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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
AILTON MARIANO DA SILVA MENDES
A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL EM ALGUNS ESTADOS
AFRICANOS
NATAL/RN
2014
AILTON MARIANO DA SILVA MENDES
A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL EM ALGUNS ESTADOS
AFRICANOS
Monografia apresentada à Coordenação do Curso de
Direito, como requisito para a conclusão do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, para obtenção do título de bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Dr. Jahy Philippe Bichara
NATAL/RN
2014
AILTON MARIANO DA SILVA MENDES
A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL EM ALGUNS ESTADOS
AFRICANOS
Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Direito, como requisito para a conclusão do Curso de
Graduação em Direito, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, para obtenção do título de bacharel em
Direito.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Jahyr Philippe Bichara (Orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Profª. Dra. Yara Maria Pereira Gurgel (Examinadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Prof. Me. Thiago Moreira de Oliveira (Examinador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Ao meu honroso falecido tio Jãozinho que, com
amor e sabedoria, edificou essa conquista.
À minha querida mãe Rosalinda Eva da Silva,
mulher mais batalhadora e perseverante do mundo.
Com ela, aprendi a ter coragem de enfrentar,
firmemente, qualquer coisa que a vida proporciona.
À minha amada esposa Daniele que, sem ela,
tudo isso seria apenas um sonho.
Ao meu pai Luis Mendes.
À todos que me apoiaram durante o longa e
árduo caminhada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus pela força e disposição que me proporcionou
durante o curso e durante a elaboração do presente trabalho.
Agradeço, em especial, o meu orientador Professor Doutor Jahyr Philippe Bichara
pelo incentivo, apoio moral e orientação acadêmica que me serviu de lição e aprendizado para
o amadurecimento acadêmico-profissional.
Também agradeço, em especial, a Professora Doutora Yara Maria Pereira Gurgel e o
Professor Mestre Thiago Moreira de Oliveira por todo apoio e ensinamento que me passaram
durante minha formação acadêmico-profissional nesta universidade.
À todos os professores do curso de Direito - UFRN, à toda comunidade acadêmica,
amigos e funcionários da UFRN que acompanharam essa longa caminhada.
RESUMO
Nos últimos 10 anos têm-se verificado várias críticas sobre a atuação da Corte Penal
Internacional na África. A grande parte da comunidade africana afirma que o TPI é um órgão
político e parcial, criado para satisfazer os anseios dos países do ocidente europeu. Destarte, o
presente labor tem como escopo principal, desvendar as causas e consequência da falta de
cooperação jurídica harmoniosa entre o Tribunal Penal Internacional e a União Africana, a
qual tem gerado desconfianças e polêmicas em volta da sua atuação em alguns países da
África. Para isso, foi realizada uma análise diversificada - apresentando, inicialmente, as
características da CPI como forma de consolidar uma base sobre a razão de sua essência. Em
segundo momento, o nosso foco está direcionado à análise de sua jurisdição, competência,
sistema jurídico-penal por ela adotada e princípios subjacentes a esse sistema para melhor
compreensão da amplitude e limites de sua atuação. Na sequencia, mister se faz permear
algumas questões para alcançar a substância da problemática que envolve o presente estudo. É
nesse momento que apresentamos um panorama de atuação da CPI na África, análise de
alguns casos de repercussão a ela submetidos e julgados, bem como toda a sistemática
processual penal utilizada na apuração de cada caso, desde os procedimentos inaugurais até as
últimas diligências tomadas para o enceramento processual. Após tais exposições e
avaliações, considerando o princípio da complementaridade encartado no Preâmbulo do
Estatuto de Roma, imperioso realizar uma averiguação objetiva a respeito da eficácia do
poder punitivo de alguns países africanos para melhor entender se há ou não a
proporcionalidade na atuação do Tribunal Penal Internacional. Ao final da nossa pesquisa,
apresentamos o substrato final do nosso estudo em paralelo com a observação crítico e as
sugestões que devem ser adotados, tanto pelo TPI quanto por toda a comunidade africana
(Estados, ONGs e Sociedade Civil) para criar e fortificar os laços político-jurídica de
cooperação no combate à impunidade e, consequentemente, a manutenção da paz, proteção
dos direitos humanos e fortalecimento das instituições do continente africano.
Palavras-chave: TPI. Impunidade. União Africana. Imparcialidade. Direitos Humanos.
ABSTRACT
Over the past 10 years have raised several criticisms about the performance of the
International Criminal Court in Africa. A large part of the African community states say that
the ICC is a political and partial body, created to satisfy the desires of Western European
countries. Thus, this work has as main purpose - to unravel the causes and consequences of
the lack of harmonious legal cooperation between the International Criminal Court and the
African Union, which has generated suspicion and controversy around its performance in
some African countries. For this, a diversified analysis was performed - presenting initially
the CPI features as a way to consolidate a base on the reason for their essence. Second time,
our focus is directed to the analysis of its jurisdiction, competence, legal and penal system
adopted by it and principles underlying this system to better understand the scope and limits
of its action. In the sequel, there will need to permeate some questions to achieve the
substance of this study. In the sequel, we made some issues to reach the substance of the
problems involved in the present study. That's when we exposure a prospect of CPI's
operations in Africa, analysis of some repercussion cases submitted to it and tried, and all the
criminal procedure systematically used in the determination of the case, since the inaugural
procedures to the latest steps taken to procedural closure. After such exposure and reviews,
based on the complementarity principle chartered in the Preamble of the Rome Statute, is very
important to make an objective investigation regarding the punitive power efficiency of the
few African countries to better understand whether there is proportionality in the work of the
International Criminal Court. At the end of our research, we present the final substrate of our
study in parallel with the critical observation and suggestions that should be adopted by both
the ICC as throughout the African community (States, Unpolitical Organizations and Civil
Society) to create and strengthen ties political and legal cooperation in combating impunity
and thus the maintenance of peace, protection of human rights and strengthening the
institutions of the African continent.
Keywords: ICC. Impunity. African Union. Impartiality. Human Right.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
2 A JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI) ........................ 14
2.1. A QUESTÃO DA JURISDIÇÃO UNIVERSAL ........................................................... 18
3 A COMPETÊNCIA DA CPI .......................................................................................... 23
3.1. COMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE..........................................................................23
3.2. COMPETÊNCIA RATIONE PERSONAE ..................................................................... 26
4 O PANORAMA DA ATUAÇÃO DA CORTE NA ÁFRICA ........................................ 33
4.1. CASOS E PROCEDIMENTOS ADOTADOS..................................................................35
4.1.1. Caso Kenyatta .......................................................................................................... 42
4.1.2. Caso Lubanga ........................................................................................................... 46
4.1.3. Caso Al-Bashir .......................................................................................................... 51
5 A CONTESTAÇÃO DA UNIÃO AFRICANA .............................................................. 55
5.1. ANÁLISE DO SISTEMA INTERNO ........................................................................... 59
6 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 64
REFERÊNCIA ................................................................................................................... 67
9
1 INTRODUÇÃO
A humanidade sempre teve cicatrizes causadas pelos conflitos nela ocorridas, mas
nenhum desses conflitos superou o timbre deixado pelo regime nazista e fascista da Europa
Ocidental, que prevaleceram durante o período da 2ª Guerra Mundial. Por essa razão, jamais
se esqueceremos dos terrores perpetrados por ações de "[...] Stalin, Mussolini, Hitler,
Duvalier, Fujimori, Stroessner, Somoza, Noriega, Suharto, Milosevic, Idi Amin Dada, entre
outros tantos que passaram e que estão por vir."1
De 1946 a 1994, o mundo presenciou atos atrozes contra a humanidade cometidos,
em grande escala, pelos líderes políticos e/ou militares e seus subordinados durante regimes
ditatoriais implantado em alguns países do continente africano. Esse fato, até então, não
provocou interesse por parte das Organizações Não Governamentais internacionais (ONGs)
até que no dia 06 de abril de 1994 registrou-se um dos piores massacres dos últimos 50 anos,
ocorrido na África Central, especificamente, em Ruanda. Conflito esse, causado pela
rivalidade política e étnica que se transformou em ambição, ódio e intolerância entre duas
etnias diferentes que compõem um único povo e uma única nação.
A partir desse assustador episódio, a comunidade internacional, notadamente, as que
funcionam em prol da paz mundial, igualdade, liberdade dentre outros direitos fundamentais
inerentes a homem enquanto ser, começaram a tomar engajamento no sentido de buscar um
mecanismo de proteção e repressão contra os atos bárbaros praticados em Kigali, capital de
Ruanda, considerados crimes contra humanidade em seu conjunto. Daí, adotou-se a
Resolução nº 955 em 8 novembro de 1994 pelo Conselho de Segurança com base no capítulo
VII da Carta da Organizações das Nações Unidas (ONU).
Na referida Resolução editou-se o texto legal do Estatuto do Tribunal Penal
Internacional (TPI) para Ruanda que, somente entrou em vigor, em janeiro de 2007 e tendo
seu texto normativo sofrido algumas alterações feitas pelo Conselho de Segurança em 31 de
janeiro de 2010. Com o intuito de apaziguar as tensões em volta da população ruandesa,
considerando os riscos da demora em razão das questões burocráticas da parte procedimental
necessárias para tornar vigente o Estatuto, na mesma Resolução tomou as seguintes medidas
de urgência: a) afirmou-se que o genocídio ocorrido em Ruanda constitui uma ameaça à paz
1 BALDAN, Edson Luís. Tribunal Penal Internacional: de Direito de momento a momento do Direito. Prisma
Jurídico, UNINOVE, São Paulo, v. 2. 2003. p. 42. Disponível em:
<http://www4.uninove.br/ojs/index.php/prisma/issue/view/44>. Acesso em: 7 jan. 2014.
10
internacional e segurança, e que seja posto o fim a tais crimes e tomar medidas eficazes para
levar ao tribunal os responsáveis por violações graves do Direito Internacional Humanitário
com o propósito de contribuir para o processo de reconciliação nacional, restauração e
manutenção da paz; b) Propôs a criação de um tribunal internacional para o julgamento de
pessoas responsáveis por genocídio e outras violações do Direito Internacional Humanitário,
com intuito de contribuir para assegurar que tais violações sejam travadas e efetivamente
reparadas; c) Demonstrou-se interesse que, por meio de cooperação internacional, visa
fortalecer os Tribunais e Sistema Judicial Interno (Judicial System of Rwanda), tendo em
conta, em especial, a necessidade e a complexidade desses tribunais de lidarem com grande
número de suspeitos; d) E por fim, determinou que a Comissão de Peritos criado nos termos
da Resolução 935/1994, continuasse de forma urgente proceder com a coleta de informações
relativas as evidências de graves violações ao Direito Internacional Humanitário cometidas no
território de Ruanda, e que esta apresentasse o seu relatório final ao Secretário-Geral, até 30
de novembro de 1994.
Após tais procedimentos e tomada de decisões, criou o Tribunal Penal Internacional
para Ruanda (TPIR) ad hoc2, cujo texto normativo de 32 artigos, como uma resposta, não
apenas aos genocidas, mas também à toda comunidade internacional que não poupam o
esforço e a dedicação nos seus trabalhos em prol da proteção dos direitos humanos para o
alcance da justiça, harmonia e paz mundial. Esta é a principal causa que despertou a atenção
da comunidade internacional sobre as questões de criminalidade na África e que,
posteriormente, serviu de referência internacional para aparição de outros mecanismos de
repressão da conduta dos autores dos crimes de extrema potencial ofensivo. Podemos citar
como um dos exemplos expressivo, a criação dos Tribunais Especiais para Libéria e Serra
Leoa, ambos criados com o fito julgar os crimes cometidos em seus respectivos territórios na
ocasião dos conflitos militares nelas ocorrida. Por essa razão, a sua competência se delimita
apenas a territórios destes Estados.
Dentre as instituições emergentes, temos a Corte Penal Internacional (CPI) criada
em 1998 regida pelo Estatuto de Roma, o qual passou a vigorar em 1º de julho de 2002. A
mesma tem como escopo principal, combater a impunidade - responsabilizando, de forma
individual, os autores de “[...] crimes contra a paz (planejar, preparar, incitar ou contribuir
2 O termo em latim, ad hoc, significa “para esse fim”. Ou seja, os tribunais ad hoc são criados com o único
propósito de julgar um rol de crimes cometidos durante um determinado período de tempo dentro de um
respectivo território.
11
para a guerra), os crimes de guerra (assassinato, tratamento cruel, violações das convenções
tratando da matéria da deportação de populações) e os crimes contra a humanidade
(extermínio e genocídio)3.”
A partir dessas explanações, é possível notar que a conquista da humanidade por
meio das ações dos órgãos e organizações internacionais que visam coibir os atos atentatórios
contra os direitos humanos que afetam sociedade internacional, se deu de forma gradual.
Nessa ótica, também, podemos citar o Nuremberg e Tóquio4 como uma conquista
imensurável do século XX e inspiração para criação de instituições jurisdicionais de natureza
penal no plano internacional para dar a continuidade no combate à impunidade daqueles que
cometeram crimes das mais repugnantes já registrados. Contudo, não devamos olvidar que
houve fortes críticas contra a sistemática adotados pelos citados Tribunais Militares para o
processamento e julgamento dos acusados, no que tange a violação dos princípios da
imparcialidade dentre outros que visam o devido processamento criminal.
Não é, necessariamente, viável afirmar que a implementação dos dois tribunais
militares acima mencionados serviram de referência direta para a criação do Tribunal Penal
Internacional em 1998, ou na criação do Tribunal Penal Internacional para Ruanda e para
antiga Jugoslávia. Mas, podemos aferir a repercussão mundial causado pelas barbáries
ocorridas na antiga Jugoslávia e na Ruanda como a causa fundamental para "[...] a
necessidade de estabelecimento imediato de tribunal para julgar os culpados das atrocidades,
principalmente, contra os Sérvios e Bosniacos de um lado, entre Tutsis e Hutus do outro."5
Mesmo após o triste episódio ocorrido em Ruanda, os conflitos se intensificaram no
continente africano.
Os acontecimentos que deram causa a criação dos tribunais ad hoc no início da
década de 1990 serviram de consequência para a implementação de um tribunal permanente
que havia sido projetado desde a celebração das Convenções de Genebra, em 19496 [...].
3 BICHARA, Jahyr-Philippe. O conceito de direito internacional. In: ______ (Org.). Organizações
internacionais e questões da atualidade. Natal, RN: EDUFRN, 2011. p. 19. 4 Para mais aprofundar o entendimento sobre o Tribunal Militar de Nuremberg e do Tóquio, ver Moreira e Valéry (2013, p. 189-191). Para melhor diversificar e aprofundar o conhecimento sobre os tribunais ad hoc, ver
Camargos (2012, p. 203-206). 5 MOREIRA, Thiago Oliveira; VALÉRY, Françoise Dominique. Justiça criminal em construção: o tribunal
penal internacional e o caso Lubanga. Revista de Direito Brasileira, Florianópolis, v. 4, p. 184-213, jan./abr.
2013. Disponível em <http://www.rdb.org.br/ojs/index.php/revistadireitobrasileira/article/view/9>. Acesso em:
12 jan. 2014. 6 GUERREIRO, Alexandre. De Breisach a Roma: o longo caminho do tribunal penal internacional. Revista da
Faculdade de Direito da UERJ-RFD, Rio de Janeiro, v. 2, n. 24, 2013. Disponível em: <http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/6881>. Acesso em: 12 jan. 2014.
12
Assim, em julho de 1998 na capital italiana, Roma, foi aprovado durante uma Conferência
Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional, cuja finalidade de constituir um tribunal internacional com jurisdição criminal
permanente, dotado de personalidade jurídica própria, com sede na Haia, na Holanda.7 Na
mesma linha de raciocínio, cumpre destacarmos que "o Estatuto de Roma contou com
aprovação de 120 Estados, contra apenas 7 votos contrários, de alguns Estados como a China,
Estados Unidos, Iêmen, Iraque, Israel, Líbia e Quatar, tendo 21 abstenções."8 Partindo por
essa exposição, no que diz respeito a ratificação do Estatuto de Roma, temos um numero bem
reduzido de apenas 34 (trinta e quatro) países da África do total de 54 (cinquenta e quatro)
Estados.9 Esse resultado, de certa forma, nos demonstra a falta de simpatia de algumas nações
africanas para com a criação da Corte Penal Internacional de caráter permanente. Jamais
devemos afirma que todos os países africanos tiveram essa apatia e, do mesmo modo, seria
inconveniente se ocultássemos a nossa indignação ao saber que aqueles Estados que,
inicialmente, demonstraram todo interesse em apoiar a CPI, atualmente deixaram de cooperar
com a Corte. A prova disso foi quando "a UA adotou uma postura hostil ao apelar para que os
seus Estados membros implementem uma política de não cooperação com o TPI – e esta
continua sendo a posição declarada do corpo continental[...]."10
Destarte, o presente trabalho tem como escopo principal desvendar as causas e
consequência da falta de uma cooperação político-jurídica harmoniosa entre o Tribunal Penal
Internacional e a União Africana. Por essa razão, iremos analisar, em primeiro lugar, a
jurisdição e competência da Corte para melhor averiguarmos se há ou não a compatibilidade
entre o critério por ela adotado em relação aos critérios de fixação da competência
internacionalmente reconhecidos por serem justas e transparentes. Em segundo momento, o
nosso foco estará voltada à substância do presente estudo, no qual apresentaremos um
panorama das atividades desenvolvidas pela CPI em alguns países da África como forma
7 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional. Integração ao direito brasileiro e sua
importância para a justiça penal internacional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, 2004, n. 164
out./dez. 2004. p. 160. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1013>. Acesso em: 14 jan.
2014. 8 Ibidem, p. 160. 9 COUR PÉNALE INTERNATINALE. The States Parties to the Rome Statute. [S.l.: s.n.], 2007 [?].
Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/asp/states%20parties/Pages/the%20states%20parties%20to%20the%20rome%20statute.aspx>.
Acesso em: 14 jan. 2014. 10
MURITHI, Tim. The African Union and the International Criminal Court: An Embattled Relationship?.
Institute for Justice and Reconciliation (IJR), Cape Town, South Africa, mar. 2013, p. 2-9. (Tradução nossa).
13
avaliar, através elementos contundentes, se há ou não a alegada parcialidade na atuação do
Tribunal Penal Internacional. Para alcançar o resultado, cumpre-nos apresentar alguns casos
concretos polêmicos para melhor verificar, de forma pormenorizada, se há ou não excesso de
seu poder judicante em relação a tais casos. Na terceira e última parte, considerando o teor do
princípio da complementaridade, haverá a necessidade de análise da atual realidade de
algumas regiões do continente africano no que tange aos mecanismos utilizados pelas
autoridades locais na repressão aos crimes que afetam fortemente a comunidade local e
internacional.
Após alcançarmos resultados incontroversos e sólidos a respeito da temática e
problemática apresentada, nos restará a tarefa de saber quais as hipóteses e sugestões que
devem ser adotados, tanto pelo Tribunal Penal Internacional, quanto pela União Africana e
seus Estados membros para melhor superar as objeções e acusações odiosas para melhor
alcançar soluções pacíficas, concretas e eficazes no combate a impunidade e, por conseguinte,
a manutenção da paz no continente.
14
2 A JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI)
Não há como formar um juízo valorativo acerca do limite de atuação de qualquer
órgão jurisdicional sem, ao menos, abordar sobre a sua jurisdição e competência. A primeira é
o foco da nossa análise e a segunda, no momento oportuno.
Cumpre destacar, antes de mais, que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é
complementar. Sendo subsidiária a sua jurisdição, somente a exercerá caso for comprovada a
ineficácia do sistema judicial do Estado parte do Estatuto de Roma, ou quando constatado a
falta de interesse e de cooperação por parte do Estado com o Tribunal.
A jurisdição do Tribunal Penal Internacional está disciplinada pelo Estatuto de Roma
em seu artigo 12 e 1311
, o qual dispõe alguns requisitos imprescindíveis para o exercício da
função judicante da Corte, como: o instrumento da ratificação do Estatuto de Roma por
qualquer Estado ou a Declaração emitido por um Estado que não seja parte do Estatuto de
Roma (artigo 12). Nesse último, o Estado emite uma Declaração Oficial que deve ser
depositado junto ao Secretário, atestando o seu consentimento e permitindo que o Tribunal
exerça a sua jurisdição em relação a um determinado crime. O artigo 12 do Estatuto de Roma
prevê, outrossim, sobre o crime cometido a bordo de um navio ou na aeronave, o qual será
levada em consideração o Estado da matricula do navio ou do aeronave, desde que o crime
seja iniciada e concretizada durante a bordo. Após analise preliminar dos requisitos acima,
com base no disposto no artigo 13, o Tribunal exercerá a sua jurisdição em relação a qualquer
um dos crimes encartados no artigo 5º do Estatuto de Roma.
Contudo, alguns autores consideram o Tribunal Penal Internacional como um órgão
jurisdicional no âmbito internacional de alcance universal. Fundamentam este entendimento
na ideia de que o TPI, sendo uma Corte permanente, aplica-se a sua jurisdição,
indiscriminadamente, no plano global para julgar o indivíduo que cometer quaisquer dos
crimes considerados mais grave, insculpidos no rol do artigo 5º do Estatuto de Roma, após
sua entrada em vigor. Este argumento apresentado por alguns autores a respeito do tema em
questão, de certa forma, carece de clareza, pois conduz o leitor ao entendimento de que a
11 a) Um Estado Parte denunciar ao Procurador, nos termos do artigo 14, qualquer situação em que haja indícios
de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; b) O Conselho de Segurança, agindo nos termos do
capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter
ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; ou c) O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal
crime, nos termos do disposto no artigo 15 (artigo 13 do Estatuto de Roma.).
15
jurisdição do Tribunal Penal Internacional é ilimitada, ou seja, aplicável no plano global como
um todo.
A universalidade não se confunde com a extraterritorialidade, pois esta se refere a
algo que ultrapassa o limite de território de um Estado, a exemplo de Tratados e Convenções
regidas a luz das normas e costumes de Direito Internacional.12
Ao passo que a universalidade
imprime a ideia de esfera cósmica. Para afirmarmos que o Tribunal Penal Internacional é um
órgão judicial no âmbito internacional, cuja jurisdição de alcance global insta, de antemão,
analisar a sistemática de aplicabilidade da sua jurisdição. Destarte, é imprescindível
diferenciar a jurisdição interna da jurisdição internacional. Apesar de inegável aparência
similar, a jurisdição no Direito Internacional tem algumas peculiaridades que a distingui da
jurisdição do ordenamento jurídico interno. Em projeção a referida assertiva, temos a Corte
Internacional de Justiça (CIJ) criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em abril de
1946 com a finalidade de dirimir os conflitos entre os Estados-Membros da Organização das
Nações Unidas que, apesar de ser um órgão jurisdicional internacional, a sua jurisdição
alcança apenas os territórios dos Estados-Membros da ONU.13
No Direito interno “[...] a jurisdição é expressão do poder do Estado14
[...]”, no qual
"[...] o Estado exerce a função de julgar, ou seja, a função jurisdicional, consistente na
imposição da validade do ordenamento jurídico, de forma coativa, toda vez que houver
necessidade."15
Essa função é exercida de forma automática pelos órgãos estatais
competentes, independentemente de qualquer deliberação, salvo em casos previstos em lei, e
abrange todo o território nacional pelo princípio da aderência. O modelo apresentado
corresponde ao nítido modelo de jurisdição da República Federativa do Brasil e de vários
outros países da herança jurídica romano-germânica, tendo como referência próxima, o
Portugal.
Quanto a jurisdição no plano internacional, conforme já anunciado, contém
características peculiares que precisam de uma análise detalhada e cuidadosa para melhor
compreensão. Uma das características típica do Direito Internacional, em regra, é a ausência
12 Cumpre destacar que o termo ‘internacional’ não é sinônimo da palavra ‘universal’, e sim, refere as relações
entre dois ou mais Estados, unidos por um Tratado, Convenção ou qualquer outro instrumento internacional, a
luz das normas e costumes aplicadas ao Direito Internacional Público. 13 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. The Court. [S.l.: s.n.], 2008 [?]. Disponível em: <http://www.icj-
cij.org/court/index.php?p1=1>. Acesso em: 6 fev. 2014. 14
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 8. ed. rev. e atual. v.
2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 15 MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
16
da imposição imediata da validade e do cumprimento de sua norma, por isso, apontaremos em
poucas palavras sobre os diferentes estágios de sua evolução como forma de chegar ao atual
sistemática da jurisdição no âmbito Internacional. Para tal, precisamos fazer a seguinte
indagação: o Direito Internacional Público vincula automaticamente todos os Estados
existentes? Não ousamos apresentar qualquer resultado a respeito das referidas questões sem,
previamente, analisar de modo objetiva a natureza e o propósito do Direito Internacional
Público em seu gênese, para melhor entender sobre a obrigatoriedade de suas normas e o
alcance do mesmo no plano global.
Após algumas análises, constatamos que a afirmação histórica do Direito
Internacional e a consequente prova de sua existência decorreu da vontade dos Estados-
membros da sociedade internacional de aceitarem os preceitos de Direito Internacional que os
obrigam, tanto no âmbito interno como internacionalmente, de boa fé, a respeitar as avenças
contraídas no cenário exterior.16
Essa afirmação tem a sintonia com a regra denominada de
pacta sunt servanda, regra essa que, posteriormente, foi positivado17
na Convenção de Viena
sobre Direito dos Tratados (1969), o qual "[...] constitui um exemplo claro de sujeição dos
Estados a uma norma internacional inicialmente consuetudinária e fundada sobre o valor da
honestidade nos compromissos internacionais assumidos pelos governos."18
Nessa ótica,
cumpre esclarecer que essa regra não se aplica apenas aos tratados, pactos e convenções, mas
também se aplica a outros instrumentos de vinculação como, por exemplo, os estatutos e
normas produzidas por um órgão ou organismo legitimamente criado no cenário
internacional. Deste modo, podemos afirmar que todos os Estados que compõem a sociedade
internacional têm a obrigação moral de respeitar os princípios e valores consagrados pelo
Direito Internacional Público, independentemente de suas vontades. Através dessa
importantíssima lição, podemos afirmar que o princípio de pacta sunt servanda é de suma
importância, pois surgiu para garantir a confiabilidade nas relações interestatais, como
também serviu de assinatura e ratificação de avenças contraídas pelos Estados nas épocas
retrógadas em que as relações internacionais eram regidas pelos costumes, a fonte mais antiga
do Direito Internacional. É um princípio que impõe a obrigação moral aos Estados membros
da sociedade internacional de respeitarem os princípios, valores e bens jurídicos amplamente
consagrados no âmbito internacional, tais como a vida e a integridade física.
16 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 17
Para mais aprofundamento sobre a gênese, o processo evolucionário e, consequentemente, a positivação de
Direito Internacional Público, ver BICHARA, 2011, p. 9-20 e MAZZUOLI, 2011, p. 51-63. 18 BICHARA, op. cit., p. 13.
17
A luz das constatações acima exposta, não se pode afirmar que o Direito
Internacional tinha alcance universal na sua formação, haja vista que vinculava apenas os
Estados que tornara membros da sociedade internacional por ato de vontade própria advinda
de convicção e do reconhecimento do Direito Internacional. Contudo, esse estágio não se
perpetuou no tempo em razão de diversas tendências de Direito Internacional. Dentre as
referidas tendências, temos a universalização e a objetivação, dos quais a primeira significa
que, [...] o Direito Internacional perdeu a sua característica de um Direito euro-americano,
passando adquirir a natureza de um Direito Internacional universal. Ao passo que a segunda
tendência aborda a questão de superação definitiva do dogma 'voluntarista', o qual defende a
vontade dos atores internacionais como alicerce do Direito Internacional Público19
. A corrente
voluntarista surgiu no século XIX, cujo defensor o Jus-filósofo alemão, George Jellinek que
defende a soberania absoluta, ou seja, a autolimitação da vontade dos Estados. Segundo os
voluntaristas, a vontade dos Estados é o que fundamenta a obrigatoriedade do Direito
Internacional. Frente às limitações da teoria voluntarista, surgiu outra corrente denominada de
normativista, que apresenta a tese de que "há normas superiores aos do ordenamento jurídico
estatal que tornam obrigatório o Direito Internacional, e que resulta de aceitação de valores
superiores no plano global que devem ter prevalecer sobre os interesses domésticos almejado
pela vontade própria dos Estados.”20
Essa corrente tem como seu principal mentor o filosofo e
jurista austríaco Hans Kelsen, criador da pirâmide normativa que ordena as normas de forma
hierárquica em três categorias, das quais contém a norma supralegal (normas do DIP), a legal
(normas constitucionais) e a infralegal (normas abaixo da Constituição). Em paralelo com a
corrente normativista surgiu a teoria objetivista no século passado, segundo a qual defende a
supremacia dos princípios e valores emergentes acima da vontade soberana de qualquer
Estado, ou seja, as normas denominadas de jus cogens. Defendem, outrossim, a relativização
da soberania estatal em prol dos direitos inerentes a homem.
Com essas ponderações, vislumbra-se que o Direito Internacional, como qualquer
outro ramo de direito, teve seus diferentes e divergentes estágios cronológicos no processo da
sua evolução antes de ocupar a atual posição, superando a teoria voluntarista e se
enquadrando, cada vez mais, na teoria objetivista e normativista. Mas apesar de todos os
avanços e as conquistas supramencionadas, é notório que o Direito Internacional ainda
19
MAZZUOLI, op. cit., p. 34. 20 BICHARA, op. cit., p. 13.
18
contém caráter minimalista, herança da corrente jus naturae,21
quanto à obrigatoriedade no
cumprimento de suas normas que, geralmente, depende do consentimento dos Estados que
compõem a sociedade internacional, notadamente as que detêm estabilidade econômica.
O maior exemplo disso, foram as circunstâncias que desencadeou árduos debates
entre as diversas nações que participaram da Conferência Plenipotenciário em Roma a
respeito da definição da forma de aplicabilidade da jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Mais uma situação que torna incontroverso a influência da teoria voluntarista no cenário de
Direito Internacional contemporâneo.
2.1. A QUESTÃO DA JURISDIÇÃO UNIVERSAL
Em junho de 1998, o mundo aguardava por uma conquista desejada desde o final da
2ª Guerra Mundial. Nas vésperas do novo milênio, reuniu vários Estados e Organizações
Internacionais não Governamentais e Comissões, em destaque, a Comissão de Direito
Internacional, para criação de uma Corte Penal no cenário internacional, cuja finalidade
principal combater a impunidade dos autores dos crimes considerados mais graves contra os
bens tutelados pela ordem internacional.
No referido ato foram abordados diversos temas, dentre os quais, a forma da
jurisdição da Corte Penal Internacional. Kaul (2006) destaca, em síntese, a respeito dos pontos
que exortaram debates em torno da definição da forma de jurisdição do TPI, tanto pré quanto
durante a Conferência de Roma22
. Assim, três propostas polêmicas foram apresentadas pelos
Estados partes na Conferência, sendo elas: a) a proposta que atribuiria ao Tribunal Penal
Internacional um nítido caráter jurisdicional especial ad hoc, é a proposta apresentada pela
França, denominado, regime de consentimento estatal. A citada proposta foi no sentido de que
o consentimento de todos os estados Estados-partes seria necessário em cada caso individual e
21 O jus naturae é uma expressão em latim que significa Jusnaturalismo, uma corrente de pensamento jurídica do
sec. XVII, que tinha como fundamento o direito natural e característica baseada na crença e na busca de uma
fundamentação última e absoluta, imutável e eterna como fonte e justificativa das normas do Direito Natural e,
por isso, todas elas incorrem na justificativas metafísicas não podendo se considerar o Direito Natural, em nenhuma de suas vertentes, como ciência (no sentido moderno) [...]. (FREITAS, Hudson Couto Ferreira de.
Teoria(s) do Direito: do Jusnaturalismo ao Pós-Positivismo. Belo Horizonte: D'Plácido, 2014. p. 274.) 22 Hans-Peter Kaul “foi eleito Juiz da Corte do TPI em de 11 de março de 2003 para um mandato de três anos, e
reeleito em 2006 para um novo mandato de nove anos. [...] De 1996 a 2003, ele participou como chefe da
delegação alemã nas discussões e processo de negociação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. [...] Ele
tem escrito extensivamente sobre o Tribunal Penal Internacional e de outros campos do direito internacional
público (tradução nossa)”. Disponível em: http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/structure%20of%20the%20court/chambers/the%20judges/Pages/judge%20hans_peter%20k
aul%20_germany__%20second%20vice-president.aspx >. Acesso em 24 fev. 2014.
19
contra cada suspeito individualmente considerado, ou seja, somente instauraria a persecução
criminal se o Estado envolvido apresentar a sua anuência para tal fim. Essa proposta teve
como principal adepto, os Estados Unidos da América; b) a proposta da Alemanha defendia
uma jurisdição automática da Corte sob a argumentação de que o Estado que se tornara parte
do Estatuto, aceita como inerente a jurisdição da Corte para os crimes referidos no Estatuto; c)
por fim, a Coreia do Sul apresentou sua proposta que defendia a aplicabilidade da jurisdição
da Corte aos casos concretos que envolvem o Estado de nacionalidade do suspeito, o Estado
de nacionalidade da vítima, o Estado do território em que o crime for cometido, bem como o
Estado a quem a extradição do custodiado foi pedida, desde que sejam signatários do Estatuto
de Roma. Ao final, nenhuma das propostas acima foi acolhida.23
No dia 18 de julho de 1998, após a árdua tarefa para definir a forma da jurisdição do
TPI, decidiram que a Corte terá a jurisdição automática em casos dos crimes considerados
fundamentais no Estatuto de Roma, levando em consideração a territorialidade e o país da
origem do suspeito.24
Repara-se que a referida decisão final acolheu, em partes, a proposta
Sul-coreana, haja vista que ela apenas adotou o critério da territorialidade e o país da origem
do suspeito como pressuposto para aplicabilidade da jurisdição da Corte, porém, desde que
qualquer delas seja parte no Estatuto de Roma.
Apesar de toda obstinação de grandes potências, surge a delegação dos Estados
Unidos declarando que não se sujeitaria aos termos do Estatuto de Roma, sob o argumento de
proteger os seus militares e dirigentes de eventual julgamento pelo tribunal. Essa declaração
provocou fortes críticas por parte de alguns no seio jurídico intelectual daquele país.25
Contudo, ainda carece de elementos jurídicos suficientes que nos conduziria a crer
que o TPI adota uma jurisdição universal no combate a impunidade. O citado tema tem
causado impacto considerável, pois internacionalmente se tornou a pauta da discussão no seio
intelectual. O que seria então a jurisdição universal? Antes de mais, vimos que o objetivo
principal da criação do TPI situa na tentativa de erradicar a impunidade a nível mundial,
conforme dispõe o Preâmbulo do próprio Estatuto, algo que fundamenta a sua criação em
razão das barbáries que o mundo experimentou após o fim da Guerra Fria nas últimas décadas
do século XX. É nesse contexto que surge o conceito contemporâneo da jurisdição universal
23
KAUL, Hans-Peter. A Corte Internacional Criminal: a luta pela sua instalação e seus escopos. In: CHOUKR,
Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.
113 à 120. 24 Ibidem, p. 98. 25 ACCIOLY, H. et al. Manual de direito internacional público. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 176.
20
como [...] princípio do qual um Estado tem a competência legítima para reprimir alguns
delitos que atingem os bens jurídicos internacionalmente tutelados, independentemente do
local do crime, da nacionalidade do(s) criminoso(s) ou de sua(s) vítima(s).26
Através do conceito acima citado, podemos verificar que a jurisdição universal é um
verdadeiro arsenal no combate à impunidade. Mas na realidade, a questão da jurisdição
universal se apresenta controverso quanto o seu conteúdo, pois há quem afirma que “não há
consenso sobre o que a jurisdição universal é ou o que deveria ser, nem um consenso sobre os
crimes por ela abrangidos pela doutrina (tradução nosso).”27
Por outro lado alguns defendem
que “aplica-se a jurisdição universal a um número limitado de crimes para os quais qualquer
Estado, independentemente de qualquer ligação com o território em que crime for cometido
ou com o próprio suspeito, pode aplicar a jurisdição universal (tradução nosso).”28
Essa
corrente tem o seu embrião na Europa e fortemente apoiada pelos belgas. O número limitado
do crime no trecho acima citado refere-se aos crimes mais grave que, atualmente, estão
insculpidos por um rol taxativo no artigo 5º a 8º do Estatuto de Roma.29
Contudo, insta
salientar que no Estatuto de Roma não consta qualquer disposição expressa autorizando a
aplicabilidade da jurisdição universal por parte dos Estados não partes do Estatuto de Roma
em casos da ocorrência dos crimes considerados mais grave em seus territórios. O silêncio,
nesse caso, não pode ser interpretado como consentimento ou objeção, pois se trata da
competência autônoma e legítima dos Estados em contraírem obrigações no sentido de adotar
a jurisdição universal.
Nessa questão de amplitude jurisdicional, o Estatuto abre uma exceção para
intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas em casos de crimes de guerra,
conforme prevê o artigo 13 alínea (b) do Estatuto de Roma em observância do disposto no
Capítulo VII da Carta da ONU.30
Nesse caso, a atuação da Corte por meio da intervenção do
Conselho de Segurança, não depende totalmente dos critérios adotados pelo Estatuto Roma,
notadamente a complementaridade e a ratificação, considerando que o Conselho de Segurança
26 REVISTA NEGÓCIOS ESTRANGEIROS. Lisboa: Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, v. 11, n. 1, jul. 2007. p 71. 27 JUET, Mugambi. Spain’s Expanded Universal Jurisdiction to Prosecute Human Rights Abuses in Latin
America, China, and Beyond. Northwestern: Northwestern University, 2006. 28 SHABAS, William A. An Introduction to the International Criminal Court. 4. ed. Cambridge: Cambridge
University Press, 2011. 29 COUR PÉNALE INTERNATINALE. The Official Journal. [S.l.: s.n.], 2009 [?]. Disponível em:
<http://www.icc-cpi.int/en_menus/icc/legal%20texts%20and%20tools/Pages/legal%20tools.aspx>. Acesso em:
13 mar. 2014. 30 KAUL, op. cit., p.117.
21
da ONU tem o dever de adotar meios necessários e adequados para a manutenção da paz e a
ordem internacional.31
E isso foi um dos motivos da intervenção do Conselho nas questões do
Sudão por meio de Resolução 1593 de 2005, o qual veremos nos próximos capítulos.
Alguns países, como México e a Índia se posicionaram contra a referida
possibilidade de intervenção do Conselho de Segurança da ONU, sob o fundamento de que
isso comprometeria a imparcialidade e a autonomia da Corte. Como se sabe, é inevitável o
jogo político quando assunto envolve mais de um Estado.32
Podemos observar que durante a
Conferência de Roma algumas propostas que foram apresentadas tinham claro interesse
doméstico. A prova disso, foi a proposta francesa e norte-americana que, por surpresa de
muitos, demonstraram interesse de ver uma corte mais fraca com intuito de preservar a
soberania estatal, especificamente, nas suas relações político-militar33
. Daí, podemos afirmar
que a aplicabilidade do princípio da jurisdição universal pela Corte Penal Internacional figura
dentro do um contexto ideal e fora do contexto real. Pois "o exercício da jurisdição universal
pode preencher a lacuna jurisdicional, neste caso, é necessário para garantir a
responsabilização por crimes internacionais."34
Apenas nessa ótica que subsiste a
possibilidade de aplicação da jurisdição universal pela Corte, haja vista que no âmbito de
Direito Internacional e do próprio Estatuto de Roma também permite o uso das fontes,
inclusive as normas de sistema interno, em casos da vagueza ou ausência de recursos legais
conforme veremos à frente. Tudo isso remonta a ideia de que os princípios gerais do direito
têm como escopo preencher lacunas do direito e subsidiariamente utilizada pela Corte
Internacional de Justiça, o qual assume o caráter dos princípios gerais comuns à ordem interna
e internacional, a exemplo de pacta sunt servanda, o princípio do direito adquirido, o
princípio da boa-fé e princípios gerais de Direito Internacional.35
Sendo assim, podemos enquadrar a jurisdição universal no rol dos princípios gerais
do Direito Internacional aplicáveis e previsto, especificamente, no artigo 38 (1) (c) do
Estatuto da Corte Internacional de Justiça. O próprio Estatuto de Roma dispõe em seu artigo
21 a possibilidade de uso das fontes ou recursos, hierarquicamente, em casos da na falta de
31 A complementaridade é o princípio basilar do Estatuto de Roma, o qual permite a intervenção da Corte apenas
em casos da comprovada a ineficácia das medidas internas para a persecução criminal. No que tange a
ratificação do Estatuto de Roma, este ato atribui a legitimidade ad iurisdictionem à Corte Penal Internacional. 32 KAUL, p. 117. 33 Ibidem, p. 113. 34 BASSIOUNI, Cherif M. The History of Universal Jurisdiction and Its Place in International Law.
University of Pennsylvania Press, 1957. (Series, v. 2). 35 SILVA, Roberto Luis. Direito Internacional Público. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey,
2008.
22
disposição expressa. Dentre as fontes, elenca os princípios gerais do direito que o Tribunal
retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes36
, incluindo, sempre que
esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto, com o direito
internacional, nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos. Nesse
contexto, embora o artigo 21 (1) (c) aponta que apenas se aplica os princípios gerais de direito
em caráter subsidiaria, assumem um especial relevo, considerando o aspecto rudimentar da
parte geral do direito penal internacional em seu atual estágio.37
Após as nossas análises a respeito do limite da jurisdição do Tribunal Penal
Internacional, concluímos que
a jurisdição do Tribunal não é estrangeira, mas sim internacional, podendo
afetar todo e qualquer Estado-parte da Organização das Nações Unidas. Ela também não se confunde com a chamada jurisdição universal, que consiste,
segundo Tarciso Dal Maso Jardim, “na possibilidade de a jurisdição interna
[de determinado Estado] poder julgar crimes de guerra ou crimes contra a humanidade cometidos em territórios alheios”, a exemplo dos casos de
extraterritorialidade admitidos pelo art. 7º, e seus incisos, do Código Penal
Brasileiro.38
Com base nessa observação e nas retro analisadas, podemos concluir que há
limitação do poder judicante do Tribunal Penal Internacional, tanto pelo princípio de
aderência (o Tribunal apenas poderá exercer a sua competência sobre o território dos Estados
parte do Estatuto de Roma e sobre os seus cidadãos (artigo 5 (1)), quanto a pelo princípio da
complementaridade 39
(jurisdição subsidiária). Apesar de não estar contida expressamente no
Estatuto de Roma, não implica que o TPI reprova aplicação do princípio da jurisdição
universal pelos Estados parte ou não partes do Estatuto de Roma. Pelo contrário, o Tribunal é
a favor a adoção de qualquer medidas no combate a impunidade, desde que sejam legítimas,
justas e adequadas.
36 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Statute of the Court. [S.l.: s.n.], 2007 [?]. Disponível em:
<http://www.icj-cij.org/documents/index.php?p1=4&p2=2&p3=0>. Acesso em: 13 mar. 2014. 37 AMBOS, Kai. Parte Geral do Direito Penal Internacional: bases para uma elaboração dogmática. São
Paulo: RT, 2008. p. 47. 38 MAZZUOLI, op. cit., p. 965. 39 Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras, a criar um
Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas,
e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu
conjunto,<p> Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar
às jurisdições penais nacionais [...] (parágrafo 10º do Preâmbulo do Estatuto de Roma).
23
3 A COMPETÊNCIA DA CPI
A competência da Corte Penal Internacional está insculpida no Capítulo II, art. 5º do
Estatuto de Roma, o qual dispôs que “a competência da Corte restringir-se-á aos crimes mais
graves que afetam a comunidade internacional no seu conjunto.” Fixa-se a referida
competência através de quatro critérios, sendo dois principais e dois complementares. Os
principais critérios de fixação da competência são definidas em razão da matéria e em razão
da pessoa, ao passo que nos critérios secundários, temos a fixação da competência por meio
de uma prévia análise cronológico do crime e por meio da analise territorial, ou seja, a
competência ratione tempiris.
Destarte, a Corte tem a competência de conhecer e julgar os crimes de genocídio,
crimes contra humanidade, crimes de guerra40
e de agressão, sendo este último com traços
controvertido, pois “em Roma, embora muitos tenham defendido a inclusão no Estatuto do
crime de agressão, as discussões não foram conclusivas."41
Essa pendência só foi ultrapassada
no dia 11 de junho de 2010, quando reuniu alguns Corpos na Conferência de Revisão do
Estatuto de Roma realizada em Kampala, capital da Uganda. Pois do dia 31 de maio a 11 de
junho de 2010, houve fortes debates com o intuito principal de alterar ao Estatuto de Roma e,
em comum acordo, incluir uma definição para o crime de agressão e a forma que o Tribunal
deva exercer a sua jurisdição sobre esse crime. Na mesma ocasião ficou acordado que o
Tribunal não poderá exercer a sua jurisdição sobre esse crime até o dia 1º de Janeiro de 2017,
data esta em que entrará em vigor, após a aprovação da Assembleia dos Estados partes do
Estatuto de Roma42
. Ambos os procedimento devem observar as regras contidas no artigo 121
a 123 do Estatuto de Roma.
3.1. COMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE
Vale salientar que, a natureza da competência da Corte sobre os crimes
retromencionado é de natureza material, ratione materiae. Esse critério de competência se
define, não por meio de prova da autoria ou materialidade do fato, e sim, por uma ligação de
equivalência entre a natureza do crime denunciado em relação a crime tipificado no Estatuto
40 Ver o artigo 5º, 6º, 7º e 8º do Estatuto de Roma. 41
CARDOSO, Elio. Tribunal Penal Internacional: conceitos, realidades e implicações para o Brasil. Brasília:
Ministério das Relações Exteriores; FUNAG, 2012. p. 176. 42 Disponível em: <http://www.iccnow.org/?mod=aggression&lang=es>. Acesso em 15 mar. 2014.
24
de Roma,43
sob pena de violação ao princípio da legalidade criminal, nullum crimen sine lege
(art. 22 do Estatuto de Roma). Com isso, podemos afirmar que, se a natureza do crime
denunciado for diverso daqueles previstos no artigo 5º e 6º do Estatuto de Roma, a Corte não
terá a competência sobre o suposto crime. Adiante veremos melhor essa questão da legalidade
estrita ao caso concreto.
Do mesmo modo que ocorre no sistema penal interno, na sistemática do TPI também
é imprescindível a observância dos princípios típicos do direito penal, dentre os quais, o
princípio da irretroatividade da lei penal e o princípio do ne bis in idem.44
Embora há autor
que elenca alguns princípios específicos do Estatuto de Roma, dos quais o princípio da
irrelevância da função oficial, princípio da universalidade, princípio da imprescritibilidade,
princípio da responsabilidade de comandantes e outros superiores e o princípio da
responsabilidade penal individual.45
Cumpre evidenciar que a competência material da Corte é objetiva, tendo em vista
que apenas alcança os crimes tipificados no Estatuto de Roma.46
Do mesmo modo, é
imperioso frisarmos que o Estatuto de Roma veda reservas, segundo a regra contida no artigo
120 do diploma legal em análise. Contudo, essa disposição se contradiz com o disposto na
primeira parte do artigo 124 que assim preleciona: “não obstante o disposto nos parágrafos 1º
e 2º do artigo 12, um Estado que se torne Parte no presente Estatuto, poderá declarar que,
durante um período de sete anos a contar da data da entrada em vigor do Estatuto no seu
território, não aceitará a competência do Tribunal relativamente à categoria de crimes
referidos no artigo 8, quando haja indícios de que um crime tenha sido praticado por nacionais
43 Ver o artigo 5 do Estatuto de Roma. 44 O princípio da irretroatividade da lei penal (anterioridade) veda qualquer punição de uma conduta criminosa
praticada antes da vigência da lei penal. Vide art. 1º do CPB. Ao passo que o princípio do ne bis idem, veda a
dupla imputabilidade por um mesmo fato. 45 Assim define "[...] o princípio da universalidade, pelo qual os Estados-partes colocam-se integralmente sob a
jurisdição da Corte, não podendo subtrair de sua apreciação determinados casos ou situações. O Estatuto
contempla também o princípio da responsabilidade penal individual, segundo o qual o indivíduo responde
pessoalmente por seus atos, sem prejuízo da responsabilidade do Estado. O princípio da irrelevância da função
oficial, por sua vez, permite que sejam responsabilizados chefes de Estado ou de governo, ministros,
parlamentares e outras autoridades, sem qualquer privilégio ou imunidade. Já o princípio da responsabilidade de
comandantes e outros superiores exige que todos os chefes militares, mesmo que não estejam fisicamente presentes no local dos crimes, envidem todos os esforços ao seu alcance para evitá-los, sob pena de neles ficarem
implicados. Por fim, o princípio da imprescritibilidade, de acordo com o qual a ação criminosa jamais terá
extinta a punibilidade pelo decurso do tempo, embora ninguém possa ser julgado por delitos praticados antes da
entrada em vigor do Tratado." (LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O Tribunal Penal Internacional: de uma
cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. Estud. av. São Paulo, v. 16. n. 45, maio/ago. 2002.)
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9876>. Acesso em: 21 mar. 2014. 46
HERMIDA, Maria Sans. Direito internacional dos Direitos Humanos. In: BATISTA, Luiz Olavo;
MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Coleção doutrinas essenciais: direito internacional. v. 3. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
25
seus ou no seu território.” Isso nos prova, mais uma vez, a vulnerabilidade do TPI causada
pelo excesso de respeito à soberania absolutista estatal.
No tocante ao crime de genocídio (artigo 6º), a Convenção para a Prevenção e
Repressão do Crime de Genocídio de 1948 já atribuiu um conceito mais amplo a esse crime.
Há alguns autores que defendem que a existência do genocídio cultural e político. Mas, "a
definição excluiu o genocídio cultural e o genocídio político." 47
A citada Convenção
conceituou o crime de genocídio de forma abrangente, não havendo a necessidade do Estatuto
de Roma reiterar o mesmo. Até porque no próprio Estatuto está contido, hierarquicamente, as
fontes aplicáveis que servem de recursos à cada caso submetido à Corte Penal Internacional,
ou seja, "alternativamente, a Corte poderia aplicar o art. 21 (1) (b) de forma mais ampla, de
modo a trazê-los para os casos adjudicados."48
As normas do Estatuto de Roma tem a natureza
jurídica de normas de Direito Internacional Humanitário, quer dizer, permite a fácil
compatibilização e integração de outras normas dessa natureza, devendo em ultima ratio,
aderir a outras fontes legalmente aceitáveis ou reconhecidas.
No que diz respeito à crimes contra humanidade, apesar do Estatuto aparentar ser
rígido ao taxar o núcleo do tipo penal em análise (artigo 7 (1) (a-j)), abriu uma certa margem
de liberdade ao prudente arbítrio do intérprete julgador, em casos do disposto no artigo 7 (1)
(k) do Estatuto de Roma. A alínea (k) apenas aferi a “outros atos desumanos de caráter
semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a
integridade física ou a saúde física ou mental”. Como podemos observar, nesse caso caberá ao
intérprete aplicador utilizar do seu prudente arbítrio para definir, com base nos elementos
concretos do caso, se tais atos desumanos constituem ou não um crime contra a humanidade.
Por último, temos o crime de guerra. Nesse quesito, o Estatuto, mais uma vez, deixou
ao prudente arbítrio do interprete aplicador em casos do previsto no artigo 8 (2) (a), o que
exigirá do julgador, dentre outras qualidades, o profundo conhecimento dos diplomas legais
internacionais humanitário para melhor integração das normas externas.
Embora os artigos apresentem definição dos tipos penais, é sempre importante
consultar o documento Elementos dos Crimes, para averiguar os limites, requisitos e demais
47 MELO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2004. p. 967 48
SUNGA, Lyal S. A competência ratione materiae da corte internacional criminal: arts. 5 a 10 do Estatuto de
Roma. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Orgs.). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. p. 201.
26
elementos constitutivos do tipo,49
sob a égide do princípio da segurança jurídica e da justiça.
Para facilitar o trabalho da Corte na persecução criminal e, consequentemente, no combate a
impunidade, o próprio Estatuto trouxe nela as ferramentas necessárias a serem utilizadas para
esse fim, do mesmo modo, trouxe as formas de averiguação dos fatos e elementos
constitutivos do crime50
com intuito de garantir um julgamento justo e democrático do
acusado. Por essa razão,"a previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será
permitido o recurso à analogia. Em caso de ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa
objeto de inquérito, ou seja, do acusado."51
3.1. COMPETÊNCIA RATIONE PERSONAE
A competência ratione personae52
está disciplinada no art. 26 do Estatuto de Roma.
É mais um dos critérios fundamentais para a atuação da Corte, o qual somente pode julgar
pessoas que tiveram 18 (dezoito) anos ou mais, completos na data do fato criminoso53
. Na
mesma linha, cumpre-nos frisar que a responsabilidade criminal é individual, ou seja, cada
caso submetido à Corte é analisada, individualmente, a conduta dos suspeitos ou acusados.
Ademais, o Tribunal Penal Internacional somente tem a competência de instaurar a
persecução criminal contra os indivíduos nacionais do Estado parte no Estatuto de Roma.
Apesar de tais clarezas, a questão da competência em razão da pessoa contém alguns pontos
que precisam ser esclarecidos, dos quais,
1. a responsabilidade do chefe militar ou superior hierárquico em casos específicos; e
2. a questão da imunidade penal dos Chefes dos Estados.
A primeira questão da responsabilidade do chefe militar ou superior hierárquico
consta no próprio Estatuto de Roma. O Estatuto faz uma exceção à regra da responsabilização
49 PINTO, Barbara da Costa; SILVA, Roberto Luiz (Orgs). Manual de direito processual internacional. São
Paulo: Saraiva, 2012. 50 Os elementos constitutivos dos crimes que auxiliarão o Tribunal a interpretar e a aplicar os artigos 6, 7º e 8º do
presente Estatuto, deverão ser adotados por uma maioria de dois terços dos membros da Assembleia dos Estados
Partes (artigo 9 (1) do Estatuto de Roma). 51 Disposto no art. 22.2. do Estatuto de Roma. Essa regra, no âmbito interno, se denomina de princípio do ‘in
dúbio pró réu’ aplicado em qualquer rito processual penal, em casos específico (comprovada erro substancial da
investigação, insuficiência da prova contundente, ausência de indícios de autoria ou materialidade do fato, etc.)
em favor do réu. No caso do Estatuto de Roma, aplica-o em caso de ambiguidade interpretativa, dentre outras
situações que comprometam um julgamento justo e democrático do acusado. 52
Termo em latim que significa “em razão da pessoa”. 53 O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas que, à data da alegada prática do crime, não tenham
ainda completado 18 anos de idade (o artigo 26 do Estatuto de Roma).
27
criminal direta do acusado, trazendo uma hipótese de responsabilização penal indireta. A
referida exceção esta inserida no art. 28 do Estatuto que diz,
o chefe militar, ou a pessoa que atue efetivamente como chefe militar, será criminalmente responsável por crimes da competência do Tribunal que
tenham sido cometidos por forças sob o seu comando e controle efetivos ou
sob a sua autoridade e controle efetivos, conforme o caso [...].54
Repara-se que nesse quesito, a responsabilidade criminal está direcionada para uma
classe específica de pessoa e apenas em situações específica, o qual se baseia diretamente ao
cargo militar de liderança. No mesmo ângulo, se aplica o mesmo dispositivo aos crimes
cometidos em conflitos de natureza armada. Cumpre destacar que, o Estatuto não aborda
claramente sobre a liderança de grupos civis, religiosos ou étnicos que reúnem com intuito de
alcançar o poder político, social, econômico, religioso ou étnico racial por meio do emprego
de violência, guerras e destruições. Algo dessa natureza é o que mais ocorre na África,
considerando que “a maior parte dos abusos surge durante conflitos armados [...]."55
Sob o ponto de vista jurídico, esses grupos, juntamente com o seu líder não podem
ser denominados “militares”, e sim “milícias”. Na tentativa de estender a responsabilidade à
qualquer forma de liderança criminosa, o Estatuto de Roma adotou, em seu artigo 28 a
denominação de 'outros Superiores Hierárquicos'56
sem, sequer, definir sobre o que seria
outros Superiores Hierárquicos. É incontroverso que a falta de especificidade aqui
demonstrado, pode ocasionar ambiguidade na interpretação, a qual pode ocasionar a
absolvição de um líder criminoso a luz do que prevê o art. 22 (2), do Estatuto de Roma. É
inegável que um Comandante Militar seja um superior hierárquico, pois a própria
nomenclatura é clara a respeito da função que desempenha. Mas o termo “outros Superiores
Hierárquicos” não apresenta uma conotação clara capaz de abranger a conduta de qualquer
pessoa que lidera qualquer grupo armado, independentemente da natureza do grupo liderado.
O recomendável seria definir claramente uma forma de abranger a conduta omissiva de
qualquer pessoa que lidera um ou mais grupos que cometem crimes considerados mais graves,
seja civil, militar, religioso ou étnico racial. Atualmente não se pode mais atribui uma estrita
conceituação tradicional do Direito Humanitário que se baseava nos conflito armado legítimo
54 Ver a íntegra do art. 28 (a) do Estatuto de Roma. 55 SUNGA, op. cit., p. 195. 56 Nas relações entre superiores hierárquicos e subordinados, não referidos na alínea a), o superior hierárquico
será criminalmente responsável pelos crimes da competência do Tribunal que tiverem sido cometidos por
subordinados sob a sua autoridade e controle efetivos, pelo fato de não ter exercido um controle apropriado sobre
esses subordinados [...] (artigo 28 (b) do Estatuto de Roma). Nesse aspecto, o Estatuto tentou incluir outras
formas de comando, mas ainda apresenta ambiguidade na sua interpretação gramatical.
28
(Direito da Guerra) defendido por Hugo Grotius na primeira metade do século XVII, cujo teor
a proteção territorial de um determinado povo e a luta contra a pirataria marítima. Com o
avanço e o considerável crescimento mundial, emergiram outras formas de conflitos
ilegítimos que deve ser interpretado, embora a luz do Direito Humanitário, mas também
dentro da perspectiva do DIP contemporâneo com o propósito fundamental de coibir os atos
atentatórios contra a vida e a dignidade do homem. São os conflitos dessa natureza que
constituem uma das maiores preocupações dos atores e organizações internacionais por terem
os fins, eminentemente, ilícitos.
Contudo, não vamos olvidar de atribuir aplauso ao Tribunal pela sua pretensão de
combater, em grande escala, a impunidade, não só das pessoas maiores de 18 (dezoito) anos e
líderes militares, mas também dos líderes que comandam, omitem instigam os seus
subordinados à pratica de crimes que afetam a sociedade internacional em seu conjunto.
Quanto a questão da imunidade criminal dos Chefes de Estados ou de ocupantes de
alto cargo político, o Estatuto de Roma dispõe, claramente, em seu artigo 25, no qual veda a
imunidade processual de qualquer individuo, independente de qualidade ou cargo por ela
ocupado. Antes, a questão da imunidade dos Chefes dos Estados era ilimitadamente aceitável.
Pois havia uma espécie de tradição política e jurídico que vedava a responsabilidade criminal
dos Chefes de Estado perante os tribunais estrangeiros. Essa regra traduz a ideia dos tempos
remotos em que o soberano era imune a qualquer responsabilidade por seus atos e,
consequentemente, esse privilégio se entendia à sua cúpula de poder e aos seus sucessores.
Durante as décadas de sessenta, setenta, oitenta e até nos meados da década de
noventa, vimos que prevaleceu tais privilégios. Pois vários Chefes de Estados propulsores de
regime ditatorial eram imunes de qualquer responsabilização pelas barbáries que cometeram
em função do poder militar, político ou religioso. Alguns países da Europa, como a Bélgica e
a Espanha demonstraram a preocupação com a situação de impunidade em razão da
imunidade. Borges e Vannieuwenhuys afirmam que a Bélgica, elaborou uma legislação
especial sobre a repressão das graves violações do Direito Internacional Humanitário, o qual
foram encaminhados para as Cortes belgas alguns casos que envolviam Chefes de Estados de
algumas regiões, dos quais, o falecido líder Iraquiano Sadam Hussain, Fidel Castro, bem
como os envolvidos no assassinato do Chefe de Estado e de Governo da República
Democrática do Congo, Laurent-Desiré Kabila. Apesar de tais tentativas, não houve
resultados satisfatórios, como podemos observar nos dizeres do Rubén Carneiro Castilla:
29
[...] o juiz de instrução do Tribunal da primeira instância de Bruxelas ditou,
em 2000, uma ordem internacional de prisão contra o então Ministro de
Assuntos Exteriores da República Democrática do Congo, Yerodia Abdoulaye Ndonbasi, acusando-lhe de ter cometido crimes de Direito
Internacional. Se bem que a República Democrática do Congo reagiu diante
dessa decisão, interpondo uma petição contra a Bélgica perante a Corte
Internacional de Justiça, por considerar que tanto a mencionada lei quanto a própria ordem de prisão infringiram as normas internas sobre imunidade de
jurisdição. No dia 14.02.2002 o Tribunal sentenciou que, efetivamente, a
ordem de prisão violava uma obrigação jurídica do Reino da Bélgica, ao ignorar a imunidade de jurisdição do afetado, conforme o direito
internacional, o que impediu que prosperassem as demais causas
empreendidas perante tribunais belga [...].57
Na mesma linha, seguiu a justiça espanhola ao reconhecer a imunidade de jurisdição
absoluta à alguns Chefes de Estado, inclusive a do Teodoro Obiang Nguema, Presidente da
Guiné Equatorial. A complexidade que envolve o debate sobre imunidade está diretamente na
forma distorcida das interpretações dos costumes e normas antigas que disciplinam o assunto.
Para melhor compreensão, cumpre destacar que a doutrina divide a questão da imunidade em
três modalidades: a imunidade estatal, a imunidade diplomática e a imunidade dos Chefes de
Estado. Este, o objeto da nossa análise. Na realidade, a imunidade foi criada com o único
propósito, garantir a soberania e o reinado da coroa, evitando qualquer conspiração externa.
No contexto Moderno e Pós-Moderno, este instituto tem como escopo, "proteger a função de
governante e por trás dela o Estado representado. Elas justificam-se pela necessidade de
permitir os governantes o desempenho de suas funções sem que eles sejam objeto de medidas
coercitivas."58
Esse propósito não coaduna com aquilo que o mundo assistiu ao longo dos 50
anos. A impunidade se tornou tão comum a ponto de ser tolerado pela Corte Internacional de
Justiça.
A ausência de uma Instituição legal e permanente no plano internacional que
atribuísse a responsabilidade aos ditadores causava, cada vez mais, o medo, intensificava os
abusos e perpetuava a ousadia de violações dos direitos humanos no espaço e no tempo.
Nesse intercambio, a história registrou os piores líderes e Chefes de Estados do continente
africano, tais como, Joseph Désiré Mobutu, mais conhecido por Mobutu Sese-Seko Ex-Chefe
de Estado de antigo Congo Zaire atualmente denominado de República Democrática do
Congo, tínhamos o Idi Amim Dada da República de Uganda, um dos ditadores mais cruel,
57 CASTILLA, Carneiro Rúben. Direito internacional dos Direitos Humanos. In: BATISTA, Luiz Olavo;
MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Coleção doutrinas essenciais: direito internacional. v. 3. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012. 58
BORGES, Daniel; VANNIEUWENHUYS, Gauthier. A imunidade dos Governantes no direito internacional.
Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101. p. 903-936, jan./dez. 2006.
Disponível em <http//www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67729>. Acesso em: 13 abr. 2012.
30
Jean-Bédel Bokassa da República Centro-Africana, Robert Mugabi de Zimbabwe, Theodoro
Obiang Nguema, presidente da Guiné Equatorial dentre outros. Embora ficou claro que a
imunidade é reconhecida a luz dos costumes e normas concretas de Direito Internacional, mas
não há como nos omitir de citar que os laços políticos e negociais entre os ditadores africanos
e os líderes de alguns países da Europa, como uma das causas que tornaram ineficazes todas
as tentativas de persecução criminal contra os Chefes de Estados africano. Eram livres e
poderosos, com as fortunas espalhadas nas mais diversas instituições financeiras do mundo.
Ademais, na queda de seus impérios eram premiados com asilo político, geralmente, para
abrigar nos países da Europa. Pois lá recebiam de brinde uma casa com a vista privilegiada ao
mar, concedida pelo presidente anfitriã.
O mundo teve a graça de festejar quando, no dia 25 de novembro de 1998, a Câmara
dos Lordes da Inglaterra rejeitou por 3 votos contra 2 a imunidade do Augusto Pinochet, e
determinou que ele deveria permanecer detido até que tramitasse a solicitação de extradição
expedida pela Espanha.59
Muito embora tenha impedido a extradição do ditador acusado à
Espanha por questões político-humanitário, os membros da Câmara dos Lordes se
pronunciaram no sentido de que, existindo a evidencia ou indícios sobre o seu envolvimento
em fatos denunciados, constituir-se-á graves crimes contra a humanidade, o qual determinar-
se-ia a inviabilidade do desfrute da imunidade de jurisdição como antigo chefe de Estado.60
Apesar do Ex-Chefe de Estado Chileno Augusto Pinochet ter sido poupado em razão
de sua insanidade física e mental, tanto o povo chileno como o resto de mundo se contentaram
pelo fim da angustia e as injustiças implantadas durante os 17 anos do seu regime totalitário.
Esse episódio surtiu efeito positivo no cenário internacional permitindo um novo olhar a
respeito da imunidade penal dos Chefes de Estado. Daí surge a Corte Internacional de Justiça,
atribuindo a sua interpretação sobre a imunidade criminal, ao asseverar que a imunidade visa
imunizar o agente político de qualquer processo criminal perante os tribunais estrangeiros,
durante o período do mandato. Finalizou o seu entendimento, aduzindo que as jurisdições
penais internacionais podem, quando competentes, julgar os ocupantes de cargos políticos
mesmo antes do término de mandato.61
Nessa mesma linha de entendimento está a Convenção
sobre a Repressão do Crime de Genocídio de 1948 em seu artigo 4º que prevê sobre
59 GARRIDO, Joan Del Alcàzar. A “imunidade soberana de Pinocchet” contestada*. Revista de cultura e
política, São Paulo, n. 49, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n49/a07n49.pdf>. Acesso em: 26
abr. 2014. 60 CASTILLA, op. cit. p. 1003. 61 BORGES; VANNIEUWENHUYS, op. cit. p. 930.
31
responsabilidade penal de qualquer individuo envolvido no crime de genocídio, incluso os
governantes.
Enquanto o mundo clamava por um instrumento legal e eficaz, capaz de coibir e
erradicar a fúria ditatorial, os adeptos dos direitos humanos se intensificaram na luta para pôr
o fim às atrocidades que ameaçavam a paz, justiça e a ordem internacional. Como podemos
observar, há ‘impossibilidade de demandar criminalmente um Chefe de Estado em qualquer
tribunal estrangeiro, à exceção aos crimes relativos à jurisdição do Tribunal Penal
Internacional."62
Com o advento do TPI, ficou mais clara a razão da vedação da regra sobre a
imunidade dos Chefes de Estados para os crimes que afetam a sociedade internacional, ao
estabelecer que ninguém, nem o próprio Chefe de Estado ou um Rei, está livre de ser
processado por genocídio, por crimes de lesa humanidade ou por crimes de guerra.63
Essa
vedação esta contida no artigo 27 do Estatuto de Roma que rege o TPI. Por fim, o Secretário
Geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-Moon assevera que, "A comunidade
internacional adotou maciçamente a ideia de que entramos numa era de responsabilidade e de
que não pode haver imunidade para os crimes internacionais."64
Por último, temos a competência, ratione temporis,65
estabelecido no art. 11.1, o qual
dispõe que a competência do Tribunal alcança apenas os crimes cometidos após a entrada em
vigor do Estatuto de Roma. Nesse quesito, mais uma vez, o Tribunal apresenta seu aspecto
penal mínimo ou complementar que, de certa forma, facilitou aqueles que atormentaram o
mundo com os seus atos sanguinários, entre 1980 à 30 de junho de 2002. Ademais, como
havíamos demonstrado, o artigo 11 (2) do Estatuto traz o seguinte enunciado: “Se um Estado
se tornar Parte no presente Estatuto depois da sua entrada em vigor, o Tribunal só poderá
exercer a sua competência em relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do
presente Estatuto relativamente a esse Estado, a menos que este tenha feito uma declaração
62 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 63 VARDA, Francesca. A implantação do Estatuto de Roma no continente americano: um olhar sobre alguns
esforços, avanços e desafios - Anistia, política e justiça de transição. Ministério da Justiça, Brasília, DF, n. 8.
jul./ dez. 2012. Disponível em: <http:// http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={67064208-D044-437B-9F24-
96E0B26CB372}>. Acesso em: 28 abr. 2014. 64 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Luta contra a impunidade passa pelo TPI, segundo Ban Ki-
moon. [S.l.: s.n.], c2013. Disponível em: < http://www.onu.fr/pt/actualidade/30018-luta-contra-a-impunidade-
passa-pelo-tpi-segundo-ban-ki-moon>. Acesso em: 28 abr. 2014. 65 Ver o artigo 11, 12, 13 e 124 do Estatuto de Roma.
32
nos termos do parágrafo 3º do artigo 12.” Apesar de serem imprescritíveis66
os crimes da
competência do Tribunal Penal Internacional, não surte efeito satisfatório às vítimas e seus
familiares, nem à Comissão Africana dos Direitos Humanos, haja vista que a Corte sequer
completou 15 anos de atuação.
Certamente, o mundo esperava ver uma Corte mais severa e autodependente no
combate à impunidade dos indivíduos que, por bel prazer, cometeram crimes das mais
repugnantes já registrados na história.
Mas o sonho dos defensores dos direitos humanos se transformou em desilusão, pois,
às vezes, parece que estamos frente a um órgão de conciliação e distante de uma Corte
criminal.
66 Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem (artigo 29 do Estatuto de Roma).
33
4 O PANORAMA DA ATUAÇÃO DA CORTE NA ÁFRICA
Liminarmente, importante explicarmos, de forma sucinta, sobre a estrutura e
composição da CPI, para facilitar o nosso entendimento a respeito da sua atuação em alguns
países da África, objeto principal do nosso estudo.
A Corte é formada por uma Presidência, uma Câmara e uma Procuradoria.67
A
Presidência é composta por três juízes, sendo um Presidente, primeiro Vice-Presidente e
segundo Vice-Presidente.68
Eles são eleitos por maioria absoluta dos juízes do Tribunal por
um período de três anos prorrogável por igual período. Os juízes que compõem a Presidência
atuam em regime de tempo integral. A Presidência é responsável por atividades de
coordenação e de controle judiciais, atividades administrativas e relações externas. No
exercício das suas funções judiciais, a Presidência constitui e atribui processos às seções,
realiza revisão judicial de determinadas decisões e celebra acordos de cooperação entre a
Corte e os Estados. No que diz respeito às questões administrativa, com exceção àquelas da
competência do gabinete do Procurador, a Presidência é responsável pela administração do
Tribunal e supervisiona o trabalho da Secretaria. Também coordena e buscar uma sintonia
com Procurador em todos os assuntos de interesse mútuo. No que tange as relações externas a
Presidência mantém relações com os Estados e outras entidades com o escopo de promover a
conscientização pública para melhor entendimento do Tribunal.
Quanto à Câmara da Corte, este é composto pela Secção de Recursos, Divisão de
Julgamento e Divisão de Pré-Julgamento (preliminares sobre admissibilidade). A Secção de
Recursos é composto pelo Presidente do Tribunal e quatro juízes, a Divisão de Julgamento e a
Divisão de Pré-Julgamento são compostos de, no mínimo, seis juízes cada um com o mandato
de 3 (três) anos. A divisão de pré-julgamento são predominantemente composta por juízes
com experiência em processo penal. Para garantir a transparência e assiduidade no trabalho da
Corte, dentre os membros de cada divisão, é eleito um presidente da respectiva divisão para
supervisionar a administração das divisões por um período não superior a um ano.
67 COUR PÉNALE INTERNATINALE. Structure of the Court. [S.l.: s.n.], 2008 [?]. Disponível em:
<http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/structure%20of%20the%20court/Pages/structure%20of%20the%20court.aspx>. Acesso
em: 30 abr. 2014. 68 Para garantir a imparcialidade, a Corte não seleciona os seus juízes por nacionalidade ou qualquer outro
critério de origem, raça, cor ou gênero. A prova disso é que o Juiz Presidente da Corte é o Sr. Sang-Hyun Song
da República da Coreia do Sul, sendo o Primeiro Vice-Presidente o Juiz Sanji Mmasenono Monageng da
Botsuana, e tendo como seu segundo Vice-Presidente o juiz Cuno Tarfusser, da Itália.
34
No que versa sobre a atividade da Procuradoria, é chefiada por Fatou Bensouda,69
que assumiu o cargo da Procuradora do TPI em 15 de junho de 2012, substituindo o primeiro
Procurador do Tribunal, Sr. Luis Moreno Ocampo. Bensouda foi eleita por maioria dos votos
da Assembleia dos Estados Partes no Estatuto de Roma para um mandato de nove anos. A
Procuradoria da Corte é composta por três divisões, sob o comando do Procurador-adjunto
James Stewart, responsável por todas as divisões, Michel de Smedt, chefe da Divisão de
Investigações; Phakiso Mochochoko, chefe da Jurisdição, Complementaridade e Divisão da
Cooperação. São responsáveis por investigar os crimes de genocídio, crimes contra a
humanidade e crimes de guerra cometidos por nacionais de quaisquer dos Estados parte com
base no Estatuto de Roma. Para melhor entendermos, em síntese, a forma que se dá o
procedimento investigativo, cumpre destacar que ela se dá, ou de ofício pelo Promotor ou por
meio de uma comunicação prévia sobre a ocorrência do crime ao TPI. Em caso afirmativo,
cabe ao Ministério Público deliberar a fase delicada dos procedimentos investigatórios e
preparatórios com todas as coordenadas ao seu comando, com o fim de analisar se há ou não
indícios de autoria ou materialidade do fato criminoso e os possíveis suspeitos. Neste
intercâmbio, o Promotor (ou Ministério Público) dispõe de certa discricionariedade para
colher os elementos pertinentes e relevantes por meio de uma cooperação com a ONU, os
Estados implicados na denúncia, outras entidades, bem como por meio de outros indivíduos.70
Através dessa explanação, podemos afirmar que o Tribunal Penal Internacional
contém uma estrutura bem acentuada, pois permite um funcionamento transparente e bem
coordenada.
Pois bem, o artigo 14, 1 do Estatuto de Roma dispõe que qualquer Estado parte
poderá denunciar ao Procurador do TPI sobre qualquer situação em que há indícios de
ocorrência da prática de um ou vários crimes da competência do Tribunal e solicitar ao
Procurador que a investigue, com vista a determinar se uma ou mais pessoas identificadas
deverão ser acusadas da prática desses crimes. Daí surge a seguinte indagação: como se dá
esse procedimento? Pois bem, o próprio Estatuto não só atribui essa competência aos Estados
partes, mas também concede a mesma competência ao Conselho de Segurança da ONU com
base no previsto no Capítulo VII da Carta da Organização das Nações Unidas, ou pelo próprio
69 A Sra. Fatou Bensouda é natural de República da Gâmbia. Antes da sua atuação na Corte, em sua terra natal
ocupou cargos de Vice-Diretor do Ministério Público, Procurador Geral e Secretário Jurídico da República e
Procurador-Geral e Ministro da Justiça, no qual a capacidade que ela atuou como Chefe da Assessoria Jurídica
do Presidente e Governo da República da Gâmbia. Disponível em < http://www.africa-confidential.com/whos-
who-profile/id/3321/Fatou_Bensouda>. Acesso em 3 de maio de 2014. 70 MOREIRA; VALÉRY, op. cit. p.198.
35
Procurador, motu próprio,71
que pode abrir um inquérito a luz do disposto no artigo 15 e 53
do Estatuto de Roma. Vale ressaltar que esse procedimento é uniforme para todos os casos a
ela submetida, independentemente da origem de acusação.
4.1. CASOS E PROCEDIMENTOS ADOTADOS
O primeiro contato da Corte com o continente africano iniciou em Uganda quando “o
Presidente Yoweri Museveni tomou a decisão de levar a situação a respeito do Exército de
Resistência do Senhor ao Procurador do Tribunal Penal Internacional em dezembro de
2003.”72
No dia 14 de outubro de 2005, a II Câmara de Julgamento Preliminar, durante a
secção da Corte, após uma análise prévia atribuiu a responsabilidade em matéria criminal aos
envolvidos nos crimes praticados na Uganda, o qual decidiu sobre a emissão de primeiros
mandados de prisão à África 73
. Os mandados foram emitidos em 8 de julho de 2005 contra os
cinco membros do Exército da Resistência do Senhor (LRA), dos quais o Sr. Joseph Kony,
Vincent Otti, Okot Odhiambo, Dominic Ongwen e Raska Lukwiya, ambos acusados de
crimes contra a humanidade e crimes de guerra, incluindo assassinato, escravidão sexual,
ataques à civis inocentes, pilhagem, estupro, tratamento cruel de civis e forçoso alistamento
das crianças para serem soldados74
. Mas, infelizmente, nenhum dos cinco membros foi preso
e nem se renderam aos mandados emitidos pelo Tribunal Penal Internacional, haja vista que a
Corte não dispões da própria força policial para esse fim, dependendo apenas da cooperação
dos Estados e das Organizações Internacionais.
A partir daí, “a Corte prosseguiu com o seu trabalho no território africano
distribuindo o mandado de prisão em diferentes regiões, inclusive, emitiu uma comunicação
71 O termo “motu proprio” é um termo adotado pela Corte que significa investigação por ofício, ou seja, abertura
de investigação pela iniciativa do próprio Promotor da CPI, a luz do artigo 15 do Estatuto de Roma. 72 COUR PÉNALE INTERNATINALE. President of Uganda refers situation concerning the Lord's
Resistance Army (LRA) to the ICC. [S.l.: s.n.], 29 jan. 2004. Disponível em: < http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/press%20and%20media/press%20releases/2004/Pages/president%20of%20uganda%20refe
rs%20situation%20concerning%20the%20lord_s%20resistance%20army%20_lra_%20to%20the%20icc.aspx>.
Acesso em: 9 de maio de 2014. 73 COUR PÉNALE INTERNATINALE. Report of the International Criminal Court: Sixty-first session.
[S.l.: s.n.], 3 ago. 2006. p. 4. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 10 de
maio de 2014. 74 Ibidem, p. 4.
36
oficial à Organização Internacional da Polícia Criminal (INTERPOL), sobre a necessidade de
captura dos foragidos.”75
Em 2007, o Governo da Uganda, com o apoio do Ministério Público local, certificou
que uma das pessoas que foi objeto do mandado de detenção, o Sr. Raska Lukwiya, tinha sido
morto e, logo em seguida, forneceu um atestado de óbito para a Corte.76
Em 11 de julho de
2007, a II Câmara de Julgamento encerrou o processo contra o Raska Lukwiya, tornando,
assim, o mandado de prisão emitido contra ele, sem efeito.77
Quanto a mandados de prisão
contra os restantes dos foragidos, não haviam sido executados. Os representantes da Corte,
nos seus contatos com os interlocutores relevantes, ressaltaram sobre a importância da
cooperação local com a Corte. Para esse efeito, o Procurador reuniu com o Sr. Joaquim
Chissano, um enviado especial do Secretário-Geral da Resistência do Senhor que ocupavam
as áreas dos exércitos afetados no Norte Uganda, com o fim de agilizar a questão da
cooperação e apoio ao trabalho da Corte em Uganda.78
Apesar de todas as dificuldades, a II
Câmara de Julgamento continuou a acompanhar o estado de execução dos mandados de
detenção emitidos desde 8 de julho de 2005. Na mesma ocasião, “a Câmara também tratou
das questões relativas à participação das vítimas, redações das informações e levantamentos
de documentos, que também foram utilizadas com intuito de garantir a segurança das vítimas
e/ou testemunhas dos atos atrozes ocorridos na região.”79
As investigações continuaram, no gabinete do Procurador da Corte continuou a
proceder com a análise dos indícios de crimes cometidos por outras pessoas. Considerando a
ineficácia da cooperação jurídica com o governo Ugandês, bem como para evitar a reiteração
de mais práticas de crimes, o Tribunal Penal Internacional lançou uma espécie de campanha
marcada por eventos que contou com a participação da sociedade civil, autoridades locais e
líderes tradicionais em atividades de divulgação em massa à populações do norte da Uganda
que foram, diretamente, mais afetados pelos crimes e conflito.80
O objetivo do Tribunal, nesse
aspecto, busca sensibilizar a população local para se unirem no combate à impunidade de
qualquer pessoa envolvida em atrocidades ocorridas na região. Essa união, é nada mais que
75 Ibidem, p. 4. 76 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-second
session. [S.l.: s.n.], 31 ago. 2007. p. 7. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 13 de
maio de 2014. 77 Ibidem, p. 7. 78
Ibidem, p. 8. 79 Ibidem, p. 7. 80 Ibidem, p. 7.
37
uma a cooperação jurídica com o Tribunal, fornecendo a este, informações, denunciando
outras pessoas com evidências necessárias para melhor instaurar a persecução criminal e,
consequentemente, levar a paz à região afetada pelas barbáries cometidas.
Em 2008, apesar de todas as diligências feitas sucessivamente pela Corte, não foram
cumpridas nenhum dos mandados de prisão contra os criminosos foragidos. Considerando as
dificuldades encontradas, o Tribunal utilizou de uma estratégia inteligente para enfraquecer a
liderança dos foragidos, pois incentivou aos membros do Exército de Resistência do Senhor
(LRA) que abandonem a organização liderada pelos chefes criminosos e foragidos. O
Tribunal recebeu as últimas informações que provam a fuga dos foragidos às regiões mais
próximas da Uganda, como República Democrática do Congo, Sudão e República Centro-
Africano, propagando mais atos de violências, das quais, o recrutamento forçado de crianças,
sequestro de civis, violência sexual dentre outros crimes de lesa humanidade.81
O primeiro contato da Corte com o Sudão se deu em 6 de junho de 2005, quando a
Corte abriu uma investigação para averiguar a situação em Darfur, após exame preliminar
(juízo de admissibilidade) da situação pelo gabinete do Procurador.82
O conflito em Sudão
impediu a instauração de inquérito de ofício, em razão da ausência de condições de segurança
necessárias para garantir a proteção das vítimas, testemunhas ou funcionários à época.83
Por
essa razão, a Procuradoria do Tribunal teve que mudar o foco de suas atividades de inquérito
para fora Darfur. Aproximadamente uma dúzia de missões longas da Corte têm sido
realizados para recolher provas e testemunho no Chade país vizinho do Sudão, o que durou
até o memento em que muitas vítimas e testemunhas fugiram. Daí encerrou o quadro geral de
cooperação entre o Governo do Chade e do Tribunal Penal Internacional em 18 de Agosto de
2005 por meio de uma troca de cartas. Tendo como motivo dessa quebra de cooperação, a
falta de segurança no Chade que vem piorando, significativamente, desde ano de 2004.84
Como resultado, o campo da investigação do Tribunal foi temporariamente fechado e,
posteriormente, reaberto para retomada das operações. Durante esse processo, a Procuradoria
81 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-third session. [S.l.: s.n.], 22 ago. 2008. p. 9. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 21 de
maio de 2014. 82 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-first
session. [S.l.: s.n.], 3 ago. 2006. p. 7. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 21 de
maio de 2014. 83 Ibidem, p. 7. 84 Ibidem, p. 7.
38
do Tribunal realizou mais de 50 missões a 15 países, selecionando cerca de 500 testemunhas
potenciais, colheu 61 declarações formais de testemunhas, coletou e analisadas mais de 8.800
documentos.85
A procuradoria do Tribunal trabalhou em paralelo com o Conselho de
Segurança da ONU, fornecendo-o três relatórios sobre as atividades de investigação em
Darfur, haja vista que envolve crimes de guerra (Capítulo VII da Carta da Organização das
Nações Unidas), como também em razão do que prevê o artigo 16 do Estatuto de Roma.
Conselho da Segurança da ONU, por meio da Resolução 1593 de 31 de março de
2005, demonstrou a preocupação sobre a situação em Darfur, capital de Sudão. Três meses
após, o Procurador Luis Gabriel Moreno Ocampo86
abriu uma investigação sobre a situação
do Sudão. Em 25 de abril de 2007, o Juízo de Instrução I emitiu mandados de prisão contra
Ahmad Muhammad Harun, conhecido por Ahmad Harun e contra Ali Muhammad Ali Abd-
al-Rahman, mais conhecido por Ali Kushayb, ambos cidadão nacionais do Sudão87
A Câmara
determinou que havia motivos razoáveis para crer que o Sr. Harun foi responsável por 20
acusações de crimes contra a humanidade e 22 por crimes de guerra, e o Sr. Kushayb como
responsável por 22 acusações de crimes contra a humanidade e 28 por crimes de guerra.88
Tudo iniciou quando a Procuradoria do TPI resolveu diligenciar sobre a
possibilidade fazer um pedido de intimação dos acusados acima mencionados. Mas constatou-
se que o Juízo de Admissibilidade opinou pela inadequação da intimação com base na decisão
da Câmara que havia decidido que há indício suficiente da materialidade de tais crimes89
. A
principal motivação dessa decisão situa no entendimento de que a intimação não seria um
meio que garanta o comparecimento dos acusados ao Tribunal, sendo necessário a emissão de
mandado de prisão haja vista que após a análise de admissibilidade constatou que há indícios
suficiente da autoria material do fato imputado. Após dois meses, ou seja, em 4 de junho de
2007, a Corte reforçou emissão de pedidos de detenção e entrega de Sr. Harun e Sr. Kushayb
para as autoridades do Sudão e para todos os Estados Partes do Estatuto de Roma, bem como
85 Ibidem, p. 7. 86 Luís Moreno Ocampo foi o primeiro Procurador-Chefe do Departamento de Investigação do Tribunal Penal
Internacional, substituído pelo atual Procuradora Fatou Bensouda. Apesar do seu mandato seja marcado de críticas e objeções desencadeados pela União Africana e seus Estados membros, Ocampo conseguiu cumprir o
propósito principal da Corte que se resume em combate à impunidade, impondo a justiça e respeito à direitos
humanos, principalmente, das vítimas de atrocidades. 87 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-second
session. [S.l.: s.n.], 31 ago. 2007. p. 8. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 27 de
maio de 2014. 88 Ibidem, p. 8. 89 Ibidem, p. 8.
39
à todos os Estados africanos membros do Conselho de Segurança da ONU que não são partes
do Estatuto de Roma, dentre elas, o Egito, a Eritreia, a Etiópia e a Líbia.90
Cumpre destacar que até o final de 2007 nenhum dos dois mandados haviam sido
executados ou cumpridos. Em 19 de abril de 2010, o Ministério Público solicitou à Câmara de
Julgamento Preliminar informando-a que o Governo do Sudão não cooperou com o Tribunal
nos termos do artigo 87 do Estatuto e da Resolução 1593 (2005) do Conselho de Segurança
no que diz respeito à aplicação de mandados de detenção contra Ahmed Harun e Ali Kushayb,
em 25 de maio de 2010.91
Após esse fato, a Câmara de Julgamento I, composto por juízes
Sylvia Steiner92
(Presidente), Sanji Mmasenono Monageng e Cuno Tarfusser, adotou uma
decisão que informou aos membros do Conselho de Segurança da ONU da falta de
cooperação do governo do Sudão. A Câmara transmitiu essa decisão ao Conselho através do
seu Secretário-Geral para o Conselho para que este adote medidas considerado relevante.93
Infelizmente, o Sr. Ahmad Harun e Ali Kushayb continuam foragidos. As seis vítimas deles
foram autorizados a intervir em procedimentos preliminares relacionados à causa.
Não parou por aí. Em 22 de Dezembro de 2004 o Tribunal tomou a ciência da
situação na República Centro-Africana por meio do próprio governo daquele país94
. Em 22 de
maio de 2007, o Ministério Público anunciou que tinha decidido abrir uma investigação sobre
a situação na República Centro-Africana. A decisão do Procurador após uma análise
aprofundada das informações disponíveis foi no sentido de que há jurisdição, admissibilidade
e necessidade da justiça, requisitos exigidos pelo Estatuto de Roma para atuação da Corte95
.
Após a abertura do inquérito, o Tribunal começou a realizar o processo de identificação e
instalações de um campo apropriados na República Centro-Africana para desenvolver as suas
atividades em busca de melhor estratégia para a situação.
90 Ibidem, p. 8. 91 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-fifth
session. [S.l.: s.n.], 19 ago. 2010. p. 11. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 3 de jun.
2014. 92 A Juíza Sylvia Steiner é brasileira nato. Ela ocupa, desde 2003, o cargo da Juíza do Tribunal Penal
Internacional em Haia, Holanda. Antes de ingressar ao TPI, a Dra. Steiner já exercia a Magistratura no Brasil,
tendo também atuado como Procuradora Federal. Membro fundadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e integrante da Associação de Juízes pela Democracia (AJD), tem diversos trabalhos sobre
Direito Penal e Direitos Humanos publicados no país e no exterior. Disponível em: <http://www.mj.gov.br>.
Acesso em: 3 jun. 2014. 93 Ibidem, p. 11. 94 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-second
session. [S.l.: s.n.], 31 ago. 2007. p. 9. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 3 jun.
2014. 95 Ibidem, p. 9.
40
Em 23 de maio de 2008, Juízo de Instrução III emitiu um mandado de prisão contra
Jean-Pierre Bemba Gombo e solicitou às autoridades belgas provisoriamente sua apreensão. O
mandado continha duas acusações de crimes contra a humanidade, (estupro e tortura) e quatro
acusações de crimes de guerra (estupro, tortura, ultrajes à dignidade pessoal e pilhagem).96
Em 10 de junho de 2008, a Câmara emitiu um novo mandado de prisão, aumentando o
numero de crimes contidos no mandado anterior, tais como, dois crimes de assassinato, um
crime contra a humanidade e mais crimes de guerra.97
Ao emitir os mandados, a Câmara
concluiu que não eram razoáveis os motivos e indícios que levam a crer o Movimento da
Libertação do Congo (MLC) liderado por Jean-Pierre Bemba Gombo havia realizado um
ataque generalizado ou sistemático contra a população civil que envolvia estupro, tortura,
ultrajes à dignidade pessoal e pilhagens, durante o conflito armado de 25 outubro de 2002 a
15 março de 2003 na República Centro-Africana.98
Logo na sequencia, a Câmara adicional
concluiu que “não havia motivos razoáveis para crer que o Sr. Bemba foi responsável por tais
crimes, haja vista que foi investido de fato e de direito a cargo de autoridade superior por
parte dos membros do Movimento da Libertação do Congo para tomar todas as decisões
políticas e militares do grupo.”99
Com aparecimento de mais indícios e mais evidencias, o Sr. Bemba foi detido pelas
autoridades belgas em 24 de maio de 2008, nos termos do o pedido de prisão preventiva.100
Em 10 de junho de 2008, após a emissão de novo mandado de prisão, o Juízo de Instrução III
pediu às autoridades do Reino da Bélgica a sua entrega, o qual foi entregue ao Tribunal Penal
Internacional, e compareceu pela primeira vez perante os juízes que compõem a III Câmara de
Julgamento Preliminar em 3 de julho de 2008.101
Em 13 de dezembro de 2012, a Câmara emitiu uma decisão sobre a suspensão
temporária do processo, na qual suspendeu as audiências para o dia 4 de março 2013, sob
fundamento de conceder o tempo suficiente a acusado preparar melhor a sua defesa.102
96 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-third
session. [S.l.: s.n.], 22 ago. 2008. p. 12. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 7 jun.
2014. 97 Ibidem, p. 12. 98 Ibidem, p. 12. 99 Ibidem, p. 12. 100 Ibidem, p. 12. 101
Ibidem, p. 12-13. 102 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-eight
session. . [S.l.: s.n.], 13 jun. 2013. p. 6. Disponível em: <http://www.icc-
41
A defesa foi inicialmente instruído para completar sua apresentação de provas em até
abril de 2013.103
No entanto, considerando as dificuldades com a apresentação de
testemunhas, tendo comparecido perante a Câmara apenas 25 dos 63 testemunhas, frustrou a
apresentação da defesa. Em 16 de julho de 2013, a Câmara emitiu uma decisão sobre a
cronograma para a conclusão da apresentação da defesa de provas e questões relacionadas a
encerramento do processo, momento pela qual ordenou, durante uma secção, o prazo para a
apresentação das provas de defesa a ser concluído até 25 de outubro de 2013.104
Mais adiante, apareceram outras situações que envolvem praticas de crimes
gravíssimos em outros países da África. No dia 26 de novembro de 2009, a Procuradoria da
Corte solicitou uma autorização à II Câmara de Julgamento Preliminar para abrir uma
investigação sobre a situação no Quênia, tendo em vista que 1220 pessoas haviam sido
mortas, centenas e milhares de estupros, sendo 350 mil pessoas deslocadas à força dos seus
lares e 3.561 ficaram feridas, tudo por ocasião de um ataque generalizado e sistemático contra
a população civil.105
Em razão de tais fatos no dia 31 de março de 2010, a II Câmara de
Julgamento Preliminar autorizou a Procuradoria a iniciar uma investigação sobre os alegados
crimes contra a humanidade cometidos entre 1 de Junho de 2005 e 26 de novembro 2009,
após o período eleitoral no Quênia106
. O objetivo principal foi de finalizar a maior parte da
investigação ao longo do ano 2010. A Corte realizou 27 missões no Quênia, dos quais inclui a
primeira visita do Procurador à Quênia desde o início da investigação em maio de 2010. Na
visita realizada, o Procurador se reuniu com vítimas e pessoas de todos os segmentos da
sociedade queniana, incluindo o Ex-Presidente Kibaki e o Primeiro Ministro Odinga, o qual
reiterou o seu total apoio ao Tribunal Penal Internacional e omitiu de sua responsabilidade
pela segurança dos cidadãos quenianos.107
No dia 8 de março de 2011, a II Câmara de Julgamento emitiu intimações para
comparecimento de alguns ocupantes de cargos políticos no Quênia, dos quais formam: o Sr.
William Samoei Ruto, a época Ministro do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia, à
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 19 jun. 2014. 103 Ibidem, p. 6. 104 Ibidem, p. 6. 105 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-fifth
session. [S.l.: s.n.], 19 ago. 2010. p. 15. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 19 jun.
2014. 106 Ibidem, p. 15. 107 Ibidem, p. 15-16.
42
Henry Kiprono Kosgey, membro do Parlamento queniano e Presidente do Movimento
Democrático Laranja (ODM), e ao Joshua Arap Sang, chefe de operações em Kass FM em
Nairobi, capital de Quênia.108
A motivação das intimações se funda em acusações desses
indivíduos em virtude das acusações sobre seus papéis no cometimento dos crimes contra a
humanidade em conexão com a violência pós-eleitoral ocorridas em 2007 e 2008. Na
sequencia, avaliaremos a situação do Quênia, apresentando mais pormenores das questões
problemáticas e polêmicos.
Estes foram os percursos da Corte em alguns países. Conforme podemos denotar, a
grande parte dos casos que envolvem os cidadãos africanos forma levados ao Tribunal Penal
Internacional por meio das denúncias apresentadas pelos Estados Partes do Estatuto de Roma.
Do mesmo modo, pode-se reparar que a Corte atua com base nos princípios que norteiam toda
a sistemática da processualística penal, haja vista que o sistema do TPI é híbrido o que
significa que a ela pode utilizar de qualquer sistema penal existente, desde que seja
universalmente reconhecida. Esse caráter multifaceada da Corte a permite adotar os
mecanismos e procedimentos mais eficazes e menos onerosos, conforme o caso a ela
submetido.
Após tais avaliações, se concluí que essa característica do Tribunal garante, desde
análises preliminares do caso até às vésperas do encarceramento do condenado, os direitos
garantias fundamentais da pessoa humana.
4.1.1. Caso Kenyatta
Uhuru Muigai Kenyatta “nasceu em 26 de outubro de 1961, eleito quarto presidente
do Quênia, filho do primeiro Presidente do Quênia, Mzee Jomo Kenyatta e de Mama Ngina
Kenyatta. Ele foi eleito quarto presidente do Quênia [...]”109
A sua carreira política se
transformou em dramas a partir do dia 15 de dezembro de 2010, quando o Tribunal Penal
Internacional (TPI) o apontou como suspeito de crimes contra a humanidade durante o caos
pós-eleitoral de 2008.”110
108 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-sixth
session. [S.l.: s.n.], 19 ago. 2011. p. 10-11. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 29 jun.
2014. 109
SOFTKENYA. Uhuru Kenyatta: Biography, Family, Children and Wealth. [S.l.: s.n.], 2012[?]. Disponível
em <http://softkenya.com/uhurukenyatta/>. Acesso em: 29 jun. 2014. 110 Ibidem.
43
Tudo iniciou o dia 8 de março de 2011, quando a Câmara de Julgamento da Corte
Penal Internacional emitiu intimações para comparecerem junto ao Tribunal, os Srs. Francis
Kirimi Muthaura, Chefe de Serviço Público e Secretário do Conselho de Ministros, Uhuru
Kenyatta Muigai, à época Vice Primeiro Ministro e Ministro das Finanças, e Mohammed
Hussein Ali, diretor executivo da Corporação Postal, ambos do Quênia.111
O motivo das
intimações foi no sentido de obter esclarecimentos sobre os seus supostos envolvimento em
crimes contra a humanidade durante um período marcado pela violência que ocorreu após as
eleições presidenciais de 2007 e 2008, conforme havíamos apresentado.
Kenyatta e outros dois suspeitos compareceram voluntariamente no dia 8 de abril de
2011 perante a II Câmara de Julgamento Preliminar. Na ocasião, aprazou a comissão de
audiência para o dia 21 de setembro 2011, momento pela qual a II Câmara de Julgamento
Preliminar irá considerar as acusações de cinco acusações de crimes contra a humanidade
(assassinato, transferência forçada de população, violação, perseguição dentre outros atos
desumanos).112
No dia 31 de março de 2011, o Governo do Quênia apresentou um pedido a
luz do artigo 19 do Estatuto de Roma contra a admissibilidade do caso antes do Tribunal.
Juízo de Instrução II rejeitou o pedido em 30 de maio de 2011, considerando ausentes as
provas contundentes capazes de levar a Corte a crer que exista processos em curso na justiça
queniana em relação aos suspeitos alvos do Tribunal Penal Internacional.113
Irresignados com
a decisão da Corte, o governo queniano entrou com a apelação contra a decisão retro, o qual
focou pendente perante de análise na Câmara de Apelações da Corte.
No dia 30 de agosto de 2011, a Câmara de Recursos, por maioria dos votos de seus
membros, negou provimento ao recurso interposto pelo governo queniano contra a decisão da
II Câmara de Julgamento Preliminar que teve em 30 de Maio 2011 que julgou a
admissibilidade do caso.114
Após um ano a II Câmara de Julgamento Preliminar emitiu a sua
decisão na data de 23 de janeiro de 2012, confirmando as acusações contra Francis Kirimi
Muthaura e Uhuru Muigai Kenyatta nos crimes contra a humanidade, notadamente, o
111 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-sixth session. [S.l.: s.n.], 19 ago. 2011. p. 11. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 30 jun.
2014. 112 Ibidem, p. 11. 113 Ibidem, p. 11. 114 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-seventh
session. [S.l.: s.n.], 14 ago. 2012. p. 10. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 30 jun.
2014.
44
assassinato, transferência forçada de população, estupro, perseguição e outros atos desumanos
cometidos no Quênia, em janeiro de 2008.115
No mesmo intercambio a Câmara rejeitou os
pedidos apresentados pela defesa no sentido retirar, por meio de recurso, decisão que
confirmou as acusações contra o Sr. Muthaura e o Sr. Kenyatta. No mesmo sentido, em 24 de
maio de 2012 a Câmara de Apelações rejeitou o recurso do Sr. Muthaura e o Sr. Kenyatta
contra a decisão da II Câmara de Julgamento Preliminar proferida na data de 23 de janeiro de
2012, confirmando, no seu teor, que o Tribunal tem competência para julgar o caso.116
A V
Câmara de Julgamento Preliminar realizou, em 12 de junho de 2012, uma audiência para
definir a data do julgamento do caso. A Procuradoria da Corte encerrou o procedimento
contra o Sr. Mathaura após a Câmara ter autorizado a fazê-lo em 18 de Março de 2013. Mais
uma vez, a Câmara negou um pedido apresentadas pela defesa no sentido de acolhimento da
nulidade da decisão de confirmação 26 de abril de 2013 e, consequente extinção do feito
contra o Kenyatta.117
Após o Kenyatta assumiu a presidência do país, a Corte vem se deparando com
dificuldades de chegar a um veredito final sobre o caso. Umas das fragilidades do Tribunal
Penal Internacional reside nessa relação de dependência, pois conta com a política de
cooperação com os Estados para melhor realizar o seu trabalho conforme dispõe o próprio
Estatuto de Roma que o rege.118
Antes de ser eleito como Presidente de Republica Quênia em
2013, Kenyatta sempre foi um homem poderoso, fortificando seu poder, tanto pela
multiplicação da herança econômica e política deixado pelo pai, como também por meio dos
seu jogo político para obter a popularidade e aceitação do povo queniano. Tribunal não
conseguiu capturar evidencias concretas capazes de fundamentar a sua condenação, restando
como única opção, adiamento da data de julgamento. “As testemunhas têm estado sob enorme
pressão - quanto mais o tempo passa, maiores serão os riscos e, acrescentou, que várias
testemunhas foram levadas para fora do país para a proteção” disse um advogado que
acompanha o caso ao jornal, The New York Times.119
Kenyatta e mais dois membros do seu
115 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-seventh
session. [S.l.: s.n.], 14 ago. 2012. p. 10. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 1 jul. 2014. 116 Ibidem, p. 10. 117 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-eighth
session. [S.l.: s.n.], 13 ago. 2013. p. 8. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 1 jul.
2014. 118
Ver o preâmbulo do Estatuto de Roma. 119 KULISH, Nicholas; SIMONS, Marlise. Setbacks Rise in Prosecuting the President of Kenya. The New York
Times, New York, 19 jul. 2013. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2013/07/20/world/africa/dwindling-
45
governo, também apontados como suspeitos potenciais, apresentaram, com o apoio da União
Africana, Rússia e China, um projeto de resolução ao Conselho de Segurança das Nações
Unidas, cujo objeto o adiamento do processo instaurado contra eles, segundo a jornal francesa
Le Mond.120
Sete dos quinze membros do Conselho de Segurança da ONU indeferiu o pedido.
O mesmo aconteceu em maio de 2013, quando [...] o governo queniano solicitou o
encerramento dos casos em andamento no Tribunal Penal Internacional contra Kenyatta e
Ruto, durante uma sessão do Conselho de Segurança da ONU, ocorrida em Nova York, sob a
argumentação de que existe uma ordem doméstica para lidar com a situação, ou seja, a pré-
disposição dos tribunais quenianos para julgar tais crimes. Nove dos 15 membros do
Conselho de Segurança das Nações Unidas se manifestaram contra o pedido do governo
queniano e o assunto foi efetivamente dispensado.121
A perplexidade do caso estava cada vez mais notório. A força política do Kenyatta e
seus aliados estão afetando a justiça criminal, pois há interesse político e econômico em jogo
que envolve grandes potencias mundiais. Após a tomada de posse como Presidente de Quênia,
“Kenyatta escolheu como sua primeira turnê oficial, uma visita à Rússia e à China. Dois
países que apoiaram as reivindicações africanas contra o Tribunal Penal Internacional[...]”122
segundo o jornal francês, Le Mond. De um lado, apoio de países reconhecidos pelas suas
grandezas política, econômica e militar, de outro, a União Africana e um número considerável
de países africanos. Tudo isso levou a “Procuradoria da Corte pedir a suspensão,
indeterminada, do processo contra ele, sob a fundamentação na falta de provas suficientes
devido a obstrução provocado pelo governo queniano.”123
Além dos seus bombardeios verbal
contra o Tribunal Penal Internacional e suas façanhas para se livrar de julgamento na Corte, o
Sr. Kenyatta usa o argumento de que ele precisa permanecer no Quênia para combater os
militantes do grupo al-Shabab124
e cuidar dos assuntos do Estado, segundo o jornal inglês,
BBC London.125
Sem duvida alguma, o Sr. Kenyatta utilizou da explosão que ocorreu no
witness-list-threatens-case-against-kenyan-
president.html?pagewanted=all&module=Search&mabReward=relbias%3Aw%2C%7B%222%22%3A%22RI%
3A17%22%7D>. Acesso em: 1 jul. 2014. 120
COLOMA, Tristan. M Iées: Jugeons les despotes africains. Le Monde, Paris, 25 nov. 2013. Disponível em
<http://www.lemonde.fr/idees/article/2013/11/24/jugeons-les-despotes-africains_3519046_3232.html?xtmc=kenyatta_et_cpi&xtcr=3> Acesso em: 3 jul. 2014. 121 PLESSIS, Max Du. Universalising international criminal law The ICC, Africa and the problem of political
perceptions. Institute for Security Studies, South Africa, dez. 2013, p. 249. 122 COLOMA, op. cit. 123 Disponível em <http://www.bbc.com/news/world-africa-29288981>. Acesso em 3 jul. 2014. 124
É um grupo terrorista que desencadeou o ataque em um dos Shoppings de Nairóbi, capital do Quênia,
segundo os jornais internacionais. 125 Disponível em <http://www.bbc.com/news/world-africa-29288981>. Acesso em 3 jul. 2014.
46
shopping Shabab Westgate Nairobi, Quênia, no final de setembro de 2013, para se eximir,
mais uma vez, de responder perante Tribunal. Isso tudo nos leva a crer que ele é um suspeito
primário das referidas acusações. “[...] A presença do presidente ou vice-presidente no
território não é uma garantia de não agressão, intimidação ou, melhor, de tratamento do
problema de terrorismo” diz a Cientista Político queniana, e Ddiretora da Comissão de
Direitos Humanos do Quênia, Lynne Muthoni Wanyeki, em uma entrevista ao jornal francês,
Le Monde. Até a presente data, o caso está pendente de julgamento por um prazo
indeterminado em razão das dificuldade que o TPI tem encontrado em face à falta de
cooperação por parte do governo Queniano, sob o próprio comando do suspeito.
4.1.2. Caso Lubanga
Apesar de todas as tentativas, a primeira acusação formal feita pela Corte foi contra
um caudilho Africano do Tribunal chamado Thomas Lubanga. Lubanga, ex-líder da União
dos Patriotas Congoleses, atualmente detido em Haia126
[...]. Segundo o relatório oficial anual
das atividade da Corte, a situação na República Democrática do Congo foi encaminhado para
o Tribunal por meio de Estado Parte no Estatuto de Roma, em 19 de Abril de 2004, o
Procurador abriu uma investigação sobre a situação em 23 de Junho de 2004.127
Tudo
começou quando a I Câmara de Julgamento Preliminar, responsável por julgar a
admissibilidade da situação na República Democrática do Congo, emitiu um mandado de
prisão em 10 Fevereiro 2006, cumprido em 17 de março de 2006 contra Thomas Lubanga
Dyilo, à época, considerado fundador e líder da União dos Patriotas Congoleses (UPC).128
Foi
acusado de ter envolvimento na prática de crimes de guerra, ou seja, alistado e recrutado
crianças com menos de 15 anos de idade com o objetivo de usá-los para participar ativamente
em hostilidades. A audiência de confirmação das acusações foi realizada de 09 a 28 novembro
2006. Durante a audiência, a acusação chamou uma testemunha oficial, a Organização das
126 PILLAY, Navi. The rise of the International Criminal Court, complementarity and domestic prosecution of
international crimes. Report from a symposium on The investigation and prosecution of ‘core international
crimes’ and the role of the International Criminal Court in Africa. Institute for Security Studies, Pretoria, South
Africa, 2007, jan. 2007, p. 1-117. Disponível em: <http://www.africaportal.org/dspace/articles/african-union-and-international-criminal-court-embattled-relationship>. Acesso em: 9 jul. 2014. 127 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-second
session. [S.l.: s.n.], 31 ago. 2007. p. 5. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 9 jul.
2014. 128 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-first
session. [S.l.: s.n.], 3 ago. 2006. p. 5. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 9 jul.
2014.
47
Nações Unidas que, com base no disposto no artigo 16 do Acordo de Relacionamento, o
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas designou um representante para assistir a
testemunha na audiência.129
Além da acusação e da defesa, quatro vítimas participaram
através dos seus representantes legais.130
Em 29 de janeiro de 2007, a I Câmara de Julgamento Preliminar confirmou as
acusações de crimes de guerra contra Thomas Lubanga Dyilo. Após a confirmação, tanto a
acusação quanto a defesa pediram, separadamente, à I Câmara de Julgamento Preliminar para
apelar sobre os aspectos da confirmação da decisão de acusações. Estes pedidos foram
deferido simultaneamente pela Câmara em 24 de maio de 2007.131
A defesa, adicionalmente,
interpôs o recurso de apelação diretamente para a Câmara de Apelações, com base no artigo
82.1 (b) do Estatuto de Roma, que dispõe sobre a possibilidade de interpor recurso contra a
decisão que defere ou indefere o prosseguimento do objeto do inquérito ou procedimento em
relação ao suspeito. A apelação foi indeferida pela Câmara de Apelação em 13 de junho de
2007.132
Quatro vítimas participaram dos procedimentos em relação ao processo contra
Thomas Lubanga.
Em 13 de junho de 2008, a I Câmara de Julgamento Preliminar emitiu uma nota de
suspensão do processo, ao verificar que o julgamento justo não era possível no momento
devido à falha no manuseio das evidencias consideradas sigilosas por parte da acusação.133
Tais evidências tinham sido obtidas pela Procuradoria em condições de confidencialidade de
várias fontes, incluindo, as da Organização das Nações Unidas, nos termos do artigo 54.3 (e)
do Estatuto de Roma.134
Com a suspensão do processo, a Câmara ordenou a liberação
incondicional de Thomas Lubanga, decisão essa, sujeita a um recurso de apelação. Em 2 de
julho do mesmo ano, Câmara concedeu a licença à acusação apelar da decisão. No mesmo
dia, a Procuradoria recorreu da decisão que liberou Thomas Lubanga.135
Em 7 de julho de
2008, a Câmara de Apelações suspendeu o efeito da decisão sobre a sua liberação enquanto
129 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-second
session. [S.l.: s.n.], 31 ago. 2007. p. 5. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 14 jul.
2014. 130 Ibidem, p. 5-6. 131 Ibidem, p. 6. 132 Ibidem, p. 6. 133 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-third
session. [S.l.: s.n.], 22 ago. 2008. p. 6. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 16 jul.
2014. 134 Ibidem, p. 6. 135 Ibidem, p. 6.
48
analisava o recurso interposto pela a acusação. Nesse período, o Sr. Thomas Lubanga
permaneceu sob a custódia. O Gabinete da Procuradoria da Corte solicitou à I Câmara de
Julgamento retornar o curso do processo suspenso em 11 de julho de 2008. A Câmara de
Apelação emitiu no dia 11 de julho de 2008, duas decisões abordando questões relacionadas
com a participação da vítima no processo e a divulgação de provas pela defesa e pela
acusação.136
No dia 18 de novembro de 2008, a Câmara concluiu que a acusação tinha cumprido
as suas obrigações, o qual determinou o prosseguimento do julgamento. Em seguida a
Procuradoria do Tribunal Penal Internacional apresentou a sua prova entre 26 de janeiro a 14
de julho de 2009, propondo 119 elementos de prova.137
Trinta testemunhas prestaram
depoimento perante o Tribunal, dos quais 28 (vinte e oito) foram chamados pela acusação e
duas pela própria Câmara da Corte. A questão da proteção de testemunhas era um grande
problema, antes e durante o julgamento.138
Entre as testemunhas, 19 foram incluídos no
Programa de Proteção Tribunal Penal Internacional, incluindo, oito testemunhas vulneráveis
que testemunharam com a medida de proteção no Tribunal como, por exemplo, o uso de
pseudônimos, voz e a distorção da face e das sessões parcialmente fechados).139
Também foi
adotada outras medidas especiais como, por exemplo, triagem, permitido-os depor em
narrativa livre, apoio psicossocial do tribunal e pausas frequentes. Quatro testemunhas deu
pleno testemunho publicamente, enquanto algumas testemunhas foram protegidos do público
como medida de proteção. O advogado de defesa do acusado presenciou o depoimento de
todas as testemunhas na Corte e tiveram acesso as suas identidades durante o depoimento.140
A Corte determinou que a defesa iniciasse a apresentação de suas provas em outubro de 2009.
Cumpre aferir que 103 vítimas participaram dos procedimentos, por meio de seus
representantes legais, no caso Lubanga.
No período entre 7 de janeiro de 2010 a julho de 2010, a defesa começou a
apresentação de suas provas, apresentando 133 elementos de prova, o qual chamou 19
136 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-third
session. [S.l.: s.n.], 22 ago. 2008. p. 6. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 23 jul 2014. 137 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-fourth
session. [S.l.: s.n.], 17 set. 2009. p. 6. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 23 jul.
2014. 138
Ibidem, p. 6. 139 Ibidem, p. 6. 140 Ibidem, p. 6.
49
testemunhas a deporem a luz de 68 elementos de prova.141
Em 8 de julho de 2010, a I Câmara
de Julgamento Preliminar pediu a suspensão do processo, apresentando como fundamento a
consequência matéria por um descumprimento das ordens da Câmara. O recurso dessa decisão
interposto pela acusação ficou pendente.142
No dia 15 de julho de 2010, a I Câmara de
Julgamento Preliminar pediu a liberação irrestrita e incondicional de Thomas Lubanga Dyilo
que estava sob a custódia desde o dia 7 de julho de 2008. A referida decisão ficou sujeita à
recurso de apelação, bem como a um pedido com efeito suspensivo junto a Câmara de
Apelações. A Câmara de Apelações concedeu efeito suspensivo ao recurso no dia 23 de julho
de 2010 e a Procuradoria da Corte recorreu da decisão que determinou a liberação de Sr.
Lubanga.143
Em 8 de outubro de 2010, a Câmara de Apelações reverteu as decisões do
julgamento da I Câmara de Julgamento Preliminar que determinou a suspensão do processo e,
consequentemente, a liberação do acusado.144
A Câmara de Apelações reverteu a referida
decisão proferida pela I Câmara de Julgamento Preliminar, sob a fundamentação de que a
mesma deveria ter interposto, em primeiro lugar, as sanções previstas no artigo 71 do Estatuto
de Roma para favorecer a execução, antes determinar a referida suspensão.
O julgamento recomeçou em 21 de março de 2011. A I Câmara de Julgamento
Preliminar ordenou o encerramento da fase de produção de provas. Em seguida, a acusação e
a defesa concluíram o fechamento das pendências entre 1º de junho a 15 de julho de 2011,
respectivamente.145
Na mesma ocasião, determinou que as partes e as participantes concluam
o fechamento das declarações orais em audiências públicas nos dias 25 e 26 de agosto de
2011.146
Ambas as determinações foram conclusas dentro dos prazos determinados.
Em 14 de março de 2012, a I Câmara de Instrução e Julgamento leu um resumo do
acórdão, destacando que o Sr. Thomas Lubanga Dyilo, como o Presidente e Comandante
Chefe da União dos Patriotas congolês, é criminalmente responsável, e coautor dos crimes de
141 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-fifth
session. [S.l.: s.n.], 19 ago. 2010. p. 9. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 25 jul. 2014. 142 Ibidem, p. 9. 143 Ibidem, p. 9. 144 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-sixth
session. [S.l.: s.n.], 14 ago. 2011. p. 7. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 31 jul.
2014. 145 Ibidem, p. 7. 146 Ibidem, p. 7.
50
alistamento ou recrutamento forçoso de crianças com menos de 15 anos de idade e suas
incitações para participarem ativamente nas hostilidades no contexto de um conflito armado
regional ocorrido em Ituri, uma província do Congo, entre setembro de 2002 a agosto de
2003.147
As apresentações das partes e representantes legais das vítimas na sentença,
determinada pela Câmara na data da confirmação da acusação, foram protocolados entre 18
de abril a 28 de maio de 2012. Duas testemunhas convocadas pela defesa foram ouvidas pela
Câmara em uma audiência realizada no dia 13 de junho de 2012. As partes, os representantes
legais das vítimas apresentaram propostas sobre indenizações entre 18 de Abril e 25 de maio
de 2012.148
Em 10 de julho de 2012, a I Câmara de Julgamento de Preliminar condenou o Sr.
Thomas Lubanga Dyilo a pena de 14 anos de prisão. Um número de 114 vítimas foram
autorizadas a participarem do caso.149
A grande parte do continente africano utiliza da tese de que o Tribunal Penal
Internacional é mais um instrumento de manuseio ocidental, que atua de forma parcial contra
o cidadão africano. Fundamentação essa, sem qualquer embasamento cientifica ou empírica,
até o presente momento. Pois, vimos claramente que a primeira condenação oficial proferida
pelo tribunal foi contra o Thomas Lubanga Dyilo, apesar de inúmeros casos que envolvem
cidadãos africanos levados à Corte. Com isso, subtende que a Corte funciona de forma
regrada em observância, não só ao Estatuto de Roma, mas também em estrito respeito às
normas de Direito Internacional como um todo. A sua preocupação não reside apenas em
punir, pois a maior prova disso é no tempo que dura um processo na Corte Penal
Internacional. Vimos de forma contundente que a todos os casos levados à Corte são
averiguadas rigorosamente a sua admissibilidade antes de qualquer deliberação. Ademais,
Corte busca, acima de tudo, julgamento justo e transparente do acusado, adiando o seu
julgamento quando verificar que as circunstancias do caso não garantam o cumprimento do
propósito da justiça criminal internacional, conforme vimos em algumas situações nos casos
infra-analisados.
147 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-seventh
session. [S.l.: s.n.], 14 ago. 2012. p. 7. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 3 ago.
2014. 148 Ibidem, p. 7. 149 Ibidem, p. 7.
51
Há aqueles que alegam que os alguns indivíduos não foram para o banco de réu em
face dos interesses políticos. Acusam a CPI de ser uma corte injusta, sob a tese de que ela
apenas julga os vencidos. Nesse sentido, a ONU elaborou um relatório que versa sobre as
barbáries desencadeadas contra os direitos humanos na República Democrática do Congo
entre 1993 e ano 2003. O mesmo indica que estes crimes foram cometidos pelos exércitos
legítimos e pelas milícias. Asseveram que somente os membros dos rebeldes foram levados
ao Tribunal, omitindo de levar outros responsáveis que assumiram os cargos no poder, e que
embora não isentos de suas responsabilidades penais, continuam livres sem quaisquer
preocupações.150
Essa situação foi utilizada pelos opositores do TPI, afirmando que este
apenas julga os casos a mercê dos vencedores ou os detentores do poder.
4.1.3. Caso Al-Bashir
O caso mais polemico que a corte já teve é o caso que envolve as acusações contra o
Presidente do Sudão Omar Hassan Ahmad Al-Bashir. Após um período considerável de
investigações da Corte e suas missões nas regiões da África oriental, especificamente, Sudão e
Chade, a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional apresentou em 13 de julho de 2008,
um pedido de um mandado de prisão contra o presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al-
Bashir.151
No mandado, o Procurador do caso na época, Luis Moreno Ocampo, alegou que o
Sr. Al-Bashir é o responsável por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra
ocorridas na região. Essa acusação feita pelo Procurador levou a vários Estados africanos a se
posicionarem contra o TPI. Veremos melhor essa questão no subitem subsequente.
No início da abertura do inquérito 22 vítimas pediram para participar em processos
em relação à situação como um todo, dos quais 11 foram autorizados pela I Câmara de
Julgamento Preliminar para participarem do curso processual.152
Cumpre destacar que o caso
Al-Bashir, também, foi iniciado pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas com base na Resolução nº 1593 de 2005.153
Esta resolução rege a forma e
procedimento investigatório a ser feito pela Procuradoria da Corte, a comunicação entre a
150 MAIA, Catherini; HAMA Kadidiatou. O tribunal penal internacional visto desde a áfrica: órgão jurisdicional
ou órgão político?*. Revista Faculdade de Direito, Lisboa. v. 3, n. 3. Disponível em:
<http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/4321>. Acesso em: 11 ago. 2014. 151 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY. Report of the International Criminal Court: Sixty-third
session. [S.l.: s.n.], 22 ago. 2008. p. 10. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/reports%20on%20activities/Pages/reports%20on%20activities.aspx>. Acesso em: 11 ago.
2014. 152 Ibidem, p. 11. 153 Ibidem, p. 11.
52
Corte e o CS da ONU e outras providências. O próprio Estatuto de Roma permite a
intervenção do Conselho de Segurança da ONU em casos da natureza de alguns crimes
cometidos em conflito militar, ou seja, nos termos do Capítulo IV da Carta da ONU.154
Na data de 4 de março de 2009, a I Câmara de Julgamento Preliminar composto por
juízes, Akua Kuenyehia, Sylvia Steiner e Anita Ušacka, emitiu um mandado de prisão contra
o Sr. Omar Hassan Ahmad Al-Bashir, em relação à crimes praticados em Darfur.155
Na
sequencia, a Câmara determinou que não haviam motivos suficientes que atestam que ele
havia cometidos tais delitos de competência e jurisdição do Tribunal, quais foram, cinco
acusações de crimes contra a humanidade (assassinato, extermínio, transferência forçada de
populações, tortura e estupro) e dois acusações de crimes de guerra (ataque aos civis e
pilhagens).156
E logo em seguida, a Câmara afirmou que não havia provas suficientes para
sustentar as acusações de crime de genocídio. Quanto aos demais crimes confirmados, a
Câmara determinou que o status de Sr. Al-Bashir como Chefe de um Estado que não é parte
do Estatuto de Roma não gera qualquer impedimento da atuação do Tribunal Penal
Internacional no caso, ou seja, o exercício de sua jurisdição. Em 10 de março de 2009, a
Procuradoria do Tribunal pediu para apelar em relação as acusações de crime de genocídio.157
No dia 24 de junho de 2009, a I Câmara de Julgamento Preliminar concedeu a autorização de
recurso para permitir ao interessado questionar o critério jurídico aplicado pela Câmara em
relação a um suposto erro no ato de avaliação dos níveis de prova exigido para a emissão de
um mandado de prisão. Mais uma vez o Tribunal Penal Internacional demonstra ser um órgão
transparente.158
A Procuradoria da Corte apresentou em 6 de julho do mesmo ano, o seu recurso de
apelação junto à Câmara de Apelação em relação ao procedimento adotado pela I Câmara de
Julgamento Preliminar para emissão de mandado de prisão.159
Em 3 de fevereiro de 2010, a Câmara de Apelações decidiu que a I Câmara de
Julgamento Preliminar tinha aplicado um padrão errôneo da prova ao decidir não emitir um
mandado de captura em relação ao crime de genocídio. Em razão disso, o Colegiado
determinou que a I Câmara de Julgamento Preliminar profira uma nova decisão, usando o
154 Ver o artigo 16 do Estatuto de Roma. 155 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY, op. cit., p. 8 156 Ibidem, p. 8. 157
Ibidem, p. 8. 158 Ibidem, p. 8. 159 Ibidem, p. 8.
53
correto nível de prova para possibilitar a emissão de um mandado de prisão em relação a
crime de genocídio.160
Na instrução da Câmara, o secretário transmitiu os pedidos de cooperação para a
detenção e entrega do Sr. Al-Bashir, a Sudão e, à todos os Estados Partes no Estatuto de
Roma, como também para todos os membros do Conselho de Segurança da Nações Unidas,
inclusive, aos Estados que não são parte no Estatuto de Roma.161
Ao emitir esta decisão, a
Câmara concluiu que, de acordo com a Resolução nº 1593 de 2005 do Conselho de
Segurança, em conexão com o disposto no artigo 25 da Carta das Nações Unidas,162
o Sudão
tem a obrigação de cooperar com o Tribunal, inclusive cumprir o manda busca e apreensão do
Sr. Al-Bashir.163
A Câmara também designou ao secretário a atribuição de preparar e
transmitir os pedidos de cooperação a outros Estados como medida necessária para garantir a
apreensão do Sr. Al-Bashir. Mas, na fase preliminar da investigação, o governo sudanês
ameaçou o Procurador: ‘se você enviar uma equipe de investigação, deve ir preparando uma
segunda, porque a primeira não sobreviverá.’ Dessa forma, resta inquestionável a necessidade
de requisição de forças locais ou multinacionais da ONU para garantir a instalação e
segurança.164
Em 12 de julho de 2010, a I Câmara de Julgamento Preliminar, desta vez, composto
por juiz Sylvia Steiner (Presidente), a juíza Sanji Mmasenono Monageng e Juiz Cuno
Tarfusser, emitiu um segundo mandado de prisão em relação a três acusações de crime de
genocídio. Determinou que último mandado de prisão não substitui ou revoga o anterior
emitido em 4 de março 2009, que também permanece em vigor.165
Reiterou o mesmo
procedimento efetuado na emissão do primeiro mandado de prisão, notificando as autoridades
do Sudão, à todos os Estados partes no Estatuto de Roma e à todos os membros do Conselho
de Segurança da ONU que não são partes no Estatuto de Roma. Até o momento, o Sr. Al-
Bashir continua foragido. Um total de 12 vítimas foram admitidas para participarem no
processo, por meio de seus representantes legais nomeados ao caso.166
160 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY, op. cit., p. 10-11. 161 Ibidem, p. 13. 162 O Capítulo V, artigo 25 da Carta da ONU dispõe: Os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e
executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta (trad.). Disponível em
<http://www.un.org/en/documents/charter/chapter5.shtml>. Acesso em: 22 ago. 2014. 163 Ibidem, p 13. 164 AMBOS, Kai. Julgamento de crimes internacionais em âmbito nacional e internacional: entre justiça e
realpolitik. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.1, n.1, jan./jun.2005. 165 UNITED NATION GENERAL ASSEMBLY, op. cit., p. 12. 166 Idem, p. 12.
54
A I Câmara de Julgamento Preliminar emitiu, no dia 27 de agosto de 2010, duas
decisões informando o Conselho de Segurança e Assembleia dos Estados Partes no Estatuto
de Roma da visita do Sr. Al-Bashir ao Quênia e Chade. No ofício emitido, a Câmara solicitou
que os dois países africanos tomassem qualquer providências cabíveis em relação a captura do
foragido. Em 12 de maio de 2011, a I Câmara de Julgamento preliminar emitiu uma decisão
semelhante no que diz respeito à visita do Sr. Al Bashir à Djibouti. Nas decisões acima
mencionadas, a I Câmara de Julgamento Preliminar observou que os Estados destinatários dos
respectivos pedidos, têm a obrigação de cooperar com o Tribunal Penal Internacional, tanto
com base na Resolução 1593 de 2015 do Conselho de Segurança da ONU, quanto ao que
dispões o artigo 87 do Estatuto de Roma, para o qual o Chade, Djibuti e Quênia são partes.
Até o presente momento o Sr. Al-Bashir está foragido.167
Nenhum dos Estados acima cumpriu
a decisão da Corte,168
violando, consequentemente, as normas internacionais jus cogins, cuja
natureza obriga, independente da vontade dos destinatários, a observância dos preceitos,
valores e princípios reconhecidos pelo Direito Internacional. “Provavelmente a expressão
mais evidente da dependência do TPI, em particular, e de Tribunais Penais Internacionais, em
geral da ‘Realpolitik’, encontra-se na área de cooperação ou não cooperação dos Estados com
esses Tribunais.”169
167
NATION GENERAL ASSEMBLY, op. cit., p. 9. 2011. 168 “Dessa forma, entende-se que a nível internacional, caso o Presidente do Sudão ingresse em território brasileiro, o Brasil não será seu Estado patrial, nem será o Estado que por competência penal desejará chamar
para si o processo de acusação e punição dos crimes previstos no Estatuto de Roma. Por isso, o Estado brasileiro
deverá analisar a questão com imparcialidade e com respeito ao artigo 7º do Ato das Disposições Transitórias e
às normas estabelecidas no Estatuto, cumprindo o dever geral de cooperação internacional em matéria penal, e
conseqüentemente, efetuando a entrega do acusado ao TPI.” (SIMÕES, Natália Mascarenhas. Responsabilidade
internacional penal: A imunidade do chefe de estado diante do pedido de entrega ao tribunal penal internacional.
[S.l.: s.n.], 2009 [?].) Disponível em: <http://www.fabsoft.cesupa.br/saber/artigos/edicao4/7_Natalia.pdf>.
Acesso em: 27 ago. 2014. 169 AMBOS, op. cit., p. 15.
55
5 A CONTESTAÇÃO DA UNIÃO AFRICANA
Antes de mais, cumpre explanar, em breves palavras, sobre a União Africana para
melhor compreendermos o subitem em análise.
Inicialmente a União Africana era denominado de “Organização da Unidade
Africana (OUA) criada em 1963 por um acordo de 32 Estados africanos que haviam
proclamado a independência naquele momento170
.” Com o passar de tempo, os seus membros
sentiram a necessidade de transformar a OUA em razão de novos desafios, novas perspectivas
e a própria necessidade de acompanhar a transformação continental. Daí, os Estados africanos
decidiram criar uma organização maior com o propósito de acelerar processo de integração
em África, apoiar a capacitação dos Estados africanos na economia mundial e resolver os
problemas sociais, econômicos e políticos multifacetadas que o continente enfrenta. Desta
feita, surgiu a União Africana substituindo a OUA entre ano 2000 a 2002, este na Cimeira em
Durban, África do Sul. “Outros 21 Estados aderiram gradualmente até atingirem o número
total de 53 no momento da criação da União Africana, em 2002. No ano de 2011, o Sudão do
Sul se tornou membro da União Africano (UA),171
após a divisão do Sudão em 2011,
alcançando o número de 54 Estados membros da União Africana.
A relação política e jurídica entre a Corte Penal Internacional e a União Africana não
tem sido boa. Desde a promulgação do TPI em 2002, a União Africana nunca expressou
qualquer interesse em apoiar o Tribunal e nem de contrariá-lo, apenas permaneceu neutro até
em 2008, quando o presidente do Sudão, Omar Al-Bashir foi indiciado pelo Tribunal. Na
sequência, a “União Africana, que é representante de praticamente todos os países do
continente, adotou uma postura hostil em relação ao TPI, o qual apelou para seus os seus
Estados membros implementem uma política de não cooperação com o Tribunal Penal
Internacional [...]172
” (tradução nosso). Segundo o Ford, “o TPI foi acusado pelos chefes de
Estados africanos, pela União Africana (UA) e pelos comentaristas individuais, de ser uma
instituição imperialista ocidental que atinge desproporcionalmente a África173
[...]”. “Estas
170 AFRICAN UNION HANDBOOK. A guide for those working with and within the african union. Addis
Ababa, Ethiopia: [s.n.], 2014. Disponível em:
<http://summits.au.int/en/sites/default/files/MFA%20AU%20Handbook%20-
20Text%20v10b%20interactive.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2014. 171 Ibidem. 172 MURITHI, op. cit., p. 2. 173
FORD, Jaylon. Bringing fairness to international justice : A handbook on the International Criminal Court for
defence lawyers in Africa. Institute for Security Studies, Pretoria, South Africa, 2009, p. 1-81. Disponível em:
< http://www.africaportal.or>. Acesso em: 29 ago. 2014.
56
acusações têm congregado o protesto de vários Estados de África, mais ou menos unidos
numa posição comum, que se tem manifestado essencialmente através da União Africana174
.”
A União Africana apresentou como fundamento principal de sua contestação, a manutenção
da paz no Sudão, como prioridade. Nesse impasse, surgiu duas correntes que apresentam teses
opostos uma da outra. De um lado, temos os defensores da soberania absoluto do Estado, e de
outro, os defensores dos direitos humanos, defensores do Tribunal Penal Internacional e as
próprias vítimas das atrocidades. Em suma, a primeira corrente defende que, primeiro, deve
haver a paz para, depois, ter a justiça, ao passo que a segunda defende o contrário. Assim, os
defensores da soberania do Estado absoluto argumentam que não é somente a Corte Penal
Internacional que violou a norma de Direito Internacional ao emitir um mandado de prisão
contra um presidente em exercício (Al-Bashir), mas também o próprio Conselho de Segurança
por ter determinado que o Tribunal abrisse uma investigação para averiguar a situação na
região de Darfur, Sudão, sabendo que o Sudão não é Estado parte do Estatuto de Roma que
rege a CPI. Ao fazê-lo, o Conselho de Segurança estava aplicando duplamente as normas,
haja vista que os EUA e o Reino Unido devem ser investigados, também, por crimes contra a
humanidade e crimes de guerra no Iraque e no Afeganistão. Além disso, o Conselho de
Segurança tem violado a norma do Direito internacional, ao tratar de forma desigual os
Estados que não ratificaram o Estatuto, o que deveria ser obrigatória para todos.175
Na verdade, a grande parte da África foi e ainda está crente que o Tribunal Penal
Internacional é nada mais que uma conspiração contra o povo africano e influenciado pelo
ocidente para satisfazer interesses destes. Esse entendimento se tornou comum no continente
africano, gerando revolta e desconfiança sobre veracidade de todos os esforços e trabalhos
que o Tribunal Penal Internacional está realizando desde sua entra em vigor no ano de 2002.
É inegável que a África é um continente em crescimento, tendo piores índices de
Desenvolvimento Humano do mundo. Dentre os setores mais precária do continente estão a
educação, a comunicação e a saúde, elementos básicos e fundamentais para a mudança de
mentalidade e desenvolvimento de qualquer povo. “A prática odiosa de execuções sumarias
extra-judiciais, perpetrados em diferentes partes do continente africano, levou a Comissão
Africana, em abril de 1994, a designar o problema um de seus membros como rapporteur
174 KOWALSKI, Mateus. O tribunal penal internacional reflexões para um teste de resistência aos seus
fundamentos. Janus.net e-journal of International Relations, Lisboa, v. 2, n. 2, out. 2011. Disponível em:
<http://observare.ual.pt/janus.net>. Acesso em: 4 set. 2014. 175
DENG, Biong Kuol. The ICC and Culture of Impunity in Africa: ICC Warrant of Arrest against President
Bashir of the Sudan - Policy Brief. Africa Institute of South Africa, n. 27, jun. 2010, p. 27. Disponível em
<http://www.africaportal.org>. Acesso em: 4 set. 2014.
57
especial para examinar o problema[...].”176
Ainda prevalece a cultura de força, mesmo após
50 anos da libertação colonial, pois “[...] as conquistas por meio de golpes de Estado
continuam a legitimar governos[...].”177
Destarte, os veículos imprescindíveis para formação
de uma opinião empírica ou científica estão aniquilados, restando apenas as ideologias
implantadas por aqueles que, de certa forma, detém poder político e econômico e,
consequentemente, militar, com o fim de perpetuar as suas forças a custa da grande parte da
população que vive à margem.
A posição adotada pela União Africana em relação ao mandado de prisão contra Al-
Bashir, além de demonstrar uma imaturidade política e jurídica, expressa uma tentativa de
demonstração de autocontrole dos assuntos domésticos do continente africano. Ou seja,
autodependência e capacidade de mencionar as soluções mais favoráveis para resolver os
problemas do continente africano. A sua fundamentação está ligado à ideia da soberania
absoluta do Estado, ou seja, elenca o princípio de não intervenção em assuntos domésticos,
haja vista que o Sudão não ratificou o Estatuto de Roma.
Segundo o Tim Murithi, Chefe de Programa de Justiça e Reconciliação da África, a
União Africana apelou para que seja cessada as sequencia da acusação feita pelo TPI contra
Al-Bashir sob a argumentação de que havia uma situação delicada em Darfur o qual a
manutenção da paz era prioridade. Esse argumento não se apresenta convincente. Tudo indica
que há razões políticas atrás de tal pedido, considerando que a acusação e a prisão de um
chefe de Estado na África, poderia abrir um precedente para um número considerável de
outros líderes do continente, o qual serviria de exemplo de que estariam sujeitos a jurisdição
criminal do TPI por suas próprias ações. Portanto, a argumentação da União Africana de que
o Sudão se depara com a situação crítico no processo de manutenção da paz em Darfur, e
tendo o Al Bashir como principal interlocutor entre a milícia armada e os partidos políticos,
não subsiste.178
A própria União Africana é composta pelos Estados chefiados por alguns
indivíduos objetos da investigação pela CPI, o que torna contundente as ponderações
apresentados a respeito dessa questão pelo autor acima citado.
Além de tudo isso, percebe-se que esses ataques perpetrados pela União Africana e
seus Estados membros contra o Tribunal Penal Internacional, não coadunam com o disposto
176 TRINDADE, Antônio Agosto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. 3.
Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 2003. p. 1-663. 177 Ibidem. 178 MURITHI, op. cit., p. 6.
58
no Ato Constitutivo que o rege. Pois o artigo 3º do seu Ato Constitutivo dispõe sobre a
importância de ‘incentivar a cooperação internacional, tendo em conta a Carta das Nações
Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos[...].179
’ O mesmo documento jurídico,
ainda, “[...] prevê exceções, notadamente, em seu artigo 4 (h) que dispõe que “a União tem
direito de intervir em num Estado membro, nos termos de uma decisão da Assembleia em
casso e circunstâncias graves, como a guerra, crimes de genocídio e crimes contra a
humanidade.”180
Da mesma forma o Estatuto de Roma e a Carta da ONU atribui ao Conselho
de Segurança a legitimidade de tomar medidas cabíveis em casos de estrema violações de
direitos humanos em conflitos armados. Nesse sentido, “[...] alguns observadores regionais
afirmaram que a decisão de não cooperar com o TPI vai ao encontro com aos avanços para
combater a impunidade e mostra uma falta de compromisso com o sofrimento das vítimas de
violência.”181
Até porque seria vergonhoso e moralmente repugnante, se a comunidade
internacional permanece inoperante em face de crimes contra a humanidade e crimes de
guerra perpetrados contra a população de Darfur. A União Africana e a Força Híbrida da
ONU deveriam cumprir com as suas funções de entrarem no território sudanês para proteger
as populações civis em Darfur, apesar das objeções impostas pelo governo do Sudão, que
continuou a rejeitar a participação e esforços de alguns países nesse sentido. Assim, a melhor
abordagem não é priorizar paz na região de Darfur, porque não há essa possibilidade na
região.182
“A democracia e a justiça transnacional183
são pré-requisitos para atrair comércio e
investimentos, a manutenção da paz e segurança duradouras.”184
Partindo por esse
179 KAHN, Naefa. Constitutionalism and the Juridical Governance Implications of a Continental Order. Centre
for Policy Studies, Johannesburg, South Africa, v. 20, n. 14, 2007, p. 1-17. Disponível em:
<http://www.africaportal.org>. Acesso em: 8 set. 2014. 180 KAHN, Naefa. Fighting impunity: the international criminal court and the african union - CPS Research
Associate. Policy Brief 62, Johannesburg, South Africa, set. 2009. Disponível em:
<http://www.africaportal.org>. Acesso em: 8 set. 2014. 181
Ibidem, p. 9. 182 DENG, op. cit. p. 6. 183 Tanto a Justiça de Transição como a Justiça de Transnacional, ambos, são utilizadas como ferramentas para o
fortalecimento das instituições com base nos preceitos democráticos reconhecidos a nível global. A Justiça de
Transição é um termo usado pelo Direito Internacional Contemporâneo dentro do contexto do Direito Internacional Humanitário que significa medidas emergências de justiça que devem ser tomadas pelos Estados e
autoridades competentes para garantir a punibilidade daqueles que cometeram crimes contra a ordem
internacional. O termo “transição” refere a ideia de que deve ser implementado tais medidas nos períodos entre o
pós conflito até a manutenção da paz definitiva e, consequente, restauração das instituições judiciárias para sua
concretização. Cumpre esposar que o TPI adota medidas e políticas de incentivo à Assembleia dos Estados
partes no Estatuto de Roma em implementarem a Justiça de Transição. 184
Diz o Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Hussein Obama, em um discurso feito na Cidade do
Cabo, África de Sul. Disponível em: <http://www.lemonde.fr/idees/article/2013/11/24/jugeons-les-despotes-
africains_3519046_3232.html?xtmc=kenyatta_et_cpi&xtcr=3>. Acesso em: 8 set. 2014.
59
pressuposto, podemos concluir que não se pode alcançar a paz e outros valores fundamentais
em uma sociedade sem previamente efetivar a sistemática de efetivação da justiça,
respeitando o princípio da imparcialidade, da isonomia, da dignidade da pessoa humana,
dentre outros consagrados pelos costumes e normas reconhecidas pelo Direito Internacional.
Para que esse objetivo fosse alcançado, a cooperação internacional “[...] deveria prevalecer a
favor da defesa de valores superiores, como a justiça, o respeito das normas internacionais, a
promoção do bem-estar da população do planeta e a defesa dos direitos fundamentais do
homem.”185
5.1. A ANÁLISE DO SISTEMA INTERNO
“A principal diferença entre o poder punitivo internacional e os poderes punitivos
nacionais é dada por uma maior dose de abstracionismo que ainda se mantém no primeiro
quando comparado com os últimos.”186
Contudo, nesse caso específico da nossa análise, há
dados suficientes que indicam o contrário, ou seja, a fragilidade de fragmentos internos na
repressão dos crimes de maior envergadura.
A África tem suportado crises seculares desde sua essência até os dias atuais, e ainda
“[...] sofre com altos índices de criminalidade, entre as mais altas no mundo. [...] muitos dos
fatores sociais associados à pobreza em África são precisamente aqueles associados com as
áreas de alta criminalidade internacional.”187
a fonte desse mesmo relato aponta que o ponto
da maior atenção internacional na áfrica tem sido a necessidade de redução da pobreza.
relativamente, pouco tem esforços tem sido evidenciado para avaliar o nível que do
sofrimento do continente pelos crimes. Constatou-se, outros sim, que a maioria dos governos
africanos ainda não iniciaram a participar da partilha internacional das estatísticas oficiais de
criminalidade, principalmente em razão da incapacidade institucional para realizá-lo.
Ademais, poucas pesquisas têm sido feitas sobre o crime na áfrica, pois os dados existentes,
no entanto, parecem nos comprovar que a afirmação de que muitos países da África está
enfrentando um problema muito sério com a criminalidade.188
185 BICHARA, op. cit. p. 10. 186 ZILLI, Marcos. Introdução: quem tem medo do direito penal internacional?. Anistia, política e justiça de
transição. Ministério de Justiça, Brasília, DF, n. 8, jul./dez. 2012. <portal.mj.gov.br/main.asp?Team={67064208-
D044-437B-9F24-96E0B26CB372}> Acesso em 12 set. 2014. 187
UNITED NATION, Office on Drugs and Crime: Why fighting crime can assist development in Africa. Rule
of the law and protection of the most vulnerable. [S.l.: s.n.], maio 2005. p. 1-81. 188 Ibidem, p. 9.
60
Para melhor compreendermos, insta aferir que cada país africano tem a sua
sistemática jurídica própria. Após a era colonial, grande parte dos Estados africanos adotaram
sistemas jurídicos ocidentais, os quais são dois: civil law e comom law. Os países colonizados
pelos portugueses tem o sistema jurídico romano-germânico. Alguns destes países são da
África Ocidental, Central e Austral, dentre elas, Cabo-Verde e a Guiné-Bissau, Angola,
Moçambique e São Tomé e Príncipe. Os países da colônia britânica adotaram, obviamente, o
sistema comom law, dos quais estão, a África de Sul, Libéria, Quênia, Nigéria dentre outros.
Além desses sistemas, na África a cultura e a religião são utilizadas para regular as relações
interpessoais. Em grande parte dos casos, esses meios predominam sobre os sistemas judiciais
estatais. “As populações rurais são, portanto, marginalizados de utilizar o sistema judicial
formal, e contam com a mediação dos anciãos tradicionais e líderes religiosos.”189
Com mais pormenores, vejamos as entrelinhas infra:
Existe uma falta de profissionais da área jurídica qualificados, incluindo
juízes, advogados, secretários e funcionários públicos, e a falta de
qualificações impostas para se tornar um juiz e inadequadas avaliações de
desempenho, bem como uma superabundância de pessoal não qualificado nomeado para fins de nepotismo ou clientelismo. Os tribunais, bem como os
juízes e advogados com formação profissional, são predominantemente
baseada em capitais regionais. A independência judicial é formalmente protegida por lei, mas não aplicado em prática, devido a interferência em
questões judiciais por políticos, indivíduos ricos e clãs influentes da
comunidades. A situação é agravada pela dependência dos tribunais sobre o
Poder Executivo para financiamento e administração. Há uma falta de recursos para escritórios e tribunais existentes, incluindo os
textos jurídicos básicos, infraestruturas essenciais ou de tecnologia e acesso
à formação, bem como a remuneração pobre para os juízes. Existem condições precárias nos serviços prisionais, incluindo prisões superlotadas e
sem higiene que não têm a capacidade de fornecer atendimento
especializado para jovens e deficientes mentais prisioneiros.190
Esse é a principal causa dos problemas dos países da África Central, Oriental e
Austral191
. Apenas a região Norte e Sul da África tem uma estrutura judiciária mais decente,
contudo ainda precisam melhorar as suas sistemáticas jurisdicionais.
189 SAGE, Andre Le. Stateless Justice in Somalia Formal and Informal Rule of Law Initiatives Centre for Humanitarian Dialogue, Geneva, Switzerland: Report, 2005. p. 4-59. 190 Ibidem, p. 32. 191 “En réalité, outre le manque de volonté politique pour combattre l’impunité, qui est l’une des principales
causes des conflits qui ensanglantent l’Afrique —à de rares exceptions près comme l’Afrique du Sud et, dans une
moindre mesure, le Nigeria et le Ghana— deux maux principaux affectent la justice sur le continent africain: un
manque criant d’appareils judiciaires idoines et une insuffisante —voire aucune— indépendance vis-à-vis des
pouvoirs politiques. Les victimes de l’ancien dictateur tchadien Hissen Habré, qui attendent toujours son
jugement alors qu’il est inculpé depuis 2000 par la justice sénégalaise pour complicités de crimes contre
l’humanité, actes de torture et barbarie en savent quelque chose.” (VALENTIN, Hodonou. La justice
61
A África Central cercado de conflitos étnicos, religiosos e militares que
aterrorizaram e ainda devastam alguns países da região como, a Nigéria, Chade, República do
Centro Africana, Uganda, Burundi, Ruanda e República Democrática do Congo. Na Costa
Oriental (Leste da África) temos países aterrorizados por conflitos armados militar e religioso
como, Somália, Sudão, Etiópia, Eritréia e, por fim, a Quênia que entrou no registro ao longo
das últimas décadas. No Norte da África temos os conflitos de ordem política e religiosa,
tendo como principal figura, o Egito. Ao final, temos o rol dos países mais pobres do mundo
que, notadamente, ficam situados nas regiões leste já citadas e na costa Ocidental da África,
como, a Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Mali, Mauritânia, Gâmbia, etc.
Cumpre esclarecer que no caso de alguns países da Costa Ocidental, a causa do
aumento da pobreza e subdesenvolvimento está ligada a fatores políticos, dos quais temos o
alto índice de corrupção, a falta de reforma política e militar, nepotismo, má distribuição de
renda e outros. Ambos os fatores são resultados da inobservância e violação dos preceitos
fundamentais da democracia, gerando a ineficácia dos setores de controle interno e externo
dos três poderes, principalmente, do judiciário. Um exemplo típico da realidade política e
jurídica da República da Guiné-Bissau. Como podemos denotar, na África os sistemas de
justiça criminal são ainda muito frágeis. Isso não é apenas causado pela falta das ações de
direitos humanos de alguns governos africanos, mas porque para que haja mudanças no
continente requer boa governança e democracia.192
Destarte, a intervenção da Corte Penal Internacional não se dá aleatoriamente, e sim
pelo principio da complementaridade. Até porque o eixo que une o Direito Internacional do
Direito interno pode ser caracterizado, tanto sob o enfoque unitário quanto dualística,
paralelamente, o qual o primeiro se caracteriza no dever mútuo de respeitar as ordens jurídicas
ambas integram o mesmo sistema. A segunda perspectiva se dá pelo fato das ordens jurídicas
serem incomunicáveis, a priori, dependendo de mecanismos e instrumentos que possibilitem
esta comunicação.193
internationale est-elle raciste?. SlateAfrique, [on line], 10 jul. 2012.) Disponível em:
<http://www.slateafrique.com/23611/la-cour-penale-internationale-est-elle-raciste> Acesso em: 17 set. 2014. 192 KINNES, Irvin Tim. Criminal justice in Africa: an introduction to the theory and practice of criminal justice.
African Human Security Initiative, Cape Town , South Africa, n. 161, p. 11-11, jun. 2009. Disponível em:
<http://www.africaportal.org>. Acesso em: 17 set. 2014. 193
OLIVEIRA, Diogo Pignataro de. Celebração e integração dos tratados internacionais no direito brasileiro.
Revista Constituição e Garantia de Direito. Natal/RN, v. 4, p. 3, 2011. Disponível em:
http://ufrn.emnuvens.com.br/constituicaoegarantiadedireitos/issue/view/290>. Acesso em: 17 set. 2014.
62
“O papel do TPI, assim, em princípio, se limita a monitorar ou supervisionar
sistemas nacionais e eventualmente apoiá-los em seus ajuizamentos nacionais.”194
Isso indica
que “as jurisdições nacionais têm sempre competência prioritária para investigar e julgar
todos aqueles crimes que, por sua extrema gravidade, são reconhecidos como transcendentes
para a comunidade internacional como um todo.”195
Dessa maneira, o princípio da
complementaridade, por um lado, visa o reconhecimento ao direito e ao dever dos Estados
partes em conhecer e julgar os crimes de lesa humanidade praticados dentro de seus
territórios, e por outro, atribui ao Tribunal o poder de agir para complementar a jurisdição dos
Estados apenas em situações de omissão, incapacidade ou inabilidade desses.196
Os casos concretos retro apresentados demonstram claramente a sistemática de
atuação do Tribunal Penal Internacional. É incontroverso que os três casos polêmicos foram
abertos com base em normas penais e processuais, tanto do próprio Estatuto de Roma (art. 13
(a) (b) (c)), como por meio das fontes materiais do Direito Internacional. No caso dos crimes
cometidos no Quênia pós-período eleitoral, o Tribunal iniciou o iniciou a investigação de
oficio, motu proprio, por meio da Procuradoria. Quanto ao caso Al-Bashir, as investigações
foram iniciadas por determinação do Conselho de Segurança da ONU em 2005 (artigo 13 (b)
c/c Capítulo IV da Carta da ONU), através da Resolução nº 1553 editado no mesmo ano. E
por último, o caso Lubaga que foi iniciado pela por meio de uma denúncia feita ao Tribunal
pelo governo da República Democrática do Congo, a época presidida por falecido general
Laurent-Desiré Kabila.
Em relação às situações e casos atualmente em andamento, quero também
lembrar que, à exceção das situações da Líbia e do Sudão, que foram
enviadas ao TPI pelo Conselho de Segurança da ONU, e da situação de
Kenya, cuja investigação iniciou-se por iniciativa do promotor do TPI, todas
as outras situações foram remetidas ao TPI pelos próprios Estados africanos,
que entenderam não terem, eles mesmos, condições de exercer sua jurisdição
primária.197
194 AMBOS, op. cit., p. 19. 195 STEINER, Sylvia; CERDA, Ania Salina. Os desafios do princípio da complementaridade. Um balanço dos 10
anos da entrada em vigor do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Anistia, política e justiça de
transição. Ministério de Justiça, Brasília, n. 8, jul. /dez. 2012. Disponível em:
<portal.mj.gov.br/main.asp?Team={67064208-D044-437B-9F24-96E0B26CB372}> Acesso em 21 set. 2014. 196 Ibidem, p. 214. 197 Palavras da Juíza Presidente da II Câmara de Julgamento Preliminar do TPI, Sylvia Steiner, em um entrevista
concedida à Revista Anistia em 2012, cujo entrevistador o Sr. Marcos Zilli, Juiz de Direito, Professor da USP e
coordenador da Revista Anistia referente a publicação do ano de 2012. <Disponível em:
<http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 21 set. 2014.
63
É incontroverso a fragilidade do sistema judiciário da grande parte dos países
africano, haja vista a fator pobreza, fazendo priorizar outras questões como a programas de
redução de fome, assistência sanitária por meio de políticas de saneamento básico,
infraestrutura, dentre outros. Nos países cercados de conflitos armados a situação torna ainda
mais complexa, haja vista a instabilidade política do país, o que dificulta ainda mais a
identificação dos criminosos para imputação da responsabilização criminal pelas violações
massivas de direitos humanos por eles cometidos durante o conflito. Ademais, geralmente é
por meio desses conflitos que surgem vários governos ilegítimos na África, como já havíamos
aferido, utilizam conflitos e violências como trampolim para alcançarem o poder sui generis.
O golpe de Estado e o conflito armado é um símbolo na história dos ditadores africanos. “A
maioria dos ditadores Africanos chegou ao poder através de guerras civis ou golpes de estado
e, com isso, os direitos humanos perderam o seu significado, em detrimento do objetivo
almejado pelos guerrilheiros.”198
A instituição da Corte Penal Internacional foi um marco
histórico do Direito Penal Internacional. Embora a sua jurisdição não é, como muitos
pretendiam, universal, mas no próprio Estatuto de Roma há disposições que permitir que um
cidadão nacional de um Estado não parte do Estatuto de Roma seja entregue ao Tribunal para
ser julgado.199
198 GOMES, Aliu. Ilusão do povo africano: da organização da unidade africana a carta africana dos direitos e dos
povos. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Rio Grande do Sul, v. 3, n.1, p. 51-65, mar. 2008.
Disponível em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-
2.2.2/index.php/revistadireito/article/view/6827#.VDrXpVfvbIU>. Acesso em: 24 set. 2014. 199 SARAIVA, Francisca. As violências (crimes) graves de relevância para a comunidade internacional, v. 4,
n. 2, p. 39-63, nov./abr. 2013-2014. Disponível em: <http://observare.ual.pt/janus.net/pt/n%C3%BAmeros-
anteriores/77-portugues-pt/v-4,-n-2-2013-novembro-abril/artigos/236-as-viol%C3%AAncias-crimes-graves-de-
relev%C3%A2ncia-para-a-comunidade-internacional>. Acesso em: 25 set. 2014.
64
5 CONCLUSÃO
Após todos os percursos, chegamos à conclusão que o Tribunal Penal Internacional é
um órgão jurisdicional provido de bons propósitos e fins, mas desprovido de mecanismos
suficientes para alcançar, de forma eficaz, os fins almejados.
Considerando o princípio da soberania, princípio de não intervenção em assuntos
domésticos dentre outros princípios que visam impor a observância, respeito à privacidade e a
vontade de cada Estado no âmbito de Direito Internacional, fragilizou o alicerce do TPI desde
sua essência. Por essa razão, o projeto arquitetado desde 1948 tornou possível a sua
concretização na noite de 17 para 18 de julho de 1998 em Roma. Durante o nosso estudo,
também, pudemos vislumbrar que a supermacia dos interesses domésticos dos Estados que
compõem a sociedade internacional foram uma das principais barreiras para implementação
de uma Corte criminal permanente. Como exemplo, temos a guerra fria do início da década de
50. A dificuldade não só centralizava na Conferência de Roma para o estabelecimento do TPI,
pelo contrário, as dificuldades multiplicaram após a sua entrada em 1º de julho de 2002.
Conforme visto durante o trabalho, os Estados que haviam demonstrado interesse na sua
criação mudaram de posicionamento após o início de suas atividades. Daí, se desencadearam
fortes críticas contra o TPI. Afirmaram, categoricamente, que a CPI é parcial e seletiva.
Outros alegam que não passa de justiça feita em prol dos vencedores, órgão político em
função dos interesses ocidentais, sob influencia do Conselho de Segurança da ONU.
Durante o nosso estudo, constatamos que estes argumentos lançados contra a Corte
são vagos, haja vista que não apresentam algo substancial ou contundente. Tais críticas são
provenientes de situações de tensões, feitos de forma parcial por mera emoção e interesse
próprio. É cediço que uma das características inconfundível do TPI é o seu aspecto
multicultural e inovador. As deliberações são feitas pela Assembleia dos Estados partes, não
possibilitando qualquer forma de discriminação, parcialidade ou seletividade. Recentemente o
Tribunal abriu o inquérito em vários países como a Geórgia (em razão do conflito ocorrido em
2008), Colômbia (sobre os alegados crimes de guerra cometidos em novembro de 2009), e no
Afeganistão (sobre os crimes de lesa humanidade ocorridos no território afegão).
Quanto ao argumento que aduz ser a Corte justiça apenas aos vencedores, este carece
de fundamentos concretos. Ficou clarividente que o Tribunal Penal Internacional não foi
criado para unir os partidos políticos ou milícias africanas, e sim para punir os indivíduos que
65
atormentam a humanidade com seus atos hediondos e repugnantes. Não importa se indivíduo
entregue pela Corte seja membro da milícia, partido político ou membro do governo dos
vencidos. O que interessa à Corte é averiguar se há ou não evidencias suficientes que
garantam a materialidade do fato criminoso denunciado ou investigado, salvo a existência de
medidas judiciais eficazes por parte das autoridades locais no sentido de responsabilização
criminal e consequente reparação dos danos à(s) vitima(s). Sendo assim, cabe, então, aos
Estados africanos o dever de adotarem medidas para apaziguar os conflitos que geram
milhares de vítimas e, adotar políticas democráticas em prol da isonomia de todos perante a
lei, respeitando normas internacionais e locais de proteção aos direitos humanos, bem como
os trabalhos desenvolvidos pela Comissão Africana dos Direitos Humanos para alcançar a
justiça, paz, segurança e desenvolvimento do continente.
Por fim, vislumbra-se que a intervenção do Conselho de Segurança da ONU, está
amparada pela Carta das Nações Unidas o conforme depreende o seu Capítulo IV. Violar ou
deixar de observar as disposições do citado dispositivo implicaria um retrocesso inacabável e
quebra de todas as conquista alcançados pela humanidade pelos esforços e lutas daqueles que
sempre pregaram pela justiça, paz e segurança universal. Ademais, todas as ações ou decisões
da Corte passam por análises preliminares que são feita rigorosamente pelo Gabinete da
Procuradoria do Tribunal e pelo Juízo de Julgamento Preliminar competente ao caso. Insta
informar, outrossim, que o Tribunal tem autonomia funcional e jurisdicional. Ela é mantida
pelos recursos advindos dos fundos próprios, ou seja, quotas dos Estados partes, Organizações
Internacionais. Os recursos advindos por outros meios são passíveis de um quorum da
Assembleia dos Estados partes do Estatuto de Roma para a respectiva deliberação.
Destarte, não merece guarida qualquer tese no sentido de que a manutenção, decisão
e funcionamento do TPI dependem do Conselho de Segurança da ONU. Apesar de não
possuir uma força policial própria dentre outros mecanismos de uso de força necessária, a
Corte conta com uma equipe qualificada, composto por especialistas das mais variadas áreas
jurídicas e reconhecidos internacionalmente pelas suas reputações ilibada e alto nível de
conhecimento. Como exemplo, podemos citar a Juíza brasileira Silvia Steiner que ocupa o
cargo de Presidente da II Câmara de Julgamento Preliminar da Corte.
Contudo, podemos elencar como maior causa de todas as perplexidades o alto nível
da jurisdição da Corte Penal Internacional. Pois ela foi criada no seio da comunidade
europeia, um continente que possui sistemática jurídica consideravelmente avançada e uma
66
cultura social pacífica que o difere do resto do mundo. Apenas alguns países da América tem
essa característica, dos quais o Canadá é um dos exemplos típico pelo baixíssimo índice de
criminalidade. Na Ásia temos a Cingapura como referencia ocupando 186ª posição no ranking
dos 187 países do mundo considerados menos violento por meio de um estudo feito pelas
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD - Brasil) em 2012. Ao contrário do estudo
acima, a África é o continente onde tem mais números de conflitos e violência armada,
seguida de Oriente Médio e, atualmente, a Leste europeu.
Pois bem, criar um órgão jurisdicional no plano internacional para lutar contra
impunidade global nunca seria uma tarefa simples. É equiparado a envio de uma contingência
de Capacetes Azuis da ONU para um campo de batalha sangrenta e sinistra. Pois terão que
levar todas as logísticas, inclusive, os armamentos para se defenderem em legítima defesa
caso forem atacados de surpresa. Mas, infelizmente o TPI não fez o mesmo. Sendo uma
instituição emergente, ainda não dispõe de forças especiais ou policiais para executar o seu
trabalho nos lugares perigosos e distantes. Embora haja uma disposição no Estatuto de Roma
que permite a Corte comunicar ao INTERPOL sobre os foragidos, mas esse ato não é uma
ordem, mas uma mera comunicação à um órgão criminal independente.
Por todo exposto, vislumbro a necessidade de fazer uma reforma no Estatuto de
Roma para rever algumas medidas que precisam ter caráter de urgência, assecuratória e
cautelar para evitar mais danos para às vítimas em situações de conflito armado. Ou seja, criar
meios para intervenção imediata e, consequentemente, reduzir a boa vontade dos Estados nos
caso cometimento em massa de crimes que afetam todo o universo. Para isso, teria que dispor
de recursos suficiente para descentralizar-se, instalando as suas forças e seus operadores em
diversos lugares do planeta garantindo-os a segurança e logísticas suficientes para efetivar
com dinamismo o seu propósito principal que é combater á impunidade e, por conseguinte,
proporcionar a justiça e sossego mundial.
67
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