4
RESENHA CRÍTICA SOBRE O DOCUMENTÁRIO “BOCA DE LIXO” DE EDUARDO COUTINHO¹ A resenha crítica a seguir consiste principalmente em uma análise sobre o documentário “Boca de Lixo” de Eduardo Coutinho e sua comparação e crítica à uma notícia encontrada no site do G1 sobre catadores de lixo do Distrito Federal. O objetivo do texto é expor pontos principais do documentário em questão e refletir a questão da representatividade presente na obra em relação à notícia presente em anexo. O média-metragem “Boca de Lixo”, lançado em 1993, do cineasta e jornalista brasileiro Eduardo Coutinho retrata, de modo geral, o cotidiano de catadores de lixo em um vazadouro de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro. O aspecto principalmente interessante da obra é a transição dos personagens estigmatizados como catadores de lixo para os mesmos personagens agora reconhecidos como membros reais da sociedade. O filme começa apresentando o local de trabalho dos catadores de lixo sem que nenhum aprofundamento ocorra. Pessoas, em meio ao lixo, à fumaça e aos poucos animais como porcos, cavalos e urubus, representadas primeiramente por mãos que catam no lixo recém-chegado de um caminhão tudo que julgam útil. Nesse primeiro momento a cena que se apresenta é meramente ilustrativa e chega a causar um possível estranhamento para o expectador não aproximado da realidade apresentada. A seguir, na tentativa de se aproximar de seus protagonistas, a câmera segue os catadores, porém os mesmos se recusam a ser filmados e evitam a câmera como podem, se esquivando, cobrindo o rosto ou se apresentando de forma aparentemente “hostil”. A partir desse primeiro momento apenas rostos e nomes desconexos são apresentados pelos próprios catadores, nomes esses de outros catadores que trabalham no local. O jogo da montagem e reconhecimento gradual começa a se concretizar quando Nirinha é apresentada e, a partir dessa apresentação, uma forma de entrevista ocorre onde os catadores ganham voz e contam sobre o que fazem. Após Nirinha conhecemos Lúcia que explica porque acha bom trabalhar no vazadouro, mas dessa vez a entrevista recebe um aprofundamento e acompanhamos Lúcia até sua casa e conhecemos “de perto” sua vida. O mesmo acontece com Cícera, Enock e Jurema. Com esses catadores conhecemos não só o que fazem, ou porque fazem, mas conhecemos seus gostos, suas histórias, suas famílias, suas esperanças e suas filosofias de vida, como no caso de Enock e seu pensa ______________________ ¹Biografia e Filmografia disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Coutinho>

Universidade Federal Fluminens1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Grade Curso Economia

Citation preview

Page 1: Universidade Federal Fluminens1

RESENHA CRÍTICA SOBRE O DOCUMENTÁRIO “BOCA DE LIXO” DE

EDUARDO COUTINHO¹

A resenha crítica a seguir consiste principalmente em uma análise sobre o

documentário “Boca de Lixo” de Eduardo Coutinho e sua comparação e crítica à uma notícia

encontrada no site do G1 sobre catadores de lixo do Distrito Federal. O objetivo do texto é

expor pontos principais do documentário em questão e refletir a questão da

representatividade presente na obra em relação à notícia presente em anexo.

O média-metragem “Boca de Lixo”, lançado em 1993, do cineasta e jornalista

brasileiro Eduardo Coutinho retrata, de modo geral, o cotidiano de catadores de lixo em um

vazadouro de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro. O aspecto principalmente

interessante da obra é a transição dos personagens estigmatizados como catadores de lixo

para os mesmos personagens agora reconhecidos como membros reais da sociedade.

O filme começa apresentando o local de trabalho dos catadores de lixo sem que

nenhum aprofundamento ocorra. Pessoas, em meio ao lixo, à fumaça e aos poucos animais

como porcos, cavalos e urubus, representadas primeiramente por mãos que catam no lixo

recém-chegado de um caminhão tudo que julgam útil. Nesse primeiro momento a cena que se

apresenta é meramente ilustrativa e chega a causar um possível estranhamento para o

expectador não aproximado da realidade apresentada.

A seguir, na tentativa de se aproximar de seus protagonistas, a câmera segue os

catadores, porém os mesmos se recusam a ser filmados e evitam a câmera como podem, se

esquivando, cobrindo o rosto ou se apresentando de forma aparentemente “hostil”. A partir

desse primeiro momento apenas rostos e nomes desconexos são apresentados pelos próprios

catadores, nomes esses de outros catadores que trabalham no local.

O jogo da montagem e reconhecimento gradual começa a se concretizar quando

Nirinha é apresentada e, a partir dessa apresentação, uma forma de entrevista ocorre onde os

catadores ganham voz e contam sobre o que fazem. Após Nirinha conhecemos Lúcia que

explica porque acha bom trabalhar no vazadouro, mas dessa vez a entrevista recebe um

aprofundamento e acompanhamos Lúcia até sua casa e conhecemos “de perto” sua vida. O

mesmo acontece com Cícera, Enock e Jurema. Com esses catadores conhecemos não só o

que fazem, ou porque fazem, mas conhecemos seus gostos, suas histórias, suas famílias, suas

esperanças e suas filosofias de vida, como no caso de Enock e seu pensa

______________________

¹Biografia e Filmografia disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Coutinho>

Page 2: Universidade Federal Fluminens1

mento sobre o lixo, que é comumente reconhecido como o final de tudo, quando na verdade é

a partir dele que essas pessoas tiram seu sustento.

Ao final do documentário o sentimento de proximidade com a situação, após

presenciarmos relações pessoais e a própria rotina dos catadores, é intensificado.

Obviamente, o documentário não é o suficiente para realmente reconhecermos a realidade

dessas pessoas, mas a apresentação construída através dessa aproximação gradual faz com

que essa aproximação seja possível, o que torna o tema tratado, a vida dos catadores de lixo e

sua relação com o sistema, seja mais intenso da perspectiva dos reais protagonistas.

A diferença e a problemática de representatividade, que ocorre gradualmente na obra

de Coutinho, apresentada em 1993 pode ser comparada com uma notícia¹, do mês de outubro

de 2015, encontrada no site do G1, um portal de notícias reconhecido, sobre catadores de lixo

do Distrito Federal. A notícia relata que os catadores queimaram pneus em uma via de acesso

ao local onde trabalham como forma de manifestação contra o local em que o lixo está sendo

descarregado e a favor de um melhor local de trabalho dentro do lixão. Como relatado, foi

uma manifestação breve e um consenso foi logo atingido entre os manifestantes e o gerente

do aterro.

A notícia é curta e as vozes apresentadas são apenas do gerente do aterro sanitário e de

um tenente da polícia militar. A discussão sobre a falta de detalhes na notícia tem a ver com o

interesse ou a falta de interesse da mídia nesse tipo de acontecimento, discussão essa que não

pertence necessariamente a essa questão, justamente também pela notícia ser de uma

“repartição” do portal principal. A questão da representatividade é ilustrada na única imagem

presente na notícia: a imagem dos pneus sendo queimados. A notícia cita apenas “catadores

de lixo”, sem nenhum nome ou relato dos mesmos, nem mesmo uma imagem dos

personagens centrais da notícia. Os únicos nomes encontrados pertencem as autoridades do

local e os catadores são representados por números, estatísticas. Vários fatores podem

explicar a ausência desses fatores, porém, ao fazer uma busca na internet sobre notícias

relacionadas à “catadores de lixo”, as notícias que se seguem têm o mesmo padrão: os

catadores são apagados em nome das autoridades ou famosos que se “entregam” as causas

sociais.

A falta de representatividade na mídia em relação a essa questão é claramente

_______________________

¹ Notícia presente em anexo e disponível em <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/10/catadores-de-

lixo-queimam-pneus-na-estrutural-por-nova-area-de-trabalho.html>

Page 3: Universidade Federal Fluminens1

exposta, o que torna ainda mais importante o trabalho de Eduardo Coutinho ao apresentar

realmente a história desses catadores e transformar a ideia estigmatizada de “catadores de

lixo” para não só trabalhadores que contribuem para a sociedade mas seres humanos que tem

sentimentos, sonhos, histórias e vontades próprias, como a vontade de uma condição de vida

melhor.

Page 4: Universidade Federal Fluminens1

01/10/2015 18h18 - Atualizado em 02/10/2015 13h30

Catadores de lixo queimam pneus na Estrutural por nova área de trabalhoManifestação durou cerca de 30 minutos, segundo a polícia.

Manifestantes reclamavam de área onde lixo é descarregado.

Barreira feita pelos manifestantes para impedir a entrada no local (Foto: Polícia Militar/Reprodução)

Um grupo de 20 catadores de lixo da Estrutural, no Distrito Federal, ateou fogo em

pneus em uma via de acesso ao local na tarde desta quinta-feira (1º). Os catadores

reivindicam um novo espaço de trabalho na área do aterro. A Polícia Militar e o Corpo de

Bombeiros estiveram no local para conter os manifestantes.

Uma viatura do Corpo de Bombeiros foi chamada para apagar as chamas enquanto os

manifestantes negociavam com o administrador do local.

O gerente do aterro, João Alves, disse que os catadores reclamam do local onde o lixo

é descarregado. “Eles aceitaram ficar lá porque já está tudo saturado, não tem outro lugar, já

foi tudo resolvido”, afirmou.

O tenente Reniery Ulbrich disse que a manifestação foi rápida. "Eles pediam um

melhor local de trabalho dentro do próprio terreno onde trabalham e chegaram a um consenso

com o administrador do local. A manifestação durou pouco mais de 30 minutos e duas

viaturas da PM e uma do Corpo de Bombeiros estiveram lá", afirmou.

G1 – GLOBO.COM. Catadores de lixo queimam pneus na Estrutural por nova área de

trabalho. Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/10/catadores-de-

lixo-queimam-pneus-na-estrutural-por-nova-area-de-trabalho.html>. Acesso em: 08 nov.

2015, 22:00:00.