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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social LUIZ FERNANDO RAMALHO O DIÁLOGO ENTRE A GEOGRAFIA HUMANA DE MILTON SANTOS E A COMUNICAÇÃO SOCIAL São Bernardo do Campo, 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E

HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

LUIZ FERNANDO RAMALHO

O DIÁLOGO ENTRE A GEOGRAFIA HUMANA DE

MILTON SANTOS E A COMUNICAÇÃO SOCIAL

São Bernardo do Campo, 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E

HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

LUIZ FERNANDO RAMALHO

O DIÁLOGO ENTRE A GEOGRAFIA HUMANA DE

MILTON SANTOS E A COMUNICAÇÃO SOCIAL

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às

exigências do Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da Universidade Metodista de São

Paulo (UMESP), para a obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Botelho Josgrilberg

São Bernardo do Campo, 2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

R141d Ramalho, Luiz Fernando O diálogo entre a geografia humana de Milton Santos e a

comunicação social / Luiz Fernando Ramalho. 2016. 121 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016. Orientação : Fábio Botelho Josgrilberg. 1. Geografia humana 2. Comunicação social 3. Santos,

Milton - Crítica e interpretação I. Título. CDD 302.2

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação de mestrado intitulada: “O DIÁLOGO ENTRE A GEOGRAFIA

HUMANA DE MILTON SANTOS E A COMUNICAÇÃO SOCIAL”, elaborada por LUIZ

FERNANDO RAMALHO, foi apresentada e aprovada em ____ de _____________

de 2016, perante banca examinadora composta pelo Prof Dr. Fábio Botelho

Josgrilberg (Presidente/UMESP), Profa. Dra Magali Cunha (Titular/UMESP) e Prof.

Dr. Fábio Betioli Contel (Titular/USP).

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Fábio Botelho Josgrillberg

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

___________________________________________________________________

Profª. Drª. Magali Cunha

Titular Programa de Pós-Graduação em Comunicação - UMESP

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Fábio Betioli Contel

Titular Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas - USP

Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Inovações Tecnológicas na Comunicação Contemporânea

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SUMÁRIO

Introdução Geral ................................................................................................................................ 9

Capítulo I - REFLEXÕES SOBRE IDEIAS E PENSAMENTOS DE MILTON SANTOS .......... 16

1.1 Introdução do capítulo ............................................................................................................ 16

1.2 Introduzindo a Natureza do Espaço ..................................................................................... 17

1.2.1 Arranjos sistêmicos dos objetos e das ações .............................................................. 24

1.2.2 As unicidades como uma das bases da globalização ................................................ 29

1.2.3 O período técnico atual ................................................................................................... 40

1.2.4 As redes e o espaço geográfico .................................................................................... 43

1.2.5 O cotidiano e sua relação com espaço ......................................................................... 45

Capítulo II – COMUNICAÇÃO SOCIAL CONTEMPORÂNEA: REDES E SISTEMAS

DIGITAIS ............................................................................................................................................ 49

2.1 Introdução do capítulo ............................................................................................................ 49

2.2 Tecnologia e Comunicação na Contemporaneidade ......................................................... 50

2.2.2 Interface e usabilidade .................................................................................................... 56

2.2.3 Redes de telecomunicações .......................................................................................... 59

2.3 A comunicação social em rede ............................................................................................. 63

2.4 Persuasão e Mobilização nas Redes: o ativismo digital .................................................... 68

2.4.1 O cidadão comum e o alcance da mensagem............................................................. 71

2.4.2 Conhecimento e liberdade, alienação e manipulação ................................................ 73

2.4.3 Tecnologia e controle ...................................................................................................... 74

2.4.4 Uma consciência coletiva? ............................................................................................. 75

2.5 A cibercultura e o ciberespaço .............................................................................................. 77

2.5.1 Uma nova lógica de pensamento .................................................................................. 79

2.5.2 Um ciberespaço de convívio .......................................................................................... 81

Capítulo III - A COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA E A GEOGRAFIA HUMANA DE

MILTON SANTOS ............................................................................................................................. 82

3.1 Introdução ................................................................................................................................ 82

3.2 Unicidade das técnicas de comunicação digital ................................................................. 83

3.2.1 Comunicação digital e compreensão mútua ................................................................ 87

3.3 Comunicação digital reorganizando o espaço e o tempo .................................................. 90

3.3.1 Menos locomoções para o mesmo resultado .............................................................. 94

3.3.2 Quem se locomove, o faz melhor .................................................................................. 96

3.4 A vida cotidiana monitorada por objetos .............................................................................. 99

3.4.1 Dispositivos programados para registrar dados ........................................................ 101

3.5 O papel do comunicador na construção do espaço ......................................................... 103

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4 CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 106

5 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 111

Apêndice - VIDA E OBRA DE MILTON SANTOS ....................................................................... 115

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RESUMO

A presente dissertação é um trabalho teórico que se apoiou por um lado na obra do

intelectual brasileiro Milton Santos no campo da Geografia Humana, e por outro na

Comunicação Social contemporânea, como bases para uma análise que tentou

identificar e as interfaces entre as duas áreas. Ao longo do texto, buscou-se apontar

as contribuições do autor para o campo da comunicação social, considerando

principalmente os novos meios de comunicação digital que se apresentam, a

comunicação intermediada por dispositivos computacionais, em bases digitais e

conectadas por redes globais. O texto se discute as principais ideias apresentadas

por Santos, como a ontologia do espaço, os sistemas de objetos, sistemas de ação,

os sistemas técnicos, a unicidade da técnica, do tempo e do motor, delineando

aquilo que o Santos vai chamar de meio técnico-científico-informacional. O trabalho

sugeriu pontos de relação entre os temas citados com pensamentos teóricos e

exemplos práticos oriundos da comunicação, numa abordagem dialética e em

perspectiva interdisciplinar, intercambiando conhecimentos no sentido de entender

qual é a influência da comunicação na criação do espaço geográfico.

Palavras-chave: geografia humana; comunicação social; Milton Santos; crítica e

interpretação.

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ABSTRACT

This thesis is a theoretical work that is supported, in one hand, on the work of the

Brazilian intellectual Milton Santos in the field of Human Geography, and in the other

on contemporary social communication, as the basis for an analysis that attempted to

identify the interfaces between the two areas. Throughout the text, we attempted to

point out the author's contributions to the field of social communication, especially

considering the new digital media and the present intermediated communication that

happens in computer devices, digital bases and connected by global networks. The

text discusses the main ideas presented by Santos as the ontology of space, object

systems, systems of action, technical systems, the uniqueness of the technique, time

and engine, outlining what the author will call technical-scientific-informational. The

work suggested points of connection between the themes cited theoretical thoughts

and practical examples coming from communication, in a dialectical approach and

interdisciplinary perspective, exchanging knowledge in order to understand what is

the influence of communication on the creation of geographical space.

Key-words: human geography; Social Communication; Milton Santos; criticism and

interpretation.

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Introdução Geral

Pode parecer estranho um aluno de uma Faculdade de Comunicação focar

seu trabalho em um autor da geografia. A admiração pela obra do geógrafo e

intelectual brasileiro Milton Santos me acompanha desde a graduação em Relações

Públicas. Naquela época, nas aulas de realidade socioeconômica e política

brasileira, tive a oportunidade de ler “Por uma outra globalização” e aprender um

pouco sobre sua trajetória. As análises dos fatores e das realidades sociais,

juntamente com a crítica ao processo de globalização foram substanciais para minha

formação acadêmica e humana. Outro grande ponto de satisfação é usar como

principal referência um autor que tem suas raízes no Brasil, um profundo conhecedor

da realidade brasileira e que faz suas análises a partir desse ponto de vista, não se

deixando levar pelos vários anos que estudou e lecionou na Europa.

No decorrer das disciplinas do mestrado, ouve novamente o contato com a

obra de Santos, agora com A Natureza do Espaço, um livro que apresenta conceitos

pertinentes ao pensamento comunicacional contemporâneo. Assim, após averiguar

que poucos trabalhos existem nesse sentido, julgamos interessante relacionar

teoricamente as ideias de Milton Santos com os fenômenos contemporâneos da

comunicação social. Tendo a consciência de que são dois universos muito amplos,

tentamos fechar o foco em pensamentos principais do autor e em acontecimentos

atuais envolvendo a comunicação por redes digitais.

De antemão, reconhecemos que as inquietações intelectuais que motivaram a

construção dessa dissertação possuem uma profundidade muito maior do que a que

foi aqui apresentada, pois não houve tempo hábil para a realização de uma pesquisa

de campo. Certamente um trabalho que pode ser ampliado, revisto e aprofundado

nos próximos passos de minha iniciante vida acadêmica. O que se fez foi um

trabalho teórico e reflexivo que tentou indicar pontos de contato entre os conceitos

geográficos de Santos e as práticas comunicacionais contemporâneas, sobretudo as

que acontecem no ambiente digital, apoiado em autores da comunicação que

debatem tais fenômenos. Ao longo do texto foram utilizados exemplos práticos de

dinâmicas novas, em busca de evidenciar o ponto de vista.

No primeiro capítulo, fazemos um apanhado de conceitos presentes na obra

de Milton Santos que nos pareceram mais pertinentes à proposta, realizando uma

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análise dissertativa com o intuito de assimilar com mais profundidade e firmeza os

pontos de vista do autor.

O segundo capítulo fala sobre os meios de comunicação social na

contemporaneidade, a migração para a base digital e tecnológica que realiza a

mediação das relações hodiernas e alguns de seus principais efeitos na vida

cotidiana dos indivíduos.

O capítulo terceiro busca mesclar os anteriores, apontando aqueles que

seriam, no nosso ponto de vista, algumas das interfaces entre a comunicação e a

geografia, buscando exemplos práticos que evidenciam a alteração do espaço por

meio da comunicação.

Por fim, na conclusão há um resumo que busca sintetizar os resultados

reflexivos do trabalho, citando os principais pontos conclusivos que se extraíram da

dissertação.

A pretensão aqui nunca foi a de criar um trabalho com uma conclusão que

encerre o assunto, até porque, quando tratamos de realidades que estão em pleno

desenrolar histórico, não se pode colocar um ponto final. Ainda mais em se tratando

de uma realidade com alto grau de dinamismo, em que revoluções sociais ou novos

fenômenos podem eclodir de um dia para o outro, como se tem realmente

constatado que acontece. A velocidade de alteração da realidade hoje faz com que

os conhecimentos obtidos e desenvolvidos não sejam mais aplicáveis com grande

rapidez. Mas a satisfação reside na possibilidade de, ao menos, ter apontado um

caminho para que novos trabalhos sejam realizados, ou para que outros pontos de

vista sejam adotados, reconhecendo nessa dissertação uma semente para um

trabalho de doutoramento com maior profundidade e pesquisas empíricas.

Passamos, assim, após essa breve apresentação, a tratar dos temas e das

reflexões abordados ao longo do trabalho, realizando uma introdução geral da

dissertação.

Inerente e essencial a todo processo de organização social, a comunicação é

um fenômeno que perpassa as fronteiras culturais, do espaço e do tempo. Ela está

presente em qualquer tipo de comunidade, independente do território, crenças ou

racionalidade. É também fundamental para a transmissão de qualquer tipo de

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conhecimento, de modo que é preciso aprender antes a se comunicar, a lidar com os

sistemas de linguagem adequados, para depois conseguir adquirir outros

conhecimentos e formar pensamentos e reflexões mais complexas. Sobre a

comunicação, Santos escreve que “esse processo, no qual entram em jogo diversas

interpretações do existente, isto é, das situações objetivas, resulta de uma

verdadeira negociação social, de que participam preocupações pragmáticas e

valores simbólicos” (SANTOS, 1996, p. 253).

A amplitude do fenômeno permite também que os estudiosos da comunicação

percebam em outas áreas facetas de pensamentos ou estruturas de ideias

pertinentes a seus trabalhos, mesmo que essas informações não se dediquem

originalmente aos estudos sobre comunicação. Isso porque, a comunicação social,

sobretudo com a evolução das técnicas e dos meios, passou a adotar – ou criar -

novos termos, muitas vezes metafóricos ou de significado aproximado, para explicar

suas novas formas de ser, de se realizar e dos novos lugares em que se

estabelecem. Josgrilberg aponta que:

Entre ideias vagas e conceitos mais estruturados, as pesquisas sobre os fenômenos comunicacionais navegam entre os limites e possibilidades de metáforas ecológicas; figuras que inspiram a formulação de novas perguntas e compreensões, mas que também carregam ambições de validação científica. (JOSGRILBERG, 2015).

Da mesma forma, outros campos científicos ou atividades profissionais

passaram também a usar termos comuns nos estudos da comunicação para

complementar o significado de suas atividades, já que muitos sofreram grande

alteração após o surgimento ou a evolução de algumas tecnologias computacionais.

Como exemplo simples, é perceptível que o verbo “publicar”, isto é, tornar uma

informação pública e notória, não faz parte apenas da rotina de comunicadores,

como jornalistas ou redatores. Hoje, em potência, todos podem publicar informações

em blogs ou redes sociais na internet. Os grandes meios de comunicação perderam

essa “exclusividade” de uso. Outro exemplo de importação é o conceito de

“transparência”, um termo original da física óptica e que hoje é muito comum no

campo da política e da comunicação institucional, referindo-se ao compromisso de

instituições com a abertura de seus dados e trâmites. Ser transparente, hoje,

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significa possibilitar o livre acesso das informações ao público, uma atitude

eticamente aprovada e que não tem ligação denotativa com a óptica.

Contudo, atemo-nos às metáforas adotadas pela comunicação. Josgrilberg

observa que “as metáforas espaciais, em especial, são recorrentes no campo das

ciências sociais, seja por sua familiaridade com a linguagem cotidiana, seja por ser a

espacialidade uma dimensão fundamental da vivência fenomenológica dos

indivíduos” (JOSGRILBERG, 2015). O próprio conceito de “rede” teve,

gradativamente, suas definições estendidas às mais diversas áreas (anatomia,

química, neurologia, entre muitas outras), principalmente depois da criação da

distribuição da eletricidade, através das redes elétricas, ou mesmo das ferrovias e

rodovias que se distribuem no território como tal, chegando ao ponto de ser, hoje,

tratada como sinônimo de “internet” pelo senso comum e até por alguns dicionários.

Santos fala sobre isso, observando que, em geral, o termo se proliferou

acriticamente nas ciências humanas e sociais (1996). A popularização do termo

acompanhou o crescimento e a concentração das diversas redes que compõem o

espaço contemporâneo, sobretudo o urbano. Josgrilberg aponta que:

As diferentes relações e práticas sociais no espaço urbano, onde há maior concentração de rede de telecomunicações, e mediação das distâncias contribuíram para uma estimulante imbricação de vocabulários que articula geografia, arquitetura, telecomunicações, ciências da computação e cultura cotidiana. (JOSGRILBERG, 2015)

Certamente, esse intercâmbio constante de termos e busca incessante por

conceitos que expliquem os fenômenos contemporâneos se devem as

transformações que o ser humano exerce no meio em que vive, inserindo sempre

novos objetos técnicos que levam a novos sistemas de ação e significados.

Conforme McLuhan (1964) escreveu, toda nova tecnologia inserida em uma

sociedade altera, mesmo que implicitamente, toda uma estrutura de ações e

símbolos, de relações entre agentes e objetos. Josgrilberg (2015) também escreve

que “toda nova técnica leva a uma nova percepção do mundo e do tempo”. Isso,

sem dúvidas, inclui as dinâmicas e significados das palavras e da linguagem.

Nesse sentido, os estudos do intelectual brasileiro Milton Santos na área da

geografia humana, tratando da epistemologia da geografia, dos problemas do

espaço urbano, da questão filosófica da técnica, das formas de organização e

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interação humana com o território, as problemáticas do processo de globalização, e

sobretudo a ontologia do espaço, oferecem uma vasta gama de conceitos e

pensamentos totalmente pertinentes ao campo da comunicação social, à fase do

desenvolvimento tecnológico que se apresenta e ao período histórico no qual a

humanidade se encontra, que simplesmente transbordam a disciplina da geografia.

Santos apresenta um olhar analítico e reflexivo completo ao que chama de

sistemas de ações e sistemas de objetos, componentes daquilo que é um dos

maiores enfoques de sua obra: o espaço. Para o autor, é este o objeto ao qual o

corpus da geografia é subordinado (SANTOS, 1996). Ou seja, o espaço é – ou

deveria ser - o principal foco dos trabalhos e estudos geográficos, pois é somente

através dele e nele que se dão as relações humanas e os acontecimentos naturais.

Conforme constata Dias:

A geografia proposta por Milton Santos é uma ciência da transformação por interpretar a dialética do mundo contemporâneo de maneira militante, ao trazer a maioria da população como centro de uma geografia que reconhece o espaço como uma instância social, a partir da compreensão de que este não é apenas materialidade. O espaço é materialidade conjugada com as ações humanas, e sem essas a materialidade do espaço perde todo o seu sentido de existência. (DIAS, 2008, p. 91).

A abordagem humana que Santos faz da geografia é a grande característica

que atrai a comunicação social, e as ciências sociais aplicadas em geral, revelando

uma possível e clara convergência de estudos e relação entre os campos. Essa

convergência se fortalece com o emergir das novas técnicas comunicacionais nos

mais variados territórios, e com a evolução galopante das tecnologias

computacionais, respaldadas pela união da técnica com a ciência. Dentre os

diversos objetos técnicos que invadiram o cotidiano das pessoas e proporcionaram a

ruptura com o período histórico anterior, destacam-se dois, que são a base para os

demais: o computador e a internet.

Além de estandardizar a técnica e permitir o fluxo de informações em

velocidade quase instantânea, a internet (que é uma rede telemática) também

proporciona a criação de ambientes digitais, nos quais se pode e hospedar dados e

manter relações interpessoais. Como a obra de Santos trata profundamente da

questão do espaço, acreditamos ser pertinente o debate que se apresenta em torno

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deste novo lugar digital, aquele que alguns teóricos chamam de ciberespaço. O

debate aumenta devido à popularidade das redes sociais, que passaram a sediar

boa parte de novas relações entre os indivíduos. Sobre isso, Josgrilberg comenta:

O ciberespaço é um elemento do espaço e não “outro espaço”. O conceito de espaço não é uma metáfora ou um sistema independente (ciber), mas algo concreto articulado por sistemas de objetos e sistemas de ações, mobilizados por técnicas do atual período. (JOSGRILBERG, 2015).

Aceitando que o ciberespaço é um lugar dentro do espaço, e não algo a parte,

possibilitado pela concentração de tecnologia e pelas redes de telecomunicações,

principalmente pela internet, entendemos também que sua existência não depende

apenas dos sistemas técnicos, mas também da ampla aceitação e apropriação das

redes por usuários domésticos, não especialistas. Essa é uma questão social e

cotidiana de suma importância. Consideramos também um ponto concernente da

obra de Santos seus pensamentos sobre os fluxos de dados e de informações, que

aumentou exponencialmente com a implementação de sistemas técnicos

hegemônicos em todo mundo. O autor considera que, sendo a informação um

combustível desse período, os objetos e as técnicas são pensados e concebidos sob

esta lógica, sendo eles próprios, também, informação. Assim, estimula-se os fluxos a

manterem-se sempre ativos, apesar de as informações nem sempre serem valiosas,

podendo, inclusive, confundir ao invés de esclarecer. Para a comunicação social,

esta é uma questão muito importante.

Há também uma questão fundamental que se apresenta: o controle. As

aplicações sociais não neutras - e isto observa-se mais explicitamente na internet -

acabam exercendo sobre os usuários um grande poder de controle, que não é tão

aparente, mas que se mostra à uma reflexão mais profunda sobre como elas

funcionam e quais são suas finalidades. Certamente, suas idiossincrasias são

imbricadas por ideologias e intencionalidades oriundas dos países e das empresas

onde são desenvolvidas, atores cada vez mais hegemônicos, restando às regiões

periféricas apenas aceitá-las e usá-las, sob a pena de permanecer ainda mais fora

do processo de globalização caso não o façam. Essa discrepância também é

observada por Santos e também será discutida no trabalho:

Essas técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns Estados e por algumas empresas, aprofundando assim o processo de criação de desigualdades. É desse modo que a

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periferia do sistema capitalista acaba se tornando ainda mais periférica, seja porque não dispõe totalmente dos novos meios de produção, seja porque lhes escapa a possibilidade de controle. (SANTOS, 2000, p. 39)

Portanto, os possíveis diálogos entre a obra de Santos e as questões

contemporâneas da comunicação são diversas. É evidente que, dada tamanha

grandeza da obra desse intelectual, que publicou mais de quarenta livros em vários

idiomas, além dos mais de 400 artigos, praticamente todas as disciplinas das

ciências humanas e sociais aplicadas podem encontrar algum pensamento

concernente e contribuinte.

Como um crítico rígido ao processo de globalização, Santos se manteve

atento a evolução dos sistemas técnicos, das tecnologias da informação e

comunicação, como se deu (e ainda se dá) a distribuição desse conhecimento e

quais são os efeitos disso para a sociedade. Não resta dúvidas que, além da própria

geografia, seus trabalhos agregam muito às disciplinas de história, sociologia,

etnografia, economia, ecologia, tecnologia, educação, saúde, entre muitas outras,

sem falar aos setores políticos de planejamento e, finalmente, à própria

comunicação social.

Após esta breve introdução, apresenta-se a pergunta de pesquisa que

norteará a dissertação: quais são as contribuições da geografia humana de Milton

Santos para a comunicação social? Quais são os possíveis diálogos entre o

pensamento do autor e as atuais questões relacionadas aos sistemas técnicos e de

objetos que sustentam os novos processos de comunicação?

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Capítulo I - REFLEXÕES SOBRE IDEIAS E PENSAMENTOS

DE MILTON SANTOS

1.1 Introdução do capítulo

Nascido na pequena cidade de Brotas de Macaúbas, interior da Bahia, Milton

Almeida dos Santos, conhecido mais tarde como Professor Milton Santos, pode ser

considerado um exemplo de brasileiro a ser seguido, com uma belíssima trajetória

intelectual e educacional, amplamente reconhecida dentro e fora do Brasil, conforme

consta em sua bibliografia disponível no site oficial do autor, citado nas referências.

Doutor em Geografia pela Universidade de Estrasburgo, na França, graduou-

se em Direito dez anos antes na Universidade Federal da Bahia. Pesquisador nato,

desde o início da carreira realizava estudos importantes sobre sua localidade e

exercia amplamente atividades públicas, assumindo cargos. Conforme citado,

chegou a ser redator do Jornal À Tarde e diretor da Imprensa Oficial da Bahia,

cargos que lhe conferem importância política e crítica.

A trajetória internacional notória talvez não tivesse acontecido não fosse o

golpe militar de 1964, que o fez ter de buscar exílio na França. Se mudou diversas

vezes de cidade e de país, lecionando em importantes universidades, como a

Universidade de Paris, Universidade de Toronto e no Massachusetts Institute of

Technology (MIT) em Boston, entre algumas outras não menos importantes.

Quando volta ao Brasil, enfrenta algumas dificuldades para se recolocar nas

universidades Brasileiras, mas logo ingressa por concurso na Universidade de São

Paulo - USP. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa de doze universidades

brasileiras e sete universidades estrangeiras e em 1994 torna-se o único geógrafo

da América Latina a receber o Prêmio Vautrim Lud, o maior dentro da Geografia

mundial.

Reconhecido como importante personagem na proposta por uma nova

geografia, também foi crítico profundo do processo de globalização e suas

implicações sociais. Sua abordagem humana da geografia reconhece a atividade

social como peça chave para a criação do espaço geográfico.

Sendo um dos principais autores da geografia brasileira, é até hoje admirado,

não apenas pela grandiosidade de sua obra, em número, profundidade e rigor, mas

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também pela alegria e simplicidade de ser. Sempre enfrentou com discernimento e

firmeza as questões relacionadas ao preconceito racial e fez de seu intelecto uma de

suas maiores riquezas.

Trabalhou até o fim de sua vida, orientando alunos, escrevendo e atuando.

Suas últimas obras são frutos de uma vida de dedicação e de ampla experiência.

Dentre todas elas, lançamos olhar mais detalhado sobre o livro que é considerado

seu maior trabalho, por organizar diversos de seus próprios pensamentos face ao

momento atual da sociedade e seus fenômenos. Mais informações sobre a vida e

obra de Milton Santos podem ser encontradas no Apêndice único da dissertação.

1.2 Introduzindo a Natureza do Espaço

Com a primeira edição publicada em 1995 pela editora Hucitec, A Natureza do

Espaço: técnica e tempo, razão e emoção, juntou diversos debates e ideias que

Santos apresentou em obras anteriores, revisitando-os com uma abordagem

amadurecida, fazendo um rico apanhado de citações e evoluindo seu próprio

pensamento. Para muitos leitores do autor, este livro pode ser considerado o ápice

de sua trajetória intelectual, resultado do trabalho de toda uma vida, obra de notável

rigor científico e admirável clareza. O livro apresenta importantes reflexões para se

pensar o mundo atual, a sociedade e a realidade contemporânea.

O eixo ao redor do qual os temas giram, conforme o título do livro adianta, é o

espaço e sua ontologia. Contudo, não enquanto conceito cosmológico ou astrofísico,

nem exclusivamente a distância entre dois pontos. Trata-se daquilo que o autor

chama de espaço geográfico, uma soma de objetos, sistemas e elementos (técnicos,

sociais, informacionais), que resulta no ambiente em que vida humana se realiza.

Logo no início, Santos esclarece que o espaço vem a ser o principal objeto, não

apenas do livro, mas da disciplina da geografia, ao qual ela deve (ou deveria) se

submeter. Esse conceito não surgiu repentinamente, mas foi construído no decorrer

dos anos de pesquisa e reflexão. Josgrilberg traça bem a linha do tempo da

construção do conceito de espaço para Santos, pontuando suas transformações:

A evolução teórica do conceito de espaço evoluiu de um “um conjunto de fixos e fluxos” (Santos, 1978) para a tentativa de se pensar a “configuração territorial” e as “relações sociais” (Santos, 1988), até se consolidar como “conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação” (Milton Santos, 2002, 62). Em sua definição última, a proposta de Santos não prescinde da ação

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humana, valorizando, portanto, outra noção fundadora em sua ontologia do espaço: a técnica. (JOSGRILBERG, 2015).

É nítido que todas as conceituações que Santos propôs fazem sentido lógico,

cada uma à sua época, de modo que a nova ideia não invalida a anterior, mas a

complementa, sendo todas cabíveis e importantes para a concepção de suas

sucessoras. A última delas, todavia, introduz uma noção fundadora do espaço que

tem vital importância para a dissertação: a técnica. Sem dúvidas, a técnica é e tem

se tornado cada vez mais definidora do espaço e do período temporal, sobretudo no

modelo de vida atual. Para Santos, ela não é única e se apresenta como sistema:

um sistema técnico. Além disso, Santos se dedica a esmiuçar outros conceitos

importantes para a criação do espaço, como os sistemas de objetos e os sistemas

de ação, falando sobre o híbrido que mescla matéria, intencionalidade, redes e ação

humana. Lancemos olhar sobre cada um dos elementos que, segundo Santos,

compõem a natureza do espaço, iniciando por aquilo que o autor chamou de

sistemas técnicos no espaço geográfico:

As épocas se distinguem pelas formas de fazer, isto é, pelas técnicas. Os sistemas técnicos envolvem formas de produzir energia, bens e serviços, formas de relacionar os homens entre eles, formas de informação, formas de discurso e interlocução. (SANTOS, 1996, p.141)

A abordagem ampla atribuída ao termo demonstra bem o ponto de vista que

Santos assume e a importância que dá ao fenômeno técnico. O espaço geográfico

em seu pensamento, representado pelo local onde as pessoas habitam,

independentemente de ser uma cidade, área rural, metrópole, megalópole,

comunidade, tribo ou qualquer outro tipo de arranjo, é fruto da atividade humana que

ali se desempenha. Essas atividades, postas em conjunto, estão sendo cada vez

mais determinadas por técnicas hegemônicas e globais. Desconsideram-se como

espaço geográfico, assim, os ambientes livres de atividade humana (raros

atualmente, é verdade), considerando-os como paisagens naturais, artificiais ou

mistas. Portanto, sempre que nos referimos a espaço ao longo do texto, está se

considerando a atividade humana no ambiente físico, composto por objetos técnicos

e coisas naturais. Por si só, tais elementos apenas existem, pois “só por sua

presença, os objetos técnicos não têm outro significado senão o paisagístico. Mas

eles aí estão também em disponibilidade, à espera de um conteúdo social”.

(SANTOS, 1997, p. 85). Também deve-se entender que as ações humanas que

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criam o espaço possuem “no momento atual, uma função atual, como resposta às

necessidades atuais da sociedade”. (SANTOS, 1997, p.84).

A intervenção que fazemos no sentido de civilizar o ambiente, atribuindo-lhe

existência social, é feita através do trabalho que, por sua vez, necessita de uma

técnica. Portanto, se decidimos (ou decidiram) enquanto sociedade que a melhor

alternativa para atender as demandas energéticas atuais é queimar combustíveis

fósseis, por exemplo, se aplicam as técnicas pertinentes a este objetivo, com todas

suas implicações. Se decidimos que é melhor construir prédios do que viver em

ocas, que se desenvolvam as técnicas que realizem tal tarefa. Ainda como exemplo,

se decidimos que transmitir ao vivo uma partida de futebol via televisão para milhões

de telespectadores é algo válido, que faz sentido, o fazemos através de técnicas

desenhadas e dispositivos tecnológicos específicos para tal. Mas a noção que aqui

se busca é mais ampla: a transmissão do jogo (e os dois exemplos anteriores) não

deve ser entendida apenas como processos tecnológicos de comunicação digital

entre câmeras, computadores, servidores, antenas, satélites e televisores, mas

como possuidora de uma lógica própria de existência e disposição na sociedade que

também é técnica, neste caso, uma técnica de entretenimento, por exemplo. Assim,

pode-se descrever inúmeros processos da vida cotidiana que existem submetidos à

técnica e que possuem ligação com forma de criar os respectivos espaços de

convívio social. Santos observa que “as técnicas oferecem respostas à vontade de

evolução dos homens e, definidas pelas possibilidades que criam, são a marca de

cada período da história” (2001, p. 63).

A análise de Santos parece não subordinar a técnica ao âmbito científico,

apesar do trabalho possuir profundo rigor e compromisso com a ciência, mas a

aproxima da filosofia, da reflexão e da crítica, aplicando um enfoque que é, ao

mesmo tempo, abrangente e profundo. Neste sentido, é um fenômeno de

fundamental relevância na forma como percebemos e produzimos a realidade. Já faz

algum tempo que a paisagem mais comum ao homem deixou de ser o ambiente

rural, mais próximo à natureza e a vida selvagem. Ela foi transferida para o ambiente

urbano, concretizado pelas cidades. Sendo atualmente a principal forma de

organização e de arranjo social, estima-se que 85% do total da população brasileira

viva em cidades (IBGE, 2010). O processo paulatino conhecido como êxodo rural fez

com que as pessoas buscassem uma nova forma de trabalho, deixando para trás as

práticas do campo com a esperança de uma vida mais digna e melhor, de modo

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geral. Esse fenômeno pode ser observado nas mais diversas regiões do globo,

principalmente durante as últimas cinco ou seis décadas. No Brasil, o êxodo se

acentuou a partir da década de 60, com a abertura da economia para a entrada de

investimentos internacionais, que trouxe grandes indústrias para o país, gerando

empregos e atraindo trabalhadores rurais para os locais onde elas foram instaladas.

Para prosperar no novo ambiente, os que se arriscaram precisaram aprender

novas técnicas, não só de trabalho, mas de vida. Esse é um bom exemplo para

entendermos o conceito de técnica que se aplicará ao longo dessa dissertação. Para

se adaptar e construir seu novo meio, o homem sempre criou, aprendeu e aplicou

novas técnicas. A priori, já existe o ambiente, o meio, composto por elementos

estáticos ou móveis e por um conjunto infinito de outras coisas, que a princípio é

natural. O ser humano, através de seu trabalho, transforma continuamente esse

ambiente em algo novo, artificial. O direcionamento desse trabalho se altera

conforme a intenção de quem o realiza, enquanto sua operacionalização

necessariamente invoca uma técnica. Ou seja, uma maneira de fazer específica,

formas de combinar os elementos e arranjar processos a fim de produzir um

resultado. Nas palavras de Santos, a técnica é “a principal forma de relação entre o

homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio”, complementando que “as

técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem

realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS, 1997, p. 25).

Assim, quem deixou a zona rural, encontrou na cidade outros elementos: o

cimento abundante em todas as edificações, o pavimento que expande e define o

que é transitável, a linha do horizonte substituída por edifícios, o crescimento

vertical, o trânsito dos automóveis e tantas outras características que a maioria das

cidades têm em comum. Para viver, precisou se adaptar, aprender as técnicas

pertinentes ao novo meio, não apenas as do trabalho, mas também as da vida

cotidiano e tudo que nela cabe: como se locomover, como buscar alimento, como

habitar o espaço, como se comportar e se relacionar. Ou seja, a técnica em seu

sentido amplo e filosófico, já proposto por Sorre (1948) e apontado por Santos

(1997), que vai além das práticas mecânicas ou procedimentais. Ao passo que as

aprendia e as aplicava, o homem também as reinventava, como ainda o faz,

sabendo disso ou não.

É fato que não somente os trabalhadores rurais que migraram de região

passaram por esse processo. As evoluções das diversas técnicas com as quais o

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homem modifica o meio atingiram a vida de praticamente todas as pessoas inseridas

na sociedade, independente de classe, condição financeira, crença ou cultura,

obviamente, de maneiras diferentes. Muitas profissões desapareceram

recentemente, e muitas outras têm surgido. Antigas formas de fazer e entender o

mundo estão ficando para trás, ultrapassadas por inovações. Hoje, elas são

contínuas, estão em acelerado ritmo e algo importantíssimo de se destacar: muitas

delas ocorreram recentemente nos modos e meios de comunicação interpessoal,

sobretudo com a significante ampliação do acesso à tais aparatos. Isso concedeu à

comunicação um papel central dentro dos modos vida atual. Wolton (2005) teve essa

percepção:

A comunicação assume seu lugar normativo ao passar de uma sociedade fechada a uma sociedade aberta. Desenvolve-se muito, portanto, com o crescimento urbano, o êxodo rural, a fragmentação das estruturas sociais tradicionais, o enfraquecimento das classes sociais e da família ampliada. É o símbolo da libertação em relação à tradição, da mobilidade em relação à estabilidade, de uma sociedade menos hierárquica, mais centrada em si e na relação com o outro. (WOLTON, 2005, p. 26)

Mas tudo isso acaba de ser assim. No princípio da civilização, nossos

ancestrais mais longínquos criavam objetos e técnicas rudimentares, ao longo de

intervalos maiores de tempo, muitas vezes apenas modificando o uso e não a forma

de um objeto. Um galho utilizado como bastão para golpear uma caça, ainda é um

galho, empregado em um novo uso. Um próximo passo, talvez, seria afiar uma de

suas pontas com a ajuda de rochas e transformá-lo numa lança, agora promovendo

também a alteração de sua forma. Seguindo o raciocínio, podemos pensar nos

diversos utensílios e técnicas que durante milhares de anos foram sendo

implementados na superfície do planeta, alterando lentamente a paisagem e os

modelos de vida dos grupos humanos, até chegar ao sistema globalizado e

capitalista hegemônico que hoje se apresenta e que abordaremos mais adiante. Por

agora, o foco está nas técnicas e suas repercussões.

Sem entrar nos méritos, é preciso estar claro que o número de

desdobramentos sociais e ocasionais que uma técnica proporciona é muito grande

e, por vezes, imprevisível. Ela pode resultar em um objeto, em uma nova forma de

organização social, em sucessos ou fracassos de uma comunidade, em construção

ou destruição de um espaço geográfico, no aumento ou diminuição da qualidade de

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vida, dependendo sempre da maneira como é aplicada e da intenção daqueles que a

aplicam. De maneira geral, tem uma forte ligação com a utilidade. Dificilmente se

desenvolve e se aplica uma técnica que não tenha fim prático, mesmo que seja para

uma prática filosófica ou intelectual. Mesmo ainda que seja para um fim que

prejudique uns em benefício de outros, como as técnicas de guerra ou atividades

violentas. Em todos esses casos, há sempre algo a ser alcançado. Há sempre uma

busca por resultados. Em síntese, ela gera mudanças. Daí a busca constante por

técnicas mais eficientes.

É necessário entender que as técnicas, mas não só elas, exercem influência

direta e indireta no espaço que construímos e, portanto, na existência social. A

maneira como edificamos o território e alteramos a paisagem tem relação íntima com

a técnica que se utiliza para fazê-lo. Pierre George fala sobre isso:

A influência da técnica sobre o espaço se exerce de duas maneiras e em duas escalas diferentes: a ocupação do solo pelas infraestruturas das técnicas modernas (fábricas, minas, ‘carrières’, espaços reservados à circulação) e, de outro lado, às transformações generalizadas impostas pelo uso da máquina e pela execução dos novos métodos de produção de existência. (GEORGE, 1974 apud SANTOS, 1997, p.28).

Com a revolução industrial iniciada na segunda metade do século XIII, um dos

eventos mais importantes na história da sociedade contemporânea, pode-se dizer

que a preocupação com as técnicas ganhou outro nível. Antes disso, os modos de

produção de objetos eram predominantemente artesanais, que não deixam de ser

trabalhos técnicos, técnicas artesanais, mas que lhes proporcionavam distribuição

limitada e valor próprio. O surgimento das máquinas como mão de obra e

ferramenta, o maior domínio sobre as energias provenientes da água, do vapor e do

carvão, e a sofisticação das técnicas mecânicas de produção permitiu que os objetos

deixassem de ser apenas produzidos, mas pudessem também ser reproduzidos em

escala consideravelmente maior, de forma padronizada e com nível de qualidade

aceitável. As técnicas de produção industrial e engenharia de produção se

espalharam pelo mundo ocidental e se tornaram foco de atenção.

Para sustentar esse novo modo de produção, foi preciso juntamente criar a

demanda que consumiria essa nova e crescente oferta de objetos, para que não

somente o objeto físico fosse aceito (ou desejado), mas também toda a

racionalidade que o envolve, de modo a viabilizar e justificar o processo. Talvez seja

esse o ponto na história no qual as técnicas passam a ganhar uma aplicação lógica

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que é, também, ideológica. Salta para além das linhas de montagem industriais,

passando a ser parte determinante da vida cotidiana do homem anônimo. Com mais

técnicas imbricadas na vida ordinária, o espaço geográfico passa a refletir direta e

indiretamente os efeitos dessa alteração e a paisagem passa por transformações.

Considera-se:

O espaço visto como um conjunto de objetos organizados segundo uma lógica e utilizados (acionados) segundo uma lógica. Essa lógica de instalação das coisas e de realização das ações se confunde com a lógica da história, à qual o espaço assegura continuidade. (SANTOS, 1997, p. 34)

Para entender como o fenômeno técnico altera o espaço geográfico, e como

isso atinge tanto a materialidade quanto a ideologia vigente, podemos pensar no

exemplo da criação e reprodução dos automóveis. Antes de existirem, a forma de

organizar e dispor as áreas públicas em uma cidade era totalmente outra. Como

pavimentar os passeios, com qual métrica? Tudo isso se altera severamente com a

inserção desse novo elemento, que traz consigo racionalidade e proposta de uso, e

estende seus efeitos colaterais em diversas direções. Foi preciso, exemplificando,

criar técnicas para administrar e regulamentar o trânsito, para produzir e

disponibilizar os combustíveis, para promover a segurança dos condutores e dos

pedestres, para cobrir buracos que atrapalhem a locomoção, entre tantas outras

coisas que até hoje passam constantemente por aprimoramentos, formando um

sistema complexo de técnicas e que faz sentido para quem o vê e utiliza. Baudrillard

(1968), já disse que “o automóvel é um dos mais importantes signos do nosso tempo

e seu papel na produção do imaginário tem profunda repercussão sobre o conjunto

da vida do homem, incluindo a redefinição da sociedade e do espaço”. (Apud

SANTOS, 1997, p. 54). Como já foi dito, portanto, a técnica aqui não se restringe a

forma de aplicação específica, mas como ela se entranhou nos modos de vida

atuais, de modo amplo, difuso, e diretamente responsável pela criação do espaço

geográfico, conforme explica Santos:

Quando geógrafos escrevem que a sociedade opera no espaço geográfico por meio dos sistemas de comunicação e transportes, eles estão certos, mas a relação, que se deve buscar, entre o espaço e o fenômeno técnico, é abrangente de todas as manifestações da técnica, incluídas as técnicas da própria ação. Não se trata, pois, de apenas considerar as chamadas técnicas da produção, ou como outros preferem, as “técnicas industriais”, isto é, a técnica específica, vista como um meio de realizar este ou aquele resultado específico. (...) Só o fenômeno técnico na sua

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total abrangência permite alcançar a noção de espaço geográfico. (SANTOS, 1997, p. 31)

Estando ciente da abordagem, há mais uma característica essencial

relacionada à questão técnica atual: sua aproximação – ou fusão – com a ciência.

Isto é, a ciência, aponta Santos (1997), principalmente no com as duas grandes

guerras do século XX, se aproximaram muito das técnicas, deixando de ser restrita à

laboratórios em universidades, e passando a servir fortemente a indústria e os

interesses econômicos em geral. Trabalharemos esse fenômeno mais afundo ainda

nesse capítulo. O que fica por agora é visão ampliada do fenômeno técnico e sua

realização através de sistemas técnicos, indissociáveis de outros sistemas: os

sistemas de objetos e os sistemas de ação.

1.2.1 Arranjos sistêmicos dos objetos e das ações

Para entendermos o conceito de espaço que Santos propõe, é preciso

caracterizar as colunas que sustentam a ideia central. Conforme apontado

anteriormente, as técnicas assumem tal papel e se organizam como sistema.

Juntamente, Santo aponta a existência dos “sistemas de objetos” e os “sistemas de

ação”. Ambos os termos aparecem em um dos conceitos de espaço mais defendidos

pelo autor: “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também

contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados

isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. (Ibidem, p. 51). O

conjunto indissociável diz respeito à união dos diversos sistemas que compõem a

vida cotidiana, que apenas funcionam juntos. São solidários pois são

interdependentes e se sustentam mutuamente em muitos casos, mas também são

contraditórios, pois há muitos pontos de conflito e atritos aos quais os sistemas não

podem escapar.

Para Santos, os sistemas de objetos representam a materialidade, as formas

físicas, naturais ou artificiais, que estão disponíveis para que o homem aplique sua

ação. Esta ação similarmente emerge como sistema: sistemas de ação, e refere-se

ao trabalho exercido pelo ser humano sobre os objetos. Se olhamos para os

sistemas de objetos isoladamente, excluir-se-á a realidade atribuída pelos sistemas

de ação, a realidade simbólica, filosófica, intencional, ideológica e cognitiva que o

homem dá ao mundo. O que resta é uma visão parcial e restrita. Da mesma forma,

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não há ação humana que não envolva, em algum nível, os objetos, as

materialidades, sobretudo na atualidade altamente tecnológica e consumista que

construímos, onde a busca por bens de consumo é constante. Portanto, são

sistemas de ação que também não fazem sentido sozinhos. Apesar disso, vale

lançar olhar sobre cada um dos conceitos para aprofundar o entendimento das

relações que se estabelecem entre tais sistemas e quais papeis eles desempenham

na vida cotidiana do ser humano contemporâneo.

Quando fala dos sistemas de objetos, Santos (1997) inicia realizando uma

distinção entre “objeto” e “coisa”. Termos que no cotidiano possuem utilização quase

sinônima, aqui se diferenciam entre aquilo que a natureza cria no caso deste (rios,

montanhas, nuvens, árvores, etc.), e aquilo que o homem cria para aquele

(artefatos). Apesar de citar outros autores que concordam com a ideia, Santos

admite que essa classificação é intuitiva de modo geral e que “no princípio, tudo

eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas,

dádivas da natureza, quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de

intenções sociais, passam, também, a ser objeto”. (Ibidem, p.53).

É nítido que o processo de artificialização da natureza é constante e

crescente em nossa sociedade mundializada, basta notar que, na maior parte do

tempo, aqueles que vivem em cidades estão muito mais cercados por objetos

artificiais do que coisas naturais, e isso não é de agora. Mesmo para os habitantes

da zona rural, a quantidade de objetos que ajudam na realização da vida cotidiana

não é pequena e ela só se modifica para cima. O que vemos é um vasto conjunto

de sistemas de objetos compondo o espaço. A criatividade para sua obtenção e

utilização parece ser parte importante da natureza humana, haja visto que nossos

ancestrais mais longínquos já a utilizavam, criando objetos rudimentares, mas que

foram o início do processo. Deparamo-nos, agora, com um ponto de evolução da

artificialização que é inédito e que traz consigo profundas reflexões éticas, morais e

filosóficas.

Mas como e por quê se criam os objetos? Primeiro, eles podem ser simples,

como uma bifurcação em madeira feita estilingue, e podem ser sofisticados, como

uma estação espacial orbitando o planeta. Independentemente do caso, são frutos

complexos do acúmulo de conhecimento, tempo, técnica e intencionalidade. O que

define sua complexidade não é sua forma em si, mas a soma desses elementos que

foram acionados em sua concepção, necessariamente humanos e que precisam ser

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logicamente combinados para resultarem em algo útil. A utilidade guarda o porquê.

Objetos servem, de alguma forma, ao homem. Assim, também é ele um registro de

informações: aquilo que se pode inferir sobre. Como coloca Santos, “a complexidade

estrutural de um objeto é sua informação porque é a forma como pode comunicar-se

com outro objeto, ou servir a uma pessoa ou empresa ou instituição” (1997, p. 56).

A razão de ser de um objeto, portanto, vem de uma necessidade identificada

no espaço. Objetos compõem o espaço, e por ele são determinados. Santos

assegura que “o espaço é formado de objetos; mas não são os objetos que

determinam os objetos. É o espaço que determina os objetos: o espaço visto como

um conjunto de objetos organizados segundo uma lógica e utilizados (acionados)

segundo uma lógica (1996, p. 34). Percebe-se, portanto, que é um fenômeno

necessariamente social, isto é, não aconteceria fora da existência humana, já que

“toda criação de objetos responde a condições sociais e técnicas presente num dado

momento histórico” (IBID, p. 56).

Assim, os processos de criação, reprodução, distribuição e consumo dos

objetos, formam sistemas ao coexistirem e se correlacionarem logicamente. Hoje

multiplicam-se, somam-se e destroem-se. Existem aqueles que são fixos: prédios,

viadutos, estações de metrô, terminais rodoviários, monumentos e edificações

imóveis, objetos geográficos. E há os objetos móveis, que seguem pelos fluxos das

ações humanas, que se locomovem ou se transportam com mais facilidade pelo

espaço. Ambos, contudo, são artificiais e à ambos se aplica a lógica sistêmica.

Isso aplicado em escala global, surte uma quantidade indeterminada de

efeitos que simplesmente não se consegue acompanhar, ou mesmo, observar.

Conforme se constata, no atual período os objetos distribuídos mundialmente levam

consigo suas tecnologias, sua materialidade, seus significados, suas ideologias, sua

racionalidade e suas técnicas de utilização. Esse fenômeno se deu principalmente

pelo processo de globalização, que interligou mercados, transpôs barreiras de tempo

e espaço, aproximou algumas culturas, excluiu outras e, no geral, alterou os modos

de vida da espécie humana.

Há, portanto, uma “população” de objetos inseridos em nossas vidas que

fazem todo tipo de coisa e sem os quais a vida contemporânea entraria em colapso.

Com o passar do tempo, boa parte deles ganharam características comuns: a

obsolescência programada que o modelo de consumo adota como fundamental,

sustentando setores industriais e comerciais ao redor do mundo. Ou então a

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capacidade de conexão com redes, transmissão e armazenamento de dados, a alta

tecnologia que se incorporou a outros tantos. Podemos dizer que, no tempo atual, os

objetos são cada vez menos rudimentares, artesanais e cada vez mais sofisticados,

industrializados e padronizados, e sua distribuição é mais generalizada.

Vale aqui salientar brevemente o grupo de objetos técnicos que se introduziu

rapidamente em nosso dia a dia e alteraram explicitamente nossas formas de se

relacionar com o outro. São os dispositivos computacionais ligados à internet.

Através de computadores, celulares smartphones, tabletes, e todos os derivados

correlatos, a distribuição de mensagens e informações pulverizou-se de uma só vez.

A comunicação social passou a acontecer por vias inéditas, novas, diferentes, e com

isso emergiu um novo mundo de possibilidades, uma nova cultura. Trataremos

especificamente desse tema em outros capítulos, mas não havia como deixar de

citar os aparelhos que saltaram do estágio “inexistente” direto para o “indispensável”

num período de tempo que, em termos históricos, equivale a um piscar de olhos.

Abordando então os sistemas de ações, pensamos sobre o verbo do termo.

Talvez ele seja um dos mais próximos da existência humana: o verbo agir. Tudo que

o homem faz é agir. É através da ação que os homens alteram a realidade e a si

próprios. Apoiado em Everett M. Rogers (1962), Santos pontua que a ação é um

comportamento orientado, ou seja, não surge ao acaso como um acontecimento

qualquer, mas sim surge por um motivo e busca um objetivo. Complementando com

os estudos de Alfred Schutz (1967) e Abraham Moles (1974), o autor entende que a

ação, por sua própria natureza, necessita de uma projeção prévia, um planejamento

de seu praticante, e que invariavelmente ela resulta em uma modificação ou

alteração do meio em que se insere ou ao qual se destina. O verbo agir é elementar.

É somente através dele que as transformações se realizam, em todas as vertentes

da vida social, pois apenas o homem pode realizar uma ação. Santos afirma que “a

ação é o próprio do homem. Só o homem tem ação, porque só ele tem objetivo,

finalidade. A natureza não tem ação porque ela é cega, não tem futuro” (1996, p.

67).

E se cada indivíduo é capaz de desempenhar suas ações, de acordo com

suas necessidades e intencionalidades, transformando a realidade, a junção de

todas as ações das individuais cria sistemas de ações que coexistem, que se

chocam, se atritam, se completam, cooperam, dando corpo aos fatos cotidianos e

animando a materialidade. Nossas ações estão sempre interligadas, isto é, uma

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ação gera uma mudança e será a partir dela que a próxima ação se dará, talvez com

o nome de “reação”, que nada mais é do que uma resposta ao estímulo anterior.

Existem também ações conjuntas. Ao passo que se organiza, o homem cria grupos,

como empresas, instituições, sindicatos, governos, que se normatizam e orientam as

ações dos indivíduos que as compõem, visando um objetivo maior, somente

alcançável com a participação de todos. Ou seja, a ação orientada de vários

indivíduos resulta em uma ação coletiva maior. Essa orientação, na grande maioria

das vezes, é centralizada e um comando e não decidida pelos realizadores. Numa

empresa, por exemplo, o dono tem mais poder de decisão, por estar acima na

escala hierárquica, de tal modo que seu trabalho é apontar os rumos, mas não

necessariamente realizar a ação.

Importante fixar que, conforme coloca Santos, “as ações resultam de

necessidades, naturais ou criadas” (1996, p. 67). Podemos dizer que, antes da

globalização, as ações eram mais presas no espaço e orientadas pelo território,

atendendo as necessidades locais. A relação com o tempo também era diferente,

com prazos maiores e ritmos mais desacelerados. Hoje, contudo, com a

internacionalização do capital, o avanço da diplomacia e das relações comerciais

entre os países, observa-se que “muitas das ações que se exercem num lugar são o

produto de necessidades alheias, de funções cuja geração é distante e das quais

apenas a resposta é localizada naquele ponto preciso da superfície da Terra”. (IBID,

p. 65). A exportação de mão de obra é um exemplo explícito.

Encontram-se atualmente na China e outros países asiáticos boa parte da

produção de bens de consumo que abastecem o mundo todo, mas que não são

criações chinesas. A engenharia do produto, o design, a tecnologia empregada, o

posicionamento no mercado, o investimento em marketing, as técnicas de produção,

é tudo decidido fora da região que produz o objeto, e isso se tornou muito comum

devido ao baixo custo operacional exercido em tais países. Para além do debate da

exploração de mão de obra, observa-se claramente que “as ações são cada vez

mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar. Daí a necessidade de operar

uma distinção entre a escala de realização das ações e a escala do seu comando. ”

(IBID, p. 65).

Então, é preciso estar claro que, no arranjo social, existem aqueles que

decidem o que vai ser feito e aqueles que realizam o que foi decidido. O poder

decisivo é restrito à um número menor de pessoas, mas em diversos níveis de

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hierarquia pode-se constatar esse tipo de relação. Na escala global, países mais

desenvolvidos economicamente costumam abrigar tais “centros de comando” que

abrigam duas fábricas em países menos desenvolvidos e distribuem seus objetos

para todo o planeta.

Sendo os sistemas de ação um dos principais influenciadores da criação do

espaço segundo as ideias de Santos, o distanciamento da sua relação com o

território e a aceleração do tempo certamente alteram o espaço que se cria. Isso, por

sua vez, transforma nossa percepção do mundo e, ao mesmo tempo, transforma o

modo como agimos no mundo, participando do sistema através do consumo e

orientando nossas ações a partir do novo sistema de objetos que se dispõe.

Também é preciso reforçar que, apesar do olhar individual lançado sobre os dois

tipos de sistemas (de objetos e de ação), eles são indissociáveis na prática. Um está

a todo momento influenciando e acontecendo junto com o outro, num emaranhado

complexo que ainda une a intencionalidade e as técnicas do fazer. Para Santos,

essa grande família de elementos é determinante dos períodos da história humana:

Todo e qualquer período histórico se afirma com um elenco correspondente de técnicas que o caracterizam e com uma família correspondente de objetos. Ao longo do tempo, um novo sistema de objetos responde ao surgimento de cada novo sistema de técnicas. Em cada período, há, também, um novo arranjo de objetos. Em realidade, não há apenas novos objetos, novos padrões, mas igualmente, novas formas de ação. (SANTOS, 1997, p. 77).

Um outro desdobramento nítido do atual período, com a distribuição massiva

e global de diversos objetos, é o avanço daquilo que Santos (1997) chama de as

“unicidades”. São elas: da técnica, do tempo e do motor.

1.2.2 As unicidades como uma das bases da globalização

“No começo da história social do Planeta, havia tantos sistemas técnicos

quantos eram os lugares e os grupos humanos. ” (Santos, 1997, p. 151). Entender

as unicidades propostas por Santos são pontos fundamentais para uma leitura

ampla de seus pensamentos. No item do livro dedicado a este tema, o autor explica

que em tempos remotos, quando a humanidade se organizava em grupos isolados

pela distância geográfica, cada qual possuía seus próprios sistemas de técnicas, que

raramente sofriam influência externa ou eram intercambiados com outros grupos. As

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barreiras do espaço e do tempo dificultavam qualquer intercâmbio de

conhecimentos, objetos, técnicas, ações, simbologias, informações em geral. Assim,

as estruturas sociais de cada grupo eram independentes e suas formas de fazer

eram originais, isto é, “os sistemas técnicos eram locais” (SANTOS, 1996, p. 152).

Durante longo período histórico, as comunidades humanas tinham um foco

centralizado em si mesmas, e isso inclui seu tempo e seu território. Os habitantes de

regiões áridas, por exemplo, tinham que se organizar de forma própria para

conseguir água, diferentemente de habitantes de uma região com abundância

hídrica. Essa localidade se aplica à caça (espécies disponíveis na região), coleta de

alimentos, habitação, agricultura e tantas outras práticas humanas que estavam

submetidas a tais condições. Não havia, pois, a necessidade (ou sequer o

conhecimento) de outras formas de ação, outras técnicas, outros objetos, senão

aqueles que ali existiam ou ali eram criados, naquele tempo e naquele local

específico.

Conforme os grupos humanos se tornavam mais populosos e as formas de

locomoção evoluíam, passaram a ocorrer mais contatos entre as comunidades e,

consequentemente, mais trocas culturais. Essas “trocas”, muitas vezes, foram

impostas durante processos de colonização. Os modos de vida dos colonizadores

em detrimento absoluto dos demais, o que obviamente gerou (e ainda gera)

confrontos e devastações culturais, étnicas e ambientais. Nesses casos, sistemas de

ação e de objetos (inteiros ou não) eram incorporados ao território conquistado,

mediante o uso de violência. A cultura local era desprezada, ou mesmo proibida, e

os forasteiros assumiam o controle sobre o novo espaço. No período das grandes

navegações, por exemplo, é sabido que os impérios impunham brutalmente seus

sistemas técnicos aos nativos das colônias, com total descaso ao que antes ali

havia, visando apenas os interesses do império.

Conforme Santos demonstra, um dos efeitos desse processo é a diminuição

do número de sistemas técnicos e de sistemas de objetos independentes e únicos,

pois comunidades que antes realizavam sua vida de forma própria, passaram a usar

sistemas alheios, trazidos e implantados por aqueles que possuíam maior domínio

sobre as técnicas de locomoção pelo espaço (no caso das grandes navegações) e

sobre outros poderosos instrumentos de dominação, dentre os quais se destaca a

pólvora e a arma de fogo. Essa diminuição tem impacto direto na pluralidade e na

diversidade cultural contida na superfície do planeta, causando uma redução

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drástica e contínua, que ainda se observa nos tempos atuais e unificando as formas

humanas de fazer e de ser: instaura-se uma tendência a unicidade. Em verdade,

pode-se dizer que desde o início desse processo até hoje, ele apenas avançou.

Jamais retrocedeu.

Sendo constante e crescente, a busca pela unicidade das técnicas

acompanhou a expansão e declínio dos impérios, a conquista de colônias em novos

territórios e o aumento das relações diplomáticas, a revolução industrial, atingindo

seu ápice no século XX, conforme descreve o autor:

A morte dos impérios, que o fim da segunda guerra mundial vai precipitar, coincide com a emergência de uma técnica capaz de se universalizar. [...] A partir da segunda metade do século XX, a escolha de tal forma e com tal rapidez se afunila que, cedo, há apenas um modelo. Em outras palavras, não há mais escolha (SANTOS, 1997, p. 153)

Essa constatação elucidativa nos abre os olhos para a padronização que se

apresenta ao redor do mundo contemporâneo, com técnicas e objetos que possuem

essa capacidade de universalização, de sedução e de conexão. Para aqueles que já

tiveram a oportunidade de viajar para outros países, próximos ou distantes, fica

perceptível a semelhança dos meios e modos de vida, das ferramentas e objetos,

das marcas e estilos, dor moldes e formatos de organizações, das idiossincrasias

em geral. As nossas possibilidades de escolha são praticamente extintas e

cuidadosamente controladas, de sorte que, podemos escolher entre faces diferentes

da mesma moeda.

Não se desconsidera aqui a tendência de conservação de traços culturais

locais que vem se apresentando em diversos países. É claro que os povos

dominados também apresentaram diferentes formas de resistência e, na maioria das

vezes, as técnicas impostas se fundem com as previamente existentes, gerando

novas formas de vida. Mesmo assim, nos parece que os resgate de culturas locais

hoje tem fins muito mais turísticos e paisagísticos do que culturalmente plenos, isto

é, são práticas que não mais realizam a vida, mas que servem de atração para

mostrar como, em outro tempo, ela era ali realizada.

Dentro do movimento de padronização, Santos destaca três fatores que

considera como base do fenômeno da globalização e das transformações

contemporâneas do espaço geográfico: a unicidade da técnica, do tempo e do

motor.

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Abordaremos primeiramente a unicidade técnica. Como já foi dito, antes da

globalização havia uma diversidade maior de técnicas para a realização das tarefas

diárias das comunidades, cada qual com seu respectivo conjunto de objetos. De

acordo com as ideias de Santos, as trocas desiguais de conhecimentos técnicos ao

longo da história foram paulatinamente diminuindo esse número diverso de técnicas.

Grupos humanos que antes viviam separados passaram a viver juntos, fundindo

novos sistemas culturais, combinando técnicas, criando novas e excluindo outras.

Seguindo por esse caminho, o processo se complexificou, ganhou escala e criou as

bases que sustentam o sistema atual: globalizado, capitalista, tecnológico, científico

e informacional, possuidor de sistemas e subsistemas técnicos universalistas, e

interligados por uma unicidade técnica.

Considerando uma universalidade técnica, Santos afirma que em áreas como

a antropologia, o termo não é recente. Aponta para alguns comportamentos

entendidos como “universais” que já eram observáveis logo no início da pré-história

humana. A arqueologia de fato revela que antigas civilizações compartilhavam de

práticas muito similares, sem nunca, ou pouquíssimas vezes terem se encontrado,

argumentando que “o sílex lascado era o mesmo sobre todo o planeta” (HUMBERT,

1991 apud SANTOS, 1997, p. 154). Utensílios feitos de pedra lascada e polida

pertencentes a grupos humanos praticamente isoladas entre si. Uma coincidência

que, naquela época, parece demonstrar uma tendência natural de criar tipos de

instrumentos específicos. Aqueles que, invariavelmente, facilitam a vida. Era o início

da atuação humana sobre o meio. Obviamente, cada objeto tinha suas

particularidades, já que eram artesanais, mas os seus fins eram similares.

No entanto, essa tendência à uma habilidade universal foi observada em

período embrionário da espécie, até mesmo em termos de comunicação. Não era

algo profundamente pensado, mas como que um acontecimento prático da vida,

uma ação natural de um ser com inteligência suficiente para manusear um

instrumento. Outras espécies também demonstram tal comportamento, mas o ponto

aqui é outro. Tudo isso é muito diferente da universalização das técnicas que vem

acontecendo na história humana recente. Santos explica o porquê em quatro partes:

Em primeiro lugar, não é uma tendência, mas uma realidade. Em segundo lugar, essa realidade vem fazer parte dos lugares praticamente num mesmo momento, sem defasagens notáveis. Em terceiro lugar, esse fenômeno geral dá lugar a ações que também têm um conteúdo universal. Daí a possibilidade de programas semelhantes para todos os quase todos os países,

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como esses famosos planos de ajustamento do Banco Mundial e do FMI, com apoio das grandes potências industriais e financeiras. Em quarto e último lugar, esses objetos técnicos semelhantes e atuais existem numa situação de interdependência funcional, igualmente universal. No começo da história, alguns objetos se universalizam, mas se dão isoladamente. Hoje, o que é universal é todo um sistema de objetos. (IBID, p.154)

Não se considera mais como tendência, então. A abrangência é completa,

com poucas áreas ausentes. Não apenas os objetos, mas os conteúdos passam a

ser universais e, o ponto que damos mais destaque: a relação de interdependência

funcional. De fato, cada vez mais os objetos são feitos com capacidade de conexão

e isso para que eles recebam e transmitam dados. Essa capacidade pode até não

ser determinante para seu funcionamento isolado, mas sua aplicabilidade se reduz

muito caso ela não exista, a ponto de ser inviável ao consumidor. O sistema como

um todo passa a ser logicamente interdependente.

Essa relação de dependência se sustenta através de necessidades sociais

criadas para a manutenção da vida contemporânea, que encontram soluções nos

sistemas de objetos respectivamente criados. Mesmo que para boa parte da

sociedade, isso lhes pareça uma escolha entre outras, há que se identificar no atual

período técnico seu caráter invasor, que vem de cima para baixo e de poucos para

muitos. Isto é, poucas empresas são donas das tecnologias que são mundialmente

utilizadas para a realização de processos também globais:

O subsistema atual de técnicas hegemônicas é, por sua natureza, um sistema invasor. Isso explica a maior rapidez e generalidade de sua expansão, comparando com os anteriores subsistemas hegemônicos. Ele acaba impondo-se, diretamente ou indiretamente, pelo seu papel unificador dos processos globais.

(IBID, p. 155).

Além do surgimento das organizações que extrapolam as fronteiras das

nações, sejam elas privadas ou não, que também foi essencial para a criação do

atual período técnico hegemônico, outro ponto chave observado por Santos é o novo

combustível do sistema: a informação. Ela passa, agora, a ser o que corre livre pelas

artérias e veias das estruturas, as redes telemáticas, possibilitando a comunicação

entre diversos pontos remotos, simultaneamente comandados por inúmeros atores.

Elas carregam através dos mais diversos códigos os dados com os quais o novo

espaço se realiza. A digitalidade emerge repentinamente e traga par dentro de si boa

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parte da vida social, de modo que se torna bem difícil permanecer fora dela. É sobre

essa universalização das técnicas que Santos aplica o conceito da unicidade:

O surgimento de numerosos Estados nacionais, a criação de organismos supranacionais, a entrada em cena da informação e do consumo como denominador comum universal, tudo isso trabalha para facilitar o triunfo das técnicas baseadas na informação e que iriam revolucionar doravante a economia e a política, antes de incluir a cultura no processo global das mudanças. (IBID, p. 153)

Quando Santos diz que as técnicas baseadas na informação revolucionam

primeiro a economia e a política antes da cultura, pode-se considerar uma crítica do

autor ao processo de globalização, recorrente em outras obras. Para ele, a

globalização possui práticas perversas para a humanidade, no sentido de atender

aos interesses econômicos antes dos sociais. Com isso, decisões lucrativas para

uns poucos são tomadas em detrimento do bem-estar de outros muitos, geralmente

“a partir de um conjunto técnico homogeneizado, sistêmico, preenchido e

comandado por relações mundializadas sistematicamente unificadas. ” (IBID, p.

156).

A velocidade das trocas de informação e a popularização do acesso aos

dispositivos não alteram apenas a natureza do espaço, mas também a percepção

geral que temos do tempo.

É nesse ponto que passamos a abordar a unicidade do tempo. O tempo é

algo que intriga o homem, por sua natureza misteriosa que não se vê, mas que

exerce suas influências sobre tudo que conhecemos. Nada está fora do tempo ou

livre de sua ação. O conceito aqui, contudo, deixa de lado seus aspectos físicos ou

filosóficos para tratar da utilização e da influência prática do tempo no dia a dia da

sociedade. Para se organizar e facilitar sua vida, o ser humano dividiu os ciclos

naturais observados em “fatias” determinadas de tempo, criando os horários. Assim,

os momentos contidos num dia deixaram de ser referenciados apenas pela posição

do sol, mas passam a ter uma atribuição direta:

Por muitos séculos a contagem das horas era realizada a partir da observação do movimento diário aparente do Sol no céu, principalmente pelo uso de relógios de Sol, porém isso levava ao problema da determinação da hora do meio-dia, que é associada à passagem do Sol pelo meridiano local, e, portanto, variava de uma cidade para outra. Os viajantes acertavam os relógios toda vez que chegavam a uma nova localidade (SOBREIA, 2012, p. 11)

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O tempo, assim como a técnica, possuía forte ligação com o local geográfico,

pois a posição do sol é sempre relativa ao ângulo de que se observa. A prática de

contar as horas apenas com referência da posição do sol em relação ao território

funcionou por um período, mas não demorou precisar de aprimoramentos. Nesse

caso, o problema que trouxe a necessidade de uma organização internacional dos

horários é oriundo do avanço técnico dos meios de transporte. Com as linhas férreas

e a máquina de locomoção movida a vapor, conseguia-se viajar muito mais rápido

entre uma cidade e outra. Isso começou a gerar problemas de compatibilidade de

horários entre as estações e para os próprios passageiros:

A definição de um sistema mundial da Hora Legal, com um marco inicial para contagem das horas, tornou-se urgente em virtude da diminuição dos intervalos de tempo entre as viagens, que se tornaram mais rápidas, com o uso de ferrovias no século XIX. (SOBREIA, 2012, p. 12)

Um fato que, por si só, demonstra nitidamente as profundas alterações que

uma nova técnica traz (ou causa) para a sociedade na qual se instala. Nesse

cenário, nasceu o Fuso Horário, uma proposta de divisão imaginária do globo em 24

superfícies de tamanhos iguais. Dentro de cada uma delas, há um horário oficial

para todo aquele território. A ideia passou a valer, talvez como única saída viável

para o período histórico que se iniciava. Ela facilitou muito os problemas de

organização entre os países, contribuindo para o aumento das relações diplomáticas

e da economia internacionalizada. O impacto na vida das populações humanas não

foi pequeno, de modo que Sobreia afirma que “o tema dos Fusos Horários é um dos

mais importantes para se correlacionar a rotação da Terra e suas implicações nas

atividades cotidianas dos cidadãos”. (SOBREIA, 2012, p. 11).

É claro que o movimento da Terra em torno do Sol e de si mesma,

inevitavelmente, nos condiciona a uma determinada noção de tempo, pois percebe-

se que as coisas estão sempre mudando: o clima, a luz, o ambiente. Mas essa é

uma questão invariável e humanamente incontrolável. A percepção do tempo que

aqui tratamos altera-se empurrada pela evolução dos processos e pela criação de

novas tecnologias. A viagem que demorava dez horas a cavalo, cai para uma hora a

bordo de locomotiva à vapor sobre trilhos. Surge também o automóvel, rodovias

começam a cortar o continente.

O avião aparece oficialmente no início do século XX e a tecnologia motora e

aerodinâmica se desenvolve muito no período entre guerras, época em que surge a

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aviação comercial e que diminui ainda mais a barreira do espaço e do tempo, em

termos de locomoção em longas distâncias. Assim a vida passa a ser organizada

com base nas novas possibilidades existentes e a nova percepção do tempo começa

a se demonstrar generalizada, possibilitando a convergência dos momentos:

O processo de convergência dos momentos corre paralelamente ao desenvolvimento das técnicas, sobretudo as técnicas da velocidade e da medida do tempo. A conquista da velocidade permite um deslocamento mais rápido das coisas, dos homens e das mensagens. (IBID, p. 159).

Grande parte dos processos que realizam a vida cotidiana se aceleram

levados pelo avanço das tecnologias. Um deles em especial inaugurou uma fase que

vem alterar diretamente, entre tantos outros derivados, a comunicação social. O

telégrafo permitiu, pela primeira vez na história da humanidade, a comunicação

instantânea entre pontos geograficamente distantes. Samuel Morse inova ao criar

um aparelho e que se comunica com outro ponto terminal através de um código

produzido para esse fim. Inicia-se aí a criação de redes que conectam pontos

através de cabos. O primeiro deles percorria 60 quilômetros entre a cidade de

Baltimore e a capital Washington, nos Estados Unidos e foi através dele que a

primeira mensagem oficial transmitida através de uma rede telemática aconteceu.

Depois disso, seguiram-se a invenção de outros meios de comunicação através de

redes, como o telefone, o rádio, a televisão e, finalmente, a internet, tópicos que

trataremos no próximo capítulo.

Atualmente, nos encontramos na fase do capitalismo tecnológico

informacional. A unicidade alcança o tempo e faz convergir os momentos. Não se

pode afirmar cegamente que o tempo, em si, se unifique, afinal, sua dimensão física

é complexa, mas o que ocorre é “possibilidade de conhecer instantaneamente

eventos longínquos” (SANTOS, 1997, p. 157). Ou seja, fatos que antes eram

restritos à localidade e ao tempo, ou que demoravam dias para serem relatados a

outras regiões, passam a ser instantaneamente e simultaneamente comunicados. A

convergência ocorre, pois, um momento que antes era enraizado no espaço e no

tempo em que se desencadeou, passa a ser acessíveis a todos que tenham

interesse.

A fronteira do espaço é rompida pela capacidade de transmissão de

informações em tempo real a distância. Exemplo que podemos desenvolver é a

transmissão para o mundo todo, ao vivo, em rede internacional de rádio, televisão e

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internet, de um evento que acontece em um ponto específico da superfície terrestre:

uma partida de futebol, ou um ataque terrorista. A fronteira do tempo é vencida pela

agilidade (praticamente instantânea) com que a informação consegue viajar, por sua

simultaneidade e multidirecionalidade:

O evento é uma manifestação corpórea do tempo histórico, algo como se a chamada flecha do tempo apontasse e pousasse num ponto dado da superfície da terra, povoando-o com um novo acontecer. Quando, no mesmo instante, outro ponto é atingido e podemos conhecer o acontecer que ali se instalou, então estamos presenciando uma convergência dos momentos e sua unicidade se estabelece através das técnicas atuais de comunicação (SANTOS, 1997, p. 157).

Na prática, hoje pode-se ter fácil acesso a informações de fontes distantes,

diversas. Com isso, cria-se a impressão e a sensação de que o mundo vive e

compartilha os mesmos momentos, apenas divididos pelos interesses de quem

consome a informação, além de utilizar o mesmo sistema técnico e de objetos,

estandardizando a vida em seus mais variados aspectos e utilizando o consumo e a

informação, respectivamente, como pilar e combustível. A esse processo, Santos

atribui o nome de “convergência de momentos”, isto é, momentos que antes eram

únicos e diversos, agora convergem para um mesmo, específico.

Ainda no exemplo da transmissão internacional ao vivo de eventos via

televisão, é importante pensar que antes disso se tornar uma realidade, as pessoas

necessariamente realizavam outras atividades, momentos individuais, únicos,

localizados no tempo e no espaço. Depois que as transmissões se iniciaram e a

televisão se popularizou, transportando imagens e áudios, milhões de espectadores

passaram a convergir seus momentos, através de um aparato técnico, para o ponto

onde o evento transmitido se realiza. Todos que assistem estão compartilhando um

mesmo momento, com uma nova percepção de tempo:

Hoje, a simultaneidade percebida não é apenas a que era trazida, no início do século, pelo telégrafo, pelo cabo submarino ou pelo telefone [...]. Hoje, as mensagens e os dados chegam aos escritórios e lares diretamente, praticamente sem intermediários. Trata-se, além disso, da transmissão imediata de imagens, realizada com a televisão. (IBID, p. 159)

É um período completamente novo no que diz respeito a percepção cognitiva

do tempo, pois “a informação ganhou a possibilidade de fluir instantaneamente,

comunicando a todos os lugares, sem nenhuma defasagem” (IBID, p. 158). Com

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isso, as empresas que produzem e transmitem as informações que alimentam o

sistema assumem papel estratégico na dinâmica da sociedade contemporânea. O

teor dos conteúdos veiculados pela mídia passam a exercer severa influência no

comportamento das massas. Essa alteração marca uma nova época histórica:

Durante milênios, a história do homem faz-se a partir de momentos divergentes, como uma soma de acontecimentos dispersos, disparatados, desconexos. Já a história do homem da nossa geração é aquela em que os momentos convergiram, o acontecer de cada lugar podendo ser imediatamente comunicado a qualquer outro, graças a esse domínio do tempo e do espaço à escala planetária. A instantaneidade da informação globalizada aproxima os lugares, torna possível uma tomada de conhecimento imediata de acontecimentos simultâneos e cria entre lugares e acontecimento uma relação unitária à escala do mundo. Hoje cada momento compreende, em todos os lugares, eventos que são interdependentes, incluídos em um mesmo sistema global de ralações. (IBID, p. 162)

Dessa maneira, passamos a organizar nossas relações, nossos fazeres

cotidiano, nossa vida em geral. A reformulação pela qual a sociedade tem passado

desconstrói a antiga noção de tempo que reinou absoluta e dá lugar a uma nova

dimensão, que é ubíqua, geral, global e, ao mesmo tempo, específica. Do modo

paralelo, de acordo com as ideias de Milton Santos, apresenta-se a unicidade do

Motor.

Por fim, passamos a dissertar sobre a unicidade do motor. A palavra “motor”

no contexto explorado por Santos não se refere a máquinas criadas pelo homem

para realizar trabalhos mecânicos, como motores à vapor, ou motores de

automóveis. O conceito aqui se refere aos modos como a sociedade globalizada

entende e valora os bens de consumo, as commodities, as informações, as

tecnologias. Seria o “motor” que gira as engrenagens da sociedade contemporânea,

que também passam a ser globais e não mais localizados no tempo e no espaço. Ou

seja, é outro tipo de unicidade percebida em nossa sociedade, que compartilha e

negocia globalmente valores sociais e econômicos. O conceito de mais-valia passa a

ser globalizado e utilizado pela grande maioria das nações. Santos diz que “agora,

tudo se mundializa: a produção, o produto, o dinheiro, o crédito, a dívida, o consumo,

a política e a cultura” (IBID, p. 162)

Em termos de produção, empresas multinacionais passam a levar seus

métodos, seus prazos e sua cultura para além das fronteiras de origem, o que obriga

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a nova localidade a se adaptar em função dos novos negócios a serem

desenvolvidos.

O produto acompanha a mesma lógica, devendo ser pensado para atender as

necessidades não apenas do local, mas de todo o planeta. Seu valor se aplica

internacionalmente e varia pouco, conforme os impostos de cada país.

O dinheiro talvez seja a maior expressão da unicidade do motor, passando a

ser balizado da mesma forma em todo o mundo e variando de valor conforme

especulações internacionais, simultâneas, instantâneas e conectadas. Fatos locais

derrubam ou elevam moedas em todo o mundo. Sua expressão se dá através de

créditos e dívidas, mas o objetivo universal do sistema, invariavelmente, é o lucro.

O consumo, já citado, é um denominador comum da sociedade globalizada. É

através dele que se considera uma nação saudável economicamente ou não.

Conscientemente ou não, é ele o grande objetivo do cidadão contemporâneo. O que

se busca é ter mais dinheiro para consumir mais e mais.

A política não fica fora do processo. Com a emergência de organização

internacionais, uma nação passa a ter influência política em outras, através dessas

organizações. Assim, a “comunidade internacional” está sempre sentinela para os

acontecimentos políticos de cada nação, pronta para intervir caso julgue necessário.

É óbvio (e notório) que interferências internacionais políticas geram conflitos e,

algumas vezes, confrontos, pois há divergências culturais não observadas

integralmente.

E a cultura, que recebe também uma forma internacional construída pela

soma dos diversos fatores internacionais que hoje se aplicam. Há uma nova forma

de compreender o mundo, que é universal, causada pela facilitação do intercâmbio

de pessoas, dados, informações, produtos, moedas, técnicas e tecnologias.

Todas os fenômenos citados são agora possíveis pois há modos viáveis e

surpreendentes de exercer o controle. É sabido que existem atores que estão em

posição privilegiada de controle, possuidores dos aparatos tecnológicos que

sustentam o processo de globalização e com grande capacidade de influência sobre

os rumos do processo.

De modo geral, o que se tem visto é a continuidade em uma direção que o

autor caracteriza como perversa em seu livro Por uma outra globalização, por

incentivar a competição larga escala, que gera excluídos. O poder econômico como

tônica das decisões:

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Tudo que serve à produção globalizada também serve à competitividade entre as empresas: processos técnicos, informacionais e organizativos, normas e desregulações, lugares. Tudo o que contribui para construir o processo de globalização, como ele atualmente se dá, também contribui para que a relação entre as empresas - e, por extensão, os países, as sociedades, os homens - esteja fundado numa guerra sem quartel. (IBID, p. 169)

É a guerra por espaço no mercado que ganha nova escala. Para Santos, a

mais-valia possui importante papel na organização da sociedade atual. Busca-se

aumentar seu valor relativo, acelerando a produtividade e reduzindo custos, não com

fins ecológicos, mas financeiros. Busca-se o aumento de demandas, para o aumento

de consumo. Busca-se mais a vantagem competitiva, e menos cooperação. O autor

arremata:

Como esta é a lei da produção e da circulação das firmas globais, a cada momento a maior mais-valia está buscando ultrapassar a si mesma. Suprema ironia: essa mais-valia tão fugaz não pode ser medida; e, ao mesmo tempo, se torna a principal alavanca, senão o motor unitário, das ações mais características da economia globalizada. (IBID, p. 169)

Essa característica vem a ser, juntamente com outras, uma das faces do

espaço social que se desenvolveu na superfície do planeta na última metade de

século que vivemos. Um meio que une as técnicas de produção, os objetos de alta

tecnologia, o conhecimento científico, e usa a informação como combustível.

1.2.3 O período técnico atual

Hoje é muito difícil conceber, mesmo em pensamento, um mundo – uma

realidade – diferente da que se apresenta, no que se refere aos modos de vida, dada

a profunda imersão no sistema que nos é imposta. É um jogo complexo com regras

criadas por poucos, sistematicamente protegidas e que nos oferece alternativas

limitadas de escolha, negligencia a criatividade e oprime o “anormal”, isto é, o

diverso.

O homem, assim como as demais espécies que habitam o Planeta, sempre

tiveram a disposição os recursos oferecidos pela natureza em seu meio natural.

Conforme já dito, tal disponibilidade permite escolhas, orientadas pela necessidade e

intencionalidade, geralmente buscando facilitar a vida. A humanidade retira do

ambiente natural coisas que lhe são úteis, transformando-as em objetos e

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desenvolvendo técnicas de uso. Ela normatiza e organiza o meio natural de uma

nova maneira, com formas de cultivo, caça, domesticação e criação de animais,

além de modificar as organizações sociais e, consequentemente, o espaço

geográfico:

A evolução que marca as etapas do processo de trabalho e das relações sociais marca, também, as mudanças verificadas no espaço geográfico, tanto morfologicamente, quanto do ponto de vista das funções e dos processos. É assim que as épocas se distinguem umas das outras. (SANTOS, 1997, p. 77)

Durante milênios, a tecnologia humana não foi muito além de objetos rústicos

e mecânicos. Conforme passou a dominar e entender melhor as leis físicas, as

reações químicas, a biologia, a matemática e outras ciências fundamentais, pode

sofisticar seus aparatos. O nível de domínio das técnicas chave de um período,

alinhada aos aparatos materiais de um tempo e espaço específico, possibilitam a

definição de épocas, conforme indica o autor.

Com revolução industrial, o advento do comércio e dos sistemas técnicos

mais complexos, acompanhados por sistemas de objetos igualmente sofisticados,

conhecemos um período que torna a questão técnica uma peça central no debate da

sociedade, um período e um meio técnico.

Sobre o meio técnico, Santos explica que “a razão do comércio, e não a razão

da natureza, é que preside à sua instalação. Em outras palavras, sua presença

torna-se crescentemente indiferente às condições preexistentes” (1997, p. 189).

Por não considerar as razões naturais, nesse período se inicia uma

degradação mais aguda da natureza, tanto pela extração de matérias primas, quanto

pelo surgimento dos poluentes residuais de indústrias, do próprio comércio e do

novo modo de vida do homem, cada vez mais urbano.

Mesmo assim, ainda os fluxos de informação eram restritos naquela época,

pois “os sistemas técnicos vigentes eram geograficamente circunscritos, de modo

que tanto seus efeitos estavam longe de ser generalizados, como a visão desses

efeitos era, igualmente, limitada” (SANTOS, 1997, p. 189).

Enfim, depois da segunda guerra mundial, acontece o advento daquilo que o

autor chama de meio “técnico-científico-informacional”. Uma união que tem a

informação como sua última aliada e “que se distingue dos anteriores pelo fato da

profunda interação da ciência e da técnica” (SANTOS, 1997, p. 190).

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A ciência, outrora residente das universidades e laboratórios, uma atividade

mais intelectual e acadêmica, passa a interagir mais com às técnicas de produção,

com a indústria e o comércio, adotando as regras do mercado.

Esse movimento não é instantâneo e nem total, mas observa-se a partir daí o

aumento das tecnologias embutidas nos objetos e a informação como parte

fundamental de suas concepções, que não apenas os compõem, mas também flui

entre eles, já que muito são conectados por redes telemáticas. Sobre isso, o autor

esclarece que:

A informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados

para facilitar a sua circulação (SANTOS, 1997, p. 191).

A criação desse novo meio modifica o espaço. A preservação da natureza fica

negligenciada e o planeta passa a sofrer ainda mais com a degradação ambiental.

Há o aumento da extração de recursos, levado pelo aumento da população mundial,

e das paisagens artificiais, urbanas ou industriais, que sobrepõem as paisagens

naturais, fenômeno que Santos chama de “cientificização e tecnicização da

paisagem” (1997, p. 191).

Equipar os espaços significa torná-los capazes de abrigar pessoas, receber e

transmitir informações e os fluxos materiais e imateriais. Isto é, inseri-los na lógica

hegemônica do mercado globalizado, garantindo assim a realização dos processos

do período. Para que isso seja possível, há que se padronizar em nível global os

sistemas de objetos, sistemas de ações e sistemas técnicos.

Uma outra grande alteração que se constata neste período, é a interligação

total dos espaços e das localidades por redes. A redes dispostas de modo

geograficamente estratégico, permitem o fluxo das matérias, dos volumes físicos: as

rotas de cargas marítimas, as rodovias, estradas, ferrovias, o tráfego aéreo. Mesmo

as ruas e avenidas, ou o metrô de uma cidade podem ser assim consideradas. São

linhas formando uma rede entre diversos pontos.

E as mais recentes redes telemáticas, pelas quais circulam informações,

dados, energia elétrica, que possibilitam a comunicação através de diferentes

tecnologias: a telefonia, o rádio, a televisão, a internet. Tudo viaja pelos cabos

submarinos intercontinentais, pelas redes de fibra óptica, pelas ondas de satélites e

antenas.

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O funcionamento e a saúde do atual período dependem profundamente das

condições da fluidez que as redes proporcionam. Com isso, os mercados, além de

globais, são interdependentes. A distribuição geográfica das redes é peça-chave do

suporte técnico e tecnológico do processo de globalização e sua importância é

imensurável para a manutenção da vida cotidiana que hoje se leva.

1.2.4 As redes e o espaço geográfico

O conceito de rede é amplo e, em partes, abstrato. Seria aceitável dizer que

uma rede é a interligação de vários pontos por meio de algum tipo de uma linha

conectora, seja ela física ou abstrata. Santos diz que elas podem ser enquadradas

em duas grandes vertentes: “a que apenas considera o seu aspecto, sua realidade

material, e uma outra, onde é também levado em conta o dado social” (1997, p.

209). Um dicionário convencional dirá, que rede pode ser uma malha de fios, um

entrelaçamento têxtil regular, ou uma grade tecida por materiais que a possibilitem.

Para nosso trabalho, a conceituação de George (1970) em seu Dicionário da

Geografia é mais pertinente:

a) Polarização de pontos de atração e difusão, que é o caso das redes urbanas; b) projeção abstrata, que é o caso dos meridianos e paralelos na cartografia do globo; c) projeção concreta de linhas de relações e ligações, que é o caso das redes hidrográficas, das redes técnicas territoriais e, também das redes de telecomunicações hertzianas, apesar da ausência de linhas e com uma estrutura física limitada a nós. (GEORGE, 1970, p. 4 apud SANTOS, 1996, p. 209).

A limitação das estruturas físicas pontuada por P. George, que faz referência

a dificuldade de acesso às redes que algumas regiões enfrentavam da década

naquele tempo, foi muito reduzida (ou praticamente anulada) desde então, já que

não existem, hoje, centros urbanos fora da rede elétrica, da telefonia ou mesmo da

internet.

Nos períodos que antecederam os impérios e a industrialização, algumas

relações já se organizavam como redes, mas de forma isolada, localizada e numa

escala era imensamente menor.

As relações cotidianas eram restritas e minguadas, coerentes com os

mercados, comércios e estruturas organizacionais daqueles períodos. Como

escreveu Santos, “o tempo era vivido como um tempo lento” (1997, p.211). A fase

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dos impérios coloniais expande essa escala, mas não muito, adicionando novos

pontos com redes marítimas de navegação, criando e fortalecendo o mercado entre

nações e as relações diplomáticas, o tráfego de bens e de informações.

O evoluir das tecnologias, dos objetos e das técnicas sempre refletiu no

aumento do número de redes, bem como na expansão e modernização das já

existentes, ao passo que, a atualidade, no período técnico-científico-informacional,

elas são ubíquas e totalmente indispensáveis para a sustentação dos sistemas

técnicos, sociais, políticos e econômicos vigentes.

Falhas ou problemas nessas redes podem significar uma crise instantânea e

aguda no mercado de valores internacionais, com repercussões graves e rápidas em

todo o mundo. Podem significar também riscos sérios a integridade e segurança das

nações, pois existem informações sigilosas e estratégicas circulando o tempo todo,

considerando que “os suportes das redes encontram-se, agora, parcialmente no

território, nas forças naturais dominadas pelo homem (o espectro eletromagnético) e

parcialmente nas forças recentemente elaboradas pela inteligência e contidas nos

objetos técnicos” (SANTOS, 1997, p. 210), isto é, nos computadores e servidores

espalhados pelo globo, passíveis de invasões e fraudes.

E as redes hoje não alcançam apenas o mercado, a indústria, o comércio, a

mídia ou a política. Elas se impõem fortemente ao cotidiano das pessoas, junto com

seus objetos de suporte tecnológico. A internet (que passou a ser sinônimo de rede

para o senso comum) se tornou, em pouco tempo, um fortíssimo meio de

comunicação interpessoal e midiático, assumindo importância central em diversas

profissões, criando novas atividades e encerrando outras, por torná-las inviáveis e

antiquadas.

Temos exemplos naqueles que desenvolvem atividades intelectuais

(professores, advogados, escritores, estudante, contadores, entre outros), que

dificilmente redigem um trabalho manuscrito e o enviam pelo correio tradicional. Os

editores de texto digitais em computadores e o E-mail simplesmente engoliram tais

atividades, devido à sua praticidade. No meio artístico isso também aconteceu:

músicos, produtores, designers, artistas plásticos, entre outros, transferiram boa

parte de seus afazeres e processos para o computador e, também, para a internet.

Das profissões surgidas, o leque é grande: programadores, técnicos em informática,

técnicos em redes, engenheiros da computação, desenvolvedores, analistas,

profissionais da tecnologia da informação.

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Há ainda aplicações online alheias ao profissionalismo. O uso doméstico,

completamente repleto de valor social, que continua em constante crescimento. Isto

é, as relações sociais passam a acontecer, também, através de redes sociais digitais

em escala mundial, ampla e profunda.

Podemos dizer que o indivíduo contemporâneo sente-se pressionado – ou

fortemente induzido - a participar desse novo universo digital, sob pena de duras

consequências caso não o faça. Parte considerável do cotidiano acontece em tais

redes, fazendo-nos identificá-las ou entendê-las como um espaço. O ciberespaço.

Isso não só altera o espaço real, como propõe uma nova discussão. O tema das

redes será abordado também no próximo capítulo, com um foco comunicacional.

1.2.5 O cotidiano e sua relação com espaço

Importantes ideias debatidas por Santos encontram-se neste item, dando

corpo ao que o autor chama de dimensão espacial do cotidiano. Depois de diversos

tratamentos teóricos a assuntos particulares, o esforço se direciona a descrever o

modo como a vida cotidiana dos indivíduos se desenrola, atingidas pelos inúmeros

vetores que a influenciam, em percepções geográficas profundas e complexas, pelo

menos à primeira vista. Sobre o cotidiano, Milton diz que “esta categoria da

existência se presta a um tratamento geográfico do mundo vivido que leve em conta

as variáveis [...]: os objetos, as ações, a técnica, o tempo” (SANTOS, 1996, p. 252).

O cotidiano, objetivamente, é composto por uma série de ações que, ao

serem repetidas dia após dia, tornam-se uma rotina na vida das pessoas e

constroem a realidade de todos. Geralmente, o cotidiano do cidadão hodierno é

preenchido por ações comuns e que podem ser divididas em grandes grupos: o

trabalho/emprego, os estudos, o lazer, o ócio.

O frenesi estabelecido, principalmente nas metrópoles, que abrigam o maior

número de pessoas, impede muitas vezes o indivíduo de refletir sobre sua condição

cotidiana, ou de questionar a razão das coisas serem como são, e não de outro jeito.

Com isso, as relações e articulações sociais seguem acontecendo de acordo com os

anseios de cada um e de todos, mesmo que a comunicação em seu cerne, isto é, o

ato de tornar algo comum, siga negligenciada.

Neste ponto, assumindo a importância da comunicação para a construção da

realidade e dos espaços, o autor faz suas considerações sobre o tema: “Esse

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processo [a comunicação], no qual entram em jogo diversas interpretações do

existente, isto é, das situações objetivas, resulta de uma verdadeira negociação

social, de que participam preocupações pragmáticas e valores simbólicos”

(SANTOS, 1997, p. 253).

De fato, estamos mais servidos de informação, pois o sistema de objetos do

qual dispomos e que utilizamos possui esse compromisso intencional de nos

entregar a informação e solicitar uma resposta. Contudo, isso não significa

necessariamente de que as populações em geral estejam se comunicando melhor,

tornando-se mais esclarecidas, mais lúcidas e críticas. Não por incapacidade, mas

pela extrema complexidade que abarca a dimensão do real e do essencial.

Santos coloca que “a localidade se opõe à globalidade, mas também se

confunde com ela. O Mundo, todavia, é nosso estranho” (1997, p. 258). O cotidiano

do período técnico-científico-informacional, projetado e projetor do espaço,

representa o entrelaçamento sistêmico dos objetos técnicos, do sistema de ações,

do sistema técnico unificado, a onipresença das redes e do tempo acelerado.

Contudo, há ainda lugar para aquilo que não está programado, que é surpreendente

e é inesperado, já que o homem não é escravo de sua natureza e pode, sempre,

escolher caminhos diferentes, seja por necessidade ou por criatividade:

O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações de espontaneidade e criatividade. (SANTOS, 1996, p. 258).

Mesmo assim, as normas estruturantes da sociedade vêm de cima, e com a

globalização, elas deixam de ter um território e passam a ser globais, pois todo o

sistema deve servir aos interesses hegemônicos do centro. O espaço local fica em

desvantagem e suas lógicas praticamente se tornam inviáveis. Talvez seja essa

umas das razões paras os grandes êxodos rurais, o aumento das cidades em busca

de uma vida diferente, mais alinhada com as regras contemporâneas.

O novo status assumido pela comunicação e pela informação traz consigo um

debate sobre as noções e dimensões espaciais desse período, como ponto

estratégico de suas causas. Não fosse a capacidade de comunicação horizontal

oferecida pela internet, multidirecional e descentralizada, talvez nossa percepção do

espaço e do tempo não tivesse se alterado tanto:

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Com o papel que a informação e a comunicação alcançaram em todos os aspectos da vida social, o cotidiano de todas as pessoas assim se enriquece de novas dimensões. Entre elas, ganha relevo a sua dimensão espacial, ao mesmo tempo em que esse cotidiano enriquecido se impõe como uma espécie de quinta dimensão do espaço banal, o espaço dos geógrafos. (SANTOS, 1997, p. 257).

É dessa forma que seguimos agora um caminho de duas lógicas. Uma mais

antiga, a local, que nos influencia segundo a realidade localizada no tempo e no

território. A outra, recente, é a lógica global, que nos atinge através dos meios de

comunicação e passa a exercer cada vez mais influência sobre nosso entendimento

da realidade.

Na conclusão do livro A Natureza do Espaço, Santos faz um comparativo

entre a ordem que impera no sistema a nível global e como isso é percebido ou

sentido pelas localidades territoriais. Em sua primeira afirmação, o autor diz que o

anseio da ordem global é impor uma racionalidade padrão, mas que as localidades,

mesmo adotando parte dessa imposição, reagem de acordo com suas próprias

racionalidades ao estímulo (SANTOS, 1997).

Isso, de fato, pode ser percebido quando vemos que, mesmo com a unicidade

técnica, as localidades, em diferentes níveis, mantém parte de seus costumes,

expressam parte de sua cultura e de suas particularidades. Em cada uma das

diferentes localidades, a junção da ordem global com a ordem local cria um lugar

diferente, um espaço único.

Santos também conclui que “a razão universal é organizacional, a razão local

é orgânica. No primeiro caso, prima a informação que, aliás, é sinônimo de

organização. No segundo caso, prima a comunicação” (SANTOS, 1997, p. 272).

Esta citação é particularmente interessante por fazer essa oposição entre o global

que informa e o local que comunica. De fato, ao pensarmos em grande escala, o que

se pode fazer é informar, já que o sentido é único e não se considera as condições

do interlocutor. Já a nível local, a comunicação se dá, pois, os interlocutores

compartilham o tempo e o território, há uma troca e uma transformação dos atores.

Outra grande disparidade está nas escalas utilizadas entre essas ordens,

como Santos coloca, na ordem global o cotidiano é submisso, está num nível abaixo,

de modo que deve encontrar meios de se adaptar. Já a ordem local se organiza no

próprio cotidiano, nas relações ordinárias do dia a dia, no espírito de comunidade,

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proximidade, confiança e vizinhança. Ela entende e conserva seu território, enquanto

o que é global sequer possui um território.

Por fim, mesmo construindo a impressão de rivalidade e considerando

abertamente a oposição, Santos diz que “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de

uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente” (SANTOS, 1997,

p. 273). Isso reforça a percepção de que, verdadeiramente, a ordem global não é

capaz de cobrir totalmente a ordem local, de substituí-la completamente. O que

acontece é a coexistência dialética, solidária e contraditória, que cria o espaço

geográfico.

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Capítulo II – COMUNICAÇÃO SOCIAL CONTEMPORÂNEA:

REDES E SISTEMAS DIGITAIS

2.1 Introdução do capítulo

A vida do homem comum mudou muito nas últimas décadas. Boa parte das

inserções tecnológicas acontecidas em nossa sociedade afetaram fortemente, entre

milhares de coisas, campo da comunicação social. A ampliação da internet, do

acesso à banda e aos dispositivos computacionais conectados (smartphones,

tabletes, computadores, entre outros), transferiu significantes processos da vida

cotidiana para o meio digital, que se estabelece a partir do momento em que há

inúmeros pontos terminais se conectando à uma mesma rede, material ou imaterial,

e comunicando-se entre si, com estabilidade e consistência e interessante liberdade.

Cria-se, assim, um denso tecido comunicacional pelo qual a informação, o

combustível do nosso período, flui rapidamente e multidirecionalmente.

A existência digital, tão presente e tão significativa na atualidade, nos oferece

uma nova interpretação para palavra espaço, como uma outra dimensão. A

discussão em torno do conceito é grande, na busca de expressar fielmente a

percepção que se tem, como se houvesse um novo lugar. Ao longo do texto, para

referirmo-nos à essa noção de ambiência digital, utilizaremos o termo “ciberespaço”

segundo visão de Lèvy:

O termo ciberespaço especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÈVY, 1999, p. 17).

Da mesma forma, utilizaremos o ocasionalmente o termo “cibercultura”,

segundo a visão desse mesmo autor, e trataremos deles com mais atenção adiante.

Os termos fazem referência a esse novo ambiente que permite a comunicação

interpessoal, horizontal e de massa, ao mesmo tempo. Também é um tipo de

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ambiente que estamos utilizando para guardar dados e arquivos digitais, capazes de

arquivar enormes quantidades de informações em pouquíssimo espaço físico.

O ciberespaço traz consigo uma maneira de pensar e entender o mundo que

já reconhece as novas possibilidades. Como que uma cultura conectada e habituada

com um cotidiano repleto de objetos eletrônicos digitais. Uma cibercultura. Isso se

aplica a forma de mandar mensagens, de se corresponder, se relacionar, estudar,

aprender, ensinar, e tantos outros verbos que acontecem - ou podem acontecer - no

espaço digitalizado. Basta perceber com mínima atenção como passamos a realizar

ações cotidianas através do computador.

Criamos em muito pouco tempo uma dependência extrema de um sistema

tecnológico, de modo que, em muito ambientes de trabalho, se porventura o sinal de

internet falha durante um período do dia, os funcionários são simplesmente

dispensados, pois não há o que se fazer fora da rede. É uma fase de comunicação

social digital e horizontal, que segmenta e organiza muito melhor os fluxos de

informação e favorece valores democráticos, quando comparada à fase anterior, na

qual os grandes conglomerados de informação detinham o monopólio sobre o

discurso. Naquela época, havia bem menos espaço para individualidades,

localidades, especificidades, principalmente na mídia de massa. O processo de

evolução tecnológica que se deu nas duas ou três últimas décadas foi tão rápido,

que por vezes nos sentimos “teletransportados” para um novo mundo com

tecnologias de alto nível e seguindo um caminho que se mostra ainda mais

promissor. É a incrível percepção de que estamos passando por um período que é

novo, com bruscas mudanças nos modos de vida, mas já com um pé no próximo,

sem mal termos nos acostumado com esse.

2.2 Tecnologia e Comunicação na Contemporaneidade

Há cerca de 20 ou 30 anos, para uma pessoa comum conseguir transmitir

uma informação que chegasse a um grupo numeroso de pessoas, dispunha-se de

algumas opções: um megafone ou um sistema de áudio, se pensarmos em pessoas

reunidas fisicamente, com as quais se pudesse falar; o texto escrito, impresso em

papel, copiado e espalhado fisicamente, em seus diversos formatos: livros, revistas,

artigos, estudos, pesquisas, relatórios, arquivos, tudo dependendo de uma existência

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material e um deslocamento físico. Os filmes em VHS, fitas sonoras e outros

aparatos correlatos também eram opção, mas com um nível de restrição

relativamente alto.

Para alguém que trabalhasse em empresas de telecomunicações ou de

imprensa, a tarefa poderia ser um pouco mais fácil. Um jornalista, um fotógrafo, um

redator, um apresentador conseguiria, com mais facilidade, atingir grupos maiores

de pessoas com suas produções, mas mesmo assim, algo nem sempre praticável. A

comunicação de massa passava por sua longa fase unidirecional e homogênea,

controlada por poucos e direcionada para muitos.

Para o contato interpessoal, entre duas pessoas apenas, já haviam os

aparelhos que persistem até hoje ou não. Basicamente, o telefone, o fax, a carta, o

telegrama, que consideram em sua lógica de aplicação a informação em duas vias:

ida e volta da mensagem entre os interlocutores. Ou seja, proporcionam sempre ao

outro o direito de resposta e estabelecem, assim, o processo de comunicar. Havia,

claro, a forma mais comum e natural da comunicação social: a pessoal, face a face,

mediada apenas pelas mensagens sonoras das palavras, pelos gestos, pelas

expressões e cognições naturalmente humanas. Assim, dentro das possibilidades

existentes, as pessoas realizavam suas vidas. Os modos de organização, de

entendimento, de percepção, de conexão e comunicação interpessoal, praticamente

tudo era analógico. Bem diferente do cenário atual, que se construiu em muito pouco

tempo e revolucionou a vida de toda a humanidade.

E qual é o cenário? A resposta, nem de longe, é simples. Castells (1996)

explica que, segundo o paleontólogo Stephen J. Goul, é uma característica da

história da evolução humana passar por longos períodos de estabilidade social, com

técnicas e modos de vida variando minimamente. Tais período são divididos por

intervalos relativamente rápidos de tempo nos quais importantes eventos de

mudança acontecem, ajudando a moldar a próxima época estável. Considerando tal

dinâmica, Castells percebe que:

No final do século XX vivemos um desse raros intervalos na história. Um intervalo cuja característica é a transformação da nossa “cultura material” pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da

informação. (CASTELLS, 1996, 67).

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Diversas outras revoluções na cultura material, técnica e social já foram

observadas e vividas durante a história, ao passo em que a ciência, a criatividade e

a engenhosidade humana aumentam e se estabelecem. Para cada uma delas, há

um fio condutor, um elemento-chave robusto que principia reações em cadeia. Se

pensarmos na energia elétrica, por exemplo, quando surgiu, mostrou-se mais

interessante para determinadas aplicações como a iluminação artificial de

ambientes, produção de calor ou mesmo na realização de trabalhos mecânicos,

superando fontes energéticas mais antigas como o vapor ou o próprio fogo.

No caso do atual período “técnico-científico-informacional” conforme

considerações de Santos (1997), o emergir da tecnologia da informação pode ser

considerada o elemento-chave, pois é em torno dele que a grande maioria dos

desdobramentos tem acontecido. As possibilidades de comunicação mediada por

computadores e dispositivos gera alteração nas mais diversas áreas da atuação

humana. O fazer e o existir do homem passam a ser, também, digitais. Isso se

reflete não apenas em sua vida individual, mas nas organizações e instituições que o

homem instaura:

Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema de geometria variável. (CASTELLS, 1996, p. 39)

A sociedade no último século passou por um profundo processo de

complexificação dos modos de vida. Muito disso ocorreu impulsionado pelo aumento

populacional no Planeta, que trouxe demandas de abastecimento e de serviços até

então inexistentes. Paralelamente, as duas grandes guerras, mas sobretudo a

segunda, motivou uma intensa busca por mecanismos computacionais e novos

modos de comunicação, que representavam imensa vantagem estratégica sobre os

inimigos. Os avanços foram notáveis. Os embriões tecnológicos de muitos dos

dispositivos e das redes de objetos que hoje temos à disposição podem ser

encontrados no período entre guerras e na imediata sequência da segunda guerra.

Para Castells (1996) a história das tecnologias da informação possui três

principais pontos de apoio que sustentaram as principais mudanças que culminaram

no atual período: a criação da microeletrônica, dos computadores e das redes de

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telecomunicação. A soma de, principalmente, esses elementos, resulta no modelo

de sociedade que aí está posto, surpreendente e intrigante:

As tecnologias digitais e a comunicação mediada por computadores têm tido, certamente, um papel de protagonista neste novo mundo que se convulsiona e desenvolve em uma espécie de revolução digital que nos coloca diante de objetivos muito complexos [...] (GONZALEZ, 2012, p. 52)

Lançando olhar mais específico, trataremos de cada um dos citados pontos

que nos parecem ser os principais sustentadores do período técnico-científico-

informacional, já almejando uma proximidade entre as ideias de Santos (1997) e as

expressões que se referem aos fenômenos comunicacionais contemporâneos.

Antes disso, contudo, acreditamos ser importante entender um pouco sobre a

parte técnica dos aparelhos que dão sustentação as redes e que utilizamos para nos

conectarmos a elas: os dispositivos computacionais. A evolução das tecnologias

eletrônicas diminuiu gradativamente o tamanho dos aparelhos, fazendo surgia a

microeletrônica. Nesse campo, o destaque vai para aquele que, até hoje, é o menor

componente de um computador: o transistor. Relativamente simples se observado

isoladamente, possui uma função igualmente simples: ele interrompe ou amplifica

uma corrente elétrica. Contudo, quando combinados em circuitos integrados, em

grandes números, são capazes de computar praticamente qualquer coisa. Por isso,

podemos atribuir à sua invenção, em 1947, feita pela empresa Bell Laboratories em

Nova Jersey (CASTELLS, 1997), o ponto inicial de uma severa alteração nos

sistemas eletrônicos. A capacidade de computar dados utilizando um código binário

tornou possível a digitalização e o processamento automatizado de informações.

Hoje, dificilmente se encontra um dispositivo computacional que não

contenha, ao menos, algumas centenas de milhares de transistores. Seu baixíssimo

custo é outro motivo para sua enorme aplicação, de modo que grande parte dos

produtos considerados eletroeletrônicos atuais tiveram seus circuitos

eletromecânicos substituídos por microprocessadores computacionais contendo

milhões de transistores, com programação específica para a realização de

determinadas funções. Não é difícil encontrar exemplos: um aparelho antigo de ar

condicionado, que funcionava com o acionamento “físico” de botões, isto é, girar ou

pressionar alguns deles, hoje oferece uma interação digitalizada. A temperatura não

é mais ajustada por um potenciômetro mecânico, mas por um comando digital

codificado. Geralmente, ainda pode ser programado para ligar, desligar, mudar de

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função, e tantas outras aplicações que variam entre modelos. Agora pense em tudo

mais ao redor que se transformou e funciona seguindo esta lógica.

McLuhan (1964) relatou que as áreas sociais que recebem a inserção de uma

nova tecnologia, à princípio não sentem o efeito, ficam como que anestesiadas. O

reconhecimento da mudança acontece devagar. No caso da eletrônica não foi

diferente: “apesar da importância do transistor, nos primeiros instantes de seu

desenvolvimento não se percebeu o impacto que o novo dispositivo causaria na

indústria eletrônica”. Claro que, apenas os transistores desorganizados não

explicitavam todas as suas possibilidades de aplicação. Foi somente na década de

1970 que a empresa Intel Corporation desenvolveu e nomeou o revolucionário

microprocessador: um conjunto de transistores dispostos de forma lógica, criando

uma unidade de processamento em um chip.

Mehl afirma que “o que torna o microprocessador interessante é justamente

sua capacidade de ser programável”. Castells afirma que nesse ponto “começava a

disputa pela capacidade de integração cada vez maior dos circuitos contidos em

apenas um chip”. (1996, p.77). Com circuitos mais poderosos cada vez menores, foi

possível aumentar a quantidade de transístores dentro de um único chip, e esse

crescimento é expressivo. Castells conta que, “enquanto que em 1971 cabiam 2.300

transístores em um chip, do tamanho da cabeça de uma tachinha, em 1993 cabiam

35 milhões” (1996, p. 78). Até então, os computadores tinham tamanhos

monumentais e capacidade de processamento irrisórias.

As variadas aplicações e a evolução dos microprocessadores, tornaram

possível o desenvolvimento da computação pessoal que hoje conhecemos, sendo

esta outra coluna de sustentação da atual revolução nas tecnologias da informação.

Os computadores com microprocessadores rapidamente exerceram fascínio sobre a

sociedade, devido as inúmeras possibilidades de aplicação a que se prestam.

Mesmo suas primeiras versões, que não ofereciam métodos tão amigáveis de

interação com o homem, não foram rejeitadas, isto é, havia demanda comercial

interessada em adquirir as novas máquinas. Foi nessa época que grandes empresas

de computação pessoal e tecnologia começaram a surgir, como as mundialmente

conhecidas Apple e Microsoft.

A ampla aceitação e a constante evolução das tecnologias computacionais

criaram novas faces da sociedade, novas formas de pensar. Abriu-se caminho para

a cunhagem e popularização de termos como “cibercultura” ou “tecnocultura”, ainda

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muito discutidos, mas que, no geral fazem referência a uma cultura humana

cibernética, fortemente ligada à existência digital. Essa busca por novos termos, a

fim de explicar, definir e descrever fielmente os fenômenos sociais inéditos, está

sempre em curso. É fato que um conjunto grande de novas palavras foi inserido no

cotidiano, relativas à essa nova “cultura”. A transformação foi mesmo enorme:

No transcorrer do século XX, diferentes aspectos foram estruturando a sociedade contemporânea, complexificando-a, sendo que a partir dos anos de 1950, os recursos sociotécnicos provenientes da tecnocultura e motivadores da atual cibercultura passaram a ser o centro desse processo e, assim, a denotar características que até então não se mostravam evidentes. (SCHWINGEL, 2004, p. 43)

O tema cibercultura será abordado mais adiante, mantendo o foco aqui na

base tecnológica que transformou a sociedade. Os objetos característicos do nosso

tempo possuem sério compromisso com a informação e a comunicação. São

elementos que estão na base lógica de suas concepções. A utilidade de um

dispositivo tecnológico está muito ligada à sua capacidade de se conectar às redes e

a outros dispositivos. Também a capacidade de receber, processar e transmitir

dados digitalizados. São máquinas computacionais que se comunicam entre si e

permitem ao homem também fazê-lo, num fluxo de informações automatizadas,

programadas e codificadas que é enorme, contínuo, crescente e globalmente

generalizado:

A tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia elétrica foram para as revoluções industriais sucessivas, do motor a vapor à eletricidade, aos combustíveis fósseis e até mesmo à energia nuclear, visto que a geração e distribuição de energia foi o elemento principal na base da sociedade industrial. (CASTELLS, 1996, p. 68).

Assim sendo, a nova base tecnológica traz ao cidadão comum hodierno uma

proposta de uso que é comunicativa. Para fazer parte desse novo ambiente digital, é

preciso se comunicar. Para não ficarem excluídas, as pessoas aderem ao uso de

dispositivos e assumem um papel ativo na comunicação. Passam a expressar

opiniões através das redes, a trocar conteúdos, a participar de grupos, as chamadas

“comunidades virtuais”, consumir informação e propagá-la. Conectam-se à internet e

passam a ter uma existência virtual.

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Inevitavelmente, a popularização das tecnologias computacionais conectadas

à uma rede, as chamadas tecnologias da informação, atinge em cheio os meios de

comunicação tradicionais no final do século XX. Constata-se que “a virada do século

coincide com a passagem da comunicação centralizada, vertical e unidirecional, [...]

as possibilidades trazidas pelo avanço técnico das telecomunicações, relativas à

interatividade e ao multimidialismo. (SODRÉ, 2002, p. 11). São possibilidades

inéditas, em escalas inéditas e que perceptivelmente estão alterando os modos de

vida no mundo todo.

2.2.2 Interface e usabilidade

Quando as tecnologias computacionais começaram a evoluir e ganhar

destaque no mundo científico, nas décadas de 1940 e 1950, ainda não haviam

formas amigáveis de interação entre o homem e a máquina, no que diz respeito a

facilidade de interação e de comando. Assim, realizar uma programação ou coletar

dados era um trabalho extremamente técnico e dificultoso, por mais simples que

seus resultados pudessem ser. Cabia aos especialistas e desenvolvedores da época

realizar esta tarefa. Johnson (2001) conta que, naquela época, "a língua franca da

computação moderna fora até então uma mistura desnorteante e obscura de código

binário e comandos abreviados" (p. 16). No final da década de 1960, então, surge o

vislumbre daquilo que mudaria a relação dos seres humanos com as máquinas.

Doug Engelbart apresenta ema proposta de interface gráfica ao usuário, a GUI

(graphic user interface), com uma série de metáforas ilustrativas intermediando as

ações e reações entre a máquina e o usuário. Johnson afirma que "Engelbart teve

uma carreira notavelmente eclética e visionária, mas por essa única demonstração já

merece sua reputação de pai da interface contemporânea" (2001, p. 17).

Nomes seminais para as tecnologias da informação despontavam naquela

época, como John Von Neumann e seus esforços no campo da inteligência artificial,

arquitetando os elementos do computador com base no cérebro humano, modelo

que perdura hegemônico até hoje; ou um importante influenciador daquele período:

Vannevar Bush, autor do célebre artigo "As We May Think" (Como podemos

pensar)1 na revista The Atlantic Monthly, descrevendo uma proposta de tornar mais

1 Tradução livre do autor.

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acessível as informações e os conhecimentos obtidos pela ciência. Há ainda nomes

como Claude Shannon, responsável pela teoria matemática da comunicação, isto é,

uma ideia de codificação de informações segundo uma lógica matemática aplicado a

circuitos elétricos, algo que se observa atualmente e que deu origem ao conceito de

"bit"; ou mesmo Alan Turing, que apesar de ter trabalhado sob sigilo durante anos,

conseguiu desenvolver uma máquina computacional capaz de decodificar

mensagens, algo que representou imensa vantagem estratégica no período da

segunda guerra mundial (ISAACSON, 2014). A lista de inventores, cientistas e

pesquisadores que contribuíram para a criação do conjunto de elementos que hoje

são presentes na vida da maioria das pessoas é enorme, demonstrando que

diversas mentes foram importantes no processo geral.

Quando falamos no avanço das tecnologias, pensamos muito no avanço

observável nos elementos físicos dos equipamentos, os hardwares. No entanto,

essa é a parte que passa mais desapercebida quando um indivíduo leigo utiliza o

objeto. Não é sua existência material que exerce a principal atração ou que prende a

atenção dos usuários, mas sim aquilo que se realiza no programa e que se observa

nos outputs e inputs do sistema. Por outputs consideramos aquilo que o objeto

entrega à pessoa: um áudio, uma imagem que forma um texto, uma mensagem, um

vídeo, uma fotografia, isto é, aquilo que já foi devidamente processado por meio de

códigos e que chega do modo inteligível ao usuário. Já os inputs são as formas

pelas quais conseguimos inserir dados e comandos nos dispositivos: teclados,

microfones, câmeras fotográficas, entre outros sensores, que apresentam esses

dados codificados ao sistema.

Para que tudo isso funcione de acordo com a proposta, há um programa

agindo em conjunto, um software, não menos complexo que a tecnologia física em

termos de desenvolvimento, mas que trabalha para sustentar e possibilitar a relação

entre a pessoa e o dispositivo. Existem milhões de programas com diferentes tipos,

para diferentes funções, mas quase sempre eles têm algo em comum, um atributo

essencial e completamente indispensável nos dias de hoje. Estamos nos referindo a

uma interface gráfica:

Em seu sentido mais simples, a palavra se refere a softwares que dão forma à interação entre usuário e computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível para a outra. Em outras palavras, a relação governada pela interface é uma relação semântica,

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caracterizada por significado e expressão, não por força física. (JOHNSON, 2001, p. 17).

Em seu livro chamado "Cultura da Interface" (2001), Johnson se esforça para

demonstrar como o contato com as interfaces é fundamental para a manutenção da

sociedade moderna, como isso mudou nossas vidas, ao ponto de tornar-se uma

nova cultura. A importância da interface para o processo de ascensão da era digital

pode ter sido negligenciada no âmbito das discussões sobre o tema, mas seu

desenvolvimento, sobretudo dos modelos gráficos, é profundamente responsável

pela severa apropriação tecnológica de pessoas não especialistas sobre os meios

de comunicação digital. Engelbart introduziu uma nova maneira de lidar com os

dados digitais, deixando de lado as linhas de códigos e comandos para uma

representação gráfica que se mostrou bem mais compatível com a cognição

humana. Em outras palavras, o usuário do computador não precisaria mais entender

os mesmos códigos que o computador entende, mas poderia apenas demonstrar

sua intenção dentro daquela interface, seja através do teclado ou apontando algo na

tela com o (então novíssimo) mouse.

Ao arrastar um ícone de um lugar para o outro dentro de uma interface

gráfica, por exemplo, o usuário está aplicando seu referencial espacial real de

interação com o ambiente, “pegando” um objeto de um lugar e colocando-o em

outro. Assim, consegue executar esse ato sem grandes dificuldades, pois ele faz

sentido cognitivo. O trabalho da interface é entender esse comando, traduzi-lo e

transmiti-lo codificado à máquina, onde a alteração é processada e gravada. Se esse

mesmo processo precisasse ser feito sem a mediação de uma interface gráfica,

pouquíssimas pessoas teriam capacidade técnica para realizá-lo, pois seriam linhas

de comando codificadas ao invés de imagens. Códigos fazem menos sentido diante

do conjunto de habilidade cognitivas humanas. Johnson explica que:

Os seres humanos pensam através de palavras, conceitos, imagens, sons, associações. Um computador que nada faça além de manipular sequências de zeros e uns não passa de uma máquina de somar excepcionalmente ineficiente. Para que a mágica da revolução digital ocorra, um computador deve também representar-se a si mesmo ao usuário, numa linguagem que este compreenda. (JOHNSON, 2001, p. 17).

Evidentemente que as primeiras propostas de interface gráfica eram

radicalmente inferiores ao que hoje se apresenta, mas o fio condutor da ideia se

manteve: a utilização de metáforas espaciais. Não é mais preciso dar um comando

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para a exclusão de um arquivo, basta “jogá-lo” na lixeira, isto é, uma representação

metafórica de um ato que existe fora do ambiente digital e que, inclusive, ajuda a

criar a ilusão de ambiência digital, mas que, em verdade, se realiza em códigos

ininteligíveis dentro do computador. Assim são as demais formas de organização e

de interação através de interfaces: abrimos janelas que nos levam a um programa,

deixamos uma pasta na área de trabalho, ou dentro de alguma outra pasta que,

além do nome também assume a aparência de uma pasta física.

Há, portanto, duas importantes características na base da revolução

tecnológica digital, especialmente pertinentes para o presente trabalho. Primeira: a

íntima relação dos processos de comunicação com as práticas digitais, considerando

que a aplicação de um sistema de interface gráfica nada mais é do que um brilhante

processo de tradução e comunicação entre linguagens totalmente diferentes, que faz

com eficácia singular máquina e ser humano se entenderem e produzirem, juntos,

inúmeros trabalhos. Segunda: a referência espacial recorrentemente adotada para

desenvolver as representações gráficas dos comandos em uma interface,

levantando novamente a importância da noção de espaço para as atividades

humanas.

Mesmo assim, a junção das interfaces gráficas amigáveis ao usuário leigo e

dos microprocessadores cada vez mais poderosos não seria suficiente para produzir

os efeitos que revolucionaram a sociedade e atribuíram o status de “era de

informação” ao nosso momento histórico. Também foi preciso que tudo isso

estivesse conectado, em uma mesma rede, que também emergia no borbulhante

cenário pós-guerra.

2.2.3 Redes de telecomunicações

Um exercício interessante para iniciar o tema das redes de telecomunicações

é o esforço de imaginar uma existência humana atual que não esteja ampla e

profundamente conectada por redes. Para os que nasceram antes da década de

1990, restam memórias do tempo em que não havia telefonia móvel, ou internet.

Mesmo assim, já haviam muitas redes de telecomunicações, como o rádio, a

televisão, ou o telefone fixo. Para aqueles que nasceram depois desse período,

conceber o modo de vida antigo pode ser mais difícil, pois muitos provavelmente já

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tiveram uma formação educacional e pessoal que utilizasse ou permeasse a

computação, os dispositivos e a internet. Mesmo com acesso restrito, o assunto era

bastante comentado, sobretudo dentro das escolas. Aos que estão nascendo mais

recentemente, digamos, depois de 2010, fica difícil dizer como estará este cenário

daqui 5 ou 10 anos, dada a evolução tecnológica rápida e constante. Fato é que a

vida de hoje se realiza em grande parte por meio das redes de telecomunicações

estabelecidas em todo o planeta. Desde os mais elaborados e complexos sistemas

financeiros globais aos mais simples atos, como enviar uma mensagem de texto

para um amigo. Sem a capacidade de conexão veloz2 oferecida sobretudo pela

internet, e sem a horizontalização da comunicação social que ela proporcionou, o

cotidiano das cidades seria completamente diferente, mesmo que se tivesse à

disposição os mesmos equipamentos. Sem as redes de telecomunicações, eles

perderiam boa parte de suas funções e a organização da sociedade seria outra.

Esse pensamento vai ao encontro das constatações de Castells (1999) que

também enxerga na década de 1990 um período de grande difusão da computação

e implementação mais severa da rede - a internet. Para ele, é a partir daí que se

observa a inserção dos respectivos aparelhos especializados que se comunicam

entre si - não apenas os computadores, mas também dispositivos móveis diversos -

nos mais diferentes âmbitos da vida social: no trabalho, nas casas, nas escolas, em

locais públicos ou em qualquer outro lugar, ligados ou capazes de se ligar a uma ou

mais redes.

Fica claro então que, a capacidade dos computadores e demais dispositivos

de estabelecer uma comunicação lógica entre si por intermédio da rede, de estarem

conectados, de forma automatizada ou não, é tão importante quanto sua capacidade

de processar dados. A percepção de Castells evidencia a ampla aceitação que

ocorreu durante e após a última década do século passado, resultado de um

conjunto de fatores (evolução da base tecnológica, das interfaces amigáveis, do

acesso à rede, o valor mais acessível, as possibilidades de aplicação) que

transformou as tecnologias digitais da informação em uma verdadeira febre, no

sentido de contagiar um grande número de pessoas de forma epidêmica. A diferença

é que essa "epidemia" nunca mais retrocedeu, pelo contrário, aumentou muito e

2 O termo “veloz” aqui não faz referência à pacotes de velocidade comercializados por empresas provedoras do

serviço de internet. Ele expressa uma comparação com os meios de comunicação antes do surgimento da internet, que eram consideravelmente mais restritos.

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continua nesse rumo. Junto com ela, os novos modelos de vida que agora impõem a

necessidade de uma existência virtual aos indivíduos.

Considerando que a "existência virtual do indivíduo" significa fazer-se

presente na internet através de uma disponibilidade comunicacional, como um

endereço de E-mail, um perfil em mídias sociais, entre outras, verifica-se que sua

presença virtual se realiza perante os demais quando ele (o indivíduo), de alguma

forma, se comunica na rede. No ambiente digital, "existir" e "comunicar" parecem ser

duas faces da mesma moeda. Wonton (2006) assegura que, hoje em dia, as

pessoas não aceitariam mais viver em uma sociedade hierarquizada e que não

garantisse o direito de livre expressão. Ele fala do irreversível processo de

apropriação da palavra pelo cidadão, a possibilidade de expressar publicamente

suas opiniões que somente foi alcançável com a expansão das redes de

telecomunicação e as redes de dados, sobretudo a internet, tanto conceitualmente

quanto estruturalmente. Não queremos aqui colocar a telefonia fixa ou móvel, os

sistemas de rádio e televisão e a internet em nível de igualdade no que diz respeito a

sua base tecnológica e seus efeitos sobre a sociedade. A semelhança que se

explora é a criação e implementação de redes que sustentam um ou mais meios de

comunicação, interpessoal e entre máquinas. São diferentes tecnologias, diferentes

aparelhos, diferentes estímulos, mas com aplicações e percepções semelhantes.

Tanto é que, ocasionalmente, um meio substitui o outro nas atividades humanas,

quando há uma falha em algum deles.

Assim, as percepções de Castells (1999) quanto a profunda inserção de

tecnologias da informação na vida cotidiana, a apropriação da palavra e do direito de

expressão apontado por Wolton poucos anos depois, são aspectos de um

movimento de social generalizado e abrangente que realizou-se, evidentemente, por

meio das redes telemáticas, materiais ou imateriais, que costuram o globo e

possibilitam a comunicação.

Basicamente, a estrutura física de uma rede de transmissão de dados, como

a internet, se constrói em volta de grandes servidores, geralmente

supercomputadores que permitem determinada quantidade de acessos por pontos

terminais, utilizando protocolos de Internet internacionalmente aceitos. Os dados

fluem por uma vastíssima rede de cabos que interligam cidades, países e

continentes, além do grande número de antenas e satélites que também transmitem

dados por redes imateriais, verdadeiras “autoestradas” de informação.

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Todas essas relações entre estruturas tecnológicas passaram a ficar mais

clara após a criação da Web (world wide web) que ofereceu ao usuário um sistema

mais fácil de organização e busca de dados (Castells, 1999). Sobre a Web, o autor

conta seus criadores, um grupo de pesquisa liderado por Tim Beners Lee, tiveram

referência da cultura hacker dos anos 70. Além disso:

Basearam-se parcialmente no trabalho de Ted Nelson que, em seu panfleto de 1974, “Computer Lib”, convocava o povo a usar o poder dos computadores em benefício próprio. Nelson imaginou um novo sistema de organizar informações que batizou de “hipertexto”, fundamentado em remissões horizontais. A essa ideia pioneira, Berners Lee e seus colegas acrescentaram as novas tecnologias adaptadas do mundo da multimídia para oferecer uma linguagem audiovisual do aplicativo. (CASTELLS, 1999, p. 88)

A Web trouxe aos não especialista a possibilidade de atuarem ativamente na

rede. A soma de todas as evoluções tecnológicas concomitantes e complementares

deram à luz a uma sociedade multiconectada, com redes ubíquas. Um período

dinâmico representado principalmente pela figura do computador no qual a

informação e o conhecimento são fatores determinantes dos processos em rede.

Podemos afirmar que as redes técnicas de telecomunicação são a espinha dorsal da

vida contemporânea. Santos afirma que “mediante as redes, há uma criação paralela

e eficaz da ordem e da desordem no território, já que as redes integram e

desintegram, destroem velhos recortes espaciais e criam outros”. (1997, p. 222). A

saúde e estabilidade dessas redes significam a saúde e estabilidade de

praticamente todos os sistemas que delas usufruem ou mesmo que somente nela

existem, como já foi dito anteriormente. Por estarem em praticamente todos os

lugares, sua existência é um híbrido que une conceitos aparentemente antônimos e

ofusca a percepção de sua natureza. Santos continua:

O fato de que a rede é global e local, una e múltipla, estável e dinâmica, faz com que sua realidade, vista num movimento de conjunto, revele a superposição de vários sistemas lógicos, a mistura de várias racionalidades cujo ajustamento, aliás, é presidido pelo mercado e pelo poder público, mas sobretudo, pela própria estrutura socioespacial. (SANTOS, 1999, p. 88)

Nesta citação, Santos demonstra as disparidades que as redes conseguem

abranger no mundo contemporâneo: se expressam localmente e globalmente, ao

mesmo tempo; ela é una por sua capacidade de aglutinação e por lidar com a

mesma base técnica e protocolar, mas também é múltipla por poder ser segmentada

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quando necessário; é estável por se apoiar em um robusto aparato tecnológico, ao

passo que é dinâmica e fluida, isto é, capaz de chegar nas menores reentrâncias da

sociedade. A superposição apontada se refere as diversas camadas tecnológicas

que se sobrepõem ao longo do tempo, criando um tecido comunicacional complexo

em sua forma de exercer o controle e o acesso, ao acionar os pontos fixos e

distribuir os devidos fluxos.

2.3 A comunicação social em rede

Analisar com mais detalhes os mecanismos e sistemas tecnológicos que

suportam modus operandi da vida contemporânea contribui para o debate da

comunicação social em rede e sistemas digitais. As novas técnicas de comunicação

em rede seus desdobramentos sociais: como isso tem alterado os costumes, a

cultura, os interesses, as referências simbólicas, os hábitos, a memória, os valores,

as normas que regem a sociedade. Sobretudo, porque comunicar pressupõe uma

relação e é justamente nesse ponto em que as maiores alterações podem ser

percebidas. As novas formas de comunicar desencadearam deferentes tipos relação

entre as pessoas, algumas delas radicais, outras nem tanto, mas que por vezes

passam despercebidas no decorrer cotidiano ou são ignoradas por aqueles que as

praticam.

Conforme aponta Sodré (2002), quando a comunicação social acontecia em

base oral ou escrita, os principais recursos disponíveis vinham da linguagem: a

palavra, o conceito. O livro e da imprensa eram os instrumentos adequados para as

circunstâncias. O autor, apoiado em Miège (1999), aponta primeiramente para o

tempo da imprensa de opinião, artesanal e específica em suas abordagens, com

tiragens restritas valorizando a manifestação de ideias e a existência local.

Antecessora da imprensa comercial, dimensionada ao período industrial/comercial e

moldada segundo suas lógicas. Nela se incluiu publicidade ao conteúdo. Evoluiu-se,

então, para a mídia de massa, possuidora de íntima relação com o marketing e com

a valorização do espetáculo em seus métodos de produção audiovisuais. Mais

recentemente, enfim, a comunicação generalizada, aquela permitida pela rede

mundial de computadores, pela sua abrangência, pela digitalização da vida,

momento atual que compartilhamos.

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Diversas foram as camadas tecnológicas que se depositaram sobre a

comunicação ao longo da história moderna. A invenção do rádio e da televisão que

fez emergir a noção do audiovisual. O computador e a internet, que permitiram criar

simulações virtuais de diversas experiências da vida analógica, além de práticas

totalmente inéditas. O olhar holístico sobre a evolução geral dos meios pelos quais a

comunicação aconteceu ou acontece permite perceber que a chegada de um novo

modelo principal não necessariamente desconsidera ou anula o anterior. Muitas

vezes eles se unem, ou simplesmente coexistem, fato que não exclui as alterações

sociais profundas que são exercidas. Se coexistem, os meios se relacionam e dão

origens a novos conceitos e práticas comunicacionais. Consideremos a citada

imprensa de opinião como exemplo: não podemos dizer que ela tenha

completamente deixado de existir, com seus traços artesanais e personalizados. Ela

pode ter mudado de forma, de base tecnológica, de meio e de linguagem, mas

encontram-se fragmentos de sua essência em práticas atuais, como o ato de

escrever um blog na internet, característico por conter opiniões críticas de seus

autores. E quanto a transmissão ao vivo de um programa televisivo? Prática

primeiramente possibilitada pelos aparatos característicos da mídia de massa, agora

pode também ser simultaneamente transmitido pela internet ou acessado

posteriormente por um internauta.

Em ambos os casos, os objetivos comunicacionais almejados são similares.

Tanto na imprensa de opinião, quanto no blog, há que se propor uma reflexão ao

leitor. Tanto na transmissão ao vivo pelo sistema televisivo, quanto pela internet,

busca-se informar os telespectadores em tempo real. Esses traços comuns são

evidências mais estáveis dos processos de comunicação. Por mais que os meios e

as tecnologias mudem, algumas características são mantidas. A grande alteração,

portanto, acontece na mediação da comunicação pela tecnologia. Essa alteração

tem sido objeto de estudo recente de muitos pesquisadores em todo o mundo e em

diversas áreas do saber. De acordo com Castells (2006):

A comunicação em rede transcende fronteiras, a sociedade em rede é global, é baseada em redes globais. Então, a sua lógica chega a países de todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia. (CASTELLS, 2006, p. 18).

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Quando falamos em comunicação em rede nos tempos atuais, estamos

falando basicamente da sociedade em rede, de globalização. Afinal, o que é esse

processo senão uma fluidez generalizada de informações e comandos? Um fluxo

frenético de dados que influencia severamente a vida das pessoas. O processo de

globalização certamente não existiria se não houvesse a conexão global por redes,

com destaque para a internet, que é uma delas. Os indivíduos transferem, cada vez

mais, seus diálogos, suas relações, suas fontes de informação, de lazer e trabalho,

para algum tipo de rede digital. Fazem isso por escolha, por sedução ou por se

sentirem profundamente induzidos, direta ou indiretamente. Pode não ser explícito,

mas alterar o meio de comunicação muda muita coisa, inclusive as noções de

espaço e tempo social.

Os desdobramentos são diversos. Podemos citar as perspectivas legais que

permeiam a vida em sociedade, como as questões de propriedade intelectual ou

pirataria de conteúdos tratadas por Lessig (2004), que analisa casos emblemáticos

como a manutenção de patentes farmacêuticas e o copyright. As reorganizações

econômicas da produção da informação e inovação, justiça, desenvolvimento social

e impactos sociais causados pela internet, explorados por Benkler (2006), derivadas

de algo que o autor chama de uma “mudança para um ambiente de comunicação

construído sobre processadores baratos com altas capacidades computacionais,

interconectados em uma rede impregnante”.

A organização em rede da sociedade revela um processo que Castells (2007)

chamou de comunicação de massa autocomandada:

Com a difusão da sociedade em rede, e com a expansão das redes de novas tecnologias de comunicação, dá-se uma explosão de redes horizontais de comunicação, bastante independentes do negócio dos media e dos governos, o que permite a emergência daquilo a que chamei comunicação de massa autocomandada. É comunicação de massas porque é difundida em toda a Internet, podendo potencialmente chegar a todo o planeta. É autocomandada porque geralmente é iniciada por indivíduos ou grupos, por eles próprios, sem a mediação do sistema de media. (CASTELLS, 2007, p. 24)

A comunicação, portanto, alcança outro nível de existência, que não é rasa

nem efêmera em suas consequências. Ela tem em si um desejo que extrapola as

técnicas e as tecnologias, apesar de se expressar por meio delas. Wolton já disse

que “a comunicação existe desde que os homens vivem em sociedade, isto é, desde

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sempre” (2006, p. 25), e assim sendo, há que se ter cautela ao caracterizar o atual

período. De fato, as tecnologias e as técnicas midiáticas, evoluíram

exponencialmente e as redes tornaram-se extensões indispensáveis da existência

social contemporânea. Não podemos, contudo, submeter a comunicação ao

fenômeno técnico. A comunicação plena é aquela que busca harmonizar a relação,

que é democrática e que conta com informações relevantes em vez de dados soltos,

desconexos. Cabestré (et al, 2013) diz que “[...] podemos inferir que a internet, como

nova expressão das tecnologias digitais, oferece uma série de dados. O processo de

converter esses dados em informação depende de seleção e interpretação. ” (p. 169).

Aplicando isso ao cotidiano da vida social, poderíamos afirmar que as pessoas

estejam se comunicando melhor por causa das redes digitais?

A resposta provável é sim, apesar de não haver dependência nessa relação e

de ser um processo que leva algum tempo. Ter acesso à uma ferramenta não

garante o uso ideal da mesma. É certo que aumento das possibilidades tecnológicas

e, sobretudo, do acesso à internet, fez com que a grande maioria das pessoas

recebesse mais estímulos, consumisse mais informações e expressasse mais

opiniões. Castells não tem dúvidas de que “a internet tem, assim, um papel

crescente, ao ser, simultaneamente, um meio de comunicação de massas e um

meio de comunicação interpessoal, constituindo-se como o elemento central no novo

sistema dos media. ” Vemos dois principais motivos: 1) o alcance da mensagem

aumentou em escala exponencial. Quem antes falava com a família e vizinhos,

agora pode utilizar as redes para falar com a cidade ou o mundo, dependendo da

relevância de sua informação; 2) o número de emissores também cresceu

exponencialmente. O receptor abandona sua posição de passividade ao ter em

mãos dispositivos que são mediadores da comunicação: uma chance de responder à

mensagem, de se expressar, de se tornar também um emissor.

O engendramento entre tecnologia, comunicação e redes digitais distribui pelo

globo uma mesma maneira de comunicar. O sistema de objetos que realiza a

mediação das comunicações é comum e segue lógicas que são semelhantes entre

si. Isso se reflete nos hábitos e aplica sobre culturas e sociedades locais uma lógica

de comportamento global. Cabestré (2013) observa que:

Os meios de comunicação, cada vez mais acessíveis e obedecendo uma nova lógica de produção de conteúdo em que os antigos emissores e receptores passam a ser denominados interagentes, subvertem mercados, fronteiras e possibilitam a

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hibridização cultural. Desta forma, a possibilidade de pensar globalmente e agir localmente reforça os movimentos de alteração da estrutura das sociedades. (CABESTRÉ, et al, 2013, p. 168).

O pensamento global passa a acontecer a partir do momento em que os

estímulos chegam de toda a parte do mundo e isso é percebido pelo indivíduo,

causando uma convergência de momentos e apresentando referências simbólicas

de culturais alheias, que simplesmente ultrapassam barreiras do espaço e do tempo.

“Ortiz (1999) destaca que o espaço agora é deslocalizado devido à flexibilidade

proporcionada pelas tecnologias digitais. ” (CABESTRÉ, et al, 2013, p. 167). Contudo, o

agir é mais local do que global, se comparado com o pensar, pois é uma expressão

que muitas vezes depende da materialidade. O sistema de objetos que realiza a

mediação das comunicações é padronizado, funcionando a partir de lógicas

semelhantes entre si, independente do território. Isso se reflete nos hábitos e aplica

sobre culturas e sobre as sociedades locais “camadas” de novos valores,

percepções, desejos e conhecimentos que tornam o comportamento do indivíduo

mais globalizado. Existe também (e cada vez mais) o agir no ciberespaço, que pode

ser tanto local quanto global, cujo boa parcela é representada por atividades

originárias do mundo físico que ganham versões digitalizadas. A capacidade de

simulação que o ambiente digital oferece tem sugado (as vezes por completo)

atividades analógicas para o digital, padronizando-as para gerar escala, algo que

parece satisfazer os usuários. O engendramento entre tecnologia, comunicação e

redes digitais está distribuindo pelo globo uma mesma maneira de agir. Esse agir,

necessariamente, é comunicativo. Cabestré (2013) observa que:

Os constantes processos de transformação de cunho social, político e econômico ocorridos no mundo contemporâneo têm alterado a estrutura das sociedades, imprimindo novos hábitos e valores que, por sua vez, focalizam a informação como bem simbólico, estratégico e imaterial. O resultado desse processo é o fenômeno de transição de uma sociedade baseada na indústria para uma sociedade que se embasa na informação como insumo essencial (CABESTRÉ, et al, 2013, p. 166).

O processo de interligação do planeta por redes de telecomunicação não

aconteceu por acaso. Tampouco a proliferação de objetos e dispositivos que se

conectam às redes. Esse sistema é a base material do famigerado processo de

globalização e é o que dá sustentação à face mais voraz do capitalismo,

internacionalizando não apenas capitais, mão de obra, produtos e serviços, mas

mercados inteiros, publicidade, consumo. As marcas globais nunca venderam e

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faturaram tanto como na atualidade, pois agora possuem entrada em mercados

inexplorados, controle sobre a comunicação que influencia diretamente a cultura

local, e acesso à bancos de dados gerados pelos próprios indivíduos, que

proporcionam uma assertividade incrível em termos de marketing e publicidade:

À medida que a globalização permitia que as trocas comerciais fossem ampliadas e transgredissem as barreiras cartográficas, abria espaço para a construção de um mundo cada vez mais hibridizado. O capitalismo, por sua vez, atravessa um surto de universalização e é impulsionado pelo uso de novas tecnologias, divisão transnacional do trabalho e mundialização dos mercados. (CABESTRÉ, et al, 2013, p. 167).

No entanto, apesar da comunicação em rede global permitir a entrada

desenfreada do capitalismo e o avanço da globalização, existe um movimento que

vem “de baixo”, isto é, daqueles que fazem o uso doméstico da rede, os indivíduos

comuns que utilizam a internet para os mais diversos fins. Um movimento com fortes

traços militantes, revolucionários e progressistas, que contrapõem os poderes

estabelecidos e se manifesta contra práticas abusivas ou repressivas de Estados ou

instituições. Esses movimentos são horizontais, orgânicos e descentralizados. É um

dos fenômenos mais interessantes e intrigantes da chamada “era digital” e que

parecem estar no início de sua existência histórica. Estamos nos referindo ao

ativismo digital, ou “ciberativismo”, um termo que busca definir a organização online

de ativistas e a mobilização de simpatizantes de causas diversas.

2.4 Persuasão e Mobilização nas Redes: o ativismo digital

Em dezembro de 2010, o tunisiano Mohammad Bouazizi teve sua pequena

banca de frutas e legumes confiscada pela polícia. Não era a primeira vez. Com uma

história sofrida, baixa qualidade de vida e cansado dos abusos de autoridades

corruptas, o jovem de 26 realizou um protesto extremo: ateou fogo ao próprio corpo

em frente ao prédio sede do governo. Um sacrifício brutal motivado pela insatisfação

e revolta que sentia da ditadura e da vida que levava à duras penas.

A população da Tunísia, que enfrentava um alto índice de desemprego, um

custo de vida desproporcional e uma enorme insatisfação com o governo, se

sensibilizou com a autoimolação do jovem. A atitude de Bouazizi é considerada o

ponto inicial do processo reconhecido como “Primavera Árabe”. A partir daí uma

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sequência incrível de acontecimentos se principiou, manifestações e mobilizações

em diversos países do mundo árabe, derrubando ditaduras e repercutindo no mundo

todo. As pessoas foram às ruas em protestos massivos, com objetivos

compartilhados em uma organização atípica.

Em junho de 2013 algo semelhante aconteceu no Brasil. A população de

diversas cidades foi às ruas unida, com um clamor afinado, expressando a

insatisfação com a gestão política e todos os problemas derivados. Nesse caso, o

fator que desencadeou o processo foi o aumento de vinte centavos na tarifa do

transporte público na cidade de São Paulo. Ativistas do Movimento Passe Livre

iniciaram atos contrários ao aumento, realizando a convocação de pessoas através

das redes sociais. Em pouco tempo, o número de participantes aumentou de

algumas centenas na cidade de São Paulo, para milhares em todo o Brasil,

sobretudo após a repórter Giuliana Vallone ser atingida no olho por uma bala de

borracha, enquanto fazia a cobertura jornalística um ato contra o aumento da

passagem, num movimento repressivo da Polícia Militar. A foto da jovem sentada na

sarjeta com o olho inchado e sangrando foi amplamente divulgada na imprensa e na

internet, gerando revolta e sensibilizando a população. A partir daí, parece que o

clima mudou. A imprensa tradicional, que até então utilizava uma abordagem

negativa ao noticiar os protestos, passou a assumir uma postura diferente, mais

positiva ou imparcial.

Uma onda de protestos tomou conta do Brasil. Os cartazes mostravam

levados pelos manifestantes deixavam claro que aquilo tudo não era só pelos 20

centavos. Foi um momento oportuno para o povo soltar o grito oprimido, de

expressar a revolta. Haviam causas diversas na mesma multidão. Uma massa

heterogênea compartilhando a experiência de ir para às ruas lutar por direitos e,

como esclareceu Žižek: “O que a maioria dos manifestantes compartilha é um

sentimento fluido de desconforto e descontentamento que sustenta e une demandas

particulares. ” (p. 184, 2013).

Quem se posicionou contrário ao movimento usou a heterogeneidade para

tentar descaracterizar os protestos, ou menosprezá-lo, dizendo não haver uma

liderança, um objetivo definido. A verdade é que, tanto aqueles que participaram,

quanto aqueles que criticaram, não estavam preparados para compreender

exatamente o que estava acontecendo, seja pela falta de reflexão, pela falta de

referências, ou ambas as coisas. De forma geral:

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Podemos pensar essas manifestações como um terremoto [...] que perturbou a ordem de um país que parecia viver uma espécie de vertigem benfazeja de prosperidade e paz, e fez emergir não uma, mas uma infinidade de agendas mal resolvidas, contradições e paradoxos. Mas, sobretudo – e isso é o mais importante –, fez renascer entre nós a utopia. (ROLNIK, 2013, p.10)

Movimentos similares à Primavera Árabe e às manifestações no Brasil em

meados de 2013 também aconteceram em outros locais do planeta. E qual seria o

elo que une as mobilizações sociais que passaram a ser recorrente no noticiário

internacional? Todas elas foram (e continuam sendo) organizadas, alinhadas,

debatidas e promovidas nas redes sociais digitais. O “espaço público” digital tem

sido cada vez mais utilizado politicamente. A dinâmica que as redes sociais

proporcionam tem sido recorrentemente utilizada para o debate de questões sérias,

construtivas. Os atores (usuários) começam a apresentar um comportamento

colaborativo que traz desdobramentos concretos. É um fenômeno que ficou

conhecido como “ativismo digital”. Dentre todas as importantes características que o

conceito pode apresentar, a principal delas é o fato de que são mobilizações que

podem extrapolar as redes sociais digitalizadas, ganhar corpo no espaço público

real, isto é, nas cidades:

Essas tecnologias de comunicação não são apenas ferramentas de descrição, mas sim de construção e reconstrução da realidade. Quando alguém atua através de uma dessas redes, não está simplesmente reportando, mas também inventando, articulando, mudando. Isto, aos poucos, altera também a maneira de se fazer política e as formas de participação social. (SAKAMOTO, 2013, p. 170).

Outro caso exemplar recente foi a ocupação de escolas estaduais de São

Paulo por estudantes, em razão do anúncio de uma reformulação que acarretaria no

fechamento de várias unidades escolares. Ao perceberem isso, os estudantes se

mobilizaram e fizeram a ocupação das escolas em várias cidades. Boa parte do

processo de mobilização aconteceu via internet e os adolescente conseguiram

atingir seus objetivos: diante da pressão, o governador de São Paulo, Geraldo

Alckmin, retrocedeu na decisão de fechar escolas. Disse que vai consultar a

comunidade e estudar melhor a proposta. Em resumo, existe algo novo acontecendo

na dinâmica comunicativa da sociedade que está presente em todos esses

acontecimentos contemporâneos que passamos a assistir recorrentemente. Žižek,

referindo-se aos protestos no mundo atual, acredita que:

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O que une esses protestos é o fato de que nenhum deles pode ser reduzido a uma única questão, pois todos lidam com uma combinação específica de (pelo menos) duas questões: uma econômica, de maior ou menor radicalidade, e outra político-ideológica, que inclui desde demandas pela democracia até exigências para a superação da democracia multipartidária usual. (2013, p. 186)

Podemos dizer que os protestos e manifestações de diversos grupos e com

diversas causas tornaram-se mais frequentes, principalmente nas grandes cidades.

Em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, a ocorrência de protestos é bastante

comum. Claro que não atos volumosos como aqueles de 2013, mas que mostram

que grupos formados por representantes de alguma classe ou defensores de alguma

causa estão mais mobilizados e organizados que antes. A impressão que fica é de

um povo que está aprendendo a usar o potencial das mídias sociais para se

organizar e promover suas ideias, encontrar semelhantes, buscar conhecimento e,

se for preciso, convocar levantes populares. Um processo elucidativo e

emancipador. Obviamente, há quem use a rede apenas como forma de

entretenimento ou para compartilhar bobagens, mas também há quem use essa

poderosa ferramenta para transformar a realidade.

2.4.1 O cidadão comum e o alcance da mensagem

Quando uma nova tecnologia é disponibilizada, suas possibilidades de uso

não se explicitam logo de cara, até porque, muitas delas são desconhecidas.

Propostas que permanecem latentes até aflorarem diante de práticas criativas e

inovadoras. O advento da internet e das redes sociais digitais despejou sobre a

sociedade uma enorme quantidade de aplicações que estão sendo reveladas

paulatinamente. Antes do surgimento da internet, o cidadão comum tinha um papel

totalmente passivo perante os meios de comunicação. Ou seja, o poder de

comunicar estava centralizado nas mãos de poucas empresas de mídia. Agora, as

pessoas podem, mais do que expressar opiniões, transmiti-las por meio de uma

ferramenta midiática que é global, descentralizada e relativamente barata. Passam a

ter “voz”, isto é, acesso a um canal propício e aberto ao discurso de todos, com

mecanismos de compartilhamento, avaliação, discussão e propagação de

informações:

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As novas mídias digitais exercem um papel central nesses movimentos sociais contemporâneos, circulando a informação, abrindo espaços para críticas sociais e facilitando novas formas de mobilização social (TUFTE, 2013, p. 63)

O primeiro impacto desse sistema criado na internet está na dinâmica de

organização e de consumo de informações da sociedade. Nas redes digitais,

protegido atrás dos computadores, o usuário é constantemente incentivado a

comentar algo do que a se calar. Ele é muito mais incentivado a criar ou compartilhar

um conteúdo do que a se abster. A usabilidade das redes tem uma característica

convidativa ao diálogo e ao discurso. É difícil não dar opiniões quando vemos

diversas pessoas agindo dessa maneira, expondo suas vidas, comentando

conteúdos e se posicionando sobre os temas que querem. Já que o estado de “estar

online” é representado por uma interação comunicativa, os usuários fazem das redes

sociais um verdadeiro espaço de vida e comunicação social.

A segunda alteração está no próprio indivíduo e na sua percepção das

possibilidades. O usuário das redes sociais começa a desenvolver um olhar mais

crítico e utilitário da ferramenta, apropriando-se para usos profissionais e

organizacionais. As redes deixam de ser apenas um espaço de diversão e assume

um papel de extrema importância na construção da realidade. O indivíduo passa a

desenvolver um pensamento orientado pelas novas lógicas de comunicação social

digital. Ele já sabe que agora tem o poder de se expressar, mas começa a entender

qual é o verdadeiro valor disso para sua vida. Reclamar de uma marca que o lesou,

expor alguma injustiça, uma história pessoal, promover causas, ou seja, seu papel é

predominantemente ativo. Isso faz emergir uma massa de dados gigantesca, que

isoladamente não significam muita coisa, mas que ocasionalmente repercutem em

grandes audiências, as vezes mundiais. Com um olhar mais crítico, o indivíduo

passa a selecionar melhor o tipo de informação que consome e de qual fonte.

Dia a dia, a decisão do que é pauta (ou não) sai das mãos dos

conglomerados de comunicação e passa para as dos usuários das redes sociais e

da internet. Não estamos aqui dizendo que essa decisão é consciente ou pensada,

mas algo natural e implícito, fruto de uma seleção feita por todos e por cada um. Os

grandes veículos ainda possuem grande poder de orientação, informação e

persuasão, mas o deslocamento desse poder é nítido. Ele ainda existe, mas não é

mais um monopólio. O indivíduo, por sua vez, amplia sua criticidade perante a mídia

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e se transforma em um potencial veículo de comunicação, já que também pode

publicar seu próprio conteúdo.

2.4.2 Conhecimento e liberdade, alienação e manipulação

O alienado não é aquele que simplesmente não sabe sobre a verdade. Este é

o ignorante. O alienado é aquele que não sabe sobre a verdade, mas tem plena

convicção de que sabe, isto é, é iludido. A alienação tem sido há muito tempo uma

poderosa arma de manipulação. Alimenta-se a audiência com informações

selecionadas, a fim de causar sobre ela um impacto já previsto e cuidadosamente

planejado. Antes da era digital, essa prática tinha poucas chances de dar errado,

pois o poder de comunicação era centralizado e não havia um espaço público para o

debate popular. Pelo menos, não um espaço ativo e com a escala numérica que

atinge hoje em dia com as redes sociais.

A intenção aqui não é sugerir que a internet e suas redes são a solução para

os problemas da humanidade, mas mostrar que elas são ferramentas

poderosíssimas de comunicação que não precisam necessariamente seguir as

lógicas mercadológicas ou as pautas dos meios tradicionais. Estamos em uma fase

do desenvolvimento humano em que conseguimos encontrar praticamente qualquer

informação online e é esse o potencial que permanece subjugado, menosprezado.

Se é possível desenvolver uma comunicação horizontal, multidirecional, com

baixíssima hierarquia e alto grau de liberdade, é possível alterar qualquer tipo de

realidade. Os conhecimentos disponíveis apenas precisam ser estruturados para

que deixem de ser dados desconexos e passem a ser relevante para a vida das

pessoas.

Quanto mais conhecimentos uma pessoa adquire, isto é, informação

estruturada, mais livre ela consegue ser, no sentido de entender criticamente a

realidade em que está inserida e tomar melhores decisões para sua própria vida. O

contrário da liberdade que estamos sugerindo não seria a “escravidão” de um

sistema, mas uma dependência ignorante de conceito impostos, muitas vezes

tradicionais e pouco questionados. Aquilo que se entende por “verdade” há muito

tempo, mas que é subjetivo e implicitamente imposto para a sociedade. A partir do

momento que todos podem publicar informações e se comunicar livremente, sem

que haja uma moderação rígida, não há uma razão para não se discutir (ou

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rediscutir) conceitos, regras, parâmetros e lógicas estabelecidas. O debate aprimora

o pensamento e agora existe um lugar onde ele poda acontecer de forma

organizada, registrada, acessível e com um grau de liberdade maior que o do

sistema técnico anterior.

2.4.3 Tecnologia e controle

Além de criar um espaço de debate, as novas tecnologias vinculadas à

internet oferecem formas de controle inéditas. Esse controle não tem relação com

censura, mas com o registro dos fluxos de informação. Um histórico de atividades

que guarda todas as informações de usuários que são interessantes aos provedores

das plataformas e que servem de provas, não necessariamente criminais, caso seja

necessário averiguar alguma atividade. Os efeitos disso atingem toda a humanidade

e já se discute sobre o “direito ao esquecimento”, isto é, ao direito de um fato ser

naturalmente esquecido com o passar do tempo.

A digitalização dos processos burocráticos, administrativos e o registro das

atividades que acontecem na rede faz com que atos ilícitos ou impróprios sejam

facilmente rastreados e os infratores, identificados. Faz também com que haja uma

base de dados totalmente pertinente aos mais diversos estudos, pesquisas e

averiguações. Podemos saber quantas pessoas pesquisaram por determinado

termo, de onde elas pesquisaram, em quais países, cidade, de que tipo de

dispositivo. Os hábitos que a pessoa mantém na internet passam a ser guardado e

utilizados seletivamente por sistemas de publicidade cada vez mais assertivos, o que

parece ser benéfico tanto para o anunciante quanto para o público alvo. O registro

das atividades online permite, portanto, um controle que também é inédito.

No Brasil temos o exemplo da lei complementar nº 131, de 27 de maio de

2009, a Lei da Transparência, que visa incentivar a participação popular nos

processos de elaboração de diretrizes e planos de ação, além de disponibilizar o

acesso pleno aos dados públicos orçamentários, ou seja, quanto os agentes

públicos estão gastando, quanto estão ganhando, quando e como estão investindo o

dinheiro dos impostos, entre diversos outros dados. Na mesma linha do conceito de

comércio eletrônico (e-commerce), surge o conceito do governo eletrônico (e-gov),

ou o e-governo, com o objetivo de estreitar o relacionamento entre população e os

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poderes políticos, tornar os processos mais participativos, promover a transparência

de dados e a democracia:

Os desafios das democracias modernas traduzem-se na manutenção de canais de interatividade que aperfeiçoem os processos de gestão através da tecnologia. Assim, o capital social seria um ingrediente do engajamento cívico, no qual os indivíduos de uma sociedade atuam buscando objetivos comuns. (RODRIGUES, p. 252, 2013)

Contudo, não podemos acreditar que a disponibilização de um canal é o

suficiente para que o a população passe a participar mais dos processos políticos de

um Estado. Sem falar em todas as falhas e falácias que esse sistema pode criar, o

exercício da cidadania é algo que parte de uma cultura política madura, com

indivíduos que entendem claramente seu papel na sociedade e sabem qual é o

dever de cada um dos políticos e servidores agentes públicos. Sabem como

acontecem os processos públicos, quais são os poderes instituídos e como eles se

relacionam. Infelizmente, no Brasil ainda é notória a falta de consciência política que

se instala em diversas camadas da sociedade, mesmo nas classes financeiramente

mais elevadas. Basta olhar para o quadro político geral, com diversos elementos

investigados ou suspeitos de participar de esquemas de corrupção, mas que mesmo

assim são reeleitos a cada nova eleição.

Como dito anteriormente, acreditamos que as novas tecnologias que

permitem o controle de tantos processos podem contribuir muito com o avanço do

pensamento e da consciência política em todo o mundo. Por sua própria essência, a

internet é um meio de comunicação democrático e, assim sendo, é muito mais

provável que ela auxilie a democracia de que a atrapalhe. Precisamos, contudo, de

tempo para que seus usuários se acostumem com as práticas e amadureçam suas

percepções, um processo que já começa a apresentar eventos em diferentes partes

do planeta.

2.4.4 Uma consciência coletiva?

A base tecnológica de funcionamento de um computador é baseada no

cérebro humano, mesmo que este ainda não tenha sido totalmente desvendado.

Existem as entradas de dados, a unidade de processamento dos dados, o

armazenamento das informações e a devolução, ou seja, as saídas de resposta

desse sistema. Um grupo de pessoas que trabalham junto ao redor de determinado

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desafio colocam seus cérebros para atuar em conjunto, colaborativamente. Essa

colaboração é definida através da comunicação entre essas pessoas, com metas a

serem atingidas, metodologia do trabalho, divisão das tarefas, etc. Os resultados do

trabalho humano, contudo, estão sujeitos a influências de muitos fatores externos,

naturalmente humanos: falta de foco, relacionamentos conturbados, egocentrismo,

vaidade, entre tantas outras coisas. No entanto, quando computadores são

colocados para atuar em conjunto, os resultados podem ser incríveis.

Apoiado na visão mcluhiana das tecnologias como extensões do homem, os

computadores e a internet podem ser vistos como continuações das mentes

humanas que se estendem para todas as partes. Essa rede está mais robusta. A

quantidade de dados gerados e transmitidos todos os dias assustadoramente

grande. Começam a surgir sistemas capazes de processar essa massa de dados e

apresentar resultados. Podemos citar o aplicativo de trânsito Waze como exemplo

de um sistema baseado em dados que ajuda seus usuários a se locomover com

mais eficiência pelas cidades. O usuário que utiliza os dados processados para

seguir a melhor rota até seu destino, é o mesmo que alimenta o sistema com dados

e o torna mais inteligente e eficaz. Então, temos um sistema que atua como uma

consciência coletiva, considerando todos que estão ativos, seus respectivos dados e

sugerindo melhores rotas para cada um deles. Na prática, é um sistema que

gerencia grande parte do trânsito das cidades. Sobre a relação entre tecnologia e

mente humana, Castells entende que:

Computadores, sistemas de comunicação, decodificação e programação genética são todos amplificadores e extensões da mente humana. O que pensamos e como pensamos é expresso em bens, serviços, produção material e intelectual, sejam alimentos, moradia, sistemas de transporte e comunicação, mísseis, saúde, educação ou imagens. (CASTELLS, 1996, p. 69)

A informação e a comunicação assumem um valor chave na sociedade

contemporânea, juntamente com as atividades ligadas à tecnologia da informação. A

soma de sistemas mais sofisticados, computadores com processadores

extremamente capazes, e o grande número de pessoas conectadas, faz surgir um

ecossistema informacional tecnológico que se comporta como uma espécie de

consciência coletiva, isto é, uma edificação virtual suspensa, invisível, feita com a

colaboração voluntária ou não dos usuários da rede, que processa informações e as

devolve com um valor maior ao promovidas, conforma visto anteriormente,

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evidenciando um comportamento organizado e colaborativo de ação, como se uma

consciência comum agisse separada do indivíduo. Os computadores podem ser

comparados aos cérebros, enquanto as redes seriam as conexões nervosas. É uma

metáfora ainda em desenvolvimento, pois a tecnologia continua evoluindo e as

formas de apropriação tecnológica também

Não podemos deixar de pontuar, contudo, que as grandes e positivas

possibilidades que as tecnologias da informação oferecem, componentes dessa

possível “consciência coletiva”, não são distribuídas democraticamente no globo.

Coexistem regiões que permanecem fora do mundo globalizado, tecnológico e

informacional. Santos (2001) já chamou a atenção para as escolhas políticas

desiguais que geram excluídos do sistema. O conceito bem aceito da “brecha

digital”, também explorado por Castells (1996):

[...] a velocidade da difusão tecnológica é seletiva tanto social quanto funcionalmente. O fato de países e regiões apresentarem diferenças quanto ao momento oportuno de dotarem seu povo do acesso ao poder da tecnologia representa fonte crucial de desigualdade em nossa sociedade. As áreas desconectadas são cultural e espacialmente descontínuas: estão nas cidades do interior dos EUA ou nos subúrbios da França, assim como nas favelas africanas e nas áreas rurais carentes chinesas e indianas. (CASTELLS, 1996, p. 70).

Ou seja, é preciso ter cuidado com o excesso de otimismo com a internet e as

redes sociais em geral. Elas são sim ferramentas emancipadoras, mas ainda há

muito caminho pela frente, guiado pela democracia, cidadania e diplomacia.

Conforme os usuários vão aprimorando seus domínios sobre as redes, sobre as

tecnologias e amadurecendo sua educação política e cidadã, passamos a viver em

espaços que são mais dignos e solidários. Acreditamos que é necessário acreditar e

praticar ações que contribuam para a existência de uma consciência mais ampla e

profunda, visando o bem da sociedade enquanto seres humanos, e não enquanto

mercado financeiro. Os protestos e manifestações tendem a continuar, articulados

pelas redes sociais, e há ainda outras maneiras de usar a tecnologia em favor da

democracia e da emancipação do indivíduo que precisam ser postas em prática.

Estamos falando de uma nova cultura, que existe em um novo espaço.

2.5 A cibercultura e o ciberespaço

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Os termos cibercultura e ciberespaço são derivações do conceito de

cibernética, um termo que foi utilizado pela primeira vez num livro de Norbert Wiener,

de 1948, intitulado “Cybernetics”, no qual o autor fala sobre sistemas digitais

baseados em computadores e sobre a importância da informação, algo

extremamente embrionário naquela época, mas que passou a estimular mais

estudos nesse sentido, sobretudo com a participação de outros grandes cientistas,

como o renomado John von Neumann. Wiener é considerado por muitos como o pai

da cibernética.

Com o passar dos anos o termo foi sendo lapidado e passou a emprestar o

prefixo “ciber” para outras palavras, invocando sempre o significado de algo que se

realiza ou existe em um plano virtual, vinculado à computação e à internet. Então,

quando falamos em cibercultura e ciberespaço, estamos nos referindo à uma cultura

digital que depende de um espaço para acontecer que também é digital. Segundo

Lèvy (1999) “longe de ser uma subcultura dos fanáticos pela rede, a cibercultura

expressa uma mutação fundamental da própria essência da cultura” (p. 247). Lèvy

fala sobre um “dilúvio” informacional que atingiu a sociedade, junto com os aparatos

tecnológicos, fazendo emergir o conceito, algo que considera como “um fenômeno

irreversível e parcialmente indeterminado” (2010, p. 211).

O termo é eficaz e rapidamente compreendido para quando queremos

referenciar a sociedade globalizada atual, com sociedades interligadas, hábitos

universalizados e todos os efeitos oriundos da atual fase da história humana. Uma

cultura que deixa de ser totalmente analógica e passa ter uma existência virtual.

Para que ela exista, é preciso também haver um local, ou pelo menos uma

percepção de espaço que faça sentido. Assim, surge também o termo ciberespaço,

que abriga dados e conecta pontos de comunicação. Lèvy esclarece que:

A palavra “ciberespaço” foi inventada em 1984 por William Gibson em seu romance de ficção científica Neuromance. No livro, esse termo designa o universo das redes digitais, descrito como campo de batalha entre as multinacionais, palco de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural... O ciberespaço de Gibson torna sensível a geografia móvel da informação, normalmente invisível. O termo foi imediatamente retomado pelos usuários e criadores de redes digitais. Existe hoje no mundo uma profusão de correntes literárias, musicais, artísticas e talvez até políticas que se dizem parte da “cibercultura” (LÈVY, 1999:92 apud OLIVEIRA, 2011, p. 2).

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A metáfora espacial também é pertinente para que as dinâmicas da

comunicação digital sejam melhores compreendidas por pessoas não especialistas.

De maneira geral entendemos o ciberespaço como o ambiente digital em que as

relações acontecem, sejam quais forem. É aquilo que vemos na tela de um

dispositivo, uma representação gráfica dos dados que estão gravados no

determinado disco rígido, ou em algum servidor externo. Os dados digitais ocupam

espaço físico, de modo que é preciso de discos fisicamente maiores para comportar

mais dados. No entanto, este espaço é totalmente irrisório perto daquele que seria

preciso para arquivar a mesma quantidade de informações no mundo analógico, isto

é, fora do ciberespaço.

No ciberespaço, muitas lógicas sociais também são alteradas. Lèvy (1999)

observa “o ciberespaço encoraja um estilo de relacionamento quase independente

dos lugares geográficos (telecomunicação, telepresença) e da coincidência dos

tempos (comunicação assíncrona) ”. A comunicação rompe de vez as barreiras do

espaço geográfico e do tempo cronometrado. Ela é instantânea entre locais

extremamente distantes um do outro. Traços como esse nos fazem pensar sobre a

formação de uma inteligência que, de fato, é coletiva, criada por uma cibercultura.

Lèvy segue:

[...] nos casos em que processos de inteligência coletiva desenvolvem-se de forma eficaz graças ao ciberespaço, um de seus principais efeitos é o de acelerar cada vez mais o ritmo da alteração tecno-social, o que torna ainda mais necessária a participação ativa na cibercultura, se não quisermos ficar para trás, e tende a excluir de maneira mais radical ainda aqueles que não entraram no ciclo positivo da alteração, de sua compreensão e apropriação. (LÈVY, 1999, p. 30).

Aqui Lèvy fala sobre a relação da cibercultura com o ciberespaço e comenta

sobre a exclusão que o novo sistema pode gerar para aqueles que não se apropriam

adequadamente das ferramentas tecnológicas vigentes. Contudo, e como já dito,

alterar a base técnica predominante de uma sociedade cria alterações que se

desenrolam lentamente e aos poucos passam a estar presentes nos hábitos dos

indivíduos. O processo de alteração mais lento não está na maneira como se utiliza

praticamente uma ferramenta, mas como se organiza a lógica do pensamento.

2.5.1 Uma nova lógica de pensamento

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A era digital decretou a morte de um objeto que faz parte da vida de

praticamente todas as pessoas: a lista telefônica. Tudo bem que ela ainda existe,

mas a lógica de pensamento da população já amadureceu muito. Hoje em dia, que

precisa de um número de telefone, busca na internet. Tanto por ser bem mais rápido

e prático, quanto por geralmente encontrar ali mais do que um telefone. Encontra-se

mais informações relevantes que certamente influenciarão a decisão do usuário. O

telefone, aliás, só irá ser acionado caso essa pessoa sinta-se satisfeita e plenamente

atraída pelo conteúdo que encontrou.

O que muda no caso da lista telefônica (algo aplicável para centenas de

outros casos) é uma mudança na lógica de pensamento do indivíduo. Como se uma

chave fosse virada, ele agora utiliza a internet para buscar contatos, aceitando e

seguindo suas lógicas. A cibercultura talvez possa ser entendida como essa nova

maneira de pensar o mundo, a partir das possibilidades que a tecnologia oferece. É

por isso que vemos diferentes tipos de apropriações, invenções e inovações

tecnológicas aparecer corriqueiramente. Há tanto aqueles que constroem algo para

um uso específico, quanto aqueles que alteram o propósito de um objeto e acabam

usando-o para um outro fim. Sodré observa que:

[...] a tecnocultura - essa constituída por mercados e meios de comunicação, [...] implica uma transformação das formas tradicionais de sociabilização, além de uma nova tecnologia perceptiva e mental. Implica, portanto, um novo tipo de relacionamento do indivíduo com referências concretas ou com o que se tem convencionado designar como verdade, ou seja, uma outra condição antropológica. (SODRÉ, 2002, p. 27).

Quando encaramos um problema, buscamos uma solução que seja coerente

com as ferramentas e os conhecimentos que temos à mão para encontrar uma

solução. Acionamos nossa base de referências e de experiências para tomar novas

decisões. Assim, quanto mais ferramentas e conhecimento estruturado conseguimos

acumular, melhor passam a ser nossas decisões perante as aporias da vida.

Contudo, agora conseguimos acessar experiências alheias e aprender com elas.

Conseguimos participar gratuitamente de fóruns de debates online que suprem os

anseios e abastecem com suficiente informação. Conseguimos nos comunicar

horizontalmente e mobilizar pessoas. Há uma nova lógica de pensamento instalada

e que se fortalece a cada dia.

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2.5.2 Um ciberespaço de convívio

Mais do que um local digital de armazenamento de dados, a internet e,

sobretudo, as redes sociais digitais passaram a ser locais de convívio humano

digitalizado. A troca de informações entre pessoas não é algo frio, mas sim algo

capaz de muitas vezes suprir as necessidades emocionais humanas como a

saudade, a solidariedade, a raiva, a cumplicidade, o amor, entre tantos outros. Para

muitos, essa passou a ser a alternativa mais viável para manter relacionamento

social.

A questão importante não está exatamente na capacidade que todo o sistema

tem de proporcionar, por exemplo, uma vídeo-chamada entre pessoas, mas no fato

de as pessoas sentirem-se satisfeitas com esse tipo de interação. A aprovação dos

amigos demonstrada através de “likes” no Facebook e Instagram alimentam o ego e

o a autoestima de quem publicou. Muitas vezes, isso parece ser suficiente para

quem está habituado com a nova forma de pensamento, com a cibercultura e o

ciberespaço, pelo menos por alguns dias. Depois é preciso gerar um novo conteúdo

em busca de mais aceitação. Reconhecendo tal prática como verdadeira, podemos

pensar que parte da personalidade, das emoções e sensações humanas,

principalmente daqueles que se sentem parte da cibercultura, foram também

transferidas para o mundo digital, para o ciberespaço.

Se antes disso já podíamos constatar que a comunicação exercia influência

sobre o espaço geográfico, agora temos um novo conceito de espaço que é

totalmente inseparável das práticas de comunicação social. A união do conceito de

espaço geográfico com a comunicação por meios digitais é o foco do próximo

capítulo.

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Capítulo III - A COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA E A

GEOGRAFIA HUMANA DE MILTON SANTOS

3.1 Introdução

A comunicação social e a geografia humana, apesar de se encontrarem em

departamentos diferentes dentro da academia, possuem muitos pontos de contato

no teor de seus estudos. Ambas trabalham com a matéria prima humana, o social

aplicado, e reconhecem o mundo como uma unidade viva e dinâmica, que se articula

e se organiza o tempo todo. Ambas percebem o espaço como um ecossistema

relacional que está sempre sendo construído e desconstruído, num movimento

contínuo entrelaçado pelas comunicações, os fluxos de informação, os sistemas de

objetos, sistemas de ações e a ocupação doo território.

Começamos a nos dar conta da proximidade dos campos ao perceber a

comunicação e a informação tornaram-se grandes forças de organização do espaço.

Se antes elas tinham um poder de influência que era limitado pelas incapacidades

técnicas de transmissão, hoje a comunicação digital generalizada está

revolucionando as formas de existência e interação humana. Essa revolução se

reflete nas formas de ocupação do espaço físico, concreto. Por espaço, utilizamos a

definição de Santos (1997) citada no capítulo primeiro, um ambiente ocupado e

ativado pela existência social.

Além disso, a fase conhecida como a “era da informação e comunicação” traz

consigo um novo conceito de espaço: o que no capítulo anterior chamamos de

ciberespaço, que possui uma racionalidade própria, com idiossincrasias inéditas e

aparentemente globais. Santos observa que:

Em nossa época, o que é representativo do sistema de técnicas atual é a chegada da técnica da informação, por meio da cibernética, da informática, da eletrônica. Ela vai permitir duas grandes coisas: a primeira é que as diversas técnicas existentes passam a se comunicar entre elas. A técnica da informação assegura esse comércio, que antes não era possível. Por outro lado, ela tem um papel determinante sobre o uso do tempo, permitindo, tem todos os lugares, a convergência dos momentos, assegurando a simultaneidade das ações e, por conseguinte, acelerando o processo histórico. (SANTOS, 2001, p.25)

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O intercâmbio dos modos de fazer que passa a acontecer entre as técnicas

diversas, promove um tipo de regulação que diminui justamente a diversidade e

altera a percepção da relação seminal entre o tempo e o espaço. Quando Santos

(2001) cita uma aceleração do processo histórico, faz referências às periodizações

históricas segmentadas pelas técnicas. Ou seja, o que antes servia para dividir as

épocas, agora serve um sistema que padroniza as atividades e deturpa severamente

uma realidade há muito estabelecida. Em suma, podemos dizer que a maneira como

nos comunicamos interfere diretamente no espaço que construímos, da mesma

forma com que o espaço pode influenciar a forma como as informações fluem,

afetando as comunicações. Essa relação funciona como uma engrenagem, em giro

constante. Não há como uma delas se mover sem interferir as demais. O processo

de construção da realidade, isto é, daquilo que reconhecemos como mundo,

perpassa necessariamente pelas questões da comunicação e do espaço geográfico.

No presente capítulo, trataremos dos pontos de interface que parecem ligar e

dialogar com a comunicação social e a geografia humana de Milton Santos. As

percepções e constatações desse notório intelectual brasileiro são de grande valia

para o estudo social e comunicacional, tanto do cenário brasileiro quanto mundial. O

espaço, o tempo, a informação e a comunicação são diferentes eixos que constroem

parte da existência, e que possuem complexas relações entre si. Nossa tentativa é

elucidar, mesmo que minimamente, algumas dessas relações que nos parecem urgir

no atual período, o mesmo que Santos chamou de técnico-científico-informacional.

3.2 Unicidade das técnicas de comunicação digital

O conceito de unicidade técnica trabalhado por Santos (1997), quando

colocado face aos meios de comunicação digital que hoje intermedeiam as relações

humanas, revelam que há em pleno emprego uma unicidade técnica comunicacional

e racional que exerce efeitos visíveis e invisíveis do espaço geográfico, que é social.

Sabemos que “o espaço social se realiza por técnicas racionais e não por técnicas

mágicas ou religiosas” (GERTEL, 1993, p. 22). Se tais técnicas, cada vez mais unas

empiricamente, possuem em seu âmago o transporte e de informações e a conexão

com uma rede global de comunicação, é possível presumir que a criação do espaço

geográfico é hoje, mais do que nunca, uma criação comunicacional.

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É comunicacional tanto pela maneira como ocorre, sendo uma constante

negociação de sentidos baseada em símbolos e referências anteriores, o que acaba

exercendo influências no espaço físico real, quanto por criar, por si só, um novo

espaço, o ciberespaço. Podemos dizer ele é um “local” quase que completamente

comunicacional e informacional, que quando aglomera suficiente energia em

determinado ponto, exerce efeitos no mundo físico. É a ideia da comunicação como

“cimento social” que Maffesoli (2003) trabalha em seus estudos sobre a teoria pós-

moderna da comunicação. Para o autor:

A comunicação é a cola do mundo pós-moderno. Dito de outra forma, a comunicação é uma forma de reencarnação desse velho simbolismo, simbolismo arcaico, pelo qual percebemos que não podemos nos compreender individualmente, mas que só podemos existir e compreendermo-nos na relação com o outro. Nesse sentido, a ideia de individualismo não faz muito sentido, pois cada um está ligado a outro pela mediação da comunicação. (MAFFESOLI, 2003, p. 13).

Se consideramos então a comunicação como um cimento social, que edifica e

estabelece as estruturas sociais, poderíamos usar a metáfora para pensar que o

ciberespaço é constituído quase que completamente com cimento, pois, assim como

a comunicação, sua existência depende de meios e bases materiais (sociais ou

tecnológicas) que sustentem seu conceito e que expressem seus resultados. O que

seria a comunicação sem o ato de comunicar? O que seria o ciberespaço sem sua

representação gráfica em telas de dispositivos? É parte integral e indispensável dos

objetos que compõem o cenário atual o profundo engendramento da comunicação

digital com os fluxos severos de informação. Santos (1997) esclarece que:

Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação. (SANTOS, 1997, p. 190)

Acontece que, para que consiga alcançar uma escala global, as

intencionalidades dos objetos técnicos, os meios de comunicação e as interfaces

exibidas nas telas de dispositivos estão passando a ser muito parecidos, as vezes

idênticos na grande maioria dos países, com técnicas de uso e de produção

igualmente padronizadas. Esse fenômeno acontece a partir do momento em que se

assume a informação como uma das principais energias organizadoras do espaço,

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pois “numa era da informação, talvez a de hoje, não se pensa por si mesmo, mas se

é pensado, formado, inserido numa comunidade de destino. Vale repetir: a forma é

formante. A informação também liga, une, junta” (MAFFESOLI, 2003, p.14). Para além

das necessidades básicas e invariáveis da sobrevivência, no início da história das

sociedades, os diferentes povos desenvolviam diferentes estilos de vida, métodos de

convívio e de cultura, orientados pelos fatores locais e geográficos de sua existência.

Santos (1997) diz que:

Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da vida, valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas condições naturais que constituíam a base material de existência do grupo. (SANTOS, 1997, p. 187).

As formas de comunicação seguiam essa lógica enraizada no ponto

geográfico em que a comunidade se instalava, sendo determinadas por fatores e

necessidades essencialmente naturais que se traduziam nas atividades e nos

costumes de cada grupo de pessoas localizado no tempo e no espaço. Como vimos

no capítulo primeiro, a evolução nos leva para um período técnico, representado

pelo início da mecanização dos processos, criação das máquinas e artificialização

da base material da existência humana. A comunicação também passa a equivaler e

atender as necessidades do ambiente, como um instrumento organizador das

relações e das estruturas de poder e de produção. Hoje, o fluxo livre de informações,

que são essencialmente formadoras e transformadoras, junto com a evolução dos

aparelhos tecnológicos e da ciência em favor da indústria, permite que seja mais

fácil popularizar objetos e técnicas com forte valor ideológico embutido. Surge “algo

novo, que estamos chamando de meio técnico-científico-informacional” (Santos,

1997, p. 190).

A principal diferença do período atual para os anteriores é que, agora, a

informação (junto com a comunicação), passa a ter um papel quase protagonista no

cotidiano do cidadão. A mudança não é instantânea e podemos dizer que estamos

passando por essa transformação, mas se observa com significante clareza que as

práticas e técnicas de comunicação e informação assumiram um papel de centro na

existência social e no espaço geográfico. Se antes a informação era utilizada como

meio para diversos fins, hoje ela passa a ser o fim de atividades diversas, pois quem

não domina as técnicas de comunicação contemporânea, mesmo que minimamente,

está sujeito a ser (ou sentir-se) excluído do sistema. Verdadeiramente, a

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“comunicação e informação descrevem um modus vivendi característico da pós-

modernidade.” (MAFFESOLI, 2003, p.14).

As consequências são inúmeras. A apropriação popular da internet faz com

que o consumo de informações aumente, gera uma demanda intelectual massiva e

praticamente obrigou os espaços a se adequarem para seus fluxos. Os objetos

passam a ser feitos para atender essas novas demandas, pois agora “a informação

é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo,

equipados para facilitar a sua circulação” (Santos, 1997, p. 191). A influência da

informação no cotidiano das massas e no espaço geográfico é algo que já podia

constatado há algum tempo, sem saber que a continuidade do movimento técnico-

científico-informacional atingiria os níveis de interação e intensidade que

observamos hoje, aproximadamente 15 anos após a virada do século:

O papel crescente da informação nas condições atuais da vida econômica e social permite pensar que o espaço geográfico e o sistema urbano considerado como o esqueleto produtivo da Nação, são atualmente hierarquizados por fluxos de informação superpostos a fluxos de matéria não propriamente hierarquizantes. Os objetos são utilizados segundo um modelo informacional que amplia a esfera do trabalho intelectual; na verdade, os novos objetos já nascem com um conteúdo em informação, de que lhe resultam papeis diferenciados na vida econômica, social e política. (SANTOS, 1988, apud GERTEL, 1993, p. 17.)

Ao adequarmos os sistemas de objetos e as técnicas para atender e realizar

os fluxos de informação que possibilitar a comunicação, construímos uma existência

material artificial, que atende os interesses ideológicos do processo de globalização,

mas que também oferece aos usuários uma forma extremamente convidativa de

relacionamento social, através da digitalidade. Como são objetos que já possuem

em informação e racionalidade em sua própria existência, o apelo comercial é forte e

sua proposta de uso também. Santos reconhece essa característica ao dizer que

A grande mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais, ao contrário das técnicas das máquinas, são constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que o seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão a serviço do homem. (SANTOS, 1999, p.2)

O processo de globalização simplesmente não se sustentaria sem que

houvesse a tecnologia e suas respectivas técnicas, mas principalmente se esses

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objetos não exercessem a sedução que faz com que os indivíduos não só os

aceitem, mas não vivam separado deles.

Os atores que abastecem a sociedade com esse aparato são os mesmos que

criam as demandas e intelectuais e bombardeiam os indivíduos com estímulos de

adesão aos costumes e práticas desse novo momento, levando em consideração

que aquilo que circula na rede muitas vezes “são informações pragmáticas,

manipuladas por uns poucos atores, em seu próprio benefício. O mercado

informático é controlado por um punhado de firmas gigantes, situada num pequeno

número de países. (SANTOS, 1997, p. 161), lembrando que o autor escreveu isso

sem conhecer o nível de controle que empresas como o Google ou o Facebook

atingiram. Assim, há um trabalho corroborado no sentido de readequar os espaços e

os tempos de forma que passem a atender e expressar a dinâmica da vida

contemporânea: Santos aponta que:

Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização. (SANTOS, 1997, p. 191).

Transitar pelos novos espaços, que são, portanto, essa expressão geográfica

da globalização, nos leva a reflexões sobre como a comunicação tem acontecido

cotidianamente. Como a unicidade das técnicas de comunicação e sua ampla

aceitação estão refletindo no dia a dia das pessoas, dos grupos sociais, dos

movimentos e instituições, dos estados e nações? Dizer que vivemos na era da

informação e da comunicação é uma afirmação que pode esconder uma ideia de

que, agora, há uma alta eficiência comunicacional entre os indivíduos, que os dados

são transformados em informações relevantes para a vida daqueles que aceitam

participar das redes sociais digitais, ou que estar inserido no sistema vigente

significa necessariamente ser bem situado, esclarecido e detentor dos

conhecimentos disponíveis ao consumo.

3.2.1 Comunicação digital e compreensão mútua

Por vezes, a cultura globalizada nos coloca diante do diverso. Antes da era

digital, a possibilidade de visualizar uma notícia internacional iria depender da

gravidade do acontecimento e dos recursos técnicos disponíveis para a transmissão

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dessa mensagem. A notícia fluía por vias restritas e seu grau de penetração nas

rugosidades do espaço social era menor. O espaço e o tempo ainda representavam

barreiras a serem ultrapassadas pela comunicação. Mesmo com o rádio, a televisão

e o telefone, a oralidade mantinha um nível de importância maior nas relações

humanas. Não que a comunicação oral tenha deixado de ser importante. Ela

continua sendo, por meio da linguagem, uma das melhores (senão a melhor) formas

de expressão que o indivíduo pode desenvolver. Mas é inegável que a comunicação

digital, via mensagens de texto em plataformas, ocupou um grande lugar na vida dos

indivíduos e diminuiu a utilização oralidade face a face. Uma pessoa que exerça

suas atividades pela internet, por exemplo, pode se comunicar com diversas

pessoas, particular ou publicamente, sem que emitir uma única palavra sonora, tudo

via mensagens.

Hoje, todavia, a generalização dos fluxos de comunicação nos coloca

constantemente em contato com notícias e informações de realidades alheias. Ao

obter conhecimento de outras culturas, de outros modos de vida, poderíamos supor

que as comunidades humanas passariam a se entender melhor, seriam mais

diplomáticas e menos violentas umas com as outras. Não apenas aquelas que

habitam em locais diferentes, mas que possuem características físicas, culturais e

religiosas diferentes. Já que todo tipo de informação é mais acessível que antes,

poderíamos estar próximos a eliminar todo tipo de preconceito, que tem a ignorância

como terreno fértil. Com o acesso à informação, as pessoas passariam a adquirir

mais conhecimento e deixariam de ser intolerantes. Entenderiam com mais

facilidade que existem outros modelos de vida e que o respeito é um valor

verdadeiramente global. O que estamos querendo dizer é que a humanidade

conectada por redes poderia ser o princípio de uma humanidade conectada por

valores, pois estamos focando o pensamento na comunicação enquanto essência, e

não necessariamente enquanto prática. É bem verdade que:

Novas palavras surgem para rotular velhas práticas ou velhas palavras são ressignificadas para caracterizar a nova força de práticas sempre existentes. Comunicação e informação dão nova potência a um dos mais sólidos arcaísmos: estar em relação. Mesmo se agora se trata de relações mediadas tecnologicamente. As ditas ciências da comunicação e da informação têm dificuldade para pensar o mundo sensível e compreender essa vibração em comum. Prefere-se então focalizar coisas aparentemente mais objetivas, deixando-se de lado o cerne da questão: o que

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comunicar quer dizer? Estar junto, estar em relação, estar em vibração comum. (MAFFESOLI, 2003, p.16)

O pensamento do autor expressa bem o conceito amplo e pleno da

comunicação, e parece não haver impedimentos técnicos para que ela prospere.

Entretanto, nem tudo é técnica. Wolton (2006) observa a questão de outro ponto de

vista, mostrando que o fato de estarmos mais visíveis e mais acessível, parece estar

exercendo um outro tipo de influência sobre as pessoas. O contato com o diferente

pode estar aumentando a tensão entre grupos e isso começa também a influenciar

os espaços. Santos reconhece que “o período histórico atual vai permitir o que

nenhum outro período ofereceu ao homem, isto é, a possibilidade de conhecer o

planeta extensiva e profundamente.” (2001, p. 31). Essa possibilidade faz com que

as diferenças culturais se evidenciem a ponto de gerar conflitos entre diferentes

grupos sociais. Santos reconheceu que “as novas condições técnicas deveriam

permitir a ampliação do conhecimento do planeta, dos objetos que o formam, das

sociedades que o habitam e dos homens em sua realidade intrínseca.” (2001, p. 38),

mas realizando um diagnóstico atual, podemos dizer que salta aos olhos novos

movimentos de repressão, opressão, de crimes de ódio, separatistas ou

ultraconservadores, que também se consolidam com base nas novas técnicas

unificadas de comunicação digital, sendo que muitas vezes seus atos em si

acontecem inteiramente dentro do ciberespaço. Da mesma forma como grupos se

organizam através das redes para realizar manifestações em busca da liberdade ou

da melhoria da qualidade de vida, há grupos que se utilizam das ferramentas para

propagar atos de violência. O ponto é que, ao mesmo tempo que o acesso à

informação nos dá conteúdo para sermos melhores enquanto humanos, também

alimenta aqueles que procuram brechas para realizar atos vis.

Os movimentos terroristas, por exemplo, também passam a se apropriar da

internet para mobilizar seus seguidores, propagar conteúdos de ódio, organizar

ataques e conseguir informações estrategicamente valiosas de seus alvos. Unificar

globalmente as bases técnicas de informação e comunicação é algo que apresenta

benefícios surpreendentes, mas ao mesmo tempo vulnerabiliza questões de

segurança internacional e individual, pois os meios de obter informações e

programar os sistemas que realizam a vida passam a ser os mesmos em qualquer

lugar do mundo. Casos emblemáticos como o de Julian Assange e os vazamentos

do seu site, WikiLeaks, ou do grupo de hackers que se autointitula Anonymous,

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revelam perspectivas importantes do novo cesto de possibilidades que a unicidade

das técnicas de informação e o avanço da globalização trazem consigo. O acesso ao

conhecimento é um recurso que serve a todos e ele pode ser utilizado tanto para

fazer prosperar a compreensão mútua entre os povos, quanto para promover atos

que declinam as relações diplomáticas. São consequências aparentemente

inevitáveis da fase que a sociedade atravessa, que demanda uma série de novas

reflexões.

Se busca-se abastecer globalmente a sociedade com uma série de objetos e

sistemas técnicos que são unificados em suas aplicações e modos de uso, é preciso

estar ciente dos aspectos negativos que isso pode trazer ao próprio sistema

estabelecido.

3.3 Comunicação digital reorganizando o espaço e o tempo

Um outro ponto de contato entre a ideia de criação do espaço proposta por

Santos (1997) e a comunicação social contemporânea pode ser observada em

adequações e reorganizações nas infraestruturas dos ambientes que abrigam a vida

humana. A mudança de uma base analógica para digital e a popularização dos

aparelhos de acesso à internet tem feito órgãos públicos e estabelecimentos

privados adequarem seus espaços para atender a demanda social de conexão que

hoje urge na sociedade. Podemos dizer que um espaço de convívio, seja profissional

ou não, que não oferece aos frequentadores um sinal de internet, sem falar nos

pontos de energia elétrica para carregar os aparelhos, são menos atraentes aos

eventuais consumidores. Criou-se em bem pouco tempo uma dependência de

conexão fortemente explícita nos hábitos dos cidadãos hodiernos. As alterações no

espaço geográfico começam a aparecer, induzidas por esse novo comportamento

humano. Talvez fosse sobre isso que Santos estivesse se referindo quando diz que

“com a globalização, todo e qualquer pedaço da superfície da Terra se torna

funcional às necessidades, usos e apetites de Estados e empresas nesta fase da

história.” (2001, p. 81). Ou seja, os locais passam a ser adaptados às novas práticas.

Quando falamos em alterações no espaço geográfico, referimo-nos ao

conceito de espaço proposto por Santos, isto é, uma instância social, aliado à ideia

de espaço público enquanto um lugar de todos, acessível a todos, aquele que se

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difere do espaço privado. Um elemento essencial para a formação das cidades e

centros urbanos. Lugares como as ruas, as praças e parques, nos quais os

indivíduos transitam ou permanecem por um período, se reúnem, protestam e

conflitam, realizam atividades de lazer ou outras condizentes com o espaço público,

isto é, um ambiente de não-privacidade. Tais espaços são constantemente

readequados e, não raro, resinificados, dando suporte ao conceito habermasiano de

esfera pública. Em sua definição mais atual, Habermas (2003a) sugere que a esfera

pública é o local onde as ideias são colocadas e debatidas por aqueles que possuem

uma “opinião pública”. De acordo com o autor, “a esfera pública pode ser descrita

como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e

opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se

condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas” (HABERMAS, 2003b, p.

92). Ainda segundo o autor, pode acontecer de a esfera pública coincidir com o

espaço público, ou seja, acontecer alocada nele, mas não há uma relação de

necessidade nesse caso, sobretudo com as redes de comunicação digital. É um

fenômeno que o autor vai chamar de “generalização da esfera pública”:

Quanto mais elas [as esferas públicas] se desligam de sua presença física, integrando também, por exemplo, a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública (HABERMAS, 2003b, p. 93).

Se antes a esfera pública tinha maior dependência do espaço concreto, hoje

ela assume novos formatos em novas estruturas, principalmente com a

popularização do acesso à internet. Por abrigar os debates de opiniões e originar

uma opinião pública, possui importância política ímpar que se reflete na vida privada

dos indivíduos. Assim, o acesso à internet passa a ter importância política e abre um

vasto campo de debate e discussões acerca das novas dinâmicas de comunicação e

o que pode ou não ser considerado como esfera pública.

A guinada ascendente dos meios de comunicação digital na vida cotidiana foi

tão severa que, em maio de 2011, a ONU (Organização das Nações Unidas)

submeteu ao conselho de direito humanos um relatório especial chamado Report of

the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of

opinion and expression (Relatório Especial sobre a promoção e proteção do direito à

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liberdade de opinião e expressão), tratando do direito individual de acesso à internet.

O relatório vai de encontro ao bloqueio do sinal de internet e restrição de sites por

censura de conteúdos praticado por governos de países como o Egito, Turquia,

China, Arábia Saudita, Irã, entre alguns outros. Segundo o relatório, interromper o

sinal de internet é violar o direito humano de liberdade de expressão, ou seja, o

direito de acesso à internet passa a ser um direito humano reconhecido.

O relatório se fez necessário numa época em que sérias restrições de acesso

à rede tornaram-se mundialmente públicas. Em 2011 no Egito, durante os dias de

tensos protestos que terminaram tirando o presidente Hosni Mubarack do poder,

foram registrados cortes nos serviços de internet no país inteiro. O governo, ao

perceber que as mobilizações estavam sendo organizadas através de sites de redes

sociais, mandou interromper o serviço e desconectou o país num movimento

autoritário de censura. Castells conta que:

Desde o primeiro dia dos protestos, o governo egípcio censurou a mídia no país e tomou medidas para bloquear os sites de mídia social que ajudaram a convocar os manifestantes e a difundir notícias sobre o que estava ocorrendo nos locais públicos. Em 27 de janeiro, ele bloqueou as mensagens de texto e os serviços de mensagens do Blackberry. Nas noites de 27 e 28 de janeiro, o governo egípcio bloqueou quase totalmente o acesso à internet. (CASTELLS, 2013, p. 37).

As duas ferramentas mais utilizadas pelos manifestantes, o Facebook e o

Twitter, ficaram indisponíveis. No entanto, o efeito dessa atitude foi reverso. Ao invés

de desarticular o movimento, o governo do Egito inflamou ainda mais a população e

chamou ainda mais a atenção do mundo. Com criatividade e uma grande ajuda de

grupos internacionais, os manifestantes egípcios passaram a utilizar outros meios de

comunicação para continuar mobilizando e informando a população. Foram criados

mecanismos que utilizaram as redes de telefonia fixa e de fax, dentre outras redes

que se mantiveram, para integrar e disseminar as mensagens pertinentes ao

movimento. Castells relata que:

[...] diferentes meios contribuíram para a formação de uma densa rede multimodal de comunicação que manteve o movimento conectado com o Egito e com o mundo em geral. Militantes publicaram um manual de instruções sobre a comunicação por diferentes canais, e qualquer informação enviada por um dos múltiplos canais ainda disponíveis seria disseminada por meio de panfletos impressos e distribuída por pessoas reunidas nas praças ocupadas e nas manifestações. (CASTELLS, 2013).

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Por fim, o governo foi deposto e a internet restabelecida em 1º de fevereiro

daquele ano. O caso emblemático do Egito acendeu a discussão sobre o direito de

acesso à internet e mostrou a importância das redes sociais digitais nos processos

contemporâneos de organização e mobilização social. Desde então, pode-se

observar diversas iniciativas de promoção do acesso à internet e o debate sobre

esse novo direito humano estabelecido. Na cidade de São Paulo podemos tomar

como exemplo o projeto “Wifi Livre SP”, que disponibiliza o acesso livre e gratuito à

internet em 120 praças e locais públicos da cidade, através de redes sem fio. Apesar

da velocidade de conexão ser considerada baixa para os padrões atuais (são 512

Kpbs efetivos por usuário), não se pode negar que disponibilizar o acesso gratuito ao

público representa um grande avanço dos direitos sociais e civis, uma poderosa

ferramenta de comunicação e cidadania. A infraestrutura garante o acesso por meio

de dispositivos que se conectem pelo sistema wi-fi e assegura a neutralidade do

acesso, deixando claro que “o prestador de serviço (empresa que fornece o sinal)

não está autorizado a filtrar o tráfego por IP de origem ou de destino, por aplicação

ou por conteúdo, exceto para cumprir legislação em vigor”.

Essa evidência de adequação de áreas públicas para atender as novas

demandas sociais de comunicação digital mostra que, de fato, há um movimento de

readequação dos espaços com o objetivo de facilitar o acesso àquilo que Santos

(1997) chamou de instrumentos que são “meios para conhecer”. Para o autor, “as

porções do território assim instrumentalizadas oferecem possibilidades mais amplas

de êxito que outras zonas igualmente dotadas de um ponto de vista natural, mas que

não dispõem desses recursos de conhecimento.” (SANTOS, 1997, p.193). Os

exemplos explorados por Santos nesse caso são de equipamentos que realizam

análises meteorológicas ou servem a agricultura e indústria. Mesmo assim, o sentido

explorado é similar, senão o mesmo: equipar o território com instrumentos que

permitam o acesso a dados e gerem conhecimento. Entendemos ainda que, no caso

das praças em São Paulo, possibilita-se também a comunicação digital, além do

acesso a informações. Com o aumento do número de pessoas com utilizando a

internet, há outros desdobramentos que se expressam no espaço urbano.

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3.3.1 Menos locomoções para o mesmo resultado

Buscando um efeito prático da comunicação social por meios digitais na vida

do indivíduo, pensamos que, agora, as pessoas saem menos de seus lugares

geográficos para atividades que antes necessariamente tinham que acontecer

presencialmente. Não encontramos um estudo que comprove a percepção, mas as

evidências nos fazem pensar que muito provavelmente é isso que acontece. A

possibilidade de comunicação digital faz com que as pessoas se locomovam menos,

usem menos o espaço público urbano e “transitem” mais pelo ciberespaço.

Podemos começar buscando exemplos do mundo profissional. Muitas

empresas equipam suas salas com dispositivos audiovisuais que permitem a

realização de reuniões em tempo real entre pessoas através de uma conferência via

vídeo. A prática também é aplicada em cursos de ensino à distância, onde apenas

um professor pode dar aula para centenas, talvez milhares de alunos, que estão em

diferentes localidades, também em tempo simultâneo. O serviço de comunicação

através de voz e vídeo em tempo real já nem podem ser considerados novos. O

Skype, que é um dos mais populares softwares de comunicação por voz e vídeo via

internet, iniciou suas atividades em 2003. Os exemplos seguem com o Google

Hangout, ou o serviço que funciona nos dispositivos da Apple, o Facetime, todos

utilizados para ligações de vídeo via internet.

Além da utilização profissional, isto é, voltada para práticas mercadológicas,

podemos pensar no plano de convivência social e entretenimento. Também

buscamos e encontramos esse tipo de satisfação no mundo digital e certamente,

inúmeras vezes, deixamos de sair às ruas por isso. Comunicar é também uma forma

de lazer, uma atividade que se faz em um momento de ócio no cotidiano:

A comunicação pode ser, como nas conversas sem razão de ser de todo dia, um ato em si: conversar por conversar, para estar junto, para passar o tempo, para dividir um sentimento, uma emoção, um momento, um pequeno nada de cada dia. Comunicar por comunicar. (MAFFESOLI, 2003, p.17).

Lembremos das já saudosas (mas ainda ativas) salas de bate papo online,

que abrigam grupos de pessoas em um ambiente digitalizado que faz referência

metafórica à uma sala onde a conversa flui livremente. Linguagem verbal e por

imagens são postadas, é possível interagir, entrar e sair. Na mesma lógica seguem

diversos outros exemplos de aplicações e softwares que permitem diferentes tipos

de relação não profissional, inclusive com aspectos sexuais, que certamente faz com

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que as pessoas se satisfaçam sem que precisem se locomover fisicamente. Agora,

se pensarmos em tudo que pode ser feito via internet e que antes precisava ser feito

pessoalmente, deparamo-nos com uma lista relativamente grande. Multiplicar isso

pela população virtualmente ativa de um local, isto é, que acessa a internet com

frequência, nos ajuda a entender que o efeito desses fenômenos no tráfego de uma

cidade pode ser realmente grande. E por que pensamos no efeito sobre a cidade?

Pois:

A principal forma de organização social sobre o território são as cidades. O ambiente urbano é organizado de maneira a atender as necessidades diárias de seus habitantes e, atualmente, o papel da informação na urbanidade que toma conta do espaço processa o meio externo ao Homem, porém produzido como extensor das relações sociais, as funções dos elementos da comunicação recriam o espaço geográfico. (GERTEL, 1993, p. 18.).

Se estamos falando de locomoção, estamos falando em deslocamento físico

num intervalo de território. O espaço, contudo, não é o único a ser transposto

facilmente quando se utiliza uma tecnologia de comunicação digital para realizar

uma função que poderia ser feita presencialmente, mas também o tempo é reduzido

a quase zero. A locomoção de um ponto para outro numa cidade populosa pode ser

algo penoso e demorado, com o trânsito provocado por excesso de veículos e a

lotação dos transportes públicos. No meio digital isso simplesmente não existe. Há

também os riscos habituais que uma cidade oferece, como acidentes, assaltos e

afins. Vemos então que, comparando a mesma atividade no mundo físico e no

ciberespaço, há uma diminuição drástica dos elementos negativos que podem atingir

os transeuntes do espaço público urbano tradicional, diante das possibilidades do

ciberespaço.

Como se não fosse suficiente, ao economizar tempo e distância de

deslocamento, se economiza dinheiro, uma outra grande influência social trazida

pela comunicação mediada por computadores. Menos pessoas circulando na rua

significa menos dinheiro circulando também. De uma forma ou de outra, esse

dinheiro também passa a circular pela internet. Basta olhar para os números

crescentes de faturamento do comércio eletrônico ano após ano. Sobre o tecido

social formado por questões da relação entre espaço e tempo, realidade e

digitalidade, comunicação e informação, Schwingel disserta que:

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Para as teorias sociais clássicas, o tempo domina o espaço, o que condiz com a afirmação de Lemos (1996) de que o espaço deixa de existir em função do tempo real no ciberespaço. No entanto, Castelss, ao analisar a nova lógica espacial de uma sociedade global e informacional em que os fatores econômicos poderão “ser reduzidos à geração de conhecimento e a fluxos de informação” (Castells 1999:405) afirma que na sociedade em rede é o espaço que organiza o tempo. (SCHWINGEL, 2004, p. 45)

Em outras palavras, na lógica espacial contemporânea, que envolve a

conexão por redes de comunicação, o tempo parece ser mais influenciado pelo

espaço do que o contrário. Deduzimos assim, que, se uma atividade é oferecida em

uma versão online de si mesma, independente de qual for, há fatores importantes

que podem fazer com que o indivíduo que tem acesso à rede prefira ficar em casa e

realizá-la online. Os efeitos dessa opção são variados e numerosos, mas há um

deles que nos parece óbvio e anterior aos demais: são menos pessoas circulando

pelos espaços públicos urbanos, ou pelo menos, com uma frequência menor.

3.3.2 Quem se locomove, o faz melhor

A tecnologia não atende apenas aqueles que preferem permanecer em casa

quando podem escolher. Ela também busca facilitar a locomoção no espaço das

pessoas que precisam ir à algum lugar. Muitas grandes cidades passaram a se

equipar de maneira a fornecer dados para que seus munícipes transitem com mais

eficiência. Mais uma vez trazemos a ideia dos “meios para conhecer” de Santos,

quando o autor diz que “numa região desprovida de meios para conhecer, [...] a

mobilização dos mesmos recursos técnicos, científicos, financeiros e organizacionais

obterá uma resposta comparativamente mais medíocre.” (1997, p. 193). Nesse

quesito, talvez o melhor exemplo de um meio para conhecer que, além de coletar

dados, os torna estruturados, processa e entrega pronto ao usuário na forma de uma

informação extremamente útil e inteligível, é o aplicativo para dispositivos móveis

Waze.

Para os pouco familiarizados, o Waze é um software gratuito em formato de

aplicativo para dispositivos móveis que calcula e traça rotas de trânsito para seu

usuário, após este informar seu destino. O conjunto de dados processados e os

sistemas de comunicação digitais envolvidos nesse processo são surpreendentes

em seus resultados. O Waze utiliza a localização por GPS (global position system),

juntamente com um vasto banco de dados colaborativo, criado pelos próprios

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usuários, para realizar o cálculo de rota, considerando informações determinantes,

como tráfego congestionado, acidentes no caminho, comandos policiais, e uma série

de outros eventos que podem atrapalhar o percurso. Assim, ele sugere a rota mais

rápida, mesmo que seja uma rota alternativa. Também é possível escolher a rota por

proximidade, mas no geral a rota orientada pelo menor tempo é a sugerida pelo

padrão do aplicativo. Dentre as funcionalidades, também é possível visualizar outros

usuários no mapa em tempo real, ver o tempo estimado de congestionamento,

encontrar estabelecimentos, cadastrar seus locais preferidos como “casa” e

“trabalho”, adicionar mais de um destino à uma mesma viagem, tornar-se visível ou

invisível para os demais usuários, entre outras coisas que facilitam muito o

transporte por veículos no ambiente urbano.

O sistema do Waze também é programado para estudar e “memorizar” os

hábitos de seus usuários, tornando-se uma poderosa ferramenta personalizada.

Após alguns dias realizando o mesmo percurso no mesmo horário, por exemplo, ele

“entende” esse movimento como um hábito e manda alertas sugerindo o caminho.

Ele também se integra à agenda virtual da pessoa e monitora o trânsito, enviando

alertas que avisam com antecedência a hora que o usuário deve sair de casa para

chegar ao compromisso no horário marado.

Quando analisamos o Waze como um serviço que ajuda indivíduos a

encontrarem caminhos pelas tramas de um mapa urbano, pode parecer que sua

função é a mesma que a de um aparelho GPS comum. Enxergamos, porém, dois

principais motivos que fazem do Waze um ótimo exemplo de como as tecnologias de

comunicação digital estão exercendo influência na realidade espacial das cidades:

1) o Waze é um software social e colaborativo: ele permite que as pessoas se

comuniquem e colaborem umas com as outras. Se um Wazer (nome dado ao

usuário do aplicativo) presencia um acidente, ele pode cadastrar com poucos toques

esse evento no mapa real da cidade. Com isso, um alerta é disparado aos usuários

próximos e o sistema passa a considerar essa informação no cálculo das rotas

solicitadas à partir de então. Ele se encarrega de avisar a todos que pretendiam

passar naquela rua. Dentro ainda sua sua característica social colaborativa, também

é possível compartilhar caminhos e rotas com amigos, familiares ou a quem possa

interessar, para que saibam para onde você está indo, de onde está vindo, como

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está o caminho e a que horas o usuário vai chegar. O sistema mantém as pessoas

atualizadas com informativos disparados de tempos em tempos.

2) a popularização dos usuários de Waze faz dele um sistema que rege o

trânsito das cidades: tirando o fico do usuário individual e ampliando para todos os

usuários, que em 2014 já somavam 50 milhões em todo mundo, o que temos é um

sistema gerenciando o trânsito de veículos nas cidades, alterando rotas

automaticamente e dividindo os fluxos de automóveis. O poder representado nessa

atividade é gigantesco, pois atribui-se a um algoritmo, um sistema criado e

programado por uma empresa privada, a função de administração do tráfego urbano.

Ele pode criar ou dissipar congestionamentos, desviar rotas e causar uma série de

outros acontecimentos imprevisíveis. No geral, podemos dizer que o Waze sempre

busca amenizar aglomerações de veículos em uma única via, distribuir melhor a

ocupação das vias públicas e engrenar melhor os fluxos de automóveis, mas os

desdobramentos da utilização massiva do aplicativo são diversos. Positivos como

uma pessoa que chega mais cedo ao trabalho, duvidosos como a possível alteração

no número de acidentes de trânsito (para mais ou para menos?), ou negativos, como

sugerir uma rota rápida, mas urbanamente insegura, como nos casos na cidade do

Rio de Janeiro em que usuários foram guiados por caminhos dentro de favelas e

acabaram assaltados ou mesmo mortos3.

Todas essas percepções de alterações efetivas na reorganização dos

espaços acarretadas pelo uso de tecnologias de comunicação digital são pertinentes

pois, quando falamos em “alterar o espaço”, não há necessariamente uma alteração

física na cidade, uma edificação como um monumento representativo da mudança.

O espaço, como visto no capítulo primeiro nos conceitos de Santos (1997) é

justamente um conjunto de fixos e fluxos, de sistemas de objetos e sistemas de

ações, com profundo valor social, ou seja, que depende da atividade humana, não

apenas uma paisagem concretizada em objetos naturais ou artificiais. O autor

explica que “o sentido que têm as coisas, isto é, seu verdadeiro valor, é o

fundamento da correta interpretação de tudo que existe” (SANTOS, 2001, p. 32).

Uma leitura semelhante é feita por Gabrioti:

Quando a sociedade age sobre o espaço, ela não o faz sobre os objetos como realidade física, mas como realidade social, formas-conteúdo, isto é, objetos sociais já valorizados, aos quais ela (a

3 Notícia citada nas referências.

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sociedade) busca oferecer ou impor um novo valor. (GABRIOTI, 2012, p. 65).

Se consideramos a atribuição de novos valores à objetos do cotidiano como

uma reorganização do espaço, assumimos que os símbolos e conteúdos presentes

nos objetos representam parte importante na ontologia do espaço. Isto é, uma

racionalidade que habita cada objeto, que apresenta uma proposta de uso, mas que

varia com a interpretação subjetiva de cada indivíduo. A racionalidade do indivíduo e

do objeto se chocam e resultam em uma outra, que por sua vez influencia o espaço.

Portanto, o valor do espaço não é objetivo, mas varia com os conteúdos racionais

atribuídos pelos que o habitam. Por isso, são diversos: “Há espaços marcados pela

ciência, pela tecnologia, pela informação, por essa mencionada carga de

racionalidade; e há outros espaços. Há os espaços do mandar e os espaços do

obedecer. (SANTOS, 1997, p. 242).

Começam a tomar forma no horizonte tecnologias ainda mais novas que

passam a trabalhar com o conceito e aplicação de realidades virtuais atribuídas aos

espaços reais. São alterações tão profundas na percepção cognitiva humana, que é

difícil prever quais serão os novos desdobramentos sociais e o que passaremos a

assumir, enquanto sociedade, como realidade.

3.4 A vida cotidiana monitorada por objetos

Quando Santos nos fala sobre os sistemas de objetos, começamos a tomar

consciência sobre a quantidade deles que nos cercam. O indivíduo contemporâneo

tem mais contato com aquilo que é artificial do que com o naturalmente existe.

Diferente das outras espécies que habitam o planeta, o ser humano desde sua pré-

história apresenta a capacidade engenhosa de construir coisas diferentes das que

existem, combinando e transformando elementos, sempre no sentido de facilitar

algum processo que realiza para sobreviver. A princípio, como já visto, os objetos

eram rudimentares. A complexificação dos modos de vida, das organizações sociais,

dos modos de trabalho e das necessidades humanas fez com que os objetos

seguissem na mesma toada e tornassem-se muito sofisticados, com alto nível de

tecnologia agregada.

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O nível de complexidade que atingimos na atualidade é muito alto se

comparado aos dos nossos antepassados. Os objetos computacionais, que

começaram com os computadores, mas que agora se multiplicam em outras formas,

roubaram a cena e parecem ter deixado os demais num plano inferior de sofisticação

e importância. Um dos motivos é o fato de que os dispositivos computacionais

recentes são extremamente eficientes para realizar as práticas da vida moderna.

Com um único smartphone, por exemplo, é possível realizar o trabalho de um

telefone comum, de um gravador de áudio, de uma câmera fotográfica, uma câmera

de vídeo, o trabalho tradicional do correio (mensagens de textos diversas), e de

inúmeras outras tarefas que se fundem em um único aparelho, que além de tudo é

esteticamente atraente (comparando com o design de aparelhos antigos), possuem

uma fonte de alimentação energética própria, isto é, baterias elétricas recarregáveis,

são pequenos, leves e compactos. Todas essas características podem soar banais

hoje em dia, por terem se tornado comuns. Elas foram verdadeiramente banalizadas,

já que os equipamentos desse tipo se tornaram muito popular num curtíssimo

espaço de tempo.

Os sistemas de objetos computacionais assumiram uma posição de evidência

que ofuscou fortemente os demais sistemas. Acontece como que uma naturalização

do que é menos sofisticado. Mas, observando a função desses dispositivos por um

outro ponto de vista, percebemos que eles têm servido para uma atividade

parcialmente oculta que busca identificar e registrar automaticamente os fluxos que

circulam pelo espaço, a fim de atender interesses que nem sempre são natos dos

usuários que fornece os dados, muitas vezes sem saber. Acreditamos que esse

possa ser outro ponto de encontro entre as ideias de Milton Santos e a comunicação

social contemporânea, pois, no nosso ponto de vista, o cotidiano é o tempo

respectivo do espaço social, isto é, o presente que se realiza a cada dia, de modo

ordinário. Estando o cotidiano completamente tomado por objetos técnicos que

trazem consigo suas intencionalidades conectivas e informacionais, edificam-se

outras dimensões, conforme observa o autor:

Com o papel que a informação e comunicação alcançaram em todos os aspectos da vida social, o cotidiano de todas as pessoas assim se enriquece de novas dimensões. Entre elas, ganha relevo a sua dimensão espacial, ao mesmo tempo em que esse cotidiano enriquecido se impõe como uma espécie de quinta dimensão do espaço banal, o espaço dos geógrafos (SANTOS, 1997, p. 257)

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O que Santos reconhece como o “espaço dos geógrafos” é o conjunto

completo dos elementos do cotidiano, pois ele acredita que “o geógrafo é obrigado a

trabalhar com todos os objetos e todas as ações” (1997, p. 257), isto é, ter uma

percepção holística dos acontecimentos, sem segmentos específicos. Perguntamo-

nos se não seria essa também o ponto de vista do comunicador, obrigado da mesma

forma a encarar o cotidiano em sua totalidade para realizar suas análises e ações,

considerando causas e os efeitos das movimentações sociais que animam a

materialidade. Presumimos que sim, pois o espaço geográfico atual se expressa

como conteúdo sistematicamente agregado aos complexos sistema de objetos

informacionais, em bases digitais. Se o conteúdo passa a ser ainda mais necessário

para a compreensão de mundo, o comunicador assume um papel importante no

planejamento das “formas-conteúdo” e de todas as mensagens e intencionalidade

que serão transmitidas, explicitamente ou não, por aquele objeto. Santos coloca que:

Através do entendimento desse conteúdo geográfico do cotidiano poderemos, talvez, contribuir para o necessário entendimento (e, talvez, teorização) dessa relação entre espaço e movimento sociais, enxergando na materialidade, esse componente imprescindível do espaço geográfico, que é, ao mesmo tempo, uma condição para a ação; uma estrutura de controle, um limite à ação; um convite à ação. Nada fazemos hoje que não seja a partir dos objetos que nos cercam. (SANTOS, 1997, p. 257)

O autor reconhece, então, que o cotidiano foi ocupado por esses objetos e

suas lógicas informacionais, nos quais o conteúdo embutido é fator chave para o

reconhecimento do espaço geográfico. O que observamos, adiante, é que tais

objetos, além de induzir ativamente ao uso comunicacional e informacional, com

mensagem que convidam os usuários a se relacionarem, expandirem a rede de

contatos, a conhecer a vida de outras pessoas ou vasculhar os dados alheios,

também realiza automaticamente uma grande coleta de dados, que passam a ser

utilizados pelas empresas detentoras das tecnologias dominantes para os mais

diversos fins, principalmente, os publicitários e propagandísticos.

3.4.1 Dispositivos programados para registrar dados

Quando utilizamos os dispositivos computacionais conectados para realizar

as tarefas do dia a dia, o ato é codificado para uma linguagem de programação

inteligível para os sistemas de computação, conforme vimos no capítulo anterior.

Podemos dizer que hoje, uma das principais áreas do saber responsável pela

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construção da nova realidade digital é a tecnologia da informação, junto com a

comunicação social. No geral, os sistemas de informação são programados para

realizar funções específicas quando acionados pelo usuário, mas recentemente eles

passaram a coletar dados automaticamente, criando uma espécie de registro digital

do cotidiano. Esse registro automático se soma àquele que já acontece

deliberadamente, quando o usuário compartilha os acontecimentos ordinários do seu

dia a dia nas redes sociais digitais diversas. Navegar pela chamada “linha do tempo”

oferecida pelo Facebook, por exemplo, nada mais é do que conferir as atividades

cotidianas daqueles aos quais o usuário se conecta, registradas ativamente em uma

plataforma digital. Considerando que o Facebook é a maior rede social na internet,

com a marca surpreendente de 1 bilhão de usuários ativos diariamente em todo o

mundo4, o resultado prático da utilização dessa rede social é um gigantesco banco

de dados diário, formado colaborativamente por todos os usuários, que possui um

valor simplesmente inestimável do ponto de vista estratégico e amostral.

Lembremos que esse é um registro consentido pelos usuários, que aceitam

os termos de uso para acessar a rede. Agora, contudo, observamos que há também

um tipo de registro que ocorre de forma menos nítida, talvez desavisada, com intuito

de reconhecer padrões de comportamento e organizar com mais assertividade os

fluxos de informações que chegarão a cada usuário. Santos já havia percebido que,

“como hoje nada fazemos sem esses objetos que nos cercam, tudo o que fazemos

produz informação.” (1997, p. 258), mesmo tendo escrito isso quando essa realidade

era muito mais incipiente, mas no sentido de notar um conteúdo informacional em

qualquer tipo de ação realizada nesses objetos. A empresa Google, como exemplo,

é conhecida por monitorar e salvar automaticamente as formas de interação que o

usuário realiza, desde os dados pesquisados em seu sistema de buscas online,

quanto nos caminhos geográficos que os usuários do seu sistema operacional para

smartphones, o Android, realizam em suas atividades.

Apesar desse tipo de registro não acontecer do modo oculto, ele é muito

menos percebido pelos usuários, que apenas recebem os estímulos resultantes

dessa massa de dados coletada. O interesse das empresas nesse caso é

comercialmente estratégico, pois, conhecer a fundo os hábitos de vida e consumo de

4 Fonte citada nas referências.

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uma pessoa é fundamental para atingi-la com propagandas assertivas. Quanto mais

alimentamos os sistemas com dados sobre nosso cotidiano, mais entregamos a eles

os caminhos para que cheguem até nossas mentes, nossos corações e nossos

bolsos. As plataformas de marketing digital online utilizam esses dados para

selecionar automaticamente quem vai ver qual tipo de anúncio. Essa prática virou as

teorias tradicionais do marketing de cabeça para baixo, pois regras são subvertidas,

valores alterados e ações reposicionadas.

Os bancos de dados criados a partir do monitoramento automático são

conhecidos como Big Data, em referência ao grande volume de dados que

diariamente compõem sua base. Schonberger (2013) afirma que “os dados são para

a sociedade da informação o que o combustível é para a economia industrial: o

recurso crítico que possibilitou inovações com as quais as pessoas podem contar.” O

que vemos é a recriação de um cotidiano em formato digital, extremamente denso,

com camadas de tempo sobrepostas em um espaço digitalizado inacessível ao

entendimento humano. Apenas sistemas de análises conseguem extrair desse vasto

campo de dados ordinárias, informações que tornem-se relevantes para algum fim

da vida prática. Neste ponto a comunicação escapa do âmbito social (se é que isto é

possível) e acontece entre sistemas e máquinas computacionais, que, apesar de

terem sido programadas por homens, realizam tarefas automaticamente e começam

a ser capazes de tomar decisões baseada no conceito de persistência de dados.

A dimensão espacial do cotidiano possui agora uma nova vertente, que é

imensamente mais efetiva quando pensamos em utilizar referências passadas para

tomar melhores decisões no presente. Há um forte indicativo de que num futuro

próximo, a evolução e sofisticação dos sistemas que constroem, leem e processam

os dados colhidos pelos diversos objetos presentes no cotidiano das pessoas, sejam

capazes de nos ajudar a tomar melhores decisões para nossas vidas.

3.5 O papel do comunicador na construção do espaço

Entendemos que as formas de comunicar de uma sociedade exercem grande

influência na existência dela própria, isto é, aquilo que se assume coletivamente

como realidade e entende como mundo. Ao assumirmos, ao longo da dissertação,

que a comunicação e a informação passaram a ter um valor central na sociedade

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contemporânea e na construção do espaço geográfico, juntamente consideramos

que os comunicadores passam a ter uma responsabilidade diferente, talvez maior,

perante esta mesma sociedade. As atividades relacionadas à comunicação talvez

tenham sido às que sofreram maior impacto das novas tecnologias, pois agora o

valor comercial é atribuído à conteúdos imateriais, que são dados codificados. “A

informação e o conhecimento tornaram-se os maiores produtores de riqueza das

sociedades contemporâneas. Em realidade, o que se comercializa hoje é

conhecimento” (CABESTRÉ, et al, 2013, p. 167).

Nesse sentido, o teor das informações que circulam pelo sistema tem efeito

direto sobre as manifestações sociais perante o espaço. As informações são dados

qualitativos que podem ser entendidos como comandos em seus efeitos práticos. A

qualidade desse comando é o que faz variar a execução de algo no tempo e no

espaço (GERTEL, 1993). É nítido que “As profissões da comunicação estão em

plena expansão, sem, contudo, virem acompanhadas da mesma legitimidade que as

outras profissões. ” (WOLTON, 2006, p.104). Possivelmente, a falta de legitimidade

citada por Wolton seja reflexo do nível de originalidade e ineditismo que as práticas

de comunicação contemporânea apresentam. Até bem pouco tempo atrás, nada

disso que reconhecemos como sociedade da informação, ou o período técnico-

científico-informacional, existia. Então, simplesmente não haviam teorias ou práticas

que pudessem orientar as atividades dos profissionais. Vemos agora o surgimento

de cursos específicos para as técnicas de comunicação digital, mas ainda de

maneira aparentemente pouco menos profunda ou consolidada do que os estudos

tradicionais da comunicação social, pois é tudo muito recente. A falta de

consolidação é também fruto do dinamismo constante das práticas, que não se

mantém por muito tempo do mesmo modo, estão sempre mudando e sendo

reinventadas. Segundo Santos, no atual período:

O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. (SANTOS, 2001, p.39)

Ora, se as informações fornecidas para a maioria da humanidade confundem

mais do de esclarecem, não podemos acreditar que esse é um fenômeno fruto do

acaso. É possível (para não dizer provável) que seja exatamente essa a intenção de

daqueles que definem as “pautas” globais, que distribuem os dados e organizam os

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fluxos de acesso, e que existem comunicadores que servem conscientemente esse

sistema alienante. Ao considerarmos, junto com Maffesoli (2006), a comunicação

como um cimento social, podemos estender a metáfora ao comunicador, que

passaria então a ser o pedreiro, ou melhor, o empreiteiro das edificações sociais e

espaciais da contemporaneidade. Portanto, cabe ao comunicador, encontrar dentro

do denso emaranhado de redes, dados, objetos e sistemas digitais, uma maneira de

comunicar e informar que seja orientada pela ética e busque construir espaços que

sirvam ao desenvolvimento social e esclareçam mais do que confundam. Como

produtor do conteúdo que se agrega aos objetos, os profissionais da comunicação

têm a possibilidade de realizar ações extremamente significativas para o cotidiano

das pessoas. Pode ser que, de modo geral, essa percepção ainda não tenha se

instalado completamente dentre os profissionais da comunicação. Contudo, de

acordo com a reflexão proposta ao longo do texto, entendemos que gradativamente

o comunicador passe a assumir uma postura compatível com a de um poderoso

agente de criação e alteração do espaço e norteie, assim, suas atividades com

valores morais e éticos e nobres, dignos da posição que passou a ocupar dentro do

período técnico-científico-informacional.

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4 CONCLUSÃO

A grande sorte dos que desejam pensar a nossa época é a

existência de uma técnica globalizada, direta ou indiretamente

presente em todos os lugares, e de uma política planetariamente

exercida que une e norteia os objetos técnicos. Juntas elas

autorizam uma leitura, ao mesmo tempo geral e específica,

filosófica e prática, de cada ponto da Terra. (SANTOS, 2001, p.

171)

Abrimos a conclusão com essa citação para assumir que nos enquadramos

entre os de grande sorte. É uma decisão de pensar nossa época estando submerso

nela mesma, algo desafiador e que, muitas vezes, pode deturbar a visão do

observador, ou torna-la restrita. A sorte, talvez, more nas ferramentas que permitem

acesso tão fácil ao vastíssimo conjunto de informações que existem na internet. É

preciso dizer que estudar a obra de um autor brasileiro com tamanho prestígio é, por

si só, algo gratificante. Quando nos propusemos a criar interfaces entre a geografia

humana de Milton Santos e a comunicação social contemporânea, definimos

questões, apresentadas na introdução, que norteariam a pesquisa e que buscamos

responder ao longo do texto. Um fato que emergiu durante o trabalho é que unir

campos tão vastos de conhecimento social não se mostrou uma tarefa fácil,

sobretudo no sentido de delimitações dos conceitos a serem tratados, dos exemplos

a serem explorados e das conclusões parciais que apareceram ao longo da jornada.

A complexidade do mundo contemporâneo, mesmo que vista em partes, não é algo

amigável ao olhar despretensioso, muito menos à análise profunda, tanto pela

quantidade de objetos quanto pela qualidade das ações possíveis de se

desempenhar através deles. Santos vai ao encontro dessa percepção:

Vivemos em um mundo complexo, marcado na ordem material pela multiplicação incessante do número de objetos e na ordem imaterial pela infinidade de relações que aos objetos nos unem. Nos últimos cinquenta anos criam-se mais coisas do que nos cinquenta mil precedentes. (SANTOS, 2001, p. 171)

Buscamos então, durante o trabalho, encontrar os pontos de contato que

pudessem aproximar a geografia humana da comunicação social, e dissertar sobre

eles. De modo geral, percebemos que a teoria que trata da natureza do espaço

proposta por Santos (1997) coloca como principal elemento criador e definidor do

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espaço a existência social. Por sua vez, essa existência, que nada mais é do que um

conjunto de indivíduos realizando suas práticas habituais dentro dos modelos de

vida vigentes, depende de uma relação entre as pessoas que compõem a

sociedade, uma organização que é mediada pela comunicação social. As técnicas

de comunicação, os meios e a linguagem passam a ser, assim, subfatores

importantes para a definição do espaço geográfico, pois se um deles se altera, as

relações sociais se alteram e o espaço se altera. Pudemos constatar através da

citação e análise de acontecimentos atuais, como os novos meios de comunicação

digital passaram a influenciar e exercer mudanças no espaço público das cidades

em diversas partes do mundo, tanto no sentido do ativismo e militância na internet,

quanto nos aplicativos que alteram as formas de interação dos homens entre si, das

suas abordagens no ambiente, da forma como se locomovem ou realizam as

atividades cotidianas.

Assim, expressamos de modo singelo em um esquema uma linha de

pensamento que acabou se delineando ao longo da dissertação, fazendo crescer

consideravelmente a compreensão quanto a importância da comunicação social

para a criação de um espaço geográfico, dentro da abordagem e dos conceitos

propostos por Santos (1997):

a) Materialidade + existência social criam o espaço;

b) Existência social depende da comunicação e suas técnicas;

c) Técnicas de comunicação diferentes criam uma existência social diferente;

d) Novas técnicas de comunicação criam um novo espaço.

Então, compreendemos que a comunicação social é um fator chave para a

natureza do espaço, pois de acordo com as técnicas e as intenções que carrega,

pode criar existências espaciais completamente diferentes. Entendemos que a as

contribuições de Santos para a comunicação social surgem do destrinchamento do

processo de formação do espaço, atribuindo às relações sociais um papel

protagonista e essencial para a realização da vida cotidiana. Dessa maneira, o autor

assume que a comunicação é decisiva e que a informação é o combustível do

momento. As técnicas e os sistemas de ações tendem a se unificar, seguindo um

padrão global, da mesma forma que os objetos tendem a seguir e possuir

racionalidade e funcionalidades que são comunicacionais.

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Uma outra contribuição que também dialoga com a comunicação social está

na construção do espaço através de lógicas de rede. Mais do que nunca, as redes

passam a assumir uma característica de localidade que altera severamente a

organização espacial da vida, enquanto acontece por meio de técnicas digitais de

comunicação que tornam confusa a distinção do que local e o que é global. A

conexão de pontos no espaço costura uma rede robusta que permite uma ampla

fluidez dos fluxos de comunicação e, conforme visto, quando as informações e os

comandos podem fluir mais livremente, menos há necessidade de deslocamento

físico de objetos ou pessoas, alterando mais uma vez o espaço por meio da

comunicação digital.

Outra abordagem possível que dialoga a geografia com a comunicação é

sobre o ciberespaço, uma metáfora que se realiza através de interfaces gráficas que

transmutam códigos digitais em informações legíveis e interpretáveis, criando a

ilusão de um outro espaço. Após entender as bases da geografia humana de

Santos, pudemos perceber que a noção de espaço se constrói coletivamente na

sociedade através de representações, mesmo que não haja uma materialidade

equivalente. No espaço comum, físico, as percepções humanas e o conjunto de

relações se somam à paisagem natural ou artificial, aos objetos físicos e aos

elementos edificados. No entanto, a noção do ciberespaço é exibida e vivenciada

através de interfaces gráficas que representam, isto é, traduzem dígitos e dados em

imagens. Tanto para transformar, quanto para consumir o que se apresenta na

interface de uma tela, é preciso que o processo de comunicação entre máquina e

máquinas e entre homens e máquinas, aconteça de modo eficaz. Seria então o

ciberespaço um novo espaço construído completamente dentro de sistemas de

comunicação digital e inteligíveis por outros sistemas de comunicação social?

Há ainda a questão da racionalidade presente nos objetos técnicos em

contato com as intencionalidades daqueles que usam. Compreendemos que um

objeto, por si só, traz consigo uma carga de conteúdo que representa uma proposta

de uso. Essa proposta entra em choque com a intenção, necessidade e capacidade

daqueles que o usam. Se os objetos passam a ter diversas funcionalidades,

entendemos que eles possuam mais conteúdos embutidos. Isso nos leva a pensar

que, agora que temos objetos especificados para os fluxos diversos de informação, o

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papel do comunicador na definição e agregação dos conteúdos às formas atinge um

nível mais alto de importância. Santos coloca que:

Nesse emaranhado de técnicas dentro do qual estamos vivendo, o homem pouco a pouco descobre suas novas forças. Já que o meio ambiente é cada vez menos natural, o uso do entorno imediato pode ser menos aleatório. As coisas valem pela sua constituição, isto é, pelo que podem oferecer. Os gestos valem pela adequação às coisas a que se dirigem. Ampliam-se e diversificam-se as escolhas, desde que se possam combinar adequadamente técnica e política. Aumentam a previsibilidade e a eficácia das ações. (SANTOS, 2001, p. 172)

Ao encontro de Santos, observamos que há uma ampliação das escolhas que

se dispõem ao indivíduo. Acreditamos também de que a sociedade globalizada está

passando por uma fase de reconhecimento e apropriação das tecnologias digitais,

entendendo paulatinamente, num processo coletivo, quais são as possibilidades

guardadas em uma base técnica comunicacional conectada por redes digitais.

Deparamo-nos com acontecimentos sociais que se vinculam à internet, que

dependem dela e que, algumas vezes, existem apenas nela. Resta admitir que

alcançar o entendimento sobre a importância da comunicação social para a

construção do espaço geográfico é algo que desperta a curiosidade e inquieta para a

realização de estudos e pesquisas empíricas sobre o assunto, na busca de constatar

em quais medidas pode ser aplicada a afirmação, em quais casos, em qual

intensidade, considerando que seja esta uma afirmação aplicável, algo também a ser

testado. Mesmo assim, o pensamento conclusivo que nos parece mais curioso e

intrigante é que, desde o momento em que passamos a transferir as relações sociais

para as redes digitais de comunicação, surge como que naturalmente uma noção de

espaço que não é diretamente imposta, que se consolida nos termos metafóricos

que dão “ambiência” aos conjuntos de dados e passam a satisfazer boa parte das

necessidades dos indivíduos.

Isso nos faz pensar que, talvez, para se criar espaço geográfico, seja mais

importante deter um conjunto de informações bem arranjado e comunicá-lo de forma

eficaz do que usufruir necessariamente de uma localidade física, mas que não

possua uma rede de relações sociais estáveis e estabelecidas. Em outras palavras,

parece que a natureza do espaço depende mais dos meios de comunicação social

do que de uma existência física local, pois é uma construção coletiva, hoje suportada

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por redes, na qual os indivíduos assumem como espaço aquilo que, para eles,

parece espaço ou funciona como tal.

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Apêndice - VIDA E OBRA DE MILTON SANTOS

Histórico de vida de Milton Santos

Localizada no interior do estado da Bahia, na região da Chapada Diamantina,

encontra-se a pequena cidade de Brotas de Macaúbas. Atualmente, com pouco mais

de 10 mil habitantes, sua economia se baseia em atividades rurais e agropecuárias,

deixando para trás o período que vivia da extração de minérios como ouro e

diamantes. Foi ali que nasceu Milton Almeida dos Santos, mais conhecido como

Milton Santos, filho de Adalgisa Umbelina de Almeida Santos e Francisco Irineu dos

Santos, ambos professores primários, no dia 03 de maio de 1926. Seus avós

maternos também eram professores, de forma que Milton teve seus primeiros

ensinamentos em casa, como matemática, português e francês, indo para a escola

somente aos dez anos de idade. O colégio, fez em Salvador, no Instituto Baiano de

Ensino, após ser aprovado em primeiro lugar como aluno interno no exame de

admissão. Lá conheceu a literatura de Eça de Queiroz, Rui Barbosa, Machado de

Assis, Castro Alves e tantos outros que eram estudados e debatidos entre os

colegas.

Durante o colégio, Milton criou um jornal interno intitulado O Farol, e

posteriormente a publicação O luzeiro, que continha textos seus e de amigos.

Findado esse período, ingressa no curso de direito da Universidade Federal da

Bahia, muito provavelmente influenciado por seu tio Agenor, irmão de sua mãe, um

importante advogado em Brotas de Macaúbas. No curso, sempre participou

ativamente dos movimentos estudantis, muitas vezes como líder. Numa dessas

ocasiões, conheceu o dono do jornal A Tarde, Simões Filho, que o convidou para ser

redator do jornal e que posteriormente seria um grande admirador de seus textos.

“Durante o tempo em que permaneceu nesse jornal, escreveu 116 artigos versando

sobre a zona do cacau, a cidade do Salvador, Europa e África e Cuba e outros

temas locais e globais” (SILVA, 2002). Em 1948, com apenas 22 anos, lança seu

primeiro livro: O Povoamento da Bahia: suas causas econômicas, que lhe garantiu

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ingresso como professor de ginásio em Ilhéus. Seu próximo livro sai em 1953:

Estudos sobre Geografia, seguido por Ubaitaba: estudo de geografia urbana (1954)

e aquele é considero seu primeiro livro a ganhar grande importância: A Zona do

Cacau: introdução ao estudo geográfico (1955), no qual tratou da região cacaueira

no sul da Bahia e suas respectivas cidades, comparando essa economia a um tipo

colonial. A repercussão do desta obra foi tão boa que acabou sendo incluída na

Coleção Brasiliana da Companhia Editora Nacional.

Nos anos seguintes, o autor segue produzindo, já com notoriedade no cenário

acadêmico nacional, contribuindo para o jornal, lecionando, laçando livros e

participando eventos. Pode-se dizer que sua influência francesa se inicia no

Congresso Internacional de Geografia de 1956, onde Milton conhece pessoalmente

autores da geografia que já havia lido, como Pierre Monbeig, André Cailleux, Pierre

Birot, Pierre Deffontaines, todos franceses, (além de Orlando Ribeiro, que era

português), inclusive um dos maiores influenciadores de seu pensamento, Jean

Tricart. É nessa ocasião que Tricart o convida para realizar o doutoramento em um

dos institutos de Geografia mais reconhecidos da Europa, o da Universidade de

Estrasburgo, na França, depois de identificar a sapiência e a qualidade do jovem

autor. Foi nessa primeira temporada fora do Brasil que Milton afirmou ter sofrido

profunda mudança em seu pensamento político e em sua concepção de mundo. O

resultado deste curso foi a tese que virou livro: O Centro da Cidade de Salvador,

considerado um clássico da geografia.

Quando retorna da França em 1958, Milton Santos leciona na Faculdade

Católica de Filosofia. Em 1959, com a ajuda do reitor Edgard Santos e de

professores franceses, organiza um grupo de pesquisa dentro da UFBA, chamado

Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da Universidade da Bahia, uma

proposta inovadora no meio acadêmico, que fez sucesso. Silva comenta que “além

de atrair jovens vindos de todo o Brasil e da França, no Laboratório a motivação era

constante: trabalhos de campo, seminários, cursos, apresentações de trabalhos,

leituras comentadas, reuniões científicas, enfim, um ambiente de efervescência

cultural e científica” (SILVA, 2002). Inicia-se um período de grande produção

intelectual, com mais de 60 títulos produzidos, não apenas de Milton, mas também

de outros pesquisadores nacionais e estrangeiros que contribuíam com o

Laboratório. Dos livros de Milton, são dessa época Rede Urbana do Recôncavo

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(1959), A cidade como centro de região: definições e métodos de avaliação da

centralidade (1959) e Mirianne em preto e branco (1960). Em 1963, Milton Santos

torna-se presidente da Associação Brasileira de Geografia

Naqueles anos, o canário político estava conturbado. O então presidente

Jânio Quadros, que Milton havia conhecido em uma viagem à Cuba e que o indicara

a ser subchefe da casa civil da Bahia, renuncia em 1961, fazendo assumir o cargo o

vice João Goulart, que passou a adotar medidas e propor reformas que diminuiriam

o poder econômico das elites. Entre elas, o direito a voto dos analfabetos, o crédito

aos produtores rurais, valorização do ensino e dos professores, concessão de canais

de comunicação a estudantes, entre outros. Estas medidas levaram a direita

brasileira e os militares a se articularem para depô-lo. Diversas historiadores

consideram o fato que desencadeou o golpe militar em 1964 – que já vinha sendo

preparado - foi um comício realizado no Rio de Janeiro, no qual João Goulart

anunciou um plano de reforma agrária e a nacionalização de refinarias de petróleo

estrangeiras. Naquela sexta-feira, 150 mil pessoas estavam reunidas para

presenciar aquele que ficou conhecido como “o comício das reformas”. Dias depois,

o golpe aconteceu, com a tomada das principais cidades do país por tropas militares.

O presidente deposto se exila no Uruguai e o Marechal Castelo Branco assume a

presidência da república.

A esta altura, Milton já exercia o cargo de presidente da Comissão de

Planejamento Econômico na Bahia, mas foi preso com golpe militar, deixando o

cargo. A notícia de sua prisão fez com que as universidades francesas com as quais

tinha contato oferecessem exílio. Foi solto, mas não encontrou viabilidade para

continuar seu trabalho no Brasil, devido as novas estruturas vigentes. Assim, parte

novamente para Toulouse, onde fica por três anos lecionando e orientando

trabalhos. Segue então para a cidade de Bordeaux e reside lá por mais um ano. De

lá, vai para Paris, cidade em que convive com outros brasileiros exilados, além de

pesquisadores franceses. Posteriormente, devido ao grande prestígio que já havia

conquistado, Milton passa por outros países desenvolvendo trabalhos, lecionando e

pesquisando. A ONU e o governo Venezuelano financiam um estudo sobre Caracas,

passa também por Lima, no Peru, Columbia (EUA), Toronto (Canadá), por dois anos

leciona no MIT (Massachuselts Institute of Technology, em Cambridge), e por fim,

vai à Nigéria, comandar um Laboratório de Geografia. Ao todo, foram 13 anos fora

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do Brasil (com duas visitas pontuais), período em que “estruturou a base do

pensamento que analisa o impacto social provocado pelo desenvolvimento urbano

político e econômico” (SILVA, 2002) e lançou os livros A cidade nos países

subdesenvolvidos (1965), Aspects de la géographie et de l'économie urbaines des

pays sous-développés (1969), Dix essais sur les villes des pays sous-développés

(1970), Les villes du Tiers Monde (1971), Modernisations et "espaces dérivés"

(1971), Le métier de géographe en pays sous-développé: un essai méthodologique

(1971), Dimension temporelle et systèmes spatiaux dans les pays du Tiers Monde

(1972), Geografia y economia urbanas en los paises subdesarrollados (1973), além

de diversos artigos.

Em terras brasileiras, lança em 1978 o livro que havia publicado em francês:

Por uma Geografia Nova e que também é considerado um marco entre os

geógrafos. Mesmo com prestígio internacional, Milton Santos penou para conseguir

encontrar uma colocação nas universidades brasileiras em seu regresso. Realizou

trabalhos no Rio de Janeiro e em São Paulo como consultor e chegou a ser

contratado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro como professor assistente.

Em 1984 faz um concurso para a Universidade de São Paulo e é aprovado. Fica

claro que sua ausência nas universidades neste período tinha muito mais relação

com o período político do país do que com sua capacidade intelectual e docente. Daí

em diante, juntamente com o fim do regime militar, pode dar continuidade à sua

carreira acadêmica singular. Dentre todas as funções que exerceu, destacam-se a

de Presidente da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em

Planejamento Urbano e Regional, Consultor no Senado Federal da Venezuela para

questões metropolitanas, Coordenador de Arquitetura e Urbanismo da FAPESP,

Consultor das Nações Unidas, Organização Internacional do Trabalho, Organização

dos Estados Americanos e UNESCO, além de professor convidado de várias

universidades nacionais e estrangeiras.

Estabeleceu escritório e residência em São Paulo onde passou os anos finais

de sua vida, sempre em plena atividade. Ganhou ainda mais notoriedade, sobretudo

na grande mídia, após receber o prêmio Vautrin Lud, equivalente ao prêmio Nobel

da geografia. Passou a ser entrevistado em diversos programas de televisão. Por

volta do ano de 1994 foi diagnosticado com câncer de próstata e, em 2001, aos 75

anos, veio a falecer após passar cinco dias internado no Hospital do Servidor Público

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Estadual em São Paulo. Casou-se duas vezes: primeiramente com Jandira Rocha,

com quem teve seu primeiro filho, Milton Filho, e anos depois com Marie Hélène, que

deu à luz Rafael. Seu último prêmio recebido foi o Multicultural Estadão Cultura em

2000, ocasião em que discursou em agradecimento, dizendo entre outras coisas

algo que ilustra, ao mesmo tempo, o alcance de sua obra e sua humildade:

Meu desejo secreto, o desejo dos pensadores, e é difícil confessa-lo, é que o seu trabalho possa ter alguma repercussão, sobretudo quando ele ultrapassa os limites da sua própria área e da universidade. O fato de seu o trabalho ter uma visibilidade em camadas mais amplas da sociedade dá ao seu autor, não a certeza que ele tenha o aplauso geral, mas um certo conforto de ver que o seu discurso não é um discurso fechado. (SANTOS apud SILVA, 2002)

Produção intelectual de Milton Santos e suas repercussões

Milton escreveu muito, desde sua juventude. Ao todo, foram mais de 300

artigos publicados em revistas científicas e mais de 40 livros, em diferentes idiomas:

português, francês, espanhol, inglês e japonês. O rigor de seus trabalhos desde

cedo foi reconhecido, bem como a seriedade e humildade que sempre demonstrou

ao longo de sua carreira. Grosso modo, podemos dizer que o autor sempre esteve

atento a epistemologia da geografia, sendo um crítico assíduo do pensamento

neopositivista. Seus estudos também evoluíram muito a questão do espaço e sua

dimensão social, além de ter também sido um crítico ferrenho do processo de

globalização.

De uma maneira geral, sua obra pode ser dividida em três grandes fases: a

primeira delas é o início de sua carreira, quando residia na Bahia e escrevia sobre

este estado, estudava a região e suas dimensões populacionais, econômicas e

políticas. Durante este período também atuou como jornalista e realizou seu curso

de doutorado na França. Os títulos oriundos dessa fase são: O Povoamento da

Bahia: suas causas econômicas (1948); Estudos sobre Geografia (1953); Os

estudos regionais e o futuro da geografia (1953); Ubaitaba: estudo de geografia

urbana (1954); A zona do cacau: introdução ao estudo geográfico (1955); Problemas

de geografia urbana na zona cacaueira bahiana (1956); O papel metropolitano da

cidade de Salvador (1956); Estudos de geografia da Bahia: geografia e planejamento

(1958); O centro da cidade de Salvador: estudo de geografia urbana (tese de

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doutorado) (1958); Rede Urbana do Recôncavo (1959); A cidade como centro de

região: definições e métodos de avaliação da centralidade (1959); e Marianne em

preto e branco (1960).

A segunda fase é aquela em que Milton deixa o Brasil após ser preso assim

que o regime militar assume o Brasil, o período de seu exílio na França e em outros

países no qual conquista admiração e reconhecimento na comunidade acadêmica

internacional. Os livros oriundos dessa fase são: A cidade nos países

subdesenvolvidos (1965); Aspects de la géographie et de l'économie urbaines des

pays sous-développés (1969); Dix essais sur les villes des pays sous-développés

(1970); Les villes du Tiers Monde (1971); Modernisations et "espaces dérivés"

(1971); Le métier de géographe en pays sous-développé : un essai méthodologique

(1971); Dimension temporelle et systèmes spatiaux dans les pays du Tiers Monde

(1972); Geografia y economia urbanas en los paises subdesarrollados (1973); O

trabalho do geógrafo no terceiro mundo (1978); Por uma geografia nova: da crítica

da geografia a uma geografia crítica (1978); Espaço e Dominação (1978); Pobreza

Urbana (1978); Espaço e Sociedade (1979); Espaço Divino (1979); Economia

espacial: críticas e alternativas (1979); A urbanização desigual: a especificidade do

fenômeno urbano em países subdesenvolvidos (1980); Manual de geografia urbana

(1981); Pensando o espaço do homem (1982); Ensaios sobre a urbanização latino-

americana (1982); Espaço e Método (1985); e O espaço do cidadão (1987).

A terceira e última fase da obra de Milton Santos é representada pelo tempo

que viveu em São Paulo, após passar 13 anos exilado. Atua como professor da USP

e passa a receber vários prêmios e títulos. Seus livros nesse período falam sobre o

processo de globalização, o meio técnico-científico informacional, que trata da

transformação que o homem faz através das técnicas no espaço natural, sobretudo

aquelas difundidas e ampliadas pelo processo de globalização, a filosofia da técnica

apoiada pela geografia, entre outros temas concernentes. Desse período nascem:

Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da

geografia (1988); Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São Paulo (1990); A

Urbanização Brasileira (1993); O Novo mapa do mundo: fim de Século e

Globalização (1993); O Novo mapa do mundo: Natureza e sociedade de hoje: uma

leitura geográfica (1993); O Novo mapa do mundo: Globalização e espaço latino-

americano (1993); Território, Globalização e Fragmentação (1994); Por uma

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economia política da cidade: o caso de São Paulo (1994); Técnica, Espaço, Tempo:

Globalização e meio técnico-científico informacional (1994); A natureza do espaço:

técnica e tempo, razão e emoção (1996); Por uma outra globalização: do

pensamento único à consciência universal (2000); e O Brasil: território e sociedade

no início do século XXI (2001).

Tamanha produção intelectual, sendo todas muito bem elaboradas, frutos da

dedicação e organização ferrenha por parte do pesquisador, só poderia culminar em

reconhecimento à altura. Milton Santos lecionou em importantes universidades na

Europa, África, América do Norte e do Sul, dentre as quais recebeu diversos títulos

de Doutor honoris causa. São eles: Universidade de Toulouse (1980) onde se

doutorou; Universidade Federal da Bahia (1987); Universidade de Buenos Aires

(1992); Universidade Complutense de Madri (1994); Universidade Estadual do

Centro Oeste, Estado da Bahia (1995); Universidade Estadual da Bahia (1995);

Universidade Federal de Sergipe (1995); Universidade Federal de Santa Catarina

(1995); Universidade Estadual do Ceará (1996); Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (1996); Universidade de Passo Fundo (1996); Universidade de

Barcelona (1996); Universidade Nacional de Cuyo, Argentina (1997); Universidade

Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP (1997); Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (1998); Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999);

Universidade de Brasília (1999); Universidade Federal de Pernambuco (1999).

Dentre os outros prêmios e títulos que recebeu, encontram-se a maior

distinção dentro da geografia, equivalente ao prêmio Nobel, o Prêmio

Internacional de Geografia Vautrin Lud, em 1994; Recebe também a Medalha do

Mérito, Universidad de La Habana, em Cuba, 1994; a Ordem Nacional do Mérito

Científico pelo Governo Brasileiro em 1995; também é premiado com a Medalha da

Câmara Municipal de São Paulo, em 1995; Prêmio do Mérito Tecnológico pelo

Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, em 1995; Ordem do Mérito do

Sevidor Público pela Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo,

em 1996; prêmio Jabuti de 1997 para o melhor livro de ciências humanas, com “A

Natureza do Espaço”; o Colar do Centenário pelo Instituto Histórico e Geográfico de

São Paulo, em 1997; o Prêmio Personalidade do Ano do Instituto de Arquitetos do

Brasil em 1997; o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo em 1997; a Medalha

Anchieta, na Câmara Municipal de São Paulo em 1997; o Prêmio Vozes Expressivas

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do Final do Milênio pela Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro em

1997; o Título de Cidadão Bauruense, pela Câmara Municipal de Bauru em 1997; o

prêmio O Brasileiro do Século, na categoria Educação, Ciência e Tecnologia pela

Revista Istoé de 1998; o Título Homem de Ideias de 1998; a Ordem 16 de

septiembre na Venezuela em 1998; Prêmio Gilberto Freyre de Brasilidade, em 1999;

a 11ª Medalha Chico Mendes de Resistência, cedida pelo Grupo Tortura Nunca

Mais, no Rio de Janeiro em 1999; a Medalha do Mérito da Fundação Joaquim

Nabuco, em Recife no ano de 1999; a Ordem do Mérito da Fraternidade Ecumênica,

na categoria Educação, pelo Parlamento Mundial da Fraternidade Ecumênica em

Brasília, também em 1999;

É preciso ainda dizer que esta vasta lista não está completa. Existem diversos

outros prêmios de menor repercussão que acabam não relatados ou considerados

na carreira de Milton Santos. Com isso, pode-se ter uma ideia da qualidade de seus

trabalhos, de sua seriedade como pesquisador e de sua capacidade como intelectual

e docente.