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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO LUCIA HELENA PRALON DE SOUZA AS IMAGENS DA SAÚDE EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS Rio de Janeiro 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - Núcleo de … Helena Pralon... · 2013-10-21 · Meus irmãos Inez e Miguel, Meus filhos Danielle, Caroline e Antero Pedro, Meus netos Thiago

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

LUCIA HELENA PRALON DE SOUZA

AS IMAGENS DA SAÚDE EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS

Rio de Janeiro

2011

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Lucia Helena Pralon de Souza

AS IMAGENS DA SAÚDE EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS

Volume único

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de

Tecnologia Educacional para a Saúde, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

requisito parcial à obtenção do título de Doutor em

Educação em Ciências e Saúde.

Orientador: Guaracira Gouvêa da Silva

Rio de Janeiro

2011

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Pralon, Lucia Helena.

As imagens da saúde em livros didáticos de ciências / Lucia Helena Pralon de Souza. – Rio de Janeiro: UFRJ / NUTES, 2011.

146 f.: il. ; 31 cm.

Orientador: Guaracira Gouvêa da Silva.

Tese (doutorado) -- UFRJ, NUTES, Programa de Pós-

graduação em Educação em Ciências e Saúde, 2011.

Referências bibliográficas: f. 135-141.

1. Educação em Ciências e Saúde. 2. Ensino de ciências. 3.

Leitura de imagens. 4. Material didático. 5. Tecnologia Educacional

em Saúde - Tese. I. Silva, Guaracira Gouvêa. II. Universidade Federal

do Rio de Janeiro, NUTES, Programa de Pós-graduação em

Educação em Ciências e Saúde. III. Título.

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Lucia Helena Pralon de Souza

AS IMAGENS DA SAÚDE EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-graduação

Educação em Ciências e Saúde,

Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como requisitos

parcial à obtenção do título de Doutor

em Educação em Ciências e Saúde.

Aprovada em _____/______/_______

________________________

Profa. Dra. Guaracira Gouvea da Silva -UFRJ

________________________

Profa. Dra. Sandra Lucia Escovedo Selles, UFF

________________________

Profa. Dra. Carmem Irene Correia de Oliveira, UNIRIO

________________________

Profa. Dra. Marcia Serra Ferreira, UFRJ

__________________________

Profa. Dra. Ivone Evangelista Cabral, UFRJ

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Dedicada à minha família, meu bem maior.

Meu pai Edward (em memória),

Minha mãe Marina,

Meus irmãos Inez e Miguel,

Meus filhos Danielle, Caroline e Antero Pedro,

Meus netos Thiago e Nicole,

E a José Maria, que também faz parte desta família.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora e amiga Guaracira Gouvea da Silva, por acreditar em minha capacidade

e estar ao meu lado durante todo o processo de desenvolvimento desse estudo, refletindo

junto, indicando os melhores caminhos e me estimulando a ultrapassar meus próprios limites,

meu muito obrigada!

Aos demais professores do Nutes, e em especial à professora Isabel Martins, pelos

ensinamentos, pelo exemplo de competência profissional e pelo acolhimento afetuoso por

todos esses anos de convívio.

Aos meus companheiros nessa jornada de aprendizagem Sheila, Bruno, Francine, Amanda,

Cristina Moreira, Rosane, Ester, Lucia Lino e tantos outros... E em especial à Cristina Cohen,

companheira e amiga de todos os momentos, muito obrigada por tudo.

Aos amigos do Ciep Carlos Drummond de Andrade, pelo incentivo e apoio recebido.

À minha família pela paciência e compreensão e, em especial, aos meus filhos, os que mais

sentiram minhas ausências sem jamais reclamarem.

A Deus pela vida e por mais essa vitória.

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Gostaria, pois que a fala e a escuta que aqui se traçarão fossem

semelhantes às idas e vindas de uma criança que brinca em torno da

mãe, dela se afasta e depois volta, para lhe trazer uma pedrinha, um

fiozinho de lã, desenhando assim ao redor de um centro calmo toda

uma área de jogo, no interior da qual a pedrinha ou a lã importam

finalmente menos do que o dom cheio de zelo que delas se faz.

Roland Barthes

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RESUMO

PRALON, Lucia Helena. As imagens da saúde em livros didáticos de ciências. Rio de

Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Os livros didáticos têm forte presença no cotidiano escolar e exercem inegável influência

sobre a formação intelectual e cidadã do estudante e sobre a prática dos professores. O fato de

eles estarem se tornando cada vez mais ilustrados justifica um olhar mais atento para suas

imagens, cujas estruturas composicionais realizam sentidos da mesma forma que as estruturas

lingüísticas. O estudo faz um levantamento quantitativo e qualitativo do conjunto das imagens

presentes em uma coleção didática de Ciências com uso abrangente no país e identifica as

imagens referentes à saúde presentes neste material. A presença predominante de imagens

fotográficas que, por seu alto grau de semelhança com o real, podem ser entendidas como

representação fiel da realidade, trouxe o foco da análise para um conjunto específico de

fotografias com o objetivo de identificar aspectos manifestos através destas imagens

compatíveis com determinada visão de saúde. Através da análise dos procedimentos de

conotação internos à imagem e nos textos verbais a ela vinculados diretamente, identificamos

aspectos característicos de diferentes abordagens de Educação em Saúde - Biomédica,

Comportamental ou Socioambiental - de acordo com o conceito de saúde que norteia o

discurso pedagógico, os determinantes considerados e as estratégias propostas. Foi possível

perceber que, apesar das perspectivas teóricas tanto do campo da saúde quando do campo

educacional orientarem as ações de Educação em Saúde desenvolvidas no âmbito escolar para

uma abordagem Socioambiental, a ocorrência de imagens que remetem a aspectos típicos de

uma abordagem Comportamental é predominante.

Palavras-chave: Ensino de Ciências, Educação em Saúde, Livro Didático, Imagem.

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ABSTRACT

PRALON, Lucia Helena. As imagens da saúde em livros didáticos de ciências. Rio de

Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Educational books play not only an important role in the everyday school routine but also

influence strongly the intellectual and citizenship education of students and practice of

teachers. As illustrations are being widely used, a deeper study of images is justified since

their compositional structures build sense equally linguistic ones. The study carries out a

qualitative and quantitative survey of a group of images present in a education science book

collection largely adopted in Brazilian schools and identifies the ones related to health. The

strong presence of these images which can be perceived as real for being highly similar to real

life, led the focus of the analysis to a specific group of photographs aiming to identify aspects

linked to a specific point of view. It was identified through the analysis of their intrinsic

connotation and verbal texts different characteristic aspects of several approaches in health

education – biomedical, behavioral, social environmental – according to the concept of health

which drives the pedagogical speech, main points considered and strategies proposed. It was

possible to perceive that despite the social environmental theoretical perspective guidance in

both health and educational fields be proposed, typical aspects of a behavioral approach is

highlighted.

Key words: science education, health education, education book, image.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADROS

Quadro 1 - Critérios de Avaliação dos Livros de Ciências no PNLD 2008.

Quadro 2 - Quadro comparativo dos dois modelos de Educação em Saúde baseado em

Oliveira (1996).

Quadro 3 - Concepções de saúde e diferentes visões de Promoção da Saúde. (WESTPHAL,

2006, p.646)

Quadro 4 - Escala de iconicidade decrescente. (Adaptado de APARICCI et.al. 1992, p.218)

Quadro 5 – Organização dos conteúdos programáticos.

Quadro 6 – Estrutura geral da unidade.

Quadro 7 – Informações sobre as imagens presentes nos volumes analisados.

Quadro 8 - Perspectiva de abordagem de Educação em Saúde a partir de conotadores da

imagem.

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IMAGENS

Imagem 1 – Diferentes níveis de iconicidade.

Imagem 2 – Capas e contra-capa dos volumes da coleção Projeto Araribá: ciências.

Imagem 3 - Visão da seção Por uma Nova Atitude. Livro 7, pp. 126-127.

Imagem 4 - Legenda única para o conjunto caracteriza uma unidade de imagem. .(Código da

imagem: 7.8.201.1)

Imagem 5 – Legendas individuais caracterizam imagens individuais. (Códigos das imagens:

5.6.167.1 e 5.6.167.2)

Imagem 6 – Apesar das legendas individuais, as setas e a sobreposição parcial das imagens

funcionam como elementos de ligação, unificando a imagem. (Código da imagem: 5.3.75.1)

Imagem 7 - Visão da seção Por uma Nova Atitude. Livro 7, pp. 126-127

Imagem 8 – Código da imagem: 7.5.126.1

Imagem 9 – Código da imagem: 7.5.127.1

Imagem 10 – Códigos das imagens: 5.5.124.2 e 5.5.124.3.

Imagem 11 – Códigos das imagens: 6.4.96.1 e 6.4.96.3

Imagem 12 – Código da Imagem: 7.2.56.1.

Imagem 13 – Código da imagem: 5.4.102.1.

Imagem 14 – Código da imagem: 7.6.148.1.

Imagem 15 – Código da imagem: 7.7.172.1.

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TABELAS

Tabela 1 – Levantamento dos artigos acadêmicos sobre imagem no período 1998-2007.

Tabela 2 - Natureza da imagem, suporte e mídia.

Tabela 3 - Campo de estudo de referência.

Tabela 4 - Artigos fundamentados em mais de um referencial teórico.

Tabela 5 - Nível de ensino, disciplina de referência e tema.

Tabela 6 - Instrumentos de coleta de dados.

Tabela 7 - Total de imagens na coleção e espaço ocupado na superfície das páginas.

Tabela 8 - Classificação das imagens relacionadas à saúde.

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______SUMÁRIO______

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................15

1.1 DUAS CENAS DO COTIDIANO ESCOLAR...................................................15

1.2 A ESCOLA E OS MATERIAIS PEDAGÓGICOS ...........................................17

1.3 OBJETIVOS, QUESTÕES DE PESQUISA E HIPÓTESES DE

TRABALHO........................................................................................................22

2 O LIVRO DIDÁTICO..............................................................................................25

2.1 O OBJETO LIVRO DIDÁTICO.........................................................................25

2.2 O LIVRO DIDÁTICO E SUA HISTÓRIA.........................................................26

2.3 O LIVRO DIDÁTICO E SEU AUTOR..............................................................39

2.4 O LIVRO DIDÁTICO COMO OBJETO DE ESTUDO.....................................33

2.5 O LIVRO DIDÁTICO E AS POLÍTICAS DE PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E

AVALIAÇÃO......................................................................................................34

3 SAÚDE E EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA .............................................40

3.1 O CONCEITO DE SAÚDE ATRAVÉS DA HISTÓRIA...................................41

3.2 A PROMOÇÃO DA SAÚDE E O CONCEITO DE AUTONOMIA.................45

3.3 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NAS ESCOLAS DO BRASIL.....48

3.4 EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA ATUAL...........................................52

3.4.1 As orientações oficiais...............................................................................52

3.4.2 Algumas considerações ............................................................................60

4 POR UMA CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM.....................................................63

4.1 MIKHAIL BAKHTIN: UMA OPÇÃO TEÓRICO-FILOSÓFICA PARA A

QUESTÃO DA LINGUAGEM..........................................................................64

4.1.1 Os signos e a constituição dos sujeitos ...................................................65

4.1.2 Os signos como instrumentos psicológicos.............................................67

4.1.3 Signos como fenômenos ideológicos .......................................................68

4.1.4 Dialogismo: a questão do sentido em Bakhtin.......................................72

4.2 A LINGUAGEM VISUAL...............................................................................76

4.2.1 O conceito de imagem .............................................................................76

4.2.2 A leitura de imagens.................................................................................81

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4.2.3 O que dizem as pesquisas sobre imagem ..............................................83

4.2.4 Perspectivas da análise de imagens no livro didático de Ciências ......89

5 CAMINHO DA PESQUISA...................................................................................93

5.1 O PERCURSO METODOLÓGICO.................................................................93

5.2 A ANÁLISE PRELIMINAR............................................................................94

5.2.1 A coleção didática analisada...................................................................94

5.2.2 As imagens no livro didático de ciências ...............................................97

5.2.3 As imagens da saúde no livro didático de ciências..............................103

5.3 ANÁLISE DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS DE SAÚDE........................105

5.3.1 Fotografia e produção de sentido..........................................................105

5.3.2 Principais características das imagens fotográficas de saúde............113

5.3.3 Exemplo de leitura de imagem fotográfica..........................................114

5.3.4 Os procedimentos de conotação das imagens fotográficas da

saúde.........................................................................................................119

5.3.4.1 Procedimentos de conotação na imagem...................................119

5.3.4.2 Procedimentos de conotação no texto........................................123

6 CONCLUSÕES ....................................................................................................130

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 135

ANEXOS......................................................................................................................142

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1. INTRODUÇÃO

1.1 DUAS CENAS DO COTIDIANO ESCOLAR

CENA 1 - Início do ano letivo numa escola carioca de ensino fundamental.

Após algumas semanas de aulas, finalmente o professor de Ciências, que contou e

recontou o número de alunos e o número de livros didáticos recebidos pela escola através do

Programa Nacional do Livro Didático – PNLD - decide entregá-los aos seus alunos. O livro,

que foi escolhido com cuidado no ano anterior pela equipe de professores de Ciências da

escola é, certamente, aquele que melhor atende às características dos alunos daquela unidade

escolar e aos objetivos de aprendizagem traçados pela escola em seu Projeto Político

Pedagógico.

Os alunos se empolgam e, na medida em que recebem seu exemplar, se apressam em

personalizá-lo, conforme orientação recebida do professor, escrevendo seu nome na

contracapa. Cumpridas as formalidades, finalmente o folheiam, satisfazendo sua curiosidade.

O professor observa a turma. Cutucam-se uns aos outros para mostrar algo muito interessante

que apontam com o dedo na página aberta. É um desenho, uma fotografia, um esquema... O

burburinho cresce em meio a risinhos abafados ou gargalhadas abertas. Um se levanta para

verificar no grupo vizinho a razão de tanto riso e constata, é uma imagem ‗muito

interessante‘. Ele volta rapidamente ao seu lugar e mostra aos colegas o que encontrou. Mais

risos!

Por mais que tente retomar o controle da situação e iniciar a aula planejada, o professor

não é sequer ouvido em meio a tanta agitação. Sabiamente, ele desiste do planejamento inicial

e se alia aos seus alunos na exploração daquelas ilustrações, satisfazendo uma curiosidade

aqui outra ali sobre as imagens que mais chamaram a atenção do grupo. Ele sabe, por

experiência, que esse momento é muito especial, que a exploração inicial do livro texto de

Ciências, tão ricamente ilustrado com imagens de todo tipo, é um passo importante na

mobilização cognitiva do aluno, e pode contribuir para o estabelecimento de uma pré-

disposição ao aprendizado daqueles conteúdos.

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CENA 2 - Interesse pela leitura?

Aquele dia seria diferente para aquela professora. A Coordenadora Pedagógica havia

avisado que as turmas assistiriam a uma palestra no auditório sobre gravidez na adolescência

e doenças sexualmente transmissíveis. Três turmas em cada horário. ―Três turmas juntas?‖

Isso não ia dar certo! Ela conhecia muito bem seus alunos. Sentiu pena dos palestrantes que

precisariam se esgoelar para serem ouvidos.

E foi assim que começou. Uma balburdia só. Mas, aos poucos, o tema começou a

despertar o interesse dos jovens e enfim... silêncio! Só um risinho aqui, um cochicho ali e os

palestrantes não precisaram mais gritar. A professora se surpreendeu. Finda a palestra cada

aluno recebeu um kit contendo alguns materiais: caneta, borracha, marcador de livro, folhetos

e uma revistinha.

Após o recreio, aula normal para sua turma. A professora retorna à sala e nova surpresa: a

maioria dos alunos já está dentro da sala, e não nos corredores como é de costume, e o mais

estranho, estão sentados e... LENDO ! ?

Que bom! Hoje não será preciso perder os dez primeiros minutos da aula para conseguir

que todos os alunos entrem na sala e se sentem para que ela inicie as atividades planejadas.

Propõe que iniciem pela correção dos exercícios de casa, mas... os alunos estão desatentos,

parece que se ocupam de outra tarefa: a revistinha distribuída na palestra que meio que

escondem sob a carteira, ou sob o caderno aberto. De vez em quando dão uma olhadinha

enquanto a professora está de costas, mas quando ela olha em sua direção, retomam a tarefa

da aula, escondendo a revista novamente.

A professora percebe. Ela sabe a razão desse súbito interesse por uma leitura; como

também recebeu o kit e já folheou a revistinha, sabe exatamente porque os alunos estão tão

interessados: além do tema, que por si só já é interessantíssimo para aqueles pré-adolescentes,

as ilustrações da revistinha são bastante ―esclarecedoras‖ para a maioria deles. Até passa pela

sua cabeça a idéia de modificar a dinâmica da aula e propor uma leitura conjunta da revista,

um debate para tirar dúvidas, mas... ela pensa melhor e entende que deve ser uma leitura

individual, que eles precisam dessa privacidade. Decide, então, fingir que não está vendo e

toca a aula pra frente conforme havia planejado.

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1.2 A ESCOLA E OS MATERIAIS PEDAGÓGICOS

As duas situações descritas acima poderiam ter se passado em qualquer escola de

qualquer lugar no país, pois trata da curiosidade natural dos jovens diante de uma novidade

que os atrai. Como negar o fascínio que as ilustrações dos materiais didáticos exercem sobre

todos nós, professores e alunos?

Inegavelmente os livros didáticos e os demais materiais impressos com finalidade

pedagógica tornaram-se, nos últimos anos, visualmente muito atraentes, apresentando muitas

imagens coloridas e de alta qualidade. Entretanto, o aumento da quantidade e da qualidade das

ilustrações presentes nestes materiais, parece não corresponder ao valor que geralmente a elas

é atribuído no processo de aprendizagem (PÉREZ DE EULATE et al, 1999; PERALES

PALACIOS, 2006; SILVA e COMPIANI, 2006). Em geral, as imagens são valorizadas

apenas por sua função motivadora da leitura, o texto escrito continua sendo visto como o

legítimo portador dos conceitos, cabendo às imagens apenas o papel de acompanhantes.

Reconhecer o potencial pedagógico das imagens implica considerar que elas também

são capazes de transmitir mensagens, conceitos, idéias, valores, desempenhando, desse modo,

importante papel na formação dos jovens. Em outras palavras, podemos entender que os

alunos estão aprendendo também com as imagens dos livros e outros impressos, e não só com

o conteúdo de seus textos verbais.

O livro didático é, sem dúvida, o mais importante material impresso do universo

discursivo escolar. Sua presença no cotidiano dos alunos é muito forte, exercendo inegável

influência sobre a sua formação intelectual e sobre a prática do professores (CHOPPIN, 2004;

MARTINS, 2006; MATE, 2004; GOUVEA E IZQUIERDO, 2006). De modo geral, o livro

didático tem exercido mais funções do que aquelas à que a princípio se destinaria. Choppin

(2004) argumenta que além da esperada função referencial de suporte privilegiado dos

conteúdos, os livros didáticos desempenham outras três importantes funções: uma função

instrumental, na medida em que ele põe em prática métodos de ensino e aprendizagem; uma

função documental, pois representa um conjunto de documentos textuais e/ou icônicos que

pode favorecer o desenvolvimento da autonomia e do espírito crítico dos indivíduos e, uma

função ideológica e cultural, na medida em que se constitui em um instrumento privilegiado

de construção de identidade. Essa última função ―que tende a aculturar – e, em certos casos, a

doutrinar – as jovens gerações, pode se exercer de maneira explícita, até mesmo sistemática e

ostensiva, ou, ainda, de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita, mas não menos eficaz‖

(p.3).

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Sob essa perspectiva podemos considerar que ao mesmo tempo em que a escola se

constitui num espaço privilegiado de diálogo e de construção de identidades ela é,

contraditoriamente, espaço de imposição ideológica e de controle social. Assim os materiais

impressos que circulam no espaço escolar tanto podem contribuir para a preparação do

cidadão para o exercício pleno da cidadania, capacitando-o a analisar e compreender a

realidade, criticá-la e atuar modificando-a, quanto pode estar a serviço da manutenção de uma

realidade social injusta e desigual.

Sabemos que o processo de ensino-aprendizagem que ocorre na escola envolve

dialogicamente aspectos instrutivos e educativos e que ambos contribuem para formação

integral do aluno. Os aspectos instrutivos se relacionam à esfera cognitiva e dizem respeito ao

desenvolvimento de capacidades, enquanto que os aspectos educativos estão relacionados à

esfera volitiva e afetiva, se referindo aos valores e sentimentos que caracterizam o homem

como um ser social.

Se por um lado a escola pode ser entendida como um espaço de diálogo e de

construção de identidades, na medida em que se constitui em um ambiente privilegiado de

possibilidade de preparação do cidadão para o exercício pleno da cidadania, capaz de analisar

e compreender a realidade, criticá-la e atuar modificando-a, por outro lado ela é também

espaço de imposição ideológica e de controle social, pois a formação desse sujeito autônomo,

crítico e criativo pode estar ―a serviço da inserção desse sujeito no mundo globalizado,

mantendo, com isso a submissão da educação ao mundo produtivo‖ (LOPES, 2004, p.114). É

nesse ambiente ambíguo que ocorre a formação intelectual dos nossos jovens.

Como espaço de convivência diária com o outro e com materiais das mais distintas

naturezas, intencionalmente pedagógicos ou não, a escola tem merecido inúmeros olhares

investigativos com o objetivo de tentar entender que tipo de cidadão tem formado e que tipo

de cidadão pretende para nossa sociedade.

Invariavelmente quando temos acesso a documentos produzidos na e para a escola,

encontramos dentre os objetivos traçados a formação de um cidadão crítico. Mas, o que é

exatamente um cidadão crítico? Como se está construindo a cidadania dentro do espaço

escolar?

Buscando estabelecer uma teoria da cidadania democrática multicultural, Torres

(2001) identifica algumas contradições e dilemas na teoria da cidadania. Em primeiro lugar

destaca a possibilidade de compreendê-la em termos de fundamentos legais ou compreende-la

como um conjunto de virtudes cívicas. Outro dilema apontado pelo autor é o fato de que ―para

os neoconservadores a cidadania é em última análise regulada pelas relações de mercado; quer

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dizer, a cidadania baseia-se na capacidade de competir com êxito nos mercados

(internacionais)‖ (p.259). Nessa visão o cidadão é visto como um consumidor, o que significa

que só tem direito à cidadania o indivíduo que participa como produtor e consumidor. Esta

premissa cria um grupo de cidadãos excluídos da abrangência desta espécie de cidadania. Já

para a esquerda, ―os limites da cidadania surgem com a idéia dos direitos humanos, que

quando devidamente explorados ultrapassam todos os outros direitos adquiridos (por

nascimento ou por adoção)‖ (p.259), neste sentido a noção de cidadania se amplia bastante, se

estendendo ao conceito de cidadania planetária.

O autor identifica ainda, nas democracias liberais, um último sentido para cidadania:

―a pedra de toque para a incorporação dos indivíduos na ação política‖ (p.260), entretanto,

reconhece a existência de vários processos que fragmentam este sentido e cita como exemplo

a ―exclusão dos indivíduos que apesar de nominalmente considerados como cidadãos não

podem exercer plenamente seus direitos. E mais vezes ainda eles são forçados a cumprir suas

responsabilidades e obrigações, ao mesmo tempo em que são excluídos do pleno acesso aos

seus direitos.‖ (p.260).

Cidadania, portanto, é um conceito bastante polissêmico. A compreensão do seu

sentido está estreitamente relacionada às condições de produção dos textos que a ela se

referem explicita ou implicitamente.

Quando buscamos o sentido dado à cidadania nos documentos oficiais que

regulamentam os caminhos da escola e a ação dos professores, encontramos textos bastante

interessantes.

O artigo 2º, por exemplo, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996),

apresenta a cidadania como um dos objetivos primeiros da educação.

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do

educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho.

O texto contido no artigo 32º nos permite supor que o documento está baseado em um

conceito de cidadania bastante amplo, que envolve tanto os aspectos relativos à incorporação

dos indivíduos no mercado consumidor e na ação política quanto os aspectos que tangenciam

os direitos humanos:

O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na

escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

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I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno

domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,

das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição

de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e

de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.‖

Já os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), elaborados num cenário

político de centralização dos mecanismos de decisão e de controle e descentralização da

execução, apresentam em seu volume dedicado aos Temas Transversais, uma reflexão sobre

as bases teóricas/políticas que sustentam um conceito de cidadania que deve nortear a

educação fundamental.

O texto cita, em sua introdução, dois artigos da Constituição Federal buscando neles o

sentido dado ao termo cidadania. O artigo 1º que diz que ―os fundamentos do Estado

Democrático de Direito são: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político‖ (p.15), e o artigo 3º que

afirma que ―constituem objetivos fundamentais da República: construir uma sociedade livre,

justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização

e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação‖ (p.15). Sobre o

conteúdo destes artigos, o texto afirma que tais objetivos estão muito longe de representarem

a realidade vigente e que devem ser compreendidos como metas ou grandes objetivos a serem

alcançados, reconhecendo ainda a existência de uma distância muito grande entre as

formulações legais e sua aplicação e entre estas mesmas formulações legais e a consciência e

a prática dos direitos por parte dos cidadãos.

O texto alerta também para o fato de que a concepção de cidadania está estreitamente

relacionada ao significado e ao conteúdo da democracia. Se esta for entendida em seu sentido

restrito de regime político, a noção de cidadania passa a ter um significado que abrange

―exclusivamente os direitos civis (liberdade de ir e vir, de pensamento e expressão, direito à

integridade física, liberdade de associação) e os diretos políticos (eleger e ser eleito), sendo

que seu exercício se expressa no ato de votar‖ (p.16). Se entendida em seu sentido mais

amplo, a noção de cidadania pode ganhar novas dimensões como a conquista de significativos

direitos sociais, nas relações de trabalho, previdência social, saúde, educação e moradia.

Assim:

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Novos atores, novos direitos, novas mediações e novas instituições redefinem o

espaço das práticas cidadãs, propondo o desafio da superação da marcante

desigualdade social e econômica da sociedade brasileira, com sua conseqüência de

exclusão de grande parte da população na participação dos direitos e deveres. Trata-

se de uma noção de cidadania ativa, que tem como ponto de partida a compreensão

do cidadão como portador de direitos e deveres, mas que também o vê como criador

de direitos participando na gestão pública. (op.cit, p.16)

Entretanto a realidade brasileira está longe de desfrutar desta cidadania ativa na

medida em que boa parte da população brasileira não tem acesso a condições de vida digna e

está excluída dos processos de decisão que definem os rumos da vida social. Com essa

premissa, o documento citado apresenta como caminho para transformar essa realidade o

reconhecimento de que apenas as áreas convencionais (disciplinares) não são suficientes para

alcançar esse fim, defende que outras questões diretamente relacionadas com o exercício da

cidadania devam necessariamente ser tratadas na escola, como a violência, a saúde, o uso de

recursos naturais e os preconceitos. Nesse sentido propõe uma educação comprometida coma

a cidadania baseada em 4 princípios para orientar a educação escolar: dignidade da pessoa

humana; igualdade de direitos; participação e co-responsabilidade pela vida social.

De acordo com este conceito mais amplo de cidadania que norteia os documentos

oficiais citados, a escola deve ser o espaço privilegiado de construção de cidadania. Para que

esta prática se construa e seus efeitos possam transpor os muros escolares e invadir a vida

social dos indivíduos, seria preciso antes, que os atores desse cenário educacional, professores

e alunos, pudessem vivenciar essa dimensão de cidadania dentro destes mesmos muros.

Entretanto, é preciso considerar que o importante papel desempenhado pela escola na

formação dos novos cidadãos tem conferido a ela historicamente funções que extrapolam sua

ingênua pretensão de ser lócus de disseminação de conhecimentos com neutralidade

ideológica. A escola tem funcionado em vários momentos como mediadora na constituição

de consenso ideológico favorável aos interesses dos setores sociais dominantes

economicamente, onde o cidadão que se quer formar é aquele que atende às necessidades de

um determinado modelo econômico vigente.

A educação em saúde que se faz dentro das escolas, entendida como espaço de

construção de cidadania, está, obviamente, também submetida a estes movimentos. O

entendimento do que é saúde tem se modificado bastante ao longo do tempo e, o modo como

se conceitua saúde num dado momento histórico determina o papel do indivíduo em relação à

sua própria saúde e gera diferentes abordagens no campo educacional. No Brasil a educação

em saúde tem sofrido forte influência de interesses políticos e econômicos determinando o

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predomínio de concepções de saúde que melhor atendem aos interesses de determinados

grupos em cada período histórico.

1.3 OBJETIVOS, QUESTÕES DE PESQUISA E HIPÓTESES DE TRABALHO

Tendo como pressuposto esse conflituoso papel da escola, emancipadora na intenção

explicita, mas reprodutora de um sistema hegemônico em muitos aspectos, e o importante

papel que desempenham os materiais impressos, especialmente o livro didático de Ciências,

neste processo, nosso principal objetivo é compreender a natureza do discurso sobre saúde

contido nas imagens veiculadas por este material, por considerar que estas contribuem

significativamente na construção da visão de saúde dos estudantes e, consequentemente, de

sua cidadania.

Considerando que é através da linguagem, concebida aqui dentro uma perspectiva

Bakhtiniana, como lugar de constituição de subjetividades onde o homem constrói seu

universo simbólico de significação, estamos propondo um estudo que problematize a questão

da linguagem nos materiais impressos que fazem parte do universo discursivo escolar através

da análise das imagens referentes à saúde presentes nestes materiais.

Desse modo, nossa proposta de pesquisa baseia-se nas seguintes questões:

Quais são as características enunciativas das imagens referentes à saúde presentes nos livros

didáticos de Ciências?

Quais visões de saúde estão sendo veiculadas através destas imagens?

Para responder a estas questões, nossa proposta inclui etapas de trabalho com os

seguintes objetivos:

Identificar as principais coleções de livros didáticos de Ciências voltadas para o Ensino

Fundamental distribuídas pelo PNLD/2008 e selecionar aquela cuja abrangência de uso

justifique o estudo;

Fazer um levantamento quantitativo e qualitativo do conjunto das imagens presentes na

obra selecionada;

Identificar as imagens referentes à saúde presentes neste material;

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Identificar aspectos manifestos através destas imagens compatíveis com determinada visão

de saúde.

Os procedimentos iniciais, de caráter exploratório do campo de estudo, nos levaram a

identificar a necessidade de uma incursão teórica em alguns campos distintos de

conhecimento: a área da Saúde, em busca das diferentes concepções de saúde norteadoras das

distintas abordagens historicamente constituídas de Educação em Saúde; a da Filosofia da

Linguagem e da Semiótica visual, como base para uma concepção de linguagem e de leitura

de imagens; e, no campo da Educação, os estudos sobre o Livro Didático buscando

compreender seu papel histórico na educação dos jovens.

A análise dos materiais selecionados para esta investigação se dará, portanto, à luz dos

referencias teóricos destes campos.

A seqüência investigativa naturalmente vivenciada durante o estudo levou-nos a

organizar esta tese em seis capítulos e 1 anexo.

O capítulo 1 – INTRODUÇÃO – dentro do qual já estamos e cujo propósito é

contextualizar o tema da tese, justificando-o e trazendo as questões de pesquisa e os objetivos

do trabalho, e apresentar os demais capítulos.

O capítulo 2- O LIVRO DIDÁTICO - apresenta uma reflexão inicial sobre o objeto

Livro Didático e o modo como se transformou no que representa hoje para a educação

escolar. Nesse percurso buscamos traçar um breve histórico deste instrumento de ensino no

cenário da educação brasileira, discutindo alguns de seus principais problemas, os diferentes

modos como tem sido tomado como objeto de estudos, e as políticas de produção, distribuição

e avaliação dos mesmos.

O capítulo 3 - SAÚDE E EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA - tem o propósito

de estabelecer uma aproximação com as discussões teóricas mais relevantes neste campo,

objetivando conhecer o modo como se desenvolveu historicamente o pensamento sobre o

significado do que chamamos de saúde e as diferentes perspectivas de Educação em Saúde

que as distintas visões de saúde têm produzido.

O Capítulo 4 - POR UMA CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM - dedica-se a

fundamentar teoricamente nossa concepção de linguagem e de leitura de imagens. O título

dado ao capítulo evidencia o trajeto filosófico escolhido para fundamentar e orientar a análise

dos materiais selecionados. Trazemos, inicialmente, o pensamento de Mikhail Bakhtin

buscando estabelecer um diálogo com outros teóricos sobre alguns conceitos importantes e

evidenciando algumas categorias do seu pensamento que nos fornecem argumentos para a

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análise e interpretação dos dados. Em seguida, uma incursão no campo da Semiótica das

Imagens traz o pensamento de Roland Barthes e de outros semioticistas buscando estabelecer

um diálogo entre suas idéias. Apresentamos ainda os resultados de um levantamento sobre os

principais aspectos considerados nos trabalhos atualmente desenvolvidos no campo dos

estudos sobre as imagens na educação em Ciências.

O capítulo 5 – CAMINHO DA PESQUISA – expõe nossas opções metodológicas

definindo as características da pesquisa e apresenta a análise do material selecionado.

Apresentamos inicialmente uma Análise Preliminar da Coleção Didática de Ciências

selecionada para o estudo, onde buscamos descrever os principais aspectos de seu projeto

gráfico e pedagógico e procedemos à análise das imagens presentes nos 4 volumes que

integram a coleção. Em seqüência anunciamos o recorte do corpus e propomos uma análise

focada nas imagens fotográficas da saúde, que se desenvolve a partir de uma reflexão teórica

sobre a fotografia e o modo como produz sentido, seguida de uma análise qualitativa das

mesmas em relação aos procedimentos de conotação das imagens e dos textos a elas

relacionados e que orientam para uma determinada visão de saúde.

O Capítulo 6 apresenta as CONCLUSÕES do trabalho.

O ANEXO traz informações completas do conjunto de imagens fotográficas referentes

à saúde, analisadas.

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2- O LIVRO DIDÁTICO

O livro didático faz parte da tradição escolar faz tempo, e quando o tomamos como

objeto de estudo o fazemos a partir da percepção de seu importante papel na dinâmica escolar.

Conforme temos argumentado desde a introdução desse trabalho, entendemos que o livro

didático é o mais importante material impresso do universo discursivo escolar, com forte

presença no cotidiano dos alunos influenciando sua formação intelectual e a sua construção

identitária, além de ser um aliado do professor e, muitas vezes, a única referência para seu

trabalho determinando os conteúdos a serem ensinados assim como o método de ensino.

Entendemos também que, sendo um artefato cultural, isto é, um objeto cujas ―condições

sociais de produção, circulação e recepção estão definidas com referência a práticas sociais

estabelecidas na sociedade‖ (MARTINS, 2006), o livro pode reproduzir alguns discursos que

se originam ou ocorrem em outros espaços discursivos.

É, portanto, diante destes argumentos que justificamos um olhar mais detido para

nosso objeto de estudo, e nos deparamos de início com questões das quais não escapamos de

tentar responder: o que é exatamente o livro didático, como ele surgiu e como se transformou

no que representa hoje no contexto escolar?

2.1. O OBJETO LIVRO DIDÁTICO

Buscar uma definição para livro didático não é simples como pode parecer a princípio.

Uma primeira dificuldade diz respeito à diversidade de modos como ele tem sido designado

ao longo do tempo e nas diferentes línguas e do fato de nem sempre ser possível explicitar as

características específicas que podem estar relacionadas a cada uma das denominações

(CHOPPIN, 2004. p.549). Essa última dificuldade decorre da existência de uma dinâmica

natural das línguas onde as palavras sobrevivem àquilo que denominavam incorporando

novos significados e sentidos ao seu uso. Afinal, a dicionarização da palavra é uma invenção

humana para tentar criar uma estabilidade de sentido dentro da língua. Entretanto, a língua

evolui historicamente e na prática viva da língua entre o locutor e o receptor, o uso da palavra

não obedece ao dicionário, ela é compreendida dentro de um contexto concreto preciso, e em

uma enunciação particular (BAKHTIN, 1986). Desse modo, as dimensões do uso as e

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características físicas que consideramos em um livro para chamá-lo de didático hoje, não

corresponde necessariamente às mesmas de outros tempos e de outros lugares.

Essa dificuldade é percebida pela pesquisadora Circe Bittencourt quando admite que

definir ‗livro didático‘ representa uma tarefa bem complexa, pois ―apesar de ser um objeto

bastante familiar e de fácil identificação, é praticamente impossível definí-lo‖

(BITTENCOURT, 2004a, p.471). A alternativa talvez seja criar atributos que possam

qualificá-lo e dessa maneira diferenciá-lo de outras ‗espécies‘ de livros. Dentro dessa

perspectiva, Marisa Lajolo entende que didático é ―o livro que vai ser utilizado em aulas e

cursos, que provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa

utilização escolar e sistemática‖ (LAJOLO, 1996, p.4).

2.2. O LIVRO DIDÁTICO E SUA HISTÓRIA

O ―livro didático‖ não nasceu ―livro didático‖ do modo como o compreendemos hoje.

Sendo um objeto cuja finalidade é o uso escolar, sua origem e evolução estão intimamente

relacionadas à origem e evolução da própria instituição Escola. Alain Choppin (2004) admite

que a dificuldade em determinar a natureza do livro didático, reside no fato de que sua origem

situa-se no entrecruzamento de três gêneros literários: a literatura religiosa, que contribuiu

com o método e a estrutura do catecismo; a literatura didática técnica ou profissional, que

entre os anos de 1760 e 1830 se apossou de algumas escolas européias e a literatura de lazer,

sejam aquelas de cunho moral, recreação ou vulgarização.

De acordo com a pesquisadora Marcia Abreu (2005), no Brasil, apesar de não haver

tipografias em seus três primeiros séculos de existência, havia circulação de livros pelo menos

a partir de meados do século XVIII. As pessoas que aqui viviam tinham a possibilidade de

solicitar a importação de livros, que era controlada rigorosamente pela censura lusitana

através de registros de solicitações e despachos. Entretanto, o fato de não haver impressão em

terras brasileiras, não significa que não houvesse produção literária nacional. Há registros de

obras que circularam como manuscritos desde o século XVII e de outras que foram impressas

em Portugal após percorrer um longo caminho que incluía a leitura por um censor, a busca por

uma impressora portuguesa que se interessasse pela publicação, e o retorno à censura para

obter a ―licença de correr‖ que autorizava a venda da obra. Após todo esse trâmite, o autor

ainda precisava voltar ao Brasil e cumprir as todas as exigências para a importação da própria

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obra. O processo era tão complicado que o livro podia demorar meses ou anos até conseguir

chegar em terras brasileiras.

Com a vinda da corte Portuguesa para o Brasil, surgiu a necessidade de poder

imprimir aqui os documentos referentes à legislação e à diplomacia e, em 13 de maio de 1808,

foi criada, por ordem de D. João VI, a Impressão Régia que também se destinava à publicação

de ‗todas e quaisquer outras obras‘.

Em busca da reconstrução dos caminhos percorridos pelos livros com o objetivo de

elucidar um pouco mais a história do livro e da leitura no Brasil, Macia Abreu (2003) analisa

os sistemas de censura de Portugal e do Brasil entre 1760 e 1826 com o objetivo de

identificar, através dos registros documentais das solicitações e das permissões para aquisição

de livros, quem eram os leitores do período e quais eram as suas preferências. Apesar das

dificuldades encontradas tanto na identificação das obras quanto na determinação de quem os

receberia, a autora conseguiu estabelecer uma lista significativa dos livros preferidos pelos

leitores que se encontravam em terras brasileiras. Sua busca gerou um conjunto de fontes

contendo textos filosóficos, políticos, históricos, ficcionais (que prefere chamar de belas-

letras, e se constituem em novelas, contos fantasiosos, peças de teatro etc.) que tiveram sua

entrada intensificada em nosso país, especialmente no Rio de Janeiro, após a vinda da corte

portuguesa.

Dentre os livros analisados pela autora, destacamos duas categorias que representam,

muito provavelmente, os precursores dos livros didáticos atuais: os tratados e os livros que

trazem a expressão ad usum. Estas obras, encomendadas entre 1769 e 1807, se caracterizam

por serem produzidas com o objetivo de conformar ou domesticar as leituras. Os tratados ou

tratados sobre a ―maneira correta de ler‖ são considerados por Abreu como manuais

preceptivos que determinavam três funções para a leitura: formar um estilo, instruir e divertir.

Nestes, são ensinados os métodos para um bom aproveitamento de uma leitura, como se toma

nota, como se estrutura um texto, como estudar a organização de livros, além da indicação dos

‗melhores autores‘, ou seja, os clássicos da Antiguidade Greco-latina. Já a partir de 1808 a

autora identifica 30 requisições do livro Horatius ad usum Delphini, livro inicialmente

destinado ―para uso do Delfim‖, ou seja, para a educação do filho de Luis XIV e, identifica

também requisições de outras obras contendo a expressão ad usum, in usum ou ad usum

scholae, cuja finalidade era a de educar a mocidade. Nesse período o Rio de Janeiro passava

por profundas mudanças culturais decorrentes da chegada da Corte e, após a expulsão dos

Jesuítas pelo Marques de Pombal, as obras ad usum eram recomendadas para as Aulas Regias

num esforço de se escolarizar a população.

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Um dos primeiros livros didáticos a circular no Brasil, de acordo com Regina

Zilberman (1996), deve ter sido uma tradução de uma obra francesa intitulada o Tesouro dos

meninos. Em 1818 a impressão Régia publicou Leitura para meninos (com reedições em

1821, 1822 e 1824), obra que mantinha a mesma linha pedagógica daquele primeiro livro, de

uma educação moral para os meninos bem jovens, além de conhecimentos relacionados à

geografia, cronologia, história de Portugal e história natural.

Em trabalho onde busca identificar os primeiros autores de compêndios e livros de

leitura no Brasil, a pesquisadora Circe Bittencourt (2004b) admite que um primeiro grupo de

autores brasileiros teria iniciado sua produção logo após a chegada da corte portuguesa no

Brasil, através da Impressão Régia. Entretanto, uma primeira ―geração‖ de autores nacionais é

identificada somente a partir de 1827 e suas contribuições estavam mais voltadas para a

organização dos cursos secundários e superiores que do ensino de ―primeiras letras‖. Esses

autores, homens pertencentes à elite intelectual e política da recente nação, preocupavam-se

com as questões da formação moral e ―estavam atentos aos textos que eram oferecidos aos

jovens leitores‖ (BITTENCOURT, 2004b. p.480). Alguns, inclusive, preocupavam-se com o

que poderia acontecer se as classes trabalhadoras se instruíssem; temiam que se envolvessem

com grupos revolucionários, afinal:

Tais autores possuíam [...] estreitas ligações com o poder institucional responsável

pela política educacional do Estado, não apenas porque eram obrigados a seguir os

programas estabelecidos, mas porque estavam ―no lugar‖ onde este mesmo saber era

produzido [...] O ―lugar‖ de sua produção situava-se junto ao poder e realizava-se

para consolidar o poder instituído por intermédio dos colégios destinados à

formação das elites, dialogando com intelectuais e políticos responsáveis pela

política educacional. (Idem. p.481)

Somente a partir 1880 uma segunda ―geração‖ de autores nacionais, motivada por um

novo cenário político e um novo conceito de ―cidadão brasileiro‖, investe na constituição do

saber da escola elementar que deveria, então, alcançar outros setores da sociedade. Esses

autores, originários de outras esferas sociais, não estavam preocupados com a formação da

elite, a maioria tinha experiência pedagógica em cursos primário, secundário ou escolas

normais de formação de professores, seus livros eram escritos a partir de suas aulas e, como

novidade, passaram a trazer exercícios e atividades pedagógicas ao final de cada ―lição‖.

Estes livros foram muito bem aceitos e seu sucesso de venda se justificava pelo fato de que,

por ser voltado para um nível de ensino onde os professores sem formação específica

deveriam aprender na própria prática, ―o livro didático representava ‗o método de ensino‘,

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além de conter o conteúdo específico da disciplina‖ (Idem, p 483). Parece que aqui

identificamos a origem de algumas funções que, segundo Alain Choppin (2004), os livros

didáticos mantêm até os dias atuais: a função referencial, de suporte privilegiado dos

conteúdos educativos, e uma função instrumental, ou seja, de colocar em prática os métodos

de ensino e de aprendizagem. De acordo com Selles & Ferreira (2004), ―no trabalho

cotidiano, os professores descobrem nos livros não somente os conteúdos a serem ensinados,

mas também uma proposta pedagógica que passa a influenciar de modo decisivo a ação

docente‖ (p.104).

2.3. O LIVRO DIDÁTICO E SEU AUTOR

O livro didático, desde sua origem, tem uma dupla destinação: professor e aluno.

Entretanto, inicialmente, ele parecia estar mais direcionado ao professor, que o transcrevia ou

ditava partes de seus textos durante as aulas, do que aos alunos. Somente a partir da segunda

metade do século XIX as editoras começaram a se preocupar em adequá-lo para chegar às

mãos dos alunos surgindo, assim, as primeiras dificuldades e especificidades de tal tarefa: as

ilustrações começam a se tornar uma necessidade e surgem novos ‗gêneros didáticos‘, como

‗livros de leitura‘ e ‗livros de lições de coisas‘ (BITTENCOURT, 2004b).

Para a pesquisadora Marisa Lajolo, como é através do professor que o livro didático

chega às mãos do aluno, uma manifestação desta dupla destinação pode ser constatada na

existência de ‗livro do professor‘.

O livro do professor precisa interagir com seu leitor-professor não como a

mercadoria dialoga com seus consumidores, mas como dialogam aliados na

construção de um objetivo comum: ambos, professores e livros didáticos, são

parceiros em um processo de ensino muito especial, cujo beneficiário final é o

aluno.‖ (LAJOLO, 1996, p.4)

Mais que um exemplar que contém a resolução dos exercícios, o ‗livro do professor‘

costuma ser um espaço de diálogo entre o professor e o autor, onde o último expõe seus

pressupostos teóricos que embasam tanto a seleção dos conteúdos quanto as questões relativas

à educação e aprendizagem. Mas quem é esse autor?

Considerando o livro didático como um gênero de discurso, ou seja, como um tipo

relativamente estável de enunciado (BAKHTIN, 1997), podemos pensar na questão da autoria

partindo do pensamento Bakhtiniano de que o gênero do discurso ―é determinado pelo objeto,

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pela finalidade e posição do enunciado‖ (p.394), ou seja, quem fala e para quem fala. O autor

fala a partir de seu horizonte social para um destinatário que pertence a um horizonte social

presumido por aquele; isto implica que ―ver e compreender o autor de uma obra significa ver

e compreender outra consciência: a consciência do outro e seu universo, isto é, outro sujeito

(um tu)‖ (p.338).

Bakhtin considera que o livro é o ato de fala impresso e, portanto, um elemento da

comunicação verbal.

[...] o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em função das

intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor

como as de outros autores: ele decorre, portanto, da situação particular de um

problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discurso escrito é

de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele

responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções

potenciais, procura apoio, etc. (BAKHTIN, 1986: p.123)

Um autor não cria uma idéia a partir do nada, ele apenas organiza idéias e

conhecimentos já existentes no mundo, de um modo singular, a partir de seus próprios

horizontes, segundo suas ideologias e sua linguagem, tendo em vista seu interlocutor

potencial. No processo de autoria, ele faz opções do que deve e/ou precisa ser dito, do que

deve e/ou precisa ser calado, abrindo seu texto para algumas vozes e silenciando outras. Os

conteúdos tratados nos livros didáticos e as opções filosóficas e metodológicas manifestas na

abordagem destes conteúdos são resultado das escolhas deste autor. No produto final, as

múltiplas vozes são reorganizadas de modo que a ideologia predominante é a do autor com

sua visão de mundo e sua proposta pedagógica para a aprendizagem daqueles conteúdos.

Durante o processo de criação de um texto para um livro didático, o autor se preocupa

objetivamente com aspectos referentes à correção conceitual dos conteúdos tratados e a

adequação da linguagem. Estas escolhas são bem conscientes e representam aspectos

facilmente criticáveis e corrigíveis em uma obra. Mas, o mesmo texto é portador de outras

mensagens não tão evidentes como as primeiras, e que dizem respeito ao modo como esse

autor concebe ciência, educação, ambiente, saúde e etc. Estas mensagens enviesam o texto e,

muitas vezes, trazem concepções errôneas em relação ao tratamento dado ao conhecimento

científico como algo pronto e acabado, ou a um enfoque ambiental fragmentado, ou ainda a

um tratamento metodológico que concebe o aluno como um ser passivo, depositário de

informações desconexas e descontextualizadas (AMARAL & MEGID NETO, 1997).

A questão da autoria se torna mais complexa em situações de múltipla autoria ou no

caso de obras institucionais, quando a editora, ou um grupo editorial, autoram um livro. O

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mercado editorial sempre acompanhou as mudanças nas políticas de livro didático,

principalmente porque ―a comercialização do livro didático sempre esteve dependente do

Estado, quer pelo seu poder de aprovação quer como comprador, condição que conduziu os

editores a estratégias diversas de aproximação com o poder educacional‖ (BITTENCOURT,

2004b, p.490). Comercializar livros didáticos tornou-se, ao longo do tempo, um negócio

extremamente lucrativo para as editoras e, principalmente a partir do surgimento do Programa

Nacional do Livro Didático - PNLD, em 1985, que inclui a figura dos avaliadores com poder

de recomendar ou não uma obra, os autores passaram a ser pressionados pelos editores a

adequarem seus textos aos parâmetros determinados por esse programa.

Esta pressão das editoras tem conseqüências na questão da autoria das obras. Circe

Bittencourt (2004b) adverte que, a partir da década de 1990, o papel desse autor tem se

modificado bastante, tanto em consequência das inovações tecnológicas que incluem novos

profissionais em sua produção como copidesques, revisores de textos e pesquisadores

iconográficos, além de outros, o que pode ser constatado nas fichas técnicas dos livros, quanto

no fato de o livro didático ter se tornado uma mercadoria bastante rentável; o que requer uma

agilização em sua produção e um padrão de uniformidade que acaba por diluir a figura do

autor no produto final que, em última análise, se constitui em uma integração de textos de

diferentes autores habilmente arranjados por mãos de técnicos especializados.

Aliás, essa dificuldade em se determinar a autoria de um livro didático não é privilégio

dos novos tempos, há indícios de que a partir de meados do século XIX ―passou a existir a

prática de autores renomados assinarem obras feitas por auxiliares desconhecidos, tornando-se

uma espécie de marca registrada e, em situação oposta, existiram (ou existem) autores com

pseudônimos, escondendo sua identidade" (BITTENCOURT, 2004b, p.486). Essa constatação

nos coloca diante de um problema: Se não há um autor quem é o responsável pela seleção de

conteúdos, pelas opções teórico-metodológicas e ideológicas do livro? Afinal, ―Se através do

livro didático o aluno vai aprender, é preciso que os significados com que o livro lida sejam

adequados ao tipo de aprendizagem com que a escola se compromete‖ (LAJOLO, 1996. p.4).

Da mesma forma que o livro didático não deve conter erros conceituais, ele também

não pode construir seus significados a partir de valores éticos socialmente indesejáveis.

Contudo, algumas vezes, erros ou valores éticos inadequados insinuam-se de forma velada e

chegam às mãos e cabeças dos alunos. Nessa situação torna-se claro o importante papel que

tem o professor como mediador desta relação entre livro e aluno. Uma posição firme do

professor diante da constatação de um erro conceitual ou orientação moral inadequada de um

livro, esclarecendo para a turma que aquilo que o livro diz não está correto, ou estimulando o

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debate sobre a possibilidade de diferentes posturas diante de uma realidade, ajuda a

desmistificar a imagem do livro como depósito de verdades inquestionáveis, e contribui na

formação de indivíduos mais críticos; o que é um dos grandes objetivos da escola.

Entretanto, sabemos que nem sempre essa relação de competência e autonomia se

estabelece entre professor e livro. Lajolo (1996) alerta para o fato de que professores mal

preparados e mal remunerados não têm condições de fazer um uso crítico dos materiais

pedagógicos. Nesse sentido, não bastam ações de melhoria da qualidade dos livros; é preciso

investir na qualificação profissional do educador, pois ―não há livro que seja à prova de

professor: o pior livro pode ficar bom na sala de um bom professor e o melhor livro desanda

na sala de um mau professor. Pois o melhor livro[...] é apenas um livro, instrumento auxiliar

da aprendizagem‖ (p.6) .

Há situações onde se percebe uma nítida dependência do livro didático por parte do

professor, onde este se apresenta como uma insubstituível muleta, sem a qual o professor não

sabe o que ensinar (SILVA, 1996). Nessa situação, ele praticamente determina o conteúdo a

ser ensinado e o encadeamento de temas proposto pelo autor é seguido pelo professor

acriticamente. Nilson José Machado (1996) acrescenta que

[...] tal encadeamento ora tem características idiossincráticas, ora resulta da

cristalização de certos percursos, que de tanto serem repetidos, adquirem certa

aparência de necessidade lógica; nos dois casos, a passividade do professor torna um

pouco mais difícil a já complexa tarefa da construção da autonomia intelectual dos

alunos. (p.23)

Historicamente,o livro didático se consagrou como a forma mais eficiente de

apresentar uma proposta curricular aos professores e alunos, devido ao poder que tem sobre as

práticas curriculares (LOPES, 2007, p. 220). No caso específico dos livros didáticos de

ciências desde a década de 1950 o programa é praticamente o mesmo, com os estudos

ordenados da seguinte forma: Água, ar e solo na 5ª série (ou 6º ano), Animais e plantas na 6ª

(7º ano), corpo humano na 7ª (8º ano) e fenômenos físicos e químicos na 8ª série (9º ano)

(WORTMANN, 2003).

Contudo, essa forma de utilização do livro, muitas vezes pode representar uma escolha

(bem consciente) do professor

[...] uma vez que parece muito mais fácil entrar em sintonia com um autor que trilha

caminhos conhecidos, que não cria "dificuldades", não aumenta a carga de trabalho

do já sobrecarregado professor, oferecendo, pelo contrário, inúmeras facilitações de

cunho supostamente pedagógico. (Idem, p.23)

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Este aparente ‗conforto‘ tem conseqüências que o professor, muitas vezes, não é capaz

de dimensionar, inclusive contribuindo para a desvalorização profissional de sua própria

categoria. SELLES e FERREIRA (2004), refletindo sobre as raízes históricas do vínculo entre

a formação dos professores e os livros didáticos afirmam que ―o empobrecimento econômico

e cultural dos professores da educação básica – e que se reflete em um desprestígio social

cada vez maior da categoria – tem sido acompanhado por uma crescente dependência do livro

didático‖ (p. 104).

2.4- O LIVRO DIDÁTICO COMO OBJETO DE ESTUDO

Questões relativas à produção, distribuição, qualidade e usos dos livros didáticos, têm

motivado inúmeras pesquisas sobre esse objeto. A preocupação com a garantia de acesso ao

livro didático e com sua qualidade se justifica pela compreensão do importante papel que ele

desempenha na escola. Entretanto, apesar de identificarmos políticas públicas voltadas para o

controle da sua qualidade e da distribuição pelo menos desde 1929 (BRASIL. 2008), as

pesquisas acadêmicas sobre a qualidade das coleções didáticas, identificando seus problemas

e apontando soluções, somente se intensificaram nas últimas décadas (NETO e

FRACALANZA, 2003).

O aumento do interesse pelo livro didático como objeto de pesquisas parece ter estreita

relação com o aumento do número de escolas e de alunos na rede pública de ensino e o

consequente aumento da quantidade de títulos novos e das tiragens de livros didáticos,

principalmente a partir da década de 1980. Daí em diante ―o assunto não abandona mais a

ribalta, e permanece em cartaz em diferentes espetáculos, o mais das vezes no papel de vilão

da história. Mas talvez por razões erradas‖ (LAJOLO. 1996, p.1).

Diferentes tendências de abordagens das pesquisas sobre o Livro Didático podem ser

percebidas ao longo do tempo desde as de cunho sócio-histórico que privilegiam a denúncia

do caráter ideológico dos textos, iniciadas já na década de 1960 e que se mantêm até hoje, até

as mais recentes voltadas para reflexões de cunho epistemológico dos saberes e das relações

entre políticas públicas e a produção didática.

O fato de o livro didático ser um objeto de múltiplas facetas, já que pode assumir

diferentes funções dependendo das condições, lugar, época ou situação de uso, possibilita que

as pesquisas o tomem das mais diferentes formas: como produto cultural, como mercadoria do

mundo editorial dentro da lógica de mercado capitalista, como suporte de conhecimentos e

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métodos de ensino ou como veículo de valores ideológicos ou culturais (BITTENCOURT,

2004a).

Há alguns estudos que procuram mostrar como os livros didáticos absorvem ou não as

recomendações das reformas curriculares (MATE, 2004). Outros buscam analisar o modo

como os professores fazem uso destes. Outros ainda, numa linha de pesquisa mais recente,

buscam compreender o modo como os diferentes modos semióticos presentes nos livros,

realizam sentidos. Dentro desta última perspectiva, o livro didático atual é visto como um

texto híbrido semiótico (MARTINS, 2007), pois se utiliza de diferentes modos semióticos de

representação e interpretação, que são culturalmente construídos. Em suas páginas os textos

verbais, esquemas, desenhos, gravuras, fotografias, mapas, gráficos e tabelas imbricam essas

diferentes linguagens (verbal, matemática e imagética) na diagramação do texto criando um

modo de leitura bastante complexo. Essa articulação semântica que une texto e imagem tem

merecido a atenção dos pesquisadores.

Todos os componentes do livro didático devem estar em função da aprendizagem

que ele patrocina. Como um livro não se constitui apenas de linguagem verbal, é

preciso que todas as linguagens de que ele se vale sejam igualmente eficientes. O

que significa que a impressão do livro deve ser nítida, a encadernação resistente, e

que suas ilustrações, diagramas e tabelas devem refinar, matizar e requintar o

significado dos conteúdos e atitudes que essas linguagens ilustram, diagramam e

tabelam. (LAJOLO, 1996. p.4)

É dentro dessa perspectiva que nossa pesquisa se insere e busca contribuir com novas

reflexões e conhecimentos para esse campo de investigação.

2.5- O LIVRO DIDÁTICO E AS POLÍTICAS DE PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E

AVALIAÇÃO.

A presença do livro didático dentro das escolas brasileiras, assim como o controle de

sua qualidade, tem sido preocupação de órgãos governamentais pelo menos desde a década de

1930, quando da criação de um órgão específico para legislar sobre políticas do livro didático,

o Instituto Nacional do Livro - INL. Desde então, através de diferentes medidas, as políticas

públicas têm se orientado no sentido de garantir ao aluno o acesso a materiais didáticos de

qualidade. Atualmente o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD, sob a

responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, coordena as

ações referentes à avaliação, seleção e distribuição dos livros didáticos nas escolas de ensino

fundamental. De acordo com o MEC o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – bem

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como o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa

Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA) – estão

disponíveis para todas as escolas públicas brasileiras (Portal MEC).

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do Governo Federal tem garantido a

distribuição das coleções didáticas previamente selecionadas pelos professores, em todas as

escolas do ensino fundamental e médio e, apesar de muitas vezes este material ser

subutilizado pelos professores por julgarem-no inadequado ao seu perfil de alunos, o livro

didático está fortemente presente no universo discursivo destes jovens contribuindo

fortemente para sua formação.

O PNLD é, segundo Circe Bittencourt (2004.a), o maior programa de livro didático do

mundo. Ele foi criado por decreto em 1985, em substituição ao Plidef (Programa do Livro

Didático para o Ensino Fundamental desenvolvido pelo Instituto Nacional do Livro –INL),

introduzindo algumas mudanças importantes, tais como: indicação do livro pelo professor,

reutilização do livro (abolindo os descartáveis), extensão da oferta atingindo outras séries das

escolas públicas e centralização do controle do processo decisório para a FAE (Fundação de

Assistência ao Estudante). Em 1996 é iniciado o processo de avaliação pedagógica dos livros

de Português, Matemática e Ciências inscritos para o PNLD. Os livros de História e Geografia

somente foram inseridos nesse processo avaliativo em 1997 e 1999, respectivamente

(LETRA, 2009). Com a extinção da FAE em 1997, a responsabilidade pela política do PNLD

é transferida para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE do MEC.

Interessa-nos particularmente conhecer com mais detalhes o Guia de Livros Didáticos

de 2008 para as Series/anos Finais do Ensino Fundamental, por ser a origem da coleção que

nos propomos a analisar neste trabalho.

O Guia de Livros Didáticos 2008 é composto por seis volumes: Apresentação,

Ciências, Geografia, História, Língua Portuguesa e Matemática. O Guia tem a intenção de ser

um norteador para a escolha, feita pelo professor, do livro didático que a escola pretende

adotar no ano seguinte, conforme podemos perceber no trecho, destacado do volume de

Apresentação, a seguir:

No que se refere às obras que constam do Guia, os textos apontam os aspectos

significativos de cada uma delas, como forma de orientar o professor quanto à

escolha de uma ou outra obra, tendo em vista a proposta pedagógica da escola.

(BRASIL, 2007a, p. 7)

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A adoção de um do livro por uma escola tem vigência de três anos, ou seja, ele deverá

ser utilizado pelos alunos ao longo de três anos e só poderá ser substituído no próximo PNLD.

Daí a importância das muitas recomendações feitas neste Guia, para que os professores

evitem escolhas puramente individuais e irrefletidas que poderiam comprometer o trabalho de

toda a equipe da escola.

Os cinco volumes do Guia 2008 correspondentes às disciplinas, ou componentes

curriculares, contém uma apresentação específica refletindo sobre as especificidades da área,

os critérios adotados para avaliação das coleções, um quadro geral das coleções e as resenhas

que possibilitam ―conhecer um pouquinho de cada obra consultando o Sumário da Coleção e,

ainda, ter uma idéia global da avaliação de cada uma delas por meio da leitura da Síntese

Avaliativa da Coleção‖ (BRASIL, 2008b, p.12)

A apresentação do Guia de Ciências é introduzida por uma ‗Carta ao professor‘ onde é

apresentado o percurso do processo de análise dos livros didáticos no âmbito do Programa

Nacional do Livro Didático – PNLD, seguida por uma série de textos com os seguintes

títulos: ‗A escolha dos livros didáticos nas escolas‘; ‗O processo de avaliação do livro

didático‘; ‗O ensino de Ciências e o livro didático‘; ‗Aprender pesquisando‘; ‗A pesquisa e o

envolvimento com a linguagem‘; ‗Aprender o que é ciência‘; ‗Os conteúdos do ensino de

ciências‘; ‗Ética e cidadania – formação de sujeitos participativos‘; ‗Função do professor no

ensino e aprendizagem de ciências‘; ‗Considerações finais e recomendações‘ e ‗Referências‘.

Os conteúdos desses textos estão obviamente comprometidos com alguns referenciais teórico-

filosóficos que norteiam as concepções de ensino, de ensino de ciências e de aprendizagem da

equipe responsável pela avaliação.

Os critérios utilizados pela equipe de avaliação da área de Ciência, de acordo com o

Guia de Ciências, foram: proposta pedagógica; conhecimentos e conceitos; pesquisa,

experimentação e prática; cidadania e ética; ilustrações diagramas e figuras e, manual do

professor.

O critério ‗ilustrações, diagramas e figuras‘, que remetem mais objetivamente ao

nosso objeto de pesquisa, examinam

[...] a validade das ilustrações para a construção correta dos conceitos

propostos; a utilização de recursos variados capazes de complementar o

trabalho com os conhecimentos abordados, apresentando-se créditos às

fontes e trazendo informações pertinentes à origem das ilustrações; a

diagramação, com inclusão de esquemas, gráficos, tabelas e outros recursos

capazes de introduzir os alunos à linguagem científica e de estimular e

motivar os alunos para um envolvimento ativo com os livros. (op.cit., p. 23)

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O processo de avaliação é constituído de várias etapas, explicitadas no Edital de

convocação do PNLD/2008 elaborado pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2011), que

definem critérios de caráter eliminatório e outros de qualificação. Os itens de avaliação

referentes a cada um desses critérios estão organizados no Quadro 1, onde negritamos alguns

cujo teor nos interessa mais diretamente em função da especificidade de nosso objeto de

estudo:

Quadro 1: Critérios de Avaliação dos Livros de Ciências no PNLD 2008

Critérios Aspectos Itens a serem avaliados

E

L

I

M

I

N

T

Ó

R

I

O

S

Aspectos

Teórico-

metodológicos

veicular informação correta, precisa, adequada e atualizada;

evitar confusões terminológicas, tomando o cuidado de explicitar

termos que têm diferentes significados e contextos;

privilegiar a apresentação da terminologia científica, fazendo uso,

quando necessário, de aproximações adequadas, sem, no entanto, ferir o

princípio da correção conceitual;

ser coerente com a proposta pedagógica expressa no manual do

professor;

estar em consonância com conceitos atuais do conhecimento científico e

da teoria pedagógica;

relacionar o conhecimento construído com o historicamente acumulado,

considerando que a descoberta tem um ou mais autores e um contexto

histórico que deve ser enfatizado e trabalhado;

garantir o acesso a conceitos fundamentais para cada etapa de

escolaridade, respeitando-se o princípio da progressão;

veicular ilustrações adequadas, que induzam à construção de

conceitos corretos;

utilizar recursos (cores, escalas, etc.) que assegurem a formação

correta do conceito na apresentação das ilustrações;

assegurar que os experimentos descritos são factíveis, com resultados

confiáveis e interpretação teórica correta;

estimular a compreensão, exigindo operações intelectuais adicionais e

habilidades de expressão, interpretação e extrapolação de resultados, a

análise e a síntese.

Preceitos Éticos

incentivar o respeito às diferenças sociais, étnicas, de gênero;

apresentar situações que não firam leis, normas de segurança ou que

desrespeitem os direitos do trabalhador e do cidadão;

evitar estereótipos e associações que depreciem grupos étnicos ou

raciais, ou que desvalorizem a contribuição que todos os diferentes

segmentos da comunidade oferecem;

contemplar as diversidades geográfica, social e política na exploração

dos contextos locais ou específicos;

incentivar uma postura de respeito, conservação e manejo correto do

ambiente.

Garantia da

evitar experimentos com fogo e, quando necessários, devem ser

acompanhados de recomendações expressas de supervisão de adultos,

com instruções precisas de como realizar montagens e de como lidar

com os combustíveis envolvidos;

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integridade física

de alunos e

professores

evitar experimentos com substâncias químicas concentradas, em especial

ácidos e bases, bem como substâncias tóxicas ou de elevada

periculosidade, como metais pesados e substâncias de efeito neuro-

tóxico.

Além desses cuidados, sugestões de experimentos ou demonstrações que

envolvam a manipulação de sangue humano, tal como tipagem sangüínea e

confecção de esfregaços a serem levados ao microscópio não podem ser

apresentadas.

Q

U

A

L

I

F

I

C

A

Ç

Ã

O

Aspectos

Teórico-

metodológicos

na seleção de conceitos, textos e atividades, considerar que o

desenvolvimento cognitivo dos alunos se caracteriza por estruturas

diferenciadas de pensamento;

valorizar a manifestação pelo aluno e a identificação pelo professor do

conhecimento que o aluno detém sobre o que vai se ensinar;

favorecer o reconhecimento, pelo aluno, de que a construção do

conhecimento é um empreendimento laborioso e que envolve diferentes

pessoas e instituições, às quais se deve dar o devido crédito;

contemplar a iniciação às diferentes áreas do conhecimento científico,

buscando um equilíbrio com a seleção de aspectos centrais em física,

astronomia, química, geologia, ecologia e biologia (incluindo zoologia,

botânica, saúde, higiene, fisiologia e corpo humano);

evitar a segmentação entre os volumes da coleção, integrando o

tratamento de fatos, conceitos, valores e procedimentos através de uma

coerência de princípios;

considerar que ensinar ciência é estimular o fazer ciência, utilizando o

método científico como procedimento para a construção do

conhecimento;

propiciar situações, tanto coletivas como individuais, para observações,

questionamentos, formulação de hipóteses e atividades de

experimentação, de modo a estimular a utilização de procedimentos

científicos para a construção do conhecimento;

buscar a sistematização de conhecimentos através de textos,

desenhos, figuras, tabelas e outros registros característicos das

áreas de Ciências;

estimular o emprego (construção e análise) de recursos de

comunicação comumente utilizados em Ciências, como tabelas,

diagramas e gráficos.

estimular a leitura de textos complementares, revistas especializadas e

livros paradidáticos;

propor o uso de computadores para pesquisa na Internet, simulações,

argumentação e registro;

valorizar a comunicação da ciência, utilizando diferentes propostas

(seminários, teatro, painéis, exposições, experimentos), linguagens e

formatos apropriados para o público ao qual se dirige.

Abordagem de

aspectos sócio-

culturais

realizar o debate sobre a ética da ciência e as relações entre

conhecimento e poder, abordando de forma sistemática as repercussões,

relações e aplicações do conhecimento;

promover situações que suscitem entre os alunos troca de opiniões,

debates, trabalhos cooperativos; incentivem o convívio social e o

respeito ao outro;

considerar uma visão humanística da ciência;

enfatizar temas atuais, objetos de debate na sociedade, estabelecendo

relações entre conhecimento científico e exercício da cidadania.

Aspectos

selecione adequadamente as ilustrações (fotos, esquemas, gráficos,

tabelas desenhos, molduras, pano de fundo, etc.) e apresente uma

diagramação que encoraja a leitura;

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(Quadro elaborado a partir das informações encontradas em BRASIL, 2011, p 33-37)

Espera-se, portanto, que os livros que constam no Guia do livro didático 2007 do

PNLD atendam aos critérios estabelecidos pela equipe avaliadora de Ciências. Nosso olhar

para a coleção que nos propomos analisar, doravante estará norteado também por esses

critérios.

Editoriais/Visuais apresente citação de fontes, locais, datas e outras informações

necessárias ao crédito das ilustrações (fotos, esquemas e desenhos).

Manual do

Professor

valorize o papel do professor como um problematizador e não um

simples facilitador ou monitor de atividades;

proponha outras atividades e experimentos, além dos indicados no livro;

observe e justifique devidamente as eventuais supressões de abordagem

de qualquer área do conhecimento científico, indicando uma

bibliografia que permita compensar tais lacunas;

proponha a integração das linguagens, especialmente as midiáticas e o

uso de computadores para pesquisa na Internet, simulações,

argumentação e registro;

apresente referências bibliográficas de qualidade e facilmente

acessíveis, estimulando o professor para leituras complementares;

apresente textos e/ou informações complementares sobre os conteúdos

tratados.

apresente propostas de avaliação condizentes com os pressupostos

teórico-metodológicos que nortearam a proposição das atividades e

seleção dos conteúdos do livro do aluno.

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3. SAÚDE E EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA

A escola, sem dúvida, desempenha um importante papel na formação dos cidadãos.

Contudo, já argumentamos que, historicamente, ela tem assumido funções que ultrapassam

sua ingênua pretensão de ser um espaço de disseminação de conhecimentos com neutralidade

ideológica. Vimos que, em vários momentos ela tem servido a interesses dos setores sociais

dominantes, mediando a constituição de consensos ideológicos que contribuem para a

formação de cidadãos ‗formatados‘ para atender a um determinado modelo econômico

vigente. Quando nos propomos a refletir sobre a educação em saúde que se faz dentro deste

espaço, reconhecemos que a mesma contribui para a formação deste cidadão aluno e que,

obviamente, também está submetida a estas forças sociais.

A análise histórico-crítica da educação em saúde no Brasil apresentada na literatura

demonstra que, desde o século XIX, a medicalização da vida social vinculava-se a

um controle do Estado sobre os indivíduos, no sentido de manter e ampliar a

hegemonia da classe dominante. (MOHR & SCHALL, 1992, P.199)

Entendemos que as estratégias de manutenção da hegemonia se manifestam de muitas

formas diferentes, através dos diferentes discursos que permeiam o ambiente escolar. E o livro

didático, como um importante material impresso do universo discursivo escolar, não está livre

desta influência que pode se manifestar, por exemplo, quando faz opção por uma determinada

abordagem de saúde e não outra.

Falar de saúde a partir da escola não é uma tarefa simples, exige que transitemos ora

no campo da saúde, identificando as principais discussões sobre o que se tem pensado sobre

saúde ao longo da história humana, ora no campo na educação, buscando entender como essa

produção chega até o sistema oficial de ensino e dialoga com as demandas típicas da educação

escolar.

O entendimento do que é saúde tem se modificado bastante ao longo dos tempos. O

modo como se conceitua saúde num determinado momento histórico determina o papel do

indivíduo em relação à sua própria saúde e gera diferentes abordagens no campo educacional.

Neste capítulo, buscaremos compreender qual conceito de saúde tem norteado essas

diferentes concepções da educação em saúde. Para tanto, será preciso visitar a história e

identificar as diferentes concepções de saúde/doença que prevaleceram em determinados

períodos e em determinadas culturas, para que, entendendo suas origens, possamos especular

sobre o significado de sua permanência no momento atual.

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3.1. O CONCEITO DE SAÚDE ATRAVÉS DA HISTÓRIA

A busca por um conceito mais atual de Saúde nos leva necessariamente a uma reflexão

sobre as diferentes concepções que historicamente foram construídas sobre o termo. Na

verdade, torna-se fundamental compreender o modo como distintos olhares sobre saúde e

doença desenvolvidos em diferentes momentos históricos, podem ainda exercer influencia e

mesmo alicerçar atuais concepções de saúde.

Gil Sevalho (SEVALHO, 1993), em um ensaio teórico, examina a possibilidade de

uma história das representações de saúde e doença como elementos da ordem cultural que

permanecem no tempo longo. Seu olhar para o passado se dá no viés da ordem simbólica que

julga ser capaz de refletir as representações coletivas. Utiliza aportes teóricos da chamada

história nova dos Annales, em sua perspectiva mais recente conhecida como história das

mentalidades, ou história das culturas, com abordagem na ―longa duração‖ para o tempo

histórico, em uma busca das permanências em lugar de mudanças. O autor entende que ―ao

nível das mentalidades na longa duração, as permanências são mais evidentes do que as

pretensas mudanças‖ (p.355). Isso pode ser percebido, por exemplo, quando constatamos que

o desenvolvimento da astrologia influenciou todo o entendimento da ocorrência de epidemias

dando a elas um sentido cósmico desde a antiguidade até o final do século XVIII quando as

influências passaram a designar nossas gripes.

Moacyr Scliar (SCLIAR, 2007), em um ensaio onde procura descrever a evolução

histórica do conceito de saúde influenciada pelos contextos culturais, sociais, políticos e

econômicos de cada época, inicia seus argumentos destacando a polissemia do conceito de

saúde, ou seja, que saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. O que pode ser

considerado como doença em uma cultura não o é para outra, ou não o é para a mesma

civilização em épocas diferentes. O autor lembra que houve época, por exemplo, em que a

masturbação foi considerada como uma doença capaz de gerar distúrbios mentais e

desnutrição pela perda de proteína contida no esperma. Até mesmo o desejo de fuga dos

escravos foi visto, em determinado momento histórico, como uma enfermidade mental - a

drapetomania. Real ou imaginária o fato é que a doença sempre acompanhou o homem em

sua trajetória como espécie e as pesquisas paleontológicas são capazes de nos dar informações

sobre patologias que afetaram as antigas civilizações como a varíola que deixou marcas em

uma múmia egípcia, por exemplo.

Scliar desenvolve seu artigo descrevendo as diferentes formas que a humanidade

conceitua saúde e doença desde os mais remotos tempos e constrói uma narrativa que parte de

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uma visão mágico-religiosa evoluindo para uma visão mais racional de saúde/doença,

passando por diferentes estágios intermediários onde estas duas visões se mesclavam.

Inicialmente, na Idade Antiga, predominou uma concepção mágico-religiosa. Para os

antigos hebreus a doença resultava da ação de forças alheias ao organismo, que neste se

introduziam por causa do pecado ou de maldição. A doença era como um sinal da cólera

divina diante dos pecados. Essa conotação pecaminosa se evidenciava, por exemplo, na

Lepra, enfermidade que proclamava o pecado, pois surgia do contato entre corpos. Já os

Judeus, seguindo seus preceitos religiosos (do Torá ou do Pentateuco) relativos à alimentação,

privavam-se de determinados tipos de alimento como estratégia de manutenção da coesão do

grupo e diferenciação de outros grupos humanos, o que no fim das contas funcionava na

prevenção de doenças transmissíveis como a hepatite e a triquinose, por exemplo; doenças

transmitidas respectivamente por moluscos comestíveis e pela carne de porco, alimentos

evitados pelos Judeus.

Em outras culturas do mesmo período histórico a doença era causada por maus

espíritos. Os xamãs e feiticeiros se incumbiam de expulsá-los do corpo das pessoas. A morte

seria resultado de maldição de inimigo ou de conduta imprudente, como comer um animal

tabu, por exemplo.

Entre os Gregos, Scliar identifica uma concepção intermediária entre a mágico-

religiosa e um modelo mais natural. A doença estava vinculada a divindades como Asclépius

(da medicina), Higieia (higiene) e Panacea (cura), mas a cura se dava por meios naturais e não

ritualísticos, através do uso de plantas e métodos naturais.

Para o autor, é ainda entre os Gregos da antiguidade que se estabelece uma visão mais

racional de saúde e doença, como se pode constatar em um texto atribuído a Hipócrates,

considerado o Pai da Medicina que diz: ―A doença chamada sagrada não é, em minha opinião,

mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem

supostamente divina reflete a ignorância humana‖. Este mesmo filósofo grego postulou a

existência de quatro fluidos (humores) cujo equilíbrio determinaria a saúde: bile amarela, bile

negra, fleuma e sangue. Também foi pioneiro em estabelecer uma visão epidemiológica do

problema saúde-enfermidade e a considerar a existência de fatores ambientais ligados à

doença, surgindo daí a idéia de Miasma – emanações de regiões insalubres capazes de causar

doenças.

No Oriente a evolução do conceito foi diferente, mas de certo modo análoga à

concepção hipocrática. As ―forças vitais‖ que existem no corpo se harmonizam (saúde) ou

não (doença), e o uso da acupuntura e ioga restauram esse fluxo de energia.

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A Idade Média Européia marca o retorno da visão mágico-religiosa da saúde. O Clero,

como grupo social dominante, tornava as ações do governo mais voltadas para o espírito que

para o corpo. A doença volta a ser resultado do pecado e a cura uma questão de fé.

Proclamava-se a temperança no comer e no beber, a contenção sexual e o controle das paixões

para manter a saúde. O cuidado dos doentes estava entregue a ordens religiosas e o hospital

era um lugar de abrigo e conforto e não de cura.

A Idade Moderna inaugura uma visão racional de saúde onde a doença é o resultado

da ação de agentes externos ao organismo. Para o suíço Paracelsus (1493-1541) a doença

estaria nos órgãos e não nos humores e, se os processos do corpo são químicos, os melhores

remédios para expulsar a doença seriam também químicos. Scliar lembra que contra essa

corrente havia movimentos de aceitação da doença como caminho para entender a vida e

aceitar a morte, como o movimento romântico de aceitação da morte por tuberculose entre os

músicos e poetas, por exemplo.

Para Moacir Scliar, a verdadeira revolução na medicina se deu a partir da descoberta

dos agentes etiológicos por Louis Pasteur em meados do século XIX. As doenças poderiam

ser prevenidas e tratadas, a partir de então. A Medicina tropical foi impulsionada por esses

conhecimentos e pela necessidade de controle das doenças transmissíveis e endêmicas que

ameaçavam os empreendimentos comerciais surgidos com a expansão do colonialismo. Na

mesma época surgiram os primeiros estudos epidemiológicos que, através de um olhar

contábil sobre as populações, criaram indicadores estatísticos para subsidiar políticas públicas

em saúde na Grã-Bretanha, por exemplo. A super exploração da mão de obra operária

estimulou a criação dos primeiros sistemas de seguridade social e de saúde, nos Estados

Unidos e também em países da Europa, e a introdução do conceito paternalista e autoritário de

polícia médica ou sanitária, marcando, segundo o autor, o início da responsabilização do

Estado pela saúde da população.

Contudo, até então não havia um conceito universalmente aceito de saúde. Somente

após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), é

criada a Organização Mundial da Saúde (OMS) que lança, no dia 7 de abril de 1948 (desde

então o Dia Mundial da Saúde), uma carta de princípios definindo saúde como o estado do

mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade.

A amplitude deste conceito, que embutia o desejo dos movimentos sociais do pós-

guerra contra o colonialismo e em favor da ascensão do Socialismo, recebeu críticas, tanto de

natureza técnica (a saúde se tornava algo intangível inviabilizando os serviços de saúde)

quanto política (pelo risco do Estado intervir na vida privada dos cidadãos sob o pretexto de

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promover a saúde). A declaração final da Conferência de Alma-Ata, promovida pela OMS em

1978 teria sido uma resposta a essas críticas, na medida em que apresentou resultados

positivos no combate a doenças de grande prevalência e sugere estratégias de cuidados

primários de saúde. Para Scliar, o conceito de cuidados primários de saúde além de ser uma

proposta racionalizadora, é também uma proposta política uma vez que ―em vez da tecnologia

sofisticada oferecida por grandes corporações, propõe tecnologia simplificada, de fundo de

quintal‖ (SCLIAR, 2007, p.39).

Apesar dessa crítica, a pesquisadora Marcia Westphal considera que a Conferência de

Alma-Ata foi um avanço na medida em que a Saúde foi pela primeira vez reconhecida como

um direito, a ser atendido não só pela melhoria do acesso aos serviços de saúde, mas por um

trabalho de cooperação com os outros setores da sociedade (WESTPHAL, 2006, p.643).

Importante mudança conceitual de ―promoção da Saúde‖ se verifica a partir do início

da década de 1980, quando o termo começa a se relacionar mais com autonomia e

emancipação do que com as abordagens higienistas e normativas típicas das medidas

preventivas primárias. Um novo conceito de saúde é delineado a partir de então. A Carta de

Otawa, documento gerado a partir da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde em

1986, conceitua saúde como ―o mais completo bem-estar físico, mental e social determinado

por condições biológicas, sociais, econômicas, culturais, educacionais, políticas e ambientais

e, promoção da Saúde como processo de capacitação dos indivíduos e coletividades para

identificar os fatores e condições determinantes da saúde e exercer controle sobre eles, de

modo a garantir a melhoria das condições de vida e saúde da população‖ (op. cit. p.648).

Segundo Dina Czeresnia (CZERESNIA, 2003) o discurso da saúde pública nas duas

últimas décadas do séc. XX trouxe a perspectiva de um redirecionamento das práticas de

saúde em torno da idéia de promoção da saúde. Apesar de não ser um conceito novo, pois já

havia sido definido por Leavell & Clarck em meados daquele século como um dos elementos

do nível primário de atenção em medicina preventiva, ele foi retomado com uma nova ênfase

na medida em que o pensamento médico social afirma as relações entre saúde e condições de

vida. Para essa autora a retomada foi conseqüência de uma ―necessidade de controlar os

custos desmedidamente crescentes da assistência médica, que não correspondem a resultados

igualmente significativos‖ (p.39). O envelhecimento da população nas sociedades capitalistas

neoliberais e o consequente aumento dos índices de doenças crônicas fortalecem o discurso da

promoção da saúde voltado para a autonomia dos sujeitos e dos grupos. Mas que tipo de

autonomia seria esta?

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3.2. A PROMOÇÃO DA SAÚDE E O CONCEITO DE AUTONOMIA

De acordo com o conceito de saúde como dom e como bem, típico da moral

aristotélica que ressalta as virtudes e os vícios na determinação da felicidade, o indivíduo tem

a responsabilidade de mobilizar esforços para manter sua saúde e torná-la mais perfeita ou

para recuperá-la em caso de enfermidade. De acordo com as palavras do próprio Aristóteles

cada um escolhe os meios para alcançar um fim almejado:

Podemos supor o caso de um homem que seja enfermo voluntariamente, por viver

na incontinência e desobedecer aos seus médicos. Nesse caso, a princípio dependia

dele não ser doente, mas agora não sucede assim, porquanto virou as costas à sua

oportunidade – tal como quem arremessou uma pedra e já não é possível recuperá-

la; e contudo estava em seu poder não arremessar, visto que o princípio motor se

encontrava nele. (ARISTÓTELES, Ética do Nicômaco, III, 5. Apud NOGUEIRA,

2003, P.111).

Sendo assim, é o sujeito, através de sua ação consciente de temperança e prudência, o

responsável pela sua boa saúde. Este modo de compreender que o princípio motor da saúde é

inerente ao próprio indivíduo, demarca um critério de responsabilidade, ou seja, de

capacidade de ajuizamento pessoal que, segundo Nogueira (2003), tem correspondência no

moderno conceito de autonomia. De acordo com esse autor, nos anos de 1980 e 1990 a ação

autônoma em saúde passou a ser parte das preocupações dos programas oficiais que,

paralelamente a um movimento de desprofissionalização e desinstitucionalização do cuidado,

incentivavam a ajuda mútua e a solidariedade como forma da população resolver seus

próprios problemas de saúde. Críticas e essa autonomia em matéria de saúde consideram que,

como parte da ideologia neoliberal, o autocuidado torna-se um ardil para tornar aceitável uma

política de contenção de gastos em saúde.

Czeresnia (2003) argumenta que, nessa perspectiva, promoção da saúde assume um

caráter conservador que reforça a tendência de diminuição das responsabilidades do Estado,

delegando cada vez mais responsabilidade aos indivíduos na tarefa de cuidarem de si mesmos.

Por outro lado, percebe a possibilidade de entendimento de promoção da saúde em uma

perspectiva progressista que ressalta a elaboração de políticas publicas intersetoriais a partir

da compreensão das influencias dos elementos físicos, psicológicos e sociais na determinação

da saúde.

O conceito de autonomia subjacente a qualquer ação em saúde e em educação em

saúde, passa necessariamente pelo entendimento do que se está chamando de promoção de

saúde. Como caminho para essa compreensão a autora propõe que fique clara a diferença

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entre prevenção e promoção. Considerando o significado dicionarizado do termo ‗prevenir‘

como preparar; chegar antes de; dispor de maneira que evite (dano, mal); impedir que se

realize, as ações preventivas se constituem de intervenções orientadas para evitar o

surgimento das doenças, como a divulgação de informações científicas e de recomendações

normativas de mudanças comportamentais. Já o termo ‗promoção‘, cujo significado é dar

impulso a; fomentar; originar; gerar referem-se a medidas que não objetivam a uma doença

específica, mas a uma possibilidade de aumento do bem estar geral.

Apesar dessa aparente clareza na distinção dos dois termos, nem sempre as ações de

promoção estão isentas de estimularem mudanças comportamentais típicas das ações

preventivas. Os projetos voltados para promoção da saúde têm sofrido influência marcante

dos estudos epidemiológicos, como se pode verificar, por exemplo, nos estudos de

vulnerabilidade à Aids que, mesmo sendo projetos que propõem articular múltiplas

abordagens como o contexto social e a elaboração de programas institucionais, não podem

prescindir da dimensão do comportamento pessoal que é influenciado pelo conceito de ‗risco‘.

Esse conceito ―contribui para a produção de determinadas racionalidades, estratégias e

subjetividades, sendo central na regulação e monitoração de indivíduos, grupos sociais e

instituições‖ (op.cit., p.50). Nesse sentido, a autora reconhece que trabalhar autonomia numa

perspectiva que potencialize a saúde dos sujeitos seria muito difícil, pois envolveria profundas

transformações nas formas sociais de lidar com representações científicas e culturais, como o

risco, por exemplo, e completa: ―não há como propor ‗recomendações objetivas e de execução

rápida‘ que capacitem uma apropriação de informações sem o ‗risco‘ da incorporação acrítica

de valores‖ (idem, p.51). Há, nesse sentido, uma visível tensão teórica e filosófica por trás da

idéia de promover saúde já que esta inclui um amplo espectro de estratégias técnicas e

políticas envolvendo tanto posturas conservadoras quanto extremamente radicais; daí a

necessidade de maiores reflexões que possibilitem uma reconfiguração da educação nas

práticas de saúde.

Nogueira (2003) entende que seria importante superar o antagonismo criado entre as

políticas de heteronomia típicas do velho aparato de Estado de Bem-Estar Social e a onda

autonomista das novas políticas públicas. Com esse objetivo propõe uma aproximação do

conceito de autonomia ao de auto-enriquecimento, significando a possibilidade de multiplicar

as experiências de aprendizagem e as escolhas que cada um tem que realizar por sua conta e

risco. Por outro lado, propõe que o termo heteronomia seja usado para designar o que já

encontramos pronto para ser usado, graças à acumulação social de experiências e de

conhecimentos que não admitiria muita variação ou adaptação. Sob essa perspectiva tanto a

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ciência quanto a tradição poderiam ser colocadas ao lado da autonomia, desde que não

existam dogmas intransponíveis e desde que o saber seja democratizado.

Entendemos que se o atual conceito de Saúde, construído a partir do conceito de

Promoção da Saúde, está vinculado aos determinantes biológicos, sociais, econômicos,

culturais, educacionais, políticos e ambientais, as ações de Educação em Saúde precisam

contemplar uma abordagem desses determinantes, no mínimo em igualdade de condições (de

importância ou de ocorrência), de modo a não cometer o erro de, ao ressaltar um destes

determinantes e omitir os demais, tornar-se uma abordagem reducionista do que se entende

como saúde hoje (ou dever-se-ia entender).

A pesquisadora Marcia Westphal (WESTPHAL, 2006), traçando um histórico do

conceito de Promoção da Saúde aponta que o moderno conceito de Promoção da Saúde

começou a ser delineado na Primeira Conferência Internacional de Saúde de Ottawa, em

1986, e foi sendo definido e aprofundado nas Conferências seguintes de modo que,

atualmente, é possível distinguir cinco princípios definidores das práticas nessa perspectiva,

que resumimos a seguir:

1- As ações de Promoção da Saúde devem pautar-se por uma concepção holística de

saúde voltada para a multicausalidade do processo saúde-doença;

2- A equidade como princípio e como conceito nas discussões das políticas sociais e no

campo da Promoção da Saúde, cujo objetivo é o acesso universal à saúde e está

relacionada à justiça social;

3- O princípio da intersetorialidade, que é o conjunto de ações no ambiente social,

político, educacional, físico, econômico, cultural e de serviços de saúde para

proporcionar condições saudáveis e prevenir o surgimento de doenças nos indivíduos

e na coletividade (op.cit., p.655);

4- O princípio da participação social que objetiva o fortalecimento da ação comunitária e

o empoderamento coletivo de modo a tornar a população capaz de exercer controle

sobre os determinantes da saúde;

5- O princípio da sustentabilidade que diz respeito à possibilidade de criar iniciativas

que, em acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável, se desenvolvam

num processo duradouro e forte.

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3.3. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NAS ESCOLAS DO BRASIL

A reflexão sobre a polissemia histórica do conceito de saúde e a tendência atual de

conceituá-la a partir de uma diversidade de parâmetros que incluem aspectos tanto biológicos

quanto sociais, econômicos, culturais, educacionais, políticos e ambientais, nos deixa uma

questão: a escola atual dá conta desse novo conceito de saúde? Historicamente a escola tem

sido uma importante aliada e um campo possível de ações de educação em saúde devido ao

quantitativo de jovens que reúne e da alta incidência de mortes nesta faixa etária. O que já se

pensou sobre educação em saúde no espaço escolar acaba sendo um reflexo das diferentes

concepções de saúde e doença que marcaram a história humana.

A escola, tradicionalmente, tem sido um espaço privilegiado de ações educativas em

saúde. No Brasil a educação em saúde tem sofrido forte influência de interesses políticos e

econômicos determinando o predomínio de concepções de saúde que melhor atendem aos

interesses de determinados grupos em cada período histórico. Podemos identificar estas ações

desde o final do século XVIII quando, diante de uma realidade crítica em relação à saúde

pública, com epidemias de varíola, cólera, peste bubônica e febre amarela, as ações de saúde

na escola limitavam-se apenas à inspeção sanitária das mesmas pelos inspetores sanitários.

Dentro de um cenário político de mudança do regime monárquico para o republicano, com

manutenção do modelo econômico centrado nas oligarquias cafeeiras, mas com o ideal de

constituição de um Estado Nacional soberano, era necessário naquele momento garantir a mão

de obra com a formação de uma ‗raça‘ sadia.

Datam de 1889 os primeiros documentos que usam o termo Educação Sanitária e a

criação da Diretoria Geral de Saúde. Esse órgão informava a população, através de impressos,

sobre a etiologia e prevenção de doenças de alta prevalência na época, como a tuberculose,

febre tifóide, peste (OLIVEIRA, 1996, p.16). O uso destes impressos como materiais

educativos (panfletos informativos, neste caso), legitimava os discursos e procedimentos

médico-sanitários da época.

Nesse cenário, a escola se tornou importante centro divulgador das idéias higienistas

dentro de um universo de ações educativas cuja finalidade era reduzir o índice de mortalidade

(economia de vida) e disponibilizar mão de obra. Acreditava-se que simplesmente através da

divulgação dos princípios de saúde, o indivíduo romperia com seu nível de ignorância e

poderia se tornar responsável pela sua própria saúde.

A saúde escolar, que inicialmente se limitava à inspeção sanitária, gradativamente foi

delegada aos professores e, com a criação do Departamento de Educação pelo decreto nº

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5.828 de 04/02/1933, que incluía em suas atribuições o Serviço de Higiene e Educação

Sanitária Escolar, os professores tornaram-se oficialmente responsáveis pela consecução da

higiene escolar, convencidos que estavam de que as causas do fracasso escolar seriam a

ignorância dos princípios de higiene, os ambientes insalubres e a desnutrição (LIMA, 1985).

A escola, além da responsabilidade de ser um centro irradiador de conhecimentos para a saúde

do povo, também funcionava como mediadora para a formação de um consenso ideológico

favorável aos interesses dos setores sociais que detinham o poder econômico, configurando

hábitos considerados saudáveis rumo ao progresso que, naquele momento, era representado

pelo desenvolvimento do modelo capitalista de produção.

Mas a integração da saúde ao currículo das escolas só aconteceu oficialmente a partir

da Lei nº 5.692 de 1971 com a introdução formal dos Programas de Saúde no currículo

escolar, com o objetivo de estimular o conhecimento e a prática da saúde básica e da higiene

(MOHR & SCHALL, 1992). Entretanto, apesar das iniciativas de algumas Universidades em

formar especialistas em educação para a saúde, como a da Faculdade de Saúde Pública da

USP (MARCONDES, 1972), o despreparo teórico e pedagógico dos professores, somado às

péssimas condições de trabalho, inviabilizaram o alcance dos objetivos da lei (MOHR &

SCHALL, 1992).

Nas últimas décadas as questões referentes à saúde têm sido abordadas

convencionalmente nas disciplinas Ciências, no Ensino Fundamental, e Biologia, no Ensino

Médio; apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazerem a orientação para

uma abordagem transdisciplinar da saúde como um Tema Transversal.

Um bom exemplo do modo como as perspectivas higienistas de saúde ganhavam

espaço no ambiente escolar no início do século XX, é citado pela pesquisadora Cecília Hanna

Mate (MATE, 2004) ao investigar o modo os livros didáticos produzidos nos anos de 1930 e

1940 incorporaram o espírito das reformas curriculares dos anos 1920/30. Neste período, a

escola era considerada como um meio para promover uma reforma social, era preciso formar

uma nova geração que pudesse ajudar a construir uma sociedade mais racionalizada e

consequentemente mais produtiva, atendendo a uma lógica fabril. O indivíduo educado

saberia cuidar melhor de si mesmo, tanto em aspectos relacionados à sua higiene quanto aos

seus ‗bons hábitos‘. A autora cita trechos muito interessantes encontrados em um livro de

leitura de 1937, voltado para alunos do 3º ano primário, como os seguintes:

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― O asseio....

Logo que se levantar, lavar o rosto, as orelhas, o pescoço e o braço

Vestir roupa limpa, tendo durante o dia o cuidado de não sujá-la nem rasgá-la

Tomar banho geral diariamente e aparar as unhas duas vezes por semana

Ter sempre no bolso um lenço limpo para assoar o nariz e receber a saliva expelida

com os espirros‖ (MATE, 2004 p.4)

―outro vício terrível é o jogo.

O jogador é, em geral, fumante e beberrão.

Quem adquire o maldito vício do jogo, por

Muito rico que seja, acaba na miséria.

(...) Na minha escola há uma tabuleta com este

Letreiro: Odeia de morte estes três inimigos: o fumo, o jogo e o álcool.‖ (idem, p.5)

A Educação Sanitária só perde força na medida em que se consegue superar uma

consciência ingênua da problemática da saúde distante da visão da multicausalidade onde as

orientações se voltavam para esforços individuais, abstraindo-se das condições sociais de

existência (OLIVEIRA, 1996, p.44). Gradativamente os determinantes econômicos, sociais,

culturais e ambientais começam a ser percebidos como elementos condicionantes da

qualidade de vida das pessoas, os princípios da educação sanitária baseados na doença são

superados e uma nova perspectiva para as ações de educação voltadas para a saúde começa a

se delinear a partir da década de 1960.

De acordo com o trabalho de Milca Oliveira (op.cit.), é possível, através da análise dos

anais dos eventos relevantes de Saúde, identificar duas concepções de educação em saúde no

Brasil: a concepção de Educação Sanitarista e a concepção de Educação em Saúde.

Para a pesquisadora, a Educação Sanitária predominou do século XIX até meados do

século XX, e caracterizou três momentos históricos distintos das ações em saúde: um período

higienista-eugenista (1889-1929) onde as ações de caráter eugenista objetivavam erradicar o

germe, a doença, a pobreza e a ignorância para a construção de uma nação saudável, para a

constituição da raça brasileira; um período Sanitarista (1930-1950) inserido numa proposta de

modernização da sociedade, no qual o indivíduo era visto como responsável pela sua saúde e

ao Estado cabia promover ampla divulgação dos princípios de saúde para que o indivíduo

rompesse com sua ignorância; e um período de retrocesso da educação sanitária (década de

1960) onde, apesar da percepção de que fatores sociais e ecológicos funcionariam como

determinantes da saúde, o esvaziamento das práticas sanitárias, não consideradas como

prioritárias nas políticas de gastos do governo, representou uma volta aos anos 1920.

Já no final dos anos de 1960, como conseqüência da evolução do conhecimento e das

próprias mudanças no cenário social, estabelece-se um conceito mais ampliado de saúde. A

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antiga Educação Sanitária, panfletária, normativa, ingênua e voltada para a dimensão

biológica e individual, vive um novo momento. Um termo novo surge para caracterizar essa

nova mentalidade: Educação em Saúde.

A autora entende como Educação em Saúde

... não aquela que servia como instrumento de dominação, presente

predominantemente na história da educação no Brasil, mas a Educação em Saúde

voltada para uma prática participativa, em processo ativo, onde o educador estimula

a curiosidade e o receptor encontra esforço comum com vistas a mudanças no

pensar, sentir e agir. (op.cit. p.9)

A concepção de Educação de Saúde ganha força num momento histórico onde as

questões sociais ganham relevância no debate do processo saúde/doença no país. Num

primeiro período (anos de 1970 até 1986) muito se idealizou e pouco se realizou. O discurso

sobrepujou a prática. As ações preventivas não se articulavam com as ações curativas, sendo

as primeiras assumidas pelo Ministério da Saúde e as segundas pela Previdência Social. As

iniciativas no campo educacional de garantir atividades de Educação em Saúde (Lei 5.692/71

e Parecer 2.2264/74) na prática continuaram voltadas mais para o individual que para o

coletivo, em conseqüência das práticas pedagógicas normativas, herança dos períodos

anteriores.

A partir de 1986, que tem como marco a 8ª Conferência Nacional de Saúde que

reorientou as políticas do setor saúde e o 6º Congresso Brasileiro de Saúde Escolar cujo ponto

alto era a promoção da saúde, a concepção de Educação em Saúde ancorada num referencial

teórico mais ampliado e aprofundado se propõe a contribuir no sentido de se alcançar maiores

e melhores resultados na qualidade de vida da população. A adoção deste conceito mais

ampliado de saúde que considera ainda os conflitos presentes nas relações sociais com o

objetivo de preparar e capacitar os indivíduos/grupos sociais a conquistarem seu direito à

saúde faz emergir uma concepção crítica de Educação em Saúde.

Apesar de todo avanço teórico, na prática, ainda percebemos uma grande distância

entre o pensar e o fazer e, nesse sentido, a transição entre os dois modelos ainda não se deu

totalmente. O quadro comparativo, a seguir (Quadro 2), onde resumimos os principais

aspectos desses dois modelos, listados por Milca, pode nos ajudar a compreender o quanto

ainda convivemos com os princípios do modelo Sanitarista de Educação.

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Quadro 2: Quadro comparativo dos dois modelos de Educação em Saúde baseado em

Oliveira (1996).

EDUCAÇÃO SANITÁRIA EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Atividade fim para modelar hábitos

Meio, instrumento de conscientização e

produção de autoconhecimento

Práticas educativas calcadas na transmissão

Prática educativa baseada na ação-reflexão-

ação

Orientada para o combate à doença e

prevenção à saúde

Orientada para a promoção da saúde

Visava economia de vida (reduzir

mortalidade)

Visa melhoria da qualidade de vida

Preparar o homem que a sociedade precisa

Preparar o cidadão com capacidade de refletir

e criticar, responsável por seu bem estar

Não reconhecia as questões econômicas

como causa dos problemas de saúde

Identifica aspectos econômicos culturais e

ambientais como determinantes /

condicionantes do processo saúde/doença

Exigia mudanças de hábitos e

comportamentos individuais

Exigia profissionais com conhecimento

técnico e biológico

Exige mudanças de atitude também dos

profissionais e do Sistema de Saúde.

Atendia a uma fração de classe Atender à coletividade

A superação do modelo sanitarista por um modelo de educação em saúde continua

sendo um desafio tanto para os profissionais da saúde quanto para os da educação. No campo

educacional, consideramos um passo importante trazer à luz todos os aspectos característicos

de uma educação sanitária, que insistem em se fazer presentes nas ações educativas e nos

materiais didáticos, como estratégia de superação de uma concepção de saúde que não

contribui para a formação do cidadão que se pretende para nossa sociedade.

3.4. EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA ATUAL

3.4.1. As orientações oficiais

No momento atual, a educação em saúde nas escolas de ensino fundamental

brasileiras tem sido garantida através de leis de diferentes níveis, como a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação de 1996 (LDB), o Plano Nacional de Educação de 2001(PNE) e as

Diretrizes Curriculares Nacionais de 1998 (DCN), e também por normas legais como os

Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996 (PCN) e o Programa Saúde na Escola (PSE) de

2007 que, apesar de não serem leis, têm grande importância por influenciar a educação em

nível nacional. No caso específico da Cidade do Rio de Janeiro, ainda podemos citar o Núcleo

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Curricular Básico MULTIEDUCAÇÃO, documento que tem como pressuposto ―lidar com os

múltiplos universos que se encontram na escola‖ (NCBM, 1996, p.108) e que foi distribuído a

todas as escolas da rede municipal carioca e aos seus professores em 1996. Todas essas leis e

normas são, obviamente, regidas pela Constituição Federal de 1988 que entende a educação e

a saúde como direitos sociais, conforme expresso em seu artigo 6º do Capítulo II do Título II.

São direitos sociais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A Constituição ainda determina que ambas, saúde e educação sejam direito de todos e

dever do Estado.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho.

Em cada texto de lei, norma legal ou orientação curricular podemos encontrar

referências à educação e a saúde e à forma estas devem ser conduzidas em nossa sociedade.

A LDB de 1996, apesar de não fazer menção explícita à questão da educação em

saúde, reafirma o papel do Estado na garantia do direito à educação.

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do

educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho. (Art.2º do Título II)

De modo semelhante o PNE, cuja elaboração estava determinada no artigo 9º do título

IV da LDB com o objetivo de estabelecer as diretrizes e metas da educação nacional em

sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos da UNESCO, também não

traz orientação específica para a educação em saúde, mas reafirma os deveres do Estado em

relação à educação, expressos na Constituição Brasileira.

Objetivamente só encontramos orientações específicas que relacionem educação e

saúde nos seguintes documentos: DCN, PCN e Currículo MULTIEDUCAÇÃO.

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As DCN - RESOLUÇÃO CEB Nº 2, DE 7 DE ABRIL DE 1998 que institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental - determinam que haja uma

base nacional comum que, articulada com uma parte diversificada que atenda à diversidade

nacional, possa estabelecer relação entre a educação fundamental e a vida cidadã através da

articulação entre vários dos seus aspectos (saúde, sexualidade, vida familiar e social, meio

ambiente, trabalho, ciência e tecnologia, cultura e linguagens) e as áreas de conhecimento

(Língua Portuguesa, Língua Materna para populações indígenas e migrantes, Matemática,

Ciências, Geografia, História, Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e

Educação Religiosa).

Mas é nos PCN (BRASIL, 1997) que encontraremos orientações específicas sobre o

modo como deve ser conduzida a educação em saúde nas escolas brasileiras. Os PCN são um

conjunto de documentos elaborados pelo Ministério da Educação que constituem um

referencial para fomentar a reflexão sobre os currículos estaduais e municipais com o objetivo

de orientar de maneira coerente as políticas educacionais no Brasil. Nele encontram-se

definidos os principais objetivos educacionais, a conceitualização do significado das áreas de

ensino e dos temas da vida social contemporânea que devem atravessá-las. Estes últimos

referem-se às problemáticas sociais em relação à ética, saúde, meio ambiente, pluralidade

cultural, orientação sexual e trabalho e consumo são integradas na proposta educacional dos

Parâmetros Curriculares Nacionais como Temas Transversais. Esses temas não se constituem

em novas áreas, mas num conjunto de temas que aparecem transversalizados, permeando a

concepção das diferentes áreas, seus objetivos, conteúdos e orientações didáticas.

Interessa-nos identificar especificamente as orientações relacionadas à educação em

saúde em dois documentos: o volume dedicado as Ciências Naturais e o documento que trata

do tema Saúde dentro do volume dedicado aos Temas Transversais.

O Volume Ciências Naturais organiza o ensino de Ciências no Ensino Fundamental

em quatro blocos temáticos: Ambiente, Ser humano e Saúde, Recursos Tecnológicos e Terra e

Universo. Dentre os objetivos gerais de Ciências Naturais traçados para o ensino fundamental

já podemos encontrar um especificamente orientado para a Educação em Saúde:

―compreender a saúde como bem individual e comum que deve ser promovido pela ação

coletiva‖. (op. cit., p.22)

Os conteúdos de Ciências Naturais no ensino fundamental previstos no Bloco temático

Ser Humano e Saúde são orientados pela ―concepção de corpo humano como um sistema

integrado, que interage com o ambiente e que reflete a história de vida do sujeito‖ (op. cit.,

p.29). A saúde é entendida como estado de equilíbrio dinâmico característico do corpo

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humano sendo condicionada por fatores de várias ordens - físicos, psíquicos e sociais – e o

trabalho em sala de aula com os temas relacionados à saúde deve enfatizar ―a possibilidade de

realizar escolhas na herança cultural recebida e de mudar hábitos e comportamentos que

favoreçam a saúde pessoal e coletiva e o desenvolvimento individual‖ (op. cit., p.32).

É no volume dos PCN dedicado aos Temas Transversais que encontraremos

indicações importantes sobre a concepção de Educação em Saúde que orienta estes

Parâmetros. O documento que trata especificamente do tema transversal Saúde entende a

―Educação para a Saúde como fator de promoção e proteção à saúde e estratégia para a

conquista dos direitos de cidadania‖ (op. cit., p.5) e alerta para a necessidade de se romper

com os enfoques deterministas que: ou atribuem a condição de saúde do indivíduo ou à sua

realidade social e ao poder público ou, de modo inverso, colocam todo o peso no individuo,

na sua herança genética e no empenho pessoal. Desse modo

... falar de saúde implica levar em conta, por exemplo, a qualidade da água que se

consome e do ar que se respira, as condições de fabricação e uso de equipamentos

nucleares ou bélicos, o consumismo desenfreado e a miséria, a degradação social ou

a desnutrição, estilos de vida pessoais e formas de inserção das diferentes parcelas

da população no mundo do trabalho; envolve aspectos éticos relacionados ao direito

à vida e à saúde, direitos e deveres, ações e omissões de indivíduos e grupos sociais,

dos serviços privados e do poder público. A saúde é produto e parte do estilo de vida

e das condições de existência, sendo a vivência do processo saúde/doença uma

forma de representação da inserção humana no mundo. (op. cit., p.6)

A partir destes pressupostos sobre o papel da Educação em Saúde na escola e da

percepção da multicausalidade das condições de saúde dos indivíduos, o documento

estabelece uma diferenciação entre ‗ensinar saúde‘ e ‗educar para a saúde‘. Entende que,

inicialmente, a inserção dos programas de saúde no escopo da disciplina Ciências estava mais

identificada com a primeira idéia, a de ―ensinar saúde‖. Visão que não deu conta de garantir

uma abordagem de conteúdos que se relacionassem aos procedimentos e atitudes necessários

à promoção da saúde. Educar para a saúde assume uma dimensão maior do que ensinar

conceitos teoricamente corretos. Implica reconhecer que a criança e/ou o adolescente trazem

consigo valores favoráveis ou desfavoráveis à saúde, que são oriundos de suas famílias e dos

grupos sociais onde estão inseridas. Por ser um local onde estas crianças e jovens passam

grande parte do dia, a escola também conforma atitudes e valores que são transmitidos

inevitavelmente pelos professores e toda a comunidade escolar relacionados a aspectos

concretos como a qualidade da merenda escolar, a limpeza do espaço e as relações

interpessoais. Nesse sentido o documento orienta que a escola deve assumir explicitamente a

responsabilidade sobre a educação em saúde e, sem excluir as informações e a possibilidade

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de compreender a problemática que envolve as questões de saúde, considera que os valores e

a aquisição de hábitos e atitudes constituem as dimensões mais importantes, pois o que se

pretende é um trabalho pedagógico cujo enfoque principal esteja na saúde e não na doença.

Todas as considerações traçadas neste documento, dedicado ao tema transversal

Saúde, apontam para alguns objetivos que se espera que os alunos tenham alcançado ao final

do ensino fundamental. São eles:

compreender que a saúde é um direito de todos e uma dimensão essencial do

crescimento e desenvolvimento do ser humano;

compreender que a condição de saúde é produzida nas relações com o meio

físico, econômico e sociocultural, identificando fatores de risco à saúde

pessoal e coletiva presentes no meio em que vivem;

conhecer e utilizar formas de intervenção individual e coletiva sobre os

fatores desfavoráveis à saúde, agindo com responsabilidade em relação à sua

saúde e à saúde da comunidade;

conhecer formas de acesso aos recursos da comunidade e as possibilidades de

utilização dos serviços voltados para a promoção, proteção e recuperação da

saúde;

adotar hábitos de autocuidado, respeitando as possibilidades e limites do

próprio corpo. (op. cit., p.12-13)

Estes objetivos nortearam critérios para o estabelecimento dos conteúdos referentes à

saúde a serem desenvolvidos nesse nível de ensino. Eles ―foram organizados em blocos que

lhes dão sentido e cumprem a função de indicar as dimensões individual e social da saúde.

São eles: Autoconhecimento para o Autocuidado e Vida Coletiva‖. (op. cit., p.13)

O primeiro bloco, Autoconhecimento para o Autocuidado, adverte que é importante

evitar assumir linhas prescritivas, como se o objetivo fosse normatizar a vida privada do aluno

e padronizar condutas (op. cit., p.16), e lista os seguintes conteúdos:

identificação de necessidades e características pessoais, semelhanças e

diferenças entre as pessoas, através do estudo do crescimento e

desenvolvimento humano nas diferentes fases da vida (concepção,

crescimento intra-uterino, nascimento/recém-nascido, criança, adolescente,

adulto, idoso);

identificação, no próprio corpo, da localização e da função simplificada dos

principais órgãos e aparelhos, relacionando-os aos aspectos básicos das

funções de relação (sensações e movimentos), nutrição (digestão, circulação,

respiração e excreção) e reprodução;

adoção de postura física adequada;

identificação e expressão de sensações de dor ou desconforto (fome, sede,

frio, prisão de ventre, febre, cansaço, diminuição da acuidade visual ou

auditiva);

valorização do exame de saúde periódico como fator de proteção à saúde;

finalidades da alimentação (incluídas as necessidades corporais,

socioculturais e emocionais) relacionadas ao processo orgânico de nutrição;

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identificação dos alimentos disponíveis na comunidade e de seu valor

nutricional;

valorização da alimentação adequada como fator essencial para o crescimento

e desenvolvimento, assim como para a prevenção de doenças como

desnutrição, anemias ou cáries;

noções gerais de higiene dos alimentos relativas à produção, transporte,

conservação, preparo e consumo;

reconhecimento das doenças associadas à falta de higiene no trato com

alimentos: intoxicações, verminoses, diarréias e desidratação; medidas

simples de prevenção e tratamento;

identificação das doenças associadas à ingestão de água imprópria para o

consumo humano; procedimentos de tratamento doméstico da água;

rejeição ao consumo de água não potável; medidas práticas de autocuidado

para a higiene corporal: utilização adequada de sanitários, lavagem das mãos

antes das refeições e após as eliminações, limpeza de cabelos e unhas,

higiene bucal, uso de vestimentas e calçados apropriados, banho diário;

valorização da prática cotidiana e progressivamente mais autônoma de

hábitos de higiene corporal favoráveis à saúde;

responsabilidade pessoal na higiene corporal como fator de proteção à saúde

individual e coletiva;

respeito às potencialidades e limites do próprio corpo e do de terceiros.‖ (op.

ci., p.16-17)

O segundo bloco, Vida Coletiva, tem o objetivo de recuperar a cultura da saúde através

do diálogo entre o saber popular e o saber escolar, valorizando as experiências do aluno na

identificação e atuação sobre as necessidades de saúde da comunidade, como exercício de

cidadania. Traz a indicação dos seguintes conteúdos:

conhecimento dos recursos disponíveis para a criança (atividades e serviços)

para a promoção, proteção e recuperação da saúde, das possibilidades de uso

que oferecem e das formas de acesso a eles;

formas de participação em ações coletivas acessíveis à criança em sua

comunidade;

conhecimento do calendário vacinal e da sua própria situação vacinal;

principais sinais e sintomas das doenças transmissíveis mais comuns na

realidade do aluno, formas de contágio, prevenção e tratamento precoce para

a proteção da saúde pessoal e de terceiros;

agravos ocasionados pelo uso de drogas (fumo, álcool e entorpecentes);

conhecimento das normas básicas de segurança no manejo de instrumentos,

no trânsito e na prática de atividades físicas;

medidas simples de primeiros socorros diante de: escoriações e contusões,

convulsões, mordidas de animais, queimaduras, desmaios, picadas de insetos,

torções e fraturas, afogamento, intoxicações, cãimbras, febre, choque elétrico,

sangramento nasal, diarréia e vômito, acidentes de trânsito;

fatores ambientais mais significativos para a saúde presentes no dia-a-dia da

criança: sistema de tratamento da água, formas de destino de dejetos

humanos e animais, lixo e agrotóxicos;

mapeamento das transformações necessárias no ambiente em que se vive;

relações entre a preservação e recuperação ambientais e a melhoria da

qualidade de vida e saúde;

rejeição aos atos de destruição do equilíbrio e sanidade ambientais;

participação ativa na conservação de ambiente limpo e saudável no

domicílio, na escola e nos lugares públicos em geral;

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solidariedade diante dos problemas e necessidades de saúde dos demais,

através de atitudes de ajuda e proteção a pessoas portadoras de deficiências e

a doentes.‖ (op. cit., p. 20-21)

A inclusão da Saúde como um Tema Transversal nos PCN expressa o reconhecimento

do caráter de urgência social que esse tema apresenta. A proposta dos PCN tem como objetivo

primeiro contribuir, de forma relevante, para que profundas e imprescindíveis transformações,

há muito desejadas, se façam no panorama educacional brasileiro. Entretanto, é preciso

considerar que apenas uma mudança estrutural no currículo com a inclusão de Temas

Transversais emergentes de demandas sociais e que, teoricamente, devem ser tratados de

modo interdisciplinar, não promoverá por si só uma mudança no papel social da escola. De

acordo com Macedo (1998) o argumento central que justifica a necessidade dos temas

transversais baseia-se na idéia de que a organização disciplinar é uma das principais

responsáveis pela pouca relevância social dos conhecimentos tratados pela escola, contudo a

base de estruturação dos PCN é disciplinar. É, portanto, um desafio para os professores a

abordagem interdisciplinar de um tema transversal dentro de uma organização disciplinar do

currículo.

Com o objetivo de atenuar as fronteiras entre as disciplinas através de uma nova

concepção de organização curricular, em 1996, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de

Janeiro distribuiu por toda a rede o Núcleo Curricular Base MULTIEDUCAÇÃO (NCBM,

1996). Este documento apresenta uma proposta de organização curricular que articula as

disciplinas através de Princípios Educativos (meio ambiente, trabalho, cultura, linguagens) e

Núcleos conceituais (identidade, tempo, espaço, transformação).

Em 2008 a Secretaria Municipal de Educação do Município do Rio de Janeiro

publicou os Fascículos de Atualização do Núcleo Curricular Básico – Multieducação, a partir

da necessidade de estabelecer uma consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais em

seus princípios Éticos, Estéticos e Políticos. Estes fascículos estão organizados em duas

séries: Temas em Debate, com discussões de caráter mais teórico, e Multieducação em Sala

de Aula, com propostas mais relacionadas à prática pedagógica.

No fascículo Cultura, Meio Ambiente e Saúde, Trabalho, da série Temas em Debate,

fica explícita a intenção de uma articulação entre questões ambientais e saúde. O texto ressalta

nossos padrões consumistas e agressivos ao meio ambiente, determinados pelos referenciais

culturais dominantes, como responsáveis por um intenso ônus social e ambiental que

compromete os direitos individuais e coletivos à saúde e ao meio ambiente saudável. O papel

da escola nesse contexto é o de espaço legítimo para a formação de sujeitos sociais que

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possam interferir positivamente em seu ambiente lutando pelos seus direitos e pela qualidade

de vida.

No Fascículo Ensino Fundamental – Ciências, ainda da série Temas em Debate,

identificamos alguns objetivos que relacionam a saúde e as questões ambientais de forma bem

direta, que destacamos a seguir:

Objetivos para o 1º Ciclo de formação

Identificação dos hábitos de vida saudável e das relações interpessoais para

melhoria da qualidade de vida.[...]

Objetivos para o 2º Ciclo de formação

Compreensão das ações implementadas pelos seres humanos e de suas

relações com o meio ambiente.

Compreensão dos fatores sócio-ambientais que influenciam na qualidade de

vida. [...]

Objetivos para o 3º Ciclo de formação

Reconhecimento das formas de apropriação, pelos seres humanos, dos

demais seres vivos e materiais do planeta e as conseqüências para a qualidade

de vida.

Análise crítica das diversas relações existentes entre os seres humanos e

demais seres vivos modificando o ambiente ao construir ser próprio

ecossistema urbano.

Leitura crítica das informações que influenciam o comportamento do ser

humano na relação com o meio ambiente. [...]

(RIO DE JANEIRO, 2007, p.30-33)

Outra medida legal que, mais recentemente, orienta as ações em saúde na escola é o

PSE - Programa Saúde na Escola, instituído pelo Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007,

cuja finalidade expressa em seu Artigo 1º ―é contribuir para a formação integral dos

estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e

atenção à saúde‖ (BRASIL, 2007). O Programa prevê, além de ações específicas de

assistência à saúde como o atendimento dos educandos ao longo do ano letivo pela equipe de

saúde na família, ações de promoção à saúde referentes, por exemplo, à alimentação saudável,

à saúde sexual e reprodutiva e à cultura da prevenção no âmbito escolar, e ações de prevenção

ao uso de drogas, ao consumo e redução do consumo de álcool, do tabagismo e a outros

fatores de risco ao câncer.

A análise destes documentos revela que, apesar de seus diferentes níveis de ação, eles

estão expressamente comprometidos com uma perspectiva de Educação em Saúde baseada em

um conceito de saúde ampliado, ―considerado como um estado positivo e dinâmico de busca

de bem-estar, que integra os aspectos físico e mental (ausência de doença), ambiental

(ajustamento ao ambiente), pessoal/emocional (auto-realização pessoal e afetiva) e sócio-

ecológico (comprometimento com a igualdade social e com a preservação da natureza)‖

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(SHALL & STRUCHINER, 1999, P.S4). Como conseqüência, espera-se que a educação

(incluindo aqui também os materiais produzidos para fins pedagógicos) esteja comprometida

com essa perspectiva e estabeleça ações, voltadas tanto para o indivíduo aluno quanto para o

aluno integrante de uma comunidade, que o capacitem para a melhoria da sua qualidade de

vida e saúde, e também para uma maior participação no controle desse processo.

3.4.2. Algumas considerações

Nossa incursão pelos campos da saúde e da educação nos fez perceber a existência de

uma sincronia teórica na conceituação de saúde nos dois campos. Isto significa que, pelo

menos conceitualmente, as orientações específicas do campo da educação, em relação às

ações de educação em saúde a serem desenvolvidas na escola, estão sintonizadas com as

tendências teóricas mais atuais do campo da saúde na conceituação de saúde e doença.

Em um texto de difusão técnico-científica do Ministério da Saúde (MS, 2002) que

analisa promoção da saúde no contexto escolar a partir do pressuposto de que a adoção do

conceito de promoção da saúde é elemento redirecionador das políticas deste Ministério, o

setor educacional é visto como um importante aliado no desenvolvimento de propostas

intersetoriais de ações em saúde:

O setor educacional, dada a sua capilaridade e abrangência, é um aliado importante

para a concretização de ações de promoção da saúde voltadas para o fortalecimento

das capacidades dos indivíduos, para a tomada de decisões favoráveis à sua saúde e

à comunidade, para a criação de ambientes saudáveis e para a consolidação de uma

política intersetorial voltada para a qualidade de vida, pautada no respeito ao

indivíduo e tendo como foco a construção de uma nova cultura em saúde. (op.cit.,

p.533)

Sem esquecer a importância da formação e qualificação dos professores para a

implementação dessas estratégias de aproximação da escola, o M.S. reconhece que além da

função pedagógica, a escola tem uma função social e política voltada para a transformação da

sociedade. Como as crianças, jovens e adultos na escola vivem momentos em que hábitos e

atitudes estão sendo criados, ―o período escolar é fundamental para se trabalhar saúde na

perspectiva de sua promoção, desenvolvendo ações para a prevenção de doenças e para o

fortalecimento dos fatores de proteção‖ (op. cit., p.533).

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A escola, justamente por sua função social e política, deve estar comprometida com a

formação crítica dos alunos, de modo que a abordagem dos temas de saúde ganhe outros

objetivos além do aprendizado de conteúdos específicos e da incorporação de hábitos

saudáveis, como o reconhecimento dos seus deveres e direitos sociais (moradia, saneamento,

transporte, serviço de saúde, etc.) e as formas de exigí-lo. Apesar das especificidades dos

campos da Educação e da Saúde, o Ministério da Saúde entende ser possível a integração

destes a partir da percepção de que ―os processos educativos e os de saúde e doença incluem

tanto conscientização e autonomia quanto a necessidade de ações coletivas e de fomento a

participação‖ (op. cit., p.534).

Como espaço favorável ao debate e à comunicação emancipadora, a escola pode

mobilizar ações que estimulem a participação em redes de apoio a saúde, como os Conselhos

de saúde, de direitos da mulher, de cidadania, de defesa da criança e do adolescente, de

doméstica, de professores, grêmios estudantis, movimentos ligados a partidos políticos, a

igrejas e outros. Afinal promover saúde implica e requer ter paz, educação, alimentação,

renda, ecossistema saudável, recursos sustentáveis, justiça e equidade.

Com base nestes princípios, podemos concluir que a atual perspectiva de Promoção da

Saúde, defendida tanto pelo campo da saúde quanto pelo educacional, pode ser percebida

como uma abordagem socioambiental. De acordo com classificação de Marcia Westphal

(2006), a abordagem socioambiental se diferencia das abordagens biomédica e

comportamental, entre outros aspectos, por entender saúde como um estado positivo de bem-

estar bio-psico-social e espiritual, de realização de aspirações e atendimento de necessidades

onde os determinantes de saúde incluem as condições de risco biológicas, psicológicas,

socioeconômicas, educacionais, culturais, políticas e ambientais. O quadro a seguir contém

um resumo dos principais aspectos diferenciadores dos três conceitos de Promoção da Saúde,

segundo essa autora.

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Quadro 3 - Concepções de saúde e diferentes visões de Promoção da Saúde.

(WESTPHAL, 2006, p.646)

ABORDAGENS BIOMÉDICA COMPORTAMENTAL SOCIOAMBIENTAL

Conceito de Saúde Ausência de doenças e

incapacidades

Capacidades físico-

funcionais; bem-estar físico e

mental do indivíduos

Estado positivo; Bem-estar bio-

psico-social e espiritual;

Realização de aspirações e

atendimento de necessidades

Determinantes de

saúde

Condições biológicas e

fisiológicas para

categorias específicas

de doenças

Biológicos,

comportamentais; Estilos de

vida inadequados à saúde

Condições de risco biológicas,

psicológicas, socioeconômicas,

educacionais, culturais, políticas

e ambientais.

Principais

estratégias

Vacinal, análises

clínicas individuais e

populacionais, terapias

com drogas, cirurgias.

Mudanças de comportamento

para adoção de estilos de

vida saudáveis.

* Coalizões para advocacia e

ação política;

* Promoção de espaços

saudáveis;

* Empoderamento da

população;

* Desenvolvimento de

habilidades, conhecimentos,

atitudes;

* Reorientação dos serviços de

Saúde.

Desenvolvimento

de programas

Gerenciamento

profissional

Gerenciamento pelos

indivíduos, comunidades de

profissionais.

Gerenciamento pela

comunidade em diálogo crítico

com profissionais e agências.

A partir desta classificação, em nosso trabalho passamos a considerar a existência de

três distintas concepções de Educação em Saúde que se definem pela ocorrência das

característica típicas de uma determinada abordagem de Promoção da Saúde. Assim teremos

Educação em Saúde com abordagem Biomédica, Educação em Saúde com abordagem

Comportamental ou Educação em Saúde com abordagem Socioambiental, de acordo com o

conceito de saúde que norteia o discurso pedagógico, os determinantes considerados e as

estratégias propostas. Tendo como pressuposto o fato de que, de acordo com as perspectivas

teóricas tanto do campo da saúde quando do campo educacional que vimos anteriormente, é

esperada uma abordagem Socioambiental nas ações de Educação em Saúde desenvolvidas no

âmbito escolar.

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4. POR UMA CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM

O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da

comunicação verbal. [...] o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em

função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio

autor como as de outros autores: ele decorre portanto da situação particular de um

problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discurso escrito é

de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele

responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções

potenciais, procura apoio, etc. (BAKHTIN, 1986, p.123)

Vimos, anteriormente, que o objeto livro didático, como um produto cultural que é,

pode apresentar ―múltiplas facetas‖ assumindo diferentes funções dependendo das condições,

lugar, época ou situação de uso. Isso possibilita que as pesquisas o tomem das mais diferentes

formas: como produto cultural, como mercadoria do mundo editorial dentro da lógica de

mercado capitalista, como suporte de conhecimentos e métodos de ensino ou como veículo de

valores ideológicos ou culturais (BITTENCOURT, 2004a). Segundo Martins (2006),

tradicionalmente no campo da Educação em Ciências as investigações têm se concentrado no

inventário e discussão de erros conceituais, deixando uma lacuna no que diz respeito a

análises que contemplem as dimensões discursivas, históricas, políticas e econômicas,

conforme sugerem as revisões mais abrangentes sobre as perspectivas das pesquisas sobre o

tema. Contudo, a autora admite que tem se configurado uma ampliação do escopo do interesse

de alguns pesquisadores da área, especialmente na problematização da questão da linguagem.

É nessa perspectiva que percebemos e localizamos este trabalho. Nossa pesquisa

fundamenta-se na visão de linguagem frente à perspectiva social, cuja preocupação reside na

relação entre linguagem e sociedade. Entendemos que os textos (verbais, imagéticos, sonoros,

gestuais, etc.) são portadores de discursos que produzem efeitos sociais na medida em que

refletem e refratam os valores dessa sociedade.

As discussões teóricas sobre a filosofia da linguagem e sobre a linguagem visual que

travamos a seguir constituem, portanto, uma parte importante do caminho intelectual

percorrido e condição necessária para suporte da análise que nos propomos fazer dos

discursos presentes nas imagens referentes à saúde no livro didático de Ciências.

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4.1. MIKHAIL BAKHTIN: UMA OPÇÃO TEÓRICO-FILOSÓFICA PARA A

QUESTÃO DA LINGUAGEM

Entendemos que tratar da linguagem visual, prescinde de uma tomada de posição em

relação à posição teórico-filosófica assumida na abordagem das questões de linguagem. Nesse

sentido trazemos, neste capítulo, as idéias do filósofo russo Mikhail Bakhtin, como

estruturante de nossa concepção de linguagem.

Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin (1895-1975) nasceu e viveu numa época bastante difícil

do ponto de vista político para os livre-pensadores: a Rússia Soviética. Sua obra, inicialmente,

se desenvolveu no interior de grupos e círculos de amigos que formavam seu ambiente

intelectual, o chamado Círculo de Bakhtin. Mas as atividades desse grupo não duraram muito

tempo. A morte prematura de alguns de seus amigos e colaboradores mais próximos, a

perseguição stalinista e sua enfermidade1, o afastaram dos círculos oficiais e da vida cultural

do seu tempo. Mesmo em exílio ele continuou produzindo e ao longo de sua vida envolveu-se

com os mais variados assuntos tornando imprecisa qualquer definição de seu campo de

atuação: a psicologia, a ciência da arte e da literatura, a filosofia da linguagem ou a semiótica.

Katerina Clark (CLARK, 2004) destaca que ele não se via como um teórico da literatura e que

julgava que o termo mais adequado para aquilo que fazia era o de antropologia filosófica. De

qualquer modo é inegável a riqueza de sua produção teórica em cada um dos campos em que

atuou.

Nos campos da Linguagem e da Linguística, Bakhtin criticou os marcos teóricos vigentes em sua

época, defendendo uma concepção de linguagem que superasse o objetivismo abstrato de Saussure,

onde a língua era tomada como um sistema abstrato, constituído de formas fonéticas, gramaticais e

léxicas e o subjetivismo idealista de William Humboldt que, apesar de perceber a língua como um

processo criativo, o atribui basicamente ao indivíduo isolado e não a fatores sociais.

Para ele a realidade social partilhada pelos indivíduos é a condição essencial para que a língua se

una à fala e se torne processo de comunicação. A língua, sob essa ótica, assume uma perspectiva de

1 Segundo Augusto Ponzio (2008), já aos 26 anos Bakhtin teria se internado em uma cidade de Vitebsk em

decorrência de uma osteomielite. Aos 35, acusado de participação em círculo religioso-filosófico, Bakhtin é

mantido em prisão domiciliar devido a sua doença, até o final do processo. Condenado a cinco anos de

internação no Centro de Correção de Solovski, recorreu a uma comissão médica obtendo comutação da

detenção no exílio do Centro de Reeducação para o Trabalho na cidade de Kustanai, onde permaneceu por um

período total de 7 anos.

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fenômeno social da interação verbal, não podendo ser reduzida a um sistema abstrato de sinais nem

a enunciação monológica isolada. Em suas palavras:

Nos é necessário, sobretudo, reter a idéia de que a linguagem não é alguma coisa de

imóvel, fornecida de uma vez por todas, e rigorosamente determinada em suas

―regras‖ e em suas ―exceções‖ gramaticais. Ela é um produto da vida social, a qual

não é fixa e nem petrificada: a linguagem encontra-se em um perpétuo devir e seu

desenvolvimento segue a evolução da vida social. (VOLOCHINOV, 1930, p.1)2

A grande dimensão da obra de Bakhtin nos obrigou a eleger apenas algumas categorias

de seu pensamento que são especialmente relevantes em nossa pesquisa: o signo como

fenômeno ideológico constitutivo do sujeito, o dialogismo como princípio constitutivo da

linguagem e condição do sentido do discurso, a polifonia dos discursos e a enunciação como

unidade de análise do discurso.

Já antecipando uma destas categorias, o dialogismo - categoria fundamental no

pensamento bakhtiniano -, esse texto se desenvolverá de uma forma dialógica, qual seja:

conduziremos a abordagem de cada uma dessas categorias travando diálogos com outros

teóricos e estudiosos, traçando um caminho próprio de construção de sentido de alguns

conceitos bakhtinianos. Trataremos inicialmente do conceito de signo buscando uma

aproximação entre o pensamento de Bakhtin e Vygotsky para compreender o papel dos signos

na constituição da consciência individual. Em seqüência abordaremos o dialogismo e a

questão do sentido e alguns conceitos básicos, como os de enunciação e polifonia, que

acreditamos serem aplicáveis aos textos visuais.

4.1.1- Os signos e a constituição dos sujeitos

Conceituar signo é, em nosso trabalho, condição básica para estabelecer os alicerces

das nossas argumentações que tomam a linguagem visual como um dos canais de

2 Há uma polêmica em torno da questão da autoria dos escritos do chamado “Círculo de Bakhtin”. Segundo

Augusto Ponzio (2008) na década de 1920 a atividade teórica de Bakhtin se mistura com a de seus amigos e

colaboradores do Círculo até confundir-se, pondo em prática a tese Bakhtiniana do caráter “semi-alheio” da

“própria palavra” (p.11). Alguns textos que são atribuídos a Bakhtin, foram publicados com a assinatura de

Miedviédiev e Volochinov. De acordo com Katerina Clark (2004) essa autoria tem sido alternadamente negada

e admitida, atribuindo-se tanto a Bakhtin quanto aos dois autores diferentes papéis numa espécie de

colaboração.

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comunicação humanos e, como tal, constituída por um sistema próprio de signos. Entretanto,

ao longo de nossas leituras percebemos que dois termos, semiótica e semiologia, têm sido

usados para designar o estudo dos signos ora como sinônimos ora se referindo a conceitos

distintos. Qual dos dois termos seria mais apropriado usar? O que há de comum e de distinto

entre eles?

Ambas as palavras, semiótica e semiologia derivam do grego semeion, que significa

signo. E signo, em última análise, é tudo que significa. Entretanto essa origem comum dos

dois termos não reflete a complexidade que tem envolvido seu uso pelos estudiosos da área. O

lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), em seu livro Curso de Linguística Geral -

publicado pela primeira vez em 1916 -, anuncia a semiologia como a grande ciência que

englobaria todos os estudos de sistemas simbólicos. Em outras palavras ―postulava a

existência de uma ciência geral dos signos, ou Semiologia, da qual a Linguística não seria

senão uma parte‖ (BARTHES, 1971, p.11). Idéia contestada por Roland Barthes, que entende

que a Linguística não é parte da Semiologia e sim o inverso, ou seja, ―a Semiologia é que é

uma parte da Linguística; mais precisamente, a parte que se encarregaria das grandes unidades

significantes do discurso‖ (idem, p.13), ou ainda, ―por seus conceitos operatórios, a

semiologia, que se pode definir canonicamente como a ciência dos signos, saiu da lingüística‖

(BARTHES, 2007. p.28).

Para Lucia Santaella a semiótica ―é a ciência dos signos, é a ciência de toda e qualquer

linguagem‖ (SANTAELLA, 1983, p.7). Considerando-a como uma ciência formal e abstrata

com alto nível de generalidade, essa autora define semiótica como sendo ―a ciência que tem

objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame

dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de

sentido‖ (Idem, p.13).

A complexidade dessa discussão é reconhecida por Martine Joly (1996) que apresenta

a seguinte etimologia para os dois termos: semiótica, de origem americana, é o termo

canônico que designa a semiótica como filosofia das linguagens; semiologia, de origem

européia, é bem mais compreendido como estudo de linguagens particulares como a

linguagem das imagens, dos gestos, do teatro, etc. Para essa autora Ferdinand de Saussure e

Charles Sanders Peirce foram os grandes precursores da semiologia e da semiótica.

Saussure, teórico dedicado ao estudo da língua, ocupou-se com a natureza dos signos

lingüísticos e os descreveu como sendo uma entidade psíquica de duas faces indissociáveis:

um significante (os sons) e um significado (o conceito). Considerava a língua como o sistema

de expressão mais complexo e difundido e, apesar de ser apenas um sistema particular,

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poderia ser usada como padrão geral para qualquer semiologia. Para Joly, ―foi necessário

quase um século para que os pesquisadores se desvinculassem de semelhante profecia e do

que se chamou ‗a supremacia do modelo lingüístico‘ para a análise de outros sistemas de

signos‖ (op.cit., p.32). A autora entende que o trabalho de Peirce traz uma perspectiva mais

ampla, uma teoria geral dos signos (semiotics), onde o signo tem natureza tripolar, ou seja

constitui-se de três componentes: ‗representamen‘ (sua face perceptível, seu significante),

‗objeto‘ (aquilo que o signo representa, seu referente) e ‗interpretante‘ (o que significa, o

significado). Para Martine Joly, essa triangulação ―representa bem a dinâmica de qualquer

signo como processo semiótico, cuja significação depende do contexto de seu aparecimento,

assim como da expectativa de seu receptor‖ (idem, p.33).

4.1.2- Signos como instrumentos psicológicos

As sociedades humanas somente puderam se desenvolver graças à comunicação. As

relações sociais se estabelecem através dos mais variados canais de comunicação: gestos,

linguagem, sons, imagens, rituais. E cada um destes canais apresenta seu próprio sistema de

signos. Historicamente é a linguagem o sistema sígnico que mais atenção recebeu dos

estudiosos. Seu papel ultrapassa a dimensão comunicativa entre sujeitos na medida em que

entendemos que é através dela, linguagem, que o sujeito se constitui.

Esse papel constituidor da psique humana atribuído à linguagem foi bastante

desenvolvido nos estudos de Vygotsky. Para esse psicólogo a dimensão social da consciência

é primordial no tempo e de fato enquanto que sua dimensão individual é derivada e

secundária. Além disso, considera que a estruturação psicológica do indivíduo, assim como da

sociedade, é fundamentalmente formada pelos recursos mediacionais, especialmente a

linguagem.

O conceito de mediação, fundamental no pensamento de Vygotsky, diz respeito ao

fato de existir sempre um elemento intermediário intervindo numa relação entre o homem e a

realidade; a relação, desse modo, deixa de ser direta e passa a ser mediada. Nesse sentido

identifica dois tipos de elementos mediadores entre o homem e o mundo: os instrumentos, que

são elementos externos ao sujeito com função de provocar mudança no objeto e/ou controlar

processos da natureza, e os signos, que agem como instrumentos psicológicos orientados para

o controle do próprio sujeito ou de outras pessoas.

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Signos, então, podem ser definidos como sendo elementos que representam ou

expressam outros elementos, ou objetos, ou situação, ou evento. Como exemplo podemos

pensar na palavra mesa (signo) que convencionamos para nos referir ao objeto mesa; ou no

desenho de uma mão espalmada em uma placa para indicar ‗pare‘; ou ainda no gesto de elevar

o dedo indicador na frente na frente da boca representando um pedido de silêncio.

Como recurso mediacional Vygotsky deu especial atenção aos signos e os entende

como um instrumento psicológico capaz de alterar o fluxo e a estrutura das funções mentais.

Signos, para esse autor, têm um papel similar ao dos instrumentos. Considera que tanto os

instrumentos de trabalho como os signos são construções da mente humana e que estabelecem

uma relação de mediação entre o homem e a realidade.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado

problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.), é análoga à

invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age

como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um

instrumento no trabalho. (VYGOTSKY, 1984. P.59-60)

Em face dessa similaridade, Vygotsky denominou os signos de instrumentos

psicológicos. Para ele, a palavra como signo não é a expressão do pensamento, ao contrário, é

por meio dela que o pensamento pode existir.

4.1.3- Signos como fenômenos ideológicos

Contemporâneo de Vygotsky, Mikhail Bakhtin3 desenvolveu uma teoria da linguagem

fundamentada no dialogismo, onde, superando o estruturalismo da língua, considera que a

linguagem é lugar de constituição de subjetividades. Apesar de, aparentemente, esses dois

teóricos não terem mantido contato um com o outro no desenvolvimento de suas teorias4, eles

3 Ambos nasceram na Russia, Bakhtin em 1895 e Vygotsky em 1896, mas viveram em cidades diferentes.

4 Segundo Maria Tereza de Assunção Freitas, em seu livro Vygotsky e Bakhtin. Psicologia e educação: um

intertexto (São Paulo, Ed. Ática. 1996), apesar de Bakhtin e Vygotsky terem nascido no mesmo país (Russia) e

terem vivido numa mesma época, a única prova encontrada de que eles se conheceram é a citação que Bakhtin

faz em seu livro O Freudismo de 1925, sobre o artigo de Vygotsky intitulado A consciência como problema do

comportamento. Entretanto, Paulo Bezerra, tradutor da edição de O froidismo: um esboço crítico, publicado em

2007 pela editora Perspectiva, afirma, na introdução que faz ao livro, que “há no livro uma coisa no mínimo

curiosa: a ausência de qualquer referência a Vigotskí”(p.XVIII). Apesar dessa divergência ambos os autores

reconhecem a existência de muitas e grandes afinidades entre Bakhtin e Vygotsky.

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apresentam pontos comuns em suas bases teóricas, como por exemplo: o uso da linguagem

como chave para a compreensão das questões epistemológicas das ciências humanas e sociais;

a adoção de uma perspectiva histórica e social, característica do marxismo, para a

compreensão do homem e, o materialismo dialético como referencial (FREITAS, 1996).

Refletindo sobre as bases da teoria marxista da criação ideológica e de sua estreita

ligação com os problemas de filosofia da linguagem, Bakhtin dedicou especial atenção ao

caráter ideológico dos signos. Inicialmente percebemos que a distinção entre signo e sinal é

crucial em sua teoria. Sinal é algo que identifica alguma outra coisa, seu conteúdo é imutável,

constitui-se apenas em um instrumento técnico que designa outro objeto ou acontecimento.

Sua função é pré-fixada, seu significado é estável e o processo de compreensão de um sinal se

faz pela pura identificação ou reconhecimento. O signo, por outro lado, caracteriza-se por sua

fluidez semântica que é determinada pelas condições específicas de cada momento da

comunicação. Seu sentido é estabelecido de forma dialógica a partir do estabelecimento de

uma tomada de posição, ou seja, como uma atitude responsiva. O signo, na verdade, contém

em si o sinal, mas é mais do que isso, comporta um significado contextualizado pela cultura

da comunidade onde se insere. Nesse sentido o signo só tem sua existência em um terreno

interindividual.

Bakhtin entende os signos como instrumentos ideológicos e, afirma que ―tudo que é

ideológico é um signo e que sem signos não existe ideologia‖ (1986, p.31). Entretanto

reconhece sua materialidade e afirma que ―cada signo ideológico não é apenas um reflexo,

uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade” (idem, p33).

Os signos se manifestam e são percebidos através de uma experiência exterior, através dos

nossos sentidos. Podemos vê-los (um objeto, uma cor, um movimento, gesto), podemos ouvi-

los (voz, música, ruídos) podemos senti-los como odores, tocá-los e até mesmo sentir seu

sabor. Acrescenta, ainda, que mais do que de representarem ou exprimirem elementos,

objetos, situações ou eventos da realidade material, os signos são capazes mostrar,

simultaneamente, uma outra realidade que, sem melhor palavra, ouso chamar de imaterial.

Uma realidade que é ideológica, que é compartilhada por um grupo social.

[...] toda imagem artístico-simbólica ocasionada por um objeto físico particular já é

um produto ideológico. Converte-se, assim, em signo o objeto físico, o qual, sem

deixar de fazer parte da realidade material, passa a refletir e a refratar, numa certa

medida, uma outra realidade. (idem, p.31)

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Traz como exemplo dessa capacidade que tem o signo de refletir e refratar a realidade,

a imagem do martelo e da foice. Juntos, esses dois objetos representam a própria União

Soviética, mas separados são apenas instrumentos de trabalho. Nesse exemplo podemos

perceber que o conteúdo ideológico desses signos só se realiza em função de uma cultura

espaço-temporalmente localizada. Esses signos, sem perder sua materialidade e sua função de

sinal (reflexo da realidade) comportam, assim, um conteúdo ideológico (refração da

realidade).

No caso específico da linguagem, Bakhtin entende que a palavra, pelo seu papel semiótico de

comunicação, é um fenômeno ideológico por excelência (idem, p.36). Cada palavra que proferimos

carrega em si mais que seu significado dicionarizado (sua função de sinal), ela é signo na medida

em que seu sentido é totalmente determinado por seu contexto.

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou

mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis,

etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico

ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas

que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (idem, p.95)

Apesar de haver tantas significações possíveis quanto contextos possíveis para seu uso, ou seja,

apesar de sua polissemia, a palavra continua a ser uma. Esse seu caráter único é garantido não só

por sua composição fonética, mas por ―uma unicidade inerente a todas as suas significações‖

(idem, p.106).

Retomando a questão de como o sujeito se constitui, mais uma vez aproximamos Vygotsky e

Bakhtin para melhor compreender o papel que tem a palavra na constituição da consciência

individual. Ambos os autores concebem a língua como um fenômeno social e constitutiva do

sujeito, na medida em que é através da linguagem que a atividade mental se organiza. Para

Vygotsky a palavra como signo é um instrumento psicológico e é através dela que o pensamento

pode existir; para Bakhtin ―não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é

a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação‖ (1986,

p.112 – grifos do autor)

Vimos ainda que Vygotsky admite que a dimensão social da consciência é primordial enquanto que

sua dimensão individual é derivada e secundária e que, portanto, a estruturação psicológica do

indivíduo se constitui a partir dos recursos mediacionais socialmente compartilhados,

especialmente a linguagem. De forma análoga Bakhtin entende que a consciência individual deve

ser explicada a partir do meio ideológico e social.

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A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo

organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da

consciência individual; a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e

suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação

semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico

e ideológico, não sobra nada. (idem, p.35-36)

Ambos os teóricos percebem a linguagem como um importante canal de comunicação

que estabelece relações sociais e constitui o indivíduo. Para Bakhtin a palavra tem valor

especial no processo de comunicação por ser um fenômeno ideológico por excelência. Ela é o

primeiro meio da consciência individual. Sua realidade é socialmente construída, mas ela é

produzida pelo nosso organismo sem auxílio externo, o que a torna ―material semiótico da

vida interior, da consciência (discurso interior)‖ (idem, p.37). Para esse autor qualquer

processo que envolva compreensão de um fenômeno ideológico não se realiza sem esse

discurso interior. Quando participamos de uma conversa, assistimos a uma cerimônia,

apreciamos uma obra de arte, assistimos a um concerto musical, assumimos uma atitude

responsiva através do discurso interior que pode ser exteriorizado ou não. Assim, a palavra

sempre acompanha e comenta todo e qualquer ato ideológico. Entretanto, adverte que seria

um simplismo exagerado presumir que a palavra tenha o poder de substituir os outros signos

ideológicos e reconhece que ela não suplanta outros sistemas de signos e que seria impossível

exprimir em palavras de modo adequado, uma composição musical, uma pintura, um ritual

religioso, um gesto, apesar de todos eles serem acompanhados de palavras e se apoiarem

nelas.

Para complementar esse pensamento bakhtiniano sobre o alcance do poder de

expressão da palavra Gunther Kress e Theo van Leeuwen que são dois importantes teóricos da

semiótica social da atualidade, refletindo sobre a capacidade que tem os outros signos, além

da palavra, de significar, afirmam que:

Os significados que podem se realizar na linguagem e na comunicação visual

sobrepõem-se em parte, isto é, algumas coisas podem ser expressas tanto

visualmente quanto verbalmente; e em parte divergem – algumas coisas podem ser

‗ditas‘ apenas visualmente e outras apenas verbalmente. Mas até mesmo quando

algo pode ser ‗dito‘ visual e verbalmente, a forma como será ‗dito‘ é diferente.

(KRESS & VAN LEEUWEN, 1996, p. 2 - tradução nossa)

Esses autores investigam a gramática do design visual e se propõem a prover um

inventário das principais estruturas composicionais que têm sido estabelecidas como

convenção na história da semiótica visual e analisar como essas estruturas têm sido usadas na

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produção de sentido pelos produtores de imagens contemporâneos. Concordando com os

princípios da lingüística moderna que entende que a gramática vai além de regras formais e

que é um meio de representar modelos de experiência, esses autores afirmam que o mesmo é

verdade para uma ‗gramática do design visual‘. Advertem que essa analogia não implica que

as estruturas lingüísticas e visuais sejam iguais, a relação seria mais geral, isto é, as estruturas

visuais realizam sentidos do mesmo modo que as lingüísticas o fazem, apontando para

diferentes interpretações da experiência e diferentes formas de interação social.

Para eles, a análise da comunicação visual pode ser uma parte importante das

disciplinas críticas; já que as imagens, como totalmente dentro do reino da ideologia, são

meios de emergência de posições ideológicas, com toda a complexidade deste argumento. O

crescente empreendimento da ‗análise crítica do discurso‘, busca mostrar como um discurso

aparentemente neutro pode carregar atitudes ideológicas e como a linguagem é usada para dar

status e poder nas interações sociais contemporâneas. Daí a importância de ler nas entrelinhas

para vislumbrar uma possibilidade de uma visão alternativa à massificação.

Retomemos, por ora, as categorias do pensamento bakhtiniano que sustentam nossa

abordagem das imagens como textos.

4.1.4- Dialogismo: a questão do sentido em Bakhtin

Segundo Augusto Ponzio ―a problematização do ‗sentido‘ e de como este se coloca e

se diferencia do ‗significado‘.‖ (PONZIO, 2008, p.89) está presente em toda a obra de

Bakhtin. A questão do sentido envolve mais que a relação entre língua, como código, e o

discurso, como texto; envolve as relações dialógicas presentes em qualquer enunciação, quer

seja uma palavra, um texto, um gênero discursivo ou qualquer outro tipo de linguagem.

Para Bakhtin, o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do

discurso. Ignorar a natureza dialógica da linguagem é o mesmo que apagar a ligação que existe

entre a linguagem e a vida. A dialogia diz respeito às diversas maneiras como duas ou mais vozes

entram em contato em um discurso. Afinal, um discurso nunca é individual, na medida em que se

constrói entre pelo menos dois interlocutores e, além disso, é ainda construído como um diálogo

entre discursos (os que o precederam e os que o sucederão).

O texto dialógico pressupõe a existência de discursos no interior do discurso. De acordo com

Marília Amorim em todo discurso há um comprometimento com a alteridade, isto é, com a

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presença do outro – ―os outros de antes e os outros de depois‖ (AMORIM, 2001, p.135). Isso é o

que garante o dialogismo. O discurso mostra o ―rastro‖ do outro, assim:

A presença do outro no discurso pode ser rastreada linguisticamente, isto é, através

de formas gramaticais. Mas ela pode também não estar marcada no nível da frase e

só ser identificável no nível do enunciado. Neste momento, o contexto será o suporte

de compreensão e a presença do alocutário estará refletida de modo mais sutil. (op.

cit., p.123)

Para reafirmar o caráter dialógico do discurso, Bakhtin propõe que sua unidade de análise seja a

enunciação.

Bakhtin considera que o enunciado é ―a unidade real da comunicação verbal (onde) as fronteiras do

enunciado concreto são determinadas pela alternância dos sujeitos falantes‖ (BAKHTIN, 1997,

p.293-294), de modo que:

Todo enunciado – desde a breve réplica (monolexemática) até o romance ou o

tratado científico – comporta um começo absoluto e um fim absoluto: antes de seu

início, há os enunciados dos outros (ainda que seja como uma compreensão

responsiva ativa muda ou como um ato-resposta baseado em determinada

compreensão). O locutor termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou

para dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro. O enunciado não é uma

unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela

alternância dos sujeitos falantes, e que termina por uma transferência da palavra ao

outro, por algo como um mudo ―dixi‖ percebido pelo ouvinte, como sinal de que o

locutor terminou. (op.cit., P.294)

Brait e Melo (2008) advertem que a definição de enunciado / enunciado concreto / enunciação,

conceito que tem um papel central no pensamento desse teórico justamente porque considera

linguagem do seu ponto de vista histórico, cultural e social, não se encontra pronta e acabada numa

determinada obra de Bakhtin; ―o sentido e as particularidades vão sendo construídos ao longo do

conjunto das obras, indissocialvelmente implicados em outras noções também paulatinamente

construídas‖ (p.65). Contudo, podemos entender a enunciação como o resultado da interação entre

indivíduos na sociedade, sendo determinada pela situação social mais imediata, que inclui as

características particulares dos envolvidos e das relações hierárquicas entre eles. Obviamente a

situação social mais imediata só tem sua existência dentro de um horizonte social mais amplo, que

se constitui de tudo aquilo que até aquele exato momento tenha sido produzido signicamente e que

entre eles possa ter sentido.

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Todo enunciado comporta um sentido, um conteúdo, que será diferente de acordo com as

circunstâncias, com o contexto. Afinal, as palavras podem apresentar várias significações diferentes

dependendo das circunstâncias e das causas sociais mediatas que estão na origem do ato de

comunicação (VOLOSHINOV, 1930). Estas circunstâncias constituem a parte extra-verbal de um

enunciado, que traz aspectos do espaço e tempo do evento (onde e quando se deu), do objeto (ou

tema do enunciado) e da avaliação (posição dos interlocutores diante do fato). Esses três aspectos

juntos, formam o que Bakhtin chama de ―situação‖ de um enunciado, que é o que possibilita a

existência de um ‗subentendido‘ que torna possível a interação verbal.

Para que se compreenda uma enunciação é preciso entender sua relação com outras enunciações.

A enunciação realizada é como uma ilha emergindo de um oceano sem limites, o

discurso interior. As dimensões e as formas dessa ilha são determinadas pela

situação de enunciação e por seu auditório. A situação e o auditório obrigam o

discurso interior a realizar-se em uma expressão exterior definida, que se insere

diretamente no contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela

ação, pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros participantes na situação de

enunciação. (BAKHTIN, 1986, p.125)

Em uma enunciação as palavras carregam uma história de enunciações anteriores. Elas não foram

criadas naquele momento, já foram proferidas em situações anteriores e por alguma razão foram

acolhidas pelo locutor. Ao incorporar uma palavra em seu discurso, o enunciador atribui crédito à

palavra do outro, acolhendo, investigando seu sentido, concordando ou discordando em maior ou

menor grau, ultrapassando os limites da compreensão imediata. Quem foram e que valor tiveram

essas pessoas para creditar qualidade à palavra? Que contextos eram esses que criavam um

ambiente de credibilidade para as enunciações? Sim, porque o status do enunciante e do contexto,

conferem valor à enunciação e marcam como tatuagem as palavras, contaminando-as.

Por outro lado, o locutor constrói sua fala mediante consideração de quem é seu interlocutor, ou

seja, a fala também depende da audiência. Se a audiência fosse outra, a fala também seria. Como

diz Bakhtin ―toda palavra comporta duas faces [...] Ela é determinada tanto pelo fato de que

procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém‖ (op.cit., p. 113). A enunciação,

desta forma, é dependente dos aspectos individuais desses sujeitos, seus desejos e anseios, mas

também é dependente dos aspectos sociais do grupo ao qual eles pertencem, sua história, seus

valores, crenças, preconceitos, medos e esperanças.

Bakhtin admite que a palavra tenha um duplo sentido: ela é unidade lexical por um lado, mas por

outro ela é unidade de enunciação que remete a diferentes vozes. A palavra percorre os indivíduos,

os contextos, os grupos sociais, as gerações assumindo novos valores. Uma palavra ouvida carrega

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significados dados pelo outro. Este outro, por sua vez, também não a criou, ouviu de um terceiro

que a ela emprestava seu valor. Dessa forma pode-se perceber em uma palavra, em uma

enunciação, a presença de outras vozes que não a do locutor e a do interlocutor apenas: vozes de

outros indivíduos, outros tempos, de outras culturas, de outros grupos sociais, de gêneros, de

distintas faixas etárias, de diferentes ideologias, etc. Isto caracteriza o conceito de polifonia de

Bakhtin, ou seja, uma enunciação contém e revela estas inúmeras vozes.

Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma

coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda

inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta

com as reações ativas da compreensão, antecipa-as (...) (BAKHTIN, 1986. p. 98)

Considerando que o discurso é dialógico por que remete a várias instâncias, a outras vozes, o

princípio dialógico de Bakhtin aponta para duas diferentes concepções: a do diálogo entre

interlocutores e a do diálogo entre discursos. Para Bakhtin, não se pode ignorar esta natureza do

discurso quando se realiza uma pesquisa, sob o risco de comprometer sua historicidade na medida

em que se enfraquece o elo entre linguagem e vida. A orientação dialógica de um discurso é,

portanto algo natural, ele sempre se encontra com o discurso do outro na medida em que precisa se

orientar para o conhecido, para o ―já dito‖ (BAKHTIN, 2002), sem o que se tornaria

incompreensível.

Trazendo aqui nosso objeto de estudo argumentamos que as imagens são discursos e,

como tal, possuem uma orientação dialógica. No ato compreensivo os discursos imagéticos,

em semelhança com os discursos verbais, se constituem do encontro de outros discursos já

conhecidos. Orientam-se, portanto para um terreno conhecido e compartilhado entre o

produtor e o leitor da imagem, para o já dito. Admitimos que os textos imagéticos, em

semelhança com o texto verbal, sejam enunciados polifônicos que contêm e revelam as vozes

do seu tempo. Nesse sentido destacamos a importância da contextualização dos discursos no

seu tempo. Afinal, ―estudar o discurso em si mesmo, ignorar a sua orientação externa, é algo

tão absurdo como estudar o sofrimento psíquico fora da realidade a que está dirigido e pela

qual ele é determinado‖ (op.cit., p. 99).

Considerando que o enunciado é uma unidade da comunicação discursiva, entendemos

que uma imagem pode ser tomada como enunciado; que todo o contexto onde a imagem se

insere (o capítulo do livro, o tópico do capítulo, a página onde se insere) pode ser um

enunciado, ou ainda, que os aspectos internos da imagem podem ser considerados como

enunciados completos, de acordo com o nível da análise que se pretenda fazer.

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Esteja em qual nível estiver, o texto (imagético ou não) tomado como unidade de

análise pode conter, além das vozes do seu tempo, os discursos de outros tempos e de outros

grupos sociais, tornando-se algumas vezes ideologicamente contraditórios.

4.2. A LINGUAGEM VISUAL

4.2.1- O conceito de imagem

Chamamos de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos que vemos

nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as

representações do gênero. (Platão apud Joly, 1996, p.13)

A palavra imagem pode ter muitos significados diferentes, podemos usá-la nos

referindo tanto a imagens visuais (desenho, pintura, fotografia diagramas, escultura,

animações, filmes, etc.), como a imagens mentais (sonho, lembrança ou representação mental

de uma coisa, de uma pessoa, ou de uma categoria social como por exemplo ‗imagem de

político‘) ou ainda a imagens virtuais (videogames, simuladores de vôo, hologramas e etc.).

Contudo, todos estes significados estão relacionados de algum modo com ―analogia‖, isto é, a

imagem é algo que se assemelha a outra coisa, que representa algo, portanto a imagem é

percebida como um signo (Joly, 1996).

As imagens visuais fixas, que nos interessam especificamente neste estudo, tanto

podem representar coisas que existem materialmente na realidade como aquelas que nunca

existiram como uma entidade total. A partir dessa perspectiva pode-se verificar o grau de

semelhança entre uma imagem e o objeto representado, ou seja, o grau de realidade com que

uma imagem se relaciona com a realidade que representa passa por diferentes níveis, desde a

igualdade total (iconicidade máxima) até a abstração total. De acordo com Moles citado por

Aparicci et. al (1992, p.220) ―o conceito de iconicidade se refere ao fato de que uma imagem

é a imagem de um objeto real. Um símbolo é um signo que retém em pouca medida elementos

do objeto que designa; em outras palavras, se parece pouco com ele‖.

O nível de iconicidade de uma imagem é o grau de semelhança que ela tem com o

modelo real. Uma imagem tende para a abstração quando perde iconicidade, isto é, quando

são reduzidas suas características visuais que lembram o referente (Imagem 1). Baseado neste

princípio Moles estabeleceu uma escala de iconicidade composta de 12 graus, que

exemplificamos no Quadro 4.

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77

Imagem 1 – Diferentes níveis de iconicidade

Quadro 4 - Escala de iconicidade decrescente

(Adaptado de APARICCI et.al. 1992, p.218)

Abstração

Iconcidade

Definição Critério Exemplos

12 0 Objeto em si

mesmo

Objeto e imagem coincidem mas

existe uma relação de representação,

quer dizer, o objeto está colocado em

um estado ‗comunicativo‘.

Objeto na vitrine

11 1

Modelo bi ou tri

dimensional em

escala

O modelo possui todas ou grande

parte das propriedades sensíveis do

objeto, como cor e forma, mas que

podem ser sido modificadas

arbitrariamente.

Maquetes, esculturas

10 2

Esquema bi ou tri

dimensional

reduzido ou

aumentado.

Cores e materiais escolhidos segundo

critérios lógicos.

Mapas tridimensionais,

globo terrestre, cartas

geológicas.

9 3

Fotografias ou

projeções realistas

sobre um plano.

Com relação analógica ponto a ponto,

entre a realidade e sua projeção. A

imagem apresenta um grau de

definição equiparado ao poder

resolutivo do olho.

Fotografias, cartazes,

catálogos ilustrados.

8 4

Desenhos ou fotos

de contorno.

Perfis.

A imagem mantém uma relação

correta com a realidade através de

critérios de similaridade, contorno de

formas, silhueta.

Caricaturas, silhuetas.

7 5

Esquema

anatômico,

mecânico,

A imagem se simplifica e pode

mostrar coisas que não se vê a

primeira vista. Se representa o que se

Corte anatômico. Corte

de um motor mostrando

seus componentes

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eletrônico ou de

construção.

vê e o que se sabe.

Interessa mais conhecer e comunicar

do que assemelhar à realidade.

internos.

Planta baixa de casa ou

área.

6 6 Imagem

fragmentada.

A imagem se apresenta em uma

disposição artificial e suas partes se

organizam em uma disposição

perspectiva de peças segundo suas

relações espaciais.

Gibi, seqüência, mosaico.

5 7

Esquema de

princípios

(eletricidade e

eletrônica)

Todas as características sensíveis

foram abstraídas, exceto a forma, a

qual pode ter sido estilizada ou

geometrizada. A imagem é um

símbolo reconhecido (pictograma).

Interessa mais conhecer e comunicar

do que assemelhar à realidade.

Planta baixa de casa ou

área.

4 8 Organograma ou

esquema.

Desaparecem todas as características

sensíveis e os elementos são quadros

reunidos por conexões lógicas,

hierárquicas.

Organograma de

empresa, de sítios da

web.

3 9 Esquema de

formulação.

Relações lógicas e topológicas, em

um espaço não geométrico, entre

elementos abstratos. As relações são

simbólicas, todos os elementos são

visíveis.

Mapas mentais,

sociogramas e fórmulas

químicas.

2 10

Esquemas em

espaços

complexos.

Combinação em um mesmo espaço de

representação de elementos

esquemáticos abstratos (flechas, retas,

plano, objeto), pertencentes a sistemas

diferentes.

Diagramas de forças

1 11

Esquema de um

espaço puramente

abstrato e

esquema vetorial.

Todas as propriedades foram

abstraídas a dimensões vetoriais com

magnitudes (quantidade, direção,

sentido) susceptíveis de serem

representadas em um ponto.

Gráficos vetoriais

0 12

Descrição em

palavras

normalizadas ou

em fórmulas

algébricas

A imagem consiste em signos

puramente abstratos sem conexão

imaginável com o significado ou com

a realidade.

Palavras, textos,

números, contas.

A imagem altamente icônica proporciona uma representação da realidade de tal modo

que, em alguns casos, pode ser confundida com a realidade mesma. Já a imagem abstrata

nasce de um processo de perda de iconicidade em benefício de um valor operativo, isto é, de

uma codificação direta de algo, sua significação. Mas ela somente fará sentido para aqueles

que compartilham esse sentido simbólico consciente ou inconscientemente.

É inegável a crescente utilização de imagens no mundo moderno; tanto que é comum

ouvirmos dizer que vivemos na chamada civilização da imagem. Esse aumento do uso das

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imagens em nosso dia-a-dia deve-se em grande parte ao desenvolvimento das técnicas de

produção, reprodução, transmissão, distribuição e recepção. Através dos mais variados

aparatos tecnológicos as imagens nos chegam cada vez mais realísticas, soando para nós

como tão verdadeiras como a própria realidade que pretendem representar. Acostumamos-nos

com elas e não as questionamos, afinal, parece tão fácil entender o que dizem!

Mas esse sentido único que uma imagem mais realística possa nos fazer crer existir, é

resultado apenas de uma inocência do olhar. Essa falsa ―transparência‖ da imagem tem criado

uma necessidade de melhor compreender o papel que desempenham em nossa relação com o

mundo.

...a abundância de imagens técnicas pode dificultar o funcionamento pleno de nossa

capacidade de decifrar as cenas que se apresentam na forma de imagens como

significados construídos. É o que acontece quando deixamos de compreender as

imagens técnicas como produções culturais e subjetivas, assumindo-as como

revelações objetivas do próprio mundo. Esta aparente objetividade das imagens

técnicas é uma ilusão que precisa ser compreendida como tal, pois as imagens

técnicas são tão simbólicas como qualquer imagem. (JOBIM E SOUZA. 2003, p.79)

Alguns estudiosos da semiótica podem nos ajudar a tecer argumentos contrários a

essa visão ingênua de representação da realidade e da necessidade de um aprendizado

intencional para a leitura das imagens.

A questão da analogia, isto é, da semelhança entre a imagem e a realidade, foi tratada

exaustivamente por Jacques Aumont (1993) tanto do ponto de vista do espectador quanto do

seu processo de produção. Para esse autor as imagens analógicas ―foram sempre construções

que misturavam em proporções variáveis imitação da semelhança natural e produção de

signos comunicáveis socialmente‖ (p.203). O que significa que além da parcela de realidade

que possa representar, as imagens trazem consigo as escolhas que representam os interesses

de quem as produziu, o que consequentemente envolve também suas posições ideológicas.

Não há como evitar, estamos irremediavelmente expostos a imagens das mais

distintas naturezas e, diante delas, inevitavelmente expostos a essa sua dupla natureza: ao

mesmo tempo que representam algo do mundo real essa representação está impregnada da

subjetividade de seu criador. Para Martine Joly, o fato de vivermos em uma civilização da

imagem sem possibilidade de escapar de utilizá-las, decifrá-las e interpretá-las, pode fazer

com que, às vezes, as imagens possam nos parecer ameaçadoras, colocando-nos no centro de

um paradoxo interessante:

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[...] por um lado, lemos as imagens de uma maneira que nos parece totalmente

natural [...] por outro, temos a impressão de estar sofrendo de maneira mais

inconsciente do que consciente a ciência de certos iniciados que conseguem nos

―manipular‖, afogando-nos com imagens em códigos secretos que zombam de nossa

ingenuidade. (JOLY, 1996, p.10).

Contudo, a pesquisadora reconhece que esse paradoxo não se justifica totalmente,

pois ―somos moldados da mesma massa que ela, a imagem nos é tão familiar e não somos

cobaias, como às vezes acreditamos ser‖ (op. cit. p.10), ou seja, somos culturalmente

iniciados na compreensão das imagens.

De fato, considerando as imagens como objetos socialmente construídos que trazem

consigo os códigos e os modos de uso característicos desta sociedade, o espectador

teoricamente conhece e compartilha dessas convenções, de modo que ―a imagem funciona

apenas em proveito de um hipotético saber do espectador‖ (AUMONT, 1993, p.163).

Por outro lado, não podemos nos esquecer de que, graças ao desenvolvimento das

tecnologias de informação e comunicação, vivemos um momento onde as fronteiras culturais

praticamente inexistem e, uma das conseqüências desse processo de globalização pode ser o

apagamento cultural dos grupos menos dominantes. Esse processo, que também se manifesta

através da invasão de imagens estrangeiras, nos coloca diante de códigos e valores

culturalmente impostos. Atentos a essa questão Roberto Aparici e colegas argumentam que o

fato de vivermos em um mundo da comunicação não nos garante uma autêntica participação

nos meios de comunicação e que é preciso desenvolver um verdadeiro processo de

alfabetização em linguagem audiovisual, pois somente ―a participação de uma população

alfabetizada no processo de comunicação, permitirá evitar os monopólios e as imposições

culturais dos modelos alheios às realidades vividas por cada comunidade, grupo social ou

étnico‖ (APARICI et. al., 1992, p.9, tradução nossa).

O uso didático das imagens não é recente. Já no século XVII, o checo Amos

Komensky (1952-1671) mais conhecido pelo nome de Comenius, preocupou-se em alertar os

educadores da época sobre o importante papel que as ilustrações poderiam ter na

aprendizagem das crianças. E como em sua época não existiam materiais didáticos ilustrados,

o pai da pedagogia, como é considerado atualmente, tratou de elaborar ele mesmo uma

primeira obra ilustrada, o Orbis pictus.

Publicado em 1685, em Nuremberg, o ―Mundo sensível ilustrado‖ (Orbis

sensualium pictus) é o primeiro livro escolar em que a imagem desempenha um

papel fundamental na aquisição do saber. Pela primeira vez, mais que o texto, a

imagem é fonte de conhecimentos. Esse livro representa o auxiliar indispensável

para substituir muitos elementos do mundo sensível que o pedagogo não pode levar

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à sala de aula. A imagem parece assim o paliativo privilegiado quando não se pode

pôr o aluno em situação de manipular diretamente um objeto a ser compreendido ou

simplesmente nomeado; essa iniciação ao mundo real pela imagem é necessária se

aceitarmos a teoria comeniana da aprendizagem segundo a qual o sensível é

inseparável do intelectual, o conceito da imagem e o objeto real da palavra que o

descreve. (Chalmel, 2004, p.67)

Atualmente dispomos de um imenso número de publicações ricamente ilustradas e

com finalidades pedagógicas ao alcance de nossas mãos. Os Livros didáticos, de modo

especial, tornaram-se visualmente muito atraentes nas últimas décadas. Entretanto, conforme

já afirmamos essa ―evolução‖ na visualidade destes materiais não é acompanhada de uma

correspondente evolução no uso pedagógico que se faz destas imagens. Freqüentemente são

consideradas como meras acompanhantes do texto escrito auxiliando na aprendizagem dos

conteúdos com seu papel motivador da leitura. Entretanto é importante lembrar que as

imagens, aqui consideradas como enunciados polifônicos, não são transparentes, ou seja, não

transmitem um único sentido. Essa natureza polissêmica das imagens cria a necessidade de

um aprendizado para sua leitura.

Reconhecer o potencial pedagógico das imagens implica considerar que elas também

são capazes de transmitir mensagens, conceitos, idéias, valores, desempenhando, desse modo,

importante papel na formação dos jovens; o que nos leva a acreditar na importância de ações

voltadas para o desenvolvimento de um aprendizado intencional para a leitura de imagens.

4.2.2- A Leitura de imagens

As relações humanas se estabelecem através de canais de comunicação e a

linguagem é um desses canais. Como todo sistema de significação ela se utiliza de um sistema

de representações sígnicas verbais, gráficas, icônicas, gestuais ou sonoras, que requerem uma

aprendizagem intencional para sua aquisição.

Mas de que leitura estamos falando? Barthes e Compagnon (1987), refletindo sobre a

prática da leitura (qualquer leitura: verbal, imagética, sonora, gestual, etc.) e seu caráter

social, interrogam esse objeto sobre a possibilidade de existência de dois grandes níveis de

leitura: uma leitura primeira, ou imediata, ou literal, ou ainda leitura operatória, onde saber ler

é saber decifrar signos, e um segundo nível onde o objeto de leitura ultrapassa a compreensão

em bruto dos signos, em busca do sentido, ou sentidos, que transmitem. Contudo, esses

autores argumentam que apesar da sociedade sempre haver reconhecido a existência de uma

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empiria da leitura (o primeiro nível), ―não é verdade que se possa fazer uma leitura apenas

inocente (mecânica) de um texto: mesmo a criança que soletra uma frase ‗anódina‘ no seu

livro de leitura investe nisso algo da sua própria situação: já actua, neste B, A = BA, como

sujeito, e não como simples organismo decifrador‖ (p.187). Do mesmo modo que não basta

saber ler a palavra para dar sentido a um texto, também nas representações visuais os sentidos

possíveis ultrapassam a simples identificação visual de seus componentes. Aprender a ler

textos verbais e/ou imagéticos é muito mais do que decodificar signos. Uma alfabetização

visual pode permitir uma produção de sentido mais densa do que aquela que realizamos no

cotidiano.

O texto icônico contém elementos que demandam uma aprendizagem para sua

leitura; o que nos permite falar da necessidade de uma alfabetização visual que se justifica a

partir do princípio de que as representações visuais presentes em um dado contexto se

constituem por estruturas composicionais convencionadas por um determinado grupo social

num tempo histórico definido. Aquilo que pode ser expresso na linguagem verbal por meio da

escolha entre diferentes classes de palavras e estruturas semânticas, é, na comunicação visual,

expresso através da escolha, por exemplo, dos diferentes usos de cores, ou diferentes

estruturas composicionais. Essas estruturas realizam sentidos assim como as estruturas

lingüísticas o fazem (KRESS& VAN LEEUWEN, 1996).

Como vimos anteriormente, adotamos em nosso estudo uma perspectiva bakhtiniana

para signo, onde este é entendido como um fenômeno ideológico por natureza que reflete e

refrata a realidade em transformação. Entretanto ―cada signo não é apenas um reflexo, uma

sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade‖ (BAKHTIN, 1986.

p.33) na medida em que se manifesta e é percebido através de uma experiência exterior, seja

como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo e etc. A realidade do

signo, ou ainda, o sentido que realiza em nós, é socialmente construído e, portanto, marcado

pelo horizonte social de uma época e de um grupo. Entretanto, como adverte Bakhtin, ―classes

sociais diferentes servem-se de uma mesma língua. Conseqüentemente, em todo signo

ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena onde se

desenvolve a luta de classes‖ (idem, p.46).

Bakhtin (1993) ainda nos adverte que qualquer evento do mundo real é considerado a

partir de centros de valor diferentes, ou seja, "o mundo se dispõe em torno de um centro

valorativo concreto, que é visto e amado e pensado e que o que constitui esse centro é o ser

humano‖ (p.79), mas não um ser humano genérico qualquer, um ser humano único e

individual que ocupa seu lugar único no mundo. Desse modo um mesmo objeto ou fenômeno

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ou fato é ―contemplado de diferentes pontos de um único espaço por várias pessoas diferentes,

ele ocupa lugares diferentes e é apresentado diferentemente dentro do todo arquitetônico

constituído pelo campo de visão dos diferentes observadores‖ (p.80) sem, contudo, perder seu

‗conteúdo-sentido‘ que, abstratamente considerado, permanece idêntico e auto-equivalente.

Dessa maneira podemos considerar que diante de uma palavra, um som, uma imagem, a

avaliação que fazemos do seu significado do ponto de vista de algum valor particular, pode

ser diferente da realizada por outra pessoa diante do mesmo evento justamente por ter sido

realizada a partir de centros de valor distintos.

4.2.3- O que dizem as pesquisas sobre imagem

Vimos que, devido ao seu aspecto comunicacional, a imagem apresenta um

importante potencial pedagógico mobilizando e potencializando a compreensão. Entretanto,

apesar do seu uso didático não ser recente, somente nas últimas décadas e em conseqüência

dos avanços das técnicas de impressão e reprodução, as imagens se tornaram efetivamente

presentes nos materiais didáticos justificando o crescente número de estudos acadêmicos

sobre seu papel no ensino.

Considerando a relevância de um maior entendimento do papel que as imagens

desempenham no processo de ensino e aprendizagem de ciências e, considerando ainda, que o

livro didático é o mais importante material impresso do universo discursivo escola, interessa-

nos buscar compreender como têm sido desenvolvidos os estudos atuais que tratam das

imagens nos livros didáticos de ciências.

Com o objetivo de melhor conhecer o que já existe de pesquisas sobre imagens fixas

no campo da Educação em Ciências, estabelecemos uma parceria com outras pesquisadoras,

cujos interesses acadêmicos também estão voltados para a compreensão do papel didático das

imagens, e procedemos à análise de um conjunto representativo de artigos acadêmicos sobre

imagens no campo da Educação em Ciências5, com o objetivo de obter pistas sobre o status do

corpo de conhecimentos sobre o tema construído até o momento. Os critérios adotados para a

busca e seleção desses artigos, foram: terem sido publicados em periódicos da área de Ensino

5 Os resultados dessa análise, realizada em parceria, foram publicados em: Souza, L.; Rego, S.; Gouveia, G.. A

IMAGEM EM ARTIGOS PUBLICADOS NO PERÍODO 1998-2007 NA ÁREA DE EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, América do Norte, 1219 01 2011.

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de Ciências e Matemática listados no Qualis6 com classificação A e B e publicados no período

entre 1998 e 2007; artigos cujos títulos contivessem pelo menos um dos dez termos de busca

(imagem, desenho, fotografia, foto, representação, visual, ilustração, gráfico, quadrinho,

tirinha e suas variações em número) e, finalmente, artigos que tratavam de imagem fixa.

Neste levantamento foram identificadas 103 revistas das quais tivemos acesso

somente a 74, onde encontramos 47 artigos sobre imagens, conforme demonstrado na Tabela

1.

Tabela 1 - Levantamento dos artigos acadêmicos sobre imagem no período 1998-2007.

REVISTAS PESQUISADAS

Nível Circulação Revistas consultadas Revistas com artigos

sobre o tema Artigos encontrados

A

Internacional 11 6 21

Nacional 12 5 14

Local 1 0 0

Sub-total 24 11 35

B

Internacional 7 1 2

Nacional 34 5 7

Local 9 3 3

Sub-total 50 9 12

TOTAL 74 20 47

A partir da leitura prévia integral de 6 artigos escolhidos aleatoriamente, construímos

as 8 categorias em que foram analisados:

1- O papel da imagem no artigo: se a imagem é objeto central do estudo ou recurso para

problematizar outras questões;

2- A natureza da imagem, suporte e mídia: se aborda somente imagem fixa ou trata

simultaneamente de imagens fixas e em movimento, em qual suporte (meio material

onde a imagem é produzida ou reproduzida) e por intermédio de qual mídia (objeto

cultural que veicula a imagem).

6 “Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção

intelectual dos programas de pós-graduação”. HTTP://qualis.capes.gov.br/webqualis/.

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3- Abordagem: se o artigo se refere ao momento da produção (técnicas de produção,

aspectos composicionais e leituras preferenciais) ou do consumo da imagem (análises

de leituras de imagens realizadas efetivamente por alunos, professores ou quaisquer

outros sujeitos e seus efeitos de sentido).

4- Campo de estudos de referência: referencial teórico adotado explicita ou

implicitamente adotado no texto.

5- Natureza do estudo: se são estudos empíricos ou teóricos.

6- Cenário dos estudos empíricos: onde analisamos o contexto (se escolar ou não), o

nível de ensino, a disciplina de referência, o tema e se o estudo era conduzido apenas

pela análise de material ou se envolvia sujeitos.

7- Instrumentos de coleta de dados;

8- Tipo de análise de dados.

Ao observar a escassez de informações apresentadas nos resumos dos artigos em

relação às categorias definidas, optamos pela leitura integral dos 47 artigos encontrados; o que

se mostrou bastante produtivo atenuando o fardo do grande volume de leitura. A seguir,

apresentamos resumidamente o encontrado em cada categoria e as conclusões mais

importante a que chegamos nesta análise.

Sobre o papel da imagem no artigo pudemos perceber que em mais de 70% dos

trabalhos analisados a imagem era tratada como objeto central do estudo, nos demais

trabalhos era usada apenas como um recurso para problematizar outras questões. Esse

resultado parece indicar que vivemos um momento de preocupação acadêmica em construir

os alicerces do estudo teórico da imagem na área da Educação em Ciências e Matemática,

com o objetivo de que se possa utilizar esse conhecimento sobre as imagens com maior

propriedade como ferramenta na pesquisa de diferentes temas e para seu uso no ensino.

Quanto à natureza da imagem, a grande maioria dos trabalhos (73%) referia-se

exclusivamente a imagens fixas veiculadas em sua maioria por suporte de papel,

majoritariamente livros didáticos (Tabela 2), confirmando o, já anunciado neste trabalho,

importante papel que a ele se atribui no universo discursivo escolar.

Tabela 2- Natureza da imagem, suporte e mídia

Tipo de Imagem Nº de

artigos Suporte

Nº de

artigos Mídia

Nº de

artigos

Imagem Fixa

37

Papel

Tela

Fotografia Digital

34

1

2

Livros didáticos

Apostilas

Revistas de divulgação

Fotos

Tirinhas

22

2

1

2

3

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Testes

Desenhos (alunos e profs.)

Gravuras

1

4

2

Imagem fixa e em

Movimento

10

Papel

Meio digital

Meio magnético

(VHS)

Acetato

4

5

2

1

Livro Didático

Revistas de divulgação

Softwares

Vídeos

T.V.

3

1

3

3

2

Total 47

Na categoria abordagem, encontramos 31 artigos tratando de aspectos da produção de

imagens e apenas 11 com as formas de leituras efetivamente realizadas da mensagem

imagética. Isso reforça nossa hipótese de que ainda vivemos um momento de consolidação

teórica da área e de empenho em constituir bases sólidas para seu uso como ferramenta em

pesquisas com focos distintos.

Quanto ao campo de estudo de referência adotado pelos artigos analisados (Tabela 3),

encontramos o já esperado predomínio dos estudos da semiótica e da cognição. A Semiótica

é, naturalmente, o campo de referência para estudos que buscam compreender as linguagem

das imagens e a recorrência dos estudos referenciados no campo da cognição se justifica pelo

fato de que estudar as linguagens envolve, necessariamente, analisar produção de significação

e de sentido. A afinidade entre esses dois campos fica clara quando percebemos o número de

artigos que abordam simultaneamente os dois campos de referência (Tabela 4).

Tabela 3- Campo de estudo de referência

Campo de estudos Nº de artigos

1 Estudos da semiótica 19

2 Estudos da cognição 17

3 Estudos da didática 6

4 Estudos da cultura 5

5 Estudos da epistemologia 3

6 Estudos da currículo 2

7 Estudos da arte 2

8 Estudos históricos 2

9 Estudos da comunicação 1

10 Estudos etnográficos 1

Tabela 4 - Artigos fundamentados em mais de um referencial teórico

Campos de estudos Nº de artigos

Estudos da semiótica e cognição 5

Estudos da semiótica e epistemologia 2

Estudos da semiótica, cognição e didática 1

Estudos culturais e da semiótica 1

Estudos culturais e da arte 1

Estudos culturais e da cognição 1

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Em relação à natureza do estudo a maioria se tratava de trabalhos empíricos e, quanto

ao cenário destes estudos empíricos, todos se referiam ao contexto escolar, majoritariamente

nos níveis de ensino Fundamental e Médio e, conforme pode ser verificado na Tabela 5. As

disciplinas escolares mais contempladas foram: Ciências (no ensino fundamental), Física,

Biologia e Química (no ensino médio). Pouco mais da metade destes trabalhos empíricos se

dedicavam a análise de materiais e não envolviam sujeitos e seus processos de leitura de

imagens.

Tabela 5 - Nível de ensino, disciplina de referência e tema

Nível de ensino Disciplina Tema Total de artigos

Fundamental (10)

Ciências

Astronomia 1

Digestão e excreção 1

Geologia e geociências 1

Botânica 1

Educação ambiental 1

Não especifica 1

Ciência e Português Geociências 1

Português Não especifica 1

Não especifica Energia elétrica 1

Não especifica 1

Fundamental e Médio (1) Não especifica Não especifica 1

Médio (8)

Biologia Não especifica 2

Física Mecânica 1

Oscilações 1

Física e Química Mecânica 2

Não especifica Biossegurança 2

Médio e Superior (3) Física Não especifica 2

Química Gases e reações químicas 1

Superior (3) Biologia Células 1

Física Mecânica 2

Fundamental, Médio e

Superior (1) Biologia

Gen e cromossomo 1

Não especifica (5)

Física Óptica 1

Não especifica 1

Não especifica Tecnologia 1

Não especifica 2

O instrumento de coleta de dados mais utilizado foi a análise de materiais como:

livros didáticos, materiais produzidos pelos sujeitos da pesquisa, apostilas, vídeos, fotos,

softwares e revistas. Dentre estes, o livro didático foi o mais presente conforme demonstra a

Tabela 6:

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Tabela 6 - Instrumentos de coleta de dados

Instrumento Quantidade de artigos

Não especificado 1

Grupo focal 1

Entrevista 4

Questionário 10

Análise de material

Livro didático 15

Material produzido pelos sujeitos 5

Apostilas 1

Vídeo 2

Fotos 3

Softwares educativos 1

Revistas 1

Quanto ao tipo de análise de dados, a maioria (21 artigos num universo de 31

empíricos) não mencionou explicitamente um referencial específico. Os que o fizeram,

distribuem-se nos seguintes referenciais: análise de discurso, análise de conteúdo, análise

multirreferencial, análise de níveis de processamento de informação, análise fatorial de

correspondências múltiplas e classificação sobre coordenadas fatoriais, análise seqüencial e

análise com base no enfoque cultural.

A realização desse levantamento nos levou a refletir sobre algumas questões, como

por exemplo, sobre o fato de que a leitura de imagens (quer seja no campo educacional ou da

comunicação) e o seu potencial para o aprendizado, tenha se tornado objeto de estudos

sistemáticos apenas muito recentemente. Talvez isso tenha ocorrido em conseqüência da

evolução das técnicas de impressão e de reprodução das representações visuais que as tornou

muito mais presentes em nosso cotidiano. Isso ficou evidente também quando percebemos um

aumento da produção intelectual sobre o tema imagem, ao longo dos 10 anos pesquisados:

dos 47 artigos analisados, 30 (63,8%) foram publicados nos últimos quatro anos.

Uma das principais conclusões que pudemos tirar deste levantamento, diz respeito ao

fato de termos encontrado a maior parte dos artigos abordando a imagem como objeto central

do estudo e não como recurso na investigação de outras questões, o que nos levou ao

entendimento de que ainda vivemos um momento de consolidação teórica da área.

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4.2.4- Perspectivas de análise de imagens em Livros Didáticos de Ciências

Partindo do trabalho realizado em parceria que acabamos de descrever, lançamos um

novo olhar para aquele mesmo conjunto de artigos analisados em busca de novas informações

que pudessem nos fornecer subsídios mais específicos para o ensino de Ciências.

Encontramos 15 artigos empíricos tratando objetivamente da análise de imagens presentes nos

livros didáticos de ciências. Uma nova análise, considerando apenas este material, nos

permitiu visualizar três aspectos que estão sendo considerados pelos autores, como

importantes no tratamento do tema imagem nesta área. São eles:

1. Elaboração de argumentos que justificam a necessidade de investigações sobre o papel

das imagens no ensino de ciências;

2. Principais perspectivas adotadas na análise das imagens;

3. Identificação das características das imagens relacionadas a aspectos como:

freqüência, forma e relação com o texto verbal.

Em relação ao primeiro aspecto, dentre os argumentos usados para justificar a

necessidade de investigações sobre o papel das imagens no ensino de ciências os mais

freqüentes foram:

Aumento da quantidade de ilustrações nos materiais didáticos sem correspondência ao

valor pedagógico que se dá a elas. Alguns trabalhos (PERES DE EULATES, LLORENTE

E ANDRIEU, 1999; SILVA E COMPIANI, 2006) têm se preocupado em analisar o espaço

ocupado pelas imagens: espaço total do livro com imagens, percentual de páginas que

possuem pelo menos uma imagem e quantidade total de imagens referentes a um

determinado tema.

O alto grau de polissemia das imagens implica em um investimento intelectual no seu

processo de leitura. Processo esse que deve ser aprendido.

As imagens corporificam estratégias de omissão e marginalização culturais (Macedo,

2004)

Quanto às perspectivas adotadas para a análise das imagens destacamos duas

principais: aquelas que analisam as variáveis dos estímulos presentes nas representações

visuais referentes à qualidade da imagem, do texto escrito e suas relações (Peres de Eulates,

LLorente e Andrieu, 1999; Escribano e Sahelices, 2004; Silva e Compiani, 2006 ); e aquelas

que defendem que analisar ilustrações supõe considerar duas dimensões indissociáveis: as

formais, que dizem respeito a forma como estão realizadas e dispostas as ilustrações no texto

(incluindo-se aí as convenções gráficas que facilitam sua leitura – perspectiva, ordem e

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direção da leitura, uso adequado de cor e etc.), e as semânticas, que tratam do significado que

possuem para o leitor (Perales e Jiménez, 2002).

Quanto às características formais da imagem, Peres de Eulate e colegas (1999)

analisando imagens sobre digestão e excreção presentes em livros voltados para a educación

primária (que atende crianças de 3 a 12 anos) na Espanha, observam os seguintes aspectos:

grau de iconicidade, disposição espacial, orientação no espaço, cor, ampliação de detalhes,

secções de imagens, seqüência de imagens e, grafismos – flechas, linhas cinéticas, etc.

Já Escribano e Sahelices (2004), em um estudo sobre as representações de genes e

cromossomos em materiais instrucionais de biologia utilizados nos três níveis do ensino

venezuelano (básico, médio e superior), buscam determinar como se usa a cor (realista, não

realista ou sem cor) nestes materiais e, buscam ainda identificar aquilo que chamam de ênfase

notacional das imagens, classificando-as como: imagens icônicas - quando são desenhos

lineares e sombreados; imagens esquemáticas; imagens realistas – do tipo fotografia e,

gráficos .

Perales e Jiménez (2002), analisando imagens relacionadas ao tema mecânica

elementar em livros da educação secundária do sistema educativo espanhol, adotam as

seguintes variáveis taxonômicas para análise das ilustrações:

Função da seqüência didática onde aparecem as ilustrações

Iconicidade

Funcionalidade (o que se pode fazer com as imagens)

Relação com o texto principal

Etiquetas verbais

Conteúdo científico que as sustenta

Em relação ao grau de iconicidade, estes autores utilizam as seguintes categorias

adaptadas da escala de iconicidade de Moles: fotografia, desenho figurativo, desenho

figurativo + símbolo, desenho esquemático, desenho esquemático + signos e descrição em

signos normalizados.

Em relação à funcionalidade das ilustrações admitem que as imagens podem ser:

inoperantes (só para serem observadas), operativas elementares (com elementos de

representação universal) e sintáticas (com elementos cujo uso exige conhecimento).

Silva e Compiani (2006), analisando imagens geológicas e geocientíficas em livros

didáticos de ciências no Brasil, adotam a seguinte classificação dos tipos de imagens: fotos,

desenhos, mapas, gráfico, tabelas e montagens.

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Alguns trabalhos procuram identificar o papel relativo da imagem e do texto verbal.

Peres de Eulate e colegas (1999) identificam três possibilidades distintas na relação verbo-

icônica: o texto como principal veículo da informação, a imagem como principal veículo da

informação ou quando um complementa o outro. Os mesmos autores analisam também as

funções dos rótulos ou legendas que, fazendo parte da imagem por estarem dentro do seu

relação causa-efeito ou estabelecendo relação entre partes da imagem.

Para Escribano e Sahelices (2004) as imagens podem ter função ilustradora,

facilitadora ou estética nos materiais e, além disso, há entre a imagem e a informação verbal

cinco tipos diferentes de relação possíveis: relações do tipo associativa, não associativa, muito

descritiva, pouco descritiva ou interativa.

Silva e Compiani (2006), assim como Peres de Eulate e colegas (1999) admitem que

na relação verbo-icônica, ora o texto é o veículo principal das informações, ora são as

imagens, ora ambos têm a mesma importância e uma linguagem complementa a outra. Os

primeiros autores atribuem, ainda, às imagens as seguintes funções: facilitadora e redundante,

catalisadora de experiências, descritiva, motivadora e explicativa.

Perales e Jimenez (2002) admitem que as imagens possam apresentar distintas

funcionalidades de acordo com o nível de incorporação de elementos gráficos: inoperantes,

quando não aportam nenhum elemento, operativas elementares, quando contêm elementos

universais e sintática, quando contem elementos cujo uso exige conhecimento prévio. Além

disso, em relação com o texto principal, as imagens podem ser classificadas como:

Conotativas – quando o texto não faz referência à ilustração como se fosse

―natural‖ que o leitor o fizesse a correspondência;

Denotativas – quando o texto se refere à imagem como um exemplo;

Sinóptica – quando o texto remete à imagem de modo imbricado formando uma

unidade indivisível.

Estes autores analisam, ainda, as etiquetas verbais (ou legendas) classificando-as como

nominativas, quando são constituídas por letras ou palavras que identificam elementos da

ilustração, ou relacionais, quando se trata de um texto que descreve relações entre elementos

da ilustração.

Para finalizar este capítulo, concluímos que é com base nas reflexões teóricas sobre

linguagem e linguagem visual que travamos neste capítulo, e a partir do panorama que

elaboramos sobre as pesquisas mais recentes que tratam das imagens didáticas, que buscamos

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construir nossas categorias para classificação e análise das imagens presentes nos livros

didáticos, que apresentamos no capítulo seguinte.

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5. CAMINHO DA PESQUISA

5.1. O PERCURSO METODOLÓGICO

Ao iniciar esse capítulo julgamos adequado firmar posição em relação às características

acadêmicas de nossa pesquisa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico.

Acreditamos que, de certo modo, isto já deva ter ficado evidente nos capítulos precedentes, o

que não nos desobriga de assumir uma posição declarada.

Como nosso objeto de estudo é o livro didático e, mais especificamente, as imagens que nele

se inserem e que de algum modo se relacionam às questões de saúde, podemos dizer que

nossa pesquisa é de cunho documental, que entendemos como sendo aquela que tem como

fonte ―documentos no sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas

sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações,

documentos legais‖ (SEVERINO, 2007, p.122) cujos conteúdos são a matéria prima a partir

dos quais o pesquisador desenvolve sua investigação e análise.

A abordagem qualitativa que fazemos dos nossos dados é uma opção metodológica que nos

desobriga do rigor matemático característico das pesquisas quantitativas ao mesmo tempo em

que não nos impede de lançar mão de dados quantitativos que sejam norteadores do olhar em

busca dos significados que possam produzir naquele contexto específico; pois ―a pesquisa

quali enfatiza a socialmente construída natureza da realidade, a íntima relação entre

pesquisador e o que pesquisa e a restrição circunstancial que configura a pesquisa.[...] Ela

busca respostas para questões que enfatizam como a experiência social é criada e ganha

sentido‖ (DENZIN E LINCOLN, 2000 p.10, tradução nossa).

A perspectiva sócio-histórica assumida na escolha do referencial teórico de linguagem nos faz

refletir sobre o fato de que não estamos fora do contexto sobre o qual nos debruçamos em

análise nesta pesquisa. Confirmando o pensamento bakhtiniano, somos seres sociais marcados

pelo nosso horizonte social que orienta nossa compreensão do objeto que nos propomos

analisar. Assumimos que nossa presença inevitável nesta análise impregna, com nossa

subjetividade, qualquer resultado a que cheguemos. Resultados que, certamente, não são

reveladores de uma verdade única e inquestionável, antes representam uma forma dentre

tantas outras, de perceber a realidade. Afinal, ―a realidade objetiva nunca pode ser capturada.

Nós conhecemos a coisa apenas através de sua representação‖ (Op.cit., p.5. tradução nossa).

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Passaremos agora a apresentar o caminho metodológico trilhado, com o delineamento do

nosso objeto de estudo, em duas etapas de análise do material selecionado: a Análise

Preliminar da coleção e a Análise das Imagens Fotográficas de Saúde.

5.2. A ANÁLISE PRELIMINAR

5.2.1. A coleção didática analisada

Conforme anunciamos na introdução deste trabalho, nosso objetivo é buscar conhecer as

características enunciativas das imagens referentes à saúde presentes nos livros didáticos de

Ciências e as visões de saúde que veiculam. Para tanto, foi necessário, inicialmente,

identificar as principais coleções de livros didáticos de Ciências voltadas para o Ensino

Fundamental distribuídas pelo Programa Nacional do Livro Didático / 2008 e selecionar

aquela cuja abrangência de uso justificasse o estudo.

A publicação selecionada para essa análise preliminar foi o Projeto Araribá: ciências

(PROJETO ARARIBÁ, 2006). Adotamos como critério para essa seleção, a identificação da

coleção mais escolhida nacionalmente7 pelos professores para efetivo uso em sala de aula no

triênio 2008/2009/2010.

Trata-se de uma obra coletiva8 publicada pela Editora Moderna, composta por quatro

volumes seqüenciais (IMAGEM 2) destinados aos quatro últimos anos do Ensino

7 De acordo com informações obtidas a partir de e-mail encaminhado a Coordenação-Geral dos Programas do

Livro CGPLI FNDE, os volumes desta coleção tiveram o seguinte montante de escolhas: 5ª série – 302.693

pedidos; 6ª série – 263.707 pedidos; e 7ª série - 231.953 pedidos; 8ª série - 234.343 pedidos; contabilizando um

total de 1.032.696 solicitações nos quatro volumes, contra 923.771 pedidos da segunda coleção mais escolhida

pelos professores neste processo, e 443.895 pedidos da terceira colocada. Diferença que corrobora a relevância

da coleção selecionada para esta investigação, no período considerado.

8 A autoria não é atribuída a um indivíduo ou indivíduos, e sim à Editora que através de uma equipe composta

por muitos profissionais, concebeu, desenvolveu e produziu a coleção. A elaboração dos originais é atribuída a

Carlos Eduardo Camargo de Godoy, Deborah Mendes, Jorge Ricardo de Oliveira, José Luiz Carvalho da Cruz,

Lucy Satiko Hashimoto Soares, Regina Gimenez e Roberta Aparecida André Bueno e a equipe técnica tem a

seguinte constituição: Coordenação editorial: José Luiz Carvalho da Cruz; Edição de texto: José Luiz

Carvalho d Cruz, Kátia Montovani, Regina Gimenez, Roberta Aparecida André Bueno; Leitura técnica: Felipe

André Ponce de Leon da Costa, Ivan Amorosino do Amaral, Yara Valeri Navas, José Alencar Simoni, Sandra de

Carvalho, Lucy Satiko Hashimoto Soares, Ednilson de Oliveira; Preparação de texto: Regina Gimenez;

Coordenação de design e projetos visuais: Sandra Botelho de Carvalho Homma; Projeto gráfico e capa:

Sanra Botelho de Carvalho Homma; Foto da capa: Sanhaço-de-encontro-azul (Thraupis cyanoptera) © Edson

Endrigo/Avesfoto; Coordenação de produção gráfica: André Monteiro, Maria de Lourdes Rodrigues;

Coordenação de revisão: Estevam Vieira Lédo Jr.; Revisão: Equipe Moderna; Edição de arte: Cristiane

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Fundamental, 5ª, 6ª 7ª e 8ª séries (atuais 6º, 7º, 8º e 9º anos), contendo respectivamente 216,

216,224 e 208 paginas impressas. São livros não-consumíveis, isto é, que não apresentam

espaço para a escrita do aluno, devendo ser utilizados como fonte de consulta, para leitura,

pesquisas e etc., podendo (e devendo) ser reaproveitados por outros alunos no ano seguinte.

IMAGEM 1: Capas e contra capa dos volumes da coleção Projeto Araribá: ciências

Imagem 2 – Capas e contra-capa dos volumes da coleção Projeto Araribá: ciências.

Quanto ao seu projeto gráfico a coleção analisada não foge da forma de apresentação típica

dos livros didáticos atuais, com: capa, contra-capa, folha de rosto, apresentação, índice e

desenvolvimento de um conteúdo específico que está hierarquicamente organizado em

capítulos, de forma que devem ser lidos preferencialmente na ordem de apresentação (Gouvea

et.al. 2006).

A organização dos volumes distribui os conteúdos programáticos de acordo com o

apresentado no Quadro 5.

Alfano; Ilustração de vinhetas: Vicente Mendonça; Assistência de produção: Cristina S. Uetake, Patrícia

Costa; Auxiliar de produção: Marina C. Nievas; Coordenação de pesquisa iconográfica: Ana Lucia Soares;

Pesquisa iconográfica: Maria Magalhães; Coordenação de tratamento de imagens: Américo Jesus;

Tratamento de imagens: Américo Jesus, Fabio N. Precendo, Luiz Carlos Costa, Rubens Mendes Rodrigues;

Saída de filmes: Helio P. de Souza Filho, Marcio Hideyuki Kamoto; Coordenação de produção industrial:

Wilson Aparecido Troque; Impressão e acabamento: Cly.

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Quadro 5 – Organização dos conteúdos programáticos

Volume Área de concentração Tema transversal

5ª série Astronomia, Ciências da Terra, Noções de Química

(transformações e estados físicos) e Ecologia

Ambiente e Saúde, Ética, Pluralidade

cultural

6ª série Ecologia, Origem da vida, Botânica e Zoologia Ambiente e saúde, Orientação sexual,

Pluralidade cultural

7ª série Anatomia e Fisiologia humanas, Evolução e Genética Ambiente e saúde, Orientação sexual,

Pluralidade cultural

8ª série Química, Astronomia, Física e Tecnologia da informação Ambiente e saúde, Consumo,

Pluralidade cultural

Em cada volume, os conteúdos programáticos estão organizados em oito unidades. Por

exemplo, no volume destinado à 5ª série encontramos as seguintes unidades: 1- A Terra: um

planeta do Sistema Solar; 2- A estrutura da Terra; 3- Conhecendo o Solo; 4- A água na Terra;

5- O ar na Terra; 6- Os materiais se transformam; 7- A vida e o ambiente; 8- Variedades de

ecossistemas.

Cada uma dessas oito unidades é, por sua vez, subdividida em seções com sequência pré-

definida e cujos objetivos específicos estão explicitados no Suplemento do Professor9,

conforme apresentado no Quadro 6.

Quadro 6 - Estrutura geral da unidade

Seção O que propõe Finalidade pedagógica

Abertura

Leitura de texto (contínuo ou

descontínuo)

Levantamento de conhecimentos prévios

Exploração de conhecimentos prévios Página

complementar ou

Entrevista

Texto expositivo

Leitura de texto (contínuo ou

descontínuo)

Fonte de informação para a realização das ações

pedagógicas planejadas pelo professor para a sala de

aula e para as atividades extraclasse.

Atividades

Organize o

conhecimento

Aprenda as

palavras-chave

Exploração de informações

essenciais ao conhecimento.

Desenvolvimento de autonomia, organização do

conhecimento, aplicação de conceitos e estímulo à

reflexão.

9 O Suplemento do Professor é um apêndice inserido no final do livro Manual do Professor (Volume semelhante

ao livro do aluno, mas que contém informações adicionais para o professor) que contém os seguintes itens:

Apresentação, contendo a proposta da obra e seus objetivos; Princípios norteadores da coleção, que define os

critérios de seleção das informações e das atividades propostas; Estrutura da coleção, com a organização dos

conteúdos programáticos nos volumes, a estrutura geral de cada unidade, os conteúdos e objetivos específicos da

série a que se destina o volume, os objetivos da seção ‗Oficinas de Ciências‖ e a descrição do Manual do

Professor; Estrutura do suplemento do professor, que traz reflexão teórica sobre a alfabetização científica; a

Bibliografia consultada; Unidades, com as orientações para cada unidade e, finalmente, as Respostas das

sugestões de atividades.

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Explique

Explore

Aplicação do que foi

aprendido em situações

relativamente novas

Desenvolvimento de habilidades de registro e de

comunicação.

Texto expositivo

Leitura de texto (contínuo e

descontínuo)

Fonte de informação para a realização das ações

pedagógicas planejadas pelo professor para a sala de

aula e para as atividades extraclasse.

Atividades

Organize o

conhecimento

Aprenda as

palavras-chave

Explique

Exploração de informações

essenciais ao conhecimento.

Desenvolvimento de autonomia, organização do

conhecimento, aplicação de conceitos e estímulo à

reflexão.

Explore

Aplicação do que foi

aprendido em situações

relativamente novas

Desenvolvimento de habilidades de registro e de

comunicação.

Por uma nova

atitude

Reflexão sobre hábitos e

atitudes relativos à saúde e ao

ambiente.

Estabelecimento de uma relação de respeito à saúde e

ao ambiente.

Compreender um

texto

Leitura e reflexão sobre textos

diversos

Desenvolvimento de pensamento crítico.

Oficinas de Ciências Realização de experimentos

para coleta e registro de

dados.

Desenvolvimento de habilidades de registro e de

comunicação.

Fonte: Projeto Araribá: ciências, 2006. Suplemento do professor, p.8

De acordo com as informações constantes neste Suplemento do Professor os conteúdos

selecionados estão organizados de modo a facilitar o aprendizado, buscando estabelecer

referências que dêem coerência e sentido aos fatos que se estudam e organizando a

informação de modo que a estrutura gráfica (que inclui: destaque na abertura na unidade,

sistemas de títulos e cor de destaque em textos contendo a idéia essencial) facilite a relação

entre conceitos e idéias apresentadas. Quanto às atividades, elas podem ser classificadas em

três tipos: as que focam a organização do pensamento (inseridas nas seções Organize o

conhecimento, Aprenda as palavras-chave e Explique), as de aplicação de conceitos (inseridas

nas seções Verifique, Explore e Oficinas de Ciências) e as que estimulam a reflexão (na seção

Por uma nova atitude).

Concluída a descrição das características físicas da coleção selecionada, da proposta de

diagramação e das características organizacionais dos conteúdos anunciadas pelos

editores/autores, passamos a uma análise preliminar da presença das imagens nestes volumes.

5.2.2. As imagens no livro didático de Ciências

Uma exploração inicial desses quatro volumes nos revelou a existência de uma quantidade

grande de imagens dos mais diferentes tipos, o que nos criou uma série de demandas: definir o

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que passaríamos a considerar como sendo uma unidade de imagem, buscar meios de

quantificar a presença das representações visuais nas páginas dos livros e elaborar uma

metodologia de catalogação e classificação destas imagens.

A contagem das imagens presentes em qualquer material sempre depende do critério adotado

para definir o que é uma imagem. Algumas vezes um conjunto de fotos ou desenhos

mostrando sucessão de fatos ou fenômenos pode ser considerado por alguns autores como

uma única imagem composta, enquanto que por outros como várias imagens que guardam

relação entre si. Nesse estudo estamos considerando a unidade somente quando o conjunto

apresenta uma única legenda (Imagem 4), isto é, qualquer texto verbal ligado diretamente à

imagem. Quando cada ilustração apresenta um texto a ela vinculado individualmente, e não há

uma legenda para o conjunto, cada imagem foi considerada individualmente (Imagem 5),

exceto no caso de haver elementos gráficos de ligação entre elas como setas ou traços

(Imagem 6).

Imagem 4- Legenda única para o conjunto caracteriza uma unidade de imagem.(Código da imagem: 7.8.201.1)

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Imagem 5 – Legendas individuais caracterizam imagens individuais. (Códigos das imagens: 5.6.167.1 e

5.6.167.2)

Imagem 6 – Apesar das legendas individuais, as setas e a sobreposição parcial das imagens funcionam como

elementos de ligação, unificando a imagem. (Código da imagem: 5.3.75.1)

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O passo seguinte foi o estabelecimento de critérios de catalogação das imagens, para que

pudéssemos localizá-las rapidamente nos volumes quando necessário, e critérios de

classificação que nos fornecessem dados específicos quanto aos tipos de imagens encontradas,

suas características específicas e sua freqüência na coleção analisada.

Para a catalogação optamos pela criação de um código composto por quatro numerais

separados por um ponto, onde: o primeiro número se refere ao Volume (Por exemplo, o

número ‗5‘ corresponde ao Volume 5 destinado à 5ª série ou atual 6º ano de escolaridade, o

número ‗6‘, ao Volume 6 destinado à 6ª série ou atual 7º ano, e assim por diante); o segundo

número se refere à Unidade (cada volume organiza seus conteúdos em 8 unidades); o terceiro

número corresponde à página onde a imagem está inserida; o quarto e último número é o

número da imagem na página, que define se é a primeira, segunda, terceira ou quarta imagem

da página.

Por exemplo, a imagem cujo código é 5.4.98.1 está localizada no volume referente à 5ª série

(primeiro número do código), na Unidade 4 (segundo número do código), na página 98

(terceiro número do código) e é a primeira (1ª) imagem da página.

Os critérios de classificação das imagens encontradas foram: tipo de imagem, presença ou

não de legendas, contexto onde está inserida e função da imagem em relação ao texto.

Quanto ao tipo de imagem utilizamos a classificação proposta por Silva & Compiani (2006):

desenho, fotografia, gráfico, mapa, tabela ou montagem.

Quanto à presença ou não de legendas, as ilustrações foram classificadas em: sem legenda,

com legenda interna a imagem, com legenda externa a imagem, com legenda interna e externa

a imagem. Estamos chamando de legenda a qualquer texto verbal diretamente ligado a

imagem dentro ou fora dela. De modo geral, essas legendas podem conter informações que

identificam ou nomeiam elementos da ilustração, que descrevem relações entre estes

elementos ou que criam um contexto específico para a imagem.

O critério contexto onde está inserida a imagem, é determinado pelo conteúdo expositivo

principal da Unidade, o título da Seção e seu conteúdo programático.

Para o último critério de classificação – função da imagem em relação ao texto -, adotamos as

seguintes categorias propostas por Silva & Compiani (2006):

a. Facilitação redundante: a imagem (geralmente com alto nível de iconicidade,

como as fotografias) tem a função de confirmar ou comprovar aquilo que está

expresso no texto escrito;

b. Catalisação de experiências: imagens que buscam uma organização e

ordenamento da realidade, que justapõem elementos de difícil proximidade,

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facilitando a verbalização ou provocando análises das informações que traz,

para que aquele contexto seja percebido da maneira mais completa possível;

c. Descritivas: A relação texto imagem é mais equilibrada e sua característica

mais marcante é a indicação de seqüência. A imagem não atua propriamente

para indicar os processos e sim a seqüência temporal dos fatos concretos. A

imagem é caracterizadora de etapas episódico-temporais;

d. Motivadora: a imagem cumpre a função de representação das ilustrações

genéricas relacionadas ao título do tema (geralmente se localizam próximas ao

título), geram questões estimuladoras da leitura, mas não estabelece um

processo interativo com o desenvolvimento verbal. Essa autonomia da imagem

em relação ao texto colabora para o estabelecimento de certa igualdade entre

texto e imagem onde, para uma compreensão mais completa do tema, é

necessária a leitura de ambos os elementos.

e. Explicativa: a imagem é utilizada para explicar vínculos lógico-causais que

regem processos de mudanças. Há uma forte predominância do verbal porque a

compreensão da idéia causal do processo requer uma inferência proposicional.

Funcionam como uma ajuda e por isso são carregadas de símbolos, elementos

esquemáticos e palavras que se integram ou superpõem ao elemento icônico.

Dessa forma, sua compreensão é muito dependente do texto escrito.

Como estratégia de organização das informações, os dados de catalogação, os critérios de

classificação e, ainda, uma sucinta descrição das imagens foram inseridos em uma planilha de

Excel, conforme exemplificado no Quadro 7, facilitando seu manuseio e permitindo a

filtragem de dados para análise.

Quadro 7 – Informações sobre as imagens presentes nos volumes analisados

Imagem

(volume,

unidade,

página,

nº)

Descrição da

imagem

Tipo de

Imagem Legenda

Contexto da imagem Função da

imagem em

relação ao

texto Seção

do livro

Conteúdo

expositivo da

unidade

Conteúdo

da seção

5.6.144.1

Praia com faixa

de areia recoberta

de lixo

Foto

colorida

Com

legenda

fora da

imagem

Por uma

nova

atitude

Os materiais

se

transformam

Acúmulo de

lixo no

ambiente

Facilitadora

redundante

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Quanto ao modo como calculamos o espaço ocupado pelas imagens nas páginas do livro, este

foi bastante artesanal e trabalhoso, contudo acreditamos ter nos dado um resultado confiável.

Como seria preciso analisar página por página procurando dimensionar o percentual de sua

superfície ocupado por imagens, foi necessário criar uma alternativa à medição individual de

cada imagem, de modo a agilizar essa operação. A estratégia utilizada foi criar uma ‗máscara‘

que pudesse nos fornecer mais rapidamente uma informação visual confiável da área ocupada

pelas imagens na superfície da página. Assim, riscamos um acetato transparente (do mesmo

tamanho da página do livro) dividindo-o em 10 quadrantes que foram novamente

subdivididos em 10 quadrantes riscados mais levemente, totalizando 100 quadradinhos. Ao

sobrepor o acetato sobre a página do livro, procedíamos à contagem do número de quadrantes

maiores e menores ocupados por imagens; definindo desse modo um percentual bastante

aproximado de ocupação da página pelas imagens. Ao final do levantamento em cada livro,

calculamos a média obtida a partir do somatório destes percentuais, obtendo um percentual

geral que resume a ocupação da superfície das páginas de cada livro pelas imagens.

Somente após o estabelecimento de todos estes critérios descritos, procedemos à contagem

das imagens e à medição do espaço por elas ocupado, nas páginas dos livros. Os resultados

que obtivemos mostraram que, seguindo a tendência atual dos livros didáticos de se tornarem

cada vez mais ilustrados (FANARO, 2005; SILVA & COMPIANI, 2006; PERALES &

JIMÉNEZ, 2002), os quatro volumes desta coleção apresentam cerca de 40% de sua

superfície ocupada por imagens, numa média de 2,4 ilustrações por página (Tabela 7).

Tabela 7 - Total de imagens na coleção e espaço ocupado na superfície das páginas.

Volume Nº. de

páginas

Nº. de

imagens

Média de imagens por

página

Espaço ocupado pelas

imagens nas páginas

Livro 5 201 486 2,5 44%

Livro 6 199 498 2,5 40%

Livro 7 206 415 2,0 37%

Livro 8 193 521 2,7 38%

Total 799 1920 2,4 40%

Este resultado é bastante expressivo e confirma uma vez mais nosso argumento da forte

presença das imagens nos livros didáticos e da necessidade de um maior investimento na

compreensão de seu potencial pedagógico. Como nossa proposta de investigação se restringe

às imagens que abordam aspectos relacionados à saúde, nos limitaremos a tratar destas daqui

por diante, cientes de que esta escolha deixa de fora inúmeras outras possibilidades de olhares

investigativos sobre esse grande conjunto de imagens.

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5.2.3. As imagens da saúde no livro didático de ciências

Consideramos como imagens relacionadas à saúde aquelas que remetem a aspectos relativos à

saúde em seu significado mais amplo (como resultado da interação de múltiplos

determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais) e exclusivamente quando o texto da

seção onde a imagem se inseria fazia referência direta às questões de saúde ou usava termos a

ela associados como saúde, doença, enfermidade, qualidade de vida, medicina(al),

medicamentos, fitoterápicos e outros. Isto significa dizer que estar ou não relacionada à saúde

é uma decorrência do contexto onde a imagem ocorre.

A partir desse critério analisamos página a página, cada imagem buscando definir sua relação

ou não com saúde tanto por aspectos referentes à própria representação quanto por aqueles

contidos no texto escrito que de algum modo a vinculasse a um tema relacionado à saúde. Do

total de imagens da coleção (1920 imagens), cerca de 11% (214 imagens) se relacionam à

saúde, sendo que mais da metade destas localizadas no volume destinado à 7ª série; que,

conforme vimos no Capítulo 2 desta tese, trata mais diretamente de temas relacionados ao

corpo humano.

Um primeiro olhar sobre esse novo conjunto de imagens nos levou a classificá-las,

considerando a forma como a informação é apresentada, em cinco tipos: fotografias,

desenhos, gráfico, tabela ou esquema (Tabela 8).

Tabela 8 - Classificação das imagens relacionadas à saúde

Volume

Tipo de imagem Total de

imagens

Fotografia Desenho Gráfico Tabela Esquema

Livro 5 26 16 2 3 0 47

Livro 6 30 17 5 3 0 55

Livro 7 73 18 5 8 3 107

Livro 8 4 1 0 0 0 5

Total 133

(62,2%) 52

(24,3%) 12

(5,6%) 14

(6,5%) 3

(1,4%) 214

O predomínio das imagens com alto grau de iconicidade, isto é, de semelhança com o seu

referente no mundo real – fotografias e desenhos -, ficou bastante evidente em relação aos

demais tipos de imagens. Chamamos a atenção para as fotografias que se destacam

representando mais de 60% das imagens relacionadas à saúde.

Outro aspecto também importante a ser considerado refere-se à presença de textos verbais

associados a estas imagens – as legendas. Cerca de 85% das imagens relacionadas à saúde

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apresentam legenda. Esclarecemos que independente da presença ou não de legendas, todas as

fotografias apresentam indicação de fonte ou crédito; o que a nosso ver pode também

interferir no sentido dado à imagem pelo leitor

Entendemos que a análise deste conjunto completo das imagens relacionadas à saúde,

composto por imagens de diferentes tipos (fotografias, desenhos e tirinhas, gráficos, tabelas e

esquemas), em busca da visão subjacente de saúde que possa veicular, demandaria uma

incursão teórica específica para análise de cada tipo de imagem, devido às suas

especificidades analíticas, o que seria inviável diante do tempo de que dispomos para a

conclusão deste trabalho. Diante desse impasse foi preciso abrir mão do conjunto completo e

proceder a um recorte que fosse, ao mesmo tempo, viável e significativo em termos de

pesquisa acadêmica. A presença predominante de fotografias dentre as imagens relacionadas à

saúde, dentre outros fatores relacionados às características específicas da imagem fotográfica

que serão discutidos mais adiante, nos levou a optar por esse tipo de imagem para nossa

análise.

Contudo, mesmo após o recorte que nos limitou às imagens fotográficas, o conjunto de dados

a ser analisado continuava bastante extenso; teríamos ainda 133 fotografias para serem

analisadas. Optamos então por um segundo recorte que nos desse um conjunto representativo

e significativo de fotografias relacionadas ao tema saúde: centramos nossa análise na seção

intitulada Por uma nova atitude e chegamos a um universo de 44 fotografias. A escolha dessa

seção do livro se justifica por que, conforme explicamos anteriormente, a coleção analisada

dispõe seu conteúdo programático em seções cujos objetivos são específicos para cada uma

delas; a escolhida tem objetivos explicitamente relacionados com a educação em saúde.

Conforme explicitado no Suplemento do Professor, a seção Por uma nova atitude propõe uma

―reflexão sobre hábitos e atitudes relativos à saúde e ao ambiente e sua finalidade pedagógica

é o estabelecimento de uma relação de respeito à saúde e ao ambiente‖ (Projeto Araribá, 2006.

p.8 – Suplemento do Professor). O documento também ressalta que ―as Atividades que se

relacionam à capacidade de opinar e argumentar promovem o pensamento reflexivo e

possibilitam a tomada de atitudes e de decisões‖ e que as atividades da seção Por uma nova

atitude tem essa característica, isto é, buscam a ―formação de atitudes que visem à

conservação do ambiente e à promoção da saúde, da ética e da pluralidade cultural‖ (idem

p.7).

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5.3. ANÁLISE DAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS DE SAÚDE

Vimos, em capítulo anterior, que no universo das imagens fixas e unidimensionais a

fotografia pode ser considerada como a representação icônica que apresenta o maior grau de

iconicidade, ou seja, de semelhança com o seu referente no mundo real. Vimos também que

por serem tão realísticas, elas podem soar para nós como tão verdadeiras quanto a própria

realidade que pretendem representar. Essa característica das imagens fotográficas, somada ao

fato de que sua ocorrência na coleção analisada é muito alta (62% das imagens referentes à

saúde são fotografias), foram as principais razões que nos levaram a optar por esse tipo de

imagem para uma análise mais detida.

Antes, porém, de iniciarmos a análise propriamente dita do nosso conjunto de fotografias, é

preciso entender um pouco melhor o significado deste tipo de imagem no mundo

contemporâneo. Para isso, optamos por dedicar esta próxima seção a uma breve reflexão

sobre a natureza das fotografias, seu papel social e significados que produzem.

5.3.1. Fotografia e produção de sentido

Diferentemente das imagens artesanais, como os desenhos, pinturas e esculturas, cuja

produção depende basicamente da habilidade do autor e cuja reprodução é mais difícil, a

imagem técnica, como as fotografias, vídeos e filmes, são obtidas a partir de máquinas e

recursos extra-humanos, dependem menos das habilidades físicas do seu autor e ainda podem

ser amplamente reproduzidas. O que chamamos de fotografia (foto = luz; grafia = escrita) é,

em primeira instância, o resultado da ação da luz sobre certas substâncias levando-as a reagir

quimicamente.

Antes mesmo de formar uma imagem, a fotografia é um processo, aliás conhecido

desde a Antiguidade: a ação da luz sobre certas substâncias que, assim levadas a

reagir quimicamente, são chamadas de fotossensíveis. Uma superfície fotossensível

exposta à luz será transformada provisória ou permanentemente. Ela guarda um

traço da ação da luz. A fotografia começa quando esse traço é fixado mais ou menos

em definitivo, finalizado para certo uso social. (AUMONT, 1993, p.164. Grifos do

autor)

Esse processo de ‗impressão‘ se difundiu como técnica a partir do século XIX na Europa,

graças aos trabalhos de Nicéphore Nièpce (1765-1833), buscando desenvolver meios técnicos

para fixar a imagem em um suporte concreto, e Louis-Jacques Mandé Daguerre (1787-1851)

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que almejava obter o controle que a ilusão da imagem poderia oferecer em termos de

entretenimento (MAUAD, 2008).

Desde então, a fotografia se tornou cada vez mais presente na vida cotidiana sendo vista por

muitos como uma cópia fiel da realidade, de maneira que ―o expectador acredita, não que o

que ele vê é real, mas, que o que vê existiu, ou pôde existir no real‖ (AUMONT, 1993, p.111).

Esse realismo, ou naturalismo da fotografia é justificado ainda pelo seu uso histórico; desde o

seu surgimento na década de 1830 a capacidade de reproduzir o real deixou em segundo plano

a pintura, ou, numa ótica mais otimista do poeta francês Baudelaire, libertou a Arte de ser

uma cópia fiel da realidade garantindo para ela um novo espaço de criatividade (Mauad,

2008). Daí em diante, graças a essa ilusão de realidade, a fotografia passou a ser usada

formalmente como prova infalsificável das características de uma pessoa (um criminoso por

exemplo) ou como identificação em documentos.

Sem dúvida, seu uso social mais difundido é ser uma reprodução da realidade, mas, antes

disso, ela é o ‗registro‘ de uma determinada situação luminosa em um lugar específico e num

momento determinado. O fato de conhecermos essa gênese da fotografia justifica de certo

modo o seu poder de convicção como portadora de um pouco da própria realidade, nos

levando a crer que aquilo que ela diz é verdade (Op.cit., 1993). Afinal, diferentemente da

pintura ou desenho artísticos, a imagem fotográfica é ―obtida ‗automaticamente‘,

maquinalmente, segundo o determinismo rigoroso das reações químicas e sem intervenção-

interpretação da mão do artista‖ (Dubois, 1999, p.74).

Atualmente as fotografias digitais, cuja produção também decorre da ação da luz sobre um

sensor que a converte em um código eletrônico digital, estão substituindo gradativamente os

equipamentos fotográficos mais tradicionais, graças ao barateamento dos componentes

eletrônicos e à qualidade cada vez maior das imagens digitais.

Martine Joly (1996) não discorda do fato de que o caráter de registro mecânico do mundo, que

o ato fotográfico constitui tenha, de fato, aquelas duas conseqüências principais: a fotografia

pode ser considerada como uma cópia perfeita do real, uma mimese perfeita, e ainda ser uma

atestação utilizável (para encontrar pessoas, por exemplo). Contudo, a autora lembra que para

que exista, uma fotografia passou por uma série de operações, ou escolhas, desde a escolha do

tema, do filme, do foco, do tempo de exposição, da abertura do diafragma etc., até aquelas

feitas no momento da tomada como o enquadramento, iluminação, pose do modelo e ângulo

de tomada. Além disso, a fotografia (neste caso não a digital) deve ser revelada e, neste

processo, as manipulações necessárias para obter a imagem final correspondem a uma nova

série de escolhas que envolvem seus aparatos: revelador, cuba de plástico, papel, objetiva do

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ampliador, tempo de iluminação etc. O produto final dessa série de escolhas contém,

certamente, a subjetividade do seu autor: sua visão de mundo, sua ideologia.

Nas palavras de Jaques Aumont (1993), ―se a fotografia reproduz uma ideologia, só pode ser

pelo conjunto de seu dispositivo, e com destino ao espectador‖ (p.181). Significa que na

relação do expectador com a imagem, além daquelas de ordem fisiológica e psicológica, os

meios e técnicas de produção, os lugares onde elas estão acessíveis e os suportes que servem

para difundi-las, têm um papel especial. A esse conjunto de dados materiais e organizacionais,

Aumont chama de dispositivo e propõe que se possa analisá-los a partir de aspectos

relacionados à sua dimensão espacial, temporal e simbólica.

Em relação à dimensão espacial, o tamanho da imagem, por exemplo, pode ser usado tanto

para esmagar e perturbar as referências espaciais do expectador, quando estas são grandes,

quanto para estabelecer uma relação de proximidade, de posse, de fetiche, quando são

pequenas. Já a moldura, além de delimitar a imagem possibilitando uma transição visual entre

o interior e o exterior da imagem, pode ainda colaborar para conferir uma dupla realidade

perceptiva, ou seja, ver em duas ou três dimensões simultaneamente, além de lhe conferir

valor (como nos porta-retratos). Outro aspecto importante da dimensão espacial é o

enquadramento, cujo efeito traduz um julgamento sobre o que é representado, ao valorizá-lo,

ao atrair a atenção para um detalhe no primeiro plano etc. Efeito contrário é produzido pelo

desenquadramento, que ocorre quando um descentramento retira os objetos significativos do

centro e o esvazia, introduzindo uma tensão visual irritante que, sendo uma operação

ideológica, quebra a relação mais tradicional, mais esperada e, praticamente, obriga o

espectador a reocupar o centro vazio.

Quanto à dimensão temporal, a imagem fotográfica mesmo sendo fixa, única e autônoma (em

oposição às características das imagens móveis que são múltiplas e em sequência), pode

transmitir a sensação de tempo desde que seu expectador ponha nela algo de seu, seu saber

sobre a gênese da imagem: ―em uma foto o tempo está incluído, encerrado, a foto embalsama

o passado ‗como moscas no âmbar‘ (Peter Wollen), ‗continua eternamente a nos apontar (com

o indicador) o que foi e não é mais‘ (Christian Metz)‖ (Op. cit., p. 166-167).

Sobre a dimensão simbólica do dispositivo, Aumont ressalta a importância das teses

construídas a partir da crítica ‗ideológica‘ nos anos 60 e 70 que, apesar de julgar exageradas,

certamente marcaram uma época e evidenciaram a idéia fundamental de um dispositivo que

relaciona a imagem com seu modo de produção e com seu modo de consumo. Segundo esse

autor ―nem os símbolos nem a esfera do simbólico em geral existem no abstrato, mas são

determinadas pelos caracteres materiais das formações sociais que os engendram‖ (p.192)

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Cabe relembrar que, de acordo com o pensamento de Mikhail Bakhtin, tudo que é ideológico

é um signo e que sem signos não existe ideologia. Mais do que de representarem ou

exprimirem elementos, objetos, situações ou eventos da realidade material, a fluidez

semântica dos signos permite que mostrem uma outra realidade: uma realidade que é

ideológica, que é compartilhada por um grupo social.

Considerando essa fluidez semântica, isto é, o fato de que um mesmo signo pode abrigar

diferentes sentidos para diferentes leitores, o semioticista Roland Barthes traz importantes

contribuições para nossa reflexão sobre as imagens fotográficas. Ele entende que toda imagem

é por natureza polissêmica e pressupõe uma ‗cadeia flutuante de significados‘ onde o leitor

pode optar por alguns ignorando os outros possíveis; ao enunciador caberia, então, o papel de

conter essa cadeia de proliferação de sentidos por meio dos mais variados recursos de retórica

evitando o que chamou de ‗terror dos signos incertos‘ (BARTHES,1990).

Para esse autor toda representação iconográfica tem seu referente no mundo real, isto é,

representa algo que está fora de si e que deseja comunicar. As representações imagéticas

podem se aproximar mais ou menos do seu referente real e, conforme vimos, a fotografia é

um tipo de imagem que apresenta alto grau de iconicidade, ou seja, de semelhança com o seu

referente. Contudo, o fato de haver uma analogia com o real - o efeito denotado da

representação que representa sua primeira mensagem - não a isenta de também transportar

uma conotação, ou seja, uma modificação da realidade, uma segunda mensagem.

Buscando compreender o conteúdo da mensagem fotográfica, Barthes lembra que ―é bem

verdade que a imagem não é o real, mas é, pelo menos, o seu analogon perfeito, e é

precisamente esta perfeição analógica que para o senso comum, define a fotografia‖ (op.cit.,

p. 12). A conseqüência desse modo de pensar a fotografia seria considerá-la como uma

mensagem sem códigos e isenta de sentidos segundos. Barthes entende que a primeira vista a

fotografia parece ser uma fiel reprodução da realidade, diferentemente de outras reproduções

analógicas da realidade como desenhos, pinturas, cinema e teatro, que apresentam de maneira

imediata e evidente, além do próprio conteúdo analógico, uma mensagem suplementar, ou

estilo da reprodução. Mas reconhece que de modo semelhante ao que acontece com estas

‗artes‘ imitativas, as fotografias também podem comportar ―uma mensagem denotada que é o

próprio analogon e uma mensagem conotada que é a maneira pela qual a sociedade oferece à

leitura‖ (idem p.13).

A mensagem denotada seria a mensagem primeira, que no caso da fotografia, por sua forte

plenitude analógica, ou seja, sua ‗objetividade‘ representaria o real sem transformações. Já a

mensagem conotada é resultante da ação de seu criador, que impõe seu estilo, sua escolha de

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ângulo, de enquadramento e etc. A conotação é a imposição de um sentido segundo a

mensagem fotográfica propriamente dita que ―não se deixa apreender imediatamente ao nível

da própria mensagem (é, ao mesmo tempo, invisível e ativa, clara e implícita)‖ (idem, p.13).

Barthes fala, então, em um paradoxo fotográfico estrutural, que consistiria na coexistência de

uma mensagem sem códigos (o análogo fotográfico) e uma mensagem codificada (a retórica

da fotografia), que tem paralelo com um paradoxo ético ―quando queremos ser ‗neutros,

objetivos‘, esforçamo-nos por copiar minuciosamente o real, como se o analógico fosse um

fator de resistência ao investimento dos valores‖ (idem p.14). Para que se possa entender

como as fotografias conseguem ser objetivas e investidas ao mesmo tempo é necessário captar

o modo de imbricação de suas mensagens denotadas e conotadas.

O mecanismo de conotação tem origem nos diferentes níveis da produção da própria

fotografia (escolha, processamento técnico, enquadramento, diagramação), e se efetua através

de alguns procedimentos já bastante conhecidos, como:

a. Trucagem: caracteriza-se por intervir diretamente no plano da denotação

(alteração, truque fotográfico);

b. Pose: a pose do modelo humano, que também se trata de uma intervenção

direta no plano da denotação, isto é, uma modificação proposital do real a ser

fotografado, pode sugerir leituras de significados de conotação.

c. Objetos: os objetos e a pose dos objetos constituem excelentes elementos de

significação, pois são indutores comuns de associações de idéias e podem

funcionar também como símbolos. A escolha proposital de um e não outro

objeto para ser fotografado ou a escolha da fotografia de um determinado

objeto, e não de outro, por um diagramador, ou ainda a disposição destes

objetos na cena, produzem significados de conotação.

d. Fotogenia: ―embelezamento‖ da imagem fotográfica através de técnicas de

iluminação, impressão e tiragem.

e. Estetismo: quando a fotografia é deliberadamente tratada para assemelhar-se

a uma pintura, significando-se como ―arte‖ ou impondo significados mais

sutis e complexos que aqueles produzidos por outros procedimentos

conotativos.

f. Sintaxe: uma seqüência de fotografias, encadeadas em um processo de

narração, tem seu significante de conotação, não no nível dos componentes de

cada foto, mas ao nível do encadeamento.

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Barthes acrescenta, ainda, outro método de conotação que é bastante freqüente, os textos

verbais associados às imagens (ou legendas). Para ele a legenda tem um importante papel de

conotar a imagem, isto é, “insuflar-lhe” um ou vários significados segundos (op.cit, p.20).

Isso representa, para esse autor, uma inversão histórica dos papéis da imagem e do texto

verbal, pois já não é a imagem ilustrando a palavra e sim a palavra ilustrando a imagem,

tornando sua leitura mais pesada por impor a ela uma cultura, uma moral, uma imaginação.

Assim a legenda, além de dar ênfase a um determinado conjunto de significados possíveis da

imagem, também pode produzir significados novos na e para ela. Além disso, o efeito de

conotação pode variar conforme a proximidade ou distanciamento do texto verbal em relação

à imagem, de modo que

[...] quanto mais próxima está a palavra da imagem, menos parece conotá-la;

devorada, de uma certa forma, pela mensagem iconográfica, a mensagem verbal

parece participar de sua objetividade: a conotação da linguagem ―purifica-se‖

através da denotação da fotografia [...] a legenda tem, provavelmente, um efeito de

conotação menos evidente do que a manchete ou o artigo; título e artigo separam-se

sensivelmente da imagem, o título por seu destaque, a imagem por sua distância [...]

(idem, p.20).

Desse modo, esse teórico admite que ―a retórica da imagem (isto é, a classificação de seus

conotadores)‖ (op.cit. p.40) se dá através de três mensagens: uma mensagem lingüística (os

textos verbais que acompanham a imagem), uma mensagem icônica codificada (que é a

imagem denotada10

) e uma mensagem icônica não codificada (que é a imagem conotada). Na

verdade a distinção entre estas três mensagens é apenas operatória e não ocorre

espontaneamente, pois ―o espectador da imagem recebe ao mesmo tempo a mensagem

perceptiva e a cultural‖ (idem, p.31).

10

Na verdade, Barthes não admite a existência de uma imagem fotográfica denotada. Este ―estado adâmico da

imagem‖, isto é, ―utopicamente liberada de suas conotações‖ a tornaria radicalmente objetiva, inocente. Para o

autor, ―mesmo que conseguíssemos elaborar uma imagem inteiramente ‗ingênua‘, a ela se incorporaria,

imediatamente, o signo da ingenuidade e a ela se acrescentaria uma terceira mensagem, simbólica‖ (Barthes,

1990, p.34). Contudo, para o autor, é ao nível da mensagem denotada (admitindo teoricamente essa

possibilidade), ou mensagem sem código, que se pode compreender plenamente a irrealidade real da fotografia,

em suas palavras: ―sua irrealidade é a irrealidade do aqui, pois a fotografia nunca é vivida como uma ilusão, não

é absolutamente uma presença, é necessário aceitar o caráter mágico da imagem fotográfica; sua realidade é a de

ter estado aqui, pois há, em toda fotografia, a evidência sempre estarrecedora do isto aconteceu assim: temos,

então, precioso milagre, uma realidade da qual estamos protegidos. Desse modo, a imagem denotada naturaliza a

mensagem simbólica, inocenta o artifício semântico, muito denso da conotação.

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Ainda buscando compreender o modo como o sentido chega à imagem, Barthes admite a

possibilidade de existência de uma conotação ideológica (no sentido mais amplo do termo) ou

ética, que seria aquela que introduz na leitura da imagem, razões ou valores – uma conotação

forte. Assim, uma imagem contém um sentido simbólico que se impõe por uma dupla

determinação: é intencional, ou seja, diz aquilo que o autor quis dizer – o sentido óbvio -, mas

também carrega consigo outro sentido, menos claro – o sentido obtuso. O sentido óbvio é

aquele que vem à frente, que procura o destinatário da mensagem de modo direto, evidente e

claro. O sentido obtuso, ao contrário, é aquele que se insinua como um complemento, que a

intelecção tem dificuldade em absorver, teimoso e fugidio.

Para ilustrar o modo como o autor entende que os procedimentos de denotação e conotação

trazem sentidos às imagens, reproduzimos um trecho da análise que faz de um conjunto de

pinturas de Arcimboldo, denominado As quatro estações que, apesar de um pouco longo,

ajuda a compreender melhor o pensamento desse autor:

Voltemos, ainda uma vez, ao procedimento do sentido – pois, em suma, é o que

interessa, fascina e inquieta na obra de Arcimboldo. As ―unidades‖ de uma língua

estão presentes na tela; ao contrário dos fonemas articulados, têm já um sentido: são

os objetos nomeáveis: frutos, flores, ramos, peixes, ramalhetes, livros, crianças etc.;

combinadas, essas unidades produzem um sentido unitário; mas, esse sentido

segundo, na verdade, desdobra-se: de um lado, leio uma cabeça humana (leitura

suficiente, pois posso nomear a forma que percebo, fazer com que ela venha juntar-

se ao léxico de minha própria língua, onde existe a palavra ―cabeça‖), mas, do outro

lado, leio, ao mesmo tempo, um sentido inteiramente diferente, proveniente de uma

região diferente do léxico: ―Verão‖, ―Inverno‖, ―Outono‖, ―Primavera‖,

―Cozinheiro‖, ―Calvino‖, ―Água‖, ―Fogo‖; ora, só posso conceber esse sentido das

primeiras unidades: são os frutos que fazem o Verão, os troncos nus que fazem o

Inverno, os peixes que fazem a Água. São já três sentidos de uma mesma imagem;

os dois primeiros são, se assim podemos dizer, denotados, pois, para produzir-se,

necessitam apenas o trabalho da minha percepção, enquanto se articula

imediatamente sobre um léxico (o sentido denotado de uma palavra é o sentido dado

pelo dicionário, e o dicionário pode fazer-me ler, segundo o nível de minha

percepção, aqui peixes, lá uma cabeça). Inteiramente diferente é o terceiro sentido, o

sentido alegórico: para que eu leia cabeça do Verão ou de Calvino, já não me basta a

cultura do dicionário; necessito uma cultura metonímica, que me faça associar certos

frutos (e não outros) ao Verão, ou, de maneira ainda mais sutil, a fealdade austera de

um rosto ao puritanismo calvinista; e do momento em que abandonamos o

dicionário das palavras por um conjunto de sentidos culturais, por associações de

idéias, enfim, pela enciclopédia das idéias recebidas, entramos no campo infinito das

conotações. As conotações de Arcimboldo são simples, são estereótipos. A

conotação abre o caminho dos sentidos; a partir do sentido alegórico, outros sentidos

tornam-se possíveis, não mais ―culturais‖, mas oriundos dos movimentos (de atração

ou repulsa) do corpo. Além da percepção e das significações (lexical ou cultural, ela

própria) desenvolve-se todo o mundo do valor: diante de uma cabeça composta de

Arcimboldo, digo não apenas: leio, adivinho, descubro, compreendo,mas também:

gosto, não gosto. O mal-estar, o medo, o riso, o desejo participam da festa. (op.cit.,

p.130-131)

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Parafraseando Solange Jobim e Souza (2003) estamos assumindo de modo natural e sem

muitas indagações em nosso comportamento os efeitos da cultura da imagem; não podemos

mais negligenciar as mudanças na vida social desencadeadas pelo diálogo que estas imagens

travam conosco. É preciso ―criar estratégias que permitam o estranhamento dessa postura e

intervir neste processo de modo consciente, construindo os conceitos necessários para

desenvolvermos uma atitude crítica sobre o modo como a cultura da imagem penetra e

transforma nossa experiência subjetiva no mundo‖ (SOUZA, 2003, p.80). Em interessante

trabalho em parceria da autora (SOUZA & LOPES, 2002), há o relato de uma experiência

desenvolvida com alunos de uma escola que atende a portadores de necessidades especiais,

onde os jovens foram estimulados a produzirem fotografias que posteriormente eram

apresentadas no grupo e discutidas coletivamente. A estratégia utilizada pelas pesquisadoras

possibilitou a criação de um campo dialógico onde o significado original da imagem

fotográfica, produzida a partir do modo como seu autor observou o espaço escolar, pudesse

ser ampliado, possibilitando a negociação de novos sentidos. De acordo com as autoras,

através do diálogo, as imagens ganharam interpretações que não estavam previstas pelo autor

da foto, assim, ―da imagem à palavra, e da palavra à imagem, ampliam-se não só os modos de

observação como as possibilidades de interpretar uma mesma imagem‖ (p.69).

A leitura de uma imagem não depende apenas dos aspectos relacionados à sua produção, mas

também daquilo que o próprio leitor lhe acrescenta durante esse processo, sua compreensão

responsiva ativa (Bakhtin, 1997). Se de um lado temos um recorte intencional do mundo em

uma fotografia, do outro temos um sujeito leitor com os condicionamentos do seu tempo e da

sua inserção social. Sobre essa questão da possibilidade de múltiplas leituras de uma imagem

Roland Barthes (1989) admite que na relação estabelecida entre a fotografia e o expectador há

dois movimentos que se pode distinguir: o studium e o punctum. O primeiro diz respeito ao

movimento da imagem em direção ao observador e o segundo, ao observador em direção à

imagem. O studium guarda as intenções do fotógrafo que se revelam através das marcas

sensíveis da própria fotografia (as escolhas feitas) enquanto que o punctum refere-se àquilo

que o observador acrescenta à foto ―e que, no entanto, já lá está‖ (p.82); é o que anima o

espectador a ultrapassar o que foi mostrado é ‗uma espécie de fora-de-campo subtil, como se

a imagem lançasse o desejo para além daquilo que dá a ver‖ (p.85).

O exercício de leitura de imagens fotográficas na escola certamente contribui para uma

educação do olhar dos alunos. O estimulo à leitura das imagens presentes nos materiais

didáticos, em um ambiente onde o diálogo possibilite a ampliação dos sentidos produzidos

por estas imagens pode contribuir para o desenvolvimento da capacidade de leituras mais

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críticas. Afinal, as estruturas pictóricas, de qualquer natureza, não reproduzem simplesmente a

realidade; elas podem criar outras imagens da realidade através de uma segunda mensagem,

atendendo a interesses de grupos ou instituições sociais dentro dos quais elas são produzidas,

circulam e são lidas.

É, portanto, a partir desta perspectiva que, neste trabalho, nos propomos a lançar um olhar

sobre as imagens fotográficas relacionadas à saúde.

5.3.2. Principais características das imagens fotográficas de saúde

As 44 imagens fotográficas selecionadas para esta análise (ANEXO 1) apresentam as

seguintes características básicas:

a. Quanto à localização nos volumes, 14 estão no volume 5; 15 no volume 6; 11 no volume 7

e 4 no volume 8;

b. Quanto ao tipo de imagem, todas são fotografias coloridas, sendo: 40 imagens

independentes, isto é, não contidas em caixas e 4 montagens compostas por fotografias e

textos verbais inseridos em um quadro. Do conjunto completo apenas 4 são fotografias

científicas, ou seja, especificamente produzidas para finalidades científicas, como imagens

microscópicas ou radiológicas.

c. Quanto à presença de legenda, das 44 imagens fotográficas, apenas 5 delas não possuem

legenda;

d. Quanto ao contexto de inserção da imagem no desenvolvimento dos conteúdos dentro do

livro didático, indicado tanto pelo conteúdo expositivo da Unidade, quanto pelo título da

Seção e seu conteúdo programático, encontramos 16 imagens inseridas em contexto

relacionado às questões ambientais que afetam diretamente a saúde, 16 em contextos de

prevenção de doenças através do auto-cuidado e 12 em contextos de abordagem específica

dos aspectos biológicos de alguma doença.

e. Quanto à função que desempenham em relação ao texto verbal, 24 fotografias são

Motivadoras, 15 desempenham a função de facilitação redundante e 5 são catalisadoras de

experiências. Não encontramos, neste conjunto, fotografias com função descritiva ou

explicativa.

Pelas informações acima, podemos dizer há certa homogeneidade na ocorrência das imagens

referentes à saúde nos quatro volumes da coleção analisada, com uma pequena ressalva para o

livro 8, que apresenta um número um pouco menor deste tipo de imagem que os demais. Isto

pode ser um indicativo de que, em sintonia com os parâmetros Curriculares Nacionais, temas

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relacionados à saúde atravessam de certo modo toda a coleção, não ficando restritos a um

volume, capítulo ou tópico específico destinado para apenas uma série escolar. O fato de

todas as fotografias serem coloridas, somente faz confirmar o que já dissemos em relação ao

avanço das técnicas de impressão de reprodução que possibilita alta qualidade a baixo custo

nos materiais didáticos. A presença de legenda na grande maioria das imagens, também

confirma o que Barthes, e outros estudiosos do tema, tem observado; trata-se de um método

de conotação bastante freqüente. Quanto ao contexto temático onde as fotografias se inserem,

daremos especial atenção ao item mais adiante, quando abordarmos os procedimentos de

conotação. Já em relação à função da imagem no texto, o predomínio das imagens com função

Motivadora e Facilitadora redundante é revelador de uma característica particular das

fotografias que já discutimos anteriormente: sua capacidade de representar o real. No ensino

de Ciências, essa objetividade se adéqua perfeitamente à visão de ciência como detentora da

verdade. Afinal, se o que a ciência diz é a verdade, a fotografia está ali para ilustrar e

comprovar essa verdade.

À luz do referencial teórico adotado para compreensão do fenômeno da linguagem, da

caracterização do nosso material empírico, da reflexão sobre a natureza da imagem

fotográfica e a partir da análise das características formais, contextuais e funcionais das

fotografias selecionadas para uma análise mais detida, iniciamos a etapa final desta pesquisa,

em busca dos sentidos que a leitura destas imagens pode produzir em relação às questões

referentes à saúde.

Optamos por não apresentar a análise individual de cada uma das 44 imagens por acreditar

que isso tornaria a leitura deste texto cansativa além do que as observações feitas seriam,

certamente, repetitivas. Apresentaremos apenas um exemplo de leitura detalhada de imagens

fotográficas contidas em uma seção, a título de ilustração do modo como procedemos com o

conjunto. Em seqüência apresentaremos os principais procedimentos conotadores encontrados

nas fotografias buscando relacionar os efeitos de sentido produzidos com os aspectos

característicos de determinadas visões de saúde.

5.3.3. Exemplo de leitura de imagem fotográfica

Temos argumentado que as fotografias, sendo as representações imagéticas com o maior grau

de iconicidade, isto é, de semelhança com o real, não estão isentas de um conteúdo conotado,

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de uma segunda mensagem (BARTHES, 1990), e que os sentidos atribuídos a estas imagens

podem, a nosso ver, se relacionar com aspectos característicos de determinada visão de saúde.

Assim, a exemplo da leitura feita por Roland Barthes de um conjunto de pinturas de

Arcimboldo, onde esse autor demonstra a possibilidade de identificar os sentidos denotados e

conotados de imagem de alta iconicidade, passamos a descrever a leitura de duas imagens

fotográficas do nosso conjunto, inseridas no contexto do tema O álcool afeta o sistema

nervoso (Imagem 7), em busca dos sentidos que estas possam produzir em relação às questões

referentes à saúde.

Imagem 7 - Visão da seção Por uma Nova Atitude. Livro 7, pp. 126-127

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Imagem 8 – Código da imagem 7.5.126.1

A primeira fotografia (Imagem 8) mostra dois homens segurando um aparelho e, aquele que

esta em primeiro plano, sopra em um canudo deste aparelho. Este homem é branco, tem barba

e veste uma camisa clara enquanto que o segundo homem, que também é branco, está em

segundo plano, com seu rosto parcialmente oculto pelo primeiro, não tem barba e veste uma

espécie de farda com boné. Esta descrição corresponde, segundo Roland Barthes (1990) ao

sentido denotado da imagem que fica mais claro quando, no rodapé, lemos a legenda Policial

rodoviário submetendo motorista ao teste do bafômetro, que indica se ele está alcoolizado. A

primeira mensagem foi fixada pela legenda que reduziu os sentidos denotados possíveis da

imagem a apenas um: trata-se de um procedimento policial para reprimir motoristas que

dirigem após consumir álcool. Mas, como qualquer representação visual, esta imagem não

escapa de conduzir uma segunda mensagem, uma mensagem conotada, que se revela, por

exemplo, na postura submissa assumida pelo homem que sopra no dispositivo em relação ao

outro homem investido de autoridade pela sua farda. Esse segundo sentido que posso abstrair

dessa imagem, chamado por Barthes de sentido óbvio, é aquele que me vem imediatamente.

Contudo, um terceiro sentido, o sentido obtuso, esse é mais sutil, pode me sugerir uma culpa

do homem que sopra. Ele é potencialmente aquele que erra e que deve ser controlado e punido

por suas falhas. Como se o policial lhe perguntasse – você bebeu? E ele se torna o único

responsável pelas suas ações.

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Imagem 9- Código da imagem: 7.5.127.1

A segunda fotografia (Imagem 9) apresenta vários carros danificados por acidentes de

trânsito. Em primeiro plano vemos parte da lataria de um carro antigo enferrujada e retorcida,

que oculta a frente de outro carro mais novo, que está em segundo plano, cujo pára-brisa está

quebrado e o teto parece ter sido arrancado (vítimas presas às ferragens?). A legenda Pátio

com carros batidos. 150ª Ciretran, São Roque, SP, cria um contexto de significação para a

imagem, eliminando outros sentidos denotáveis. Trata-se, portanto, de um depósito de carros

batidos. A mensagem conotada que imediatamente nos vem decorre da própria inserção da

imagem em uma página onde o tema, que aborda os riscos da ingestão de álcool, nos leva a

concluir que estes carros destroçados são o resultado da direção após o consumo de álcool. E,

fazendo uma associação com a imagem anterior, surge o sentido obtuso da imagem: a culpa é

do indivíduo que bebeu e pegou a direção.

Outra leitura possível, que estabelece relação entre estas duas imagens, se refere ao grande

número de carros e a coexistência de carros velhos e enferrujados com carros novos no pátio,

o que sugere tratar-se de um problema que já ocorre há bastante tempo, não começou agora. A

dimensão do problema é reforçada justificando, assim, a necessidade de uma ação preventiva;

o que confere legitimidade à interferência através de uma ação policial. Confere poder a um e

determina a submissão do outro.

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Talvez a própria proposta contida no título da seção do livro escolhida para essa análise– Por

uma nova atitude - justifique uma alta freqüência de imagens que estimulam mudanças de

hábitos e comportamentos individuais; aspecto característico do modelo de educação sanitária

que responsabiliza o indivíduo pela sua saúde. Entretanto entendemos que a proposta da seção

de promover uma reflexão sobre hábitos e atitudes relativos à saúde e ao ambiente, não

deveria ficar reduzida ao discurso de mudança de comportamentos individuais e sim a adoção

de uma postura mais crítica que reconhece também a existência de outros determinantes no

processo saúde-doença, uma multicausalidade. A não referência a outras instâncias sociais

como fatores determinantes da saúde ficou bastante evidente no tratamento dado ao problema

da ingestão de álcool e suas conseqüências. Além das duas imagens analisadas as demais

imagens contidas nesta seção (tabelas e esquemas mostrando o aumento da distância de

parada de veículo ao ser freado por um condutor após a ingestão de álcool) e o texto verbal da

seção, tratam apenas das conseqüências da ingestão exagerada do álcool, não promovendo

uma reflexão sobre as razões sociais, culturais ou econômicas que levam ao ou estimulam o

alcoolismo.

Ainda é preciso lembrar que, de acordo com os critérios que estabelecemos para classificar a

função da imagem em relação ao texto, estas duas imagens têm função Motivadora, o que as

torna especialmente significativas, pois não estando subordinadas ao texto verbal, interagem

com este em condição de igualdade para a compreensão mais completa do tema. Neste caso,

ambos os textos, o imagético e o verbal conduzem a leitura em uma mesma direção – a

responsabilização do indivíduo, onde, a dimensão do comportamento pessoal, que é

influenciado pelo conceito de ‗risco‘, se sobrepõe à dimensão social, reforçando um modelo

de autonomia com incorporação acrítica de valores. Se considerarmos que esta leitura estará

sendo realizada por crianças e jovens em fase de construção identitária dentro do espaço

escolar, devemos mais uma vez ressaltar a importância de refletirmos sobre o tipo de cidadão

que a educação em saúde que fazemos na escola está ajudando a formar.

Guardadas as devidas limitações da leitura feita - afinal a mesma imagem pode ser lida

diferentemente por dois leitores -, o exemplo apresentado busca mostrar uma possibilidade de

leitura que ultrapasse o sentido imediato que uma fotografia possa produzir em seu leitor,

tornando-se mais crítica. Obviamente o sentido atribuído a uma imagem é subjetivo e depende

diretamente do nível de conhecimento que o leitor tem sobre aquilo que está sendo

representado. A leitura de uma imagem fotográfica é ―sempre histórica; depende sempre do

―saber‖ do leitor, tal como se fosse uma verdadeira língua, inteligível apenas para aqueles que

aprenderam seus signos‖ (Barthes, 1990, p.21-22). Quanto mais conhecimento sobre o tema e

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as condições de produção de uma imagem, maior a possibilidade de estabelecimento de

leituras mais variadas e de níveis mais profundos. Assim, ressaltamos mais uma vez que o

ambiente escolar como espaço propício ao dialogo e ampliação de horizontes, pode favorecer

a formação de leitores capazes de leituras mais profundas.

5.3.4. Os procedimentos de conotação das imagens fotográficas da saúde e as

concepções de saúde.

Vimos que de acordo com Barthes (1990) as mensagens denotadas e conotadas (óbvias e

obtusas) imbricam-se nas imagens e que é necessário captar esse modo de imbricação para

compreender como as fotografias conseguem ser ao mesmo tempo objetivas e investidas de

valores. Para nós, o desafio desta análise consiste em desvendar o modo como estes

procedimentos de conotação, capazes de produzir diferentes sentidos, pode colaborar para o

reforço de alguns aspectos característicos de uma determinada visão de saúde.

Admitimos que os procedimentos de conotação estejam relacionados tanto aos aspectos da

produção da imagem propriamente dita quanto aos textos a ela vinculados diretamente, como

no caso da legenda, ou indiretamente, através do conteúdo do texto verbal da página ou da

seção onde a imagem se insere, e que influenciam o modo de leitura da imagem. Apenas para

efeito didático, apresentaremos nossa análise em dois blocos abordando separadamente os

procedimentos de conotação na imagem e no texto.

5.3.4.1. Procedimentos de conotação na imagem

Considerando que o mecanismo de conotação tem origem nos diferentes níveis da produção

da própria fotografia (escolha, processamento técnico, enquadramento, diagramação), e que se

efetua através de alguns procedimentos já bastante conhecidos (trucagem, pose, objetos,

fotogenia, estetismo e sintaxe) procedemos a uma análise do nosso conjunto de fotografias

buscando identificar e mensurar a ocorrência destes procedimentos e dos sentidos óbvios e

obtusos que possam estar produzindo em relação às questões de saúde.

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Das 44 fotografias selecionadas, identificamos o procedimento de Objeto em 26, o

procedimento de Pose em 15, Pose associada à Trucagem em 1, Estetismo em 1 e Sintaxe em

1. O procedimento de Fotogenia não foi encontrado.

Há um evidente predomínio dos procedimentos de conotação Objeto e Pose em nosso

conjunto de imagens da saúde. Sabemos que a ‗pose do modelo‘ (humano), que também se

trata de uma intervenção direta no plano da denotação, isto é, uma modificação proposital do

real a ser fotografado, pode sugerir leituras de significados de conotação. Também os objetos

e o modo como estes se dispõem na imagem, a ‗pose dos objetos‘, são eficientes elementos de

significação, pois são indutores comuns de associações de idéias e podem funcionar também

como símbolos, produzindo significados de conotação.

Podemos retomar a primeira imagem que descrevemos no item anterior (Imagem 8), como

exemplo dessa capacidade de produzir significados de conotação através de procedimentos

determinados pela Pose e pelos Objetos. Sobre ela, dissemos: esta imagem não escapa de

conduzir uma segunda mensagem, uma mensagem conotada, que se revela, por exemplo, na

postura submissa assumida pelo homem que sopra no dispositivo em relação ao outro homem

investido de autoridade pela sua farda. Foi a ‗pose do modelo‘ a estrutura composicional da

imagem que nos permitiu ler uma postura submissa; o homem com a cabeça inclinada para

frente, olhando para baixo, tem para nós, um significado cultural de submissão e/ou respeito

pelo outro. Trata-se de um conteúdo ideológico compartilhado pela sociedade contemporânea

e que orienta nossa leitura da cena retratada produzindo esse sentido específico. Além da

presença predominante desse componente estrutural humano da imagem e sua Pose, temos

ainda a presença de um Objeto, cujo significado simbólico nos permite identificar o segundo

homem como uma autoridade: o seu uniforme – boné com escudo e divisas na manga do

casaco, indicando sua patente.

Ainda sobre o modo como os procedimentos de Pose e Objeto produzem significados

conotados, podemos observar a Imagem 10 e analisar as duas fotografias na parte inferior da

página que, em conjunto, podem produzir um interessante efeito de sentido. A fotografia do

caminhão soltando uma fumaça densa e logo ao seu lado, uma fotografia de uma pessoa

jovem usando equipamento auxiliar para respiração, produz simultaneamente e quase que

consecutivamente as sensações de falta de ar e de alívio. O sufocamento produzido pelo close

na fumaça é imediatamente substituído pela sensação de alívio que a representação de uma

nebulização pode sugerir, especialmente naqueles que já vivenciaram essa experiência. A

pose da pessoa segurando o aparelho, que também está sendo seguro por outra pessoa da qual

vemos apenas parte da mão, indica a necessidade de mantê-lo em seu poder pelo alívio que

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proporciona. A emoção provocada pelas imagens certamente colabora com a mensagem

linguística do risco da poluição para a saúde humana, reforçando-a. Apesar da última imagem

da página remeter para procedimentos médicos, o que poderia caracterizá-la como portadora

de uma abordagem Biomédica para educação em saúde, podemos considerar que as

fotografias analisadas abordam a saúde humana a partir de uma perspectiva Socioambiental

onde as condições de risco, ambientais (a má qualidade do ar atmosférico) e culturais (o estilo

de vida nos grandes centros urbanos), são consideradas como determinantes de saúde. O

discurso conjunto das imagens e do texto é orientado no sentido de empoderamento da

população através do desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e atitudes em busca de

espaços mais saudáveis de vida.

Imagem 10 – Códigos das imagens: 5.5.124.2 e 5.5.124.3.

Outro interessante exemplo de conotação através do procedimento de pose podem ser

encontrados nas fotografias da seção ―Os perigos da Automedicação‖ (Imagem 11). Podemos

perceber que os efeitos de conotação dados pela pose de um modelo, podem ocorrer mesmo

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na situação em que apenas uma pequena parte do corpo de uma pessoa é visível. É o que

ocorre na primeira fotografia onde o close na mão aberta contendo uma grande quantidade de

comprimidos e cápsulas de medicamentos dos mais diferentes tamanhos e cores sugere uma

posse voluntária dos mesmos, como se a imagem nos dissesse: ‗está em suas mãos!‘. Na

segunda imagem, a mulher e o menino, em primeiro plano, diante de um balcão olham para a

prateleira repleta de medicamentos como olhariam para uma vitrine de loja escolhendo uma

mercadoria. A ausência de um funcionário atrás do balcão sugere que eles possam escolher

autonomamente dentre os medicamentos expostos aqueles que quiserem.

Imagem 11 – Códigos das imagens: 6.4.96.1 e 6.4.96.3

Ambas as fotografias analisadas isoladamente podem conotar uma responsabilização

individual pela saúde e culpabilização pela perda desta, enfoques característicos de uma

educação em saúde com uma abordagem predominantemente comportamental. Contudo,

veremos na seção seguinte que, no contexto da página em relação com o texto verbal, este

enfoque não se confirma neste caso.

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5.3.4.2. Procedimentos de conotação no texto

Tanto a legenda quanto os demais textos verbais associados a uma imagem, produzem efeitos

de conotação e são capazes até mesmo de modificar o sentido dado a uma imagem.

[...] na maioria das vezes o texto limita-se a ampliar um conjunto de conotações já incluídas na fotografia; mas,

por vezes, também o texto produz (inventa) um significado novo, que é, de certo modo, projetado

retroativamente na imagem, a ponto de nela parecer denotado [...]. (Barthes, 1990, p.21)

A presença de legenda na maioria das fotografias, (apenas 5 das 44 fotografias analisadas não

tem legenda) é um aspecto significativo se considerarmos que, sendo um texto verbal muito

próximo da imagem (ou até mesmo dentro dela) e a ela dirigido diretamente, parece participar

de sua objetividade enquanto, na verdade, controla sua polissemia.

O efeito de conotação é provavelmente diferente conforme o modo de apresentação da palavra; quanto mais

próxima está a palavra da imagem, menos parece conotá-la; devorada, de uma certa forma, pela mensagem

iconográfica, a mensagem verbal parece participar de sua objetividade: a conotação da linguagem ―purifica-se‖

através da denotação da fotografia [...]. (Barthes, 1990, p.20)

Esse controle pode se exercer de dois modos distintos: fixando um determinado significado

preferencial ou complementando as informações da imagem colocando nela sentidos que não

contém. Para Roland Barthes (op. cit.), com relação à imagem, o texto pode ter duas funções:

Função de ancoragem (ou fixação)– A ancoragem descreve uma forma de interação

imagem/texto. O texto tem a função de deter a cadeia ‗flutuante de sentido‘ que a polissemia

necessária da imagem geraria, designando ‗o nível correto de leitura‘. A Imagem 12

exemplifica essa função.

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Imagem 12 – Código da Imagem: 7.2.56.1.

Sem a legenda poder-se-ia entender que são duas pessoas, e não uma mesma pessoa em duas

imagens postas lado a lado através de trucagem para produzir um determinado efeito.

Função de revezamento (ou relais)– O revezamento é uma forma de complementaridade entre

imagem/texto (a temporalidade e a causalidade não podem ser representadas em imagens

fixas, o texto complementa essa deficiência da imagem). A mensagem lingüística supre

carências expressivas da imagem, a substitui, diz o que a imagem não pode mostrar, como

podemos verificar nos dois exemplos a seguir.

Imagem 13 – Código da imagem: 5.4.102.1.

A imagem sozinha não é capaz de nos dizer que há uma escassez de água no mundo.

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Imagem 14 – Código da imagem: 7.6.148.1.

Sem a legenda dificilmente prestaríamos atenção nas mochilas nas costas das crianças. Com a

legenda, elas se tornam o objeto central na leitura da imagem.

Há situações em que a imagem pode se relacionar com outros textos com a mesma

intensidade com que se relaciona com as suas legendas. Verificamos que em todas as seções

‗Por uma nova atitude‘ analisadas (num total de 20), há sempre uma imagem localizada ao

lado do título da seção (19 são fotografias e 1 desenho) que é apresentado em letra de corpo

bem maior que o resto do texto e na cor vermelha.

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Imagem 15 – Código da imagem: 7.7.172.1.

O título se destaca na página com tanta intensidade quanto as imagens e, por estar sempre

associado a uma delas por proximidade, atrai o olhar do leitor antes mesmo da leitura da

legenda sob a imagem que, por ter letras menores que a do texto da página e de cor preta

como a do texto, não chama tanto a atenção do leitor quanto o título. Desse modo a interação

do título com a imagem tem um efeito conotador muito intenso e muitas vezes anterior ao

efeito da legenda. São imagens cuja função Motivadora da leitura fica bastante evidente

(Imagem 15).

A presença de uma imagem nesta posição da página, tão próxima ao título e interagindo com

ele, a investe de certa responsabilidade. Assim, ―ao estar a imagem antes do texto, ao lado do

título, descrita pela legenda e utilizada para introduzir o tema, parece que esteja aí para ser

vista e interpretada como um elemento essencial daquilo que se seguirá‖ (Silva &

Compiani,2006, p.214). No caso desta imagem que apresenta a camisinha como um objeto

importante relacionado ao tema doenças venéreas, apesar de o texto principal da seção

enfocar apenas aspectos biomédicos das DSTs, a abordagem dos aspectos sociais e culturais

que envolvem o tema, como a necessidade da prevenção através do uso da camisinha e os

preconceitos envolvidos, são retomados no final da seção através de propostas de atividades

de pesquisa e debates sobre questões polêmicas.

Ainda sobre o modo como a imagem interage com o texto da página ou seção em que se

insere, retomaremos as fotografias 6.4.96.1 e 6.4.96.3 (Imagem 11). Quando as analisamos

em relação aos procedimentos de conotação da imagem, vimos que isoladamente elas

poderiam sugerir uma abordagem comportamental de Educação em Saúde. Entendemos que a

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primeira fotografia com a mão espalmada contendo medicamentos sugere uma posse

voluntária destes, uma responsabilidade individual sobre a ação condenável da

automedicação. Quando passamos a analisá-la em relação ao texto escrito, apesar da ausência

de legenda, percebemos que ela está fortemente vinculada, pela proximidade, ao título da

seção, ‗Os perigos da automedicação‘, cujo teor só faz confirmar o sentido conotado de

responsabilização do indivíduo. Esta imagem desempenha uma função motivadora em relação

ao texto verbal da seção, pois é capaz de gerar questões que estimuladoras da leitura. A

segunda fotografia, uma mulher e um menino diante de uma prateleira de medicamentos em

farmácia, nos sugeriu uma leitura de autonomia e liberdade na obtenção de medicamentos.

Essa disponibilidade dos medicamentos e a pseudo-autonomia em relação à possibilidade de

obtê-los que a imagem isoladamente sugere é justamente o alvo de crítica da seção. Crítica

essa evidenciada em destaque em seu título e aprofundada no conteúdo do texto verbal da

página.

Sobre essa questão da autonomia que a imagem analisada nos remete, é importante que

retomemos nossa reflexão sobre qual tipo de autonomia está sendo sugerida ao indivíduo em

relação à sua saúde. Uma autonomia na perspectiva aristotélica, onde a promoção de saúde é

entendida como prevenção de doença (uma doença específica) cabendo ao indivíduo a

responsabilidade de manter, melhorar ou recuperar sua própria saúde ou, autonomia numa

perspectiva progressista, onde a promoção de saúde refere-se a medidas que permitem o

aumento do bem estar geral, não voltado para uma doença específica apenas (Czeresnia,

2003), e onde a saúde do indivíduo é responsabilidade tanto deste quanto das estruturas

sociais políticas, econômicas, ambientais e educacionais?

De certo modo, estas imagens (imagem 11) e o texto verbal são contraditórios em relação à

visão de saúde que encaminham. As imagens produzem sentidos que encaminham para uma

visão de educação em saúde com abordagem comportamental, onde a autonomia segue a

perspectiva Aristotélica, na medida em que apenas a responsabilidade individual é estimulada

e valorizada para a mudança de comportamento e adoção de estilos de vida mais saudáveis. O

texto, por outro lado, ao enfocar determinantes sociais, políticos e culturais envolvidos na

questão da automedicação, apresenta uma abordagem de educação em saúde dentro de uma

perspectiva socioambiental.

Podemos dizer, então, que ―a imagem atravessa os textos e muda-os; atravessados por ela, os

textos transformam-na‖ (Joly, 1996, p.131 – citando a obra de Louis Marin). O texto

associado à imagem pode produzir sentido tanto por seu conteúdo, como no último exemplo

citado, quanto por seu impacto visual, como na situação analisada anteriormente em que o

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título da seção está fortemente vinculado a imagem pela proximidade. Em outras palavras, do

mesmo modo que a imagem influencia e é capaz de mudar o sentido do texto, este por sua

vez, também influencia e muda o sentido da imagem.

O mesmo encaminhamento reflexivo foi aplicado à análise das demais imagens da saúde do

conjunto selecionado, buscando identificar seus procedimentos de conotação internos

(originados na produção da própria imagem) ou externos (nos textos vinculados à imagem,

como legenda e texto principal da página ou seção) e os efeitos de sentido que são capazes de

produzir influenciando o estabelecimento de uma determinada visão de saúde. À exemplo das

análises que apresentamos, no restante do conjunto de fotografias a ocorrência de imagens

cujos conotadores internos ou conotadores externos mais próximos (como legendas e títulos)

remetem a aspectos típicos de uma abordagem comportamental foi bastante significativo

(quadro 8). Essa abordagem não está em sintonia com as orientações dos documentos oficiais

analisados que, estando expressamente comprometidos com uma perspectiva de Educação em

Saúde baseada em um conceito de saúde ampliado, se identificam muito mais com um modelo

com abordagem socioambiental; onde a reflexão, a análise e o conhecimento estão no âmago

das ações pedagógicas e são mais importantes que as ações prescritivas que visam apenas

mudanças no comportamento do indivíduo.

Quadro 8

Perspectiva de abordagem de Educação em Saúde a partir de conotadores da imagem

Perspectiva de

abordagem de

Educação em Saúde

Número de imagens

Em relação aos

conotadores internos

(nº de imagens)

Em relação aos

conotadores externos

próximos

(títulos e legendas)

(nº de imagens)

Em relação aos

conotadores externos

mais afastados

(texto da seção)

(nº de imagens)

Biomédica 12 11 19

Comportamental 16 15 3

Socioambiental 16 18 22

Quando consideramos os conotadores externos mais afastados - o texto principal da seção -

percebemos uma mudança significativa de rumo do discurso em relação à perspectiva de

Educação em Saúde a que remetem, com o predomínio de uma abordagem Socioambiental.

Se levarmos em conta o fato de que o conteúdo verbal dos livros didáticos historicamente

sempre esteve mais sujeito às críticas acadêmicas e ao controle decorrente das políticas

públicas voltadas para o livro didático, do que o conteúdo imagético, podemos facilmente

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entender essa ‗mudança de rumo do discurso‘ que verificamos, quando passamos a considerá-

lo na leitura destas imagens.

Como vimos no capítulo 3.4 deste trabalho, as orientações oficiais de encaminhamento dos

aspectos relacionados à educação em saúde nas escolas estão expressamente comprometidas

com uma perspectiva de Educação em Saúde com abordagem Socioambiental. A coleção

analisada tem seu discurso verbal comprometido com esta perspectiva, contudo, o discurso

visual revelado através da análise dos conotadores internos e próximos, estando fortemente

marcado por uma perspectiva Comportamental, parece não ter merecido o mesmo cuidado

dispensado ao texto verbal em atender as orientações oficiais.

Essa falta de cuidado com o discurso visual dos livros didáticos desde sua produção é

agravada pelo fato de que, tradicionalmente, o professor também não trata o conteúdo das

imagens do mesmo modo como trata o texto verbal, não explorando junto com os alunos seus

significados possíveis em busca de uma leitura que ultrapasse um sentido primeiro, privando-

os de uma oportunidade intencionalmente criada para a elaboração de uma leitura mais crítica

de seus significados. Assim, o aluno está susceptível às influências destas imagens na

constituição de sua visão de saúde que, conforme temos argumentado, por sua vez pode ser

determinante na conformação de alguns aspectos de sua vida cidadã.

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6. CONCLUSÕES

Iniciamos este trabalho localizando o leitor em uma situação típica de um ambiente

escolar, onde o discurso oficial predominante orienta seus objetivos para a formação de um

cidadão crítico. Vimos que os documentos oficiais endereçados à escola são norteados por um

conceito amplo de cidadania, relacionado ao significado e ao conteúdo da democracia, onde

há o reconhecimento de que, além dos conteúdos disciplinares convencionais, outras questões

diretamente relacionadas com o exercício da cidadania devem necessariamente ser tratadas,

dentre elas a saúde. Contudo, apesar dessas orientações, a escola vive um conflituoso papel;

se por um lado ela se propõe a ser emancipadora no discurso oficial, por outro, pode estar a

serviço da reprodução de um sistema hegemônico onde o cidadão que se quer formar é aquele

que atende às necessidades de um determinado modelo econômico vigente. Quando nos

propomos a refletir sobre a Educação em Saúde que se faz dentro deste espaço, o fazemos a

partir do reconhecimento de que esta contribui para a formação deste cidadão aluno e que,

obviamente, está também submetida às mesmas forças sociais.

Entendemos, ainda, que os materiais didáticos que circulam no espaço escolar podem

reproduzir através de seu conteúdo verbal e/ou visual alguns discursos que se originam ou

ocorrem em outros espaços discursivos. Tomando o livro didático como o mais importante

material impresso do universo discursivo escolar, nos propusemos a buscar compreender a

natureza do discurso sobre saúde nele contido, através da análise de suas imagens, por

considerar que estas contribuem significativamente na construção da visão de saúde dos

estudantes e, consequentemente, na constituição de sua cidadania. Como um texto híbrido

semiótico, os livro didático atual apresenta diferentes linguagens (verbal, matemática e

imagética) imbricadas numa articulação semântica, que demanda modos de leitura mais

complexos. Contudo, a despeito da evidente evolução da visualidade dos livros didáticos nos

últimos anos, o uso pedagógico das imagens ainda é deficiente; em geral estas são vistas

apenas como acompanhantes dos textos.

Tendo como pressuposto a convicção de que as imagens também são capazes de

transmitir mensagens, conceitos, idéias e valores, consideramos que estas desempenham

importante papel na formação dos jovens. Desse modo, não só o conteúdo verbal do livro

didático merece cuidado, também o conteúdo visual deve estar em função da aprendizagem à

que ele se propõe. Afinal, a escolha de uma imagem e seus aspectos composicionais não é

uma ação ingênua, é intencional; ao inserir imagens em suas páginas, os livros didáticos

produzem estruturas narrativas que localizam o leitor numa determinada posição a partir da

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qual da imagem deve ser vista. A partir de uma perspectiva bakhtiniana, consideramos que a

linguagem visual é dialógica e que a imagem, como mensagem para o outro - como uma

enunciação -, tem caráter polifônico, ou seja, é portadora de muitas vozes; as vozes do seu

tempo, do grupo social ao qual pertence aquele que a forjou, a voz da instituição que

representa.

A coleção analisada, seguindo a tendência atual de hibridização semiótica dos livros

didáticos, apresenta sua estrutura gráfica intencionalmente constituída de modo a estabelecer

relação entre os conceitos e idéias apresentadas através, por exemplo, de sistemas

hierárquicos de títulos, do uso de cor de destaque em textos contendo a idéia essencial, no

tamanhos das letras, na disposição das imagens, caixas de texto e no uso da linguagem

matemática. Constatamos, ainda, que os volumes dessa coleção apresentam cerca de 40% da

área de suas páginas, ocupada por imagens, com uma média de 2,4 imagens por página;

confirmando a tese de que os livros vêem se tornando cada vez mais ilustrados e justificando

a relevância de estudos que tratem do papel das imagens na aprendizagem dos conceitos,

Do total das imagens encontradas nos quatro volumes da coleção, cerca de 11% foi

por nós consideradas como sendo imagens referentes à saúde e, destas, mais da metade eram

fotografias. Este fato nos levou a optar por uma análise mais detida deste conjunto, por

entendermos que as fotografias, sendo imagens altamente icônicas, podem ser percebidas

socialmente como uma representação fiel da realidade constituindo-se em excelentes

instrumentos de imposição ideológica, pois levam naturalmente a crer que o que ela diz é

verdade. Essa falsa ilusão de realidade que as fotografias podem suscitar levou-nos a refletir

sobre o significado que pode ter para o ensino de ciências essa presença tão marcante desse

tipo de imagem nos livros didáticos. Acreditamos que a fotografia presente em materiais

didáticos carrega consigo esse caráter de verdade inquestionável naturalizando idéias,

conceitos, princípios, comportamentos, estéticas e etc., já que são lidas em uma situação de

aprendizagem intencional onde não só os conhecimentos científicos estão sendo construídos,

como também a própria identidade cidadã do aluno. Com base nessa percepção buscamos,

neste estudo, compreender o modo como estas imagens veiculam mensagens e produzem

sentidos, isto é, seus mecanismos de conotação.

Optamos por centrar nossa análise na seção do livro intitulada Por uma nova atitude

porque esta, segundo revela o manual do professor, tem objetivos explicitamente relacionados

com a educação em saúde, ou seja, se propões a uma ―reflexão sobre hábitos e atitudes

relativos à saúde e ao ambiente e sua finalidade pedagógica é o estabelecimento de uma

relação de respeito à saúde e ao ambiente‖ (Projeto Araribá, 2006. p.8 – Suplemento do

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Professor). Tendo como norte as recomendações contidas nos documentos oficiais atuais que

regulamentam a educação brasileira e trazem orientações sobre como deve ser desenvolvida a

educação em saúde no espaço escolar, procedemos à análise de um conjunto de 44 fotografias

referentes à saúde, contidas naquela seção.

Vimos que, de acordo com Barthes (1990), as mensagens denotadas e conotadas

(óbvias e obtusas) imbricam-se nas imagens e que é necessário captar esse modo de

imbricação para compreender como as fotografias conseguem ser ao mesmo tempo objetivas

e investidas de valores. Em nossa análise buscamos desvendar o modo como estes

procedimentos de conotação, capazes de produzir diferentes sentidos pode colaborar para o

reforço de alguns aspectos característicos de uma determinada visão de saúde. Admitimos que

os procedimentos de conotação estejam relacionados tanto aos aspectos da produção da

imagem propriamente dita quanto aos textos a ela vinculados diretamente, como no caso da

legenda, ou indiretamente, através do conteúdo do texto verbal da página ou da seção onde a

imagem se insere, e que influenciam o modo de leitura da imagem.

Dentre os procedimentos de conotação na imagem, os mais recorrentes no conjunto de

fotografias analisadas foram Objeto e Pose. A ‗pose do modelo‘ (humano), que é uma

intervenção direta no plano da denotação, isto é, uma modificação proposital do real a ser

fotografado, pode sugerir leituras de significados de conotação. Também os objetos e o modo

como estes se dispõem na imagem, a ‗pose dos objetos‘, são eficientes elementos de

significação, pois são indutores comuns de associações de idéias e podem funcionar também

como símbolos, produzindo significados de conotação. Vimos, por exemplo, que em uma das

fotografias analisadas um homem com a cabeça inclinada para frente, olhando para baixo,

pode ter para nós um significado cultural de submissão e/ou respeito pelo outro. Na mesma

imagem, além da Pose humana, há ainda um Objeto cujo significado simbólico nos permite

identificar o segundo homem como uma autoridade: o seu uniforme – boné com escudo e

divisas na manga do casaco, indicando sua patente. Esses significados simbólicos refletem

conteúdos ideológicos compartilhados pela sociedade contemporânea e que orientam nossa

leitura da cena retratada produzindo um determinado sentido. É a fotografia carregando

consigo um caráter de verdade inquestionável, naturalizando idéias, conceitos, princípios,

comportamentos, estéticas e etc. Quando essa submissão a uma autoridade se associa à culpa

do indivíduo, sentido obtuso produzido a partir da leitura de uma segunda fotografia

localizada na mesma seção do livro, na qual um pátio com carros batidos seria o resultado da

direção após o consumo de álcool, percebemos que ocorre o reforço de uma visão de saúde na

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qual a responsabilização individual pela saúde predomina. Sem uma orientação diferente

desta no contexto da página onde esta imagem se insere, ou seja, sem considerar a

multicausalidade do alcoolismo e a influência de fatores sócio-ambientais no uso abusivo do

álcool, o sentido obtuso produzido, de culpabilização do indivíduo pelos problemas

decorrentes do uso do álcool, caracteriza uma educação em saúde com abordagem

comportamental. A escola, de acordo com essa perspectiva, é vista apenas como local de

mudança de comportamento e, nesse sentido, é prescritiva e normativa.

A exemplo dessa análise, no restante do conjunto de fotografias, a ocorrência de

imagens que remetem a aspectos típicos de uma abordagem Comportamental foi bastante

significativo – 16 fotografias. Conforme vimos, essa abordagem não está em sintonia com as

orientações dos documentos oficiais analisados que, estando expressamente comprometidos

com uma perspectiva de Educação em Saúde baseada em um conceito de saúde ampliado, se

identificam muito mais com um modelo com abordagem socioambiental, onde a reflexão, a

análise e o conhecimento estão no âmago das ações pedagógicas e são mais importantes que

as ações prescritivas que visam apenas mudanças no comportamento do indivíduo.

Quanto aos procedimentos de conotação no texto, vimos o poderoso papel que

desempenham as legendas e os títulos próximos às imagens, como conotadores, controlando

sua polissemia ao reforçar determinado sentido ou trazendo novos sentidos às imagens. Além

disso, o modo como a imagem interage com o texto da página ou seção em que se insere,

pode produzir sentido contrário àquele que, fora de seu contexto, poderia produzir,

encaminhando visões de saúde contraditórias, como no caso da imagem de uma mulher e um

menino diante de uma prateleira de medicamentos em farmácia (Imagem 11) que, analisada

individualmente, nos sugeriu uma leitura de autonomia e liberdade na obtenção de

medicamentos, que era justamente o aspecto tomado como alvo de crítica do conteúdo verbal

da seção. Neste caso, a imagem é capaz de produzir sentidos que encaminham para uma visão

de educação em saúde com abordagem comportamental, onde a autonomia segue a

perspectiva Aristotélica, na medida em que apenas a responsabilidade individual é estimulada

e valorizada para a mudança de comportamento e adoção de estilos de vida mais saudáveis,

enquanto que o texto, ao enfocar determinantes sociais, políticos e culturais envolvidos na

questão da automedicação, encaminha para uma abordagem de educação em saúde dentro de

uma perspectiva socioambiental.

Concluímos que, quando em nossa leitura, passamos a consideramos os conotadores

externos mais afastados - o texto principal da seção – em busca dos sentidos produzidos,

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percebemos uma mudança significativa de rumo do discurso em relação à perspectiva de

Educação em Saúde a que remetem, com o predomínio de uma abordagem Socioambiental.

Creditamos essa mudança ao fato de que o conteúdo verbal historicamente sempre esteve

mais sujeito às críticas acadêmicas e ao controle decorrente das políticas públicas voltadas

para o livro didático do que o conteúdo imagético.

Não ignoramos o fato de que a leitura de uma imagem não depende apenas dos

aspectos relacionados à sua produção, mas também daquilo que o próprio leitor lhe acrescenta

durante esse processo, sua compreensão responsiva ativa (Bakhtin, 1997). Se de um lado

temos um recorte intencional do mundo em uma fotografia, do outro temos um sujeito leitor

com os condicionamentos do seu tempo e da sua inserção social. Contudo, a simples

interferência de outra pessoa na orientação da leitura de uma imagem, pode torná-la mais

significativa e produtiva para o leitor, e a escola é espaço privilegiado para isso.

As imagens fotográficas presentes nos livros didáticos de Ciências que chegam às

mãos dos nossos alunos, não são transparentes como a princípio se poderia supor, não falam

‗a verdade‘ sobre o mundo, mas ‗uma verdade‘ sobre o mundo. Aí reside a razão para que se

promova a leitura crítica dessas imagens, desvelando essas visões de mundo e possibilitando

escolhas mais conscientes para os educandos.

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SILVA, E.T. Livro Didático: do ritual de passagem à ultrapassagem. Revista Em Aberto,

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SILVA, F. K. M. e COMPIANI, M.,Las imágenes geológicas y geocientíficas en libros

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SOUZA, L.; REGO, S.; GOUVEIA, G. A imagem em artigos publicados no período 1998-

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SOUZA, S. J. Dialogismo e alteridade na utilização da imagem técnica em pesquisa

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SOUZA, S.J.; LOPES, A.N. Fotografar e narrar: a produção do conhecimento no contexto da

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TORRES, C. A. Democracia, educação e multiculturalismo: dilemas da cidadania em um

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RJ: Vozes, 2001.

VOLOSHINOV, V. (1930) A estrutura do enunciado. Tradução de Ana Vaz para fins

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publicada em Tzevan Todorov , Mikaïl Bakhtin – Le principe dialogique, Paris, Seuil, 1981.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1984.

WESTPHAL, M. F. Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças. In Campos, G.W.S. et.al.

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141

ZILBERMAN, R. No começo, a leitura. Revista Em Aberto, V.16, nº 69. 1996.

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142

Anexo 1

Informações básicas sobre as 44 fotografias selecionadas para análise

Código

da

Image

m

Descrição Tipo de

Imagem

Legend

a

Contexto da Imagem Função

da

Imagem

no Texto

Título da

Seção Por

uma nova

atitude.

Conteúdo

Expositivo

da Unidade

Conteúdo

da Seção

5.3.78.1 Vala de

escoamento

de chorume

em lixão

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Como reduzir

a Poluição do

solo.

Conhecendo

o solo

Contaminaçã

o do solo

Motivador

a

5.3.79.1 Mata virgem

cortada por

rio

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Como reduzir

a Poluição do

solo.

Conhecendo

o solo

Contaminaçã

o do solo

Motivador

a

5.4.102.

1

Criança

retirando água

de um poço

em região

árida

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Há água para

todos?

Conhecendo

o solo

Acesso a

água potável

Motivador

a

5.5.124.

1

Vista aérea de

um grande

centro urbano

com camada

de poluição

poirando

sobre ele.

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Melhorando a

qualidade do

ar.

O ar na Terra Poluição do

ar

Catalisaçã

o de

experiênci

a

5.5.124.

2

Caminhão

soltando

fumaça escura

no transito

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Melhorando a

qualidade do

ar.

O ar na Terra Poluição do

ar

Facilitaçã

o

redundant

e

5.5.124.

3

Criança

fazendo

nebulização

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Melhorando a

qualidade do

ar.

O ar na Terra Poluição do

ar

Motivador

a

5.5.125.

1

Foto de um

mostrador

indicando a

qualidade do

ar um uma rua

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Melhorando a

qualidade do

ar.

O ar na Terra Poluição do

ar

Catalisaçã

o de

experiênci

a

5.6.144.

1

Praia com

faixa de areia

recoberta de

lixo

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O acúmulo da

resíduos no

ambiente.

Os materiais

se transfor-

mam

Acúmulo de

lixo no

ambiente

Motivador

a

5.6.144.

2

Mulher

subindo

escadaria

carregando

sacos

plásticos com

compras

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O acúmulo da

resíduos no

ambiente.

Os materiais

se transfor-

mam

Acúmulo de

lixo no

ambiente

Facilitaçã

o

redundant

e

5.6.144.

3

Tartaruga

presa em rede

de pesca

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

O acúmulo da

resíduos no

ambiente.

Os materiais

se transfor-

mam

Acúmulo de

lixo no

ambiente

Facilitaçã

o

redundant

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143

da

imagem

e

5.6.166.

1

Carroça

puxada por

bois em um

riacho e

homens

pegando água.

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Seca nos

estados do

Sul.

Os materiais

se transfor-

mam

Perigo da

monocultura

no

desequiíbrio

climático

Motivador

a

5.6.166.

2

Plantação de

milho seca.

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Seca nos

estados do

Sul.

Os materiais

se transfor-

mam

Perigo da

monocultura

no

desequiíbrio

climático

Facilitaçã

o

redundant

e

5.6.167.

1

Agricultores

em plantação

de soja

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Seca nos

estados do

Sul.

Os materiais

se transfor-

mam

Perigo da

monocultura

no

desequiíbrio

climático

Facilitaçã

o

redundant

e

5.6.167.

2

Colheita da

soja com

máquinas

colheitadeiras

e homem

olhando

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Seca nos

estados do

Sul.

Os materiais

se transfor-

mam

Perigo da

monocultura

no

desequiíbrio

climático

Facilitaçã

o

redundant

e

6.2.48.1 Banhistas na

praia se

bronzeando

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Regras para o

bronzeamento

artificial.

A energia

luminosa e os

seres vivos

Riscos da

exposição ao

sol

Motivador

a

6.2.48.2 Mulher dentro

de câmara de

bronzeamento

artificial

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Regras para o

bronzeamento

artificial.

A energia

luminosa e os

seres vivos

Riscos da

exposição ao

sol

Facilitaçã

o

redundant

e

6.2.49.1 Mulher

sentada em

espreguiçadei

ra na praia

aplicando

protetor solar

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Regras para o

bronzeamento

artificial.

A energia

luminosa e os

seres vivos

Riscos da

exposição ao

sol

Motivador

a

6.4.96.1 Mão aberta

com um

punhado de

comprimidos

Foto

colorida

Sem

legenda

Os perigos da

automedicaçã

o.

O registro da

diversida-de

da vida

Perigos da

auto-medica-

ção

Motivador

a

6.4.96.3 Pessoas em

balcão de

farmácia

Foto

colorida

Sem

legenda

Os perigos da

automedicaçã

o.

O registro da

diversida-de

da vida

Perigos da

auto-medica-

ção

Facilitaçã

o

redundant

e

6.5.118.

1

Folha de

planta

medicinal ao

lado de prato

com pó

marrom e de

capsulas da

mesma cor

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O uso dos

fitoterápicos.

O reino

Planta

Uso dos

fitoterápi-cos

Motivador

a

6.5.118.

2

Tabela sobre

fitoterápicos

associada a

Montage

m com

foto

Com

legenda

– fora

O uso dos

fitoterápicos.

O reino

Planta

Uso dos

fitoterápicos

Catalisaçã

o de

experiên-

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144

foto da planta

arnica

colorida da

imagem

cias

6.5.119.

1

Vários potes

contendo

ervas

medicinais

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O uso dos

fitoterápicos.

O reino

Planta

Uso dos

fitoterápicos

Motivador

a

6.5.119.

2

Quadro

contendo

texto e foto de

planta

medicinal

Montage

m com

foto

colorida

Com

legenda

- dentro

do

quadro

e fora

da

imagem

O uso dos

fitoterápicos.

O reino

Planta

Uso dos

fitoterápicos

Motivador

a

6.6.142.

1

Imagem de

horta

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Deve-se

comer frutar e

verduras?

O reino

Planta

Alimentação

saudável

Motivador

a

6.6.142.

2

Cesto

contendo

verduras ao

lado de um

liquidificador

com suco

verde

Foto

colorida

Sem

legenda

Deve-se

comer frutar e

verduras?

O reino

Planta

Alimentação

saudável

Facilitaçã

o

redundant

e

6.6.143.

1

Menina

sentada à

mesa tomando

suco de frutas

com um

liquidificador

e um prato

com frutas

picadas na sua

frente

Foto

colorida

Sem

legenda

Deve-se

comer frutar e

verduras?

O reino

Planta

Alimentação

saudável

Facilitaçã

o

redundant

e

6.7.168.

1

Mosquito

aedes aegypti

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O desafio da

dengue.

O reino

Animal: os

invertebra-

dos

A dengue Motivador

a

6.8.192.

1

Filhotes de

cães dentro de

um caixote

Foto

colorida

Com

legenda

- dentro

e fora

da

imagem

Animais de

estimação.

O reino

Animal: os

vértebra-dos

Doenças

transmitidas

por animais

de estimação

Motivador

a

6.8.192.

2

Cadela de rua

com filhotes

Foto

colorida

Com

legenda

- dentro

e fora

da

imagem

Animais de

estimação.

O reino

Animal: os

vértebra-dos

Doenças

transmitidas

por animais

de estimação

Facilitaçã

o

redundant

e

7.2.56.1 Duas imagens

de atleta

magra e gorda

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Obesidade:

podemos

melhorar?

A nutrição:

alimentos,

nutrientes e

digestão

Obesidade Facilitaçã

o

redundant

e

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145

7.3.80.1 Mulher negra

sorrindo com

envelope com

camisinha nas

mãos

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Aids e

racismo.

A nutrição:

transporte e

circulação do

sangue

Aids e

racismo

Motivador

a

7.4.102.

1

Plantação de

tabaco

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

A saúde e o

hábito de

fumar.

A nutrição:

respiração e

excreção

A saúde e o

hábito de

fumar

Motivador

a

7.5.126.

1

Policial

submetndo

homem ao

teste do

bafômetro

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O álcool afeta

o sistema

nervoso?

A coordena-

ção nervosa e

hormonal

O alcool

afeta o

sistema

nervoso

Motivador

a

7.5.127.

1

Pátio com

carros batidos

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O álcool afeta

o sistema

nervoso?

A coordena-

ção nervosa e

hormonal

O alcool

afeta o

sistema

nervoso

Motivador

a

7.6.148.

1

Escolares com

mochilas nas

costas

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O perigo volta

com as aulas.

Os sentidos e

a locomoção

Risco de

escoliose no

uso de

mochilas

pesadas

Motivador

a

7.7.172.

1

Camisinhas

masculinas na

palma da mão

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

As doenças

venéreas.

A reprodução

humana

As doenças

venéreas

Motivador

a

7.7.172.

2

Imagem

microscópica

de bactéria da

gonorreia

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

As doenças

venéreas.

A reprodução

humana

As doenças

venéreas

Facilitaçã

o

redundant

e

7.7.173.

1

fotografia de

vírus ao

microscópio

eletrônico

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

As doenças

venéreas.

A reprodução

humana

As doenças

venéreas

Facilitaçã

o

redundant

e

7.8.200.

1

Pesquisadora

analisando

amostra

diante de

armário

contendo

vários

recipientes

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

Devem-se

consertar os

genes?

O gene:

herança e

evolução

Terapia

genética

Motivador

a

7.8.201.

2

Foto de um

olho

Foto

colorida

Sem

legenda

Devem-se

consertar os

genes?

O gene:

herança e

evolução

Terapia

genética

Catalisaçã

o de

experiên-

cias

8.1.32.1 Latas de

refrigerante

contidas por

grade de

arame.

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O que fazer

com tanto

lixo?

As proprieda-

des dos

materiais

Destino do

lixo

Motivador

a

8.1.32.2 Quadro com

fotos de

destino do

Montage

m com

foto

Com

legenda

- dentro

O que fazer

com tanto

lixo?

As proprieda-

des dos

materiais

Destino do

lixo

Catalisaçã

o de

experiên-

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146

lixo urbano colorida do

quadro

e fora

da

imagem

cias

8.2.58.1 Pilhas e

baterias

Foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O que fazer

com as

pilhas?

As

transformaçõ

es dos

materiais

Destino das

pilhas

Motivador

a

8.2.58.2 Quadro

contendo

texto e

Radiografia

colorida do

torax

mostrando

marcapasso

Montage

m com

foto

colorida

Com

legenda

– fora

da

imagem

O que fazer

com as

pilhas?

As

transformaçõ

es dos

materiais

Destino das

pilhas

Facilitaçã

o

redundant

e