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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LITERATURA UMA TEORIA POÉTICA: FILOSOFIA, POLÍTICA E SOCIEDADE ANGELO RICARDO GRISOLI Rio de Janeiro, dezembro de 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LITERATURA

UMA TEORIA POÉTICA: FILOSOFIA, POLÍTICA E SOCIEDADE

ANGELO RICARDO GRISOLI

Rio de Janei ro, dezembro de 2006

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ANGELO RICARDO GRISOLI

UMA TEORIA POÉTICA: FILOSOFIA, POLÍTICA E SOCIEDADE

Disser tação de Mest rado apresentada à Univers idade Federal do Rio de Janei ro como requis i to para obtenção do grau de Mest re em Teoria da Li teratura .

Orientador: Antonio José Jardim e Castro

Rio de Janei ro, dezembro de 2006

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Dedico este trabalho aos pensadores de

todos os tempos

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos amigos e professores que me auxiliaram em minha formação,

doando um pouco de cada experiência para que eu alcançasse a lucidez e a

serenidade fortificantes de minha trajetória.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo pensar a interação entre o conhecimento poético, o conhecimento filosófico e o conhecimento político, considerando os elementos da vida moderna em termos societários. Portanto, esta pesquisa procura discutir a metamorfose do saber como unidade. Nesse sentido, a análise dos elementos teóricos que fundamentam o estudo dessa unidade privilegia o papel fundamental de uma concepção crítica sobre a modernidade, especialmente a autodeterminação da civilização. Na raiz do processo de autodeterminação da civil ização, a técnica e a estrutura tecnológica do sistema comandam toda as direções da sociedade. Contemplando o conhecimento poético como espaço de vivência democrática, o tema demanda uma atenção para diferentes concepções de poesia e fi losofia, compreendendo que ambos os saberes se originam na linguagem.

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ABSTRACT

This work presents examines the interaction of poetic knowledge, philosophical knowledge and political knowledge focussing on the elements of modern life in terms of society. Therefore, this research aims at discussing the metamorphosis of knowledge. In this sense, the analyses of theoretical elements that compose this project emphasize the key role of a critical view at modernity especially the Self-Determination of the civilization. At the roof of the self-determination of civilization, the technique and the structure of the technological system command every ways of society. Contemplating the poetic knowledge as a space of a democratic experience, the theme demands an attention to the different conceptions of poetry and philosophy, comprehending that both of them are originated in language.

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SUMÁRIO

I.Introdução: Uma poética do real nos tempos da Deusa Ciência. .. . . . . . . . . . . . .8

II. Schopenhauer e a Aurora Poética do Pensador.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22

III. Ciência, Política e Metafísica religiosa nos caminhos da técnica

moderna.. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44

IV. O Silêncio Narrativo de Primavera, Verão, Outono, Inverno e

Primavera de Kim Ki Duk.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71

V. Uma Questão de Unidade: Poesia, Filosofia e Sociedade. ... . . . . . . . . . . . . . . . . . .86

VI. Conclusão: Do desfecho as Questões.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .102

Referências Bibliográficas. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .105

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INTRODUÇÃO

1.1 . Uma Poética do Real nos tempos da Deusa Ciência

Antinomia é uma palavra cujo significado permite-nos pensar a

substância própria da experiência, visto que a agudeza contraditória dos

acontecimentos doa ao real uma contingência analí tica. Em termos

dicionarísticos, antinomia significa contradição ou paradoxo, que no plano

societário pode ser compreendido como uma ação que vai de encontro ao que é

tomado como incontestável pelos pilares da moral e da mentalidade de um

tempo.

Para muitos, as realizações da técnica moderna são tão incontestáveis,

em seu caráter positivo, que a identidade contraditória, correspondente a essas

realizações, tornar-se-ia uma afi rmativa insignificante ou privada de prestígio.

Toda a equipagem técnica da ciência objetiva vem determinando assim aquilo

que se convencionou chamar de “evolução” histórica, de acordo com uma

concepção pragmática que se sustenta por meio das facilidades funcionais do

mundo moderno. A antinomia, contudo, reside no mais íntimo lugar desse

processo.

Pensemos a costura do real. Em termos simples, o homem médio, cuja

vivência é direcionada pelo padrão ideológico da técnica moderna, a título de

exemplificação, “jamais” contestaria a validade exploratória de um rio, se este

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fosse o foco de uma empresa em que os propósitos fossem o de beneficiar sua

comunidade.

A condição de ser do rio seria violada em prol de sua entificação, já que

serviria ao bem estar humano. Seus recursos passariam ao estágio de

quantificação em razão assim de uma “boa justificativa humanista”. A vida

que lá se encontra em estado potencial cessaria de sua naturalidade, para o

bem dos homens e, talvez, alguns poucos anos seriam necessários para que

este rio, que outrora vicejava poeticamente, se transformasse em um grande

monumento acinzentado da lógica quantitat iva do nosso tempo.

E o homem, mesmo que tocado pelas boas intenções, não restituiria o

rio de suas potencialidades, caso lhes fosse possível refrear a apropriação

humanista. Mesmo que um deus lhe fornecesse poderes divinos, o homem

talvez aplicasse suas forças para melhor entificar sua relação com o rio.

Isso para nós somente comprova o traço de soberania da ciência e da

técnica, que atuam de maneira tão eficaz quanto à antiga metafísica medieval

que a todos impunha o catecismo de Deus. Esta soberania implica

funcionalizar o homem para que este funcionalize a tudo com maior e maior

eficácia.

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Com base numa lógica de perpetuação, há um pacto velado entre o

humanismo, a política contemporânea e a ciência objetiva, a qual recebera o

manto de deusa cujo comando atinge às profundas raízes da civilização. Nesse

estágio, a questão do ser permanece oculta e, conseqüentemente, esquecida.

Passamos da era medieval para a era burguesa e nos vangloriamos da

liberdade. Porém, o centro de direcionamento ideológico do humanismo

destitui a liberdade do liberta-se e o poder metafísico fora transferido da

rel igião para a politização da ciência objetiva.

O libertar-se se desdobra em formas múltiplas pelo vigor que,

solitariamente, cada existência recebe como experiência do ente aberto às

questões do ser. Essa abertura da solidão condiz com uma inferência do

mundo e do tempo sobre o homem que permite que este permaneça em aberto

para que o libertar-se. Por isso, ainda que fosse necessária uma discussão mais

detalhada sobre o tema, a solidão part icipa como advento engendrador de toda

e qualquer gesto do l ibertar-se.

Pode-se , a inda, entender so l idão como um recolher o “som” a par t i r do “s i lêncio”, e com es te “som” es tabelecer um novo t ipo de re lação que sej a capaz de es t ar ar t iculada com o l iber tar-se do cont inuum homogeneizador , padronizador , ident i fi cador , pas teur izador . (JARDIM, 2005: 160)

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Nesses termos, o homem não se reduziria ao tempo do cientificismo

objetivo da noção de liberdade promulgada pelo neo-liberalismo cujas formas

o entificam. Curioso e chocante é pensar quão aprisionada e fragilizada é a

visibil idade dos tempos contemporâneos em que o neo-liberalismo vulgar

contenta as intenções medianas ao engodo cultural.

Lembremos que, além da questão da liberdade, a meta iluminista do

esclarecimento pela razão tomou um rumo, decididamente, funcional. No

meio político, o status axiomático da ciência objetiva a torna tão poderosa

quanto qualquer instituição de poder de épocas longínquas. Ou seja, que

liberdade, que igualdade ou que fraternidade alcançamos, se agora o cárcere

se dá pela desmedida da racionalidade? Que liberdade poderá ser pronunciada

como ímpeto do libertar-se, se nela não há o vigor da solidão que doa ao

homem a quintessência do exist ir, da história, da música?

Observamos que em seu curso de objetivação, a ciência, na

modernidade, fora sacralizada como a antiga metafísica pela sofisticação da

técnica. Esta soberania da ciência objetiva é entendida aqui pelo viés do

radicalismo sistemático da racionalidade técnica, que não deixa de promover

as “benesses tecnológicas”1, entretanto agencia, em ampla escala, o caos e a

desertificação do ser, desti tuindo esta palavra de qualquer significação poética

1 Lembremos que, para mui tos teór icos , o que pode ser chamado de maravi lhas da técnica moderna t ambém pode s igni f icar o úl t imo es tágio de desvelamento das potencial idades da natureza que encaminham a vida ao seu f im neste planeta .

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e libertária. Inclusive, é evidente o desconforto dos poetas perante tal

magnitude doada a politização da ciência objetiva em nossos tempos.2

Parece-nos também essencial, para a leitura desse trabalho, a

compreensão do conceito de poética por um viés de ampla significação. Uma

significação de longa data que restaura o conceito de Literatura de sua matriz

grega e o aproxima de um dialogo com a filosofia e com a polí tica.

Hoje, o habitar nos grandes centros urbanos é, de fato, uma experiência

profunda das incompatibilidades da objetividade científica, acerca das

minúcias que envolvem o real. Este perfi l desértico do ser é o resultado de um

longo silenciamento da pergunta sobre o sentido da habitação humana na terra,

ou de um esgotamento dessa habitação. Não procuramos aqui tecer

considerações que se confundam com um discurso panfletário de teor

ambientalista. O que procuramos é pensar poeticamente uma teoria que se

dedique ao real e dele construa uma experiência de leitura poética da grande

antinomia que reside no âmago da conjuração entre técnica, ciência e polít ica

na contemporaneidade. Logo, compreendemos o pensamento poético numa

unidade em que o alcance das relações entre o homem e a terra se preservam.

Em suma, o mundo da técnica moderna suprime a atividade respiratória

da terra e a medida desse fenômeno se estende à noção de infinito da ciência

2 De formas múl t ip las, uma grande maior ia de obras poét icas possuem cla ramente uma pos tura contrar i a ao pro jeto de ent i f icação da técnica moderna.

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objetiva, quando os homens se dedicam, prontamente, à pesquisa de novas

des-cobertas. Em termos simples, qualquer forma de ação, na

contemporaneidade, será validada à proporção que determine uma

funcionalidade dentro desse eixo. A esse pragmatismo não cabe uma medida

poética, visto que a funcionalidade, e obviamente a noção de tempo nela

operante, são de uma ordem adversa à questão da criação (poiesis) .

A necessidade de certezas, atributo padrão da objetividade científica, e

as resoluções históricas da racionalidade fazem de tudo que é essencialmente

poético, como na criatividade longeva da memória, algo despretensioso ou

descartável . As técnicas, que desde os tempos gregos se sofist icaram,

migraram da filosofia e da arte para alcançar nos tempos de politização da

ciência objetiva, uma desenvoltura funcional que só poderia sobreviver às

custas de uma radical digressão do curso poético do habitar humano sobre a

terra.

A realidade uniformizada pela sociedade de consumo demonstra que se

abriu uma fenda entre sentido histórico e encaminhamento civilizatório da

cultura. O últ imo estágio do investimento burguês-capitalista no controle, na

ret idão e no trabalho, camuflado pela democracia neoliberal , fora

protagonizado pelo dizer apocalíptico de Martin Heidegger, ao passo que o

pensador apontava ao mesmo tempo para o fim da Filosofia de cátedra:

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Não é necessár io ser profeta para reconhecer que as modernas c iências que es tão se inst al ando serão , em breve, determinadas e di r igidas pela nova ciência bás ica que se chama cibernét ica . Es ta c iência corresponde à determinação do homem como ser l igado à praxis na sociedade. Pois e la é a teor ia que permite o contro le de todo planejamento poss ível e de toda organização do t rabalho humano. A cibernét ica t ransforma a l inguagem num meio de t roca de mensagens . As ar tes tornam-se inst rumentos cont rolados e contro ladores da informação. O desdobramento da Fi losof ia cada vez mais decis ivamente nas c iências autônomas e , no entanto , int erl igadas , é o acabamento legí t imo da Fi losof ia . Na época presente a Fi losof ia chega a seu es tágio terminal . Ela encontrou seu lugar no caráter c ient í f ico com que a humanidade se real i za na praxis social . O carát er especí f ico dessa cient i f icidade é de natureza c ibernét ica , quer d izer , t écnica. Provavelmente desaparecerá a necess idade de ques t ionar a técnica moderna, na mesma medida em que mais decis ivamente a técnica marcar e or ientar todas as manifes tações no Planeta e o pos to que o homem nele ocupa. (HEIDEGGER, 1975: 02 )

A astúcia envolvente da técnica servira de costura e posterior suporte

para vermos a “deusa ciência” se afirmar como esteio superior da ordem

ideológica no presente. No intuito de aproximação de uma escuta poética da

história, percebemos a necessidade, portanto, de re-afirmação de uma questão

que nos é, sem hesitação, crucial para a articulação de nosso trabalho: a

memória poética.

Alem do que fora comentado, nossa intenção aqui é levantar, outrossim,

um questionamento do qual possamos apreender uma proximidade entre

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pensamento, verdade e arte: os três pilares da memória. Nesse sentido, a tríade

composta também pode servir a um questionamento sobre polít ica e poética.

A memória, que sempre fora a matriz de toda e qualquer formulação de

cultura, encontra-se, na contemporaneidade, desenraizada de seu sentido

originário de culto, enquanto a objetividade científica at inge seu apogeu

histórico. Em A Criatividade da Memória, o professor Ronaldes de Mello e

Souza expõe uma sentença que nos convoca a pensar:

A memória cr iadora ou poét ica não se compreende no domínio ci rcunscr i to pela famigerada objet ividade cient í f ica , pelo contrár io , so l ic i ta uma c iência da cr ia t ividade que condiciona toda e qualquer objet ividade. De acordo com a c iência da cr i at ividade, que é a c iência da memória poét ica , pr imeiro que tudo há o fa tor cr iat ivo , e não o fa to cr i ado . (2002: 03)

Lembremos também o que nos diz o professor Luiz Costa Lima sobre o

grande valor, no mundo grego, dado à conexão entre o poeta, a memória e o

estudo da verdade. Os ensinamentos do mundo grego, no que diz respeito ao

suporte fornecido pela deusa Mnemosýne, estão para nós como o grande pilar

de nossa argumentação a luz de uma educação poética.

“. . . o exercício nobre da palavra supunha a capacidade de f ixá- la pela memória . Mnemosýne é uma deusa, cujo papel nada tem em comum com a função auxi l iar que desempenhará com o desenvolvimento da l inguagem escr i ta” . “Mnemosýne é a viga-mest ra da indagação da verdade. Daí a importância que assumia o poeta”. (2003: 32)

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As questões essenciais que nos motivam a pensar derivam também de

um processo particular de negação dos sistemas metafísicos e de toda

concepção pedagógica adotada por sistemas corretivos de interpretação, cuja

art iculação tenha se fechado ao exercício da memória e, conseqüentemente, de

uma construção poética do sentido.

Uma construção poética do sentido se dedica a voz da memória cuja

ação estabelece o diálogo com o presente. Sem dúvida, passado e presente são

vistos aqui tal como questões em aberto e não como ditos sentenciosos ou

juízos, que formam conceitos absolutos de uma época outrora fechada. Que

sentido haverá no pensar o passado senão enquanto forma de teorização do

presente e leitura esclarecedora das escutas do tempo?

Concretamente, a memória, como obrar do tempo, insiste em tornar o

que pode se chamar de passado em leitura presentificável da experiência.

Presentificar as experiências de outrora não redunda em banalização

nostálgica, mas em leitura cautelosa das sutilezas que se mostram e se velam

nos ciclos de acontecimento do real .

Reconhecer no homem tal possibilidade não o torna senhor de uma

condição especialíssima de superação do que, de fato, ele é. Mas possibili ta

re-pensarmos o homem como errância na escuta permanente do tempo.

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Imaginemos, assim, o homem destituído de sua sombra de senhor das coisas.

Isso implicaria num estranho acontecimento: a inversão do humanismo cuja

face assistencialista de embuste eleva os sofismas e gera a corrupção do

homem pelo homem.

Na contramão do humanismo, o homem passaria a não ser mais o

humanista das grandezas, direcionado pela deusa ciência, e seria simplesmente

um homem. Contudo, reside nessa panorâmica um idealismo ingênuo, pois até

que ponto a condição deste seria capaz de lidar com tamanha simplicidade,

assim se alimentando do que a memória nele depositaria como pensamento?

Em que medida a deusa ciência permitiria que o homem se divorciasse de suas

rédeas?

No Ocidente, foi consagrada uma maneira de entender a memória como

um calabouço, muitas vezes, confundido como uma leitura de passado

nostálgica e destituída de relação com o tempo de forma presentificável. Na

filosofia, vemos isso como identidade da filosofia metafísica que trabalha com

a formação de sistemas e conceituações ideais ou retificantes. Despreocupada,

portanto, em estabelecer uma linha de pensamento que mundifique o agir da

memória em abertura a panorâmica diversificada do real.

Memória, na modernidade, tornou-se um apanágio e não mais um

fundamento. Hoje, tudo contribui, maquinalmente, para o engessamento da

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memória, pois as estruturas de poder, as quais potencializam os meios de

informação de massa, desenham o esquecimento da condição de ser e

solidificam a entificação do sentido, com base numa ordenação em que se

estimula a quantificação de dados num tempo de captação instantâneo. Num

tempo em que a temporalidade do ser seja obscurecida por completo.

O esquecimento, séculos após séculos, do que há de mais essencial em

favor de todo tipo de trivialidade constitui-se de uma vontade de poder cada

vez mais intensa sobre a natureza. A cientificidade objetiva, portanto, doa ao

homem uma incrível sensação de que é possível consumar de forma totalizante

tal projeto imperialis ta. Num tempo em que a memória e a poética não estejam

mais presentes como dialogia do ser, nem as mais terríveis consumações da

guerra bacteriológica podem ser motivos de espanto. De fato, são partes de um

processo longo, porém insuperável que a excentricidade humanista celebra.

Os emblemas que constituem a história do Ocidente são o melhor

exemplo do que afirmamos: moral, república, política, cultura, fronteiras,

pátria, metafísica, religião, dinheiro, indústria, armas, bombas, guerras, etc.

Qual desses dados não é também um fator comprobatório do ufanismo e da

vaidade humanista? Qual desses emblemas não fomenta entre o homem e

terra, bem como entre o homem e o tempo, um abismo cuja profundidade é de

um alcance maior do que o mais poderoso telescópio?

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Em meio a essas questões, referimo-nos não só à barbárie em relação às

forças hidrogenantes da terra, mais a um longo trajeto de violência e amnésia

que contamina a história ocidental quanto às potencialidades poéticas

desintegradas da formação educacional dos homens.

O tempo do agora é o de transição do humano ao “cyborg”. Assim

passaríamos do ser do ente, fundado com o platonismo, ao ente da robótica

erguido pela deusa ciência.

De que maneira a teoria poética pode se colocar perante a densidade

dessa transição? Essa é uma das perguntas-guia de nosso trabalho.

Enfim, o alicerce teórico aqui se constitui de um estudo poético da obra

de Arthur Schopenhauer e, posteriormente da obra de Martin Heidegger.

Obviamente que esses estudos significam, de fato, um possível recorte que

intencionamos desdobrar.

Do primeiro procuramos apreender uma experiência que reúne as

questões da filosofia ao vigor da tragédia, da música e da arte como unidade.

Do segundo, procuramos refletir sobre o fim do paradigma metafísico da

tradição: acontecimento preciso e imprescindível no que diz respeito à

possibilidade do pensamento em unidade que aproxima a filosofia da arte e da

política.

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Embora o homem não deixe de ser o que sempre foi , tanto em

Schopenhauer como em Heidegger, o desafio do pensamento se debruça sobre

as questões da arte e da poética. E por meio dessa intencionalidade, teceremos

o cruzamento da poética com a polít ica e a sociedade. A poética e a

cibernética, hoje, se encontram, em nosso entender, como tensão tanto de

ordem polí tica como de ordem histórica.

A cibernética, em princípio, seria o passo decisivo do processo que

agora se encaminha de potencializacao da ciência objetiva pelo viés politico,

pois o homem, destituído do ser, agora está aprisionado às suas des-cobertas.

Portanto, segundo essa ótica, a deusa ciência é o agente substituto da antiga

metafísica obtendo na esfera do trabalho a suficiência escravista do homem:

Derrocada e desolação encontram um acabamento adequado no fa to de o homem da metaf ís ica, o animal ra t ionale, im-por -se como animal t rabalhador . Essa im-posição confi rma a ext rema ceguei ra com respei to ao esquecimento do ser . No crepúsculo , tudo, i s to é, o ente na to tal idade da verdade da metaf ís ica , encaminha-se para o f im. O crepúsculo já aconteceu propriamente . As conseqüências des te acontecimento ap ropriador são os fa tos da h is tória mundial nesse século . São apenas o t ranscurso do que acabou. A his tór ia e a técnica ordenam o seu curso no sent ido do úl t imo es tágio da metaf í s ica. Limi tado, ass im, ao metaf ís ico, o homem permanece atado á d i ferença desapercebida ent re ser e ente . (HEIDEGGER, 2001:63)

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Nesse caminho, já se resguarda uma posição política, pois o principal

argumento de maturação da experiência poética se opõe vert icalmente às

noções de funcionalidade, pragmatismo e temporalidade acelerada: os

alicerces da modernidade.

Enfim, levantaremos assim uma discussão teórica em primeira linha

sobre Schopenhauer e, posteriormente, sobre Heidegger para mais à frente, à

luz das considerações ressalvadas, desenvolver uma leitura de uma narrativa

cinematográfica de Kim Ki Duk e de questões poéticas, como em Manoel de

Barros e Machado de Assis que tanto assinalam a diversidade do real , como

põem em evidência por vias diferentes, o questionamento sócio -político no

âmago da criação poética.

Duas perguntas, acima de tudo, também marcam a constituição desse

trabalho: como Schopenhauer, regatado para a dimensão da arte, comparece

como referencia teórica da poética? Como Heidegger, regatado para a

dimensão política, habita os poetas e permite que a discussão poética seja

renovadora quanto à política do pensamento contemporâneo?

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II - SCHOPENHAUER E A AURORA POÉTICA DO PENSADOR: MÚSICA, LINGUAGEM E PENSAMENTO

Como o ápice da ar te poét ica , tan to com respei to à grandios idade do efei to, como à di f iculdade da real i zação, deve-se cons iderar a t ragédia; como t al é reconhecida. É mui to s igni f icat ivo e d igno de a tenção para o conjunto de nossas cons iderações , que o f im des ta mais a l t a real ização poét ica , se ja a apresentação do lado terr ível da vida, que o sofr imento inomináve l , a miséria da humanidade, o t r iunfo da maldade, o cínico domínio do acaso , a queda sem salvação do justo e inocente , nos sejam aqui revelados , pois nis to res ide uma indicação s igni f icat iva sobre a cons t i tuição do mundo e da exis tência . (SCHOP ENHAUER, 1980: 70)

2.1 – Tragicidade e Pensamento

Para a historiografia epistemológica, a fundação da poética trágica, no

mundo grego, é o fruto de um deslocamento na geográfica política e

intelectual da tradição ocidental , considerando as condições histórico-sociais

que proporcionaram a emergência do dizer poético na Grécia. A época

referencial, entre os séculos V e IV a.C., foi apontada pela tradição como a

vitória de Atenas contra os Persas e conhecida como o intervalo em que

transcorre o século de Péricles, f lorescendo a égide do império ateniense no

campo polí tico e no campo cultural. É o chamado nascimento do teatro.

Afastando-nos dos convencionalismos epistemológicos, pensaremos aqui

uma significação poética da obra de um fi lósofo a qual permite, indiretamente,

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constituir uma proximidade entre a poética da tragédia grega e a filosofia do

mundo. Filosofia em que os laços de significação do real implicam uma

vagarosa e obstinada observação.

Essa é a medida que nos motivara a pensar uma lei tura da fi losofia em

Schopenhauer: a relação entre tragicidade e pensamento como correspondência

poética da sabedoria do tempo. Parece-nos que a experiência positiva da

tragédia situa o pensamento de Schopenhauer numa dimensão mítico-póetica

muito além da burocracia crítico-literária cujo objetivo está, muitas vezes,

comprometido com uma tentativa de “enquadramento conceitual” dos

pensadores.

No campo fi losófico do século XIX, a filosofia de Schopenhauer, em

nosso entender re-unificadora da tragédia e da filosofia, parece-nos distante

da cartilha kantiana e de uma tradição puramente metafísica. Ou seja, a esfera

de poder de cátedra das universidades alemãs, que tanto empolgara a

intelectualidade hegeliana, passa distante do sentido poético da filosofia de

Schopenhauer.

A questão possui um alcance bem mais significativo do que a tentativa

de comprovar sua admiração pelos poetas. Não haveria nos escritos de

Schopenhauer o traço marcante da errância como nos grandes poetas? Tal

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propriedade não torna sua obra uma grande fonte de pesquisa acerca das

questões teóricas da criação?

O que para uma grande maioria de seus leitores e dos acadêmicos possa

compreender um ato infundado, para nós sugere percorrermos o risco de uma

leitura imprevisível, frente uma filosofia, para nós, peremptoriamente, poética

e decisiva para o estudo da obra de arte.

Muitos dizem que Schopenhauer fora um leitor ávido de Kant. Sem

dúvida, não há como negar isso, pois há textos como A Quádrupla Razão da

Raiz Suficiente os quais são dedicados a Kant. Porém, não seria em

Shakespeare3 que detectamos o traço marcante da poética de Schopenhauer?

A invocação da obra de Schopenhauer nos conduz, como uma das

grandes apreensões de leitura da experiência grega da verdade, a arte. A

leitura de seus textos nos leva com ele a pensar concordâncias e discordâncias

teóricas. Esse é o dado vigoroso. Em se tratando de Schopenhauer, nos

dedicamos sem prévias aquisições ou denominações, como “filosofia do

pessimismo” ou “nii lismo romântico”, a deixar que sua obra seja pensada e

não “decifrada”.

3 P retendemos desenvolver no fu turo um ensaio dedicado a pensar a proximidade ent re a poét ica shakesperiana e a obra de Schopenhauer .

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Mas em que sentido um filósofo pode ser lido poeticamente? Quais

fundamentos sugerem uma poeticidade em Schopenhauer? O que se desenha,

portanto, a part ir de uma teorização poética em torno de um fi lósofo?

Como primeira sugestão destacaríamos a ponte entre filosofia e música.

A descoberta de que o legado filosófico de Schopenhauer supõe um encontro

com a música revela, portanto, uma identidade.

O dizer da música, um dos pontos fundamentais do pensamento

schopenhauriano, tem como destaque a revelação superior da existência num

plano concreto de realização da vida. O que doa à sua obra uma identidade não

é somente a aproximação entre a filosofia e a música, mas o argumento de

negação da música como mimese, bem como a recusa de sua natureza a partir

do eixo da representação.

Bastaria-nos dizer que a compreensão filosófica do mundo moderno,

como representação, estigmatiza uma sentença que destitui a prática teórica de

seu acontecer originário, ou seja, de seu acontecer poético. No que diz

respeito à música, a representação somente limita a experiência poética do

advir musical.

Nesse sentido, o que representa ou imita a música? Quais fundamentos

podem sustentar uma teoria representacional da música sem esbarrar no

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convencionalismo das escolas de música? Como pensar poeticamente

representação, música e pensamento?

A contemporaneidade da obra schopenhauriana, portanto, é uma

verificação que se constata a parti r de uma leitura mais atenta da tradição

aristotél ica. Cabe assim pensar o que nos diz sua obra Poética.

Aristóteles denominou seu estudo sobre a arte com o título de “Poética”.

Observando que a palavra “poética” remonta as tradições originárias do

pensamento grego e a reunião entre música, linguagem e pensamento, talvez

possamos alcançar a indispensável responsabilidade que tal título denota a sua

obra.

Em um tratado não muito longo, mas de grande densidade, o pensador

grego reflete sobre as atribuições características de cada universo poético,

conhecidos pela tradição por épico, drama e lírica. Em todos eles, percebemos

a presença incontestável da música como fundamento de composição

ontológica de sentido da obra de arte, embora seja ele, Aristóteles, um

sistematizador4.

No épico, a apologia do expansionismo e das vitórias heróicas sempre

servirá de referência à medida dos sons dos versos de Homero. Na lírica, o

4 Aris tó te les é o grande pensador concei tual da t radição f i losóf ica .

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próprio nome do instrumento presentifica a importância da musicalidade, na

constituição da obra do rapsodo na Grécia.

Porém, é no drama que a encenação teatral atinge sua maior

potencialidade através das dores de Medéia e Édipo que possuem como

fundamento de execução, o toque de tragicidade o qual a música define. Por

essas constatações e, por outras talvez que o gênio sistemático de Aristóteles

não tenha destacado, a música, e o silêncio nela contido, assume uma

potencialidade do tempo como metáfora da vida e da morte.

No que concerne à música, ao refletirmos sobre o que nos diz o Mundo

como Vontade e Representação, as palavras nos convocam a comparação

inevitável.

Antônio Jardim (2005: 23) afirma que a música ocupa o lugar mais alto

e propício para a vigência do pensar poético. Segundo ele, a música denota o

lugar em que este pensar tem a mais altiva medida de efetivação de seu vigor.

E, portanto, talvez de nenhuma outra forma o pensar poético seja capaz de se

fazer potente, como na dimensão libertária da música.

Principalmente, nos toca a consideração esclarecedora de que a música

seja a mais vigorosa dimensão do pensar poético. A prerrogativa de Antônio

Jardim, pois, nos conduz a Schopenhauer. Como linguagem sem representação,

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sem abstração5 ou “metacópia”, a música traduziria a noção de sonoridade

essencial da questão poética:

. . o ponto de comparação ent re a música e o mundo, o modo pelo qual aquela se re laciona com es te como cópia ou reprodução, se encontra profundamente ocul to . A música fo i exerci tada em todas as épocas , sem poder fornecer sat i sfação a es te respei to ; contentes com sua compreensão imediata ,abdicamos a uma apreensão abs t ra ta des ta compreensão imediata .

. . .expl icação que reconheço de imposs ível demonst ração, poi s supõe uma relação da música, como uma representação , com o que essencialmente nunca pode ser representação, e pretende apresenta r a música como reprodução de um modelo , e le próprio jamais pass ível de representação . (SCHOPENHAUER, 1980: 73)

A mensagem derradeira contida no impasse entre leitura poética e

caráter representacional da musica não significa negar a formação e a validade

de códigos e escri turas cuja organização permite a leitura musical de

tablaturas e a reprodução das mais belas canções. A problemática

representacional ou técnica da música nunca atingiu o plano poético da escuta

essencial da música por conta de um saber simplório: não fora a representação

musical que suscitou o vigor da música, mas fora a música que possibilitou o

seu caráter escritural .

5 É compreendida aqui a palavra “abst ração” como desvinculação de um pensar concreto e desvinculado das tensões do real , da dinâmica do mundo em todas as suas d imensões e paradoxos . Logo é uma pos ição c r í t ica perante uma le i tura desvinculada do real .

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2.2 - Música, Silêncio, Eros , Finitude

De que maneira a música e o silêncio nos encaminham a questão de

Eros?

A morte, bem como o silêncio que dá sentido ao som, é o cessar da vida

que doa sentido a própria vida. Vida e Morte, num ciclo musical de

acontecimento, compõe a matéria pensante do ser e assim nos aproximamos do

mito de Eros, a entidade mítica dos gregos, que referencia a afirmação do

desejo de vida.

Gostar i a de demonst ra r de que maneira o começo se enlaça com o f im. Eros es tá em conexão mis ter iosa com a Morte , conexão em vi r tude. . . (SCHOP ENHAUER, 1976: 264)

A morte, pulsão final do viver, é a musa de poetas e filósofos que

mesmo selando a vigência do tempo de ação dos entes na terra, permanece a

inspirá-los por conta da sabedoria que permite aos humanos perceber cada

segundo de vida, como um acontecimento prodigioso de valorização de cada

aurora. Nesses termos, Sêneca (1993) também nos diz:

Vivestes como se fôsse is viver para sempre , nunca vos ocorreu que sois f rágei s , não notais quanto tempo j á passou; vós o perdeis , como se e le fosse far to e abundante , ao passo que aquele mesmo dia que é dado ao serviço de out ro homem ou out ra coisa seja o úl t imo. Como mortais , vos a terror izais de tudo, mas desejais tudo como se fosseis imortais . (p .29)

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Ao edificar uma filosofia de apego à arte, Schopenhauer encaminha-nos

a lei tura de uma unidade entre filosofia e poética, entre linguagem e

pensamento. Possibilita-nos, pois, uma apreensão da filosofia como caminho

de uma teorização que se mundifica na contramão totalizante do que a

filosofia de cátedra tornou operante nas academias.

As questões estéticas da arte como referência de seriedade e

profundidade filosófica, a correlação dessas questões com a noção de sinal e

não de algo assinalado, a integração entre melodia e harmonia e a

denominação do mundo como música corporificada provocam a curiosidade e

nos alimentam a convicção de que a experiência poética do filósofo não é um

ato em vão e sim o dizer fundamental do tempo.

Segundo nosso ponto de vis ta , por tanto , em que o efei to es té t i co é a nossa referência , devemos lhe a t r ibui r um s igni f icado mui to mais sér io e profundo, rel acionado com a essência mais ín t ima do mundo e de nós mesmos, a cujo respei to as proporções numéricas em que é poss ível seu desdobramento não se comportam como o ass inalado, mas apenas como s inal . (SCHOPENHAUER, 1980: 73)

E ainda:

. . . a melodia penet ra a harmonia como par te in tegrante , como também vice-versa; e como unicamente na p leni tude de vozes do todo a música exprime o que in tenta. . . . . .poderíamos denominar o mundo tanto música corpori f icada, quanto vontade corpori f icada; ass im se expl ica por que a

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música realça em qualquer p in tura, e mesmo em qualquer cena da vida real e do mundo , uma s igni f icação superior . . . (SCHOPENHAUER, 1980:80)

Os dilemas da condição humana educam as tempestades da vontade por

meio das escutas do tempo e o conhecimento amadurece para uma perspectiva

de enfrentamento do real:

. . .Quando prevalece o conhecimento o homem avança ao encontro da morte com o coração f i rme e t ranqüi lo , e daí honramos sua conduta como grandiosa e nobre; celebramos então o t r iunfo do conhecimento sobre a vontade de vida cega. . . (SCHOP ENHAUER, 2001:26)

A coragem perante a condição da finitude restitui a vida de sentido e

afasta a morte das maledicências amedrontadas. A morte é poética e dela não

há escapatória nem para o mais temeroso dos cristãos. Este pensar que da

vertigem da finitude festeja o enfrentamento da morte, o problematiza e

assume as prerrogativas da fragilidade e do medo, quando afirma a existência

dos “consolos da metafísica”6.

A leitura da palavra consolo explica, com possibil idades extensivas no

campo semântico, a correlação entre fundamentação metafísica e medo da

morte: o saber, que a luz do mito de Prometeu, dimensiona a forma originária

do drama trágico na civil ização:

6 Consolo metaf í si co é uma colocação mui to l igada ao campo rel igioso . Da rel igião como pal ia t ivo mít ico e mís t ico frente o lado sombrio da vida encenado pela sentença da morte . Porém, o enfrentamento da condição mortal de exi st ência é o passo essencial do f i losofar da ar te , de uma const rução poét ica do real que pr ivi legie a vida.

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Entre os homens surgiu , com razão, por uma conexão necessár i a, a cer teza ter r ível da morte. Mas , como sempre na natureza a todo mal é dado um remédio , ou pelo menos uma compensação, então essa mesma ref lexão, que nasce da idéia da morte , também nos leva às concepções metaf ís icas consoladoras . ( (SCHOP ENHAUER, 2001:23)

A essa terrível certeza da revelação trágica da vida, a história alinhavou

o consolo de uma vida eterna. Que sentença dramática. Tornar eterno a vida

destituindo-a de seu mistério , de seu laço poético com o tempo. O peso

material da eternidade torna uma vez mais a apreensão do viver uma fachada,

causando a veneração e a dissimulação como uma regra de conduta.

Eis onde se aplica a grandeza poética do espírito: para ser efetivamente

grande sendo aquilo que o ser determina ao invés de apenas aparentar as

grandezas de Deus.

2.3- A Crítica Academicista e a Educação do Detalhe

A vida de um texto vige na mesma proporção que este se mantém como

núcleo de debate para ser questionado. Assim, a hermenêutica já nos

ensinara.7 Essa observação do texto passa da mentalidade conceitual ao

universo de formulação das questões essenciais, cujas formas são a um só

passo uma ponte e o rio de engendramento da matéria pensante. Mas de uma

matéria muita mais audaciosa: como nos chega a experiência poética.

7 A hermenêut ica , enquanto teor ia da ar te , advinda do mi to de Hermes expl ica com versat i l idade que a interpretação vige, acima de tudo, numa abertura de caminhos .

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. . .ass im como no começo da pr imavera toda a folhagem tem a mesma cor e a mesma forma, ass im na pr imeira infância todos nós nos parecemos e es tamos todos sempre de comum acordo. Na puberdade é quando começa a di ferença que vai sempre aumentando, como os ra ios de um cí rculo (SCHOP ENHAUER, 1976:243)

Certamente, a coragem dessas escrituras apaixona mesmo aqueles que se

opõem as suas especulações por conta do desafio que elas resguardam. Esse

dizer nos mostra a relação entre estados de espírito e paisagens do tempo:

A pervers idade governa o mundo e a to l ice é a que domina. O des t ino é cruel e os homens são d ignos de las t ima. O mundo, ass im organizado como o nosso , o que o individuo possui dent ro de s i é semelhante a uma habi tação i luminada, cál ida, a legre , em meio das neves e dos gelos de uma noi te de Dezembro. (SCHOP ENHAUER, 1976:57)

O poético em Schopenhauer não é um signo plácido, romântico ou

idealizado. De fato, nos propomos aqui a pensar a possibilidade de uma leitura

poética do pensador com uma consciência do que significa tragicidade e

aurora em sua obra. Essa construção poética de leitura viceja como

enfrentamento positivo das dores do viver:

A his tór i a most ra-nos a vida dos povos e al i encontra apenas guerras e rebel iões para nos narrar ; os anos de paz nos parecem tão somente breves pausas , ent re a tos , aqui e a l i . Igualmente a vida do i ndivíduo é uma lu ta cont ínua com a necess idade e o t édio , e não apenas no sent ido metafór ico . Por toda par te o homem encontra oposição , vive

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cont inuamente em lu ta e morre segurando suas armas . (SCHOP ENHAUER, 1976:57)

Embora faça parte de uma tradição metafísica, a obra do pensador

significa um passo desafiador nos caminhos da história da filosofia, enrijecida

pela sombra do hermetismo e da dogmatização dos conceitos, pois, além de ser

uma obra dedicada à arte e à percepção do mundo sem maniqueísmos, é uma

crí tica dos excessos conceituais dos acadêmicos.

O trato da crítica tradicional o conceitua como pessimista ou como

psicólogo da vontade. Num outro fluxo de hipóteses, o recorte aqui reconhece

em Schopenhauer um crít ico do academicismo positivista ou rechaçado de

abstrações, a ponto de se tornar falácia de senhores bem nascidos.

Schopenhauer (2001) propõe caminhos que operam a desconexão entre a

“ordem” do profissionalismo e o discorrer autêntico do pensamento: poético,

libertário e desvinculado de qualquer grilhão da adequação sumária:

Eu me incl ino cada vez mais à opinião de que ser i a mais saudável para a f i losof ia se e la cessasse de ser uma prof issão e não mais ent rasse em cena na vida c ivi l representada por professores. Ela é uma planta que, como o rododendro e a f lor dos penhascos , só medra no ar puro da montanha, mas degenera sob cuidados ar t i f ic ia is (p .31) Toda uma geração de erudi tos completamente paral i sada no espí r i to , tornada incapaz para todo pensar e levada a ponto de nem mesmo saber o que é o pensar , acha que é

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pensamento f i losóf i co tanto o mais mal-in tencionado e ao mesmo tempo insíp ido jogo de palavras e concei tos quanto à fa lação mais i r ref le t ida, fei ta de af i rmações apanhadas ao léu, f rases sem nenhum sent ido ou contradi tór i as sobre os temas t radicionais da f i losofi a – fo i essa a louvada inf luência de Hegel . (p.58)

O lugar comum da crítica acadêmica é uma realidade. Espelha um

processo de negação da autonomia teórica, já que a maioria dos críticos

acadêmicos se torna dogmática e se sente segura e devidamente confortável,

quando se adequa aos modelos conceituais e tradicionais , constituindo escolas

de segmentação teórica e neutralizando o trânsito do próprio pensamento

questionador.

. . .a so l idão é uma sombra amiga e o ócio o supremo bem. De tudo ele (o pensador) pode prescindi r e quando possui bens supérf luos , reconhece que el es são uma carga pesada. (SCHOPENHAUER, 1976:66)

Não há um compromisso acadêmico no pensamento de Schopenhauer.

Poesia e Filosofia se entrecruzam nos caminhos de sua obra, mesmo quando

Platão é o foco de debate. Ao descrever o fundamento central da metafísica, o

eidos, percebemos um recorte poético em que Platão encena o argumento

schopenhauriano. A relação fundada na aproximação entre paisagens do

mundo e princípios da mutabilidade e da imutabilidade é uma leitura poética

do real para os mais atentos:

As gotas de água de uma catarata est repi tosa se d issipam como pó com a rapidez de um

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ra io, mas o arco í r i s , do qual e las são como que o suporte , es tá f ixo em t ranqüi l idade inabalável , completamente int acto a essa mudança in in terrupta . Do mesmo modo, cada idéia , i s to é , cada espécie de ser vivente , pers is te por completo in tocada pela sucessão cont ínua dos indivíduos que ela encerra . Os leões nascerão e morreram; e les são como as gotas das cascatas , mas a leoni tas , a idéia ou a forma do leão , é equivalente ao arco í r i s imutável que es tá acima da queda d’agua . Por i sso, para Platão, somente as idéias , i s to é , as species , têm como at r ibuto uma exis t ência verdadei ra . ( (SCHOPENHAUER, 2001:45)

Outra questão poética, quanto aos caminhos de seu pensamento,

concentra-se na educação para o detalhe. Esta sintonia para a observação das

minúcias faz da contemplação de um inseto, de um peixe, ou de um pássaro

um aprendizado, uma prática ontológica que revela uma paixão pela terra, pelo

ensinamento das imagens singulares que nunca cessam de mostrar as múltiplas

faces do real tanto para apontar as veredas como para convidar o observador à

contemplação.

Uma poética do olhar em Schopenhauer educa-nos para a simplicidade do

detalhe, para a dimensão mais óbvia do imperceptível , mas que possui uma

vital idade tão generosa e grandiosa que não poderia ser substituída por

nenhuma riqueza material:

Considerai o inseto que es tá em vosso caminho: o menor desvio, o movimento mais involuntár io de vosso pé, decide sua vida e morte. Vede o caracol do bosque, desprovido de qualquer meio para a fuga, para res is t i r , para lograr o adversár io, para esconder -se: é

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uma presa pronta para o que chegar pr imeiro . Vede o peixe a se jogar , descuidado na rede ainda aber ta . ; a rã , cu ja indolência natural é um obstáculo à fuga na s i tuação em que es ta s igni f icar ia salvação; vede o pássaro que não divisa o fa lcão p lanando sobre e le . ; a ovelha que da moi ta o lobo observa. Armados de pouca precaução, todos e les vão sem mal íc ia ao encontro dos mi lhares de per igos que ameaçam a sua exis tência a todo momento . (SCHOPENHAUER, 2001:35)

O palco dos acontecimentos naturais é um aprendizado essencial. Assim,

o ocultamento da morte, que espreita a vida em todos os seus momentos na

natureza, não é diferente da vida tumultuada do homem da técnica suprimido

pelas grandes cidades.

Quando um homem abdica de sua grandeza e se coloca, como homem,

numa condição de inseto, exposto às fatal idades trágicas da dimensão do ser, e

que pode a qualquer momento cair em uma emboscada do destino, uma

constatação o engrandece, pois a fragilidade da vontade excessiva que,

instintivamente visa a preservação, nada mais é do que uma quimera, já que a

condição do trágico é a condição suprema do ser.

Como no labirinto que Teseu enfrenta o Minotauro e demarca sua volta,

o humano retorna permanente a origem para buscar uma saída que lhe convida

as novas questões. Em sua pequenez, o homem se liberta para que cada batalha

espelhe a reconstrução da virtude. O homem e o inseto assim se tornam um.

Como integridade, o silenciamento do nada se torna a revelação maior das

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grandezas contraditórias do uno, dado que o pequeno inseto é grande, pois faz

do grande homem pequeno para que este, portanto, compreenda-se como

grande somente no caminho do ser.

2.4 - Escutas Referenciais

A questão da arte como núcleo de reflexão, em Schopenhauer, é uma

característ ica de toda sua obra polêmica, cuja clareza filosófica e estrutural

esmiúça as faces dolorosas da vida concreta sem idealizações.

Ao consolidar uma atenção filosófica ao universo poético, como escuta

do sentido, os elogios descritos a seguir, direcionados a Shakespeare e

Goethe, definem um caminho de reeducação poética do real , pois a arte não

imita a vida em sentido reprodutivo, mas sim dialoga com o real em “respeito”

ao caráter labiríntico da natureza:

A natureza age à maneira de Shakespeare e de Goethe. Em suas obras , cada personagem, mesmo que seja o diabo, enquanto es te ja em cena, fa la como deve fal ar ; é concebido de maneira tão objet iva e real que nos a t ra i e nos obriga a tomar par te em seus int eresses (SCHOPENHAUER, 1976:209)

Na mesma medida em que presta homenagem a dois grandes nomes da

sabedoria humana, a obra de Schopenhauer também despertou o surgimento e a

maturação de nomes como Wagner e Nietzsche. Wagner como músico marcou

uma tradição admirável nas vanguardas alemãs e o universo poético da obra de

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Schopenhauer muito o influenciou no tocante a construção da tragicidade que

envolve suas grandes composições musicais.

Os escritos de Schopenhauer, em muitos traços, foram percorridos pelas

novas gerações: o jovem Nietzsche que assim apareça. Porém, enquanto este,

peremptoriamente, versava ao fi losofar, aquele professava uma construção

poética da filosofia. E assim o alimento da reflexão solfeja a maturação das

pontes, dos entre lugares entre o pensamento e a poética.

O filósofo de Zaratustra possui uma afecção poética a qual se

redimensiona em Para Além do Bem e do Mal . Este é um tratado em que

filosofar e poetar se confundem. Nele, a potencialidade da vida está no marco

de observação da tragédia Ática, da música grega e do pensamento, em uma

escala potencial, afirmativa e anti-metafísica. Em que medida a obra de

Schopenhauer ainda se transfigura nos escri tos de Nietzsche?

Sabemos que a reverência nietzschiana a Schopenhauer é refutada pelo

próprio Nietzsche nos anos de sua maturidade. Em vários momentos, como em

Para Além do Bem e do Mal e Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche se dedica a

desenvolver a crí t ica a postura ascética de Schopenhauer. Entretanto, mesmo

negativamente, este é presença sempre no trânsito de suas reflexões. Será que

a experiência do embate da vontade não seduz a poética filosófica de

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Nietzsche, para o caminho de inversão do cristianismo e de toda forma

ascética de dogmatismo?

Conquanto tenha em boa parte de sua obra a presença de Schopenhauer

como pólo de tensão e diálogo, Nietzsche dele se divorcia e caminha para a

unidade potencial da libertação e da afirmação da tragédia como questão

primordial da vida. A tragédia para Nietzsche não fala de um pessimismo

helênico num sentido restrito, mas de um caminho decisivo de apreensão

poética do ser:

A tragédia es tá tão d is tante de provar a lgo quanto ao pess imismo dos helenos no sentido de Schopenhauer , que e la tem de vigi r mui to mais enquanto a sua recusa decid ida e enquanto uma contra-ins tância . O dizer s im à vida mesma ainda em seus problemas mais est ranhos e mais duros ; a vontade de vida, tornando-se alegre de sua própria inesgotabi l idade em meio ao sacr i f íc io dos seus t ipos mais e levados - i s to chamei dionisíaco, i s to deci fre i enquanto a ponte para a ps icologia do poeta t rágico . Não para se l ivrar de pavores e compaixões, não para se puri f icar de uma afe to per igos a t ravés de sua descarga veemente- ass im o compreendeu Aris tó te les – mas a f im de , para a lém de pavor e compaixão, ser por mesmo o et erno prazer do vi r -a-ser . (NIETZSCHE, 2000: 132/133)

No entendimento dessa proximidade é crucial a apreensão da tragédia

grega. Esse caminho aponta-nos para o que fora desenhado na “Origem da

Tragédia”. A reverência, assim, a uma educação schopenhauriana como

instigadora de questões não pode ser esquecida quando Nietsche (2003) afirma

que

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. . . imaginava poder encontrar como educador um verdadei ro f i lósofo , capaz de elevar a lguém acima da insuf ic iência da a tual idade e de ens inar novamente a ser s imples e hones to no pensamento e na vida, e portanto in tempestivo , no sent ido mais profundo da palavra; pois os homens se tornaram agora tão complexos e tão compl icados , que é preciso que se tornem desones tos , já que fa lam, já que colocam af i rmações e querem por conseguinte agi r . Em meio a es t a angúst ia , a es tas necess idades , a es tes desejos , tomei conhecimento de Schopenhauer (p.146)

2.5 – Propriedades a Pensar

A compreensão poética notabil izada nesse capítulo é uma possibilidade.

Um pensador cujas teorias são as sementes de um caminho indispensável à

formação poética em que a resignação indica o sentido da virtude:

O caminho que percorremos f i s icamente sobre a terra é apenas uma l inha e não uma superf íc ie , na vida, quando queremos agarrar e possui a lgo, devemos deixar mui tas coisas à di rei ta e à esquerda e renunciar a d iversas out ras . E se não soubermos l idar com tal fa to e , ao contrár io , ten tearmos pegar tudo o que nos a t ra i pelo caminho, como cr ianças na fe i ra , é porque temos a aspi ração insensata de t ransformar numa super f íc ie a l inha de nossa vida; corremos então , em ziguezague, vagando aqui e a l i como fogos -fátuos , e não conseguimos nada. (SHOP ENHAUER, 2005:11)

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A filosofia schopenhauriana pode ser lida como apreensão do fluxo do

mundo e inaugura na era moderna uma filosofia da poética. No dizer poético

nada se esgota conceitualmente como também não se esgota na música.

Nenhum estruturalismo ou sistema pode dar conta do poético bem como na

música a dimensão de liberdade alcança um patamar elevado da virtude. As

palavras, os discursos, as relações e as formas consti tuintes do texto poético

possuem uma unidade, ao passo que refletem a fala oracular do pensamento: a

memória, a paixão, o desejo, e toda a experiência da dor e da alegria vigente

no fazer do tempo totaliza a questão dos poetas.

Ao educarmo-nos em contato com as questões poéticas, a serenidade e a

escolha passam a corresponder a uma responsabilidade perante a questão do

ser. Essa concepção, talvez de subjetividade para epistemologia, nos parece o

chamado do desafio da teorização poética em Schopenhauer, pois a sentença

reverberante, de toda a estrutura de seu pensamento, condiz com uma

desconfiança frente o antropocentrismo do espírito humanitas da vontade e da

representação em que, por todos os lados, se consagra o poder humano como

supremacia e desmedida.

O desmonte da mentalidade antropocêntrica possibilita que a sorte do

mundo da representação não nos seja mais uma oferta tão oportuna. A

desconfiança quanto a tal oferta desafia-nos no caminho do ser a uma velha

prerrogativa dos fortes: a liberdade, a mais antiga sentença da Linguagem.

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Aquela que nos leva a rever o loteamento do humanismo em favor de uma

apreensão da escuta poética da terra.

E, contudo, faz-se necessário lembrar que a resignação schopenhaurina,

quanto ao antropocentrismo positivo da vontade, não nega ao homem a

possibilidade do pensamento e da virtude. Mas é necessário a este uma

abertura para a liberdade cujo fundamento suspenda os excessos verticais da

vontade, para que de forma não precipitada as decisões recolham aquilo que a

experiência propicia de mais valoroso quanto à própria liberdade, sem abdicar

da atenção sobre o que o próprio pensador condenou como representação, ou

seja, o mundo dos homens tido como vertigem do humanismo da vontade

destituída de sabedoria, e que se abstém da dinamicidade concreta do real.

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III – CIÊNCIA, POLÍTICA E METAFÍSICA RELIGIOSA NOS CAMINHOS DA TÉCNICA MODERNA: HEIDEGGER E A LEITURA POÉTICA DA FILOSOFIA

O enraizamento (die Bodenständigkei t ) do Homem actual es tá ameaçado na sua mais ín t ima essência”. (HEIDEGGER, :17) ANO?!?!?!

3.1 – Cientificidade, Política e Filosofia

Como já dissemos anteriormente, o cientificismo objetivo tornou-se a

mais própria consumação dos novos códigos do tempo da técnica moderna. O

tempo tornou-se mais rápido do que próprio ponteiro dos relógios. Em meio a

essa dinâmica, questões concretas da vida comum encontram-se atropeladas

pelos infortúnios abstratos cada vez mais urgentes da complacência humana,

quanto à aceleração do tempo.

Em contraposição, o pensamento poético, cuja escuta é rara para muitos

em nossos tempos conturbados e ligeiros, é sábio na mesma medida da palavra

que toca os menos afobados: uma minoria. Os “feitos heróicos” da tecnologia

estão sempre sob defesa dos interesses políticos vigentes, com o mérito da

salvação e da “melhor” apropriação do tempo e do espaço.

As circunstâncias contemporâneas refletem uma desobrigação quanto à

propriedade crít ica. Ao falarmos sobre sentido, sociedade, enraizamento,

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temporalidade e outros temas, de maneira crítico-poética, somos vistos como

“intelectuais desocupados”8 e, automaticamente, somos marginalizados, sem

muitas restrições, pela impaciência da vulgaridade pragmática.

Porém, todos nós vivenciamos essas palavras com rigor existencial. Não

há como escaparmos delas. Somos aquilo que elas incutem em nós. Mesmo os

mais afli tos com a bolsa de valores, com os últimos ganhos empresariais ou

com as cifras bancárias são tocados pelo universo dessas palavras. Ou melhor,

não podem deixar de ser habitados por elas, uma vez que somos aquilo que o

tempo, que a terra e que a sociedade constroem como habitação, como

existência e como presença no mundo.

Conquanto estejamos sendo atravessados pelo sinuoso e incerto tempo

abreviado da técnica moderna, há uma certeza da qual não podemos abdicar: a

condição da vida é uma condição da angústia. Dessa forma, há certas questões

que os homens recebem no pacote da existência: o que sou? O que significa a

terra e o mundo em correspondência com a existência humana? O que é a

sociedade?

E assim, inevitavelmente, os labirintos da ciência, da política e da

metafísica se apresentam. Em particular, a questão metafísica nos preocupa.

8 É comum, nos tempos da técnica moderna, ouvir as pessoas associarem a prát ica teór ica a desocupação, uma vez que a esfer a do t rabalho é regida pelo pragmat ismo acentuado.

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Esse interesse se justifica, além da aura metafísica que envolve a chamada

deusa ciência como também já dissemos, pelo processo de fragmentação da

virtude crít ica e existencial que a formação metafísica delineia. Embora a

filosofia metafísica esteja no seu crepúsculo, a educação contemporânea ainda

se constitui de forma abstrata dentro dos moldes da metafísica.

Em meio às realizações da técnica moderna e aos moldes do jogo

político da cientificidade objetiva, não há mais sentido em leituras metafísicas

da filosofia ou na crença metafísica pela via religiosa. A salvação soa como

algo risível . Quanto à educação, parece-nos que nunca foi tão imprescindível a

concretude de um procedimento crítico fundamentado através da história e da

poética.

Na contramão desse processo, parece-nos que, na contemporaneidade,

ainda que a Igreja Católica tente sobreviver a todo custo como insti tuição de

poder, há no campo religioso um “fast food” da auto-ajuda. A banalidade

rel igiosa implica (necessita de) ignorância e fé. A todo preço, o homem,

nocauteado pelo tempo da técnica e destituído de formação teórico-poética,

busca num dízimo qualquer eliminar a angústia: a mola propulsora do nada.9

9 O nada, ques tão tão p resente no pensamento sar t r i ano e heideggeriano, é uma palavra que inver te a ordem do poder e , pr incipalmente , a fantasmagoria pr incipal da técnica moderna , cujos esforços se di recionam na vivência do “tudo agora e ao mesmo tempo”. O ente que vive a experi ência da nadi f icação se encontra , des tar te, pol i t icamente na contramão da doxa

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Por ingenuidade e facilidade, poucos decidem trilhar o desafio da

emancipação e, naturalmente, da experiência poética do nada. Talvez esta seja

a forma mais “adequada” de justificarmos nosso apego à filosofia poética de

Heidegger. Tendo como solo essa prerrogativa, nos vemos convidados nesse

capítulo a pensar como a postura política e o pensamento poético

heideggeriano desmontam a fragilidade metafísica da rel igião, ao passo que

atingem a política do poder movida pela defesa da ciência objetiva.

Em vida, a polêmica sobre o professor Heidegger, crítico da metafísica

e reitor por dez meses da Universidade de Freiburg na Brisgóvia, em pleno

crescimento do nazismo, servirá ainda ao nosso debate mais à frente. Mas não

no sentido estreito dessa compreensão.10

Quando dizemos isso, além de estarmos respaldados por uma profunda e

libertária ausência do Deus metafísico, estamos movidos por uma percepção

voltada para um professor como pensador do tempo, cuja vida é movida por

uma era em que o pensar se desenraizou do sentido.

A tarefa do pensamento moderno já não é mais, segundo a ótica

heideggeriana, de compromisso com a filosofia dos sistemas ou com a ciência

objetiva. Esta que agora, imparcialmente, faz sucumbir o sentido da teorização

10 Sent ido es t re i to é, em nosso entender , a pos ição de ju ízo que revela o ideal i smo teór ico des t i tu ído de concretude adotado por mui tos le i tores de Heidegger .

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poética foi politizada11. Isso não significa que não seja importante ou mesmo

essencial um debate com a tradição fi losófica e o questionamento da ciência.

Mas, sem dúvida, o pensamento que é solicitado em meio aos labirintos

desérticos do mundo da técnica, já não é mais aquele que fora disciplinado

pela dialét ica platônica do belo e da teoria do conhecimento, e talvez também

já não se aproxime da metafísica cartesiana relegada pela mentalidade

racionalista, cujas marcas se efetivaram pelo advento da Renascença e da

promoção burguesa ao patamar do poder.

Em entrevista concedida a Rudolf Augstein e Georg Wolff do semanário

Der Spiegel, lemos

O papel exercido at é aqui pela f i losof ia assumiram hoje as c iências. Para um esclarecimento suf ic iente da “ inf luência” do pensamento , deveríamos d iscuti r mais profundamente o que aqui signi f ica ação e agi r . Nes te assunto haveria a necess idade de di st inções mais profundas ent re ocas ião , impulso , promoção, subvenção, impedimento e colaboração, se d iscut íssemos suf ic ientemente o pr incíp io da razão. A f i losofi a se d issolve em ciências par t iculares: a ps icologia , a lógica, a pol i to logia . (HEIDEGGER, 1977: 82 )

11 Ques tão es ta que fora uma das mais veemen tes preocupações de Heidegger ao assumi r o cargo de re i tor , pois o per igo que i sso representa hoje é mais do que evidente , uma vez que as “ações” pol í t icas , que são vistas como benéficas em termos societár ios, es tão, in t r insecamente, re lacionadas ao d iscurso de poder das c iências.

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A partir das palavras de Heidegger (1977), a dissolução da filosofia

requer que o pensador agora se volte para a questão poética. O homem cuja

vivência se abre à escuta do pensamento terá, segundo o que diz, um encontro

com a poesia pelo seu traço essencial:

. . .onde deve medrar uma obra humana verdadei ramente a legre e salu tar , o Homem tem de poder brotar das profundezas do solo natal , e levando-se em di reção ao Éter . Éter s igni f ica aqui : o ar l ivre das a l turas do céu , a esfera aber ta do espí r i to . . . (p.15)

Todavia, num tempo de dominação da técnica,12 como um pensador

poderá alcançar os olhares dos leitores, se este se propõe a determinação de

que a construção poética, será como um novo compromisso dos “órfãos” da já

enterrada filosofia sistemática ou metafísica?

Pensar a poética num tempo em que se discutir poesia e poetas tornou-se

um “assunto menor” é fundamental. Não nos esqueçamos que mesmo que tudo

se modifique, há um legado poético através do qual os gregos lançaram as

bases históricas da civilização ocidental.

A poesia e a teorização poética, hoje, foram sistematizadas como um

assunto que a sociedade da técnica reduzira a mera formação pedagógica

daqueles que ainda possuem algum tipo de contato com os estudos li terários

nas escolas ou nas universidades. Enfim, a poética pode ser nossa última

12 Dominação não do homem sobre a técnica, mas da t écnica sobre o homem.

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reflexão teórica efetivamente livre de nossa dominação pelos sistemas e mais

à frente pela cibernética.13

Em outro momento da mesma entrevista citada, Heidegger (1977) dirá o

seguinte:

Tudo funciona! E o es t ranho é justamente que tudo funcione, que a funcional idade conduza sempre para maior funcional ização, que a técnica rasgue o homem e lhe arranque as ra ízes da terra . Não sei se os senhores se espantaram. Eu me espantei quando vi as fotograf ias da terra t i radas da lua. Não é preciso bomba atômica. O desarraigamento do homem já es tá a í . Só temos s i tuações puramente t écnicas. Já não há terra em que o homem de hoje possa viver . Há pouco, es t ive na Provence conversei longamente com René Char , como os senhores sabem, poeta e soldado da res istência . Na Provence se cons t roem agora bases de foguetes! A paisagem se t ransforma num deser to que nem se pode imaginar . O poeta , que cer tamente , não é suspei to de sent imentali smo nem de glor i f i car o id í l io , diz ia-me que o desarraigamento do homem, aqui em ação, será o f im, se o pensamento e a poes ia não vol tarem a ganhar uma autor idade sem poder . (p.80)

O arrancar das raízes, como gesto de separação do homem da terra,

rei tera a velha dicotomia platônica em que o bem deve sobrepujar o mal pela

razão. Bem, nesse sentido, é tomado como funcionalidade num mundo em que

as situações puramente técnicas e racionalizadas se encontram em íntima

conexão com a politização do cientificismo objetivo que racalcou o homem de

13 A Cibernét ica é out ra ques tão a ser pensada em textos futuros numa discussão sobre o pensamento e o tempo da cibernet ização da temporal idade da técnica e do homem

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significações mais profundas, mergulhando-o na areia movediça dos axiomas e

da doxa para, por fim, destituí-lo de qualquer renovação e energia criadora,

engendradas pela reciprocidade teórica das questões da poética.

Considerando tais fundamentos, a obra de Martin Heidegger constrói

uma dialogia ontológica do ser e do tempo, viabilizando uma reflexão sobre a

situação política do século XX, à medida que a lei tura de seus textos,

chamados filosóficos, não se distingue por conceitos totalizantes, mas pela re-

tomada de um caminho pioneiro em busca de um referencial teórico que, na

contramão da metafísica e, obviamente, da política contemporânea, fora

rejeitado pela história: o caminho de integração do pensar e do tempo cuja

objetividade abala o primado da razão e da técnica, fundados a parti r da

fragmentação de tudo e de todos.

A palavra “ser”, quando articulada ontologicamente, diz respeito à

integridade do mundo, à proporção e medida da terra como fluxo. Pois é só na

observação do que a terra resguarda como mistério e ocultamento, que

poderemos nos resti tuir como entidades do sagrado e não como homens da

técnica minimizados por números de identificação e coisificados pelo

regimento do trabalho.

Para nós, o dizer poético da filosofia heideggeriana é o ponto mais

intrigante daqueles que já tenham sido leitores de Kant, de Marx, de

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Nietzsche, de Schopenhauer e de toda a tradição germana. A part ir desses

discernimentos, a pré-ocupação com a poesia, enquanto teorização da obra de

arte, é o gesto protagonizador de uma desmistificação que rodeia os

convencionalismos do real.

Cautelosamente, u ma das questões centrais da obra do fi lósofo alemão,

numa crí tica precisa da metafísica, se constitui no fato de que a semântica da

liberdade é uma potencialidade poética do ser no mundo, em oposição a uma

postura metafísica, desvinculada da concretude e das adversidades do corpo no

tempo.

Assim esse pensar poético, em Heidegger, é também um pensar do fazer

do tempo e da terra, pois esse fazer, em todos nós, indica a presença da

vital idade e da paixão que nos instiga o desejo pela vida. O experienciar da

vida não é divido pelos experimentos do corpo e da alma separadamente como

reza a prática metafísico-religiosa.

O corpo e a alma, separados, portanto, pela metafísica, implicariam

numa difíci l dualidade em que um busca sobrepujar o outro. A imaginação que

paira sobre esta antítese nos parece estéri l e destituída de concretude, pois

opera separações que rejeitam a unidade do real. Mesmo em Descartes, dono

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de um refinamento de escri ta admirável, essa perspectiva parece–nos

destituída de concretude.14

A vida, estando sempre em presença do tempo, solici ta uma lucidez em

que o corpo é integrado a alma. Alma e corpo não se divorciam. No que nós

perecemos na terra, nós também perecemos integralmente, como unidade.

No projeto político da ciência moderna, a extensão da vida, a qualquer

custo pela medicina, viola a poética do existir e redimensiona o homem numa

nova leitura metafísica da existência cientificamente prolongada. Alma e

corpo assim ganham uma significação totalitária e permanecem em divórcio.

Os pólos opostos constituem o homem metafísico, sombreado ou pela

culpa, ou pelo pecado ou ainda pelo medo temente a Deus. Ou então pelos três

fenômenos congregados. Esse homem adequado encontra hoje no campo da

ciência total liberdade para desvelar o que a natureza vela, e assim “promover

o bem de todos”, impulsionando a política da ciência.

As mais sérias conseqüências desse pacto entre ciência, religião e

política, na contemporaneidade, ainda não se revelaram por completo, pois a

natureza resguarda ainda suas cartas. Não tendo efetivamente uma

preocupação com tudo isso que foi aqui pensado, o homem da técnica se

14 P retendemos escrever também um ensaio , no fu turo próximo, sobre o dual ismo alma e corpo em Descar tes .

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pergunta: de que vale o saber poético se este não for prático e adequado ao

perfi l dessa coligação entre ciência, religião e política? De que valem os

poetas se não são eles adequados ao regimento pragmático?

3.1- A polêmica do nazismo e algo mais

Heidegger assume o re i torado em maio de 1933 e , com o cargo, um compromisso polí t ico com o governo de Hi t ler . Mas a reforma univers i tár ia visada pelo novo rei tor não se ident i f icava com aquela que pretendia a di reção do par t ido. O f i lósofo não es teve jamais de acordo com a idéia da “ciência pol i t izada” que const i tu ía o núcleo do projeto nacional -social i s t a para a Univers idade alemã. Como ates ta seu d iscurso na tomada de posse do rei torado, a adesão a ideologia do par t ido não fo i , em momento algum, completa e incondicional . (ERBER, 2003: 16)

Muito já fora escrito sobre Martin Heidegger e o nazismo. Karl Löwith.

Jürgen Habermas, Pierre Bourdieu, Victor Farias, Zeljko Loparic e outros já

escreveram a respeito do assunto acusando ou defendendo Heidegger.

“Esclarecer”15, entretanto, esta questão nos parece pertinente sem um

comprometimento moral com “verdades”, “acertos” ou “erros”. Comecemos

por um entendimento teórico-político do pensamento heideggeriano, a fim de

que evitemos cobrar de um pensador o que não lhe é próprio.

15 Esclarecer é uma palavra a qual não s igni f ica jus t i f icar . Nem o própr io Heidegger procurou jus t i ficar seus atos . Mui to menos , demonst rou arrependimento quanto as suas pos ições , embora t enha s ido mui to mal interpretado quanto a essa ques tão.

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Não há em Heidegger um projeto salvacionista que enseje a

transformação ou a revolução do proletariado. Também não há em sua obra,

uma utopia transformativa, radicalizada pelo discurso político-marxista. Não

há uma imitatio representacional em Heidegger que se associe ao fetichismo

político.

Está mais do que autenticado pelo fluxo histórico que a polít ica,

praticada pela polit icagem do direi to humanista, seja de esquerda ou de

direita, não é uma alternativa, mas sim um estratagema das utopias retóricas

em um tempo que as quimeras da comunicação de massa são sempre

palavreados de poder, maquiados para a manutenção de interesses obscuros.

Quando Heidegger adentra a universidade de Freiburg como reitor

(cargo que ocupou por dez meses conturbados), ele possui de um lado a

máquina americana do capital, do outro o maniqueísmo comunista, e a sua

frente ele se depara com o nacional socialismo alemão. Dentre tantas “opções

interessantes”, qual delas seria a mais “humanista”? Qual delas sacrificou

menos injustiçados em nome da vida e do bem estar de todos?

No discurso de posse, uma sentença heideggeriana define a aceitação do

cargo: o incômodo em face da fragmentação acadêmica. Sobre essa questão o

pensamento heideggeriano detecta a fragmentação das ciências, o colapso e a

opacidade teórica. A universidade, enquanto núcleo de arraigamento e

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interligação das ciências, deixara de exercer as pontes formadoras do saber.

Digno de admiração é perceber a atualidade e a lucidez desse argumento

quanto à disposição fracionada das universidades.

. . .O mot ivo que me levou a assumir a re i tor ia , já t inha s ido mencionado em minha aula inaugural de Freiburg em 1929, Was is t Metaphys ik (O que é Metaf ísica ) : “As áreas das c iências est ão mui to d is tantes umas das out ras . O modo de t ra tar de seus objetos é radicalmente di ferente . Es ta mul t ip l ic idade di ss ipada de discip linas só mantém uma unidade graças à organização técnica das univers idades e faculdades e só conserva uma s igni f icação pela f inal idade prát ica das especial idades . O arraigamento das c iências , no entanto , num fundamento essencial já morreu . (HEIDEGGER, 1977:69)

Talvez o idealismo de Heidegger, quanto ao projeto de desconstrução de

ciência politizada, tenha sido uma das quimeras de sua juventude, porém o

tema é muito atual , já que ciência e polí tica imperam como um germe corrupto

de poder que seduz e movimenta a sociedade manipulada pelos meios de

informação.

Lembremos também que o que levou Heidegger a renúncia do cargo de

rei tor da Universidade foi, além das incompatibilidades polít icas com o

partido, à nomeação de decanos16 de diferentes especificidades, sem levar em

consideração a posição de cada um deles frente o partido nazista. A resposta

negativa do reich, de acordo com a posição do reitor, fora quase imediata:

16 Tornou-se decano da Faculdade de Direi to o prof . Er ik Wolf , da Faculdade de Fi losof ia o prof . Schadewaldt , da Faculdade de Medicina o prof . Möl lendorf

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Um dia fu i chamado a Karls ruche. Lá o minist ro exigiu a t ravés do conselhei ro do ministér io – na presença do chefe dos estudantes do dis t ri to – a subs t i tuição dos decanos da Faculdade de Di rei to e da Faculdade de Medicina por colegas bem vi stos pelo par t ido. Recusei a pretensão e comuniquei minha renúncia à re i tor ia , caso o minist ro insist i sse em sua exigência. Foi o que realmente acon teceu. (HEIDEGGER, 1977:75)

Sabemos que fi losofia e política não precisam estar diretamente ligadas,

mas não era essa a decisão do nazismo. O artifício nazista de politização da

ciência não era uma medida a ser pensada, mas uma decisão de primeira escala

que se opunha ao projeto de direcionamento da universidade que impulsionara

o pensador a assumir a reitoria.

Talvez o apego de Hitler e da polí tica do nacional socialismo, por ele

direcionada como culto aos modelos greco-romanos, tenha realmente

empolgado Martin Heidegger a assumir a posição favorável quanto ao

nacional-socialismo. Contudo, as divergências não tardaram em se mostrar

decisivas para o rompimento entre eles.

Com esses dados históricos, outras questões nos surgem.

”Sustentados” por argumentos da displicência, muitos censuram a

proximidade entre Heidegger e o nazismo de forma abreviada em termos

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teóricos, visto que esse dado pouco significa para a dinâmica do pensar, que

viceja a partir da obra e não das escolhas de seu criador.

No intuito de repensar tais abordagens, seria pert inente perguntarmos se

em um país em crise econômica e política, como a Alemanha se encontrava no

momento em que Hitler ascende ao poder, algum intelectual alemão de

nascença, em sã consciência, tomaria, publicamente, a iniciativa de se

contrapor ao projeto dos nacionalistas do nazismo. A História comprova mais

à frente a problemática entre Heidegger e os nazistas por outras vias quando

este é convocado pelos militares para trabalhar em trincheiras no Reno.

Falaremos sobre isso em seguida

Antes, façamos, além disso, uma revisão histórica de alguns

acontecimentos do século XX que podem esclarecer mais ainda a questão.

Tanto na Rússia de Stalin como na Itál ia de Mussolini, dois nomes do

total itarismo polí tico e histórico, a adesão de intelectuais aos seus interesses

foi uma realidade nos seus primeiros passos.

Não querendo comparar o populismo pouquíssimo sofisticado de Lula ao

poder oratório e intelectual de Hitler, no Brasil, muitos intelectuais , por

“ingenuidade” ou por vaidade, aderiram ao projeto partidário do PT e depois o

renegaram por conta da realidade política adotada pelo governo, que

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duplicaria o que sempre existira aqui: nepotismo, corrupção e

assistencialismo.

Muitos teóricos, portanto, se encontram em posição pouco adequada

para condenar a obra de um filósofo, embora saibamos que Heidegger sempre

estivera situado numa ala de direita da política alemã.

Não estamos aqui querendo promover um tipo de defesa da postura que

Heidegger adotara, mas, por outro lado, procuramos evitar leituras de clara

inconsistência teórica, como vemos crescer na democracia de massas do neo-

liberalismo contemporâneo.

3.2- Algumas Questões e Apontamentos

O professor Heidegger é um pensador do real e nada mais do que isso.

Deve ser pensado e não sacralizado. O que procura, nos parece, é investigar a

relação humana com o mundo à medida que as questões do ser e da linguagem

permanecem em unidade. Propõe, indiretamente, a transformação do olhar

humanista, para um caminho de apego entre o humano e a physis , em todas as

suas adversidades, como nos pensadores gregos.

A Linguagem em Heidegger não deve ser entendida como expressão de

pensamentos, mas sim como o próprio pensar em diálogo com o mundo e com

a terra. O que de seus textos pode emergir, nesse diálogo, em referência com a

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tradição filosófica, se direciona para a formação poética de construção do

real , por meio da leitura crí tica das bases conceituais da tradição filosófica

platônico-marxista.17

Também não estamos aqui condenando Platão e Marx. Pelo contrário,

suas obras deveriam ser relidas sem o traço imperativo da ação polí tica de

seus corruptores teóricos. Na Grécia da tragédia grega, a matriz utópica regeu

a fundamentação política da filosofia socrática, em um tempo de proximidade

entre os sofistas e a aristocracia polí tica. Já na nossa era, uma nova matriz

utópica foi encenada pela organização do proletariado que rege as

considerações sobre O Capital e o Manifesto em Marx. O problema da utopia é

que esta não encontra mais o ínfimo espaço para sua realização.

O próprio Platão (1194), em sua famosa Carta Sétima, reflete sobre suas

ilusões juvenis que nos parecem bem próprias à importância do tempo, como

mestre dos ensinamentos mais significativos da existência. Longo, portanto, é

o apreender do tempo em uma vigência errante, como assim incide a

sensibilidade humana:

Outrora , em minha juventude, experimentei o que experimentam tantos jovens . Esperava ent rar na pol í t i ca tão logo pudesse d ispor de mim mesmo. Eis como eu via os negócios da Cidade: a forma de governo es tando vivamente a tacada de d iversos lados , tomou-se uma resolução, a de colocar à tes ta do

17 Pla tão e Marx são p i lares de uma t radição f i losóf ica em que a utopia se confunde, pr incipalmente em Platão , com esfe ra da metaf ís i ca e do ideal i smo teór ico .

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governo cinqüenta e um cidadãos , onze na c idade, dez no Pi reu (es ses dois grupos forma pos tos à f rente da agorá e de tudo o que concernia à adminis t ração da Cidade) , mas t r in ta const i tu íam a autor idade suprema com poder absoluto. . Mui tos dent re e les eram meus conhecidos e logo me convidaram apto . Deixei -me levar por i lusões que não eram surpreendentes em razão de minha juventude. Imaginava que governar iam a c idade reconduzindo-a da in just i ça à jus t iça . (p.267)

Os ponderados delongam o pensamento sobre as coisas. Na

contraposição dos enganos juvenis, em Heidegger, a tarefa do pensador torna-

se assim discorrer sobre as questões que se encontram no âmago da técnica

moderna. Para nós, esse fator torna possível uma reflexão sobre o lugar que a

obra de Heidegger ocupa no campo de discussões sobre os caminhos da

civil ização, e da sociedade chamada pelo marxismo teórico de “sociedade de

massa”.

As questões políticas que a reflexão poética do pensar heideggeriano

propiciam nos indicam um caminho. De fato, recusando seus argumentos ou

com eles concordando, nos movemos nessa direção de cruzamento das fontes

heideggerianas, com outras leituras que nos parecem matriciais na observação

crí tica da obra de arte, e dos estudos poéticos numa correlação com as

transformações societárias.

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Ivo Lucchesi (2005), em meio à discussão teórica sobre Walter

Benjamin e Heidegger, tece recentes considerações sobre as questões da arte,

dizendo que

à mesma época, ent re 1935 e 1936, Heidegger e Benjamin elegiam, em di reções di ferentes , o mesmo objeto de ref lexão: a ar te . Enquanto Benjamin escrevia A obra de ar t e na época de sua reprodutibi l idade, Heidegger e laborava A or igem da obra de ar te . Em ambos , o problema da temporal idade se apresentava como desaf io maior . Igualmente , para ambos, o vetor da t emporal idade impunha o esforço de e lucidação quanto às re lações ent re ar t e, tempo e verdade. (p .75)

Identidade teórica nos parece uma expressão originária de uma escuta,

ainda que a questão em debate seja a mesma. Benjamin e Heidegger são

pensadores de escolas diferentes, entretanto a questão da temporalidade e da

arte se manifesta em ambos os projetos de pensamento.

A arte, em seu acontecer poético, tanto no plano inventivo como

receptivo, funda uma temporalidade em que a palavras ser e acontecer se

harmonizam. O tempo revela-se, portanto, no âmbito da obra e de seu obrar

como gesto. Pensemos as seguintes questões:

Quais as implicações teóricas e poéticas que o tempo acelerado da

técnica moderna, em contra-posição ao tempo dos valores eternos dos gregos,

total izam segundo o texto A obra de arte na época de sua reprodutibil idade?

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O que significa a relação da arte com a questão do “pôr-se em obra da

verdade” numa dinâmica do tempo, como nos solicita a Origem da Obra de

Arte? Em que lugar podemos encontrar a possibilidade de cruzamento entre

essas questões sobre a arte e a questão sócio-política no século XX?

A preocupação de Heidegger, vinculada à problemática da técnica,

dinamiza a percepção de toda arquitetura de sua crit ica da metafísica. Uma

necessidade de últ imo momento seria de rever a lei tura sobre as

especificidades da técnica moderna em que se apóiam os vestígios da

destruição

A técnica moderna é uma técnica incomparavelmente diversa de toda técnica anter ior por apoiar -se e assentar -se na moderna ciência exata da natureza (HEIDEGGER, 2001:18)

Na tradução de Heidegger, como a técnica moderna desencobre

potencialidades da natureza em ritmo acelerado, não nos preocupamos com as

conseqüências de tais atos, pois não se referencia esses atos com uma

fronteira demarcada pelo sentido. O desencobrimento revela benesses que

camuflam a sombra prometéica da exploração.

A sedução do poder emergente, com o desencobrimento do oculto, em

nossos tempos de politização da ciência, é uma posição refutada

peremptoriamente por Heidegger. Um exemplo claro da discussão é

fundamentado da forma seguinte.

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Hoje, o homem não observa uma paisagem em abertura para que este

seja adentrado pela linguagem que vige da beleza. Hoje, no que se opera a

observação da paisagem, já surgem, quantitativamente, à disposição de

montagem e exploração de recursos que possam suprir a necessidade de cifras

maiores, em tempo velocíssimo e pelo menor gasto.

O centro dessa nova concepção de mundo compreende os elementos

ocultos da natureza, como algo que fornece matéria prima para a produção em

escala. O fornecer ocupa todo o espaço dessa cadência de pensamento da

técnica moderna, cuja força política é tão vasta que nem um deus poderia nos

salvar de seus mistérios ocultos:

Hoje em dia , uma out ra pos ição também absorveu a lavra do campo, a saber , a pos ição de di s-põe da natureza . E dela di s-põe , no sent ido de uma exploração. A agricul tura tornou-se indúst r ia motor i zada de a l imentação.Dis-põe o ar a fornecer azoto , o solo a fornecer energia a tômica; es ta pode, então , ser des in tegrada para a des t ru ição da guer ra ou para f ins pací f icos . (HEIDEGGER, 2001:19)

Os fins pacíficos da energia atômica parecem desenhar sob o horizonte

as sentenças de um regimento fúnebre. Nele, de-positamos toda crença no

divórcio entre o homem e a terra prester a nos subjugar perante os novos

mandatários da técnica.

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3.3- A Academia e a Teorização Poética

Acadêmicos das diversas instâncias respeitáveis da federação atuam, em

sua grande maioria, como aqueles que sedimentam as teorias, estabelecendo o

“como” e “o porquê” ler e pensar um tratado de um pensador ou toda uma

obra. Estas práticas nos parecem emblemáticas no mundo acadêmico, todavia,

obscuras em seus resultados.

Estes definem e constituem, portanto, as sub-áreas de teorização como

vemos nas universidades federais. Bem como surge, como efeito colateral do

processo, uma lacuna de diálogo entre as diferentes esferas de teorização.

Estas formam os ti tulados especialistas cuja ação abarca expectativas do

mundo acadêmico. Lembremos que uma das questões que levaram Heidegger a

assumir o reitorado de Freiburg foi exatamente a problemática de

fragmentação do saber que vige na contemporaneidade.

Em que medida o antropocentrismo vaidoso da intelectualidade

sedimenta a formação de especialistas acadêmicos com demarcações pouco

viáveis ao exercício teórico?

Em todas as áreas de pesquisa, o regimento da técnica moderna dos

especialistas parece agir com astúcia. Até que ponto a rígida demarcação

teórica mantém vivo o fluxo do pensar em favor do jogo político? De que

forma a prática demarcatória, no campo da teorização, anula o surgir do novo?

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Como falamos sobre a obra de Heidegger, não isentamos os

heideggerianos de uma parcela de responsabilidades sobre a inarticulação da

obra do pensador alemão no plano polí tico-societário. Sabemos que a obra de

Heidegger pode ser pensada em tensão com um tempo, em que a polí t ica

mundial do capital entificou suas instituições e as políticas oposicionistas,

acima de tudo, se mostram tão corruptas quanto aquelas que são chamadas de

reacionárias.

Assim, o estudo sobre o artista, a obra e o obrar podem antecipar uma

educação apropriada para o nosso tempo, recuperando a sabedoria que reúne

com argúcia a capacidade crít ica e articulatória da arte quanto aos

sombreamentos da política.

3.4- O Artista, A Obra e O Obrar

Toda obra fala de uma dimensão da experiência que o mundo deposita

sobre o criador. Entretanto, a obra oculta o seu mestre de forma curiosa.

Heidegger, portanto, nos diz num de seus últimos textos:

Encontramo-nos reunidos numa cer imônia comemorat iva do composi tor Conradin Kreutzer , nosso conterrâneo. Se queremos homenagear um desses homens predes t inados à cr i ação ar t í s t ica impõe-se , em primeiro lugar , honrar condignamente a sua obra . No caso de um músico, ta l acontece dando a ouvir as suas obras .

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Neste preciso momento soam canções e co ros , música de ópera e música de câmara ext raídos da obra de Conradin Kreutzer . Nes tes sons est á o próprio ar t i s ta , pois a presença do mest re na obra é a única que é autênt ica . Quanto maior é um mest re mais completamente a sua pessoa desaparece por det rás da obra . (HEIDEGGER, ANO:10)

Ele nos fala no início do texto-homenagem, Serenidade, a respeito do

ocultamento do grande mestre em sua obra, trabalhando com as palavras

presença e autenticidade. O fragmento que destacamos convida-nos a pensar.

A essa tomada de posição em que a presença do artis ta não centraliza os

focos de atenção do receptor se realiza um jogo em que o que se mostra no

dizer da obra não se revela completamente. Uma grande obra é para toda a

obra da existência uma marca de perpetuação do artista e da mensagem poética

do ser.

O mistério da obra de arte, que não revela declaradamente seu produtor,

mantém a paixão viva pelo indecifrável da obra. O mistério pensado em sua

origem deve ser sempre vislumbrado como árvore frutífera da poética.

A poética e os indecifráveis mistérios compõem a saga da l inguagem

como viver histórico do tempo.

A retirada da pessoa do artista é que faz da obra um obrar permanente

do sentido que as notas entrecruzadas da melodia e da harmonia engendram na

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música. Aquilo que se diz, mas que não se revela de todo, a ponto do

esgotamento, produz o que podemos chamar de convi te ao desvelamento da

verdade. Entretanto não revelar de todo não significa enganar.

O não revelar de todo, portanto, significa preservar a escuta motivada.

A atenção ao pensamento e as mínimas coisas, os elementos protuberantes,

moderam e valorizam o aguçamento crít ico. Poderíamos nesse sentido falar de

Machado, Shakespeare ou Racine, mas tão importante quanto exemplificar é

necessário que se observe a Literatura como poética, à medida que ela nunca

pode ser desvendada adequadamente ou sistematicamente. A arte e a questão

grega da verdade, a Alethea , se mostram e se ocultam num inesgotável passo

de acontecimento.

É possível dizer que a obra, em sua vigência histórica, torna o artista

“secundário”. A presença da morte constrói o criador, impulsionando-lhe as

tintas, os movimentos ou as palavras. Contudo, os artistas ou os grandes

poetas jamais abdicam da consciência da morte. Ela os impulsiona. O art ista

aceita a convocação poética da morte como projeto de uma existência.

Já no plano da obra, a presença da finitude não se coloca como para o

art ista a mercê dos desígnios da vida. Paradoxalmente, “a obra supera a

morte”, pois dela recebe o impulso arrebatador que, através das mãos do

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art ista, eterniza a presença da criação. Portanto, o artista morre e sua obra

não.

A ambigüidade de tais palavras é evidente, porque a obra e o art ista têm

sua unidade. A obra que permanece a provocar o pensamento nasce da

fantasmagoria maior de todo poeta: o sentido da morte. Portanto, não haverá

na obra a eterna presença exacerbada de seu criador?

Sem dúvida. Mas é exatamente no ocultamento do que está diretamente

ligado ao autor que a obra o mantém vivo. Vida e morte do autor não são o

mais importante. O que designa a importância é a insignificância: a educação

da forma. O “como dizer” do artis ta mostra-se na obra de arte cuja flagrante

diferença aspiram uma identidade.

Um jovem grego dos tempos socráticos reconheceu a Ilíada e a Odisséia

com olhos específicos. Um outro jovem grego dos tempos modernos de

Chaplin reconhece também a Ilíada e a Odisséia com outra significação . No

entanto, Homero continua a ser memória. Não como poeta maior, mas como

simples poeta, pois há em sua obra algo que continua jovem mesmo que o

tempo da técnica convoque a banalidade a ocupar o seu lugar. Lugar esse,

autenticamente, insubstituível.

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Por hora, diríamos, enfim, que quando Heidegger nos fala sobre a

ausência de pensamento, como um hóspede da modernidade no texto

Serenidade , homenagem comemorativa em dedicação ao compositor Conradin

Kreutzer , talvez esteja versando sobre nossas fábricas acinzentadas e de uma

política de inversão da ordem da polis: a era da técnica moderna numa

potencialização de seu suporte metafísico redirecionado para as ciências

objetivas.

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IV – O SILÊNCIO NARRATIVO DE PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO E... PRIMAVERA DE KIM KI DUK.

4.1 – Poética do Silêncio

Toda lei tura que se motiva do “acesso à essência de uma coisa”, como já

nos disse Martin Heidegger, “advém da Linguagem”18. Caminhamos, nessa

direção, por um curso em que a trajetória do existir nos convoca a pensar, com

maior inclinação, a respeito da prudência que reside prodigiosamente na

esfera do si lêncio.

Em primeiro passo, pensemos por mais uma vez o que associamos a

Schopenhauer enquanto educação para o detalhe. A questão do ciclo do tempo

e da finitude, numa correspondência com o silêncio, sobrevém como uma

questão de todos tempos da filosofia. Em homenagem ao silêncio, o poeta

Hölderlin nos diz como bem nós lembra Maurice Blanchot (1997) em A parte

do Fogo: La Nature, divinement présent/N’a nul besoin de la parole (p.126)

Com essa premissa, o acolhimento do silêncio, na imensidão diante do

tempo, é a identidade de todo e qualquer gesto de culto ao pensar. E é com

essa questão em foco que intencionamos discorrer sobre o cinema de poucas

falas e muitas escutas de Primavera, Verão, Outono, Inverno e.. . Primavera .

Uma obra cuja temporalidade poética adverte-nos contra as precipitações, pela

18 Pág 126 . Rio de Janei ro : Rocco, 1997.

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sua benevolência secreta e reveladora do saber poético. Uma obra em que a

poética também reside no trágico concedendo, com maior argúcia, atenção ao

silêncio paciente do aprender.

A afirmação dessa narrativa implica um gesto de reflexão sobre as

relações entre poder e silêncio nos lançando, ainda, ao desafio, de elaboração

de uma conjectura entre o cinema e a poética. Para tal realização, os

pressupostos levantados ate aqui sobre os pensadores serão desfrutados.

4.2- O Passo Primevo de uma Película do Silêncio

Naturalmente, o silêncio fala em Primavera, Verão, Outono, Inverno e

Primavera como mestre . Isso permite que a obra se aproxime do que os poetas

da Antigüidade chamariam de totalidade ou experiência. Aquilo que todo

poeta diz em poucas palavras e que atravessa o silêncio. Esta é uma amostra

celestial de que essa narrativa por imagens pode atingir uma densidade

genuinamente poética quando, ao invés de se pautar em humanismos de quinta

categoria19, como no cinema de consumo, revela-se a renúncia e a solidão que

desabrocham no mais puro resguardo do silêncio.

19 A cr í t ica ao humanismo cinematográf ico se pauta no âmbi to mercadológico cujos cr i tér ios es té t icos são mais do que t r ivia is . São, em escala geral , pobres e apelat ivos in te lectualmente .

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A narrativa a qual nos convocou o eventual impasse da escrita possui já

em seu nome uma medida de circunferência que cultiva a vida atenta a

finitude, conduzindo a leitura da morte como re-valorização da vida. Nesse

sentido, a reflexão schopenhauriana já nos ensinara os caminhos de

amadurecimento oriundos do eclipse da morte, pois o pensador, de fato, deve

procurar respeitar aquilo que, com propriedade, compõe o ciclo do existir.

Na narrativa, os horizontes do tempo são cultivados numa projeção

correspondente aos cinco passos de andamento circular da natureza: da

primavera à nova primavera, o homem é atravessado pelo tempo das estações.

A vida e a morte de cada estação correspondem à renovação ou ao fluxo de

possibilidades e impossibilidades das escolhas.

Alem disso, as estações possuem um intercalar, de maneira especial, dos

fatos com os ciclos de maturação do homem, atravessado pela dor, e que tem a

frente o tempo desafiador da physis , circunscrito na obra pela pedra que

abriga o sentido poético do saber que castiga a conduta humanista, inclinada a

cortejar a posse, o poder e a luxúria como prazeres máximos. Como também já

nos ensinara Schopenhauer, a volúpia da vontade deve ser questionada, pois a

resignação nos conduz a sabedoria. Além dessa observação, a questão da dor,

como lugar de manifestação do existir , reside em toda obra de Schopenhauer.

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A mensagem inesgotável do filme materializa o porvir e a mudança

numa persistência em que o destino, semeado pela seiva da errância, abundará

por fim em originalidade e clemência, quando o homem se percebe pequeno

perante a questão do ser enraizada no mundo.20 Questões as quais implicam

pensar os mistérios do saber e da dor.

Tais questões sugerem uma reflexão das veredas a qual

. . . u l t rapassa o dual ismo maniqueís ta em favor da tentat iva de compreensão do homem, enquanto ser emergente . Em outras palavras não há “erro” por fa lha do homem, mas por haver o homem. É, pois , o erro t raço imanente da condição humana, e não produto de c i rcuns tâncias , razão porque para Heidegger a errância es tá compromet ida com a essência da verdade, em consonância com a vivência p lena da l iberdade. (SCHOPENHAUER,1987:14)

O que constitui a noção de homem, portanto, se manifesta na

interioridade mais profunda do erro como procedência da verdade.

Inegavelmente, em Primavera, Verão, Outono, Inverno e. . . Primavera o saber

só brilha numa dimensão errante e as passagens da existência do mestre e do

aprendiz se sustentam de formas transitórias acalentadas pelo brilho da

errância. Errância, inclusive, que Heidegger toma como pedra angular da

verdade.

20 Ser é uma palavra que congr ega t rês out ras : tempo, errância e experiência. Ser é a palavra das palavras . Em todas as passagens do homem sobre a terra, a palavra ser se mantém em aberto . O homem cr iou o mundo sobre a terra , poi s nele a ques tão do ser não cessa de se mani fes tar na angúst ia . Ser é a pa lavra que une o homem ao organismo da natureza.

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Finalmente, quando o homem assume o abandono daquilo que lhe é

impróprio, como a avareza e a cobiça que torturam o aprendiz, ele alcança o

que lhe é próprio: o silêncio enquanto chamado, enquanto, acima de tudo,

poiesis . Mas no caminho da serenidade, a dor e a errância sustentaram o

florescer da experiência do aprendiz, ratificando a presença do pensamento de

Schopenhauer e de Heidegger no núcleo dessa narrativa.

4.3 – Todas as Portas do Tempo

Uma porta possui segredos que conduzem os oráculos. Nesse sentido, a

cada porta que se abre, no transcorrer da narrativa, revela-se uma

clarividência donde, com mais atenção, urge a proximidade entre o homem e

as estações.21 Inclusive, é no gesto de abertura das portas que detectamos o

fluxo do acontecer e das escolhas como dissemos anteriormente.

Nesse sentido, os animais que elucidam a identidade de cada estação

põem em evidência a transitoriedade humana: o cão, na primavera, é

fidelidade e ingenuidade que marcam a infância; o galo, no verão, é o canto da

juventude que irrompe frente o amanhecer e de seus desafios; o gato, no

outono, é marca da observação que aponta a serenidade e astúcia para

enfrentar o sofrimento; a serpente sobre a roupa do mestre, no inverno,

designa a cura que se estende ao aprendiz que nesse momento retorna, já

21 Uma est ação segue a out ra repleta de uma s igni f icação sól ida como experiência e mater ia l izada pelo organismo da natureza.

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amadurecido pelo tempo, e que passará, pois, as vestimentas do antigo mestre.

Esse gesto também pode significar o enlace de toda circularidade cujos

segmentos espelham a vida e a morte.

Na parte final da narrativa, a tartaruga, no recomeço de uma nova

primavera, presentifica a lentidão do tempo que se reinicia em uma nova

jornada de coroamento da errância, pois anos depois, o novo aprendiz que

surge das mãos de uma mulher misteriosa, cuja face é um dos enigmas do

texto, brinca com o casco da tartaruga sem nela perceber o fundamento de sua

existência. A tartaruga, portanto, mais lenta do que as apressadas invocações

do homem, enfatiza a compreensão do laço que une o início de um novo ciclo

para o mestre com o aprendiz.

O destaque as serpentes, tradição oriunda da simbologia oriental,

encontra-se como insígnia direcionadora da narrativa, cuja significação une o

início da vida a sua finitude, de modo a acentuar os cumes da dramaticidade e

da paz que reinam sobre a vontade humana, embora o homem pense que, a

maneira cartesiana, está no controle do tempo e da natureza. Lembremos que a

cobra acompanha toda trajetória do aprendiz a formação do mestre.

Lembremos também que é num belíssimo templo circular, já

metaforizando a questão da circunferência, onde o mestre-monge e o aprendiz

compartilham a magnífica experiência advinda da solidão e do belo. Nesse

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templo silencioso, situado num lago rodeado por montanhas, em que as

estações parecem desenhar um senso resignante de eternidade para o tempo de

despertar do menino. Outra questão que nos parece aproximar a obra de Kim

Ki Duk do pensamento de Schopenhauer corresponde ao fato de que, enquanto

jovens, agimos de forma desmedida e precipitada como assim age o aprendiz.

Sobre essa questão, teceremos ainda mais a frente outros comentários.

O aprendiz menino e o mestre, desde os primeiros momentos da

narrativa, significam uma circularidade e uma secularidade22 em que a

temporalidade separa e resgata a correspondência entre saber, juventude e

experiência.

Essa correspondência se manifesta no âmbito do círculo: palavra cuja

significação determina a unidade entre música e poesia e entre vida e tempo.

O eterno retorno, como já nos disse Nietzsche, sempre se opera na diferença,

pois que a vivência do mesmo sempre se constituirá como diferença23.

Por mais que os recortes da existência se repitam, eles jamais serão

iguais. Em silêncio cada detalhe da diferença parece o mesmo. Herácli to de

Éfeso (2000) diz:

Em nós manifes ta -se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte , vig í l i a e sono, juventude

22 A relação de secular idade ent re mest res e aprendizes é uma marca h is tórica do saber . 23 Por mais que o homem seja marcado pela dial ét ica do recomeço, há sempre t ransformações e mobi l idade no processo de met amorfose do homem.

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e velh ice . Pois a mudança de uma dá o out ro e reciprocamente . (p .41)

Nesse caminho, é inevitável o retorno à questão do si lencio. A relação

entre homem e silêncio remete ao que de maneira mais essencial pode permitir

ao homem a trajetória sagrada do pensamento: o acontecer da música como

pensar poético do tempo. Musicalidade e silencio compõem uma unidade

Não nos esqueçamos que é a musicalidade o que faz vigir toda e

qualquer poética.24 Inclusive, na própria constituição do filme, a música tema

repete quatro notas cujo significado pode se integrar à identidade de cada uma

das quatro estações.

De uma nota dó à outra igual , o saber musical da circunferência indica-

nos o caminho de uma escala que conduz ao “retorno”, a nota originária cuja

significação atenta aponta, no campo do saber, para a semântica errante do

tempo. Bem como na música, o tempo determina que nós retornemos as fontes

donde partiram nossas escolhas.

E é nesse sentido que a música educa o homem para a retomada do

começo das coisas sempre apontando, originariamente, o reinício da

experiência, depois que a “finitude” determinar seu enlace. A música já é, em

princípio e a princípio, a medida desveladora da verdade, para aqueles que a

24 Como j á propomos, a música e a poes ia se mantém inseparáveis .

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ela decidem dedicar-se com atenção num mergulho radical em sintonia com o

ser.

Na música, bem como no texto de Kim Ki Duk, a circularidade narrativa

do tempo registra, com transparência, o real a manifestar os caminhos

indefinidos que o homem trilha sobre a terra. Portanto, o habitar do mestre e o

desafio de educar o aprendiz, para o significado poético do habitar, nos

movem a ponte entre a obra narrativa e o saber prosaico da música em seu

sentido mais sagrado: a circularidade do real. Dessa forma, tanto a

prerrogativa de Schopenhauer, em defesa da relação entre musica e filosofia,

quanto a afirmação de Antonio Jardim que vê na musica o lugar mais alto de

vigência do pensar poético, podem nos servir de alicerce teórico.

Ocorreu-ns também o debate sobre a poeticidade da palavra pedra por

sua significação no transcorrer da narrativa. A cada estágio de aprendizado e

mudança do tempo, numa conexão com as transformações do aprendiz-menino

em adolescente e do aprendiz-adolescente em adulto, encontramos uma nova

transfiguração da pedra que marca a dolorosa experiência humana. Uma pedra

que fora a sentença de mobilidade do aprendiz como revelação da verdade,

quando ainda menino se divertia com o sofrimento dos animais que condenava

a morte por estarem presos a uma pedra.

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A leitura da pedra, amarrada ao corpo dos animais, decorre de uma

constatação súbita de que pelas mãos do homem toda uma civilização tiraniza

a lentidão silenciosa da escuta temporal da vida e da natureza. Com suporte na

equação tempo e persistência, podemos levantar algumas questões sobre a

alegoria da pedra: até que ponto a pedra não simboliza a trajetória derradeira

entre o homem e a natureza? Em que medida o homem é a própria pedra, cujo

caminho é marcado pela errância e pela dor, lembrando-nos mais uma vez

Schopenhauer e Heidegger, no intuito benevolente de alcance poético do saber

do tempo?

O chamado poético da pedra também noz conduz a Drumonnd. Este que

outrora nos silenciou quando diz:

No meio do caminho

No meio do caminho t inha uma pedra t inha uma pedra no meio do caminho t inha uma pedra no meio do caminho t inha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas re t inas tão fa t igadas . Nunca me esquecerei que no meio do caminho t inha uma pedra t inha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho t inha uma pedra. 25

A presença da pedra – o signo da dor e da verdade poética - se desdobra

na narrativa concretizando os vazios da virilidade juvenil, os quais tingem de

vermelho a experiência do aprendizado. O principiante adolescente, movido

25 ht tp : / /www.memoriaviva.com.br/drummond/ index2.htm

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pela instintividade do desejo, vivência as primeiras experiências sexuais com

uma adolescente, a qual se dirige ao templo para ser curada pelo mestre por

conta do que os budistas nomeariam de “enfermidades da alma”.

Depois que o mestre afugenta a iminência da cobiça, quando percebe

que a adolescente já fora curada, o aprendiz opta pela fuga e ao seu

reencontro, pois não suporta naturalmente a resignação do desejo: a ascese.

Inclusive, a ascese é outra questão schopenhauriana.

O aprendiz passará, portanto, de uma dialética formadora no templo a

epilepsia mundana e assim encarna a vida prometéica perante o mundo

exterior: o mundo dos homens onde os sofismas da cobiça e do egoísmo

substi tuem, sem resignação, a saga poética da l inguagem.

Depois que sua vida é tocada pelos infernos humanos, o jovem retorna

ao templo à procura de cura numa encenação concreta do retorno.

O curar como cuidar revela o homem para o tempo. Este, pelo comando

de toda a cadeia orgânica da matéria, vinga-se da espécie humana em seu

declínio que eleva alguma forma de cuidado. O cuidado que não abdica da

liberdade do cuidar só revela para o homem o quão essencial é a escuta do

silêncio.

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O caminho do aprendiz no reencontro com o mestre, a ponto de assumir

o destino por ele preenchido, em principio, somente pode ser considerado se

este for um caminho precioso de celebração do silêncio.

Silêncio que marcou a feitura do Sutra libertador quando o mestre o

escrevera na madeira do templo, com o rabo do gato, a fim de que o aprendiz,

que cometera o assassinato da jovem pela qual se apaixonara, inscrevesse al i

com uma faca, com suor e dedicação, sua passagem de um estado de culpa e

ira para o caminho do ser. Para um caminho da liberdade.

Talvez pelo fato de ser, através da linguagem, possível de nos

revelarmos como verdadeiramente o que somos é que o mestre tenha decidido

por essa medida. Talvez por ser possível , através do si lêncio, entrar em

contato com a nossa mais pura essência, a linguagem nos faz mais serenos,

quando a ela nos submetemos, como fez o aprendiz ao elaborar a inscri tura do

Sutra, na madeira do templo, que depois fora pintada pelo policiais que ao

saírem de lá, saíam mais próximos da benevolência e da paz.

Depois da partida do aprendiz, em direção à cadeia, a morte do velho

monge com o recado escrito “calado”, no barco, sob uma pira de fogo, detona

um nível de dramaticidade que opera um sentido transformador, em que o

suicídio deixa de ser visto como ato de desintegração e medo e passa a ser

significativo como gesto de reunião integradora do homem com a physis.

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Embora a dor marque a experiência derradeira do mestre, ela será a marca

extrema de uma decisão.

Essa decisão imprime o traço do criador sobre sua obra. Contudo,

quando Heidegger diz que quanto maior é o mestre mais sua presença se

oculta na obra, encontramos uma possível compreensão do gesto que levara o

monge ao suicídio cultuando o silêncio, ou seja, era necessário que naquele

momento de dor algo se mantivesse de vigoroso como memória para que da

essência do trágico surgisse no aprendiz, depois do retorno da prisão, a obra

de seu mestre.

Essa obra se concretiza quando este assume o obrar do mestre. Após a

sua morte, uma serpente desliza sob o gelo, em direção ao templo. Ela conduz

o silêncio e o sentido renovador da morte que já no início da narrativa fora

uma marca no coração do aprendiz e que retornaria, inevitavelmente, agora

sob a ótica da perda do mestre para que por fim, a grandeza desse obrar,

tocado pelo trágico, encontrasse no enredamento que a cobra, que se morde no

rabo, simboliza. Enfim, a morte do mestre o oculta no tempo para que o

desvelamento de sua obra se manifeste no aprendiz.

Cada episódio é farto de significados em que as adversidades compõem

a sabedoria narrativa: a bestial idade perante os animais, cujas formas se

revelam na infância, marcada pela primeira primavera; o sexo tempestivo na

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mocidade simbolizado pelo vigor do verão; o ciúme obsessivo proveniente dos

dissabores da luxúria, já no outono quando as flores ressecam.

A fotografia das árvores em vegetação verdejante, as águas em queda, as

rochas maciças e as montanhas possuem um sentido avassalador. Conduzem-

nos a atenção ante a grandeza de uma naturalidade extraordinária e

devastadora. De repente o encanto poderoso da natureza e dos seus ciclos

mutáveis, age como se nos comprimisse e nos confortasse, silenciando as

palavras e fazendo unir o silêncio à eterna serenidade do que não pode deixar

de silenciar para que se constitua o brilho do encantamento.

As duas portas de madeira permanecem em movimento para o lago como

um véu que desvela os mistérios do rio onde o templo se localiza. Alem das

questões citadas, estas lançam o leitor na passagem do tempo, entre as

estações, distanciadas por vários anos. O barco de madeira que cruza o rio

põe-nos na esfera de construção da ponte entre o mundo e o templo.

Como também nos diz Heidegger (2001), uma ponte

se e leva sobre o caminho para que eles os mortai s , sempre a caminho da ú l t ima ponte , tentem ul t rapassar o que lhes é habi tual e desafor tunado e ass im acolherem a bem-aventurança do d ivino. (p.132)

Aos mortais que acolhem a benevolência do divino silêncio, o alimento

da experiência é mais denso, pois o tempo indica suas sentenças a realizar

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sempre movido pelo mistério. A ponte dessa narrativa prevalece na segurança

de reexaminar as coisas simples, de forma a confirmar e corroborar em favor

da prudência. Essa operação sem prévios lucros, em que as vozes agudas e

graves do silêncio são cultuadas com cuidado e destreza, suprem-nos em

dobro, já que, como Schopenhauer nota com paciência, a matéria viva do

trágico e da felicidade concorrem a todo segundo sem vitórias.

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V – UMA QUESTÃO DE UNIDADE: POESIA, FILOSOFIA E SOCIEDADE

O que se pode fazer , enquanto f i losof ia e poes ia es tão separadas , es tá fe i to , perfei to e acabado. Portanto é t empo de uni f icar as duas . (SCHLEGEL, 1997:158) O f i losofar ainda con t inua presente como obra de ar te , mesmo quando não pode ser demonst rado como const rução f i losóf ica . (NIETZSCHE, 2004:20) Talvez se possa fa lar da poes ia poet i camente , o que, todavia , não quer dizer em versos e r imas . Por conseguinte, fa lar de poes ia não tem de ser forçosamente um ocioso fa lar “em torno de” e “sobre” poemas . Mais d i f íc i l e suspei to é, porém, out ra coisa: que, agora , a Fi losof ia se lance sobre uma obra poét ica . (HEIDEGGER, 2004:13)

5.1 - Poética e Filosofia

Poesia, como poiesis , e Filosofia possuem, de alguma forma, um entre-

lugar que reside no debate sobre o conceito da verdade e que se prolonga na

história desde os antigos pensadores como Herácli to, em Platão e Aristóteles e

em toda tradição moderna de estudo da obra de arte. Uma tradição moderna

que poderia ser focada a partir de Fichte, Kant, Baungartem, Schopenhauer,

Schlegel, Novalis, Goethe, Wagner, Nietzsche, Auerbach, Heidegger, Sartre,

Thomas Mann, Bachelard e outros nomes, não de menor significação.

Entretanto destacamos Schopenhauer e Heidegger por serem pensadores

cujas obras, por vias diferentes, apresentam a conexão entre arte e fi losofia.

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Enfatizar tais pensadores não se justifica somente por admiração, mas pela

dedicação ao estudo da obra de arte e a significação que tais reflexões

possuem.

O que significa, pois, uma filosofia posta em vigor numa consonância

com a dimensão da poesia? Como pensar, de forma contemporânea, uma

unidade entre filosofia e poesia, se os desdobramentos históricos da tradição

identificaram a fi losofia como discurso da totalidade e a poesia como discurso

do eu-manifestante, o nomeado eu-lírico pelas escolas crí ticas?

Além disso, até que ponto essas nomenclaturas e conceituações

fragmentam o sentido de reunião que o pensamento poético solici ta?

É importante dizer que, na contemporaneidade, é inviável pensar numa

trajetória de reflexão teórica, no século que agora vivenciamos, sem a

experiência da negação da culpa ou do pecado.

O viver sem culpa, enquanto manifestação de ser, concretiza a

experiência do rompimento ontológico com a tradição metafísico-cristã e

inaugura o homem poético como ponte e não como ponto. Somente a vivência

livre de culpas pode respirar os ares de uma liberdade necessária a presença

da obra de arte. Nesse caminho, parece-nos clara a invocação libertaria tanto

da matriz schopenhauriana como da matriz heideggeriana de pensamento.

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O pensar, de acordo com tais referencias, torna-se aberto à invocação

poética de uma escuta. Essa escuta indica a busca de uma correspondência

entre pensar e poetar que, ainda segundo a leitura de Martin Heidegger (1973),

permite a formação de uma semântica vasta da noção de linguagem:

Mas pelo fa to de a poesia, em comparação com o pensamento , es t ar de modo bem diverso e pr ivi legiado a serviço da l inguagem, nosso encont ro que medi ta sobre a f i losofi a e necessar iamente levado a d iscut i r a re lação ent re pensar e poetar . (p .21)

Seria pertinente, também, afirmar que a passagem de uma filosofia

sistemática para um filosofar de apreensão poética do mundo é um acontecer

da liberdade. As possibilidades alternativas que obra de arte possui, enquanto

universo hermenêutico, reflete o cosmos do mito grego daquele que resguarda

os enigmas dos caminhos.

Ora, os grandes sistemas filosóficos da era moderna, como vemos a

título de exemplificação em Descartes, Fichte ou Kant, sem reduzí-los em

importância, são, em sua maioria, sistemas construídos sob a influência da

razão moderna, além de se estabelecerem, sistematicamente, em composições

corretivas que visam retificar o que um outro estudioso já havia dito,

procurando, pois, estabelecer um “novo” eixo de entendimento do mundo por

meio da aplicabilidade de princípios modelares.

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Nesse sentido, Kant é marcante, uma vez que, enquanto sistematizador

filosófico, é de uma competência que talvez jamais possa ser superada.

Quando isso não ocorre, ou seja, a formação prática de sistemas, outro

fator entre em cena, de forma intencional ou não, e que possui uma carga

negativa tanto quanto os sistemas corretivos: a “explicação”. Numa tradução

esclarecedora, a questão de Friedrich Schlegel (1997), descri ta abaixo, põe em

xeque a atitude de uma filosofia sistemática calcada nas explicações:

Todo grande f i lósofo ainda tem expl i cado, mui tas vezes sem in tenção, seus predecessores de ta l modo que parece que, antes dele , n inguém os entendeu. (p .61)

A construção de uma filosofia para além dos sistemas nos parece ainda

um abismo. O desafio de superação dos sistemas explicativos e corretivos,

exposta por Schlegel , pode se mostrar em clara harmonia com o que Heidegger

detecta em A questão da técnica quando pensa Platão (2001): O pensador

apenas respondeu ao apelo que chegou e que o atingiu . (p.21)

De fato, o que um pensador produz lhe é fruto daquilo que lhe chega

como escuta e o convoca a pensar. Porém, o que um sistema filosófico, na

contemporaneidade, pode suscitar, depois de muitas verificações e

reconstruções, enquanto paixão?

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Uma poética do reencontro, em que filosofia e obra de arte se

estabeleçam como ponte de teorização, pode ser a faísca de todo uma

experiência de pensamento que, durante várias estações, permaneça como uma

questão de vigor e cuidado. Que, de fato, preserve as origens do filosofar

enquanto potencialidade da pergunta e não como confecção de respostas

acabadas.

Uma questão de vigor é uma questão que o tempo insiste, de feitio

cuidadoso, em semear. É uma questão que permanece a promover, mesmo

depois de uma resposta, uma nova questão. Entendemos que, trilhando os

caminhos da poética, a filosofia contemporânea continuará despertando

paixões futuras. Continuará a tecer os mistérios do futuro a partir do tecido

enigmático da memória.

Em uma poética de apreensão e apego ao sentido, essa faísca da

temporalidade permanente de uma questão imprime uma forma de educação do

olhar. Educação que se dedica à palavra proferida pelos grandes poetas. Uma

educação em favor de uma compreensão mais vasta de linguagem, pensamento

e liberdade.

A palavra assim pensada pode ser apreendida em seu esplendor poético

numa travessia que re-unifica poesia e filosofia como integração do pensar

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originário dos pensadores pré-conceituais sem negar, entretanto, a

potencialidade humana para formular conceitos e sistemas.

Na poesia, a filosofia adquire concretude e poeticamente reencontra a

harmonia de uma era outrora celebrada:

. . .O poeta funda a permanência antes mesmo que a f i losofia possa tomá-la por tema preferencial . Antes que a f i losof ia pudesse ter perseverado na obs t inada procura do que é permanente . A f i losof ia se in ic ia como o saber do canto do bardo e depois se perde desse recanto. Ao perder -se do ins tante poét ico do canto f ica perdida do que, no d izer de Nietzsche, é o que é grande no homem que é “ser uma ponte e não um ponto f inal (JARDIM, 2004:07)

A inversão das separações ou fragmentações toma como guia a lógica da

reunião. Palavra esta que, na modernidade fragmentada pela robotização da

técnica, pode muito incomodar as retóricas da engrenagem reprodutiva do

poder. Pensar poeticamente o real integra as experiências do mundo a vastidão

do saber. A saga dá linguagem, enquanto pensar poético, se direciona para

esse saber em que tudo reunir é o sentido do conhecimento.

Condiz com o pensar poético a superação concreta do estruturalismo

conceitual , dos paradigmas cartesianos e metafísicos e das tendências do

cientificismo que enrijece a percepção contemporânea promovida também pelo

principio da fragmentação da ciência.

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Tal pensamento re-unificador, como se manifesta em Schopenhauer,

pelo viés da proximidade entre musicalidade, tragicidade e filosofia, e

principalmente em Heidegger, pelo viés da filosofia e da poesia, significa uma

nova condição do pensar oposta ao perfil fragmentário da realidade e da

academia. Logo, é evidente que a política contemporânea das fragmentações é

posta em questão, uma vez que toda a estrutura cultural e societária redunda

em fragmentos espaçados sem interl igação.

Respaldados por essas questões, procuraremos refletir sobre algumas

dimensões poéticas a fim de pensar concretamente o entre-lugar entre poesia e

filosofia.

5.2 - Schopenhauer e Machado de Assis

Não há como indicar com convicção em que medida Machado de Assis

tenha sido leitor da obra de Schopenhauer. Mas é concreta a proximidade entre

as esferas de pensamento constituídas por suas obras.

Machado (2000) é consagrado como prosador da vitalidade trágica e

irônica da vida, que a rigor a crítica pouco comenta como obra poética.

Entretanto, o amor e o egoísmo a que o poema de Machado, a seguir se refere,

nos lançam no abismo de uma estranha aporia que, sem hesitações, nos

remetem ao pensamento de Schopenhauer:

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Sei de uma cr ia tura ant iga e formidável , Que a s i mesma devora os membros e as entanhas Com a sofreguidão da fome insaciável . Habi ta juntamente os va les e as montanhas; E no mar , que se rasga, à maneira de abismo Espreguiça-se toda em convulsões es t ranhas Traz impresso na f ronte o obscuro despot ismo Cada olhar que despede, acerbo e mavioso , Parece uma expansão de amor e de egoísmo (p318)

Quando nos referimos à obra poética de Machado também nos referimos

ao eixo de tematização da prosa poética de seus romances em que o amar se

de-sencanta para que o egoísmo e o jogo de interesses ocupe a cena da ironia.

Nesses romances se resguarda o sobrevôo de um sarcasmo quanto aos

caminhos do homem, apontando a vida como dilema que busca encaminhar a

percepção do leitor para a resolução da morte como saída para a liberdade.

Morte nesse sentido constrói um caminho para o liberta-se, uma vez que a

dimensão da liberdade, promulgada pelo humanismo exacerbado em defesa do

discurso da vida, tornou-se opaco e apropriado aos interesses de poder. Tal

como se constitui o pensamento de Schopenhauer, a vida ganha uma

significação inovadora por meio da questão da morte. Em Memórias Póstumas

de Brás Cubas tal observação parece-nos ampla:

. . .Na vida, o o lhar da op inião , o cont ras t e dos in teresses , a luta das cobiças obrigam a gente a calar os t rapos velhos , a d is farçar os rasgões e os remendos , a não es tender ao mundo as revelações que faz a consciência; e o melhor da obrigação é quando, a força de embaçar os out ros , embaça-se um homem a s i

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mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocris ia , que é um vicio hediondo. Mas na morte, que di ferença! que desabafo!que l iberdade! Como a gente sacudir fora a capa , dei tar o fosso as lantejoulas , despregar -se , despin tar-se, desafe i tar-se , confessar l i samente o que fo i e o que deixou de ser . . (ASSIS, 1982: 54)

Também nesse caminho, o poema a seguir constitui uma noção de morte,

como apreendemos em Schopenhauer, entrelaçada a vida corrosiva dos

homens, quando no poema a escuta do sentido se mantém livre de uma

compreensão da morte como negatividade:

Fr iamente contempla o desespero e o gozo, Gosta do col ibr i , como gosta do verme, E cinge ao coração o bel o e o monst ruoso Para e la o chacal é , como a ro la, inerme; E caminha na terra imperturbável , como Pelo vasto areal um vas to paquiderme Na árvore que rebenta o seu pr imeiro gomo Vem a fo lha que lento e lento se desdobra, Depois a f lor , depoi s o suspi ra do pomo. Pois essa cr ia tura es tá em toda a obra: Cres ta o seio da f lor e corrompe-lhe o f ru to E é nesse des t ru i r que as suas forças dobra. Ama de igual amor o polu to e o impoluto; Começa e recomeça uma perpétua l ida , E sorr indo obedece ao d ivino es t atu to . Tu d i rás que é a Morte; eu d i re i que é a vida. (ASSIS, 2000:319)

O poema instiga a lenta reflexão. Tece um abrigo para a certeza da

finitude cuja significação passa do plano do que é terrificante, para o plano da

vital idade, em um movimento que indica uma nova percepção da finitude A

possibilidade da vida ganha um novo sentido, uma vez que a condição mortal

nos ensina o que é o valor de uma vida lúcida para a brevidade da existência.

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O fim, como renovação da terra ou como vigência da vida preservada

pelo vigor da temporalidade da morte, educa-nos para o amanhecer. O tempo

de vida passa a ser visto como acontecimento, como tempo da presença e de

uma leitura autônoma em relação aos séculos de monopólio da visão

metafísica do mundo. Inclusive, uma visão que Schopenhauer apontara como

um consolo, como indicamos na passagem dedicada ao pensador.

5.3 -Manoel de Barros e Heidegger: o Pescar dos Desperdícios e a questão

político-societaria no poético

Em Manoel de Barros, o filósofo e o poeta habitam uma mesma

concretude que resgata a poesia de uma conotação minimalista e a conduz para

o âmago da discussão societária. Para as muitas leituras de Manoel de Barros,

como poeta da simplicidade, não dedicamos louvores aqui. Procuramos

dissertar em outro sentido sobre alguns de seus poemas. Mas especificamente,

procuraremos refletir a luz do que Heidegger (2001) referencia quanto à

poética de Hölderlin:

Quando Hölder l in ousa d izer , no entanto, que o habi tar dos mortais é poét ico , essas palavras , l evemente p ronunciadas , dão a impressão de que o habi tar “poét ico é precisamente o que ar ranca os homens da terra . Pois o poét ico parece per tencer , quanto ao seu valor poét ico , ao re ino da fantasi a. O habi tar poét ico sobrevoa fantast icamente o real . O poeta faz face a esse t emor e d iz , com propriedade, que o habi t ar poét ico é o habi tar “es ta terra”. Ass im, Hölder l in não somente protege o poét ico contra a sua incompreensão

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usual corr iquei ra, mas , acrescentando as palavras “est a terra”, remete para o vigor essencial da poes ia . A poes ia não sobrevoa e nem se e leva sobre a ter ra a f im de abandoná-la e pai rar sobre e la . É a poes ia que t raz o homem para a terra , pa ra e la , e ass im o t raz para um habi t ar . (p .169)

De fato, em muitos poemas de Manoel de Barros, poucos elementos

podem ressaltar os olhos de um leitor ávido pela diretriz romantizada da

tradição da poética brasileira. Por outro lado, a obra de Manoel de Barros é

um caso singular de primor poético pela experiência sensível dos

“desperdícios fundamentais” como vimos em Schopenhauer no caminho de

uma educação dos detalhes. A percepção das miudezas torna-se uma forma

integradora de pensar o quanto se entificou e banalizou a sensibilidade

humanista nos tempos da técnica e da cientificidade objetiva.

O texto é produzido em um processo de contemplação do que se abriga

no detalhes da natureza. Concomitantemente, o eu que apresenta no poema

vivencia cada mínimo detalhe na busca expressiva de uma desert ificação do

próprio eu:

Percorro todas as tardes um quarte i rão de paredes nuas . Nuas e su jas de idade e ventos . Vejo mui tos rascunhos de pernas de gr i los pregados nas pedras . As pedras, en t re tanto, são mais favoráveis a pernas de moscas do que de gr i los . Pequenos caracóis deixar am suas casas pregadas nes tas pedras e as suas lesmas saí ram por a í à procura de out ras paredes .

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Asas misgalhadinhas de borboletas t ingem de azul es tas pedras . Uma espécie de gos to por ta is miudezas me paral i sa . Caminho todas as tardes por es tes quarte i rões deser tos , é cer to . Mas nunca tenho cer teza se es tou percorrendo o quarte i rão deser to

Ou algum

deser to em mim (BARROS, 2005:31)

Para quem pretende dedicar-se a conhecer a condição humana em seu

intimo, em todos os fenômenos e adversidades, parece que a criação poética

apresenta minúcias muito mais legitimas do que conseguiram os psicólogos e

os sociólogos.

A contemplação poética eterniza as temporalidades do mundo, captadas

em instantes e assim o tempo se desdobra lentamente em Manoel de Barros. O

poema, na contramão do tempo acelerado da vida moderna e da polí tica

cientificista, desencadeia o caminhar do caramujo como fundamento de uma

ordem paciente dos acontecimentos:

Há um comportamento de e ternidade nos caramujos Para subi r os barrancos de um r io , e les percorrem um dia int ei ro a té chegar amanhã. O próprio anoi tecer faz par te de haver beleza nos caramujos Eles carregam com paciência o iní cio do mundo No geral os caramujos tem uma voz desconformada por dent ro . Talvez porque tenham a boca t rôpega. Suas verdades podem não ser .

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Desde quando a infância nos prat icava na bei ra do r io Nunca mais deixei de saber que esses pequenos moluscos Ajudam as árvores a crescer . E achei que es ta h is tór ia só caberi a no imposs ível . Mas não; e la cabe aqui também. (BARROS, 2005:319)

A vivência poética de Manoel de Barros, pois , delineia as afirmações

múltiplas do desejo de vida em um tempo sem correrias e atropelos,

estabelecendo novos sentidos aos vazios presentes nos labirintos das

experiências humanas.

Antes de seu estágio escritural , o poético se revela na construção de um

olhar, de uma sensibilidade que pode re-constituir uma dimensão mais

saborosa de real à medida que a sensibilidade humana se desloca de sua

passividade pragmática. O que se entende por sabor mediante essa

perspectiva? O que haverá de convergência entre poética e sabor?

O sabor a que nos referimos se dá a partir do encontro com a poiesis, ou

seja, a partir de uma forma inaugural de leitura da vida, de um nascimento

para a essência de todo agir como obra de uma atenta e imprescindível escuta

do silêncio como nos dedicamos a pensar durante vários momentos no

transcorrer desse trabalho. Não haveria por que Manoel de Barros não dedicar

ao silêncio um poema de profunda escuta e criticidade:

Uso a palavra para compor meus s i lêncios Não gos to das palavras fat igadas de informar

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Dou mais respei to as que vivem de barr iga no chão Tipo água pedra sapo Entendo bem o sotaque das águas Dou respei to às coisas des impor tantes e aos seres des importantes Prezo insetos mais que aviões Prezo a velocidade das tar tarugas mais que a dos mísseis . Tenho em mim esse a t raso de nascença Eu fu i aparelhado para gos tar de passar inhos Tenho abundância de ser fe l iz por i sso Meu quintal é maior do que o mundo Sou um apanhador de desperdícios Amo os res tos como as boas moscas Queri a que minha voz t ivesse um formato de canto . Porque eu não sou da informát ica: eu sou da invencionát ica . Só uso a palavra para compor meus si lêncios (BARROS, 2003 p .39)

Escuta esta que também se opõe verticalmente à obviedade da vida

cotidiana dentro das grandes metrópoles. O que é imperceptível pode possuir

uma grandeza maior do que os exageros da técnica moderna e da já debatida

política fragmentada da cientificidade objetiva.

O tolo é tomado pela tolice quando acredita que o detalhe é

insignificante e, portanto, descartável . Assim, o tolo vagara desacautelado

pelo tempo e, mesmo que viva as glórias instantâneas, sucumbirá daqui a

poucas gerações. A significância do pormenor, como vimos em Schopenhauer,

põe em evidência a grandeza do todo. Isso é inegável: o tempo só engrandece

as coisas que manifestam o que é bom na medida dos mínimos detalhes:

Mosca dependurada na bei ra de um ralo Acho mais importante do que uma jóia pendente .

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Os pequenos invólucros para múmias de passar inhos que os ant igos egípcios faziam Acho mais importante do que o sarcófago de Tutancâmon. O homem que deixou a vida por se sent i r um esgoto Acho mais importante do que uma Usina Nuclear . Al iás , o cu de uma formiga é também mui to mais importante do que uma Usina Nuclear . As coisas que não têm dimensões são mui to importantes . Ass im, o pássaro tu-you-you é mais importante por seus pronomes do que por seu tamanho de crescer . É no ínf imo que eu vejo a exuberância . (BARROS, 200$ p .55)

Em termos contemporâneos, o estatuto conceitual de estruturas lír icas,

que a crí tica literária dissemina pode suscitar prerrogativas teóricas de certa

relevância26, mas somente a leitura pro-funda do poema pode traduzir, por vias

múltiplas, a possibilidade de teorização e formação do discurso do libertar-se.

Nesse sentido, a linguagem enaltece um caminho de reflexão mediante o perfil

maquinal da vida sistêmica. Assim nos diz o poema de Manoel de Barros

(!999):

A Máquina Trabalha com secos e molhados É n infômana Agarra seus homens Vai a chás de car idade Ajuda os mais f racos a passarem fome E dá as c r ianças o d i re i to inal ienável ao Sofr imento na forma e de acordo com A le i e as poss ibi l idades de cada uma (p.45)

26 O conhecimento técnico da ar te e da poes ia (normas de vers i f icação) é um cr i tér io re levante em termos teór i cos . Porém, é um saber i r relevante em termos poét i cos de apreensão da obra de ar t e e de seu sent ido.

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A passagem reproduz a indignação e a ironia que se harmonizam como

edificação crít ica da palavra poética. O teor inconformista da palavra poética,

frente à densidade de uma realidade dominada pela violência da vaidade

humana, é exposto mediante um quadro de supressão social que vigora na

contemporaneidade: um tipo de praga, cuja vigência, na modernidade, o

humano perpetua e aceita de forma cada vez mais homogênea, como realização

política e cultural de um tempo corrupto em todos os seus domínios.

VI – Considerações Finais: do desfecho as questões

Com base nas questões desenvolvidas em cada capítulo cabe nesse

desfecho algumas perguntas: não será o questionamento poético profícuo em

termos de teorização sobre a sociedade moderna? Não haverá na poética o

despertar definitivo da filosofia de seu sono metafísico e conceitual ,

transformando-a em um cuidadoso espaço de reflexão política e societária? O

que significa “o direito inalienável ao sofrimento” ao qual se reporta o poema

derradeiro de Manoel de Barros citado no capítulo anterior?

Em nosso debate, tornou-se clara a motivação de uma construção

poética, enquanto jornada de amadurecimento e transformação que tem como

foco repensar a importância do que não é considerado como unidade, mas que

sempre permanece em conexão.

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Hoje, a tênue limitação ou diferença entre homens e máquinas suscita

um novo conceito de metafísica que beira a epicidade: o homem da

cibernética. Nesse sentido, há no projeto da modernidade uma perpetuação de

um imaginário em que a condensação da máquina e do homem, promovida pela

deusa ciência, determinam o surgimento de um mutante, cuja “humanização”

bárbara supera o excessivo alt ruísmo de seu criador.

O Frankenstein da técnica subjaz velado e ameaçador no núcleo das

ideologias da ciência objetiva. Desde de tempos juvenis, a altivez do

pensamento schopenhauriano nos inclinou a pensar a tragicidade da vontade

humana, cujas proporções tomaram conta do projeto polít ico agora vigente no

neoliberalismo. Os desenfreados padrões de afirmação da vontade humanista

condizem, amplamente, com a apoteose nuclear, embora os discursos da paz

sejam tão proferidos.

O que significa tal realização? O que nos reserva a cibernética e a

clonagem como dizer futuro? O que de humano resistirá poeticamente no

homem-máquina?

Frente à parafernália tecnológica da civilização moderna, pensar a

questão poética é uma benesse indispensável da paixão que se mostra com o

dizer do tempo num tempo de polít icas opacas. Esse caminho revela a fonte

plural de toda teoria, como nos diz Heidegger (2001), que se mantém viva no

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filosofar das obras de arte como o diálogo permanente para além das rédeas

sistemáticas do poder político. Uma fonte que delineia a instauração da

verdade a partir da obra de arte.

Nesse caminho, a Linguagem é a travessia e a poética é a ponte pela

qual a l inguagem nos atravessa, nos lançando ao desafio de entrelaçamento de

qualquer discussão, seja de ordem polít ica, cultural ou filosófica. A teoria

poética permite que a filosofia e a arte sejam cruzadas de forma que o pensar

se integre ao mundo como unidade.

Nesse ínterim, a única medida teórica que nos solicita a pensar tais

questões é, precisamente, não esquadrinhar uma resposta e sim resguardar as

questões. Questões que para o futuro homem da cibernética estão

completamente obnubiladas pela entificação cada vez mais exacerbada do ser.

Em breve, no coração das grandes cidades, quando todos estiverem a cruzar os

céus com seus poderosos automóveis voadores, a pergunta sobre o ser estará,

por fim, marcada pela impossibilidade do homem da cibernética permitir-se

um habitar/experienciar poético, mesmo que a brevidade da vida assim

permita.

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