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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
ISADORA DE MELO DANTAS
SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL A ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO
DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA (LA) E DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE (PSC): UM ESTUDO SOBRE
SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O CONTEXTO SOCIAL DOS
SOCIOEDUCANDOS.
Natal/RN
2019
ISADORA DE MELO DANTAS
SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL A ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO
DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA (LA) E DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE (PSC): UM ESTUDO SOBRE
SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O CONTEXTO SOCIAL DOS
SOCIOEDUCANDOS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social sob orientação da professora Ma. Mônica Maria Calixto.
Natal/RN
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
Dantas, Isadora de Melo.
Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa de liberdade assistida (LA) e de prestação
de serviço à comunidade (PSC): um estudo sobre sua contribuição para o contexto social dos socioeducandos / Isadora de Melo
Dantas. - 2019.
89f.: il.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais
Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Natal, RN, 2019.
Orientadora: Profa. Ma. Mônica Maria Calixto.
1. Serviço Social - Monografia. 2. Política de Assistência
Social - Monografia. 3. Serviço de Proteção Social - Adolescentes - Monografia. 4. Medidas socioeducativas - Monografia. I.
Calixto, Mônica Maria. II. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. III. Título.
RN/UF/CCSA CDU 364-78
Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404
ISADORA DE MELO DANTAS
SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL A ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO
DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA (LA) E DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE (PSC): UM ESTUDO SOBRE
SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O CONTEXTO SOCIAL DOS
SOCIOEDUCANDOS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social sob orientação da professora Ma. Mônica Maria Calixto.
Data de aprovação: Natal/RN, ___/___/____
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Prof.ª MS.ª Mônica Maria Calixto (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
________________________________________________________
Prof. Fernando Gomes Teixeira
(Examinadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte
________________________________________________________
Rafaela Nascimento da Silva (Examinadora externa)
Assistente Social no CREAS Sul. CRESS/RN - 5221
Dedico este trabalho aos profissionais do Serviço Social que tive o prazer de conviver, por abrirem o campo da reflexão crítica que tanto respondeu inquietações que eu já possuía antes mesmo de entender meu próprio ser e por serem pilares de luta em uma sociedade tão desigual. Dedico também aos adolescentes que passaram pelo Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto do CREAS/Sul pela força de tentar resistir à condição de exclusão dada a eles pelo Estado.
AGRADECIMENTOS
A gratidão é o sentimento que me move, é o que busco sentir todos os
dias por cada passo dado, porém, ao final de um processo árduo e intenso como
a graduação, esse sentimento vem de forma amplificada.
Menciono em meus agradecimentos primeiramente a minha mãe, Niza,
que partiu dessa vida em 2006, com 37 anos, quando eu tinha 16. Ela, sem
dúvida nenhuma foi o meu maior exemplo de vida, como mulher, mãe,
profissional, ser humano íntegro, com a luta arraigada em sua essência, energia
e vitalidade em suas veias até seu último suspiro. Sempre vi isto dentro de casa,
é minha raiz e por este motivo sou fruto do que ela plantou. Minha mãe, mulher,
negra, mãe de três, solteira, de origem humilde, parte de uma família de 6
irmãos, teve seu destaque. Socióloga, pós-graduada, militante, envolvida com
causas relacionadas aos Direitos Humanos, refugiados e adolescentes em
contexto de violência, docente. Foi com ela que aprendi a essência da luta antes
mesmo de ter consciência do que isso significava, pois ela me ensinou sendo
ela mesma, fazendo, sendo exemplo. Obrigada, mãe.
Agradeço a oportunidade de poder ter ingressado na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte - UFRN que era o princípio do meu sonho, estar
exatamente nela. Para tanto, já que minha trajetória escolar foi completamente
irregular por condições particulares de vida, eu precisei ingressar em um
cursinho preparatório que correspondesse às minhas condições financeiras que
não eram grandes, e agradeço também por ter tido essa oportunidade. Mas
antes disso, eu precisei de orientação, e mencionei isso para apontar que o
responsável por esta tarefa, foi o meu pai.
Agradeço ao meu pai, Luiz, por ter me orientado, me apontado os
caminhos que eu deveria seguir sempre visando minha expansão intelectual e
minha independência pessoal e financeira. Agradeço-o por ter me acolhido
quando necessitei me dando todas as condições físicas - de espaço – e
psicológicas ao me incentivar através de sua força racional diante do jogo que é
a vida, como ele mesmo diz. Agradeço-o por ser um exemplo de intelectualidade
na minha vida e por ter me deixado o maior ensinamento que eu poderia ter: a
prática da leitura, pois os frutos dela são imensuráveis e impagáveis.
Agradeço aos meus avós maternos, Cícera e Heronides, que na ausência
da minha mãe (não só nela, mas a vida toda) me acolheram sempre e todas as
vezes que precisei, quantas vezes fui e voltei e eles estavam de braços abertos
para mim. Eles, com seus limitados estudos, sempre me incentivaram a não
desistir da graduação. A sabedoria da minha avó me elevou imensamente, em
muitas lições de afeto, cuidado, incentivo, força, muita força e amor, muito amor.
Devo muito a ela. A eles dois.
Eu agradeço aos meus irmãos, Tiê e Emanuel, que de forma direta ou
indireta me fortaleceram e são extensão de mim.
Estendo meus agradecimentos a toda minha família, tios e primos, pois
são parte do meu convívio diário. À minha tia e madrinha, minha dinda Heliane
por ser sempre pilar nos meus momentos difíceis, de ordens diversas, e por ter
estado sempre a postos para me estender a mão todas as vezes que precisei. À
Fernanda e Renato por tantos momentos de amizade compartilhados.
Obrigada ao meu amor, meu parceiro, marido, companheiro, amigo,
Paulinho. Sem você do meu lado, tudo seria mais difícil. Obrigada pela
compreensão do meu ser que parece que só você tem a capacidade de ter. As
dificuldades do dia a dia se tornavam mais leves por você estar sempre ao meu
lado dividindo tudo. À minha sogra, Ana, pelo amável acolhimento de todos os
dias.
Sou grata a amigas que são verdadeiros anjos especiais e me deram tanta
força nessa trajetória:
À Aninha por estar sempre presente em momentos bons e ruins, pela
fidelidade a mim, por me incentivar e por acreditar em mim incondicionalmente.
À Alda, com sua calma, clareza, paciência e sabedoria sempre me
apoiando, compreendendo tantas emoções e por acreditar em mim
incondicionalmente.
À Rita, por conseguir ser tão presente mesmo não morando em Natal,
sendo suporte todas as vezes necessárias, me ouvindo incansavelmente, me
incentivando, acalentando, fortalecendo, emanando tanto amor e cuidado que
eu sempre sentia daqui e também por acreditar em mim incondicionalmente.
À Clara Cavalcante por me fazer acreditar na vida em momentos críticos,
por me amar durante toda uma vida e por ter me resgatado de volta à existência.
À Simone Ribeiro que tive o prazer de reencontrar depois de tantos anos
e que se tornou inspiração e afeto para mim.
Obrigada às minhas amigas de infância que compartilharam comigo uma
vida inteira: Allana Rachel, que nunca esteve longe de mim apesar da distância
física; Thauany Macêdo, minha irmã, parceira de vida, incondicionalmente ao
meu lado, sempre. Nosso encontro é de almas!; Luna Pinheiro, também uma
irmã que só me faz crescer e tanto me ensina; E ao meu amigo Leonardo,
sempre de portas abertas com sua energia maravilhosa me acolhendo e
apoiando.
Obrigada à minha orientadora de estágio obrigatório curricular, a
assistente social Rafaela Nascimento que foi maravilhosa nas orientações, na
compreensão das limitações que apresentei durante um ano em campo, por todo
rico conhecimento que me passou durante esse período, pela disponibilidade em
contribuir com minha formação mesmo após o término do estágio, pelo exemplo
de profissional admirável e extremamente competente. Jamais esquecerei sua
contribuição na minha formação e sua generosidade.
Agradeço à equipe do CREAS – Sul onde estagiei, em especial José
(socioeducador) e Marília (psicóloga) pelas contribuições e aprendizados
disseminados a mim, ainda que indiretamente.
Gratidão à minha orientadora da monografia, Mônica Calixto que
pacientemente soube respeitar meu tempo, também compreendendo os
percalços, apoiando e me transferindo orientação e conhecimento que muito
contribuiu para o final deste ciclo. Suas palavras sempre me fortaleceram.
Gratidão à Clarice Maia que conheci na universidade e tenho o prazer de
ter estendido essa relação para além das paredes da sala de aula, construindo
uma amizade concreta, sólida e cheia de luz.
Obrigada às minhas companheiras de turma, todas, sem exceção.
Estivemos juntas durante quatro anos e compartilhamos muitos momentos que
ficarão em meu coração.
Quero agradecer a quem esteve mais perto de mim durante esse período,
algumas mais no início, outras mais no final, mas cada uma com seu brilho e
importância para mim. Mayara Nazaré, amiga doce e forte que levarei para a
vida. Kathiúsca Mafra, companheira sempre disposta a ajudar. Emilly Bezerra,
tão especial e prestativa que muito me ajudou de forma extremamente generosa.
Laís, nossa Lalá, meiga e divertida sempre disposta a dividir os momentos
difíceis, amiga que muito me incentivou. Mariana Júlia, pela aproximação e apoio
mais intensos na reta final, mas que sempre foi parceira. Fernanda Tássia, pelo
apoio e que me rendeu muitas gargalhadas por sua irreverência e alegria.
Firmamos uma aproximação na reta final que foi fundamental para a superação
dos momentos difíceis durante a escrita da monografia. Gratidão a vocês.
Por fim, quero agradecer ao Departamento de Serviço Social por conduzir
o curso de forma excepcional, aos docentes que, além de todo conhecimento
transferido, me compreenderam em momentos difíceis. Alguns especiais fizeram
total diferença na minha trajetória e sem eles eu não teria prosseguido, obrigada
à coordenadora e professora Miriam pela compreensão e incentivo de me fazer
continuar sempre.
“Se queres a tua vida, trata de roubá-
la, porque ela não lhe será dada de
graça”.
Lou Salomé
RESUMO
Este estudo apresenta uma análise sobre a contribuição do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) no contexto de vida dos adolescentes que passaram por ele após o cometimento de ato infracional. É relevante analisar os rebatimentos sociais que este Serviço causa na vida dos socioeducandos, compreendendo os limites e possibilidades das políticas sociais na sociedade de classe e as perspectivas que estas podem se concretizar para adolescentes que vivem à margem da sociedade pelas circunstâncias de um sistema excludente e desigual. Este estudo é qualiquantitativo, utilizando-se do método dialético e procedimento histórico e comparativo e técnica de pesquisa bibliográfica e documental com coleta de dados em campo. Ressalta-se a contribuição em discutir a Política de Assistência Social, dentro de sua densidade, de forma ampla e específica no que diz respeito ao adolescente, bem como a perspectiva ampla do Serviço de Medidas Socioeducativas e defesa do Meio Aberto com vista a garantir o fortalecimento da convivência sociofamiliar e comunitária em uma perspectiva de superação do ato infracional, assim como a garantia de direitos básicos ao núcleo familiar. Além de abordar a política de assistência tão relevante em sua proposta no contexto social desses adolescentes, problematiza-se o lugar que eles ocupam na sociedade permeada por desigualdade que tem como raiz a exclusão social. Por fim, conclui-se que o Serviço apresenta uma proposta de materialização do que é preconizado legalmente, visualizando o adolescente como um ser singular, para além de um autor de ato infracional, que possui um contexto histórico e social, abordando suas demandas na perspectiva de totalidade, desconstruindo os estigmas impostos a eles pela sociedade, não tendo a capacidade de ir além na contribuição positiva na vida dos adolescentes por barreiras impostas pelas lacunas que o Estado não preenche como deveria cumprir de acordo com o que consta nas legislações voltadas para este campo. Palavras-chave: Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Ato Infracional. Política de Assistência Social.
ABSTRACT
This paper presents an analysis towards the contribution of the Child and Teenager Social Protection Services, fulfilling the Socio-educational Measure of Assisted Liberty (AL) and the Community Services Provision (CSP), regarding the lives of teenagers who were submitted to it after commit felony. It is relevant to analyse the social blow back this service causes on the lives of the social educators prospects, understanding the limits and possibilities of the social politics on class society and the perspectives that might come to reality for those adolescents who live at the society’s border by a excluding and unequal system. This paper is quali-quantitative, using a dialectical method, historic and comparative procedure, and bibliographic, documental research with collection of field data. It notice the contribution of discussing the Social Work politics, inside its density, in a wide and specifically regards of adolescents, as the wide perspective of the Socio-educational Measure Services and defense of an open environment, looking for guarantee the reinforcement of the socio-familiar and community living, in a felony overcome situation, as the guarantee of basic rights for the family core. Beyond the approach of an important social working politics proposed on those teenagers social environment, we deconstruct their place in society perpetrated by unequalty that have as roots social exclusion. At last, we conclude that this service presents a materialization proposition about what is legally recommended, visualizing the adolescent as singular being, besides a felon, who have a historic and social context, approaching its total perspectives demands, deconstructing the stigmas imposed to them by society, not being able to go further on the positive contribution on those teenagers lives also imposed by the holes that the state does not fulfill as they should according to what consists in the legislation towards this specific field.
Tags: Open Environment Socio-educational Measure Services. Infractional Act. Social Assistance Politics.
LISTA DE SIGLAS
CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CEME – Central de Medicamentos
CF – Constituição Federal
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FUNABEM – Fundação Nacional para o Bem-estar do Menor
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IAPAs – Instituto Nacional de Administração da Previdência Social
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LA – Liberdade Assistida
LBA – Legião Brasileira de Assistência Social
LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
NOB – Norma Operacional Básica
NOBRH - Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
PAEFI – Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PSC – Prestação de Serviço Comunitário
RN – Rio Grande do Norte
SAM – Menores e o Serviço de Assistência aos Menores
SEAS – Serviço Especializado em Abordagem Social
SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SINPAS – Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................... 16
2 PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL: DA ORIGEM À CONQUISTA
COMO POLÍTICA DE DIREITO. ....................................................................... 22
2.1 SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO DE
PROTEÇÃO SOCIAL: DAS SOCIEDADES PRÉ-CAPITALISTAS À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AS INFLUÊNCIAS HISTÓRICAS
DURANTE ESSE PROCESSO..........................................................................22
2.2 RELAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL COM A POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL: LUTAS, AVANÇOS, CONQUISTAS E
REGULAMENTAÇÕES. ................................................................................... 41
3 SOCIEDADE, ADOLESCÊNCIA E ATO INFRACIONAL: ANÁLISE
CRÍTICA DAS PARTICULARIDADES DESSA RELAÇÃO. ............................ 58
3.1 RELAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
NOS INCURSOS DA SOCIEDADE CAPITALISTA E A POLÍTICA DE
ATENDIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ....................................... 59
3.2 SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL A ADOLESCENTES EM
CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM MEIO ABERTO -
LIBERDADE ASSISTIDA (LA) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE
(PSC) E SEUS REBATIMENTOS NO CONTEXTO SOCIAL DO
SOCIOEDUCANDO. ......................................................................................... 71
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 86
5. REFERÊNCIAS .................................................................................. 88
16
1 INTRODUÇÃO
Este estudo é fruto de um longo caminho vivenciado na academia
desencadeando um despertar para a área dos adolescentes envolvidos em
contexto de violência, mais especificamente os autores de atos infracionais e,
principalmente, sobre seus lugares ocupados nos espaços desta sociedade
capitalista, as formas existentes para apresentar novas perspectivas a esses
adolescentes que vivem em um caminho de marginalização que não é criado por
eles, através do Cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto,
bem como o trabalho desenvolvido para responsabilizá-los, uma vez envolvidos
em atos infracionais, e, finalmente, como esse trabalho de assistência e
responsabilização reflete na vida deles.
O interesse pela temática já existia por identificação, porém, foi durante a
experiência do estágio obrigatório curricular que houve uma aproximação direta.
O estágio ocorreu durante um ano, de junho de 2017 a junho de 2018, no Serviço
de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas
Socioeducativas de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC e Liberdade
Assistida – LA, que funciona no Centro de Referência Especializado de
Assistência Social – CREAS. Neste caso, a vivência de estágio ocorreu no
CREAS região sul de Natal – RN, e, portanto, esta pesquisa possui esta
instituição específica como referência em termos de experiência, dados
acessados, convívio interprofissional e aproximação de modo geral com o
Serviço.
O Serviço de Medidas Socioeducativas faz parte de uma cadeia de
articulação dentro da Política de Assistência Social que é parte constituinte da
Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Previdência Social. Dentro da
Assistência Social, o Meio Aberto está inserido, de acordo com a Tipificação de
Serviços Socioassistenciais de 2009, no Serviço de Proteção Especial de Média
Complexidade por se tratar de demandas onde ocorre o risco de ameaças ou
violações de direitos, porém, sem vínculos interrompidos.
Uma sociedade que possui um sistema de produção econômico vigente
socialmente excludente por essência necessita de contribuições de estudiosos,
pesquisadores, acadêmicos e afins em termos de teoria e pesquisas para que
17
se alcance um entendimento de como trabalhar a ação e aplicabilidade de
medidas e leis que contemplem a perspectiva do direito social aos adolescentes
e à sociedade de modo geral. Essas ações vêm sendo realizadas de diversas
formas há décadas e se aprimorando de acordo com os incursos da
contemporaneidade e da realidade social, inclusive pela sociedade civil através
de lutas e reivindicações por conquistas e manutenção de direitos.
Este estudo se configura como uma contribuição sobre a Política de
Assistência Social, especialmente voltada para adolescentes autores de atos
infracionais, através da problematização do contexto social de exclusão em que
eles estão inseridos e as respostas que podem ser dadas através dos caminhos
da proteção social.
O caminho de desenvolvimento das políticas sociais iniciou-se há
décadas e perpassou por momentos árduos que se tornaram marcos na história
e devem ser destacados como processos importantes na história da política
social e do que há de concreto atualmente.
Foi através da Constituição Federal de 1988 que premissas voltadas
especificamente para crianças e adolescentes foram decretadas posicionando-
os como sujeitos de direitos, no qual foi se desenvolvendo através da
contribuição e do trabalho de diversos órgãos e entidades estreitando esses
direitos em prol de uma assistência digna para este segmento da sociedade,
criando o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, regulamentado pela lei
8.069 de 1990.
Destaca-se o ECA como uma referência mundial em termos de legislação
específica para crianças e adolescentes, porém, é necessário que se leve em
consideração que os direitos contidos no Estatuto não chegam a todos como
deveriam e que, a partir disso, o Estado solidifica uma dívida para com essa
parcela da população, pois exime o acesso igualitário como deve ser e abre
espaço para disparidades sérias.
Por exemplo, em termos de escolaridade, fator de extrema relevância
nesta fase, conforme dados da PNAD/IBGE de 2013, dos adolescentes com
idade entre 15 e 17, um terço continham o ensino fundamental incompleto e
somente 1,32% concluíram o ensino médio. Dos que possuíam entre 12 e 14
anos, que deveriam estar nos anos de conclusão do ensino fundamental, 93,3%
18
tinham o fundamental incompleto e somente 3,47% haviam concluído esta fase
escolar. (SILVA; OLIVEIRA, 2015), o que limita possibilidades na vida adulta.
Trazendo dados mais recentes, de acordo com o jornal local/RN Tribuna
do Norte que aponta dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019,
divulgado pelo movimento Todos pela Educação em parceria com a Editora
Moderna e organização dos dados de acordo com as metas do Plano Nacional
de Educação (PNE), metade dos jovens de 19 anos não tinham concluído o
ensino médio em 2018. Em 2018, somente 63,6% dos jovens de 19 anos
matriculados concluíram o ensino médio.
É esse perfil, em média, que os/as usuários/as do Serviço de Medidas
Socioeducativas em Meio Aberto possuem, autores de atos infracionais que já
foram julgados pelo sistema judiciário sendo responsabilizados/as pelo ato
através do cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto, mas que
possuem um contexto de vida permeado por violações de direitos, em sua
maioria, e que deve ser levado em consideração. Ainda sobre a escolarização,
a análise de dados desta pesquisa apresenta o quão esse fator de esvaziamento
escolar é presente na realidade desses adolescentes.
A relevância desta pesquisa está no intuito de se fazer entender e
desconstruir os estigmas que a sociedade impõe aos adolescentes autores de
atos infracionais, insuflados pela grande mídia de que representam grande
periculosidade e fazem parte de um grupo que comete atos delitivos e ficam
impunes por serem menores de idade. A realidade, analisada de forma crítica,
aponta outro cenário. Pretende-se aqui trazer o entendimento do Meio Aberto e
do trabalho realizado pelo Serviço e, principalmente, os rebatimentos que o
cumprimento da medida aponta na vida desses adolescentes. Objetivando
discutir a política de atendimento ao adolescente autor de ato infracional em
cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, problematizando como
se efetiva a materialização desta no âmbito institucional e as respostas que os
adolescentes apresentam frente as ações desenvolvidas.
Para tanto, objetivou-se identificar o perfil dos adolescentes que estão em
cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto no CREAS região Sul,
problematizar a prevalência e causas de cumprimento e descumprimento da
medida socioeducativa no tempo previsto pela justiça, identificar se as ações do
Serviço de Medidas Socioeducativas ao adolescente têm possibilidades para
19
torná-los dispostos a se envolverem e cumprir o proposto até o final do processo
e analisar os aspectos positivos e negativos que a perspectiva do Serviço de
Medidas Socioeducativas em meio aberto trouxe para a vida dos adolescentes.
Esta é uma pesquisa qualiquantitativa e para o seu desenvolvimento
utilizou-se o método dialético, baseado na premissa de uma análise que levou
em consideração uma “interpretação dinâmica e totalizante da realidade
considerando que os fatos não podem ser relevados fora de um contexto social,
político, econômico, etc” (PRODANOV; FREITAS, 2009, p.34). Como método de
procedimento, foi utilizado o método histórico em estudo do resgate de origem e
evolução das políticas sociais, tendo em vista que esse procedimento mantém o
foco “na investigação de acontecimentos ou instituições do passado para
verificar sua influência na sociedade hoje” (PRODANOV; FREITAS, 2009, p. 36)
e o método de procedimento comparativo no estabelecimento da análise de
dados, pois “procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou
fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e as similaridades entre eles”.
(GIL,2008 apud PRODANOV; FREITAS, 2009, p. 38).
Em termos de procedimento técnico, utilizou-se a pesquisa bibliográfica,
por ter sido “elaborada a partir de material já publicado, constituído
principalmente de: livros, revistas, publicações em periódicos e artigos
científicos, jornais, boletins, monografias, dissertações [...].” (PRODANOV;
FREITAS, 2009, p. 54) e pesquisa documental devido ao acesso a fontes que
não receberam um tratamento analítico nem foram publicados. (PRODANOV;
FREITAS, 2009).
A pesquisa documental consistiu em coleta de dados em campo, no
Núcleo do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de
Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, sob solicitação por meio de ofício do
Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN autorizado pela coordenação do Serviço de Proteção Especial de
Média Complexidade.
Esclarecendo que, dentro do Meio Aberto, o adolescente pode ter seu
processo inserido em quatro categorias: processos ativos, suspensos, extintos
ou transferidos e para cada situação desta, existe motivos específicos1. Foram
1 Processos ativos: número de socioeducandos que estão efetivamente acompanhados pelas equipes de referência no cumprimento da medida socioeducativa.
20
escolhidos, então, os processos extintos por cumprimento de medida concluída
que tiveram a extinção decretada no semestre de 2018.1, totalizando nove
adolescentes. Houve a coleta de dados através de indicadores que abordavam
fatores relevantes dos adolescentes referentes ao contexto social e do próprio
processo de cumprimento da medida socioeducativa quando eles chegaram ao
Serviço e quando saíram, após a conclusão do cumprimento. Portanto, houve
análise de dados que possibilitaram responder ao objeto central deste estudo: a
contribuição do Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto na vida
destes adolescentes.
Esse recorte partiu de inquietações próprias sobre o lugar que esses
adolescentes ocupam em uma sociedade desigual, que os marginalizam e
enaltece a meritocracia, sendo esta, totalmente antagônica ao sistema
condizente com a realidade social. E, a partir disso, analisar como os
adolescentes autores de atos infracionais respondem ao que o Serviço de
Medidas Socioeducativas em Meio Aberto propõe a eles em termos jurídicos, de
responsabilização pelos seus atos, mas de proteção social, fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários e reinserção nos espaços designados a eles
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Este trabalho está estruturado em uma composição de 2 capítulos. No
capítulo 1 buscou-se realizar um resgate histórico do surgimento da Política
Social no Brasil, abordando toda sua evolução ao longo dos anos. Dentro deste
capítulo, dividiu-se em uma primeira parte que irá tratar mais puramente da
origem da Política Social até sua conquista como direito constitucional e uma
Processos suspensos: número de socioeducandos que não estão sendo acompanhados pelas equipes de referência, aguardando algum despacho pelo juiz. Processos extintos: número de socioeducandos que tiveram o processo de execução extinto pelo juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude. Motivos da extinção do processo: Medida concluída: o juiz reconhece o cumprimento satisfatório da medida socioeducativa; Perda de finalidade: o juiz reconhece que a medida no caso analisado não tem mais sentido para se efetivar; Prescrição da medida: o processo atingiu o tempo máximo estabelecido em lei para execução; Processo crime: o socioeducando está respondendo processo criminal (maior de 18 anos); Óbito: a extinção é expedida após a apresentação à 1ª Vara do documento de óbito (declaração/certidão); Idade Superior a 21 anos: o socioeducando atingiu a idade de 21 anos, prazo máximo limite para cumprimento de medida; Semiliberdade: o processo em meio aberto é extinto quando o socioeducando recebe uma outra sentença com medida de semiliberdade; Não Identificado: não foi possível identificar no banco de dados o motivo da extinção.
Processos transferidos: número de socioeducandos que mudaram de município (não residem mais no município de Natal/RN. (DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL – DPSE. SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL AO ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM MEIO ABERTO DA CIDADE DO NATAL/RN, 2019).
21
segunda parte que trata mais especificamente da Política de Assistência Social
e da sua relação com o Serviço Social, analisando o surgimento de
regulamentações e legislações.
O capítulo 2 objetiva uma especificação no contexto do adolescente. Em
seu primeiro tópico, o capítulo busca problematizar a relação do adolescente
marginalizado pela sociedade capitalista e o cometimento do ato infracional, bem
como abordando as legislações próprias para este segmento da sociedade. No
segundo tópico a abordagem foi inteiramente voltada para o Serviço de Proteção
Especial a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio
Aberto na perspectiva de desbravar o trabalho realizado com os socioeducandos
e atingir o objeto da pesquisa que é analisar os rebatimentos do Serviço na
perspectiva de vida deles.
Vale salientar que o enfoque desta pesquisa é o adolescente, porém, é
importante esclarecer que as categorias de criança e juventude, que são
distintas, aparecem ao longo do trabalho por fazer parte de um ciclo progressivo
da vida do ser humano, ou seja, não tem como separar esses conceitos em
determinados momentos, pois estão ligados na cronologia do desenvolvimento
humano e no decorrer da discussão sobre as políticas públicas, mas ficará claro
o espaço de cada um em menções realizadas mantendo o foco na adolescência.
22
2 PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL: DA ORIGEM À CONQUISTA COMO
POLÍTICA DE DIREITO.
Este capítulo visa realizar a concepção da assistência social no Brasil. A
princípio é trazido elementos de como a assistência social era vista e entendida
na sociedade pré-capitalista, ou seja, como benesse e aquém da perspectiva do
direito, sendo tratada como a forma de “resolver” as necessidades da população
carente através de favores, filantropia, caridade e ajuda. Para tanto, discorre-se
sobre as fases que o desenvolvimento socioeconômico brasileiro obteve durante
o processo histórico da nossa sociedade, bem como as influências sofridas neste
âmbito de países exteriores que tiveram rebatimento no desenvolvimento da
assistência social no Brasil.
A conquista desta política social foi se adequando e se hierarquizando
com o passar do tempo como consequência de uma construção social. Será
possível, neste capítulo, o entendimento desse desenvolvimento histórico da
política social, sendo imprescindível perpassar por fatores sociais ligados a esse
processo, como a já citada categoria econômica, a organização dos
trabalhadores, os ganhos e perdas em meio a lutas, a conquista da Constituição
Federal de 1988, o surgimento da Seguridade Social e seus desdobramentos
dentro da política de assistência social, todos esses acontecimentos estão
articulados dentro desse processo histórico.
O objetivo é explicitar como foi o surgimento, o processo de
desenvolvimento, a definição de cada campo da área assistencial e como se
apresentam atualmente.
Utilizou-se nesta pesquisa, como base de referência, a perspectiva crítico-
dialética da tradição marxista2, pautada por um estudo baseado na realidade,
historicidade e criticidade.
2 O método crítico-dialético traz uma solução complexa e inovadora do ponto de vista da relação sujeito-objeto: uma perspectiva relacional que foge ao empirismo positivista e funcionalista e ao idealismo culturalista. [...] problematiza-se o surgimento e o desenvolvimento das políticas sociais no contexto da acumulação capitalista e da luta de classes (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).
23
2.1 SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO DE PROTEÇÃO
SOCIAL: DAS SOCIEDADES PRÉ-CAPITALISTAS À CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 E AS INFLUÊNCIAS HISTÓRICAS DURANTE ESSE
PROCESSO.
No chamado período pré-capitalista ou capitalismo mercantil, referente à
primeira fase do capitalismo iniciada no século XV que teve duração de três
séculos, com base nas análises de Behring e Boschetti (2006), ainda não haviam
nem indícios da perspectiva de intervenção do Estado para sanar as
necessidades emergentes da população pobre, o que levava alguns setores da
sociedade, como os de iniciativa privada e igrejas, a realizarem ações com
caráter de ajuda a essas pessoas que viviam doentes e como indigentes.
As ações realizadas por essas entidades eram esporádicas, pouco
efetivas e tinham um viés repressivo por terem como objetivo a contenção de
atos reivindicatórios por parte da população desprovida de condições mínimas
de sobrevivência vista como se vivessem fora da “ordem” da sociedade, esse
conceito de ordem era utilizado baseado na concepção dos privilegiados, que
seguiam uma moral cristã, agia em torno da ideia de exclusão da mendicância,
distantes do sentido de proteção social, tal como preconizada
contemporaneamente, abordagem que será realizada de forma mais detalhada
ao longo do texto. Paralelo à filantropia e caridade exercidas no Brasil na era
pré-capitalista, é relevante destacar três eventos a nível mundial, que refletiram
nas mudanças que ocorreram posteriormente no Brasil.
Ainda de acordo com Behring e Boschetti (2006), um desses eventos
aconteceu na Inglaterra e diz respeito à criação de seis leis entre os anos de
1349 e 1834, que representou uma das primeiras ações voltadas para os
trabalhadores e necessitados, sendo assim compreendidas e consolidadas
através de uma legislação específica. Destacamos aqui que os fatos ocorridos
no capitalismo não acontecem sem um propósito definido. A legislação citada
anteriormente continha diversos aspectos que merecem fortes ressalvas, sendo
relevante adentar nesse processo para que haja a compreensão da sua
influência no Brasil.
Vale salientar, ainda, que dentro deste período do século XVII para o
século XVIII houve o surgimento do pensamento liberal que foi fator
24
intensificador da repressão aos trabalhadores por ser um sistema que se
fundamenta na representação da defesa do trabalho mercantilizado e o livre
funcionamento do mercado.
O liberalismo é um sistema relevante (no sentido de estabelecer ações
que causam impactos na sociedade, porém, positivos apenas para setores
específicos e privilegiados), pois solidifica-se na ideia do fortalecimento do
mercado como regulador das relações econômicas e sociais, o que é antagônico
à intervenção estatal na perspectiva do bem-estar coletivo, além de defender a
busca pelo interesse individual e se posicionar contra os projetos em prol da
coletividade. Afirma-se que “o predomínio do mercado como supremo regulador
das relações sociais, contudo, só pode se realizar na condição de uma suposta
ausência de uma intervenção estatal” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 56),
determinando, portanto, uma contribuição para a solidificação da desigualdade
social.
Retomando as leis inglesas, as autoras afirmam que a primeira criada foi
o Estatuto dos Trabalhadores (1349), seguida do Estatuto dos Artesãos -
Artífices (1563), chegando posteriormente a Leis dos pobres elisabetanas (entre
1531 e 1601), a Lei de Domicílio – Settlement Act (1662), a Speenhamland Act
instaurada pouco mais de um século depois (1795), e por fim, a Lei Revisora das
Leis dos Pobres, ou Nova Lei dos Pobres - Poor Law Amendment Act (1834).
Segundo as afirmações observadas por Behring e Boschetti (2006) em
relação à representatividade destas leis, não se pode negar um avanço em
termos de concretização de uma legislação trabalhista, que foi marcada como
uma origem, porém eram primitivas e apresentavam um caráter repressor, não
protetor e tinham como fundamento impor o trabalho a todos aqueles que
dependiam de sua força de trabalho para sobreviver independentemente das
condições oferecidas a eles, sem possibilidade de negociações, objetivando
proibir a mendicância e submetê-los a condições que não eram favoráveis
(BEHRING; BOSCHETTI, 2006) .
Dentre essas seis leis destacam a Speenhamland, de 1795 como a
primeira a proporcionar uma sutil autonomia ao trabalhador, destacada pela sua
descaracterização do viés repressor tão evidente nas demais leis exatamente
por proporcionar alguns direitos importantes.
25
Ela estabelecia o pagamento de um abono financeiro, em complementação aos salários, cujo valor se baseava no preço do pão. Diferentemente das leis dos pobres, a Speenhamland garantia assistência social a empregados ou desempregados que recebessem abaixo de determinado rendimento, e exigia como contrapartida a fixação do trabalhador, pois proibia a mobilidade geográfica da mão-de-obra (CASTEL, 1998, p. 178 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 49)
Além disso, a Speenhamland atrasou a implementação do livre mercado
permitindo que o trabalhador “negociasse”, ainda que minimamente, o valor de
sua força de trabalho. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Contudo, esse avanço se estabeleceu de forma restrita e transitória, pois,
ainda na Inglaterra, com o início da Revolução Industrial no século XVIII e com
a revogação da Speenhamland, pela Nova Lei dos Pobres, em 1834, a filantropia
voltou a ser responsável pelo vago suprimento das necessidades sociais,
retrocedendo com a ausência das já limitadas garantias implementadas aos
trabalhadores através da revogação dos direitos que tinham sido garantidos pela
lei Speenhamland.
A linhagem de regresso em termos de direitos dos trabalhadores e à
população necessitada, intensificara-se na Inglaterra do século XVIII para o XIX
no avançar do processo de industrialização que se iniciava e a evolução do
capitalismo apontando como marcante característica, neste momento da
história, a intensificação da exploração do trabalho, sendo, a propósito, a
Revolução Industrial, que se alastrou pelo mundo e, inclusive, foi o outro evento
internacional que influenciou nas transformações societárias no Brasil. Essa
Revolução diz respeito à chegada das máquinas para produção de mercadorias
em substituição ao trabalho artesanal – manufaturado - que era realizado até
então.
Ainda de acordo com as disparidades sociais que a chegada da
Revolução Industrial e o capitalismo promoveram, a evolução do processo de
precarização do trabalho - e do trabalhador - ao longo da história de seu
desenvolvimento e, finalmente, a desigualdade social como uma de suas
grandes consequências apresentando reflexos negativos em vários aspectos da
vida de indivíduos, chegamos, então, a um conceito bastante utilizado dentro das
discussões na perspectiva crítico-dialética dos processos sociais e no serviço
social que são as chamadas expressões da “questão social”.
26
Ao adentrar no processo da Revolução Industrial, é necessário antes
esclarecer esse conceito através de análises realizadas por estudiosos da área
do campo da assistência social, pois são termos que serão mencionados em
diversos momentos nesse texto.
Na abordagem deste contexto de desigualdade social intrínseco ao
modelo industrial de produção e ao capitalismo concorrencial e monopolista
sustentado sobre a exploração do trabalhador, Santos (2012) faz observações
indispensáveis dentro do tema da “questão social” que subsidia o entendimento
da abordagem que será utilizada adiante. A autora traz uma premissa que deve
ser levada em consideração para o entendimento do termo “questão social”
dentro desta discussão que é o fato da forma como os estudiosos do serviço
social analisam a “questão social”, muitas vezes citada entre aspas por ser
tratada como um conceito e não como uma categoria.
De acordo com Santos (2012) a “questão social” em si, a partir da
concepção de que não pode ser alçada ao estatuto de uma categoria, e,
portanto, não existe em uma realidade, deve ser entendida como um conceito,
afirma-se a existência não da “questão social”, mas de suas expressões
determinadas pela desigualdade fundamental do modo de produção capitalista.
É explicitado na análise da autora que há um debate restrito sobre esse conceito
e que seria necessário oferecer mais que o debate conceitual. O considerável
volume de textos de circulação nacional já não pode ser relacionado à
tematização da questão social no Brasil, direção na qual é visível a escassez
bibliográfica. Desse modo, a proposição da autora visa contribuir com essa
lacuna explicitada por ela.
Acerca dessa abordagem, Santos (2012) conclui mencionando seu
posicionamento e contribuição em relação à discussão do conceito da questão
social:
Assim sendo, tentei formular [...] o mais fidedignamente possível, mas sem qualquer pretensão exaustiva – a unidade entre os fundamentos marxianos da “questão social” e algumas de suas manifestações históricas na realidade brasileira transitando entre os “núcleos de fundamentação” e sua relação dialética. (SANTOS, 2012, p.14)
27
Ainda complementando e trazendo mais proposições para complementar
esse conceito, temos a afirmação trazida por Iamamoto (2007) de que a questão
social assimilada como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, tem uma raiz comum: a produção social é cada
vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a
apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da
sociedade. A referência feita é à pequena parcela da sociedade, os capitalistas
detentores dos meios de produção, e a produção coletiva se restringe a mão de
obra necessária ao acúmulo de lucro que não são apropriados pelos
trabalhadores.
Esse processo de determinações na busca pelo enfrentamento das
expressões da questão social por parte dos trabalhadores se configura mais
intensamente com a chegada da Revolução Industrial na Inglaterra. Afirma-se
que os impactos foram alarmantes, a população rural aglomerou-se nos centros
industriais em busca de sobrevivência, pois não tinham como competir através
de suas produções manuais com as máquinas, eram impostos regimes
desumanos de trabalho, chegando a 16 horas dentro da fábrica realizando
atividades repetitivas sendo negado o acesso ao produto final ao qual os
trabalhadores fizeram parte do processo de construção.
Se as legislações sociais pré-capitalistas eram punitivas, restritivas e agiam na intersecção da assistência social e do trabalho forçado, o “abandono” dessas tímidas e repressivas medidas de proteção no auge da Revolução Industrial lança os pobres à “servidão da liberdade sem proteção”, no contexto de plena subsunção do trabalho ao capital, provocando o pauperismo como fenômeno mais agudo decorrente da chamada questão social. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p.51).
Behring e Boschetti (2006) mencionam em sua obra a Grande Crise de
1929, associados aos dois principais eventos internacionais que influenciaram
no Brasil, complementa-se com esse terceiro evento mundial que teve enorme
relevância econômica no Brasil, chamada também de Grande Depressão (ápice
de 1929 a 1932) a qual causou grande impacto mundial, desestruturou a bolsa
de valores de Nova York e regrediu números econômicos em todo o mundo,
alcançando alto índice de desemprego, queda de ações entre outras
28
especificidades em nível econômico que serão mais detalhadas ao abordar,
adiante, seus rebatimentos no Brasil.
Os principais fatos históricos, sociais e econômicos que ocorreram
internacionalmente, tiveram consequências que provocaram transformações
societárias no Brasil. Adentrando nos rebatimentos desses eventos no Brasil,
iniciamos essa relação com a discussão do processo de industrialização.
Destaca-se que ele se alastrou mundialmente, porém, especificando que
sua chegada ao Brasil se deu por volta de 1930, juntamente com o processo de
evolução do capitalismo para sua segunda fase – capitalismo industrial ou
concorrencial – e também em torno do mesmo período da grande crise de 1929
que refletiu também no Brasil, ou seja, foram três grandes eventos internacionais
que se alastraram e chegaram a este país trazendo muitas mudanças,
impactando diretamente na vida da população por trazer novas formas de
produção e acarretando mudanças no sentido da produção manufatureira,
propriamente dita.
Ao tratar das modificações nas formas de produção é necessária uma
abordagem crítica que permeia a relação homem-trabalho em relação ao sentido
e significado construídos histórica e socialmente. Para Behring e Boschetti
(2006), deve-se considerar que todo esse processo de mudança internacional
com rebatimentos no Brasil, trouxe a mudança do trabalho, essencialmente
falando, nas relações sociais e suas reproduções. Isso está para além de
produção mercantil e renda, pois altera valores essenciais no Ser homem.
O sentido dessa análise, em especial, é ressaltar que o trabalho havia
representatividade na vida do homem desde os primórdios passando por toda
sua evolução histórica, porém, é possível perceber com mais clareza o
entendimento sobre a transformação da essência do trabalho para o homem
antes e após o processo de industrialização através do seguinte destaque:
Na sociedade pré-industrial ou não capitalista, as atividades de trabalho eram indissociáveis das demais atividades da vida social (Marx, 1987). Na sociedade capitalista burguesa, o trabalho perde seu sentido como processo de humanização, sendo incorporado como atividade natural de produção para a troca, independente de seu contexto histórico (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 50).
29
Fica evidente uma mercantilização aguçada do trabalho, traduzido
principalmente na intenção da obtenção de lucro por parte dos burgueses,
alterando o sentido de vida social dos trabalhadores e suas condições de
subsistência e convivência social. Em termos práticos, essa mudança do sentido
do trabalho para o homem se perde como processo de humanização, excluindo
suas próprias essências sociais e reprodutivas de relação, a produção passou a
acontecer em massa e mercantilizada visando somente o acúmulo de riqueza e
o lucro para a burguesia.
Afirma-se como o fator essencial deste novo modo de produção pós-
industrialização, bem como o define, como uma dinâmica onde se estabelece “a
posse privada dos meios de produção por uma classe e a exploração da força
de trabalho daqueles que não os detém. Esta separação entre meios de
produção e produtor e a consequente subordinação direta deste ao dono do
capital permitem que se instaure o ciclo de vida do capital”. (MARTINELLI, 2011,
p.31).
É o que ela define como o seu processo de acumulação primitiva,
tornando, a partir disso, as relações produtivas mais complexas por objetivarem
a acumulação da riqueza e o lucro, sendo essas as principais características
deste modo de produção. O capitalismo mascarava a perversa realidade de que
o seu crescimento se deu à custa de muita exploração da classe trabalhadora,
onde a pobreza crescia na mesma proporção em que gerava concentração de
riqueza nas mãos da burguesia. (MARTINELLI, 2011).
O processo de globalização da produção e dos mercados intensificou a
precarização, sendo necessária a exigência de qualidade dos produtos imposta
pela competitividade intercapitalista para que seja garantido a geração de renda
dessa produção e dos mercados, complementando com a lógica da
terceirização, categoria necessária para o entendimento da precarização do
trabalho: as empresas tornam-se enxutas através da criação de uma empresa
“principal”, uma espécie de matriz, e criam ramificações menores para fornecer
produtos e serviços, instaurando o que se denomina de terceirização, e as
empresas menores - as terceiras – “tendem, cada vez mais, a precarizar as
relações de trabalho, reduzir ou eliminar direitos sociais, rebaixar salários,
estabelecer contratos temporários, o que afeta profundamente as bases de
defesa do trabalho” (IAMAMOTO, 2007, p. 31).
30
Como fator intensificador desse contexto de precarização do trabalho, a
força do liberalismo incorporado pelo capitalismo apenas respondeu às
necessidades sociais de forma pouco expressiva ainda na transição do século
XIX para o XX, o que culminou em reivindicações por leis que representassem
melhorias, porém, foram avanços ínfimos sem chegar à raiz do problema,
inclusive por não ser prioridade deste sistema.
Dentro desse cenário de pequenas respostas aos trabalhadores e
necessitados, afirma-se que:
Pautada na luta pela emancipação humana, na socialização da riqueza e na instituição de uma sociabilidade não capitalista, a classe trabalhadora conseguiu assegurar importantes conquistas na dimensão dos direitos políticos, como o direito de voto, de organização em sindicatos e partidos, de livre expressão e manifestação (BARBALET, 1989 apud BEHRING E BOSCHETTI, 2006, p. 64).
Foram movimentos de extrema importância, e independentemente de não
terem conquistados a mudança da ordem social, aumentaram direitos sociais
(BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 64). Ainda é pertinente acrescentar mais um
evento fora do Brasil que rebateu dentro dele: a Revolução Russa de 1917 que
influenciou na fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922,
representando a organização da esquerda no Brasil por muitos anos.
Ainda sobre o influxo dos eventos mundiais na história societária e
econômica do Brasil, nesta época – início do século XX - o cenário era de
exploração e subordinação do trabalhador – assalariado e destituído dos meios
de produção – ao capital e de aumento demográfico ao passo que se elevava os
níveis de miséria e pauperização – extrema pobreza - restando como alternativa
a esses trabalhadores submeter-se à ocupação do único espaço que lhe era
possível: a fábrica.
Aos arredores das fábricas, cidades foram formadas de forma crescente
através da habitação desses trabalhadores que necessitavam se instalar junto a
suas famílias próximo ao local de trabalho. Se desenvolveu um grande grupo
populoso urbano, proveniente de sua origem rural, destituídos de condições de
dignidade enfrentando a miserabilidade em moradias precárias e desumanas,
surgindo novas formas de relações sociais consequentes do aumento das
31
relações impessoais, intensa exploração da força de trabalho exigida em menos
tempo e maior ritmo e redução do período de descanso (YAZBEK, 2010).
Além das consequências negativas que o trabalho industrial trouxe aos
trabalhadores, fazendo relação do trabalho com a geração de lucro e com a
economia, e levando em consideração que o café era o maior produto em termos
de geração de lucro neste período, representante de uma grande unidade na
economia, é pertinente mencionar que havia uma insatisfação dos empresários
que atuavam fora desta área cafeeira por falta de condições de legitimar seus
interesses econômicos.
Neste cenário de disputa, ocorre a chamada “Revolução de 30” no Brasil,
apesar de não ser consenso entre os estudiosos da área de que esse fato tenha
sido uma revolução, propriamente dita, foi um movimento caracterizado pelas
mudanças na correlação de forças entre as classes dominantes, também
trazendo consequências para os trabalhadores. Este evento designou o
enfraquecimento da economia cafeeira resultando na abertura de espaços para
outras oligarquias, como a do gado e açúcar que não tinham tanta força quanto
a do o café, trazendo assim, uma diversificação na economia do Brasil
(BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Fontenele (2016) destaca fatos prematuros das ações que seriam
implementadas no Brasil representando uma ideia de proteção social e que
marcaram a trajetória dessa política ao longo dos anos de 1930 (quando Vargas
assume o poder) até 1980 (processo de redemocratização). Com relevância de
exposição afirma-se que o período de 1930 a 1943 “pode ser caracterizado como
os anos de introdução da política social no Brasil” (BEHRING; BOSCHETTI,
2006, p. 106). Ressalta-se que em meio a este período (de 1964 a 1985) houve
o golpe militar que teve grandes repercussões negativas, marcadas na história
como um período nefasto sendo abordado mais detalhadamente após as ações
relacionadas à ideia de proteção social serem destacadas.
Alguns feitos impostos pelo governo a partir da década de 1930 foram a
criação do Ministério do Trabalho (1930) e da carteira de trabalho (1932), criação
do primeiro Instituto de Aposentadorias e Pensões – IAPs (1933) e daí se
desenvolveu um “sistema público de previdência” (BEHRING; BOSCHETTI,
2006, p. 106), porém, vale destacar que:
32
Os IAPs ofereciam um conjunto de benefícios e serviços de acordo com a contribuição dos trabalhadores, dos empresários e do Estado, que não eram uniformes e, segundo Bravo (2000), possuíam uma orientação contencionista, diga-se, estavam menos preocupados com a prestação de serviços e mais com a acumulação de reservas financeiras. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p.107).
Ainda em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública,
sendo o acesso bastante restritivo, e:
Em relação à assistência social, Draibe e Aureliano (1989) consideram que é difícil estabelecer com precisão o âmbito específico dessa política no Brasil devido ao caráter fragmentado, diversificado, desorganizado, indefinido e instável das suas configurações (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 107).
Entretanto, com a criação da Legião Brasileira de Assistência Social
(LBA), em 1942, primeira instituição de âmbito nacional com grande estrutura,
de natureza estatal, mas proveniente de colaboração entre o poder público e o
poder privado para atuação com as famílias dos convocados para a guerra,
ocorre uma espécie de unificação de serviços assistenciais, porém, foi através
dela que se instaurou o estigma do clientelismo na relação Estado-sociedade,
crescendo sem perder essas características assistencialistas e seletivas que
perdurou por muitos anos neste campo da assistência social.
Nos anos 1940, na vertente da juventude, surge o Código de Menores e
o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), que tinha como objetivo a
“assistência aos menores”, de cunho asilar, atuando através de uma perspectiva
de correção, repressão e punição; em 1943, através da Consolidação das Leis
Trabalhistas – CLT, foi reconhecida a categoria dos trabalhadores pelo Estado.
A implementação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS),
mecanismo utilizado somente por volta dos anos 1960, já às portas do golpe
militar, objetivou uniformizar as ações da previdência; a criação do Estatuto do
Trabalhador Rural e o salário-família, ainda nesta década. (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006). Aparentemente eram projetos de tentativas de melhorias,
mas que em sua essência não colocava o trabalhador como prioridade além de
subalternizá-lo e manter a intenção de benefício do lucro para os burgueses.
33
Em seguida ocorre a ditadura militar no Brasil que permaneceu no poder
de 1964 a 1985, ou seja, perpassou o processo das primeiras ações realizadas
tidas como “proteção social” citadas acima, nesse momento histórico – no regime
ditatorial - “O Estado amplia seu nível de intervenção, tornando-se o eixo político
da recomposição do poder burguês, com a implantação de novas estratégias de
desenvolvimento [...], intensificando o nível de exploração da classe operária. ”
(YAZBEK, 2010, p.87). Nota-se um aumento do poder interventivo com foco na
ampliação dos poderes burgueses e, consequentemente, aumentando o nível de
exploração dos trabalhadores intensificando o cenário de desigualdade social no
Brasil. Neste período há uma imersão em um contexto de autoritarismo e
extrema repressão para com os operários.
Algumas medidas foram implementadas durante a ditadura militar, como
o aumento de novos segurados pelo Instituto Nacional de Previdência Social –
INPS com expansão de assistência médica previdenciária; criação da Renda
Mensal Vitalícia - RMV destinada aos idosos e inválidos com baixa renda; criação
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS; criação do Ministério da
Previdência e Assistência Social – MPAS. (YAZBEK, 2010, p. 88).
A emergência da ditadura no Brasil, de acordo com Netto (2015)
ultrapassava as fronteiras do país diante do fato de ter feito parte de um
momento onde houve uma sucessão de golpes de Estado pelo mundo e, aqui,
aconteceu sob a liderança norte-americana, em prol de uma contrarreforma
preventiva para submeter os países à dinâmica da economia capitalista, isso já
se trata de um objetivo do golpe militar exposto de forma sucinta, além disso,
existia o desejo de realizar uma homogeneidade e profundidade da
internacionalização do capital, trazendo aqui a importante afirmação de uma real
intenção em impossibilitar os destacados e engajados sociopolíticos que
pretendessem resistir a essa subalternização ao sistema capitalista.
As particularidades históricas brasileiras, de acordo com Netto (2015),
consistem em serem discutidas a partir de análises endógenas, tendo em vista
que fatores desse movimento se moviam dentro de cada sociedade e de acordo
com ela, interferidas por seus elementos sociais particulares. E houveram linhas
de forças que foram centrais na contribuição das efetividades desejadas para o
Brasil, como a criação de um movimento econômico interno com uma linha
voltada fortemente para o mercado externo.
34
Existia uma dependência externa para a prática de ações no Brasil, era
um país que se encontrava a mercê das forças econômicas exteriores,
[...] sobretudo, pelas circunstâncias próprias dadas pelo imperialismo, de uma estrutura de classes em que à burguesia não restava fundamento político-econômico objetivo para promover quer a evicção do monopólio oligárquico da terra - [...] - quer para realizar suas “clássicas” tarefas nacionais, posta a sua formação dependente e associada com os centros externos. (NETTO, 2015, p. 32).
O golpe militar no Brasil promovido pela autocracia burguesa (Fernandes,
1975 apud Netto, 2015) promoveu um novo país imerso em um conjunto de
fatores constituídos a fim de dominar o poder político se utilizando de um regime
ditatorial que introjetou na sociedade um outro projeto econômico, social e
político. Segundo Netto (2015), Florestan Fernandes trata como “descolonização
incompleta” os problemas herdados da colonização no Brasil, e afirma que
nenhum deles foi resolvido através da esfera ditatorial, muito pelo contrário,
houve intensificação e agravamento nas mais diversas atmosferas políticas e
sociais do país, “o desastre nacional em que se resume o saldo da ditadura para
a massa do povo brasileiro desenhou uma sociedade de características muito
distintas das existentes naquela em que triunfou o golpe de abril” (NETTO, 2015,
p. 29).
Daí em diante o capital monopolista, progressão do sistema no século XX,
adquiriu mais intensidade em relação aos seus propósitos econômicos e sociais.
É indispensável citar um grande sistema conflitante consequente do Golpe de
1964 que foi a perda da força progressista no Brasil ocorrido de modo repressivo,
ultra autoritário e cruel, houve:
Uma recorrente exclusão das forças populares dos processos de decisão política: foi próprio da formação social brasileira que os segmentos e franjas mais lúcidos das classes dominantes sempre encontrassem meios e modos de impedir ou travar a incidência das forças comprometidas com as classes subalternas nos processos e centros políticos decisórios. A socialização da política, na vida brasileira, sempre foi um processo inconcluso – e quando, nos seus momentos mais quentes, colocava a possibilidade de um grau mínimo de socialização do poder político, os setores de ponta das classes dominantes lograram neutralizá-lo. Por dispositivos sinuosos ou
35
mecanismos de coerção aberta, tais setores conseguiram que um fio condutor costurasse a constituição da história brasileira: a exclusão da massa do povo no direcionamento da vida social. (NETTO, 2015, p. 33 e 34).
Mudanças se instalaram no país e conflitos foram inevitáveis, o regime
autocrático objetivava dominar os diversos setores da sociedade, como no
universo cultural, buscando integralizar sua própria política de forma global no
que se refere as políticas sociais. No quesito educação, umas das principais
áreas de interesse de domínio dos militares, essas mudanças se baseavam em
introduzir a concepção ditatorial neste envolto já com mudanças em termos de
qualidade e estrutura proveniente da autocracia burguesa consideradas como
conservadoras.
[...] ocorrem mudanças, que vão se efetivar durante as décadas de 1960 e 1970, no sentido de expansão e modernização do sistema de proteção social do país. Trata-se de um processo de modernização conservadora, pois essas mudanças não significaram uma ruptura com os padrões meritocráticos prevalecentes até então [...]. (YAZBEK, 2010, p.88).
O regime ditatorial não acompanhou o ritmo do mercado externo, mas
sempre manteve ligação e dependência dele, alimentou possibilidades de
crescimento para a sociedade que iam além de suas possibilidades de
concretização, ampliou o mercado interno, é fato, porém mantinha uma
cobertura limitada da política social brasileira, conduzida sob medidas
tecnocratas, conservadoras e restringindo direitos civis e políticos. (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006).
Neste período da história do Brasil, os militares buscaram modernizar e
expandir as políticas sociais, sob a mesma lógica autoritária:
Para Faleiros (2000), no contexto de perdas das liberdades democráticas, de censura, prisão e tortura para as vozes dissonantes, o bloco militar-tecnocrático-empresarial buscou adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização de políticas sociais. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p.136).
Registra-se como medidas realizadas: centralização da previdência social
no Instituto Nacional de Previdência Sociais (INPS), em 1966; em 1967 os
36
acidentes de trabalho passam à responsabilidade do INPS; Funrural ampliou a
previdência para os trabalhadores rurais, modelo este de previdência que
passou a cobrir também empregadas domésticas (1972), jogadores de futebol e
autônomos (1973) e os ambulantes (1978). Cria-se a Renda Mensal Vitalícia
para idosos pobres sob pré-requisitos estabelecidos, criação do Ministério da
Previdência e Assistência Social em 1974, incluindo a Fundação Nacional para
o Bem-estar do Menor (Funabem) em substituição ao SAM, extinto em 1964,
mantendo o caráter punitivo que já existia.
Houve também a criação da Central de Medicamentos (CEME), Empresa
de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev), após ampla
reforma esse conjunto se transformou no Sistema Nacional de Assistência e
Previdência Social (SINPAS), em 1977, compreendendo o INPS, Instituto
Nacional de Assistência Médica (Inamps) e o Instituto Nacional de Administração
da Previdência Social (Iapas). A saúde não foi priorizada pelo setor público, fator
negativo para a sociedade, atendendo interesses do próprio setor na relação da
indústria de medicamentos e artigos médico-hospitalares.
Também houve ações para fornecimento de habitação popular com
estratégias para elevar a economia, mas sem nenhuma transparência dos
gastos públicos.
Contudo, no mesmo passo em que se impulsionavam políticas públicas mesmo restritas quanto ao acesso, como estratégia de busca de legitimidade, a ditadura abria espaços para a saúde, a previdência e a educação privadas, configurando um sistema dual de acesso às políticas sociais: para quem pode e para quem não pode pagar. Essa é uma das principais heranças do regime militar para a política social [...] outra herança é a de que, mesmo com uma ampliação dos acessos públicos e privados, milhões de pessoas permaneciam fora do complexo assistencial-industrial-tecnocrático-militar. (FALEIROS, 2000 apud BEHRING E BOSCHETTI, 2006, p. 137. Grifo dos autores).
Essa dinâmica da autocracia burguesa seguiu-se e durante os últimos
anos do regime ditatorial – do final dos anos 1970 para 1980 - se iniciou um novo
processo de união entre determinados setores da sociedade com intuito de
mobilizar reivindicações por mudanças diante de um regime autoritário que já se
estendia por quase vinte anos e era, obviamente, incapaz de manter o bem-estar
coletivo, além de começar a haver um desgaste desse modelo vigente do golpe
militar com rebatimentos negativos na economia.
37
Não havia perspectiva de mudança no quadro de desigualdade social
extrema em que o Brasil vivenciava e com a chegada desse momento da história,
de acordo com Yazbek (2010), percebe-se que a sociedade civil se articula
através de movimentos sociais na busca pela redemocratização e pela conquista
do Estado Democrático de Direito, trazendo força para o movimento sindical e
organizações da população e comunidades ligadas a fragmentos progressistas
da Igreja Católica.
Esses movimentos sociais demonstram um nível de consciência e capacidade de organização em Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sindicatos, organizações profissionais liberais, meios universitários, Igrejas e imprensa. Expressam-se em greves, reivindicações coletivas, movimentos contra a carestia, movimento por eleição direta para Presidência da República, pelo respeito a direitos humanos, entre vários outros. (YAZBEK, 2010, p. 88)
Neste contexto de luta pela redemocratização, o Brasil adentra nos anos
de 1980 com uma imagem extremamente negativa em termos econômicos –
conhecida como a década perdida – porém traz elementos importantes da
emergência de “conquistas democráticas, em função das lutas sociais e da
Constituição de 1988” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p.138).
Para a economia foi um período desastroso onde ocorreu de forma
generalizada entre outros países com processos de endividamento,
empréstimos e um cenário economicamente grave trazendo consequências
sociais como empobrecimento intenso no Brasil, aumento da demanda nos
serviços públicos diante da limitação dos direitos, desemprego, informalização
na economia, prioridade dos produtos para exportação em contraponto às
necessidades internas. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Não foi através do que Behring e Boschetti chamam de “Assembleia
Nacional livre e soberana, mas de um “Congresso constituinte”, que trouxe
ganhos para a classe trabalhadora. O movimento operário superou a força que
a elite estabelecia sobre ela:
Sua presença e sua ação interferiram na agenda política ao longo dos anos 1980 e pautaram alguns eixos na Constituinte, a exemplo de: reafirmação das liberdades democráticas; impugnação da desigualdade descomunal e afirmação dos
38
direitos sociais; reafirmação de uma vontade nacional e da soberania; [...] direitos trabalhistas; e reforma agrária. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 141).
A análise segue sob as perspectivas de Behring e Boschetti (2006), que
afirmam que a nova agenda neoliberal3 se fazia presente e incomodava,
tornando a Constituinte um processo árduo de disputas de hegemonias, mas que
desenhou, entre outras pautas, o processo de surgimento da Seguridade Social
– mais aprofundada adiante -, grande conquista para a classe trabalhadora.
Destaque também para a conquista da primeira eleição direta presidencial
no Brasil pós ditadura militar, enviesando para uma crise política devido aos
eixos opostos dos dois candidatos principais que chegaram ao segundo turno –
Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello. Era a permanência da
disputa entre a classe operária – representada por Lula – e a classe dominante
– representada por Collor, efervescendo todo processo de luta por interesses de
classe após tantas mobilizações já efetivadas pelos operários para derrubada do
militarismo.
O grande destaque nesse processo – 1988/1989 - foi a conquista da
redemocratização e configuração de uma Constituição baseada pelos princípios
de “universalização, responsabilidade pública e gestão democrática” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006, p.144). Daí nasce o conceito de Seguridade Social que
precisa ser abordado como mais uma das grandes conquistas em termos de
direitos para a população garantida na Constituição Federal de 1988, marco na
sociedade brasileira na consolidação da democracia, considerada como a Lei
fundamental e suprema do país, podendo ser designada como ápice de todo
processo de luta pela redemocratização do Brasil após o Golpe de 1964.
(BRASIL, 2017).
Após a CF/1988 houve avanços e conquistas no campo da saúde e
previdência, que são os outros dois setores que compõem a Seguridade Social
junto à Assistência Social, porém, o foco desta pesquisa se limita à assistência
social. É importante ressaltar também que houveram medidas dentro desse
3 Como já abordamos o liberalismo, especificamos aqui que o neoliberalismo, como o próprio nome sugere, é uma renovação do liberalismo clássico, defendendo a liberdade de mercado, intervenção mínima do Estado em políticas públicas e na economia.
39
processo da constituinte consideradas como negativas para a classe
trabalhadora, como:
A contraditória convivência entre universalização e seletividade, bem como o suporte legal ao setor privado, em que pese a caracterização de dever do Estado para algumas políticas [...], a derrota das emendas sobre a reforma agrária e a vitória dos ruralistas, grandes proprietários de terra (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 145).
Mas, dentro de uma das maiores conquistas da constituinte, temos a
implementação da Seguridade Social, e especificando melhor esse sistema, fica
evidenciado que “com a Constituição de 1988 são colocadas novas bases para
o atual Sistema de Proteção Social brasileiro com o reconhecimento de direitos
sociais das classes subalternizadas em nossa sociedade” (YAZBEK, 2010, p.
89). Firmando uma nova percepção sobre o campo da proteção social, se tornou
um marco para a sociedade, passando, então, a Assistência Social a compor,
juntamente com a Saúde e a Previdência Social, o tripé da Seguridade Social.
A partir de então, de acordo com a análise de Couto (2009), a assistência
social é uma política de direito não contributiva que se configurou como tal após
um longo processo de reivindicações da classe trabalhadora, como evidenciado
até aqui. Antes disso não era considerada política social pública nem era
entendida como parte constituinte do campo do direito, da universalização dos
acessos nem como responsabilidade do Estado. Isso significa que a parcela da
sociedade que vivia em situações de vulnerabilidade, extrema pobreza e,
portanto, marginalizada, não tinha acesso a uma série de direitos que se
configuram como básicos para vivência humana.
Como já afirmado em outros momentos, os indivíduos que integravam
esse contexto viviam sem perspectiva de garantia dessas necessidades e sem
meios e respaldo algum para buscar e cobrar a efetivação delas, por isso existia
fortemente um caráter de assistencialismo, benevolência e conservadorismo nas
ações voltadas para essas pessoas e foi a partir da Seguridade Social
implementada na CF/1988 que esse quadro mudou efetivamente trazendo a
perspectiva do direito aos cidadãos.
Em articulação com as outras políticas da Seguridade Social (Saúde e
Previdência Social), a assistência social tem o dever de fornecer à população a
40
segurança de sobrevivência, de acolhida e de convívio familiar. Além disso,
assegurou o direito à população de participar das decisões e deliberações
relacionadas à assistência social a partir do surgimento dos Conselhos de
Assistência Social.
Portanto, diante dos elementos sóciohistóricos expostos até aqui, se faz
necessário entender que dentro de todo o contexto da Proteção Social até a
Constituição Federal de 1988 no Brasil houveram ganhos e perdas, avanços e
retrocessos, luta de classes e disputas de correlação de força de interesses de
cada setor da sociedade. A contradição é condição permanente da realidade da
dinâmica dentro de uma democracia que foi conquistada a duras penas e os
ciclos de discussão política e econômica continuarão e permanecerão enquanto
houver democracia e interesses distintos dentro de uma sociedade dividida,
como consequência de um sistema político e econômico não igualitário.
41
2.2 RELAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL COM A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL: LUTAS, AVANÇOS, CONQUISTAS E REGULAMENTAÇÕES.
O Serviço Social no Brasil apresenta, em seu histórico de
desenvolvimento como profissão, ampla conexão com a política social. Como
explicitado no capítulo anterior, temos como pano de fundo da construção
histórica dessa relação a grande crise capitalista mundial de 1929 e seus
rebatimentos no Brasil e a Revolução Industrial chegada neste país em 1930,
quando houve notória intensificação das expressões da questão social. Porém,
como vimos, ao entrar no período do regime militar em meados dos anos 1960
temos o Serviço Social envolvido de forma mais direta no enfrentamento desse
quadro de extrema pobreza e desigualdade social intensificados nesta década.
Antes deste período, de acordo com Netto (2015), o serviço social no
Brasil interferia de forma homogênea, caminhando de acordo com os
acontecimentos da época ditatorial, não confrontava formas de abordagens, era
uma unidade carente de uma perspectiva significativamente teórica, avançando
dentro de um consenso posto pelo sistema e isso só começou a mudar em torno
dos anos 1970.
Há de se colocar, segundo Netto (2015), como fator importante nesse
processo de evolução do serviço social e superação da autocracia burguesa a
laicização4: “tal laicização, com tudo o que implicou e implica, é um dos
elementos caracterizadores da renovação do Serviço Social sob a autocracia
burguesa” (Netto, 2015, p. 169). A laicização foi importante, pois trouxe uma
independência do fazer profissional em relação ao estigma de caridade.
Não se pode negar que houve contradição nesses acontecimentos, onde
a autocracia burguesa ainda criava espaços para se auto gestar, o intuito do
regime militar era mobilizar profissionais para que atendessem aos seus
interesses, mas as lutas sociais dos estudantes, parte dos profissionais e a
introdução teórico-metodológica e crítica-analítica que o Serviço Social se
4 “A ruptura com este cenário tem suas bases na laicização do Serviço Social, que as condições novas postas à formação e ao exercício profissionais pela autocracia burguesa conduziram ao ponto culminante; são constitutivas dessa laicização a diferenciação da categoria profissional em todos os seus níveis e a consequente disputa pela hegemonia do processo profissional em todas as suas instâncias (projetos de formação, paradigmas de intervenção, órgãos de representação, etc.)”. (NETTO, 2015, p.169).
42
engendrava trazia a possibilidade e iniciativa de questionamentos a essa ordem
burguesa e autoritária, inclusive foi encontrando lacunas no regime militar que
gerou inquietação e questionamentos dos profissionais, estudantes e envolvidos
em movimentos sociais que buscavam superar essa ordem.
Esse processo de renovação do Serviço Social pode ser entendido com a
seguinte afirmação:
Entendemos por renovação o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendências do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais. (NETTO, 2015, p.172).
Entende-se, através da análise de Netto (2015) que o processo de
renovação do Serviço Social foi permeado por disputas de legitimidade nas
práticas e de valorização da teoria, notado como um avanço. O intuito principal
desta pesquisa não é detalhar o processo de renovação da profissão sob a
autocracia burguesa5, mas citá-lo como fator importante na relação do Serviço
Social com a política de Assistência Social contemporânea.
Portanto, no intuito de realizar uma síntese com os principais fatos desse
processo que a profissão enfrentou objetivando a superação do
conservadorismo, passando por fases de reconceituação e reatualização, é
conveniente nos reportarmos a alguns fatos marcantes desse processo, como o
importante sustentáculo dado pelo Centro Brasileiro de Cooperação e
Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS), aos quatro fundamentais seminários
de teorização (Seminário de Araxá em 1967; Teresópolis em 1970; Sumaré em
1978; Alto da Boa Vista em 1984), ao crescimento da área da pesquisa dentro
das academias com cursos de pós-graduação questionadores da ordem
burguesa, à formação de agências e categorias profissionais, entre outros
5 Ver o processo de renovação da profissão do Serviço Social na obra de Jose Paulo Netto: “Ditadura e Serviço Social, uma análise do serviço social no Brasil pós-64” onde ele é registrado detalhadamente.
43
percursos enriquecedores para, então, entrar no processo de ruptura com o
tradicionalismo da profissão existente até então.
Temos o desenvolvimento do acesso acadêmico à origem da teoria
marxista com fortalecimento de análises teóricas, estando esse fator totalmente
ligado com as bases do processo de renovação do Serviço Social. (NETTO,
2015). O pluralismo se fazia presente de forma legítima, e ainda é uma realidade
que, em algumas vertentes, liga a profissão ao conservadorismo, mas essa
relação com o marxismo abriu possibilidades de crescimento intelectual, teórico
e prático, sendo referência teórica e metodológica, inclusive para a criação dos
códigos de ética da profissão em 1947, depois 1965, 1975, 1986 e sua última
versão construída em 1993.
Os Códigos de Ética do Serviço Social acompanharam o processo
histórico social e foram evoluindo de acordo com o progresso da profissão, das
regulamentações, dos estudos e teorias. Também foi referência para a
construção do Projeto Ético Político da Profissão que caminhou junto a esse
processo de avanços expostos e apresenta orientações em relação à
perspectiva e direção da profissão, ele
Tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. (NETTO, 1999, p. 404-5 apud BRASIL, 2016)
Através desse avanço a profissão se conectou com as necessidades da
população de forma totalmente distinta do que era nos primórdios. Como vimos,
o surgimento e desenvolvimento da política de assistência social foram
permeados por negações e preconceitos que giram em torno da ideia de uma
política estigmatizada pela visão do clientelismo e caridade. Couto e Silva (2009)
reafirmam:
O caminho percorrido pela sociedade brasileira no trato do campo da política pública apresenta-se eivado de contradições, onde por um lado a garantia constitucional da Seguridade Social e do tripé que a compõe (Previdência Social, Saúde e
44
Assistência Social) vai buscar romper com a forma tradicional do trato do campo da proteção social brasileira e por outro é necessário o enfrentamento do enraizamento dos pré-conceitos que permeiam a compreensão corrente sobre o papel do Estado e da sociedade brasileira. Esses pré-conceitos serão mais evidenciados no campo da assistência social, uma vez que o preceito constitucional de “dever do Estado e direito do cidadão” não encontra um solo histórico propício. (COUTO; SILVA, 2009, p. 32).
Além de tratar do solo da assistência social no Brasil, é pertinente, ainda,
fazer menção à análise de Couto (2015) no que se refere ao objeto de disputa
que o campo da política social representa para a classe trabalhadora e para o
capital. Isso se dá, de acordo com a autora, devido à capacidade que a política
de assistência social possui em atender interesses das duas classes quando
pode corresponder ao alcance de direitos universais para os trabalhadores, fator
positivo para esse grupo ou representar uma forma de atenuação de possíveis
conflitos gerados por mobilizações do proletariado que visa reivindicação de
direitos, beneficiando, neste último caso, os capitalistas.
Dentro desta disputa afirma-se que o serviço social foi fundamental,
Teve e [...] tem uma participação indiscutível na construção e na defesa dos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais, nesse país onde o termo direito não faz parte do cotidiano daqueles que não têm acesso a ele por meio das políticas sociais. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 192. Grifo nosso).
Além disso, a categoria obteve mais força e legitimação através de leis
que foram promulgadas no intuito de estabelecer a regulamentação da profissão
determinando fatores legais imprescindíveis no trato da política de assistência
social à população.
Em relação à legislação em torno do Serviço Social e da política de
assistência social, é propício iniciar esse momento mencionando a Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS, n° 8.742 de 1993 que regulamentou os pontos
inseridos na Constituição Federal de 1988 referentes à política de assistência
social, estabelecendo critérios para assegurar o direito do cidadão e a atuação
profissional sendo uma das primeiras e principais leis a serem promulgadas
neste âmbito.
45
A Assistência Social é um direito constitucional não-contributivo, que deve
assegurar a quem dela necessitar e a LOAS veio para organizar esta política
como tal, estabelecendo critérios, regras e normas objetivas. O intuito era
construir uma rede de proteção social de forma legal e de modo a serem
cumpridas, estabelecendo uma organização mais clara para o acesso de
profissionais e usuários às leis que regulamentam o direito à assistência social,
bem como reforçá-las (BRASIL, 2009).
Em seu artigo 1° consta que:
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 2009).
E em torno dessa definição clara no que diz respeito à Política de
Assistência Social como direito garantido ao cidadão outras ações foram se
concretizando em prol deste campo da Seguridade Social e do profissional
atuante na área. Onze anos depois, em 2004, A Política Nacional de Assistência
Social – PNAS veio fortalecer a LOAS, sendo implementada por meio do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, da Secretaria
Nacional de Assistência Social – SNAS e do Conselho Nacional de Assistência
Social – CNAS, compromissada em materializar as diretrizes da LOAS,
aprimorar e efetivar a Assistência Social como política pública, sendo resultados
de um amplo processo de construção coletiva.
O empenho da construção e efetivação da PNAS também girou em torno
de se tornar mais um componente forte desta política e já visando preparação e
construção do Sistema Único de Assistência Social – SUAS (BRASIL, 2005).
Seguindo o processo de construção e aprimoramento da política de
Assistência Social, o SUAS foi implementado em 2005, mas só regulamentado
em 6 de julho de 2011, pela Lei 12.435, representando uma conquista histórica
para a política de Assistência Social no Brasil. Na ocasião em que o Projeto de
Lei da Câmara n°189/2010, conhecido como PL SUAS foi sancionado, o
Conselho Federal de Serviço Social - CFESS e alguns Conselhos Regionais de
46
Serviço Social - CRESS foram representados através da presença de
conselheiros na cerimônia.
O Projeto, que altera a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS contém
em seu texto, aprovado e sancionado, que a prestação de assistência social se
tornaria descentralizada e a gestão passaria a ser compartilhada entre governo
federal, estados e municípios.
A representação destas mudanças para os assistentes sociais, usuários
e para o próprio serviço foi extremamente relevante, pois fornece margem legal,
através de normas jurídicas universais, para que os profissionais possam cobrar
a efetivação dos serviços voltados aos usuários, bem como para a luta por
melhoria nas condições do próprio trabalho. Além disso, representou um maior
reconhecimento pelo Estado no que diz respeito aos direitos dos cidadãos e
esforço e compromisso do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
Fome – MDS e demais gestores da política de assistência social (CFESS, 2011).
O SUAS é mais um sublime reconhecimento para esta área, ampliando a
cobertura da Política de Assistência Social no país estando entre os marcos da
política social, assim como a LOAS e a PNAS que já faziam esse papel atuando
na consolidação da assistência social como política de Estado (BRASIL, 2011).
A PNAS aborda conceitos extremamente completos em relação a toda
política de assistência social, nela é posto que a proteção social tem como
essência a garantia de três fatores fundamentais para alcançar as necessidades
sociais, são eles: “a garantia da segurança de sobrevivência (de rendimento e
de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar” (BRASIL, 2005, p.
31). Para cada categoria dessa, existe uma pesquisa aprofundada que justifica
a garantia da política ser baseada nelas. Sobre a segurança de sobrevivência, o
texto da PNAS especifica:
A segurança de rendimentos não é uma compensação do valor do salário mínimo inadequado, mas a garantia de que todos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famílias desprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão digno e cidadã. (BRASIL, 2004, p. 31).
No que diz respeito à segurança de acolhida é exposto que:
47
Entende-se como uma das seguranças primordiais da política de assistência social. Ela opera com a provisão de necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação, ao vestuário e ao abrigo, próprios à vida humana em sociedade. A conquista da autonomia na provisão dessas necessidades básicas é a orientação desta segurança da assistência social. É possível, todavia, que alguns indivíduos não conquistem por toda a sua vida, ou por um período dela, a autonomia destas provisões básicas, por exemplo, pela idade – uma criança ou um idoso –, por alguma deficiência ou por uma restrição momentânea ou contínua da saúde física ou mental. (BRASIL, 2005, p. 31).
Já sobre a segurança de convívio ou vivência familiar, é exposto sobre a
possibilidade de existir
A necessidade de separação da família ou da parentela por múltiplas situações, como violência familiar ou social, drogadição, alcoolismo, desemprego prolongado e criminalidade. Podem ocorrer também situações de desastre ou acidentes naturais, além da profunda destituição e abandono que demandam tal provisão. A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela política de assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de perda das relações. É próprio da natureza humana o comportamento gregário. É na relação que o ser cria sua identidade e reconhece a sua subjetividade. A dimensão societária da vida desenvolve potencialidades, subjetividades coletivas, construções culturais, políticas e, sobretudo, os processos civilizatórios. As barreiras relacionais criadas por questões individuais, grupais, sociais por discriminação ou múltiplas inaceitações ou intolerâncias estão no campo do convívio humano. A dimensão multicultural, intergeracional, interterritoriais, intersubjetivas, entre outras, devem ser ressaltadas na perspectiva do direito ao convívio (BRASIL, 2005, p.31).
Fica claro, através das regulamentações, que o Estado é o responsável
por essa garantia à população necessitada da assistência, através da garantia
da cidadania, universalização da cobertura e do acesso aos serviços (BRASIL,
2005).
Em um maior aprofundamento no sentido do progresso da política de
assistência social e tendo em vista que seu funcionamento se dá a partir da
articulação com outras políticas sociais, programas e serviços que juntos
promovem a aplicabilidade do direito ao cidadão, entende-se que a assistência
48
social não é possibilitada de forma singular nem deve ser parâmetro de
resolução de situações individuais ou grupais, por partir do princípio de que as
necessidades sociais das pessoas possuem origem comum, ou seja, possuem
raiz na desigualdade social e de classe que desencadeiam no surgimento das
expressões da questão social. Esse é o processo que resulta nas situações de
precariedade e, sobretudo, ao não acesso aos direitos que devem ser garantidos
pelo Estado (BRASIL, 2011).
Em novembro de 2009, através da Resolução 109, considerando
resoluções do CNAS, PNAS, NOB/SUAS, NOBRH/SUAS, deliberações em
Conferências, Plano Nacional de Assistência Social e ações do MDS6, foi
aprovado a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais baseado em
níveis de complexidade dos casos do SUAS, norteado por estudos que são
realizados pelos órgãos e secretarias responsáveis, baseados nas
fundamentações teóricas e metodológicas que subsidiam as conclusões acerca
desse contexto social.
Sendo assim, de acordo com a Tipificação, dentro da Política de
Assistência Social tem-se uma subdivisão em Serviços de Proteção Social
Básica, Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade e
Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, os quais serão
diferenciados para maior compreensão, enfatizando que será abordado com
mais detalhes a Proteção Especial de Média Complexidade por ser a que se
responsabiliza pelo Serviço foco dos objetivos propostos nesta pesquisa.
6 O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em reunião ordinária realizada nos dias
11 e 12 de novembro de 2009, no uso da competência que lhe conferem os incisos II, V, IX e XIV do artigo 18 da Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS); Considerando a Resolução CNAS n.º 145, de 15 de outubro de 2004, que aprova a Política Nacional de Assistência Social (PNAS); Considerando a Resolução CNAS n.º130, de 15 de julho de 2005, que aprova a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS); Considerando a Resolução CNAS n.º 269, de 13 de dezembro de 2006, que aprova a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOBRH/SUAS); Considerando a deliberação da VI Conferência Nacional de Assistência Social de “Tipificar e consolidar a classificação nacional dos serviços socioassistenciais”; Considerando a meta prevista no Plano Decenal de Assistência Social, de estabelecer bases de padronização nacional dos serviços e equipamentos físicos do SUAS; Considerando o processo de Consulta Pública realizado no período de julho a setembro de 2009, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS);
49
Quadro síntese disponibilizado na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. (MDS,
2009).
A proteção social básica diz respeito ao cumprimento de objetivos de
prevenção de reais fatores de risco por meio do fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários, bem como à realização de um trabalho voltado a
proporcionar condições reais de desenvolvimento de potencialidades para
indivíduos que estejam sob o risco de vivenciar situações de
Vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras) (BRASIL, 2005, p. 33).
Dentro da proteção social básica, busca-se evitar que ocorra a violação
de direitos e a perda do vínculo familiar e comunitário, é um trabalho preventivo,
que conta com projetos, programas e serviços voltados para este objetivo em
torno do acolhimento adequado para cada situação demandada no serviço de
acolhimento.
50
A instituição de referência na proteção básica é o Centro de Referência
de Assistência Social – CRAS e é nesta instituição que há o funcionamento dos
serviços que contam com a atuação de equipes multiprofissionais com
assistentes sociais, psicólogos e educadores sociais. O CRAS é uma instituição
de natureza pública estatal e está inserida nas zonas mais precárias das cidades
de todo o país. É nesta instituição que se organiza e materializa o trabalho
preventivo de interrupção de vínculos comunitários e familiares, bem como de
esclarecimento e encaminhamento da população necessitada de benefícios
permanentes ou eventuais, sendo considerada como instituição de porta de
entrada aos serviços socioassistenciais.
Os serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica deverão se articular com as demais políticas públicas locais, de forma a garantir [...] ações desenvolvidas e o protagonismo das famílias e indivíduos atendidos, de forma a superar as condições de vulnerabilidade e a prevenir as situações que indicam risco potencial. Deverão, ainda, se articular aos serviços de proteção especial, garantindo a efetivação dos encaminhamentos necessários. (BRASIL, 2005, p. 34-35).
Essa definição da função da proteção social básica consta na PNAS de
forma completa e compreensível concluindo o trabalho que é executado nessa
instância, que:
Realiza, ainda, [...] o mapeamento e a organização da rede socioassistencial de proteção básica e promove a inserção das famílias nos serviços de assistência social local. Promove também o encaminhamento da população local para as demais políticas públicas e sociais, possibilitando o desenvolvimento de ações intersetoriais que visem a sustentabilidade, de forma a romper com o ciclo de reprodução intergeracional do processo de exclusão social, e evitar que estas famílias e indivíduos tenham seus direitos violados, recaindo em situações de vulnerabilidades e riscos. São considerados serviços de proteção básica de assistência social aqueles que potencializam a família como unidade de referência, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo de seus membros e da oferta de um conjunto de serviços locais que visam a convivência, a socialização e o acolhimento, em famílias cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos, bem como a promoção da integração ao mercado de trabalho (BRASIL, 2005, p. 35).
51
A Proteção Social Especial de Média Complexidade abrange as
demandas através da organização da oferta de serviços, programas e projetos
de caráter especializado, destinado a famílias e indivíduos em situação de risco
pessoal e social, por violação de direitos. Neste caso, se adentra em situações
mais delicadas no sentido de diversos tipos de contextos que desaguam na
exclusão social, como a pobreza, miséria, indigência, dissuasão social, entre
outras. Aborda as situações onde houveram violações de direitos, porém,
quando os vínculos familiares e comunitários ainda não foram interrompidos.
O trabalho é voltado para um acolhimento baseado na perspectiva do
fortalecimento desses vínculos, isto significa abranger esse conceito de
fortalecimento de vínculos para além de fatores socioeconômicos, mas inclusão
em seu contexto familiar, social e cultural buscando trazer protagonismo às
famílias e indivíduos dentro da lógica do acesso aos seus direitos sociais
buscando evitar que não cheguem a ser apartados. Dentro das demandas que
chegam ao serviço de média complexidade, podemos dizer que:
A modalidade de atendimento assistencial (é) destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (BRASIL, 2005, p. 37).
Neste sentido, de acordo com a PNAS, a estratégia técnico-operacional
deste segmento da proteção social necessita de uma boa estrutura de atenção
especializada e continuada, é importante ressaltar esse enfoque na perspectiva
especializada diante da complexidade das demandas.
Em relação à instituição de referência para estes serviços, programas e
atendimentos, existe o Centro de Referência Especializado em Assistência
Social – CREAS, ele se configura como uma instituição de natureza pública
estatal, com abrangência municipal ou regional e atuação territorial. Comporta
equipes de referência multiprofissional para o atendimento de indivíduos e
famílias que vivem sob risco pessoal ou social em decorrência da violação de
direitos e vulnerabilidade (BRASIL, 2011).
52
Como exemplo de situações atendidas nas unidades, podem ser citadas
as questões dos demais tipos de violência, a exploração sexual, tráfico de
pessoas, cumprimento de medidas socioeducativas, entre outros, com viés
voltado para a capacidade de proteção, conscientização e promoção de direitos
humanos e socioassistenciais através dos serviços disponibilizados pela política
de assistência social. O CREAS trabalha com o Serviço de Proteção e
Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, Serviço
Especializado em Abordagem Social – SEAS e o Serviço de Proteção Social aos
Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto.
(BRASIL, 2011).
Além de focar na efetividade da disponibilização dos recursos para o
investimento na superação da situação apresentada pelo usuário, um resultado
positivo depende também de um trabalho realizado de forma articulada com
outras instituições da rede de atendimento para a reconstrução das situações de
violação. Com os serviços que também são de responsabilidade do CREAS, a
Abordagem de Rua, Serviço de Habilitação e Reabilitação na comunidade das
pessoas com deficiência e Cuidado no Domicílio, a proteção social especializada
de média complexidade se completa (BRASIL, 2005).
Os objetivos do CREAS se constituem na oferta de serviços que propicie
acolhida e escuta qualificada visando o fortalecimento da função protetiva da
família; na interrupção de padrões de relacionamentos familiares e comunitários
com violação de direitos; na potencialização dos recursos para a superação da
situação vivenciada e reconstrução de relacionamentos familiares, comunitários
e com o contexto social, ou construção de novas referências, quando for o caso;
no acesso das famílias e indivíduos a direitos socioassistenciais e à rede de
proteção social; no exercício do protagonismo e da participação social;
prevenção de agravamentos e da institucionalização (BRASIL, 2011).
A atenção ofertada nos CREAS possui como eixos norteadores o
atendimento especializado e qualificado; o território e localização em que a
instituição se encontra; o acesso aos direitos socioassistenciais; a centralidade
na família no sentindo de fortalecimento de vínculos e protagonismo social;
mobilização e participação social; trabalho em rede (BRASIL, 2011).
O CREAS está inserido em todo território nacional e Natal – RN possui
uma desta instituição em cada zona da cidade: norte, sul, leste e oeste. Antes
53
de abordar as particularidades desta região, é importante ressaltar os aspectos
da territorialização que são fundamentais dentro do funcionamento da política de
assistência social.
O aspecto da territorialização consta no artigo 5° da Norma Operacional
Básica da Assistência Social - NOB/SUAS, aprovada em dezembro de 2012,
verificada e deliberada pelo CNAS e consta como uma das diretrizes
estruturantes do sistema SUAS. A PNAS também aborda a territorialização com
extrema relevância necessária diante das particularidades da realidade brasileira
que não é homogênea e da intensa desigualdade social que reflete de diferentes
formas em cada espaço geográfico.
Considerando a alta densidade populacional do País e, ao mesmo tempo, seu alto grau de heterogeneidade e desigualdade socioterritorial presentes entre os seus 5.561 Municípios, a vertente territorial faz-se urgente e necessária na Política Nacional de Assistência Social. Ou seja, o princípio da homogeneidade por segmentos na definição de prioridades de serviços, programas e projetos torna-se insuficiente frente às demandas de uma realidade marcada pela alta desigualdade social. Exige-se agregar ao conhecimento da realidade a dinâmica demográfica associada à dinâmica socioterritorial em curso (BRASIL, 2005, p. 43).
Como consta no texto da PNAS, com base em leituras territoriais advindas
de equipes profissionais se confirma a necessidade da descentralização do
atendimento social aos indivíduos incorporando o envolvimento de políticas
locais, levando em consideração o cotidiano, cultura, historicidade e trazendo a
intersetorialidade na busca pela resolução de demandas similares dentro de um
mesmo território.
Dessa forma, uma maior descentralização, que recorte regiões homogêneas, costuma ser pré-requisito para ações integradas na perspectiva da intersetorialidade. Descentralização efetiva com transferência de poder de decisão, de competências e de recursos, e com autonomia das administrações dos microespaços na elaboração de diagnósticos sociais, diretrizes, metodologias, formulação, implementação, execução, monitoramento, avaliação e sistema de informação das ações definidas, com garantias de canais de participação local. Pois, esse processo ganha consistência quando a população assume papel ativo na reestruturação (BRASIL, 2005, p. 44).
54
O intuito é uma política pública que agregue os aspectos relevantes da
territorialização para a efetivação da política de assistência social,
descentralizada e intersetorial, no sentido de trabalhar a assistência para
minimizar as necessidades de um grupo que as possuam em bases parecidas
no mesmo contexto social, e articulação em rede entre os setores da política de
assistência social.
Assim, a operacionalização da política de assistência social em rede, com base no território, constitui um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa política. Trabalhar em rede, nessa concepção territorial significa ir além da simples adesão, pois há necessidade de se romper com velhos paradigmas, em que as práticas se construíram historicamente pautadas na segmentação, na fragmentação e na focalização, e olhar para a realidade, considerando os novos desafios colocados pela dimensão do cotidiano, que se apresenta sob múltiplas formatações, exigindo enfrentamento de forma integrada e articulada (BRASIL, 2005, p. 44).
Retomando a Tipificação Nacional e para concluir, temos dentro dela o
Serviço de Proteção Especializado de Alta Complexidade, divididos de acordo
com níveis de agravamento, natureza e especificidades das demandas sociais.
Os serviços de proteção social especial de alta complexidade são aqueles que garantem proteção integral – moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e, ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e, ou, comunitário. Tais como: Atendimento Integral Institucional; Casa Lar; República; Casa de Passagem; Albergue; Família Substituta; Família Acolhedora; Medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade (semiliberdade, internação provisória e sentenciada); Trabalho protegido (BRASIL, 2005, p. 38).
Partindo dessa exposição a respeito da importância da territorialização
dentro da política de assistência social e concebendo a realidade das distinções
de cada região é que ressaltamos as particularidades da região sul de Natal,
onde se encontra o CREAS, protagonista desta análise.
De acordo com a revisão do Plano Diretor de Natal de agosto de 2017, a
região administrativa sul é composta por sete bairros: Lagoa Nova, Nova
55
Descoberta, Candelária, Capim Macio, Pitimbu, Neópolis e Ponta Negra. São
esses bairros que o CREAS - Sul atende as demandas.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
do censo 2010 a região possui 166.491 habitantes, correspondendo a 20,71%
da população de Natal, que ocupam 51.243 domicílios e cujo valor do rendimento
médio mensal, o mais alto da cidade que possui uma média de 1,78, é de 3,45
salários mínimos. Ou seja, é uma região que possui aspectos positivos em
relação às outras regiões da cidade, com menos habitantes e abrangendo menos
bairros, refletindo, portanto, na demanda do CREAS e do Meio Aberto. Esses
fatores influenciam diretamente no atendimento, pois se possui um menor
número de casos, a equipe consegue fazer um acompanhamento mais
minucioso.
Comparado com as outras regiões em que a demanda é maior, nota-se
diferença na capacidade de acompanhar os casos de forma que permita a devida
atenção. Isso não significa que o trabalho nas outras regiões seja insatisfatório,
mas é evidente que quanto maior a demanda, mais dificuldade em investir mais
tempo em cada caso.
O fato de a região sul ser, também, acima da média em termos
econômicos no munícipio, como consta nos dados explicitados, há uma
desigualdade social menor em relação aos bairros maiores e com menos poder
econômico, essa é outra particularidade do CREAS - Sul. No entanto, é uma
região litorânea onde o trabalho informal aparece fortemente.
De acordo com os dados da pesquisa documental realizada no Serviço de
Medidas Socioeducativas em Meio Aberto da região sul, percebe-se que a
informalidade no trabalho encontra-se presente de maneira considerável no
contexto familiar dos socioeducandos, seja como única fonte de renda ou para
complementá-la.
56
Gráfico 1- Origem da renda familiar dos adolescentes socioeducandos do
Meio Aberto do CREAS Sul:
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
Inclusive, os próprios adolescentes possuem alta incidência de
experiência com trabalhos informais, tanto quando chegam ao Serviço quanto
quando termina de cumprir a medida, neste último caso, a incidência da
informalidade no trabalho é menor, mas não percebe-se grandes evoluções.
Gráfico 2 - Inserção no mercado de Trabalho
Formal no momento de chegada ao serviço:
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
32%
21%15%
32%
Trabalho Formal Trabalho Informal
Trabalho Formal e Informal Não informado
78%
11%
11%
Trabalho Informal Trabalho Formal Nunca trabalhou
57
Gráfico 3 - Inserção no mercado de Trabalho
Formal no momento de saída do serviço:
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
Além desses fatores, a integração da equipe é de extrema relevância para
o atendimento das demandas e acompanhamento dos casos que chegam ao
Serviço, e nesta instituição há uma integração interdisciplinar integrativa e
consensual onde as discussões de casos apresentam fluidez positiva, somando
no processo de acompanhamento aos adolescentes.
67%
11%
22%
Trabalho Informal Trabalho Formal Desempregados
58
3 SOCIEDADE, ADOLESCÊNCIA E ATO INFRACIONAL: ANÁLISE CRÍTICA
DAS PARTICULARIDADES DESSA RELAÇÃO.
O entendimento do contexto que envolve o adolescente inserido em
situações de violência, mais precisamente de sua relação com a prática do ato
infracional perpassa por diversos campos, é necessário que haja uma
compreensão crítica em relação ao que significa a fase da vida que diz respeito
à adolescência, ao contexto social que permeia a vida desses indivíduos, a lógica
de uma visão estigmatizada desses adolescentes, em especial os advindos de
famílias em situação de pobreza, por parte da sociedade capitalista, suas
consequências e seus rebatimentos negativos na vida destes.
Esse entendimento que iremos buscar segue a linha de análise e
referência utilizada até então, ou seja, uma “compreensão dialética das relações
sociais, nas quais os sujeitos produzem e reproduzem valores, comportamentos
e atitudes como forma de dar significado a sua existência” (VOLPI, 1999, p. 53).
É necessário que se faça uma relação entre os aspectos sociais e a
prática do ato infracional, o que não significa, porém, que esse entendimento
seja sinônimo de justificativa para o cometimento de atos que infringem as leis
nem de impunidade como muito se dissemina no chamado senso comum e na
grande mídia, mas através de uma análise crítica é possível estabelecer essa
relação que deve ser levada em consideração nesta discussão. São
adolescentes em situação de pobreza os quais são negligenciadas suas
necessidades e com seus direitos sociais violados, são vistos como ameaça à
sociedade burguesa.
Dentro deste capítulo, pretende-se analisar o contexto social do
adolescente autor de ato infracional, a prática do ato por ele cometido, a relação
desses fatos com a sociedade e com sua história no que diz respeito aos
processos de surgimento e evolução da política de assistência e proteção social
voltada para o adolescente.
59
3.1 RELAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL NOS
INCURSOS DA SOCIEDADE CAPITALISTA E A POLÍTICA DE ATENDIMENTO
A CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
A política de assistência social se desenvolveu com um alcance lento e
desigual, tanto de forma ampla, no que se refere à população, quanto no sentido
específico de, durante muito tempo, não haver uma atenção especial a
determinados grupos, neste caso, os adolescentes. Então novos anseios e
necessidades surgiram por parte da sociedade, pois as políticas públicas dignas
para os adolescentes não eram pensadas adequadamente nem postas, o que
só aconteceu tardiamente.
A relação da adolescência com a sociedade foi se constituindo em fatos
que merecem ser considerados para que se estabeleça o entendimento
pretendido no que diz respeito a adolescentes em contexto de violência e a
sociedade capitalista. O fato de crianças e adolescentes terem sido inseridos
dentro da indústria no período de ascensão da Revolução Industrial no Brasil nos
anos de 19307, permite a afirmação de que as consequências desse fato foram
se construindo historicamente, com rebatimentos negativos que implicaram em
um cenário que foi se constituindo e tomando formas diferentes ao logo dos anos
de acordo com as transformações societárias, mas sempre influenciando o
processo sócio histórico desses indivíduos.
Por exemplo, de acordo com a tese de Ferreira (2016), no século XIX e
XX teve-se uma juventude vista como incompatível com a coerência entre
desenvolvimento físico, intelectual e financeiro. O mercado utilizou essa imagem
ao seu favor e os viu como um público consumidor em potencial, o que não
significou progresso em termos de direitos. Já no período pós-guerra, a autora
afirma que houve uma intensificação da exclusão social devido fatores
econômicos que afetou adolescentes e jovens, e dez anos depois a globalização
do mercado aprofundou essa exclusão.
7 Esta fase foi abordada no primeiro capítulo deste estudo de forma mais detalhada. Ver tópico 2.1, página 22.
60
A realidade histórica de parte dos adolescentes era permeada por
exclusão, marginalização de adolescentes vistos como fora da “ordem” pela
sociedade, estigmatização dos que possuíam algum envolvimento com delitos,
preconceito, falta de planejamento e atenção voltada para esse grupo.
Como Estado não interveio tão rapidamente no quesito de proteção social
voltada para os adolescentes de forma específica e elaborada, os adolescentes
em situação de vulnerabilidade, com necessidades básicas negligenciadas e
direitos negados, eram de responsabilidade da igreja católica, assim como a
população necessitada, em geral, também era. Os direitos voltados para
crianças e adolescentes também fizeram parte de um processo gradativo e
fincado em lutas por conquistas, configurados também como um processo social.
De acordo com Volpi (1999), a partir do século XIX, é que se iniciou um
processo de abordagem com legitimidade na história de crianças e adolescentes
excluídos socialmente através de uma análise voltada para atendimento a esse
segmento. Em sua análise consta que:
Uma primeira etapa que pode denominar-se de caráter penal indiferenciado, que se estende desde o nascimento dos códigos penais de corte nitidamente retribucionista do século XIX, até 1919. A etapa do tratamento penal indiferenciado se caracteriza por considerar os menores de idade, praticamente da mesma forma que os adultos. Com a única exceção aos menores de sete anos, os quais se considerava, conforme a velha tradição do direito romano, absolutamente incapazes, cujos atos eram equiparados aos dos animais. A única diferença para os menores entre 7 e 18 anos consistia, geralmente, na diminuição da pena em um terço em relação aos adultos. Assim, a privação de liberdade por um tempo um pouco menor que dos adultos e a mais absoluta promiscuidade constituíam uma regra sem exceções (MENDES, 1999, apud VOLPI, 1999, p. 23, 24).
Após esta primeira etapa, foi promulgado em 1830, o Código Criminal do
Império do Brasil, como a primeira legislação voltada para os adolescentes
intervindo na responsabilização penal destes. Neste caso, os menores de 14
anos eram isentos de responsabilização criminal:
O Código Criminal do Império (1830) colocava a maioridade penal absoluta a partir dos 14 anos, mas crianças a partir de oito anos poderiam ser julgadas como adultos, pegando pena perpétua, caso fosse avaliado que agiram com discernimento. Durante a República, o Código Penal Republicano (1890),
61
também determinava a inimputabilidade absoluta até os 09 anos de idade e submetia aos maiores de 09 e menores de 14 anos à análise do discernimento (SILVA; OLIVEIRA, 2015, p. 17).
Essas análises do discernimento dos adolescentes foram questionadas e
criticadas, por dependerem de testes que não tinham base especializada para
avaliação de uma subjetividade em uma época onde o caráter predominante era
punitivo sem levar em consideração a historicidade do sujeito. Segundo as
afirmações de Volpi (1999), o juiz determinava o destino dos que possuíam idade
entre nove e catorze anos, podendo leva-los a casas de caráter carcerário
divididos com adultos por não ter instituição específica para eles e a submissão
a abusos dentro desses ambientes.
Dentro da realidade histórica dos direitos das crianças e adolescentes, no
século XX, mais precisamente em 1927, houve a promulgação do primeiro
Código de Menores, proposto por Mello Matos em 1902, dando início a etapa
tutelar, incluindo esse grupo em um ordenamento jurídico. (Volpi, 2001). Temos
o objetivo do Código de Menores de 1927 disposto em seu artigo 1°: “O menor,
de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos
de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência
e proteção contidas neste Código” (BRASIL, 1927, não paginado).
Porém, apesar da utilização do termo proteção8 no artigo 1° do Código de
Menores, seu cunho manteve o traço punitivo e repressivo existente marcado
pela característica de assistir crianças e adolescentes que se encontravam em
situação irregular através de postura repressiva e em situação de desamparo. A
partir deste Código, novos procedimentos foram adotados no tratamento a
crianças e adolescentes envolvendo, inclusive, seus responsáveis:
A partir desse momento o “menor” passava a receber sanções judiciais pelos seus atos, por meio de processo penal. De acordo com o Código de Menores (BRASIL, 1927), o delinquente, autor ou cúmplice de um ato qualificado como crime ou contravenção, era submetido à figura do Juiz de Menores. O juiz avaliava a conduta do acusado, devendo considerar na aplicação da sentença a idade, a situação social, o estado psicológico, mental e moral, e a situação econômica e moral de seus pais ou responsáveis (FERREIRA, 2016, p. 27).
8A mencionada “proteção” no artigo 1° do Código de Menores de 1927 estava aquém do conceito de proteção social que hoje é constitucional e possuía caráter fortemente punitivo e repressor.
62
O Código de menores de 1927 reduzia todas as questões complexas da
criança “vítima, infratora ou negligenciada numa única categoria arbitrária de
menores abandonados”9 (Volpi, 1999, p. 26). Ou seja, minimizando e
simplificando uma série de questões sociais sérias e complexas à uma única
determinação de abandono.
A partir desses procedimentos os encaminhamentos eram realizados,
envolvendo decisões entre recolhimento em instituições, entrega à
responsabilidade de uma pessoa capacitada a assumi-la ou encaminhamento a
locais para menores de 18 anos, a depender da gravidade do ato (FERREIRA,
2016).
Esse poder de decisão judicial, segundo Costa (2012) interferia na
autonomia da família sobre seus filhos, pois retiravam deles o poder de decisão
de acordo com os julgamentos aplicados em cada caso baseados,
principalmente, em fatores econômicos.
Na era Vargas, nos anos de 1940, foi implementado o Serviço de
Assistência ao Menor – SAM10, ainda durante a vigência do Código de Menores
de 1927. Não inovador, mantinha caráter repressivo, punitivo, violento e de
correção que visava ações de higienização no que diz respeito a eliminar das
ruas as crianças e os adolescentes que representavam “risco” para sociedade e
houve a percepção de que “[...] correspondia a um sistema penitenciário para a
população de menor idade” (COSTA, 2012, p. 7). A violação de direitos fez, no
passado, e faz parte das vivências que esses adolescentes são submetidos na
contemporaneidade.
O gráfico quatro aponta a incidência de situações de violação de direitos
vivenciadas por parte dos adolescentes que tiveram seus processos analisados
neste estudo, de diferentes especificidades, advindas de contextos distintos que
não se objetiva adentrar.
9 Artigo 26 do Código de Menores de 1927. 10 Já mencionado superficialmente na página 17 deste trabalho durante o resgate histórico da proteção social, trazendo neste capítulo elementos mais concisos sobre o Serviço.
63
Gráfico 4 - Incidência de violações de direitos sofridas pelos
adolescentes socioeducandos do Meio Aberto do CREAS Sul:
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
A visão era a manutenção da ordem da sociedade através de uma política
reducionista, de ajustamento social através do confinamento. Em 1964, depois
de 20 anos de funcionamento, o SAM foi extinto após denúncias e repercussão
negativa diretamente relacionados ao Serviço que tomaram grandes proporções
em termos de graves situações que ocorriam dentro da instituição, como
violência, falta de higiene, superlotação, tratamento desumano (BRITO; SILVA,
2016).
Os próprios internos se posicionaram em protestos contra os abusos
cometidos contra eles. Houve também influência de processos econômicos e
políticos no país neste período e algumas medidas foram implementadas de
forma parcial pelo governo Vargas voltadas para a educação:
Considera-se que nesse momento toda a estrutura educacional foi reorganizada, principalmente através das Reformas Capanema, que entre outras ações: criou o SENAI, o SENAC as Leis Orgânicas do Ensino Secundário, Ensino Comercial, Ensino Primário, Ensino Normal e Ensino Agrícola. (COSTA, 2012, p. 8)
Porém, haviam intenções claras na realização dessas medidas:
As intencionalidades para a educação nesse momento, que era o de fomentar o modelo econômico que necessitava de mão de obra qualificada para a manutenção do desenvolvimento no país. Enquanto havia uma dualidade no acesso aos cursos do
8
1
0
2
4
6
8
10
Sim Não informado
64
ensino superior, para as camadas mais favorecias, cabia aos filhos dos membros das camadas populares os ensinos técnicos e profissionalizantes, para alimentar a demanda do país. (COSTA, 2012, p. 8).
Sem alternativas para permanência do SAM, O Serviço foi extinto por vias
legais e em 1964 foi implementado uma nova instituição afim de assistir esses
adolescentes, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM que
visava um funcionamento opositor à repressão exercida no SAM e com
finalidades de reintegração familiar, porém, não foi isso que ocorreu.
Houve um desdobramento criando-se as unidades estaduais, Fundação
Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM, orientadas pelo Código de Menores
de 1927 ainda vigente, ou seja, através de um caráter punitivo. E como essa
implementação se deu no ano em que houve o golpe militar no Brasil, Brito e
Silva (2016, p.7), afirmam que
No regime militar, período compreendido entre 1964 e 1980, o Estado intervia de forma autoritária tendo em vista a manutenção da ordem, isso recaiu sobre a política de infância e juventude, assim como sobre as instituições de atendimento à mesma, a exemplo da FUNABEM que visava à integração do menor na comunidade, mas teve que ajustar-se ao autoritarismo e à tecnocracia predominante em tal regime, funcionando como um meio de controle social.
A duração do Código de Menores de 1927 foi de 40 anos, até que houve
sua remodelação para o Código de Menores de 1979. As leis e formas de
abordagens a crianças e adolescentes não passaram por grandes evoluções. O
sentido da legislação permanecia girando em torno da doutrina da situação
irregular11 que se definia através de
[...] privação de condições essenciais à subsistência, saúde e instrução, por omissão, ação ou irresponsabilidade dos pais ou responsáveis; por ser vítima de maus-tratos; por perigo moral, em razão de exploração ou encontrar-se em atividades contrárias aos bons costumes, por privação de representação
11 “Entre os casos considerados como situação irregular, encontrava-se o autor de infração penal que, dependendo da avaliação do juiz de menores, eram aplicadas as mesmas medidas do Código anterior, além de: advertência; colocação em lar substituto; imposição do regime de liberdade assistida; colocação em casa de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro que estivesse adequado às normas vigentes”. (FERREIRA, 2016, p. 27).
65
legal, por desvio de conduta ou autoria de infração penal. (FALEIROS, 2011 apud BRITO; SILVA, 2016, p.7, 8)
A visão do Estado para esse grupo permaneceu negligente, de acordo
com Brito e Silva (2016), onde não havia investimento em políticas públicas, não
se priorizava a escolarização, autonomia familiar para conduzir seus próprios
filhos que se viam inseridos em um contexto de violação de direitos proveniente
da omissão do Estado sendo, inclusive, culpabilizados por isso e sendo
obrigados a saírem de cena por implementação de Códigos que atuavam na
perspectiva de repressão e punição.
Sob o discurso de “proteção”, naturalizavam a falta de oportunidades e
elevavam a meritocracia como um mecanismo possível a todos, o que não
alcançava os desprovidos de privilégios que acabavam por serem punidos sem
chance de vivenciar políticas públicas de prevenção sendo responsabilizados
pela situação de miséria vivida, na chamada “individualização da pobreza em
que cada sujeito era responsável pela sua situação social” (FERREIRA, 2016,
p.28).
Esse quadro de repressão a crianças e adolescentes durou muitos anos,
como especificado, e passou a se tornar insustentável, de modo que a própria
população clamava por mudanças, por atenção especial a este grupo, políticas
voltadas para suas particularidades, extinção de um modelo de repressão injusto
que não agregava nos aspectos sócios e familiares necessários nessa fase de
desenvolvimento do adolescente. Era necessário um olhar técnico especializado
para esta parcela da sociedade levando em consideração o acesso a direitos de
responsabilidade do Estado extinguindo as arbitrariedades do governo.
E então, somente no período de luta pela redemocratização do país contra
o regime militar, protagonizado por diversas pautas de reivindicações de diretos
negados, no período de 1980 e 1990, os movimentos sociais entram em cena e
a cobrança pelos direitos voltados especificamente para crianças e adolescentes
fizeram parte desse grande momento da história.
A Constituição Federal de 198812 entrou em cena, solidificando aparatos
legais que eram voltados especificamente para crianças e adolescentes, além
12 O processo de conquista da Constituição Federal de 1988 foi abordado com mais detalhes no primeiro capítulo deste estudo, onde foi destrinchado todo o caminho histórico percorrido para o alcance deste marco na sociedade brasileira.
66
de orientações, de acordo com Ferreira (2016), e incentivos internacionais, da
luta brasileira pela redemocratização e pelo alcance dos direitos humanos
voltados para crianças e adolescentes.
A “desinstitucionalização” (1990), no espírito do ‘desmonte do entulho autoritário’, a Constituição Federal estabeleceu diversos dispositivos legais para inibir as arbitrariedades do Estado sobre o cidadão. Para a proteção dos direitos da criança, a Constituição impôs a regulamentação do seu artigo 227, do qual originou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), abrigando sob sua tutela não mais apenas a criança em situação social de risco, mas toda ‘pessoa em fase de desenvolvimento’[...] (SILVA,1997, p.34-35 apud BRITO; SILVA, 2016, p. 8).
O artigo 227 da CF/1988 determina:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Este artigo foi o princípio da exigência da priorização da criança e do
adolescente como sujeitos de direitos perante a lei, e a partir disso, em 1990, foi
aprovada, decretada e sancionada a lei N°8.069/90 referente ao Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, marco na sociedade brasileira em relação a
conquista dos direitos da criança e do adolescente e se tornou referência mundial
em termos de atenção especial voltada para este segmento da sociedade.
É uma legislação rica, completa e que dignifica a criança e ao adolescente
aos direitos apropriados a eles. Alguns artigos são imprescindíveis de citação
pela característica completa e de oferta da dignidade que todo cidadão tem
direito.
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente; Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
67
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade; Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem; Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).
Após artigos dedicados aos direitos da crianças e adolescentes na
CF/1988, mesmo com a instauração do ECA, atores judiciais especializados
possuem direito de intervenção a depender da situação em que o adolescente
se encontre no que diz respeito ao âmbito jurídico, porém as decisões devem
ser embasadas pelo que consta no ECA. É um trabalho e acompanhamento
interdisciplinar e multiprofissional dentro de cada especificidade de demanda em
relação a esses sujeitos.
É importante ressaltar que existem críticas e não há possibilidade de
exercer na íntegra o que o Estatuto preconiza diante dos diversos entraves
existentes na sociedade capitalista e não igualitária. Existem resquícios de
estigmas do passado atrelados a esses adolescentes, principalmente no que diz
respeito aos autores de atos infracionais e observações relevantes a serem
consideradas:
O ECA inaugurou uma nova ordem jurídica e institucional para o trato das questões da criança e do adolescente, estabelecendo limites à ação do Estado, do Juiz, da Polícia, das Empresas, dos adultos e mesmo dos pais, mas não foi capaz ainda de alterar significativamente a realidade da criança e do adolescente. A mudança de nomenclatura, substituindo os rótulos pejorativos de “menor”, “infrator”, “abandonado” e etc., estabeleceu a cultura do “politicamente correto”, mas quem estava nas ruas ou nas instituições antes do ECA, hoje, se adulto, está no Sistema Penitenciário ou continua sendo portador das marcas e dos estigmas incorporados durante a infância (SILVA, 2001, p.9).
Partindo para as especificidades dos objetivos propostos nesta pesquisa
e adentrando nos processos de responsabilização é pertinente mencionar o fato
68
de que o ECA atribui deveres e protagonismo às crianças e adolescentes, óbvio
que com o aparato da proteção integral do Estado e responsabilização da família
junto a esse processo.
Os adolescentes que cometem ato infracional deverão ser submetidos ao
processo judicial ao qual será decidido de que forma será aplicada a
responsabilização pelo ato cometido através do cumprimento da medida
socioeducativa estabelecida a ele pelo juiz. Consta no Art. 100 do ECA: “Na
aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas,
preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários” (BRASIL, 1990, p. 61). No Parágrafo único do artigo 100°
mencionado, constam princípios extremamente dignos de serem respeitados por
todas as instâncias que abordam crianças e adolescentes, inclusive a categoria
de segurança militar.
O Título III do ECA trata Da Prática do Ato Infracional onde iremos tomar
como referência para subsidiar as especificidades necessárias neste capítulo
que é o Serviço de Proteção Especial aos Adolescentes em Cumprimento de
Medida Socioeducativa em Meio Aberto e os possíveis avanços e rebatimentos
que esse Serviço pode causar na vida desses adolescentes.
O ECA garante direitos individuais, garantias processuais e trata das
medidas socioeducativas de forma detalhada. Além disso, especifica o processo
de remissão, das medidas pertinentes aos pais ou responsável, do conselho
tutelar, do acesso à justiça, da justiça da infância e da juventude, entre outros
capítulos complementares. Portanto, entende-se que existe uma cadeia de
articulação entre instâncias e órgãos, agregando políticas públicas de
assistência e proteção integral, inserindo a família e a comunidade no processo
de assistência a crianças e adolescentes normatizado pelo ECA.
Abordando os órgãos principais que estão à frente da defesa das crianças
e dos adolescentes, há de se expor a criação do Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente - Conanda que foi criado em torno do mesmo
período do ECA, em 1991, pela lei 8.242.
Este órgão tem autonomia para fiscalizar o poder público e administrar
recursos, orçamentos em ações voltadas para a população infanto-juvenil, bem
como ações voltadas para os direitos da criança e do adolescente proveniente
de organizações governamentais e não-governamentais, além de poder
69
deliberar diretrizes para o funcionamento dos Conselhos Estaduais, Distrital e
Municipais e Conselhos Tutelares, entre outras atribuições que configura o
CONANDA como uma das linhas de frente dentro dos órgãos responsáveis pelas
crianças e adolescentes, de extrema importância administrativa e em termos de
gerir a implementação das ações que impactam positivamente na vida desses
adolescentes (BRASIL, 2019).
Em articulação com o ECA e sob regulamentação do CONANDA através
da resolução 119/2006 e pelo Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo -
Resolução 160/2013 do Conanda - (BRASIL, 2019), considerado como mais um
avanço na regulamentação dos direitos das crianças e dos adolescentes, em
janeiro de 2012 foi instituído pela lei 12.594 o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE, que é um órgão coordenado pela Secretaria Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos
(SNCDA/MDH).
O SINASE é voltado para a regulamentação da execução das Medidas
Socioeducativas contempladas no ECA, por meios de um conjunto articulado de
princípios, regras e critérios. De ordem nacional, está inserido nos sistemas
estaduais, distrital e municipais, articulados com outros serviços da política de
proteção social (BRASIL, 2012). Em seu capítulo I, Das Disposições Gerais,
objetiva:
I - A responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei (BRASIL, 2012).
Sobre a atuação da SNDCA/MDH na coordenação do SINASE, fica
esclarecido que
Como órgão gestor nacional do Sinase, a SNDCA/MDH articula ações com instituições do Sistema de Justiça; governos estaduais, municipais e distrital; e outros ministérios, estabelecendo diretrizes nacionais de atuação – como aquelas
70
previstas pelo Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, além de parâmetros arquitetônicos, de segurança, de gestão e de socioeducação para unidades. Além disso, busca informar profissionais da socioeducação, veículos de imprensa e setor produtivo, entre outros, para que o processo de responsabilização do adolescente possa adquirir um caráter educativo, (re)instituindo direitos, interrompendo a trajetória infracional e promovendo a inserção social, educacional, cultural e profissional (BRASIL, 2019).
No estabelecimento da relação entre o contexto social do adolescente
inserido no contexto de violência, autor de ato infracional, e o processo de
desenvolvimento das políticas públicas voltadas especificamente para este
grupo é possível compreender a relevância e extrema necessidade desses
avanços e importância destas conquistas.
Como a contradição já foi apontada aqui e é fator intrínseco na realidade
humana juntamente com os processos de desigualdade social que são reflexos
do sistema econômico e político vigentes, é possível compreender que esses
direitos não chegam para todos que necessitam, e, como visto nas estatísticas
apresentadas neste capítulo, fica claro qual a parcela da população jovem perde
mais com essa realidade.
71
3.2 SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL A ADOLESCENTES EM
CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM MEIO ABERTO -
LIBERDADE ASSISTIDA (LA) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE
(PSC) E SEUS REBATIMENTOS NO CONTEXTO SOCIAL DO
SOCIOEDUCANDO.
Em termos de definição no que concerne as legislações que assistem os
adolescentes, principalmente os envolvidos em contextos de violência, os
destaques principais a serem abordados neste tópico são as determinações do
CONANDA, SINASE e ECA. O CONANDA determina que o SINASE seja o
condutor na efetivação na execução das Medidas Socioeducativas. Na
Resolução 113/CONANDA/2006 consta todo aparato legal que subsidia essa
organização dentro da política:
Os programas de execução de medidas socioeducativas são destinados ao atendimento dos adolescentes autores de ato infracional, em cumprimento de medida judicial socioeducativa, aplicada na forma da lei, em decorrência de procedimento apuratório, onde se assegure o respeito estrito ao princípio constitucional do devido processo legal (BRASIL, 2006, art. 19°).
O CONANDA determina ainda:
§ 1º Os programas de execução de medidas socioeducativas para adolescentes autores de ato infracional obedecerão aos parâmetros e recomendações estabelecidos pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e, complementarmente, pelos demais conselhos dos direitos, em nível Estadual, Distrital e Municipal; § 2º Estes programas se estruturam e organizam, sob forma de um Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE [...]. (BRASIL, 2006, art. 19°).
De acordo com o Conanda os princípios norteadores da estruturação e
organização dos programas requerem pedagogia no processo do conteúdo
socioeducativo sobre as ratificações; utilização do projeto político-pedagógico na
composição do atendimento socioeducativo; participação dinâmica e eficiente
dos adolescentes no atendimento socioeducativo; respeito à singularidade do
72
socioeducando durante o acompanhamento do mesmo; respeito e acatamento
ao cumprimento do processo socioeducativo; horizontalização no
compartilhamento de informações e saberes por parte da equipe multidisciplinar;
estratégia de métodos que pensem na instauração do desenvolvimento de
perspectivas em aspectos diversos de vida para os adolescentes; respeito à
diversidade de qualquer natureza do adolescente e participação ativa familiar e
comunitária no processo socioeducativo (BRASIL, 2006).
Através dessa cadeia de normatizações que solidificam de forma
articulada a política de atendimento ao adolescente, O ECA vem preconizar e
trazer definições claras relacionadas aos atos infracionais, em seu Título III, “Da
Prática do Ato Infracional”, no Capítulo I, Das Disposições Gerais: “Art 103.
Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção
penal.” Acrescentando no Art 104. “São penalmente inimputáveis os menores de
dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei” (BRASIL, 1990). Em
relação a crianças, o art. 101 orienta as medidas protetivas cabíveis.
Adentrando especificamente nas determinações das medidas
socioeducativas, no Capítulo IV do ECA consta as seis medidas socioeducativas
que poderão ser aplicadas ao adolescente autor de ato infracional, são elas:
advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviço à comunidade
(PSC); liberdade assistida (LA); inserção em regime de semiliberdade;
internação em estabelecimento educacional. Além disso, pode ser aplicada
qualquer uma das previstas no art. 101 (medidas protetivas), I a VI13.
A ordem percorrida pelo adolescente que comete ato infracional e é
apreendido consiste em um processo, muitas vezes, longo e burocrático por
motivos diversos, desde o momento da apreensão até o final do cumprimento da
medida, se esta for determinada em juízo. Tanto a burocratização dos serviços
13 Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente
poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. (BRASIL, 1990).
73
contribui para isto, como a subjetividade de cada adolescente em seu processo
individual de enfrentar a responsabilização pelo ato cometido.
O adolescente só pode ser privado de sua liberdade em caso de flagrante
da autoria do ato infracional ou por ordem da autoridade judiciária competente,
identificando e informando os responsáveis, bem como orientando-os – o
adolescente e a família - acerca de seus direitos. Deve-se averiguar a
possibilidade de liberação imediata, podendo sair com o responsável e
permanece aguardando a audiência, ou, quando não for cabível, ocorre a
internação durante o processo de espera da sentença em um tempo máximo de
45 dias. (BRASIL, 1990).
Uma vez cometido o ato infracional pelo adolescente e ocorrida sua
apreensão, ele poderá ser encaminhado para o Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente Infrator14 - CIAD, que é a instituição onde ele
poderá ficar, no máximo, os 45 dias citados, internado provisoriamente
aguardando a decisão judicial sobre seu processo que pode ser sua liberação
ou aplicação de medida socioeducativa. Se não for liberado, deverá aguardar a
audiência judicial que ocorre na Vara responsável onde se dará a decisão da
medida a ser aplicada de acordo com o que estabelece o ECA.
Os adolescentes possuem direito de defesa técnica por advogado,
assistência judiciária gratuita aos necessitados, bem como a solicitação da
presença de seu responsável. (BRASIL, 1990). Quando ocorre a necessidade
de ser julgado, o juiz especializado na área da adolescência determina qual a
medida socioeducativa o autor do ato irá cumprir e por quanto tempo, sendo
após esse procedimento que o adolescente é encaminhado ao Serviço de
Medida Socioeducativa.
Esse encaminhamento ocorre através do envio do processo ao CREAS –
ao Serviço, quando em meio aberto - e após seu recebimento pela equipe do
Serviço, começam os trabalhos de assistência ao socioeducando. Se a aplicação
da medida for referente a um ato infracional mais grave, é possível que o
adolescente tenha que cumprir imediatamente a medida em meio fechado que o
14 Termo arcaico em desuso que reforça o estigma que os autores de ato infracional carregam historicamente e alimenta preconceitos na sociedade que reproduz ideias do senso comum. Denominação do Centro Integrado ainda não foi modificada.
74
ECA dispõe de duas formas, como citado acima: inserção em regime de
semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional. Porém, aqui será
tratado do Serviço de Medida Socioeducativa em Meio Aberto e se trata das
medidas de Prestação de Serviço à Comunidade - PSC e Liberdade Assistida –
LA, com funcionamento no CREAS.
O Meio Aberto recebe os processos provenientes do sistema judiciário de
adolescentes entre 12 e 18 anos incompletos que cometeram o ato infracional,
porém o cumprimento da medida pode ser estendido até os 21 anos, já que,
ocorrem casos de atrasos no tempo previsto para terminar o cumprimento
integral. As medidas de PSC e LA variam de três a seis meses para serem
cumpridas, mas, de acordo com os dados coletados em pesquisa documental,
os adolescentes levam cerca de dois anos para concluir, por motivos diversos.
O adolescente fica no aguardo do contato da equipe do Serviço para
marcação do atendimento inicial para que nele sejam estabelecidos os
esclarecimentos necessários a respeito do cumprimento da medida.
Os esclarecimentos a respeito do processo de cumprimento da medida
socioeducativa se iniciam de imediato no primeiro atendimento do adolescente
na instituição (atendimento inicial), onde ele deve ir acompanhado por um
responsável. De acordo com a análise dos dados coletados, dos nove
socioeducandos que estavam em cumprimento de medida, seis tinham somente
a mãe como responsável. Neste atendimento ocorre os esclarecimentos acerca
do funcionamento do CREAS e do Serviço de Medida Socioeducativa, bem como
no que consiste o seu cumprimento e seu acompanhamento integral pela equipe
multidisciplinar.
O acompanhamento social da LA e PSC mobiliza e articula a rede,
ocorrendo na PSC a inserção dos adolescentes nas instituições parceiras do
Serviço e na LA a inserção e acompanhamento em cursos, frequência na escola
e a participação no Grupo de adolescentes (uma espécie de oficina) que foi
convencionado no município de Natal onde é proposto discussões de temas
relevantes do cotidiano e o envolvimento deles nesse processo pedagógico.
Além disso, há uma preocupação e ação voltadas para a inserção da família na
rede socioassistencial e intersetorial objetivando viabilizar o acesso aos seus
direitos. Neste caso, percebe-se a dificuldade de inserção que pode ser causada
pela falta de identificação do perfil do adolescente com os cursos e atividades
75
que a rede disponibiliza. As oficinas possuem boa adesão. O compromisso com
a frequência na escola também é uma das prioridades da LA.
Gráfico 5 - Encaminhamentos a cursos e artes no momento de
chegada ao Serviço
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
Gráfico 6 - Encaminhamentos a cursos e artes no momento em que
saem do Serviço
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
45%
44%
11%
Sim Não houve interesse Já realizava algum tipo de atividade relacionada
45%
44%
11%
Concluíram
Não houve interesse
Já realizava algum tipo de atividade relacionada
76
Gráfico 7 – Situação escolar no momento em que chegam ao Serviço
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
Gráfico 8 – Situação escolar no momento em que saem do Serviço
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
33%
67%
Frequentando a escola Ausentes da escola
56%
44%
Frequentando a escola Ausentes da escola
77
Vale ressaltar que a equipe do Serviço possui autonomia para sugerir e
solicitar ao judiciário a mudança de medida socioeducativa ou a suspensão dela
quando se apresentam dificuldades importantes, como, ameaça de morte e de
diversas ordens e problemas de saúde mental.
Para o acompanhamento, existe dois documentos essenciais tidos como
referência neste acompanhamento ao adolescente: o Plano de Atendimento
Individual – PIA e o Prontuário SUAS, este, presente em outros serviços da rede
socioassistencial.
Através do PIA é possível fazer registros em diálogo com o adolescente
sobre as diversas esferas de vida dele e, neste momento além das percepções
sobre o sujeito na forma como ele chegou ao Serviço, são traçadas metas que
deverão ser atingidas ao longo do cumprimento da medida socioeducativa. O
diálogo gira em torno dos deveres do adolescente durante esse período, como
se dará o processo de responsabilização do ato cometido através do
cumprimento da medida, direitos, do estabelecimento de metas relacionadas as
principais esferas da vida do socioeducando, como saúde, situação de
escolarização, convívio social e comunitário, relação com drogadição,
experiência de trabalho, identificação profissionalizante, documentos pendentes,
relação familiar, situação de habitação, renda, esporte, cultura e lazer, além dos
dados pessoais, como, data de nascimento, cor, sexo, endereço, filiação, entre
outros. A pesquisa mostra alguns indicadores relevantes:
Gráfico 9 – Disposição sobre raça/etnia/cor dos socioeducandos
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
0 1 2 3 4 5 6
Cor/Raça/Etnia
Branco Pardo Preto
78
O PIA se trata de um documento bastante completo e que soma no
acompanhamento ao adolescente. É através dele que os registros são feitos da
situação em que o socioeducando se encontra quando inicia a medida e ao final
do processo existe uma avaliação dos resultados para que seja verificado o que
foi alcançado, de acordo com suas possibilidades.
Outro documento fundamental é o prontuário SUAS que existe em toda
Rede15 de assistência social e consta todas as informações necessárias sobre a
vida do adolescente inserido no Serviço, se trata de, além, das suas informações
pessoais, dos registros internos de todos os procedimentos realizados pela
equipe para com o adolescente. São documentos sigilosos que só a equipe do
Serviço possui acesso. Além disso, se trabalha com relatórios de todos os
profissionais e pareceres sociais e psicológicos. Toda comunicação com o
sistema judiciário é realizada através de memorandos formais e relatórios de
situação inicial, atual e final acerca do cumprimento da medida pelo adolescente,
assinados e protocolados.
Como os adolescentes estão sendo acompanhados sob a presença de
um responsável, e pelo fato de haver, além do mencionado atendimento inicial,
outros atendimentos individuais e/ou familiares (atendimentos de
acompanhamento), tanto no CREAS, em espaço apropriado e reservado para
isso, quanto nas visitas domiciliares e institucionais (onde há o cumprimento da
PSC), o Serviço atende, por extensão, necessidades básicas de familiares dos
socioeducandos.
Quando há casos em que se visualizam questões mais complexas em
relação à família no sentido de violação de direitos, há articulação entre serviços
por meio de estudo de caso ou encaminhamentos adequados dentro do próprio
CREAS (pelo fato de o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos – PAEFI funcionar na mesma instituição) ou dentro da
Rede socioassistencial.
Essa afirmação diz respeito a enfatização de que dentro do Meio Aberto,
o adolescente tem o dever de cumprir a medida estabelecida para ser
15 “Conjunto de serviços destinados à superação de situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza ou da falta de acesso a serviços públicos e a direitos sociais”. (Brasil, 2015). “Conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção social”. (Brasil, 2012, p.19).
79
responsabilizado pelo ato infracional cometido perante a justiça e sociedade,
mas que é visto como um ser singular, que possui particularidades e está
inserido em um contexto social, familiar e comunitário que diz respeito à sua
condição social, ou seja, ele é acompanhado em uma perspectiva de totalidade,
buscando ser enxergado todas as questões possíveis que possam revelar a
melhor maneira de abrir novas possibilidades para romper com o contexto de ato
infracional.
Esse acompanhamento é realizado pela equipe interdisciplinar do
CREAS16 e possui um caráter de busca de viabilização de direitos que o
adolescente e a família possuem e muitas vezes não têm acesso e que são
violados antes mesmo dos indivíduos terem cometido qualquer infração diante
da lei. A maioria dos adolescentes em que foram analisados os dados, não
possuía documentação completa ao chegar no Serviço, premissa básica e
fundamental de todo e qualquer cidadão.
Gráfico 10 – Adolescentes com documentação completa ao
chegarem no Serviço
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
16 Assistente Social, psicólogo e socioeducador que lidam diretamente com o processo de acompanhamento do cumprimento da medida socioeducativa do adolescente. Possui advogado para quando necessário e ainda, o coordenador da instituição na liderança e os técnicos administrativos.
9
00
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Não Sim
80
Gráfico 11 – Adolescentes com documentação completa ao saírem
do Serviço
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
Vale ressaltar que, dos 7 que saíram sem a documentação completa,
todos conseguiram reduzir a quantidade de documentos pendentes.
Esse é um trabalho conjunto, com toda rede e sobretudo com a família e
comunidade, exatamente pelo fato de ser realizado de forma ampla, socialmente
falando. Ou seja, o objetivo desta política de assistência ao adolescente se
materializa no fortalecimento de vínculos para além do processo de
responsabilização, na ampla perspectiva de socioeducação. O adolescente deve
cumprir medidas que não só os responsabilize pelo ato cometido, mas que
busque fortalecer o convívio familiar e social e na superação da infração
cometida e violações sofridas.
A rede socioassistencial foi mencionada e é importante enfatizá-la já que
a essência da política de assistência social funciona através da articulação com
diversos atores, instâncias, secretarias, órgãos para consolidação da execução
de serviços, programas e projetos, tanto do próprio Estado como da sociedade.
A socioeducação em Meio Aberto depende muito da rede, pois no caso
da PSC, por exemplo, os socioeducandos necessitam estar inseridos em
instituições, de preferência públicas e sem fins lucrativos, que firmam parceria
com o CREAS e se disponibilizam a recebê-los e acompanha-los nesse processo
em que eles devem realizar a prestação de serviço à comunidade, ou seja,
7
2
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Não Sim
81
alguma atividade na instituição, sendo as horas semanais e o tipo de trabalho
desenvolvido determinados pelo ECA17.
Nem sempre existe instituições suficientemente dispostas a ser parceiras
do CREAS para contribuir nesse processo, muitas vezes por receio - o que pode
ser reflexo do estigma que os socioeducandos possuem - de receber e se
responsabilizar pelo adolescente ou por não possuírem um ambiente condizente
com o perfil do adolescente resultando numa adaptação difícil e podendo gerar
a necessidade da troca da instituição de inserção do adolescente, o que
demanda procura e tempo, sendo um dos motivos de atraso no tempo
estabelecido pela justiça para cumprimento da medida. O estigma é evidente
quando, por exemplo, apontamos que o ato infracional mais cometido, dentro
dos processos analisados, é o roubo, não considerado de extrema gravidade.
Gráfico 12 – Em relação ao ato infracional cometido
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
Confirmando a existência de forte estigma desses adolescentes, vistos
como perigosos que ficam impunes, temos uma quantidade pequena que
17 Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho (BRASIL, 1990).
67%
11%
22%
Roubo Tráfico de drogas Violência contra a mulher
82
passaram por privação de liberdade após o ato infracional cometido e apreensão.
De acordo com a assistência social voltada para eles, o trabalho é evitar a
privação de liberdade por levar em consideração que esse sistema punitivo não
possui boas perspectivas futuras que distanciem o adolescente desse tipo de
prática.
Gráfico 13 – Detenção provisória durante o aguardo do julgamento
Fonte: Coleta de dados direta (2018).
A análise de dados coletados em campo mostra que dos nove
adolescentes em que se verificou os processos, 4 tiveram descumprimento de
medida oficializados, ou seja, gerando a necessidade de comunicação à justiça
do ocorrido, necessitando voltar o processo para o judiciário para marcação de
audiência de justificação no intuito de avaliação pelo juiz do motivo pelo qual
houve o descumprimento e reanalise a reaplicabilidade da medida. Todo esse
trâmite já demanda tempo devido ao processo formal de envio e recebimento de
documentos entre o CREAS e o sistema judiciário que não é considerado rápido
e, nesse espaço de tempo, o adolescente fica apenas no aguardo.
Em alguns casos elas são reaplicadas de forma mais intensa devido terem
descumprido. Os cinco restantes não chegaram a descumprir a ponto de precisar
de nova audiência, porém atrasam o cumprimento em mais de um ano, em
média. Os motivos são variados: faltas, descompromisso, problemas
relacionados à saúde, medo de transitar em público devido ameaças sofridas,
3
6
0
1
2
3
4
5
6
7
Sim Não
83
mudança de bairro e, portanto, de comarca (o processo é assumido pela CREAS
da região que o adolescente passou a residir) e também a própria mudança de
equipe no serviço ou paralisação das atividades dos funcionários por
reivindicações trabalhistas.
Vale salientar que a equipe do Serviço de Medidas Socioeducativas em
Meio Aberto trabalha com uma proposta pedagógica e procura, por conta das
próprias estratégias, trazerem o adolescente que está disperso no cumprimento
da medida socioeducativa de volta antes que seja enviado o documento à justiça,
pois isso aumenta o diálogo, a confiança, a transmissão de credibilidade ao
adolescente que já se encontra em situação social afetada e oferece mais
oportunidades do cumprimento da medida se encerrar mais rápido.
No caso da liberdade assistida – LA, o ECA determina em seu Art. 18 que
esta deve ser aplicada na necessidade de haver um acompanhamento e
orientação ao adolescente, inserindo atividades e acompanhamento escolar. A
equipe deve trabalhar no seguinte direcionamento:
I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II - supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho (BRASIL, 1990).
Isso se traduz na forma de inserção dos socioeducandos em oficinas
desenvolvidas pelo próprio CREAS, sendo uma particularidade convencionada
pela equipe da instituição em Natal/RN, onde abordam temas relacionados a
diretos constitucionais, responsabilização e temas sociais que buscam o
envolvimento do adolescente nas discussões que, muitas vezes, eles mesmos
vivenciam ou são vítimas em seus contextos de vida. Esse trabalho enriquece o
diálogo e o conhecimento, abrindo possibilidades de reflexão destes
adolescentes.
A LA também contempla a inserção dos socioeducandos em cursos
profissionalizantes que sejam compatíveis com seus interesses, sendo a
assiduidade parte da responsabilidade do cumprimento da medida e propõe o
compromisso com a frequência relacionado à escolarização. Dos dados
analisados em campo, dos nove adolescentes que cumpriram medida
84
socioeducativa, sete entraram no serviço possuindo o ensino fundamental
incompleto, sendo que destes sete, seis estavam ausentes da escola. A idade
deles é entre 16 e 18 anos.
Esses dados são esclarecedores em relação a realidade social destes
adolescentes que não possuem acesso à vivência do que têm direito
estabelecido na legislação própria e adequada para este grupo, tendo em vista
que possuem dificuldade de acesso à escola devido a precariedade do sistema
público de educação resultando em falta de credibilidade por parte deles de que
essa atividade possa ser atrativa e abrir perspectivas futuras, o que promove um
distanciamento do que é primordial na realidade social desses adolescentes.
Diante de todo contexto histórico apresentado ao longo deste estudo, e
de alguns dados apresentados sobre os socieducandos é possível refletir de
forma concisa sobre as possibilidades de desenvolvimento social que estes
adolescentes possuem, ou seja, são propícios a permanecerem em uma
realidade distinta daquela preconizada pelo ECA no que se refere a direitos
básicos e fundamentais.
Em análise de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio -
PNAD 2013 registrado por Silva e Oliveira mostra que:
Dos 10,6 milhões de jovens de 15 a 17 anos, mais de 1,0 milhão não estudavam e nem trabalhavam e 1,8 milhão conciliavam as atividades de estudo e trabalho. [...] entre os que não estudam e não trabalham observam-se as características típicas de exclusão social do país: a maior parte é da cor negra (64,87%); 58% são mulheres e a imensa maioria (83,5%) é pobre e vive em famílias com renda per capta inferior a um salário mínimo (SILVA; OLIVEIRA, 2015, p.8).
A conclusão deste estudo citado é que a maioria dos adolescentes que
trabalha é muito pobre e possui como motivação para esta atividade o desejo de
acesso a bens de consumo, o que também se apresenta como consequência da
própria estrutura do nosso sistema econômico, “[...] o fetichismo do dinheiro e da
mercadoria parece reinar com todas as pompas: ao lado da exaltação do
mercado, o cidadão é reduzido à condição de consumidor” (IAMAMOTO, 2007,
p. 36).
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Ainda com base nas análises de Silva e Oliveira (2015) é imprescindível
destacar que os direitos constitucionais dos adolescentes não são garantidos
para todos. Esse fator também pode estar ligado ao cometimento de atos
infracionais por esse grupo. As autoras afirmam que “apontar as fragilidades
sociais de renda, escola e trabalho de parte significativa dos adolescentes
brasileiros [...] é importante para evidenciar o tamanho da dívida social do Estado
e da Sociedade com esses meninos e meninas” (SILVA; OLIVEIRA, 2015, p.6).
O estudo utilizado mostra que “os adolescentes em conflito com a lei
padecem de vulnerabilidades semelhantes às fragilidades sociais de parte da
adolescência brasileira” (SILVA; OLIVEIRA, 2015, p.6).
Portanto, diante do exposto acima, é possível compreender o que
fundamenta a afirmação de que o adolescente autor de ato infracional não deve
ser culpabilizado de forma individual e pessoal nem submetido a ações
repressivas e punitivas. O ECA garante os direitos e medidas de proteção
integral a todas as crianças e adolescentes.
É nessa perspectiva que o Serviço de Medidas Socioeducativas atua, com
o objetivo de assegurar aos adolescentes que cometeram atos infracionais seus
direitos, ademais, o adolescente deve cumprir medidas que não só os
responsabilize pelo ato cometido, mas que busque fortalecer seu convívio
familiar e social e romper com a prática do ato infracional.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela observação dos aspectos abordados neste estudo, entende-se que,
dentro do proposto, as informações contribuíram para a compreensão dos
contextos sociais problematizados.
A Política de Assistência social possui um histórico denso, permeado por
diversas fases em seu processo de evolução de acordo com os momentos
societários que interferiam nessas ações. Diante disso, não se pode deixar de
destacar os marcos deste campo que foram as principais legislações que
dignificaram o cidadão através da conquista de direitos. A Constituição Federal
de 1988 foi o grande acontecimento que materializou a redemocratização do
Brasil pós-golpe militar e a partir dela, houve a implementação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, um grande feito na história dos direitos sociais para
crianças e adolescentes.
Há de se observar que fica evidente neste trabalho, diante da utilização
do método dialético, a crítica ao sistema capitalista que traz em sua essência a
desigualdade social, ou seja, as leis foram conquistadas, são sólidas e
completas, porém, não são aplicadas de forma igualitária. E é esse ponto que
traduz a realidade social de muitos dos adolescentes que cometem ato
infracional e chegam ao Serviço de Medida Socioeducativa em Meio Aberto para
o cumprimento da medida. Não se trata de justificativas, mas de romper com o
estigma do senso comum alimentado pela grande mídia em relação a esses
adolescentes.
Como resultado, pode-se afirmar que os objetivos foram atingidos.
Através dos dados desta pesquisa, reflexões foram obtidas, como o fato de o ato
infracional mais praticado dentre os processos analisados não ser considerado
de alta periculosidade, do fato de que, dos nove socioeducandos, sete chegaram
ao Serviço com o ensino fundamental incompleto e ausente da escola, tendo
uma média de 17 anos, porém, cinco saíram do Serviço ao término da medida
com suas matrículas ativas e frequentando a escola.
O estudo social está posto também para contribuir com essa
desconstrução e essa é a base da crítica estabelecida e de onde conclui-se uma
finalização satisfatória do que foi apreendido e registrado neste trabalho como
forma de contribuição a esse processo.
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O Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à
Comunidade (PSC) possui uma proposta condizente com o ECA e com o
SINASE e sua materialização é concreta e positiva dentro de suas limitações. A
barreira que impede mais resultados positivos na vida desses adolescentes após
o cumprimento da medida é exatamente a lacuna que o Estado permite existir
de um contexto social desigual e excludente.
Temos um quadro de adolescentes em que a maioria não passou por
privação de liberdade e que a dependência química foi reduzida durante o
processo de acompanhamento da equipe do Meio Aberto.
Ou seja, respondendo então à questão central desse estudo, a análise de
dados e as apreensões bibliográficas permitem concluir que o Serviço de
Medidas Socioeducativas contribui positivamente no contexto sócio familiar
desses adolescentes, pois agregam medidas de responsabilização e de abertura
de novas perspectivas contrárias ao cometimento de ato infracional, nas ações
promovidas em torno do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e
de trazer protagonismo social a esses adolescentes e familiares na mediação do
acesso aos seus direitos porém, só podem garantir esse quadro durante o
acompanhamento, levando em consideração que a realidade é dinâmica,
portanto, mutável, e que ao final do processo a maioria dos vínculos entre equipe
e adolescente são interrompidos havendo grande possibilidade de eles se
depararem novamente com o contexto social em que eram inseridos e que, como
apontado, fomenta exclusão e desigualdade social.
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5. REFERÊNCIAS
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