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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO MALAQUIAS, MENSAGEIRO DA JUSTIÇA: UM ESTUDO A PARTIR DO QUARTO ORÁCULO (2,17-3,5) por Marcelo Moura da Silva Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento parcial às exigências do programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para a obtenção do grau de Mestre. São Bernardo do Campo, Janeiro de 2004

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MALAQUIAS, MENSAGEIRO DA JUSTIÇA:

UM ESTUDO A PARTIR DO QUARTO ORÁCULO (2,17-3,5)

por

Marcelo Moura da Silva

Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes

Dissertação de Mestrado apresentada em

cumprimento parcial às exigências do programa de

Pós-Graduação em Ciências da Religião, para a

obtenção do grau de Mestre.

São Bernardo do Campo, Janeiro de 2004

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Banca Examinadora

Presidente ___________________________________________________________

Prof. Dr. Milton Schwantes

1º Examinador ________________________________________________________

Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira

2º Examinador ________________________________________________________

Prof. Dr. Landon Booth Jones

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AGRADECIMENTOS

Sobretudo a Deus.

À minha amada esposa Márcia e filhos: Vítor e Carolina.

À Faculdade Teológica Batista Ana Wollerman na pessoa do Diretor Geral, Pastor

Sérgio Nogueira e a todos/as funcionário/as que me apoiaram neste projeto.

Aos alunos e alunas que me apoiaram nesta pesquisa.

Pelo apoio financeiro do Fundo de Qualificação Docente da Faculdade Teológica

Batista Ana Wollerman.

À CAPES pela importantíssima subvenção.

Ao IEPG pelo apoio constante.

Aos funcionários/as e professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Religião.

Ao professor Dr. Milton Schwantes pelo encorajamento e orientação.

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SILVA, Marcelo Moura da. Malaquias, mensageiro da justiça: um estudo a partir do quarto oráculo (2,17-3,5). Dissertação de mestrado. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2004.

RESUMO

O livro de Malaquias apresenta oráculos que conservam informações

relevantes do período pós exílico sob o domínio da Pérsia e, especialmente, os

problemas religiosos focalizando a displicência dos sacerdotes no cumprimento de

suas funções e os problemas sociais apontando para um amplo movimento de

opressão externa e interna.

Esta pesquisa buscou verificar, no primeiro capítulo, como a mensagem de

Malaquias através de sua forma e conteúdos visava aplacar as insatisfações internas

dos grupos que habitavam o território de Judá. Neste capítulo, foram abordadas as

discussões histórico-literárias sobre data, autoria, destinatários, forma do anúncio.

Ainda procurou-se realizar levantamentos históricos verificando o sistema e as

estruturas de opressão dos persas no território de Judá e também as faces da

reorganização da sociedade de Judá.

O segundo capítulo enfatizou, mais propriamente, o trabalho exegético no

quarto oráculo (2,17-3,5). Neste pode-se verificar uma síntese dos temas centrais da

mensagem de Malaquias: O juízo divino que viria pela negligência religiosa e que

exigia compromissos com a justiça prática na vida do povo. A partir das discussões

exegéticas buscou-se verificar como o profeta apresentou ao povo e aos sacerdotes

quais seriam os agentes e as ações transformadoras que Javé promoveria para

restaurar a justiça e o culto purificado.

O terceiro capítulo apresenta um tema recorrente nos oráculos do livro de

Malaquias: a justiça. Para isso, foram analisadas três perícopes que tratam o tema da

justiça enfocadamente, as influências do sistema judicial persa na prática da justiça

cotidiana em Judá e a realidade de opressão nos sistema de parentesco entre as

famílias (clãs) que habitavam o território de Judá - (2,10-16; 2,17-3,5 e 3,13-21).

A pesquisa de Malaquias aponta para um profeta engajado política e

socialmente. “O Mensageiro” manteve os ideais proféticos e desejou reacender os

valores da aliança entre o povo e fortalecer a confiança na ação de Javé que

restauraria a justiça na prática cotidiana.

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SILVA, Marcelo Moura da. Malachi, the herald of justice: a study departing from the fourth oracle (2,17-3,5). Master´s Degree Dissertation. São Bernardo do Campo, Methodist University of São Paulo, 2004

ABSTRACT

The book of Malachi presents oracles that preserve relevant information

regarding the post-exilic period under the dominion of Persia and, especially, of the

religious problems focussing on the negligence of the priests in the fulfillment of their

duties and of the social problems pointing to a significant movement of external and

internal oppression.

This study has sought to verify, in the first chapter, how the message of Malachi

by means of its form and content expected to placate the internal dissatisfaction of the

groups that inhabited the territory of Judah with a greater emphasis on those living

around the temple in Jerusalem. In this chapter were considered the historical-literary

discussions regarding date, authorship, readership, and form of presentation. Also an

attempt was made to verify the system and structures of Persian oppression in the

territory of Judah as well as the appearances of a reorganization of Judean society.

The second chapter emphasized, more specifically, the exegetical treatment of

the fourth oracle (2:17-3:5). In this oracle one can observe a synthesis of the central

themes of the message of Malachi: divine judgement that would come due to religious

negligence and that would demand commitment to practical justice in the life of the

people. Starting with discussions about the limits, the structure, the literary genre, the

living space, and the textual commentary, an attempt was made to verify how the

prophet presented to the people and the priests what would the agents and the

transforming actions that Yahweh would use for the restoration of justice and of a

purified worship.

The third chapter presents a recurring theme in the oracles of Malachi: justice.

For this purpose an analysis was made of three pericopes that give specific treatment to

the theme of justice (2:10-16; 2:17-3:5; and 3:13-21), of the influences of the Persian

judicial system on the practice of everyday justice in Judah, and of the reality of

oppression in the parentage system characteristic of the families (clans) that inhabited

the territory of Judah.

The study of Malachi points to a prophet that is politically and socially involved.

“The Messenger” maintained the prophetic ideals and desired to revive among the

people the values of the covenant and to strengthen confidence in the action of Yahweh

to restore justice to everyday practice.

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SILVA, Marcelo Moura da. Malaquias, El mensajero de la justicia: un estudio partiendo del cuarto oraculo (2,17-3,5). Disertación de maestria. San Bernardo del Campo, Universidad Metodista de San Pablo, 2004.

RESUMEN

El libro de Malaquías presenta oráculos que conservan informaciones relevantes

del período pos exilio sobre el dominio del imperio Persa y, especialmente, los

problemas religiosos focalizando la displicencia de los sacerdotes en cuanto al

cumplimiento de sus funciones e los problemas sociales apuntando para un amplio

movimiento de opresión externo e interno.

La referida pesquisa buscó verificar, en el primer capítulo, como el mensaje de

Malaquías a través de su forma y contenidos visaba aplacar las insatisfacciones internas

de los grupos que habitaban el territorio de Judá con mayor énfasis los que estaban

viviendo alrededor del templo en Jerusalén. En este capítulo, fueron abordadas las

discusiones histórico-literarias sobre la fecha, autoría, destinatarios, forma del anuncio.

Todavía procuramos realizar un levantamiento histórico verificando el sistema y las

estructuras de opresión de los persas en el territorio de Judá y también las fases de la

reorganización de la sociedad de Judá.

El segundo capítulo enfatizou, mas propiamente, el trabajo exegético en el cuarto

oráculo (2,17-3,5). En este se puede verificar una síntesis de los temas centrales del

mensaje de Malaquías: El juicio divino que vendría por la negligencia religiosa e que

exigía compromisos con la justicia práctica en la vida del pueblo. A partir de las

discusiones sobre la delimitación, la estructura, el genero literario, el lugar vivencial y el

comentario textual, se buscó verificar como el profeta presentó al pueblo y a los

sacerdotes cuales serian sus agentes y las acciones transformadoras que Jehová

promovería para la restauración de la justicia y de un culto purificado.

El tercer capítulo presenta un tema decurrente en los oráculos del libro de

Malaquías: la justicia. Para esto, fueron analizados tres perícopes que tratan

focalizadamente el tema de la justicia (2,10-16; 2,17-3,5 e 3,13-21), las influencias del

sistema judicial persa en la práctica de la justicia cotidiana en Judá y la realidad de la

opresión en los sistemas de parentesco entre las familias (clãs) que habitaban el territorio

de Judá.

La pesquisa de Malaquías apunta para un profeta encajado política e socialmente.

“El Mensajero” mantuvo los ideales proféticos y deseó reascender los valores de la

alianza entre el pueblo y fortalecer la confianza en la acción de Jehová que restauraría la

justicia en la práctica cotidiana.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - UM LIVRO DE CONFRONTOS EM BUSCA DA JUSTIÇA

15

1.1. Uma breve discussão da história literária 15 1.2. Um livro inserido no período de dominação persa 16 1.3. Os destinatários da mensagem de Malaquias 24

1.3.1. A distinção entre os dois grupos envolvidos 24 1.3.2. A distinção teológica dos dois grupos 27

1.4. O autor e a forma de comunicação 30 1.5. A estrutura e o conteúdo do livro de Malaquias 32 1.6. Conclusão parcial 36

CAPÍTULO II - MALAQUIAS 2,17-3,5: UM ORÁCULO DE REALIDADES E TRANSFORMAÇÕES

41

2.1. Tradução do texto 41 2.2. Delimitação da perícope 42 2.3. Estrutura da perícope 45 2.4. Gênero literário 47 2.5. Lugar vivencial 49 2.6. Comentário: esperança de transformação das realidades 52 2.7. Conclusão parcial 82 CAPÍTULO III - MALAQUIAS, MENSAGEIRO DA JUSTIÇA 84 3.1. A dominação persa frente ao sistema judicial em Judá: regimentos e interferências

85

3.2. A estrutura social em Judá: uma realidade confrontadora e opressiva

88

3.3.Ações que rompiam com a justiça em Judá 93 3.4. Conclusão parcial 102 CONCLUSÃO 104 BIBLIOGRAFIA 117

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INTRODUÇÃO

O livro de Malaquias está colocado como o último dentre os profetas

canônicos. É um livro importante para o estudo bíblico, pois se refere a um período

com poucas informações. Constitui-se, assim, como uma fonte única no cânon

hebraico que descreve as crises vivenciadas após a reconstrução do templo (515 a.C.)

e antes das reformas de Neemias (445 a.C.) e Esdras (398 a.C.) no período da

dominação persa.

A mensagem de Malaquias indica caminhos para o levantamento da

problemática vivenciada no século V a.C. no território de Judá e em Jerusalém. O

conteúdo dos oráculos aproxima o leitor moderno de uma crise religiosa (descrença),

de uma crise institucional (crítica à postura sacerdotal) e de uma crise social (a

prática de injustiças sociais) vivida nesses tempos de reconstrução da vida em Judá

após o período de exílio.

O livro de Malaquias precisa ser pesquisado, nos seus mais diversos matizes.

Por isso, esta pesquisa visou um conhecimento das situações vivenciais no século V

a.C. e sua conseqüente teologia, instrumento direcionador da religião e da sociedade.

Nesta introdução serão expostos alguns problemas e pressupostos que

nortearão o leitor na compreensão da pesquisa realizada e na apresentação dos

resultados.

A bibliografia sobre o estudo dos profetas pós-exílicos e, especificamente, de

Malaquias é bastante extensa. Andrew E. Hill apresentou uma longa lista de livros e

artigos publicados em inglês, alemão e italiano 1. Estes foram publicados no século

XX e se envolveram nas discussões crítico- literárias do livro de Malaquias.

Na bibliografia acima citada, destacam-se a tese de Beth McDonald Glazier2,

a tese e comentário de Andrew E. Hill3, o comentário de Joyce G. Baldwin4, os

1 HILL, Andrew. E., Malachi: A New Translation With Introduction and Commentary, New York: Doubleday, 1998, p.95-129 [The Anchor Bible]. 2 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, Atlanta: Scholars, 1987 (Society of Biblical Literature Dissertation Series 98). além dos artigos: “mal´ak habberit: The Messenger of the Covenant in Mal 3:1”, em Hebrew Annual Review, vol.11, 1987, p. 93-104; “Intermarriage, Divorce and the bat-´el nekar: Insights into Mal 2, 10 – 16”, em Journal of Biblical Literature, vol.106, 1987, p. 603 – 611; Malachi 2:12: er we ´oneh. Another Look, em Journal of Biblical Literature, vol.105, 1986, p. 295 – 298. 3 HILL, Andrew. E., Malachi: The Book of. Anchor Bible Dictionary 4: 78 – 85, 1992 e, posteriormente, Malachi: A New Translation With Introduction and Commentary, New York: Doubleday, 1998 (The Anchor Bible). 4 BALDWIN, Joyce G., Haggai, Zechariah, Malachi, London: Tyndale Press, 1972 (Tyndale Old Testament Commentaries). Esta obra foi traduzida para o português em 1986 pela parceria das editoras Vida Nova e Mundo Cristão.

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artigos de W.C. Kaiser5 e o comentário de P.A.Verhoef6 após vários artigos

publicados sobre o Malaquias em tempo anterior.

As fontes disponíveis sobre o livro de Malaquias em língua portuguesa

trilham dois caminhos: o da tradução de obras e o da produção de textos. Estão

disponíveis em língua portuguesa os comentários traduzidos da Joyce G. Baldwin7,

de Herbert Wolf8 e de Luís Alonso Schökel9, dentre outros. A produção de textos

pode ser encontrada em revistas bíblicas e em livros de auxílio à leitura bíblica. Dois

livros de auxílio à leitura bíblica se destacam: Malaquias, nosso contemporâneo10

publicado na década de 80 e Como ler o livro de Malaquias: defender a tradição ou a

vida?11 publicado na década de 90. Existem alguns artigos publicados em português e

espanhol sobre o profetismo pós-exílico12, mas destacam-se alguns artigos

específicos do livro de Malaquias em português e espanhol: “Malaquias e o

discernimento da justiça”13, “Identidade e esperança do povo de Deus”14 e

“Malaquias - El profeta de la honra de Dios”15.

5 KAISER, W.C., “The Promise of the Arrival of Elijah in Malachi and the Gospels”, em Grace Theological Journal, vol.3, 1982, p. 221 – 233; Malachi: God´s Unchanching Love , Grand Rapids: Baker, 1984; “Divorce in Malachi 2: 10 – 16”, em Criswell Theological Review, 73 – 84, 1987; Micah-Malachi: The Communicator´s Commentary, vol.21, Waco, Tex: Word, 1992. 6 VERHOEF, P. A., Haggai and Malachi: New International Commentary on the Old Testament, Grand Rapids: Eedermans, 1987; “Somes Notes on Mal 1:11”, em Ou-Testamentiese Werkgemeenskap van Suid-Afrika, 163 – 172, 1966; Maleachi, Commentar op het Oude Testament. Kampen: Kok, 1972. 7 BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias e Malaquias: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova/ Mundo Cristão, 1986. 8 WOLF, Herbert, Ageu e Malaquias, tradução Jorge César Mota, São Paulo: Vida, 1986. 131p. 9 ALONSO SCHÖKEL, Luís, Profetas II, tradução Anacleto Alvarez, São Paulo: Paulinas, 1991. [Série Grande Comentário Bíblico] 10 COELHO FILHO, Isaltino Gomes, Malaquias, nosso contemporâneo, Rio de Janeiro: JUERP, 1986. 11 NAKANOSE, Shigeyuki e PEDRO, Enilda da Paula, Como ler o livro de Malaquias: defender a tradição ou a vida? São Paulo, Paulus, 1996. 12 Confira na bibliografia na parte específica para artigos p. 121-122. 13 GORGULHO, Gilberto, “Malaquias e o discernimento da Justiça”, em Estudos Bíblicos, vol.14, Petrópolis: Vozes, 1987. 14 Idem “Identidade e Esperança do Povo de Deus”, em Os profetas e a luta do povo , s/nº, 1986. 15 MENDONZA, Claudia, “Malaquias: El Profeta de la Honra de Dios”, em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, vol. 35 – 36 Quito-Ecuador, 2000.

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Existem outros artigos e notas exegéticas de grande importância para o estudo

exegético- literário do livro de Malaquias16.

Ainda deve-se citar a contribuição da tese de Alessandro Gallazzi17 sobre o

segundo templo e das pesquisas mais recentes do pós-exílio, especialmente nos livros

de Esdras e Neemias.

Grande parte da produção mais recente do livro de Malaquias deu-se nas

décadas de 80 e 90 do século XX. Este é um fato interessante e relevante,

especialmente no Brasil, porque como no período de Malaquias, o Brasil e outros

países latino-americanos buscavam reconstruir suas vidas após longos anos de

ditadura militar e, para alguns, de exílio.

A pesquisa em Malaquias segue desafiadora. E esta pretende dar continuidade

às pesquisas realizadas direcionando seu foco para alguns problemas que conduzirão

a alguns resultados relevantes para o contexto atual.

A investigação da vida no período de Malaquias é bastante complexa, pois

poucas fontes bíblicas abordam esse mesmo período. Mas fontes anteriores (Deutero-

Isaías, Ageu e Zacarias) e posteriores (Esdras, Neemias) auxiliam no entendimento

da mensagem mediante os desafios de seu tempo.

Esta pesquisa se delimitará historicamente no período de dominação persa,

mais especificamente, no período de Dario I (522-486 a.C.) e Xerxes (486-465 a.C.).

A pesquisa se concentrará na exegese de Malaquias com ênfase para o quarto oráculo

(2,17-3,5), pois este consiste em uma síntese da mensagem profética. A pesquisa terá

como foco principal a preocupação do profeta com o estabelecimento da justiça na

vida do povo judaíta no século V a.C. durante a dominação persa.

Os destinatários da mensagem de Malaquias vivenciavam em Judá, no século

V a.C., conflitos de ordem sócio-patrimonial, política e religiosa. Muito desses

16 Faz-se destaque dos seguintes artigos: FULLER, Russel, “Text -Critical Problems in Malachi 2: 10-16” em Journal of Biblical Literature, vol.110 nº 1, 1991, p. 47-57; GALLAZZI, Alessandro, “De nada vale a gordura dos holocaustos: uma crítica popular ao sacrifício do segundo templo”, em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, vol.10, Petrópolis/São Leopoldo: Vozes/Sinodal, 1991/3, p. 46-60; JONES, Clyde David, “A note on the LXX of Malachi 2:16”, em Journal of Biblical Literature, vol.109 nº 04, 1990, p. 683-685; MALCHOW, Bruce V., “The messenger of the Covenant in Mal 3:1”, em Journal of Biblical Literature, vol.103 nº 02, 1984, p. 252-255; GLAZIER, Beth McDonald, “Malachi 2:12: ‘er we’oneh-Another Look”, em Journal of Biblical Literature, vol. 105 nº 2, 1986, p. 295-298; REDDITT, Paul L, “The Book of Malachi in its Social Setting”, em The Catholic Biblical Quartely, vol.56, nº 2/ April, 1994, p. 240 – 255; RIBERA, Josep, “El Targum de Malaquias”, em Estudios Bíblicos vol. XLVIII Cuaderno 2, Madrid: Segunda Época, 1990, p. 171 - 197. 17 GALLAZZI, Alessandro, Alguns mecanismos de opressão do segundo templo , São Bernardo do Campo: Instituto Metodista de Ensino Superior, 1996.

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problemas estavam vinculados ao retorno de alguns judaítas que viveram o exílio na

Babilônia e, em seu regresso, desejavam restabelecer-se nas suas propriedades

familiares, bem como, restabelecer Jerusalém e o seu status de capital.

Outra fonte de conflito estava ligada às expectativas políticas sob a recente

submissão à Pérsia e, a conseqüente, alteração política para o território de Judá. O

conflito ainda se estabelecia em decorrência dos interesses de Jerusalém e da

reconstrução do templo como direcionador autorizado para a vida da população.

Para entender a mensagem de Malaquias faz-se necessário identificar os

conflitos sociais, políticos e religiosos que promoviam a desestabilização da vida do

povo que se corroia com a prática das injustiças.

A ausência da justiça na prática cotidiana foi um fato descrito na mensagem

de Malaquias. Esta se deveu à conivência e à omissão dos sacerdotes, responsáveis

diretos pelo ensino e pela observância das leis que conservariam a justiça na vida do

povo (tanto pelas tradições israelitas quanto pela prática política do domínio persa).

Diante desta problemática, a pesquisa buscou entender como o livro de

Malaquias tratou os conflitos sócio-religiosos e a quem se dirigiu e responsabilizou

pela prática das injustiças; também visou entender como os conteúdos, as influências

teológicas e as soluções apresentadas nos oráculos norteavam para as transformações

necessárias para uma vida mais justa; e ainda visou identificar a preocupação básica

e majoritária no livro de Malaquias.

Para a pesquisa foram propostas algumas hipóteses. Estes constituem-se

como respostas provisórias que, pela verificação metodológica, pretendem oferecer

soluções aos problemas levantados para a referida pesquisa.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa, propôs-se que o quarto oráculo de

Malaquias (2,17-3,5) fornece uma síntese dos conteúdos da mensagem do profeta

que apresenta, com o interesse prioritário, o restabelecimento da confiança na justiça

para a vida do povo, mas para isso aponta a ação de Javé, que viria com juízo, entre

aqueles que haviam desrespeitado as leis deuteronômicas, incluindo os sacerdotes.

Como síntese preocupou-se em desenvolver o tema da justiça especificando os

problemas que estavam causando injustiças e opressão entre o povo sobre as bases da

aliança deuteronômica; dimensionando, sob a influência da escatologia profética, a

vinda de um “mensageiro” que levaria o povo a uma mudança de caminho voltando-

se mais uma vez para a presença de Javé entre o povo.

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A averiguação desta hipótese desdobra-se fazendo necessária a verificação

dos conteúdos e da forma do livro de Malaquias. Assim sendo, também propõe-se

que o livro de Malaquias, por sua forma e conteúdos, baseia-se em pontos teológicos

convergentes entre os grupos que habitavam o território de Judá para uma

reestruturação sócio-político-religiosa, à partir do templo de Jerusalém. Mas, o

profeta, declarou-se divergente preferindo um grupo sacerdotal (os filhos de Levi)

minoritário questionando, assim, a proeminência da liderança dos sadocitas que não

estavam demonstrando-se capaz para restabelecer as leis da aliança e,

principalmente, restabelecer a justiça na vida do povo.

Um outro desdobramento necessário para a verificação da hipótese deve

estender a pesquisa à penetração e à relevância da mensagem do profeta em seus

dias. Assim sendo propõe-se que o livro de Malaquias está plenamente identificado

com os problemas e confrontos sócio-religiosos de seu tempo e, tem como

preocupação majoritária, o restabelecimento da justiça na vida do povo judaíta, tendo

o quarto oráculo (2,17-3,5) como o mais específico denunciamento das opressões

vivenciadas no século V a.C. no território de Judá.

Por estas hipóteses, pretende-se verificar que o livro de Malaquias e, mais

especificamente o quarto oráculo (2,17-3,5), descreve a crise sócio-político-cultural-

religiosa vivida no século V a.C., com o tom de denúncia para o julgamento divino

sob a forte influência da teologia deuteronômica e da escatologia profética como

mensagens de esperança para a reconstrução da vida em justiça no diversificado e

conflituoso território de Judá e, com maior especificidade, para os que habitavam em

Jerusalém e as comunidades em seu entorno.

A pesquisa de textos bíblicos tem o desejo de se aproximar das origens do

texto analisado. A exegese tem como alvo interpretar o texto de forma minuciosa

percorrendo os procedimentos das ciências literárias, das ciências históricas, dentre

outras, para alcançar um resultado devidamente avaliado pelo pensamento crítico.

A pesquisa de textos, pela exegese, deve “reunir um maior número possível

de informações sobre as particularidades culturais, sócio-políticas e religiosas

necessárias à compreensão dos textos”18.

Assim, a exegese pretende aclarar as situações descritas no texto tornando-os

compreensíveis para as pessoas que vivem em outra época tornando ouvida a

18 WEGNER, Uwe, Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia, São Leopoldo/São Paulo: Sinodal/Paulus, 1998, p.12.

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intenção que o texto teve em sua origem para verificar em que sentido as opções

éticas e doutrinais podem ser reafirmadas ou revistas.19

Esta pesquisa pretende analisar o livro de Malaquias pela síntese apresentada

no quarto oráculo (2,17-3,5) através de uma avaliação do contexto vivencial e das

preocupações básicas do profeta enfatizando o estabelecimento da justiça para a vida

do povo.

A pesquisa bibliográfica se dará a partir de análises das fontes exegéticas, das

fontes históricas que abordem a dominação persa e o período pós-exílico no território

de Judá. Também serão utilizadas as fontes de introdução ao Antigo Testamento e

obras mais específicas sobre o livro de Malaquias e de seus contemporâneos.

Foram considerados os princípios exegéticos histórico-críticos buscando

extrair, a partir de seus critérios, a mensagem do profeta e o seu foco no

restabelecimento da justiça entre o povo de Judá.

A pesquisa “Malaquias mensageiro da justiça: um estudo a partir do quarto

oráculo (2,17-3,5)” está dividida em três capítulos. São eles:

O primeiro pretende apresentar o livro de Malaquias como um livro de

confronto com os diversos problemas de seu tempo. Neste, o livro de Malaquias é

apresentado literária e historicamente buscando identificar os destinatários da

mensagem, as teologias que nutriam ou desnutriam a fé e também apresentando uma

discussão sobre a sua autoria.

O segundo apresenta uma exegese do quarto oráculo (2,17-3,5) descrevendo

as injustiças cometidas e as ações transformadoras de Javé para a sociedade judaíta.

Neste, destaca-se a preocupação com a ascensão de outro grupo de sacerdotes como

instrumentos autorizados por Javé para a restauração das leis da aliança em Judá e,

conseqüentemente, da justiça entre os habitantes daquela região.

O terceiro capítulo focaliza a mensagem específica sobre a justiça no livro de

Malaquias destacando especialmente três oráculos: o terceiro (2,10-16); o quarto

(2,17-3,5) e o sexto (3,13-21). Também são apresentadas as posturas dos

dominadores persas como política jurídica para os povos dominados e a descrição

social no território de Judá.

O livro de Malaquias aborda problemas práticos do seu dia-dia. Sua

mensagem traz reflexões sobre a necessária busca pela justiça para todos. Por isso,

19 WEGNER, Uwe, Exegese do Novo Testamento, p.12-13.

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essa pesquisa traz respostas tão relevantes para as sociedades hodiernas e ensina os

valores de Deus para o justo tratamento de todos.

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CAPÍTULO I

UM LIVRO DE CONFRONTOS EM BUSCA DA JUSTIÇA

O livro de Malaquias encerra o livro dos doze profetas da Bíblia Hebraica. No

cânon cristão o “livro dos doze” é mais comumente chamado de “profetas menores”:

sendo compreendido como doze livros distintos. A posição canônica de Malaquias

pode levar ao entendimento que o livro constituiu-se em um último grito da profecia.

Nesta primeira parte da pesquisa pretende-se localizar o livro: literária,

histórica e estruturalmente. Após o que, também se pretende apresentar a intenção

confrontadora dos oráculos com as realidades políticas de seu tempo e, ao mesmo

tempo, um interesse de conciliar em sua pregação as várias teologias de Judá no

século V a.C.

1.1. Uma breve discussão da história literária

O livro de Malaquias é composto de três capítulos (na Bíblia Hebraica). Na

busca da história desse texto, argumentou-se que os três capítulos de Malaquias

foram acrescentados por um redator ao livro de Zacarias e que, só posteriormente,

voltou a ter existência autônoma motivado pelo interesse de obter para o último livro

profético o número paradigmático “doze”20.

A referida hipótese sustenta um vínculo entre Zc 9,1; Zc 12,1 e Ml 1,1 por

causa do emprego inicial da fórmula

hw;hy]-rb'd] aC;m' “sentença”; “palavra de

Javé”. Por esse motivo, afirma-se que estes três blocos literários (Zc 9-11; Zc 12-14 e

Ml 1-3) constituem-se em três livros anônimos que foram agregados ao livro dos

doze e, que de alguma forma, os dois primeiros fixaram-se juntamente com Zc 1-8 e

o último alcançou status independente tornando-se o último livro dos doze.21

Os três capítulos de Malaquias parece ter alcançado sua condição

independente por suas características próprias. O livro possui uma coerência 20 Confira SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1977, vol 2, p.709. 21 Confira MENDOZA, Cláudia, Malaquias: El profeta de la honra de Dios em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, vol.35-36, p.227-228.

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redacional onde foi utilizado um único gênero literário na construção de seus

oráculos. Seu estilo sistemático foi marcado pelas orações curtas na forma direta22.

Em seu discurso, há predominância da forma sociável de introdução na qual o

pensamento a ser discutido foi posto abaixo na forma de uma verdade reconhecida23.

Suas idéias são marcadas pelo vínculo com as tradições deuteronomísticas e não se

encontram influências das tradições sacerdotais24.

Ainda no interesse de compreender a história do texto de Malaquias há quem

afirme que o livro foi composto a partir de duas séries de mensagens escritas: uma de

acusação aos sacerdotes e a outra de acusação à comunidade25. Sendo estes,

posteriormente, ajuntados com o objetivo de fortalecer a comunidade levítica e a

renovação da aliança através desse grupo.

O livro é constituído de seis oráculos construídos como demandas legais

(controvérsia, diálogo): 1,2-5; 1,6-2,9; 2,10-16; 2,17-3,5; 3,6-12; 3,13-21 e uma

moldura que inclui: uma introdução (1,1) e dois apêndices (3,22-24). Entretanto, Keil

propõe uma divisão diferente para os oráculos de Malaquias. Ele propõe uma divisão

em três seções (1,6-2,9; 2,10-16; 2,17-3,24 [4,6]) que organizam os conteúdos para

indicar os pensamentos principais dos endereços orais do profeta.26 Quanto a

compreensão da estrutura, há maior consenso para a primeira forma apresentada.

1.2. Um livro inserido no período de dominação dos persas

A mensagem do profeta Malaquias se apresenta frente a um contexto

desafiador. Não há no texto, uma indicação histórica precisa para sua atuação, mas os

oráculos dão sinal de seu tempo.

O livro apresenta alguns indícios importantes para se concluir acerca de seu

tempo histórico. Há uma indicação literária em 1,8 que faz menção ao

hj'P, “governador” através de um termo, quase só existente na literatura

22 BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias, Malaquias: Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1972, p. 179. 23 KEIL, C.F., Commentary on the Old Testament in Ten Volumes: Minor Prophets, vol.10, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, reimpressão, 1982, p.428. 24ALONSO SCHÖKEL, Luis, Profetas 2, São Paulo: Paulinas, 1991, p.1241. e SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg, Introdução ao Antigo Testamento, p.710-711. 25 REDDITT, Paul L., The Book of Malachi in Its Social Setting em Catholic Biblical Quartely, vol.56, nº2, April, 1994, p.241. 26 KEIL, C.F., Commentary on the Old Testament in Ten Volumes, p.428.

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pós-exílica, dando sinais do domínio persa (termo também encontrado em Ag 1,1;

Ne 5,14)27.

Outro fator é a indicação que o templo e o sacerdócio já estavam em

funcionamento e já mostravam sinais de enfraquecimento nos serviços (1,6-2,9). No

conteúdo dos oráculos não se vê uma distinção entre o sacerdócio oficial e os

levitas28 e não se menciona uma franca proibição aos casamentos mistos sendo

contrário à dissolução dos matrimônios (2,10-16)29.

Ainda há quem mencione como argumento para a data do livro a destruição

de Edom (1,2-5). Entretanto, é difícil precisar historicamente a destruição política no

território de Edom, pois tal pode ser compreendida como um longo processo de

infiltração árabe ao longo de todo o século V a.C30 onde os nabateus acabaram por

suplantar os edomitas nas regiões meridionais e na Palestina.

Pode-se então concluir que o livro de Malaquias se localiza no século V a.C.,

após a reconstrução do templo (515 a.C., nos dias de Dario I) e antes das presenças

de Neemias (445 a.C) e Esdras (398 a.C.).31

27 BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias, Malaquias, p. 178. 28 NAKANOSE, Shigeyuki e PEDRO, Enilda de Paula, Como ler o livro de Malaquias: Defender a tradição ou a vida?, São Paulo: Paulus, 1996, p.11. 29 FOHRER, Georg, História da Religião de Israel, São Paulo: Paulinas, 1982, p.442. 30 MENDOZA, Claudia, Malaquias: El profeta de la honra de Dios em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, vol.35-36, p.226-227. 31 Há discussão acerca das datas quanto ao período das missões de Esdras e Neemias. Há aqueles que consideram Esdras e Neemias como contemporâneos em 458 a.C. [confira BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias e Malaquias - Introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1972, p. 178] e quem os localiza em 428 a.C. [confira BRIGHT, John, História de Israel, São Paulo: Paulinas, 4ª edição, 1978, p.546-547]; Há quem admita que Neemias antecede a Esdras. Esses localizam a primeira etapa de Neemias em 445 a.C. e sua segunda etapa em 433 a.C [confira CAZELLES, Henri, História política de Israel: Desde as origens até Alexandre Magno, São Paulo: Paulinas, 1986, p.222-223 e 226; BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias e Malaquias, p. 178; JAGUARIBE, Hélio, Um estudo crítico da história, São Paulo: Paz e Terra, 2001, p.225 e TÜNNERMANN, Rudi, As reformas de Neemias: A reconstrução de Jerusalém e a reorganização de Judá no período persa, São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 125]; Rainer Albertz localiza as missões de Neemias (444-432) no tempo de Artaxerxes I e de Esdras (404-358) no tempo de Artaxerxes II [confira ALBERTZ, Rainer, Historia de la religión de Israel en tiempos del Antiguo Testamento I, vol.2, editorial Trotta, p.581.]. Rudi Tünnermann apresenta três opiniões para o exercício de Esdras: 458 a.C baseada na consideração do sétimo ano de Artaxerxes I (Ed. 7,7); 428 a.C. baseando-se numa proposição que o texto de Ed. 7,7 foi corrompido e 398 a.C. referindo-se ao sétimo ano de Artaxerxes II [confira TÜNNERMANN, Rudi, As reformas de Neemias p. 126.]. Will Durant considera a data para Esdras em 444 a.C. [confira DURANT, Will, A história da civilização: Nossa herança oriental, vol.1, Rio de Janeiro: Record, 3ª edição, 1963, p.221.]

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Os/as vários/as comentaristas localizam o livro de Malaquias no pós-exílio

após o auge do domínio persa (os dias de Dario I: 522-486 a.C.) e como testemunha

do declínio com Xerxes, podendo estender seu período até Artaxerxes II (404-359/8

a.C.) quando o domínio persa, após um declínio esboçava uma pequena reação.32

Portanto é importante distinguir entre dois momentos políticos com

características distintas: um primeiro momento que reflete a política de Ciro (559-

539 a.C.) e Cambises (530-522 a.C.) e um segundo que reflete a política de Dario I

(522-486 a.C.) e Xerxes I (486-465/4 a.C.).

A conquista da Babilônia pelos persas sob o comando de Ciro (538 a.C.)

impulsionou um movimento que atingiria e alteraria o território da Palestina onde se

situava a província de Judá. A conquista da Babilônia por Ciro manifestou o

surgimento de um líder com uma grande qualidade diplomática e, igualmente,

poderoso com seu exército.

O governo de Ciro sobre os territórios antes dominados pela Babilônia

possibilitou a migração de pessoas, que antes exiladas, poderiam voltar às suas

origens. Entretanto, é importante relembrar que o território da Palestina e,

especialmente, Judá continuou ocupada por agricultores e por pequenos criadores

que se estabeleceram em todo o território.

Por causa da preocupação militar, a Babilônia desmilitarizou e desurbanizou

esse território. Entretanto, Ciro reverteu essa política facultando aos exilados judaítas

o retorno às suas origens. Sua finalidade, provavelmente, era a de colocar pessoas de

sua confiança naquele lugar estratégico através da reurbanização daquele território.

Ciro com sua política cultural mais tolerante promoveu uma expectativa da

restauração de Judá com o retorno de suas elites exiladas. Entretanto, poucos judaítas

se entusiasmaram com o retorno à Judá, pois muitos já estavam erradicados na

32 Seguem as datas sugeridas para o exercício profético de Malaquias conforme alguns/mas comentaristas: 465 a.C. [FOHRER, Georg, História da Religião de Israel, p.441]; 485-445 a.C. [SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg, Introdução ao Antigo Testamento, ,Vol 2, p.711]; 480-450 a.C. ou 433-430 [ALONSO SCHÖKEL, Luís, Profetas 2, p.1241]; 515-445 a.C. [NAKANOSE, Shigeyuki e PEDRO, Enilda de Paula, Como ler o livro de Malaquias, p. 11]; 515-458 a.C. [GORGULHO, Gilberto, Malaquias e o discernimento da justiça em Estudos Bíblicos vol.14, p.20] e 515-456 a.C. [REDDITT, Paul L., The Social Setting of Malachi em The Catholic Biblical Quartely, Vol. 56, nº 02, p.242].

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Babilônia e hesitaram em abandonar seus campos férteis e seu comércio florescente

por uma dura recons trução em seu território de origem33.

Ciro decidiu estruturar seu império por outros meios que não pela

uniformidade religiosa - cultural. Desta forma, aparentemente mais tolerante, Ciro se

estabeleceu como um patrono do culto a Javé. Mas torna-se notório que patrocinava

o culto e a cultura local com o objetivo de conquistar um consenso para sua

administração, pelo menos a anuência dos sacerdotes (formadores de opinião).34

Diante desta decisão político-estratégica, Ciro, não se preocupou com o

desenvolvimento de uma política específica entre os que habitavam o território de

Judá. O novo dominador modificou a política de ocupação para o território da

Palestina e, para isso, seriam necessárias ações mais consistentes para a implantação

deste novo projeto de reurbanização.

O conflito foi inevitável entre os grupos que estavam estabelecidos em Judá e

em Jerusalém. Entretanto, a Ciro interessava mais a fidelidade a ele e aos interesses

imperiais do que, necessariamente, a prosperidade sócio-político-econômica da

região de Judá.

Para o desenvolvimento da nova política persa para o território da Palestina,

Ciro, comissionou e responsabilizou Sesabassar (539-529 a.C.) como portador dos

utensílios do templo e de algumas posses para o início da reconstrução do templo de

Jerusalém. Entretanto, o apoio de Ciro não foi ostensivo e os resultados não foram os

mais produtivos.35 Com ele apenas uns poucos judaítas retornaram para Jerusalém. E

havia pouco interesse pelo projeto de reconstrução do templo pelos judaítas que

permaneceram como habitantes de Judá no período do exílio.

O projeto de reconstrução do templo de Jerusalém foi uma atitude política de

Ciro que visava, em seus projetos imperialistas, o domínio do Egito como a porta de

entrada para a África. Ciro intentou, com a reconstrução do templo, angariar simpatia

no território da Palestina e, ao mesmo tempo, desfrutar de prestígio entre os judaítas

que permaneceriam na Babilônia. Desta forma, atenderia o pedido dos exilados na

33 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, Vol.2, Rio de Janeiro: Record, 3ª ed., 1963, p.221. 34 PIXLEY, Jorge, A história de Israel a partir dos pobres, Petrópolis: Vozes, 4ª ed., 1996, p.91-92. 35 Henri Cazelles afirmou que Ciro não apoiou Sasabassar, pois se preocupava mais com o leste porque confiava na liderança do oeste. Confira CAZELLES, Henri, História Política de Israel: desde as origens até Alexandre Magno, São Paulo: Paulinas, 1986, p.214.

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Babilônia 36 fortalecendo os laços em dois lugares estratégicos para a manutenção de

seu poderio imperial.

Após a morte de Ciro, seu filho Cambises, reinou em seu lugar. Em seu

período de governo deu seqüência aos projetos imperialistas de seu pai. Deu

continuidade ao projeto migratório dos judaítas para o território da Palestina,

especialmente, por causa da designação de Zorobabel como um administrador local

para Jerusalém37 e, principalmente, quanto a ofensiva militar contra o Egito.

A política de Cambises não pode ser considerada comum para o império que

se instituiu com respeito às religiões e culturas dos povos dominados. Cambises

cometeu muitos excessos no poder. São mencionados alguns desses excessos:

mandou matar seu irmão e rival, Esmérdis e sua irmã mais jovem e esposa Roxana 38;

insultou a religião egípcia e as suas tradições; matou seu filho Prexaspes; enterrou

vivos, de cabeça para baixo, doze nobres persas.39

O governo de Cambises se caracterizou pela expansão territorial pelas

conquistas militares, especialmente pelo domínio do Egito e das regiões vizinhas: os

líbios, os cirineus e os barceus. Seu intento imperialista foi contido pela falta de

estratégia e pela resistência dos etíopes. Retrocedeu com seu exército enfraquecido

sem alcançar maiores conquistas na África.

Neste período da conquista do Egito, o território de Judá permaneceu

dezessete anos sem prosperidade, ainda que outros já começassem a prosperar com o

império persa. Neste tempo, Jerusalém continuava deserta. O templo estava em

ruínas. Um grupo já havia retornado. Esperavam por outros repatriados e ainda

conviviam com confrontos entre as autoridades, provavelmente com as de Samaria.40

Foi neste mesmo tempo, de crescimento territorial-político, que um golpe de

poder foi idealizado e executado na Pérsia. Cambises deixou o Egito para sufocar a

revolta em Susa. A caminho parece ter sofrido um acidente que o levara à morte41.

Mas a tradição diz que Cambises cometeu suicídio 42.

36 SCHWANTES, Milton, Sofrimento e Esperança no Exílio, p. 119-120. 37 AMSLER, Samuel, Os últimos profetas: Ageu, Zacarias, Malaquias e alguns outros, São Paulo: Paulus, 1998, p.13 [Cadernos Bíblicos 72]. 38 HERÓDOTO, História: o relato clássico da guerra entre os Gregos e Persas, São Paulo: Ediouro, 2ª edição reformada, 2000, p.337-338. 39 DURANT, Will, A História da Civilização, p. 238 e HERÓDOTO, História, p.337-358. 40 CAZELLES, Henri, História Política de Israel, p. 214. 41 HERÓDOTO, História, p.358-364. 42 DURANT, Will, A História da Civilização, p. 238

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Depois da morte de Cambises, o golpista Esmérdis, se manteve no trono por

aproximados sete meses. Sua manutenção no trono deveu-se a ardilosa estruturação

do golpe, pois esse assumiu a identidade do irmão de Cambises morto por sua

ordem. 43

Do golpe à retirada do poder, o império persa viveu dias de instabilidade. Até

que se restabelecesse no trono um dinasta reconhecido, os vários territórios

dominados iniciavam suas revoltas e insurreições contra o domínio persa. Após toda

essa confusão política ascendeu ao trono Dario, filho de Hystaspes, um dos nobres

revolucionários que auxiliou na desarticulação do golpe sobre o trono persa.

Neste período turbulento no império persa, a província de Judá, sob a

liderança de Zorobabel, nutriu uma expectativa do restabelecimento da autonomia

política (veja as profecias de Ageu e Zacarias), entendendo ser este o momento

prometido pelos profetas para a restauração política de Jerusalém e de Judá.

Ao assumir o trono, Dario I passou aproximados cinco anos sufocando as

várias rebeliões nos territórios dominados pelos persas, especialmente o Egito.44

Também instituiu Zorobabel como governador (520 a.C.) com a missão de restaurar

o templo e de aplicar o decreto de Ciro. Entretanto, em 518 a.C., quando Dario foi

pessoalmente ao Egito, já não se houve mais falar de Zorobabel como ungido de

Javé, como aquele que levaria a colônia de Judá à sua independência .45

A sucessão dos reis no Oriente era marcada não só pelas revoluções do palácio como por levantes de colônias, que se aproveitavam do momentâneo caos ou da inexperiência do novo governante para as suas tentativas de liberdade.46

A liderança de Zorobabel parece ter sido sufocada como os demais líderes

que se insurgiram contra o império persa.

Neste momento da história, uma linha divisória foi traçada na administração

do domínio persa sobre os povos submetidos. A partir de Dario I, o império persa

passou por modificações profundas na forma de dominar os povos. Durante os

governos de Ciro e Cambises a força e a diplomacia eram os seus regulamentos. As

arrecadações e políticas opressivas não obedeciam a critérios rígidos.

Dario ascendeu o trono (522 a.C.) num momento de instabilidade e, após

conter as revoltas, estabeleceu suas principais ações que se direcionavam à parte

43 HERÓDOTO, História, p. 358-364. 44 CAZELLES, Henri, História Política de Israel, p. 214-215. 45 Idem, p. 215. 46 DURANT, Will, A História da Civilização, p. 239.

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administrativa do império. Desta forma, “seu poder consolidou-se em todos os

aspectos”47.

Dario I estabeleceu uma nova fase do domínio aos outros povos. Mantém-se

tolerante quanto a cultura e a religião (conforme a política de Ciro), mas agravou

sobremaneira a tributação. Organizou os povos dominados por departamentos

(conhecidas como satrapias) com uma administração simples e confiável48. Cada

satrapia possuía um governador tendo, junto a ele, um secretário do rei. Em qualquer

momento a satrapia poderia receber inspeção por ordem do rei.49

Dario I enfrentou, durante o seu reinado, várias rebeliões. Diante das

insurreições era extremamente ágil para sufoca-las e restabelecer o seu domínio. No

enfrentamento das rebeliões os persas manifestavam todo seu poder militar50 e

forçava com crueldade a continuidade do domínio.

Foi no período de Dario I que se desenvolveu grande parte da história dos

dias de Malaquias em Judá. Foi também neste momento da história que a

reconstrução do templo chegou à plena conclusão (515 a.C.), após longos anos de

espera.

O território de Judá tornou-se estrategicamente importante para o complexo

de estradas que unia o território dominado pelos persas, bem como, por causa da rota

comercial. Por isso, desde o fim do século VI já se encontram vestígios do período

de domínio da Pérsia no território de Judá. E ainda, no século V encontram-se selos

gravados com o nome da Yehud. E no século IV já se pode encontrar moedas

cunhadas com a inscrição Yehud (Yhd).

O reinado de Dario I estendeu-se até 486 a.C. Neste período logrou sucesso

em muitas expedições submetendo vários outros povos. Não se pode distinguir uma

política específica para cada satrapia. A política implantada por Dario estabelecia

47 HERÓDOTO, História, p.383. 48 Quanto às satrapias (departamentos ou províncias) existem algumas informações destoantes: No registro histórico de Heródoto tem-se a informação que Dario I dividiu o império em vinte satrapias e que o território da Palestina estava incluído na quinta satrapia; Henri Cazelles menciona que na inscrição de Behistun, Dario havia enumerado vinte e três satrapias, mas que na estátua trilingüe encontrada em Susa contam-se vinte e quatro e que no fim de seu reinado se poderia contar trinta e uma; Entretanto, menciona Cazelles: A Judéia nunca aparece nessas listas, nem mesmo Samaria [Confira HERÓDOTO, História, p.384-386 e CAZELLES, Henri, História Política de Israel, p. 218]. 49 HERÓDOTO, História, p.383 e 406. 50 Heródoto narra que, após um demorado cerco na Babilônia, Dario fez-se novamente senhor da cidade mandando demolir as muralhas e retirar todas as portas. Em seguida mandou crucificar cerca de três mil homens entre os mais ilustres da Babilônia [Confira HERÓDOTO, História, p.428.].

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uma certa autonomia comercial, cultural e religiosa desde de que se mantivessem

fiéis aos interesses do império e em dia com o pagamento dos tributos devidos.

Entretanto, os empreendimentos do império estavam sobrecarregando, à cada

dia, a vida dos povos dominados. As investidas para submeter outros povos custava

muito para quem trabalhava para pagar as contas do rei e de seu exército. Dario

empreendeu muitas batalhas para manter o controle do oeste da Ásia e da Europa. E

seu último projeto foi arregimentar um grande exército para empreender guerra

contra a Grécia.

Dario I gastou seus últimos anos de vida para formar um grande exército para

submeter os povos da Grécia, mas a morte o surpreendeu no meio destes

preparativos.

Assumiu o trono em seu lugar seu filho Xerxes (486-465/4 a.C.). Herdou o

trono e um projeto de guerra caríssimo. Manteve o agravamento tributário e a

arregimentação de soldados em todo império para empreender tal batalha. Os povos

dominados pagavam o alto preço com vidas e dinheiro.

Xerxes precisou trabalhar para sufocar rebeliões em vários lugares do

império, especialmente o Egito (484 a.C.)51. E nas expedições posteriores sofreu

derrotas em Platéias e em Míclates (479 a.C.). Após essas frustrações, Xerxes se

concentrou nas construções de Persépolis e no harém, sendo assassinado por Artaban

(465/4 a.C.)52.

É provável que os dias de Malaquias estejam inseridos no contexto de grande

opressão implementada pelos persas (nos dias finais de Dario I e nos dias de Xerxes).

O território de Judá continuou como um ponto estratégico em ambos governos, pois

os dois monarcas tiveram como primeiros atos a contensão da rebelião no Egito.

Desta forma, estava assegurada a relevância da Palestina para os persas, não como

uma unidade produtiva, mas como rota comercial e militar.

Em todo esse tempo, o povo judaíta continuou com certa autonomia sócio,

política, cultural, comercial e religiosa. Mas sobre eles pesava o alto custo do

império. A prosperidade das capitais persas e a manutenção das situações precárias

para os habitantes de Judá e de Jerusalém refletiu na crise teológico-religiosa que

desencadeou uma descrença na ação de Javé e nas diversas ações contrárias às leis da

aliança.

51 HERÓDOTO, História, p.749-750. 52 CAZELLES, Henri, História Política de Israel, p. 221.

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O livro de Malaquias parece refletir os dias de agravamento persa sobre suas

colônias e a grande insatisfação por viver uma vida para sustentar os projetos e o

luxo de outros.

1.3. Os destinatários da mensagem de Malaquias

A pesquisa bíblico-exegética requer para uma melhor análise textual

identificar os primeiros destinatários dessas mensagens. Este trabalho de pesquisa

propõe uma identificação dos destinatários dessas mensagens a partir do estudo da

população que habitava o território de Judá no século V a.C. e também de suas

influências teológicas.

1.3.1. A distinção dos dois grupos envolvidos: o povo da terra e os que

voltaram do exílio

Malaquias reflete, provavelmente, um período histórico de conflitos e

desarticulações que levou o povo e, especialmente, os habitantes de Jerusalém que

retornaram do exílio a um desarraigamento sócio-cultural-religioso capaz de abafar a

esperança de uma vida reconstruída e de abandonar os sentidos primeiros de sua

religião.

A maior parte dos profetas viveu e profetizou em dias de mudança e inquietação política, mas Malaquias e seus contemporâneos viveram em um período de espera, em que nada acontecia e Deus parecia ter esquecido seu povo que sofria de pobreza e da dominação estrangeira na pequena província de Judá.53

O livro documenta a crise e os desafios da vida plural: étnica e

teologicamente. O desafio era de encontrar uma unidade que promovesse um retorno

dos ideais de justiça para a vida, baseado em suas profundas convicções religiosas.

Entretanto há que se refletir de uma forma mais global sobre a quem, de fato,

se referia e se dirigia a palavra do profeta? Para isto, faz-se necessário analisar como

estava constituída a população na Palestina e, especialmente, em Jerusalém neste

período específico do século V a.C. nos dias da dominação persa, e, posteriormente,

buscar entender as relações entre esses grupos para localizar o profeta, sua

mensagem e seu grupo alvo.

53 BALDWIN, Joyce G. Ageu, Zacarias, Malaquias, p. 176.

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Em um primeiro momento é necessário se reportar ao tempo anterior ao exílio

para que se esclareçam as faces do povo em Judá, em Jerusalém e as heranças que

esses grupos portavam como resultado de suas experiências históricas.

O exílio imposto pelos babilônios aos judaítas pode dividir-se,

provavelmente, em três grupos de despatriados: o primeiro grupo exilado para a

Babilônia foi a corte de Joaquim com alguns dos primazes de Jerusalém (597 a.C.)

que, posteriormente, foram assentados em uma área rural; o segundo grupo também

exilado para a Babilônia (587 a.C.), após a sangrenta derrota de Jerusalém, foi

igualmente assentada em áreas rurais; o terceiro grupo (e o mais questionado – 582

a.C.) de habitantes de Jerusalém teriam sido levados à Babilônia para também viver

em área rural. 54

Desta forma, os que foram exilados para a Babilônia eram moradores de

Jerusalém e, em sua maioria, líderes que não viviam no cultivo da terra e, sim, da

exploração dos que cultivavam a terra. Mas no exílio puderam permanecer juntos,

preservar a cultura, a fé e passaram a dedicar-se a uma outra atividade, o cultivo da

terra como forma de subsistência.55

Mesmo com o exílio dos habitantes de Jerusalém, o território palestinense

continuou ocupado pelo povo mais pobre da terra (Jr. 52,16). Estes constituíam a

maioria da população e se mantiveram na terra sob uma organização tribal. A

Babilônia desmilitarizou e desurbanizou a Palestina como uma estratégia de defesa

contra os egípcios.56

Estes habitantes de Judá, que permaneceram sedentarizados no território da

Palestina, trabalharam para conservar a religião javista. Neste período conservaram a

religião através de larga produção teológico-literária sendo responsáveis pela grande

produção da história deuteronomística.

Os habitantes da terra, além de manter a religião javista, trabalharam para

estabelecer um sistema político eficiente em um território dominado e desurbanizado,

onde pudessem prosperar em dias de abandono. Para isso, mantinham-se defensores

da estrutura social em famílias t/va' tyBe “casa dos pais” e

em associações de proteção th;P'v]mi “clã”. Estavam convictos

54 SCHWANTES, Milton, Sofrimento e Esperança no Exílio: História e Teologia do povo de Deus no século VI a.C., São Paulo/São Leopoldo: Paulinas/Sinodal,1987, p. 28-29. 55 SCHWANTES, Milton, Sofrimento e Esperança no Exílio, p. 29-30. 56 Idem, p.29-30.

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da forma social e não pretendiam perde- la. Defendiam-na como fiéis daviditas, sem

desejarem o retorno da monarquia, mas aguardando a promessa de um ungido capaz

de reorganizar o povo nas escatológicas promessas (Is. 61,1-3). Mesmo sendo

daviditas mantinham-se sempre críticos a Jerusalém.57

Em contrapartida, os exilados na Babilônia haviam perdido, não apenas o seu

lugar (Jerusalém), mas seu modo de vida. Não foram feitos escravos. É verdade que

estavam cerceados em sua liberdade geográfica, mas poderiam construir uma vida

nova na Babilônia nos moldes da vida rural.

Os exilados, assentados na Babilônia, estruturaram suas vidas naquele lugar

conseguindo alcançar proeminência em seus investimentos: quer rurais, quer

comerciais.

A religião entre os grupo de exilados foi mantida com a grande esperança de

voltar para Jerusalém para dias de glória ainda maiores (Ez 20,33-39; 36,16-38). O

profeta Ezequiel e grupos de sacerdotes mantinham esta esperança acesa, sob forte

ênfase sacerdotal. Esperavam restabelecer o ministério do templo para a restauração

da vida em Judá.

Ao fim do exílio, este grupo estava bem estabelecido na Babilônia. Assimilou

a nova forma de vida. Estabeleceram suas famílias e não se empolgaram muito com a

possibilidade de retornar às suas origens. Nem mesmo entre os sacerdotes (Ed. 8,15).

Poucos foram os que retornaram.

Os que retornaram esperavam o cumprimento das promessas gloriosas e

voltaram para reconstruir Jerusalém, o templo e suas condições de vida como antes

do exílio. Mesmo com o apoio das autoridades persas esses sonhos não se

concretizaram cabalmente e, os que foram alcançados, foram lentos e insuficientes

para sustentar e ampliar as relações de fé e de confiança nas palavras proféticas.

O reencontro desses dois grupos foi confrontador. Malaquias, em sua

mensagem, parece aceitar a estrutura social vigente em Judá, mas defende as

instituições de Jerusalém e o crescimento dessas. Manifestou descontentamento com

a atitude de incredulidade e com o estabelecimento da injustiça entre os habitantes de

Judá e de Jerusalém. Por esta perspectiva, a palavra de Malaquias parece dirigir-se

mais propriamente aos habitantes de Jerusalém que retornaram do exílio com o

desejo de ver restabelecida a glória da capital e do templo.

57 Idem, p.32-71.

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Ao tentar localizar as pessoas a quem se referiu o profeta Malaquias e sob que

ótica o profeta construiu sua mensagem, faz-se necessário lembrar dessas bases

históricas do período do exílio. É também importante discernir entre os discursos

teológicos que sustentavam esse duplo foco no pós-exílio: os habitantes de Jerusalém

exilados na Babilônia e os que permaneceram habitando e cultivando o território

desmilitarizado e desurbanizado de Judá.

1.3.2. A distinção teológica dos dois grupos

O período do exílio foi fértil na construção de teologias. Tanto os que

deixaram Jerusalém quanto os que continuaram em Judá precisaram reconstruir seus

pressupostos de fé. Pois, para ambos, houve uma ruptura na concepção teológica

acerca da ação de Javé na história sobre o povo e a sua aliança.

Os grupos exilados na Babilônia, constituídos basicamente da elite que

habitava a capital Jerusalém, manifestaram dois momentos em sua teologia (livro de

Ezequiel): um primeiro que aferrava a conclusão do juízo sobre Jerusalém e um

segundo momento, mais preocupado com a reconstrução da fé em Javé, que

apresentava a reconstrução de Jerusalém e de sua glória ampliando a esperança de

uma vida plenamente restaurada como ainda não vista.

O profeta Ezequiel é um dos referenciais para essa teologia. Via uma glória

maior que a anterior para o templo e para a vida em Jerusalém. Muito desta

perspectiva pôde ser re-visitada por Ageu e Zacarias 1-8 no encorajamento para a

reconstrução do templo e dos pronunciamentos acerca dos ungidos de Javé

(Zorobabel e Josué).

O Dêutero-Isaías também anunciava, no exílio, o ungido de Javé que

promoveria a libertação daqueles que estavam na Babilônia favorecendo “um novo

êxodo” restaurando a vida e a dignidade dos exilados na Babilônia.

Este primeiro grupo firmava-se em uma teologia da eleição e da soberania

que seria capaz de promover a restauração da aliança, do culto e da vida prometida

por Javé no território de Israel, um novo Israel.

É de fundamental importância o fato de não haver uma instituição formal que

apoiasse esse movimento. Outrossim, estava baseado em grupos formados

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espontânea e livremente para discutir a ação de Javé e o futuro58. Embora esses

grupos fossem alvo do forte amparo sacerdotal na construção de suas teologias.

O outro grupo era constituído pelos que permaneceram no território de Judá

para cultivarem a terra (os pobres, os sacerdotes e os levitas que estavam

desvinculados do templo de Jerusalém). Estes, ao longo do período do exílio, se

estabeleceram com dois focos teológicos diferenciados: um via a continuidade da

história na terra de Judá criticando a monarquia, mas dando força a uma expectativa

messiânico-davídica (os camponeses de Judá); e o outro via as dores de Sião e

nutriam uma esperança de uma nova Jerusalém, no templo reedificado

(provavelmente, sobreviventes de Jerusalém, levitas e cantores, profetas cúlticos e

sacerdotes interioranos).59

Assim, o pós-exílio apresenta-se como um período de diversidade étnica,

social e teológica; fruto de experiências diferenciadas no passado com a derrocada do

estado de Judá pela Babilônia.

A partir dessa realidade plural faz-se necessário identificar a origem e os

vínculos teológicos do profeta. Com isso, se pretenderá compreender a quem e a que

realidade o profeta dirige sua mensagem?

Em busca da identidade e das influências do profeta pode-se constatar que ele

estava estreitamente vinculado à teologia deuteronomística largamente desenvolvida

entre aqueles que viveram o período exílico no território de Judá.

O profeta estava também identificado com a teologia do templo e de

Jerusalém, pois não apresentou uma aversão completa às instituições sagradas:

sacerdócio, templo, sacrifícios. Outrossim, parece bem interessado em restaurar tais

práticas em Jerusalém e fortalece- la como cidade sagrada. Assim vincula-se aos

grupos que pretendem reconstruir Jerusalém: os que retornaram da Babilônia e

aqueles que ficaram no território de Judá com o interesse de ter reconstruída a vida

em Jerusalém como um centro sagrado.

Além disso, o profeta devotava uma preferência para os sacerdotes

descendentes de Levi60 (1,6-2,9; 3,2-4). Apresentava esse grupo, que não estava à

58ALBERTZ, Rainer, Historia de la Religión de Israel en tiempos del Antiguo Testamento, Vol.2, Editorial Trotta, p.571. 59 SCHWANTES, Milton, Sofrimento e Esperança no Exílio, p. 70-71. 60 Segundo Paul L. Redditt, o redator pertencia a uma dissidência da comunidade levítica e, em suas adições, prometera proteção à comunidade, conversão de alguns céticos, a purificação dos levitas e, conseqüentemente, adoração no templo no dia da vinda de Javé. Confira REDDITT, Paul L., The Book of Malachi, p.241.

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frente do templo, como uma esperança de dias mais fiéis à aliança. Portanto, alia-se a

um grupo sacerdotal que não estava em proeminência neste período.

Desta forma, pode-se deduzir que o profeta possuía um profundo vínculo com

Jerusalém, com o templo e com um grupo de sacerdotes (desprestigiados) que, por

sua ótica ou preferência, impulsionaria a transformação do culto e da justiça

cotidiana. Ao mesmo tempo estava vinculado aos ideais deuteronomísticos e, ainda,

não familiarizado com os pressupostos teológicos aronitas61que, posteriormente,

estruturaria a reforma sacerdotal.

Malaquias estruturou sua teologia nos pressupostos básicos da teologia do

povo da terra, especialmente, o apego à história e aos valores da lei deuteronômica;

mas também manifestava a importância de Jerusalém e do ministério do templo para

a plena concretização dos valores da lei. Assim sendo, parece que estava vinculado

àqueles que ficaram na terra como sobreviventes de Jerusalém ou como alguém da

linhagem dos sacerdotes que estava no interior e que permaneceram na terra. Isto

pode explicar o duplo vínculo teológico e a preferência pelo grupo preterido no

sacerdócio.

Malaquias parece entender que a restauração do povo e dos valores da lei

deuteronômica passaria por uma retomada da unidade entre os grupos divergentes

nos aspectos religiosos e sociais deste período. Assim sendo, parece pretender

sintetizar e aglutinar conteúdos comuns capazes de propor um novo momento para as

pessoas que estavam desanimadas com a aliança. A profecia aponta para uma

conciliação possível para restabelecer a unidade nacional. Para isso, se assentou na

teologia deuteronomista não a contradizendo, retomou as tradições paradigmáticas de

seus ancestrais (o sacerdócio aronita) como uma nova oportunidade e também

defendeu o restabelecimento de Jerusalém e do templo como foco central para as

ações do povo.

Na teologia de Malaquias, o templo e Jerusalém foram vistos como o lugar

sagrado reerguido para ser fonte da justiça e da conciliação cultural- religiosa para os

habitantes daquela região. Com isso, atendia a forte influência sacerdotal e as

esperanças proféticas buscando unir os grupos teologicamente.

Ao pretender uma conciliação, Malaquias apresenta sua mensagem a todo o

povo que se compreende na aliança: tanto os que retornaram da Babilônia quanto os

61 SIQUEIRA, Tércio Machado, El Proyecto Sacerdotal Aronita em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, vol.10, San Jose, Costa Rica, 1991, p. 47-53.

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que ficaram no território. Os grupos distinguiam-se sócio, cultural, geográfica e

teologicamente e, provavelmente, as frustrações advinham da inconformidade com as

realidades confrontadoras entre esses grupos e suas expectativas.

A mensagem de Malaquias se apresentou para o povo, mas também para os

sacerdotes (provavelmente em seus conflitos pelo poder). Dois de seus oráculos têm

um destino específico: os sacerdotes proeminentes neste período (1,6-2,9; 2,10-16;

3,6-12). Nestes, o profeta aponta suas falhas e promete um mensageiro que seria

capaz de modificar esse quadro através de um grupo eleito por Javé, que passaria por

uma purificação (3,2-4).

O livro de Malaquias encara os desafios e os confrontos de seu tempo.

Apresenta o que Javé lhe revelou: a inconformidade gerada pela realidade conflituosa

que redundou numa crise de fé pela compreensão da aliança; a crise que se

estabeleceu no próprio templo (sacerdócio); e a falta de unidade na aliança que

estava promovendo uma realidade de injustiça gerando um desarraigamento daquilo

que lhes era fundamental: o amor às leis da aliança e, ainda, a esperança

escatológico-transformadora.

1.4. O autor e a forma de comunicação

A introdução do livro, que apresenta a coleção de oráculos, é iniciada pela

palavra aC;m' “sentença”, “oráculo”, “peso”. Esta partícula pode descrever

uma fala profética de caráter ameaçador ou intimidatório 62 que apresenta o grande

peso a ser comunicado através dos oráculos. Esta série de mensagens de grande peso

ou rigor possui uma origem e um destino. A origem é divina: a palavra é de Javé

hw;hy]-rb'd] “a palavra de Javé”. E o destino da

mensagem aponta para uma comunidade reunida por Javé no pós-exílio firmada

numa aliança com esse mesmo Deus, laer;V]yi-la,

“a Israel”.

É também muito interessante o fato da introdução mencionar que essas

mensagens tão pesadas, ameaçadoras seriam entregues dy'B] “por mão” de

ykia;l]m' “meu mensageiro”. Isto pode indicar que as graves

62 HARRIS, R. Laird, e outros, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1005.

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denúncias dadas por Javé e direcionadas para o povo da aliança foram escritas e, não

necessariamente, proclamadas oralmente. Embora o tipo de discurso judicial

conserve traços de oralidade e, até mesmo, de um diálogo, há a probabilidade de todo

o livro ser uma obra literária fazendo do profeta um escritor e, não necessariamente,

um pregador.

O profeta seria alguém que recebeu de Javé as invectivas e as deveria

escrever. Deveria formular cada oráculo com o capricho literário. Deveria reservar os

sentidos pelas escolhas literárias. Talvez resida nisto, a justificativa para a

formulação de todos os oráculos num mesmo formato: a demanda judicial.

Esta expressão dy'B] “por mão” apresenta-se como uma provável

indicação que um profeta anunciaria suas graves mensagens na forma de um livro,

como quem elabora um roteiro para comunicar os oráculos recebidos. Sob as

normativas literárias o livro pode pretender esclarecer e dar respostas para todos os

pronunciamentos da parte de Javé. Se esta observação for considerada um fato, o

autor iniciou e finalizou a sua obra dando as respostas necessárias às suas perguntas

(3,22-24).

A mão escolhida para anunciar as graves denúncias de Javé para o seu povo é

a do ykia;l]m' “meu mensageiro”. Alguns poucos têm

entendido esse termo como um nome próprio63. O termo tem sido, mais comumente,

entendido como uma designação de função e de missão. Há, pelo menos, três

argumentos que justificam esta compreensão: O primeiro decorre do fato que a

septuaginta (LXX) traduziu ykia;l]m' por avgge,lou

auvtou/ “seu mensageiro” ou “mensageiro de si mesmo”; o segundo deve-se às

diversas tradições, especialmente as talmúdicas, que apontam várias personagens

históricas como os possíveis mensageiros64 e a terceira deve-se ao fato de que em 3,1

este termo é utilizado para descrever um agente de Javé e não uma pessoa específica.

63 Confira RIBERA, Joseph, El Targum de Malaquias em Estudios Bíblicos vol.48 caderno 02, Madrid: Segunda época, 1990, p.172. 64 Alguns intérpretes atribuem o livro a personagens históricas, tais como: Esdras em alguns manuscritos do targum de Jonatan, no Talmude TB Meg 15a e Jerônimo [confira em RIBERA, Joseph, El Targum de Malaquias, p.171-172 e ALONSO SCHÖKEL, Luís, Profetas 2, p. 1241]; Mardoqueu no Talmude TB Meg 11a [confira em RIBERA, Joseph, El Targum de Malaquias, p.172] e ainda, há menção que Malaquias, Esdras e Mardoqueu seriam companheiros na missão profética [confira em RIBERA, Joseph, El Targum de Malaquias, p.172].

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O termo ykia;l]m' “meu mensageiro” é a designação de

uma função. Este termo poderia descrever um mensageiro, ou seja, alguém que

representa outro com sua mensagem. Este mensageiro poderia ser descrito na Bíblia

Hebraica como sendo de natureza humana (arauto, profeta, representante legal em

uma missão específica) ou divina (anjo, um ser celeste).

Desta forma, a mão escolhida para registrar as graves palavras de Javé contra

o seu povo e os seus sacerdotes é, provavelmente, a de um humano que o representa

diante dos acusados. É interessante notar a ausência dos termos clássicos para

designar o profeta no livro de Malaquias ha,ro e hzejo

“vidente”; aybin; “profeta”. O autor do livro é um mensageiro. O

ykia;l]m' “meu mensageiro”, ou seja, aquele que Javé

comissionou para transmitir suas mensagens.

À luz da utilização do mesmo termo em 3,1 há quem interprete que o

ykia;l]m' “meu mensageiro” explicita a função e a qualidade,

especialmente, dos levitas65, ou como um indicativo da missão de um grupo de

levitas dissidentes em conflito com os sadocitas do templo de Jerusalém66 ou ainda

como alguém que não fazia parte do clero67.

Outrossim, na introdução, o termo apenas apresenta um mensageiro de Javé

que o representaria com uma mensagem pesada e escrita. Seu objetivo era o de

alertar sobre a vinda de Javé sobre todo o Israel (as diversas manifestações oriundas

da diversidade do tempo do exílio) que pesaria as injustiças praticadas no cotidiano

daqueles que habitavam o território da Palestina no século V a.C. Entretanto parece

confrontar mais o grupo que retornara do exílio e vieram para reurbanizar Jerusalém.

Os oráculos de Malaquias foram formulados para atingir o povo (com toda a

sua crise de fidelidade a Javé) e os sacerdotes que se corrompiam ante a fraqueza do

povo e as suas próprias necessidades (pessoais e institucionais). Seu autor mantém-se

anônimo. Sua mensagem grave e confrontadora.

65 GORGULHO, Gilberto, Malaquias e o discernimento da justiça, p. 19. 66 NAKANOSE, Shigeyuki e PEDRO, Enilda de Paula, Como ler o livro de Malaquias?, p. 23. 67 AMSLER, Samuel, Os últimos profetas: Ageu, Zacarias, Malaquias e alguns outros, São Paulo: Paulus, 1998, p.50 [Coleção Cadernos Bíblicos 72].

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1.5. A estrutura do livro de Malaquias

Os seis oráculos foram organizados para apresentar os dois focos da demanda

de Javé com o povo da aliança: a infidelidade do povo que desconfiava de Javé e de

sua justiça (1,2-5; 2,10-16; 3,6-12 e 3,13-21[4,3]) e a infidelidade dos sacerdotes que

atuavam em Judá e, especificamente, em Jerusalém no templo reconstruído (1,6-2,9;

2,10-16 realidade comprovada na narrativa de Neemias [Ne13,4.7-9]). O quarto

oráculo (2,17-3,5), por sua vez, aglutinou os dois focos indicando a transformação de

ambos (do povo 2,17-3,1a e 5 e do sacerdócio 3,1b-4). Além dos seis oráculos, o

livro possui como moldura uma introdução (1,1) e dois apêndices (3,22-24).

O livro possui uma unidade redacional. Esta se nota pela composição comum

dos oráculos no gênero da demanda (ou controvérsia). O gênero tem sua origem na

prosa judicial e as suas partes tornam-se bem delineáveis pela clareza de cada seção

do discurso.68

As demandas no livro de Malaquias se desenvolve em três fases: uma onde se

oferece uma afirmação para a discussão posterior; outra, onde o interlocutor levanta

objeção e, uma última, onde se oferece uma explicação detalhada da afirmação com

uma conclusão obrigatória 69. A seguir apresenta-se uma tabela que descreve a forma

de composição e as fases comuns da demanda judicial nos oráculos de Malaquias:

1º oráculo 1,2-5

2º oráculo 1,6-2,9

3º oráculo 2,10-16

4º oráculo 2,17-3,5

5º oráculo 3,6-12

6º oráculo 3,13-21

1ª parte Afirmação

2,a 6a 10-13 17a 6-7b 13a

2ª parte Objeção

2,b 6b 14a 17b 7c-8b 13b

3ª parte Explicação

2c - 5 7-2,9 14b-16 17c-3,5 8c-12 14-21

Para continuar a discussão sobre os oráculos faz-se necessário um breve

resumo de seus conteúdos: O primeiro oráculo (1,2-5) apresenta a dúvida do povo

com o seu Deus, mas também reafirma o amor de Javé sobre seu povo relembrando o

compromisso com Jacó; O segundo oráculo (1,6-2,9) afirma que os sacerdotes

estavam desonrando a Javé e o pacto que este tinha com Levi. Neste há uma franca

censura aos sacerdotes que estavam oferecendo, como ofertas, animais defeituosos;

68 A discussão sobre o gênero literário será mais aprofundada no segundo capítulo nas páginas _____ 69 SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg, Introdução ao AT, Vol.2, p.710.

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O terceiro oráculo (2,10-16) apresenta dois problemas relacionados com o

matrimônio: o divórcio e o casamento com interesses sociais; o quarto oráculo (2,17-

3,5) apresenta a crise com o Deus da Justiça e com a teologia vigente assinalando o

dia de sua vinda para a execução da justiça sobre os sacerdotes e o povo; o quinto

oráculo (3,6-12) destaca a infidelidade do povo aos compromissos com a lei e,

especificamente, os dízimos; o sexto oráculo (3,13-21) retoma o tema do dia do

Senhor afirmando que neste dia haveria a separação entre o justo e o ímpio e sobre os

justos o estabelecimento de um reino de justiça.

Uma pergunta se levanta diante desses conteúdos e dessa organização: Há

uma ordenação proposital para que se obtenha um sentido específico no todo do

livro? De acordo com Shigeyuki Nakanose e Enilda de Paula Pedro não há uma

ordem especial na organização temática e que assim pode-se entrever que os oráculos

foram pronunciados nos mais diversos momentos da vida da comunidade70. Claudia

Mendoza entende que o corpo do livro (os seis oráculos) foi organizado

propositadamente na forma concêntrica, sendo este o quarto oráculo (2,17-3,5). C.F.

Keil entende três seções distintas. Sendo a última (2,17-4,6 – contendo os três

últimos oráculo) considerada como um bloco que apresenta o “Dia do Senhor” contra

o espírito de descontentamento e murmuração prevalecente entre as pessoas que

perderam a fé em todas as promessas divinas71.

A organização dos oráculos parece fornecer algumas respostas na relação

entre os oráculos, por exemplo: Javé reafirma o seu compromisso e amor aos

descendentes de Jacó (1,2-5), pois estes estavam: desonrando-o (1,6; 2,11;),

descrentes (2,17; 3,14-15), agindo com infidelidade diante da aliança (3,5; 3,8-10).

Ainda se pode notar que alguns temas são retomados em outros oráculos à frente,

como por exemplo: A penalidade para os sacerdotes corruptos (1,6-2,9) se apresenta

na ocupação dos lugares principais pelo grupo sacerdotal que não ocupava os lugares

de poder (3,2-4); A penalidade para aqueles que se divorciaram, se casaram com

objetivos sociais (2,11.16), quebraram os vários princípios da lei (3,5) e retinham os

dízimos e ofertas (3,8) teriam como destino o Dia de Javé que imporia sua justiça e

distinguiria aqueles que não fossem fiéis (3,13-21).

Diante desses fatos acima é razoável entender uma interdependência entre os

diversos oráculos do livro, como se propusesse uma re-visitação dos temas com as

70 NAKANOSE, Shigeyuki e PEDRO, Enilda de Paula, Como ler o livro de Malaquias?, p. 22. 71 KEIL,C.F., Commentary on the Old Testament in Ten Volumes, p.454-455.

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devidas ampliações e conclusões. Também se pode propor que o quarto oráculo

(2,17-3,5) atrai os dois temas cadentes do livro dimensionando a alteração das duas

realidades através do “Dia do Senhor”. Assim, o quarto oráculo pode ser entendido

como uma síntese da mensagem do livro propondo a dupla alteração para o

restabelecimento da vida em justiça nos dias do profeta.

O profeta Malaquias viveu em dias onde a apocalíptica já se difundia

embrionariamente. A dimensão escatológica da profecia clássica já ganhava novas

configurações. Desta forma, faz-se importante distinguir no livro de Malaquias quais

eram as suas relações com a escatologia ou com a apocalíptica.

Os oráculos de Malaquias foram compostos como demandas judiciais. Assim,

apresentam um ambiente forense como lugar onde há o embate das partes para um

veredicto definitivo. Este ambiente revelava o “dia do juízo”. Apontava para um

encontro escatológico.

O movimento profético em Israel exprimiu a religião de Javé por um novo

foco: a escatologia 72. Esta se caracterizava por sua atualidade e proximidade. Pela

ótica escatológica dos profetas, Javé agiria de uma nova forma na história. A

escatologia fazia o profeta sentir que se aproximava uma nova ação de Deus em

favor de Israel através do “Dia do Senhor”73. Ao apresentar o “Dia do Senhor” os

profetas se referiam à chegada do próprio Javé em pessoa74 como um acontecimento

guerreiro-militar75.

Outra característica da escatologia profética é a vigorosa esperança no futuro.

A esperança escatológica possui relação existencial, tornada histórica, estruturada

sobre o conceito da salvação através das ações de um Deus majestoso que impõe seu

juízo sobre todos os povos, incluindo Israel.76

No período pós-exílico a fé da comunidade foi lentamente determinada pela

mensagem dos profetas que exortavam a esperar o futuro de Deus. Ageu e Zacarias,

que viveram em dias de instabilidade política, anunciaram um Messias (que era uma

personagem histórica) que impulsionaria as transformações tão esperadas no seio da

72 RAD, Gehard von, Teologia do Antigo Testamento, Vol.2, São Paulo: ASTE, 1986, p.111. 73 Idem p. 114-115. 74 Id. p. 115. 75 Id. p.121. 76 DINGERMANN, Friedrich, A esperança de Israel em Deus e no seu Reino: origem e desenvolvimento da escatologia no Antigo Testamento, em SCHREINER, Joseph, Palavra e Mensagem: introdução teológica e crítica aos problemas do Antigo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1978, p.435-437 [Nova Coleção Bíblica].

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comunidade pós-exílica. Malaquias, por sua vez, anunciou o dia de Javé como um

marco para as transformações histórico-sociais dependendo da fidelidade do povo.77

O livro de Malaquias parece bem inserido nas concepções escatológicas. Faz

referência ao dia de Javé como um dia de purificação. Menciona que as

transformações serão existenciais – históricas. Menciona que Javé agirá com juízo

sobre o seu próprio povo cobrando a fidelidade à aliança com ele constituída. Vê

uma figura histórica como o agente transformador. Apresenta o ápice do dia de Javé

que seria a sua própria vinda para governar e receber a adoração de seus devotos.

Entretanto, precisa-se verificar se o livro transcende às dimensões

escatológicas passando à apocalíptica.

A apocalíptica desenvolveu-se no período pós-exílico e deve ser entendida

como “conseqüência das dificuldades da fé na comunidade pós-exílica”78. A

decepção vinculada a uma cultura cultual levou a esperança às dimensões

conclusivas dos fins dos tempos.

A apocalíptica reflete preferência escrita sob a forma de prosa. Normalmente,

o autor apocalíptico prefere o anonimato e esconde-se muitas vezes atrás de uma

personagem ideal de tempos primordiais. Desta forma, pretendia-se que a revelação

recebesse a primazia.

A apocalíptica prefere enigmas, parábolas, alegorias, símbolos para encobrir

o sentido de suas palavras que pode ser descoberta pela mediação de um anjo. A

apocalíptica prefere a visão, a partir da qual, se descreve a experiência sobrenatural

reservando a Deus sua qualidade transcendente.

O apocalíptico se empenha em mostrar a história conduzida por Deus, mas

aguarda uma catástrofe final que afeta os céus e a terra em todas as dimensões

cósmicas.79

O livro de Malaquias parece não estar muito afeiçoado, em seus conteúdos, a

linha apocalíptica. Além das características de forma (a natureza prosaica do escrito;

a preferência pelo anonimato e pela escrita) o livro não possui vínculo estreito com o

gênero apocalíptico.

77 DINGERMANN, Friedrich, A esperança de Israel em Deus e no seu Reino, em SCHREINER, Joseph, Palavra e Mensagem, p.441-442. 78 Idem p.459. 79 DINGERMANN, Friedrich, A esperança de Israel em Deus e no seu Reino, em SCHREINER, Joseph, Palavra e Mensagem, p.462-466.

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Desta forma, o livro de Malaquias apresenta-se como um escrito profético

escatológico interessado nas transformações sócio-culturais-religiosas onde estas

promoveriam para a população de Judá um novo e um maior comprometimento de

vida com os ideais divinos e, conseqüentemente, de alteração de suas realidades.

1.6. Uma conclusão parcial do capítulo: Malaquias, um livro estruturado para discutir

os confrontos sociais, políticos, religiosos e teológicos em Judá no século V a.C.

Malaquias é o último livro profético no livro dos Doze. O século V a.C.

constituiu-se em um período de extrema esperança escatológica (esperavam o

cumprimento das palavras proféticas do exílio e até do pós-exílio com Ageu e

Zacarias). Entretanto, Malaquias enfrenta o descontentamento da fé mediante a não

realização desses eventos esperados. Como então Malaquias firma sua teologia? De

onde extrai as bases de sua mensagem?

A mensagem de Malaquias reflete criticamente sobre a realidade vivenciada

em Judá e em Jerusalém no século V a.C. O profeta retomou a crítica profética e

comunicou a indignação divina com os seus devotos e, principalmente, contra os

sacerdotes.

O descrédito aos valores divinos pode ser entendido muito mais como um

descrédito à teologia vigente baseada na retribuição deuteronômica (o livro de Jó) do

que a uma incredulidade ou ateísmo como alguns comentaristas fazem menção.

Muito dessa crise se deveu às frustrações nos projetos de vida dos habitantes

de Judá e de Jerusalém. Aqueles que aguardavam a autonomia política se frustravam

com o agravamento da submissão à Pérsia. Aqueles que esperavam uma religião

ainda mais ativa e gloriosa (como reflexo da presença e poder de Javé) se depararam

com um templo pouco vistoso, com conflitos internos e por não alcançar as muitas

expectativas geradas pelas profecias de Ezequiel, Zacarias, Ageu e outros. Malaquias

enfrentou esse esfriamento e a, conseqüente, falta de compromisso do povo com a

religião.

O profeta não abraçou uma teologia extremamente nova, mas manteve-se

vinculado a teologia da retribuição. Escolheu o caminho da piedade legal (à aliança)

para transformar a frustração provocada pelas mensagens escatológicas80 dos

80 SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg, Introdução ao A.T., São Paulo: Paulinas, 1977, p. 711.

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profetas Ageu e Zacarias em uma atitude de humildade e respeito a Javé, crendo que

através de uma conversão alcançariam seus alvos de vida.

Talvez, por esse motivo, o profeta se manteve moderado em dias de tão alta

produção escatológica e, até, apocalíptica. Pois muitas das decepções do presente

estavam vinculadas às grandes esperanças escatológicas do passado.

Um dos alvos do profeta era o de redirecionar o povo e os sacerdotes aos

princípios da vida justa baseada na religião javista. A recondução, entretanto, deveria

passar pelo enfrentamento dos problemas sócio-econômicos para o estabelecimento

de uma identidade capaz de promover a unidade e a justiça. A religião (purificada)

seria a fonte capaz de restaurar a identidade do povo e unir tanta diversidade.

A religião do templo de Jerusalém deveria restabelecer os valores da justiça

através da prática da lei deuteronômica e de seu ensino eficaz, e, para isso, o profeta

utilizou as antigas memórias da história de Israel para reorientar todos os grupos a

uma mesma direção, como por exemplo: a aliança com Jacó (1,2-5); a aliança com

Levi (2,4-7); a aliança conjugal (2,14.16); a aliança no Sinai com a menção do anjo

da aliança (3,1) e com a referência da mediação de Moisés (3,22 [4,4]); e ainda a

referência do ideal profético de Elias (3,23-24 [4,5-6]).

O profeta apontou um caminho para a reconstrução da justiça dentro do povo:

um retorno aos valores primitivos. Não a uma ambição monárquica, mas a um desejo

de justiça entre aqueles que são filhos da aliança com Javé.

A organização dos seis oráculos parece se comprometer especialmente com o

restabelecimento da justiça na prática cotidiana. A dúvida da justiça de Javé sobre o

seu povo estava sendo questionada, na mensagem de Malaquias, muito mais pelas

relações internas do que pelas contingências externas.

O conteúdo dos oráculos apresenta as diversas faces dessa opressão: Uma

representada pela liderança economicamente superior que estava disposta a

economizar nos sacrifícios e a espoliar os menos favorecidos (1,14 e 3,5); Uma outra

economicamente desfavorecida que, em busca de uma elevação social, se divorciava

para casar com mulheres que poderiam projeta- los na sociedade e proporcionar- lhes

proteção e crescimento comercial na nova Judá.

O desejo de justiça da comunidade pós-exílica realça a necessidade que os

diversos grupos em Judá e em Jerusalém tinham da palavra de Javé para a resolução

dos conflitos internos na vida cotidiana.

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O livro de Malaquias também tem sido visto como portador de uma certa

isenção política. Pode ser constatado que, no livro, não se faz menção direta à

opressão persa e, tão pouco, a juízos específicos aos dominadores de Judá.

Outrossim, o foco de Malaquias aponta para a política interna de Judá. Neste foco

sua posição era de franca oposição aos sacerdotes que estavam no poder e que, pelo

desleixo de seus ministérios, estavam permitindo os vários níveis de opressão social.

Malaquias define sua mensagem para a condenação dos sacerdotes que

estavam no poder e de forma franca denuncia os erros desses sacerdotes. Assim, faz-

se importante compreender a relação existente entre os sacerdotes que trabalharam

para a reconstrução do templo de Jerusalém e sua efetiva ação após a re- inauguração.

Após o edito de Ciro, o principal alvo foi a reconstrução do templo para a

retomada do culto a Javé. Deve-se ter em mente que este projeto de reconstrução

interessava muito mais aos que estavam na Babilônia, do que propriamente, o povo

da terra.

Autorizada e empreendida a restauração do templo tornava-se muito mais um

problema da comunidade de Judá e, principalmente, dos que voltaram da Babilônia,

do que propriamente das autoridades persas porque a estes interessava o

funcionamento do culto como um sinal de boa vontade política para a manutenção do

domínio sobre Judá. Alguns anos se passaram até a plena conclusão desta obra (539-

515 a.C.). Com o passar dos anos e verificado o não cumprimento das promessas

profético-escatológicas. O culto foi perdendo a sua importância. O povo teve minada

a sua confiança em Javé. E os sacerdotes iam cedendo para manter o seu sustento.

Nas relações históricas do sacerdócio se pode encontrar algumas disputas

pelo poder no templo. Instituíram-se, então, fortes rivalidades entre as famílias

sacerdotais (Ex 32; Nm 12 e 16). Neste período, após o exílio, ficou bem evidenciada

(pelos escritos da época)81 a disputa pelo poder do templo, especialmente, entre os

Sadocitas e os Aronitas. Desprestigiados, neste tempo, os filhos de Levi são

levantados por Malaquias como uma possível solução às corrupções que atingiram o

templo e o sacerdócio.82

81 Os escritos a que se faz referência são os livros de crônicas, a obra deuteronomista e o livro de Ezequiel. 82 AUNEAU, Joseph, O Sacerdócio na Bíblia, São Paulo: Paulus, 1994, p.43 [Cadernos Bíblicos; 61].

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No retorno à Jerusalém, a proeminência no sacerdócio foi dada aos

descendentes de Sadoc83. No templo reconstruído são eles que reassumem o poder

em Jerusalém. Judá funcionaria, a partir de então, como uma província com

características sagradas onde os sacerdotes e o santuário definiriam os rumos daquele

povo (hierocracia).

Poucos foram os levitas que retornaram da Babilônia. Mas entre os que

permaneceram na terra de Judá o grupo era proeminente. Os levitas, neste período,

continuaram relegados ao papel secundário no templo de Jerusalém. Este fato pode

ser notado quando Neemias enfrentou as crises dentro do sacerdócio e orientou uma

reforma na divisão dos dízimos e ofertas entre os sacerdotes visando, principalmente,

o atendimento dos levitas (Ne 13,10-13).

Malaquias reconhecia a importância do templo para a reconstrução da vida

digna e justa. Entendia que os sacerdotes eram de fundamental importância para o

restabelecimento da justiça na prática cotidiana (ensino e judicado). Por isso,

confrontou aqueles que estavam sendo relapsos em sua tarefa de ensinar o povo a

viver os valores da aliança. Confrontou o poder instituído no templo de Jerusalém e

posicionou-se em favor de uma mudança.

Malaquias questionou o poder dos sadocitas. Valorizou os descendentes de

Levi. Viu neles uma oportunidade de mudança da fé do povo. Viu neles um grupo

não comprometido com os valores que estavam abalando a fé do povo. Desta forma,

Malaquias enfrentou o poder do templo. Posicionou-se em favor de um grupo

descriminado e afirmou que esses seriam capazes de trazer a fé do povo ao lugar

desejado por Javé. Seriam capazes de fazer retornar a prática da justiça (nos padrões

deuteronômicos) nas relações sociais.

O livro de Malaquias apresenta tanto na forma de seus oráculos como no

conteúdo, o desejo de ver restabelecida a fé e a justiça entre o povo da aliança. As

injustiças praticadas são denunciadas (como num tribunal). As instâncias internas do

poder são questionadas. O templo e o sacerdócio são alvos do juízo divino.

Sobretudo, as ações do povo são vistas como afrontas à aliança com Javé.

As crises religiosas eram decorrentes do sofrimento social do povo. Por isso,

Malaquias dedicou a maior parte de seus oráculos para denunciar as violências e as

83 Essa evidência pode ser notada na lista do retorno quando essa menciona em primeiro lugar a família de Jedaías e quando os profetas Zacarias e Ageu mencionam Josué como um ungido de Javé.

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opressões na sociedade judaíta. Entendia que a alteração na prática da justiça

possibilitaria uma fé mais consciente nos compromissos da aliança.

Além disso, Malaquias parece ter entendido que a defesa dos oprimidos e o

restabelecimento dos valores da lei apresentavam um caminho capaz de unir os

grupos e as teologias deste período. Mas compra uma briga com os sacerdotes

sadocitas, pois para estes, será reservado um lugar secundário neste projeto da parte

de Javé.

CAPÍTULO II

MALAQUIAS 2,17-3,5: UM ORÁCULO DE REALIDADES E

TRANSFORMAÇÕES

2.1. Tradução de Malaquias 2,17-3,5 17Vós fizestes cansado Javé com vossas palavras. Vós dissestes: Com o que fazemos cansado? Com o vosso dizer: Todo o que executa o mal é bom aos olhos de Javé e a esses ele quer bem. Ou Onde está o Deus da justiça?

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1Eis que enviarei meu mensageiro que aplaina o caminho para mim; repentinamente virá a seu templo o Senhor o qual vós buscais; e o mensageiro da aliança o qual vos é desejável;

Eis que Virá, disse Javé dos exércitos! 2E quem é aquele que resiste o dia de sua vinda? E quem é aquele que permanece diante de seu olhar? Atentem!

Ele é como fogo do fundidor e como produto de limpeza do lavador. 3Assentou-se o que funde e o que purifica a prata e purifica os filhos de Levi e refina como o ouro e como a prata Serão para Javé aqueles que trazem oferta em justiça. 4Fez agradável para Javé a oferta de Judá e de Jerusalém

como em dias antigos e como em anos passados.

5Chego para vós para justiça E sou testemunha apressada entre aqueles que praticam a feitiçaria entre aqueles que cometem o adultério entre aqueles que juram para o engano entre aqueles que extorquem o salário da viúva e do órfão e aqueles que submetem o estrangeiro Não verão a mim, disse Javé dos exércitos!

2.2. Delimitação da perícope

Uma das tarefas da exegese em textos proféticos é a delimitação dos oráculos.

Esta delimitação toma por base a estrutura final dada no Texto Massorético. A partir

de uma análise deste busca-se identificar, na forma e no conteúdo dos oráculos, uma

idéia completa que se constitua autônoma dentro do compêndio literário.

A realização desta tarefa no livro de Malaquias é, de uma certa forma, mais

facilitada. Isto se deve à forma do texto de Malaquias. O livro de Malaquias possui

um texto bastante uniforme que segue um padrão comum para a construção de seus

oráculos.

O livro de Malaquias é subdividido consensualmente em seis oráculos (1,2-5;

1,6-2,9; 2,10-16; 2,17-3,5; 3,6-12; 3,13-21), uma breve introdução (1,1) e dois

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apêndices (3,22 e 23-24).84 Os oráculos podem ser delimitados com certa clareza por

causa de sua estrutura marcante desenvolvida em três partes: declaração, refutação e

réplica85.

A delimitação das perícopes no livro de Malaquias tem seguido uma linha

comum pela maioria dos/as comentaristas. Como afirma Samuel Amsler:

“A forma literária de ‘palavras de disputa’ é um bom critério para definir onde começa e onde termina cada uma das pregações”.86

Mas no quarto oráculo, não há plena concordância na delimitação final. A

maioria dos/as comentaristas se posicionam pela divisão do oráculo em 2,17-3,587.

Outros/as comentaristas, no entanto, subdividem esse oráculo estendendo-o até o

verso seis88.

A dúvida da extensão se deve ao início do quinto oráculo que não se faz tão

específico na construção das afirmações e das perguntas comuns nos outros oráculos

do livro. Os que se posicionam na divisão 2,17-3,5 firmam-se no argumento dos

padrões quiásticos estabelecidos nesta estrutura como característica do estilo retórico

da disputa89 e dispensa, portanto, o conteúdo do verso seis para o fechamento da

mensagem proposta. Parece que a partícula enclítica yKi “eis que”, no início

do verso seis, inaugura uma nova mensagem quanto a fidelidade e o julgamento.

Este trabalho de pesquisa delimita o quarto o oráculo em 2,17-3,5 como uma

unidade literária que possui uma estrutura própria-autônoma, similar aos outros

oráculos do livro de Malaquias. Este oráculo segue a subdivisão literária do autor do

livro (ou redator final): uma afirmação que se faz, uma objeção levantada pelo

84 Confira em SELLIN, Ernst e FOHRER, Georg, Introdução ao Antigo Testamento, vol. 2, São Paulo: Paulinas, 1977, p. 710; GOTTWALD, Norman Kaiser, Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, São Paulo: Paulinas, 1988, p.473-474; ALONSO SCHÖKEL, Luís, Profetas II, São Paulo: Paulinas, 1991, p. 1241-1243; MENDOZA, Claudia, Malaquias: El profeta de la honra de Dios em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, vol.35-36, Quito-Ecuador, 2000, p. 225-226. 85HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation with Introduction and Commentary, New York: Dubleday, 1998, p.259 [The Anchor Bible]. 86 AMSLER, Samuel, Os últimos profetas: Ageu, Zacarias, Malaquias e alguns outros, São Paulo: Paulus, 1998 [Cadernos Bíblicos vol. 72], p. 51 87 Confira BALDWIN, Joyce, Ageu,Zacarias, Malaquias: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1986, p. 202; GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, Atlanta: Scholars, 1987, [SBL dissertation series 98] p.123; HILL, Andrew E., Malachi: A New tranlation, p.259; entre outros. 88 Confira KEIL, C.F., Commentary on the Old Testament in Ten Volumes: Minor Prophets, Michigan: William B. Eedmans Publishing Company, Vol. 10, reimpressão 1982, p. 454; WOLF, Herbert, Ageu e Malaquias, São Paulo: Vida, 1986, p.101; HILL, Andrew E., ainda cita outros autores que concordam com essa divisão. São eles: Packard, Smith e Kaiser, p. 260. 89 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 260.

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interlocutor, uma explicação mais detalhada da afirmação que exige uma

conclusão90.

O oráculo 2,17-3,5 relaciona-se com os outros oráculos do livro de

Malaquias. A seguir serão expostas as opiniões de alguns/algumas comentaristas que

entendem o vínculo do quarto oráculo de Malaquias como uma fonte de

compreensão para as disputas no livro.

C.F. Keil entende essa relação a partir da divisão dos oráculos em três seções:

1,6-2,9; 2,10-16 e 2,17-4,6 (3,21)91. Para Keil a seção 2,17-4,6 (3,21) relaciona-se

com os demais oráculos apresentando o “dia do Senhor” que confronta o

descontentamento e a murmuração dos que perderam a fé.92

Para Keil, 2,17 é a abertura da seção que expressa o desejo da vinda de Javé e

este tema direciona toda a seção (ou os oráculos que se seguem). Assim, em 3,1a, o

Senhor envia o mensageiro; em 3,1-6 há o anúncio repentino da vinda do Senhor

para refinar e exterminar os pecadores; em 3,7-12 a salvação é retardada pela

deslealdade; em 3,13-18 o julgamento é anunciado e chegará sem clemência

distinguindo entre o íntegro e o mau; em 4,1-3 (3,19-21) o julgamento traz salvação

para o religioso- íntegro e destruição para o mau; o encerramento da seção se dá nos

apêndices 4,4-6 (3,22-24) onde há a advertência para colocar o coração na lei de

Moisés e atentar no anúncio de Elias.93

Em relação aos outros oráculos, Andrew E. Hill afirma que o quarto oráculo

constitui, pela paragrafação do Texto Massorético, uma sub-unidade (2,13-3,21).

Nesta sub-unidade se considera os oráculos como um tratado no relacionamento do

povo da aliança com Javé.94

Hill ainda afirma que, o quarto oráculo apresenta a ameaça do julgamento

divino. E este julgamento está estreitamente ligado aos terceiro (2,10-16) e quinto

oráculos (3,6-12), que se constituem como pivôs que atraem o julgamento do

Senhor95. Assim, os motivos do julgamento devem ser apreendidos a partir dos

conteúdos dos terceiro e quinto oráculos.

90 SELLIN, Ernst e FOHRER. Georg, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo: Paulinas, Vol.2, 1977, p. 710. 91 KEIL, C.F., Commentary on the Old Testament in Tem Volumes: Minor Prophets, Michigan: William B Eerdmans Publishing Company, Vol.10, reimpressão, 1982, p. 428. 92 Idem, p. 454. 93 Idem, p. 454. 94 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 259. 95 Idem, p. 261.

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Por sua vez Beth McDonald Glazier, sobre a relação do quarto oráculo com

os outros, afirma que 2,17 não apenas introduz o quarto oráculo, como também dá

base para o restante da profecia de Malaquias (3,6-24). Pois ao longo do texto está

em debate a justiça de Deus.96 Glazier ainda afirma que o sexto oráculo (3,13-19) dá

respostas às perguntas feitas no quarto oráculo (2,17-3,5) e o quinto oráculo (3,6-12)

aponta para a ação de Deus quando tudo estiver reconciliado (o sacerdócio e o povo)

produzindo uma vida de bênção e fertilidade.97 Desta forma, também vê o quarto

oráculo estreitamente ligado aos demais oráculos do livro.

Claudia Mendoza afirma que o oráculo 2,17-3,5 constitui-se o centro do livro

de Malaquias. Ela advoga que os oráculos foram organizados propositadamente na

forma concêntrica. Para ela, o centro do livro é a justiça divina através da obra

purificadora no templo-sacerdócio e na vinda do Mal’aki

ykia'l]m; “meu mensageiro”.98 Outrossim, Shigeyuki Nakanose

e Enilda de Paula Pedro afirmam que os oráculos “não têm uma ordem especial” e

que deixa entrever que foram pronunciados em diversos momentos da vida da

comunidade.99

O quarto oráculo (2,17-3,5) está relacionado com os demais oráculos.

Observando a relação entre os oráculos, pode-se dizer que suas relações parecem ser

estreitas, constituindo até mesmo um nível de dependência, no formato final do livro.

Suas relações parecem apontar que o julgamento próximo tem relação com as outras

acusações do livro de Malaquias.

No entanto, o quarto oráculo também precisa ser estudado e compreendido a

partir de sua própria independência estrutural.

2.3. A estrutura da perícope

O oráculo pode ser subdivido em quatro partes principais: a controvérsia ou

disputa (2,17); o anúncio do processo para a vinda de Javé (3,1) e o dia de Javé

distinguido para dois fóruns: a purificação para os filhos de Levi (3,2-4) e o

julgamento sobre o povo, mais enfaticamente, aos que praticam males sociais (3,5).

96 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.124. 97 Idem, p.124. 98 MENDOZA, Claudia, Malaquias: El profeta de la honra de Dios em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana Vol.35-36, Quito-Ecuador, 2000, p.226. 99 NAKANOSE, Shigeyuki e PEDRO, Enilda de Paula, Como ler o livro de Malaquias: defender a tradição ou a vida? São Paulo: Paulus, 1996, p.22.

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A primeira seção do oráculo apresenta um aparente diálogo (2,17). Esta seção

é marcada em dois momentos: um primeiro marcado pela construção com verbos

perfeitos hif’il !T,☯]g'/h e Wn☯]g'/h

“ fez cansar”, “fez enfadado” (na 2ª pessoa masculina plural e 1ª pessoa comum

plural respectivamente) que apresentam o cansaço de Javé diante das palavras/dos

discursos das pessoas; o segundo momento é marcado por uma afirmação a cerca da

compreensão teológica do povo

⌧pej; aWh !h,b;W hw;hy

yney☯eB] b/f ☯r; hce☯o-

lK; “todo o que executa o mal é bom aos olhos de Javé e a estes ele quer bem”

e um questionamento que confronta a ação de Deus e de, uma certa forma,

desacredita da justiça divina

fP;v]Mih yheola<>> hYea

“Onde está o Deus da justiça?” talvez pela decepção da realidade.

A segunda seção do oráculo (3,1) inicia e encerra com a interjeição

demonstrativa hNehi “eis”. A primeira interjeição seguida de um

particípio foi utilizada para indicar um futuro próximo e imediato100 do mensageiro e

a segunda utilização pode ser explicada como uma contribuição ao estilo exortativo

da seção101.

Nesta seção há, pelo menos, dois momentos marcados sintaticamente: O

primeiro refere-se ao envio de ykia;l]m' “meu mensageiro”

utilizando os sufixos que indicam a primeira pessoa do singular (y i

“meu/minha”) sendo o verbo um particípio qal singular e o segundo momento

construído com verbos na terceira pessoa do singular sendo direcionados para os

interlocutores na segunda pessoa masculina plural (!T,a' “vós”).

100 KELLEY, Page H., Hebraico Bíblico : uma gramática introdutória, São Leopoldo: Sinodal, 1998, p.237. 101 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 260.

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Esta seção aponta para o agir de Javé e parece indicar agentes ou um agente

de transformação da realidade. O desafio desta seção é identificar quem são os

agentes (ou o agente) do agir divino e em que dimensões atuarão na história?

Estes agentes (ou agente) de transformação da realidade intervirão (á) na

história? As duas seções seguintes apontam para as duas esferas que devem ser

transformadas: o sacerdócio levítico e a restauração da justiça nas relações cotidianas

do povo em Jerusalém (re-orientação da aliança com Javé na obediência às leis).

A seção 3,2-4 é iniciada com duas perguntas retóricas caracterizadas pela

partícula interrogativa ymiW “e quem?”: “Quem é aquele que resiste o dia de

sua vinda? E quem é aquele que permanece diante de seu olhar?” (3,2a).

O seguimento desta seção é marcada pela partícula enclítica yKi “eis

que” que se interpõe como uma chamada de atenção introduzindo a oração principal

para o anúncio da obra purificadora rh'fi “purificar”, “limpar” entre os

ywile-yneB] “filhos de Levi” até a segunda parte do v. 3.

A seção 3,2-4 conclui a obra de rh'fi purificação e de

qQ'zi refinamento dos filhos de Levi afirmando que a restauração

realizada dará aos sacerdotes levitas a condição nostálgica, ideal dos tempos antigos:

t/Ynimo'd]q' !yniv;k]W !l

;/☯ ymeyKi “como em dias antigos e como em anos

passados”102.

A quarta e última seção deste oráculo (3,5) inicia apresentando ações ativas e

simples na primeira pessoa do singular sendo direcionadas para a segunda pessoa

masculina plural. Parece que esta seção retoma a pergunta feita em 2,17: Onde está o

Deus da justiça? E apresenta uma série de injustiças praticadas na vida em

Judá/Jerusalém que seriam alvos do julgamento divino.

Nos diversos grupos apresentados como alvos da justiça de Javé segue-se

uma estrutura comum iniciada com a preposição B], “em”, “entre”, “acerca”,

“com”, “por” seguida de particípios. Esta seção conclui o oráculo com uma negativa

102 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 260.

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imprimindo sobre esses grupos o juízo de Javé para a restauração da prática da

justiça.

Ainda quanto a estrutura do quarto oráculo existem hipóteses que consideram

1b-4 como uma adição posterior, por fazer menção aos sacerdotes (entendendo ser

esta uma intenção posterior com interesses no poder). Esta hipótese remete esses

versos a períodos ainda mais tardios (afirmando alguns que sua composição pode

remeter aos dias da revolução macabaica). Esta hipótese se fundamenta no fato que

os versos 1 e 5 estão na primeira pessoa e 1b-4 na terceira pessoa.103

O quarto oráculo parece admitir uma estrutura mais influenciada pelo gênero

literário ou pelo estilo do autor do que propriamente pelas flexões verbais ou pelas

direções apontadas pelos sufixos pronominais.

2.4. Gênero literário

O estudo do gênero literário constitui uma importante fase da exegese, pois a

partir de sua identificação pode-se mais eficientemente designar as unidades

literárias que compõem os textos e melhor interpreta- los.

O gênero literário é determinado ou identificável por sua forma 104. Ao

examinar a forma do texto (estrutura e estilo) pretende-se classificar o texto dentro de

um tipo literário que permita uma melhor interpretação. Esse estudo também

possui como alvo a identificação do contexto onde se formulou esse gênero literário,

pois todo texto foi composto para responder as questões de seu tempo. Os gêneros

literários auxiliam na compreensão de como estava a vida dos que estavam à volta do

profeta e de sua mensagem.

O livro de Malaquias registra seis oráculos possuidores de uma mesma

estrutura, de uma forma idêntica. Os/as comentaristas costumam designar o gênero

literário predominante em Malaquias pelos seguintes termos: gênero da controvérsia

(Schmidt105, Schökel106), palavras de discussões (Sellin e Fohrer107, Baldwin108),

103 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p.260 e MALCHOW, Bruce V., The Messenger of The Covenant in Mal. 3:1, em Journal of Biblical Literature, vol.103, nº2, June, 1984, p.253. 104 MAINVILLE, Odette, A Bíblia à luz da História : Guia de exegese histórico-crítica, São Paulo: Paulinas, 1999, p.90. 105 SCHMIDT, Werner H., Introdução ao Antigo Testamento, São Leopoldo: Sinodal, 1994, p.267. 106 ALONSO SCHÖKEL, Luis, Profetas II, São Paulo: Paulinas, 1991, p.1242. 107 SELLIN, Ernst, FOHRER, Georg, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo: Paulinas, vol 2, 1977, p.710. 108 BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias, Malaquias, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1986, p.202.

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forma de disputa (Mendoza 109, Hill110), forma de diálogo (Nakanose e Pedro111).

O gênero de disputa é um termo que designa uma “disputa” byri

“contenda” entre duas ou mais partes. Baseia-se em um pronunciamento do ponto de

vista dos oponentes. Após a colocação dos opositores, o orador refuta seus

argumentos e o debate acrescentando o seu ponto de vista.112

O gênero de disputa surge como uma das formulações variantes da palavra

profética – do anúncio de julgamento.113 Existem pontos de contato com o

procedimento judicial onde acusavam, denunciavam e anunciavam julgamento.

Desta forma, o gênero de disputa constitui-se numa acusação divina escrita

(formalizada) que inclui ameaça de julgamento.

O gênero de disputa parece vinculado às demandas judiciais onde se

oportunizava a apresentação dos pontos de vista contraditórios para se chegar ao

veredicto final. Assim sendo, parece que este tipo de literatura originou-se da

tradição sapiencial onde foi elaborado para examinar pontos de vistas

contrastantes114. Concordando, em grande parte, com o ponto de vista acima, Andrew

E. Hill expõe uma outra corrente que entende a origem do gênero da disputa na

instrução poética advinda como uma expansão sermônica.115

Os oráculos construídos no gênero da disputa em Malaquias “redefine a

forma da clássica palavra de disputa porque as palavras iniciais são de Deus ou do

profeta, não do povo”116. Outro fato que distingue os oráculos de Malaquias é que a

conversação entre as partes não é permitida, mas trata-se de um discurso elaborado

pelo profeta.117

O quarto oráculo apresenta, em suas partes (2,17a – A afirmação ou

declaração por parte do profeta ou de Javé; 2,17b – um discurso elaborado para

109 MENDOZA, Claudia, “Malaquias: El profeta de la honra de Dios”, em Revista de Interpretação Bíblica Latino Americana, vol.35-36, Quito-Ecuador, 2000, p.225. 110 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 259. 111 NAKANOSE, Shigeyuki e PEDRO, Enilda de Paula, Como ler o livro de Malaquias, São Paulo: Paulus, 1996, p.22. 112 SWEENEY, Marvin A., Isaiah 1-39: With an Introduction to Prophetic Literature. The Forms of The Old Testament Literature, Grand Prix/Cambridge: William B. Eerdmans Publishing Company, Vol. 16, 1996, p.519. 113 WESTERMANN, Claus, Basic Forms of Prophetic Speech, Cambridge/Louisville: The Lutterworth Press/John Knox Press, 1967, p.201. 114 SWEENEY, Marvin A., Isaiah 1-39: With an Introduction to Prophetic Literature, p. 519. 115 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 24. 116 Idem, p.36. 117 Idem, p. 36-37.

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confrontar; 3,1-5 – um aprofundamento nas questões levantadas) como foram

elaborados os discursos proféticos sobre a forma da disputa no livro de Malaquias.

As demandas apresentadas no quarto oráculo de Malaquias atingem um duplo

foco: os sacerdotes e o povo. De uma certa forma, todo o livro acusa, denuncia e

promete julgamento para os sacerdotes e para o povo (mais especificamente os

habitantes que viviam em torno de Jerusalém).

Surge uma questão mediante a uniformidade dos oráculos no livro de

Malaquias: Por que o autor compôs esses oráculos sob uma mesma forma de

construção? Havia algum interesse especial quando usava esse formato? A quem

interessava esses conteúdos? Que pessoas ou grupos se beneficiariam diante dessas

mensagens?

Para alcançar algumas respostas faz-se necessário buscar uma reconstrução da

vida em Judá e, mais especificamente, em Jerusalém quando o grupo que retornou do

exílio na Babilônia tentava reconstruir suas vidas. Por isso, se buscará a partir de

algumas informações sócio-históricas entender as dimensões dos conflitos em Judá e

de que maneira os oráculos proféticos podem ser entendidos em sua origem.

2.5. Lugar vivencial

O livro de Malaquias reflete uma realidade vivenciada no século V a.C. no

território de Judá. Esta realidade deve ser compreendida sobre um duplo foco: um de

conflitos internos e outro de uma política pesada e opressiva dos persas.

Desde o edito de Ciro (538 a.C.), os judaítas tiveram facultado o direito de

retornar ao seu território de origem para reconstruírem suas vidas e suas tradições

religiosas. Um grupo pequeno retornou ao território de Judá. Em suas bagagens

carregavam o sonho de reconstruírem suas vidas e tradições e, principalmente, ver a

palavra profética do exílio cumprindo-se com toda glória anunciada118.

Os que retornaram encontraram dificuldades internas. As terras estavam

habitadas e lavradas. Uma gerência provincial já estava em vigor, embora nos dias de

Ciro e Cambises ainda não estava sedimentada a organização do império persa de

forma definitiva. 118 Um grupo dos que retornaram do exílio, estimulado pelo cumprimento da profecia de Ezequiel, nutria uma expectativa de ter, na reconstrução do templo, a restauração de uma organização autônoma de governo davídico. Esta postura recebeu o estímulo nas profecias de Ageu e Zacarias 1-8. É evidente a presença de outros grupos que nutriam outras expectativas (confira ALBERTZ, Rainer, História de la religión de Israel em tiempos Del Antiguo Testamento: desde el exílio hasta la época de los Macabeos, vol.2 Editorial Trotta, p. 571-573.

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Apesar da realidade encontrada foram motivados a reconstruírem suas vidas

e, principalmente, a reconstruírem o templo, fonte de esperança para o povo judaíta

que regressara com as aspirações de reencontrarem no território de Judá sua vida nas

dimensões gloriosas do passado.

Ainda se não bastassem os problemas internos deveriam conviver com a

realidade da dominação persa. Seus passos eram vigiados. Seus projetos

supervisionados, criticados e embargados. Desenvolver a vida em uma realidade

hostil era o desafio. Lutar pela reconstrução do Templo (mesmo com a oposição dos

moradores da terra) era um objetivo e uma esperança.

Após vencerem os desafios e conseguirem, no ano 515 a.C., inaugurar o

templo com o apoio dos dominadores persas (sob ordem de Dario I), os judaítas

teriam que conviver com um grande peso tributário em sua província (satrapia) e

com poucas condições de produtividade. A vida tornou-se pesada e a situação do

povo sofrida diante da situação.

Estas realidades provocaram no povo judaíta e, especialmente nos que

retornaram da Babilônia, uma insatisfação profunda. Nutriu-se uma forte decepção

na relação com Javé. O sofrimento e os seus agravamentos inclinaram este povo a

uma descrença, pondo em descrédito a presença e o poder de Javé (2,17). É esta a

realidade que o profeta do livro de Malaquias encontra: decepção, descrédito e

incredulidade na justiça divina.

Muito desse descrédito deveu-se à postura do sacerdócio, e em especial, dos

descendentes de Levi, pregação do profeta do livro de Malaquias (1,6-2,9). O

sacerdócio foi criticado e tratado como corrupto. Suas ações foram questionadas pelo

profeta e se tornaram alvos da exortação profética e do juízo divino (3,2-4).

O quarto oráculo de Malaquias visualiza a realidade de decepção e descrédito

de Javé entre o povo. E trata de dar as respostas de Javé para o povo pretendendo

conceder- lhes a esperança de vida reconstruída pela ação de Javé e a reconstrução de

suas instituições tradicionais: o templo e a justiça (3,5). Assim, as ações

transformadoras de Javé afetam diretamente os sacerdotes da linhagem de Levi e as

pessoas que estavam praticando o mal social pelo rompimento das leis

deuteronômicas.

O livro de Malaquias é o único documento na Bíblia hebraica que retrata esse

período histórico-transitório (515-445 a.C.). Nestes oráculos construídos sob uma

mesma forma, pode-se perceber que as declarações iniciais partem de Javé ou do

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profeta. A iniciativa da demanda é de Javé e de seu profeta. As declarações atingem

basicamente dois grupos: os sacerdotes e as pessoas que, de alguma forma, estavam

quebrando a lei deuteronômica (a aliança com Javé).

As características textuais apontam para um profeta que conhecia muito bem

os acontecimentos no templo e na vida dos sacerdotes. Seu vocabulário e suas

tradições apontam para uma pessoa versada nas tradições teológicas do

Deuteronômio. Seu estilo revelado através de sentenças curtas e diretas como um a

diálogo hipotético e retórico. Sua linguagem assim pretende mais a exortação e o

ensino119 que descortina as esperanças e os compromissos para uma vida

transformada.

Assim sendo, parece que o autor do livro de Malaquias pretendia atingir o

templo e, mais especificamente, a descendência levítica. Também visava as

transformações sociais para manter o povo com a fé firmada na teologia da

retribuição (teologia deuteronomista).

Gilberto Gorgulho afirma que:

A leitura de Malaquias poderá ser o ponto de partida para uma análise da função social da religião e do sacrifício na época persa e em toda organização ritual do Templo.120

Por esta compreensão se pode afirmar que o texto de Malaquias poderia ter

servido para reconstruir a função social da religião (tão desgastada naqueles dias) na

defesa e na organização do povo.

Entretanto, este serviço em prol da reorganização do povo parece ter um

grupo preferencial: os sacerdotes levitas. O quarto oráculo manifesta com clareza

essa preferência (3,2-4). Também parece indicar outro grupo alvo do juízo veloz e

rápido de Javé: os judaítas que pela descrença, na presença e poder de Javé,

fraudavam os seus irmãos promovendo os males sociais e as injustiças na vida

cotidiana.

Desta forma, o texto pode ter sido utilizado para implantar a esperança de

uma vida reconstruída sobre as bases da fé deuteronômica, mais estava

suficientemente aberta para relê- la, reinterpreta-la para um novo momento teológico

que auxiliasse o povo na sua reconstrução.

119 REDDITT, Paul L., The Book of Malachi in Its Social Setting, em The Catholic Biblical Quartely,vol.56, nº 2, April, 1994, p.243. 120 GORGULHO, Gilberto, Malaquias e o discernimento da justiça em Estudos Bíblicos, vol. 14, Petrópolis: Vozes, 1987, p. 19.

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O livro também pode ter sido utilizado como instrumento re-norteador para a

liderança na província de Judá. Sob a dominação persa e sem uma autonomia

gerencial-política só restava a expectativa de reconstruir a vida a partir de uma

liderança sacerdotal e, esta, levítica. Assim sendo, serviu para fomentar a crença que

o ideal para reconstruir a vida passaria pela fé na liderança pura da descendência de

Levi no Templo de Jerusalém.

A religião era a esperança de unir o povo judaíta. Sua esperança no agir justo

de Javé poderia reunir e auxiliar na reorganização do povo em Jerusalém. E ainda,

sua esperança em uma liderança ideal, purificada e orientada por Javé consistia num

ponto aglutinador, re- identificador daqueles que por longos anos esperavam por

transformações profundas em suas vidas.

2.6. Comentário: esperança de transformação das realidades

O quarto oráculo de Malaquias focaliza sua atenção nos problemas internos

da comunidade de Judá e de Jerusalém. Em sua mensagem, é preponderante a

preocupação com a corrupção no templo e no sacerdócio. É também marcante, como

em outras perícopes do livro, a descrição prática da fé que revelava um descrédito

para com a teologia vigente chegava a dimensionar uma certa descrença.

Este oráculo parece se constituir em uma síntese da mensagem do profeta

Malaquias. Esta síntese localizava o problema gerador dos descréditos e desleixos

citados nos oráculos proféticos do livro, como também parece dimensionar as

transformações necessárias para a transformação da realidade.

O quarto oráculo apresenta em sua estrutura três partes relevantes: 2,17a e c

apresenta a afirmação profética com suas ampliações, 17b apresenta a pergunta do

povo e 3,1-5 anuncia a mensagem da ação transformadora de Javé com duplo foco: a

purificação dos filhos de Levi (3,1-4) e a restauração da aliança para a prática da

justiça cotidiana (3,5).

Seguindo este roteiro, o oráculo pretende clarificar os problemas entre Javé e

o seu povo e pretende enfatizar que sua presença entre o povo provocaria ações

purificadoras e transformadoras de suas realidades.

Este capítulo pretende apresentar uma exegese do quarto oráculo que aborda

os temas do livro de Malaquias (sinteticamente) com o propósito de apresentar qual

era a crise entre Javé e o povo de Jerusalém, quem era(m) a/o(s) agente(s) que

promoveria(m) a(s) transformação(ões) ansiadas por Javé e como seria realizada a

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obra transformadora da realidade e, ainda, se esta seria capaz de responder às

expectativas do povo.

Em 2,17 o profeta propõe um “diálogo” literário (em nome de Javé) com o

povo. Este verso apresenta a primeira parte característica deste oráculo:

byri “a demanda”, “a contenda”. Nesta, Javé faz conhecidas as acusações

contra os seus devotos pela instrumentalidade do profeta. Há, pelo menos, dois

momentos distintos que se deve analisar: a afirmação do profeta em nome de Javé

(17a) com o agravamento dos conteúdos (17c) e a manifestação dos ouvintes (17b).

Entretanto, na organização do oráculo a pergunta do povo aparece entre a afirmação

inicial do profeta e a sua réplica com o agravamento e desdobramento da denúncia

inicial.

A abordagem desta primeira parte seguirá a ordem textual inserindo a

pergunta entre as duas palavras proféticas, como se segue.

O quarto oráculo de Malaquias inicia com a afirmação do profeta em nome de

Javé: !k,yrib]diB]

hw;hy] !T,☯]g'/h “vós fizestes cansado Javé

com vossas palavras”. Esta primeira oração apresenta o verbo perfeito hif’il somado

ao nome divino e ao substantivo masculino construto plural sufixado na segunda

pessoa masculina plural como seus objetos. O profeta apresenta um

sentimento/estado divino. Esta expressão do estado/sentimento divino atesta a

insatisfação da parte de Javé com as palavras e, com os conseqüentes procedimentos

da vida de seu povo.

A afirmação descreve o estado de Javé através da raiz hg'iiy;

“ter aborrecido”, “transtornado”, “preocupado”; “estar sofrendo”, “angustiado”,

“aflito”, “atormentado”; “esgotar”, “cansar”, “fatigar”121. O significado básico desta

raiz é de um aumento crescente e gradativo da ação122. Esta raiz no hif’il (verbo

causativo simples) é comumente traduzida por “cansar”, “fatigar”, “aborrecer”,

121 KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, vol 2, Leiden: E.J. Bril, 1995, p. 386. 122 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p.261 e KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon, p.386.

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“esgotar”123. Há apenas uma outra ocorrência desta raiz no hif’il na Bíblia Hebraica

(Is. 43,24), onde Javé está irritado por causa da constante provocação124.

O nome divino na oração indica que o profeta é o representante de Javé. É ele

quem manifesta o descontentamento de Javé com o povo. É ele o mensageiro de Javé

e o representa como quem teve o discernimento do estado em que se encontrava

Javé. Sabia descrever o porquê o povo provocava o cansaço de Javé. Por isso, mostra

o descontentamento do Senhor com o povo da aliança.

A primeira afirmação da demanda revela um estado crescente de angústia que

fazia Javé sentir-se cansado. A palavra pode indicar um acúmulo no decorrer dos

anos. Isto pode denunciar um povo que há muito esteve envolvido em

yreb]d] “palavras” que se desdobrava em ações confrontadoras e

contrárias ao desejo de Javé para aquele momento da história, provocando- lhe uma

angústia nauseante. Estas palavras e atitudes também desenvolviam um processo

entre o povo: um estado de desalento e desamparo que poderia levar as pessoas à

descrença na presença e na ação de Javé para a vida do povo.

Há um franco direcionamento na afirmação do cansaço de Javé. A crescente

insatisfação era provocada pelas palavras do povo

!k,yrib]diB] “com vossas palavras”.

O substantivo rb'D; pode denotar “palavra”, “conversação”.

Entretanto, parece que o termo transmite alguma idéia de processo mental de

comunicação.125 Assim, rb'D; pode representar frases que comunicam

um processo mais interno e profundo nos humanos que proferem tais palavras.

O que Javé reclama, pelo profeta, tem mais a ver com os conceitos internos

que se expressam no dia-dia. O que se falava de Javé era o que, provavelmente,

sentiam por ele. Isto estava fatigando-o.

Entretanto esta afirmação é, de pronto, retrucada. A oração que indica o

pronunciamento dos ouvintes é apresentada em formato interrogativo hM;B' “em que”, “com o que” na primeira pessoa comum plural Wn☯]]g'/h ,

“cansamos nós” ou “fazemos cansado” afirmando sua aparente desinformação ou 123 KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon, p. 386. 124 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p. 127. 125 HARRIS, R. Laird, e outros, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 293.

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desconhecimento. Podendo parecer uma pergunta cínica126 ou também podendo refletir

uma dúvida sincera127.

Em decorrência da compreensão do gênero literário da disputa, a pergunta

dos ouvintes indica um confronto entre as partes no litígio. Ao que parece, na

pergunta, há uma alegação de uma pretensa inocência (como se desconhecesse a

acusação), e esta, será logo desmascarada quando o profeta fizer a réplica com dados

mais específicos que comprovam e até justificam o cansaço de Javé com o povo.

É notório que a pergunta feita pelos acusados se utiliza da mesma raiz da

afirmação profética (hg'iiy;). Desta forma, o conteúdo da pergunta

também reforça a idéia de desconhecimento da acusação apresentada. Não viam o

vínculo da acusação com a vida prática, pois pareciam estar mais inclinados a nutrir

suas dúvidas e a lastimar seus insucessos do que perceber o que estavam provocando

por sua falta de compromisso com a aliança.

Na terceira parte do verso, o profeta retoma a palavra para evidenciar o

agravamento da afirmação ampliando-a em acusações mais específicas e práticas do

discurso teológico do povo.

O profeta retoma a palavra para apresentar através de uma declaração e um

questionamento do povo a notória insatisfação com Javé e com a sua “falta de

palavra”.

O profeta redireciona a demanda para a expressão de fé (ou a falta dela) por

parte do povo !k,r]m;a>B, “com vosso dizer”. O

profeta retoma a acusação da primeira parte da afirmação

!k,yrib]diB] “com vossas palavras”. Neste momento,

parece inserir uma ampliação interessante: a ênfase no conteúdo das palavras.

A retomada da direção é realizada com a utilização da a raiz rm'a;

“dizer”, “falar”. Na expressão, o verbo é um infinitivo construto prefixado com a

126 Beth McDonald Glazier afirma que os ouvintes sabiam de sua real insatisfação com Javé e isso indica que as pessoas agiram ironicamente diante da palavra profética “tagarelando” acerca da falta de cumprimento da palavra profética (de Javé). GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.123-125 127 Andrew E. Hill vê na pergunta e nas posteriores afirmações de 2,17 que o povo possui um real interesse comprobatório na justiça divina e isso justifica uma posição dialógica, confrontadora como quem expressa sua dúvida honesta de uma sobra de justiça. Confira HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p.285-286.

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preposição B] “em”, “por”, “com” denotando uma proximidade temporal128 e

podendo introduzir um mandamento, um voto ou uma resposta129. Neste caso, aponta

para a resposta da pergunta realizada anteriormente pelos interlocutores do profeta.

A raiz rm'a; “dizer” enfatiza o conteúdo daquilo que se fala e não

pode ser usada se não for para revelar o conteúdo de uma afirmação.130 Por isso, há

que se compreender as duas orações seguintes que revelam o conteúdo das palavras.

Ou seja, qual o teor dos conceitos que levaram Javé a um processo de exaustão?

O profeta menciona duas orações. A primeira afirma uma preferência de Javé

e a segunda, pergunta onde está o Deus da justiça? Em ambas, há uma forte acusação

do povo. Há uma revelação de pessoas insatisfeitas com a vida que levavam e ainda

mais pessoas profundamente insatisfeitas com as ações de seu Deus.

A primeira oração faz dupla afirmação (no sentido paralelo climático):

hw;hy] yney☯eB] b/f ☯r;

hce☯o-lK; “Todo o que executa o mal é bom aos olhos de

Javé” $pej; aWh !h,b;W “e a estes ele

quer bem”.

A afirmação começa com uma partícula de totalidade lK; “todo”,

“tudo” que indica uma generalização comum quando se discute problemas reais da

vida. O profeta infere na acusação uma generalização preferencial para Javé. As

pessoas afirmavam, em meio às angústias, que Javé não estava mais cumprindo a sua

palavra. Ele estava preferindo ☯r; hce☯o “ o que faz o mau” e

se sentindo mais satisfeito com a vida destes.

O profeta, em nome de Javé, denuncia os conteúdos da teologia vigente entre

o povo. Era essa crise de fé que estava levando Javé à exaustão. Nesta afirmação se

declara abertamente a sua insatisfação do povo com Javé. Estavam crendo que Javé

preferia os maus. Para entender melhor a dimensão desta crise é bom que se analise a

dimensão da expressão

128 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 262. 129 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário Internacional de Teologia do AT, p. 90. 130 Idem, p.90.

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hw;hy] yney☯eB] b/f ☯r;

hce☯o “o que faz o mal é bom aos olhos de Javé”.

A raiz hc'☯; possui o sentido básico de “fazer”. Esta raiz auxilia na

compreensão teológica do Antigo Testamento para indicar a imanência divina e pode

ser encontrada para descrever os sinais maravilhosos de Javé. A raiz ainda possui o

sentido de dar forma ao objeto (moldar).131 No entanto, na afirmação acima, parece

que o particípio qal forma uma expressão específica: ☯r; hce☯o

“aquele que faz o mal” e esta descreve um grupo de pessoas visivelmente afastadas

da ética da aliança, pois se faz uso do termo ☯r; “mal”.

No âmbito moral e religioso o termo ☯r; “mal” denota a atividade

que é contrária à vontade de Javé.132 Este substantivo ☯r; “mal” é definido

como aquela condição ou ação que é inaceitável aos olhos de Deus 133. E ainda, este

termo apresenta-se como um antônimo para b/f “bom” especialmente no

aspecto moral.

Portanto, essa afirmação descreve a crença de que Javé estava preferindo

aqueles que não possuíam os compromissos éticos, morais e religiosos exigidos por

ele através da aliança. Se assim fosse, de que valiam suas convicções e ações

religiosas? Para que serviria os seus esforços para se adequar a uma moral tão rígida?

Por isso, o profeta também denuncia, especialmente em outros oráculos (1,6-2,9 e

3,6-12), o desprezo pelas coisas sagradas nos dias do profeta.

Como os olhos de Javé podiam admitir tal contradição? Como foi possível

essa inversão na esfera divina?

A expressão

hw;hy] yney☯eB ]b/f “bom aos olhos

de Javé”, que complementa a idéia da oração, indica a atenção de Deus. Quando

Deus lança os seus olhos sobre alguém ele o sustenta e o liberta. A expressão ainda

pode dimensionar a opinião ou o juízo com quem se relaciona. Quando Javé lança os

131 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de teologia do AT, p.1180. 132 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de teologia do AT, p. 1441. 133 Idem, p.1442.

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seus olhos, admite-se que é algo ou alguém de muito valor, considerado precioso.

Assim sendo, bom aos olhos de Javé expressa preferência ou vontade134.

Beth McDonald Glazier diz que essa afirmação

hw;hy] yney☯eB] b/f ☯r;

hce☯o-lK; “todo o que executa o mal é bom aos olhos de

Javé” foi uma combinação entre duas fórmulas comuns nos escritos deuteronômicos

(Dt 4,25; 9,18; 17,2; Jz 2,11; 3,7; 4,1; 6,1; 10,6; I Rs 11,6; 14,22 e Dt 6,18, 12,28;)

para produzir uma ironia antitética aonde os seres humanos consideram as

modificações em suas vidas como sendo o resultado de uma inversão na esfera

divina.135

O conteúdo dessa afirmação é desastroso. Os ouvintes do profeta inverteram

as verdades, como se Javé desistisse de seus valores e tivesse mudado de opinião

enganando as pessoas em todo o tempo.

A afirmação ainda contém uma repetição que parece indicar um clímax no

conteúdo exposto anteriormente:

$pej; aWh !h,b;W “e a estes ele quer bem”.

A repetição mantém a preferência de Javé para ☯r; hce☯ “o que

faz o mal” e ainda acrescenta (como indicando um clímax) uma expressão de

encantamento e satisfação através do verbo $pej; “alguém que se

deleita”, “gosta”, “quer bem”, “se agrada”.

O termo $pej; possui o sentido básico de sentir grande

satisfação. A palavra parece indicar um maior envolvimento emocional e não indica

um prazer que resulta da necessidade. Este termo é utilizado para designar a

satisfação que Javé tem em certas pessoas.136

Na repetição fica evidente que as pessoas viam os problemas da vida como

uma inversão de valores divinos. Como um descaso de Javé com as pessoas que

possuíam com ele uma aliança.

134 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p 565. 135 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.127. 136 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p.509-510.

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O conteúdo da crise que afetou a Javé (2,17a) que foi destacado neste oráculo

pelo profeta amplia-se na segunda oração nutrida e divulgada pelos ouvintes do

profeta.

O escritor compôs o oráculo com a conjunção /a, “ou”, “se” utilizada

na literatura jurídica para introduzir uma situação alternativa ou uma exceção de um

princípio geral.137 Mas também serve para unir duas cláusulas permitindo que se

destaque apenas o que é diferente138. Assim sendo, a conjunção permite uma nova

oração que reforça o sentido anterior, mas que se distingue ampliando o seu

conteúdo.

A segunda oração é interrogativa e está geminada ao conteúdo da demanda

apresentada. Nesta questão é ampliada a crise com Javé. As pessoas, então,

manifestam sua inconformidade com a justiça de Javé (um fato novo):

fP;v]Mih' yheloa> hYea'

“onde está o Deus da Justiça?”

O advérbio hYea, “onde?”, “qual?” em textos poéticos, pode ser

utilizado sem se esperar nenhuma resposta. Funcionando como uma pergunta

retórica. Também é comum a utilização deste advérbio quando pessoas questionam a

existência, o poder, a palavra e a justiça de Javé 139, o que nesta oração parece ser o

uso indicado.

Este advérbio conota uma falta de visibilidade, uma pergunta por algo ou

alguém desconhecido ou não identificado, como também pergunta por um lugar

procurado. Quando devotos perguntam: onde está o Deus da

fP;v]Mi “direito”, “justiça”? Isso pode indicar uma ausência

sentida. Pode indicar uma atitude de desespero, ou ainda, uma ironia por não crer

mais na presença, nos valores e, tão pouco, na ação desse Deus.

É interessante notar como Malaquias utilizou o substantivo construto do

nome divino yheloa>. Com esta forma, o profeta aplicou a idéia de

um Deus universal e criador do mundo (Ml 2,10,15; 3,8) e que também possui uma

137 Idem, p.24. 138 HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p.264. 139 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p.57.

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aliança com os hebreus 140. Assim, coloca nas palavras do povo um conceito

teológico mais amplo. Esta concepção amplia a majestade de Javé sobre todas as

nações e o entende de forma menos exclusivista. No entanto, não parece indicar o

que reivindicavam, pois sua pergunta aponta para o julgamento através dos valores

da aliança.

A utilização de um termo mais universal para designar Javé serve também

como aporte teológico para a expressão nominal:

fP;v]Mi yheloa> “Deus da justiça”. A relação

entre os dois substantivos provoca uma relação causal onde um substantivo qualifica

ou designa o outro. Desta forma, a expressão parece identificar a divindade. Sua

qualidade ou característica é a justiça, direito, julgamento.

A cobrança por justiça ou julgamento se devia à compreensão da teologia da

retribuição, e por esta ótica, Deus deveria cumprir sua função de juiz (com atributo

de justiça) outorgando bênçãos e maldições sobre todos os que cumpriam ou não

suas leis.

A constatação que Deus não estava cumprindo com sua palavra fez com que o

povo questionasse a convicção religiosa mais cara e que era a base para as suas

vidas.

O termo fP;v]Mi representa a idéia de um governo correto

(civil ou religioso). O executar fP;v]Mi “o direito”, “a justiça” era a

tarefa de um juiz diante da apresentação de um processo litigioso. O termo também

pode referir-se à legitimidade dada às instâncias governamentais para suas ações e

ainda pode representar os direitos que alguém possui por lei.141

Uma outra implicação importante para o termo

fP;v]Mi, nesta perícope, refere-se à função do sacerdócio

mediante à vida em justiça. Aarão foi responsabilizado para levar

fP;v]Mi “o direito” a Israel (Ex. 28,15,29-30). A preocupação do

sacerdócio diante de Javé era a justificação de Israel, ou seja, a sentença judicial

sobre a culpabilidade das pessoas.142 Quando os ouvintes manifestavam sua

140 HILL, Andrew E, Malachi: A New Translation, p. 265. 141 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p.1604-1606. 142 Idem, p.1606.

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inconformidade com a vida (que julgavam injusta) e com a ação de Javé (ou a falta

dela) apontam diretamente para o outro foco da mensagem de Malaquias: as faltas do

ministério sacerdotal (1,6-2,9), apresentadas com uma certa coerência na elaboração

posterior do oráculo (3,1-5).

O sentido desta pergunta é questionar as ações de justiça de Deus. É criticar

seu atraso no julgamento sobre as outras nações que oprimiam Jerusalém e o

território de Judá (a Pérsia). Os interlocutores do profeta manifestam o

descontentamento com Javé.

Com esta questão

fP;v]Mih' yheloa> hYea'

“onde está o Deus do direito, da justiça?”, o povo pode indicar: primeiro, que estava

à espera do julgamento divino e que este poria em ordem suas vidas alcançando as

suas expectativas143 ou então indicava que estavam tão frustrados e cansados com

sua crença, com sua religião que não conseguiam mais crer em um Deus que é e faz

justiça sobre a terra144.

Os dois dizeres rm'a; do povo apresenta uma franca crítica às

preferências de Javé que parece ter invertido todos os seus valores e também uma

séria queixa da ausência do Deus da Justiça que, sem considerar sua aliança, não

julga os povos em suas ações. Portanto, o foco do estudo desta perícope deve

descortinar (nos versos seguintes) como Javé agiria diante de um quadro tão

angustiante e desafiador.

O oráculo em 3,1 apresenta uma forma de intervenção divina para

transformar esse quadro e estes conceitos difundidos. Cabe neste momento do estudo

discutir (no aprofundamento da mensagem profética) qual ou quais seriam os/as

agentes de Javé para promover a transformação dessa realidade? Neste verso são

apresentados três títulos que precisam ser discernidos, para que se mensure qual ou

quais são os/as agentes transformadores da realidade teológica e vivencial e qual ou

143 Esta posição é defendida por Andrew E. Hill que entende que a expectativa dos ouvintes de Malaquias correspondia a uma espera genuína do julgamento divino que traria a transformação das realidades vivenciais e sociais no território de Judá. Confira HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p.264-265. 144 Esta posição é defendida Beth McDonald Glazier que entende as frases da demanda como uma construção irônica que apresenta uma tendência de indiferença geral a Deus ao ponto de conduzir o povo a uma negação da própria existência divina. Confira em GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.124-127.

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quais seriam suas ações. Os três títulos apresentam missões ou tarefas que devem

servir como resposta às perguntas descrentes (2,17).

Na continuação da demanda (3,1), há quatro frases relacionadas às ações de

Javé. A primeira e última frases estão identificadas pela interjeição hnehi

“eis que” sendo que a primeira foi construída como um pronunciamento direto de

Javé na primeira pessoa e a última como uma promessa de cunho escatológico

assinada por Javé dos exércitos na terceira pessoa.

As outras duas frases possuem conexões íntimas com o conteúdo da primeira

e da última frase desenvolvendo um esquema relacional:

yn;p;l] &r,d,-hN;piW ykia;l]m' j'levo ynin]hi Eis que enviarei meu mensageiro que aplaina o caminho para mim; A

!yvipq]b'm] !T,a'-rv,a} @/da;h; /lk;yhe-la, a/by; !aot]piW

repentinamente virá a seu templo o Senhor o qual vós buscais; B

!y⌧ipej} !T,a'-rv,a} tyriB]h' &a'l]m'W

e o mensageiro da aliança o qual vos é desejável; B

Wt/ab;⌧] hw;hy] rm'a; ab;-hNehi Eis que virá, disse Javé dos exércitos! A

As repetições dessas frases se relacionam: para as ações de Javé que enfatiza

a sua a/by; !aot]pi repentina vinda

lk;yhe “ao templo” e a reafirma, como certa e próxima, na última

frase como uma autenticação da verdade profética: ab;-hNehi

“eis que virá”. As outras duas frases se relacionam com o

j☺'lev-yniN]hi “envio próximo” do

ykia;l]m' “meu mensageiro”, também chamado de

tyriB]h' &a'l]m' “mensageiro da aliança”.

Com esta forma, o verso parece descrever dois momentos significativos de

ação divina: uma fase precedente que descreve o trabalho de um mensageiro

autorizado e enviado por Javé para endireitar o caminho do povo

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(&r,d,-hN;piW', “aplaina o caminho”), até mesmo

podendo referir-se à renovação/restauração da aliança e a outra fase descreve a vinda

do próprio Javé

Wt/ab;⌧] hw;hy]rm'a; ab;

-hNehi “Eis que virá, disse Javé dos Exércitos” e

@/da;h'' /lk;yhe-la, a

/by “virá a seu templo o Senhor” para realizar o julgamento, purificação e

restabelecimento da vida dos habitantes de Jerusalém pelos padrões de sua aliança.

Existe uma ampla discussão sobre a relação entre os títulos mencionados no

texto. Pesquisadores e pesquisadoras divergem quanto a compreensão das pessoas

(sua natureza: angélica ou humana) e suas respectivas funções. Seguem algumas

opiniões que pretendem mencionar algumas interpretações para a relação entre essas

personagens e funções.

Beth McDonald Glazier afirma que este verso está intimamente ligado ao

Livro da Aliança quando este menciona o “mensageiro de Javé” em Ex 23,20-22.

Neste texto, o mensageiro do êxodo levaria Israel para o lugar que Javé preparou

para eles e o povo deveria estar atento para atender sua voz e não se rebelar contra

ele porque o nome de Javé estaria nele.145

Glazier ainda entende que em Malaquias 3,1 os epítetos

tyriB]h' &a'l]m' “mensageiro da aliança” e

@/da; “Senhor” se correspondem pelo fato que, no êxodo, os papéis de

Javé e do seu mensageiro parecem se fundir (Ex. 22,21).146 A única justificativa para

esta hipótese no texto de Malaquias é a ocorrência do advérbio !aot]p

“repentinamente”. Ela afirma que este advérbio promove uma transição para a

comparação entre o “Senhor” e o “mensageiro da aliança”147. Entretanto, ela própria

afirma que o advérbio funciona como um dispositivo transitivo que separa a ação do

&a'l]m' “mensageiro” no início do verso do “dia de Javé”, e, ainda não

145 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.130. 146 Idem, p.130-131 147 Idem, p.130-131.

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faz menção do vav conjuntivo prefixado ao advérbio com a função de unir à frase

anterior. Embora a comentarista trabalhe com a compreensão que os oráculos de

Malaquias foram construídos na forma poética, não faz menção às correspondências

fraseológicas no oráculo (paralelismo).

Andrew E. Hill menciona três categorias possíveis para a interpretação desses

três títulos148. Em sua opinião, não se deve relacionar o

ykia;l]m', “meu mensageiro” com o

tyriB]h' &a'l]m', “mensageiro da aliança”, pois

para ele, isso levaria à idéia que Javé estava forçando a aliança, fazendo-a cumprida

à força. Também afirma que o tyriB]h' &a'l]m',

“Anjo da Aliança” e o @/da, “Senhor” não são para ser identificados com

o ykia;l]m' “mensageiro precursor”. Assim faz relacionar o

“mensageiro da aliança” com o “Senhor”.149

Joyce G. Baldwin parece entender três personagens distintas com funções

distintas. Afirma que ykia;l]m', “meu mensageiro” possuía o

papel de levar as pessoas ao arrependimento e deve ser distinguido do

tyriB]h' &a'l]m' “anjo da aliança”. Para ela

@/da “Senhor” é o próprio Javé e o

tyriB]h' &a'l]m' “o anjo da aliança” viria no

mesmo tempo que o “Senhor” e este iria instituir uma nova aliança.150

Bruce V. Malchow, em um de seus artigos, afirma que

ykia;l]m “meu mensageiro” é uma figura não especificada

148 A primeira possibilidade interpretativa identifica três pessoas distintas para os três títulos: o mensageiro é considerado uma personagem humana, o Senhor como o próprio Javé e o Anjo da Aliança como um antepassado angélico que sustentava o nome de Javé (Ex.23,20-22) e ainda existem aqueles que interpretam-no como Esdras; A segunda possibilidade faz referência a duas personagens distintas: uma humana e a outra divina. Entretanto, alguns podem identificar o Senhor e o Mensageiro da Aliança como Javé ou o Meu Mensageiro com o Mensageiro da Aliança como alguém que compeliu o povo à aliança; A terceira possibilidade interpreta os três títulos para uma única personagem; para estes intérpretes o termo ´adon (@/da;) é visto como um título honorífico concedido a uma pessoa nobre. 149 HILL, Andrew E, Malachi: A New Translation, p.265. 150 BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias, Malaquias, p.203-204.

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podendo ser um anjo ou um profeta. O @/da “Senhor” refere-se a Javé

e o autor quando escreveu tyriB]h' &a'l]m' ,

“mensageiro da aliança” parece que não teve a intenção de identificar “o mensageiro

da aliança” com o “Senhor” e ainda afirma que Javé não é chamado em nenhum

outro lugar do Antigo Testamento de mensageiro.151

As discussões evidenciam o apego às imagens da tradição do Êxodo, às várias

frases que constam nos escritos deuteronômicos e a uma tendência escatológica. O

profeta menciona o dia da vinda de Javé como um encontro com lugar marcado (“seu

templo”) e ações de purificação (3,2-4) e de julgamento para os que estavam vivendo

fora dos limites da aliança (3,5).

O v. 3,1 indica que seria enviado proximamente aquele que recebe no texto o

título ykia;l]m “meu mensageiro”. Este viria para promover um

acerto entre o povo e Deus

(yn;p;l] &r,d,-hN;piW “aplaina o

caminho para mim”). Que acerto seria esse? Em uma frase posterior, reaparece um

tyriB]h' &a'l]m' “mensageiro da aliança” que

parece possuir a missão, pela tradição do êxodo, de conduzir o povo para o projeto de

Javé. Ao que parece, tanto o Mal‘aki (ykia;l]m') quanto o

Mal‘ak haberith (tyriB]h' &a'l]m'), possuíam

tarefas similares. Sua missão era a de fazer o povo trilhar os caminhos de Javé, os

caminhos da aliança. Isto é, promover o retorno do povo à adoração através da

obediência às leis deuteronômicas.

Há, porém, que se considerar que o

tyriB]h' &a'l]m “mensageiro da aliança” possui um

aspecto transcendente como o de um ser espiritual que continuaria à frente do povo

como um condutor. Desta forma, pode ter um vínculo com a teologia individual152

que se arvorava em Jerusalém, mais fortemente, neste período.

151 MALCHOW, Bruce V., The Messenger of the Covenant in Mal. 3:1, em Journal of Biblical Literature, vol.103,nº 2, Junho, 1984, p.252-253. 152 ALBERTZ, Rainer, Historia de la religión de Israel, Vol. 2, 686-691.

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É interessante que em 3,1 há dupla menção de expressões de anseio: uma para

a vinda de @/da; “o Senhor” onde foi usado o particípio hif’il

!yviq]b'm] que indica “uma busca intensa”, talvez

manifestando o interesse de encontrar a razão última de suas vidas, ligando essa

busca à aliança e a outra quando se refere ao

tyriB]h' &a'l]m “mensageiro da aliança” onde a

frase foi complementada por um adjetivo plural !y⌧ipej} que

indica um desejo com alto grau de satisfação ou designa um grande interesse por

algo.

O primeiro termo ligado ao título @/da; “Senhor” advém da

raiz vq;b' “buscar”, “perseguir”, “procurar”. Este termo descreve a

intenção que o objeto seja encontrado. Este termo está ligado à aliança e pode

descrever Deus buscando alguém que violou a aliança, embora no texto quem busca

e quem procura é o povo que está “descrente”. Por isso, parece indicar que o profeta

falava de um grupo de pessoas que buscavam alguém desaparecido, escondido que

não se fazia presente.

O segundo termo que complementa o título

tyriB]h' &a'l]m' “mensageiro da aliança” advém

da raiz $pej; “alguém que deseja”, “se deleita”. Este termo pode

descrever a grande satisfação que Deus tem em certas pessoas, podendo liga- lo à

satisfação por ver alguém vivendo correta e justamente. Embora no texto, essa

ansiedade também foi colocada como expectativa do povo para as ações do

mensageiro de Javé, também foi usado em 2,17 para descrever a preferência de Javé

pelos maus.

As expressões de desejo provavelmente estabelecem no texto o duplo foco

entre as duas fases anunciadas no verso: a primeira, a fase do

ykia;l]m “meu mensageiro” que converteria o caminho do povo

(aliança) preparando-o para a vinda do próprio Senhor

yn;p;l] &r,d,-hN;piW ykia;l]m' j'levo ynin]hi

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Eis que enviarei meu mensageiro que aplaina o caminho para mim;

!y⌧ipej} !T,a'-rv,a} tyriB]h' &a'l]m'W e o mensageiro da aliança o qual vos é desejável;

e a segunda, que aponta para a vinda de Javé que teofânica e poderosamente

restauraria a vida do povo

!yvipq]b'm] !T,a'-rv,a} @/da;h; /lk;yhe-la, a/by; !aot]piW repentinamente virá a seu templo o Senhor o qual vós buscais;

Wt/ab;⌧] hw;hy] rm'a; ab;-hNehi Eis que virá, disse Javé dos exércitos!

Portanto, o texto fala das ações que o povo ansiava da parte de Javé. O que

3,1 anuncia são as respostas de Javé às perguntas de seu povo. Assim, a missão do

ykia;l]m “meu mensageiro” deve ser compreendida como um

desafio conversivo que visava a restauração da confiança em Javé, restabelecendo

para o povo a ordem e as preferências do Senhor que permaneciam como antes.

Todos deveriam se preparar para reencontra- lo em toda a sua glória no seu templo e

na vida cotidiana.

As ações de Javé descritas em 3,1 dimensionam um tempo próximo153 tanto

para a vinda do ykia;l]m “meu mensageiro” quanto para a vinda

do próprio Javé. Entretanto, a vinda do Senhor é descrita como abrupta e repentina

indicando uma pronta e surpreendente resposta aos que questionavam e não mais

confiavam nele.

A vinda de Javé e de seu enviado soam como resposta às perguntas em 2,17,

mas faz-se necessário distinguir quem era ykia;l]m “meu

mensageiro” e o tyriB]h' &a'l]m “mensageiro da

aliança”? Em que consistia sua missão e obra? E de que natureza era o enviado de

Javé?

153 Este tempo próximo pode ser apreendido pelo uso da interjeição seguida de particípios: j'levo ynin]hi (Eis que meu enviado) e ab;-hNeh (Eis que virá).

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O termo &a'l]m “mensageiro”, “representante”, “anjo “ foi

utilizado no Antigo Testamento para designar mensageiros humanos e sobrenaturais.

Estes possuíam as seguintes tarefas: levar uma mensagem, desincumbir-se de alguma

outra atividade específica e representar aquele que o enviara.154

Os mensageiros humanos são bem representados pelos profetas. Outros tipos

de mensageiros humanos no Antigo Testamento são caracterizados pelo

cumprimento de determinadas missões, como por exemplo: espias (Js. 6,25),

guardiões (2Sm. 11,4), diplomatas (Jz. 11,12-14; 2Sm.5,11; 1Rs.20,2).

Os mensageiros sobrenaturais ou anjos manifestavam, além da mensagem,

aspectos da glória de Deus como articuladores entre as dimensões celeste e terrestre,

e ainda, podiam realizar algumas tarefas, tais como: proteger o esforço humano (Gn.

24,40), guardar os hebreus no deserto (Ex. 23,20), executar juízo (2Sm. 24,17),

livramento (Gn. 19,12-17), proteção (Sl. 91,11) e intercessão junto a Deus (Zc. 1,12;

3,1-5).

O ykia;l]m “meu mensageiro” parece receber uma missão

específica. E este seria capaz de conduzir o povo a um profundo conserto com Javé

yn;p;l] &r,d,-hN;piW “aplaina o

caminho para mim”. A sua ação transformaria aquela realidade de crise em dias de

encontro e de confiança na presença poderosa e justiceira de Javé entre o povo.

Assim sendo, o mensageiro parece ser um profeta ou uma liderança capaz de

devolver ao povo a esperança no poder de Javé.

Há quem afirme ser o próprio profeta esse agente. E também há quem chegue

a afirmar que tais palavras referem-se a Esdras, um líder que futuramente seria

enviado por ordem do imperador persa para restaurar o culto a Javé e para

restabelecer a justiça pelas leis do seu povo (Ed. 7,11-28).

Ainda se deve mencionar que tal &a'l]m “mensageiro” é

nomeado nos apêndices de Malaquias como sendo Elias (3,23) tendo como missão

primordial promover um processo de conversão utilizando o hif’il da raiz bWv

“fazer”, “voltar”, “retornar”, “converter” (3,24).

154 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p.762-763.

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Quando se refere a Elias, o livro traz à memória o ideal profético. Assim, o

livro parece indicar o “meu mensageiro” como um profeta que, de forma idealizada,

promoveria o retorno da fé a Javé. Assim como no passado Elias fizera voltar a

fidelidade do povo a Javé (1Rs 17-19), naqueles dias esperava-se alguém que

pudesse, como Elias, enfrentar as adversidades, crises e até mesmo poderes políticos

para novamente levar o povo a confiar na aliança com seus Deus.

O outro momento da ação transformadora de Javé é descrito como a sua

própria vinda. Esta foi descrita como repentina (tanto em 3,1 como em 3,5). Em 3,1b,

o texto apresenta o templo como o lugar de sua vinda. O Dia de Javé se apresenta

como único, quando Deus se mostra como é, no seu templo. Assim, sua origem pode

ser vinculada à esfera do culto155.

O dia de Javé é o ‘dia de sua entronização como rei’ (...) é o dia quando vem (...) e se faz conhecido, isto é, se revela aos seus (...) é o dia quando ele repete a teofania do Monte Sinai (...). Especificamente, é o dia que ele renova a eleição de Israel (...) e a aliança com seu povo (...)156

Hill concorda acrescentando que o oráculo apresenta uma fórmula também

comum aos salmos de entrada que enfatiza a responsabilidade sobre a fé do crente na

preparação para o culto atendendo às exigências do caráter de Javé.157

Baldwin complementa que o anúncio do mensageiro e a vinda do Senhor

estão vinculados a uma “procissão real”158 podendo remeter ao imaginário das

cerimônias de coroação que estavam estritamente ligadas como ato cúltico de exaltar

o Deus coroado e todo-poderoso.

Glazier também aduz à idéia de um “processional do caminho” que fazia

parte das celebrações nos grandes templos do oriente. Este dia era festivo em

Jerusalém. Era o dia da entronização de Javé onde era reconhecido como rei e

estabelecia seu reino, sua justiça e a esperança de um futuro para seu povo.159

Com esse imaginário, Malaquias enfatiza a realeza de Javé e a segurança em

seu triunfo. Desta forma, o povo que estava duvidando dele precisava rever seus

conceitos e palavras, pois ele estava próximo e exigiria de seu povo o cumprimento

de sua aliança.

155 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.131. 156 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.131-132. 157 HILL, Andrew E., Malachi: The New Translation, p.290. 158 BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias, Malaquias, p.204. 159 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.138.

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A vinda de Javé garante que ele não havia se esquecido de seu povo e nem de

sua aliança. Embora pareça incongruente (porque há muito tinham perdido a

autonomia política), a figura monárquica neste contexto estabelecia um novo

paradigma teológico para aquele momento. O povo deveria compreender que,

mesmo não tendo um rei (que seria um ungido, um representante da divindade), o

próprio Javé se mantinha como o soberano sobre o seu povo e instituía, com isso, o

seu templo como um lugar de conserto e justiça para o povo pela mediação de seus

enviados.

Com isso, ao que parece, a grande reforma precisava ocorrer no templo. O

termo lk;yhe “templo” poderia ser usado para indicar um palácio ou

uma propriedade real; também poderia se referir ao salão principal do templo (lugar

permitido apenas para os sacerdotes); e ainda poderia ser usado com toda a

propriedade para tudo o que era sagrado e, em especial, à moradia do Grande Rei,

Javé.160

O lugar sagrado (templo) estava destinado para sustentar e fortalecer o povo

nos seus compromissos com a aliança. Entretanto, é notório pelo conteúdo de

Malaquias que a infidelidade às leis da aliança começava pelos sacerdotes (1,6-2,9).

Assim, as duas fases distintas de transformação deste oráculo atingem em cheio e,

primeiramente, o templo e seus responsáveis.

A realidade do povo só poderia ser transformada quando o templo estivesse

também hN;pi “aplainado” e o povo estivesse em condição de renovar

sua fé em Javé e na aliança com ele constituída.

Desta forma, 3,1 inaugura duas dimensões que seriam atacadas para uma

reforma mais contundente: o templo com a purificação preferencial dos filhos de

Levi e a comunidade de Jerusalém que estavam vivendo em desacato às regras da

aliança.

A primeira dimensão que seria transformada era o templo, especialmente,

para um grupo específico de sacerdotes: os filhos de Levi (3,2-4). Nesta seção se

concentra a maior parte desse oráculo. Esta seção é vista como uma adição posterior,

160 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p.352-353.

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muito mais preocupada com o apontamento de um messias-sacerdote que teria como

missão o restabelecimento das coisas à sua ordem original161.

Entretanto, parece que os substantivos relacionados na forma do plural

(ywile yneB] em 3,3) parecem dimensionar um grupo e, não

propriamente um indivíduo que traria a transformação para a sociedade de Jerusalém.

Fica evidente, nestes versos, a profunda preferência aos

ywile yneB “filhos de Levi” (3,3a) com um sentido nostálgico e

com o objetivo de reconstruir o ideal passado para um futuro melhor (3,3b-4). O

oráculo também aponta para a crise dos habitantes de Jerusalém. De uma certa

forma, o sacerdócio era fonte desta crise, mas havia uma responsabilidade da

comunidade que afrontava a aliança em seus valores básicos (3,5).

As ações no templo, para a purificação dos filhos de Levi, são realizadas por

quem? Qual a profundidade desta transformação?

Esta seção tem seu início marcado por duas perguntas paralelas com sentido

sinonímico num formato retórico. As perguntas retóricas foram construídas com o

pronome interrogativo pessoal ymi “quem?” que possui um sentido

nominativo direcionando uma resposta generalizante de conteúdo lógico.

/a/B !/y-ta, lKel]k'm] ymiW E quem é aquele que resiste o dia de sua vinda?

/t/ar;heB] dme☯oh; ymiW E quem é aquele que permanece diante de seu olhar?

O particípio pilpel da raiz lwk “conter”, “resistir”, “manter” direciona

por seu significado a pergunta para a seguinte dimensão: quem poderia conter,

suportar uma grande carga (líquida ou seca)?162 Imediatamente relacionada, a oração

seguinte dimensiona através do particípio qal da raiz dm☯ “estar”, “ficar”,

“manter-se em pé” o sentido símile de quem pode oferecer resistência 163.

A dupla pergunta induz a uma presença irresistível, incontrolável e até

insuportável (no sentido de não haver alguém capaz de suportar tal presença).

161 MALCHOW, Bruce V., The Messenger of the Covenant in Mal. 3:1, em Journal of Biblical Literature, vol.103,nº 2, Junho, 1984, p.253-254. 162 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.143 163 Idem, p.144

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É fundamental entender a localização destas duas frases retóricas, pois elas

anunciam uma vinda que seria transformadora da realidade. Entretanto, há quem

afirme que essa presença é do próprio Javé e há quem afirme que se trata da missão

do “mensageiro da aliança”. Para entender essas orações e seu sentido é fundamental

que se entenda a sua posição no texto.

As perguntas retóricas estão localizadas na perícope imediatamente abaixo à

última frase de 3,1

Wt/ab;⌧] hw;hy] rm'a; ab

;-hNehi “Eis que virá, disse Javé dos exércitos!” e antecedem ao

anúncio de purificação iniciada com a partícula enclítica yKi “eis que” ou

“atenção”, que em seguida indica uma personagem definida, mas sem clara

identificação aWh “ele” e as figuras de purificação que comparam a dimensão

de sua obra #re⌧;m] vaeK] “como fogo de

fundidor” e !ysiB]k'm] tyribok], “como

limpeza do lavador” em 3,2b).

Há evidência no texto que as perguntas apresentam ou indicam a pessoa e a

sua obra. O fato das perguntas estarem ligadas por conjunções (W) parece indicar

uma continuidade de sentido. Assim sendo, parece que a personagem é o próprio

Javé que se apresentará de forma contundente e irresistível. 164

As perguntas indicam o dia de Javé, o dia de sua visitação. Portanto este

início de seção (3,2) se dirige ao foco da preocupação inicial do povo (2,17). Como o

profeta afirmou em 3,1 que as pessoas insatisfeitas com Javé ansiavam, desejavam

sua presença; agora em 3,2 o profeta anuncia que tal dia não será tão agradável para

aqueles que estavam vivendo longe da aliança. A sociedade deveria estar preparada

para uma presença poderosa como vae o “fogo” e como

tyribo “produto de limpeza” que removeria as impurezas.

A primeira metáfora que indica a gravidade da ação de Javé é a expressão

#re⌧;m] vaeK] “como fogo de fundidor”. Esta 164 Esta opinião pode ser confirmada em GLAZIER, Beth McDonald, Malachi : The Divine Messenger, p. 143-145 e HILL, Andrew E., Malachi: The New Translation, p. 272-273.

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figura de linguagem apresenta a imagem de um forno preparado para alta

temperatura com o objetivo de derretimento de metais. O fogo pode ser

compreendido como um símbolo da teofania de Javé com a finalidade de

julgamento165. Assim, Malaquias faz uso de uma imagem comum para a purificação

de Israel (Is. 1,25; Jr. 6,29; Ez. 22,17-22; Zc. 11,1; 12,6; 13,9;), mas aplica-a, de

forma mais específica, aos sacerdotes “filhos de Levi”.

A outra metáfora empregada também indica a intensidade da purificação:

!ysiB]k'm] tyribok “como produto de

limpeza do lavador”. A palavra tyribo “lixívia”, “produto de

limpeza”, “sabão”, “potassa” indica a utilização químico-natural capaz de limpar

profundamente as roupas. Esta palavra foi compreendida como o uso de um reagente

químico que também poderia fazer parte de uma aceleração do processo de

purificação de metais 166. Outrossim, pode ser entendido apenas como um produto de

limpeza utilizado nas lavanderias.

O substantivo tyribo “lixívia”, “produto de limpeza”,

“sabão”, “potassa” só acontece em Jr. 2,22 e Ml. 3,2. A palavra descreve um sal

alcalino ou sabão derivado de plantas (Cristallium de Mesembriantheumum ou Kali

de Salsola) que era utilizado como uma espécie de detergente para roupas sujas167.

Esta idéia é fortalecida pela tradução do termo na Septuaginta po,a pluno,ntwn

“grama ou erva de lavar” e na Vulgata Latina Herba “erva”, “planta”, “grama” onde

em ambas se descrevem plantas alcalinas como produtos de limpeza.

As duas metáforas usadas para indicar o processo de purificação estão

relacionadas paralelamente, mas não parece representar um único ato purificador

como sugere Glazier. Mas parece indicar dois modos de limpeza que representam no

texto o profundo agir de Javé entre os sacerdotes e o povo da aliança.

O dia de Javé se apresenta para modificar dois fóruns: os filhos de Levi

(3,3-4) e os da sociedade que estavam vivendo fora dos valores da aliança (3,5).

O templo e os sacerdotes seriam os primeiros alvos da presença separadora,

purificadora de Javé. Portanto, a morada de Javé e os seus servidores mais próximos

seriam os primeiros a sofrer a ação divina.

165 HILL, Andrew E., Malachi: The New Translation, p. 273. 166 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p. 147-148. 167 HILL, Andrew E., Malachi: The New Translation, p. 274.

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O texto dimensiona a restauração dos ywile yneB

“filhos de Levi” na condição de sacerdotes ideais reportando-se aos tempos antigos.

Entretanto, o oráculo não exime este grupo da ação contundente de Javé. Há entre

estes a infidelidade. Sem sombra de dúvidas, o texto, prefere este grupo de

sacerdotes. Não faz qualquer menção a outros grupos sacerdotais que exerciam seus

ministérios em Jerusalém.

Entretanto, o dia de Javé para os ywile yneB “filhos de

Levi” não seria indolor ou sem conseqüências. O oráculo apresenta a presença

#re⌧;m] do “fundidor “ como aquele que bv'y; “se

instala” para rh'fi “purifica- los” e para qq'zi “refiná- los”.

O verso três é introduzido pelo verbo bv'y; no perfeito qal da

terceira pessoa do singular para apresentar a idéia de entronização e não de

imanência divina. Este termo também pode designar relação com (ou entre) pessoas

e, desta forma, pode indicar ações especiais, tais como: julgar ou reinar; ou ainda

para indicar firmeza em algumas situações; ou para indicar um local de moradia.168

A entronização de Javé é complementada pela identificação de uma figura

comum naquela sociedade: o #re⌧;m] fundidor. Javé assumiu,

como designação de missão, o lugar de um especialista. Alguém que sabia dominar e

manejar o fogo para em um processo tornar o mineral puro (separado de suas

impurezas naturais) e, posteriormente, faze- lo ainda mais precioso e valioso. Javé

assumiu a tarefa de separar o que lhe era precioso e retirar o lixo que contaminava.

A entronização de Javé possuía o claro objetivo de retirar o que era comum

entre os sacerdotes. Sua função de especialista (em metais e fogo) almejava extrair

da prática sacerdotal aquilo que estava tornando banal a aliança.

É interessante o formato que o profeta usa para descrever este processo de

purificação. Primeiro apresenta a chegada do especialista capaz de manusear a

matéria prima e, posteriormente, apresenta em três frases a purificação.

#re⌧;m] bv'y;w] Assentou-se o que funde #s,k, rhef'm]W

e o que purifica a prata;

168 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de teologia do AT, p. 675-676.

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ywile-yneB]-ta, rh'fiw]

e purifica os filhos de Levi ;

#s,K;k'w]

bh;z;K' !t;ao qQ'ziw] e refina como o ouro e como a prata;

O fundidor é especialista no metal mais precioso: a prata. As frases

apresentam como paralelo para a prata: ywile yneB] “os

filhos de Levi”. Nessas duas primeiras frases os verbos advém da mesma raiz

rh'f; “purificar”, “limpar” e são apresentados no piel (o primeiro no

particípio e o segundo no perfeito). Assim, está declarada a intensidade da ação

purificadora. Os ywile yneB] “filhos de Levi” passarão por

purificação intensa. Assim como a prata (metal mais precioso) era submetida ao

fogo, os filhos de Levi também passariam por alto grau de provas para restabelecer

as ofertas em justiça perante Javé (3,3c).

A raiz rh'f; pode significar: “purificar”, “limpar” ou “declarar

puro cerimonialmente”169. E este termo refere-se à pureza corporal, moral e religiosa

(cúltica). No piel é geralmente declaratório (declarar puro), mas pode também ser

empregado como factivo (purificar)170. No caso específico deste verso, pode ser

entendida a purificação como uma liberação de culpa171, mas também como parte de

um processo de limpeza que se consumará na presença de Javé.

O verso três indica que ywile yneB] “os filhos de

Levi” precisavam experimentar a rh'f; “purificação” para serem aceitos

como sacerdotes de Javé. Deveriam equacionar suas vidas pelos valores e esperanças

em Javé.

A terceira frase utiliza a raiz qQ'zi “refinar”, “acrisolar”, mas

mantém sua ação no piel perfeito dando continuidade à idéia da grande intensidade

169 KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon, vol 3, p. 369-370. 170 JENNI, Ernst, Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol. 1, Madrid: Ediciones Cristianidad, 1978, p.896. 171 Idem, p.899.

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pela qual ocorreria a purificação. Esta raiz propõe mais vivamente o que a figura do

#re⌧;m] fundidor realizava.

qQ'z; pode significar “purificar”, “filtrar”, “lavar”, “filtrar” ou

“refinar”172. Sua idéia básica era a de tornar algo puro. Este termo sempre está

vinculado a indústria da metalurgia. Sempre se refere ao refino de metais173.

O verbo perfeito piel indica a profunda ação do fogo que torna possível o

desarraigamento das impurezas incrustadas no minério tornando possível a separação

entre o lixo e o material valioso. Em consonância com o termo anterior, a purificação

evidenciaria duas substâncias: a pura e a impura. A ação de Javé promoveria a

separação entre puros e impuros.

No fim desta seção a conclusão expõe que, após a purificação

(rh'f; e qQ'z;) , os “filhos de Levi” se tornariam aptos

novamente para representarem o povo diante de Javé com justiça, como em tempos

anteriores, como em dias ideais.

hq;d;⌧]Bi hj;n]mi yveyGim' hw;hyl' Wyh;w] Serão para Javé aqueles que trazem oferta em justiça.

!l;v;Wrywi hd;Why] tj'n]mi hw;hyl' hb;r]☯;w] 4Fez agradável para Javé a oferta de Judá e de Jerusalém

!l;/☯ ymeyKi como em dias antigos

t/Ynimod]q' !yniv;k]W

e como em anos passados.

A presença de Javé provocaria uma purificação que abrangeria as dimensões

morais e rituais dos filhos de Levi. Desta forma, o culto a Javé voltaria ao foco: o

exemplo e a esperança para a vida das pessoas. Pois a atitude piedosa e confiante não

estava sendo vivenciada pelo povo da aliança.

A purificação do sacerdócio visava promover um retorno ao sentido dos

símbolos da religião. A dupla utilização do termo tj'n]mi “oferta”,

“sacrifício”, “presente” indica que os símbolos haviam perdido o sentido para a vida

172 KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon, vol. 1, p.279 173 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p. 406.

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do povo. As cerimônias provavelmente não representavam mais a esperança da ação

de Javé (2,17) e, talvez, apenas uma obrigação pesada e sem sentido (3,6-12). Javé

promoveria com a transformação dentro do sacerdócio para que fosse retomado o

sentido e a esperança de sua presença e ação na vida das pessoas.

A retomada do oferecimento do tj'n]mi “sacrifício”, “oferta”

que Javé se agradaria se apresenta como uma restauração da fé em Javé. A

tj'n]mi “oferta” pode ser entendida como a entrega de um presente que

exprime o respeito, o agradecimento, a amizade, a homenagem e a dependência.

Quando alguém a apresenta há em conjunto uma declaração de fé, esperança e

dependência da divindade.

A restauração do sacrifício representaria para o povo, através da mediação

dos “filhos de Levi”, uma forma de reintegração para uma retomada da aliança e,

conseqüentemente, de uma vida justa. A força da integração sócio-religiosa poderia

impulsionar as mudanças necessárias para a vida em justiça em Judá e em

Jerusalém. 174

A existência de um grupo de sacerdotes fiéis à aliança encorajaria o povo a se

unir e a ter esperança na ação divina, como em dias passados. Esta expressão indica

tempos imemoriais. Aponta para os ícones da fé de Israel (Levi [2,5; 3,3;], Moisés

[3,22;] e Elias [3,23-24]). Estabelece, no passado, os valores que asseguraram as

vitórias de seus pais. Desta forma, o oráculo estabelece uma esperança capaz de unir

a todos por um ideal de vida comum. A religião e os seus valores simbólicos podem

unir pessoas e grupos para lutarem por uma vida mais feliz.

A presença de Javé também se apresenta para a purificação do povo. O verso

2,17 apresenta uma inversão dos valores divinos, pela ótica do povo que não via sua

vida sendo mudada. O povo manifestava insatisfação com as ações de Javé (ou a

falta dela) em seus dias. Essa reação do povo levou Javé a deflagrar o dia do

julgamento. O dia em que viria para fazer justiça.

A última seção do quarto oráculo (3,5) retoma as queixas do povo (2,17) e

apresenta uma ação contundente e rápida para a purificação entre o povo da aliança.

O alvo de Javé, nesta parte do oráculo, era a pessoa que estava vivendo em

desobediência aos valores da aliança.

174 GORGULHO, Gilberto, “Malaquias e o discernimento da justiça”, em Estudos Bíblicos vol. 14, Petrópolis: Vozes, 1987, p.23-25.

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Em 3,5 as frases voltam a ser construídas na primeira pessoa (como em 3,1a).

O discurso passa para a boca do próprio Javé. É ele quem afirma sua vinda para

julgamento. De igual forma, ele se apresenta como a testemunha que garantiria o

veredicto em favor da fP;v]Mi “direito”, “justiça”.

fP;v]Mil' !k,ylea} yTib]r'q;w]

Chego para vós para justiça

rhem'm] d☯e ytiyyih;w]

E sou testemunha apressada

A primeira frase em 3,5 apresenta através do verbo consecutivo qal perfeito

da primeira pessoa da raiz br'q; “chegar”, “trazer para perto”, “fazer

chegar”, da partícula do objeto direto sufixada na segunda pessoa do plural

!k,ylea} “a vós” e da preposição l] “para” um movimento

claro que Javé chega para executar a justiça sobre aqueles que a desejavam: “Onde

está o Deus da justiça?” (2,17).

O verbo br'q; “chegar”, “trazer para perto”, “fazer chegar”

também possui conotação de chocar-se. Essa idéia pode ser estendida a conflitos

militares indicando peleja ou conflito armado. Pode ser usado para descrever a

relação sexual, como também pode ser aplicado em casos difíceis de litígio onde

Deus era o juiz que aplicava a sentença (Lv 41,1; Is 48,16).175

A presença de Javé pode ser descrita como confrontadora. Sua chegada não

seria suave ou em defesa de seu povo. Outrossim, de acusação. Foi ele mesmo quem

estabeleceu este processo (2,17). Ele se aproximaria para dar cabo e executaria o

juízo sobre os infiéis de seu povo.

Parece claro o fórum estabelecido: trata-se de um ambiente judicial. Nele há o

estabelecimento de uma demanda (causa litigiosa) onde existem as partes, um juiz,

uma testemunha e acusações específicas ao povo que certamente sofreriam punições

da parte de Javé.

175 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de Teologia do AT, p. 1366-1368.

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Javé chegou para justiça! Ele veio de forma “pessoal” para testemunhar e

efetuar a justiça sobre aqueles que estavam vivendo longe da aliança! É interessante

que Javé se apresenta como a própria d☯e “testemunha”. É

umarhem'm] d☯e “testemunha ávida”, “apressada” em ver

restabelecida a fP;v]Mi “justiça”, “o direito”.

A testemunha era parte importante de qualquer processo litigioso, pois através

de sua palavra se chegava ao veredicto. Nos escritos proféticos há forte combate às

falsas testemunhas. Muitas testemunhas foram compradas para o estabelecimento da

injustiça. Mas é importante frisar que, na compreensão daquele povo, a derradeira

testemunha era o próprio Deus, que era apresentado como alguém com plena

consciência da integridade humana ou da falta dela sabendo que a sentença final viria

dele.176

O fato de Javé se apresentar como uma testemunha ávida por justiça deveu-se

ao profundo conhecimento que tinha das atitudes tomadas contra a aliança. A

expressão apresenta alguém (o próprio Javé) que presenciou muitas ocorrências de

quebra da aliança.

A pressa por fP;v]Mi “direito”, “justiça” garante a resposta

ao povo (2,17). Garante ao povo a justiça pelos padrões da aliança, pelos valores de

Javé. Aproxima a vida para relações mais justas. Mas não apresenta livramento para

o infiel, descrente. Apresenta sentença punitiva aos que quebraram a aliança.

Após ter anunciado sua chegada para o direito, a justiça, Javé – a d☯e

“testemunha” - apresenta as várias acusações de quebra da aliança na vida cotidiana

do povo. A seqüência de particípios prefixados pela preposição B] “em”, “por”,

“com”, “entre” apresenta uma série de irregularidades nas relações do povo. Em sua

maioria, afetavam a vida social e, em apenas uma, afetava a vida religiosa.

Alguns tradutores têm proposto a tradução da preposição B] com o

sentido “contra” . Este sentido talvez tenha sido apreendido por causa do verbo

inicial br'q; “chegar”, “trazer para perto”, “confrontar” que possui

conotação de confronto. No entanto, esta preposição parece representar mais as

176 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário de teologia do AT , p. 1083.

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relações próximas e internas. Por este motivo, a ação de Javé como d☯e

“testemunha” que apresenta as provas dos atos de injustiça (da parte do povo) deve

ser vista como alguém que sempre esteve dentro da situação. Alguém que pôde ver e

comprovar o porquê das injustiças e, que naquele momento, poderia elucidar as

razões de uma vida social tão oprimida.

A lista da d☯e “testemunha” apresenta grupos que praticavam atos

contrários à aliança. A listagem é fornecida através de particípios no plural

apresentando a denúncia em direção a um grupo de pessoas. Javé, d☯e “a

testemunha”, conhecedor desses atos os apresenta como alvos da sua denúncia e

conseqüente justiça.

!ypiV]k'm]B' entre aqueles que praticam a feitiçaria;

!ypia}n;m]b'W entre aqueles que cometem o adultério;

rq,V;l' !y☯iB;v]Nib'W entre aqueles que juram para o engano;

yqev]☯ob]W entre aqueles que extorquem !/ty;w] hn;m;l]a' rykic;-rykic]

o salário da viúva e do órfão rge-yFem'W e aqueles que submetem o estrangeiro;

A primeira denúncia recai sobre a vida religiosa. O particípio piel plural

!ypiV]k'm] “que praticam a feitiçaria” apresenta uma

evidência: pessoas estavam vivendo de forma não exclusiva à religião de Israel

adotando práticas de feitiçaria. Este termo #C'k; pode designar o uso da

palavra mágica, a prática do encantamento, da magia, da feitiçaria e da bruxaria177.

Após longos anos de convivência com outras formas e expressão religiosas, o

povo poderia ter adotado outras práticas religiosas. É fato, que na história de Israel

sempre se nota um certo nível de sincretismo. Entretanto, essas práticas religiosas

contrariavam a aliança com Javé (cf. Ex 7,11; 22,17; Dt 18,10.12; 2Rs 9,22). Os

177 KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon, vol.2, p.503.

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textos deuteronômicos apresentam repúdio a essa prática e Malaquias reflete essa

exigência da aliança deuteronômica que deveria ser cumprida na vida cotidiana.

Um dos pontos principais da lei era a exclusividade de adoração para Javé. A

prática de outras formas religiosas implicaria em admitir outras crenças-poderes e

outros deuses em suas vidas.

Javé apresenta sua insatisfação e o seguro juízo que viria sobre os que

estavam dando crédito às palavras de magia, curvando-se ante outro Deus ou outra

manifestação de fé. Números 25, narra uma história que retrata duas situações

pertinentes neste oráculo: a primeira diz respeito ao povo que se inclinou ante Baal-

Peor dando ouvidos a outra forma de crença (Nm 25,1-3) e a outra reforça a

fidelidade de Finéias (descendente Aaronita; Nm 25,11-13) à Javé e, que por seu

zelo, fez afastada a ira de Javé (lembrança mencionada e cobrada no segundo oráculo

de Ml 2,4-7).

O repúdio às práticas religiosas de outros cultos parece mencionar mais uma

vez, no quarto oráculo de Malaquias, a infidelidade do sacerdócio em Jerusalém. Por

esta ótica, mais uma vez o oráculo aponta o problema religioso sendo possível

entendê- lo como conseqüência do afastamento do sacerdócio de seu pacto com Javé

(Ml 2,8-9).

Esta parte do quarto oráculo parece responder a pergunta feita em 2,17:

fP;v]Mih' yheloa> hYea'

“onde está o Deus do direito, da Justiça?”. A resposta de Javé foi direta: O Deus do

direito, da justiça testemunhou a infidelidade das pessoas que deveriam confiar nele e

teme-lo. Denunciou a crença mágica, a confiança em poderes de outros deuses que

representava, pelo pacto firmado entre Ele e o povo, um rompimento da aliança.

Javé estava anunciando sua justiça sobre os que romperam com o pacto da

aliança na dimensão cúltica. No entanto, as outras denúncias marcam a grande

fragilidade no cumprimento das leis da aliança na dimensão social. É razoável

entender que o insucesso das pessoas levava ao esfriamento da fé. Mas as denúncias

sociais que se seguem neste oráculo apresenta o aproveitamento nas relações entre os

próprios judaítas não apenas desrespeitando Javé, mas também os seus semelhantes.

A segunda denúncia é apresentada através da expressão

!ypia}n;m]b'W “e entre os que cometem adultério”. A raiz

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#a'n; pode ser traduzida como “ser adúltero”, “cometer adultério”178. Este

termo faz referência a relação sexual com a esposa ou prometida de outro homem. O

adultério é visto como uma violação da fidelidade conjugal, entretanto há que se

fazer uma ressalva: para o homem a infidelidade só era atestada se este fosse pego

com outra mulher casada179.

O adultério consistia em violação da aliança (Ex 20,14; Dt 5,18; 22,22; Lv

18,20; 20,10;) e sua punição era a morte (Dt 22,22). Esta violação promovia uma

desagregação familiar abalando a sua intimidade, bem como, promovendo um abalo

social favorecendo a desintegração moral e cultural.

Malaquias faz referência, em seu terceiro oráculo (2,10-16), de uma conduta

moral desagregadora não apenas para a família como também para toda a

comunidade. A prática comum do divórcio estava favorecendo a uma desintegração

social e a uma desidentificação cultural-religiosa capaz de promover injustiças

mediante o interesse econômico e a ambição no âmbito político-social.

Malaquias acusa a vida moral do povo como um rompimento da aliança.

Além de mensurar os problemas sócio-familiares, provavelmente aponta para a

abertura sincrética através dos novos casamentos.

A lista de condenações sociais se inicia com o adultério que apresenta a

ambição social e a desconsideração com os laços de família, tão caros, à cultura e à

religião em Jerusalém. O rompimento desta lei, mais uma vez ratifica, o desapego

aos valores da aliança com Javé e reafirma o novo interesse de estabelecer suas vidas

sobre novos paradigmas.

Sob a mesma ótica, 3,5 apresenta outra condenação tão pérfida para a justiça

na sociedade: as falsas testemunhas ou as pessoas que empenham suas palavras para

o engano. Nesta lista, a expressão

rq,V;l' !y☯iB;v]Nib'W “entre aqueles que

juram para o engano” designa um grupo de pessoas que, com seus testemunhos,

promoviam a injustiça em Jerusalém. Assim, Javé testemunha sua falsidade e, sobre

eles, impõe a justiça divina.

178 KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon, vol.2, p. 658. 179 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p. 161.

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A expressão é composta de um particípio nifal masculino plural

!y☯iB;v]Nib' “entre aqueles que juram” seguido da

preposição l' “para” e de um substantivo comum singular rq,V;

“mentira”, “falsidade”, “engano”. O termo rq,V; também pode ser

usado para descrever “o rompimento de um contrato”, “perder a fé em uma aliança”

e “quebrar um acordo comunitário”180. E a raiz ☯B'v; pode descrever

“algo em abundância” ou “em estado de completude e perfeição”. Desta forma, a

expressão descreve pessoas que mentiam deliberada e de forma plena para que seu

depoimento ou ponto de vista se estabelecesse como verdade.

A lista apresenta mais este rompimento com as leis da aliança (Ex 20,7.16; Dt

5,20;). Entretanto, este ato é um grande promotor de injustiças sociais. Pois os

tribunais deliberavam a partir de testemunhas que eram vistas como idôneas,

portadoras de verdade sobre as demandas julgadas. Os falsos juramentos

impulsionariam uma indústria de injustiças e estas fomentadas nos mais diversos

fóruns da vida cotidiana.

O grupo de pessoas que se deixava corromper, de forma financiada ou

deliberada, sustentava os mais diversos níveis de injustiça. Estes também

conheceriam a justiça de Javé de forma veloz.

O outro grupo de pessoas alistadas como alvos da justiça divina são descritos

como opressores dos mais necessitados.

A expressão

!/ty;w] hn;m;l]a' rykic;

-rykic] yqev]☯ob]W “entre aqueles que

extorquem o salário da viúva e do órfão” indica o juízo divino sobre uma esfera

social capaz de concentrar o poder econômico e retirar seu lucro do trabalho dos

mais fracos do povo. Em paralelo com essa frase está, sob a mesma ótica, a frase

rge-yFem'W “e aqueles que submetem o estrangeiro”.

180 KOEHLER, Ludwig e BAUMGARTNER, Walter, The Hebrew and Aramaic Lexicon,vol.4, p.1647

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O particípio qal construto masculino plural da raiz qv'☯; descreve a

ação de um fraudador, de alguém que extorque o direito de outros mesmo que para

isso precise usar de violência. E de igual forma, se apresenta o particípio hifil

masculino plural da raiz hf'n;, “o que faz inclinar”, “o que faz abaixar”, “o

que força para baixo” indicando uma força opressiva (de cima para baixo).

A dupla construção substantiva

rykic;-rykic] indica uma flexão causal, mas há

quem prefira omitir rykic] como ditografia (repetição) de

rykic;. Porém há quem veja essa construção substantiva do texto na

base da legislação que proíbe os israelitas de defraudar os salários de seus

companheiros (Lv 19,13; Dt 24,14-15).

Este grupo de pessoas que seria visitado por Javé estava se aproveitando da

condição mais fraca do !/ty “órfão”, da hn;m;l]a'

“viúva” e do rge “estrangeiro” para proveito próprio. Este quadro de injustiça

pode ser verificado por todo período profético. Entretanto, há que se notar um fator

diferencial: no período da monarquia essa espoliação era realizada pelo rei e por sua

corte, mas no pós-exílio esta espoliação poderia ser efetuada por qualquer cidadão

que constituísse um grupo de funcionários181. Não era mais pelo lucro

governamental, mas para o lucro de uma pessoa/família socialmente mais destacada.

A opressão social, em qualquer instância, seria contrária à aliança com Javé.

Ainda mais quando afetava as classes protegidas pela sua maior fragilidade. Órfãos e

viúvas possuíam uma proteção especial nas leis do leste do antigo oriente182. Estas

leis foram estabelecidas porque estas pessoas perderam o amparo de seus protetores

sociais e necessitariam de leis que amparassem a dignidade de suas vidas.

O grupo acusado caminhava pela contra-mão dos valores da aliança. Não

consideravam as leis e arregimentavam pessoas “socialmente mais frágeis”

!/ty “órfão”, hn;m;l]a' “viúva” e rge

“estrangeiro” para delas retirar o máximo de seus direitos

181 SICRE, Jose Luís, A justiça social nos profetas, São Paulo: Paulinas, 1990, p.592. 182 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p.165.

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(rykic;-rykic] “salários”). A extorsão e a opressão

visavam o proveito próprio/corporativo e não a dignidade humana, tão pouco, a

vontade de Javé.

A lista apresentada por Javé como alvo de sua ação justiceira denuncia os

vários rompimentos com a aliança. O povo estava desenvolvendo no dia-dia valores

que corrompiam a vida e degeneravam o sonho de justiça na comunidade.

Malaquias 3,5 apresenta como conclusão uma frase negativa que aferra o

juízo e sua conseqüente justiça, reiterando a rapidez transformadora de sua ação:

t/ab;⌧] hw;hy] rm'a; yni

Warey] alow] “Não verão a mim, disse Javé dos

exércitos!” O juízo seria tão rápido e contundente que os veredictos aplacariam os

injustos e promoveria aos de dentro da aliança uma nova realidade em justiça.

A vinda re- implantadora do direito, da justiça na vida do povo se

estabeleceria na prática cotidiana quando a estrutura social se re-norteasse pelos

valores da aliança obedecendo as leis de Javé visando as relações de solidariedade e

proteção estabelecidas dentro da estrutura familiar.

2.7. Conclusão parcial

O quarto oráculo de Malaquias reflete uma realidade social bastante

conflituosa. Não bastando a opressão externa e os conflitos político-teológicos entre

os grupos que habitavam o território de Judá, havia um desajuste social na estrutura

familiar que estava minando a confiança na ação de Javé.

Além das crises sócio-político-econômicas, o oráculo apresenta com grande

destaque uma crise religiosa, e, esta mencionada nas entrelinhas no quarto oráculo

(pois o que se vê é a promessa de restauração de um grupo de sacerdotes). A crise

social alinhada com as negligências no templo e entre o sacerdócio (1,6-2,9 e 3,2-4)

ampliava a desconfiança em Javé e nas suas instituições. O povo que sofria

socialmente também era vítima da religião que estava auxiliando em sua

desagregação quando não lutava e não promovia a justiça.

Essas realidades foram confrontadas por Javé através de seu profeta. Nesta

contenda, Javé apresenta duas presenças que seriam capazes de transformar essas

realidades: o “meu mensageiro” e “ele próprio, o Senhor”. O “meu mensageiro” teria

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como missão fazer retornar o compromisso e o amor à aliança no cumprimento de

suas leis. Mas a teofania do Senhor Javé viria para promover juízo entre os

sacerdotes infiéis e entre os que estavam quebrando as leis da aliança.

Desta forma, o quarto oráculo apresenta de forma confrontadora e direta as

falhas sócio-religiosas daquela sociedade e através da ação de Javé e de seu

mensageiro haveria a restauração da aliança e da conseqüente vida em justiça para o

povo.

O quarto oráculo de Malaquias também aborda, em seu conteúdo, as mais

emergentes questões apresentadas em todo o livro. Sua preocupação com o estado da

fé do povo em seu Deus (2,17; 1,2-5;), a forte inversão de valores promovida por

uma ótica de frustração (2,17; 3,13-21;), a condenação ao efetivo trabalho sacerdotal

em seus dias (3,3-4; 1,6-2,9) e o julgamento entre os que estavam vivendo longe da

aliança (3,5; 2,10-16; 3,6-12;).

A linguagem escatológica evidencia a ação transformadora de Javé e de seu

mensageiro que seria capaz de purificar uma parte do sacerdócio (os filhos de Levi)

para restaurar a fé em Javé e ampliar os compromissos com ele, bem como, de punir

os grupos responsáveis pela injustiça na vida em Jerusalém e em Judá.

O oráculo pretende apresentar uma esperança de vida restaurada nos valores

da aliança deuteronômica. Para isso, o profeta apresenta um mensageiro que seria

responsável pelo aplainamento ou conserto profundo com os valores sagrados. A

completude de sua missão precipitaria a vinda de Javé ao seu templo para reinar e

sua presença irresistível transformaria a vida religiosa e social.

Este oráculo aproxima os temas cadentes do livro e sintetiza as preocupações

do profeta para o seu tempo, mas, sobretudo, concentra-se na descrição dos males

sociais que afetavam a vida e, conseqüentemente, a fé dos judaítas. Desta forma, a

centralidade para a mensagem de Malaquias está no tratamento da justiça na prática

cotidiana do povo judaíta no século V a.C. e busca restabelece- la a partir da

renovação da aliança deuteronômica.

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CAPÍTULO III

MALAQUIAS, MENSAGEIRO DA JUSTIÇA

O livro de Malaquias apresenta, através de seus oráculos, uma preocupação

com a vida social associada à vida cúltica. Sua mensagem, norteada pela prática

cúltica, reflete as condições limitadas da sociedade no território de Judá no período

da dominação persa. Registra os conflitos e posiciona-se numa projeção que

transformaria a realidade da comunidade de Judá e de Jerusalém.

O tratamento do tema da justiça, no livro de Malaquias, apresenta-se na

mesma direção dos profetas anteriores ao exílio, mas insere inovações considerando

a nova perspectiva social.

A estruturação do livro na forma de demandas judiciais sugere a apresentação

de uma causa em busca de justiça. Não apenas a forma, mas o conteúdo apresenta o

anseio por justiça na comunidade pós-exílica (2,10-16; 2,17-3,5 e 3,13-21). São

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apresentados vários níveis de injustiças no livro e, sobre todas, Javé se posiciona ao

lado do menos proeminente, do mais fraco.

A consideração da justiça no livro de Malaquias deve partir da compreensão

do papel externo da dominação persa frente ao sistema judicial em Judá, da

compreensão da estrutura da sociedade judaíta, das leis que se sedimentaram no seio

da comunidade de Judá (e seus confrontos) e dos sistemas de opressão estabelecidos

pela quebra das leis e da legitimação das injustiças.

A análise dos dados promoverá a reflexão para averiguar se Malaquias era um

mensageiro comprometido com a justiça dos menos favorecidos, ou se estava

inserido numa luta pelo poder no templo, em defesa de um grupo.

Para tanto, este capítulo pretende refletir sobre a sociedade em Judá após o

exílio na sua relação com a Pérsia, considerando a estrutura social e seus conflitos,

bem como, os temas da opressão e sua relação com a quebra ods códigos legais da

aliança deuteronômica visando a justiça como uma realidade possível para a vida do

povo.

3.1. A dominação persa frente ao sistema judicial em Judá: regimentos e

interferências

O domínio persa se estabeleceu com um modelo administrativo e político

diferenciado dos impérios anteriores. Ciro (559-530 a.C.) fez fama como um

conquistador com qualidades avançadas para o seu tempo e seus sucessores

perseguiram esse ideal político. Sobre valores mais tolerantes estabeleceu um

domínio mais político-militar do que sócio-cultural-religioso. A base do império

persa não estava “na indústria, mas no poder”183. O império se sustentou por longos

anos por causa de sua organização e força.

A organização persa se estabelecia nas diversas províncias (satrapias) através

de um governador de confiança (ou um governante vassalo) que agiria pelos

interesses do rei e um comandante militar autônomo destacado para a segurança. A

província teria um secretário nomeado como um ajudante- inspetor e ainda poderia a

183 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, Vol. 1, Rio de Janeiro: Record, 3ª. Edição, 1963, p. 241.

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qualquer momento indicar um grupo que serviria como fiscais do império (olhos e

ouvidos do rei).184

Especialmente, após Dario I, o império persa dominou os diversos territórios

pela administração e taxação, sendo eficientes e, se necessário, cruéis para a

manutenção do poder nas regiões sob seu controle.

Os persas tinham a administração da justiça como alvo social e também

religioso. Ao firmar editos e veredictos, o rei persa, supunha-se inspirado pelo Deus

Supremo (Ahura Mazda) e, por isso, a lei representava a vontade divina, bem como,

as violações ir contra a vontade divina. 185

A lei suprema era a vontade soberana (com forte dimensão religiosa). O

orgulho da Pérsia consistia em afirmar que as suas leis não mudavam. Uma promessa

ou um decreto do rei era irrevogável. O rei era a instância mais alta (supremo

tribunal), mas este normalmente delegava tal função a um de seus nobres.

O sistema de justiça era bastante elaborado. O rei (ou seu comissionado) era a

instância mais alta, sendo seguida pela “Alta Corte da Justiça”186 formada por sete

membros e depois as cortes locais espalhadas por todo o império.187 Contudo o poder

do rei era supremo.

Cada região mantinha suas leis, seus costumes, sua moral e sua religião. As

leis eram formuladas pelos sacerdotes que também funcionavam como juízes.188 O

império persa funcionava com a combinação da autoridade central e da iniciativa

provincial sendo reservados alguns direitos às administrações locais189. Os sacerdotes

locais tinham reservado para si o poder da lei religiosa de seu povo. Entretanto, as

decisões político-econômico-administrativas foram completamente retiradas dos

templos.190

Os tribunais, pelas implicações religiosas e éticas dos persas, deveriam ser

redutos que garantiriam a justiça na vida dos povos inseridos no império. No período

de Cambises houve um incidente que provocou a moralização da justiça pela pena

capital a um juiz corrupto.

184 JAGUARIBE, Hélio, Um Estudo Crítico da História, Vol.2, São Paulo: Paz e Terra, 2001, p.260. 185 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, p. 243. 186 Esta instância aconselhava o monarca em questões legais. Confira JAGUARIBE, Hélio, Um Estudo Crítico da História, p.259. 187 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, p. 243. 188 Idem, p.243. 189 JAGUARIBE, Hélio, Um Estudo Crítico da História, p.260. 190 GORGULHO, Gilberto e ANDERSON, Ana Flora, “Identidade e Esperança do povo de Deus”, em Os Profetas e a luta do povo,s/nº, 1986, p.59-61.

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Os persas tomaram outro cuidado para a administração da justiça entre o

povo191. Com o passar dos anos e na medida em que “as leis persas foram adquirindo

complexidade, uma classe de homens, denominados ‘relatores da lei’, formou-se para

explicá- las aos litigantes e ajudá- los na condução de suas causas”192.

O sistema judiciário dos persas usava uma processualística regular. Aplicava

como punição para delitos menores as chibatadas (de cinco a duzentas) ou até

mesmo o uso de fiança. As chibatadas poderiam ser comutadas (cada chibatada por

uma quantia de multa). A administração da do sistema legal era parcialmente

financiada pela comutação das chibatadas por multas.193

Os crimes mais sérios eram punidos com maior rigor. As punições para os

mais graves crimes podiam variar, pela gravidade do delito nas seguintes penas:

marca de fogo, aleijamento, mutilação, cegueira, prisão e morte. A letra da lei proibia

que se condenasse um homem à morte por crime comum, mas um governo que se

impôs pela força não hesitou em fazê- lo.194

As penas de morte eram cabidas em casos de traição, estupro, sodomia,

onanismo, cremação ou enterro dos mortos, intrusão na intimidade do rei,

aproximação de suas concubinas, assentamento acidental no trono ou qualquer ato

que desagradasse à casa reinante.195

A aplicação da pena de morte fazia-se por meio de veneno, da empalação, da

crucificação, do enforcamento, do apedrejamento, do enterro do corpo até o pescoço,

do esmagamento entre duas pedras, do assentamento em brasas ou pelo método de

tortura do bote. Muitas outras formas de pena capital foram utilizadas pelos

monarcas persas no exercício do poder para a intimidação e manutenção do poder.

A administração da justiça no território de Judá parece ter seguido as normas

persas de preservação das leis locais. Neste período parece que o código legal mais

desenvolvido, o deuteronômio, continuou orientando a prática da justiça na

comunidade de Judá e Jerusalém. Pelo sistema social vigente a administração da

191 Heródoto informa que: “os magistrados reais são homens escolhidos entre todos os persas. Seu cargo é vitalício, a menos que cometam uma injustiça que os torne indignos dele. São eles que interpretam a lei e julgam os processos, convergindo toda as questões para seu tribunal”. Confira HERÓDOTO, História: o relato clássico da guerra entre Gregos e Persas, São Paulo: Ediouro, 2ª. Edição reformada, 2000, p. 337. 192 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, p. 243. 193 Idem p. 243 194 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, p.243. 195 Idem p. 243.

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justiça deveria ser realizada pelos anciãos (chefes de família) e pelos sacerdotes sob a

supervisão do governador da província transeufratiana (quinta satrapia).

As autoridades persas, nas mais diversas províncias, preocupavam-se mais

com os interesses do reino (o recolhimento dos tributos que deveria cobrir a estrutura

das satrapias e o valor fixo da tributação ao monarca dominante), e também se

mantinha respeitosamente diante das leis locais, desde que estas não levassem os

povos submissos à rebelião ou a contrariedade dos projetos do império.

Portanto, a justiça reclamada no livro de Malaquias está ligada ao sistema

judiciário da comunidade judaíta. As reclamações e frustrações estavam mais

focalizadas para as opressões internas promovidas pela própria estrutura social do

que pela justiça dos dominadores. A queixa se direcionava aos juízes do povo e aos

sacerdotes que não estavam aplicando a lei da aliança corretamente.

Em Jerusalém, com o restabelecimento do templo, os sacerdotes deveriam

ensinar e aplicar as leis da aliança para uma vida mais justa e igualitária. As leis da

aliança que, relidas (deuteronômio), normatizavam o novo momento de vida em

Judá. Estas estavam sendo ignoradas e negociadas. O povo que aguardava uma

sociedade mais justa se viu diante de um sistema preparado para beneficiar os grupos

mais poderosos, e os sacerdotes cediam a administração da justiça pelos benefícios

recebidos no templo (Esd 2,68; Ne 7,70).196

A vida carregada de injustiças em Judá estava sendo motivada pelos

interesses internos da comunidade. Os vários grupos e as transformações sociais

geravam uma luta interna pelo poder, pelo bem estar e pelo crescimento de cada

família. A justiça estava sendo preterida pelo poder econômico. Os sacerdotes

estavam cedendo e, coniventes, não faziam valer as leis da aliança. Por isso,

Malaquias é tão enfático na condenação dos sacerdotes (1,6-2,9).

O entendimento da vivência em injustiça aponta para o reconhecimento do

fator motivador: A estrutura social em transformação: o sistema de parentesco. Para

isso, torna-se importante compreender a formação da sociedade em Judá, nos dias de

Malaquias, discernindo os conflitos existentes para entender a crise de justiça

reclamada pelos judaítas e, especialmente, aqueles que haviam retornado do exílio na

Babilônia.

196 KIPPENBERG, Hans G., Religião e Formação de Classe na Antiga Judéia : estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social, São Paulo: Paulinas, 1988, p.35.

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3.2. A estrutura social em Judá: uma realidade confrontadora e opressiva

O território de Judá sob a política da Babilônia estruturou-se no interior do

país. Suas atividades foram voltadas para a agricultura sem interesses urbanos. Esta

postura refletia a política de dominação dos babilônios preocupados mais com a

inibição das revoltas no Egito e das possíveis coalizões na região do que

propriamente com a prosperidade da região. Por causa desta política, o território de

Judá permaneceu habitado e cultivado, mas desurbanizado e estruturalmente

desolado (fato ainda notado nos dias de Neemias – 445 a.C.).

A ascensão de Ciro promoveu uma retomada da urbanização e do

desenvolvimento regional através do comércio. Ciro e seus sucessores também

apoiaram este território por motivos estratégicos. Sua política, em muito, refletia o

desejo de ter um povo aliado perto de um povo tão dado às insurreições: o Egito.

O retorno de alguns judaítas que estavam exilados na Babilônia visava o

repovoamento de Jerusalém (e região) e a reconstrução do templo como sinal de

apoio religioso e da retomada de uma estrutura social em Judá com os incentivos da

Pérsia. Com essa política, a Pérsia, buscava aliados. Se não todo o povo, pelo menos

os sacerdotes que veriam os monarcas persas como patronos de seus cultos. Assim,

sedimentava um apoio importantíssimo para a contínua dominação.

Desde o período do domínio babilônico, os que permaneceram na terra

retomaram a estrutura clânico-familiar como a base da sociedade judaíta que vivia da

pecuária e agricultura de uma forma bastante autônoma.

Os que foram exilados para a Babilônia mantiveram-se unidos em regiões

rurais (mesmo sendo de origem citadina) conservando as esperanças religiosas e

políticas para a cidade de Jerusalém. Seus ideais de uma sociedade justa pelo

governo de Javé e de seu ungido mantinham uma sociedade esperançosa baseando

suas vidas na produção da terra na Babilônia. No exílio sedimentaram as

organizações sociais num formato comum: o sistema familiar. Com ela conservavam

as tradições e se estruturavam aguardando o retorno e a vida dirigida pelos valores e

líderes escolhidos por Javé.

Assim sendo, a estrutura da sociedade judaíta no pós-exílio permaneceu

essencialmente no sistema de parentesco. Entretanto, este sistema favorecia o

conflito entre os “habitantes da terra” e os “repatriados da Babilônia”, pois os que

retornavam do exílio deveria ter o direito de reassumir as posses que eram

originariamente de seus familiares e, estas estavam habitadas e cultivadas.

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Este sistema social era reconhecido em todo o Antigo Oriente. Tratava-se de

um modelo comum que outorgava o direito de propriedade como hereditário. O

parente mais próximo teria o direito de resgatar a terra mesmo que esta tivesse sido

vendida a um estrangeiro197.

Assim sendo, os que retornaram do exílio voltaram às localidades de seus

antepassados (Esd 1,5; 4,1; 10,9 e Ne 11,4) e ainda com o apoio dos dominadores do

território, os persas, conflitando os interesses. Mas muitos que retornaram do exílio

preferiram habitar as regiões próximas a Jerusalém (já que a maioria dos exilados era

descendente dos habitantes de Jerusalém).

O modelo da organização social, nos dias de Malaquias, era o sistema de

parentesco. Provavelmente, com enfrentamentos e desentendimentos quanto a posse

e a distribuição da terra entre os “habitantes da terra” e os que retornaram do exílio.

A comunidade pós-exílica caracterizou-se pela organização social subdividida

por famílias t/ba'' tyBe “casas dos pais”. Estas

compreendiam o pai com a(s) mulher(es), concubinas, filhos casados e filhas

solteiras. O pai possuía poder restrito sobre a mulher e irrestrito sobre filhos e

escravos.198

As t/ba'' tyBe “casas dos pais” eram a unidade

básica da organização, da produção e das relações sociais. Esta unidade social se

apropriava da terra, do trabalho e da produção, mantendo a posse e a herança.199

A hjPv]mi “mishpaha” (clã) é um grupo caracterizado pela

residência comum onde os direitos da terra são transmitidos por herança. Constitui-se

em uma ampliação pela união das “casas dos pais”. A

hjPv]mi “mishpaha” confere direitos corporativos de

propriedade da terra impondo os limites territoriais. Também exige entre os seus

membros uma relação de responsabilidades mútuas. A reciprocidade era praticada

em forma de troca de bens e serviços. A reciprocidade também determinava as

instituições do direito, da religião e da liderança comunitária.200 Nesta organização,

197 KIPPENBERG, Hans G., Religião e Formação de Classe na Antiga Judéia, p. 31. 198 KIPPENBERG, Hans G., Religião e Formação de Classe na Antiga Judéia, p.22 e 25. 199 GORGULHO, Gilberto e ANDERSON, Ana Flora, Identidade e Esperança do povo de Deus, em Os Profetas e a luta do povo, s/nº, 1986, p.62. 200 KIPPENBERG, Hans G., Religião e Formação de Classe na Antiga Judéia , p.24-30.

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os anciãos dirigiam a comunidade e faziam justiça. Os órfãos e viúvas desfrutavam

da proteção familiar e eram amparados pela solidariedade da família.

O sistema social de parentesco continuava ampliando-se na união das

tjoPv]mi “famílias”, “clãs” constituindo as tribos (shebet

fb,ve e matteh hF,m''). As tribos se baseiam numa

organização de proximidade física e de interesses comuns.201

A estrutura social de parentesco favorecia a inserção de estrangeiros como

componentes das t/ba'' tyBe “casas dos pais” (sendo

considerados como filhos adotivos) e ainda a presença de escravos (normalmente

admitidos nesta condição pela derrota militar ou por endividamento).

Este sistema de sociedade visava, sobretudo, o bem estar do grupo. As redes

de proteção tecidas pelos valores da reciprocidade deveriam levar cada componente a

se comprometer solidariamente com outros membros do grupo.

A vida comunitária gerava uma forte dependência do grupo visando manter as

propriedades, os valores, a religião e os vínculos com as tradições de seus ancestrais.

Esta estrutura se relaciona diretamente com os valores da redenção la'g;

“a vingança de sangue”, “o levirato”.

Este sistema pressupunha um ideal de igualdade entre os membros da família.

No pós-exílio, especialmente para os que retornaram do exílio babilônico, floresciam

as esperanças de um novo começo baseado no cumprimento das profecias que

apontavam para o ideal de justiça e igualdade. Mas a proeminência das “casas dos

pais” do “povo da terra” foi imposta e conduziu a comunidade para uma

transformação.

Se impôs na comunidade de Judá uma competição acirrada tendo como alvo a

proeminência social e religiosa. Isto alterou as normas sociais do parentesco e fez

com que cada família almejasse lugares mais altos baseados na economia, podendo

para isso, negar os valores da tradição e o rompimento com as leis da aliança.

No pós-exílio “as casas dos pais” adquiriram importância maior em relação

ao clã e a tribo. Emanciparam-se dos domínios tradicionais das ampliações familiares

(clãs e tribos) e buscavam caminhos próprios para a notoriedade de sua família e uma

melhor colocação social. 201 SICRE, José Luís, A Justiça Social nos Profetas, São Paulo: Paulinas, 1990, p. 59.

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O período pós-exílico promoveu uma reestruturação social no sistema de

parentesco. Nesta transformação notou-se a diminuição das redes de proteção e de

solidariedade entre as famílias (tornando órfãos e viúvas mais vulneráveis).

Prevaleceu o privilégio de algumas famílias economicamente mais fortes que

aproveitavam o direito da estrutura familiar para adquirir as propriedades dos que

estavam endividados (formação de latifúndios patrimoniais). Outro fator de profunda

transformação foi a abertura para os casamentos fora das relações da família e,

especialmente, com estrangeiros/as.

O crescimento da injustiça, no território de Judá, estava vinculado às

transformações sociais. Os endividados, pela tributação persa e pelo enfraquecimento

da solidariedade familiar, eram forçados a negociar suas propriedades com um

parente economicamente mais forte que se aproveitava da oportunidade para adquirir

maiores lucros. Os endividados, na maioria das vezes, só mudavam de credor.

O livro de Neemias relata um levante do povo que se manifesta, após longos

anos, o empobrecimento gradativo e exploratório a que estavam submetidos (Ne. 5).

O referido pronunciamento descreve como a maioria estava sendo penalizada com a

exploração do sistema de parentesco. Neemias, como representante do governo

persa, retira sua responsabilidade juntamente com a estrutura governamental e

transfere a responsabilidade aos líderes do povo.

As famílias economicamente mais fortes influenciavam os sistemas

comerciais, judicial e religioso. Os sacerdotes estavam do seu lado, pois ofertavam

em nome de suas famílias para o templo e para a manutenção do sacerdócio em dias

tão difíceis para os ministradores do templo de Jerusalém. Seu poder financeiro e de

pressão poderia reverter demandas judiciais através de testemunhas sob seu poder

(quer econômico quer por gratidão).

A justiça reclamada nos dias de Malaquias estava vinculada ao sistema social

de Judá. Um ajuste interno nas instituições poderia auxiliar na minimização dessas

desigualdades. Entretanto, não será o curso que a história seguirá. Sabe-se que essas

transformações sociais foram se sedimentando.

É também evidente, que os persas poderiam intervir para o restabelecimento

da justiça em Judá, mas longos anos se passaram com a crescente insatisfação por

viver num sistema de tantas injustiças. Só muito posteriormente, Artaxerxes II

(404-359/8 a.C.) constituiu Esdras para essa finalidade: intervir no território de Judá

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e nele estabelecer uma legislação capaz de trazer maior satisfação aos seus habitantes

(Esd 7,25-26).

Os conflitos familiares também se fizeram notados dentro da instituição

sagrada do sacerdócio. Desde há muito, havia disputas internas pela proeminência no

templo. Nas listas de Esdras e Neemias ficou configurada a proeminência dos

Sadocitas e a desconsideração dos levitas na divisão das provisões do templo

(Ne13,10), fazendo-os trabalhar nos campos e afastando-os do serviço do templo de

Jerusalém.

A disputa familiar no templo foi também assumida pelo profeta e, nesta,

prefere o grupo menos proeminente de seu tempo. Sua mensagem aponta um grupo

enfraquecido pela opressão como portador das respostas para o restabelecimento da

justiça nas relações cotidianas do povo.

O livro de Malaquias anseia pela justiça na vida do povo. Sua mensagem é

confrontadora das realidades sociais que fomentam os sistemas de injustiças.

Reconhece que os problemas são mais de ordem interna do que externa. Reconhece

que o templo tem um papel fundamental no estabelecimento da justiça e que os

sacerdotes não devem estar comprometidos com outros valores a não ser os da lei da

aliança. Também anuncia que a Justiça de Javé será implantada sobre o seu povo,

mas faria a separação entre justos e injustos para que o reinado da justiça se

estabelecesse de forma plena.

Malaquias desejava uma sociedade justa. Sua mensagem condenava as ações

contrárias aos valores da lei da aliança. Apontou para alguns responsáveis e afirmou

sobre eles o juízo divino. Garantiu com esperança que a justiça seria uma realidade

na vida do povo que anseia pelo domínio de Javé, o Senhor da Justiça.

3.3. Ações que rompiam com a justiça em Judá

O período pós-exílico é desafiador. Igualmente desafiadora é a pesquisa sobre

a justiça em Judá neste período, pois são poucos documentos que registraram os

problemas sociais desse período. Mas as narrativas e oráculos nos livros de Ester,

Esdras, Neemias, Ageu, Zacarias e Malaquias auxiliam no levantamento da

problemática social do século V a.C.

Dentro das muitas possibilidades hermenêuticas para se ler o livro de

Malaquias, a justiça impõe-se fortemente por causa da forma que foi composto o

livro e dos seus conteúdos.

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A forma dos oráculos do livro (oráculos formulados nas características do

gênero da demanda) pressupõe um julgamento num tribunal onde se requere a

justiça. A representação em demandas judiciais indica que o profeta contendia, em

nome de Javé, com o povo e com os sacerdotes. Parece que o interesse do livro era o

de anunciar que Javé, o supremo juiz, traria o seu povo a juízo e estabeleceria um

reino de justiça (3,20).

O conteúdo do livro apresenta, especificamente em três oráculos (2,10-16;

2,17-3,5 e 3,13-21), as demandas que clarificam as injustiças cometidas nas relações

da sociedade judaíta e que exigiam acertos com as leis da aliança para que, assim,

fosse restabelecida a justiça na vida do povo judaíta no século V a.C.

Embora o conteúdo do livro apresente a justiça como um de seus temas, o

vocabulário apresenta poucas referências diretas aos termos clássicos da língua

hebraica para justiça. O quarto oráculo (2,17-3,5) faz uma dupla menção do termo

fP;v]Mi “direito”, “justiça”: a primeira menção foi feita na pergunta

do povo: onde está o Deus da justiça? (2,17), e, a segunda na afirmação que a justiça

de Javé viria para fazer “justiça”, “direito” (3,5). O sexto oráculo (3,13-21) faz a

menção da vinda do hq;d;;⌧] vm,v, “sol da

justiça” que apresentaria a ap'r; “cura” estabelecendo um reino de

vitoriosos. O livro ainda faz menção da forma participial no primeiro apêndice (3,22)

quando, em referência a Moisés, aponta para as !yQiju “ordens” e as

!yfiPv]mi “leis” dadas para o povo no Horeb.

A mensagem de Malaquias identifica que o sentimento e a realidade de

injustiças embota a fé e a confiança em Deus. Em contrapartida, a certeza de servir

um Deus de Justiça alimenta a esperança de viver para ultrapassar as mais difíceis

provas da vida.

O conceito de justiça nas diversas culturas do Antigo Oriente era bastante

desenvolvido. Desde a mais remota época, as diversas culturas do Antigo Oriente

expressavam o interesse pela dignidade humana e da conseqüente sensibilidade

social. 202

202 SICRE, José Luís, A Justiça Social nos Profetas, São Paulo: Paulinas, 1990, p. 11-50.

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Os governantes, de uma forma geral, recebiam o encargo de administrar a

justiça para o seu povo. Comumente, esse encargo estava associado aos valores

religiosos, pois os governantes eram vistos como representantes autorizados pelos

deuses. Estes expressavam, através de seus instrumentos (os governantes), seu

caráter de justiça para o benefício de seu povo devoto.

As diversas culturas expressavam as preocupações éticas através dos seus

pressupostos religiosos. Estes deveriam formar a consciência de governantes e do

povo enfatizando que os mais fracos e os marginalizados necessitavam de cuidados

maiores para que toda a sociedade vivesse em justiça.

A ação profética em Israel e em Judá expressou esse cuidado especial (de

forma mais direta nos profetas do século VIII a.C.). Quando o profeta falava de

justiça, ele expressava a insatisfação concreta com algumas dimensões da vida. Não

falava em tese ou metafisicamente. Apontava para um problema evidente na

sociedade que precisava de ação e alteração.

A justiça no Antigo Testamento constitui-se em um conceito relacional

amplo. Através dele apresentam-se os critérios para as relações entre o ser humano e

Deus; entre os seres humanos; e entre os seres humanos com o meio ambiente (a

natureza).203

Assim a hq;d;⌧] justiça pode ser apontada como o valor

supremo da vida e o fundamento em que repousa toda a existência ordenada.204 A

justiça hq;d;⌧] não é norma. São atos. Requer compromissos que

extrapolem o dever. Esta justiça constitui-se um dom de Javé.205

A justiça de Javé sobre os seres humanos e, especialmente, sobre o povo era

uma realidade imputada e admitida, mas podia ser perdida através da prática de

comportamentos ou atos destruidores da comunhão com ele.206

Em textos mais tardios a consideração de um ser humano justo estava

atrelado à observância dos mandamentos expressados no deuteronômio. Assim, a

justiça passou a ser medida pela lei207 e a lei a justiça.

203 RAD, Gehard von, Teologia do Antigo Testamento, Vol.1, São Paulo: ASTE, 1986, p. 353. 204 RAD, Gehard von, Teologia do Antigo Testamento, vol.1, p. 353 205 Idem. p. 356-359. 206 Id. p. 361. 207 SELLA, Adriano, Ética da Justiça, São Paulo: Paulus, 2003, p.72.

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O Antigo Testamento expressa os conceitos de justiça pelo emprego de dois

termos: hq;d;⌧], “justiça” e fP'v]Mi, “direito”,

“justiça”. Malaquias se utiliza dos dois termos em lugares distintos com interesses

distintos na transmissão de sua mensagem em busca de uma vida de justiça para o

povo de Judá em sua época.

A justiça expressada pelo termo hq;d;⌧] equivale a atitude

interna da justiça que torna possível viver à fundo a fPv]Mi “direito”,

“justiça”. 208 Também se refere à eqüidade no julgamento que está intimamente ligada

à ds,j, “bondade”. O termo também dimensiona o mais importante

conceito ético relacionado com a vida jurídica e social do povo da aliança.209

O termo fP'v]Mi, “direito”, “justiça” foi utilizado com

diversos sentidos. O sentido predominante faz referência à prática da justiça nos

tribunais equivalendo ao reto ordenamento da sociedade.210 Este termo também

representa a idéia mais importante para uma correta compreensão de governo. Assim,

expressa o direito e as dimensões do tribunal que executa a justiça. Expressa o

julgamento que afirma o veredicto em favor dos inocentes decretando-os como

justos.211

A justiça no Antigo Testamento é alvo de muitas críticas, especialmente, pela

pregação profética. São freqüentes as denúncias de suborno e de beneficiamento dos

poderosos nos tribunais (Is 1,23; Mq 3,1 e 7,3; Am 5,10-12), preterindo da justiça os

mais necessitados. Os profetas foram pregadores que desejavam a alteração dos

tribunais para que se retirasse do povo da aliança todas as formas de opressão e de

injustiças.

A prática da justiça na sociedade, sempre está relacionada com as instâncias

de poder, pois estas possuem a capacidade de estabelecer dentro da sociedade os

valores da justiça para um povo. Por isso, a discussão acerca da justiça remete aos

líderes e suas ações diante da sociedade.

208 SICRE, José Luís, A Justiça Social nos Profetas, p. 600. 209 SELLA, Adriano, Ética da Justiça, p.70-71. 210 SICRE, José Luís, A Justiça Social nos Profetas, p. 600. 211 HARRIS, R. Laird e outros, Dicionário Internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p.1606.

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Quando Israel era governado por um rei, este era responsabilizado pelas

práticas justas ou injustas. Mas no pós-exílio os governantes persas delegavam às

instâncias locais à aplicação da justiça. Então, neste momento da história, estavam

responsabilizados os anciãos e os sacerdotes como os promotores da justiça (Dt.

17,8-12). Como se estabeleceria a justiça em uma sociedade tão dividida?

Os oráculos de Malaquias refletem uma queixa quanto a justiça (2,17 e 3,14)

e esta era reclamada a Javé. Na sua relação com o povo residia a esperança de viver

justa e retamente para uma vida de plena felicidade. Os oráculos de Malaquias

reservam espaço especial para a discussão da justiça para a vida em um período tão

conturbado.

O terceiro oráculo (2,10-16) apresenta o problema do jL''v''

“repúdio”, “divórcio” na sociedade judaíta no tempo de Malaquias. As leis

deuteronômicas previam esta possibilidade (Dt 22,13-30; 24,1-4), mas os motivos

apresentados pelo profeta não estão previstos e clarificam dois problemas na

sociedade: o primeiro compromete o sistema de parentesco, como expresso em 2,11

rk;ne lae-tB'' l☯''b]W “casando com

filha de deus estrangeiro” e o segundo apresenta que os repúdios eram injustos,

cobertos de violência, como uma forma de opressão como descrito em 2,16

jL''v'' anec;-yKi “Eis que rejeito o repúdio” (...)

/vWbl]-l☯'' sm;j; hS;kiw], “e

aquele que cobre de violência sobre seu vestido”.

A violência contra a esposa era praticada pela traição (dg''B;

“trair”, “enganar”, “ser infiel”). A aliança com ela firmada deveria ser honrada. Não

deveria ser rompida ou desconsiderada por motivos que não estivessem previstos na

lei (2,14-16). O adultério já havia sido condenado por outros profetas (1Sm 12; Jr

5,7-8; 7,9; Ez18,6.11.15; 22,11; 33,26), mas Malaquias retoma o tema numa nova

realidade social quando esta possuía uma formação multi-étnica no mesmo território.

O terceiro oráculo apresenta a prática do repúdio como uma forma opressiva.

Uma violência contra a mulher. O profeta parece indicar que as motivações para

esses matrimônios eram o escalonamento social e econômico.

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A confirmação dos casamentos se dá pelas evidências no futuro próximo aos

dias de Malaquias nas narrativas de Neemias e Esdras. Pelo fortalecimento sócio-

econômico muitas t/ba'' tyBe “casas dos pais” buscaram a

ampliação de suas redes de poder através de compromissos com pessoas (relevantes)

de outras etnias que habitavam o território de Judá. Estes relacionamentos

fortaleciam muito o comércio, mas poderia comprometer os vínculos patrimoniais e

religiosos.

Este tipo de procedimento estava relacionado com as

t/ba'' tyBe “casas dos pais” mais proeminentes e, até, com

os sacerdotes em cargos de destaque no templo de Jerusalém (Ne 10 e 13). Assim, as

instâncias de poder estavam comprometidas com essas ações e impossibilitadas de

aplicar a justiça. O comprometimento com essas ações retirava a consciência

imparcial para a aplicação das leis da aliança.

O profeta, em seus oráculos, não se posicionou completamente contra os

casamentos com estrangeiras, mas reconheceu que estes podiam comprometer a

unidade religiosa do povo de Judá (2,11.13). Javé condenou a traição e o repúdio

interesseiro. Igualmente condenou as motivações que estavam gerando esses

comportamentos. Javé se apresenta em defesa da pessoa mais fraca e procura

estabelecer os seus valores que dignificam os seres humanos.

O quarto oráculo (2,17-3,5) amplia a discussão acerca da justiça.

Especialmente, por causa da dúvida que Javé faria justiça sobre o povo. Mas é em

3,5 que o profeta apresenta uma lista mais detalhada de ações que afrontavam a lei e

estabelecia as muitas faces da opressão nos dias de Malaquias.

A lista de ações contrárias a aliança apresentada pelo Malaquias reflete as

recomendações do código da aliança212 (Ex 20,22-23,19) com especificidade para

orientar a conduta na administração da justiça (Ex 23,1-3 e 6-9)213. Sendo

encontradas as mesmas recomendações no Código Deuteronômico214 (Dt 16,18-22;

212 O código da aliança é um conjunto amplo de leis prescrevendo as mais variadas dimensões da justiça. “Esse código estabelece a estrutura básica da Tora israelita, integrando documentos e leis mais antigas (...) como forma de resolver a difícil situação social do povo em Judá, colocando todas estas leis sob a perspectiva do 1º mandamento, isto é, da adoração exclusiva a YHWH”. Confira em REIMER, Haroldo e REIMER, Ivoni Richter, Tempos de graça: o jubileu e as tradições jubilares na Bíblia, São Leopoldo/São Paulo: Sinodal/CEBI/Paulus, 1999, p.34. 213 SICRE, José Luís, A Justiça Social nos Profetas, p. 69. 214 O código deuteronômico pode ser considerado como “uma edição revista e ampliada do Código da Aliança, isto é, o código anterior é revisto, atualizado e adaptado para as situações novas na época de

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19,14-19; 24,14-18; ). A lista apresentada pelo profeta tem estreita ligação com as

leis deuteronômicas perfeitamente aceitáveis pelo “povo da terra” e também entre os

que retornaram do exílio. Por esses valores esperava-se a implantação da justiça.

Em Malaquias 3,5 Javé se apresenta como a suprema testemunha que

imporia, através de seu testemunho inquestionável, seu julgamento e conseqüente

justiça. Seu testemunho e juízo seriam direcionados a algumas instâncias específicas:

a religiosa (com apenas uma referência) e a social (com cinco referências em

diversas direções do direito deuteronômico).

A primeira instância e a menos evidenciada no texto é a religiosa. O profeta

afirma a vinda de Javé sobre os !ypiV]k''m] “feiticeiros”.

Esta referência aponta para o rompimento com os primeiros mandamentos do

decálogo (Ex 20,3-5; Dt 5,7-11) que mencionam que Javé desejava um culto

particular e exclusivo impedida a manifestação em imagens. Este menciona a

decepção com a fé em Javé e a preferência a outros cultos (provavelmente referindo-

se às influências estrangeiras).

A segunda instância evidencia a principal preocupação do profeta: a social.

Parece que a distorção social era fruto da perda dos referencias religiosos. Por isso, a

seqüência explicita as ações que estavam distanciando o povo dos valores de Javé e,

conseqüentemente, da justiça na prática cotidiana.

O profeta inicia a lista das injustiças sociais retomando o tema do terceiro

oráculo, como que o reforçando. Critica mais uma vez o rompimento de um dos

mandamentos da aliança: #a'n; “o adultério” (Ex 20,14; Dt 5,18)

referindo-se provavelmente aos casamentos com estrangeiras por interesses. Estes

estavam promovendo na sociedade injustiças contra as esposas. Desta forma, o

oráculo refere-se a falta de justiça às mulheres (as ações reparadoras). As mulheres

estavam sofrendo a humilhação da dg''B; “traição”e a justiça parecia estar

privilegiando os homens, não considerando o direito das mulheres. Mais uma vez,

Javé se coloca no lugar da injustiçada. Defende o direito dos mais fracos, dos

preteridos da justiça.

seu surgimento antes ou durante o governo do rei Josias”. Confira em REIMER, Haroldo e REIMER, Ivoni Richter, Tempos de graça, p.34.

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A lista de acusações contra as injustiças na sociedade judaíta apresenta as

ações motivadas pela falsidade: rq,Vl'' !y☯iBv]Ni

“os que juram para o engano” e assim, se aproxima dos tribunais denunciando,

provavelmente, os veredictos injustos provocados pela ação das falsas testemunhas.

O termo pode indicar os vários procedimentos tomados para enganar, iludir

ou afirmar uma mentira, uma fraude. Assim sendo, pode retratar as testemunhas

usadas para comprovar inverdades ou, até mesmo, descrever os rompimentos de

contratos que foram firmados e desrespeitados.

Este procedimento foi extensamente denunciado pelos profetas (Is 1,23; Os

4,2; Mq 3,11), pois nele se instituíam as injustiças de forma legal. No pós-exílio, a

sociedade estava dominada pelos persas, mas o domínio mais evidente e opressivo

era o interno quando os poderosos chefes de famílias detinham grande parte das

propriedades incluindo a liberdade de filhos e dos próprios endividados. Assim,

muitas vezes, pelo “voto de gratidão” ou submissão, os mais fracos, eram usados nos

tribunais para dar o ganho de causa, à maioria das demandas, ao opressor

estabelecendo a injustiça. E ainda sendo reconhecidos como beneméritos.

Outrossim, os sacerdotes também dependentes desses senhores poderosos

(por causa de suas ofertas) posicionavam-se favoravelmente as suas causas não

podendo contender em dias tão difíceis para o sustento do templo. Além daqueles, da

mesma estirpe, interessados na continuidade da opressão.

A falsa testemunha seria alvo da ação justiceira de Javé. Porque muitos

perderam o direito à justiça por causa das fraudes comprobatórias forjadas para o

julgamento. A testemunha suprema, Javé, se posicionava em favor do inocente: o

injustiçado. Àquele que teve sua dignidade roubada pela articulação ardilosa dos

poderosos.

A falsidade foi condenada. E o profeta anunciou um julgamento que traria a

verdade à tona. Faria justiça para os mais necessitados.

A lista das condenações torna-se mais específica quando denuncia a

exploração das classes menos favorecidas na sociedade. A frase apresenta três grupos

vitimados pela extorsão e pela exploração dos poderosos:

hn;m;l]a'' “viúva”, @/ty; “órfão” e o rge

“estrangeiro”. Há quem interprete a expressão

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rykic;-rk''c] como indicando uma outra classe

social: os operários215.

Viúvas, órfãos e estrangeiros eram absorvidos no ideal da estrutura familiar.

As leis de reciprocidade e solidariedade visavam proteger e restabelecer a dignidade

para essas pessoas, que de alguma forma, tinham sido vitimados em sua existência.

Viúvas e órfãos teriam suas condições restabelecidas pela ação de um

lae/g “redentor” que suscitaria descendência para o restabelecimento

dos direitos para a vida.

Era considerado um rge “estrangeiro” qualquer associado de uma

comunidade que não fosse a sua, mas descrevia especialmente os não israelitas de

nascimento e que estavam unidos à comunidade de Israel. O rge

“estrangeiro” era absorvido na estrutura familiar e também protegido. O rge

“estrangeiro” ocupava um lugar intermediário entre o parente de sangue e o

escravo.216

O rge “estrangeiro” poderia ingressar na comunidade através de

conflitos militares ou por estar atravessando um momento difícil onde necessitava de

proteção.217 A proteção aos estrangeiros se sedimentava na tradição do êxodo aonde

como estrangeiros viveram.

O profeta denuncia que os grupos mais frágeis da estrutura sócio-familiar não

estavam sendo protegidos ao contrário estavam sendo extorquidos. O que lhes era

devido estava sendo retirado. Seu sustento omitido. Suas vidas ainda mais

fragilizadas. Reduzidos à indignidade.

Mais uma vez, Javé, se coloca em defesa dos menos favorecidos, dos

desprotegidos, dos marginalizados.

Esta lista apresenta o confronto das demandas de Malaquias com o estado de

injustiças que estavam sendo desenvolvidas no território de Judá sob a estrutura

familiar. O oráculo traz à memória os valores da lei da aliança (deuteronômica) que

deveria nortear o estabelecimento da justiça entre o povo.

215 SICRE, José Luís, A Justiça Social nos Profetas, p. 592. 216 Idem. p.55-56 217 Idem p. 56 e 67.

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O sexto oráculo (3,13-21) de Malaquias segue a mesma linha do quarto

oráculo (2,17-3,5). Parte do descontentamento do povo com a justiça de Javé e com a

fé em seu Deus (3,13-15) e conclui afirmando que Javé traria de volta a sua justiça

vitoriosa para aqueles que se mantiveram fiéis (3,16-21).

O sexto oráculo apresenta a certeza de separação entre

hw;hy] yaer]yi “os que temem a Javé” (3,16) ou

qyDi⌧'' “justos” (3,18) e os ☯v;r; “ímpios” (3,18). Também

afirma que para os que temiam e esperavam pelo nome de Javé (3,20) um novo

tempo de justiça se apresentaria: O sol da justiça resplandeceria trazendo cura em

suas asas. Desta forma, o oráculo predizia novos tempos de justiça.

hq;d;⌧] vm,v, ymiv] yaer]yi !k,l; hj;r]z;w] ela brilhará para vós, os que temem o meu nome, o sol da justiça hyp,nk]Bi aPer]m''W trazendo cura em suas asas.

Um tempo onde Javé restauraria a justiça e faria a separação entre os que

temiam ou não o seu nome.

Há nesta expressão uma originalidade poética e significativa do profeta

Malaquias. Há quem afirme a concepção hebraica de justiça está atrelada às tradições

de Maat, a deusa filha do sol218. Mas também se pode identificar um forte laço com

os símbolos da religião persa.

A religião mais antiga da Pérsia tinha como principais divindades Mitra, deus

sol; Anaita, deusa da fertilidade e da terra; Haoma, o deus touro o doador da

imortalidade.219 Entretanto, nos dias de Dario I, a religião predominante baseava-se

na fé em um Deus Supremo (Ahura Mazda) que possuía com uma de suas qualidades

a manifestação da justiça. Esta religião (desenvolvida por Zaratrustra) entendia o

mundo como um palco da luta entre o bem (Ahura Mazda) e o mal (Arimã ou

Mamyos) diante do livre arbítrio do ser humano.220

A forma de adoração era realizada através de altares de fogo, acesos em honra

a Ahura Mazda. E fogo eterno, o sol, era a representação mais alta da forma de

Ahura Mazda.221

218 SELLA, Adriano, Ética da Justiça, p.69 219 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, p.245. 220 Idem p.247-248 221 Id. p. 249.

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Assim, quando o profeta menciona o sol da justiça pode estar expressando

alguma influência da religião persa, já que neste oráculo está manifestada a

separação tão clara entre bem e mal onde, no fim, a cura e o resplendor da justiça

apareceria como o sol. Mas é evidente que estas imagens e influências, na profecia

de Malaquias, estão adaptadas para a pessoa e promessas de Javé.

O sexto oráculo reafirma ao povo judaíta que Javé faria reinar em justiça o

povo que temia o seu nome e confiava, a ponto de obedecer a aliança. Malaquias

expressou neste oráculo, mais uma vez, sua preocupação fim: uma vida em justiça

para o povo.

3.4. Conclusão parcial

A mensagem de Malaquias estava preocupada com a resolução das crises

internas da comunidade de Judá. Dentre as crises destacava-se o problema de social

que geravam as injustiças dentro das estruturas familiares. Mas não se deve perder de

vista que tal problema possuía estreita ligação com a quebra da aliança.

No livro de Malaquias o retorno à aliança com Javé é um tema fundamental.

Como outros profetas, Malaquias destacou a importância do povo viver com Javé

renovando a aliança deuteronômica e os compromissos de vida com o Senhor, pois

em tais valores residia a possível harmonia sócio-religiosa.

Assim, com a exigência do retorno à aliança sob as normas deuteronômicas, o

tema da justiça na sociedade é majoritário nos oráculos de Malaquias. Em três

oráculos, com especificidade, o tema fP;c]Mi “do direito”,

hq;d;⌧] “da justiça” são emblemáticos, pois o descontentamento

social estava impulsionando as insatisfações com Javé e com a religião.

Na análise do contexto vital e das estruturas do século V a.C. ficou

evidenciado que as injustiças sociais estavam muito mais vinculadas às estruturas

familiares do que às estruturas opressivas dos persas. Também se pode compreender

que o descompromisso com a justiça deuteronômica estava vinculada ao despreparo

ou desinteresse do sacerdócio em ver estabelecido o direito e a justiça nas relações

cotidianas do povo judaíta. A omissão dos sacerdotes no ensino foi um grande alvo

de Malaquias (1,6-2,9).

Outro fator agravante para a crescente injustiça era que todo o processo de

empobrecimento estava legitimado pelas leis familiares (Esd 5,1-8) que

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descumpriam e desfaziam das leis de solidariedade e de proteção para os membros

do mesmo clã.

Ainda se via como um projeto comum, embora minoritário, a escalada social

e o enriquecimento de algumas famílias predominantes. Este, talvez, tenha sido o

maior fator que impulsionou a crescente indústria de injustiças entre o povo judaíta.

Obviamente tais projetos eram visíveis, pois se via alguém enriquecer mais que

outros. Mas não eram repudiados e, quem sabe, foram até protegidos por poderem

oferecer benefícios tanto a governantes como a sacerdotes.

A mensagem de Malaquias, como porta-voz da justiça para a sociedade, re-

visitou um tema muito desenvolvido no passado pelos profetas só que adaptado às

novas condições sócio-político-econômicas.

Nestas novas condições, o profeta atribui aos sacerdotes a grande

responsabilidade de estabelecer o direito, a justiça entre os habitantes de Judá. Pois

seria através do templo e do governo de Javé que o povo alcançaria uma condição de

vida mais unida e de relações justas. Assim, o profeta reforça o projeto de um país de

governo sacerdotal menos preocupado com a monarquia ou o restabelecimento de

poderes políticos civis.

O livro de Malaquias apresenta a necessidade de justiça para a vida do povo e

vê na equidade entre os habitantes de Judá e de Jerusalém o soerguimento de uma

comunidade justa que viveria sob o comando do Deus da aliança.

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CONCLUSÃO

O livro de Malaquias se constitui em um documento que testemunhou as

crises e conflitos existentes no território de Judá, no século V a.C. Trata-se de uma

fonte única na Bíblia Hebraica desse período. Suas mensagens retomam os temas

críticos apresentados pelos profetas pré-exílicos, acrescentando as novas abordagens

por causa das transformações sociais, políticas, culturais e religiosas.

O período do livro remonta ao período da dominação persa já após a

retomada da ordem e do poder nos dias de Dario I (522-486 a.C.). O templo já estava

reconstruído e o sacerdócio organizado para os sacrifícios. Entretanto, os dias de

Malaquias antecedem aos de Neemias e aos de Esdras que vêm, por concessão e

ordem dos governantes persas, em tempos distintos, para restaurar a estrutura física

de Jerusalém (Ne 2,2-9, aproximadamente em 445 a.C.) e o outro para restaurar a

religião, as leis e a estrutura jurídica em Judá (Esd 7,23-26, após 398 a. C.).

O livro apresenta, através de seus oráculos, os problemas que estavam

desestruturando social, política e religiosamente os habitantes de Judá e de Jerusalém

neste período.

I – Um livro estruturado para discutir os confrontos sociais, políticos, religiosos e

teológicos:

O livro de Malaquias está estruturado em seis oráculos sob a forma de

demandas judiciais (1,2-5; 1,6-2,9; 2,10-16; 2,17-3,5; 3,6-12; 3,13-21). Em seu

contexto vital o tipo literário remonta aos julgamentos de causas para o

estabelecimento de justiça entre o povo. A forma do livro parece identificada com o

interesse do autor: pretende restabelecer a vida de forma justa para a população

judaíta nos dias da opressão persa.

O livro registra o estado de submissão à Pérsia, mas toca pouco nos aspectos

dessa dominação sobre os habitantes de Judá. Não que a desconsiderasse, mas

porque compreendia que os problemas mais expressivos estavam sob a

responsabilidade dos líderes e dos habitantes judaítas.

Uma das evidências do texto sobre a dominação persa apresenta, muito mais a

instância local do poder persa do que propriamente o governante de todo o império.

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E nesta menção, o governador (1,8 - hj';p') foi citado em tom irônico

reservando a este sua autoridade e severidade nas ações contra aqueles que poderiam

agir de forma corrupta em suas obrigações tributárias com o império.

Malaquias reconhecia a forte opressão a que estavam submetidos. Sabia que o

menor vestígio de rompimento com o tratado de vassalagem desencadearia numa

série de ações que pesariam demasiadamente a vida do povo e das elites que estavam

à frente como representantes dos dominadores. Talvez, o profeta se referisse às ações

passadas dos persas, na retirada dos governantes das satrapias que se insurgiam

(quem sabe uma recordação da saída de Zorobabel). Pois, nos dias de Dario I, os

sátrapas eram depostos sem qualquer julgamento e, muitas vezes, serenamente

envenenados pela criadagem por ordem do rei222.

O modelo de dominação da Pérsia, inaugurado por Ciro e continuado com

ampliações por Dario I e seus sucessores, estava baseado no poder bélico-militar e

econômico. Assim, atribuíam aos governantes locais uma espécie de autonomia

político-jurídico-cultural-religiosa. Mas, sobretudo, deveria vigorar os interesses do

império sob as ordens dos monarcas.

A mensagem de Malaquias focalizava, mais precisamente, a comunidade

interna de Judá e de Jerusalém. Porque os problemas que considerava como

desagregadores e destruidores da fé e das dignidades estavam circunscritos às

instâncias do poder local.

Por isso, a atenção do autor parece completamente voltada para os conflitos

internos da sociedade judaíta. Não menciona diretamente os persas queixando-se de

sua opressão, mas faz referência aos desmandos internos que precipitavam a

insatisfação com a prática da justiça e, conseqüentemente, um descrédito religioso.

Os problemas internos tratados por Malaquias concentram-se em duas esferas

distintas, mas congruentes: o povo desalentado pelos problemas da vida (1,2-5; 2,10-

16; 2,17-3,1.5; 3,6-12 e 3,13-21) e o sacerdócio sem condições de estabelecer a

religião e a justiça na sociedade (1,6-2,9; 2,10-16 e 3,2-4). Estes dois focos dominam

os oráculos em forma de demandas, no livro de Malaquias. E o quarto oráculo

apresenta esse duplo foco, de forma direta e clara, em uma única demanda

222 DURANT, Will, A História da Civilização: nossa herança oriental, Vol.1, Rio de Janeiro: Record, 3ª. edição, 1963, p.244.

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descrevendo as transformações que Javé implementaria entre o seu povo e entre o

sacerdócio de seu templo em Jerusalém.

Os oráculos de Malaquias apresentam conflitos e insatisfações na vida do

povo. Por isso, é importante distinguir os conflitos e os seus porquês? Para isso, pode

se verificar a quem o profeta se dirigiu e de que forma se posicionou mediante as

crises e conflitos.

A introdução do livro (1,1) menciona os destinatários:

laeev]yi-la, “a Israel”. A palavra de Javé tem o

povo da aliança como foco.

O Israel, no pós-exílio, voltava a incluir todos os descentes de Jacó (1,2-5 e

Ez 20,33-36; 36,16-28). Mais especificamente, no território de Judá no século V a.C.,

este Israel estava constituído multiculturalmente e, porque não dizer,

plurietnicamente. Formavam este Israel: os judaítas mais pobres deixados pelos

babilônios como donos e cultivadores da terra, “o povo da terra” (Jr 52,16), alguns

refugiados do reino do norte que viveram o período do exílio em Judá (incluindo os

sacerdotes que estavam no interior que permaneceram no território de Judá) e os

habitantes de Jerusalém (filhos das elites exiladas) que retornaram do exílio, depois

de Ciro ter dominado a Babilônia (538 a.C.).

Malaquias se dirigia a esses grupos portadores de origens distintas, de

experiências diferenciadas no período do exílio e de teologias javistas com focos

diferenciados.

Após a proposta política persa para o território de Judá (com o retorno dos

exilados), esses grupos precisavam reencontrar o caminho para conviver novamente

em um mesmo espaço geográfico sob os mesmos valores sociais, religiosos, políticos

e econômicos. Desafio certamente problemático e confrontador.

Esta convivência revelou-se conflituosa nos seus diversos níveis, por isso, a

mensagem de Malaquias deveria apresentar uma direção religiosa e social capaz de

restaurar a justiça e a fé no Israel sediado no território de Judá e em Jerusalém.

Parte desses conflitos deu-se pela reestruturação político-social através da

estrutura familiar. No pós-exílio, após a derrocada da monarquia em Judá, a

sociedade judaíta voltou a se organizar, mais efetivamente, pela estrutura clânico-

tribal que passou por transformações chegando a ponto de algumas famílias

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constituírem-se predominantes e, conseqüentemente, estabelecer ações de opressão

sobre famílias economicamente mais fracas.

Esta organização social agravava as relações por sua condição opressora

dentro do âmbito familiar e também fora dele. “O povo da terra” estava mais

estabelecido e melhor estruturado, por isso, mantinham-se social e economicamente

fortes.

E “os repatriados” que estavam reconstruindo suas vidas, embora tivessem o

apoio formal da Pérsia, não estavam alcançando os alvos que os trouxera de volta: a

reconstrução de Jerusalém com um “governo local” davidita e um templo

reconstruído e forte no desenvolvimento da religião israelita (expectativas nutridas

pela profecia exílica produzida na Babilônia, especialmente por Ezequiel). Este

grupo era o mais fragilizado pela instância local do poder persa (Esd 4,1-5).

Os israelitas repatriados da Babilônia se estabeleceram em estrutura familiar

nas localidades circunvizinhas a Jerusalém e inicialmente buscavam reconstruir suas

vidas e o templo. Retomaram o cultivo da terra como forma de subsistência e

repovoaram Jerusalém e região.

Essas diferenças sócio-políticas e a opressão no sistema familiar geraram

entre os dois grupos insatisfações e lutas internas. E estas, somada a forte opressão

persa, fez enfraquecer a fé em Javé, pois não viam as promessas de uma sociedade

justa e vitoriosa concretizada em suas vidas. Até mesmo o templo e o sacerdócio

agiam de forma indevida e os valores da aliança desprezados e a vida ficando

insustentável.

Estes conflitos se ampliavam nas questões teológicas. Os “habitantes da terra”

lutaram para manter a religião javista conservando-a através da longa produção

literária, a obra deuteronomista223, fonte do profeta Malaquias. Sobre este referencial

construíram uma religião com os ideais de justiça baseada nos valores da aliança com

Javé sob a forma da retribuição. “Os repatriados” mantinham-se ligados à mesma

teologia da retribuição com expectativas de terem “purgado os pecados” de

Jerusalém no exílio e prontos para restaurá- la com uma glória superior à anterior,

através do templo e de seu poder. Esta teologia firmava-se na eleição de Jerusalém,

da linhagem davídica e dos sacerdotes.

223 SCHWANTES, Milton, Sofrimento e Esperança no Exílio: história e teologia do povo de Deus no século VI a.C., São Paulo/São Leopoldo: Paulinas/Sinodal, 1987, p.32-35

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O livro de Malaquias testemunhou uma profunda crise religiosa onde a

teologia estava sendo questionada. Diante desse quadro, o profeta se manteve

vinculado à teologia deuteronomista e com a teologia do templo, mas não manifestou

estar familiarizado com os pressupostos teológicos dos aronitas que geraria, um

pouco mais adiante na história, a teologia sacerdotal.

A teologia de Malaquias pretendia sintetizar os pressupostos teológicos

convergentes: a importância do templo e do sacerdócio; a importância do

estabelecimento da justiça na vida cotidiana e o fortalecimento da identidade do povo

através dos valores da aliança com Javé. Desta forma, conseguiria atingir as

necessidades dos grupos e uni- los num projeto comum. Exceto na preferência do

grupo proeminente no templo. Preferindo um grupo menos proeminente, “os filhos

de Levi” (3,3).

As mensagens dos oráculos de Malaquias estão vinculadas à esperança

escatológica. Além de denúncias reservava espaço para as ações transformadoras de

Javé para o seu povo com profunda esperança no futuro. Não evidencia, em seus

oráculos, a presença de elementos característicos da apocalíptica (literatura em

evidência no período do profeta), exceto que parece ser uma obra literária

(ykal]m'' dy''B] “por mão de meu mensageiro”) mais

do que um registro de pregações proféticas (oralidade).

A obra de Malaquias (pela forma, pelos conteúdos e tendências teológicas)

visou, como profecia, promover um ponto de convergência capaz de reestruturar

social e religiosamente os grupos que habitavam Judá e Jerusalém a partir do templo.

Com isso, dimensionava uma restauração na sociedade pela observância das leis da

aliança buscando trazer de volta a confiança de uma vida em justiça pela ação de

Javé.

As transformações sociais e religiosas precisariam ser fomentadas pela prática

das leis da aliança e pelo compromisso dos sacerdotes em instruir o povo para a

execução da justiça.

Malaquias via limitações para se alcançar este alvo, pois o sacerdócio estava

envolvido nos esquemas e nas infrações das leis. Por isso, o profeta posicionou-se

contrariamente aos sacerdotes que desfrutavam da liderança do templo em seu

período, os sadocitas. Preferiu prever o futuro de justiça pela mudança da liderança

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entre os sacerdotes, provavelmente mencionando os sacerdotes aronitas, preteridos

neste tempo.

Desta forma, o alvo central da mensagem de Malaquias era o

restabelecimento da justiça na vida do povo (o que competia às instâncias locais).

Uma justa liderança poderia aplacar o sofrimento e as decepções do povo

fomentando um fortalecimento religioso capaz de uni- los em torno dos valores

comuns: a crença na aliança centrada na teologia da retribuição que reacenderia o

desejo da prática das leis de solidariedade na estrutura familiar em Judá e em

Jerusalém. Assim, a presença vitoriosa de Javé instauraria a justiça e a sociedade se

reorganizaria e se fortaleceria através do Templo, fonte produtora de justiça e de

identidade para o novo Israel.

II – Um oráculo que sintetiza o conteúdo e as transformações anunciadas pelo

profeta na prática da justiça cotidiana

O quarto oráculo de Malaquias (2,17-3,5) é considerado como um ponto

central, nevrálgico para a interpretação do livro de Malaquias.224 A perícope possui

importância por causa da descrição feita da insatisfação e, até, do ceticismo na

relação com Javé.

O oráculo proclama a mensagem da iminente vinda do Senhor

(@/da}) que promoveria transformações internas no sacerdócio e na prática

da justiça cotidiana.

O quarto oráculo de Malaquias (2,17-3,5) volta a atenção para os problemas

internos no território de Judá no período do V século a.C., especialmente, para as

dificuldades e anomalias sociais.225 Por isso, comentadores/as interpretam o oráculo

como o anúncio da intervenção de Javé, o seu dia de julgamento.226 Esse julgamento

seria iniciado no templo e seguiram as devidas mudanças sociais, como afirma

Gilberto Gorgulho:

224 Beth McDonald Glazier, Malachi- The Divine Messenger, p. 128,129. Também Cláudia Mendoza justifica a centralidade do oráculo por admitir a forma concêntrica na organização do livro (confira “Malaquias - El profeta de la honra de Dios”, p. 226). 225 Idem, p 123. 226 Confira GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p. 126,127; BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias, Malaquias, p. 202,203; SICRE, Jose Luís, A justiça social nos profetas, São Paulo: Paulinas, 1990, p. 591; HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 260.

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O eixo da restauração está no Templo – ele é o foco da unidade das comunidades de aldeias (...) O restabelecimento da justiça e do direito tem uma dimensão cultural e social.227

A primeira parte do oráculo (2,17) pode ser entendido como um confronto

com a teologia da retribuição.228 No entanto, existem opiniões discordantes quando

tratam do estilo literário do autor na disputa estabelecida em torno da crença ou

descrença na retribuição. Baldwin e Glazier interpretam as palavras e as questões da

disputa como uma forma irônica do profeta apontar as causas da incredulidade do

povo. Beth McDonald Glazier afirma que Malaquias usa de ironia porque não

entende a profundidade do drama pelo qual estavam passando os seus ouvintes (este

comentário deve-se a compreensão do termo rb;D; como tagarelar,

murmurar)229. Andrew E. Hill questiona essa posição e afirma que a discussão

representa uma expressão honesta de uma “sobra de justiça” ou um comentário social

de um povo exausto. Hill posiciona-se afirmando:

Sua reclamação tinha a aparência formal da dúvida honesta que caracteriza as lamentações do salmista (...), mas faltou a convicção pessoal e o caráter espiritual evidenciados nos salmistas de “confiança” em Javé.230

Portanto, segundo Hill, o povo aguardava o dia do julgamento como algo

ansiado, genuíno. Suas expectativas, ao pedirem tal coisa, era a busca de uma

resolução para a crise, de uma intervenção de Javé em sua história. Já para Glazier, a

expectativa da vinda de Javé era, muito mais, uma expressão de sarcasmo pela

incredulidade. Duvidavam que um dia Javé viria ao encontro deles para fazer justiça.

As duas opiniões acima são paradoxais no que tange a intenção das palavras

do povo (do profeta em nome do povo) na disputa. A opinião de Hill aponta para o

interesse sincero de um juízo que pudesse clarificar onde estava o erro e, portanto,

um pedido de fé. Já a opinião de Glazier indica, além de sarcasmo, uma atitude de

incredulidade na ação de Javé.

227 GORGULHO, Gilberto, Malaquias e o discernimento da justiça em Estudos Bíblicos, vol. 14,p. 29. 228GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, p. 123 e BALDWIN, Joyce G., Ageu, Zacarias, Malaquias, p. 202 afirmam ser o problema a fé na retribuição chegando a ponto de desilusão e descrença. Andrew E. Hill discorda que a inquietação dos judaítas do pós-exílio origina-se da percepção de que a lei da retribuição estava inoperante. Ao contrário, para Hill, a justiça dentro da comunidade ressentia-se do fato que eles definhavam sob “a maldição corporativa” da lei da retribuição devido a desobediência do pacto de outros membros da comunidade [confira HILL, Andrew E., Malachi: A New Translation, p. 285]. 229 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: the divine messenger, p. 127. 230 HILL, Andrew E., Malachi – A New translation, p. 286.

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Parece que a idéia de Glazier, de uma certa incredulidade, é bastante forte

devido o contexto de frustração. Entretanto, sua argumentação parece exagerada

quando traduz rb;d; como murmuração, tagarelice. A hipótese de Hill

soa bem dentro do argumento judicial (discussão do gênero literário), onde se

apresenta a opinião das partes como em um processo, mas tal afirmação seria

possível se o contexto fosse de uma exaustão ilibada onde não houvesse acusação da

parte do profeta para as atitudes do povo nas práticas de injustiças.

A demanda apresentada aponta para uma reflexão que buscava atingir a

necessidade do povo. Visava dar respostas aos seus problemas. Não apenas como

censura ou denúncia, mas como uma fonte de esperança e de reconstrução da vida

em justiça.

A perícope em questão pode ser vista como o centro do livro de Malaquias,231

ou como um resumo de uma nova seção que se inaugura a partir dele,232 ou ainda que

a justiça divina do quarto oráculo (2,17-3,5) encontra-se em estreita relação

sustentando-se nos terceiro e quinto oráculos.233

Essas três posições ressaltam a importânc ia do oráculo 2,17-3,5 em relação a

mensagem dos outros oráculos do livro de Malaquias como um todo ou em parte.

Assim pode-se verificar que o quarto oráculo (2,17-3,5) pretendia a

conciliação temática com o todo do livro. Pois sinteticamente apresentava a

esperança de reconstrução da vida enquanto sociedade/povo dominado pela Pérsia

gerando transformações significativas nas relações religiosas e sociais, seguros da

justiça de Javé na prática cotidiana.

O quarto oráculo apresenta duas dimensões que teriam seus percursos

alterados: o sacerdócio-templo

(lk;yhe - ywile-yneB]) e a prática

do direito, da justiça (fPÇc]mi). A sociedade judaíta pós-exílica

parece que se encontrava num estado ateísta ou ritualista marcado pela apreensão 231 Cláudia Mendoza diz que “o corpo da obra apresenta uma certa estrutura concêntrica” , [confira “Malaquias - El profeta de la honra de Dios, em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, vol.35/36, p. 226] 232 Beth McDonald Glazier afirma que 2,17 “não só introduz a quarta unidade, mas serve como base da composição do restante da profecia de Malaquias (3,6-24). Ao logo do texto está em debate a justiça de Deus ou a falta disso” [confira Malachi - The divine messenger, p. 124]. 233 Andrew E. Hill afirma que a terceira e quinta disputas (falta de fé no casamento e falta de fé em Deus, respectivamente) são pivôs no sustentáculo do julgamento divino ameaçado no quarto oráculo [confira Malachi - A New Translation, p.261].

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intelectual e incipiente queda moral234. Este estado deveria ser alterado e

reconstruído.

Nas duas dimensões a alteração se daria pela teofania de Javé

(@/daÇ). Ele próprio viria para confrontar a realidade e altera- la. O

texto de Malaquias em 3,5 afirma que seriam alvos da ação divina. E esta visava

implantar sua justiça

(fP;c]Mil; !k,ylea} yTib

]r;q;w] “chegarei a vós para justiça” e

rhemÇm] d☯e ytiiyyih;w] “e

serei testemunha veloz” 3,5). A outra dimensão seria alterada pela purificação dos

sacerdotes e das pessoas (rhÇfi purifica e qqÇzi refina)

devolvendo a reta relação com o seu Deus (3,2-4).235

Entretanto, o texto também apresenta dois outros epítetos

ykiai;l]m'' “meu mensageiro” e o

tyriB]hÇ &aÇl]m'' “mensageiro da aliança”.

Há longa discussão sobre os três epítetos (incluindo também

@/da Senhor). Nesta discussão pode-se identificar duas personagens:

uma divina @/da “Senhor” e outra humana

ykiai;l]m'' “meu mensageiro” e o

tyriB]hÇ &aÇl]m'' “mensageiro da aliança”

podendo ser identificado com a missão do ykiai;l]m'' “meu

mensageiro” mas podendo ser distinguido em sua natureza.

A mensagem do quarto oráculo prevê uma ação de Javé no templo para a

purificação dos filhos de Levi e para julgar as pessoas que estão infringindo a aliança

instituindo, deliberadamente, em Judá e em Jerusalém a opressão e as injustiças.

234 HILL, Andrew E., Malachi - A New Translation, p.286. 235 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi - The Divine Messenger, p. 123.

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Na primeira parte, a obra do Senhor (@/da Senhor) dimensiona

uma transformação interna no serviço do templo. Não se faz claro se eram os

ywile-yneB] “filhos de Levi” (3,4) impuros e impedidos

para o ministério sacerdotal (1,6-2,9) ou se essa referência visa também a crise de

liderança e uma possível obra para ascensão ao poder maior do serviço sacerdotal.

Na segunda parte, a obra de Javé (3,5), foi apresentada pelo profeta com uma

composição na primeira pessoa seguida de invectivas participiais. Nesta composição,

Javé se apresenta como rhemÇm] d☯e “testemunha

apressada” pronto a trazer fP;c]Mi “o direito”, “a justiça” em uma

ação tão rápida que yniWarey alow] “não daria tempo

de o ver”.

Dentre as cinco condenações, apenas uma não está dentre os males sociais e

sim um mal religioso: !ypiV]kÇm] “os feiticeiros”. As

demais estão elencadas nos que praticam alguma espécie de injustiça ou opressão na

sociedade: #an “adultério”, rqv “falsidade”, qv☯ “opressor

da viúva e do órfão e do estrangeiro”.

A mensagem profética apontava os problemas da sociedade e vislumbrou na

promessa da ação do Senhor as possíveis transformações da realidade. A questão é:

em que tempo? Numa análise de 3,1 a ação do Senhor viria em um futuro próximo.

Glazier afirma que a defesa profética da justiça de Deus não convenceu as pessoas e

que os contemporâneos de Malaquias não aceitaram as promessas de justificação

futura, mas que desejavam uma ação imediata236.

Os oráculos do livro de Malaquias realçam o importante papel dos profetas

nas culturas antigas e, mais propriamente, na cultura israelita. Mesmo no pós-exílio,

o profeta encontra lugar de relevância na história. Não, necessariamente, como os

profetas do passado, mas como pessoas que portavam mensagens relevantes para o

seu tempo.

236 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The divine messenger, p. 124,125.

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Malaquias foi considerado um dêutero-profeta por focalizar suas mensagens

na revisão das leis deuteronomistas.237 A realidade histórica de seu tempo e a busca

do ideal para a vida levou o profeta, o mensageiro de Javé, a produzir uma

mensagem que pudesse dar sentido e esperança a um povo sem direção segura.

Às vezes a situação de Israel convidava a fazer afirmações corajosas, de enorme penetração e poder. Outras vezes o contexto cultural punha amargamente à prova a tradição, evocando reações meramente defensivas e provincianas. Mas em cada caso (...) havia um momento de encontro; e a partir dele surgia uma nova afirmação e uma nova declaração de fé.238

O profeta Malaquias viveu em um período onde a coragem de pregar contra

as instituições corrompidas lhe foi exigida. Também lhe foi exigida uma pregação

contundente contra o povo que não estava vivendo as dimensões mínimas do

compromisso (aliança) com Javé. A pregação do profeta pretendia alcançar as

transformações necessárias, um novo momento para a vida.

A mensagem profética, no Antigo Testamento, está vinculada às leis de Javé.

Em Malaquias as tradições históricas são reapresentadas: o anjo da aliança (3,1), a

centralidade do templo (3,2-4) e a prática da justiça deuteronômica (3,5). No tempo

de Malaquias estes valores precisam encontrar um novo sentido. E é a mensagem

profética que re-dimensionou a vida através da esperança num futuro mais justo.

No contexto de Malaquias, a mensagem profética foi responsável para

remodelar e re-significar a vida. Ela propôs, a partir do confronto com a realidade

histórica, novas respostas para o povo.

A intenção principal ou mensagem do texto sempre deriva sua declaração a partir da tradição; contudo, é sempre uma declaração no presente: ele muda o cenário histórico do presente; ela permite ao crente ver ao seu redor algo que não podia ver sem essa memória ...239

A mensagem profética, além de apresentar os fatos da realidade, dimensiona

o que pode dar esperança ao futuro. Suas tradições re-orientam e direcionam a

reconstrução da vida. Malaquias, em seus oráculos, procurou nas origens os sentidos

maiores da esperança. E a partir, da re-significação desses valores e instituições eles

seriam capazes de reconstruir a vida e esperar dias melhores.

III – A justiça como um foco central da mensagem de Malaquias:

237 Confira Norman Kaiser Gottwald, Introdução socioliterária, p.475; Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento,vol. 2, p. 710,711. 238 BRUEGGMANN, Walter e WOLFF, Hans Walter, O dinamismo das tradições do Antigo Testamento, tradução Getúlio Bertelli, São Paulo: Paulinas, 1984, p.9-10. 239 BRUEGGMANN, Walter e WOLFF, Hans Walter, O dinamismo das tradições do Antigo Testamento, p.10

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Na mensagem de Malaquias predomina o tema da justiça. No quarto oráculo

(2,17-3,5) apresenta-se uma síntese da dupla dimensão da mensagem profética em

Malaquias: a ansiedade pela justiça na vida do povo e a necessária purificação do

templo para isso.

O quarto oráculo concentrou a expressividade desse duplo foco.

Primeiramente, porque apresentou a crise de forma a esclarecer o problema principal

da comunidade de Judá: a sede por justiça (da parte de Javé - 2,17) apresentando um

detalhamento dos problemas que afetavam a vida do povo (3,5) com ênfase nos

problemas sociais. E depois porque apresenta o juízo divino entre o povo. Nesta

manifestação de juízo, Javé enviaria um mensageiro para consertar e preparar o povo

para a sua definitiva vinda. Nesta instauraria uma vida em justiça para o novo Israel.

O quarto oráculo possui elementos que o identificam com os outros cinco

oráculos: Reafirma a aliança de Javé com o povo (1,2-5; 3,1 e 6). Faz franca

referência à necessária mudança dos sacerdotes no templo (1,6-2,9 e 3,2-4).

Menciona a crise com a prática da justiça entre o povo (2,17 e 3,5; 3,13-21). Constata

e exorta quanto a infidelidade do povo com a aliança (3,1.5 e 3,6-12).

A apresentação das anomalias sociais (3,5), no oráculo, estava vinculada à

prática teológica. O questionamento teológico do povo (as palavras e os dizeres 2,17)

estabelecia um confronto com as normas e as instituições religiosas. O que o discurso

da religião afirmava não estava sendo vivenciado. O quarto oráculo também

apresenta uma crise teológica onde as esperanças, nutridas pela fé, se desarticulavam

pela opressão externa e pelo crescente índice de injustiças na comunidade interna de

Judá e Jerusalém.

A religião recentemente restabelecida não estava conseguindo transformar a

vida das pessoas. A esperança dos que retornaram da Babilônia não pode ser vista. A

Jerusalém sonhada não conseguia atingir o estado de glória tão ansiada. Esta

frustração era ampliada para todos os habitantes de Judá (independentemente do

grupo a que estavam vinculados) quando se submetiam ao poderio dos “chefes de

famílias” em seu próprio sistema familiar.

O quarto oráculo apresenta o agente de Javé, o

ykiai;l]m “meu mensageiro” (3,1). Sua chegada estava

próxima como também estava próximo o juízo divino e, o conseqüente

estabelecimento da justiça para o povo. O oráculo inclui como meio esse agente de

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transformações. Sua missão era o de

yn;p;l] &r,d,-hN;piW “aplainar o

caminho para minha presença” (3,1). Possuía a missão de promover um conserto

para Javé, especialmente, um reassumir da aliança240. Este mensageiro parece ser

denominado no apêndice (3,23-24) como “o Elias”, ou seja, o ideal profético (da

tradição do norte) que faria uma obra transformadora na consciência do povo

fazendo-os retornar a Javé.

Assim, ykiai;l]m “meu mensageiro” parece ser um

profeta que assume a missão de anunciar a Israel a necessária conversão à Javé e aos

valores da aliança como forma de ter restabelecida a justiça, o direito (2,17-3,5 e

3,13-21) e a prosperidade (3,6-12) em suas vidas.

Este mensageiro também deveria preparar todos para o dia da visitação de

Javé ao seu templo, incluindo os sacerdotes (3,1). Grande parte dos problemas

teológicos se dava pela falta de instrução, não exercida pelos sacerdotes do templo de

Jerusalém (2,7-9). Os problemas sociais também decorriam da falta de instrução e

prática no templo e no exercício da justiça cotidiana (2,5.9) exigida pelas leis da

aliança.A obra no templo seria executada pela purificação dos filhos de Levi, um

grupo pouco numeroso e não proeminente nos dias de Malaquias.

Mas o foco basilar do quarto oráculo visava a restauração da aliança e da fé

em Javé que redundaria na justiça para a vida do povo. Por isso, o oráculo é o mais

minucioso no tratamento das anomalias vivenciadas pela sociedade judaíta. O grande

alvo é o conserto das leis de solidariedade da estrutura familiar. As citações visam

alertar os “chefes de família” que os interesses particulares estavam comprometendo

a prática da justiça com os mais frágeis da estrutura familiar: os órfãos, as viúvas e os

estrangeiros (3,5).

A extorsão do direito preservado nas leis deuteronômicas e nos códigos legais

dos povos do Antigo Oriente penalizavam os mais fracos. Aqueles que deveriam ser

protegidos. Aqueles que deveriam receber a redenção (la'G; “redenção”,

“salvação”) pelas leis de solidariedade da família. Ao invés disto, os mais

proeminentes das tribos aproveitavam da estrutura para enriquecer e oprimir seus

240 GLAZIER, Beth McDonald, Malachi: The Divine Messenger, Atlanta: Scholars, 1987, [Society of Biblical Literature dissertation series 98] p.132.

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próprios irmãos. Beneficiavam-se das leis que lhes interessava, mas não desejavam

cumprir outras que lhes custassem a proteção e a solidariedade dos mais fracos.

O estudo de Malaquias apresenta, este profeta anônimo como um ativo

confrontador das estruturas de poder de seus dias. Posicionou-se contra os sacerdotes

poderosos de seu tempo preferindo outro grupo como portadores da justiça de Javé

para o povo, bem como, questionou o poder dos “chefes de famílias” que

enriqueciam as custas da pobreza de seus próprios irmãos.

O livro também se insere no problema religioso questionando as práticas

teológicas e, especialmente, cobrando atitudes mais coerentes com a aliança. Exigiu

dos sacerdotes e dos chefes de famílias, responsáveis pela prática da justiça entre o

povo, uma conduta mais acertada. Desejava que a justiça fosse restabelecida e, para

isso, imbui-se da ousadia profética para descrever o juízo de Javé entre os que

desobedeciam as suas leis e um futuro próximo de maior equidade.

Malaquias foi um mensageiro da justiça em dias de profundas crises.

Denunciou as dimensões da injustiça entre o povo. Anunciou as ações de Javé que

visavam, como no passado, restaurar a aliança com seu povo. Assim, o estudo de

Malaquias esclarece que Javé continuava interessado nas transformações políticas,

sociais, econômicas, familiares e religiosas para a vida de seu povo. E desejava ver o

seu povo feliz desfrutando de uma vida de paz e justiça.

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