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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ENOQUE: UM LIVRO PROFÉTICO PARA O CRISTO POR FILIPE DE OLIVEIRA GUIMARÃES SÃO BERNARDO DO CAMPO 2015

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULOtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/330/1/Filipe de Oliveira2.pdf · professores distintos com quem tive a oportunidade de conviver e que deram

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  • UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO

    ENOQUE: UM LIVRO PROFTICO PARA O CRISTO

    POR

    FILIPE DE OLIVEIRA GUIMARES

    SO BERNARDO DO CAMPO

    2015

  • FILIPE DE OLIVEIRA GUIMARES

    ENOQUE: UM LIVRO PROFTICO PARA O CRISTO

    Tese apresentada em cumprimento s exigncias do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio da Universidade Metodista de So Paulo, para obteno do grau de Doutor. rea de Concentrao: Linguagens da Religio Orientador: Prof. Dr. Trcio Machado Siqueira

    SO BERNARDO DO CAMPO

    2015

  • A tese de doutorado sob o ttulo ENOQUE: UM LIVRO PROFTICO PARA O CRISTO, elaborada por FILIPE DE OLIVEIRA GUIMARES, foi defendida e aprovada em 17 de abril de 2015, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Trcio Machado Siqueira (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg (Titular/UMESP), Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia (Titular/UMESP), Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari (Titular/UNICAMP) e Prof.a Dr.a Eunice Simes Lins Gomes (Titular/UFPB).

    ________________________________________ Prof. Dr. Trcio Machado Siqueira

    Orientador e Presidente da Banca Examinadora

    ________________________________________ Prof. Dr. Helmut Renders

    Coordenador do Programa do PPGCR

    Programa: Cincias da Religio rea de Concentrao: Linguagens da Religio Linha de Pesquisa: Literatura e Religio no Mundo Bblico

  • A minha esposa Raquel e filhos Davi e Sarah,

    razo de todas as minhas conquistas.

  • AGRADECIMENTOS

    O doutorado foi um perodo intenso. Foram trs anos de extraordinrias experincias

    acompanhadas de uma alternncia de sensaes. Experimentamos a emoo de ver a famlia

    aumentar, mas tambm a tenso angustiante de quase ver a famlia diminuir, vivenciamos a

    alegria de fazer novos amigos e conviver com indivduos maravilhosos, acompanhado da

    saudade do aconchego de pessoas especiais que fazem parte da nossa histria, porm,

    encontram-se geograficamente distantes.

    No mbito acadmico desfrutamos da alegria e satisfao de experimentar progresso.

    Acima de tudo, sou grato a Deus pelas grandes conquistas que j integram a nossa vida

    profissional e fazem parte do nosso ser. Tambm sou imensamente grato minha esposa

    Raquel que me apoiou de uma forma preciosa ao permitir sobrecarregar-se por entender a

    minha necessidade de muitas vezes estar em um ambiente isolado, viajar, estar junto da

    academia ao invs da famlia, para que pudssemos dar conta de toda a demanda que um

    doutorado exige. Meu desejo que esta tese se converta em todo bem que ela merece.

    Tambm sou imensamente grato aos meus filhos, Davi e Sarah, por darem aos meus

    dias de tenso a leveza que s os limpos de corao so capazes de oferecer, que nos atingia

    atravs de um sorriso, do convite a uma brincadeira, ao pronunciarem um papai cheio de

    euforia quando eu chegava ao nosso domiclio. Recentemente, enquanto eu andava um pouco

    sobrecarregado na construo deste trabalho, desfrutei de uma sensao de suavidade ao ouvir

    a pequena, que est aprendendo a falar, pronunciar tese! O que me fez constatar que a

    profisso de docente continua tendo futuro no Brasil.

    Tenho especial gratido FAPESP por ter-me dado asas para voar! (literalmente

    utilizei aeronaves dezenas de vezes procura de bibliotecas especializadas). Por causa do

    importante investimento que a instituio faz em seus bolsistas, pude participar de congressos

    nacionais e internacionais e realizar pesquisas em vrias universidades, tais como: Oxford,

    Harvard, Cambridge, Edimburgo, Chicago, Boston, Notre Dame, Glasgow, Brandeis,

    McGill, Concordia, Toronto e Hebraica de Jerusalm, alm de fazer um curso de Arqueologia

    nesta ltima. Porm, sou grato, principalmente, porque a FAPESP me garantiu condies de

    cuidar da minha famlia durante todo o doutorado.

    Sou grato ao IEPG, que durante trs anos investiu em nossas pesquisas. Desejo

    destacar a pessoa do Prof. Dr. Jung Mo Sung pela grande colaborao (tanto atravs do IEPG

    como acadmica) e Ana Maria Fonseca que se tornou uma amiga, alm de ser uma excelente

    profissional junto ao IEPG.

  • Agradeo ao meu orientador Prof. Dr. Trcio Machado Siqueira, que participou

    ativamente de toda a minha vida acadmica. Tambm sou grato queles que considero

    coorientadores desta tese. Os professores: Vanderkam, James Charlesworth, Christopher

    Rowland, Gabriele Boccaccini, Lorenzo DiTommaso, Pierluigi, Loren Stuckenbruck,

    professores distintos com quem tive a oportunidade de conviver e que deram grandes

    contribuies para o resultado final deste trabalho.

    Tambm desejo registrar neste espao minha gratido ao amigo fillogo Bronson

    Brown-de Vost, que nos convidou a ficar hospedado em sua casa, junto sua maravilhosa

    famlia, durante minha passagem por Boston. Sou-lhe grato por todo bem que nos fez, pelas

    preciosas conversas que tivemos, pelos momentos de descontrao e por ter nos auxiliado

    junto s universidades de Brandeis e Harvard.

    Finalizo agradecendo a todos os amigos e familiares que direta ou indiretamente se

    fizeram presentes na concretizao deste trabalho. Destaco em especial minha me Jairene e

    minha sogra Carmlia que vrias vezes vieram a So Paulo para ajudar com a famlia durante

    os momentos em que tive que ausentar-me semanas viajando para realizar pesquisas.

    A Deus toda Honra, Glria e Louvor!

    http://apps.brandeis.edu/directory/run_query?attr=mailAcceptingGeneralId&clause=is&query=bronson&limit=Anyonehttp://apps.brandeis.edu/directory/run_query?attr=mailAcceptingGeneralId&clause=is&query=bronson&limit=Anyone

  • Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino

    e a sua justia, e todas estas coisas vos sero

    acrescentadas. Mt 6:33

    Jesus Cristo

  • RESUMO

    At o sculo IV d.C. era comum, entre os cristos, a leitura do livro pseudepgrafo de

    I Enoque. O embrio da rejeio comeou no sculo II, com Jlio Africano, e atingiu o seu

    auge no sculo IV com Agostinho de Hipona. Porm, o posicionamento oficial, no

    cristianismo ocidental, que descredenciou o escrito de I Enoque como uma literatura til f,

    deu-se no Conclio de Laodiceia (Sc. IV) que afirmou que os nicos nomes de anjos

    autorizados pelas Escrituras seriam o de Miguel, Gabriel e Rafael, afastando I Enoque (que

    cita vrios nomes de anjos) do cenrio teolgico, at pocas recentes no Ocidente. O grande

    personagem do cristianismo foi um homem reconhecido na Palestina como Rabi, ttulo que

    pressupunha o conhecimento das principais literaturas apreciadas pelos judeus. consenso

    entre a maioria dos estudiosos do Segundo Templo que o escrito de I Enoque ocupava um

    lugar distinto no cenrio literrio daquela poca. A presente tese nasceu de uma desconfiana

    plausvel, inserida dentro do contexto cultural do I sculo da era crist, de que Jesus Cristo

    conhecia o livro de I Enoque. Mas, no somente isso, a desconfiana evoluiu para a

    possibilidade de que ele tenha feito uso do escrito construindo ensinos embasados no mesmo.

    A pesquisa teve como objetivo geral: Pesquisar a relao entre Jesus de Nazar e o Escrito

    de I Enoque. No que se refere aos seus procedimentos tcnicos, a pesquisa de natureza

    bibliogrfica, exploratria e documental. Para que esta pesquisa ganhasse forma, fizemos uso

    da proposta historiogrfica do Jesus Histrico, bem como desenvolvemos uma metodologia

    chamada Anlise dos Ditos de Jesus (ADJ), para ser utilizada na investigao de ditos

    atribudos a Jesus contidos nos evangelhos. O primeiro captulo, alm de ser uma anlise do

    livro de I Enoque abordando o escrito sobre vrias perspectivas, foi construdo objetivando

    trazer academia brasileira as informaes mais recentes sobre as pesquisas relacionadas a

    I Enoque, em dilogo com os principais pesquisadores da obra. O segundo captulo foi

    desenvolvido com vistas a examinarmos, pela historiografia, o potencial de alguns ditos, de

    serem originrios da pessoa de Jesus. O terceiro e ltimo captulo apresenta uma aproximao

    entre os ditos trabalhados e o livro de I Enoque. O resultado final indica que a literatura

    enoqueana pode ter ocupado um lugar de destaque entre os escritos estimados por Jesus

    Cristo.

    Palavras-chaves: Jesus Histrico. I Enoque. Enoque. Cristianismo Primitivo. Segundo

    Templo. Evangelhos. Memria. Tradio Oral.

  • ABSTRACT

    Until the fourth century AD, was common among Christians, to read the book of I Enoch. The

    embryo of rejection began in the second century, with Julius Africanus, and reached its peak

    in the fourth century with Augustine of Hippo. However, the official position, in Western

    Christianity, which rejected the writing of I Enoch as a useful literature to faith, happened at

    the Council of Laodicea (century IV) who said that the only names of angels authorized by

    the Scriptures would be the Miguel, Gabriel and Raphael. this position deleted the book of

    Enoch (book that makes reference to several names of angels) from the books useful for

    theological research, until recent times in the West. The great character of Christianity was a

    man recognized in Palestinian as Rabbi. This title presupposes knowledge of the main

    literature enjoyed by the Jews. The consensus among most of the Second Temple scholars, is

    that the writing of I Enoch occupied a distinct place in the literary scene of that time. This

    thesis was born from a plausible suspicion, which is embedded within the cultural context of

    the I century AD, that Jesus knew the Book of I Enoch. But not only that, distrust develops in

    the possibility that he has studied the writing and he built teachings based on that text. The

    research had as general objective: Find the relationship between Jesus of Nazareth and the

    Written I Enoch. With regard to its technical procedures, research is bibliographic,

    exploratory and documentary. For this research to gain form, we used the historiographical

    proposal of the Historical Jesus, and have developed a methodology called Analysis of the

    Sayings of Jesus (ASJ), for use in the investigation of sayings attributed to Jesus contained in

    the Gospels. The first chapter, besides being a book review of I Enoch addressing the book on

    various perspectives, was built aiming to bring the Brazilian Academy the latest information

    on research related to I Enoch, in dialogue with the principal investigators of this literature.

    The second chapter was developed in order to examine by historiography, the potential of

    some words recorded in the Gospels in being originates from the person of Jesus. The third

    and last chapter presents an approach among words that were examined and the Book of I

    Enoch. The end result indicates that the literature of Enoch may have occupied a prominent

    place among the estimated written by Jesus Christ.

    Key Words: Historical Jesus. I Enoch. Enoch. Early Christianity. Second Temple. Gospels.

    Memory. Oral Tradition.

  • RESUMEN

    Hasta el siglo IV dC fue comn entre los cristianos, la lectura del libro de Enoc. El embrin

    de rechazo se inici en el siglo II, con Julio Africano, y alcanz su apogeo en el siglo cuarto

    con Agustn de Hipona. Sin embargo, la posicin oficial, en el cristianismo occidental, que

    descredenciou la escritura de I Enoc como una literatura til a la fe, sucedi en el consejo de

    Laodicea (siglo. IV). Este consejo afirm que los nicos nombres de ngeles autorizados por

    las Escrituras sera el Miguel, Gabriel y Rafael. Esta posicin fue responsable de excluir Enoc

    (este libro cita varios nombres de ngeles) la escena teolgica, hasta tiempos recientes en el

    Oeste. El gran personaje del cristianismo era un hombre conocido como Rab en Palestina.

    Este ttulo presupone el conocimiento de la literatura principal gozan los Judios. El consenso

    entre la mayora de los estudiosos del Segundo Templo, que la escritura de I Enoc ocupaba un

    lugar distinto en la escena literaria de la poca. Esta tesis nace de una sospecha plausible, que

    se inscribe en el contexto cultural del siglo I, que Jess saba da existencia de Enoc. Pero no

    slo eso, la desconfianza se convierte en la posibilidad de que l ha estudiado el escrito y

    construido enseanzas basado en el libro. La investigacin tuvo como objetivo general:

    Encontrar la relacin entre Jess de Nazaret y el I Escrito Enoc. En relacin con sus

    procedimientos tcnicos, la investigacin es bibliogrfica, exploratoria y documental. Para

    esta investigacin ganar forma, utilizamos la propuesta historiogrfica del Jess histrico, y

    hemos desarrollado una metodologa denominada Anlisis de los Dichos de Jess (ADJ), para

    su uso en la investigacin de dichos atribuidos a Jess contenida en los Evangelios. El primer

    captulo es una resea del libro de Enoc y direcciones escritas en diversos puntos de vista, fue

    construido con el objetivo de llevar la Academia Brasilea de la informacin ms reciente

    sobre las bsquedas relacionadas el libro de I Enoc, en dilogo con los investigadores

    principales del libro. El segundo captulo fue desarrollado con el fin de examinar con la

    historiografa, el potencial de algunos dichos registra en los Evangelios, proceden de la

    persona de Jess. El tercer y ltimo captulo presenta un enfoque trabajado entre los dichos y

    el libro de Enoc. El resultado final indica que el libro de Enoc pudo haber ocupado un lugar

    destacado entre los libros importante para Jess.

    Palabras clave: Jess histrico. I Enoc. Enoc. El cristianismo primitivo. Segundo Templo.

    Evangelios. Memoria. Tradicin Oral.

  • SIGLAS E ABREVIATURAS

    LIVROS DA BBLIA

    Gn

    Gnesis

    Lv Levtico

    I Rs Primeiro Reis

    Sl Salmos

    Is Isaas

    Ez Ezequiel

    Dn Daniel

    Mt Mateus

    Mc Marcos

    Lc Lucas

    Jo Joo

    At Atos

    I Pe Primeiro Pedro

    Jd Judas

    DOCUMENTOS ANTIGOS

    Ena

    Primeira cpia do livro de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Enb Segunda cpia do livro de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Enc Terceira cpia do livro de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    End Quarta cpia do livro de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Ene Sexta cpia do livro de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Enf Sexta cpia do livro de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Eng Stima cpia do livro de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Enastra Primeira cpia do livro astronmico de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Enastrb Segunda cpia do livro astronmico de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Enastrc Terceira cpia do livro astronmico de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    Enastrd Quarta cpia do livro astronmico de Enoque encontrada na caverna 4 de Qumran

    4QEna 1iii Caverna IV, primeira cpia do livro de Enoque, fragmento 1iii

  • OUTRAS ABREVIAES E SIGLAS

    a.C.

    Antes de Cristo

    ADJ Anlise dos Ditos de Jesus

    A.T.

    Cap.

    Antigo Testamento

    Captulo

    C.R. Cincias da Religio

    d.C.

    DJD

    Depois de Cristo

    Discoveries in the Judaean Desert

    EOTC Ethiopian Orthodox Tewahedo Church

    I En Primeira Enoque

    II En Segunda Enoque

    III En Terceira Enoque

    IAA Israel Antiquities Authority

    Ibid.

    Id.

    loc. cit.

    N.T.

    op. cit.

    Ibidem (do mesmo autor e do mesmo livro)

    Idem (do mesmo autor)

    lugar citado

    Novo Testamento

    obra citada

    OTA Old Testament Apocrypha

    OTP Old Testament Pseudepigrapha

    Sc. Sculo

    A.T.

    VTP

    Velho Testamento

    Velho Testamento Pseudoepigrfico

    http://en.wikipedia.org/wiki/Ethiopian_Orthodox_Tewahedo_Church

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 - Cesareia Martima........................................................................................... 31

    Figura 2 - Arena de jogos em Cesareia Martima............................................................ 31

    Figura 3 - Fortaleza de Massada...................................................................................... 32

    Figura 4 - Stio arqueolgico de Qumran........................................................................ 33

    Figura 5 - Miqv em Qumran.......................................................................................... 34

    Figura 6 - Cemitrio em Qumran..................................................................................... 35

    Figura 7 - Refeitrio em Qumran.................................................................................... 36

    Figura 8 - Curral em Qumran.......................................................................................... 37

    Figura 9 - Santurio do Livro localizado no Museu de Israel......................................... 39

    Figura 10 - Caverna IV em Qumran.................................................................................. 40

    Figura 11 - Fragmento Aramaico 1................................................................................... 44

    Figura 12 - British Library................................................................................................. 49

    Figura 13 - Muralhas no topo de Massada......................................................................... 85

    Figura 14 - Cisterna no interior de Massada...................................................................... 86

    Figura 15 - Dispensa em Massada..................................................................................... 86

    Figura 16 - Terraos encontrados no topo de Massada..................................................... 87

    Figura 17 - Sauna em Massada.......................................................................................... 87

    Figura 18 - Runa de acampamento construdo pelos romanos em Massada.................... 88

    Figura 19 - Rampa construda pelos romanos................................................................... 88

    Figura 20 - Runas de Cafarnaum...................................................................................... 90

    Figura 21 - Mosaico em antiga sinagoga de Sforis.......................................................... 90

    Figura 22 - Mateus como fonte primria........................................................................... 101

    Figura 23 - Marcos como fonte primria........................................................................... 101

    Figura 24 - Tribo na Amaznia......................................................................................... 123

    Figura 25 - Fragmento aramaico 2..................................................................................... 145

    Figura 26 - Fragmento Aramaico 2.1................................................................................ 145

    Figura 27 - Fragmento Aramaico 2.2................................................................................ 146

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Livro dos Vigilantes (Cap. 1-36).................................................................. 40

    Tabela 2 - Livro das Parbolas (Cap. 37-71)................................................................. 40

    Tabela 3 - Livro Astronmico (Cap. 72-82).................................................................. 41

    Tabela 4 - Livro dos Sonhos (Cap. 83-90)..................................................................... 41

    Tabela 5 - Epstola de Enoque (Cap. 91-108)................................................................ 41

    Tabela 6 - Primeiro Dito................................................................................................ 136

    Tabela 7 - Segundo Dito................................................................................................ 137

    Tabela 8 - Terceiro Dito................................................................................................. 138

    Tabela 9 - Quarto Dito .................................................................................................. 139

    Tabela 10 - Quinto Dito .................................................................................................. 140

    Tabela 11 - Sexto Dito .................................................................................................... 141

    Tabela 12 - Traduo de 4QEnc 1i.................................................................................. 146

    Tabela 13 - Expresso Filho do Homem na Bblia.......................................................... 153

    Tabela 14 - Filho do Homem: Significado em Ezequiel, Daniel e Parbolas................. 156

    Tabela 15 - Significados para a expresso Filho do Homem.......................................... 157

    Tabela 16 - Os ais nos evangelhos............................................................................... 165

    Tabela 17 - Os ais no Antigo Testamento e no livro de I Enoque............................... 166

  • SUMRIO

    INTRODUO...................................................................................................................... 16

    1 SOBRE I ENOQUE: ENTRE O CONTEXTO REDACIONAL E A

    ATUALIDADE....................................................................................................................... 23

    1.1 Enoque: um escrito proeminente ................................................................................. 23

    1.2 O Perodo do Segundo Templo e o helenismo: um breve esboo ............................. 25

    1.3 O livro aramaico de I Enoque e sua relao com Qumran ....................................... 33

    1.4 O Livro grego de I Enoque ........................................................................................... 45

    1.5 O livro etope de I Enoque ............................................................................................ 46

    1.6 O livro eslavo de Enoque ou II Enoque ....................................................................... 50

    1.7 O livro hebraico de Enoque ou III Enoque ................................................................. 52

    1.8 Origem redacional de I Enoque ................................................................................... 53

    1.9 O gnero literrio de I Enoque .................................................................................... 55

    1.10 I Enoque: apcrifo ou pseudoepgrafo? ...................................................................... 58

    1.11 I Enoque: um registro de tradies orais .................................................................... 62

    1.12 O contedo do livro pseudoepgrafo de I Enoque ...................................................... 67

    1.12.1 Livro dos Vigilantes (1-36) .......................................................................................... 69

    1.12.2 Livro das Parbolas (37-71) ......................................................................................... 71

    1.12.3 Livro Astronmico (72-82) ........................................................................................... 71

    1.12.4 Livro dos Sonhos (83-90) ............................................................................................. 71

    1.12.5 Epstola de Enoque (91-105) ....................................................................................... 72

    1.12.6 O Nascimento de No (106-107) .................................................................................. 72

    1.12.7 O Livro Final de Enoque (108)..................................................................................... 72

    1.13 Seminrio de Enoque ................................................................................................... 72

    2 DITOS HISTORIOGRFICOS DE JESUS DE NAZAR ...................................... 75

    2.1 Fases da pesquisa histrica da vida de Jesus .............................................................. 75

    2.1.1 Primeira fase da pesquisa historiogrfica da vida de Jesus ............................................. 76

    2.1.2 Segunda fase da pesquisa historiogrfica da vida de Jesus ............................................ 77

    2.1.3 Terceira fase da pesquisa historiogrfica da vida de Jesus ............................................. 77

    2.1.4 Quarta fase da pesquisa historiogrfica da vida de Jesus ............................................... 80

    2.1.4.1 Grego: uma lngua utilizada por Jesus em seu ministrio ........................................... 82

    2.1.5 Quinta fase da pesquisa historiogrfica da vida de Jesus ................................................ 94

  • 2.1.5.1 O lugar do documento Q no estudo do Jesus Histrico ............................................... 99

    2.2 O calcanhar de Aquiles da metodologia do Jesus Histrico ................................ 102

    2.3 Histria das Religies: proposta metodolgica de Mircea Eliade .......................... 106

    2.4 Tillich: ponderaes sobre o Jesus Histrico ........................................................... 116

    2.5 Memria nos Evangelhos: entre a preservao e transmisso de ditos ................. 121

    2.6 Anlise dos Ditos de Jesus (ADJ): Proposta metodolgica brasileira para a

    investigao historiogrfica dos ditos de Jesus .................................................................. 131

    2.6.1 Etapas da ADJ ............................................................................................................... 132

    2.6.2 Analisando os ditos de Jesus ........................................................................................ 135

    2.6.2.1 Primeiro dito .............................................................................................................. 136

    2.6.2.2 Segundo dito ............................................................................................................... 137

    6.2.2.3 Terceiro dito ............................................................................................................... 138

    2.6.2.4 Quarto dito ................................................................................................................. 139

    2.6.2.5 Quinto dito .................................................................................................................. 140

    2.6.2.6 Sexto dito .................................................................................................................... 141

    3 RELAO DO JESUS HISTRICO COM O LIVRO DE I ENOQUE .............. 142

    3.1 O Livro dos Vigilantes (1-36) e sua relao com o Jesus Histrico ........................ 142

    3.2 O Livro das Parbolas (37-71) e sua relao com o Jesus Histrico ...................... 147

    3.3 O Livro Astronmico (72-82) e sua relao com o Jesus Histrico ........................ 157

    3.4 O Livro dos Sonhos (83-90) e sua relao com o Jesus Histrico ........................... 160

    3.5 A Epstola de Enoque (91-105) e sua relao com o Jesus Histrico ...................... 162

    CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................. 166

    REFERNCAS..................................................................................................................... 172

    APNDICE A ....................................................................................................................... 181

    APNDICE B ....................................................................................................................... 182

    APNDICE C ....................................................................................................................... 190

  • 16

    INTRODUO

    I Enoque uma das literaturas mais fascinantes redigida na poca do Segundo

    Templo. O fascnio reside na constatao de que este escrito uma chave capaz de abrir

    portas para a compreenso de escritos cannicos, o que tambm significa compreenso das

    crenas presentes na cultura relacionadas ao Antigo Testamento e outras ao Novo Testamento

    (N.T.). Ele uma espcie de pedra literria que os telogos posteriores a Agostinho

    rejeitaram, e que veio a ser a principal pedra angular para compreenso de algumas crenas

    relevantes que marcaram o judasmo e o cristianismo primitivo.

    O nosso interesse em pesquisar a literatura enoqueana comeou no ano de 2002,

    quando estudava o livro de Judas e nos deparamos com a seguinte passagem: e a anjos, os

    que no guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu prprio domiclio, ele tem

    guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juzo do grande Dia (Jd 6). Um pouco mais

    adiante lemos:

    Quanto a estes foi que tambm profetizou Enoque, o stimo depois de Ado, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas mirades, para exercer juzo contra todos e para fazer convictos todos os mpios, acerca de todas as obras mpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes que mpios pecadores proferiram contra ele (Jd 14,15).

    Procuramos entre os livros veterotestamentrios textos que fizessem conexo com as

    palavras de Judas sobre os anjos que no guardaram o seu estado original, abandonaram o

    seu domiclio, esto guardados em trevas, bem como a profecia que Judas atribui a

    Enoque, mas no encontramos nada nos textos bblicos, acentuando ainda mais nossa

    curiosidade. E por que no os encontramos? Naturalmente, porque esta citao textual e

    crenas no se encontram l! Esto em I Enoque. Porm, naquela ocasio nunca tnhamos

    ouvido falar do livro de Enoque.

    Nos anos que se seguiram, por causa do labor acadmico relacionado aos cursos de

    Teologia e Administrao de Empresas, no tivemos tempo de nos dedicarmos a essa

    investigao. Vez por outra pensvamos no assunto, mas ainda no era chegada a hora de o

    mesmo ocupar a nossa escrivaninha.

    Em 2009 chegou o momento de iniciar a investigao, no de uma forma acadmica,

    mas autodidata. O primeiro escrito com que tivemos contato, na literatura brasileira,

    relacionado ao assunto foi o livro de Caio Fbio chamado Nephilim, que uma literatura

  • 17

    ficcional que se utiliza de I Enoque. A partir de ento, aos poucos comevamos a adentrar ao

    mundo literrio do Segundo Templo.

    Em 2010 tivemos a oportunidade de, finalmente, levar o nosso anseio investigativo

    para o ambiente acadmico. Ingressamos no Programa de Ps-Graduao em Cincias das

    Religies (PPGCR) da Universidade Federal da Paraba (UFPB), para fazer o mestrado,

    desenvolvido em parceria com a UMESP (sanduche) e concludo em 2011 com a defesa da

    dissertao: Enoque: nos bastidores de crenas angelolgicas no cristianismo primitivo.

    Finalizamos o mestrado com uma plausvel desconfiana de que existiam provveis

    relaes entre I Enoque e os Evangelhos. Em dezembro de 2011 recebemos a notcia que

    havamos passado no processo seletivo da UMESP e em maro de 2012 iniciamos o

    doutorado com o objetivo de investigar se o Jesus Histrico conheceu e utilizou o livro de

    I Enoque na construo de alguns dos seus ensinamentos.

    At o sculo IV d.C. era comum, entre os cristos, a leitura do livro pseudepgrafo de

    I Enoque. O embrio da rejeio comeou no sculo II, com Jlio Africano, e atingiu o seu

    auge no sculo IV com Agostinho de Hipona. Porm, o posicionamento oficial, no

    cristianismo institucionalizado, que descredenciou o escrito de I Enoque como uma literatura

    til f, deu-se no Conclio de Laodiceia (Sc. IV) que afirmou que os nicos nomes de anjos

    autorizados pelas Escrituras seriam o de Miguel, Gabriel e Rafael, afastando I Enoque (que

    cita vrios nomes de anjos) do cenrio teolgico, at pocas recentes no Ocidente.

    Os ciclos protestantes foram bastante eficazes em evitar obras semelhantes aos livros

    de Enoque, desenvolvendo slogans que rebaixassem literaturas produzidas no Perodo

    Interbblico1. Telogos, falaram desse perodo como o perodo dos 400 anos do silncio

    divino ou 400 anos do silncio proftico. Estas frases de efeito tinham a inteno de

    desviar o olhar exegtico de obras no cannicas que se acreditava no ter algo de muito

    positivo a oferecer.

    Porm, desde o sculo XVIII, quando o Ocidente voltou a ter contato com o Livro de

    I Enoque, um processo investigativo exegtico de literaturas produzidas na poca do Segundo

    Templo passou a fazer parte dos anseios da comunidade cientfica interessada em conhecer o

    cristianismo primitivo, bem como o judasmo desenvolvido naquele perodo.

    Nomes como J. B. Migne, R. Laurence, R. H. Charles, foram basilares na investigao

    de Enoque, principalmente nos sculos XIX e XX, revelando a importncia desse escrito para

    a investigao teolgica. Com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, em meados do

    1 O perodo de 400 anos anteriores era crist.

  • 18

    sc. XX, o interesse pela literatura ampliou-se, aps a constatao arqueolgica de que este,

    de fato, era um escrito anterior era crist, ao ponto de que hoje grandes estudiosos

    consideram I Enoque a mais importante obra literria produzida na poca do Segundo

    Templo.

    Estamos convencidos de que todos os interessados em conhecer o cristianismo

    primitivo e entender melhor o texto neotestamentrio, ou mesmo o judasmo daquele perodo,

    deveriam interessar-se por I Enoque. A presente investigao constatou que este escrito pode

    estar presente no N.T. mais do que se pensava, posto que muito provavelmente foi um escrito

    apreciado e estudado por Jesus de Nazar.

    Baseado na hiptese de que Jesus conhecia o Livro de Enoque, a pesquisa teve como

    objetivo geral: Pesquisar a relao entre Jesus de Nazar e o Escrito de I Enoque. Este est

    formulado nas seguintes constataes:

    1 - I Enoque citado explicitamente em textos cannicos.

    2 - Os evangelhos descrevem Jesus como Rabi, o que pressupunha amplo conhecimento da

    literatura judaica.

    3 - Distintos escritos judaicos anteriores era crist, como por exemplo, o Livro dos

    Jubileus, Testamento dos 12 Patriarcas, Testamento de Naftali, Orculos Sibilinos e

    Documento de Damasco, citam I Enoque.

    4 - Diversos Pais da Igreja utilizaram Enoque, a exemplo de Justino o Mrtir, Atengoras,

    Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Cipriano de Cartago, o que mostra a importncia

    da literatura enoquiana no cristianismo primitivo.

    Em relao aos objetivos especficos a pesquisa buscou:

    1 - Apresentar a importncia do Livro de I Enoque no judasmo do Segundo Templo.

    2 - Comprovar, pela cincia historiogrfica, que alguns ditos que os evangelhos atribuem a

    Jesus possuem elevadas chances de serem autnticos.

    3 - Verificar se h relao entre o Livro de I Enoque e provveis ditos do Jesus Histrico

    presentes nos evangelhos cannicos.

    No que se refere aos seus procedimentos tcnicos, a pesquisa de natureza

    bibliogrfica, exploratria e documental. A pesquisa bibliogrfica procura auxiliar na

    compreenso de um problema a partir de referncias publicadas em documentos. Ela se

    caracteriza pela leitura, anlise e interpretao de livros e artigos visando ao conhecimento

    das diferentes contribuies cientficas disponveis sobre determinada temtica, alm de

    buscar conhecer e analisar contribuies culturais, ou cientficas, do passado sobre

  • 19

    determinado assunto, tema ou problema2. A pesquisa tambm de natureza documental, posto

    que analisou fontes originais, a saber: fragmentos de manuscritos encontrados em Qumran.

    O procedimento exploratrio busca maiores informaes sobre o assunto investigado.

    Tem como caractersticas principais a busca por familiarizar-se ou obter nova percepo do

    fenmeno e descobrir novas ideias ou identificar as relaes existentes entre os elementos

    componentes do fenmeno. Sua metodologia bastante flexvel para analisar diversos

    aspectos do problema, recomendada quando se detectam poucos conhecimentos sobre a

    questo a ser investigada3.

    Fizemos uso do mtodo qualitativo que , basicamente, aquele que busca entender um

    fenmeno em profundidade. Diferente da quantitativa que se utiliza de estatsticas, regras e

    outras generalizaes, a pesquisa qualitativa trabalha com descries, interpretaes e

    comparaes. Ela possui um carter mais aberto e, portanto, menos controlvel, concedendo

    ao pesquisador mais subjetividade na anlise. A pesquisa qualitativa tambm envolve a

    interpretao, anlise de dados, utilizao de descries e narrativas4.

    Procedemos metodologicamente da seguinte forma:

    1 - Selecionamos textos nos evangelhos em que percebemos potencial relacional com o livro

    de I Enoque.

    2 - Aplicamos uma metodologia que desenvolvemos com base nas pesquisas do Jesus

    Histrico, visando atestar a capacidade de historicidade do material selecionado.

    3 - Aps comprovao que o material (ditos de Jesus) carregava grande potencial

    historiogrfico no que tange ligao com Jesus de Nazar, passamos para a etapa seguinte

    que era fazer comparaes entre os ditos evanglicos e o material selecionado em I Enoque,

    buscando averiguar semelhanas que indicassem a possibilidade de Jesus ter utilizado o livro

    de I Enoque.

    Quando comeamos a refletir sobre a melhor alternativa cientfica para

    desenvolvermos esta tese, deparamo-nos com o primeiro problema para resolvermos a fim de

    validarmos a nossa pesquisa no meio acadmico, que era: como provar que os ditos que

    desejaramos trabalhar nos evangelhos poderiam ser palavras de Jesus? Como Jesus no

    deixou nada escrito, tnhamos um grande desafio pela frente.

    Em um primeiro momento entendemos a necessidade de fazer os 400 anos de

    silncio falarem, tendo em vista que esta voz muito preciosa por trs motivos 2 CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia cientfica: para uso dos estudantes universitrios. 3.ed. So

    Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1983, p. 55. 3 RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: mtodos e tcnicas. So Paulo: Atlas, 1989. 4 Id. Pesquisa Social. 5. ed. So Paulo: Atlas, 1999.

  • 20

    principais: oferece compreenses mais ntidas do mundo sociopoltico que j se encontrava

    desenvolvido na poca da redao dos evangelhos, apresenta o nascedouro literrio de

    I Enoque e a grande influncia desse escrito naquele momento histrico que antecedeu o

    incio do Cristianismo.

    Assim, a resultante desta primeira fase foi o primeiro captulo, que entendemos ser o

    background da tese. Nele trabalhamos elementos que julgamos ser de grande importncia para

    esta pesquisa, pois ajudam a ampliar o nosso entendimento sobre acontecimentos histricos

    relacionados ao perodo do Segundo Templo, alm de nos atualizar sobre as pesquisas que

    envolvem a literatura enoquita.

    O primeiro captulo, denominado Sobre I Enoque: entre o contexto redacional e a

    atualidade, apresenta-nos, entre outras coisas, a relao do perodo do Segundo Templo e o

    helenismo, fala-nos da Palestina na poca dos romanos, o pensamento dos principais

    estudiosos acerca de I Enoque, o direcionamento que as pesquisas tm tomado e nossas

    consideraes sobre questes tcnicas relacionadas ao escrito.

    O segundo captulo o corao da tese. Quando avalivamos o melhor caminho

    metodolgico para resolver o problema de comprovar para a academia que os ditos que

    desejvamos estudar tinham potencial de serem palavras originrias em Jesus, entendemos

    que a melhor alternativa cientfica era utilizar a proposta historiogrfica do Jesus Histrico.

    Iniciava-se, ento, o nosso labor rumo constatao, pela historiografia, da probabilidade de

    relao dos ditos presentes nos evangelhos e a pessoa de Jesus5.

    Inicialmente apresentamos as vrias fases da pesquisa do Jesus Histrico buscando

    visualizar os principais pontos fortes e fracos da pesquisa, bem como os principais estudiosos

    do assunto e suas propostas metodolgicas. Apresentamos, tambm, uma teoria acerca dos

    idiomas falados por Jesus, onde defendemos que eram trs, sendo que o grego tem grandes

    chances de ter sido o mais utilizado.

    Aps resolvermos o problema da escolha Campo cientfico para desenvolvermos

    nossas pesquisas, entendemos a necessidade de darmos mais sustentao metodologia,

    abordando a temtica da tradio oral. No h dvidas de que no mnimo se passaram vinte

    anos entre as palavras proferidas por Jesus e a redao dos evangelhos, o que gera o seguinte 5 O estudo do Jesus Histrico, em solo brasileiro, pode ser considerado relativamente novo, apesar de ter

    alcanado maturidade. As propostas, pouco a pouco, esto saindo do casulo e ganhando asas no s nos ciclos acadmicos, mas tambm nos populares. Atualmente, j possvel encontrarmos revistas sobre o assunto em bancas de jornal, como o caso da revista Jesus: o homem que mudou a histria, publicada pela editora On line e que foi para as bancas em dezembro de 2013, apresentando uma construo do Jesus Histrico acessvel sociedade. Somem-se a isto os documentrios produzidos sobre o tema e reportagens dedicadas ao assunto.

  • 21

    questionamento: ser que o registro de palavras aps dcadas do seu pronunciamento

    confivel? A pesquisa demonstra que existe a possibilidade da autenticidade.

    Durante a construo da tese constatamos a realidade de que o cenrio das pesquisas

    do Jesus Histrico no Brasil j estava amadurecido, porm no existia nenhuma metodologia

    proposta por pesquisadores brasileiros para investigao dos ditos de Jesus, o que nos

    conduziu ao desafio de construir uma metodologia para este fim, que chamamos Anlise dos

    Ditos de Jesus (ADJ), atravs da qual pudemos analisar, dentro de parmetros de natureza

    mais cientfica, os ditos necessrios a esta investigao.

    Um nome fundamental para desenvolvermos a metodologia ADJ foi o do geneticista

    Newton Maia, pertencente a uma rea cujo entendimento do que seja cincia de natureza

    menos flexvel, ou, como diria Eliade, mais duro. Seu livro Verdades da cincia e outras

    verdades: a viso de um cientista deu-nos a segurana de construir um modelo metodolgico

    que esteja adequado s expectativas da cincia.

    O terceiro e ltimo captulo entendemos ser os culos embaados da tese. Atravs

    desta expresso, referimo-nos capacidade de enxergar, porm sem tanta nitidez. Como

    explicamos com mais riqueza de detalhes no trabalho, cientificamente, seria um erro

    construirmos uma tese, da natureza da nossa, baseada na metodologia do Jesus Histrico, e

    apresentssemos resultados que afirmem certezas sobre a pessoa de Jesus. A metodologia

    historiogrfica no nos d condies de atingir este nvel.

    A linguagem que ela nos permite falar : existe grande probabilidade de..., as

    evidncias apontam para uma possvel, existem grandes chances de..., existe um alto grau

    de probabilidade etc. S atravs desta linguagem no incorremos no erro que Tillich apontou

    como sendo o fracasso da pesquisa do Jesus Histrico. Ou seja, afirmar certezas, quando a

    historiografia s possui condies metodolgicas, ou aporte metodolgico, suficientes para

    gerar resultados que indiquem possibilidades.

    nestes termos que, no terceiro captulo, fizemos anlises comparativas entre textos

    selecionados em I Enoque e textos selecionados nos evangelhos, atestados pela ADJ como

    tendo grande potencial de pertenceram ao Jesus Histrico, o que nos conduziu concluso de

    que possivelmente Jesus tenha estudado o livro de I Enoque e construdo alguns dos seus

    ensinos baseados nesse escrito.

    Registramos que a maioria dos textos utilizados nesta investigao est originalmente

    em ingls e que todas as citaes so resultantes de tradues realizadas pelo autor da tese.

    Evitando ser repetitivo tendo que escrever notas do tipo traduo do autor, o que

  • 22

    aconteceria frequentemente no trabalho, achamos conveniente registrar este fato na introduo

    da tese ao invs de notificar na redao dos captulos.

  • 23

    1 SOBRE I ENOQUE: ENTRE O CONTEXTO REDACIONAL E A ATUALIDADE

    Este captulo, alm de ser uma anlise do livro de I Enoque abordando o escrito sobre

    vrias perspectivas6, foi construdo objetivando trazer academia brasileira as informaes

    mais recentes sobre as pesquisas relacionadas a I Enoque, em dilogo com os principais

    pesquisadores da obra.

    Iniciamos com uma seo que descreve sobre a importncia da pesquisa de

    I Enoque para o estudo do cristianismo primitivo e pesquisa bblica. Na sequncia trazemos

    um breve estudo sobre o perodo do Segundo Templo, visando ao entendimento do contexto

    histrico judaico em que a obra foi redigida. Tambm abordamos a relao I Enoque com

    Qumran, bem como trouxermos informaes sobre as principais tradues do escrito, a saber:

    aramaica, grega e etope (principalmente esta ltima). A ttulo informativo comentamos

    brevemente os livros de II Enoque e III Enoque.

    As outras sees nos ajudaro a obter noes sobre a geografia redacional de I Enoque

    e antiguidade do escrito. Tambm apresentamos uma nova percepo para classificarmos o

    gnero literrio de I Enoque baseado em novas abordagens sobre o assunto. Na tentativa de

    diluir um pouco da confuso sobre a diferena entre livro apcrifo e livro pseudoepgrafo,

    escrevemos uma seo sobre esta temtica.

    As ltimas sees so destinadas a uma compreenso interna do escrito. Uma foi

    construda para demonstrar que I Enoque faz uso de tradies orais anteriores ao seu perodo

    redacional, outra se destina a apresentar um breve resumo do seu contedo e por ltimo

    ltimo apresentamos comentrios sobre o principal evento mundial voltado ao estudo da obra

    enoquita. Ensejando dar maior dinmica nossa redao, selecionamos uma srie de imagens,

    fruto do nosso trabalho de campo, que ajudaro na visualizao do contedo.

    1.1 I Enoque: um escrito proeminente

    Resgistros dos sculos XIX e XX, anteriores descoberta dos manuscritos de Qumran,

    revelam a percepo de especialistas, a exemplo de Laurence, acerca da importncia deste

    escrito:

    6 Alguns termos sinnimos de Livro de I Enoque que utilizamos na construo da tese so: Livro de Enoque,

    Livros de Enoque, Livros de Enoch, I Enoque, I Enoch, tradio enoqueana, tradio enoquiana, literatura enoquiana e tradio enoquita.

  • 24

    No iremos questionar aqui o fato de que o autor foi sem inspirao; mas, apesar de sua produo como apcrifo7 [...], contm muita verdade moral, bem como religiosa; e pode ser justamente considerado como um padro correto da doutrina da poca em que foi composto8.

    No ano de 1858, Migni afirmou que I Enoque um dos mais clebres livros

    apcrifos9. Para R. H. Charles, a influncia que I Enoque possui na redao do Novo

    Testamento bem maior do que a de todos os outros livros apcrifos e pseudoepgrafos

    tomados em conjunto10. O mesmo tambm afirmou que o livro de Enoque para a histria

    do desenvolvimento teolgico o mais importante escrito desenvolvido nos dois sculos antes

    de Cristo11.

    Esperava-se que, com a disponibilizao de partes do texto aramaico de Qumran em

    1950, os especialistas no estudo do Segundo Templo e origens crists daquele perodo se

    tornassem mais estimulados no estudo de I Enoque, porm grande parte no deu a ateno

    devida ao escrito. S rescentemente o estudo de I Enoque comeou a ganhar notoriedade e

    abrangncia na academia.

    Nas ltimas dcadas, os principais estudiosos tm se mostrado dispostos a afirmar que

    os livros de Enoque so os mais importantes documentos redigidos durante o perodo do

    Segundo Templo. Sachi partidrio de que juntamente com os Jubileus e os Testamentos

    dos Doze Patriarcas [...] o Livro de Enoque compe uma tima trilogia para o conhecimento

    do mundo judaico anterior ao cristianismo12.

    O interesse em estudar os livros de Enoque tem crescido no s entre os telogos

    cristos, mas tambm entre os telogos judeus. Esta realidade tem unido estudiosos das duas

    religies que, juntos, tm aprofundado o conhecimento desta coletnea de escritos que est se

    destacando no cenrio acadmico como uma relevante fonte de informaes para o

    entendimento do perodo do Segundo Templo:

    Enquanto apenas alguns judeus foram dedicados, anteriormente, ao estudo dos chamados Pseudepgrafos, agora muitos estudiosos judeus esto ativos, principalmente, nesta rea de pesquisa. Este espao permitir mencionar apenas um nmero seleto, como: Alan Segal, Michael Stone, Devorah Dimant, Albert Baumgarten, etc13.

    7 Nota-se que, naquela poca (1833), a distino entre apcrifo e pseudoepgrafo no estava ainda clara na

    academia, por isso I Enoque era chamado de apcrifo. 8 LAURENCE, R. The Book of Enoch the Prophet. Oxford: JH Parker, 1821, p. xlvi. 9 MIGNE J. B. Dictionnaire des apocryphes or collection de tous les livres apocryphes. Paris, 1858, p. xi. v. 2. 10 CHARLES R. H. The book of Enoch or 1 Enoch. Oxford: Clarendon Press, 1912. 11 Id., The Apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament. Oxford: Clarendon Press, 1913, p. 2.163. v. 2. 12 SACCHI, P. Apocrifi dellAntico testament. Turin: Unione Tipografico-Editrice, 1981, p. 423. 13 CHARLESWORTH, J. H. apud BOCCACCINI, G. Enoch and Qumran origins: new light on a forgotten

    connection. Cambridge: Wm. B. Eerdmans Publishing, 2005, p. 441.

  • 25

    Black, comparando o livro de I Enoque e o de Daniel diz:

    Certamente, se Daniel pode ser considerado um clsico da apocaliptica judaica, I Enoque no fica muito atrs, e pode at ter igual direito ao status de clssico na literatura intertestamental; principalmente se assumirmos que as chamadas Parbolas de Enoch precedem os Evangelhos como um notvel pano de fundo para os evangelhos14.

    Charlesworth chega a afirmar que os livros de Enoque, possuem um peso maior do

    que o livro cannico de Daniel:

    Em minha opinio os livros de Enoch, de certa forma, parecem ainda mais importantes do que Daniel. Este texto cannico certamente extremamente importante, mas basicamente um texto annimo, composto e dividido em duas sees mal relacionadas (com sees contendo misturas de hebraico earamaico) [...]. O mais provvel, em minha opinio, que eles (livros de Enoque) so a mais importante coleo de documentos criativos produzidos no Perodo do Segundo Templo do Judasmo. Existe uma coeso nesta coleo de pensamentos complexos, desenvolvimento de tradies anteriores, que a distinguem de todas as outras composies da poca. O corpus importante porque cheio de ideias e reflexes brilhantes. um dos principais apocalipses j escritos15.

    Segundo Nickelsburg, 1 Enoque [...] sem dvida o texto mais importante no corpus

    da literatura judaica nos perodos helenstico e romano16. Fato que a tradio enoquita tem

    se apresentado como uma fonte de inestimvel valor para compreenso do cenrio literrio

    judaico-cristo do cristianismo primitivo, o que uma boa indicao para buscarmos uma

    aproximao com Jesus de Nazar17.

    1.2 O Perodo do Segundo Templo e o Helenismo: um breve esboo

    Esse perodo se inicia com o fim do cativeiro babilnico e inaugurao do Segundo

    Templo judaico em 515 a.C. e se finda em 70 d.C. com a destruio desse mesmo Templo em

    Jerusalm. O imprio responsvel em inaugurar esse perodo se chama persa. Aquela foi uma

    poca de intensas transformaes na cultura judaica em que se originaram, alm de novas

    prticas, diversos grupos dentro do judasmo, tais como fariseus, saduceus, essnios e zelotas.

    Grandes transformaes aconteceram no mapa geopoltico da Antiguidade. Poderosos reinos

    14 BLACK, M. The Book of Enoch of I Enoch. SVTP7. Leiden: Brill, 1985, p. 1. 15 CHARLESWORTH apud BOCCACCINI, 2005, p. 440-441. 16 NICKLSBURG, G. W. E.; VANDERKAM, J. C. 1 Enoch: a new translation. Minneapolis: Fortress,2004, p. 1. 17 UHLIG, S. Das thiopisch Henochbuch. JSHRZ 5.6. Gtersloh: Gerd Mohn, Gtersloher Verlagshaus, 1984,

    p. 547.

  • 26

    se ergueram e foram rebaixados, imprios tidos como imbatveis foram arruinados, fortalezas

    tidas como indestrutveis desapareceram sem deixar rastros na histria.

    Aps conquistar a Babilnia, o governante persa permitiu os judeus regressarem s

    terras dos seus ancestrais. Os repatriados, que voltaram em diversas levas, encontraram a

    Judeia arruinada. Some-se a isto a inimizade dos povos vizinhos, que alm de rivalidades

    antigas, tinham aproveitado o vazio deixado pelo exlio para repartir entre si o territrio judeu,

    mas, por fora do decreto de Ciro, tiveram que aderir ao projeto de ter a presena dos seus

    antigos rivais novamente naquele cenrio, alm da desconfiana dos prprios judeus que no

    haviam sido deportados e naquelas circunstncias acostumados ao status quo, que se sentiam

    ameaados com a presena dos pomposos recm-chegados.

    O perodo persa chegou ao fim no ano de 332 a.C. quando Alexandre, o Grande,

    conquistou o territrio judaico das mos dos persas. Iniciava-se, ento, o perodo

    helenstico18. a partir desse momento, com a conquista da Judeia, que o idioma grego se

    introduz na cultura judaica, ento familiarizada com o hebraico e aramaico19.

    Alexandre o Magno, frente de um poderoso exrcito com 35 mil soldados, conquistou a Judeia at ento parte do imprio persa, no seu caminho em direo ao Oriente. Este evento vem acentuar o conceito da terra de Israel como ponte geopoltica entre o Leste e o Oeste20.

    Aps a morte de Alexandre o imprio grego foi dividido e a Judeia ficou sob o

    domnio da dinastia ptolomaica, cuja capital situava-se em Alexandria. O domnio, que durou

    cerca de 100 anos, chegou ao fim no ano 200 a.C. com a batalha de Panias quando os

    selucidas venceram os ptolomeus e a Judeia transferida para outro domnio grego. Segundo

    Rushansky,

    Este fato poderia ter passado despercebido entre tantas conquistas e mudanas de governo que conheceu a Terra de Israel, se o rei Antiocus IV, denominado pelos judeus de o Ruim, no se propusesse a homogeneizar a cultura de todo o reino, destruindo as particularidades culturais e religiosas de cada um dos povos que formavam o imprio selucida [...]. O imprio selucida via na imposio da cultura helnica algo absolutamente imprescindvel para o bom desempenho e desenvolvimento do reino21.

    18 Apesar de este ser o grande marco da aproximao da cultura grega do judasmo, o contato dos judeus com os

    gregos anterior a esse perodo, o que comprovado por estatuetas, moedas atenienses e objetos de decorao presentes em territrio judeu, que so datados de pocas mais antigas.

    19 Segundo Cohen, todos os judeus da Antiguidade, de alguma maneira chegaram a ser helenizados. Cf.COHEN, S. J. D. From the Maccabees to the Mishnah. Philadelphia: The Westminster Press, 1987, p. 40-41.

    20 RUSHANSKY, E. O Palco da Histria: As razes judaicas e o cristianismo. Jerusalm: T- Land, 2013, p. 38. 21 RUSHANSKY, loc. cit.

  • 27

    Ocorreu que os judeus, j em um processo natural de adaptao cultura helnica,

    nessa fase, entraram em um processo acelerado de assimilao da cultura grega, em todos os

    nveis da sociedade, que se enraizou profundamente no estilo de vida judaico, cujos resultados

    puderam ser claramente percebidos mesmo sculos aps sarem do domnio poltico dos

    gregos22.

    O primeiro escrito da tradio judaica a registrar o termo helenismo o segundo

    livro dos Macabeus. No captulo quatro, nos versos 13 e 14 lemos:

    Verificou-se, desse modo, tal ardor de helenismo e to ampla difuso de costumes estrangeiros, por causa da exorbitante perversidade de Jaso, esse mpio e de modo algum sumo sacerdote, que os prprios sacerdotes j no se mostravam interessados nas liturgias do altar! Antes, desprezando o Santurio e descuidando-se dos sacrifcios, corriam a tomar parte na inqua distribuio de leo no estdio, aps o sinal do disco23.

    Outro fator que gerou a consolidao do helenismo, principalmente nos sculos II e III

    a.C., foi a oportunidade que ele trouxe para o desenvolvimento comercial. Vrias famlias

    judaicas, que eram dadas ao comrcio, viram no helenismo uma porta de entrada para a

    conquista de melhores condies de vida, atravs de um amplo comrcio com as vrias naes

    que estavam sob o domnio da cultura grega. Informaes contidas no Papiro de Zeno falam

    que a vida comercial nesse perodo era intensa24.

    Produziam-se, em grande escala, cereais, olivas, vinhos, frutas, verduras, temperos,

    madeira e especialmente blsamo destinado produo de perfumes e medicamentos25. O

    aumento da cunhagem de moedas nesse perodo, a que temos acesso em nossos dias devido ao

    trabalho arqueolgico, o principal fator que comprova a intensa atividade comercial daquele

    momento.

    Em 175 a.C., com a ascenso do novo rei Antoco IV Epifanes, um grupo de judeus

    helenistas entendeu que aquele seria um momento oportuno para intensificar as

    transformaes no judasmo, na direo de aproximao com a cultura grega, em Jerusalm.

    Naturalmente, tambm existiam vrias famlias que no concordavam com esta aproximao.

    A vivncia como nao subjugada nunca foi um estilo de vida que agradou muito a maioria

    22 O helenismo (alm da disseminao da lngua grega) implicava na adoo de nomes e vesturios gregos e a

    prtica de participar nos jogos e festivais oferecidos pelos gregos. 23 Texto extrado da Bblia de Jerusalm. 24 HENGEL, M. Judaism and Hellenism, Studies in their Encounter in Palestine during the Early Hellenistic

    Period. Oregon: Wipf & Stock Pub, 2003, p. 43. 25 STEGEMANN, E.; STEGEMANN W. Histria social do protocristianismo: os primrdios do judasmo e as

    comunidades de Cristo no mundo mediterrneo. So Leopoldo/So Paulo: Sinodal/Paulus, 2004, p. 128.

  • 28

    dos judeus, por mais que, naquele contexto, vissem no helenismo grandes possibilidades de

    progresso.

    Com o favor do rei selucida, e aliado a ele, Jaso constitudo sumo sacerdote em

    Jerusalm. Ele tem como objetivo transformar Jerusalm em uma plis grega, desfazendo as

    tradies religiosas observadas pelos grupos mais conservadores, buscando superar o

    isolamento religioso, econmico e poltico da aristocracia de Jerusalm.

    O novo lder religioso introduz instituies gregas educacionais, com vistas

    educao intelectual e fsica dos jovens judeus, objetivando a integrao dos mesmos na vida

    civil. Obviamente essas instituies eram voltadas para a classe mais rica da sociedade. A

    inteno dos reformadores era assegurar a situao econmica do estrato superior por meio da

    introduo do direito de cidadania helenista26.

    Como resultado das reformas realizadas por Jaso e seus aliados, novos costumes,

    considerados contrrios Tor so introduzidos, a Lei mosaica relativizada e o Templo

    passou a fazer parte da nova ordem. Porm, mesmo com toda a abertura de Jaso ao

    helenismo, Antoco IV nomeia outro indivduo para o cargo de sumo sacerdote, Menelau,

    gerando guerrilhas internas entre o grupo de Jaso e o do novo sumo sacerdote, tidas por

    Antoco como uma afronta sua autoridade. O rei tomou a cidade de Jerusalm mo

    armada, matando diversos judeus e recolocando Menelau em seu posto.

    E ordenou aos soldados que matassem sem piedade os que lhes cassem nas mos e trucidassem os que tentassem subir para suas casas. Houve assim um extermnio de jovens e de ancios, um massacre de rapazes, mulheres e crianas, imolaes de moas e de criancinhas27.

    Menelau, na mesma direo de seu antecessor que buscava adaptar o judasmo nova

    cultura, aprovou o porco como animal sagrado para o sacrifcio e introduziu o culto a Zeus

    Olmpico no Templo de Jerusalm, que no aramaico provavelmente significa Baal Shamin,

    ttulo usado pelo povo da Sria28. O clmax desta situao, geradora de uma grande revolta por

    parte dos judeus, acontece quando Antoco IV probe a prtica do judasmo, acentuando a

    insatisfao de grande parte da nao judaica:

    Quanto aos livros da Tor, os que lhes caam nas mos eram rasgados e lanados ao fogo. Onde quer que se encontrasse um livro da Aliana, em casa de algum ou se algum se conformasse Tor, o decreto real o condenava morte. Na sua

    26 STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 133. 27 II MACABEUS 5:12-13. 28 BICKERMAN, E. From Ezra to the Last of the Maccabees: Foundations of Post-Biblical Judaism. New York:

    Schocken Books, 1947, p. 109.

  • 29

    prepotncia assim procediam contra Israel, com todos aqueles que fossem descobertos, ms por ms, nas cidades. No dia vinte e cinco de cada ms ofereciam-se sacrifcios no altar levantado por sobre o altar dos holocaustos. Quanto s mulheres que haviam feito circuncidar seus filhos, eles, cumprindo o decreto, as executavam com os mesmos filhinhos pendurados a seus pescoos, e ainda com seus familiares e com aqueles que haviam operado a circunciso. Apesar de tudo, muitos em Israel ficaram firmes e se mostraram irredutveis em no comerem nada de impuro. Eles aceitaram antes morrer que contaminar-se com os alimentos e profanar a aliana sagrada, como de fato morreram. Foi sobremaneira grande a ira que se abateu sobre Israel29.

    O sacerdote Matatias e seus cinco filhos aproveitando a reao espontnea resultado

    de uma prtica ofensiva contra a Lei judaica o sacrifcio de um porco em honra ao

    imperador no templo iniciaram uma guerrilha, que se transformou posteriormente em uma

    guerra geral. O ponto culminante desse conflito dar-se-, anos mais tarde, com a criao do

    estado judeu helenstico asmoneu.

    Judas, o Macabeu, um dos filhos do sacerdote Matatias, aps a morte de seu pai,

    assumiu a liderana da revolta. Lder carismtico agregava sua coragem um genioso senso

    diplomtico, organizando um forte exrcito que, utilizando-se de locais onde a topografia lhes

    favorecia, derrotou em diversas ocasies foras selucidas, geralmente, numericamente

    superiores30.

    Diante da ofensiva judaica, tentando dissolver o tumulto, Antoco IV resolveu revogar

    seu decreto de proibio da religio judaica, contudo, sem retirar a autoridade sobre o templo

    das mos de Menelau, porm j era tarde demais. No final de 164 a.C., o Macabeu rene seu

    exrcito e invade Jerusalm, tirando-a do poder de Menelau, purifica o Templo31, restaura o

    culto e institui aquela que conhecida como Festa da Dedicao, ou Hanuk: E Judas, com

    seus irmos e toda a assembleia de Israel, estabeleceu que os dias da dedicao do altar

    fossem celebrados a seu tempo, cada ano, durante oito dias, a partir do dia vinte e cinco do

    ms de Casleu, com jbilo e alegria32.

    Paralelamente o imprio selucida passa a se enfraquecer frente ao avano dos

    romanos, com suas ambies imperiais em direo ao leste. Este movimento geopoltico criou

    um novo balano de foras na regio que obrigou os selucidas a levarem em conta os

    interesses do emergente estado judeu. Seguem-se, ento, 25 anos de independncia judaica.

    29 I MACABEUS 1:56-64. 30 RUSHANSKY, 2013, p. 40. 31 GOTTWALD, N. K. Introduo socioliterria Bblia Hebraica. So Paulo: Paulinas, 1988, p. 417. 32 I MACABEUS 4:59.

  • 30

    Por volta do ano 140 a.C. o Estado judaico asmoneu33 reconhecido oficialmente

    pelos romanos. Esse perodo de independncia vai at o ano 37 a.C.34 quando Herodes35

    nomeado rei cliente pelos romanos, aps Marco Antnio e Otaviano dominarem a Judeia e

    subjugarem o ltimo rei asmoneu, Matitiahu Antigonus36, inaugurando ento o perodo

    herodiano.

    Mesmo entre os asmoneus percebemos que a influncia helnica deixou suas marcas.

    Os filhos do rei asmoneu Joo Hircano I, neto de Matatias, colocou nomes gregos em seus

    filhos, a saber: Antgono, Jud Aristbulo I e Alexander Jannaeus. Depois deles, h pelo

    menos um Alexander (filho de Aristbulo II), dois homens chamados Aristbulo (um era filho

    de Alexander Jannaeus), e um Matatias Antgono (filho de Aristbulo II)37. A populao em

    geral, naquela poca, utilizava nomes gregos em seus filhos, o que reflete uma mentalidade j

    acostumada ao helenismo. Nomes como estes aparecem tambm em moedas do perodo

    asmoneu38.

    Alm disso, parece que os reis asmoneus tinham o costume de usar seus nomes gregos

    em pblico como parte de seus ttulos oficiais. O uso de tais nomes, que lembram os

    governantes gregos famosos do passado, como Alexandre, o Grande, foi um movimento

    consciente dos asmoneus buscando situar-se dentro do ambiente da realeza helenstica e

    defender a incluso da dinastia asmoneia dentro da grande mundo grego39.

    A poca herodiana foi uma fase de grandes construes, fortificaes e reformas no

    territrio judaico. Entre elas destacamos as reformas feitas no templo de Jerusalm40,

    construo da Fortaleza Antnia, a fortificao de Massada, construo de Cesareia Martima,

    que na poca era o mais moderno porto do mundo e a cidade de Sebastos na Samaria. Nos

    dias de Herodes Jerusalm passou a ter um teatro e um hipdromo nos moldes helensticos.

    Em relao aos idiomas presentes na sociedade naquele momento os exemplos que

    sobreviveram da escrita na Palestina na poca herodiana e as referncias literrias disponveis

    33 Este nome, de acordo com Flvio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas, vem do pai de Matatias que era

    chamado Asamonaios. 34 No ano 63 a.C. Pompeus conquistou Jerusalm impondo pesados impostos sobre a populao alm de destruir

    as muralhas da cidade. Contudo, no destruiu o reino asmoneu, ao contrrio, resolveu o conflito entre dois irmos asmoneus que disputavam a herana do reino, nomeando Hurcano II como rei cliente de Roma.

    35 Herodes foi um homem de origem edumeia, cultura helnica, religio judaica e cidadania romana. 36 RUSHANSKY, 2013, p. 43. 37 ILAN, T. The Greek Names of the Hasmoneans. JQR, Philadelphia, v. 78, p. 1-20, 1987. 38 YAAKOV, M. Jewish Coins of the Second Temple Period. Chicago: Argonaut, 1967, p.52-55. 39 GRUEN, E. S. Heritage and hellenism: the reinvention of Jewish tradition. Hellenistic culture and society 30.

    Berkeley, Calif.: University of California Press, 1998, p. 32-33. 40 Essa reforma durou cerca de 80 anos e s foi concluda por volta do ano 62 d.C.

  • 31

    mostram que a escrita em grego, aramaico e hebraico era generalizada e podia ser encontrada

    em todos os nveis da sociedade41.

    Figura 1 - Cesareia Martima

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    Figura 2 - Arena de jogos em Cesareia Martima

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    41 MILLARD, A. R. Reading and writing in the time of Jesus, NY: University Press, 2000, p. 210.

  • 32

    Figura 3 - Fortaleza de Massada

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    Durante os 33 anos em que Herodes reinou sobre o reino da Judeia, a nao viveu um

    perodo de paz e prosperidade. No ano 4 a.C. Herodes faleceu. Em seu testamento poltico,

    escrito enquanto o monarca agonizava em seu leito de morte, ele decidiu que o reino seria

    dividido entre trs dos seus filhos: Herodes Antipas, Herodes Filipe e Herodes Arquelau42.

    Uma das provas que nos fazem perceber o avano da influncia grega, ou greco-

    romana, na cultura judaica na poca dos Herodes, so as moedas cunhadas por Herodes Filipe

    contendo figuras humanas, bem como por Herodes Arquelau, contrariando o mandamento

    judaico de no fazer imagens43.

    Por no terem herdado a capacidade diplomtica e administrativa do pai, ao longo dos

    anos, os filhos de Herodes so depostos pelos romanos. O primeiro sucessor a perder o

    privilgio foi Herodes Arquelau no ano 6 d.C.; o segundo, em 39, foi Herodes Antipas;

    Herodes Filipe morreu em 34, sem deixar herdeiros.

    Em 39, aps ser deposto o ltimo Herodes, o territrio judeu unifica-se novamente,

    por um breve perodo, sob a liderana de um novo rei, nomeado pelos romanos, chamado

    Agripa I, que morreu em 44. Seguiu-se, ento, o desmembramento do territrio judeu. O

    controle do pas passou a estar nas mos dos romanos que nomearam uma srie de

    procuradores ineptos, corruptos e violentos que, segundo Flvio Josefo, sero a principal

    causa da insatisfao da populao judaica que culminar com a Guerra dos Judeus entre os

    42 RUSHANSKY, 2013, p. 56. 43 Ibid., p. 57.

  • 33

    anos de 66 e 73 d.C. e a destruio do Segundo Templo, em 70, encerrando assim o chamado

    perodo do Segundo Templo44.

    Foi no contexto de aproximao do helenismo que, por volta do sculo II a.C., um

    grupo de judeus, insatisfeitos com o rumo poltico-religioso da nao, entendendo que o

    Segundo Templo estava corrompido, decidiu criar uma nova comunidade em que pudessem

    praticar a lei judaica, cumprir seus rituais, meditar, dedicar-se ao estudo, escrita e esperar o

    messias. Seu nome era Essnios.

    1.3 O livro aramaico de I Enoque e sua relao com Qumran

    Depois da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, a partir 1947, foi iniciada uma

    corrida na construo de teorias, voltadas compreenso do Judasmo e do Cristianismo em

    sua fase inicial ou o chamado Perodo do Segundo Templo. Segundo o Prof. Roitman,

    especialista na investigao de Qumran, mais de 20.000 artigos foram escritos s sobre essa

    descoberta45. O acmulo de informaes gerou diferentes teorias acerca desse achado.

    Figura 4 - Stio arqueolgico de Qumran

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    Uma das mais recentes teorias, elaborada por Boccaccini, defende que as origens da

    comunidade essnica em Qumran podem ser atribudas a grupos judaicos anteriores

    44 RUSHANSKY, 2013, p. 58 45 Informao contida em uma palestra do mesmo junto s grutas de Qumran, gravada em novembro de 2013.

  • 34

    comunidade qumranita. Ele sugere que existiu um tipo especial de judasmo, ligado ao Livro

    de Enoque, oriundo de uma poca anterior aos Macabeus, chamada por Boccaccini de

    judasmo enoquita.

    Segundo ele, este tipo de judasmo pode esclarecer as origens da comunidade de

    Qumran. Alm disso, ele postula que, aps a revolta dos Macabeus, sem perder a sua

    identidade como um grupo social, esta forma de judasmo se transformou em um movimento

    maior que os autores antigos chamam de "os Essnios"46.

    Figura 5 - Miqv em Qumran

    Fonte: Acervo do autor47. Novembro de 2013.

    Alguns estudiosos falam sobre dois tipos de essnios: aqueles que se casaram

    (representado pelo Documento de Damasco) e os que desenvolviam uma vida mais dedicada

    ao ascetismo (representada pela Regrada Comunidade) que, em sua maioria, nunca casaram.

    Esses historiadores se utilizam do comentrio de Josefo que diz que existiam dois ramos, ou

    bifurcaes, de essnios48.

    46 CHARLESWORTH apud BOCCACCINI, 2005, p. 449. 47 Em Qumran foram achadas diversas Miqv como esta, que serviam para purificao ritual. 48 CHARLESWORTH apud BOCCACCINI, op. cit., p. 449.

  • 35

    Figura 6 - Cemitrio em Qumran

    Fonte: Acervo do autor49. Novembro de 2013.

    Boccaccini buscou aprofundar mais essa ideia. Ele argumenta que a comunidade

    enoquita, representada pelos pergaminhos de Qumran (a prpria comunidade de Qumran),

    rompeu com os essnios que viviam em cidades e aldeias e, tambm, com um grupo

    dominante do judasmo enoquita. Ou seja, sua ideia que existiram trs grupos: Essnios de

    Qumran (enoquitas de Qumran), Essnios urbanos e os Enoquitas. A principal diferena,

    segundo ele, que os judeus representados pela categoria Essnios urbanos e Enoquitas

    tendiam a acreditar no livre-arbtrio, enquanto os enoquitas de Qumran acreditavam no s no

    determinismo histrico, mas tambm na predestinao do indivduo50.

    Boccaccini argumenta que, fiel s suas razes respaldadas em I Enoque, os qumranitas

    desprezavam tudo que tinha ligao histrica com os zadoquitas51. Assim, ele supe que a

    expresso "filhos de Zadoque", que, segundo ele, os qumranitas utilizavam como referncia a

    eles mesmos, pode ter se originado de uma leitura do livro de Ezequiel, portanto, no tendo

    nenhuma ligao genealgica com os filhos de Zadoque.

    Ele segue seu raciocnio imaginando que o embrio do pensamento de Qumran pode

    ser visualizado em um perodo anterior ao movimento de Qumran, ou seja, antes da ciso com

    o majoritrio movimento enoquita-essnico (representado pelos essnios urbanos e o grupo

    enoquita).

    49 Cemitrio dos essnios. Mais de 95% das ossadas encontradas eram de homens. 50 BOCCACCINI, G. Beyound the Essene Hypothesis, Grand Rapids and Cambridge.Grand Rapids and

    Cambridge: Eerdmans, 1998, p. 170. 51 Dinastia de sumos sacerdotes que governou o templo at a vspera da revolta dos Macabeus.

  • 36

    Figura 7 - Refeitrio em Qumran

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    Charlesworth esclarece que a evidncia que pode sugerir (no provar) tal movimento,

    so os numerosos textos pr-qumrnicos a exemplo de Jubileus, Rolo do Templo, o Proto-

    Epstola de Enoch (incluindo o Apocalipse das Semanas), Carta Halakhic e a produo de

    textos no qumrnicos, a exemplo da Epstola de Enoch, que abrem espao para se falar da

    influncia de supostas comunidades em torno do Livro de Enoque.

    Outro estudioso a usar o termo judasmo enoquita David R. Jackson. Ele utiliza

    esta expresso para se referir queles que compuseram, compilaram e editaram os livros de

    Enoque encontrados na caverna de Qumran. Para ele, tambm fazem parte dessa categoria os

    indivduos que aceitaram essa tradio52.

    Charlesworth no est convencido das hipteses levantadas por Boccaccini e Jackson.

    Ele acredita que os livros de Enoque foram produzidos em um perodo de trs sculos.

    Segundo o mesmo, I Enoque foi responsvel em influenciar a redao de novos textos, em

    dcadas e sculos posteriores, como 2 Enoque, os textos coptas, a Viso Armnia de Enoque

    o Justo e 3 Enoque53. Charlesworth acredita que devemos evitar rotular todos estes textos

    como representantes de algo como um movimento, eles representam um ciclo de pensamento

    que se dedicava a reflexes fundamentadas e atribudas a Enoque54.

    52 JACKSON, D. Enochic Judaism, Library of Second Temple Studies. London and New York: T. & T. Clark

    International, 2004, p. 49. 53 CHARLESWORTH, J. H. The Pseudepigrapha and Modern Research with a Supplement. SBLSCSS, 7S.

    Michigan: Scholars, 1981, p. 98-99. 54 CHARLESWORTH apud BOCCACINE, 2005, p. 451.

  • 37

    Figura 8 - Curral em Qumran

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    Outro estudioso que discorda da teoria de Boccaccini M. Knibb. Segundo ele,

    Boccaccine est envolvido em um projeto maior que tem como objetivo mudar as percepes

    comuns do desenvolvimento do judasmo da poca do exlio at o surgimento do judasmo

    rabnico55. Knibb argumenta que se deve duvidar de uma tese que aborda o desenvolvimento

    de todo o judasmo no perodo do Segundo Templo em termos de um conflito entre o

    judasmo zadoquita e o judasmo enoquita. Segundo o mesmo, a realidade do perodo do

    Segundo Templo bem mais complexa e as tendncias das pesquisas nos ltimos 20 anos

    apontam para essa complexidade56.

    Conquanto as hipteses de Gabriele e Jackson sejam vlidas e plausveis entendemos

    que os posicionamentos de Charlesworth e Knibb so mais coerentes, uma vez que no temos

    tantas evidncias, no mbito histrico-arqueolgico, que sustentem as teorias daqueles

    estudiosos, porm admitimos que os argumentos so cabveis e tm o seu espao nesse campo

    aberto a novos testes hipotticos.

    Certamente podemos defender a existncia de um crculo ou grupo de judeus no

    judasmo do Segundo Templo dedicados e, significativamente, influenciados por reflexes

    oriundas do escrito de I Enoch. As principais evidncias desse perodo so os escritos que

    55 KNIBB, M. A. Essays on the Book of Enoch and Other Early Jewish Texts and Traditions (Studia in Veteris

    Testamenti Pseudepigrapha). London: Brill Academic Pub, 2008, p. 18. (O principal livro escrito por Boccaccini abordando essa temtica se chama Roots of Rabbinic Judaism. An Intellectual History from Ezekiel to Daniel).

    56 KNIBB, 2008, p.23

  • 38

    absorveram tradies oriundas dos livros de Enoque tais como, por exemplo, o Livro dos

    Jubileus e os Testamentos dos Doze Patriarcas.

    Por outro lado, no podemos descartar a hiptese de que existiu um crculo de judeus

    interessados nos livros de Enoque, porm, admitir que se tratava de um movimento totalmente

    independente, exclusivamente dedicado ao escrito enoquita; uma sociedade separada, como

    sugere Boccaccine, um passo mais ousado. Alguns estudiosos do palpites sobre a extenso

    desse crculo. Herr, por exemplo, fala de "um pequeno crculo dentro do Judasmo do

    Segundo Templo"57. Sobre esta matria Charlesworth comenta:

    Embora eu gostasse de delegar para outros a avaliao do tamanho do grupo ou crculo Enoch, e enquanto eu ainda no possa julgar sua influncia, eu no tenho nenhuma dvida sobre a sua importncia para o desenvolvimento do pensamento judaico dentro do judasmo do Segundo Templo58.

    O ecltico Seminrio de Enoch tem demonstrado que a presena dos livros de Enoque

    encontrados prximo ao Mar Morto nos ajuda a entender as origens e o desenvolvimento da

    comunidade de Qumran. Ainda no est claro quo significativos e influentes foram os grupos

    judaicos que tinham em estima os livros de Enoque.

    Diferente do que acontece em relao comunidade de Qumran, cuja localizao

    topogrfica conhecida e informaes do estilo de vida da comunidade e de sua teologia nos

    so acessveis, em relao existncia do judasmo enoquita, se que houve algum, ainda

    permanece uma icgnita. No conhecemos nada relacionado aos grupos de Enoque. Ou seja,

    no temos nenhuma definio clara do estilo desses judeus, localizao geogrfica e sua

    influncia no judasmo antigo.

    Dos aproximadamente 930 textos identificados em Qumran, a grande maioria, cerca

    de 750 textos, foram escritos em hebraico, outros 150 em aramaico e 27 textos em grego.

    Apesar da presena minoritria de textos em grego, tal constatao de extrema importncia,

    pois refora nosso argumento da forte presena do idioma na Palestina. O fato de a quantidade

    de manuscritos em grego ser minoritria no deve surpreender-nos, uma vez que estamos

    analisando uma comunidade fechada, isolada, dada a rituais de purificao e que desejava ao

    mximo preservar-se de influncia mundanas (helnicas). A presena desses manuscritos

    nos diz que mesmo em Qumran a influncia grega (ainda que seja idiomtica) esteve presente.

    57 HERR, M. D. The Calendar. In: SAFRAI, S.; STERN, M. (Ed.). The Jewish People in the First Century.

    CRINT 1.2. Assen and Amsterdam: Van Gorcum, 1976, p. 834-64. 58 CHARLESWORTH apud BOCCACINE, 2005, p. 451.

  • 39

    Em Qumran, ao lado das runas onde viviam os essnios, foram encontradas 11

    cavernas entre os anos 1947 e 1956. Nelas descobriu-se um verdadeiro tesouro

    manuscritolgico. Acharam-se centenas de milhares de fragmentos, alm de uns poucos

    manuscritos intactos que estavam guardados em jarros. Alguns dados relevantes sobre o

    achado so:

    1 - 21 manuscritos de Isaas foram achados em Qumran.

    2 - S foi encontrado um rolo de Isaas completo (texto datado do sculo I a.C.).

    3 - Foram encontrados fragmentos de todos os livros da Bblia Hebraica, com exceo de

    Ester.

    4 - As centenas de milhares de fragmentos representam 930 manuscritos, sendo que 200 so

    bblicos.

    5 - Os oito manuscritos mais completos encontrados em Qumran se encontram no Santurio

    do Livro em Israel.

    Figura 9 - Santurio do Livro localizado no Museu de Israel

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    Entre todas as 11 cavernas de Qumran a principal para a nossa pesquisa a caverna

    quatro. Nela foram encontrados cerca de 15.000 fragmentos de manuscritos, que, na verdade,

    so restos de 530 manuscritos diferentes. L foram encontrados mais de 140 fragmentos de

    Enoque, sendo que 138 foram identificados e estudados por Milik59, que representam 11

    59 No ano 2000 Stuckenbruck, Tigchelaar e Garcia publicaram no DJD nmero 36, intitulado Qumran Cave 4.

    XXVI. Cryptic Texts and Miscellanea, part 1, que contm comentrios sobre fragmentos encontrados em

  • 40

    manuscritos de Enoque. Ou seja, dos 530 manuscritos que existiam ali pelo menos 11 eram de

    I Enoque.

    Figura 10 - Caverna IV em Qumran

    Fonte: Acervo do autor. Novembro de 2013.

    Milik acreditava que I Enoque era um agrupamento de cinco livros diferentes, a saber:

    Livro dos Vigilantes (Cap. 1-36), Livro das Parbolas (Cap. 37-71), Livro Astronmico (Cap.

    72-82), Livro dos Sonhos (Cap. 83-90) e Epstola de Enoque (Cap. 91-108). Esta

    considerada a diviso mais tradicional do livro na atualidade, porm no a nica. Ele

    identificou fragmentos de cada um deles, exceto do Livro das Parbolas60.

    A publicao de um volume intitulado The Books of Enoch: Aramaic Fragments of

    Qumran Cave 4, por Milik, em 1976, foi de inestimvel valor. Este contm no s uma edio

    dos fragmentos aramaicos e um comentrio textual detalhado, mas tambm uma longa

    introduo na qual estabelece seus pontos de vista sobre a gnese do Livro de Enoque. Esse

    livro tem sido extremamente influente, embora tambm tenha sido alvo de crticas

    considerveis, pelo fato de Milik no ter encontrado, ou identificado, nenhum fragmento do

    Livro das Parbolas em Qumran. Milik defende que tal escrito um trabalho cristo datado do

    final do sc. III61. Independente desse posicionamento, que no reflete o que as pesquisas

    Qumran, no publicados por Milik, principalmente fragmentos que falam de um calendrio das fases da lua e do sol pertencente ao Livro Astronmico.

    60 Fragmentos aramaicos de um trabalho relacionado, o Livro enoquita dos Gigantes, tambm foram encontrados entre os rolos, porm, ele no considerado pela maioria dos estudiosos um livro pertencente ao livro original de I Enoque, mas uma composio distinta derivada de I Enoque. Maiores detalhes ver: STUCKENBRUCK, L. T. The Book of Giants from Qumran.Tbingen: Mohr Siebeck, 1997.

    61 KNIBB, 2008, p. 10.

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    modernas dizem sobre o Livro das Parbolas, esta obra singular desencadeou um crescente

    interesse acadmico no Livro de Enoque.

    O Livro das Parbolas de grande interesse acadmico porque contm tradies sobre

    o Filho do Homem. Mesmo no sendo achado nada relacionado a ele em Qumran, a maioria

    dos eruditos entende que o escrito judaico, pr-cristo e provavelmente escrito

    originalmente em aramaico ou em hebraico (esta tem sido a tendncia no Enoch Seminar) no

    sc. I a.C. Porm, como no foram achados fragmentos em Qumran, no possvel ser

    preciso em relao sua origem62.

    Baseado nos fragmentos descobertos em Qumran, hoje, os pesquisadores so

    unnimes em defender que o livro foi escrito originalmente em aramaico, ou pelo menos a

    maior parte dele63. Antes de Qumran, a posio era que os livros tinham sido escritos

    originalmente em grego. Aps Qumran ficou claro que o grego era uma traduo do aramaico.

    Os fragmentos em aramaico, que equivalem a 2 ou 3% da obra64, so as evidncias

    mais antigas de I Enoque. Segundo Milik as mais antigas partes (ou livros) presentes em I

    Enoque so: o Livro dos Vigilantes e o Livro Astronmico, ambos pertencentes ao perodo

    pr-macabaico65. A paleografia datou os fragmentos do Livro dos Vigilantes e do Livro dos

    Sonhos como sendo os mais antigos, redigidos no final do III sculo a.C. Os fragmentos do

    Livro da Epstola foram datados no perodo pr-Macabeu, por volta do incio do sc. II a.C.

    Por fim, os fragmentos do Livro dos Sonhos foram datados no perodo Macabeu, por volta do

    ano 165 a.C.66

    Como expomos, Milik identificou fragmentos pertencentes a 11 manuscritos, o que

    prova a autoridade que o livro (ou os livros) tinha em crculos judaicos67. Os manuscritos so

    identificados pelas seguintes siglas: Ena; Enb; Enc; End; Ene; Enf; Eng; Enastra; Enastrb;

    Enastrc; Enastrd. Todos eles foram escritos em aramaico e o material mais antigo que

    possumos acerca de I Enoque. A seguir, tabelas que desenvolvemos para facilitar a

    62 NICKELSBURG, G. W. E. Jewish Literature between the Bible and the Mishnah. Minneapolis: Fortress

    Press, 2005, p. 254, 256. Ver tambm: KNIBB, M. A. The Date of the Parables of Enoch: A Critical Review. New Testament Studies, v. 25, p. 345-59, 1979.

    63 KNIBB, M. A. The Ethiopic Book of Enoch. A New Edition in the light of the Aramaic Dead Sea Fragments. v. 1: Text and Apparatus; v. 2: Introduction, Translation and Commentary. Oxford: Clarendon Press, 1978, p. 6-15.

    64 A informao nos foi transmitida pelo Prof. Vanderkam em entrevista na Universidade de Notre Dame, gravada em 27/05/2014.

    65 REED, A. Y. Fallen Angels and the History of Judaism and Christianity. The Reception of Enochic Literature. New York: Cambrigde University Pre