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O ESPAÇO E O TEMPO NA ESCOLA: CATEGORIAS EM MOVIMENTO Adriana Rosa Brzezinski 1 Universidade Luterana do Brasil Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU ULBRA) O espaço e o tempo na escola: categorias em movimento Resumo Utilizando as lentes dos estudos culturais apresento neste artigo algumas possibilidades para reflexões sobre as categorias espaço e tempo, a partir dos autores Alvarez- Uría e Varela, fazendo uma trajetória histórica pelos séculos XVIII, XIX e XX, até aportar na contemporaneidade, sempre focando mais especificamente as pedagogias e a escola, temas caros a meu interesse como pesquisadora em educação. Inicialmente divido o texto em dois movimentos explicativos sobre pedagogias disciplinares e pedagogias psicológicas, a partir daí vou tecendo minhas reflexões até chegar a contemporaneidade, procurando compreender alguns dos desencaixes da escola em relação a sociedade contemporânea como uma nova relação espaço/tempo, na qual ancoro meus questionamentos: como será possível uma educação institucional em um tempo/espaço tão fluídos e flexíveis como a contemporaneidade? Ou ainda, será que é possível? As pedagogias disciplinares ficaram no século passado ou ainda coexistem com outras pedagogias e/ou formas de poder? Em minhas observações como pesquisadora nos ambientes escolares por onde circulo, tenho percebido muitas angústias nos questionamentos de professores com relação aos desencaixes na maquinaria escolar, o que traz evidencias de que a tecnologia que invade a escola está provocando uma descaracterização do tempo e do espaço escolar, ou melhor uma reconfiguração, inclusive chegando ao ponto de, segundo Bujes “Tempo e Espaço nem são mais vistos como independentes, nem é possível percebê-los separados, nas práticas da vida diária”( p.160). Em decorrência destes questionamentos e reflexões, surgem outros, como: quais seriam os dispositivos que implicam nas transformações que hoje percebemos no espaço e tempo contemporâneo, que aparenta liberdade e flexibilidade nas 1 Doutoranda em Educação/ ULBRA/CanoasEstudos Culturais. [email protected].

Universidade Luterana do Brasil Programa de Pós-Graduação ... · ... a escola e as pedagogias disciplinares Começo apresentando ... Com o foco no aprendizado do aluno, professor

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O ESPAÇO E O TEMPO NA ESCOLA: CATEGORIAS EM MOVIMENTO

Adriana Rosa Brzezinski1

Universidade Luterana do Brasil

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Luterana do Brasil (PPGEDU – ULBRA)

O espaço e o tempo na escola: categorias em movimento

Resumo

Utilizando as lentes dos estudos culturais apresento neste artigo algumas possibilidades para reflexões sobre as categorias espaço e tempo, a partir dos autores Alvarez- Uría e Varela, fazendo uma trajetória histórica pelos séculos XVIII, XIX e XX, até aportar na contemporaneidade, sempre focando mais especificamente as pedagogias e a escola, temas caros a meu interesse como pesquisadora em educação. Inicialmente divido o texto em dois movimentos explicativos sobre pedagogias disciplinares e pedagogias psicológicas, a partir daí vou tecendo minhas reflexões até chegar a contemporaneidade, procurando compreender alguns dos desencaixes da escola em relação a sociedade contemporânea como uma nova relação espaço/tempo, na qual ancoro meus questionamentos: como será possível uma educação institucional em um tempo/espaço tão fluídos e flexíveis como a contemporaneidade? Ou ainda, será que é possível? As pedagogias disciplinares ficaram no século passado ou ainda coexistem com outras pedagogias e/ou formas de poder? Em minhas observações como pesquisadora nos ambientes escolares por onde circulo, tenho percebido muitas angústias nos questionamentos de professores com relação aos desencaixes na maquinaria escolar, o que traz evidencias de que a tecnologia que invade a escola está provocando uma descaracterização do tempo e do espaço escolar, ou melhor uma reconfiguração, inclusive chegando ao ponto de, segundo Bujes “Tempo e Espaço nem são mais vistos como independentes, nem é possível percebê-los separados, nas práticas da vida diária”( p.160). Em decorrência destes questionamentos e reflexões, surgem outros, como: quais seriam os dispositivos que implicam nas transformações que hoje percebemos no espaço e tempo contemporâneo, que aparenta liberdade e flexibilidade nas

1 Doutoranda em Educação/ ULBRA/CanoasEstudos Culturais. [email protected].

escolas? Ao final não encontro respostas para tantas questões e seus desdobramentos, apenas procuro desconstruir conceitos e entendimentos para provocar novas leituras/entendimentos de como se configuram as categorias espaço e tempo ao longo dos séculos XVIII, XIX, XX até a contemporaneidade, sua relação pedagógica e com isso procurar outros caminhos para novas possibilidades, caminhos não menos sinuosos que a costura de ideias que vou tentando executar neste texto, mas abertos a muitos cruzamentos e reflexões a partir das tantas vertentes que alimentam os Estudos Culturais.

Palavras-chaves: espaço, tempo, escola, contemporaneidade.

Pensando as categorias: reconhecendo e localizando os movimentos

Nossas formas de pensar e de agir são regidas por categorias de

pensamento, que formam, segundo Varela “o esqueleto da inteligência”, o

marco abstrato que verbera e organiza a experiência coletiva e individual

(p.73). Partindo desta citação, pretendo explorar as categorias de espaço e

de tempo como constituintes das propostas pedagógicas nos séculos XVIII,

XIX e XX e seus desdobramentos na contemporaneidade.

O espaço educa ele não é neutro. Sempre educa. (Frago & Escolano,

p.75, 2016). A escola é um espaço educativo, onde permanecemos durante

aqueles anos que se formam as estruturas mentais: a infância, a

adolescência e a juventude. Portanto, associando tempo e espaço temos

duas categorias fundamentais para os processos pedagógicos que

desenvolvem-se em instituições educativas, especificamente nas escolas.

Os controles socialmente induzidos através da regulação do espaço e do tempo contribuem, ao interiorizar-se, para ritualizar e formalizar as condutas, incorporando-se na própria estrutura da personalidade , ao mesmo tempo que orienta uma determinada visão do mundo, já que existe uma estreita interpelação entre processos de

subjetivação e de objetivação. (Varela, p. 76)

Organizo este artigo primeiramente em dois movimentos explicativos e

provedores de questionamentos nas bases históricas das pedagogias

disciplinares e pedagogias psicológicas. Em decorrência analiso, ainda que

sutilmente, um recorte de um fenômeno, apontado por Maria Isabel

Edelweiss Bujes como possível condição para alguns dos desencaixes da

escola em relação a sociedade contemporânea, referentes a uma nova

relação espaço-tempo, na qual ancoro meus questionamentos: como será

possível uma educação institucional em um espaço-tempo tão fluídos e

flexíveis como a contemporaneidade? Ou ainda, será que é possível? As

pedagogias disciplinares ficaram no século passado ou ainda coexistem com

outras pedagogias e/ou formas de poder?

O primeiro movimento: a escola e as pedagogias disciplinares

Começo apresentando a escola disciplinar, a partir do século XVIII,

que organiza as categorias espaço e tempo de forma a favorecer o rigoroso

controle do processo de aprendizado. Um tempo e espaço divididos,

segmentados, seriados; que deveria permitir, segundo os reformadores da

época, uma síntese e uma globalização totais. ( Varela, p. 84 ) Poderíamos

pensar neste espaço de acordo com Foucault, como um espaço fechado,

junto com outras instituições disciplinares, de dominação e controle, tais

como quartéis, hospitais ou cárceres. (Frago & Escolano, p. 79 )

O filósofo francês Michel Foucault explica que, através do poder

disciplinar procurava-se transformar a todos em corpos dóceis,

proporcionando ganhos como segurança econômica e social. O espaço e o

tempo formam a base para das tecnologias disciplinares: redistribuindo os

indivíduos, localizando-os em espaços determinados, otimizando sua

produtividade e minimizando relações conflitantes em cada espaço coletivo.

O tempo, por sua vez, também separa e classifica, conduz os processos

cronologicamente, redistribuindo indivíduos. No caso específico por mim

estudado, a escola, estas categorias, nas pedagogias disciplinares, permitem

um controle minucioso dos processos de aprendizagem, de forma coletiva e

individualizada. Com o foco no aprendizado do aluno, professor e instituição,

controlam e podem intervir a qualquer momento, premiando ou castigando,

para corrigir e trazer a normalidade aquele ou aqueles que se afastarem dos

resultados e/ou condutas previstas como ideais no processo de

escolarização.

Relata Varela:

As pedagogias disciplinares não podem ser analisadas, portanto, a partir da noção de repressão, já que seus efeitos, como estamos vendo são enormemente produtivos: supõe uma mudança de percepção social do espaço e do tempo, mudança que se manifesta, ao mesmo tempo, na organização do espaço e do tempo pedagógicos, e em sua interiorização pelos colegiais. Essas pedagogias são também instrumento de primeira ordem na construção, por um lado, de uma forma de subjetividade nova, o indivíduo, e, por outro, na organização do campo do saber.(p. 85)

A escola, se utiliza, principalmente, de um dispositivo específico na

formação de sujeitos, o exame. Como examinadora, a escola controla, avalia

e classifica os indivíduos em suas aprendizagens, conferindo através da

medição de seus resultados individuais seus níveis de desempenho,

hierarquizando sua condição individual diante do coletivo. Segundo Sibilia:

Foi então que a prova, o exame, tais como os conhecemos, fizeram sua aparição, unindo-se a vigilância hierárquica e a sansão normalizadora como baluartes dessa forma peculiar de exercer o poder sobre os corpos e as populações humanas. (p.42)

Desta forma permite e objetiva uma individualização de cada sujeito

diante do processo. Para os resultados indesejáveis não há uma punição

física , mas uma forma de promover novas tentativas para que o estudante

melhore seu resultado e a instituição alcance a desejada normalização dos

indivíduos para a sociedade.

O poder disciplinar alcança seu auge no final do século XVIII,

continuando sua abrangência pelo século XIX. Com o início do século XX

começamos a perceber o esboço de uma nova forma de poder.

Um segundo movimento: a escola e as pedagogias psicológicas

Num contexto histórico onde a Europa procurava solucionar suas

questões sociais através da expansão do modelo de estado interventor. A

escola assume um papel fundamental na integração das classes

trabalhadoras, na tentativa de harmonização entre os interesses do trabalho

e do capital. Segundo Varela, justamente neste marco impôs-se a

obrigatoriedade escolar convertida como um dos dispositivos fundamentais

de integração das classes trabalhadoras. (p.88)

A escola como parte de um processo de higienização social, começa a

sofrer inúmeros desencaixes entre sua maquinaria e seus alunos. Estudiosos

e pensadores contemporâneos da época percebem a infância pobre como

um estado de selvageria humana e a escola como espaço destinado a

civilizar estes infantes. Resistentes e desafiadores, os alunos passam a ser

objeto de inúmeras avaliações e classificações em seu estado de

“anormalidade”. Em consequência, a pedagogia passa a dedicar-se a

observar, testar e estudar, como em um laboratório científico, dedicado aos

alunos “anormais”, novos métodos e técnicas, onde se ensaiaram novos

materiais, enfim, onde se aplicaram novos dispositivos de poder que

implicavam uma redistribuição do espaço e do tempo, uma visão diferente da

infância, a produção de novas formas de subjetividade. (Varela, 90)

A partir destas ideias e questionando o poder disciplinar, uma nova

forma de poder, sem o controle explícito e ostensivo, começa a operar entre

pedagogos, em sua maior parte ligados à área da saúde mental e aliados as

pedagogias rousseaunianas, uma educação que desloca a centralidade do

processo de aprendizagem, do professor para o aluno. Surgem as

pedagogias corretivas que se movimentam gradativamente, deslocando suas

experiências com os alunos “anormais” para pré-escolas e escolas primárias

para crianças “normais”. Segundo Decroly, apud Varela:

Na luta contra a degeneração e suas múltiplas consequências, a intervenção do médico deve , ao mesmo tempo, ser profilática e terapêutica e o conceito terapêutico implica tratamento médico e tratamento pedagógico. (p.92)

O professor que costumava exercer seu controle sobre os alunos

através de seu planejamento e dos exames, agora passa a exercer seu

“controle” através da organização do meio, de materiais e recursos

pedagógicos, condicionando o ambiente “a medida das necessidades

infantis”. A sala de aula se configura como um ambiente com um objetivo

específico, ser um espaço de experimentação para as crianças, com objetos

planejados e desenhados ergonometricamente 2 e pedagogicamente para

crianças. O professor orienta as crianças em sua interação com o meio e os

objetos que fazem parte dele. Para Maria Montessori “A mestra é a guardiã e

protetora do meio”. Na realidade, diz Varela, nestas propostas, não apenas o

material, não apenas o espaço e o tempo devem adaptar-se às supostas

necessidades individuais dos alunos, como também os saberes. (p.95)

Sintetizando, o espaço agora se organiza para as crianças, o tempo da

mesma forma e o conhecimento também, organizados à partir do interesse

infantil. Todas estas modificações preconizavam uma atração da criança ao

2 Ergonometria: a ciência que combina as características físicas do corpo humano, a fisiologia e fatores psicológicos, a fim

de incrementar a relação existente entre o meio ambiente e seus usuários' (Gurgel, 2002) https://pt.wikipedia.org/wiki/Ergometria

processo de aprendizagem, que possibilitariam mais “liberdade” e potencial

desenvolvimento da autonomia da criança. A criança que se localiza

suspensa agora em um espaço e tempo infantil, estaria, segundo as

pedagogias corretivas, em seu mundo natural e desta forma, desenvolveria

seu potencial criativo e expressivo.

Meus objetos de estudo, as categoria de espaço e de tempo na

escola, posicionam a mesma como instituição que mais uma vez trabalha

para o desenvolvimento de novas tecnologias de poder, agora nas

pedagogias corretivas, início do século XX. A escola posiciona-se como local

para as tecnologias do psicopoder. Segundo Varela:

E a psicologia vai apropriando-se dos espaços escolares e converte-se no fundamento de toda a ação educativa que aspirasse a ser científica. Uma vez mais , a gestão da anormalidade converteu-se em ponta de lança do governo das populações mais amplas. (p.97)

Estas pedagogias se expandiam pelas instituições educacionais,

conquistando um número cada vez maior de discípulos das ideias de Jean

Piaget e Sigmund Freud, tendo como unanimidade de procedimentos o

entendimento de uma educação que respeitasse as etapas progressivas do

desenvolvimento infantil, descritas em suas teorizações. Distintas em muitos

aspectos, ambas, as teorizações, se encontram ao definirem a necessidade

da educação voltar-se sempre aos interesses da criança, onde as atividades

são o instrumento para o desenvolvimento cognitivo e social, e a

aprendizagem uma consequência deste processo. Saliento nesta minha

última frase um deslocamento da centralidade do aprendizado de

conhecimentos através do professor, para o desenvolvimento potencial do

aluno como aprendiz.

A criança natural, livre e criativa, desenvolve-se cognitivamente ao

longo das etapas cientificamente reconhecidas nas pesquisas de Freud e

Piaget. A palavra livre entra em conflito com o controle entre o

desenvolvimento das crianças ao longo das etapas previstas de forma

universal, como uma criança única biológica, previsível como “normal” e as

variáveis onde o desenvolvimento infantil não se adequa ao previsto para

cada etapa e serão necessárias intervenções para readequações.

Percebo desta forma que o controle sempre permanece, em outros

formatos, com outras justificativas e teorizações, mas um controle que pré-

determina o normal e tenta normalizar o “anormal”, o que parece imanente a

todas as teorias.

Não me aprofundarei em todas as outras discussões decorrentes das

pedagogias psicológicas, mas todas caminham na flexibilização do tempo e

do espaço. E quanto aos saberes estes vão perdendo gradativamente seu

valor. Segundo Varela:

Aprender a aprender é, em última instância, aprender a escutar-se através dos outros. Frente ao poder disciplinar, característico das pedagogias tradicionais, o psicopoder, característico das pedagogias psicológicas, baseia-se em tecnologias cuja aplicação implica uma relação que torna os alunos tanto mais dependentes quanto mais liberados

se acreditem.(p. 102)

No modelo disciplinar o espaço e o tempo operavam de maneira a

confinar os corpos, regular e condicionar suas ações dentro da ordem

pedagógica que se estabelecia nas instituições escolares de educação

popular; que seria, harmonizar as relações entre os interesses do trabalho e

do capital.

A contemporaneidade: após dois movimentos um “novo espaço-

tempo”

Tentando costurar através dos séculos os movimentos que as

categorias do espaço e do tempo vem realizando, chego ao século XXI e nos

deparamos com as exigências de uma economia neoliberal consumista que

precisa harmonizar seus indivíduos com uma realidade acelerada, mutante,

mercantilizada, onde o trabalho é cambiante, onde não há projeções de

futuro e sim possibilidades no presente.

Considerando os movimentos que observamos até aqui nas relações

de espaço e tempo nas instituições escolares, quais seriam os dispositivos

que implicam nas transformações que hoje percebemos no espaço e tempo

contemporâneo, que aparenta liberdade e flexibilidade nas escolas? Para

Sibilia:

Apesar da agudeza e do sentido visionário de seu diagnóstico, quando Gilles Deleuze expressou ___ há mais de vinte anos ___ que “não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controle que dê, a cada instante, a posição de um elemento em espaço aberto”, ele mesmo não poderia ter previsto o incrível desenvolvimento desses dispositivos no século XXI. (P. 175)

Entre os intelectuais contemporâneos, discute-se muito uma

suposta desordem pós-moderna pela busca de liberdade, pela

individualização, pela necessidade de satisfação de desejos, pela

alimentação imediata de novos desejos, pela excessiva necessidade de

visibilidade e exposição pessoal, realidade presente na escola

contemporânea. (Brzezinski, p.51)

Hoje observa-se uma educação institucional devota da

personalização, a proporcionar ao aluno um ambiente de liberdade criativa,

de livre expressão, onde expressar-se, cativar a atenção e interagir são os

objetivos pedagógicos centrais para cada aluno. Com estas conquistas o

aluno vive seu presente de forma fluída e prazerosa. Algumas escolas se

assemelham, como nos diz Varela, “a verdadeiros parques de

entretenimento”.

Voltando as questões dos desencaixes entre a escola e seus alunos,

Bujes (2012) nos fala sobre “fenômenos inquietantes que invadem a cena

escolar”. Dentre eles destaco a proliferação de instrumentos tecnológicos que

torna as crianças seres conectados com o mundo e que as faz viver uma

outra relação com o tempo e o espaço, o que faz delas espectadores e

partícipes de novas formas de vida”.

A escola disciplinar, da era moderna, se organizou em torno de um

tempo e um espaço explicitamente caracterizados. Tempos com início, meio

e fim e sempre preocupados ainda com o porvir e, Espaços definidos em

suas fronteiras. Espaço e tempo que apreendem e organizam pessoas,

instituições e as atividades por elas desenvolvidas. Bujes nos diz ainda que,

na contemporaneidade Tempo e Espaço nem são mais vistos como

independentes, nem é possível percebê-los separados, nas práticas da vida

diária.

No dia-a-dia escolar, do qual faço parte, é comum queixas e

angústias a cerca de como estamos vivendo um tempo de tanta

conectividade, no entanto, não mais temos conectados conosco nosso

partícipe principal na relação educativa, o aluno. E não estamos sozinhos

nesta angústia “São muitos os que pensam que as instituições escolares

carecem de autonomia e se movem como um barco a vela à mercê do

vento.”(Varela, p. 106)

As escolas procuram instrumentalizar-se em consonância com as

novas tecnologias, professores buscam na conectividade um estado de ser

mais atrativo como educador.

Todos vivemos um contexto que imprime a chaga de sermos

desejáveis, consumíveis, construtores de espetáculos diários, que

possivelmente serão esquecidos muito em breve. Descartados tão

simplesmente como todo e qualquer recurso tecnológico que torna-se

obsoleto.

Desta forma, faz algum tempo que os gritos são ensurdecedores: a

escola tinha que entrar em órbita e, de fato, o impossível já está

acontecendo. (Sibilia, p. 181). E a aparelhagem técnica vem como uma

“ferramenta neutra” para atualizar a escola e, com elas as redes de

informação, invadindo os espaços e os tempos escolares. Logo se percebe

que esta neutralidade não existe.

Sibilia alerta:

No entanto, também não se devem ignorar os perigos implícitos no caminho escolhido: essa abertura histórica talvez seja equivalente a abrir a caixa de Pandora, já que ninguém sabe o que vai acontecer quando esses dois universos outrora incompatíveis – o dispositivo pedagógico e as redes

informáticas – terminarem de se fundir ou entrarem em colapso.(p.183)

Um dos riscos mais eminentes desta “abertura” é que a conexão às

redes dissolve o espaço e dilui o tempo. Os espaços escolares compostos

por salas de aula que comportam classes de alunos, prédios que comportam

salas de aula, muros que comportam prédios e definem pátios. Tudo isso

funcionava como recursos para colocar os escolares em suspenção e

concentrados nas atividades pedagógicas. Conectados através de fios

invisíveis das redes de informação, não há muros ou paredes que forneçam

fronteiras para a suspensão dos alunos em relação ao mundo exterior, há sim

uma multiplicidade de possibilidades de conexão globais contrapondo-se em

uma forma de dispersão tão gigantesca, quanto silenciosa. Além da tão

falada dificuldade de manter o aluno atento, o professor tem uma novo

desafio sair de seu campo inicial de transmissor para um campo onde os

jovens parecem operar num tempo tão acelerado que quando queremos

ensinar, o aluno simplesmente consome através das redes de informação

aqueles conhecimentos que lhes parecem interessantes.

Por um outro lado, a sociedade informacional não conecta, mas

tende a desligar, dificultando as possibilidades de dialogar ou de compor uma

experiência junto com os demais (Sibila, p.187). Em seu livro Paula Sibilia

evidencia isso através de exemplos de conversas em chat pela internet. Na

escola, em minhas observações, me deparo com uma cena cada vez mais

comum, alunos que saem nas trocas de períodos (intervalos de tempo de

estudo de 50 minutos) e sentam-se pelos espaços escolares, não para

conversarem em grupos, mas apenas para conectarem-se as redes de

informação, formando grupos de alunos isolados entre si, cada um com seu

celular em um endereço eletrônico diferente. Mais assustador me parece

ainda, quando o sinaleiro (campainha eletrônica, demarcadora do tempo na

escola) toca para o intervalo) e os alunos não saem para o pátio em busca de

movimento e relações, pois dentro de sala de aula o “sinal está bom” e a

“conectividade” é mais desejada que a interação com o outro ali presente.

O que também me surpreende é perceber que no dia-a-dia as

escolas permanecem cheias de alunos, alguns muito apáticos, outros muito

espetacularizados, alguns ainda muito interessados, enfim muitos

personagens diferentes configuram as turmas. Todos soltos, fora de filas,

mas unidos pela linha tênue e resistente das redes de informação. As salas

estão cheias, é claro que, muito pelo motivo da obrigatoriedade, mas percebo

que nestas novas subjetividades contemporâneas pertencer a algo parece

uma tarefa salvacionista, para sobreviver na incerteza de um tempo espaço

onde parecemos flutuar. Sibilia aponta que, às vezes, os jovens continuam a

assistir às aulas, mesmo que o confinamento tenha perdido seu sentido e

que a situação de aprendizagem nunca chegue a se consolidar... apenas

para estarem juntos” (p.187).

Considerações Finais

Retomando os dois movimentos apresentados nas bases históricas

das pedagogias disciplinares e pedagogias psicológicas e aportando na

realidade cambiante da escola contemporânea e seus desencaixes, na qual

ancorei meus questionamentos iniciais e embasei novos questionamentos,

não vejo possibilidades de respostas esclarecedoras, muito menos

prescritivas. Talvez seja apenas possível e necessário tomarmos as

incertezas como caminhos, talvez nos caminhos hajam encontros entre

anacronismos como poder disciplinar e psicopoder, encontros geradores de

um novo diálogo. Um diálogo um pouco sofrido, mas um diálogo exercido por

aqueles que, em suas angustiantes práticas diárias, se mantém

comprometidos com o elemento comum, a educação. Não posso afirmar

nada, nem mesmo acreditar cegamente, mas ao relatar as imagens que vejo

como pesquisadora aponto algumas impressões: as escolas continuam

sólidas em suas edificações, organizadas em seus espaços de salas de aula

com carteiras de alunos enfileirados, pontuais em seus horários de entrada e

saída, mas, mais flexíveis no movimento dos corpos no seu interior, abertas

ao mundo lá fora através das redes de informação, e protegidas do mesmo

por muros e grades, um estar dentro e fora simultaneamente. Uma aparente

liberdade que abriga a todos com uma certa sutileza, me atrevo a dizer, em

constante avaliação e disciplinamento. Que não reprova, pois convence e

conduz cada um para o encontro com o resultado de suas próprias escolhas,

sem deixar de atender a lógica social de seu tempo.

Neste caso a lógica que me parece reger este diálogo na escola

contemporânea é a lógica neoliberal, de mercado, “libertando para as

escolhas”, ao passo que nos aprisiona aos resultados.

Nas sociedades neoliberais, redesenham-se as relações entre o social e o econômico. As condutas sociais passam a ser modeladas segundo uma lógica econômica, como ações calculadas levadas a efeito a

partir de uma capacidade humana vista como universal: a de escolher- escolha essa depende de uma avaliação dos custos e benefícios de qualquer tipo de investimento (ROSE, 2010).

Nesta lógica os partícipes da educação formal como o aluno, o

professor, a escola como instituição, tem um compromisso único de

administrarem suas escolhas de forma a alcançarem o tão desejado sucesso.

De forma egocêntrica cada um tem a liberdade de escolha, como uma

obrigação, um dever servil a esta sociedade marcada pela força do consumo

e do mercado.

Retomo as palavras de Varela, a transmissão de categorias de

pensamento na escola são fundamentais para a manutenção do status quo ,

da ordem escolar e da ordem social. (p.106) Lembrando que quando o tempo

e o espaço parecem caóticos , é preciso intervir nessa desordem em busca

de coesão e pensamento: um trabalho permanente para evitar que tudo se

dissolva. (Sibilia, p.188)

Prefiro olhar a escola pela ótica de que ela precisa ser repensada, ser

reposicionada e assim, quem sabe, redescobrir e redesenhar as categorias

de espaço e de tempo, diminuindo o enfraquecimento das mesmas. Este

caminho poderia contribuir para uma reconstrução desta instituição tão

contribuinte para evitar a degeneração da vida em sociedade, sempre

necessária ao convívio e a formação intelectual.

Referências Bibliográficas

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