208
IGREJA LUTERANA Revista Semestral de Teologia Revista Agosto.indd 1 3/9/2009 23:46:48

Igreja Luterana 2009 nº1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

A importância do Catecismo na identidade Luterana

Citation preview

  • IGREJA LUTERANARevista Semestral de Teologia

    Revista Agosto.indd 1 3/9/2009 23:46:48

  • DiretorGerson Luis Linden

    ProfessoresAcir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clvis Jair Prunzel, Gerson Luis Linden, Leopoldo Heimann, Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

    Professores EmritosDonaldo Schler, Paulo F. Flor

    Pastor EmritoNorberto Ernesto Heine

    SEMINRIO CONCRDIA

    IGREJA LUTERANAISSN 0103-779XRevista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teologia do Seminrio Concrdia, da Igreja Evanglica Luterana do Brasil (IELB), So Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

    Conselho EditorialPaulo Proske Weirich (Editor), Acir Raymann, Gerson Luis Linden.

    Assistncia AdministrativaNara Coelho e Crin Fester

    A Revista Igreja Luterana est indexada em Bibliografia Bblica Latino-Americana e Old Testament Abstracts.

    Os originais dos artigos sero devolvidos quando acompanhados de envelope com endereo e selado.

    Solicita-se permutaWe request exchangeWir erbitten Austausch

    CORRESPONDNCIARevista Igreja LuteranaSeminrio Concrdia

    Caixa Postal 20293001-970 So Leopoldo/RSTelefone: (0xx)51 3592 9035

    e-mail: [email protected]

    Revista Agosto.indd 2 3/9/2009 23:46:49

  • ndice

    ARTIGOS

    A PRTICA DA SANTA CEIA NA IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL NA TENSO ENTRE A TEOLOGIA OFICIAL E A TEOLOGIA POPULAR 07Paulo Gerhard Pietzsch

    A ImPORTNCIA DO CATECISmO NA IDENTIDADE LUTERANA: ASPECTOS TEOLGICOS E PRTICOS DEPOIS DE 480 ANOS 103Clvis Jair Prunzel

    AUXLIOS HOMILTICOS 119

    DEVOCIONAIS

    NEm VARIAO, NEm SOmBRA DE mUDANA 195Gerson L. Linden

    O AGRICULTOR DEUS! 199Fernando E. Garske

    IGREJA LUTERANA

    Volume 68 Junho de 2009 Nmero 1

    NOTA AO LEITOR 5

    Revista Agosto.indd 3 3/9/2009 23:46:49

  • Revista Agosto.indd 4 3/9/2009 23:46:49

  • 5nota ao leitorEste nmero da Igreja Luterana agradece a Deus e aos autores que

    tornaram possvel esta publicao. Os Auxlios Homilticos refletem o esforo permanente de somar diferentes experincias de autores e para que na diversidade se amplie e aprofunde o padro da palavra fiel.

    Os artigos de fundo deste nmero buscam o dilogo imediato com a realidade e a experincia das comunidades. O Prof. Dr. Paulo G. Pietzsch acedeu ao pedido da revista de oferecer ao seu pblico um relato con-densado da sua tese de doutoramento. Baseada em grande parte numa pesquisa de campo entre membros da Igreja Evanglica Luterana do Brasil de uma determinada regio, a pesquisa traz interessantes e desa-fiadoras constataes sobre a relao entre o ensino oficial da igreja e aquilo que pessoas dizem crer.

    O Prof. Clovis J. Prunzel compartilha com os leitores parte do material que tem pesquisado sobre os Catecismos de martinho Lutero e a sua atu-alidade e valor na vida cotidiana do povo de Deus. Os Catecismos, maior e menor, que passam a impresso de, pela simplicidade de linguagem e abordagem direta do cotidiano, se tornarem pgina virada na vida das pessoas aps o perodo do ensino confirmatrio, neste estudo passam a se vestir de contornos novos e inesperados nas pesquisas recentes que o Prof. Prunzel tem acompanhado e do que, neste artigo, oferece uma abordagem que obriga reflexo sobre o uso adequado desse instru-mento na vida da famlia e comunidade crist.

    Com isto, a revista espera vir ao encontro da reflexo que vem sendo feita por todos que esperam qualificar sempre mais o ensino e a prtica nas comunidades crists.

    Paulo Proske WeirichEditor

    Revista Agosto.indd 5 3/9/2009 23:46:49

  • Revista Agosto.indd 6 3/9/2009 23:46:49

  • 7A PRTICA DA SANTA CEIA NA IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL NA TENSO ENTRE A TEOLOGIA OFICIAL E A TEOLOGIA POPULAR

    Paulo Gerhard Pietzsch1

    INTRODUO GERAL

    A presente pesquisa faz uma comparao entre a teologia aceita e pro-fessada oficialmente na Igreja Evanglica Luterana do Brasil (IELB) acerca da Santa Ceia e as concepes do povo dessa igreja sobre este assunto. Re-aliza-se um levantamento das principais concepes sobre a Ceia no mbito da teologia oficial2 e da teologia popular3 da IELB e, depois de comparar e interpretar os dados levantados, tiram-se as consequncias para a prtica litrgica e pastoral luz das origens do culto cristo4. Diversas abreviaturas* so utilizadas no texto para indicar as fontes pesquisadas.

    1 Paulo Gerhard Pietzsch professor convidado do Seminrio Concrdia, na rea de Teolo-gia Prtica. O trabalho retrata as linhas bsicas de sua tese de doutoramento.2 Por teologia oficial o autor compreende o conjunto de contedos teolgicos reconheci-dos e ensinados pela IELB.3 Por teologia popular o autor apresenta o conjunto de concepes teolgicas de homens e mulheres da IELB, pessoas sem instruo teolgica formal. 4 Por origens do culto cristo entende-se o conjunto das heranas judaicas que tiveram importncia para a prtica eucarstica da igreja antiga, os principais textos do Novo Testa-mento e escritos dos Pais Apostlicos at o incio do terceiro sculo A.D. mais detalhes sero expostos no captulo 4. * AE Artigos de EsmalcaldeApol Apologia da Confisso de AugsburgoCA Confisso de AugsburgoCmai Catecismo maiorCmen Catecismo menorCTCR - Commission on Theology and Church Relations of the Lutheran Church - missouri Synod (Comisso de Teologia e Relaes Eclesisticas da Igreja Luterana Snodo de Missouri)CTRE Comisso de Teologia e Relaes EclesiaisFC Frmula de ConcrdiaFC-DS Frmula de Concrdia Declarao SlidaFC-Ep Frmula de Concrdia EptomeICAR Igreja Catlica Apostlica RomanaIECLB Igreja Evanglica de Confisso Luterana no BrasilIELB Igreja Evanglica Luterana do BrasilLCmS Lutheran Church missouri Synod (Igreja Luterana Snodo de missouri)U.I. Unidade de informao

    ARTIGOS

    Revista Agosto.indd 7 3/9/2009 23:46:49

  • Igreja Luterana

    8

    Objetivou-se com esta pesquisa aprofundar os conhecimentos sobre a Santa Ceia, conhecer as concepes das pessoas sobre este assunto e reconhecer tais concepes como manifestaes legtimas e relevantes para a vida da igreja. Igualmente, procurou-se identificar semelhanas e diferenas entre a teologia oficial e a teologia popular no mbito da IELB e, a partir de um estudo sobre a Eucaristia nas origens do culto cristo, procurou-se enumerar critrios e elementos imprescindveis para a prtica da Santa Ceia.

    1 A SANTA CEIA NA TEOLOGIA OFICIAL DA IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL

    A Santa Ceia ou o sacramentum sacramentorum5, tambm denomi-nada de Palavra visvel6, considerada pela IELB elemento essencial do culto dominical por ser um sacramento institudo e ordenado por Cristo, da mesma forma que o Batismo e a pregao do Evangelho7. Para a te-ologia oficial8 da IELB, a Santa Ceia uma das grandes ddivas de Deus para a sua igreja.

    1.1 A SANTA CEIA: Um SACRAmENTO

    1.1.1 SacramentoO termo sacramento no se encontra nas Escrituras e no foi cunhado

    por Jesus. Significava, originalmente, para os romanos, o juramento que um soldado fazia ao assumir o seu solene compromisso de defender o Im-prio e de ser fiel ao Imperador. Os cristos, na Igreja Primitiva, ao renun-ciarem idolatria e ao prometerem inteira fidelidade a Cristo por ocasio do seu Batismo, faziam desse ato o seu sacramentum, termo que passou a ser aplicado ao prprio Batismo e, mais tarde, tambm Santa Ceia9.

    5 SASSE, Hermann. Isto o meu corpo. 2. ed. Porto Alegre: Concrdia, 2003, p. 28,29; SCHLER, Arnaldo. Dicionrio Enciclopdico de Teologia. Porto Alegre / Canoas: Concr-dia / Editora da ULBRA, 2002, p. 408: palavra de origem latina que significa Sacramento dos sacramentos.6 SCHLER, 2002, p. 476: do latim, verbum visibile. Na Santa Ceia, as palavras de pro-messa de Cristo ligam seu corpo ao po e seu sangue ao vinho, por isso ela chamada de Palavra visvel.7 mUELLER, John Theodore. Dogmtica Crist. Porto Alegre: Concrdia, 2004, p. 475.8 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. O que cremos. Disponvel em: . 9 KOEHLER, Edward W.A. Sumrio da doutrina crist. Porto Alegre: Concrdia, 2002, p. 146.

    Revista Agosto.indd 8 3/9/2009 23:46:49

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    9

    Na Apologia da Confisso de Augsburgo, os sacramentos so apre-sentados como sinais e testemunhos da vontade de Deus para conosco (...) so ritos que tm mandamento de Deus e a que se adicionou a promessa da graa10. Nessa compreenso, torna-se muito importante a distino entre sacramento e sacrifcio. Por sacramento entende-se um rito institudo por Deus, que oferece graa, fortalecimento, perdo e co-munho11. Neste, a palavra de Deus est ligada a um ato concreto e a meios visveis, a gua no Batismo e o po e o vinho na Santa Ceia12. No sacramento, a iniciativa sempre ser de Deus.

    Os sacramentos no so simples sinais externos para promover co-munho entre os irmos ou simplesmente para simbolizar algo que Deus tenha realizado pelas pessoas, mas so meios pelos quais Deus oferece e garante a sua graa ao ser humano13. Os sacramentos, conforme a teologia oficial da IELB, so o Batismo e a Santa Ceia, pois, alm da instituio divina e do fato de oferecer a graa de Deus ao ser humano, vm acompanhados de elementos visveis e aes concretas14.

    O cristianismo centraliza-se na iniciativa de Deus em salvar a hu-manidade. Este o testemunho claro, que Deus em Cristo veio salvar os pecadores. O culto da igreja, por isso, certamente tambm pode ser caracterizado da mesma maneira15. A iniciativa sempre ser de Deus16, pois, conforme as palavras de Lutero, creio que por minha prpria razo ou fora no posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele, mas o Esprito Santo me chamou pelo evangelho17. A prpria Igreja criao de Deus, pois quando o evangelho comunicado ou os sacramentos ad-ministrados, Deus faz coisas milagrosas. Pelo poder do Esprito Santo, ele opera atravs desses instrumentos, fazendo santos dentre os pecadores ao criar e manter neles a f em Jesus Cristo. Essa Igreja chamada e reconhecida pelo uso do evangelho e dos sacramentos18.

    No culto e, de forma especial, na Santa Ceia, Deus vem s pessoas

    10 Apol 13, 1 [LC 223]11 SCHLER , 2002, p. 408.12 mUELLER , 2004, p. 475-476.13 Apol 13, 1 [LC 223]14 mUELLER , 2004, p. 476.15 COmISSION ON WORSHIP. Reflections on contemporary / alternative worship. St. Louis: The Lutheran Church m nod, 1996, p. 2,3.16 COmISSION ON WORSHIP, 1996, p. 3.17 Cmen, 2 [LC 371]18 BOHLmANN, Ralph. CTCR. In: Theologians Convocation Formula of Concord. St. Louis: Concordia Publishing House, 1977, p. 60.

    Revista Agosto.indd 9 3/9/2009 23:46:50

  • Igreja Luterana

    10

    com seus dons de perdo, vida e salvao. A f recebe estes dons com agradecimento e louva e exalta o Doador por sua graciosa bondade19. Na liturgia, os dons de Deus so distribudos ao seu povo20 atravs da leitura e exposio da palavra e atravs da celebrao da Santa Ceia21.

    A Santa Ceia no um sacrifcio22 realizado pelas pessoas a fim de obter mritos diante de Deus, mas , antes de tudo, iniciativa e ao perfeita de Deus em Cristo. Hermann Sasse, na sua teologia dos sacra-mentos, refuta a idia da missa como sacrifcio ao dizer que devamos prestar ateno cuidadosa a esta palavra sacrifcio, a fim de no pre-sumirmos que damos algo a Deus no sacramento, quando ele quem nos d todas as coisas23. Se h sacrifcios da parte do crente, esses so denominados sacrifcios espirituais, de louvor e gratido a Deus por seus grandes feitos, pois, segundo o autor, o crente aprende que no ele quem oferece Cristo como sacrifcio, mas Cristo se lhe oferece. lcito e proveitoso denominar a missa um sacrifcio, no por sua prpria causa, mas porque o crente se oferece a si prprio como sacrifcio juntamen-te com Cristo; isto , ele apega-se firmemente a Cristo pela f em seu testamento e aparece diante de Deus com sua orao, louvor, servio e sacrifcio pessoal s mediante Cristo e atravs de sua mediao24.

    A teologia oficial da IELB (e de igrejas com quem esta mantm co-munho de altar e plpito25) insiste que no so os comungantes, nem mesmo o ministro, que prepara a refeio: Cristo arrumou a mesa e pre-parou o alimento. O comungante precisa apenas receber, comer e beber em f26. No Novo Testamento, a Igreja como povo sacerdotal de Deus oferece seus sacrifcios. Essas oferendas, segundo Sasse, so os prprios corpos dos cristos, isto , suas vidas inteiras, oraes e confisso de f e as ddivas do amor fraternal, que sempre estiveram intimamente ligadas Santa Ceia27.

    19 COmISSION ON WORSHIP, 1996, p.3.20 COmISSION ON WORSHIP, 1996, p. 7.21 COmISSION ON WORSHIP, 1996, p. 11.22 SASSE, 2003, p. 75.23 SASSE, 2003, p. 74.24 SASSE, 2003, p. 75,76.25 So igrejas luteranas espalhadas pelo mundo e que mantm unidade doutrinria com a IELB.26 KOEHLER, 2002, p. 165.27 SASSE, 2003, p. 30-32.

    Revista Agosto.indd 10 3/9/2009 23:46:50

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    11

    1.1.2 Verdadeiro corpo e sangue de Cristomesmo que a doutrina da presena real possa ser encontrada nas Es-

    crituras e nos pais apostlicos28, a verdade que a discusso em torno do assunto vem tona no snodo de 787. Este, ao reconhecer a venerao de imagens (cones), incidentalmente rejeitou a resoluo do snodo de 754 que declara que, na igreja, no deveria haver qualquer outra ima-gem, alm dos elementos da Eucaristia. A deciso de 787 pressupunha a doutrina, e assim se entendeu a questo em toda a parte, que o po e o vinho no so imagens, figuras ou smbolos, mas so o verdadeiro corpo e sangue de Cristo29. O dogma da presena real, no entanto, s foi formal e firmemente estabelecido em 107930. Parece que nenhum outro mistrio da f ocupou, to completamente, no apenas os crebros dos telogos, mas tambm a imaginao dos leigos31. Para Lutero e seus colaborado-res, a doutrina da presena real de Cristo na Santa Ceia, baseada apenas nas palavras da instituio, ia ainda mais longe: era desde sempre um artigo da Cristologia32.

    Na Santa Ceia, po e vinho so o corpo e sangue de Cristo33 e, con-forme os confessores, em, com e sob o po e o vinho o corpo e o sangue de Cristo so oferecidos e oralmente recebidos34. Portanto, a Santa Ceia o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo, sob o po e o vi-nho35 e, porque o corpo e sangue do Senhor so dados no e sob o po e o vinho, que os cristos atendem ordem de comer e beber36. A base da teologia oficial da IELB para a sua concepo da Santa Ceia so as pa-lavras da instituio. Essas palavras tm a autoridade da Palavra de Deus no sacramento. E quando esta Palavra de Deus unida aos elementos po e vinho, ali h um sacramento. Diante desta nfase que se afirma que as palavras da instituio devem ser entendidas em seu sentido ple-no e literal, e no de forma simblica ou sentido metafrico37. Segundo o

    28 HGGLUND, Bengt. Histria da Teologia. Porto Alegre: Concrdia, 1981, p. 131-132. 29 SASSE, 2003, p. 26,27.30 SASSE, 2003, p. 28.31 SASSE, 2003, p. 32. 32 SASSE, 2003, p. 83,84.33 SCHLINK, E. Theology of the Lutheran Confessions. Philadelphia: muhlenberg Press, 1961, p. 169.34 FC 7 [LC 613,614]35 AE 6 [LC 333,334]36 FC-DS 7 [LC 617]37 FC-Ep 7 [LC 519]; FC-DS 6 [LC 617]

    Revista Agosto.indd 11 3/9/2009 23:46:50

  • Igreja Luterana

    12

    dogmtico John Theodor Mueller, a afirmao da presena real de Cristo na Santa Ceia no propriamente uma interpretao das palavras da ins-tituio, mas apenas a simples e sincera apresentao da doutrina bblica exposta nessas palavras38. O po consagrado e recebido pelo comungante o corpo de Cristo e o vinho consagrado e bebido o seu sangue39.

    Na concepo da IELB, na presena real afirmada a presena de Cristo com as duas naturezas, especialmente a humana, pois a divina no estava em discusso. Afirma-se, por isso, que no se trata mera-mente de uma representao, ou seja, a Santa Ceia no simplesmente um smbolo40. O sacramento foi institudo para ser usado. A presena de Cristo no se d no altar para ser apreciada ou adorada pelos fiis, mas para ser comida e bebida. A Ceia um ato completo que inicia com as palavras da instituio e estende-se at o momento da recepo oral dos elementos41. importante ressaltar que nenhuma palavra ou conceitu-ao humana podem dar poder ao sacramento42. O poder tambm no est nos elementos em si prprios43.

    O poder de Cristo e est nas suas palavras, pois o central na cele-brao da Santa Ceia a palavra e promessa do Senhor que a instituiu, assim que tudo feito com base em sua palavra. O poder e a finalidade da Ceia no dependem da f ou piedade de quem a administra nem da opinio ou f de quem a recebe44.

    Na teologia oficial da IELB insiste-se, pelos motivos supramenciona-dos, no emprego das palavras da instituio da Santa Ceia, as quais de-vem ser faladas ou cantadas publicamente, de maneira distinta e clara, diante da congregao, no se devendo omiti-las de forma nenhuma45. A insistncia nas palavras da instituio46 decorre da afirmao de Cristo isto o meu corpo e isto o meu sangue47.

    38 mUELLER, 2004, p.487,488.39 SASSE, 2003, p. 87.40 SEIBERT, Erni. Introduo s Confisses Luteranas. Porto Alegre: Concrdia, 2000, p. 78. 41 SEIBERT, 2000, p. 79.42 mUELLER, 2004, p. 494,495.43 FC-DS 7 [LC 621]44 KOEHLER, 2002, p. 147.45 FC-DS 7 [LC 620]; mUELLER, 2004, p. 496.46 PIETZSCH , Paulo Gerhard. A Eucaristia na Igreja Evanglica Luterana do Brasil luz das origens do culto cristo. So Leopoldo: IEPG, 2002, p. 175, 180, 189, 193 e 200 (Dissertao de mestrado).47 mUELLER, 2004, p. 496.

    Revista Agosto.indd 12 3/9/2009 23:46:50

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    13

    A verdadeira presena real do corpo e sangue de Cristo na Santa Ceia no efetuada pela palavra ou obra de nenhuma pessoa, quer seja o mrito ou a recitao do ministro, quer o comer e o beber ou mesmo a f dos comungantes48. Tudo isso, ao contrrio, deve ser atribudo unica-mente virtude do onipotente Deus e palavra, instituio e ordenao de nosso Senhor Jesus Cristo49. Nem a f das pessoas, nem o poder do sacerdcio, nem qualquer influncia mgica das palavras pronunciadas, nem gestos realizados fazem do comer e beber uma Santa Ceia ou sacra-mento, mas unicamente a instituio e ordem de Cristo: Fazei isto50.

    A nfase na presena real pode ainda ser atestada na prpria liturgia. Alm do uso imprescindvel das palavras da instituio, a Liturgia Lutera-na51 inclui uma frmula de distribuio dos elementos aos comungantes, como segue:

    Tomai, comei; isto o verdadeiro corpo de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que dado morte pelos vossos pecados. (...) Tomai, bebei; isto o verdadeiro sangue de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que derramado para remisso dos vossos pecados.52

    As palavras dessa frmula de distribuio ecoam as palavras do Catecis-mo menor, de Lutero53 e, ao mesmo tempo, so uma reao doutrina re-formada da representao54. O assunto tambm recebe nfase na seguinte orao geral da Igreja: Concede o teu Esprito Santo a todos os que partici-pam da Santa Ceia hoje para que recebam o verdadeiro corpo e o verdadei-ro sangue de Jesus Cristo em sincero arrependimento e f confiante55.

    Finalizando a explanao acerca da presena real, vale destacar que esta tambm foi destacada no Dilogo Interluterano IELB e IECLB56 sobre a celebrao da Santa Ceia57. Ambas as igrejas concordam que

    48 Cmai [LC 488]49 mUELLER, 2004, p. 494.50 SCHLINK, 1961, p. 159-162.51 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Liturgia Luterana. Porto Alegre: Concr-dia, 1961.52 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL, 1961, p. 19.53 Cmen 6 [LC 378].54 SASSE, 2003, p. 184.55 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL, Hinrio Luterano. Porto Alegre: Concr-dia, 1986, p. 11356 Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil.57 IELB e IECLB. Dilogo Interluterano sobre a celebrao da Santa Ceia. Porto Ale-

    Revista Agosto.indd 13 3/9/2009 23:46:50

  • Igreja Luterana

    14

    a presena real do corpo e sangue de Cristo se d em, com e sob os elementos do po e do vinho, e que so recebidos pelo comungante ao comer e beber58. Como acontece essa presena real de Cristo na Santa Ceia assunto a ser exposto a seguir.

    1.1.3 Unio sacramental Vrias tm sido as tentativas humanas de explicar como se d a

    presena real de Cristo na Santa Ceia59. Para a Igreja Catlica Apostlica Romana60 isto acontece atravs da transubstanciao61, quando na con-sagrao do po pelo sacerdote toda a substncia do po transformada em corpo de Cristo, e na consagrao do vinho toda a substncia do vi-nho transformada em sangue de Cristo:

    No Sacramento da Eucaristia no permanece a substncia do po e do vinho juntamente com o Corpo e o Sangue do Senhor Jesus, mas se efetua uma admirvel e singular converso de toda a substncia do po no Corpo e de toda a substncia do vinho no Sangue, per-manecendo apenas as espcies do po e do vinho, converso que a Igreja com suma propriedade chama de transubstanciao. 62

    Neste caso, para os catlicos, apenas as aparncias do po e do vi-nho permanecem. Tal dogma, aprovado no Conclio Lateranense (1215), foi novamente afirmado no Conclio de Trento (1546-1563)63.

    At 1519, Lutero entendia a presena real da mesma maneira que a doutrina oficialmente reconhecida na poca, ou seja, a transubstanciao. Mais tarde, no entanto, aps profundos estudos e reflexo base das Es-crituras, percebeu que tal concepo no poderia ser aceita por algum que defendia o Sola Scriptura, Sola Gratia e Sola Fide64. Nos Artigos de Esmalcalde, Lutero assim se pronuncia sobre a transubstanciao:

    gre / So Leopoldo, 2001.58 IELB e IECLB, 2001.59 mUELLER, 2004, p. 487,488.60 A abreviatura ICAR.61 SCHLER, 2002, p. 461,462.62 KLOPPENBURG, Boaventura. A Eucaristia no Conclio de Trento. Revista Eclesistica Brasileira, Petrpolis, ano 54, fasc. 257, p. 135-143, 2005. 63 KOEHLER, 2002, p. 157.64 SASSE, 2003, p. 85-87.

    Revista Agosto.indd 14 3/9/2009 23:46:50

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    15

    No que concerne transubstanciao, temos em nada a sutil so-fistaria de ensinarem que po e vinho abandonam ou perdem sua substncia natural, ficando apenas a aparncia e cor do po, no po verdadeiro. Pois harmoniza-se perfeitamente com a Escritura que o po esteja e permanea presente. O prprio So Paulo assim lhe chama: O po que partimos [1 Co 10.16], e: Assim coma do po [1 Co 11.28].65

    Na Frmula de Concrdia, os confessores apresentam o que no seu entender deveria ser refutado na doutrina da ICAR concernente ao sa-cramento:

    (...) rejeitamos e condenamos (...) a transubstanciao papista, quando se ensina no papado que o po e o vinho na Santa Ceia perdem a sua substncia e essncia natural, sendo reduzidos a nada de modo tal, que so transmutados para o corpo de Cristo, perma-necendo apenas a espcie externa.66

    A transubstanciao, segundo o reformador Lutero, era uma tentativa filosfica de explicar o milagre da presena real; no entanto, nunca esse erro foi colocado no mesmo nvel da reteno do clice aos leigos67 ou do sacrifcio da missa. Enquanto esses erros, para Lutero, destroem o sacra-mento, a transubstanciao seria apenas uma tentativa equivocada de explicar o milagre da presena real68. muitos entendiam que ao sacerdote cabia o poder para transformar os elementos visveis em corpo e san-gue de Cristo69. A objeo da parte dos reformadores era que quanto consagrao, se cr, confessa e se ensina que obra nenhuma de homem nem a recitao efetuam essa presena do corpo e sangue de Cristo na Santa Ceia; isso, ao contrrio, deve ser atribudo nica e exclusivamente virtude onipotente de nosso Senhor Jesus Cristo70.

    Enquanto a ICAR permanece com o dogma da transubstanciao, as

    65 AE 6 [LC 334,335]: Lutero chama a transubstanciao de fantasia de So Toms e do Papa.66 FC-Ep 7 [LC 521]67 SASSE, 2003, p. 87.68 AE 3, 6 [LC 334]69 mUELLER, 2004, p. 487.70 FC-Ep 7 [LC 519,520]

    Revista Agosto.indd 15 3/9/2009 23:46:50

  • Igreja Luterana

    16

    igrejas zwinglio-calvinistas71 aceitam que po e vinho naturais esto pre-sentes no sacramento72. Mas quanto s expresses de Cristo isto o meu corpo e isto o meu sangue, interpretam-nas em sentido figura-do. Para os zwinglianos e para os calvinistas, po significa o corpo.

    A forma com que se interpretam as palavras de Cristo isto o meu corpo e isto o meu sangue tambm determinar a posio doutrinria frente ao sacramento. Lutero as interpretou de forma literal, ou seja, cremos que po e vinho na Ceia so o verdadeiro corpo e sangue de Cristo73. O mesmo posicionamento mantido pelos confessores na Fr-mula de Concrdia: Cremos, ensinamos e confessamos que na Santa Ceia o corpo e sangue de Cristo esto verdadeira e essencialmente presentes e so verdadeiramente distribudos e recebidos com o po e o vinho.

    A afirmao seguinte ainda mais direta ao afirmar:

    Cremos, ensinamos e confessamos que as palavras do testamen-to de Cristo no devem ser entendidas de nenhuma outra maneira seno em seu sentido literal, de tal forma que o po no significa o corpo ausente e o vinho o sangue ausente de Cristo, mas em virtude da unio sacramental so verdadeiro corpo e sangue de Cristo74.

    Outra tentativa de explicar a presena real de Cristo conhecida por consubstanciao:

    O corpo e o sangue de Cristo unem-se aos elementos comuns sem que estes deixem de ser po e vinho. Embora esta teoria seja me-nos passvel de objeo, a idia de substncia ainda est presente, ocultando a presena ativa de Cristo. A teoria da consubstanciao tornou-se parte da teologia luterana nos sculos posteriores Re-forma. de notar-se, contudo, que a palavra no encontrada nos escritos de Lutero. Sua constante nfase na presena real de Cristo vivo e ativo era incompatvel com o conceito de substncia75.

    A IELB no ensina a consubstanciao, teoria segundo a qual o po e

    71 SCHLER, 2002, p. 245.72 KOEHLER, 2002, p. 157. 73 AE 3, 6 [LC 333] e Cmai [LC 487] .74 FC-Ep 7 [LC 518,519].75 SCHLER, 2002, p. 130: No fim da Idade Mdia, em oposio teoria da transubstan-ciao, foi proposta a da consubstanciao.

    Revista Agosto.indd 16 3/9/2009 23:46:50

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    17

    o corpo formam uma s substncia. Ou que o corpo est presente como o po, de maneira natural. Tambm no ensina a impanao, que significa estar o corpo de Cristo localmente incluso no po76. Rejeita-se, portanto, a afirmao de que a presena real implicaria uma incluso local ou con-substanciao77, pois

    essa ordem comei e bebei no pode ser entendida seno como relativa ao comer e beber orais. No, todavia, de modo grosseiro, carnal, seno que de maneira sobrenatural, incompreensvel78.

    Se Cristo est presente no sacramento, que tipo de presena essa? Esse assunto j foi problema para telogos da Idade mdia, conforme supracitado. As Confisses Luteranas, como se viu, definem de forma mais ampla o modo da presena do Senhor em termos negativos. Negam a teoria da transubstanciao. Negam a mudana de essncia, tanto dos elementos terrenos quanto dos celestes. Condenam o confinamento local para o corpo e sangue de Cristo nos elementos terrenos. Elas condenam qualquer tipo de interpretao que sugira uma ausncia real do corpo e do sangue do Senhor. Afirma-se a presena real. A pergunta, ento, pas-sa a ser: como essa presena possvel?

    Defende-se, com base em Paulo79, e nos relatos da instituio, que qua-tro coisas esto real e verdadeiramente presentes na Santa Ceia: po e vinho, corpo e sangue de Cristo. Tal fenmeno denominado de unio sacramental80. No se trata de uma unio natural fsica ou local dos ele-mentos, mas supernatural. Esta s acontece durante o ato sacramental81.

    Na teologia oficial da IELB, considera-se a unio sacramental entre o po e o corpo e entre o vinho e o sangue to real e ntima que, no ato sacramental, o comungante recebe o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo, em, com e sob o po e o vinho. O po e o vinho, na verdade, de modo natural, contudo o corpo e o sangue, de modo sobre-natural, incompreensvel82.

    76 KOEHLER, 2002, p. 161.77 mUELLER, 2004, p. 494.78 FC-DS 7, 64 [LC 622]79 1 Co 10.16: Porventura o clice da bno que abenoamos, no a comunho do sangue de Cristo? O po que partimos, no a comunho do corpo de Cristo?80 FC-Ep 7, 15 [LC 520].81 KOEHLER, 2002, p. 160.82 mUELLER, 2004, p. 494.

    Revista Agosto.indd 17 3/9/2009 23:46:51

  • Igreja Luterana

    18

    Quando essa presena real ou unio sacramental acontece? Os livros simblicos do luteranismo no discutem o momento em que essa unio sacramental inicia ou termina, com exceo da afirmao que se encon-tra na Frmula de Concrdia, de que ela no acontece parte do uso institudo do sacramento, ou seja, a consagrao, com a autoridade das palavras da instituio, a distribuio e a recepo oral83. Na Santa Ceia, o po e o vinho so o corpo e o sangue de Cristo. Para que haja a unio sacramental necessrio que os elementos naturais sejam realmente distribudos e recebidos efetivamente pelos comungantes, pois que a unio sacramental se d somente no ato sacramental e no fora dele84. Por isso no se aprovam as procisses da hstia (corpus Christi) por con-siderar tal ato idolatria.

    A unio sacramental no realizada pelo ato de o pastor consagrar o po e o vinho, mas verifica-se apenas no po e no vinho que se come e se bebe e enquanto so comidos e bebidos. A unio sacramental, por isso, cessa com o ato sacramental; ela no continua para alm do comer e beber.

    1.1.4 Os elementos da Santa CeiaA importncia atribuda aos elementos da Santa Ceia na teologia oficial

    da IELB ecoa a nfase que Lutero conferiu ao uso das duas espcies85 no sa-cramento. Ao escrever Do Cativeiro Babilnico da Igreja, Lutero relaciona diversos cativeiros aos quais o sacramento foi submetido. Justamente o primeiro cativeiro desse sacramento86 refere-se prtica da ICAR, que por volta dos sculos XII e XIII passou a administrar o sacramento aos leigos apenas sob a espcie do po87. O luteranismo, desde o sculo XVI, tem-se manifestado na defesa do direito dos leigos tambm ao clice:

    Aos leigos so dadas entre ns ambas as espcies do sacramento, porque clara a ordem e mandamento de Cristo em mt 26. [27]: Bebei dele todos: Cristo a ordena com palavras claras, a respeito do clice, que todos bebam dele.88

    83 FC-Ep 7 [LC 520, 523]84 mUELLER, 2004, p. 492.85 Cmai [LC 432].86 LUTERO, martim. Do Cativeiro Babilnico da Igreja. So Leopoldo: Sinodal, 1982, p. 23-24.87 SCHLER, 2002, p. 124.88 CA 22 [LC 41]

    Revista Agosto.indd 18 3/9/2009 23:46:51

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    19

    Lutero desejava uma reforma tambm na Santa Ceia, pois considera-va a comunho sub una specie pecaminosa, pois contradizia a ordem de Cristo. Argumentava-se em favor da comunho sob as duas espcies, pois, alm das palavras da instituio e ordem expressa de Cristo, a prtica re-gistrada nas Escrituras foi observada na igreja durante sculos89. O artigo no indica exatamente quando a mudana foi feita. Aparentemente esta j vem desde o sc. XII, pois em uma carta dirigida aos bomios o cardeal Cusano90 afirma que a suspenso aos leigos vem desde o Quarto Conclio de Latro (1215)91. Na Apologia da Confisso se afirma que as duas esp-cies na Santa Ceia pertencem a toda a Igreja92. Por isso, o clice jamais deveria ser negado aos leigos. Sendo os elementos terrenos no sacramen-to po e vinho, espera-se que todos os comungantes recebam ambos93.

    As confisses no especificam o tipo de po ou vinho. Historicamente, todavia, os luteranos desejaram depreciar a simblica associao do po ao corpo de Cristo e, especialmente, do vinho tinto ao seu sangue, a qual poderia dar a impresso que o corpo e sangue de Cristo estavam sendo meramente simbolizados com po e vinho. Por esta razo se manteve a hstia e se deu preferncia ao vinho branco ou mbar, ao invs do vinho sacramental vermelho94.

    A Santa Ceia tem elementos visveis que lhe so prprios. De acordo com a CTRE, uma analogia com o Batismo pode ser feita. Assim como a igreja no tem o direito de mudar o elemento usado por Cristo a gua no Batismo, tambm no pode fazer em relao aos elementos:

    manter o po e o vinho na Santa Ceia no fundamentalismo, mas simplesmente fidelidade instituio do Senhor. Quanto aos ele-mentos, mt 26.26, mc 14.22, Lc 22.19, 1 Co 10.17,17; 11.23 falam que Jesus tomou po (artos). mt 26.29, mc 14.25 falam em fruto da videira (genematos tes ampelou), referente ao clice (poterion) mt 26.27, mc 14.23; cf. Lc 22.20; 1 Co 10.16; 11.25.95

    89 SEIBERT, Erni. Introduo s Confisses Luteranas. Porto Alegre: Concrdia, 2000, p. 77,78.90 SCHLER, 2002, 163.91 SEIBERT, 2000, p. 78.92 AC [LC 250,251]93 FC-Ep [LC 523]; FC-DS 7 [LC 633]94 LEHENBAUER, Oscar. O culto principal. Igreja Luterana, So Leopoldo, vol. 51, n. 2, p. 89-92, 1992.95 LINDEN, Gerson L. Aspectos quanto administrao da Santa Ceia. Igreja Luterana, vol. 60, n. 1, p. 10-11, 2001.

    Revista Agosto.indd 19 3/9/2009 23:46:51

  • Igreja Luterana

    20

    Vale destacar que a expresso clice refere-se ao vinho e que Jesus utilizou-se do vinho por ser essa exatamente a bebida usada na celebra-o da pscoa. Vinho , pois, legitimamente, o referente para a expres-so fruto da videira, no relato da instituio da Santa Ceia96.

    Os adversrios da Reforma luterana, segundo a Apologia da Confis-so de Augsburgo97, eram incapazes de apresentar qualquer argumento com base nas Escrituras para abandonar a ordem e prtica do uso dos dois elementos. A opinio dos reformadores era que a nica base para o abandono ou negao de uma das espcies aos leigos era a preferncia humana e a ambio dos sacerdotes98.

    Ainda sobre a questo dos elementos externos da Santa Ceia, surge a discusso a respeito da forma de distribuio de ambas as espcies. Uma prtica antiga99 a da intino, que o ato em que o ministro, na Santa Ceia, molha ou coloca o po ou a hstia, ou frao deles no vinho para ento d-lo ao comungante100. A CTRE, aps referir-se Frmula de Concrdia101, declara que no existe sacramento fora do uso divinamente institudo102. Diz ainda que, para se ter verdadeiramente a Santa Ceia, necessria a presena dos elementos usados por Jesus: o po103 e o vi-nho104. A intino, como alterao do comer e do beber105, foge do padro do uso institudo. mesmo que possam ser listados vrios motivos, tais como a impossibilidade de tomar vinho, racionamento de vinho ou, o que mais problemtico, a crena de que, derramando o vinho, estar-se-ia derramando o sangue de Cristo que teria surgido de uma transubstancia-o, tal prtica no se justifica106.

    96 LINDEN, 2001, p. 11.97 AC [LC 250]98 AC [LC 250-253].99 SCHLER, 2002, p. 253.100 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, v. 1, p. 13. 101 FC-DS 7 [LC 622-625]102 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, v. 1, p. 13.103 No importando o tipo de po, pois Jesus no o especificou, conforme relatos dos evan-gelhos e de Paulo.104 No importa, igualmente, o tipo de vinho, pois Jesus tambm no o especificou, confor-me relato dos evangelhos e de Paulo.105 Vejam-se os relatos da instituio da Ceia nos evangelhos e em 1 Co 11.106 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, v. 1, p. 13.

    Revista Agosto.indd 20 3/9/2009 23:46:51

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    21

    O parecer da CTRE, aprovado pela 53 Conveno da IELB107, de que nenhum dos motivos supracitados justifica a prtica da intino, pois a Santa Ceia no o nico meio da graa. No a sua falta que condena, mas o seu desprezo, o que seria o mesmo que desprezar o evangelho. Onde no h vinho, ou mesmo onde se entende que no se deva tomar vinho por motivos clnicos, no haver Santa Ceia. A pessoa ser conso-lada, perdoada e crescer na f pelo anncio do evangelho108. A intino, portanto, pelo fato de no corresponder instituio do comer e beber, no recomendada pela teologia oficial da IELB109.

    1.2 A SANTA CEIA: SEUS BENEFCIOS

    Quando se afirma que os sacramentos so sinais e testemunhos da vontade divina para conosco110, est-se dizendo que estes so meios pelos quais Deus est transmitindo, comunicando e concedendo pes-soa batizada e ao comungante as bnos espirituais prometidas nas palavras da instituio: perdo, vida e salvao111. Os sacramentos so necessrios Igreja, pois no so meros sinais, cerimnias ou ritos va-zios, mas agem nas pessoas que deles participam, conforme as palavras e promessas de Deus112. Aquele que cr nestas palavras, mediante a f tem o perdo de todos os seus pecados, um filho da vida e j triunfou sobre o inferno e a morte113. Por isso, a Santa Ceia foi instituda com a ordem de ser celebrada sempre. Atravs de sua nova refeio de liberta-o, instituda para ser celebrada frequentemente, o Senhor Jesus liberta a humanidade da escravido espiritual do pecado. ele quem liberta as pessoas da maldio dos seus pecados e da condenao eterna que elas merecem114. Lutero, ao tratar das finalidades e dos benefcios da Santa Ceia, pergunta e, ao mesmo tempo, indica a resposta:

    107 So Leopoldo, 1996.108 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, v. 1, p. 14.109 No se discute se o corpo e sangue de Cristo podem ou no estar presentes numa intin-o. O que se argumenta que tal prtica foge ao uso institudo.110 KOEHLER, 2002, p. 147.111 BECK, Nestor L. et al. Confisso da esperana. Porto Alegre: Concrdia, 1980, p. 93.112 mUELLER, 2004, p. 495.113 SASSE, 2003, p. 90.114 mUELLER, 2004, p. 477.

    Revista Agosto.indd 21 3/9/2009 23:46:51

  • Igreja Luterana

    22

    Que proveito h nesse comer e beber? Resposta: Isso nos indicam as palavras: Dado em favor de vs e derramado para remisso dos pecados, a saber, que por essas palavras nos so dados no sacramento remisso dos pecados, vida e salvao. Pois onde h remisso dos pecados, h tambm vida e salvao115.

    O dom peculiar da Santa Ceia , por conseguinte, na exposio de Lutero e tambm na teologia oficial da IELB, perdo dos pecados, vida plena e salvao, ou seja, precisamente a mesma bno que o evange-lho transmite em geral, e o Batismo em particular. O Batismo oferece o perdo dos pecados pela aplicao da gua. A Santa Ceia pela recepo, por parte do comungante, do corpo e sangue de Cristo em, com e sob o po e o vinho116. Edward Koehler ressalta, porm, que o perdo e a graa no so oferecidos em pores, ou seja, uma parte na palavra do evan-gelho, outra no Batismo e outra, por fim, na Santa Ceia:

    O perdo dos pecados nos dado no sacramento, no no sentido de que antes no hajamos tido perdo. O crente tem perdo enquanto cr. Tambm no recebemos novo suprimento de perdo toda vez que nos aproximamos da mesa do Senhor. (...) Ou temos perdo de todos os pecados, ou no temos perdo algum. Ou estamos na graa de Deus, ou no estamos. Tambm no h diferena no dom, seja ele oferecido no Batismo, na Ceia do Senhor ou no evangelho. mas h diferena na maneira em que se nos assegura e confirma esse dom da graa. Na Santa Ceia, Cristo trata com o comungante indivi-dual e pessoalmente e lhe sela sua promessa de graa e perdo117.

    A Santa Ceia tem o poder de conferir graa e perdo, conforto e consolo, vida e fortalecimento para a f, porque so esses os dons con-quistados por Cristo, que a instituiu, com sua morte na cruz118. Com o est consumado (Jo 19.30), todos esses benefcios foram conquistados por Cristo para toda a humanidade e esto disposio desta, mas so conferidos atravs da palavra da salvao e, de forma especial, atravs da Santa Ceia aos que crem na palavra de Cristo119. Isto atribudo

    115 Cmen [LC 379]. Na CA 13 [LC 34] 116 mUELLER, 2004, p. 499.117 KOEHLER, 2002, p. 165.118 KOEHLER, 2002, p. 165.119 Cmai [LC 489].

    Revista Agosto.indd 22 3/9/2009 23:46:51

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    23

    unicamente ao grande poder de Deus e palavra, instituio e ordenan-a do Senhor Jesus Cristo. Pois as verdadeiras e poderosas palavras de Cristo que ele falou na primeira instituio no foram eficazes apenas na primeira Ceia. Elas conservam sua validade, poder e eficcia em todos os lugares em que a Ceia observada de acordo com a instituio de Cristo e onde suas palavras so usadas 120.

    A Santa Ceia no apenas traz benefcios vida dos comungantes, mas tambm, e especialmente, produz consequncias na vida das pes-soas. Essas consequncias sero destacadas na seco seguinte deste captulo.

    1.3 A SANTA CEIA: SUAS CONSEQUNCIAS

    1.3.1 Crescimento no amor a Deus e ao prximoDiferentemente da seo anterior, que tratou dos benefcios da San-

    ta Ceia ao prprio comungante, aqui tratar-se- das consequncias do Sacramento na vida crist santificada. Aqui no se pergunta: O que eu ganho com isso?, mas O que eu posso fazer ou como vou agir a partir da participao na Ceia?

    Se a participao da Santa Ceia apenas trouxesse benefcios ao pr-prio comungante, o motivo de sua participao poderia ser considerado egosta.

    Quando o pecador est seguro da graa de Deus para consigo, sua atitude muda. mueller, fazendo referncia a 1 Jo 4.19, enfatiza que se os cristos podem amar, porque Deus os amou primeiro. Isso expressa a sua atitude, a sua resposta a Deus121. No sacramento, Deus manifes-ta seu amor incondicional e imutvel s pessoas, apesar das ofensas e repetidos erros que elas cometem. mesmo onde o pecado acontece rei-teradamente, incansavelmente Deus assegura a sua graa perdoadora. Como o pecado esfria o amor, mesmo na vida dos cristos, a participao da Santa Ceia serve para aquecer o corao no amor divino122, pois na Ceia Deus abre s pessoas seu corao amoroso. Este amor de Deus, na verdade, faz com que o cristo se disponha a viver uma vida piedosa123, pois a f atua pelo amor124. No sentido vertical, mueller menciona, como

    120 SCHLINCK, 1961, p. 156-157.121 mUELLER, 2004, p. 501.122 KOEHLER, 2002, p. 170.123 mUELLER, 2004, p. 500.124 Gl 5.16.

    Revista Agosto.indd 23 3/9/2009 23:46:51

  • Igreja Luterana

    24

    conseqncia da Santa Ceia, o fortalecimento da f, o aumento do amor a Deus e a unio com Cristo125.

    At aqui, as consequncias apontadas acontecem mais no sentido vertical, fortalecendo a relao da pessoa com Deus, na piedade, na gratido e no amor para com a sua palavra e a sua obra. H, no entan-to, tambm, consequncias horizontais da participao na Santa Ceia. Quando, em f, se participa da Santa Ceia, h um fortalecimento do amor fraternal126. Na vida, h diferenas sociais tambm entre os cristos. mas sempre que as pessoas se aproximam da mesa do Senhor, cessam essas diferenas. Diante do altar, ningum pode exaltar-se acima do outro e ningum pode pensar que melhor do que o prximo127. O fato de se-rem todos igualmente culpados128 diante de Deus e igualmente carentes da sua graa, induz o cristo a esquecer as diferenas e a se aproximar mais do seu semelhante. falta do sacramento atribuda timidez no demonstrar maior clemncia, bondade e caridade de uns para com os outros. Pela frequncia Santa Ceia, o cristo tambm lembrado129 que mesmo sendo muitos, todos comemos do mesmo po, que um s; e por isso somos um s corpo130.

    Com grande humildade e gratido o crente aproxima-se da mesa cujo anfitrio o Supremo Perdoador e partilha de seu corpo e sangue, puri-ficadores de pecado. Uma vez preenchido com ele, o comungante deve, por sua vez, ser como ele. Seguindo o exemplo de Cristo, o crente tam-bm perdoar queles que pecam contra ele131.

    O amor a Deus e ao prximo consequncia da comunho com Cris-to na Santa Ceia. Atravs da comunho com Cristo pode-se crescer na vida diria, crescer no amor a Deus, na gratido e na compreenso de tudo o que Deus oferece ao crente cada vez que este participa da Santa Ceia132. No amor ao prximo, a pessoa cresce quando est consciente do que significa participar da Santa Ceia. A pessoa crist, ao participar da Ceia, no se contenta simplesmente em conhecer o que certo e o que

    125 mUELLER, 2004, p. 501.126 Cmai, 4 [LC 488]127 KOEHLER, 2002, p. 170.128 Rm 3.23.129 KOEHLER, 2002, p. 169.130 1Co 10.17.131 KOEHLER, 2002, p. 166.132 mUELLER, 2004, p. 501.

    Revista Agosto.indd 24 3/9/2009 23:46:51

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    25

    errado133. Ela compromete-se a viver e agir correta e coerentemente em toda a sua vida diria134.

    A seguir, mostrar-se- que, tanto a participao quanto as conse-quncias desta devem perpetuar-se por toda a vida dos cristos e em toda a vida da Igreja.

    1.3.2 Em memria de Cristo at que ele venhaAt o seu retorno visvel, a presena invisvel de Cristo na Santa

    Ceia quer lembrar e capacitar os crentes a irem ao encontro daqueles que ainda no fazem parte do seu corpo. Assim como os primeiros cristos referiam-se Ceia como alimento dos peregrinos durante a jornada em direo ao seu verdadeiro lar e como alimento da imorta-lidade, Jesus Cristo vem ao crente em cada Santa Ceia para fortalecer a f para a jornada e para dar esperana de uma vida que eterna135. No final da sua ltima Ceia, Jesus disse aos apstolos: Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira at aquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus136. A promessa dos mensagei-ros de Deus no dia da ascenso de Cristo ao cu lembrava que esse Jesus que dentre vs foi assunto ao cu vir do modo como o vistes subir137. No entanto, o mesmo Cristo, antes de se despedir dos seus, declarou: Eis que estou convosco todos os dias at a consumao do sculo138.

    A ordem de Cristo fazei isto se refere ao que ele acabara de ordenar aos seus discpulos, a saber: tomai, comei [...] bebei dele todos. Parece ser isso que os cristos dos primrdios entenderam com estas palavras, pois Paulo diz: Porque todas as vezes que comerdes [...] e beberdes [...], anunciais a morte do Senhor, at que ele venha. Lutero entende que a prpria palavra culto assume o carter de celebrar a Ceia em me-mria de Cristo, pois o prprio Cristo que o ordena, quando diz: fazei isto em memria de mim.

    Se voc quer, ento, realizar um culto grande e maravilhoso a Deus e honrar condignamente o sofrimento de Cristo, ento reflita e v

    133 LINDEN, 2001, p. 10.134 KOEHLER, 2002, p. 169.135 KOEHLER, 2002, p. 161-163.136 mc 14.25.137 At 1.11.138 mt 28.20.

    Revista Agosto.indd 25 3/9/2009 23:46:51

  • Igreja Luterana

    26

    ao sacramento em que se encontra sua memria, isto , seu louvor e glria139.

    1.4 A SANTA CEIA: O PREPARO PARA A PARTICIPAO

    Na teologia oficial da IELB d-se grande nfase no preparo para a participao da Santa Ceia. Basta verificar nas liturgias e no hinrio as exortaes e as oraes preparatrias para os comungantes140. J na pri-meira publicao em portugus de um hinrio e uma liturgia141 havia tais exortaes e oraes preparatrias para os que desejavam ir Ceia.

    H, tambm, uma variedade de hinos que abordam a questo da dig-nidade e do preparo, como o exemplo que segue:

    Concede eu digno me apresente tua mesa celestial e guarde sem-pre a ti na mente, Jesus, meu Fiador leal.[...] As nossas transgres-ses aqui confessaremos, Senhor, e prometemos ante ti servir-te fiis em santo amor. [...] Quando vens sua mesa, guarda em mente, com certeza: Digno quem na f chegar, vida e paz ele h de encontrar.142

    Segundo Lutero,

    Jejuar e preparar-se corporalmente boa disciplina externa. mas verdadeiramente digno e bem preparado aquele que tem f nestas palavras: Dado em favor de vs e derramado para remisso dos pe-cados. Ao contrrio, quem no cr nessas palavras ou delas duvida, indigno e no est preparado. que as palavras por vs exigem coraes verdadeiramente crentes143.

    139 LUTERO, martinho. Exortao ao sacramento do corpo e sangue de nosso Senhor. In: Obras Selecionadas, v. 7. Porto Alegre / So Leopoldo: Concrdia / Sinodal, 1999, p. 229-231.140 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinrio Luterano. Porto Alegre: Concr-dia, 1986, p. 13, 119, 109-111. 141 COmmISSO Em PROL DA mISSO EV.- LUTHERANA LUSO BRASILEIRA. Hymnos e Oraes. Porto Alegre: Agncia Concrdia, 1920; IGREJA EVANGLICA LUTHERANA DO BRASIL. LITURGIA DA IGREJA EVANGLICA LUTHERANA. Porto Alegre: Casa Publica-dora Concrdia, (data posterior a 1923, pois antes a Concrdia chamava-se apenas Agncia Concrdia), p. 8.142 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinrio Luterano. Porto Alegre: Concr-dia, 1986, hinos: 260, 2; 261, 2 e 258, 3.143 Cmen 4 [LC 379]

    Revista Agosto.indd 26 3/9/2009 23:46:52

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    27

    No Catecismo maior, Lutero enfatiza que os que querem ser cristos deveriam preparar-se para receber frequentes vezes o mui venervel sacramento. Pois vemos que de fato relaxada e negligente a atitude nesse respeito144.

    Eis o que se entende por preparar-se dignamente. A fim de participar de maneira digna e abenoada do sacramento, cumpre que a pessoa possa examinar-se para saber:

    se entende e cr as palavras da instituio, pois deve discernir, dis-tinguir e reconhecer o corpo e sangue do Senhor em, com e sob o po e o vinho; se reconhece a si mesmo como pecador diante de Deus e est sinceramente entristecido por causa de seus pecados; se sabe o que Cristo fez por ele, se deseja verdadeiramente o perdo e se aplica a si mesmo a promessa de Cristo, crendo que todos os seus pecados esto perdoados; se est disposto a melhorar sua vida e trazer frutos dignos do arrependimento145.

    Pode-se, portanto, resumir o preparo para a participao da Santa Ceia em verdadeira f na obra redentora de Cristo e sua presena real no sacramento e crer nos seus benefcios, reconhecimento e verdadeiro arrependimento dos pecados e sincero desejo de viver uma vida de amor e obedincia a Deus146.

    Todo aquele que participa indignamente da Santa Ceia, ou seja, sem crer nas palavras e promessas de Cristo e sem arrependimento sincero dos seus pecados, torna-se ru do corpo e do sangue do Senhor, ou seja, culpado de profanao do nome de Cristo e de seu corpo e sangue147. Em outras palavras, aquele que participa sem o devido preparo, come e bebe no para a sua justificao e fortificao na f, mas come e bebe para a sua prpria runa e condenao148.

    Lutero, porm, ressalta que todo aquele que est fraco na f e que no se considera digno de participar, justamente para este que a Ceia foi instituda, pois nosso Sacramento no se fundamenta em nossa dig-nidade, pois no nos batizamos como tais que sejam dignos e santos; nem nos confessamos puros e sem pecado; mas, ao contrrio, como po-

    144 Cmai 4 [LC 490]145 KOEHLER, 2002, p. 166, 167.146 FC-DS 7 [LC 613]147 KOEHLER, 2002, p. 167.148 Cmen 7 [LC 379]

    Revista Agosto.indd 27 3/9/2009 23:46:52

  • Igreja Luterana

    28

    bres e mseros homens, e precisamente por sermos indignos149.At aqui, verificou-se como deve acontecer o preparo para a parti-

    cipao da Ceia e em que isso implica. Na sequncia, apresentar-se- a posio oficial da IELB quanto aos participantes da Santa Ceia, quem so eles e quais as condies ideais para uma participao proveitosa.

    1.5 A SANTA CEIA: QUEm PARTICIPA

    1.5.1 Os batizadosQuando se pergunta quem est habilitado a participar da Santa Ceia,

    a prtica da IELB traz vrias recomendaes e restries. Os fundamen-tos para essas recomendaes e restries so as Escrituras, a praxe normativa da Igreja desde a antiguidade, alm dos escritos confessionais da Reforma luterana. A primeira destas recomendaes que os partici-pantes sejam batizados.

    O Batismo, como um dos sacramentos reconhecidos pela IELB, o lavar da regenerao cujo efeito o perdo dos pecados, libertao da morte e do inferno e garantia da vida eterna150. Por causa disso, esse rito no mero sinal vazio, pois transmite e comunica poder de Deus para a salvao. Lutero, no Catecismo Maior, afirma que devemos ser batizados sob pena de no sermos salvos151, e que o efeito do Batismo para toda a vida152.

    A referncia ao Batismo deve-se ao fato de que dos cristos, s se admitiro mesa do Senhor os que j forem batizados, costume este que remonta Igreja Antiga153. Tal requisito deve-se ao fato de ser o Batis-mo sacramentum initiationis154, pelo qual a f gerada155 e mediante o qual se recebido na famlia da f e declarado um filho de Deus156. Como o Batismo opera a f e a remisso de pecados, livra da morte e do diabo e d a salvao eterna a quantos crem157, e por ser uma ao do prprio

    149 Cmai 4 [LC 492, 493]150 SCHLINK, 1961, p. 148.151 Cmai 4 [LC 475]152 Cmai 4 [LC 485]153 mUELLER, 2004, p. 503.154 Sacramento de iniciao ou de ingresso.155 mUELLER, 2004, p. 475.156 KOEHLER, 2002, p. 152-154.157 Cmen 4 [LC 375]

    Revista Agosto.indd 28 3/9/2009 23:46:52

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    29

    Deus no ser humano158, a teologia oficial da IELB, em consonncia com as afirmaes supra, declara ser imprescindvel participao da Santa Ceia ser batizado e crer em Cristo como seu Salvador pessoal159.

    1.5.2 Os que podem examinar-se sobre sua fExamine-se, pois o homem160 so palavras enfticas na explanao

    de Paulo sobre a Ceia do Senhor. O apstolo diz que se algum no reco-nhece o tesouro sagrado que o Senhor oferece aqui, essa pessoa o estar usando de forma inadequada e desagradando ao Senhor. Se uma pessoa cr em coisas contrrias aos ensinamentos de Cristo161, ou est pecan-do conscientemente ou vivendo um estilo de vida que entra em conflito com os ensinamentos de Cristo162, a participao na Santa Ceia traz o julgamento de Deus163. O auto-exame a fim de participar dignamente do sacramento e receber as suas bnos consiste em que todo comungante seja capaz de avaliar-se, conforme supramencionado, quando se falou da importncia do preparo para a participao.

    E quem, segundo a teologia oficial da IELB, seriam as pessoas no capazes de se examinarem? mueller responde: as crianas, as pessoas inconscientes, os doentes em estado de coma e todas as pessoas em estado de insanidade164.

    Ainda sobre a necessidade da f para uma participao proveitosa da Santa Ceia, pode-se afirmar que os que crem que na Santa Comunho recebem verdadeiramente o corpo e sangue de Cristo em, com e sob o po e o vinho, recebem-nos para graciosa remisso dos seus pecados165. Insiste-se que os que no crem que na Santa Ceia recebem o verdadei-ro corpo e sangue de Cristo em, com e sob o po e o vinho para perdo de seus pecados, no deveriam ser admitidos, pois negam a presena real166.

    158 Cmai 4 [LC 475]159 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, v. 1, p. 11.160 1 Co 11.28,29.161 mUELLER, 2004, p. 504. 162 mUELLER, 2004, p. 503.163 mUELLER, 2004, p. 504.164 mUELLER, 2004, p. 503.165 mUELLER, 2004, p. 503.166 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, v. 1, p. 11.

    Revista Agosto.indd 29 3/9/2009 23:46:52

  • Igreja Luterana

    30

    So, ainda, considerados indignos de participar da Ceia

    aqueles que vo a esse sacramento sem verdadeiro pesar e con-trio por seus pecados, e sem verdadeira f e bom propsito de melhorarem a sua vida. Com seu indigno comer oral do corpo de Cristo, eles pem sobre os seus prprios ombros o juzo, isto , castigos temporais e eternos, e se tornam rus do corpo e sangue de Cristo167.

    Finalmente, podero participar da Santa Ceia todos os que querem viver a sua f em amor, fato que exclui a todos que vivem em pecados grosseiros, os quais no querem abandonar e dos quais no se arrepen-dem. Tambm vedada a participao da Santa Ceia aos que se recusam a perdoar e a reconciliar-se e aos que so culpados de unionismo e sin-cretismo religioso168.

    H que se destacar, porm, que

    cristos de f frgil, cristos tmidos e perturbados, que esto inti-mamente assombrados por causa da magnitude e multido de seus pecados e pensam que nesta sua grande impureza so indignos des-se nobre tesouro e dos benefcios de Cristo, percebem sua debilida-de em f, e deploram, e cordialmente anseiam poder servir a Deus com f mais vigorosa e mais alegre e em obedincia pura, esses so os convivas verdadeiramente dignos. Especialmente para eles que esse venerabilssimo sacramento foi institudo e ordenado169.

    Por isso, enquanto que o pastor no deve admitir Santa Ceia ne-nhum comensal indigno, precisa cuidar para no impedir os que tm direito a ela170.

    167 FC-DS [LC 523]; mUELLER, 2004, p. 503. 168 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comisso de Teologia e Relaes Eclesiais, v. 1, p. 11: O sacramento deve ser vedado a todos quantos se acham ligados a igrejas em erro e cultos no-cristos ou anticristos, cf. Ef 4.1-6; 5.7-11, 2 Co 6.14-18.169 FC-DS 7 [LC 623]. 170 mUELLER, 2004, p. 503.

    Revista Agosto.indd 30 3/9/2009 23:46:52

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    31

    1.5.3 Comunho aberta171 e comunho fechada172

    A participao na Santa Ceia est, de algum modo, ligada profisso de f. A IELB no admite a participao de pessoas de outras denomi-naes da Santa Ceia, prtica essa denominada de comunho fechada. Em defesa da comunho fechada, mueller argumenta:

    Assim fez Cristo: deixou que a pregao fosse multido adentro so-bre cada um, bem como depois tambm os apstolos, de sorte que todos a escutaram, crentes e incrdulos; quem a apanhava, apanha-va-a. Assim tambm devemos ns fazer. Todavia no se deve atirar o sacramento multido adentro. Ao pregar o evangelho, no sei a quem atinge; aqui, porm, devo ter para mim que atingiu aque-le que vem ao sacramento; a no devo ficar em dvida, mas ter certeza de que aquele, a quem dou o sacramento, aprendeu e cr corretamente o evangelho173.

    Linden enfatiza que a Ceia do Senhor, no um direito dos homens, mas uma ddiva de Deus.

    A instruo na doutrina crist importante para que a pessoa que pretende participar do sacramento esteja em efetiva unio confes-sional com o povo de Deus reunido. Diviso na confisso estabelece diviso no sacramento. Alm disso, a comunho fechada traz consigo um aspecto de proteo ao visitante. O participar indignamente, a falta do examinar-se e de discernir o corpo, que esto ligados instruo na f, trazem ao participante juzo, ao invs de bno174.

    A prpria liturgia publicada pela IELB contempla a preocupao com respeito f dos participantes ao prever a exortao175 ou alocuo confessional176. mesmo que estas enfoquem mais aspectos penitenciais e

    171 SCHLER, 2002, p. 121: Comunho aberta refere-se admisso Santa Ceia de pesso-as de outras igrejas presentes no culto.172 SCHLER, 2002, p. 121: Comunho fechada refere-se no admisso Santa Ceia de pessoas pertencentes a outras denominaes [tambm denominada de comunho reserva-da].173 mUELLER, 2004, p. 502.174 LINDEN, 2001, p. 7-8.175 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL, Hinrio Luterano, p. 13.176 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL, Liturgia Luterana, p. 9.

    Revista Agosto.indd 31 3/9/2009 23:46:52

  • Igreja Luterana

    32

    conduzam confisso e absolvio177, a verdade que as mesmas procu-ram levar os participantes do culto auto-anlise e ao exame de conscin-cia, a fim de que todos possam dignamente178 participar do sacramento.

    1.6 CONCLUSO

    Na explanao sobre a Santa Ceia na teologia oficial no mbito da IELB, verificou-se que se trata de um sacramento institudo e ordenado por Cristo. Atravs dele so concedidos benefcios especiais, tais como perdo, paz, aumento e fortalecimento para a f e esperana nas pro-messas de Deus. A nfase nos benefcios parte do princpio de que o sacramento um ato de Deus em favor da humanidade. o contrrio do conceito de sacrifcio ou ao humana para alcanar mritos da parte de Deus. Para tanto, em primeiro lugar, cabe reconhecer no sacramento a iniciativa de Deus por um lado, e a f que acolhe essa iniciativa de Deus por outro.

    Um dos grandes desafios do reformador Martinho Lutero foi exata-mente o de demonstrar com base nas Escrituras que a Ceia do Senhor beneficium, testamentum e no oficium ou sacrificium. A ao graciosa obra nica e exclusivamente de Deus. Por isso, central na Santa Ceia no so a ao ou palavras humanas, mas somente a palavra de Deus. Dentre os benefcios concedidos pela graa de Deus, destaca-se o per-do dos pecados, mediante a f nas palavras de Cristo dado por vs e derramado para remisso de pecados. A f, portanto, condio bsica para que a pessoa receba os benefcios. Alguns benefcios da participao da Santa Ceia podem ser enumerados, tais como o aumento e fortaleci-mento da f, a paz, a esperana escatolgica, a comunho com Deus e a comunho com o prximo.

    A pesquisa apontou algumas das consequncias da participao da Santa Ceia, tais como o fortalecimento do amor e a prtica de boas obras. Uma vez beneficiado pela ao de Deus atravs do sacramento, o crente passa a viver correta e amorosamente em relao ao prximo e ter uma vida de comprometimento em relao a Deus. Neste sentido, como resposta em gratido ao amor de Deus, at pode-se usar o termo

    177 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinrio Luterano, p. 13; p. 34; Liturgia Luterana, p. 9.178 IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinrio Luterano, p. 109-111, o Questio-nrio Cristo Compilado pelo Doutor martinho Lutero para aqueles que tencionam partici-par da Santa Ceia uma opo para o momento da exortao aos possveis comungantes.

    Revista Agosto.indd 32 3/9/2009 23:46:52

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    33

    sacrifcio vinculado Santa Ceia, mas com o significado de aes de graas, sacrifcios de louvor e como oferta de si prprio como sacrifcio juntamente com Cristo.

    Vale destacar que a autoridade conferida ao sacramento a partir da instituio divina. Por isso o recitar das palavras da instituio, na teo-logia oficial da IELB, considerado elemento indispensvel quando da celebrao da Santa Ceia.

    A expresso dado por vs aponta para uma finalidade individual, ou seja, para os benefcios que cada crente recebe. Por isso, com as bnos individuais (perdo, vida, salvao e fortalecimento da f...) pressupe-se uma ao horizontal em direo do prximo. Tudo isso como consequ-ncia necessria da ao primeira de Deus em favor da pessoa individu-almente. A comunho fraterna , pois, tambm um dos grandes motivos da participao na Santa Ceia.

    Destaca-se ainda que a Ceia celebrada em memria de Cristo, no como mera lembrana, mas como algo que tem valor e benefcios para o presente. Alm de reafirmar a cada celebrao a obra salvadora de Cristo de maneira bem concreta, a Santa Ceia tambm projeta os pensamentos do participante em direo ao futuro e certeza do cumprimento das promessas escatolgicas de Cristo.

    Uma das questes que mais rendeu pginas de tratados teolgicos refere-se aos elementos visveis presentes na Santa Ceia. Lutero com-bateu, com base nas palavras da instituio e em argumentaes do apstolo Paulo, a prtica da comunho sob apenas uma das espcies. Enfatizou que, para a correta administrao da Santa Ceia, exigem-se quatro elementos: dois visveis (o po e o vinho) e dois invisveis (corpo e sangue de Cristo). Tal nfase continua presente na teologia oficial da IELB. Tambm se enfatiza que no h uma transformao dos elementos terrenos em corpo e sangue de Cristo (transubstanciao) por um lado, nem mera representao por outro. Insiste-se na presena real do corpo e sangue em, com e sob as espcies do po e do vinho. Vale destacar que esta presena real acontece independente da f do oficiante ou mesmo do comungante. O que se diz que, mediante a unio sacramental, jun-tamente com os elementos visveis e sob eles, o comungante recebe o corpo e sangue de Cristo com a boca: os elementos visveis (po e vinho) de forma natural e os elementos celestes (corpo e sangue de Cristo) de forma sobrenatural ou supernatural.

    Quanto aos participantes da Ceia, destaca-se que somente os batizados podem participar. Isto, porque se entende que a Santa Ceia s deve ser dada aos crentes, aos que tm verdadeira f em Cristo (sacramentum con-

    Revista Agosto.indd 33 3/9/2009 23:46:52

  • Igreja Luterana

    34

    firmationis). Ora, sendo o Batismo, mediante a palavra de Deus e a ao do Esprito Santo, meio que opera a f e introduz a pessoa no reino e famlia de Deus (sacramentum initiationis), entende-se o mesmo como imprescindvel para a participao na Santa Ceia. A pessoa deve ter condies de exami-nar-se a si prpria a fim de verificar se tem f verdadeira, arrependimento sincero dos seus pecados, se no vive em escndalo e se est disposta a exercitar a sua vida em amor e servio a Deus e ao prximo.

    Finalmente, por entender que a participao do sacramento implica uma confisso de f em Cristo de uma forma geral e a confisso de f na Santa Ceia conforme instituda por Cristo de forma particular, mantm-se no mbito da IELB a prtica da comunho fechada, por se entender que esta tem fundamento nas Escrituras e na praxe normativa dos apstolos.

    Resumidamente, pois, se diz que a Santa Ceia deve ser dada aos crentes, que nela se recebe, sim, o corpo e sangue de Cristo e que ela fortalece e estreita ainda mais a comunho dos santos entre si e destes com seu Senhor.

    At aqui a pesquisa trouxe um resumo dos principais conceitos acerca da Santa Ceia na teologia oficial da IELB. Na sequncia sero apresen-tados os resultados de uma pesquisa social realizada no mbito de duas comunidades da IELB. Nessa pesquisa procurou-se descobrir como a te-ologia popular no mbito da IELB define a Santa Ceia e como as pessoas entrevistadas sentem e experimentam esse sacramento.

    2 A SANTA CEIA NA TEOLOGIA POPULAR NO MBITO DA IGREJA EVANGLICA LUTERANA DO BRASIL (IELB)

    2.1 INTRODUO

    O presente captulo o relatrio de uma pesquisa social, que procu-rou descobrir quais so as principais concepes da teologia popular da IELB concernentes Santa Ceia.

    Conforme Andr Droogers, religiosidade pode ser definida como a vivncia da f que os adeptos de uma religio elaboram179. As atitudes, comportamento e maneira de pensar so determinados pela sua religio. Religiosidade popular a vivncia religiosa elaborada, no decorrer da histria, por leigos, orientados por sua posio social e atuando fora do

    179 DROOGERS, Andr. Religiosidade popular luterana. So Leopoldo: Sinodal, 1987, p. 7.

    Revista Agosto.indd 34 3/9/2009 23:46:52

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    35

    controle do clero e da instituio igreja180. Para a presente pesquisa, o que interessa a distino entre o que

    pregado pela instituio igreja e o que refletido e vivido no mbito popular. Substitui-se, aqui, o termo religiosidade popular por teologia popular, aplicando a este o significado daquele.

    Algumas caractersticas da teologia popular podem ser listadas: no refletida e sistematizada da mesma forma que a teologia oficial; so pessoas sem formao especfica que produzem uma teologia ou uma reflexo teolgica que no reconhecida pela igreja (instituio) nem pela teologia oficial181.

    O captulo dois, pois, resultado da pesquisa social realizada por meio de entrevistas com vinte pessoas, dez do sexo masculino e dez do sexo feminino, de duas comunidades da IELB. O perfil dos entrevistados e das respectivas comunidades, assim como a metodologia empregada, sero descritos abaixo.

    Procedimentos Metodolgicos Na etapa que compreendia a pesquisa social, haveria um grande n-

    mero de possibilidades de se desenvolver um estudo sobre a Santa Ceia na teologia popular no mbito da IELB. Optou-se, no entanto, por investig-la no mbito de duas comunidades do Sul do Brasil, uma do centro de uma cidade da regio metropolitana e outra da periferia, seguindo a metodologia de uma pesquisa social qualitativa, a fim de verificar qual a rede de signi-ficados presente na teologia popular. Nas entrevistas, inicialmente foram sugeridas perguntas suficientemente abertas sobre o assunto em questo, a fim de no induzir as pessoas entrevistadas a determinadas respostas. Todos os depoimentos e respostas foram minuciosamente registrados (gra-vados e transcritos) e, posteriormente, verificaram-se quais os conceitos e concepes que se destacavam. O propsito foi descobrir o que as pessoas dizem que , como definem e como experimentam a Santa Ceia.

    Na presente pesquisa, responderam-se 26 perguntas, as quais foram agrupadas dentro de cinco grandes nfases: I - Sentido e importncia da Santa Ceia; II O transcorrer da Santa Ceia; III - O lugar em que a Santa Ceia celebrada; IV Quem participa da Santa Ceia; V - A atitude dos participantes da Santa Ceia. Dentro de cada uma das cinco nfases, ao responder as vinte e seis perguntas, houve respostas que se repetiram vrias vezes ou que esboavam conotao semelhante. Estas

    180 DROOGERS, 1987, p. 7.181 DROOGERS, 1987, p. 7, 8.

    Revista Agosto.indd 35 3/9/2009 23:46:53

  • Igreja Luterana

    36

    foram denominadas de cdigos. Na sequncia da pesquisa, poder-se- perceber que, a cada nova nfase, surgem novos cdigos. No entanto, h certo nmero de cdigos que perpassa todas as cinco nfases, como por exemplo, Traz perdo dos pecados e importante preparar-se para participar. Cada vez que um cdigo referido, ter-se- uma unidade de informao (u.i.).

    As vinte e seis perguntas do questionrio, organizadas por nfases, so as que seguem abaixo:

    I - Sentido e importncia da Santa Ceia1- Para voc, o que o mais importante na Santa Ceia?2- Por que essas coisas que voc mencionou so importantes? 3- O que voc sente ou experimenta ao participar da Santa Ceia?4- Como voc explicaria o significado da Santa Ceia a um no cristo?5- Como voc descreveria a importncia da Santa Ceia em sua vida?6- Em que momentos de sua vida a Santa Ceia mais presente?7- Que diferena faz participar da Santa Ceia?8- O que voc cr que recebe na Santa Ceia?9- A sua participao tem algo a ver com sua maneira de ser em re-

    lao: famlia, escola, ao trabalho, ao lazer, ao jeito de lidar com as outras pessoas?

    II - O transcorrer da Santa Ceia: tudo o que lembra10- Com que frequncia voc vai Santa Ceia?11- Como voc explicaria o transcorrer da Santa Ceia a um no cris-

    to?12- Descreva tudo o que voc puder lembrar sobre a Santa Ceia.13- mencione tudo o que voc lembra da ltima celebrao que voc

    participou.14- Que partes voc acha mais importantes na celebrao da Ceia do

    Senhor? Por qu?

    III - O lugar em que a Santa Ceia celebrada15- O que voc acha do lugar em que a Ceia celebrada?16- Voc se sente bem no lugar em que a Santa Ceia celebrada? 17- O que voc acha que poderia ser melhorado no lugar?

    IV - Quem participa da Santa Ceia18- Em sua opinio, quem so as pessoas que podem participar da

    Santa Ceia?

    Revista Agosto.indd 36 3/9/2009 23:46:53

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    37

    19- H, em sua opinio, pessoas que no podem participar da Santa Ceia?

    20- H, em sua opinio, alguma exigncia ou requisito para participar na Santa Ceia?

    V - A atitude dos participantes da Santa Ceia 21- Em sua opinio, quando e com que freqncia se deve ir Santa

    Ceia?22- Em sua opinio, com que atitude as pessoas devem participar da

    Santa Ceia?23- O que voc gosta nas celebraes da Ceia em sua comunidade?24- O que voc no gosta?25- O que voc acha que poderia ser melhorado?26- mencione experincias marcantes que voc teve, participando na

    Santa Ceia.

    As pessoas entrevistadasO universo pesquisado foi o dos membros de duas comunidades da

    IELB, uma situada no centro de uma cidade da regio metropolitana de Porto Alegre, aqui denominada de Eucaristolndia e outra da periferia, denominada de Vila Partir do Po.

    Entrevistaram-se vinte pessoas no total; dez pessoas de cada uma das comunidades: cinco homens (um com mais de 50 anos; um entre 30 e 49 anos; um entre 20 e 29 anos; um entre 15 e 19 anos; um recm confir-mado) e cinco mulheres (uma com mais de 50 anos; 1 entre 30 e 49 anos; 1 entre 20 e 29 anos; 1 entre 15 e 19 anos; 1 entre 12 e 14 anos). Este nmero no tem pretenso de representatividade. Como de praxe e de direito, nenhum nome de qualquer pessoa envolvida foi ou ser revelado. Os lugares e as pessoas so reais, porm, os nomes, fictcios.

    Eucaristolndia uma cidade de porte mdio, contando cerca de 180 mil habitantes. H muitas indstrias e o comrcio tambm forte. O ser-vio de sade composto de hospital e de vrios postos de sade, alm de diversas clnicas particulares. O nmero de escolas, tanto da rede p-blica quanto da particular parece ser suficiente para a demanda do muni-cpio. A populao tem sua disposio desde a Educao Infantil at o nvel Superior. As pessoas das comunidades escolhidas para a pesquisa so essencialmente trabalhadores assalariados, sejam eles funcionrios de empresas ou de escolas. O perfil das pessoas entrevistadas, tanto as do centro quanto as da periferia, descrito abaixo (assduo = 1 vez por semana, frequente = 2 vezes por ms, regular = 1 vez por ms, espor-

    Revista Agosto.indd 37 3/9/2009 23:46:53

  • Igreja Luterana

    38

    dico = at 6 vezes ao ano, raro = menos de 4 vezes ao ano):Fernando, sexo masculino, 13 anos, morador do centro, participan-

    te da Comunidade Do Sacramento, estudante, cursando a 7 srie, solteiro, filiado a esta comunidade desde o seu Batismo, participante frequente.

    Caetano, sexo masculino, 17 anos, morador do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, estudante, com 2 grau completo, solteiro, filiado a esta comunidade desde o Batismo (desde criana), participante assduo.

    Edison, sexo masculino, 26 anos, morador do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, secretrio de colgio, universitrio cursando pedagogia, filiado a esta comunidade h 4 anos, participante assduo.

    Ricardo, sexo masculino, 37 anos, morador do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, bancrio, tem 2 grau completo e est iniciando faculdade, casado, filiado a esta comunidade desde criana, participante frequente.

    Ilmo, sexo masculino, 55 anos, morador do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, comerciante (manuteno predial in-dustrial), tem o 2 grau completo, casado, filiado a esta comunidade desde o seu Batismo, participante frequente, concedeu a entrevista em 04/03/2006.

    Leomir, sexo masculino, 14 anos, morador da periferia, participante da Comunidade Da Comunho, estudante, est no 1 ano do Ensino Mdio (cursando), solteiro, filiado a esta comunidade desde o seu Batis-mo, participante frequente, concedeu a entrevista em 16/05/2006.

    Joo, sexo masculino, 19 anos, morador da periferia, participante da Comunidade Da Comunho, marceneiro (fabrica mveis), tem o 2 grau completo, solteiro, filiado a esta Comunidade desde o Batismo, participante frequente, concedeu a entrevista em 12/03/2006.

    Elano, sexo masculino, 27 anos, morador da periferia, participante da Comunidade Da Comunho, trabalha em servios gerais, tem o 2 grau completo (iniciando faculdade), casado, filiado IELB desde criana pelo batismo e desta comunidade h 2 anos (veio do interior para a cidade), participante regular, concedeu a entrevista em 12/03/2006.

    Gerson, sexo masculino, 40 anos, morador da periferia, participante da Comunidade Da Comunho, auxiliar de manuteno, tem o 1 Grau completo, casado, filiado IELB desde criana e desta comunidade h 5 anos, participante assduo, concedeu a entrevista em 27/03/2006.

    Ademir, sexo masculino, 58 anos, morador da periferia, participante

    Revista Agosto.indd 38 3/9/2009 23:46:53

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    39

    da Comunidade Da Comunho, conferente aposentado por invali-dez (tem srios problemas cardacos), cursou at a 7 srie do 1 grau, casado, filiado IELB h 1 ano, era catlico e teve uma passagem pela Igreja Adventista, participante assduo, concedeu a entrevista em 21/03/2006.

    Noemi, sexo feminino, 13 anos, moradora do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, estudante, est na 7 Srie do Ensino Fundamental (cursando), solteira, filiada IELB e a esta comunidade desde o Batismo, participante frequente, concedeu a entrevista em 02/06/06.

    Juliana, sexo feminino, 19 anos, moradora do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, auxiliar de secretaria de escola, est cursando a faculdade, solteira, filiada IELB desde o Batismo e desta comunidade h 6 anos, participante frequente, concedeu a entrevista em 08/05/2006.

    Neuza, sexo feminino, 29 anos, moradora do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, contadora (desempregada), tem o 2 Grau Completo, casada, filiada IELB desde os 5 anos de idade e desta comunidade h 12 anos, participante assdua, concedeu a entrevista em 18/03/2006.

    Ilga, sexo feminino, 42 anos, moradora do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, secretria de escola, cursou o ensino superior, casada, filiada IELB desde os 10 anos de idade e desta co-munidade h pouco mais de 6 anos, participante frequente, concedeu a entrevista em 18/05/2006.

    Carla, sexo feminino, 51 anos, moradora do centro, participante da Comunidade Do Sacramento, contadora, tem ensino superior, divor-ciada, filiada IELB desde os 20 anos de idade (era catlica antes) e desta congregao h 18 anos, participante frequente, concedeu a entrevista em 07/06/2006.

    Luciana, sexo feminino, 14 anos, moradora da periferia, participante da Comunidade Da Comunho, estudante, 1 ano do Ensino Mdio, solteira, filiada IELB e a esta Comunidade desde criana (pelo Batis-mo), participante assdua, concedeu entrevista em 12/05/2006.

    Bianca, sexo feminino, 16 anos, moradora da periferia, participante da Comunidade Da Comunho, estudante, 1 ano do Ensino Mdio, solteira, filiada IELB e a esta Comunidade desde os 9 anos (veio da Igreja Catlica), participante espordica, mas tem vontade de partici-par mais, concedeu a entrevista em 05/06/2006.

    Maria, sexo feminino, 26 anos, moradora da periferia, participante da

    Revista Agosto.indd 39 3/9/2009 23:46:53

  • Igreja Luterana

    40

    Comunidade Da Comunho, trabalha em servios gerais, tem o 1 grau completo, casada, filiada IELB e a esta Comunidade h 4 anos (veio da IECLB quando do seu casamento), participante regular, concedeu entrevista em 19/04/2006.

    Guilhermina, sexo feminino, 41 anos, moradora da periferia, parti-cipante da Comunidade Da Comunho, trabalha em lavanderia, tem 1 grau completo, casada e me de trs filhos, filiada IELB desde o Batismo e desta Comunidade h 6 anos (veio do interior para a cidade), participante assdua, concedeu entrevista em 16/05/2006.

    Clarice, sexo feminino, 54 anos, moradora da periferia, participante da Comunidade Da Comunho, cozinheira, no completou a 5 srie, casada, filiada IELB h menos de 1 ano, era catlica, participante assdua, concedeu a entrevista em 21/03/2006.

    CdigosUma vez transcritas as respostas s 26 perguntas do questionrio

    supramencionado, percebeu-se que vrios temas apareciam em quase todas as nfases da pesquisa. O pesquisador, guiado pelo contedo des-ses temas, aqui denominados de cdigos, agrupou-os pela ordem de importncia, ou seja, pelo nmero geral de suas referncias ao longo da pesquisa sobre o que mais importante para as pessoas quando se trata da Santa Ceia.

    Na nfase I - Sentido e importncia da Santa Ceia (perguntas 1 a 9 do questionrio) destacaram-se oito cdigos:

    1 - Traz perdo dos pecados (119 u.i.); 2 - Traz alvio e paz ao co-rao (84 u.i.); 3 - importante preparar-se para participar (62 u.i.); 4 - Ajuda na mudana de atitudes (53 u.i.); 5 - Fortalece e renova a f (50 u.i.); 6 - Recebe-se o corpo e o sangue de Cristo (48 u.i.); 7 - Oportuniza a comunho com Deus e com os irmos (34 u.i.); 8 - Receber a Santa Ceia traz salvao (26 u.i.).

    Na nfase II - O transcorrer da Santa Ceia: tudo o que lembra (perguntas 11 a 14) destacaram-se tambm oito cdigos:

    1 - Lembra dos hinos e da liturgia (47 u.i.); 2 - Traz perdo dos peca-dos (33 u.i.); 3 - Oportuniza a comunho com Deus e com os irmos (31 u.i.); 4 - importante consagrar os elementos (29 u.i.); 5 - importante preparar-se para participar (26 u.i.); 6 - Traz alvio e paz ao corao (23 u.i.); 7 - Recebe-se o corpo e o sangue de Cristo (21 u.i.); 8 - Lembra da instruo e primeira comunho (12 u.i.).

    Na nfase III - O lugar em que a Santa Ceia celebrada (per-guntas 15 a 17) destacaram-se seis cdigos:

    Revista Agosto.indd 40 3/9/2009 23:46:53

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    41

    1 - importante sentir-se bem no lugar da celebrao (73 u.i.); 2 - Oportuniza a comunho com Deus e com os irmos (22 u.i.); 3 - importante preparar-se para participar (12 u.i.); 4 - Traz alvio e paz ao corao (11 u.i.); 5 - Recebe-se o corpo e o sangue de Cristo (9 u.i.); 6 - Traz perdo dos pecados (9 u.i.).

    Na nfase IV - Quem participa da Santa Ceia (perguntas 18 a 20) destacaram-se os seguintes cdigos:

    1 - importante preparar-se para participar (42 u.i.); 2 - importan-te ser batizado e confirmado (38 u.i.); 3 - importante andar no caminho certo (25 u.i.); 4 - importante ser da igreja ou crer no que a nossa igreja ensina (23 u.i.); 5 - Recebe-se o corpo e o sangue de Cristo (22 u.i.); 6 - Traz perdo dos pecados (11 u.i.); 7 - Todos podem participar (6 u.i.); 8 - Traz alvio e paz ao corao (6 u.i.).

    Na nfase V - A atitude dos participantes da Santa Ceia (per-guntas 21 a 26) verificaram-se os cdigos abaixo:

    1 - importante andar no caminho certo (49 u.i.); 2 - Lembra da instruo e primeira comunho (43 u.i.); 3 - Oportuniza a comunho com Deus e com os irmos (38 u.i.); 4 - importante participar sempre (34 u.i.); 5 - Lembra dos hinos e da liturgia (33 u.i.); 6 - Traz alvio e paz ao corao (31 u.i.); 7 - importante preparar-se para participar (29 u.i.); 8 - Traz perdo dos pecados (24 u.i.).

    Hierarquia dos cdigos levantados na pesquisa social

    A hierarquia dos cdigos levantados na pesquisa sobre a Santa Ceia na teologia popular no mbito da IELB pode ser evidenciada na tabela abaixo:

    HIERARQUIA DOS CDIGOS LEVANTADOS NA PESQUISA SOCIAL

    Ordem Unidades de informao

    Cdigos

    1 196 Traz perdo dos pecados

    2 171 importante preparar-se para participar

    3 164 Traz alvio e paz ao corao

    4 142 Oportuniza a comunho com Deus e com os irmos

    5 105 Recebe-se o corpo e o sangue de Cristo

    Revista Agosto.indd 41 3/9/2009 23:46:53

  • Igreja Luterana

    42

    6 80 importante andar no caminho certo

    7 78 Lembra dos hinos e da liturgia

    8 78 importante sentir-se bem no lugar da celebrao

    9 59 Ajuda na mudana de atitudes

    10 55 Lembra da instruo e primeira comunho

    11 55 Fortalece e renova a f

    12 38 importante ser batizado e confirmado

    13 33 importante participar sempre

    14 29 importante consagrar os elementos

    15 26 Traz salvao

    16 23 importante ser da igreja ou crer no que a nossa igreja ensina

    17 23 Lembra-se de pessoas queridas

    18 6 Todos podem participar

    Outros 166 RESPOSTAS DIVERSAS

    Total Geral 1527

    Passemos descrio de cada um dos cdigos levantados na pesqui-sa social.

    2.2 QUEm PARTICIPA DA SANTA CEIA

    2.2.1 importante preparar-se para participar da Santa CeiaO presente cdigo apresenta uma das condies mais mencionadas

    para a participao na Santa Ceia ao longo de toda a pesquisa. impor-tante preparar-se para participar o segundo cdigo mais mencionado no cmputo geral, com 171 u.i. do total de 1527, superado apenas pelo cdigo Traz perdo dos pecados, com 196 u.i. As vinte pessoas entre-vistadas manifestam explicita e enfaticamente que preparar-se impor-tante para participar da Santa Ceia.

    Revista Agosto.indd 42 3/9/2009 23:46:53

  • a prtIca da Santa ceIa na Igreja evangLIca Luterana do BraSIL...

    43

    importante preparar-se para participar, alm de ser o segundo cdigo mais referido em toda a pesquisa182, tem uma relao muito pr-xima com outros cdigos. Preparar-se consiste em atitudes internas, tais como conhecer os pecados, pensar e pedir perdo em pensamento, e tambm atitudes concretas externas, tais como buscar por absolvio, confessar pecados, pedir perdo, chegar antes na igreja e fazer orao.

    Preparar-se , segundo as afirmaes supramencionadas, condio bsica para participar da Santa Ceia e para que esta traga salvao. , tambm, condio para que a pessoa tenha alvio e paz no corao, forta-lecimento da f e comunho com Deus. Diz-se que participar importante, mas que necessrio preparar-se para tal. Refora-se ainda mais que, para receber o perdo dos pecados necessrio fazer algo: preparar-se, arrepender-se, pensar nos pecados, pedir perdo, entregar-se para Deus.

    Percebe-se um forte componente penitencial e um grande receio de participar sem estar devidamente preparado, o que tornaria a partici-pao indigna. algo concreto e real sobre o qual se pensa, no qual a pessoa se concentra. Articula-se como a busca por renovao e o ato de pedir perdo pra Jesus183. Atravs do cdigo importante preparar-se para participar demonstra-se certo temor diante da Santa Ceia, pois participar dela sem esse preparo pode trazer consequncias negativas. A preocupao com este assunto to grande que, mesmo no caso de perguntas como Que diferena faz participar da Santa Ceia184 ou per-guntas acerca do local da celebrao, uma das respostas foi importan-te preparar-se para participar185. A nfase nessa condio muito mais negativa do que positiva, pois, se voc no estiver arrependido, voc re-cebe a Santa Ceia para sua condenao186. Fica evidente que, em ltima anlise, o que as pessoas esperam receber na Santa Ceia o perdo dos seus pecados e livrar-se da condenao. Fazer algo para poder participar aparece como elemento de fundamental importncia.

    2.2.2 importante andar no caminho certo (condio)O presente cdigo ocupa o sexto lugar na hierarquia geral das u.i.,

    com oitenta referncias do total de 1527, mesmo aparecendo somente na nfase quem participa na Santa Ceia. Nesta nfase o presente c-

    182 Anexo IV, p. 5.183 Anexo I, p. 10, linhas 31, 32.184 Anexo II, p. 61.185 Anexo II, p. 133.186 Anexo I, p. 1, linhas 22, 23.

    Revista Agosto.indd 43 3/9/2009 23:46:53

  • Igreja Luterana

    44

    digo aparece em terceiro lugar187. Percebe-se, assim, a relevncia dessa atitude como uma condio para participar da Santa Ceia.

    As mulheres mostram-se um pouco mais preocupadas com isso do que os homens188. A varivel mais significativa a faixa etria dos 50 anos ou mais, com praticamente o dobro de referncias do que a que est em segundo lugar. Os adolescentes ainda no se preocupam tanto com o assunto. Percebe-se, pois, que a vivncia e a experincia ajudam a fortalecer a conscincia do caminho certo.

    No se define propriamente o que andar no caminho certo, mas, valendo-se de situaes da vida, as pessoas entrevistadas tentam expli-car em que consiste e por que importante andar no caminho certo.

    Naturalmente, o presente cdigo tem uma relao prxima com os cdigos importante preparar-se para participar e a Santa Ceia ajuda na mudana de atitudes. A diferena que o primeiro fala de condies ou exigncias para uma participao proveitosa na Ceia, enquanto que o segundo fala das consequncias da participao.

    Ressalta-se que, para participar da Santa Ceia, deve-se ir de corao189, no ir por obrigao190 e estar consciente se pode ou no participar191. Qualquer pessoa pode participar da Santa Ceia, desde que esteja limpa, aja corretamente e ande no caminho certo. Existem ques-tes de comportamento que impediriam a participao na Santa Ceia, tais como manter uma conduta errada, contrria ao evangelho, e uma persistncia na maldade, roubo, crime e prostituio. mas no seriam as pessoas da congregao que as impediriam de participar. uma questo ntima entre a pessoa e Deus! igreja, neste caso, cabe falar que os que esto em situao assim, que se abstenham da participao na Santa Ceia, mas a deciso de participar ou no delas. Para poder participar tem que ter uma postura correta, uma vida de constante crescimento e de no permanncia no erro.

    Fica claro, portanto, que, mesmo que a grande maioria das pessoas entrevistadas admita que nenhuma pessoa deva ser impedida de parti-cipar na Santa Ceia, h, no entanto, uma grande preocupao com as atitudes. Nesse caso, andar no caminho certo se torna, sim, uma das condies para a participao. Mas no so as pessoas da congregao

    187 Anexo II, p. 146.188 Anexo IV, p. 7.189 Anexo I, p. 62, linha 14.190 Anexo I, p. 62, linhas 33, 34.191 Anexo I, p. 59, linhas 20-24.

    Revista Agosto.indd 44 3/9/2009 23:46:54