular y la autobiografía, que no se había visto antes en México. Elescritor que se interesó por los cristeros fue primero testigo,participante muchas veces en ese conflicto, el novelista que sintió elcompromiso de “relatar” esa historia; (RUIZ ABREU, 2003, p. 77)

“La historia ocurre dos veces” disse Hegel, e depois Marx acrescenta “la

primera como tragedia, luego como telenovela” (VILLORO, 2004a, p. 37). Com essa

citação, Villoro inicia a abordagem sobre a Guerra Cristera em El testigo, de maneira

quase cômica, fazendo a reinterpretação kitsch e novelesca da Cristiada, através de

um protagonista herdeiro de fazendeiros com simpatia pelos cristeros, cuja história

da família se mistura com a desse violento massacre.

Desta forma, Villoro aborda um tema difícil e recentemente estudado do ponto

de vista histórico, ou seja, numa mistura de realidade e ficção, ele rememora uma

guerra religiosa, enlaçando o fanatismo e a religiosidade dos narcotraficantes.

Cristiada ou Cristera ou Guerra Cristera consistiu num conflito armado que se

prolongou entre os períodos de 1926 a 1929 e, posteriormente, entre 1934 a 194125.

Foi um assunto durante muito tempo esquecido por historiadores, silenciado por

políticos, negligenciado pela crítica literária e renegado pelos eclesiásticos. De um

lado, um exército composto em sua maior parte pelos camponeses pobres,

descamisados e mortos de fome do Centro-Oeste do país, apoiados por

organizações católicas que resistiram à aplicação da legislação e de políticas

públicas orientadas para restringir a autonomia da Igreja Católica. Do outro, as

tropas federais e os agraristas, ou seja, camponeses beneficiados pela reforma

25 As datas de início e término da Guerra Cristera, principalmente da Segunda são confusas. Aqui nosbaseiamos na tese de doutorado de Antonio Avitia Hernández defendida no México em 2006, a qualteve como orientadora Dra. Andrea Olivia Revueltas Peralta e em sua banca entre outros o Dr. JeanMeyer. (AVITIA HERNÁNDEZ, 2006, p. 3)

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agrária, os quais combateram ao lado do Estado contra os católicos. Esse conflito

está relacionado aos desdobramentos da Revolução Mexicana de 1910 e, embora

alguns sacerdotes incitassem o embate, a Igreja Católica, oficialmente, não apoiou

os cristeros, que serviram “de peones en el tablero donde juegan el Estado y la

Iglesia” (MEYER, 2008, p. 65).

Ressalte-se aqui que o acirramento dos ânimos entre a Igreja Católica e o

Estado mexicano intensificou-se após a promulgação da Constituição de 1917, uma

vez que esta continha artigos com o objetivo de reduzir a influência da Igreja

Católica na sociedade mexicana. Apresentava, entre outras ideias, a proposta de

uma educação laica nas escolas, a proibição dos cultos fora da Igreja, a restrição

dos direitos de propriedade de organizações religiosas e a retirada de direitos civis

básicos dos padres e líderes religiosos, como: o direto ao voto, a proibição de usar

seus hábitos e comentar assuntos da vida pública na imprensa.

Cabe ressaltar que, desde a colonização da Nova Espanha, o clero católico

teve uma participação direta e efetiva no contexto educacional, com a fundação em

1544 da “Pontifícia Universidad de México, uma das primeiras do Novo Mundo, a

qual se dedicou à formação de intelectuais especializados na dominação ideológica”

(CUNHA, 1992, p. 1). Exerceu, também, uma vigilância sobre a população, punindo

os que abjurassem a Deus e aos santos. Além do mais, construiu templos católicos

sobre as pirâmides astecas e maias e destruiu documentos escritos até então.

No entanto, o objetivo de laicizar o México já havia sido proposto pelo

pensamento político liberal desde a Constituição de 1857, com longa disputa entre a

Igreja Católica, grupos conservadores e camponeses católicos. Apesar disso, o

governo de Porfirio Díaz evitou o confronto direto e a aplicação de todos os artigos

anticlericais presentes na Constituição. Entretanto, com a Revolução, o fim do

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porfiriato e a promulgação da nova Constituição de 1917, os confrontos se

acirraram. Após um período de resistência pacífica e a eclosão de pequenos

conflitos, teve início uma rebelião formal no dia 1 de janeiro de 1927, sob o lema:

“Viva Cristo Rey”, em represália ao decreto de 2 de julho de 1926, no qual o

presidente Plutarco Elías Calles (1924-1928), fundador do Partido Nacional

Revolucionario (PRN), que posteriormente se transformaria no (PRI), abandonou as

políticas religiosas de governos revolucionários de Venustiano Carranza (1917-1920)

e Álvaro Obregón (1920-1924) e reformou o Código Penal. Esse novo Código

“embasado na Constituição, tipificava os crimes religiosos de padres e clérigos que

criticassem as leis ou o governo teriam de um a cinco anos de prisão” (SILVA, P,

2008, p. 2). Este conflito se estendeu por “Bajío, Colima, Michoacán, Nayarit,

Durango, Zacatecas, Aguascalientes, Guerrero, Morelos e Oaxaca”. (MEYER, 2008,

p. 8)

A Cristiada chega a um fim aparente em 1929 com os arreglos, ou seja, os

acertos entre a cúpula da Igreja Católica e o Estado. O conflito, porém, retorna em

1934 no governo de Lázaro Cárdenas, sendo conhecido como a Segunda Guerra

Cristera ou Segunda e “tem como um dos objetivos questionar o programa de

educação socialista [...] definido pela historiografia como um movimento disperso e

sem qualquer apoio da Igreja” (SILVA, P, 2008, p.2). A Segunda foi considerada

desde o início uma batalha perdida, uma luta agonizante, com a oposição da

autoridade eclesiástica. Se a primeira etapa da Cristiada era uma guerra de pobres,

a segunda foi dos miseráveis, sem meios, sem ajuda, contra a Igreja e o exército.

Esses conflitos dispersos, que vão até por volta de 1941, são os últimos “rescoldos”

da fogueira cristera.

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É conveniente lembrar que a Cristiada foi, durante longo período, até por

volta de 1960, um tema que não fazia parte dos estudos historiográficos. No entanto,

não serviu somente como pano de fundo para a literatura, mas passou também a

fazer parte da própria escrita: “Bestia negra de la narrativa de la revolución, la novela

cristera” (DOMÍNGUEZ MICHAEL,1996, p. 51), assim chamou Chistopher

Domínguez Michael a narrativa sobre a Cristiada, e Álvaro Ruiz Abreu em La

cristera, una literatura negada considera “fascinante” as implicações que essa

narrativa apresenta na literatura posterior. (RUIZ ABREU, 2003, p. 8).

Dentre os muitos escritores da literatura de tema cristero, destacam-se: José

Guadalupe de Anda (1880-1950) com a publicação, em 1937, de Los cristeros;

Fernando Robles (1894-1974) com La virgen de los cristeros, em 1934; Jorge Gram

(pseudônimo do sacerdote David Ramírez) com Héctor: novela histórica cristera, em

1930; Jesús Goytortúa Santos (1910-1979) com Pensativa, em 1944; Antonio

Estrada (1927-1968) com Rescoldo, los últimos cristeros, em 1961 “considerada por

Juan Rulfo como a única obra sobre os cristeros” (AVITIA HERNÁNDEZ, 2006, p.

189). Rulfo (1918-1986), filho direto do conflito, nasceu em Jalisco, foco de combate

gerado pelo enfrentamento, tornando-se “atento observador de la Cristiada de la que

el mismo fue testigo” (RUIZ ABREU, 2003, p.150). Trata-se de uma perseguição

religiosa que fez e continua fazendo parte do imaginário popular mexicano através

dos corridos, ditos populares, memórias e testemunhos orais, transformados pelos

intelectuais em poemas, contos, romances e ensaios: “Una poética de la desolación

que sembró la guerra cristera”, assim RUIZ ABREU (2003, p. 150) interpreta a obra

de Rulfo. Não é que se trate de reduzir seu discurso literário a essa temática, mas

de uma maneira de observar a sua poética através de aspectos biográficos,

religiosos, históricos e míticos (RUIZ ABREU, 2003, p. 200).

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Um aspecto importante destacado por Ruiz Abreu (2003) é o tipo de leitor

que consumia essa literatura, enfatizando que, claramente, essa parcela do público

estava composta por uma massa heterogênea, mas que, para denominá-la de

alguma forma, percebe-se que era, em sua maioria, pela “classe média”,

“hacendados, clérigos, seglares, amas de casa, aspirantes a monja, estudiantes de

escuelas y de universidades” (RUIZ ABREU, 2003, p. 23). Não se pode deixar de

mencionar, entretanto, o povo que não sabia ler, mas ouvia e repetia através dos

corridos. O texto cristero configurou-se, então, numa espécie de palavra bendita e

de revelação esperada pelo leitor, que circulava de maneira clandestina e que “los

intelectuales preferían omitir como gesto liberal” (RUIZ ABREU, 2003, p. 23).

É preciso considerar que grupos culturais importantes desse período, como o

Ateneo de la Juventud (1909), os Siete Sabios (1915), os Estridentistas (1921) e os

Contemporáneos (1928), ressalvando as claras diferenças, possuíam uma marca

que os definia, com um espírito liberal avessa a ideologias religiosas. Ainda que

alguns integrantes desses grupos fossem católicos, a tendência coletiva assumida

era anticlerical, ou seja, “la inteligentisia mexicana formada desde y a partir de la

Revolución fomentó el ateísmo como negación del pasado porfiriano y afirmación de

los tiempos modernos” (RUIZ ABREU, 2003, p. 77, grifo nosso).

A aproximação com o tema cristero no romance de Villoro acontece através

de dois personagens que funcionam como testemunhas e que tentam de todas as

maneiras influenciar o protagonista: Monteverde, o enigmático padre ilustrado, e seu

amigo pessoal, Donasiano (tio de Valdivieso). O padre, que estava mais para um

grande fazendeiro do que para um religioso, ostentava vaidade e poder financeiro

numa região desértica, com dificuldades de acesso a água e comida, rota do tráfico

de drogas e, consequentemente, marcada pela violência:

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El sacerdote tendría unos cinquenta años bien llevados. Su camisacon collarín y un relicario en el cuello definían su oficio. En lo demás,parecía un próspero hombre de campo: cinturón con hebilla de platadel que pendían un estuche de cuero piteado para la navaja y otropara el celular; pantalón de mezclilla; botas con puntera de metal.Curiosamente, en los antebrazos llevaba guardamangas de hule.(VILLORO, 2004a, p. 77)

É através dele que o tio fica sabendo do convite que seu sobrinho recebeu da

televisão para ser o roteirista de uma telenovela sobre a Cristiada. Com a ajuda de

Donasiano, Monteverde tenta convencer Valdivieso de que seu nascimento é fruto

de um milagre, pois sua avó havia engravidado de sua mãe através do suor e da

baba do poeta, como se observa no trecho que segue:

Tenía cuarenta y cinco años y dos meses cuando el poeta le pidióque leyera «Obra maestra». A esa edad había perdido todaesperanza de concebir. Pero entendió lo que el poeta quería decirle:ella tenía, dentro de sí, un hijo negativo.—¿Y qué hizo?—Juntó la babita del poeta.—¿¡La babita!?—La saliva, el sudor, lo que pudo. Le digo que velaba el sueño deRamón. En los estertores de su martirio, el santo transpiraba muchoy la babita le escurría. Mi abuela juntó las secreciones en estebenditario —Monteverde se tocó el corazón de plata que le pendíadel cuello.—¿Y qué hizo con la babita?—Se la untó en el vientre. A los pocos días dejó de reglar.—¿Tuvo un hijo de López Velarde? (VILLORO, 2004a, p. 98)

Evidentemente, Monteverde quer aproveitar a telenovela para difundir e

popularizar o processo de canonização do poeta, pois seu objetivo e o do Donasiano

é conseguir apoio para essa “causa”, convencendo Valdivieso de que, em sua

telenovela, é fundamental auratizar ainda mais a figura do poeta, e a inserção da

história do milagre seria muito importante na tentativa de convencer a opinião

pública de que López Velarde é realmente um santo. Para tanto, necessitavam de

mais um milagre, e eles acreditam piamente que surgirá do povo:

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Necesitamos el tercero para enviar el expediente al Vaticano.¿Quieren que yo les comunique un milagro? _ sonrió Julio.Necesitamos el aval de La Casa del Poeta _ terció el tío _. La prensachilanga es mendiga, jacobina. Nos van a acusar de mochos,retrógrados y cuantimás.Nosotros no expedimos certificados de santidad.No se trata de eso. _ Monteverde retomó su tono sereno. _ Esdecisivo que se insista en la identidad entre la vida y la obra deRamón. Fue un poeta católico y así hay que verlo. No sólo la prensade barricada se va a meter con nosotros. Los adversarios másfuertes están bajo la cúpula de San Pedro; nuestro candidato compitecontra muchos otros. Necesitamos un expediente intachable, conapoyo de eruditos. (VILLORO, 2004a, p. 96)

Como se observa no trecho anterior, ambos necessitam do apoio dos

intelectuais da Casa do Poeta para que tudo pareça mais convincente e para que

não haja contestação por parte da Igreja nem do público. Em outras palavras,

precisam dos intelectuais como testemunhas do milagre, tal como menciona

Gutiérrez Negrón (2011):

Este proyecto bicéfalo—recuperar la Guerra Cristera y canonizar aLópez Velarde—a pesar de su naturaleza cooptada, va espoleado,por supuesto, por una motivación económica, aunque también por losretazos de un proyecto intelectual. (GUTIÉRREZ NEGRÓN, 2011, p.5)

Como relata o personagem Vikingo, o idealizador do projeto da telenovela,

logo no início do romance, nesses tempos democráticos faz falta “un melodrama que

una a México” (VILLORO, 2004a, p. 34), e que, além de trazer certo lucro, vai salvar

a carreira de sua amante e cumprir com essa anacrônica função.

É importante ressaltar que Donasiano, que já havia sido um historiador

amador, inclusive publicando em jornais de San Luis Potosí, no romance, é o

guardião dos documentos que serão utilizados para a reconstituição da guerra

cristera e, também, o dono da fazenda – Los cominos. O projeto que está em cena

deve funcionar de maneira com que todos saiam ganhando: Vikingo e Vlady Vey,

com os papéis protagônicos na telenovela; Monteverde, com a canonização;

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Donasiano, com o uso da fazenda; Valdivieso, como roteirista; Gándara e Rovirosa,

com o reality show.

A riqueza, o luxo e a prepotência estão todos juntos em José Atanasio

Gándara, “El señor ou Midas, como é conhecido o dono da rede de televisão, a qual

não tem nome no romance, mas, supostamente, seria a Televisa. De maneira

irônica, o autor mostra como as pessoas o temem e acentua o seu objetivo ao

contratar intelectuais como atores. “Gándara es incapaz de leer una cuartilla, todo

hay que decírselo en persona y en idioma de televisión. Contrata a intelectuales para

que hablen como telegrafistas.” (VILLORO, 2004a, p. 161) Mais adiante, Valdivieso

fica sabendo da ligação entre Gándara e o padre Monteverde, descobrindo que

ambos estão envolvidos em um plano traçada há já algum tempo para a “fabricação”

do terceiro milagre:

¿Hablaste con él de tu reality-show?Monteverde no quiere que hablemos de la canonización hasta queesté asegurada teme que abaratemos o pongamos en peligro elproceso. No se da cuenta de que, si faltan pruebas saldrán con elfervor de la gente. La santidad se construiría mejor en vivo y endirecto.¿Desde cuándo hablas con él?Un año, tal vez. (VILLORO, 2004a, p. 188)

Para que a fraude saia bem montada e convincente, o padre tem uma

preocupação com a identidade do poeta, afirmando que “Es decisivo que se insista

en la identidad” (VILLORO, 2004a, p. 96), ou melhor, com a identidade que López

Velarde tem que apresentar para que todos se convençam de que é um bom

candidato a santo. Sua maior preocupação é com a concorrência, com a

competição, com a mídia.

Em Modernidade líquida (2001), Bauman fala a respeito da instabilidade da

identidade quando vista de longe: “As identidades parecem fixas e sólidas apenas

quando vistas de relance, de fora.” (BAUMAN, 2001, p. 99) Afinal, o padre, a mídia e

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os intelectuais estão tentando construir a identidade do poeta quase oitenta anos

depois de sua morte, ocorrida em 1921. Somente o distanciamento temporal já seria

suficiente para uma nova interpretação, como menciona ironicamente o narrador de

El testigo: “Los temas fundamentales de la canción romántica — el tiempo, la

distancia, el olvido” (VILLORO, 2004a, p. 210). Além disso, eles contam também

com o poderoso aparato tecnológico que trabalha nessa montagem.

Lipovetsky em Os tempos hipermodernos (2004) relaciona o poder de

convencimento que a mídia exerce sobre a massa, porém deixa claro que ela

oferece, mas não impõe, pois são as pessoas que, após ouvir ambos os lados,

chegam a suas próprias conclusões:

Mas, embora se deva reconhecer que a mídia tem mesmo um papelnormatizador e que sua influência sobre o cotidiano está longe de serinsignificante, disso não se concluirá afobadamente que seu poderde massificação é ilimitado. De fato, a mídia pode favorecer este ouaquele comportamento do público, não impô-lo. (LIPOVETSKY,2004, p. 40)

No entanto, é importante destacar que grande parte da população talvez não

esteja preparada para tal reflexão, não apenas porque não quer, mas também

porque não pode, preferindo tomá-las prontas. Certamente a interpretação e o apoio

de intelectuais tidos como guias reforçam esse convencimento.

O padre sabe da importância que os meios de comunicação exercem sobre a

população, e é com esse meio que ele, utilizando a imprensa e os intelectuais a seu

favor, pretende jogar. Como ressalta Bauman (2001) ao discutir o poder da mídia na

sociedade: “o formidável poder que os meios de comunicação de massa exercem

sobre a imaginação popular, coletiva e individual. Imagens poderosas, “«mais reais

que a realidade»” (BAUMAN, 2001, p. 99).

Além da relação Igreja-mídia, cabe destacar também o envolvimento dos

narcotraficantes com as questões religiosas, que no romance aparecem de duas

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maneiras. Na primeira, com extrema ironia, Villoro destaca a religiosidade dos

traficantes: “Además, los narcos son muy creyentes y están llenos de supersticiones.

[…] Antes de matar bendicen sus AK-47, como los cristeros bendecían sus

carabinas. Llevan crucifijos de oro por todas partes”. (VILLORO, 2004a, pp. 222-

224); na segunda, de maneira sutil, comenta a respeito da relação entre integrantes

da Igreja e o narcotráfico: “Las relaciones del narco con la iglesia son rarísimas”.

(VILLORO, 2004a, p.163) ou quando Félix Rovirosa diz a Valdivieso que fanáticos

queriam proteger um “cardenal medio narco”. (VILLORO, 2004a, p. 297)

Através dos personagens Frumencio e Librado, Villoro deixa transparecer o

quanto dialoga com as gerações anteriores, pois ambos aparecem em relatos sobre

a Guerra Cristera. No caso do primeiro, existe a referência ao conto Dios en la tierra

(1944) de José Revueltas e o segundo aparece em El llano em llamas (1953) no

conto La noche que lo dejaron solo de Juan Rulfo. No conto de Revueltas há um

professor que ajuda os federais, indicando onde podem encontrar água quando todo

o povo se fecha em casa. Há um corte e, depois, ele aparece linchado e cravado em

uma estaca. Em El testigo, professores rurais26 tiveram suas orelhas cortadas e

foram escalpelados vivos. Somente Frumencio se salvou, ficando prisioneiro por

anos na fazenda da família de Valdivieso.

Já o personagem Librado, assim como Eleno, um sobrevivente da guerra,

vive de recitar poemas de Ramón López Velarde num teatro praticamente

abandonado. Ocorre, nesse caso, uma clara referência ao personagem Librado do

conto de Rulfo, no qual esse personagem é morto pelos federais na Guerra Cristera,

enquanto em El testigo é quem recebe Julio Valdivieso quando este chega a Jerez,

26 Os professores rurais foram personagens de algumas obras de tema cristero. Além do conto deJosé Revueltas, acrescenta-se também Los bragados (1937) de José Guadalupe de Anda, ambasforam baseadas na Segunda Guerra Cristera, demonstrando o acirramento na luta contra aimplantação de uma educação socialista, decretada pelo presidente Lázaro Cárdenas. (AVITIAHERNÁNDEZ, 2006, pp. 458- 461)

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um dos caminhos tomados para chegar à decrépita fazenda de sua família Los

Cominos. O recitador, um personagem fantasmático, não é visto pelo protagonista, o

qual, assim como a cidade, ouve somente sua voz. Librado menciona a miséria que

sua cidade atravessa no momento atual, frisando o fato de esta não apresentar

nenhuma diferença em relação à época da Guerra Cristera.

Alguns personagens do romance têm envolvimento mais próximo com os

cristeros, como o capataz Eleno, que nasceu em Jalisco, se criou em Tepartitlán,

San Miguel del Alto, Guadalajarita, as regiões mais afetadas pela guerra. Ele é um

personagem introspectivo, que praticamente não fala, somente obedece. Num dia de

chuva, conta passagens de sua infância a Valdivieso, relembrando que todo o seu

povoado havia sido queimado. Depois diz, como se estivesse recebendo ordens:

“Haz tus casas en el viento porque si las hace en el suelo te las van a quemar”

(VILLORO, 2004a, p.461). Ele conta também que recebia os sapatos das crianças

que haviam sido mortas na Guerra Cristera.

Os chamados “arreglos” aparecem no romance de Villoro de maneira irônica,

quando, numa conversa com Valdivieso, Vikingo diz: “El pueblo se jodió dos veces:

primero por revolucionario, luego como católico, pero sólo uno de esos calvarios fue

contado; la Revolución, no la Cristiada.” (VILLORO, 2004a, p. 55) Após três anos de

intensas batalhas, o governo percebe que por vias bélicas não derrotaria os

cristeros. Roma também queria um acordo. Assim, entra em cena o embaixador

americano Dwight Whitney Morrow como mediador entre as partes, uma vez que a

guerra dificultava os interesses dos Estados Unidos no México. É evidente que os

cristeros não fizeram parte desse acordo. A lei não mudou, simplesmente não foi

aplicada, e a prometida anistia não passou de uma promessa não cumprida, com os

chefes cristeros tendo sido, um a um, assassinados posteriormente.

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Para Jean Meyer (2008), há um México visível e um México invisível, este

último, certamente, é o do campo, que conta muito pouco para o Estado e “bien

poco es tomada en cuenta por los intelectuales” (MEYER, 2008, p. 104).

No romance, tanto o padre Monteverde como Eleno, Librardo ou Frumencio

são sobreviventes desse tempo de conflito, superstes, cada um a sua maneira.

Todos atravessaram esse doloroso período de silêncio e tentativa de cicatrização do

trauma que havia significado a guerra cristera: “se compreendermos o “real” como

trauma – como uma “perfuração” na nossa mente como uma ferida que não se

fecha” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 383), fica mais fácil entender a necessidade e

a dificuldade de testemunhar. Não há dúvida de que é preciso falar para que a

memória dos mortos não se perca. No entanto, é preciso também deslocar, através

do debate, o problema da esfera filosófica e psicanalítica para a práxis política,

propondo uma mediação, que não é fácil, pois o que anteontem foi revolta hoje é

mercadoria.

Villoro não toma posições diante do tema cristero, que resulta em um

massacre semi-esquecido e proibido: “Durante décadas, mencionar a las víctimas de

la guerra cristera había sido reaccionario” (VILLORO, 2004a, p. 43). O tema fica

como uma questão aberta, uma ferida não cicatrizada, com uma membrana muito

fina sobre ela. Mihály Dés (2005) faz uma reflexão separando a fé da religião em El

testigo:

Sin embargo, uno de estos logros me parece problemático. Merefiero al sesgo religioso de la obra, que culmina en una suerte derevelación. Si la literatura clásica nace del conflicto con los dioses[...], la moderna surge de la ausencia, [...]. el mismo Villoro acaba dedemostrar en esta poderosa novela que religión sigue siendo unasunto central y fascinante, y que la literatura no es un acto de fe.”(DÉS, 2005, p. 8)

O romance termina antes do início das gravações da telenovela Por el amor

de Dios, enfatizando uma maneira de levantar questões, sem, no entanto, tomar

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posicionamentos. A testemunha apenas mostra, levanta dúvidas e faz as perguntas,

sem apresentar nenhum tipo de resposta.

3.4 O envolvimento com a mídia

Em sua volta, a primeira figura com quem Valdivieso se depara é um amigo

de faculdade, Juan Ruiz, “o Vikingo” (é preciso lembrar que o nome completo do

autor é Juan Villoro Ruiz). É graças a ele que se estabelece uma conexão entre o

seu passado universitário e o presente dominado pelos poderes da mídia, da igreja e

do narcotráfico, os quais parecem mexer os fios do poder.

Vikingo, que está à frente do projeto da telenovela histórica financiada pelo

narcotráfico, aproveitará o recente ressurgimento do fervor religioso e apresentará

uma versão “não estigmatizada” das lutas cristeras. Como Valdivieso, ele também é

viciado em drogas, fato do qual se toma conhecimento logo no primeiro capítulo:

“Inhaló en el baño y el beneficio fue instantáneo. [...] Se sintió, por definirse de algún

modo, como un «archipiélago de soledades».” (VILLORO, 2004a, p. 33) Esse

roteirista publicitário de cinquenta anos, com dois filhos, havia passado por muitas

tribulações em sua vida pessoal, resultando em dois casamentos e diversos

relacionamentos fracassados.

Juan Ruiz había pasado por dos matrimonios fallidos en medio detoda clase de affaires. Las mujeres habían sido para él un derrochedel que estaba orgulloso pero en el que ya no quería incurrir. Sesentía como un piloto que ha chocado demasiados coches, unsobreviviente de lujo, al que le sobraban cicatrices. (VILLORO,2004a, pp. 28-29)

O publicitário já havia sido um bom crítico literário e, quando a obra começa,

está envolvido em um relacionamento com uma jovem atriz, sem talento: “La novia

de veintidós años se llamaba Vladimira Vieyra, nombre tan vergonzoso que hacía

soportable el seudónimo de Vlady Vey” (VILLORO, 2004a, p. 30). Ela é muito bonita

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e, através dele, consegue pequenos papéis, desde que não tenha que falar, pois

tem dificuldade em decorar, e o objetivo é somente mostrar suas formas, fazendo

comerciais sensuais de qualquer tipo de produto:

La invitó a su siguiente comercial, de Pato Purific. De un mundo queaceptaba un producto llamado así, se podía esperar cualquier cosa,incluyendo: 1) que fuera excitante acariciar la botella de Pato Purific,y 2) que ella se excitara acariciando a un publicista de cincuentaaños. [...] No sabía que los griegos iban antes que los romanos, peroera algo más que una belleza que cachondea envases y confía en laexpresividad poscoital de su pelo revuelto. (VILLORO, 2004a, p. 31)

Em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2003), o sociólogo

polonês Zygmunt Bauman discute a liquidez das relações humanas na sociedade

atual, quando os laços afetivos e a convivência se degradam por não possuírem

mais elos capazes de unir verdadeiramente as pessoas.

Vikingo é a figura que, logo no início do romance, tenta convencer Valdivieso

a escrever o roteiro da telenovela, demonstrando também interesse nos documentos

de Donasiano e na fazenda Los Cominos como espaço de locação. Afinal, o

protagonista havia nascido e passado parte da infância e juventude exatamente

nesse lugar, o qual, por ser guardião de muitos segredos e documentos, apresenta

um funcionamento muito semelhante ao de um personagem. Lá é o espaço físico do

arquivo, onde se concentra a memória. É, também, nesta paisagem desértica, com

geografia exótica, terra de cristeros, rota para o tráfico de drogas e possível locação

da telenovela nacional e dos inéditos de López Velarde, que se encontra a

possibilidade de memória. É, enfim, o lugar de conexão entre dimensões, espaços,

tempos e interesses.

E de onde vem o nome, Los Cominos? Um antepassado de Valdivieso, um

asturiano rancoroso, batizou a fazenda com esse nome em homenagem ao seu pai,

que disse que seu destino valia um cominho. Quando se tornou um latifúndio, ele a

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batizou com ostentação: “Los Cominos. El plural aumentaba la venganza: muchas

nadas.” (VILLORO, 2004a, p. 63)

Villoro também problematiza a questão agrária, central para a história do

México, ao tocar no espaço de Los Cominos, pois a fazenda que se apresenta hoje,

em 2000, não é a que já havia sido antes do PRI: “¿Le parecen poco setenta y un

años con el PRI en el poder? Vea esta hacienda. Los cominos era un Vergel. Ahora

está hundida, como el resto del país, devastada por el agrarismo.” (VILLORO,

2004a, p. 93) Ele a compara ao México, falido após tanto tempo de um mesmo

partido no poder.

Cabe destacar que Villoro, através dos personagens Padre Monteverde,

Vikingo e Félix Rovirosa, deixa transparecer uma visão ácida e extremamente

particular da mistura de meios de comunicação, Igreja, poder político e narcotráfico,

como pilares podres no qual o povo tenta inutilmente se apoiar. Em uma lúcida

reflexão, padre Monteverde menciona:

—Hay quienes dicen que Juan Pablo II es la mezcla de la EdadMedia y la televisión. Dos pilares equivocados. Ahora, la mejor formade divulgar una verdad, una verdad fuerte, resistente, es esconderla,guardarla hasta que encuentre su propio espacio y estalle. Lapropaganda sirve de muy poco. Su amigo Félix es un vendedor deespejos, nada más.—En Los Cominos dijo que México había cambiado.—Sí, pero cambió para atrás. En vez de un presidente patriarcaltenemos una confederación de autoritarismos: el viejo PRI, el PAN,los católicos recalcitrantes, el Opus, los narcos, los judiciales, latelevisión. Los une la sangre, el culto de la muerte. Le digo que estoyhasta el copete de la imaginería mortuoria. ¿Le parece extraño en unsacerdote? (VILLORO, 2004a, p. 401)

Nota-se que, com a ascensão do PAN, o país não evoluiu, pelo contrário, isso

fez com que retrocedesse ainda mais, como fica claro nesse trecho em que o padre

coloca a televisão no mesmo nível de atraso das outras instituições. A televisão é,

então, apresentada na obra, o tempo todo, como “telebasura”, lixo, refugo. Ao refletir

sobre a mídia, Beatriz Sarlo (2005) afirma que:

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Em sociedades midiatizadas, a esfera da comunicação processa osdados da experiência, reforça-os ou debilita, operando com ou contraeles, ainda que poucas vezes se possa contradizê-los abertamente,salvo na ficção e, mesmo neste caso, apenas de acordo comdeterminadas regras. (SARLO, 2005, p. 60)

Vikingo, que no final do romance é assassinado como bode expiratório pelos

narcotraficantes, é um dos personagens que funciona como testemunha. É através

dele que Valdivieso se informa a respeito do país e de seu próprio passado, obtendo

assim dados para escrever o roteiro que lhe fora encomendado. Diferentemente de

Valdivieso, Vikingo não saiu do país, sobrevivendo como pôde todo o período de

dificuldade econômica e política atravessado pelo México nos anos 70 e 80. No

romance, esse personagem confuso e debilitado funciona como um superstes, que

significa a testemunha que atravessa todo o período de crise.

O ex-professor universitário, ex-crítico literário e atual homem de negócios da

maior rede de televisão mexicana, Félix Rovirosa, carrega consigo o comportamento

metódico de quem serviu na rígida Academia Militar dos Estados Unidos: “Rovirosa

había hecho la preparatória en West Point. [...] Había sufrido en el internato pero se

ufanaba de la disciplina castrense.” (VILLORO, 2004a, p. 21) Ele é rico, frio,

calculista, solitário e não escolhe meios para atingir seu objetivo, pois ser o braço

direito do dono da televisão permite manipular pessoas: “Félix es asesor de primera

fila, mueve más hilos de los supones. [...] debía de verse a sí mismo de ese modo.

Un héroe solitario, que no deponía las armas.” (VILLORO, 2004a, pp. 160 e 177)

Nos personagens dessa obra, de uma maneira geral, pode-se observar a

crise da ética e de princípios por que passam os seres humanos “Todos são ao

mesmo tempo autores e vítimas. Não há inocentes. Só culpados. O estado de

violência atinge todos e cada um” (LEÃO, 2001, p. 6).

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Em diversas passagens se observa em Rovirosa sentimentos contraditórios,

através dos quais, para manter a amizade, ele pressiona, vigia, não deixando saída,

“«Félix vive para vigilarnos.» Eso había sido siempre, un vigía.” (VILLORO, 2004a, p.

168), reclama Vikingo com Julio Valdivieso. Em outros momentos, é capaz de

arriscar a própria vida para salvar a de um amigo, como quando Valdivieso,

totalmente drogado, estava se afogando e Rovirosa se feriu para salvá-lo:

Una tarde, a una hora de pleamar en la que casi nunca nadaban,Julio entró al agua perfectamente mariguano. Una ola lo revolcó y lacorriente lo llevó adentro. [...] pero le costaba trabajo sentir gratitudante la suficiencia con que Félix recordaba su pasado en común.Sacó del mar a un zumbi intoxicado. [...] Félix se rascó la cicatriz.(VILLORO, 2004a, pp. 168-169)

Segundo Stuart Hall, o sujeito pós-moderno é fragmentado, isto é, não

apresenta uma unidade, um centro que estabeleça um eu coerente, exatamente

como Rovirosa: um ser ambíguo, de subjetividade conflitante e instável. Essa

instabilidade pode ser percebida em sua fragilidade no relacionamento amoroso,

pois ele sente prazer em cobiçar e cortejar Paola, a esposa de Valdivieso, ao

mesmo tempo que mantém um casamento com Sumi, tratando-a como se fosse um

brinquedo, um enfeite, um bem a ser exibido e consumido, enfim:

El sonambulismo de Sumi, su condición de estatua móvil, tenía uninnegable atractivo a la distancia. Nada hubiera sido más normal quever a un pájaro posarse en la palma de su mano. [...] «Félix no lamerece», esta idea fue común y vulgar; luego le vino otra másinquietante: «Félix la va a romper.» Sumi tenía algo de muñeca, demujer regalo a la que de pronto le falta una pierna. (VILLORO,2004a, p. 303)

Bauman (2003) relata essa complicada relação amorosa, uma relação de

dominação e dependência, na qual o homem exerce o poder de mando, e a esposa

está ali como um objeto de prazer e descarte: “Quando se trata de amor, posse,

poder, fusão e desencanto são os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.” (BAUMAN,

2003, p. 12)

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Cabe ressaltar ainda que é Félix quem chantageia Valdivieso, pois,

pesquisando a autenticidade do único conto publicado por seu companheiro de

faculdade, descobre o original da tese. Não faz nada de imediato e planeja, com

cuidado, como tirar o máximo proveito disso. A ciranda do lucro acima de tudo e de

todos não tem limite. É o vale tudo. Assim, Rovirosa exige que Valdivieso assuma o

papel de ser o roteirista da telenovela Por el amor de Dios e também que falsifique

relatos testemunhais para um programa paralelo. Segundo ele, isso ajuda no

processo de beatificação que levará à canonização do poeta Ramón López Velarde.

[…]¿Qué chingados quieres?Dos cosas: Los Cominos es una locación ideal; no quierointerferencias y, sobre todo te necesitamos para el programa paralelosobre la santidad de López Velarde. Ya te lo dije: la gente te cree,tienes ese tipo de cara. Necesitamos testimonios de tu familia, que túsalgas a cuadro y hables del tercer milagro.¿Un simulacro?¡El plagiario hablando de autenticidad! (VILLORO, 2004a, p. 303)

No entanto, “No lugar da ética entrou a economia, ocupando todos os postos

e funções e substituindo qualquer valor.” (LEÃO, 2001, p. 7), ou seja, não há

respeito pela memória de um poeta nacional, pela amizade de toda uma vida. A

ética não existe, apenas o poder e o dinheiro.

Assim, as contradições desse sujeito pós-moderno afloram, pois, ao mesmo

tempo que tem consciência de ter cometido erros, tenta voltar atrás, consertar, mas

não consegue, pois “as velhas identidades, que estão em declínio, fazendo surgir

novas identidades e fragmentando o indivíduo” (HALL, 2002, p. 7). A sua identidade

entra em conflito, está sujeita a forças que fogem de seu controle, e assim é o

personagem Félix Rovirosa, um ser confuso, preocupado com o poder, com o lucro,

com o controle sobre tudo e todos, pois as pessoas são, para ele, nada mais que

marionetes.

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A proposta de Rovirosa é que os dois projetos se juntem e que o clima

religioso contribua para o surgimento de um “novo milagre”. Ele tem um papel

interessante na trama, pois é quem dá suporte ao poder de manipulação dos meios

de comunicação de massa, usando a tese do uruguaio para chantagear o

protagonista, enquanto este tenta mostrar a ele o quanto ambos, na época da

juventude, haviam pensado em fazer diferente quando chegasse a hora, pois, um

dia, Rovirosa havia dito que a México faltava “Honor. Eso le falta”. (VILLORO,

2004a, 176). Valdivieso argumenta “Estás hablando de una telenovela, Félix.

Telebasura. O como mucho, gracias a Portella, de telebasura de autor.” (VILLORO,

2004a, p.310) Mas, para Rovirosa, nada disso tem valor, e termina dizendo que não

importa que seja verdade, mas que pareça verdade.

Desta forma, ao desenhar o perfil de um magnata e de seu principal auxiliar, o

romance se aproxima do submundo da televisão, cuja lógica banalizadora, ao

mesmo tempo que critica ao intelectual que se vende à TV, por outro lado não quer

renunciar a esse imenso auditório tele midiático, correndo o risco de se converter em

marionete dos desejos do dono do canal.

3.5 Aproximação com ao narcotráfico

Desde as primeiras páginas do romance, observa-se a abordagem da

complexa questão das drogas na trajetória de diversos personagens, passando

certamente por problemas de ordem histórica, política e econômica (Anexo III).

Através do protagonista e de seu encontro com Vikingo, fica claro que basta um

telefonema e a droga é entregue em sistema delivery. Daí em diante, esse tema

torna-se cada vez mais recorrente, e Villoro não se furta, em momento algum, a

discutir a pequena e a grande política. Segundo Francisco Oliveira em sua obra

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Hegemonia às avessas (2010), a pequena política discute temas como: bullying,

racismo, feminismo, violência, a agenda ecológica entre outros. Enquanto que no

plano da grande se ocupa da revolução, do capitalismo e do Estado. (OLIVEIRA,

2010a, pp. 21-27)

Como narrar à realidade? Com essa pergunta inicia-se o artigo do crítico

Rafael Lemus publicado em Letras Libres sob o título: “Balas de salva: notas sobre

el narco y la narrativa mexicana” (2005), um texto polêmico, que critica a literatura

mexicana nortenha, a qual, nas últimas décadas, tem feito, em suas narrativas,

abordagem profunda da narcocultura, e segue afirmando que “rara vez a literatura

mexicana responde.” (LEMUS, 2005, p. 1)

Esta pergunta vai ao encontro da temática desse trabalho, no qual, para

Lemus (2005), a realidade deveria ser teorizada em vez de romanceada. Em sua

opinião, a “narco-narrativa” é mecânica, com uma linguagem coloquial, uma trama

populista e um conjunto de repetição. Em outras palavras: segue uma fórmula e, em

consequência, “Raramente se funda un estilo, una escuela. Se explora un tema y se

hace comercio: [...] Mírese arriba: el norte fabrica un subgénero” (LEMUS, 2005, p.

2).

Em resposta a esse artigo, o escritor e ensaísta mexicano Eduardo Antonio

Parra (2005) publica uma réplica na edição seguinte: “Norte, narcotráfico e literatura”

(2005), no qual considera que a realidade política e cultural mexicana faz do

narcotráfico um contexto, principalmente no norte, devido a sua localização

geográfica. Parra (2005) não aceita o discurso centralista proposto por Lemus

(2005), para quem "toda escritura sobre el norte es sobre el narcotráfico." (LEMUS,

2005, p. 2) Segundo Parra (2005), isso não é tema, é contexto:

los escritores del norte hemos señalado que ninguno de nosotros haabordado el narcotráfico como tema. Si éste asoma en algunas

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páginas es porque se trata de una situación histórica, es decir, uncontexto, no un tema, que envuelve todo el país, aunque se acentúaen ciertas regiones. No se trata, entonces, de una elección, sino deuna realidad. (PARRA, 2005, p. 2)

Nesse contexto, é importante salientar que, a partir de 1990, aumentou

consideravelmente a quantidade de publicações e escritores dedicados a essa

modalidade narrativa. Como produto do neoliberalismo, da globalização e das

políticas de repressão contra as drogas, as “narco-narrativas” muitas vezes

representam a lógica de oferta e demanda de um mercado capitalista e, ao mesmo

tempo, uma crítica ao incremento do consumo. Esses textos apresentam

características formais similares, como a temática e a linguagem. No entanto, não

constituem um gênero literário em particular, conforme ressalta Alberto Fonseca em

sua tese Cuando llovió dinero en Macondo: Literatura y narcotráfico en Colombia y

México (2009): “desde el punto de vista formal, las narco-narrativas utilizan una

gran variedad de discursos y estrategias que impiden su definición a partir de reglas

de géneros”27 (FONSECA, 2009, p. 11).

A aproximação com a temática do narcotráfico aparece em diversos discursos

e estratégias, como o epistolar, o testemunhal, o policial e o autobiográfico, sem se

esquecer, porém, das crônicas. Esses textos estão presentes em escritores

geracionalmente distantes, que vão de A. Nacaveva, autor de Diario de un

narcotraficante de 1967 (considerada a primeira obra dessa temática), até Carlos

Monsiváis, Elmer Mendoza, Luis Humberto Crosthwaite, Juan Villoro e Yuri Herrera,

só para citar alguns mexicanos28.

27Entretanto críticos como Rafael Lemus denomina a narco-narrativa como sub-gênero; já EduardoAntonio Parra interroga sobre quantas narrativas são necessárias para que surja um gênero.28 Essa temática alcança autores de diversas nacionalidades e gerações como: os argentinos: MarcosAguinis (Los iluminados, 2000) e Diego Paszkowski (El otro Gómez, 2001); os colombianos: HérnanHoyos (Coca: novela de lamafiacriolla, 1977), Fernando Vallejo (La Vírgen de los sicários, 1994) eJosé Libardo Porras (Happy Birthday, capo, 2008); os chilenos: Ignacio González Camus (El enviado

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O tema das “narco-narrativas” é introduzido no romance através do

personagem Constantino Portella, que até a metade da obra ocupa um papel

secundário. A partir de então, torna-se central, pois, além de ser um escritor que

converte a desordem nacional em best sellers de narcoliteratura, dos quais Paola, a

esposa italiana de Valdivieso, é tradutora. É, também, um megalômano, que sabe

como participar da lógica do mercado e, para isso, utiliza, como autor dessa vertente

da cultura de massas, sua influência para frequentar outros meios culturais entre

embaixadores, magnatas e estrelas de televisão.

A figura de Portella motiva a discussão de situações importantes existentes

no México contemporâneo, que envolvem o poder do narcotráfico. Ele é um Latim

Lover moderno, com articulações entre os meios de comunicação, os

narcotraficantes e o Estado. Portella conhece muito bem a grande literatura,

discutindo, com inteligência e leveza, clássicos do cânone universal como a Divina

Comédia de Dante Alighieri: “El cabrón de Portella se mostraba más culto de lo que

sugerían sus libros. Al mismo tiempo conservaba su tono casual.” (VILLORO, 2004a,

p. 344)

Esse personagem facilita a discussão da influência da cultura de massa

através da “narcocultura”, uma realidade incrustada já há bastante tempo na

população, através dos narcocorridos, como destaca Villoro no ensaio premiado “La

Alfombra roja, el imperio del narcotráfico” (2008b), onde comenta que:

La narcocultura amplió su radio de influencia a través de losnarcocorridos, muchas veces pagados por los propios protagonistas.En la confusión ambiente, los trovadores vinculados al crimen gozandel dudoso prestigio de lo ilegal que reclama un carisma a contrapeloy se somete a la “moral del pueblo. Sus deprimentes acordeonesacompañan una saga de la rapiña que, por más que lleve alumbradoy carreteras a las comunidades que cultivan la amapola, no resiste lacomparación con Robin Hood.”(VILLORO, 2008b, p. 3)

de Medellín, 1993) Roberto Bolaño (2666, 2004); os espanhóis: Fernando Schwartz (El viajeroocasional, 1989), Nuria Amat (Reina de América, 2002) entre outros. (FONSECA, pp. 277-284)

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Nesse pequeno trecho, podem-se destacar dois fatos que aparecem no

romance: o primeiro deles é a relação de naturalidade com que a população lida

com os narcocorridos, pois não são vistos como ilegais. Afinal, é natural ouvir, cantar

e consumir os narcocorridos. Outro fato que chama muito a atenção é a ação

assistencialista dos narcotraficantes em seu relacionamento com a população

carente. O personagem Vikingo revela essa relação para Valdivieso:

La cosa no es tan fácil. Es jodido aceptarlo, pero los narcos hanayudado a un chingo de gente, gente que no tenía el menor chancede hacer algo. Cuando no son padrinos de una boda es porque sonpadrinos de una comunión, dan limosnas por todas partes,préstamos, le pagan el hospital a tu madre, el entierro a tu padre, ledan trabajo a tu pinche primo vago que en su puta vida había hechoalgo. (VILLORO, 2004a, pp. 223-224)

Deste modo, é possível afirmar com segurança que, substituindo textos de

escritores importantes da tradição literária mexicana, a “narcoliteratura” vem

ganhando espaço nos meios de comunicação de massa, principalmente no rádio,

como se observa nesse trecho de um ensaio no qual Villoro comenta que:

Lo extraño es que han ganado espacio en las estaciones quetransmiten música popular y aun en las antologías de literatura. Ennombre de un incierto multiculturalismo, hace un par de años ungrupo de escritores protestó porque dos narcocorridos fueronsuprimidos de un libro de texto. En su queja pasaron por alto queesas letras no se estudiaban en una clase sobre problemas deMéxico, sino sobre literatura, sustituyendo a Amado Nervo o RamónLópez Velarde. (VILLORO, 2008b, p. 4)

Por diversas vezes, é narrada à dramática situação de violência no México

atual, com assassinatos e torturas, onde as práticas políticas e a vida cotidiana

parecem se encontrar determinadas por cartéis de drogas. A participação da mídia

acaba por converter a todos em co-espectadores involuntários das atrocidades,

como destaca Villoro (2008b), afirmando que o narcotráfico costuma golpear duas

vezes: no mundo dos fatos e das notícias:

La televisión acrecienta el horror al difundir en close-up y cámaralenta crímenes con diseño “de autor”. Es posible distinguir las

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“firmas” de los cárteles: unos decapitan, otros cortan la lengua, otrosdejan a los muertos en el maletero del automóvil, otros los envuelvenen mantas. En ciertos casos, los criminales graban sus ejecuciones yenvían videos a los medios o los suben a You Tube después desometerlos a una cuidadosa posproducción. La mediósfera es elduty-free del narco, la zona donde el ultraje cometido en la realidadse convierte en un informertial del terror. (VILLORO, 2008b, p. 3)

Com a queda do PRI, os meios de comunicação ampliaram sua margem de

liberdade. No entanto, isso significa muito pouco, pois dizer a verdade é

progressivamente perigoso, pois o México passou a se apresentar como uma nova

Fobópole29, principalmente para os jornalistas:

De acuerdo con Reporteros sin Fronteras, México ha superado a Iraken número de secuestros y asesinatos de periodistas. En este nuevoescenario, los sucesos se confunden con simulacros. Un ambientede naufragio donde la ausencia de principios se disfraza depragmatismo o medida de emergencia. (VILLORO, 2008b, p. 2)

Outra questão que aparece no romance com bastante evidência é a relação

que o personagem Portella tem com o mercado, através de sua boa articulação nos

meios de comunicação, com o Estado e os narcotraficantes, pois é presidente

honorário de uma Fundação sem fins lucrativos e de uma creche com serviços

gratuitos para uma população mais carente. Ele publica uma literatura de quinta

categoria, ou seja, aquela que confirma uma visão estereotipada do México no

exterior, extremamente folclórica, violenta e com forte presença do narcotráfico.

Paola, sua tradutora para o italiano, reconhece a baixa qualidade de sua obra,

porém consciente da lógica do mercado, sabe que esse tipo de produto vende muito.

Em El testigo, vários outros personagens estão envolvidos com a questão do

narcotráfico: Vlady Vey, que é uma espécie de reina del narco, pois tem ligações

com cartéis diferentes, o que pode ter levado à morte de Vikingo; os que ocupam a

29 Toma-se esse termo de Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana (2008)de Marcelo Lopes de Souza; é o resultado da combinação de dois elementos de composição,derivados das palavras gregas phóbos, que significa “medo”, e pólis, que significa “cidade”. Esta obratrata dos motivos da violência urbana nas grandes cidades, principalmente Rio de Janeiro e SãoPaulo. (SOUZA, 2008, p. 9)

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posição de usuários, como Valdivieso, Ramón Centollo e Vikingo; ou a de traficante,

como o gringo James Galluzo; culminando com o território de disputa dos

narcotraficantes no romance: a fazenda Los Cominos.

A elite jurídica também não é poupada das críticas, uma vez que se destaca o

envolvimento de um juiz com o narcotráfico, exatamente quando uma jovem é

sequestrada em um vilarejo, e a empregada de Vikingo lhe pede ajuda. O juiz, para

manter preso o sequestrador, o qual pertence ao narcotráfico, exige dinheiro da

família: “La nieta de Carmelita [...] se la llevaron alguien que trabaja para gente

organizada. Por eso el juez pidió dinero; su miedo tenía precio” (VILLORO, 2004a, p.

225).

No romance, fica claro então que qualquer pessoa pode ser envolvida em

alguma confusão com os narcotraficantes, pois, nos lugares mais improváveis, eles

têm atividades e influência que causam episódios de guerra.

Villoro aborda também o entroncamento do narcotráfico com os Estados

Unidos e a China, através de narcotraficantes chineses, personagens de Portella,

que atravessam a fronteira do país carregando drogas. A partir de uma discussão

na embaixada, com jantar oferecido a Portella, percebe-se claramente no romance a

discussão travada por James Petras e Henry Veltmeyer em sua obra La

globalización desenmascarada (2003) (anexo III). Com relação à participação dos

Estados Unidos na questão das drogas, diz o personagem Portella:

Estados Unidos es el responsable. Tienen a más negros en la cárcelpor temas de drogas que en las universidades. Aquí conocemos a losnarcos por nombre, apodo y vicios favoritos. Ahí están tan protegidosque operan en la sombra. (VILLORO, 2004a, p. 343)

Por que os Estados Unidos não prendem os grandes traficantes de droga que

operam no país? Não se pode acreditar que somente os latino-americanos e os

negros americanos sejam os chefes, ou que não haja a participação de americanos

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brancos na cadeia de distribuição interna no maior consumidor de drogas do

continente. Todas essas questões aparecem levantadas no romance através de

diversos personagens, cobrando-se, então, uma maior participação dos intelectuais

nessas questões.

Outro fato importante, tratado por José Manuel Torres em seu artigo “Las

articulaciones del poder en la literatura mexicana del narcotráfico” (2009), e

destacado em El testigo, é a atitude de vigilante que os Estados Unidos têm com

relação ao México. Como é notório, o vizinho do norte não acredita que os

mexicanos consigam controlar adequadamente o tráfico de drogas no país,

originando, consequentemente, um “processo de certificação” (Anexo III). Essa

situação complexa pode ser observada no trecho abaixo, onde Torres cita

Fernández Menéndez:

El único gran centro del narcotráfico internacional que no esinvestigado, que no está sujeto a certificación alguna, es un país queconsume 50% por ciento de las drogas ilegales que se producenmundialmente, que tiene 20 millones de consumidores habituales,seis millones de adictos, un país al cual el tráfico de " drogas legenera, según las cifras oficiales y más conservadoras, utilidades por60 mil millones de dólares anuales, que no sabe , oficialmente,quienes son los jefes de esas extensas redes y que considera quedentro de sus fronteras no hay cárteles: se trata de Estados Unidosel certificador descertificado. (FERNÁNDEZ MENÉNDEZ apudTORRES, 2009, p. 3)

Novamente se interroga se é preciso ter visto ou ter vivido o horror para

narrar, para ser testemunha. Deste modo, mais uma vez os intelectuais são

convocados a testemunhar através de sua literatura, e mais uma vez há aqueles que

acreditam que esse engajamento não é necessário, já que não é assim que se faz

literatura: “La literatura es artificio, sí.” (PARRA, 2005, p.2) Essa postura, entretanto,

é também uma maneira de deixar a confortável cadeira de expectador ou a posição

de testemunha, passando para o debate.

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Ramón Centollo (“Caranguejo”), personagem que produz uma poesia

vanguardista engajada, funciona como um espectro de Valdivieso. Ele é seu colega

desde a oficina literária de Orlando Barbosa no início dos anos 70, numa clara

homenagem de Villoro a Miguel Donoso Pareja.

“Vaquero del Mediodía”, assim é chamado o Poeta maldito Centollo, um

alcoólatra, viciado em drogas, que por falta de interlocutores deixa longas

mensagens nas secretárias eletrônicas repletas de palavrões, frases líricas ou

irônicas, discursos e conselhos, até acabar toda a fita, não só para os amigos, como

se observa:

El Vaquero del Mediodía solía leer su poesía vanguardista o radical otal vez sólo obscena en diversas grabadoras. El episcopado, lanunciatura vaticana, ProVida, los legionarios de Cristo, variosdiputados del Partido Acción Nacional habían sido escogidos parasus recitales. El poeta, ignorado en la comunidad literaria, tenía unamplio auditorio de enemigos telefónicos. (VILLORO, 2004, p. 280)

Abaixo se transcreve um dos poemas recitados por ele na secretária

eletrônica de Valdivieso, dirigido a Paola, esposa do protagonista:

«Esto va para Paola la del Ponte Vecchio, de parte de Ramón, el delPaso a Desnivel. Vivo con mis perros en un puente del Viaducto.Tengo las uñas negras y la mente de lumbre. Si no me has leído esque no has cogido. No le pidas un ejemplar a Julio porque a mí nadieme publica, o sólo me publican las grabadoras. No creo que te hablede mí; a nadie le gusta ese pasado. ¡Somos hermanos de leche! Sondatos viejos, mi reina, cosas que ya no ofenden, arqueología,memoria de la especie. Un parpadeo del sol y caen diezcivilizaciones. Perdóname, divago..., así me dicen a veces, el doctorDivago. No he dormido. Estuve inflando toda la noche. Antescomenzaba más temprano, fui el Vaquero del Mediodía. Te decíaque el tiempo es relativo pero no mi gratitud. Tu marido estuvo a laaltura del carnal chido, al menos una vez, por eso no lo dejo, mispoemas son su sombra larga, ya le dije que se cuide, pero no mepela, por eso acudo a ti, Beatriz, Laura, Diótima, Fuensanta, Inés delalma mía, luz de donde el sol la toma, culebrita panzona. El únicoorgullo de Julio es el olvido. No quiere ver ni recordar. Lo pusieron, lopusieron, lo pusieron...» (VILLORO, 2004a, p. 214)

Nessa performance de Centollo, observa-se a ironia de Villoro com a

exclamação “irmãos de leite” em referência a Olga Rojas, um affair de juventude de

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ambos. Esse poeta decadente e fracassado, que só escreve oralmente, é consciente

de que a poesia hoje deve abrir passo em meio à proliferação de discursos. Para

alguém familiarizado com o cinema, a imagem do ator mexicano Miguel Inclán, como

personagem de algum melodrama de Ismael Rodríguez, casa bem com a desse

personagem de Villoro.

O poeta mexicano e um dos fundadores do Infrarrealismo, Mario Santiago

Papasquiaro, grande amigo de Villoro desde 1973, (referência que também aparece

no romance), foi fonte de inspiração para esse personagem. O autor de El testigo

naquela época frequentava a oficina literária de contos de Donoso Pareja e o outro,

a oficina de poesia de Juan Bañuelos. (CARO, 2010, p.68) Papasquiaro também

inspirou outro personagem, o Ulisses Lima do célebre romance Los detectives

Salvajes (2004) de Roberto Bolaño.

Muitas são as semelhanças entre o poeta e o personagem Centollo, como

uma vida nômade, condenada ao silêncio e ao ostracismo, “un flâneur privilegiado

en el laberinto del D.F.” (SILVA, 2008, p. 2) e um excelente declamador: “Ante mi

incapacidad de escucharlo a las cuatro de la mañana, decidió grabar sus versos en

la máquina contestadora hasta agotar el caset” (VILLORO, 1998b, p. 1), declarou

Villoro nesse artigo sobre seu amigo.

Centollo surge como um sintoma de crise, um fenômeno urbano, pois, como

ressalta Idelber Avelar (2003) “o flâneur é testemunha de um mundo em que as

memórias individuais foram arrebatadas à tradição coletiva.” (AVELAR, 2003, p.

219), essa figura busca a realidade por meio da linguagem e explora seu poder

testemunhal. Através de uma poesia vertiginosa, irônica, obsessiva, uma mistura de

lamento, blasfêmia e prece, irrompe de uma só vez, em um choro mudo a dura

realidade mexicana, a qual sobrevive por certo tempo.

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Esse personagem complexo, rebelde, beat, um derrotado pela sociedade

literária, a qual desprezava, mas que acabou aceitando, assemelha-se à figura do

mulçumano mencionada por Agamben (2008) em sua obra: “Era um cadáver

ambulante, um feixe de funções físicas em agonia. Devemos, por mais dolorosa que

nos pareça a escolha, excluí-lo de nossa consideração”. (J. AMÉRY apud

AGAMBEN, 2008, p. 49) E, como se percebe na obra, todos se afastavam dele,

todos o ignoravam, mas ele lutou até o fim por um mínimo de espaço, que acabou

não encontrando. Valdivieso, numa profunda reflexão sobre essa figura, comenta:

Ramón Centollo no convirtió el rechazo en un programa detrabajo, ni se alimentó de la resistencia que le oponía el entornopara superarla con un incendio que exigía ser visto. Buscabaoídos, elogios, patrocinios (que en su caso ya alcanzaban el rangode limosnas). […] pensaba que el repudio que sufría era injusto,pero no se hizo a un lado ni desapareció hacia una catacumba o alpaso a desnivel que tanto mencionaba en sus mensajes. Reconoció,como nadie, la validez del sistema que lo rechazaba; con cada golpeque se daba en la frente, ratificaba la supremacía del muro. Tal vez,a fin de cuentas, no fuera sino un pésimo poeta, un vanguardista porfalta de otros méritos, un asesino de la tipografía, un beat sin másgasolina que el rencor social. (VILLORO, 2004a, p. 292)

Nesse contexto, Centollo, que não conseguiu se atualizar no debate estético,

vê diminuída sua credibilidade. Formou-se nos anos 70, e é remanescente do

movimento contracultural dos 60, que se percebe na obra que somente como

caricatura sobrevive no México atual.

3.6 Flaco Cerejido

Uma figura que quase passa despercebida no romance é Flaco Cerejido,

amigo de Valdivieso desde a infância. Esse ex-militante de esquerda atuou sob

numerosas siglas: Partido Mexicano de los trabajadores (PMT), Partido Socialista

Unificado de México (PSUM), Partido de la Revolución Democrática (PRD), “do

ecologismo, do ácido lisérgico e da psicanálise lacanina”. (VILLORO, 2004a, p. 266)

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Chama a atenção o fato de ele ser magro e alto, apresentando diversas

semelhanças físicas com o autor.

Cerejido é um amigo fiel, que apoia o protagonista em todas as dificuldades

ao longo do romance, parecendo alheio ao clima de violência que paira no ar. É, na

verdade, um personagem silencioso, que ocupa um papel de testemunha e cúmplice

de Valdivieso.

Sendo assim, após analisar tão complexos personagens percebem-se neles

características do sujeito pós-moderno, do indivíduo fragmentado, sem uma unidade

coerente, mas com múltiplas faces. São, enfim, testemunhas que tentam, cada um a

sua maneira, sobreviver. No entanto, não se pode desconsiderar a ideia de que

todos sejam, de alguma forma, produtores de discursos.

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CAPÍTULO 4: O INTELECTUAL NO MÉXICO CONTEMPORÂNEO

Los intelectuales públicamente reconocidos como tales apoyan o censurana los gobiernos, son los intérpretes reconocidos de sus comunidades, gozanen una medida significativa del privilegio social, encabezan la protestasocial, censuran a los «subversivos», son víctimas, son victimarios en lamedida de lo posible, contribuyen a la memoria histórica, le infundencreatividad al lenguaje, dictaminan, disculpan a los represores, fomentan elsentido de humor y de la ironía, protegen a la República con gruesas capasde solemnidad y textos abstrusos, son conservadores o anticlericales oradicales de tendencia anarquista, o nacionalistas o antinacionalistas oliberales o conservadores o marxistas o antimarxistas o de vanguardia o deretaguardia. Son, en síntesis, el cuerpo móvil o inmóvil que nulifica casitodas las generaciones.

Carlos Monsiváis, De los intelectuales en América Latina.

4.1 A Cidade letrada como testemunha

El testigo, como se observa ao longo desta pesquisa, destaca, entre outros

temas, a figura da testemunha no cenário político, econômico e cultural mexicano e,

de maneira relevante, a relação dos personagens que ocupam essa posição com as

autoridades sociais em dois momentos importantes da história do país: o começo e

o fim do governo do PRI.

Edward Said em Representações do intelectual: as Conferências Reith de

1993 (2005), diz que: “não pertencer deliberadamente a essas autoridades significa,

em muitos sentidos, não ser capaz de efetuar mudanças diretas e, infelizmente, ser

às vezes relegado ao papel de uma testemunha que confirma ao horror que, de

outra maneira, não seria registrado.” (SAID, 2005, p.16) Entretanto, no momento em

que a testemunha é uma produtora de discurso, surge uma relação complicada, pois

o papel relegado à testemunha não é de crítica, mas de reprodução de fatos.

Produzir discurso é, sem dúvida, a função do personagem Félix Rovirosa, o

qual, aproveitando-se de seu poder como braço direito do dono da TV, articula no

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romance com os demais personagens. Essa figura pertence, assim como o

protagonista, a uma família que já havia sido abastada: “Félix había nacido en

Puebla. Como Julio, provenía de una familia de terratenientes arruinados. Su madre

administraba una tienda de antigüedades”. (VILLORO, 2004a, p. 171)

É importante destacar que o conhecimento adquirido por Rovirosa ao longo

dos anos, ao contrário de muitos intelectuais do início do século passado, que não

precisavam trabalhar e, desde muito jovens, já realizavam viagens à Europa, é

proveniente de trabalho e estudo. No trecho que segue, ele demonstra ter conhecido

as pinturas clássicas através de caixa de fósforos:

No dijeron más. Al día siguiente, Félix quería ir a Gante a ver Laadoración del cordero místico. Hablaron de pintura, los cuadros queen su juventud conocieron por las diminutas reproducciones de loscerillos Clásicos, lo difícil que había sido enterarse de las cosas y lamotivación paradójica que había en eso, en llegar a los cuadrosobvios como a un misterio larga mente pospuesto al que sólo lleganquienes lo merecen, la sensación de que conocer lo normal era«estar en el secreto». (VILLORO, 2004a, p. 169)

Félix, ao se referir ao Políptico da Adoração do cordeiro místico, conhecido

também como Políptico de Gante ou Altar de Gante dos irmãos Hubert e Jan van

Eyck, terminada em 1432 (CABALLERO, 2011, p.1), demonstra deter informações

muito particulares e eruditas, que não fazem parte do cotidiano da população.

Esse profissional competente é a figura do romance dotado de vocação para

“representar, dar corpo e articular uma mensagem, um ponto de vista, uma atitude,

filosofia ou opinião” (SAID, 2005, p.25). Félix é uma espécie de “heraldo de la

verdad. Sin embargo, necesitaba amigos muy distintos de él. Con su peculiar mezcla

de afecto y belicosidad le había dicho a Julio: «La hipocresía es el último de tus

defectos y la primera de tus virtudes.» (VILLORO, 2004a, p. 22). Como divulgador

ou disseminador de um discurso, ele se coloca como dono e guardião dos valores

universais, tal qual se observa nesse trecho quando fala a respeito do que falta ao

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México, mencionando um dos principais intelectuais da segunda metade do século

XX:

Sabes lo que le falta a este país? —Rovirosa tenía las mejillasenrojecidas—. Honor. Eso le falta.Julio no quiso contradecirlo. Entre las muchas cosas que le faltabana algo tan defectuoso como México por supuesto que cabía el honor.Pero resultaba una prioridad algo curiosa.Nos han jodido. ¿No te da rabia?Félix Rovirosa parecía más ebrio por sus ideas que por las«cucarachas».Quiénes nos han jodido? —le preguntó Julio.Los otros. «El infierno son los otros», ya lo dijo Sartre, que era undiablo. Este puto país está mal hecho.¿Y tú lo vas a componer? (VILLORO, 2004a, p. 176)

Nessa famosa frase da peça de teatro Entre quatro paredes, publicada por

Sartre em 1945: “O inferno são os outros”, o filósofo francês ressalta que o inferno é

a consciência do outro. Neste caso, os outros seriam todos aqueles que, de uma

forma ou de outra, revelam de nós a nós mesmos. Sendo assim, Villoro traz para

discussão, nesse trecho, questões e valores que se esperam de um intelectual:

honra, consciência e livre arbítrio. Nesses tempos de relativização dos valores,

entretanto, parece ser difícil estabelecer um princípio moral universal. Talvez seja

melhor, como menciona Beatriz Sarlo: “o máximo que se pode pedir, então, é a

lealdade dos intelectuais aos princípios ideológicos ou estéticos que eles dizem ter”.

(SARLO, 2005, p. 198)

Outro personagem que apresenta uma imagem totalizadora do México é

Vikingo, um dos idealizadores da telenovela de tema cristero. Ele já havia sido um

crítico literário, tendo adquirido, então, uma visão muito aguçada da história recente

do país, conforme se observa nesse trecho:

Es increíble que una rebelión popular se haya silenciado de esemodo. Todo mundo es más o menos católico pero el PRI hizo hastalo imposible por ocultar la verdad sobre los cristeros. Es una deudamoral que viene de los años veinte. Esa gente sólo luchaba por quela dejaran rezar, gente pobrísima, como la que murió en laRevolución. ¿Te das cuenta de la injusticia?

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Julio supuso que no eran ésos los argumentos con los que su amigoconvencía a los productores.—Ahora que hay democracia y el PAN parte el queso, la Iglesia seha vuelto chic y podemos hablar de la represión más silenciada deMéxico. (VILLORO, 2004a, p. 34)

Nota-se que ele fala com a autoridade de quem, mesmo sem ter estado,

esteve presente. Vikingo não é uma testemunha de primeira hora, mas, por ser um

intelectual, pode narrar e criticar o cenário político, econômico, histórico e religioso

com a autoridade de crítico literário que já havia sido um dia. Na verdade, não é

muito fácil identificar a ideia de trabalhador intelectual na figura de um publicitário,

principalmente quando se trata de uma pessoa como Vikingo, capaz de vender um

desinfetante para banheiro e um candidato político com a mesma facilidade.

Dois velhos amigos eruditos (Monteverde e Donasiano) envolvem Valdivieso

no projeto da telenovela. O primeiro, cujo nome indica uma espécie de nexo entre o

ecologismo e o narcotráfico, demonstra possuir vínculos bem estreitos com esse

grupo. E o segundo, um historiador, que somente pesquisa, não mais publicando,

abordam assuntos com o protagonista com a mesma autoridade de quem havia

estado na Guerra Cristera ou convivido com Ramón López Velarde:

—Acuérdese de ese personaje de Ibargüengoitia, don Julio, ungeneralote que reconoce que si en México hubiera elecciones libresganaría el señor obispo. El gobierno no le pudo robar la fe a lainmensa mayoría. Ya hubo elecciones libres. La historia nos debeuna, se lo digo sin revanchismo, es un mero hecho de justicia. Pienseen su propia familia, mancillada durante décadas de expropiaciones.Era gente de trabajo. En Los Cominos los hacendados vivían comopobres y morían ricos. Su único lujo era dejar algo. Hemos vivido unsiglo de corrupción y despojo. Pero el asunto rara vez se enfoca conluces verdaderas. Perdone si me pongo incómodo, pero losintelectuales subsidiados han defendido una violencia que jamáspadecieron; las universidades se llenaron de profesoressocialistoides para rendirle culto a Villa y Zapata. Acuérdese de loque esos bárbaros hicieron en la ciudad de México; entre otrascosas, los zapatistas arrasaron el jardín japonés del poeta Tablada.Ramón López Velarde había ido a esa casa en Coyoacán y admirabaal autor de Hostias negras —Monteverde extendió una mano que enla penumbra parecía enguantada—. Le pido que no me descartecomo curita de pueblo. No hablo en nombre de la gente «decente»,

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criolla, «linajuda», como decimos aquí en San Luis Polvosí; eso se lodejo a los fanáticos sin lecturas. Pienso igual que los grandes poetasde este país. Aquí la palabra ha sido salvada por los conservadoresilustrados. Algunos de ellos tuvieron sus veleidades izquierdistas,como Paz, pero todos optaron por la civilización en contra de laviolencia. (VILLORO, 2004a, p. 94)

Nesse trecho, ao dominar temas literários, políticos, econômicos e sociais,

colocando-se como ilustrados, eles demonstram erudição. Monteverde menciona

claramente a relação de dependência financeira entre os intelectuais e o governo

priísta, além de criticar o posicionamento daqueles que renderam cultos a Pancho

Villa e a Emiliano Zapata, ressaltando que tais intelectuais apoiavam uma violência

que apenas haviam observado, quase sempre, à distância. O padre se coloca como

um ilustrado, não como um “curita” de povoado, mas pensa como os “grandes

poetas”, os quais, algumas vezes, colocam-se à esquerda, da mesma forma que

Octavio Paz, sendo, porém, totalmente contrários à violência. Em outras situações,

Monteverde critica a atitude dos intelectuais, não mais reivindicando seu posto como

tal:

—México ya cambió —dijo el sacerdote—. Llevamos casi un sigloesperando esta oportunidad. La Revolución se acabó.—Se acabó en 1921.—Es increíble que los intelectuales se hayan creído la historia oficial.¿No mencionó usted la placa de ese patriota en la tumba de PorfirioDíaz? En 1994 clamaba por el fin de la ignominia. ¿Le parecen pocossetenta y un años con el PRI en el poder? […] ¿Y qué me dice de loscristeros, gente masacrada por su fe?Los argumentos de Monteverde le parecieron rebatibles. También loconvencieron del potencial de la telenovela fraguada por el VikingoRuiz. (VILLORO, 2004a, p. 93)

Como se nota nesse fragmento, Monteverde critica o silêncio dos intelectuais,

pois sabe que eles não haviam acreditado na história oficial, mas, por manterem

uma relação íntima com o poder, não puderam se posicionar criticamente diante de

fatos importantes ocorridos em 1994. Basta relembrar as diferentes versões,

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assinalando a existência de uma conspiração do Estado, para o assassinato de Luís

Donaldo Colosio, candidato à presidência pelo PRI e o levantamento zapatista

ocorrido no Estado mexicano de Chiapas, coordenado pelo grupo armado Ejército

Zapatista de Libertación Nacional (EZLN), que, no início desse mesmo ano,

organizou uma ação militar contra o governo. Cabe destacar que essa rebelião, por

reivindicar direitos dos povos indígenas e dos pobres, alcançou difusão internacional

e que essa ação do EZLN coincidiu, não por acaso, com a entrada em vigor do

Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN) no México.

A relação dos personagens com o narcotráfico se torna mais evidente através

de Constantino Portella, o qual Valdivieso, inicialmente, acreditou ser um bronco, um

limitado. No entanto, logo é possível perceber tratar-se de uma figura erudita,

consciente de seus atos e que havia optado por utilizar seu conhecimento para

escrever narconarrativas. No final do romance, devido a sua visão ampla, a respeito

tanto do narcotráfico quanto da mídia, e por ter alcançado o reconhecimento

internacional, é ele quem se tornará o roteirista da telenovela sobre os cristeros. Em

El testigo, tal notoriedade é destacada em dois momentos: quando menciona que

Portella havia sido fotografado por um brasileiro: “Esa mañana, un fotógrafo

brasileño había ido a retratarlo y le pareció divertido que el escritor posara lejos de

sus libros, en la intemperie donde sus personajes se rifaban la vida” (VILLORO,

2004, p. 241), e quando se torna também capa de uma importante revista

americana: “Salió en la portada de Newsweek para América Latina como el enemigo

número uno de los barones de la droga”. (VILLORO, 2004a, p. 305) Esses fatos

darão a legitimidade que Por el amor de Dios necessita.

Em diversas cenas do romance, Portella aparece com função legitimadora,

agente de difusão de um discurso, que certamente não domina com profundidade,

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pois nunca havia sido vítima do narcotráfico nem tido algum tipo de envolvimento

com esses grupos. Entretanto, através de sua narrativa, ele pode falar sem, no

entanto, ter que provar:

Entonces escuchó al novelista con más detenimiento: su protagonistachino tenía un tatuaje espectacular en la espalda, el Dragón de Metaldel horóscopo chino. Después de trabajar en un restorán de Mexicali,llegaba a dominar el tráfico de heroína en el sur de Estados Unidos,siempre al servicio de Hong Kong. —Es el ultracártel del Pacífico —dijo Portella—. El futuro está en la amapola; somos el segundoproductor después del Triángulo Dorado (Birmania, Laos y Tailandia);aunque todo puede cambiar ahora que Afganistán se liberó de lostalibanes y vuelve a producir drogas. —Estamos usando agua consal para conservar la flor de calabaza. Debe ser ideal para laamapola —comentó Chucho Rodríguez Gámez. (VILLORO, 2004a,p. 342)

Ramón Centollo, um nome bastante sugestivo para um poeta, pois nota-se,

no romance, que ele caminha literalmente para trás, para as vanguardas dos anos

sessenta, é um intelectual sem tribuna, sem espaço, e que, por falta de

interlocutores, deixa mensagens nas secretárias eletrônicas. Esse fato fica muito

claro quando, ao encontrar seu amigo Valdivieso, recorda as aulas de prosa e

poesia na UNAM, dizendo: “Piso 10 Torre de Rectoría de Orlando Barbosa. 1973-74.

Ahí estuvimos todos. Todos los que después no sucedimos” (VILLORO, 2004a, p.

181), ou seja, ambos ficaram somente na promessa, uma vez que não chegaram a

ser o que se esperava deles naqueles anos tão turbulentos do pós-68, mesmo que,

aparentemente, Valdivieso esteja em melhor posição que ele.

Para recorrer às palavras de Said (2005), Centollo é “uma figura solitária, de

certo modo arredia, que não se adapta de jeito nenhum à sociedade e é, por isso

mesmo, um rebelde completamente à margem da opinião estabelecida” (SAID,

2005, p.74). É, na verdade, um poeta, um mendigo, um erudito, um profundo

conhecedor da Escola de Frankfurt:

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Nadie conoce una ciudad como los policías y los mendigos. Perdónpor este arrebato sociológico, pero a veces me da por la Escuela deFrankfurt, y yo estoy en una interesante intersección sociométrica: unmendigo con alma de investigador de homicidios. (VILLORO, 2004a,p. 186)

Esse personagem complexo comenta com Valdivieso que não tinha

acontecido como poeta e escritor, porque não havia se vendido, pois ele sabe como

funciona o meio cultural em seu país. Apresentando então uma visão que serve para

todos, Centollo diz: “Las mafias no me dejaron. Ya sabes cómo es esta pocilga. Si

no le llames los huevos al príncipe, te jodes. Aquí sólo hay cortesanos.” (VILLORO,

2004a, p. 181)

Desta forma, o “Vaquero del Mediodía”, apelido de Centollo, o qual já havia

publicado em vários países, invoca as vanguardas latino-americanas que se haviam

posicionado no campo literário com uma atitude provocadora, transgressora e que

“buscaron desplazar las figuras consagradas e imponer nuevos valores estéticos,

éticos y políticos” (CARRILLO, 2006, p. 64), para tentar demonstrar o seu

posicionamento no campo literário mexicano, ao qual ele jamais pertenceu, como se

observa nesse trecho:

No hay lugar para los poetas de hierro. Nunca habrá geniosindecentes, irregulares, hijos de la chingada. Las vanguardias chidasde América (El Techo de la Ballena, los Nadaístas, La Mandrágora)jamás hubieran ocurrido en México. La rebeldía no es de esterancho. Publiqué en revistas de Perú, de Chile, de Colombia, deVenezuela, ahí tengo brothers, ahí están mis pares, mis carnales delalma, ¡chupe y chupe! Ahí no importa si un poeta se coge a su perro,no tienes que ser un señorito, un gentleman fifirifi, uncosmopolitólogo, todo lo que hay que aparentar en Mexicalpan de lasTunas. Rolé por los Andes y el Amazonas, encontré poetas delumbre, no mamadas, nada de haikus sobre la caída de la hoja.(VILLORO, 2004a, p. 181)

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Esses grupos vanguardistas latino-americanos mencionados por Centollo: El

techo de Ballena, Nadaístas e Mandrágora30 estabeleceram uma comunicação fluida

com todo o continente e, em alguns casos, chegaram à provocação, não somente

através da palavra, mas também com espetáculos e performances, inclusive com

atuações públicas. É através de Centollo que se percebe uma crítica de Villoro aos

grupos vanguardistas mexicanos, pois os poetas que pertenceram a esses grupos

haviam proposto transformações radicais, verdadeiras revoluções literárias e

artísticas no âmbito do campo literário. Acrescente-se que, como destaca Carmen

Virginia Carrillo em seu artigo “Grupos poéticos innovadores de la década de los

sesenta en Latinoamérica” (2006), eles haviam apresentado:

Las innovaciones expresivas [que] perseguían nuevas formas deintermediación con un público al que se quería sorprender, fascinar ypolarizar en pro de la casa. Entre las metas a seguir se encontraba laintegración del arte con la praxis política; a través de esta vía losescritores buscaron imponer, en el ámbito social, los nuevos valoresque habían alcanzado un reconocimiento en el campo literario.(CARRILLO, 2006, p. 64)

No romance, aparece um personagem discreto, presente em momentos

difíceis para Julio Valdivieso e que parece uma espécie de consciência crítica do

protagonista: Flaco Cerejido. Conforme já mencionado nessa pesquisa, o autor de El

testigo é grande admirador de Cortázar: “Yo quería ser um personaje de Cortázar.

Nunca pensé que estaba distanciándome de su escritura”. (VILLORO apud ARIAS,

2008, p. 1) Percebe-se em muitos textos, que Villoro procura aproximar sua escrita à

do autor argentino.

30O grupo El techo de Ballena surgiu em 1961, na Venezuela e teve como fundador CarlosContramaestre, que o nomeou assim inspirado no livro de Jorge Luis Borges Antiguas literaturasgermánicas, 1951, onde encontrou o termo. O movimento artístico literário Nadaísmo surge naColômbia em 1958 em meio a uma sociedade reprimida pelas instituições políticas e religiosas.(CARRILLO, 2006, pp.64-76) Mandrágora surge no Chile em 1938, com o Manifesto: Mandrágorapoesía negra. Esse grupo foi fundado por Braulio Arenas, Teófilo Cid, Enrique Gómez-Correa e JorgeCáceres. Além dos fundadores contou com os colaboradores: Vicente Huidobro, Pablo de Rokha,Nicanor Parra entre outros. (MÜLLER-BERGH, 1986, p.648)

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Logo nas primeiras páginas de El testigo, o narrador comenta sobre

Valdivieso: “Con la misma nostalgia anticipada pasó por la carita sonriente en la

tumba de Cortázar, él, que leyó Rayuela como un libro de autoayuda, fue a París a

agregarle un capítulo y no hizo otra cosa que vivir ahí”. (VILLORO, 2004a, p. 24).

Villoro declarou em entrevista que: “Cortázar fue un autor al que yo leí como libro de

autoayuda, con una idolatría absoluta, sin distanciarme de él, queriendo

enamorarme de La Maga, irme a vivir a París, fumar tabaco oscuro oír discos de

jazz...” (VILLORO apud ARIAS, 2008, p. 1)

Observa-se no personagem Flaco características físicas semelhantes à do

autor e a de Valdivieso: magro, alto, com barba e, como disse Bolaño de Villoro,

“não é covarde nem caníbal.” (BOLAÑO, 2011, 67). Ele é ex-militante do Partido

Mexicano dos Trabalhadores e do ecologismo. Trata-se de um intelectual

aparentemente engajado, exemplo da mudança que, nos anos 60, com o declínio da

contracultura, vai-se consolidando no México, transformando-se em algo que,

mesmo de forma cautelosa, deve ser chamado de sociedade civil. Por sua trajetória

exemplar, afirma-se que “Flaco Cerejido, [estava] siempre bronceado por las

marchas adonde lo llevaba la sociedad civil” VILLORO, 2004, p. 56). Ele é também

doppelgänger de Valdivieso deste lado do Atlântico, o único que o acompanha de

maneira solidária, compreensiva e afável. Alheio ao jogo de intrigas que se tece em

torno da figura de López Velarde, Cerejido estava sempre nas passeatas, mas

nunca havia sido preso nem machucado, numa militância inofensiva, que lhe

causara somente bronzeamento. Flaco é quem consola e apóia Valdivieso toda vez

que o protagonista passa por alguma vicissitude. No entanto, em sua passividade,

esse personagem parece alheio ao clima de violência instalado em El testigo.

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Nesse contexto, a tensão entre Valdivieso-Cerejido aproxima-se de Oliveira-

Traveler, personagens de Rayuela (1963), de Julio Cortázar. Na obra do escritor

argentino, Horacio Oliveira que viajou para estudar em Paris, seria reflexo de Julio

Valdivieso, enquanto que Flaco Cerejido, de Treveler, amigo de infância de Oliveira,

assim como Flaco é de Valdivieso. No entanto, parece que em El testigo há uma

inversão, pois Cerejido, assim como Oliveira, não trabalha, é livre. Já Valdivieso tem

cumprir horários, trabalhar, cuidar das filhas, nesse aspecto, inclinando, para

Treveler, que também tem um ofício, mesmo que seja no circo.

Outro personagem discreto, Jean-Pierre Leiris, aparece na obra como uma

homenagem de Villoro a dois importantes intelectuais franceses do século XX, o

filósofo, escritor e crítico Jean-Paul Sartre e o também escritor, etnólogo e crítico de

arte Michel Leiris. Ambos acreditavam que o intelectual tinha de desempenhar um

papel mais ativo na sociedade, exatamente como se observa nesse trecho com o

personagem de El testigo:

Mientras se secaba en el hotel, Julio recordó su último encuentro enParís con Jean Pierre Leiris. Colocó su copa de Pernod muy cerca dela nariz para mitigar el olor del Hombre de Negro. Su colega era locontrario del proselitista: no quería convencer sino agraviar. En elsopor del Café Cluny, Leiris asumió su habitual tono retador: leparecía increíble que Paola, la esposa de Julio, estuviera mucho másal tanto de lo que pasaba en México y tradujera a autores que élapenas conocía. Luego Leiris habló pestes de los intelectualesmexicanos, mandarines subvencionados que conspiraban al modode los clérigos: «A ver si no te vuelves un protegido cuando regreses,uno de esos chulos de putas», habló con incierto españolismo,«aunque más bien eres un criollo metafísico, un mariachievaporado.» (VILLORO, 2004a, p. 18)

Com esse personagem, frequentador do Café Cluny, fundado em 1869 e que,

em outras épocas, teve a presença de importantes intelectuais, como Jean Paul

Sartre, Paul Verlaine, Simone de Beauvoir, Arthur Rimbaud, Marguerite Duras,

Ernest Hemingway, entre outros, Villoro traz uma discussão sobre o posicionamento

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desinteressado de Valdivieso, destacando que sua esposa italiana tinha mais

informações a respeito do México do que ele. Leiris critica também os intelectuais

mexicanos que recebem apoio financeiro do governo, os mandarines, ou seja, as

pessoas influentes nos ambientes políticos, artísticos e literários, pois ele sabia que

esse não era o caso de Valdivieso.

Mais adiante, nota-se a preocupação de Valdivieso com o número de pessoas

que vão assistir à telenovela Por el amor de Dios, e ele frisa que, em vez de o país

caminhar para a democracia, estava retrocedendo:

Esa noche Julio Valdivieso quiso saber muchas cosas que no leimportaban. La telenovela sería vista por veinte millones, un hito enla cultura nacional. Habría escenas fuertes: ahorcados, fusilamientos,torturados, la incómoda verdad. Hubiera sido capaz de compartir sutorta especial de chorizo a cambio de que Jean-Pierre Leirisescuchara que México había entrado a la democracia para recuperarsu fervor católico. Eso era el futuro: un viaje atrás, al punto donde lapatria erró el camino. (VILLORO, 2004a, p. 36)

No final do trecho destacado, o narrador comenta que assim é o futuro no

México, uma viagem para trás. E enfatiza que, se tinha havido alguma possiblidade

de mudança no país, deveria ter acontecido nos anos posteriores à Revolução

Mexicana, no período de Ramón López Velarde, das vanguardas, da expansão e

popularização dos meios de comunicação e das universidades, da reforma agrária,

enfim, da reestruturação do Estado, o que não ocorreu.

Valdivieso é convocado como testemunha de fatos que não presenciou, mas,

por ser um intelectual, não é preciso ter visto ou vivido para que seu discurso seja

aceito. Como testemunha, ele não precisa se posicionar, pois o que se espera é que

somente narre os fatos. No entanto, o protagonista é um intelectual, e o que todos

cobram dele é que assuma um lado: “México se radicalizaba, Julio no podía seguir

en su torre de marfil.” (VILLORO, 2004a, p. 25) Ele tem uma visão ampla do país,

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conhece sua história, seus problemas e dificuldades, e comenta: “—México sigue

siendo un rancho infumable, pero empiezan a remitir los odios acumulados durante

setenta y un años. Lo que el PRI institucionalizó no fue la Revolución sino el rencor”.

(VILLORO, 2004a, p. 178)

Nota-se nesses trechos destacados no parágrafo anterior que Valdivieso trata

de vários temas com a autoridade de quem esteve presente nos fatos, oferecendo

uma visão totalizadora e produzindo um discurso que serve para todos. Ele não é

disseminador dos ideais universalizantes; no entanto, como menciona Maurice

Blanchot, citado por Adauto Novaes: “Não existe, portanto, essa figura do intelectual

em tempo integral ou inteiramente intelectual”. (BLANCHOT apud NOVAES, 2006, p.

12)

Após a morte de Centollo, Valdivieso faz uma longa reflexão a respeito das

oportunidades que haviam sido recebidas e conclui deste modo: “A la tristeza de su

muerte y la vida que los trató en forma tan desigual se aunaba la posibilidad de un

vacío central: que el poeta hubiese olido a rancio y a atarjea sin que eso significara

un peaje para obtener visiones de magnífico maldito”. (VILLORO, 2004a, p. 293),

mas, mesmo assim, não voltou a escrever, nem sobre a vocação do “Vaquero del

Mediodía”, fazendo o mesmo com López Velarde e o México que veio depois de sua

morte.

Sendo assim, a construção do romance com personagens hiper-conscientes,

com um narrador que ainda possui a capacidade de narrar (o que a literatura do

século XX, por desconfiar dessa potência, deixou de lado), estabelece uma tensão

entre testemunhas e intelectuais. Desta forma, após análise dos personagens acima,

pode-se perguntar: essas são realmente falas de testemunhas?

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4.2 Os intelectuais e o poder no México contemporâneo

O escritor chileno Roberto Bolaño, amigo de Juan Villoro, que viveu vários

anos no México e se ocupou desse país em muitos de seus textos, apresenta em

sua obra 2666 (2004) personagens travando uma discussão sobre a relação entre

os intelectuais e o poder na América Latina, principalmente no México, destacando

que, cada vez que o Estado quer calar um intelectual, dá a ele um emprego, como

se observa no trecho:

–Bueno, es el típico intelectual mexicano preocupado básicamenteen sobrevivir –dijo Amalfitano. –Todos los intelectualeslatinoamericanos (grifo do autor) están preocupados básicamente ensobrevivir, ¿no? –dijo Pelletier. –Yo no lo expresaría con esaspalabras, hay algunos que están más interesados en escribir, porejemplo –dijo Amalfitano. –A ver, explícanos eso –dijo Espinoza. –Enrealidad no sé cómo explicarlo –dijo Amalfitano–. La relación con elpoder de los intelectuales mexicanos viene de lejos. No digo quetodos sean así. Hay excepciones notables. Tampoco digo que losque se entregan lo hagan de mala fe. Ni siquiera que esa entregasea una entrega en toda regla. Digamos que sólo es un empleo. Peroes un empleo con el Estado. En Europa los intelectuales trabajan eneditoriales o en la prensa o los mantienen sus mujeres o sus padrestienen buena posición y les dan una mensualidad o son obreros ydelincuentes y viven honestamente de sus trabajos. En México, ypuede que el ejemplo sea extensible a toda Latinoamérica, salvoArgentina, los intelectuales trabajan para el Estado. Esto era así conel PRI y sigue siendo así con el PAN. El intelectual, por su parte,puede ser un fervoroso defensor del Estado o un crítico del Estado.Al Estado no le importa. El Estado lo alimenta y lo observa ensilencio. (BOLAÑO, 2004, p.109)

A situação discutida por esses personagens não é recente e, como pôde ser

observado ao longo dessa pesquisa, principalmente no segundo capítulo, a relação

entre os intelectuais e o poder é ambígua desde o porfiriato. Nesse período, a

estreita relação de Porfirio Díaz com os Científicos demonstra essa situação, pois,

desde o século XIX, escritores foram recrutados para os serviços diplomáticos,

refletindo um costume extendido a toda América Latina. A prática cumpria uma dupla

função: “El hombre de letras prestigiaba al país en el exterior y el Estado ejercía una

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especie de mecenazgo, como también lo hicieron algunos grandes diarios, al

proporcionarle al escritor sus medios de vida”. (ALTAMIRANO, 2010, p. 18)

As gerações seguintes, os ateneístas (1910) e os siete sabios (1915), apesar

de apenas cinco anos de separação, apresentam características bem diferentes,

pois: “ sus diferencias fueron determinadas por el contexto histórico: si los primeros

fueron humanistas diletantes, los segundos fueron intelectuales íntimamente

comprometidos con la reconstrucción y la transformación del país: eran intelectuales

“de pico y pala””. (GARCIADIEGO, 2010, p. 34), ou seja, enquanto os porfiristas e os

ateneístas atuaram em âmbitos políticos, os siete sabios se dedicaram

majoritariamente às atividades acadêmicas e culturais. No entanto, nenhum desses

fatores os afastou do poder estatal.

Nesse contexto, José Vasconcelos é uma figura representativa do período,

pois, com uma ampla política educativa e cultural, obteve muitos logros e, até

meados do século XX, seu projeto foi exemplo e herança sem precedente. A relação

do Estado mexicano pós-revolucionário com os intelectuais tem características

únicas:

Para comenzar, dicho Estado asumió como propia, imprescindible eimpostergable la función de fomentar una identidad nacional quedefiniera a México como un país nacionalista, justiciero y progresista.Esto facilitó el establecimiento de relaciones fluidas y abiertas con losintelectuales, y hasta meados del siglo XX apenas hubo quienesfueron críticos radicales del gobierno. En la medida que el Estadoposrevolucionario mexicano no fue totalitario, los intelectualespudieron mantener relaciones con los sucesivos gobiernos, de losque fueron ideólogos, funcionarios y representantes diplomáticos, osimplemente beneficiarios de sus numerosos proyectos educativos yculturales”. (GARCIADIEGO, 2010, pp. 36-37)

Assim como os científicos, os ateneístas, os siete sabios e outros grupos de

intelectuais, entre eles os estridentistas e os contemporáneos, todos ocuparam não

apenas cargos diplomáticos, mas também políticos, econômicos e administrativos.

Esse fato é relatado por Villoro em El testigo, referindo-se ao escritor, diplomata,

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ensaísta, poeta e Diretor Geral da Unesco entre 1948-1952, Jaime Torres Bodet,

como se oberva: “Nada tan decisivo como el fin de los poetas, la firma de su vida.

Torres Bodet existió como burócrata, pero murió como poeta, de un tiro en su

escritorio”. (VILLORO, 2004a, p.184)

Conforme já foi mencionado, os estridentistas tiveram um envolvimento maior

com a política, ocupando cargos públicos, inclusive, a nomeação de Maples Arce,

seu líder, para deputado. No entanto, cabe ressaltar que, mesmo um grupo apolítico

como os contemporáneos, cuja prioridade era a literatura e que rejeitaram o

nacionalismo exacerbado do México revolucionário, o uso da injustiça social e da

violência rural como únicos temas literários, assumiram, também responsabilidades

públicas junto ao governo. Entretanto, a atitude predominante desse grupo foi o

ofício literário, como menciona Javier Garciadiego em seu artigo “Los intelectuales y

la Revolución Mexicana” (2010) que:

sin compromisos mayores con el proceso político y sociocultural de laRevolución, puede asegurar que se dio entonces el primer deslindeentre los principales intelectuales del momento y el Estado mexicanoposrevolucionario. De cualquier modo, sólo un puñado de jóvenesleyó a los escritores del grupo Contemporáneos. Su literatura fuecriticada por elitista y carente de nacionalismo. Su impacto inmediatofue menor. Además, dado que para sobrevivir varios de los“Contemporáneos” mantuvieron empleos menores en el aparatogubernamental, el deslinde nunca llegó a ser confrontación.(GARCIADIEGO, 2010, pp. 36-37)

Na década de 1940, o projeto filosófico de Hiperión, do qual Luis Villoro (pai

de Juan Villoro) era um de seus líderes, toma conta do pensamento acadêmico, e a

discussão a respeito da tipicidade do mexicano é utilizada pelo Estado com o apoio

de intelectuais, principalmente desse grupo, para fomentar o nacionalismo no país.

Bartra, ao criticar esse período, diz:

«Mexicano típico»: es un problema completamente falso, que sólotiene interés como parte del proceso de constitución de la culturapolítica dominante. La idea de que existe un sujeto único de la

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historia nacional - «el mexicano» - es una poderosa ilusióncohesionadora; su versión estructuralista o funcionalista, que piensamenos en el mexicano como sujeto y más en una textura específica -«mexicano» - , forma parte igualmente de los procesos culturales delegitimación política del estado moderno. La definición de«mexicano» es más bien una descripción de la forma como esdominado y, sobre todo de la manera en que legitimada laexplotación. (BARTRA, 2009, p. 20)

A geração da década seguinte, conhecida como a Generación del Medio del

Siglo, pode ser definida por uma postura contrária às tendências nacionalistas dos

anos 40, sustentada no questionamento da Revolução e na denúncia das

promessas revolucionárias não cumpridas por parte do governo mexicano. Muitos

membros dessa geração fizeram parte do Centro Mexicano de Escritores, fundado

em 1951 com um amplo sistema de bolsas através do apoio da Fundação

Rockefeller. Esse Centro recebeu financiamento: “de destacados hombres de

negocios y empresas mexicanas, tanto públicas como privadas” (ALBARRÁN, 1998,

p. 3).

Para se demonstrar o que significou o Centro para esta geração na promoção

da literatura mexicana desde a década de 50, destaca-se: a Poesía en Voz Alta (que

iniciou em 1956), a Casa del Lago (fundada em 1959) e alguns livros que vieram à

luz graças ao sistema de bolsas: “Pedro Páramo, La región más transparente, Balún

Canán, Farabeuf, Morirás lejos y La señal, entre muchos otros”. (ALBARRÁN, 1998,

p. 5, grifo nosso)

Considerando o domínio do Tratado de Livre Comércio, o aumento da

pobreza e do narcotráfico, na crescente fuga de mexicanos para os Estados Unidos

em busca de sustento, no excessivo poder dos meios de comunicação em seu

fomento à democracia, na vídeo-democracia comandada por grandes consórcios

comunicativos, como está representado os intelectuais em El testigo? Essa íntima

relação entre os intelectuais e o poder intervém em sua principal função: “o principal

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dever do intelectual é a busca de uma relativa independência em face de tais

pressões.” (SAID, 2005, p.15) Assim, percebem-se os signos visíveis do fracasso da

Revolução Mexicana num contexto que engloba partidos políticos marcados por

escândalos de corrupção, um sistema parlamentar corrupto desde suas estruturas, a

influência do Estado através de um enorme sistema de bolsas, apoios e empregos,

uma sociedade de classes, com um elitismo excludente e com baixo

desenvolvimento econômico e consequentemente educativo. Esse fato pode ser

observado nos empregados da família do protagonista, nas condições desumanas

em que vive o capataz Eleno e também no filho de Ignacia, que não frequenta a

escola e está aprendendo com ela as primeiras lições em um pedaço de papel.

Não é nenhuma novidade que, atualmente, vive-se em tempos de incerteza,

pois a situação se radicaliza à medida que valores universais como liberdade,

justiça, razão, objetividade e verdade, matérias do intelectual, estão perdendo

legitimidade e valor. Tempos pós-apocalípticos – Carlos Monsiváis, Hipermodernos

– Gilles Lipovetsky, Modernidade líquida – Bauman ou Pós-modernos para Terry

Eagleton, que diferencia pós-modernismo de pós-modernidade, sendo que o

primeiro, para Eagleton (1998), refere-se em geral a uma forma de cultura

contemporânea, enquanto que o termo pós-modernidade: “é uma linha de

pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e

objetividade, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos

definitivos de explicação. (EAGLETON, 1998, p. 7)

Vale reforçar que o termo pós-modernidade é complexo, principalmente no

que se refere à dificuldade para tentar denominar o momento em que se vive, já que

não abarca claramente o que vem acontecendo no âmbito cultural, histórico, político,

social e econômico. No entanto, essa é a expressão mais popular utilizada nas

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últimas décadas. Momento em que está inserida a figura do intelectual, fruto de seu

tempo e das relações nele estabelecidas. Tempos conflituosos, fluidos, onde não há

mais espaço para o intelectual universal, se é que, em algum momento, houve tal

categoria, pois qualquer definição é sempre decorrente do período em que se vive.

Na verdade, o termo intelectual vem sendo discutido ao longo do século XX por

inúmeros autores, destacando-se Antonio Gramsci, Julien Benda, Jean Paul Sartre,

Carlos Monsiváis, Edward Said, Francisco Oliveira, entre outros. São inúmeras,

entretanto, as questões levantadas, principalmente no que se refere às críticas ao

seu engajamento, comprometimento e participação na sociedade.

A partir dos anos de 1960, percebe-se no contexto latino-americano um

deslocamento do clássico homme de lettres, escritores, críticos e expositores de

cátedra, sendo substituídos gradativamente por profissionais universitários cada vez

mais especializados e sem o brilho dos generalistas do passado, numa tendência

que afeta claramente os intelectuais de inclinações esquerdistas e revolucionárias. É

preciso frisar que, antes desse período, não existiam muitas dúvidas em relação à

“essência” e à função dos intelectuais, uma vez que se percebia claramente o seu

compromisso com a verdade, a justiça e a democracia. No entanto, em algumas

gerações, os intelectuais passaram de uma consciência crítica de nação a meros

especialistas em legitimação.

Ao longo do tempo, o termo foi ganhando contribuições importantes,

destacando-se Jean Paul Sartre e Edward Said. Quanto a Sartre, trata-se do incisivo

Em defesa os intelectuais, cuja publicação francesa é datada de 1972, na qual foram

reunidas três conferências proferidas no Japão em 1965. Acerca de Said, considera-

se fundamental a obra Representações do intelectual, conjunto de seis conferências

pronunciadas na BBC em 1993.

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Para Sartre, “o intelectual é alguém que se mete no que não é de sua conta”

(SARTRE, 1994, p.14), o que demonstra uma inquietude diante da vida e da

sociedade. Pensamento compartilhado por Said, que trata o papel público do

intelectual como “um outsider, um “amador” e um perturbador do status quo” (SAID,

2003, p.12). Ao advogar o papel de amador para o intelectual, Said destaca o

sentido de que somente assim poderia agir e lutar por causas maiores e alheias as

suas, e não está tratando o termo como sinônimo de amadorismo ou

desconhecimento, mas como forma de manter uma relativa independência no que

se refere à esfera pública, contra a qual ele intervém criticamente.

“Intelectual engajado: uma figura em extinção?” Esse é o título do artigo de

Marilena Chauí publicado no livro O silêncio dos intelectuais (2006), um

questionamento que propõe três causas possíveis para a extinção desse

engajamento. A primeira delas é o abandono das utopias revolucionárias, a rejeição

à política e um ceticismo desencantado. A segunda é, sob os imperativos do

neoliberalismo, o encolhimento do espaço público e o alargamento do privado. Já a

última refere-se à nova forma de inserção do saber e da tecnologia no modo de

produção capitalista. (CHAUI, 2006, pp. 29-30) Ao levantar as possíveis causas,

Chauí (2006) traz à discussão o retraimento do engajamento, a ausência de

pensamento e o silêncio dos intelectuais.

Nesse contexto, a partir de Sartre e do modelo do intelectual engajado,

percebe-se que esse intelectual não pretende mais abarcar o todo, aproximando-se

criticamente de fenômenos que o cercam, como a globalização, a violência, a

política e a mídia. Em outras palavras, o intelectual transformou-se numa

testemunha atenta de seu tempo, conseguindo perceber que tudo a sua volta está

em profunda convulsão.

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Pode-se considerar que a relevância dos intelectuais no panorama político e

cultural latino-americano, apesar de estar em claro declínio, ainda é altamente

elevado em países nos quais amplas camadas da população apresentam

dificuldades para acessar a palavra escrita. Esse fato acaba por converter o

intelectual numa espécie de intérprete de emergência e guru acidental. (VILLORO y

VOLPI, 2000, p.3)

É possível afirmar que o intelectual clássico sartreano, proclive do ensaio

literário e nutrido de conhecimentos teóricos e históricos, encontra-se agora em

decadência, mas não em extinção. Deslocado pelo especialista de tendências

tecnocratas, com formação acadêmica delimitada pelo mercado laboral, não dispõe

de uma renda financeira própria das antigas elites, mas de salários obtidos no

âmbito universitário, na administração de bens culturais e, ocasionalmente, na

investigação científica. Entretanto, como destaca o filósofo argentino Hugo Celso

Felipe Mansilla:

no hay duda de que los intelectuales todavía exhiben un pesorelativamente importante a la hora de formular políticas públicas, deenunciar alabanzas o críticas importantes a las accionesgubernamentales, de desarrollar temáticas relevantes en el seno delos masivos de comunicación y esbozar fragmentos de una futuraconsciencia nacional. (MANSILLA, 2002, p. 435)

No entanto, não se pode desconsiderar que, diante do inegável processo de

modernização na atualidade, o intelectual se transforme, desaparecendo quase que

completamente a sua função clássica de espírito crítico. E, mesmo com o processo

democrático, pode-se constatar uma atmosfera de desencanto, relativismo e

pessimismo, que pode ser percebida no âmbito sociocultural. Tal fato se deve, em

última instância, ao desempenho nada promissor das variáveis econômicas e

político-institucionais e, em menor grau, ao afastamento da intelectualidade de seu

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posicionamento crítico e até contestatório para se integrar com surpreendente

facilidade às estruturas de poder dos regimes neoliberais.

Os intelectuais de El testigo, na maior parte dos casos, apresentam essa

particularidade pós-moderna mencionada anteriormente, no sentido de que

perderam a fé nas grandes estruturas de pensamento e paradigmas, estando

ligados a centros de poder e procurando de todas as formas uma reatualização da

história e da memória histórica a partir de determinado ângulo.

Em relação a essas mudanças, já em 1995, em seu artigo “Neoliberalismo à

brasileira” (2010b), o professor Francisco Oliveira destacava a situação dos

intelectuais diante das mudanças neoliberais, tratando particularmente da “tirania

neoliberal, cujas consequências sociais já veremos; mas, principalmente, seu risco

maior é o de legitimar uma enorme onda conservadora” (OLIVEIRA, 2010b, p. 28),

mencionando, certamente, a situação do Brasil, servindo, no entanto, para pensar

também a América Latina. Já em outro artigo publicado também em 1995, intitulado

“Balanço do neoliberalismo” (2010), Perry Anderson afirma que:

a virada continental em direção ao neoliberalismo não começouantes da presidência de Salinas, no México, em 88, seguida dachegada ao poder por Menem, na Argentina, em 89, da segundapresidência de Carlos Andrés Perez no mesmo ano, na Venezuela ede Fujimori, no Peru, em 90.[...] E Salinas, notoriamente, não foisequer eleito, mas roubou as eleições com fraudes. (ANDERSON,2010, p. 20)

Após uma série de levantamentos sobre a situação do intelectual nesse

contexto, Francisco Oliveira diz: “Eu não queria passar a impressão de um

Apocalypse Now. Mas que já sentimos o cheiro ou a catinga de enxofre no ar, ah!,

basta ter olfato”. (OLIVEIRA, 2010b, p. 28, grifo nosso)

Cabe ressaltar que o fracasso retratado no romance não é apenas desse

momento, mais de uma geração, fruto dos intelectuais engajados, descendentes de

1968, momento histórico, não só para os intelectuais franceses, mas também para o

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México e para grande parte da América Latina. Pode-se dizer que esse período foi o

auge do intelectual, enquanto hoje é apenas o do testemunho. Afinal, ele é

convocado a testemunhar a miséria e a exclusão, que não vive, pois é, ao mesmo

tempo, burguês e não-burguês, ou seja, beneficiário de um sistema social injusto,

mas também defensor de uma ordem social que busca a eliminação de privilégios.

Desta forma, hoje, quem poderia ser considerado intelectual? Pela

impossibilidade de abarcar o todo, pois o todo, assim como as respostas cabais e

universais, é, na maioria das vezes, falso. Sendo assim, é mais adequado pensar

que:

Produto de sociedades despedaçadas, o intelectual é suatestemunha porque interiorizou seu despedaçamento. É, portanto,um produto histórico. Nesse sentido, nenhuma sociedade pode sequeixar de seus intelectuais sem acusar a si mesma, pois ela só temos que faz. (SARTRE, 1994, p. 31)

Para Sartre, o intelectual moderno é, antes de tudo “um homem de

contradição, que se define no campo da esquerda, e aí, sobretudo os

revolucionários” (SARTRE, 1994, p.7-8). Assim como Said para quem “todo

intelectual tem de ser um homem ou uma mulher de esquerda” (SAID, 2003, p.12).

Mas o que significa ser de esquerda, num país em que a esquerda jamais

chegou ao poder? Tomando o caso específico do México, observa-se que a via

política escolhida pelo PAN assemelha-se àquela que estava no poder, com

fidelidade às instituições financeiras internacionais, manobra política amoral, rigor

orçamentário, ou seja, a mesma política com a qual afirmava romper assim que

chegasse ao poder.

Vale reforçar que a íntima relação entre os intelectuais e o poder no México

não é recente, nem se remonta à última década. Como já foi mencionado ao longo

deste trabalho, estudos históricos baseados em amplo material documental

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mencionam que, desde antes da independência, a maior parte daqueles que hoje

são chamados de intelectuais já estava envolvida estreitamente com o poder estatal.

Sergio Gutiérrez Negrón em seu artigo intitulado “El intelectual en pedazos:

representaciones de la intelectualidad mexicana posrevolucionaria en El testigo de

Juan Villoro” (2011), indaga sobre a figura do intelectual mexicano no período pós-

revolucionário, acentuando um questionamento a respeito da posição de mediador

entre o poder e os cidadãos ocupada por essa figura. Esse autor classifica os

personagens que ocupam a posição de intelectual como “una intelligentsia coaptada,

patológica [...], una masa cancerosa de fracasos” (GUTIÉRREZ NEGRÓN, 2011,

p.2), pois parece não haver dúvidas de que eles estão desesperados para manter-se

próximos ao poder, lugar que sempre ocuparam, seja na ditadura, na revolução, ou

no momento pós-revolucionário, conforme retratado na obra. E essa luta continua

nesse contexto de persistente corrupção política e de desigualdade social, apesar de

o país ter sido tomado pelos poderes da igreja, da mídia e do narcotráfico.

Nota-se que os personagens desse romance estão em crise de definição,

fundidos num pessimismo latente, e, em vez da alternância política impulsioná-los

na direção de uma mudança, com o intuito de construir uma nova cultura política e

democrática, eles preferem retroceder. Tal não ocorre, entretanto, quando se pensa

numa maneira de aprender com o passado, uma vez que, nesse caso, surge um

olhar de desesperança, pois sabem que nada mudou, e isso impossibilita a

comunicação com as novas gerações do México pós-revolucionário.

Para Agamben (2008), a testemunha radical é a que não sobreviveu, a que

sucumbiu diante das atrocidades, ou seja, por analogia, ele não pode testemunhar.

Então, o paradoxo “consiste em afirmar que não pode haver nem verdadeira

testemunha nem verdadeiro testemunho” (AGAMBEN, 2008, p.16), já que o

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testemunho do sobrevivente repousa na impossibilidade de autenticidade e

reconhecimento.

Como resolver essa questão? Villoro aponta uma possível saída através da

perspectiva de onde se escreve. Muitos dos personagens de El testigo se

posicionam a partir de instituições que, no México contemporâneo, após a queda do

PRI e o desafio do neoliberalismo, são bastante problemáticas. Esse fato se

acentua ainda mais quando se observa que todas são, de alguma maneira,

produtoras de discursos, e estão em crise de definir-se em tempos tão complexos.

4.3 A figura do intelectual no México contemporâneo de El testigo de Juan

Villoro

Julio Valdivieso, a figura que todos postulam no romance como a verdadeira

testemunha, antes de concluir sua graduação na UNAM em meados dos anos 70,

teve que fazer estágio para ter direito a apresentar sua monografia de conclusão de

curso. Esse estágio ocorreu na UAM – campus de Iztapalapa, localizado num bairro

de periferia, cujo crescimento se deveu, principalmente, à chegada da população

oriunda do interior do país em busca de emprego. Ele acaba se instalando, então,

nesse local, um bairro sem asfalto, sem saneamento básico, de extrema pobreza e

violência:

En la curva del Cerro de la Estrella veía tendajones con objetos parabaños —una larga hilera de excusados y lavabos donde los perroscallejeros se refugiaban de las tolvaneras—; nada podía ser lógico enesa región donde los artículos de baño se exponían junto a laavenida, como si se compraran por una repentina inspiración de losautomovilistas. En un terreno tan accidentado casi nada podía serdelito. La universidad estaba rodeada por la cárcel de mujeres, unvasto tiradero de basura y un convento perdido. Iztapalapaconformaba una periferia extrema, un suburbio libre y asociado quese sometía a otras leyes, todas modificables. En el Cerro de laEstrella los aztecas encendían el fuego nuevo cuando comprobabanque se acababa el año sin que se acabara el mundo. Un sitiocastigado y duro que fomentaba ritos de supervivencia. Pionero de

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esa tierra baldía, entre mujeres presas, basura y monjas vicentinas,Julio podía forjarse una ley a su medida. (VILLORO, 2004a, p. 70)

A atmosfera presente nesse bairro, descrito no romance como uma paisagem

do apocalipse, parece contribuir para uma ação muito importante perpetrada pelo

protagonista, o roubo da tese, uma vez que, enquanto Valdivieso sonha com a

Europa, observa um cachorro leproso lamber suas feridas:

Julio acariciaba el sobre con la aceptación condicionada de laUniversidad de Florencia (sus dedos disfrutaban el magnífico papelrugoso), cuando se detuvo en la explanada de la UAM, ante elpequeño edificio de Rectoría, para ver a un perro de pelambre colorcerveza. Su lengua morada lamía las costras y las llagas que lemoteaban el cuerpo; sus ojos, de una depresión sin fondo,aguardaban que alguien tuviera la misericordia de sacrificarlo. Elcielo se cubría de humo negro, procedente de las quemas de losbasureros. Julio se propuso no olvidar ese momento. Pasara lo quepasara, fuera donde fuera, sería el que estudió en esa lejana orilla.Nada lo curaría de esa miseria. Aunque lograra escapar se llevaríaconsigo el dolor y la inmundicia. Le sirvió mucho atesorar esemomento. Había sufrido lo suficiente para merecer unacompensación. (VILLORO, 2004a, p. 71)

Cabe destacar que, segundo Lois Parkinson Zamora, desde que foi

estabelecido como gênero literário, por volta do século I a.C: “[...] el apocalipsis ha

ejercido una fascinación especial sobre los artistas por sus notables imágenes y su

poderosa poesía.” (ZAMORA, p.11, 1989) O Apocalipse de São João, a última

palavra de Deus, desde a Idade Média, tem inspirado, então, obras literárias e

plásticas.

No entanto, como relata Mihaly Dés em seu artigo sobre “Juan Villoro, Paisaje

del post-apocalipsis” (2005), desde os primeiros romances e em muitos de seus

contos, Villoro revela:

un paisaje desolador en proceso de descomposición, un horizonteque se podría calificar de apocalíptico si no fuera porque el autorseñalase que “una de las características centrales de la vida enMéxico no es tanto el Apocalipsis, sino la noción de Post-Apocalipsis.La mayoría de los mexicanos, especialmente el la ciudad de México,se sienten más allá de la tragedia. Son el resultado de algo que ya

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ocurrió, un cataclismo impreciso que no podemos ver, pero no es elanuncio de algo que va a suceder”. (DÉS, 2005, p. 5)

Aproveitando esse contexto, o influente cronista e ensaísta Carlos Monsiváis,

com a liberdade que seu trabalho permite, em sua obra Los rituales del caos (1995)

denominou “México, ciudad post-apocalíptica” (MONSIVÁIS, 1995, p. 21, grifo do

autor). Na certeira paráfrase das ideias de Monsiváis, Juan Villoro em entrevista

cedida ao escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka (2010) e em seu ensaio “El

vértigo horizontal. La ciudad como texto” (2002a) afirma:

¿Qué distingue al D.F. de otros océanos? Nada lo define mejor quela noción de postapocalipsis, a la que se ha referido CarlosMonsiváis. Entre el vapor de los tamales y los gritos de losvendedores ambulantes, se cierne la certeza de que ningún daño espara nosotros. Nuestra mejor forma de combatir el drama consiste enreplegarlo a un pasado en el que ya ocurrió. Este peculiar engañocolectivo permite pensar que estamos más allá del apocalipsis:somos el resultado y no la causa de los males. Los signos de peligronos rodean pero no son para nosotros porque ya sobrevivimos demilagro. Imposible rastrear la radiación nuclear, el seísmo (sismo/terremoto) de diez grados o la epidemia que nos dejó así. Lo decisivoes que estamos del otro lado de la desgracia. Diferir la tragedia haciaun impreciso pasado es nuestra habitual terapia. De ahí la vitalidadde un sitio amenazado, que desafía a la razón y a la ecología.(VILLORO, 2002a, p. 4)

Essa ideia, como menciona Villoro na entrevista à Barrera Tyszka (2010), é

de que os mexicanos, principalmente da Cidade do México: “estamos más allá de la

tragedia, no somos la causa sino el resultado de una catástrofe, no es que estemos

viéndolo los signos de algo que va a venir, sino que ya somos nosotros el saldo del

que pasó” (VILLORO apud BARRERA TYSZKA, 2010).

Deste modo, o México apresentado desde as primeiras páginas de El testigo

quando da volta do protagonista parece o mesmo de sempre, uma vez que o

narrador expressa a sensação de nunca ter saído do país, pois tudo permanece da

mesma maneira, ou ainda pior. No campo, nota-se a acentuada desigualdade social,

a falta de água, de trabalho, de escolas e de perspectiva, impulsionando o êxodo

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para outras cidades do país e para os Estados Unidos. O interior apresenta uma

imagem muito próxima à da capa de 2666 (2004) de Roberto Bolaño (anexo V),

numa visão sufocante, inóspita e quase sem vida, pois o que mais abundante

aparece por lá, além da poeira, são: “lagartijas, la plaga que prosperaba en todos los

rincones”. (VILLORO, 2004a, p. 414) Já na cidade, a visão do apocalipse se

concretiza através da violência sofrida por Valdivieso ao ser atacado, espancado e

roubado por um grupo de meninos de rua, numa região repleta de sujeira, mendigos,

vendedores ambulantes e cuspidores de fogo.

Valdivieso exerce nesse espaço, em meados dos anos 70, a função de

estagiário e, enquanto pensa na fuga com sua prima Nieves, tenta escrever uma

monografia capaz de fazer frente às expectativas de seus professores e amigos. É

nesse cenário, catalogando teses e dissertações, que acaba encontrando a tese de

um uruguaio (que no romance não tem nome), intitulada Máquinas solteras en la

poesía mexicana. La generación de Contemporáneos. Esse título é uma clara

homenagem de Villoro ao escritor catalão Enrique Vila-Matas, em referência a sua

obra Historia abreviada de la literatura portátil (1985), no qual, “máquinas solteiras”

são os artistas vanguardistas da década de 20.

Desde o título do primeiro capítulo, “Los guajolotes”, que remete à frase

emblemática com que se encerra o 2º Manifiesto Estridentista, de 1923, Villoro

menciona com frequência as vanguardas mexicanas dos anos 20 e 30:

Estridentistas versus Contemporáneos. Ao longo do romance, ele recupera também

outras vanguardas latino-americanas, como El techo de Ballena, Mandrágora e

Nadaísmo, através do personagem Ramón Centollo. É possível afirmar que com a

recuperação dessas vanguardas históricas e a figura de Ramón López Velarde,

poeta cuja obra, além de patriótica, aborda temas do interior camponês e da religião,

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Villoro traz à discussão as gerações imediatamente posteriores ao processo

revolucionário, momento em que as estruturas do país, no que tange aos aspectos

econômicos, políticos, culturais e artísticos, estavam por ser construídas:

Se preguntó qué hubiera pasado con López Velarde en caso dellegar a la vejez. También él fue un católico maderista, un liberal,pero no vio el país roto; la revuelta revolucionaria «subvirtió» suprovinciano edén sin mancillarlo del todo. Compartía el afán decambio, la necesidad de aire fresco; al mismo tiempo, repudiaba labarbarie, la cuota de sangre de la Revolución, y estaba arraigado atradiciones a punto de desaparecer. Su alma dividida lo volvióatractivo para bandos irreconciliables. ¿Cómo hubieran coexistidoesas contradicciones en los años que no llegó a vivir? La preguntaera inútil y retórica, pero señalaba la trágica oportunidad de esamuerte. (VILLORO, 2004a, p. 235)

Essa tríade que converge na obra desse poeta de Zacatecas é explicada

assim no romance de Villoro:

El poeta expiró antes de que la realidad lo forzara a simplificar suespíritu escindido. En caso de buscar reducciones, Julio admitíamejor la idea de un colorista de las esencias nacionales que la de unbeato o un místico. Pero ¿cómo habría tomado López Velarde laguerra cristera, ese copioso derrame de «sangre devota», lospueblos arrasados, los graneros quemados, la tribu de David en sumartirio pueblerino, abandonada por todos los poderes? ¿De quémodo lo habría tocado esa gigantesca oración fúnebre? RamónLópez Velarde murió con su futuro intacto. Imposible saber cómo sehabría movido en el país despedazado que vino después. Lafractura, la vida rota había sido de sus lectores. (VILLORO, 2004a, p.236)

Não é por acaso que Villoro escolhe esse período, momento importante para

a reconstrução do país, com a criação de escolas, universidades e as bases de uma

nova Constituição, para cenário de El testigo.

O protagonista acaba guardando a tese na mochila e, depois de lida, percebe

o notável trabalho, decidindo plagiá-la. No entanto, nesse campus havia um

professor uruguaio, Claudio Gaetano que ministrava a disciplina de História.

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Valdivieso o encontra por acaso, numa cena importante para compreender a

reflexão sobre a testemunha:

En una mesa vio a Claudio Gaetano, su profesor de historia. A pesarde haber sufrido cárcel y tortura en Uruguay, Gaetano era un hombrefuerte y optimista. […] Sí, conocía al tipo [o autor da tese], había sidosu alumno en Montevideo. Un fenómeno. Todos lo adoraban,principalmente las chicas. Los militares lo habían matado, hacía yaunos cuatro años. Gaetano habló con la sobriedad con la que serefería a los horrores que tanto conocía, sin alardes sentimentales nifrases vengativas. Su discreción y su reticencia hacían que suspalabras secas fueran más estremecedoras. En este caso, lo únicoque delataba un cambio de tono era la mano detenida en la raqueta.[…] Alguien —la madre, una novia, una mano devota— había queridoque esa voz tuviera un eco final, un exilio póstumo en el país al quesólo había viajado por sus letras. […]Julio vio el rostro de Gaetano,las canas ensortijadas en las sienes, su saludable piel de tenista, lasonrisa cómplice, el aplomo con que mostraba que el espanto sesupera. Enseñaba historia, con humor y datos precisos, convencidode que hay verdades mínimas y duraderas. En el suburbio libre yasociado de Iztapalapa los planes de estudio se improvisaban tantocomo los caminos de tierra para acceder a la universidad. (VILLORO,2004a, p. 71)

Nesse trecho, observa-se a fragilidade do lugar da testemunha, pois ir até o

final significa ser a verdadeira testemunha, e ser a verdadeira testemunha significa

não falar, ou seja, condenar o testemunho ao silêncio ou “permitir” que outros falem

em seu lugar, ou seja, desmonumentalizar:

El curso de Historia Contemporánea de Gaetano se cruzó en lacarrera de Letras Hispánicas de Julio. Julio adquirió ahí uninolvidable acervo circunstancial. Nunca sabría qué hacer con datoscomo el impuesto del azúcar o las cafeteras que cambiaron lahistoria, pero recordaría esa aula como se recuerda un dibujo queresume una moral. No sólo estuvo ante el perro agónico en Rectoría.También estuvo en un curso donde las pequeñeces, los objetossecundarios y laterales, se discutieron con la certeza de que esointegra un orden, el reverso de un tapiz. Sin aspavientos, del todoajeno a la grandilocuencia, Gaetano resistía. En la mesa, el profesorhabló con la voz serena con que demostraba la caída de un imperio através de la sorprendente combinación de muchas minucias. Alguienhabía muerto para que Julio viviera. (VILLORO, 2004a, p. 72)

Em meio a esse cenário complexo, encontra-se Gaetano, com sua postura

forte diante da barbárie. Essa figura, por si só, já estabelece a tensão entre

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intelectual-testemunha, mas as virtudes do uruguaio morto, autor da tese,

contribuem ainda mais para essa significação:

El uruguayo había tenido dificultades para acceder al material. En unprólogo narrativo, quizá demasiado victimista, se quejaba de lo difícilque resultaba encontrar a los clásicos vivos del idioma. Montevideoera una metáfora de la incomunicación, una playa en un río sinorillas, una balsa loca, a la deriva. Sin embargo, a pesar de suslecturas insuficientes, arrinconadas, casi defensivas, el autortrabajaba con solvencia al «grupo sin grupo». Por momentosadjetivaba sin control, como si su prosa incluyera a un novelistasuprimido que se sublevaba en giros de irritación o hartazgo. Losmiembros de Contemporáneos eran bautizados con atributoshoméricos, como personajes de una gesta rabiosa. Uno aparecíacomo «el del hígado de lumbre», otro como «el sin cejas», otro máscomo «el que escribía con un solo ojo». Un afluente central de esageografía era Ramón López Velarde, a quien el uruguayo dedicabaun capítulo notable. Ahí estaba lo que Julio Valdivieso quería decir.Con modismos y arrebatos estilísticos ajenos a él, pero expresadocon una nitidez de la que se sabía incapaz. Al terminar la lectura sevio al espejo. Al filo de la barba —menos guevarista de lo queanhelaba— despuntaba un barro. Le pareció un símbolo de susdesvelos y lo oprimió hasta hacerse sangre. (VILLORO, 2004a, p.69)

Cabe destacar também que, como menciona Gaetano, seu ex-aluno uruguaio

morrera torturado pelos militares quatro anos antes, ou seja, antes do período da

ditadura no Uruguai (1973-1985). No entanto, em meados dos anos 60 e princípios

de 70, uma organização de guerrilha urbana, sob o título Movimiento de Liberación

Nacional – Tupamaros (MLN-T) havia surgido naquele país. Os Tupamaros, como

ficaram conhecidos, começaram com assaltos a banco e clubes de armas,

distribuindo comida e dinheiro roubados aos pobres de Montevidéu, envolvendo-se,

já nos anos finais de 60, com sequestros políticos. Com relação a sua forma de

organização, observa-se que:

era clandestina pero sus integrantes en su mayor parte eranpersonas legales. Ante el intenso accionar de la organización elgobierno, con el apoyo del Parlamento decretó el Estado de GuerraInterno. Junto con esta medida se unificaron las fuerzas represivas.La Policía, que era la que tenía a su cargo la represión, había sidodesbordada. Ahora con las fuerzas conjuntas (el Ejército, la Marina yla Fuerza Aérea) se integraban a la represión con amplios poderes.Se aplicó la tortura generalizada como medio de obtener información.

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Hubo graves violaciones a los derechos humanos […]. Lacompartimentación debía mantener a la Organización dividida encompartimientos herméticos separados, de modo que si la represióndestruía una parte, las otras no quedaban afectadas. (MARENALES,1997, p.5)

Cabe destacar que esse grupo de guerrilha urbana, apesar de ter praticado

algumas ações violentas, não entrou para a história com esse estigma, fato que

ocorreu com o grupo armado ALN (Ação Libertadora Nacional), liderada pelo

político, guerrilheiro e poeta brasileiro Carlos Marighella, por suas ações contra a

ditadura militar no Brasil. Os Tupamaros, por outro lado, não defendiam o uso da

violência, mas foram desarticulados de forma violenta nos anos 70:

No hubo tiempo de desarrollar en la nueva militancia la actitud, quees lo esencial en la compartimentación, el no querer saber más de lonecesario para funcionar. Con la aplicación generalizada de latortura, la represión pudo lograr elementos informativos suficientescomo para desarticular al MLN. No fueron apresados todos losintegrantes y colaboradores pero sí una cantidad tal que el conjuntoperdió toda capacidad operativa. La mayor parte de los dirigentes delos distintos niveles fueron apresados o muertos, y se perdió lacapacidad de regeneración, pues acto seguido de la derrota seinstauró la dictadura militar, que barrió con el conjunto delmovimiento popular, partidos políticos de izquierda, sindicatos,etcétera. Muchos militantes y simpatizantes del MLN pudieron irse alexilio, contribuyeron de manera importante a la solidaridad, pero nolograron reorganizar al MLN. (MARENALES, 1997, p.6)

Logo após a desarticulação desse grupo, instalou-se a ditadura militar no

Uruguai. Foi um período, sangrento com prisões em massa e “desaparecimentos”,

com muitos guerrilheiros tendo sido presos ou mortos. Pode-se constatar que muitos

jovens haviam tido, através da guerrilha, uma participação efetiva nos confrontos

contra os militares.

Ao mencionar Che Guevara, um intelectual que, juntamente com Regis

Debray havia desenvolvido a teoria revolucionária conhecida como foquismo ou

guerra de guerrilla, Villoro traz à tona um tema que estava em discussão ao longo

dos anos 60 e 70, a possibilidade ou não de se fazer uma Revolução pacífica.

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Certamente, o uruguaio havia marcado seu lugar de enunciação através da

tese engajada, com inclinações esquerdistas, e, por isso mesmo, havia sido morto.

Esse fato pode ser constatado na fala de Valdivieso: “Al terminar la lectura se vio al

espejo. Al filo de la barba —menos guevarista de lo que anhelaba” (VILLORO,

2004a, p. 69). Em outras palavra, pode-se concluir claramente que é uma tese de

esquerda.

É, portanto, a figura do uruguaio que permite estabelecer uma relação entre

ele, Valdivieso, Gaetano e os demais personagens do romance, que são, em sentido

gramsciano, intelectuais: “não só aquelas camadas comumente compreendidas

nesta denominação [os letrados ou elites políticas], mas, em geral, todo o estrato

social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da

produção, da cultura ou no aspecto político-administrativo” (GRAMSCI apud

MARTINS & NEVES, pp. 27 – 28), e não testemunhas, já que são produtores de

discurso e estão atrelados a uma institucionalidade ou grupo de poder. É nesse

sentido que o romance apresenta um questionamento a respeito das relações entre

os intelectuais e o poder, não explicitamente, ainda que esse fato seja apresentado

pela sua ausência - como já adverte de maneira velada a capa do romance (anexo

IV). Desta forma, acredita-se pelos diversos indícios levantados ao longo deste

trabalho que o título do romance possa ser O intelectual e que A testemunha

aparece em chave irônica.

A figura do uruguaio no romance coloca em xeque a posição da testemunha,

evidenciando que, por essa, via não se vai a lugar nenhum, pois chegar ao uruguaio

significa estar diante de uma parede branca, ou melhor, de um quadro negro. Ser

testemunha significa então convidar os outros a falarem, mas só se torna

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testemunha total quando se é falado pelos outros, pois só é possível tornar-se

testemunha na fala dos outros.

A proposta de Villoro é que o intelectual marque seu lugar de enunciação,

como se observa nesse trecho de uma entrevista cedida a Leonardo Tarifeño

(2008). Nela, Villoro se aproxima de uma interrogação que circunda o romance, pois,

de todos os personagens destacados, desde o protagonista aos seus amigos da

antiga oficina literária, pode-se interrogar: quem pode ser a testemunha absoluta?

El "testigo absoluto", como dice Giorgio Agamben, es el que vive laexperiencia hasta el final. En muchos casos queda destruido por loque sucedió. […] ¿Hasta dónde podemos acercarnos a los hechos?La única forma de resolver el desafío es aclarar la perspectiva desdela que escribe. (VILLORO apud TARIFEÑO, 2008, p. 2)

Nesse contexto, encontram-se os personagens de El testigo, os quais, em

sua maioria, são, de alguma forma, produtores de discursos e ligados a um

importante círculo de poder, que os legitima ou procura legitimá-los. Configuram,

portanto, uma galeria de figuras, as quais têm em comum o fato de não postularem a

si próprios como intelectuais, e sim como testemunhas, algo em teoria mais modesto

e menos comprometido com o poder – entendido esse em sua acepção pejorativa. A

testemunha dispensa o debate, a reflexão, a análise crítica, pois basta ter “estado lá”

para que sua credibilidade seja certificada.

Roger Bartra, em um artigo intitulado “La sombra del futuro. Reflexiones sobre

la transición mexicana” (2009), com uma lúcida reflexão sobre o momento de

transição no México, trata das incongruências dos partidos políticos no país. Ele

ressalta que sua preocupação está baseada na reciclagem da velha cartografia, ou

seja, no reaproveitamento de antigos atores políticos, e destaca:

Se podría pensar que las diferencias ideológicas que separan a lospartidos, las fuerzas, los líderes y los intelectuales (grifo nosso)explican esta fragmentación. No es así. La lucha política democrática

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suele oponer a grupos con visiones a veces muy contrapuestas y queofrecen soluciones divergentes ante los dilemas que se puedenubicar en un mismo mapamundi. (BARTRA, 2009, p. 4)

Diante da crise, mesmo depois de dez anos de alternância de partido, sabe-

se que o México não chegou à democracia com o PAN, pois há grupos que:

piensan que la democracia ya existía desde hace mucho tiempo,quienes creen que la democracia llegó a fines del siglo XX, quienescreen que la democracia todavía no llega y quienes simplemente nocreen en la democracia. Así, mientras unos creen en un ciertoretorno a un antiguo régimen que - dicen – no era tan malo, otrosquieren un ahora sí “verdadero” cambio revolucionario. (BARTRA,2009, p. 4)

Uma década se passou desde que o PAN venceu as eleições, e o que o

romance publicado em 2004 de certa maneira sugeria torna-se mais concreto a cada

dia. A situação política no fim da primeira década é ambígua e contraditória. A direita

panista, que esteve no poder durante os últimos anos, acredita que tomou o

caminho certo para a democratização e a globalização. Já a “esquerda”, pelo

contrário, assistiu à decadência ocasionada por pequenos grupos que estão no

poder, chamados por Bartra de “políticos corruptos y pseudoempresarios, que no

son más que traficantes de influencias” (BARTRA, 2009, p.3) e, apesar de ter

mantido, em alguns períodos uma ditadura, embora não explícita, por mais de

setenta anos, o PRI volta ao poder como “salvador da pátria”, defensor da

democracia e livre de qualquer corrupção.

No romance de Juan Villoro a exemplo da vida real, segundo a visão deste

escritor não parece que vai mudar nada, pelo contrário, a situação vai piorar, pois

no país, mesmo em pleno século XXI, há vestígios de fanatismo católico,

narcotráfico, uma sociedade de exclusão que atropela os direitos humanos e a

corrupção que assola importantes grupos de poder:

el clero apoya al PAN en Jalisco y recibe a cambio una limosnainmoderada; el sindicato de trabajadores de la educación (el másgrande de América Latina) ofrece más de un millón de votos a Felipe

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Calderón y obtiene puestos en áreas de gobierno tan decisivas comola seguridad nacional. (VILLORO, 2008b, p. 2)

Percebe-se que, diante de todo esse processo de decomposição, é difícil

vislumbrar uma saída, como conclui Villoro em citação acima: “Este peculiar engaño

colectivo permite pensar que estamos más allá del apocalipsis: somos el resultado y

no la causa de los males” (VILLORO, 2002a, p.4).

Nesse contexto, observa-se que, novamente, os intelectuais são assalariados

do poder. No entanto, diante desse cenário, cabe ressaltar que Villoro, que foi adido

cultural na Embaixada do México em Berlim por apenas quatro anos, tornou-se autor

de livros infantis, romances e ensaios, professor universitário da UNAM e

colaborador em diversos órgãos da imprensa, como: Vuelta, Nexos, Proceso,

Cambio, La Reforma, Letras Libres, La Jornada, El País, entre outros, não se

acomoda. Como destaca o filósofo e escritor mexicano de origem italiana Alejandro

Rossi, amigo de Luis Villoro, que o conhece a infância:

Cuando nació Juan Villoro, en septiembre de 1956, yo estaba enSanta Margherita Ligure, en los finales de un verano muy confuso. Leenvié una tarjeta postal a su padre, mi amigo Luis, para felicitarlo yaugurarle que su hijo sería un teólogo protestante. Era una broma –en la que también había admiración y pánico ante ese destino -, unabroma que ahora llevaría demasiado tiempo para explicar.Obviamente me equivoqué. (ROSSI, 2011, p. 82)

Nesse mesmo artigo intitulado La casa gana (2011), Alejandro Rossi segue

comentando a admiração que tem por Juan Villoro, por ele não ter estacionado em

um emprego público:

Admiro la habilidad, mezcla de cortesía y tozudez, con que JuanVilloro ha esquivado las tentaciones usuales en la carrera de unescritor mexicano. Estuvo – observador fugaz – en la diplomacia (conél crucé el Check-Point Charlie) y ha huido de las varias burocraciasy sus servidumbres jerárquicas. Soy testigo de sus bostezosdisimulados cuando por un breve periodo trabajamos juntos en laoficina sin ventanas. Ha dado vueltas por la Academia, pero no se haestacionado en ningún cubículo. Me parece que ha hecho bien. Estoy

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seguro de que las instituciones adormilan a un escritor. (ROSSI,2011, p. 84)

Nas últimas páginas do romance, o protagonista, com uma visão cada vez

menos equivocada dessa pátria assolada por: “una confederación de autoritarismos:

el viejo PRI, el PAN, los católicos recalcitrantes, el Opus, los narcos, los judiciales, la

televisión. Los une la sangre, el culto de la muerte” (VILLORO, 2004a, p. 401), se

depara com o arquivo de papéis da época de López Velarde, que Donasiano havia

conservado na fazenda por anos, em chamas. Nessa cena, Valdivieso parece se

desprender do passado e se exilia voluntariamente no deserto com uma mulher

indígena, Ignacia.

Essa mulher, extremamente pobre, pés descalços e com três filhos pequenos,

surge no caminho de Valdivieso enquanto este passeava pelo deserto na moto que

padre Monteverde deixara na fazenda. Uma figura desinteressada, forte e que,

apesar da miséria e da viuvez precoce, mantém-se com dignidade, parecendo uma

redenção para Valdivieso. Nas cenas finais do romance, é ela que preparará para

Julio um refresco cujo sabor o remeterá ao poema La suave patria de López

Velarde.

É possível perceber que como um momento de reconciliação do intelectual

com a terra, para encerrar o romance, Villoro utiliza a resposta dada por Octavio Paz

a Jorge Luis Borges, quando o escritor argentino menciona estar intrigado, desde a

juventude, pelo sabor de agua de chía, mencionada por López Velarde em La suave

patria:

Más cerca de la choza, oyó la voz de la mujer. Se detuvo unmomento en el quicio de la puerta. Uno de los niños estaba sentadoa la mesa de palo. Escribía en un papel roto, muy cerca de la hoja,como si tuviera mala vista. Ignacia le llevaba la mano. Julio se acercóy vio el esplendor elemental de la caligrafía. Letras redondas,cerradas, firmes. Una gota cayó sobre el papel. Julio estaba llorando.Ignacia sonrió, como si todo fuera normal, mientras él sentía sus

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inconcebibles ropas mojadas, aferrado a una moneda vieja, ytambién sentía la mano que lo sacaba de ahí y lo ponía en la orilla,fuera del mundo, donde se oía el paso de una carretela, con unestudiante de Santo Tomás al que un perro ladraba sin motivo.—Hice agua de semillas —Ignacia le tendió un tarro.Julio bebió.—¿A qué sabe? —le preguntó ella.Julio cerró los ojos.Cuando los abrió, todo estaba un poco nublado. Sintió que salía delagua.Ignacia aguardaba su respuesta. Lo vio con intención de algo, comosi él fuera un problema y eso le gustara.—Sabe a tierra —dijo Julio. (VILLORO, 2004a, p. 470)

Como se observa nesse trecho, que o final do romance não é conclusivo,

pois, ao retomar a resposta dada por Octavio Paz a Borges, quando a moça

interiorana lhe oferece a “agua de chia”, parece que, como comenta Christopher

Domínguez Michael em seu artigo “La vitalidad histórica de los muertos mexicanos:

El testigo de Juan Villoro” (2011), Villoro não apenas sugere: “la apelación al volks, a

ese trago amargo de la madre tierra que permite al intelectual, en el infierno grande

y en el llano en llamas, la metáfora redentora de una vieja nación cuya salvaje

modernidad le duele y le repugna” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 194), já que

essa moça e esse espaço têm muito pouco a ver com o México rural de Juan Rulfo.

Na verdade, sugere bem mais a Santa Teresa das mulheres assassinadas em 2666

(2004), de Roberto Bolaño.

Acredita-se que Villoro, ao provocar essa tensão intelectual/terra, na verdade,

está propondo uma reflexão, na qual o intelectual é a vanguarda, e a terra, a

tradição. Essa não é uma alternativa, apenas uma possibilidade, pois o romance,

como já foi mencionado, não apresenta um final fechado, uma vez que aponta para

várias reflexões. Essa tensão intelectual/terra, que transparece com mais clareza, já

vinha sendo anunciada há vários capítulos e, principalmente, desde o título da última

parte do romance: Tierra adentro, cujo número do capítulo é trinta e três, em

referência a Ramón López Velarde, o poeta do interior.

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Deste modo, o protagonista, personagem notadamente passivo, que se

caracteriza por não tomar partido na disputa a propósito de López Velarde, pois

“Julio comienza a despojarse del papel que le han impuesto y a escaparse de la

manipulación a la que los testigos suelen ser sujetos.” (ANDREWS, 2011, pp. 203-

204), ficou sem poder dar fé de nada, restando-lhe apenas mergulhar de novo na

história e na cultura do país.

Neste sentido, a construção do romance (que recorre a uma forma de

narração muito própria do século XIX), estabelece uma tensão complexa entre

testemunhas e intelectuais: o romance de Villoro estaria sugerindo que, nesse

México pós-2000, quando o advento do neoliberalismo teria esvaziado o

nacionalismo revolucionário, único capaz de certificar formas de práxis, não se

precisa de uma ação mais decidida do que as das simples testemunhas para

contestar o discurso e a história “oficiais”.

Após a imersão no clima de decepção do México pós-2000, Julio Valdivieso

foi testemunha. No entanto, não é capaz de formular qualquer tipo de síntese que

permita estabelecer alguma forma de práxis a esse vale-tudo, com esse presente de

miséria, corrupção, violência e degradação em que paira o poderoso espectro de

três figuras da hegemonia do México contemporâneo: Igreja, mídia e narcotráfico.

Enfim, é nesse sentido que El testigo estabelece os termos de uma produtiva

reflexão a respeito da tensão testemunha-intelectual num país que, segundo o

próprio Villoro, encontra-se no pós-apocalipse.

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CONCLUSÃO

Mejor será no regresar al pueblo,al edén subvertido que se callaen la mutilación de la metralla.

Ramón López Velarde, El retorno maléfico.

Segundo Edward Said em Representações do intelectual: as Conferências

Reith de 1993 (2005), o intelectual sofre nos dias atuais uma ameaça específica,

decorrente do que ele denomina profissionalismo, ou seja, cumprir horários, ter um

comportamento apropriado, não sair dos paradigmas ou dos limites aceitos,

“tornando-se, assim comercializável e, acima de tudo, apresentável e, portanto, não

controverso, apolítico e “objetivo”. (SAID, 2005, p. 78) Dentro desse contexto, o

intelectual sofre várias pressões, dentre as quais destaca que: “A especialização é a

primeira dessas pressões”. (SAID, 2005, p. 80) Neste estudo literário, tocou-nos

perceber que:

Ser um especialista em literatura significa com demasiadafrequência, excluir a História, ou a música, ou a política. No final,como um intelectual totalmente especializado em literatura, você ficadomesticado e aceita qualquer coisa que os chamados grandesespecialistas nesse campo pontificam. (SAID, 2005, p. 81)

Observa-se nesse trecho que o autor questiona o crescimento do formalismo

técnico e a diminuição da compreensão histórica concretizada na composição da

obra literária. Logo, parece que a figura do intelectual tradicional sai de cena, pondo

em evidência a era dos especialistas. Ou seja, o especialista do saber prático

dividido entre o pesquisador e o servidor da hegemonia. Figura que, como menciona

Sartre, “é um universalista na técnica e um particularista na submissão à ideologia

dominante” (SARTRE, 1994, p.7).

É importante salientar que, à medida que as especializações avançam, surge

uma espécie de encurtamento do espaço público, o qual sempre foi tribuna dos

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intelectuais. As especializações começam a cercear a liberdade e a provocar uma

radicalização de desencantamento, principalmente entre os profissionais da

educação, através de práticas novas e controle ao acesso de novos saberes. Nesse

processo, no qual caminham as especializações, Francisco Oliveira (2001) afirma

que:

Desse desencantamento, dessa constituição de práticas que sãosaberes e são também poderes, o conhecimento transforma-se emalgo que passa a ser capaz de moldar a própria reprodução dasociedade, que passa a ser moldada cada vez mais pelo acúmulo epela radicalização das especializações. É nesse momento, fatal naaventura do conhecimento, que o conhecimento vai se tornar umamercadoria. Este é o seu “calcanhar de Aquiles”. No momento emque as especializações passam a ser um diálogo circunscrito aosespecialistas, no momento em que elas começam a moldar o própriocomportamento da Humanidade, o conhecimento deu um passodecisivo e transformou-se em mercadoria. [...] Nesse caminho, ocapital apossou-se do conhecimento. Não do conhecimento para aliberdade, mas do conhecimento como mercadoria, do conhecimentocomo molde de produção da sociedade, do conhecimento comocontrole do acesso aos saberes e poderes. (OLIVEIRA, 2001, p.128)

Nesse fragmento, percebe-se que, quando o capital se apossa do

conhecimento, transforma-o em mercadoria. Esse processo passa a ser molde e

controle do acesso aos saberes e poderes, provocando uma perda da radicalidade

do conhecimento, ou seja, transformando conhecimento em informação. Pode-se

observar que esse processo ocorre também com os personagens de El testigo, pois,

ao se investir na canonização de López Velarde e na produção de uma telenovela

sobre a Guerra Cristera, torna-se evidente que não houve o objetivo de estimular o

debate ou divulgar fatos de uma parte importante da história do país, mas, única e

exclusivamente, promover entretenimento. É notória, então, a utilização dos

intelectuais do romance sendo colocados como especialistas, comunicadores,

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mediadores ou culture broker31 a serviço dos poderes da mídia, da Igreja e do

narcotráfico.

No entanto, cumpre observar que a passagem da figura tradicional do

intelectual, com compromisso histórico com a “verdade” (reminiscências com o caso

Dreyfuss), defensor de valores universais, tais como justiça, liberdade e democracia,

para o intelectual especialista, visto não possuir o brilho dos generalistas do

passado, ocorreu aproximadamente a partir da década de 1960. Fatos marcantes

devem ser considerados, pois contribuíram para essa metamorfose. Destaque-se,

neste caso, a experiência, na França, durante o Maio de 68, e os diversos

movimentos estudantis ocorridos em diversos países do mundo. A partir desses

acontecimentos, os intelectuais desse período começaram a ser criticados, uma vez

que passaram a ser vistos como utópicos, universalizantes e engajados.

É preciso relembrar que intelectuais são todos aqueles que possuem uma

função político-social como: os administradores, os clérigos, os advogados, os

professores, entre outros. (GRAMSCI, 1982, p.7) No entanto, é preciso destacar as

atualizações mais recentes dessa discussão a partir de Edward Said e Francisco

Oliveira, observando que Said mantém a tese da necessidade do papel público do

intelectual como um outsider e um perturbador do status quo. (SAID, 2005, p. 10) É,

portanto, a partir dessas coordenadas que estivemos discutindo El testigo.

Desde o início, propôs-se apresentar a tensão intelectual-testemunha

presente na obra de Villoro. Para tal, procurou-se localizar El testigo no contexto

31 Culture broker é definido como ato de ponte, ligação ou mediação entre grupos ou pessoas dediferentes origens culturais com o objetivo de reduzir o conflito ou produzir mudança, ou seja, oculture broker atua como um intermediário, aquele que defende ou intervém em nome de outroindivíduo ou de um grupo. (JEZEWSKI & SOTNIK, 2001, p. 21, tradução nossa)

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literário mexicano, traçando um paralelo entre esse romance e os diversos autores e

obras mexicanas a partir da segunda metade do século XX. Nesse período, ocorreu

o nascimento do protagonista, Julio Valdivieso e do autor do romance. Mas é

também um momento histórico de transformação do pensamento e de nascimento

da chamada “filosofia do mexicano”, ou seja, uma filosofia, protagonizada pelo grupo

Hiperión, composto entre outros por José Gaos, Luis Villoro e Leopoldo Zea, cuja

premissa é de que a existência e o crescimento do povo mexicano somente era

possível a partir de uma identidade psicológica comum. É importante salientar que

Villoro, em diversas, obras ironiza esse período e confessa ter sido exatamente

contra esse momento histórico que ele se havia rebelado.

Nesse contexto, através da análise crítica de El testigo e de diversos trechos

relevantes da narrativa do autor do romance, tentou-se demonstrar como se constitui

sua forma literária e como ele dialoga com diversos autores e obras, principalmente

a partir da década de 1950. Como se pôde notar, Juan Villoro que é filho de um dos

mais relevantes filósofos mexicanos, Luis Villoro, leu e ainda lê com muito respeito a

tradição literária de seu país, tendo sido capaz de, aproveitando-se da tradição

romanesca do século XIX, construir um romance no início do século XXI,

publicando-o em 2004.

É importante ressaltar que se inicialmente procurou-se centralizar a discussão

a partir do meio do século, mais adiante a opção foi retroceder para compreender a

tensão abordada por Villoro ao longo do romance entre os intelectuais e o poder no

período pós-PRI. Como se pôde observar a partir de uma breve análise do período

conhecido como porfiriato, os intelectuais mantinham uma estreita relação com o

poder estatal. Mas não se trata de um fato isolado, pois, nos períodos seguintes,

com o Ateneo de la Juventud, os Siete Sabios, os Contemporáneos, os

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Estridentistas, as gerações do Medio del Siglo e o grupo Hiperión, muitos

intelectuais continuaram sendo assalariados do governo, cenário que se prolongou,

chegando até os dias atuais.

Essa íntima relação entre os intelectuais e o poder, como sugere o romance,

não é recente. Isso fica claro ao mencionar Ramón López Velarde e o grupo

estético-literário os Contemporáneos, já que muitos dos seus integrantes mantinham

vínculos empregatícios no governo após a Revolução Mexicana. Em El testigo,

personagens como o padre Monteverde e Donasiano levantam dúvidas quanto ao

engajamento e a participação política de López Velarde naquele momento histórico.

É, portanto, nesse novo período de indefinição política, os anos de 2000, que

“bandos irreconciliáveis” (VILLORO, 2004a, p. 235) tentam aproveitar essa suposta

dúvida para propor uma canonização.

A imagem do poeta Ramón López Velarde dentro do romance é disputada

pela mídia, pela Igreja e o pelo narcotráfico, com a finalidade de torná-lo o

representante da história oficial. Os personagens questionam até que ponto López

Velarde, exatamente por ter falecido ainda muito jovem, não quis se posicionar

politicamente ou não teve tempo para isso. No entanto, não se deve desconsiderar

que o poeta zacatecano explicita seu posicionamento maderista e católico em

oposição a ditadura de Porfirio Díaz. Como norteño e pertencente, a classe média

ilustrada e castigada pelas políticas porfiristas, se posiciona ainda que com cautela,

através de suas poesias e ensaios. Em 20 de novembro de 1909 publica em El

Observador, com tom bastante humorístico um artigo que relata a presença do

jornalista James Creelman32 no México: “El ilustrísimo yankee, el primo de las

32 James Creelman, jornalista americano que entrevistou Porfirio Díaz em 1908, e cujos testemunhosforam publicados na revista “Pearson’s Magazine” e que são considerados como um acontecimentoimportante, já que o então presidente declarava a posibilidade de abandonar o poder e permitir a

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confianzas presidenciales, el periodista gringo que hace dos años abandonó las

babilónicas ciudades de Tío Sam [...] ¡Bienvenido sea el primo que, con su anterior

plática con el ciudadano Presidente, tuvo la fortuna de hacer que cayeran en el

garlito de las promesas democráticas buen número de nuestros políticos! (LÓPEZ

VELARDE apud SHERIDAN, 2010, p. 5). Como se pode notar ele testemunha as

mudanças estéticas, políticas e culturais ocorridas num tempo de extrema violência.

Pode-se inferir que, num século XX compreendido como traumático, com

inúmeras guerras, genocídios e regimes ditatoriais, a figura da testemunha ganha

expressão e ocupa a tribuna de discussões. A relevância dessa figura não é

somente apreciada na América Latina, mas também na Europa e nos Estados

Unidos.

Na atualidade, o que se traz para discussão decorre, principalmente, pela

importância da testemunha quando se pretende repensar a história. No entanto, não

é preciso passar por uma catástrofe, ter visto ou vivido o horror para poder

testemunhar. Afinal, alguém ser a testemunha radical significa ir até a conclusão de

um evento o que, na maioria das vezes, justamente em consequência disso, levará

essa pessoa a não poder testemunhar.

Villoro aborda dois períodos históricos importantes: o começo e o fim do

governo do PRI, para trazer à tona a tensão intelectual-testemunha, através de

Ramón López Velarde e Julio Valdivieso. Embora o romance não toque

explicitamente na figura do intelectual, de alguma maneira questiona sua posição, no

cenário político, econômico, cultural e religioso, pois, todos os personagens

formação de novos partidos políticos; fato que não aconteceu e esta entrevista foi considerada umdos detonantes da Revolução Mexicana. (DISCUTAMOS MÉXICO, 2010, Programa 31)

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convocados a testemunhar e os que convocam são intelectuais, ligados a um

importante círculo de poder.

Acreditamos que a tensão intelectual-testemunha presente no romance se

torna mais evidente através do personagem uruguaio do qual Valdivieso roubou a

tese. Esse personagem, que não tem nome, torna-se fundamental, pois ele morre na

década de 1970, momento que, em teoria, o intelectual tradicional acreditava poder

mudar o mundo. Essa figura sai de cena, abrindo espaço para Valdivieso, o

intelectual especialista. Esse professor da Universidade de Nanterre (não por acaso

a universidade onde desencadeou o maio francês) deixa o país nessa década para

estudar na Europa.

Cabe salientar, no entanto, que a transformação exigida pela sociedade na

década de 1970 se arrasta num processo lento e contínuo. No que tange à questão,

Villoro faz uma pertinente reflexão sobre o país desde 1970 até o ano de 2000,

comentando em seu artigo Carnaval y apocalipsis (2010) que:

Si alguien resucitara hoy en Alemania, Irak, China o Chile despuésde pasar treinta años en coma se sentiría como un extraterrestre. Lahistoria y sus efectos especiales han convertido esas locaciones enalgo muy distinto de lo que eran hace tiempo: planetas singulares. Encambio, si el paciente volviera en sí en México, se sentiría como unzombi al que le bastan dos tequilas para adaptarse y un tercero paradesear volver al coma. […] Los treinta años que van de 1970 a 2000representaron la restauración crónica de lo mismo, una transición encámara lenta, un capitalismo que se reiteraba con cambianteaspecto. Un baile de disfraces e ideologías. El nacionalismo, la librecompetencia, el estatismo y aun el liberalismo social tuvieron suoportunidad en esa mascarada. El resultado fue un país estable en ladesigualdad, que se ahorró los efectos de una dictadura al elevadoprecio de carecer de una democracia auténtica. (VILLORO, 2010,p.25)

A reflexão realizada pelo autor de El testigo nesse trecho sobre as últimas

décadas no México, nos remete à cena na UAM de Iztapalapa, descrita pelo

narrador no dia que Valdivieso encontra a tese do personagem uruguaio,

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explicitando a miséria, a falta de saneamento básico e asfaltamento no entorno da

universidade, destacando que ali, naquele ambiente de doença, cachorros leprosos,

lixão e um presídio de mulheres, havia leis próprias, ou seja, leis arbitrárias num

território sem lei.

Cabe ressaltar que vinte e quatro anos depois de ter deixado o pais, o

protagonista se encontra em um cenário semelhante ao descrito no parágrafo

anterior, mas que internamente, no romance, é ainda pior, pois, se no passado havia

miséria, doença e abandono do poder público nos bairros mais afastados,

acrescente-se também a violência. Valdivieso, após ser torturado por policiais, é

deixado num terreno baldio. Ali, já machucado e indefeso, é atacado por uma

dezena de meninos de rua, que o espancam e roubam até suas roupas.

É importante relembrar a estrutura política, social, econômica e cultural do

México na década de 1970. O Estado ainda preservava seu caráter laico, ou seja,

mantinha uma escola livre da interferência religiosa, com a proibição de cultos fora

da Igreja e a restrição dos direitos de propriedade das diversas organizações ligadas

a esse tipo de atividade. Tal fato, entretanto, modificou-se com a chegada do PAN

ao poder. Já o narcotráfico era composto por poucos grupos, e a investida mais

agressiva contra esse setor ocorreu em 1977 com a Operação Condor. Vale

destacar também que os dois maiores cartéis de drogas mexicanos na atualidade:

Cartel de Sinaloa e Cartel de los Zetas foram criados no final da década de 1980 e

1990, respectivamente. Em relação à mídia, é possível afirmar que mantém relativa

independência, embora a Televisa detenha o poder de grande parte dos canais de

televisão no país.

No momento em que o protagonista Valdivieso foi espancado pela polícia e

por meninos de rua, Galluzzo e Vikingo foram assassinados pelos narcotraficantes,

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demonstrando uma crítica muito clara ao México, exatamente por, de uma forma ou

de outra, aceitar a intervenção violenta desses grupos. Villoro narra uma

intelectualidade, por um lado, vinculada ao narcotráfico, mas, por outro, uma classe

intelectual que ainda não tinha consciência dessa questão, não dando a devida

atenção a ela. Afinal, os assassinados eram “eles”.

Nesse sentido, o cenário de violência traçado por Villoro no romance é uma

realidade que aparece diariamente nos jornais mexicanos. No entanto, nas últimas

décadas, é visível que não apenas os bairros mais afastados e pobres das grandes

cidades do México sofrem com esse clima de violência criado pelo narcotráfico. Esse

fato já havia sido apontado por Villoro em seu artigo “La alfombra roja del terror”

narco (2008b):

Cada mañana los periódicos publican un rojo marcador: los 12decapitados de ayer en Yucatán son relevados por los 24 ejecutadosde hoy en el parque nacional de La Marquesa. Sin embargo, elinstinto de supervivencia ha llevado a aislar mentalmente las zonasde violencia. Mientras los que se aniquilen sean “ellos”, estaremos asalvo. (VILLORO, 2008b, p. 5)

No contexto atual, certamente fatos recentes mudaram a opinião de muitos,

pois agora os que são aniquilados não são somente “eles”, o crime também afeta a

classe intelectual. No final de março de 2011, o filho do escritor Javier Sicilia foi

assassinado, fato que mobilizou diversas camadas da sociedade, como relata Ada

Castells (2011):

Antes ha habido otras muchas muertes injustas, igualmente injustas,pero el hecho de que ahora el crimen del narco haya recaído sobreun joven de clase intelectual, en una zona teóricamente segura, hadespertado la sensibilidad de los que todavía podían permitirse el lujode mirar la violencia desde la ventana, que no era el caso de Sicilia.A las marchas masivas, en Ciudad de México y en los otros lugaresdel país, van desde el campesino más analfabeto hasta el catedráticode la UNAM. (CASTELLS, 2011, p. 16)

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Como se observa no trecho da reportagem dessa jornalista espanhola, nos

últimos anos, não somente alguns intelectuais dispersos se posicionam contra o

narcotráfico. Atualmente, diversas classes, seja na capital ou no interior do país,

colocam-se contra a violência provocada por esses grupos. Deste modo, o romance

apresenta as aflições contemporâneas do cético e nostálgico intelectual mexicano

Julio Valdivieso no centro de uma narração, que não apenas concilia tempos

diferentes, mas narra também as aflições dos intelectuais atuais, que se encontram

na paisagem desoladora de um México mergulhado num sistema parlamentar

corrupto, desde suas estruturas, com partidos políticos marcados por escândalos, na

vídeo-democracia comandada por importantes consórcios comunicativos, na

injustiça social, na crescente fuga para os Estados Unidos em busca de sustento, na

participação do Estado através de um enorme sistema de bolsas, apoios e cargos

diversos, na violência promovida pelo narcotráfico e na iminência da impunidade.

Como declara Villoro: “¡Bienvenidos a la década del caos! A ocho años de la

alternancia democrática, México es un país de sangre y plomo”. (VILLORO, 2008b,

p.2)

El testigo é um romance sombrio e detalhado, que contribui para o

desenvolvimento de uma discussão crítica sobre a posição da literatura diante dos

problemas do México contemporâneo. Com essa obra, Villoro nos aproxima do

presente como um problema teórico-literário, ou seja, no momento em que ele

descreve a situação atual, procurando demonstrar e criticar sua validade, o leitor

está sendo levado a uma reflexão sobre o processo histórico.

A releitura em chave irônica de López Velarde proposta por Villoro deve ser

entendida como um projeto que analisa a condição nacional do poeta, não

raramente, poupando-o de uma interpretação crítica. A suposta dúvida levantada

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pelos personagens do romance a respeito do posicionamento crítico ou não do

poeta é respondida no próprio romance de Villoro, através do poema El retorno

maléfico, que percorre toda a obra. Ao analisar a primeira estrofe “Mejor será no

regresar al pueblo/al edén subvertido que se calla/en la mutilación de la metralla” e o

último verso: “… Y una íntima tristeza reaccionaria” (LÓPEZ VELARDE, 1998, p.

153), percebe-se que o poeta temia voltar para sua cidade natal em meio à

Revolução Mexicana, como menciona Gabriel Zaid: “Se fue soñando en mejorar las

cosas, y ahora teme regresar al pueblo, el edén subvertido que se calla en la

mutilación de la metralla”. (ZAID, 1998, p.784) Já no último verso, com um adjetivo

político, López Velarde demonstra sua ironia ao utilizar uma palavra cujo mérito não

é somente literário. Villoro, em El testigo ironiza a interpretação inocente de que um

artista da palavra colocaria um adjetivo como este sem um objetivo específico. No

entanto, não significa dizer que esse poema possa induzir ao entendimento de que o

passado havia sido melhor, mas é possível observar o pensamento de alguém que

havia acreditado no futuro, mas enfrenta o presente que acabara de chegar.

Ao propor a canonização do poeta, o romance demonstra como os diversos

grupos que disputam a representação de Ramón López Velarde somente escolhem

uma via. Não importa se esta via é política, literária, social ou religiosa. Certamente

não é crítica. Os personagens, então, escolhem a mais adaptável ao seu projeto de

interpretação.

Num final aberto e com diversas dimensões, encontramos o intelectual Julio

Valdivieso, fechando o romance sem mais protagonismo que os personagens

secundários. Ele havia sido convocado a testemunhar por ser um perito, um

especialista, mas, ao contrário do que se poderia deduzir, ele não conseguia dar fé

de nada.

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Os personagens mais destacados de El testigo não apresentam

características de heróis ou vilões. São figuras complexas, que vão desde poetas

errantes como Ramón Centollo a Cultural Broker como Félix Rovirosa e Juan Ruiz.

Seja o fraudulento professor Julio Valdivieso, ou ilustrado padre Monteverde, ou

Donasiano, o historiador que apenas junta papéis sem muita análise, ou Constantino

Portella, o escritor de narcorromance, não importa, são intelectuais, todos sem

qualquer tipo de posicionamento crítico em relação ao poder. Na verdade, eles

funcionam mais como cúmplices dos diversos grupos que, de um modo ou de outro,

controlam o país em diversos aspectos; entretanto, postulam-se a si próprios como

testemunhas.

Um personagem central para a discussão do romance é o uruguaio que havia

morrido torturado durante a ditadura naquele país, pois é através dele que se dá a

tensão intelectual-testemunha. Ser uma testemunha radical significa ir até o final de

um evento, e ir até o final, na maioria das vezes, conforme citado anteriormente, é

não poder falar. Por outro lado, intelectual é aquele que pensa ativamente, imagina,

renova, propõe que as coisas sejam vistas por outro ângulo ou perspectiva e

contribui para legitimar ou deslegitimar certas práticas, categorias e instituições.

Deste modo, o personagem uruguaio que havia escrito a tese que permitiu a

Valdivieso o acesso a uma vida fora do país, é, certamente, intelectual e

testemunha.

Pode-se afirmar que Villoro é um intelectual que dedica uma parte importante

de sua atividade vital ao estudo e à reflexão crítica sobre a realidade, principalmente

do México, seja desde sua perspectiva histórica, literária ou cultural. Esse romance,

que apresenta intelectuais com pouca ou nenhuma consciência crítica, convoca

todos para assumirem que são intelectuais, que escrevem dentro de uma tradição e

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que a “matéria-prima, a literatura, está inevitavelmente interligada à vida política e

às vertentes da história.” (VALENTE, 2007, p.43)

No contexto atual mexicano, pode-se inferir através do romance, que, para

Villoro, o intelectual público não saiu de cena. Na verdade, houve um

reposicionamento dessa figura, que se tornou mais midiático. Como ele já havia

declarado numa entrevista com Jorge Volpi: em seu país, os intelectuais ainda são

porta-vozes, funcionam como uma espécie de guru acidental e intérprete do real. Os

intelectuais mexicanos, frequentemente, explicitam suas percepções não somente

sobre temas literários e cultuais, mas, certamente, percebem, avaliam e fazem

projeções sobre assuntos políticos, econômicos e sociais.

Cabe ressaltar, no entanto, que esta é uma situação complexa, pois, por um

lado, os intelectuais criticam alguns posicionamentos do poder estatal, mas, por

outro, acabam se beneficiando de um amplo sistema de bolsas e colocações junto

ao poder.

Em tempos mais recentes alguns intelectuais públicos mexicanos têm lugar

de destaque, entre eles figuram: Carlos Fuentes, Carlos Monsiváis, Margo Glantz,

Enrique Krauze, Elena Poniatowska, Roger Bartra, Jorge Volpi, Juan Villoro e outros

que se posicionam criticamente diante do poder. Vale destacar, no entanto, que, se

por um curto espaço de tempo, alguns intelectuais públicos ocuparam cargos no

governo, esse vínculo não foi impedimento para que se colocassem criticamente.

Certamente, o que eles dizem vale a pena ser escutado e, por tal motivo, são

lembrados por suas obras, crônicas, ensaios, palestras e entrevistas.

Os personagens de El testigo são exemplos dessa complicada relação entre

os intelectuais e o poder. Como menciona um personagem do romance 2666 (2004)

de Roberto Bolaño que, os intelectuais latino-americanos estão preocupados

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basicamente em sobreviver. Certamente não é um problema de má fé, trata-se

somente de um emprego, ou seja, uma questão de subsistência.

El testigo é, em si, um diálogo constante entre literatura e história, literatura e

política, literatura e poder no México contemporâneo. Essa obra, de maneira

indireta, faz uma crítica aos intelectuais mexicanos, utilizando personagens que

inicialmente se colocam como testemunhas para demonstrar que eles são, na

verdade, intelectuais. Nesse cenário, Villoro, com muita sutileza, evidencia que, no

México atual, ainda se espera que eles assumam uma posição crítica, que

explicitem suas posições e que ressaltem que escrevem dentro de uma tradição. É

por tal motivo que Villoro encerra o romance com uma reflexão de reconciliação

entre o intelectual e a terra, no qual o intelectual é a vanguarda, e a terra, a tradição.

Nessa suave pátria da doce água de chia, a renovação da essência literária se dá

através do menino, filho de Ignacia, fazendo uma bela letra em um pedaço de papel

e demonstrando o início de um novo ciclo.

Villoro, um paisajista desse mundo romanesco pós-apocalíptico constituído

por uma geografia insólita, quase irreal, no qual passado e presente se entrelaçam,

enquanto a literatura e a história se complementam. Nesse cenário, El testigo,

certamente contribui para o desenvolvimento de uma discussão crítica sobre o papel

da literatura no contexto mexicano atual através da reflexão sobre intelectuais e

testemunhas.

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ANEXO I

LA SUAVE PATRIA

PROEMIO

Yo que sólo canté de la exquisitapartitura del íntimo decoro,alzo hoy la voz a la mitad del foroa la manera del tenor que imitala gutural modulación del bajopara cortar a la epopeya un gajo.

Navegaré por las olas civilescon remos que no pesan, porque vancomo los brazos del correo chuanque remaba la Mancha con fusiles.

Diré con una épica sordina:la Patria es impecable y diamantina.

Suave Patria: permite que te envuelvaen la más honda música de selvacon que me modelaste por enteroal golpe cadencioso de las hachas,entre risas y gritos de muchachasy pájaros de oficio carpintero.

PRIMER ACTO

Patria: tu superficie es el maíz,tus minas el palacio del Rey de Oros,y tu cielo, las garzas en deslizy el relámpago verde de los loros.

El Niño Dios te escrituró un establoy los veneros del petróleo el diablo.

Sobre tu Capital, cada hora vuelaojerosa y pintada, en carretela;y en tu provincia, del reloj en velaque rondan los palomos colipavos,las campanadas caen como centavos.

Patria: tu mutilado territoriose viste de percal y de abalorio.

Suave Patria: tu casa todavíaes tan grande, que el tren va por la vía

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como aguinaldo de juguetería.

Y en el barullo de las estaciones,con tu mirada de mestiza, ponesla inmensidad sobre los corazones.

¿Quién, en la noche que asusta a la rana,no miró, antes de saber del vicio,del brazo de su novia, la galanapólvora de los juegos de artificio?

Suave Patria: en tu tórrido festínluces policromías de delfín,y con tu pelo rubio se desposael alma, equilibrista chuparrosa,y a tus dos trenzas de tabaco sabeofrendar aguamiel toda mi briosaraza de bailadores de jarabe.

Tu barro suena a plata, y en tu puñosu sonora miseria es alcancía;y por las madrugadas del terruño,en calles como espejos se vacíael santo olor de la panadería.

Cuando nacemos, nos regalas notas,después, un paraíso de compotas,y luego te regalas toda enterasuave Patria, alacena y pajarera.

Al triste y al feliz dices que sí,que en tu lengua de amor prueben de tila picadura del ajonjolí.

¡Y tu cielo nupcial, que cuando truenade deleites frenéticos nos llena!

Trueno de nuestras nubes, que nos bañade locura, enloquece a la montaña,requiebra a la mujer, sana al lunático,incorpora a los muertos, pide el Viático,y al fin derrumba las madereríasde Dios, sobre las tierras labrantías.

Trueno del temporal: oigo en tus quejascrujir los esqueletos en parejas,oigo lo que se fue, lo que aún no tocoy la hora actual con su vientre de coco.Y oigo en el brinco de tu ida y venida,

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oh trueno, la ruleta de mi vida.

INTERMEDIO

(Cuauhtémoc)

Joven abuelo: escúchame loarte,único héroe a la altura del arte.

Anacrónicamente, absurdamente,a tu nopal inclínase el rosal;al idioma del blanco, tú lo imantasy es surtidor de católica fuenteque de responsos llena el victorialzócalo de cenizas de tus plantas.

No como a César el rubor patriciote cubre el rostro en medio del suplicio;tu cabeza desnuda se nos queda,hemisféricamente de moneda.

Moneda espiritual en que se fraguatodo lo que sufriste: la piraguaprisionera , al azoro de tus crías,el sollozar de tus mitologías,la Malinche, los ídolos a nado,y por encima, haberte desatadodel pecho curvo de la emperatrizcomo del pecho de una codorniz.

SEGUNDO ACTO

Suave Patria: tú vales por el ríode las virtudes de tu mujerío.Tus hijas atraviesan como hadas,o destilando un invisible alcohol,vestidas con las redes de tu sol,cruzan como botellas alambradas.

Suave Patria: te amo no cual mito,sino por tu verdad de pan bendito;como a niña que asoma por la rejacon la blusa corrida hasta la orejay la falda bajada hasta el huesito.

Inaccesible al deshonor, floreces;creeré en ti, mientras una mejicanaen su tápalo lleve los dobleces

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de la tienda, a las seis de la mañana,y al estrenar su lujo, quede llenoel país, del aroma del estreno.

Como la sota moza, Patria mía,en piso de metal, vives al día,de milagros, como la lotería.

Tu imagen, el Palacio Nacional,con tu misma grandeza y con tu igualestatura de niño y de dedal.

Te dará, frente al hambre y al obús,un higo San Felipe de Jesús.

Suave Patria, vendedora de chía:quiero raptarte en la cuaresma opaca,sobre un garañón, y con matraca,y entre los tiros de la policía.

Tus entrañas no niegan un asilopara el ave que el párvulo sepultaen una caja de carretes de hilo,y nuestra juventud, llorando, ocultadentro de ti el cadáver hecho pomade aves que hablan nuestro mismo idioma.

Si me ahogo en tus julios, a mí bajadesde el vergel de tu peinado densofrescura de rebozo y de tinaja,y si tirito, dejas que me arropeen tu respiración azul de inciensoy en tus carnosos labios de rompope.

Por tu balcón de palmas bendecidasel Domingo de Ramos, yo desfilolleno de sombra, porque tú trepidas.

Quieren morir tu ánima y tu estilo,cual muriéndose van las cantadorasque en las ferias, con el bravío pechoempitonando la camisa, han hechola lujuria y el ritmo de las horas.

Patria, te doy de tu dicha la clave:sé siempre igual, fiel a tu espejo diario;cincuenta veces es igual el AVEtaladrada en el hilo del rosario,y es más feliz que tú, Patria suave.

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Sé igual y fiel; pupilas de abandono;sedienta voz, la trigarante fajaen tus pechugas al vapor; y un tronoa la intemperie, cual una sonaja:la carretera alegórica de paja.

24 abril de1921

Ramón López Velarde

Notas de edición José Luis Martínez: Creación en El Maestro,Revista de Cultural Nacional, México, nº III, 1º de junio de 1921

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ANEXO II

EL RETORNO MALÉFICO

Mejor será no regresar al pueblo,al edén subvertido que se callaen la mutilación de la metralla.

Hasta los fresnos mancos,los dignatarios de cúpula oronda,han de rodar las quejas de la torreacribillada en los vientos de fronda.

Y la fusilería grabó en la calde todas las paredesde la aldea espectral,negros y aciagos mapas,porque en ellos leyese el hijo pródigoal volver a su umbralen un anochecer de maleficio,ala luz de petróleo de una mechasu esperanza deshecha.

Cuando la tosca llave enmohecidatuerza la chirriante cerraduraen la añeja clausuradel zaguán, los dos púdicosmedallones de yeso,entonando los párpados narcóticos,se mirarán y se dirán: ``¿Qué es eso?´´

Y yo entraré con los pies advenedizoshasta el patio agoreroen que hay un brocal ensimismado,con un cubo de cuerogoteando su gota categóricacomo un estribo plañidero.Si el sol inexorable, alegre y tónico,hace hervir a las fuentes catecúmenasen que bañábase mi sueño crónico;si se afana la hormiga;si en los techos resuena y se fatigade los buches de tórtola el reclamoque entre las telarañas zumba y zumba;mi sed de amar será como una argolla;empotrada en la losa de una tumba.

Las golondrinas nuevas, renovando

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con sus noveles picos alfareroslos nidos tempraneros;bajo el ópalo insignede los atardeceres monacales,el lloro de recientes recentalespor la ubérrima urbe prohibidade la vaca, rumiante y faraónica,que el párvulo intimida;campanario de timbre novedoso;remozados altares;el amor amorosode las parejas pares;noviazgos de muchachasfrescas y humildes, como humildes coles,y que la mano dan por el postigoa la luz de dramáticos faroles;alguna señoritaque canta en algún pianoalguna vieja aria;el gendarme que pita......Y una íntima tristeza reaccionaria.

RAMÓN LÓPEZ VELARDE

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ANEXO III

Breve processo histórico, político e econômico do narcotráfico no México

Se debe enfrentar el narcotráfico como un mal que está dañando a la humanidad, perosolidariamente, sin subordinación alguna.

Leopoldo Zea

El narcotráfico en México sólo se puede explicar como una estructura de poder; de esa formafunciona y concebido así adquieren lógica sus acciones.

Jorge Fernández Menéndez

Para tratar sobre o tema do narcotráfico na literatura, faz-se necessário,

inicialmente, entender o processo histórico, econômico e político apresentado por

esse assunto, principalmente na América Latina. Historicamente, a humanidade

sempre fez uso de drogas, seja em forma de raízes ou através de ervas e folhas,

geralmente, em cerimônias e rituais de caráter religioso. Entretanto, essas plantas e

seus derivados alteravam a consciência, levando à euforia e à dependência. Deste

modo, assim destaca Cristina Rojas Rodríguez que, de uma maneira ou de outra, as

sociedades:

han intentado regular, prohibir o establecer barreras moralesalrededor del consumo, distribución y tenencia de esas sustanciasalteradoras de la conciencia, porque siempre han existido y el serhumano, por múltiples razones ha recurrido a ellas. (ROJASRODRÍGUEZ, 1993, p. 1)

O que mudou, entretanto, ao longo dos anos foram os fins de consumo.

Sendo assim, compreende-se que a ilegalidade das drogas apresenta, já há algum

tempo, um caráter econômico, social, cultural, político e jurídico, cujo arcabouço

afeta várias nações.

Etimologicamente, a palavra narcotráfico é formada a partir da combinação de

duas palavras com diferentes interpretações: narcótico, surgido de narkoun, que

significa adormecer, sedar e, também, por tráfico que apresenta dois sentidos,

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sendo o primeiro de “comércio clandestino, vergonhoso e ilícito; e o segundo se

entende, simplesmente, por qualquer tipo de negócio.

Destacando brevemente alguns pontos que influenciaram o narcotráfico na

América Latina atualmente, o primeiro fato foi a Guerra do Ópio, quando, em 1773 a

companhia britânica “India Oriental” conseguiu o monopólio de distribuição do ópio

na Índia e, através do domínio que exercia sobre a população, obrigou-os a cultivar

a papoula do ópio. Desta forma, criou-se uma relação triangular: “Gran Bretaña

exporta telas de algodón a la India; India exporta ópio a la China y China exporta té

a Gran Bretaña. (ROJAS RODRÍGUEZ, 1993, p. 1) Essa estrutura foi conservada

por cento e quarenta anos até a proibição, no início do século XX, do comércio de

ópio.

Outros fatores relevantes ocorreram ao longo do século XIX, com a

transferência de trabalhadores chineses para os Estados Unidos para a construção

da ferrovia transcontinental. Eles traziam consigo o hábito de fumar ópio,

provocando algumas consequências, como o cultivo e a importação de ópio para os

Estados Unidos. Outro fator determinante ocorreu quando grandes laboratórios

europeus, especialmente alemães, introduziram, no mercado, morfina, heroína e

cocaína, todas usadas livremente como medicamentos com prescrição médica,

principalmente para o tratamento de soldados.

No entanto, em 1915, um acordo assinado por treze países, dentre os quais,

Estados Unidos, Grã Bretanha, China, Alemanha e Japão, constituiu o primeiro

documento de controle para o transporte de drogas necessárias para medicamentos.

Entre eles, estava a cocaína. (ROJAS RODRÍGUEZ, 1993, p. 2) No México, a

ligação entre contrabandista de drogas e comerciantes de armas já vinha sendo

realizada desde períodos anteriores à Revolução. Até 1920, a maconha era

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cultivada sem nenhum controle, enquanto o ópio era importado para fins medicinais.

Entretanto, com a proibição do cultivo e da comercialização, o que era legal passou

a ser ilegal, nascendo então o narcotráfico, com as conotações de violência e crime

organizado conhecidas atualmente.

A partir a Segunda Guerra Mundial, intensificou-se a fiscalização quanto ao

uso e à distribuição de drogas, transferindo para a recém criada Organização das

Nações Unidas a função de fiscalização de entorpecentes, realizada anteriormente

pela Sociedade ou Liga das Nações.

No entanto, um duplo jogo entrou em ação, pois a tentativa de combate

fracassou pelo aumento da demanda, uma vez que, no pós-guerra o ópio com fins

medicinais havia-se transformado em negócio, como destaca Iván Paoli Bolio: “En la

posguerra aumenta la siembra y el tráfico de la goma se organiza en forma

clandestina [...] al término del conflicto la demanda de narcóticos crece con el

retorno de soldados adictos de Estados Unidos”. (PAOLI BOLIO, 2008, p.100)

A primeira repressão oficial ao narcotráfico no México ocorreu em 1941, em

Sinaloa, quando autoridades empreenderam ações contra o cultivo de maconha e a

papoula (planta do ópio)33. A Operación Cóndor, ocorrida em 1977, foi a maior

investida até então, e teve como líderes José Hernández Toledo, por parte do

exército, e Carlos Aguilar Garza, militar veterano do massacre de Tlatelolco em

1968. Por parte da polícia, houve algum êxito, mas, pouco a pouco, os

narcotraficantes conseguiram se organizar.

Em La globalización desenmascarada, James Petras e Henry Veltmeyer, num

capítulo intitulado “Imperio y narcocapitalismo” destacam uma série de fatos que

33 Essa operação que resultou em uma emboscada, no qual o chefe de polícia Alfonso Leyzaola foicapturado, torturado e pendurado em uma árvore, como advertência ao governo e a população.(PAOLI BOLIO, 2008, p.100)

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haviam levado os Estados Unidos a interferirem na política interna de países latino-

americanos. Podem ser citados, nesse caso, a intervenção militar em São

Domingos, basicamente para defender os banqueiros, os monopólios de petróleo no

México e a invasão do Panamá. Com o fim da Guerra Fria e a queda do comunismo

soviético, Washington recorreu à ameaça da droga para justificar sua intervenção e

controle sobre os policiais e funcionários de segurança na América Latina.

Os Estados Unidos, maior mercado nacional consumidor de drogas ilícitas, é

também o que impõe as regras para a chamada luta contra o narcotráfico. Para

Petras e Henry (2003), essa política é utilizada com o objetivo de camuflar o

verdadeiro propósito neoliberal, permitindo a implantação de sua agenda política,

através de três propósitos: utilizando a moral como escudo, disfarçar políticas

repressivas e exploradoras; através dessa luta contra o narcotráfico, permitir a

penetração nas forças de segurança internas da América Latina; dirigindo sua luta

para o campo, contra movimentos sociais potencialmente revolucionários, ter acesso

direto à sociedade (PETRAS e VELTMEYER, 2003, p. 182).

Sendo assim, se Washington estivesse realmente interessado em contribuir

para a diminuição do tráfico de drogas, voltaria sua política para dentro, fiscalizando

a lavagem de dinheiro do tráfico em grandes bancos internacionais, investigando a

polícia americana que aceita suborno, caçando os chefes de drogas dentro “de

casa” e, principalmente, fazendo um maior investimento em educação, pois, como

destaca Irma Arriagada e Martín Hopenhayn no artigo “Producción, tráfico y

consumo de drogas em América Latina” (2000) que: “En Estados Unidos, el mayor

mercado nacional de drogas ilícitas, a la vez ha aumentado el número de

consumidores crónicos, lo que implicaria un deterioro en la dimensión sanitaria del

problema” (ARRIAGADA e HOPENHAYN, 2000, p. 7).

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Nessa perspectiva, cabe salientar que, no México, atualmente, apesar dos

golpes dados no narcotráfico pelos governos na última década, sete cartéis se

mantêm ativos: Cártel de Tijuana (atuando no sul e sudeste); Cártel del Golfo (tem

influência em treze estados); Cártel de Chapo Guzmán (opera na região do Pacífico

norte, e seu grupo está vinculado à morte do cardeal Juan Jesús Posadas); Cártel

de Juárez (considerado o mais poderoso, que se supõe ter influência em vinte e um

estados); Cártel del Milenio (seus principais centros de atuação são Nuevo León,

Tamaulipas, Jalisco, Colima, Michoacán e Distrito Federal) e o Cártel de los

hermanos Parada (controlam a região do istmo de Oaxaca, Veracruz, Tabasco e

Chiapas) 34 (PAOLI BOLIO, 2008, pp.102-103).

É preciso também levar em consideração que o narcotráfico no México

apresenta um entroncamento político, cujos tentáculos avançam em vários estratos

da sociedade, pois, devido ao grande volume de recursos econômicos que

manejam, foram criadas ramificações que vão desde policiais municipais, estaduais,

federais comuns até o mais alto escalão do governo. (PAOLI BOLIO, 2008, p.75)

A questão das drogas, principalmente na América Latina, é complexa, como

destaca Adalberto Santana em sua obra El narcotráfico en América Latina (2008) e,

nas páginas anteriores, foram apresentados apenas alguns pontos os quais,

certamente, merecem uma grande discussão, mas que, no entanto, como já foi

mencionado no corpo dessa pesquisa, não tem esse tema como cerne.

Desta forma, em última análise, pode-se concluir que o tráfico de drogas é,

entre outros, um problema de mercado e de demanda, concluindo que a política de

“certificação”, no qual a Washington cabe “juzgar, evaluar y castigar a los regímenes

34 No artigo “Evolución del narcotráfico en México” se encontram outras informações sobre os cartéisdo narco como: quando surgiram, seus principais líderes, as prisões realizadas, campo de atuação eos crimes de repercussão internacional que cometeram. (PAOLI BOLIO, 2008, pp.102-103)

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de acuerdo con sus criterios de cumplimientos en la guerra contra las drogas.”

(PETRAS e VELTMEYER, 2003, p. 183) Faz com que o objetivo maior não venha a

ser alcançado.

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ANEXO IV

Capa de El testigo de Juan Villoro publicado em 2004 pela Editora Anagrama.

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ANEXO V

Capa do livro 2666 de Roberto Bolaño em 2004 pela Editora Anagrama.