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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE FURG
INSTITUTO DE LETRAS E ARTES ILA
ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS DO 6 SEMINRIO NACIONAL
DE LINGUSTICA E ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA
Rio Grande/RS
ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS DO 6 SENALLP
Organizadora:
Kelli da Rosa Ribeiro
Rio Grande/RS
6 Seminrio Nacional de Lingustica e Ensino de Lngua Portuguesa
Maio de 2017
Comisso cientfica
Prof. Dr. Alessandra Avila Martins
Prof. Dr. Dulce Cassol Tagliani
Prof. Dr. Kelli da Rosa Ribeiro
Prof. Dr. Luciana Pilatti Telles
Prof. Dr. Silvana Schwab do Nascimento
Prof. Dr. Tatiana Schwochow Pimpo
Editorao
Prof. Dr. Kelli da Rosa Ribeiro
Kamaia Rodrigues
Ivan de Oliveira da Silva
FICHA CATALOGRFICA
S471a Seminrio Nacional de Lingustica e Ensino de Lngua Portuguesa
(6 : 2017 : Rio Grande)
Anais de textos completos do 6 Seminrio Nacional de
Lingustica e Ensino de Lngua Portuguesa, 29 a 31 maio de 2017
[recurso eletrnico] / Organizadora Kelli da Rosa Ribeiro Rio
Grande: Ed. da FURG, 2017.
652 p.
Modo de acesso: http://www.senallp.furg.br/
ISBN: 978-85-7566-527-5
1. Lingustica 2. Lngua portuguesa - Ensino I. Ribeiro, Kelli
da Rosa II. Ttulo
CDU: 801
Catalogao na fonte: Bibliotecria Vanessa Dias Santiago CRB10/1583
http://www.senallp.furg.br/http://www.senallp.furg.br/
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
Reitora
Prof. Dr. Cleuza Maria Sobral Dias
Vice-reitor
Prof. Dr. Danilo Giroldo
Pr-Reitora de Ensino de Graduao
Renato Duro
Pr-Reitor de Pesquisa e Ps-graduao
Eduardo Resende Secchi
Pr-Reitora de Extenso e Cultura
Daniel Procincula Prado
Ncleo de Tecnologia da Informao
Jlio Cesar Medina Madruga
INSTITUTO DE LETRAS E ARTES
Diretora
Prof. Dr. Elaine Nogueira
Vice-diretora
Prof. Dr. Roseli Aparecida da Silva Neri
CURSO DE PS-GRADUAO LATO SENSU EM LINGUSTICA E ENSINO
DE LNGUA PORTUGUESA
Coordenadora
Prof. Dr. Silvana Schwab do Nascimento
Vice-coordenadora
Prof. Dr. Kelli da Rosa Ribeiro
COORDENAO DO 6 SENALLP
Prof. Dr. Kelli da Rosa Ribeiro
CONVIDADOS
Palestrantes
Prof. Dr. Kanavillil Rajagopalan (UNICAMP)
Prof. Dra. Rosngela Hammes Rodrigues (UFSC)
Prof. Dra. Carmem Luci da Costa Silva (UFRGS)
Prof. Dra. Verli Ftima Petri da Silveira (UFSM)
Prof. Dr. Carlos Alberto Faraco (UFPR)
Ministrantes de Minicursos
Prof. Dra. Luciana Pilatti Telles (FURG)
Prof. Dra. Luciene Bassols Brisolara (FURG)
Prof. Dra. Marisa Amaral (FURG)
Prof. Dra. Rosngela Hammes Rodrigues (UFSC)
Prof. Dra. Carolina Knack (FURG)
Prof. Dra. Maria Cristina Brisolara (FURG)
Prof. Msc. Rodrigo Feij (PPGL/UCPel)
Prof. Dra. Eliana Tavares (FURG)
Prof. Dra. Sara Regina Cabral (UFSM)
Prof. Dra. Cristiane Fuzer (UFSM)
Prof. Mrcio Aurlio Friedrich (FURG)
COMISSO ORGANIZADORA
Prof. Dra. Alessandra Avila Martins
Prof. Dra. Dulce Cassol Tagliani
Prof. Dra. Kelli da Rosa Ribeiro
Prof. Dra. Luciana Pilatti Telles
Prof. Dra. Silvana Schwab do Nascimento
Prof. Dra. Tatiana Schwochow Pimpo
MONITORES
Rafaela Pedroso de Oliveira
Sabrina da Rosa Gomes
Vitria Emanuely Kistt do Amaral
Leilane Dias Munhz
Pedro Gustavo Moreira
Raissa Guerra Baumel
Ivan de Oliveira da Silva
Leandro Duarte
Daniel Rosa Ramires
Fernanda Richter
Annabela Berudi Leal
Ademiro Silva da Paixo
Graziela Gonalves Lucas
Katiuscia Medeiros Collares
Hayane Cassales Fernandes
Lusa dos Santos Monte
Joice Kelle Mlling Padilha
Ingrid Alves da Rocha Cunha
Jane Maria Souza de Lima
Mayara de Souza de Paiva
Kamaia Rodrigues
Lara Braz Domingues
Zar Morais da Trindade
Franklin Furtado Ieck
Keller Matos Rocha
Rosane Jaehn Troina
Rose Meri Bazareli Vaz
SUMRIO
POSIO-SUJEITO: UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA DA
UFSM ............................................................................................................................................ 1
RELAES METAFRICAS NA INFERNCIA DE EXPRESSES IDIOMTICAS EM
PORTUGUS COMO L2 ............................................................................................................. 9
O FUNCIONAMENTO DA NOO DE SUJEITO-CORPO NO DISCURSO DO E SOBRE O
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICINCIA ..................................................................... 25
A LINGUSTICA DO TEXTO NA SALA DE AULA: OS OEPRADORES
ARGUMENTATIVOS NA PRODUO TEXTUAL .............................................................. 37
A ORELHA DE VAN GOGH, DE MOACYR SCLIAR, .......................................................... 48
E SUA TRADUO AO ESPANHOL, SEGUINDO AS NOES ........................................ 48
DAS NORMAS INICIAIS E OPERACIONAIS, DE GIDEON TOURY .................................. 48
ASPECTOS LINGUSTICOS E ENTONACIONAIS NA FALA DE HOMOSSEXUAIS ....... 60
O GNERO RESUMO COMO PRTICA DISCURSIVA NO MEIO ACADMICO ............ 72
A DISCIPLINA DE PORTUGUS COMO LNGUA ADICIONAL NEGCIOS E
COMUNICAO INTERCULTURAL: UMA DISCUSSO A PARTIR DOS ESTUDOS DE
LETRAMENTO ACADMICO ................................................................................................. 86
COMPORTAMENTOS EM EXEMPLA DE LIVRO DIDTICO DE LNGUA
PORTUGUESA: UMA QUESTO DE VALOR .................................................................... 107
REFLEXES SOBRE LITERATURA SURDA - IMPORTNCIA DA LITERATURA COMO
FERRAMENTA NO ENSINO DE ALUNOS SURDOS ADULTOS...................................... 118
LIVROS DE LITERATURA SURDA ANALISE E COMPARAO DE DUAS OBRAS
SOBRE A MESMA TEMTICA ............................................................................................. 134
PROGRESSO E MANUTENO TEMTICA: DESENVOLVENDO A COMPREENSO
LEITORA ATRAVS DE UM JOGO VIRTUAL ................................................................... 142
ENUNCIAO, SUBJETIVIDADE E ARGUMENTAO: UM ESTUDO SOBRE O
ETHOS EM TEXTOS JORNALSTICOS ............................................................................... 155
O PAPEL DA TRANSGRESSO NO DISCURSO ................................................................ 168
O TEXTO/GNERO TEXTUAL COMO OBJETO DE ENSINO .......................................... 179
NAS AULAS DE LNGUA ...................................................................................................... 179
AUDIODESCRIO DIDTICA: INSTRUMENTALIZANDO O PROFESSOR PARA O
TRABALHO COM ALUNOS CEGOS NO ENSINO REGULAR.......................................... 190
USO DE FERRAMENTAS TECNOLGICAS NO DESENVOLVIMENTO DA ATENO E
DA PERCEPO DA PROGRESSO TEMTICA NO TEXTO ......................................... 204
COMPREENSO DE EXPRESSES IDIOMTICAS EM PORTUGUS COMO L2 E
SIMILARIDADE FORMAL ENTRE EIS. .............................................................................. 220
HISTRIA DA COLNIA DE FRIAS DOS SURDOS EM CAPO DA CANOA ............ 233
LNGUA, SUJEITO E HISTRIA ........................................................................................... 242
"UMA TTICA BOA PRA ISSO": UM ESQUETE CMICO-PRECONCEITUOSO SOBRE
COMO RESOLVER O PROBLEMA DE SADE PBLICA NO BRASIL .......................... 249
EDUCAO SUPERIOR: TECNOLOGIA ALIADA AO ENSINO DA LNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS ....................................................................................................... 262
ALM DOS MUROS DA ESCOLA: RELATO DE UMA PRTICA DE ENSINO DE
LNGUA EM ESPAO (NO) ESCOLAR ............................................................................. 270
MULTIMDIAS E INTERAO: LIVRO DIGITAL COMO TECNOLOGIA DE APOIO
APRENDIZAGEM NA GRADUAO .................................................................................. 287
OFICINA DE ESCRITA NAS AULAS DE PORTUGUS ATRAVS DO GNERO
CRNICA ................................................................................................................................. 298
QUANDO A PALAVRA ALHEIA SE TORNA A MINHA PALAVRA: REFLEXES SOBRE
ENUNCIADO E PROJETO DE DISCURSO NO GNERO RESPOSTA DE PROVA
DISSERTATIVA ...................................................................................................................... 308
JOGOS VIRTUAIS PARA ALUNOS DE 2 ANO INICIAL COM DIFICULDADES DE
COMPREENSO LEITORA ................................................................................................... 327
ATIVIDADE DE ESCRITA EM UMA ESCOLA PBLICA DO ENSINO BSICO ........... 338
MUITO ALM DO CENRIO: AS CONDIES DE PRODUO DO DISCURSO ........ 348
AUTOANLISE INICIAL DAS INTERFERNCIAS HISPNICAS NA PRODUO E
PERCEPO DO PORTUGUS COMO L3 APRENDIDO INFORMALMENTE POR UMA
HISPANO-FALANTE: ALGUNS FENMENOS DO VOCALISMO E DO
CONSONANTISMO ................................................................................................................ 359
LETRAMENTO(S) NA ESFERA ACADMICA: ANLISE, PRODUO E ENSINO DE
GNEROS DISCURSIVOS ..................................................................................................... 370
PRODUO TEXTUAL NA UNIVERSIDADE: AS INTERAES EM TORNO DA
REESCRITA ............................................................................................................................. 379
LEITURA EM PRIVAO DE LIBERDADE: LIMITES E POSSIBILIDADES ................ 389
CINELIBRAS: O CINEMA COMO DISPOSITIVO DE APRENDIZAGEM DA LNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS NOS CURSOS DE ENGENHARIA DA UFPEL ........................ 403
A LINGUSTICA DO TEXTO E A PESQUISA-AO EM SALA DE AULA: A
SITUACIONALIDADE E OS ARTICULADORES DISCURSIVO-ARGUMENTATIVOS NA
PRODUO TEXTUAL DE ALUNOS DO ENSINO MDIO ............................................. 415
MICROCRNICAS VERBO-VISUAIS E O ENGAJAMENTO DO LEITOR EM UM JOGO
LDICO DE NATUREZA lingstica ..................................................................................... 430
O DISCURSO NA ESFERA TECNOLGICA: A LNGUA EM MOVIMENTO ................. 446
BIBLIOTECAS ESCOLARES: POLTICAS PBLICAS E SEUS DESDOBRAMENTOS EM
ESCOLAS DO MUNICPIO DE ARAGUANA/TO .............................................................. 463
A INFORMATIVIDADE NA CONSTRUO DO TEXTO ARGUMENTATIVO: A
ESCRITA ALICERADA PELA SEQUNCIA DIDTICA ................................................. 474
ETHOS, ENUNCIAO E LINGUSTICA TEXTUAL: ESBOO DE UMA IMAGEM
DISCURSIVA EM DUAS NOTCIAS ESPORTIVAS EM LINGUA PORTUGUESA E EM
LNGUA ESPANHOLA ........................................................................................................... 491
DIRIOS DE LEITURA COMPARTILHADA: UMA EXPERINCIA DE
(RE)SIGNIFICAO LITERRIA EM GRUPOS DE FACEBOOK ..................................... 503
A ESCOLA COMO ESPAO DE SILENCIAMENTO DA LNGUA MATERNA ............... 514
SUJEITO QUALIFICADO E DESQUALIFICADO PELA LNGUA: SENTIDOS DO
PORTUGUS CORRETO DO SENSO COMUM ................................................................... 523
O DESENVOLVIMENTO DA COMPREENSO LEITORA DE ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL POR MEIO DE SEQUNCIAS DIDTICAS, COM APOIO EM
TECNOLOGIAS ....................................................................................................................... 532
TEXTO MULTIMODAL: SIGNIFICADO SIM, ENFEITE NO! ......................................... 560
O ARGUMENTO DE AUTORIDADE COMO RECURSO NA REDAO DO ENEM...... 568
PENSAR A LITERATURA, E PENSAR COM A LITERATURA ......................................... 582
SIMPSIO TEMTICO EM REFLEXO: ESTUDOS E DESCRIES DO PORTUGUS
BRASILEIRO EM SINCRONIAS PASSADAS ...................................................................... 590
LINGUSTICA DO TEXTO E ESCOLA BSICA: POSSIBILIDADES PARA O ENSINO E
APRENDIZAGEM EM LNGUA MATERNA ....................................................................... 598
A RELAO DOS ELEMENTOS VISUAIS NO ESPAO URBANO E MACABA EM A
HORA DA ESTRELA DE CLARICE LISPECTOR .................................................................. 610
PEDAGOGIA CARTONERA: ESTRATGIAS PARA O ENSINO DE PRODUO
TEXTUAL ................................................................................................................................ 621
TV INES: O PROTAGONISMO DA COMUNIDADE SURDA EM PRODUES
AUDIOVISUAIS NA INTERNET ........................................................................................... 639
1
POSIO-SUJEITO: UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE O CURSO DE
PEDAGOGIA DA UFSM
Adriele Delgado Dias (UFSM)
Introduo
Minha formao em Pedagogia, pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), instigou-me a buscar mais conhecimentos que se referem aos estudos da lngua
e da linguagem, pois acredito que no curso de Pedagogia esta questo pouco explorada.
Isso me fez pensar e repensar sobre o objetivo do curso, sendo ele um curso de licenciatura
que forma sujeitos aptos a trabalhar no ensino e aprendizagem da aquisio da lngua e
da linguagem, no ler e escrever.
Sendo assim, partindo das minhas inquietudes como professora formada pela
UFSM, e, com o intuito de ampliar meus estudos para minha pesquisa de Mestrado, que
busca compreender como os estudos da lngua e da linguagem se fazem presentes no
curso de Pedagogia da UFSM, que se delineia este trabalho que tem por objetivo
compreender como o ementrio da disciplina Oralidade, Leitura e Escrita, do Curso de
Pedagogia da UFSM, certifica o perfil de professor que est assentado no objetivo geral
desse curso. Dessa forma, escolhemos esta disciplina por observarmos que no seu
programa esto expostos temas referentes a questes especificamente lingusticas, como:
Sociolingustica, Psicolingustica e Lingustica Aplicada.
Para ento realizarmos a anlise deste trabalho, utilizamos os pressupostos
tericos da Anlise de Discurso (AD) para permear os conceitos necessrios na
compreenso desta pesquisa. Com isso, descrevemos as noes de discurso, ideologia,
sujeito, posio- sujeito e formaes discursivas, baseado nos estudos de Michel Pcheux
e Eni Orlandi.
2
A Anlise de Discurso
A Anlise de Discurso surgiu nos anos 60, na Frana, como campo terico e
analtico fundada por Michel Pcheux e, no Brasil, nos anos 80, postulada por Eni
Orlandi.
A AD se situa na relao entre o lingustico e o histrico, estabelecendo o discurso
como objeto de estudo que conjuga aspectos lingusticos com aspectos histrico-
ideolgicos. Para tanto, Pcheux comeou questionar a concepo de lngua como um
sistema, porque entende que a lngua possui uma exterioridade, no qual os sujeitos a pem
em funcionamento, e, essa exterioridade d passagem para se considerar a histria da e
na lngua como fato de discurso.
Para Orlandi (2005), a AD vai constituir-se como um lugar terico propcio ao
estudo a partir de trs grandes reas do conhecimento: a Lingustica, a Psicanlise e o
Marxismo, pois somente assim possvel contemplar a significao do discurso. A autora
ainda salienta que a Anlise de Discurso:
Concebe a linguagem como mediao necessria entre o homem e a realidade
natural e social. Essa mediao, que o discurso, torna possvel tanto a
permanncia e a continuidade quanto o deslocamento e a transformao do
homem e da realidade em que ele vive. (ORLANDI, 2005, p. 15)
Dessa forma, o entendimento de discurso est na noo de um objeto terico
constitudo por sentidos produzidos historicamente nas prticas sociais, pois ele configura
o lugar onde se pode observar a relao entre lngua e ideologia. Sendo assim, o discurso
funciona como um lugar de mediao, pois nele que os sentidos so produzidos.
E segundo Orlandi (2005, p. 21), o discurso efeito de sentidos entre locutores,
em que constantemente a posio-sujeito redefinida, nas prticas sociais, pelas
condies de produo do discurso. Com isso, entendemos que o sujeito no se desvincula
da ideologia, pois ele um sujeito socializado, ou seja, ele discursiva de acordo com suas
marcas do social, do ideolgico e do histrico, em que ora assujeitado pela ideologia
que o domina, ora pelo seu prprio inconsciente.
Sendo assim, compreendemos que a ideologia interpela os indivduos em
sujeitos (PCHEUX; FUCHS, 1997, p. 167). Dessa forma, no existe um discurso sem
sujeito e nem sujeito sem ideologia, pois o sujeito sempre se inscreve em uma ideologia,
colocando suas posies no discurso.
Orlandi (2005) nos explicita que o sujeito s tem acesso a parte do que diz, sendo
atravessado pela linguagem e pela histria, sob o modo do imaginrio. Ele sujeito
3
lngua e histria, pois afetado por elas quando produz sentidos, e ele necessita disso,
pois se no produz sentidos, no se constitui como sujeito.
Sendo assim, a autora apresenta a ideia de posio que um sujeito discursivo
tem frente a outros, pois o lugar que o sujeito ocupa que o coloca como sujeito de sua
fala. a posio que deve e pode ocupar todo indivduo para ser sujeito do que diz
(ORLANDI, 2005, p. 49). Ou seja:
O modo como o sujeito ocupa seu lugar, enquanto posio, no lhe acessvel,
ele no tem acesso direto exterioridade (interdiscurso) que o constitui. Da
mesma maneira, a lngua tambm no transparente nem o mundo diretamente
apreensvel quando se trata da significao pois o vivido dos sujeitos
informado, constitudo pela estrutura da ideologia. (PCHEUX, 1975 apud
ORLANDI, 2005, p. 49)
Com isso, os sujeitos so intercambiveis, pois quando nos colocamos em uma
determinada posio, em determinada situao, h um sentido relativo formao
discursiva em que nos inscrevemos.
Pois no uma forma de subjetividade mas um lugar que ocupa para ser sujeito
do que diz (ORLANDI, 2005, p. 49). E para isso, podemos dizer que um mesmo
indivduo assume-se como diferentes sujeitos em diferentes formaes discursivas. Por
exemplo, quando uma mulher fala da posio de me, questionando seu filho sobre o
horrio de chegada em casa, o sentido do enunciado construdo a partir da posio de
me assumida.
O que compreendemos que todos os enunciados fazem parte do discurso; um
sujeito pode ter uma posio social em cada momento, por exemplo, podemos ser
professora, filha, estudante, etc, de acordo com a situao em que estamos inseridos. E
segundo Courtine (1999),
[...] so posies de sujeito que regulam o prprio ato da enunciao: o
interdiscurso, sabe-se, fornece, sob a forma de citao, recitao ou
preconstrudo, os objetos do discurso em que a enunciao se sustenta ao
mesmo tempo que organiza a identificao enunciativa (atravs do regramento
das marcas pessoais, dos tempos, dos aspectos, das modalidades...) constitutiva
da produo da formulao por um sujeito enunciador. (COURTINE, 1999, p.
20, grifos do autor)
A Anlise de Discurso parte da ideia de que o sujeito no fonte do sentido, mas
que se forma a partir de uma rede de memria acionada pelas formaes discursivas que
representam no seu discurso diferentes posies-sujeito, ou seja, a formao discursiva,
como lugar da interpelao ideolgica do sujeito, configura uma matriz de sentido.
4
Para tanto, Pcheux e Fuchs (1997) afirmam que
impossvel identificar ideologia e discurso [...], mas que se deve conceber o
discursivo como um dos aspectos materiais do que chamamos de materialidade
ideolgica. Dito de outro modo, a espcie discursiva pertence, assim
pensamos, ao gnero ideolgico, o que o mesmo que dizer que as formaes
ideolgicas [...] comportam necessariamente, como um de seus componentes,
uma ou vrias formaes discursivas interligadas que determinam o que pode
e deve ser dito [...] a partir de uma posio dada numa conjuntura, isto , numa
certa relao de lugares no interior de um aparelho ideolgico, e inscrita numa
relao de classes. (PCHEUX; FUCHS, 1997, p. 166)
Com isso, tem-se que no discurso a ideologia se revela atravs de sua
materialidade ideolgica, que, por sua vez, se materializa nas Formaes Discursivas
(FDs), em que segundo Pcheux (1997) o sujeito do discurso se inscreve por meio da
forma-sujeito de acordo com as posies e as condies de produo dadas. O autor, ainda
expe que a forma-sujeito tende a absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso,
isto , ela simula o interdiscurso1 no intradiscurso2, de modo que o interdiscurso aparece
como o puro j-dito3 do intra-discurso, no qual ele se articula por co-referncia
(PCHEUX, 1997, p. 167, grifos do autor).
Nesse sentido, Orlandi (2005) apresenta duas observaes referentes s FDs.
Primeiro que os sentidos derivam das formaes discursivas que as palavras se inscrevem,
e segundo, que pela identificao da FD que se podem compreender os diferentes
sentidos.
Pcheux (1997), afirma que o lugar do sujeito no vazio, mas preenchido pela
forma-sujeito de uma determinada FD, pois pela forma-sujeito que um indivduo se
inscreve em uma determinada formao discursiva, se identificando e constituindo como
sujeito.
O autor explica que formao discursiva aquilo que, numa formao ideolgica
dada, determina o que pode e deve ser dito. Assim as palavras recebem seu sentido da
formao discursiva na qual so produzidas, pois os indivduos so interpelados em
sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formaes discursivas que
representam na linguagem as formaes ideolgicas que lhes so correspondentes
(PCHEUX, 1997, p. 161, grifos do autor).
1 Orlandi (2005, p. 32-33) expe que o interdiscurso representada como um eixo vertical onde teramos
todos os dizeres j ditos e esquecidos em uma estratificao que, em seu conjunto, representa o dizvel. 2 A mesma autora, explica o intradiscurso como um eixo horizontal, que seria o eixo da formulao, isto
, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condies dadas (ORLANDI, 2005, p. 33). 3 Fala-se em j-dito, pois entendemos que todo o discurso produzido por meio de discursos anteriores
de outro algum.
5
Para tanto, Pcheux e Fuchs (1997) afirmam que:
[...] uma formao discursiva existe historicamente no interior de determinadas
relaes de classes; pode fornecer elementos que se integram em novas
formaes discursivas, constituindo-se no interior de novas relaes
ideolgicas, que colocam em jogo novas formaes ideolgicas. (PCHEUX
e FUCHS, 1997, p. 167-168)
Isso significa que o funcionamento da ideologia com a interpelao dos indivduos
em sujeitos ocorre por meio das formaes ideolgicas, fornecendo a cada sujeito a sua
realidade enquanto sistema de evidncias e de significaes que so percebidas, aceitas e
experimentadas.
Olhar Reflexivo
Partindo do interesse de investigar de que forma os estudos da lngua e da
linguagem esto presentes no curso de Pedagogia da UFSM, e ainda, respondendo as
minhas inquietudes, que se faz este trabalho, o qual buscamos analisar a posio de
sujeito na disciplina Oralidade, Leitura e Escrita do curso de Pedagogia da j referida
universidade, contrapondo com a posio de sujeito detalhada no objetivo geral do curso.
Para Foucault (2001) uma disciplina determinada por um domnio de objetos,
conjuntos e mtodos. Ou seja, uma disciplina um conjunto de discursos que se constri
em um campo de enunciao, com uma regulao e funcionamento especficos, pela
discursivizao dos conhecimentos a partir de determinadas FDs. Esse espao de
enunciao distribui os conhecimentos de um modo particular, e, essas configuraes
especficas dos discursos em suas relaes com outros discursos e com o conhecimento
iro incidir em relao histria e memria das lnguas, do saber sobre elas produzidas,
das instituies e do sujeito.
No curso de Pedagogia, vrias so as disciplinas que prev o conhecimento
lingustico. Mas para o momento, tomamos apenas uma disciplina, no qual fizemos um
recorte dos seus objetivos, pois esta trata sobre questes da aquisio da linguagem. Para
tanto, seguem abaixo as transcries - fiis s escrituras da ementa da disciplina e do site
do curso.
RECORTE 1- Objetivos da ementa da disciplina Oralidade, Leitura e Escrita:
Analisar o processo de construo do conhecimento e as teorias que o embasam,
procurando estabelecer uma relao dialtica entre desenvolvimento, ensino e
6
aprendizagem, que contribuam para a aquisio e desenvolvimento da linguagem
escrita e da leitura.
RECORTE 2- Objetivo geral do curso de Pedagogia da UFSM:
O curso tem como objetivo geral formar professores/profissionais em nvel
superior para a docncia na Educao Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Os alunos so capacitados para atuar nas diferentes modalidades
de ensino e/ou nas demais reas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedaggicos.
Nessa etapa, Orlandi explica que o analista preparado para comear a
vislumbrar a configurao das formaes discursivas que esto dominando a prtica
discursiva em questo (ORLANDI, 2005, p. 78). De acordo com a autora, as formaes
discursivas permitem compreender o processo de produo dos sentidos, estabelecendo
regularidades no funcionamento do discurso e determinando o que pode e deve ser dito.
Dessa forma, ainda segundo Orlandi (2005), o prximo passo requer relacionar as
formaes discursivas com as formaes ideolgicas que rege essas relaes. E em nossa
pesquisa identificamos saberes que se inscrevem em pelo menos duas formaes
discursivas:
FD1: FD na qual se inscrevem sujeitos que adquirem conhecimentos tericos
referentes aquisio e desenvolvimento da linguagem e da escrita.
FD2: FD na qual se inscrevem sujeitos que so aptos e preparados para atuar como
professores.
Nesta anlise, ao observarmos a ementa da disciplina Oralidade, Leitura e
Escrita, o que se torna sobressalente a presena do verbo no infinitivo que introduz o
objetivo da mesma. Isso nos revelou a ausncia do cunho de formao docente, j que de
acordo com o objetivo geral do curso de Pedagogia, este um curso de licenciatura, que
forma professores aptos a trabalhar com o ensino e aprendizagem da leitura e escrita.
Na FD1 encontramos um sujeito que apenas conhece teorias, porm no est hbil
a transmiti-las atuando como profissional capacitado para tal, pois ele ainda um
professor em formao.
7
J na FD2 o que encontramos um sujeito que se forma docente, capaz de atuar
como tal tanto na Educao Infantil, quanto nos Anos Iniciais de uma escola.
Dessa forma, ao analisarmos o objetivo do curso de Pedagogia da UFSM e a
ementa da disciplina Oralidade, Leitura e Escrita, consideramos que o sujeito
pressuposto no objetivo geral do curso um sujeito-professor, pois se espera que o curso
forme profissionais docentes, aptos a atuar com tal. J o sujeito que encontramos presente
no objetivo da disciplina um sujeito que ocupa uma posio que apenas adquiri
informaes e estuda conhecimentos tericos referentes aquisio da lngua e da
linguagem, porm no hbil a trabalh-las de forma prtica, ou seja, no as aplica como
professor em sala de aula.
Com isso, o resultado da anlise uma interpretao (MAZIRE, 2007, p. 25),
a qual podemos dizer que a posio de sujeito do objetivo do curso se difere da posio
de sujeito da ementa. Contudo, o que nos inquieta como que um curso formador de
professores, no possui na ementa de suas disciplinas o mesmo objetivo geral que no do
curso. Obviamente, no queremos dizer que as disciplinas do curso de Pedagogia devam
estar todas baseadas na prtica do professor, at porque sabemos da importncia das
teorias para nossa formao, mas sim, que elas mantenham uma relao dialtica com o
princpio docente do curso.
Apontamentos Finais
Este encaminhamento final, reflexivo da prtica analtica deste trabalho, explica
o que tal anlise representou para a analista. Com isso, analisamos e refletimos sobre as
posies de sujeito presentes no ementrio da disciplina Oralidade, Leitura e Escrita do
Curso de Pedagogia da UFSM, assim como, do objetivo geral do Curso.
Portanto, ao partirmos do pressuposto de que o sujeito se constitui a partir de uma
formao ideolgica que compreendemos a posio-sujeito presentes na disciplina e no
curso. Ou seja, identificamos com esta anlise diferentes sujeitos, em que o sujeito
presente no objetivo geral do curso difere do sujeito presente no ementrio da disciplina.
Concordamos assim, com Orlandi (2012) que
[...] a particularidade do mtodo em anlise de discurso, tambm vista no que
significa entremeio4, a de ser aberto, dinmico (no positivista), no sendo
4 Para Orlandi (2012), entremeio significa, sobretudo, no pensar nas relaes hierarquizadas, ou
instrumentalizadas, ou aplicaes. Trata-se da transversalidade de disciplinas pensadas como, segundo M.
Pcheux (1969), emprstimos que se usam como metforas, o nosso contexto cientfico (ORLANDI, 2012,
p. 11, grifos da autora).
8
tomado como aplicao automtica da teoria, mas como mediao entre teoria
e anlise, na busca dos procedimentos prprios ao objeto que se analisa.
(ORLANDI, 2012, p. 12, grifos da autora)
O que conclumos, ento, nesta anlise foi uma posio-sujeito incmoda e
contraditria. Em que, no objetivo geral do Curso de Pedagogia identificamos um sujeito-
professor, que supe um docente em formao, enquanto que no ementrio da disciplina
identificamos um sujeito que apenas adquire informaes, que conhece teorias que
embasam o processo de construo do conhecimento, referentes aquisio da linguagem
escrita e da leitura, porm, estes conhecimentos no preveem possveis aplicaes no
fazer docente.
Nesse sentido, de acordo com Orlandi (2006), compreendemos que as diferentes
posies de sujeito representam as diferentes formaes discursivas que atravessam a
histria, pois cada texto tem, assim, uma certa unidade discursiva com que ele se
inscreve em um tipo de discurso determinado (ORLANDI, 2006, p. 60).
Portanto, a posio-sujeito existente no objetivo do curso possui uma formao
histrica e ideolgica distinta da posio-sujeito existente no ementrio da disciplina, j
que identificamos um sujeito-professor e um sujeito que apenas conhece teorias e no as
aplica.
Enfim, importante ressaltar que este trabalho nos possibilitou vislumbrar outras
anlises referentes ao Curso de Pedagogia, em que, como curso de licenciatura que
objetiva formar professores, necessita de alguns estudos mais avanados no que se refere
ao estudo da lngua e da linguagem. Nesse sentido, o que queremos dizer que para um
professor em formao necessrio saber como o processo de aquisio em linguagem
ocorre, pois ele deve saber atuar e intervir neste processo como um mediador do
conhecimento.
Referncias
COURTINE, Jean J. O chapu de Clmentis. In: Os mltiplos territrios da Anlise do
Discurso/ Freda Indursky e Maria Cristina Leandro Ferreira, organizadoras. -- Porto
Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 1999.
FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso. 7ed. So Paulo: Loyola, 2001.
MAZIRE, Francine. A anlise do discurso: histria e prticas; traduo Marcos
Marcionilo. So Paulo: Parbola Editorial, 2007.
9
ORLANDI, Eni P. Anlise de Discurso: princpios e procedimentos. Campinas, SP:
Pontes Editores, 2005.
____Discurso e leitura. 7.ed. - So Paulo: Cotez, 2006.
____Discurso em Anlise: Sujeito, Sentido e Ideologia. Campinas, SP: Pontes Editores,
2012.
PCHEUX, M.; FUCHS, C. A propsito da Anlise Automtica do Discurso:
atualizao e perspectivas (1975). In: Por uma Anlise Automtica do Discurso: uma
introduo obra de Michel Pcheux/ organizadores Franoise Gadet; Tony Hak;
tradutores Bethania S. Mariani... [et al.] -- 3. ed. -- Campinas, SP: Editora da Unicamp,
1997.
PCHEUX, Michel. Semntica e discurso: uma crtica afirmao do bvio; traduo
Eni Pulcinelli Orlandi [et al.] -- 3. ed. -- Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. UFSM- Pedagogia Diurno. Santa
Maria, 2016. Disponvel em: http://w3.ufsm.br/ce/index.php/graduacao/pedagogia-
diurno. Acesso em: 01/03/2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. UFSM- Portal do Ementrio. Santa
Maria, 2016. Disponvel em: https://portal.ufsm.br/ementario/curso.html?idCurso=1061.
Acesso em: 01/03/2017.
RELAES METAFRICAS NA INFERNCIA DE EXPRESSES
IDIOMTICAS EM PORTUGUS COMO L2
Alessandra Baldo (UFPel)
Priscila Costa Machado (UFPel)
Introduo
A compreenso de como as expresses idiomticas (EIs) so processadas tm sido
o foco de muitos estudos no mbito da cincia lingustica, como tambm em outras reas
de conhecimento. Teorias para explicar esse processo so encontradas e desenvolvidas
tanto na lingustica formal como na lingustica gerativa, tanto na lingustica cognitiva
como na lingustica textual, sem considerar, aqui, reas interdisciplinares.
O estudo pioneiro de Gibbs e OBrian (1990) introduz, na lingustica cognitiva, a
ideia de uma relao entre as EIs de uma lngua e as metforas conceptuais, conceito que
serve de pilar para a Teoria das Metforas Conceptuais de Lakoff e Johnson (1980; 2003).
http://w3.ufsm.br/ce/index.php/graduacao/pedagogia-diurnohttp://w3.ufsm.br/ce/index.php/graduacao/pedagogia-diurnohttps://portal.ufsm.br/ementario/curso.html?idCurso=1061
10
Os autores sustentaram, a partir de uma srie de experimentos a ser descrita na seo
seguinte, que, enquanto os participantes elaboraram imagens mentais dspares entre eles
para explicar as expresses literais, houve consistncia das imagens referentes s
expresses idiomticas, e que isso se devia influncia restritiva das metforas
conceptuais. Mais recentemente, Kazemi et al (2013) tambm encontraram semelhanas
nas imagens mentais referentes a expresses idiomticas por falantes persas, aprendizes
de farsi como L2. A descrio desses estudos est na seo seguinte, qual segue uma
breve explicao sobre conceitos-chave da Teoria da Metfora Conceptual de Lakoff e
Johnson (1980; 2013) utilizados nesta pesquisa.
Cabe notar que nos estudos de Gibbs e OBrian e Kazemi mencionados no
pargrafo anterior, o instrumento principal de coleta de dados foram questionrios, a fim
de ser possvel uma classificao das imagens inferidas pelos sujeitos frente as expresses
idiomticas sob anlise. Diferentemente, no estudo aqui relatado foram utilizados
protocolos verbais, com o objetivo de obter descries livres do processo inferencial dos
participantes frente a expresses idiomticas desconhecidas na L2. O objetivo era
verificar se a mudana do mtodo de coleta de dados resultaria em uma diferena nos
resultados encontrados com relao presena subjacente de metforas conceptuais em
expresses idiomticas, quando em comparao com os achados dos estudos
supracitados. Para tanto, solicitou-se a dez estudantes de espanhol como L1, aprendizes
de portugus como L2, que descrevessem o seu processo inferencial de trs expresses
idiomticas relacionadas aos itens lexicais mos, ps e dedos. importante destacar que
nenhuma das trs EIs possui equivalente em espanhol, o que deveria tornar, a princpio,
o processo de compreenso das EIs pelos sujeitos mais complexo. As descries
ocorreram em sesses individuais e no houve delimitao de tempo, sendo gravadas e
posteriormente transcritas. A descrio completa da metodologia exibida na quarta parte
do artigo.
Os dados so apresentados e analisados na quinta parte do artigo, enquanto as
consideraes finais, na qual os resultados do estudo so avaliados luz de trabalhos de
pesquisa de natureza semelhante, constituem a sexta e ltima parte do texto.
Estudos: compreenso de EIs pela lingustica cognitiva
Iniciamos a sesso por Gibbs e OBrian (op. cit.), e no somente por serem os
primeiros a investigarem a aplicabilidade da noo de metforas conceptuais a expresses
convencionais de uma lngua, mas tambm, e principalmente, pelo impacto do trabalho
11
dos autores no desencadeamento de uma mudana na compreenso, pelos linguistas
cognitivos, dos mecanismos subjacentes a essas expresses. Atualmente, qualquer
histrico sobre teorias relativas a expresses idiomticas (EIs) inclui necessariamente as
noes de metforas conceptuais e imagens mentais, conceitos-chave na pesquisa dos
autores.
Gibbs e OBrian (op. cit) elaboraram trs experimentos cujo objetivo comum era
investigar em que medida as imagens mentais de 25 expresses idiomticas (EIs) em
lngua inglesa criadas por 24 falantes nativos de ingls eram similares. As EIs foram
subdivididas igualmente em cinco temas: raiva, exerccio de controle ou autoridade,
habilidade de manter segredo, insanidade e revelao. No primeiro experimento, os
sujeitos descreveram, via protocolos verbais, as imagens mentais associadas a cada uma
das expresses, e em seguida responderam a questes detalhadas sobre essas imagens,
relacionadas causa, intencionalidade, modo, consequncia, consequncia negativa e
possibilidade de reversibilidade. Como resultado, os autores encontraram um nvel
significativo de similaridade entre as imagens verbais criadas para as EIs, a despeito de
diferenas na composio lexical dessas.
O segundo e o terceiro experimento foram experimentos-controle. O segundo
visava a descartar a possibilidade de que a uniformidade das imagens mentais verificadas
no Experimento 1 tivesse ocorrido somente devido ao conhecimento prvio das EIs pelos
sujeitos. Os pesquisadores solicitaram a 24 falantes nativos de ingls diferentes dos do
primeiro estudo que criassem imagens mentais para parfrases literais das definies
das EIs, respondendo s mesmas questes relativas a essas imagens empregadas no
experimento 1. Se esse fosse o caso, argumentaram os linguistas, os sujeitos criariam
imagens mentais semelhantes s do primeiro experimento. Contudo, e conforme
esperado, as imagens mentais nesse contexto foram bastante dspares entre os sujeitos,
mostrando que as imagens convencionais associadas com as EIs no eram somente
baseadas nos significados figurativos.
J o terceiro experimento buscava descobrir se a consistncia das imagens mentais
verificadas no experimento 1 no teria sido causada simplesmente porque as pessoas
costumam criar imagens mentais semelhantes para enunciados, sejam eles idiomticos ou
no. Para verificar essa hiptese, os pesquisadores transformaram cada uma das EIs em
frases literais modificando a ltima parte da expresso, como spill the beans para
spill the peas 5 e solicitaram a outros diferentes 24 sujeitos que construssem imagens
5 Spill the beans significa literalmente derramar os feijes, e, idiomaticamente, revelar um
segredo; spill the peas significa derramar as ervilhas, e no possui significado idiomtico.
12
mentais para tais enunciados, respondendo na sequncia a questes sobre essas imagens
as mesmas dos experimentos 1 e 2. Novamente conforme previsto, houve pouca
consistncia entre as imagens gerais dos sujeitos para os diferentes grupos de frases
literais, as quais no eram restringidas por metforas conceptuais, resultado em contraste
direto com o obtido no Experimento 1.
O estudo de Kazemi et al (2013) uma quase-replicao do experimento 1 de
Gibbs e OBrian (op. cit.), com as seguintes diferenas: (i) os sujeitos eram falantes
nativos de farsi e estudantes de persa como L2, provenientes de diferentes regies do Ir,
cada uma com seus dialetos caractersticos de Farsi; (ii) havia 20 expresses idiomticas
em persa, subdividas em cinco grupos: raiva, correr riscos, insanidade, vaidade e
loquacidade. Essas diferenas metodolgicas estavam relacionadas com os objetivos dos
pesquisadores, que eram verificar se os resultados sobre a consistncia de imagens verbais
em expresses idiomticas obtidos por Gibbs e OBrian poderiam ser generalizados para
outras comunidades de fala, como tambm explorar se as pessoas em diferentes
sociedades, culturas e lnguas compreenderiam as EIs do mesmo modo. Os autores, a
partir da aplicao da teoria das metforas conceptuais, tiveram confirmadas as duas
questes de pesquisa.
Assim, frente s evidncias obtidas pelos trs experimentos, a concluso geral dos
pesquisadores foi de que as EIs no so metforas mortas e no possuem significados
predeterminados. Pelo contrrio, eles argumentam que o significado de muitas EIs so
determinados pelo conhecimento tcito dos falantes das metforas conceptuais
subjacentes ao significado dessas frases figuradas(p. 36).
Dado que, conforme se pode observar no pargrafo precedente, necessrio
conhecer os fundamentos da Teoria da Metfora Conceptual (TMC) para compreender o
estudo aqui relatado, na seo seguinte apresentamos conceitos-chave da TMC que sero
empregados na anlise dos dados, a ser apresentada posteriormente.
Lingustica Cognitiva: Teoria da Metfora Conceptual
A tese principal que sustenta a Teoria da Metfora Conceptual de Lakoff e
Johnson (1980, 2003) a compreenso de que a metfora no somente uma questo de
linguagem, mas sim de que os processos do pensamento so em grande parte metafricos
ou seja, o sistema conceptual humano metaforicamente estruturado e definido. Assim,
o conceito dicionarizado de metfora como um tropo em que a significao natural de
13
uma palavra substituda por outra, s aplicvel por comparao subentendida6
distinto do conceito de metfora conceptual.
Em outras palavras, empregamos metforas conceptuais em nossa linguagem
cotidiana porque essas refletem o modo como nossos pensamentos esto estruturados, e
essa estrutura formada, em grande parte, pelas experincias que vivenciamos desde o
incio da vida. Um dos exemplos clssicos dos autores para mostrar essa tese a metfora
conceptual DISCUSSO GUERRA,7 da qual derivam enunciados correntes na
linguagem cotidiana, como seus argumentos so indefensveis; o candidato perdeu
muitos pontos aps a discusso sobre violncia urbana; nenhum dos debatedores aceitou
render-se ao ponto de vista do outro. Nesse contexto, esclarecem os linguistas, a
explicao para a compreenso da metfora conceptual no est no fato de discusso
ser parecido com guerra, mas sim no fato de DISCUSSO estar parcialmente
estruturado e compreendido em termos de GUERRA em nosso sistema conceptual.
(LAKOFF e JOHNSON, 2003, p. 5-7).
Um segundo conceito fundamental reavaliado pelos autores a partir da Teoria da
Metfora Conceptual o de metonmia, especialmente os casos de sindoque, ou seja, os
que estabelecem relaes parte-todo. Aps diferenciarem os dois conceitos enquanto
as metforas consistem no uso de uma entidade em termos de outra, com a funo
primeira de compreenso, as metonmias consistem no uso de uma entidade para fazer
referncia a outra, com o objetivo primeiro de referncias , eles concluem que se trata,
portanto, de fenmenos distintos.
Essa concluso, entretanto, no os impede de afirmarem que o recurso referencial
da metonmia tambm possui a funo de compreenso, e, nesse sentido, funcionaria do
mesmo modo que a metfora conceptual em termos de estruturao de pensamento e de
linguagem. Um dos exemplos empregados pelos linguistas para ilustrar essa noo a
relao metonmica A FACE (ROSTO/CARA)8 PELO TODO, e suas manifestaes
nos enunciados Ela s um rosto bonito e precisamos de novas caras por aqui, em
que cada um faz referncia a um aspecto diverso da parte que representada pelo todo.
Em outras palavras, os autores argumentam que a escolha dos diferentes aspectos
das partes empregadas para representar o todo, na linguagem do dia a dia, motivada
6 https://dicionariodoaurelio.com/metafora 7 As metforas conceptuais so apresentadas atravs de um mapeamento estruturado, no qual as
letras maisculas representam DOMNIO-ALVO DOMNIO-FONTE, os dois sendo, respectivamente,
discusso e guerra. 8 Por se tratar de traduo livre, a palavra face em ingls foi traduzida por rosto e cara, respectivamente, j que esses so os termos empregados nos enunciados em portugus correspondentes.
https://dicionariodoaurelio.com/metafora
14
pelo aspecto especfico que desejamos salientar, o que significa que os conceitos
metonmicos estruturam no apenas a linguagem, mas tambm nosso pensamento,
atitudes e aes, sendo fundamentados em nossas experincias exatamente como as
metforas conceptuais. (LAKOFF e JOHNSON, 2003, p. 37-38)
Metodologia
Dez estudantes de portugus como L2, intercambistas em uma universidade do
Rio Grande do Sul, participaram voluntariamente do estudo. Todos eram falantes de
espanhol como L1: sete colombianos, um peruano, um chileno e um venezuelano. Para a
obteno dos dados, foram selecionadas trs expresses idiomticas com as palavras
mos, ps e dedos, com o objetivo de manter uma relao semntica entre elas: EI1: passar
a mo na cabea; EI 2: ficar cheio de dedos; EI 3: ser uma mo na roda. As EIs foram
classificadas, de acordo com Laufer (2000), como pertencentes categoria 4, ou seja, sem
correspondncia com expresses idiomticas na L1 dos aprendizes.
A coleta de dados se deu em sesses individuais, por meio de protocolos verbais
de pausa e retrospectivos, que consistem em solicitar que o sujeito verbalize o que est
pensando no momento em que busca realizar a tarefa solicitada (protocolo de pausa), e
logo aps t-la realizado (protocolo retrospectivo), o que possibilitou ao pesquisador
obter informaes sobre os processos cognitivos empregados durante as inferncias das
EIs (ERICSON e SIMON, 1993; CAMPS, 2003; AFFLERBACH e YOUNG,2009).
Todas as verbalizaes foram gravadas em udio, e os dados, posteriormente transcritos,
a fim de verificar a presena ou no de metforas conceptuais semelhantes.
As EIs foram apresentadas aos sujeitos em uma folha, e solicitava-se aos
participantes que verbalizassem todo e qualquer processo cognitivo empregado na
tentativa de inferir seus significados, como analogia com EIs na L1 ou na L2, analogia
com imagens, inferncia por palavra especfica da EI, ou mesmo interpretao literal da
EI. Embora a maioria dos sujeitos buscasse, de algum modo, a atribuio de significado
s EIs, alguns deles no conseguiram fazer qualquer tipo de inferncia, o que ficou
registrado como desistncia de realizao de inferncia na anlise de dados.
15
Apresentao e Anlise de Dados
Os dados esto dispostos em tabelas, com o objetivo de facilitar a visualizao.
Nas Tabelas de 1 a 3 encontram-se a sntese das respostas produzidas pelos sujeitos
indagao sobre o significado das EIs.
Devido simplificao dos protocolos dos sujeitos, empregamos o sinal de
reticncias entre aspas (...) para indicar supresso da transcrio original. importante
notar que a presena de um trao nas tabelas indica que o sujeito ou no elaborou qualquer
significado para a EI, ou tentou inicialmente inferir algum significado, mas desistiu.
Houve tambm casos em que os participantes pensaram em dois possveis significados
para as EIs, sem definirem qual dos dois seria o mais apropriado, e nessas situaes
consideramos ambas as definies. Um ltimo esclarecimento relativo s interferncias
do pesquisador durante as entrevistas de coletas de dados, identificadas com um P nas
transcries.
Aps a anlise das tabelas especficas, os dados relativos ao processo inferencial
das trs EIs sob anlise ser disposto em uma nica tabela, objetivando a uma discusso
global dos resultados encontrados.
Anlise Individual das Expresses Idiomticas: EIs e relaes de sentido
EI 1: passar a mo na cabea
Na Tabela 1 esto apresentados os conceitos aferidos EI passar a mo na
cabea pelos participantes. Dois, entre os dez sujeitos, no conseguiram atribuir qualquer
significado EI. Entre os oito que o fizeram, foi possvel verificar o seguinte padro nas
respostas: seis deles relacionaram a expresso com os conceitos de preocupao e/ou
reflexo; dois deles, com carinho, e um deles, com surpresa. 9
Tabela 1: Conceitos e relaes de sentido para a EI 1
Expresso passar a mo na cabea
Sujeito
Inferncia da EI Relaes de sentido
Passar mo na cabea =
Suj. 1
-Como preocupao, talvez.
P: Preocupao? Por que tu pensa isso?
Passar a mo na cabea.
Preocupao
9 importante notar que o Sujeito 10 entende como aceitveis tanto o conceito de carinho como de
preocupao.
16
P: Tu pensa no gesto?
-Sim (...) Como pensar bastante numa
situao.
Suj. 2 -Nunca escutei. Eu acho que pode ser fazer
carinho.
Carinho
Suj; 3 -Nunca escutei essa expresso aqui, mas eu
relaciono com o espanhol que usamos para
uma preocupao, quando algo est
ocorrendo. Algo est passando, passar a
mo na cabea... mas no falado, mais
uma ao, uma ao. Mas tambm tem
pessoas que falam, para referir
preocupao.
Preocupao
Suj. 4 -Eu nunca escutei, mas acho que : quando
algum fica preocupado, passa a mo na
cabea.
Preocupao
Suj. 5 -Pode ser de adivinhao porque depois
que tu viu um fato acontecer tu fica
surpreso e passa a mo na cabea.
Surpresa
Suj. 6 - ter responsabilidade pelos teus atos (...)
tentar fazer ele refletir sobre seus atos.
Responsabilidade, reflexo
Suj.7 -Ah, no, porque tambm quando eu quero
talvez me sentir minha cabea ou quando
minha cabea di.
Pode ser quando estou preocupada. Ou
quando estou estressada. No saberia dizer.
---------------
Suj. 8 --------------- ---------------
Suj. 9 -Passar a mo na cabea eu acho que deve
ser pensar (...) meditar sobre alguma coisa,
algo assim. (...) Porque eu acho que se fala
essa expresso no significa o que
literalmente, ento passar a mo na cabea
eu acho que deve ser..me soa mais tipo
Pensar, refletir
17
fica ai na tua cabea, pensando, ou
alguma coisa do tipo.
Suj. 10 -Fazer carinho. Eu entenderia como fazer
um carinho, passar a mo na cabea (...) E
tambm penso assim de preocupao. S
isso, mais no sei.
Carinho
e/ou
Preocupao
A relao entre a EI com os conceitos tanto de carinho, estabelecida pelos Sujeitos
2 e 10, como de surpresa, pelo sujeito 5, parecem ser originrias mais de uma
interpretao literal da expresso. Esse entendimento nos parece plausvel na medida o
ato de passar a mo na cabea de algum vinculado, na cultura ocidental, a um ato de
carinho. De modo semelhante, testemunhar algo que cause surpresa ser seguido pelo ato
de passar a mo na sua prpria cabea, que foi a interpretao do Sujeito 5, uma imagem
fcil de ser construda, a partir de nossas vivncias e experincias. Na continuao da
explicao oferecida pelo participante para a sua resposta, no parece restarem dvidas
de que sua definio da EI seguiu esse raciocnio: imaginei (que seria surpresa) porque
no espanhol pode ser quase igual quer dizer, nos filmes e nos seriados as pessoas passam
a mo na cabea por surpresa, admirao por causa de algum fato. No parece haver,
assim, estabelecimento de relao metafrica nas definies das EIs.
Situao diferente, entretanto, verificada nas respostas dos seis sujeitos que
relacionaram a expresso de preocupao e reflexo. Pela noo TODO PELA
PARTE, conforme concebida pela lingustica cognitiva, temos aqui uma entidade,
cabea, que empregada para representar parte dela ou seja, o local especfico em
que se concentram as preocupaes e reflexes.
Considerando que, dos nove processos inferenciais relativos EI passar a mo
na cabea, seis deles puderam ser agrupados em torno dos campos semnticos
relacionados preocupao e reflexo, os dados parecem apontam para a presena
significativa dessa relao metonmica pelos participantes.
EI 2: ficar cheio de dedos
Pela Tabela 2 possvel visualizar as relaes metafricas de sentido
estabelecidas pelos sujeitos para a EI 2: duas delas foram agrupadas na relao mais geral
de possuir algo, embora uma diga respeito a possuir opes, e outra a possuir coisas.
Em uma terceira resposta, aparece a ligao entre estar cheio de dedos e ser julgado,
j que, no entender do entrevistado, seriam os dedos de outras pessoas que estariam
18
apontando para voc, de modo a julg-lo por algo que voc fez. Em uma quarta resposta,
tem-se a relao entre muitos dedos e muita ajuda. Alm disso, um dos participantes
no conseguiu estabelecer qualquer sentido para a EI,
Enquanto no identificamos um padro de relaes de sentido nos protocolos
verbais relativos a essas inferncias, os cinco processos inferenciais da EI restantes
apresentam uma semelhana entre si no que tange a relao entre cheio de dedos e
cheio de tarefas, conforme mostram os trechos selecionados das transcries dos
protocolos na Tabela 2.
Tabela 2: Conceitos e relaes de sentido para a EI 2
Expresso Ficar cheio de dedos
Sujeito
Conceito da EI Relaes de sentido:
Ficar cheio de dedos =
Suj. 1 -Talvez ter muitas alternativas, muitas
opes.
P: Sim, e por que tu pensa isso?
-No sei...
P: Talvez porque tu pode contar nos
dedos?
-No sei, acho que sim.
Opo, alternativa
Suj. 2 -Nunca escutei. Talvez ter muitas coisas,
ter muitos presentes.
P: Por que tu pensa isso?
-No sei, penso no meu aniversrio e eu
cheia de presentes. o que vem na cabea.
P: Te vem essa ideia de quantidade?
-Sim.
Ter muitas coisas
Suj; 3 -A nica coisa que me vem na cabea...
ficar cheio de dedos... como, por
exemplo, ficar cheio de tarefas, de
situaes.
P: De tarefas?
-Sim, muitos compromissos, algo assim.
Ficar atarefado
Suj. 4 -Ficar com muitas coisas pra fazer, talvez. Ficar atarefado
19
P: E essa ideia de vem de onde?
-Da expresso, dedos podem ser tarefas...
P: Tipo, cada dedo uma tarefa, para
numerar...?
-Sim!
Suj. 5 -No sei, pode ser que tem muita ajuda de
muitas pessoas ou pode ser que tambm
tenha muitos dedos que no ajudam em
nada.
P: E por que essa ideia?
-Uma mo com muitos dedos e muitas
pessoas oferecendo os dedos para poder
ajudar.
Pessoas para ajudar
Suj. 6 -Essa ai eu no ouvi, talvez seja dedos
apontando para ti, ser julgado. (...) Eu fiz
uma coisa e todo mundo fica olhando, dedos
apontando.
Ser julgado
Suj.7 -Pode ser uma pessoa que quer fazer muitas
coisas?
..como a gente faz as coisas com as mos,
estar cheio de dedos pode ter essa ideia de
fazer vrias coisas?
-Sim.
Fazer tarefas
Suj. 8 -Ficar cheio de dedos...acho que uma pessoa
que faz muitas coisas. Ter a capacidade de
fazer muitas coisas no tempo, ser rpida.
Fazer tarefas
Suj. 9 - (...)No sei essa...no sei.
P: Nem ideia?
-Nem ideia, no passa nada pela minha
cabea.
---------------
Suj. 10 P: Nunca ouviu nada parecido?
-No.. no sei, tambm poderia dar ideia de
fazer vrias coisas, o fato de ter vrios
dedos.
Fazer tarefas
20
Pela anlise dos dados, parece plausvel afirmar que a relao entre cheio de
dedos e cheio de tarefas tem origem no seguinte raciocnio estabelecido pelos
participantes: os dedos representavam tarefas a serem cumpridas, o que acarreta que
quanto mais dedos uma pessoa possui, mais tarefas ela tem a cumprir.
Com base nisso, a visualizao da metfora conceptual TAREFAS so DEDOS
parece apropriada, na medida em que temos dedos como domnio-fonte, e tarefas
como domnio-alvo. Ainda que, com relao EI 1 passar a mo na cabea, houve um
percentual menor de respostas semelhantes entre os sujeitos, essas foram, de qualquer
modo, a maioria: cinco inferncias, de um total de nove, considerando que um dos sujeitos
no sugeriu qualquer significado para a EI.
EI 3: ser uma mo na roda
Entre as trs expresses analisadas, foi na EI 3 que um padro de relaes de
sentido foi mais significativamente verificado. A anlise dos dez protocolos verbais
mostrou que seis sujeitos relacionaram mo na roda com ajuda, por diferentes linhas
de raciocnio, dois relacionaram a obstculo, e dois no conseguiram pensar em
possveis significados para a EI, como pode ser verificado na Tabela 3 que segue.
Tabela 3: Conceitos e relaes de sentido para a EI 3
Expresso Ser uma mo na roda
Sujeito
Conceito da EI Relaes de sentido:
Ser uma mo na roda =
Suj. 1 -Acho que uma pessoa que ajuda outras
pessoas. Ser uma mo na roda... Eu relaciono
roda com uma situao e a mo vai e ajuda.
P: uma pessoa que ajuda?
-Sim, que ajuda numa situao.
Ajuda
Suj. 2 -No sei tampouco.
P: No conhece nada parecido?
-No. E no imagino nada...
---------------
Suj; 3 -Acho que tem algo a ver com algum que evita
avanar (...) perturba algum processo.
E: Sim, e por que esta ideia?
Obstculo
21
-Porque na minha cabea, o movimento da
roda, a mo interrompe este momento.
Suj. 4 -No sei, no consigo pensar em nada...
E: Nenhuma imagem? Nada?
-No...
---------------
Suj. 5 -Nunca ouvi. Uma mo na roda poderia ser uma
ajuda, porque a mo ajuda a roda a seguir
girando.
Ajuda
Suj. 6 -Ser parte de um grupo e nesse grupo tu ajuda,
tu contribui para que as coisas andem.
P: Por que essa ideia?
-Porque eu imagino uma roda gigante e um
monte de pessoas tentando empurrar a roda, os
amigos.
Ajuda
Suj.7 -Ser como uma mo na roda, pode ser como
ajudar algum?
P: Ajudar? Por que tu pensa isso?
-...no sei, porque eu imagino uma roda e que
precisa funcionar, rodar. Ento precisa de mos
para funcionar.
Ajuda
Suj. 8 -Ser uma mo na roda que no quer intervir
em alguma coisa? Que no quer fazer parte de
alguma coisa, intervir em alguma situao.
P: Por que tu pensa isso?
-A roda gira, faz movimento, ser uma mo na
roda no querer que algo continue, ou intervir
em alguma coisa.
Obstculo
Suj. 9 - () No sei, eu associo, acho que pode ser a
pessoa que tem algum tipo de soluo para
alguma coisa.
Soluo, ajuda
Suj. 10 -Roda, no sei a que se refere.
P: A roda de um automvel, a roda de uma
bicicleta.
-Pode ser uma roda de pessoas?
Ajuda
22
P: Poderia ser, tu pensa nisso?
-No sei, para mim ser uma mo na roda seria
uma pessoa que te ajuda (...) que te salva, sei l,
que est preocupada com voc.
O primeiro aspecto que chama a ateno, na anlise dos dados, que a totalidade
das respostas relacionou a EI ou com a noo de ajuda ou com o seu oposto, a noo de
obstculo. Nenhuma outra relao de sentido foi estabelecida. Alm disso, das oito
relaes de sentido estabelecidas, somente uma delas entendeu que a palavra roda dizia
respeito a uma roda de pessoas, as demais tendo interpretado o vocbulo a partir da
perspectiva de uma engrenagem dentro de um sistema maior, que precisa estar girando
para que tudo funcione bem.
Levando esses dados em considerao, e tendo o conceito de metfora conceptual
da teoria de Lakoff e Johnson (op. cit.) em primeiro plano, podemos estabelecer a
metfora MO AJUDA e a metonmia PARTE PELO TODO, nas substituies
que os sujeitos fazem da palavra roda por sistema. Assim, da unio dessas duas
metforas, os sujeitos depreenderam tanto que colocar a mo na roda poderia significar
auxiliar, pois daria continuidade atividade em desenvolvimento pelo sistema, fazendo
girar a roda, ou, de modo contrrio, poderia representar um obstculo, pois impediria a
continuidade dessa atividade, fazendo parar a roda.
Relao entre Expresses Idiomticas, Relaes de Sentido e Metfora Conceptual
Como mencionado no incio desta seo, a anlise das relaes de sentido das trs
EIs so apresentadas na Tabela 4, a fim de facilitar a visualizao dos resultados
encontrados. Alm disso, as metforas e metonmias conceptuais subjacentes s trs EIs,
a partir das relaes de sentido estabelecidas pelos participantes, tambm esto agrupadas
na mesma Tabela.
Tabela 4 - Anlise das Relaes de Sentido nas EIS 1, 2 e 3
Sujeitos EI1 EI2 EI3
Passar a mo na cabea
=
Ficar cheio de dedos
=
Ser uma mo na
roda =
23
1 Preocupao Ter opes,
alternativas
Ajuda
2 Carinho Ter muitas coisas ----------
3 Preocupao Ficar muito atarefado Obstculo
4 Preocupao Ficar muito atarefado ----------
5 Surpresa Pessoas para ajudar Ajuda
6 Responsabilidade,
reflexo
Ser julgado Ajuda
7 ---------- Fazer vrias tarefas Ajuda
8 ---------- Fazer vrias tarefas Obstculo
9 Pensar, refletir ________________ Soluo, ajuda
10 Carinho
e/ou
Preocupao
Fazer vrias tarefas Ajuda
TOTAL
(relaes
de sentido)
6 Preocupar-se, refletir
2 Carinho
2 Sem resposta
5 Fazer vrias
tarefas
1 Ter ajuda para
realizar uma tarefa
2 Ter opes,
coisas
1 Ser julgado
1 Sem resposta
6 Ajuda
2 - Obstculo
2 Sem resposta
Metforas
e
metonmias
conceptuais
observadas
TODO pela PARTE
(cabea por preocupao
e/ou reflexo)
TAREFAS so
DEDOS
MO AJUDA
PARTE pelo
TODO = (roda por
sistema)
Consideraes Finais
Neste artigo, descrevemos os achados parciais de um projeto de pesquisa em
andamento que investiga os processos de compreenso de expresses idiomticas (EIs)
por falantes de portugus como segunda lngua tendo como base terica a teoria das
metforas conceptuais de Lakoff e Johnson (op. cit.). Primeiramente apresentamos os
24
processos inferenciais de dez falantes de espanhol como L1 frente a trs EIs que no
possuam equivalentes em sua lngua materna, a fim de avaliar as relaes de sentido por
eles estabelecidas, e, por fim, as possveis metforas conceptuais subjacentes a essas
relaes de sentido.
O objetivo principal do estudo era avaliar em que medida a tese defendida por
Gibbs e OBrian (op. cit.) de que as EIs so motivadas por metforas conceptuais, no
cabendo, assim, a explicao de que seriam metforas mortas, poderia ser ratificada.
Como mostramos na seo de apresentao e anlise de dados, essa tese pde ser somente
parcialmente confirmada, j que, conforme sintetizado na Tabela 4, mesmo tendo
encontrado um padro de respostas inferenciais em todas as trs EIs, houve tambm
processos inferenciais que levaram a metforas conceptuais de natureza diversa.
fundamental, de qualquer modo, considerar as diferenas metodolgicas entre
o estudo aqui relatado e os experimentos de Gibbs e OBrian (op. cit.), descritos em
detalhes no incio deste texto. Nesse sentido, duas diferenas so essenciais: a seleo dos
participantes enquanto no primeiro estudo tratava-se de falantes da mesma lngua das
EIs, as quais j eram conhecidas por eles, nesse tratava-se de falantes de uma L2 cujas
EIs eram desconhecidas e o mtodo de coleta de dados questionrios semi-
estruturados nos experimentos dos autores americanos, e protocolos verbais nesse estudo.
Alm disso, embora todos falassem a mesma L1, tambm importante destacar
que os participantes deste estudo eram provenientes de diferentes regies ou mesmo de
diferentes pases em que a L1 era falada, o que certamente resultava em backgrounds
lingusticos diversos.
Consideradas essas diferenas, o fato de ter sido possvel verificar uniformidade
na maior parte das respostas no parece um achado de pouca significncia, ainda que essa
uniformidade no tenha sido total. Na verdade, o fato de termos encontrado metforas (e
metonmias) conceptuais subjacentes aos processos inferenciais dos participantes por si
s j aponta para a pertinncia da tese defendida por Gibbs e OBrian (op. cit.), e ratificada
por Kazemi et al (op.cit.).
Um nmero maior de dados necessrio para podermos confirmar esses
resultados preliminares, naturalmente, e as prximas aes da pesquisa concentram-se em
entrevistas com mais participantes, incluindo tambm falantes cujas L1s no sejam
espanhol, a fim de verificar se esse padro de respostas se mantm. Esperamos em breve
apresentar os novos resultados, com nova discusso, a fim de continuar contribuindo para
a compreenso desse fenmeno to rico e complexo da linguagem como so as expresses
idiomticas.
25
Referncias
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new and traditional forms of reading. In: ISRAEL, Susan E; DUFFY, Gerald G. (eds).
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understand the role of attention in second language tasks. International Journal of
Applied Linguistics. v. 13, 200.
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KAZEMI, Seyyed Ali; ARAGHI, Seyyed Mahdi; BAHRAMY, Masoumeh. The Role of
Conceptual Metaphor in Idioms and Mental Imagery in Persian Speakers. International
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LAKOFF, George. LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metaphors we Live by.
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________. Metaphors we Live by. 2 ed. Chicago: Chicago University Press, 2003.
LAUFER, Batia. Avoidance of Idioms in a Second Language: the effect of L1-L2 degree
of similarity. Studia Linguistica, v. 54, n. 2, 2000, p. 186-196.
O FUNCIONAMENTO DA NOO DE SUJEITO-CORPO NO DISCURSO DO
E SOBRE O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICINCIA
Andressa Marchesan (UFSM)
Introduo
O presente trabalho uma primeira investida no desenvolvimento do projeto de
dissertao de mestrado iniciado neste ano. O objetivo principal propor uma reflexo
sobre a noo de sujeito tal como trabalhada na Anlise de Discurso peucheuxtiana em
26
suas relaes com o corpo que representa o sujeito e que representado nele e por ele.
Para tanto vamos nos propor investigar os funcionamentos da noo de sujeito-corpo
no discurso do e sobre o Estatuto da pessoa com deficincia, perguntando que corpo
esse? O diferente no corpo e na constituio do sujeito? Como ele aparece ou no aparece
no discurso em estudo? Para tanto elegemos, como objeto de estudo o Estatuto da Pessoa
com Deficincia e buscaremos elementos dentro e fora do Estatuto para viabilizar nossas
anlises, esses elementos podero vir do prprio estatuto ou da mdia ou de outros
documentos legais/jurdicos.
Investigaremos os ditos e os no ditos, observando como se realizam os modos de
nomear o sujeito que tem um corpo no interior do discurso do Estatuto, ou seja, um
predomnio de nomeaes e de ausncias delas. Essas nomeaes podem estar explcitas
ou implcitas, mas em nossa primeira leitura j se mostraram bem diferentes daquelas
presentes no Estatuto da criana e do adolescente e/ou no Estatuto do idoso. Nestes dois
documentos pudemos observar que as nomeaes apresentam o corpo de forma explcita
e reiterada, enquanto que no Estatuto da pessoa com deficincia as nomeaes no
aparecem ou quando aparecem apresentam-se de forma sutil e implcita.
a Anlise de Discurso (AD) de linha francesa fundada por Michel Pcheux e
desenvolvida no Brasil a partir de Eni Orlandi que d sustentao terico-metodolgica
para esse trabalho, pois se preocupa com o funcionamento da linguagem, que pe em
relao sujeitos e sentidos afetados pela lngua (ORLANDI, 2015a, p. 19). A AD surge
no ano de 1969, na Frana, quando Michel Pcheux prope um novo olhar sobre a
linguagem, considerando o discurso como objeto de anlise.
Ela se faz no entremeio da histria, da lingustica e da psicanlise. Sua
singularidade acontece ao pensar a relao da ideologia com a lngua e pensar o sujeito,
enquanto um ser dotado de inconsciente e afetado pela ideologia. Ao fundar a AD, Michel
Pcheux desloca a dicotomia lngua/fala proposta por Saussure, para lngua/discurso. A
AD tambm desconstri o sujeito ideal proposto por Chomsky, pensa um sujeito que
dotado de inconsciente e que sem a ideologia o interpelando no teria existncia. Esse
sujeito no ideal, assim como a lngua que um sistema sujeito a falhas e equvocos.
No h discurso sem sujeito e no h sujeito sem ideologia (ORLANDI, 2015a, p. 15
apud PCHEUX, 1975). atravs da prtica discursiva que o sujeito se manifesta
enquanto tal (PETRI, 2004, p. 33). Algumas das noes que mobilizaremos durante a
elaborao da dissertao sero: sujeito, formaes imaginrias, formaes discursivas,
interpretao, discurso sobre e discurso de, tambm a histria da palavra deficincia e a
delimitao e o percurso do corpo.
27
Sobre o sujeito e as formaes discursivas
A primeira noo a ser definida a noo de sujeito. Iniciamos com uma
afirmao de Orlandi (2015a) que rege essa noo: o indivduo interpelado em sujeito
pela ideologia para que se produza o dizer (p. 44). O sujeito interpelado pela ideologia
e dotado de inconsciente. A ideologia a condio para a constituio do sujeito e dos
sentidos (ORLANDI, 2015a, p. 44). Portanto, se no houver a ideologia, no h sujeito.
Alm disso, os sujeitos so possibilidades de tomadas de posio. Quando falo
a partir da posio de me, por exemplo, o que digo deriva seu sentido, em relao
formao discursiva em que estou inscrevendo minhas palavras (ORLANDI, 2015a, p.
47), em outro momento pode-se falar na posio de filha. Percebemos que a formao
discursiva determina o que pode e deve ser dito em uma dada posio sujeito.
O sujeito posio entre outras, subjetivando-se a medida mesmo que se projeta
de sua situao (lugar) no mundo para sua posio no discurso (ORLANDI, 2002, p.
65). O sujeito capaz de assumir diferentes posies dependendo da formao discursiva
na qual inscreve suas palavras, e assim, subjetiva-se ao se projetar em sua posio no
discurso, por exemplo, posso assumir a posio de acadmica, filha, amiga, colega, etc.
a formao discursiva que regula o dizer das diferentes posies-sujeito que
nela convivem (CAZARIN, 2004, p. 20). Por isso, a relevncia desta noo que, segundo
Orlandi aquilo que numa formao ideolgica dada - ou seja, a partir de uma posio
dada em uma conjuntura scio-histrica dada determina o que pode e deve ser dito
(2015a, p. 41). atravs da formao discursiva que o sujeito identifica-se mais ou menos
com os saberes advindos da formao ideolgica que o domina tal como ela se apresenta
em saberes atravs do discurso.
O sujeito no est no centro de si mesmo e tampouco a fonte do sentido; e o
lugar onde est no tem centro, mas uma estrutura (FERREIRA, 2010, p. 8). O sujeito
est condicionado por uma estrutura, que tem como singularidade no ter suas fronteiras
fechadas e no ter seus territrios homogneos (FERREIRA, 2010).
Com a AD o sujeito passa a produzir seu discurso, o sujeito o faz a partir de
determinadas posies sujeito ideolgicas. Essa viso individualizada, entretanto, no
transforma esse sujeito em uma figura capaz de decidir livremente seu discurso, porque
se trata de um sujeito que constitudo socialmente. Todavia, por no ter conscincia do
seu assujeitamento, o sujeito mantm a iluso de ser plenamente responsvel por seu
28
discurso (CAZARIN, 2004). O sujeito descentrado, ou seja, ele no fonte do sentido
que produz e somente parte de um processo. Eni Orlandi explicita esse descentramento:
O sujeito da linguagem descentrado, pois afetado pelo real da lngua e
tambm pelo real da histria, no tendo o controle sobre o modo como elas o
afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo
inconsciente e pela ideologia (ORLANDI, 2015a, p. 18).
A partir das palavras da autora podemos compreender que o sujeito, na AD, no
livre para decidir seu discurso, pois ao produzi-lo, o faz a partir de determinadas posies-
sujeito, contudo mantm a iluso de ser o dono do que diz devido a sua no conscincia
de seu assujeitamento, ou seja, para o sujeito apaga-se o fato dele entrar nas prticas-
discursivas j existentes. Para constituir-se como sujeito, este deve se submeter lngua
e a histria, para produzir sentidos.
Ao dizer o sujeito se inscreve na histria e quando se inscreve na histria, ele faz
transferncia de sentidos. Se sujeito atravs do assujeitamento lngua, na histria. Ao
dizer se afetado pelo simblico. Ele submete-se a lngua para se subjetivar, inserido em
sua experincia de mundo e determinado a dar sentido, significar-se em um gesto, um
movimento scio-historicamente situado, em que se reflete sua interpelao pela
ideologia (ORLANDI, 2002, p. 68).
Os sentidos e os sujeitos no esto nem fixados eternamente, nem podem ser
quaisquer uns, porque histrico que muda e se mantm. A AD trabalha entre o possvel
e o historicamente determinado. O sujeito capitalista simultaneamente livre e submisso,
determinado pela exterioridade e determinador do que diz (ORLANDI, 2002). Os modos
de individuao do sujeito pelo Estado, que so estabelecidos pelas instituies e pelos
discursos, resultam em um sujeito com direitos e deveres.
A ideologia afeta o sujeito na estrutura e nesta estrutura que o sujeito funciona.
Quando o sujeito s individualizado, deixa-se de fora o simblico, o histrico e a
ideologia, que so justamente as noes centrais que tornam possvel a interpelao do
indivduo em sujeito. O carter do assujeitamento, o indivduo assujeitar-se pelo
simblico pela ideologia, e a possvel resistncia do sujeito aos modos que o Estado o
individualiza, esses momentos no esto separados, porm so distintos (ORLANDI,
2002).
Baseando-se em Petri (2004) iremos tratar da constituio do sujeito, que produz
um efeito de unidade, tendo como base uma iluso necessria: o sujeito tem a iluso de
ser a fonte do seu dizer e ele esquece que todo discurso sustentado pelo j-dito, aquilo
que no se origina em ns, isso caracterizado por Pcheux e Fuchs (1997, p. 168) como
29
o esquecimento n 1, e o sujeito tem a iluso que domina e sabe exatamente o que diz
e de que controla os sentidos, isso se caracteriza como o esquecimento n 2.
Os esquecimentos possibilitam a circulao do sujeito em um espao imaginrio
que assegura ao sujeito falante seus deslocamentos no interior do reformulvel
(PCHEUX; FUCHS, 1997, p. 178), ou seja, a circulao do sujeito nesse espao
imaginrio, que so os esquecimentos, necessria, pois assegura seus deslocamentos no
interior do reformulvel, sem que o sujeito se d conta disso.
O sujeito sob o efeito dessas duas iluses acredita que seu discurso est revelando
sua inteno particular de dizer algo, pois para ele seu discurso no representa uma
posio-sujeito inscrita em uma dada formao discursiva, que determina o que pode e
deve ser dito e o que convm ser dito em um dado discurso, e ele tambm acredita que
pode controlar o sentido, pois ele pertence a uma formao imaginria na qual se produz
uma imagem de si mesmo e do outro, seu interlocutor e essa formao imaginria que
lhe garante a impresso de realidade (PETRI, 2004, p. 45).
A AD no trabalha com a noo psicolgica de sujeito. Sob o modo do imaginrio,
atravessado pela lngua e pela histria, o sujeito s tem acesso parte do que ele diz, em
sua constituio ele materialmente dividido: ele sujeito de e sujeito (ORLANDI,
2015a, p. 46), sujeito de direitos e sujeito a deveres, sujeito lngua e histria, pois
para constituir-se afetado por ambas.
A delimitao do corpo
Alm de trazer baila as noes de sujeito e de formaes discursivas,
apontaremos a delimitao do corpo. Este tem sido estudado e observado por diversas
reas do conhecimento. A AD no Brasil vem preservando a relao entre linguagem,
histria e ideologia e a concepo de um sujeito interpelado pela ideologia e afetado pelo
inconsciente. por esse vis que encontramos espao para inscrever o corpo como um
objeto discursivo (FERREIRA, 2013a, p. 77).
Baseando-se em Orlandi (2016), refletiremos sobre a relao entre sujeito e corpo,
pensando o corpo em sua materialidade significativa enquanto corpo de um sujeito e no
como corpo emprico. Em sua materialidade, os sujeitos textualizam seu corpo pela
maneira de como esto neles significados e se deslocam na sociedade e na histria,
podemos ter corpos segregados, corpos legtimos, corpos integrados. A partir do que a
autora explicita poderamos afirmar que o sujeito com deficincia tem o corpo segregado,
visto socialmente como anormal, excludo pelos considerados socialmente como
normais.
30
O corpo do sujeito est ligado ao corpo social. O corpo no escapa determinao
histrica e nem a interpelao ideolgica do sujeito. O sujeito relaciona-se com o seu
corpo atravessado pelo discurso social que o significa. No h como pensar o sujeito sem
o corpo e nem o corpo sem o sujeito e os sentidos.
Conforme Ferreira (2013a) possvel encontrar algumas referncias ao corpo nas
obras de Michel Pcheux, ainda que esparsamente. Pcheux revela que no se deve negar
o desejo de aparncia, a necessidade universal de um mundo semanticamente normal,
isto , normatizado, que comea com a relao de cada um com seu prprio corpo e seus
arredores imediatos (2008, p. 34). Segundo Ferreira (2013b), essa necessidade da
normalidade surge a fim de responder aos apelos de uma sociedade capitalista estabilizada
que se fixa nesses parmetros para obter sucesso. Assim como a lngua e a ideologia
podem apresentar falhas, o corpo tambm pode apresent-las. Na AD o corpo est
associado noo de ideologia, pois mais do que um simples objeto terico, o corpo
um dispositivo de visualizao, um modo de ver o sujeito, sua historicidade e a cultura
que o constitui (FERREIRA, 2013a). Estamos pensando o corpo como um objeto
discursivo, no como corpo emprico, biolgico e nem orgnico.
O sujeito denominado como pessoa com deficincia no discurso do Estatuto
relaciona-se com seu corpo atravs do discurso social que o significa, geralmente, de uma
forma marginalizada. Por isso, a relevncia em se discutir o funcionamento da noo de
sujeito-corpo neste discurso especfico, que o Estatuto da Pessoa com Deficincia.
Um breve percurso do corpo
Freud foi considerado um dos pioneiros na observao do corpo como objeto
terico, ao observar, no incio do sculo 20, o espetculo que era feito pelo Dr. Charcot
com as histricas, em Salpetrire, Freud chega noo de inconsciente como alguma
coisa que falava no corpo, pelo corpo (FERREIRA, 2013a, p. 79).
J na hiptese apresentada por Lacan, o corpo um efeito da linguagem, ou
seja, a linguagem incide sobre o corpo, toca o organismo, o desnatura e o modifica
(FERREIRA, 2013a, p. 80). Isso possibilita uma aproximao com a AD. O corpo no
seria uma ddiva da natureza, mas seria um processo de construo que acontece pelo
discurso e no discurso. Tambm podemos citar a importante contribuio de Foucault
sobre o corpo, vendo este como elemento de poder e saber, o que confere ao estatuto do
corpo um papel estratgico exponencial como lugar de resistncia do sujeito na
sociedade (FERREIRA, 2013a, p. 80).
31
Muito falamos do corpo, no corpo e isso acontece desde o tempo da civilizao
grega, na qual o corpo estava associado beleza e a perfeio. Aps esse perodo, surge
a Antiguidade clssica, perodo em que o corpo se esconde sob o comando do
Cristianismo, visto como um objeto pecaminoso. Por um longo perodo, o corpo foi
esquecido pelos historiadores, pois os renascentistas acreditavam que o ser humano fazia
parte da natureza. O corpo ficava diludo como algo natural.
A concepo de corpo muda aps a Idade Mdia e a ascenso do capitalismo, pois
nesta poca o corpo no mais visto como algo proibido de ser manipulado. Elimina-se
aquela ambivalncia presente no Cristianismo, corpo/alma. Surge uma cincia que separa
os valores religiosos do corpo e da moralidade, permitindo que o corpo possa ser tomado
como objeto de estudo (FERREIRA, 2013b).
Pretendemos pensar o corpo relacionado ao sujeito, observando como o corpo
aparece ou no aparece no discurso estudado, como nosso corpus est significando a
deficincia na constituio do sujeito e do corpo e como aparece o diferente no corpo e
na constituio do sujeito. Importa destacar que em cada poca histrica temos diferentes
discursividades sobre o corpo, sendo assim, devemos lembrar que o corpo pode ter efeitos
de sentidos diferentes dependendo das condies de produo do discurso analisado.
Sobre as formaes imaginrias, os sentidos, a interpretao e o discurso sobre
Tambm empregaremos a noo de formaes imaginrias, que no so os
sujeitos fsicos nem os lugares empricos como esto inscritos na sociedade que
funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projees (ORLANDI, 2015a).
Se produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de uma
conjuntura scio-histrica (ORLANDI, 2015a, p. 38). atravs da formao imaginria
que observamos a imagem da pessoa com deficincia na sociedade, percebemos que h
uma imagem de algum incapaz, frgil, que necessita de um Estatuto para proteg-
lo e assegurar seus direitos.
As formaes imaginrias designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si
e ao outro, a imagem que eles fazem do seu prprio lugar e do lugar do outro
(PCHEUX, 1997, p. 82), o que capacita o lugar social de cada um no discurso, ou seja,
temos uma imagem da posio sujeito do locutor, da posio sujeito do interlocutor e a
imagem do objeto do discurso. Por exemplo, ao nos dirigirmos ao professor, temos a
imagem do que seja um professor e a imagem do que seja um aluno, do que se pode falar
a um professor. E quando falamos sobre deficincia o que est posto nas formaes
imaginrias que regulam o que eu digo, para quem eu falo e como eu falo?
32
A noo de interpretao relevante, pois os discursos a serem pesquisados e
investigados fora do Estatuto para viabilizar as anlises, apresentaro um gesto de
interpretao do outro sobre o discurso presente no Estatuto. Alm disso, quando
selecionamos o corpus, que fazemos recortes para a elaborao da dissertao, estamos
realizando um gesto de interpretao.
E tambm pode ser estudada a noo de discursos sobre apresentada por Orlandi
(1990) como uma das formas cruciais da institucionalizao dos sentidos... Ou seja, o
discurso sobre um lugar importante para organizar as diferentes vozes (dos discursos
de) (p. 37). Ressaltamos que as diferentes vozes presentes nos discursos sobre o
Estatuto sero parte integrante da interpretao dos sentidos do discurso do Estatuto.
Os discursos sobre so discursos intermedirios, pois ao falarem sobre um
discurso de ('discurso-origem'), situam-se entre este e o interlocutor, qualquer que seja
(MARIANI, 1996, p. 64). Os discursos sobre o Estatuto da Pessoa com Deficincia so
esses discursos intermedirios, p